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CENAS DA VIDA

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CIÊNCIA & TALENTO

CIÊNCIA & TALENTO

Localize o “outro”

Vivemos épocas difíceis. Rusgas, amizades desfeitas. Pessoas amigas de longa data ficam distantes. Por quê? Erramos? Antes ou agora?

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Talvez nenhuma das hipóteses seja válida. Talvez vivamos épocas tensas pela crise sanitária, crise econômica e rivalidades ideológicas turbinadas. Acrescente-se que o contexto já não era nada sereno. A ansiedade já fora chamada do mal do século XXI.

Nesse caldeirão, contendo uma mistura fervente e apimentada, nos vimos repentinamente.

Aliás, como tudo que acontece na era da IA (Inteligência Artificial), 5G, robôs que disputam nossos postos de trabalho e, pior, algoritmos plenos de soberba que dizem até o que nós mesmos não sabíamos! São medidos nossos olhares na TV, celulares e gravações ocultas dizem o que deveríamos comprar, o quê... etc. Cuidado, Smart TVs podem ser mais “smarts” para quem está gravando do que para nós, proprietários.

E os robôs bombardeadores de fakenews, perversamente com inconfessáveis interesses?

Esquecemos o primeiro dos mandamentos? Amar o próximo como a ti mesmo é o que se explicita nas redes sociais? Perdemos a confiança nas pessoas?

Em estudo comparativo entre budismo, cristianismo, judaísmo e islamismo, Aldous Huxley em “A filosofia perene”, mostra que os eixos de todas essas religiões são comuns.

E todas evidenciam em compartilhamento, em respeitar o próximo e por ele ter compaixão.

Infelizmente, fora o cristão, sei apenas o mantra budista “Om padmia om”. Um cumprimento que significa “que o Deus que habita em você seja o mesmo que mora em mim”.

Uma bela versão do “ama o próximo...”. Uma bela acolhida a um estranho que acabamos de conhecer. Mantras, hai-kais e parábolas vindas do oriente são interessantes porque conseguem sintetizar algo complexo, porquanto intangível, em uma breve estória.

Uma delas que reflete bem esse momento aprendi num dos cursos que fiz no Japão em 1997.

Um idoso professor, duas características das mais respeitadas no Japão (idade e docência junto com shoguns, samurais, artesãos e agricultores com agiotas em último lugar), proferia suas aulas usando as lendas e a cultura japonesa, principalmente usando contos budistas.

Bom dizer que pouco tempo depois escrevi essa estória porquanto impressionado, ainda, com tantas outras que ouvi por lá. Crônica já publicada, portanto. Mas hoje ela é muito mais necessária que seja mostrada, tentando referenciá-la como inspiração para o nosso momento de difícil superação. E, também, porque mais de 20 anos se passaram. Apesar de ela ser tão eterna como a humanidade.

Mas o professor, explicando a noção de cliente, tanto em nossa empresa como na vida onde ora somos clientes e ora somos fornecedores, mostrou a principal condição para conseguirmos exercer bem nosso ofício seja ele qual for e aonde estiver sendo efetuado.

Então “senta que lá vem NESTOR SOARES TUPINAMBÁ à estória!”. é engenheiro, mestre em urbanismo e

Séculos atrás, o mais famo- consultor de transporte so samurai do Japão, Jun Shima- E-mail: nstupinamba@uol.com.brbukuro, caçava nas montanhas japonesas em pleno verão. Suava muito e, com sede, procurava regatos para tomar água.

Nas altitudes montanhosas, os poucos encontrados estavam quase secos. Então, avistou as torres de um templo budista e dirigiu-se para lá. Tocou o sino e foi atendido por um menino.

Explicou que estava com muita sede e queria tomar algo para acabar com a garganta seca.

O menino, com firme olhar, curvou-se e saiu celeremente voltando com a cuia com um chá.

O samurai tomou-o rapidamente e disse que ainda estava com sede. A cena se repete e o menino volta com outra cuia. Saciado, o samurai Shimabukuro disse que apreciou muito o chá e gostaria de, agora pausadamente, saboreá-lo. Vem então a terceira cuia. Numa troca de olhares, nosso guerreiro fita o menino enquanto degusta o chá.

Terminando, pede à criança que chame o monge superior. Aparece então, cabelos brancos, o monge Kenzo Nakata, famoso por seus ensinamentos.

Após as reverências (para samurais e monges curva-se o máximo 60º), Shimabukuro san se apresenta ao monge e conta que se sente cansado e que estaria no momento de escolher uma criança para sucedê-lo. E aponta para o menino. O monge diz que seria uma honra, mas, como o escolhera tão rapidamente? Da minha janela reconheci-o como o famoso guerreiro e observei-os, diz o religioso. Foram poucas palavras, como sabe que ele conseguirá sucedê-lo?

O samurai lembra que uma das condições mais importantes para um guerreiro nobre é o conhecimento e o respeito pelo outro. Mesmo numa luta isso é levado em conta. É só ver como se olham fixamente ao início da contenda...

E essa criança (Kenji Yamashita, que tornou-se um lendário samurai) rapidamente se colocou no meu lugar. A primeira cuia tinha chá frio pois eu iria tomá-lo rapidamente. A segunda cuia veio com o chá morno para que eu acabasse com a sede, mas, também, degustasse o chá. E a terceira veio com o chá bem quente, como se deve servi-lo. E para que eu o saboreasse lentamente. Ou seja, ele sentiu como eu estava, em cada momento e fez exatamente como eu o faria. Isso não é comum nas pessoas. Então não queria perder a oportunidade. Ele será meu sucessor!

Em se tratando de sábios, o monge Nakata sensei concordou e, rapidamente, trouxe um simples embornal (como eu usava em Brotas, o emborná!) com os pertences do garoto.

Sorrindo, se despediram. E o sagaz samurai, com o consentimento do não menos sagaz monge e o entendimento do inteligente menino viram aparecer um digno sucessor do samurai de jun Shimabukuro!

Localizar o “outro” é conhecê-lo e entendê-lo. O que permite uma convivência respeitosa e afetuosa. Com recíprocos aprendizados.

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