Mawali–Taqsim: Improvisação como espaço e tecnologia da humanidade

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Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam

36 a Bienal de São Paulo

Recursos de acessibilidade

Acesse nosso canal no YouTube e confira o registro da Invocação #3

Mawali–Taqsim:

Improvisação como espaço e tecnologia da humanidade

Desde 1953, ano de sua segunda edição, a Bienal de São Paulo se destaca por seu compromisso educacional, promovendo iniciativas que facilitam o acesso de diversos públicos – incluindo professores, estudantes e educadores – aos conteúdos das exposições. Em 2009, a Fundação Bienal estabeleceu uma equipe permanente de educação que vem, a partir de então, desenvolvendo e implementando projetos educativos para cada edição. Esses projetos incluem a realização de publicações, visitas mediadas, oficinas e programas de formação para professores e educadores, visando atender à missão da Fundação Bienal de ampliar o acesso à arte contemporânea.

Para a 36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas –Da humanidade como prática, a Fundação apresenta uma série de quatro volumes de publicações educativas que têm dois objetivos que se complementam, ambos de fundamental importância para a Bienal. O primeiro deles é registrar e compartilhar as contribuições das Invocações – encontros curatoriais com artistas e poetas, que investigam as noções de humanidade, tema da mostra, a partir de quatro geografias distintas: Marrakech, Guadalupe, Zanzibar e Tóquio. O segundo objetivo é atender às demandas do projeto educacional da 36ª Bienal, com os livros sendo utilizados na formação de mediadores e em ações de difusão, tanto durante os meses de preparação e realização da exposição quanto ao longo do programa de mostras itinerantes que ocorrerá logo depois dela.

Como é próprio da Bienal de São Paulo, os conteúdos dessas publicações articulam elementos locais e globais, conjugando práticas e questões do contemporâneo. Fruto de uma parceria com a Center for Art, Research and Alliances (CARA), que copublicou os livros com a Fundação Bienal, e a A&L Berg Foundation, que apoiou o projeto desde o início, pela primeira vez as publicações educativas da mostra contam com uma versão em inglês que será distribuída entre leitores estrangeiros, possibilitando um maior alcance das experiências das Invocações e dos nossos conteúdos educacionais, reafirmando a vocação internacional que há mais de setenta anos vem sendo colocada em prática.

CARA tem a honra de coproduzir esta publicação com a Fundação Bienal de São Paulo, reforçando nosso compromisso compartilhado com expandir os espaços para investigações artísticas e intelectuais. O programa das Invocações e os quatro volumes educativos ecoam a dedicação de CARA para transformar as publicações em agentes de mudança, nas quais o conhecimento não é apenas registrado, mas ativado por meio de encontros entre várias disciplinas e geografias. Nossa abordagem institucional fomenta pesquisas abertas, incentiva o desafio a narrativas fixas e adota a contação de histórias como uma forma de manter as ideias em movimento, abalando discursos dominantes e abrindo caminhos para que esses sejam desaprendidos.

Com base nesses valores, o programa editorial de CARA amplifica vozes negligenciadas, apoiando profissionais mais experientes e em fase intermediária da carreira, além de historiografias alternativas. Nossos livros incluem práticas literárias e poéticas, artes visuais, performáticas e de imagens em movimento e a ação radical como forças entrelaçadas que moldam nossa compreensão dos mundos interconectados. Por meio das Invocações, CARA mantém seu comprometimento em transformar o setor editorial em um espaço de ressonância, no qual o trabalho artístico e intelectual resiste a narrativas singulares. A colaboração com a 36ª Bienal de São Paulo fortalece nossa missão de reverberar artistas, estudiosos e trabalhadores da cultura, cujas contribuições desenham o discurso crítico, incentivam novas conexões e expandem os limites do pensamento.

Aqui na CARA, perguntamos: como podemos sonhar para além de nós mesmos? Essa é a questão que orienta nossa visão editorial, convidando-nos a criar espaços nos quais o conhecimento é compartilhado e aprofundado em uma relação dinâmica. Para nós, a publicação é um processo de criação de uma constelação generativa, onde vozes convergem, entrelaçam-se e ampliam o que pode ser imaginado em conjunto. Essa colaboração dá corpo aos nossos valores para oferecermos livros que desafiam, desestabilizam e inspiram novas formas de ser e pensar no mundo.

A A&L Berg Foundation, criada em 2023 por Allison e Larry Berg, oferece acesso, ferramentas e recursos para criar, desenvolver e sustentar perspectivas e narrativas diversas nas artes visuais dos Estados Unidos. Apoiamos e fortalecemos indivíduos comprometidos em gerar impactos sistêmicos e escaláveis em suas práticas e comunidades. O principal programa da instituição é a ESAP Fellowship, que apoia e capacita curadores, educadores e administradores das artes visuais em início de carreira, atuantes em espaços e instituições de arte nos Estados Unidos. Ao construir uma duradoura rede de apoio entre pares e ao oferecer ferramentas de orientação e oportunidades para expandir grupos e comunidades profissionais, a Foundation cria caminhos de carreira mais equitativos nas artes visuais e busca, em última instância, fortalecer e diversificar os ecossistemas internos das instituições artísticas do país.

Nossos programas oferecem acesso a redes de contato, oficinas de desenvolvimento profissional, viagens de pesquisa internacionais, mentoria, coaching em habilidades relacionais e interpessoais, além de apoio financeiro para enfrentar desigualdades sistêmicas. Todos os anos, um júri diferente, composto por renomados profissionais das artes, indica candidatos com base em um conjunto de critérios previamente acordados, e convidamos seis dessas pessoas para integrar a nova turma da fellow. Nosso diretor de programa convidado – um profissional das artes que já superou com sucesso os desafios enfrentados pela respectiva turma – é responsável por desenhar os detalhes do programa anual, com foco nas habilidades relacionais específicas que cada grupo necessita para o crescimento de suas carreiras.

Durante os dez meses da fellow, a Foundation oferece cinco pilares de apoio: mentoria com um profissional mais experiente da área de artes; oficinas de habilidades relacionais com especialistas de diversas indústrias; um subsídio financeiro irrestrito; uma viagem internacional de pesquisa robusta, que abre portas e proporciona engajamento com líderes e pares do ecossistema global das artes visuais; e suporte contínuo para o crescimento profissional.

A&L Berg Foundation

A Fundação Bienal de São Paulo agradece aos parceiros CARA e A&L Berg Foundation pela colaboração especial nas publicações educativas da 36ª Bienal.

O Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura, celebra a realização da 36ª Bienal de São Paulo em parceria com a Fundação Bienal de São Paulo. Assim como os grandes festivais de cinema, a Bienal de São Paulo –a segunda mais antiga do mundo – desperta enorme expectativa no circuito global de exposições. Neste ano, com o título Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática, inspirado em um poema da renomada escritora brasileira Conceição Evaristo, a Bienal reafirma sua vocação como grande vitrine para as produções mais atuais do cenário artístico nacional e global, sem perder de vista sua ampla atuação educativa na formação de novos e conhecidos públicos.

O Ministério da Cultura tem trabalhado para fortalecer o setor cultural por meio de diversas iniciativas e instrumentos de fomento. Políticas como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura fomentam outras linguagens artísticas, criando oportunidades para artistas, produtores culturais, gestores e visitantes. Criar condições sólidas para a cultura é fortalecer a economia criativa e estimular a implementação de políticas culturais perenes, permanentes e democráticas.

Estar ao lado de projetos como a nova sala de cinema da Bienal é motivo de orgulho por reunir, ao mesmo tempo, duas questões caras ao Governo: a ampliação do acesso democrático aos equipamentos culturais aliado a um braço educacional capaz de mediar e dar sentido àquilo que é exposto. Ao prever sessões de filmes gratuitas acompanhadas de ações educacionais, cria-se mais um palco para fortalecer a cultura do nosso premiado e cada vez mais atuante campo audiovisual do país.

O Governo Federal segue comprometido com a arte e a educação, frentes indispensáveis para assegurar o direito à cidadania e a um futuro mais justo para todos. Seguiremos investindo em iniciativas que encorajam a criação e a inovação cultural, garantindo que eventos como a Bienal de São Paulo continuem a inspirar e a transformar gerações.

Margareth Menezes

Ministra da Cultura – Governo Federal do Brasil

Há mais de 35 anos, o Itaú Cultural (IC) tem desempenhado um papel fundamental para a valorização da arte, cultura e educação de uma sociedade complexa e heterogênea como a brasileira. Essa atuação se expande por meio de parceiros essenciais para o desenvolvimento do setor da economia da cultura e das indústrias criativas, como a Fundação Bienal de São Paulo.

O Itaú Unibanco se orgulha de ser um dos patrocinadores da Fundação Bienal de São Paulo – há 27 anos, sendo esta a 12ª edição realizada nesse período –, reafirmando o compromisso com a promoção das artes visuais e o seu papel transformador. A Bienal de São Paulo é um importante espaço de encontro e intercâmbio entre artistas, curadores, críticos e público.

Nesse campo, o Itaú Cultural articula ações de fruição, formação e fomento, entre elas, as exposições individuais e coletivas que acontecem tanto na sede na Avenida Paulista, 149 (com entrada gratuita) quanto em equipamentos nas cinco regiões do país. Entre as exposições de 2025, destaque para Carlos Zilio – A querela do Brasil, com curadoria de Paulo Miyada, que trará uma retrospectiva desse artista que, com erudição e irreverência, explorou as tensões da arte brasileira. Também serão dedicadas mostras à artista visual Rivane Neuenschwander e ao curador e crítico Paulo Herkenhoff.

Acesse itaucultural.org.br para navegar pelas exposições virtuais Filmes e vídeos de artistas, com produções audiovisuais de caráter experimental, e Livros de artista na Coleção Itaú Cultural, cujos recursos imersivos e interativos permitem uma apreciação detalhada. Já na Enciclopédia Itaú Cultural (enciclopedia.itaucultural.org.br) você tem acesso a centenas de verbetes de personagens, de obras e de eventos de artes visuais.

Estar presente na Bienal de São Paulo reforça nosso objetivo de construir vínculos com diferentes públicos, prezando pela diversidade de formatos, pensamentos e subjetividades e fomentando o fazer criativo e crítico através da arte e da cultura brasileiras.

Itaú Cultural

A Bloomberg se orgulha de patrocinar a 36ª edição da Bienal de São Paulo. Há mais de uma década temos apoiado as excepcionais exposições de arte contemporânea da Bienal no deslumbrante Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, e também pelo Brasil, através da nossa parceria com a Fundação Bienal. A edição deste ano continua a tradição de apresentar instalações de arte cativantes e provocativas, que são gratuitas e abertas ao público.

Todos os dias, a Bloomberg conecta importantes tomadores de decisão a uma rede dinâmica de informações, pessoas e ideias. Com mais de 19 mil funcionários em 176 escritórios, levamos informações financeiras e de negócios, notícias e conhecimento ao mundo todo. Nossa dedicação à inovação e às novas ideias se estende através do apoio de longa data às artes, a qual, segundo acreditamos, é um caminho importante para motivar cidadãos e fortalecer comunidades. Através de nossos patrocínios, ajudamos a promover o acesso à cultura e a empoderar artistas e organizações culturais para atingir novos públicos.

Bloomberg

Para o Bradesco, um banco brasileiro por excelência e que completou 83 anos, arte e cultura não são apenas elementos fundamentais à formação da identidade de um povo ou de construção de seu patrimônio imaterial, mas também uma jornada de inclusão e cidadania, uma saudável convergência entre diferentes pontos de vista. É, por assim dizer, um caminho em direção ao novo, mas com o cuidado de valorizar aquilo que é especial o bastante para ser história ou tradição.

Portanto, quando se fala em arte e cultura, perdem sentido as fronteiras entre passado, presente e futuro, entre o que é forma ou conteúdo. Tudo vira reflexão e aprendizado, tudo se transforma em provocação e surpresa.

Foi a partir dessa interpretação, combinada à visão positiva do papel das empresas na viabilização do que a sociedade considera importante, que o Bradesco se tornou patrocinador da 36ª edição da Bienal de São Paulo, seguramente um dos principais eventos do país voltado a estimular o circuito artístico, divulgar as diversas expressões de arte e promover o intercâmbio cultural, com tudo de bom que ele agrega.

Ao participar de algo a um só tempo grandioso e de muitos significados, o Bradesco compartilha com a Fundação Bienal de São Paulo – que organiza o evento há mais de seis décadas – o propósito de democratizar o acesso à cultura, multiplicar seu alcance e promover a valorização da arte.

É um caminho sem fim, sem volta, repleto de desafios e ao menos uma certeza: quanto mais gente participando dele, melhor!

Bradesco

A Petrobras possui uma história de mais de quarenta anos acreditando de forma contínua na cultura como elemento transformador e fonte de energia para a sociedade. Apoiando projetos únicos e parcerias de longo prazo, construímos uma relação de respeito e colaboração com realizadores e iniciativas em todo o país.

O Programa Petrobras Cultural tem a brasilidade como elemento norteador, que se materializa nas temáticas, origens, curadoria, história e características de cada projeto que selecionamos. Por meio do incentivo a diversos projetos, colocamos em prática nossa crença de que a cultura é uma importante energia que transforma a sociedade. Acreditamos que, com criatividade e inspiração, promovemos crescimento e mudanças.

A Bienal de São Paulo é um dos mais prestigiosos eventos do setor no país e no mundo. O patrocínio da Petrobras reforça o papel da empresa na promoção da cultura, em suas diversas formas, consolidando a companhia como uma das maiores apoiadoras das artes no Brasil.

Eventos como a Bienal de São Paulo contribuem de forma relevante para a economia, promovendo inovação, criatividade e sustentabilidade à dinâmica econômica. A Petrobras é uma aliada do desenvolvimento do país em seus diversos setores. Investe em muitas formas de energia, e a cultura certamente é uma delas.

A Petrobras tem orgulho em apoiar a cultura brasileira em sua pluralidade de manifestações, levando a arte a todos os públicos, por todo o país. Porque cultura também é nossa energia.

Para conhecer mais sobre o Programa Petrobras Cultural, visite petrobras.com.br/cultura.

Petrobras

O Instituto Cultural Vale acredita no poder transformador da cultura. Como um dos principais apoiadores da cultura no Brasil, patrocina e impulsiona projetos que promovem conexões entre pessoas, iniciativas e territórios. Seu compromisso é tornar a cultura cada vez mais acessível e plural, ao mesmo tempo em que atua para o fortalecimento da economia criativa.

Assim, é uma alegria fazer parte da realização desta 36ª Bienal de São Paulo e de seu programa educativo, que experimenta novos formatos e abordagens. Formulado a partir das Invocações propostas pela curadoria – encontros com poesia, música, performance e debates que investigam noções de humanidade em diferentes geografias –, o programa educativo expande a comunicação da Bienal com os diferentes públicos e promove sua difusão para além do espaço e do tempo de exposição, de maneira interdisciplinar.

A cada nova edição, a Bienal nos convida a repensar a arte como exercício de diálogo, de abertura a novas narrativas e como espaço de aprendizado. Nesse sentido, conecta-se ao propósito do Instituto Cultural Vale: o de ampliar oportunidades para aprender, refletir, desenvolver novos olhares e compartilhar arte, cultura e educação, dentro e fora dos museus, em todo o Brasil.

Onde tem cultura, a Vale está.

Instituto Cultural Vale

Há 110 anos, o Citi faz parte da história do Brasil, acompanhando suas transformações e impulsionando seu desenvolvimento. Nossa trajetória se confunde com a do país: somos testemunhas e participantes de um Brasil que se reinventa e que avança.

Mais do que uma instituição financeira, somos uma presença que acredita na força da cultura e da educação como motores de um futuro mais inclusivo, inovador e sustentável. Investir nesses pilares é também valorizar a pluralidade, a criatividade e o talento que definem o espírito brasileiro.

É com esse compromisso que, pela primeira vez, temos orgulho de apoiar a 36ª Bienal de São Paulo – um dos mais importantes espaços de expressão artística da América Latina, onde o Brasil pensa, sente e se reinventa através da arte.

Acreditamos na arte como agente de transformação social. A criação artística tem o poder de provocar diálogos, ampliar repertórios e inspirar novas possibilidades de mundo. Ao patrocinar a Bienal, reafirmamos nosso compromisso com a cultura, com a inovação e com todos aqueles que, por meio da arte, constroem novas narrativas para o presente e o futuro.

Citi

A Vivo acredita na cultura como meio de transformação social e é uma das principais marcas apoiadoras das artes visuais, cênicas e da música no Brasil. A arte, como a tecnologia, cria conexões entre as pessoas e incentiva a busca do equilíbrio entre a história, a natureza e o tempo.

Atualmente, a Vivo é patrocinadora dos principais museus do Brasil, como o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), a Pinacoteca de São Paulo, o Museu da Imagem e do Som (MIS-São Paulo), o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), além do Instituto Inhotim e do Palácio das Artes, ambos em Minas Gerais, e o Museu Oscar Niemeyer, no Paraná.

O Teatro Vivo, localizado em São Paulo, conta com uma curadoria de peças contemporâneas, que promovem reflexões sobre questões atuais e valorizam a diversidade cultural. Além disso, o espaço é totalmente acessível, oferecendo recursos como tradução em libras, audiodescrição e equipe treinada, garantindo inclusão para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Em 2024, recebeu mais de 50 mil pessoas.

A marca também apoia projetos no universo da música que são genuinamente brasileiros e regionais, reforçando a proximidade com a cultura local em eventos icônicos e tradicionais do nosso país, como Festival de Parintins, Galo da Madrugada, Festival Çairé, Lollapalooza, The Town e Vivo Música.

As iniciativas da marca no âmbito cultural ampliam o acesso ao conhecimento com novas formas de vivência e aprendizado, fortalecidas nos aspectos de diversidade, sustentabilidade, inclusão e educação. Todas as informações estão reunidas e são compartilhadas nos perfis @vivo. cultura e @vivo no Instagram.

Vivo

Diante das incessantes questões da humanidade, talvez valha a pena conviver um pouco mais com algumas perguntas em aberto, tomando amparo em recursos que permitam escavar e construir processualmente as respostas. Nesse sentido, a arte, em suas variadas faces, oferece sumo fértil para elaborações críticas acerca do mundo e de nós mesmos.

O encontro entre arte e educação – ambas entendidas como campos do saber – permite a torção do tempo e espaço: passa a ser possível, assim, suspender neutralidades e dilatar o que se precipita nas estruturas. Até onde essa aproximação é capaz de inferir o real e sobre ele interferir? (Re) povoar imaginários, descompassar o estatuto universalizante atribuído a conceitos, práticas e pessoas, e, assim, talhar a realidade com narrativas que articulem o individual e o coletivo, de modo processual e coerente com as questões que atravessam a existência.

É segundo esse panorama que o Sesc São Paulo e a Fundação Bienal, por meio da 36ª Bienal de São Paulo, reiteram sua longeva parceria, mutuamente comprometida em fomentar experiências de convívio com as artes visuais, ampliando o acesso às ações culturais e ao exercício da alteridade.

Esta parceria, que se constitui e se renova há mais de uma década, tem resultado a promoção de projetos como exposições simultâneas, encontros públicos, seminários, formações para educadores, bem como a consolidada mostra itinerante, com recortes da Bienal entre unidades do Sesc no interior paulista. A confluência de escolhas e proposições se integra à perspectiva institucional da cultura como um direito, e concebe, junto a uma das maiores mostras do país, um horizonte acessível para a arte contemporânea no Brasil.

Sesc São Paulo

102 Uma DJ mulher em Zanzibar

Aisha Bakary (Hijab DJ)

106 Taarab: uma experiência de audiência no coração de Zanzibar

Mohamed Ameir Muombwa

112 A formação de um músico de Taarab

Tryphon Evarist

120 Experimentar, com fundamento Sobre improvisação como espaço e técnica

Allan da Rosa

126 Práticas educacionais

138 História do taarab em Zanzibar e no mundo

Bi Mariam Hamdani

150 Invocações: território, intimidade e o intangível

conversa entre Thiago de Paula Souza e Bonaventure Soh

Bejeng Ndikung

162 MawaliTaqsim: improvisação como espaço e tecnologia da humanidade

Bernard Ntahondi

166 Território do improviso entre marés, memórias e encontros

Keyna Eleison

170 Sobre os autores

Apresentação

Fundação Bienal de São Paulo

Esta publicação é uma extensão das investigações sobre as noções de humanidade em diferentes partes do mundo, dialogando com as ideias da 36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática a partir da Invocação #3, Mawali-Taqsim: Improvisação como espaço e tecnologia da humanidade, que aconteceu em Zanzibar, em fevereiro de 2025.

As Invocações são encontros com apresentações de poesia, pesquisa, música e dança que precedem a realização da mostra em São Paulo. Além de Zanzibar, elas aconteceram também em três outros territórios: Marrakech, Guadalupe e Tóquio, entre novembro de 2024 e abril de 2025.

Na letra da canção “O bom improvisador”, de Luiz Gonzaga, um poeta não encontra sua rima, e acaba representando um mundo triste, fora da ordem, sem beleza e sem sentido.

Quando falta uma rima

Ao bom improvisador É mesmo que um coração

Quando falta o amor 1

Na canção do Rei do Baião, Zé Canário, Andorinha e Sabiá são os músicos-pássaros que nos lembram que o ritmo e as rimas improvisadas dão graça e sentido às grandes e às pequenas coisas da vida humana. São também eles que aqui nos ajudam a imaginar uma viagem do Brasil em direção a Zanzibar, cenário da música taarab e da Invocação #3. Esta publicação reúne os registros do evento e os diálogos com artistas e intelectuais, além de práticas educacionais criadas pela equipe da Bienal, que convergem para um elemento comum: a improvisação.

Entre os registros do evento realizado em Zanzibar e os conteúdos criados para dialogar com a realidade da educação brasileira, a improvisação surge como uma metáfora potente para a adaptabilidade e a interconexão humanas. Essa relação assume características específicas quando aparece nos textos que lidam com aspectos históricos do taarab no contexto da Invocação.

Em “Engajar-se na 36ª Bienal de São Paulo”, de Khamis Muhamed Juma, a importância do taarab nesse arquipélago se destaca por meio de sua influência na música, nas artes visuais e na cultura locais. O autor identifica o taarab como uma ferramenta de intercâmbio cultural e artístico na qual a arte contemporânea e as tradições locais se conectam, invocando o passado, o presente e o futuro. O espírito criativo do taarab molda o território e se articula com a história, a memória e a identidade, nutrindo as futuras gerações.

O debate sobre a atualidade do taarab também está presente em “História do taarab em Zanzibar e no mundo”, de Bi Mariam Hamdani, que reconhece a relevância e a presença do estilo musical na África Oriental e em diversas outras partes do mundo, abordando grupos que foram importantes nessa trajetória. Em “Minha jornada na música taarab” , temos o relato em primeira pessoa de Rukia Ramadhani, em que a cantora discute a condição das musicistas no contexto do taarab. Ramadhani trata da questão das mulheres nessa cena musical, entre o reconhecimento e o enfrentamento do preconceito. Esse tipo de experiência também aparece na transcrição da fala de Aisha Bakary, DJ e produtora, conhecida internacionalmente como Hijab DJ.

Em “Taarab: uma experiência de audiência no coração de Zanzibar”, Mohamed Ameir Muombwa observa o estilo musical de outra perspectiva: a de um espectador. Em seu relato pessoal de uma apresentação em Zanzibar, ele traduz sua experiência com base na interação com outros espectadores, na expressão emocional, no estímulo intelectual e nas cores no palco, as quais carregam significados políticos, além de citar a importância de Tryphon Evarist, que também contribui na publicação. Halda Mohamed Alkanaan segue esse caminho ao

36th Bienal de São Paulo

Maru Maru Hotel Golden Tulip Stonetown Boutique

Cartaz da Invocação #3, 11-13 de fevereiro de 2025

© Studio Yukiko / Fundação Bienal de São Paulo

The title of the 36th Bienal de São Paulo, "Not All Travellers Walk Roads", is made up of verses by the writer Conceição Evaristo Typefaces Arizona and Camera Plain by Dinamo

apresentar a Dhow Countries Music Academy, um espaço de preservação das tradições musicais da costa do oceano Índico e do golfo Árabe. A escola tem um foco na improvisação e na adaptação das expressões artísticas tradicionais em face das tendências globais, atuando como uma ponte entre a herança musical do taarab e o mundo da arte global.

A questão da transmissão da tradição também atravessa as contribuições de Thabit Omar Kiringe e Mohamed Ilyas. Como professor de teoria musical e compositor, Kiringe destaca a importância da notação musical para preservar o taarab e ressalta a relevância de criar alternativas para preservar a herança musical zanzibarita para as futuras gerações.

A ideia da música como uma forma de resistência também está presente em “A arte da poesia e da composição musical taarab”, de Ilyas, que trata dos esforços de manter viva a tradição e do desafio de criar uma notação musical para um gênero tão marcado pela improvisação. Essa questão também atravessa o poema “Taarab”, do artista sonoro, compositor e improvisador Ajítẹnà Marco Scarassatti, e o texto “Experimentar, com fundamento”, de Allan da Rosa. Nesse último, o improviso é descrito como “o espontâneo irmanado ao estudado, o que se adapta com encanto às surpresas e levadas de um ambiente”.

As participações de artistas da 36ª Bienal de São Paulo nesta publicação lidam com as relações entre o som e o conhecimento. Enquanto as contribuições de Thania Petersen discutem como o ritmo pode expressar resiliência e um senso de pertencimento que transcende fronteiras, Tanka Fonta celebra a abertura das crianças para o universo das cores e dos sons, localizando nessa atitude perante a vida o potencial humano para conhecer o mundo por meio das artes e das ciências. Por sua vez, as duas práticas educacionais presentes neste volume são roteiros para laboratórios criativos com foco na improvisação. Essas são atividades que envolvem a sonorização e a narração de histórias que visam dialogar com os territórios em que são realizadas.

Em todos os conteúdos desta publicação, a improvisação não é compreendida apenas do ponto de vista da técnica, mas, sobretudo, como um modo de estar no mundo, em uma atitude perante a vida que valoriza a abertura, a fluidez e a criação de possibilidades. Assim, a humanidade como verbo torna-se a revelação de uma condição: improvisar é humano.

1 “O bom improvisador” Intérprete Luiz Gonzaga. Compositores Luiz Gonzaga e Nelson Valença. In: Luiz Gonzaga, álbum, Odeon, 1973.

Todas as fotos, exceto quando indicado de outro modo: © Aden Rajab Said / Fundação Bienal de São Paulo

A humanidade do taarab

Bonaventure Soh Bejeng Ndikung

Asalam Aleykum!

Habari za jioni na karibu kwnye tukio hili la Bienal de São Paulo. Tunamshujuru uwepo wenu nasi.1

Boa noite e sejam bem-vindos à Invocação #3 da 36ª Bienal de São Paulo.

Depois de nos envolvermos com diversas noções de humanidade e com diferentes matizes e sotaques da humanidade, em Marrakech e no mar Mediterrâneo, e em Guadalupe no oceano Atlântico, estamos mais do que gratos e honrados por estarmos com vocês em Zanzibar, cercados pelo mar Suaíli, também conhecido como oceano Índico.

Gostaria de começar agradecendo à Fundação Bienal de São Paulo, a todos os meus colegas em São Paulo e em outras cidades, especialmente à equipe conceitual: Kenya, Thiago, Anna, Alya, Henriette, à Dhow Countries Music Academy (especialmente a Halda Mohamed Alkanaan, a Khamis Juma, Tryphon Evarist e à presidente Salma Adim), à nossa produtora Thureiya Saeed Saleh, ao nosso coconspirador Ben Ntahondi, aos nossos anfitriões Maru Maru e Golden Tulip e aos nossos apoiadores YAS (especialmente a Hassanein Hiridjee e Margaux Huille). Antes de prosseguir, permitam-me compartilhar com vocês este poema fundamental da poeta persa Forugh Farrokhzad, intitulado “Apenas a voz ficará”:

Por que eu deveria parar, por quê?

As aves se foram em busca de seu caminho azul.

O horizonte é horizontal, o movimento, vertical – um gêiser transbordante. Estrelas claras giram além do que a vista alcança.

A Terra se repete no espaço, túneis do ar viram canais que se conectam e o dia vira uma entidade tão vasta que não cabe nas imaginações estreitas das traças de jornal.

Por que eu deveria parar?

Os meandros do caminho entre as mínimas veias da vida e o clima do ventre da lua aniquilarão as células cancerosas e na aura química depois da aurora apenas a voz ficará –

voz que se infiltra no tempo.

Por que eu deveria parar?

O que é um pântano senão zona de desova para os vermes da corrupção?

Cadáveres inchados enclausuram os pensamentos do morgue, o canalha oculta sua covardia na treva, e as baratas … ah quando as baratas arengam, por que eu deveria parar?

Tipos de chumbo se alinham em vão.

Tipos de chumbo aliados não salvam pensamentos mesquinhos. Minha essência é arbórea; respirar ar viciado me deprime.

Um antigo pássaro morto me aconselhou a lembrar de voar.

A fusão cria a maior força –a fusão com a alma luminosa do sol, a compreensão inundada de luz.

Moinhos de vento acabam entortando e apodrecem.

Por que eu deveria parar?

Seguro junto aos meus seios feixes de trigo novo e lhes dou leite.

Voz, voz, apenas voz.

A voz da água, seu desejo de fluir, a voz da estrela desaguando na forma feminina da terra, a voz do ovo no ventre se coagulando em sentido, a aglutinação das intenções de amor.

Voz, voz, voz, apenas a voz ficará.

Em um mundo de seres minúsculos,

as medidas orbitam perto do zero.

Por que devo parar?

Apenas os quatro elementos me comandam; o mapa do meu coração não pode ser traçado pelo governador provincial dos cegos.

O que eu tenho a ver com os uivos ferozes dos genitais dos bichos?

O que eu tenho a ver com o progresso lento da larva através da carne?

É a história sangrenta das flores que me engajou na vida, a história sangrenta das flores, ouviu?2

Existem diversas traduções desse poema seminal de Forugh Farrokhzad, alguns com o título “Apenas a voz ficará”, outros intitulados “Apenas o som ficará”. Quando Farrokhzad escreve sobre a voz, ela não se limita à voz humana, mas considera as vozes do mar, do vento, das plantas, da larva, das pedras, corais, aves e vozes de todas as coisas animadas e inanimadas (se é que algo pode ser rotulado como inanimado).

Na viagem a Zanzibar, esta manhã, um querido amigo artista se lembrou desse poema, e um verso ficou ecoando na minha mente muitas vezes: “apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo”.

Isso me levou a pensar nas nossas vozes como digitais da humanidade e como mediadoras entre nós e os mundos que habitamos ou desejamos habitar. Nossas vozes como espaços de evidência, de marcas, de revelações de nossas provações e atribulações, assim como de nossas alegrias e nossos maravilhamentos. É na nossa voz que nos expressamos, conjugamos, esculpimos nossa humanidade. E é ouvindo a voz dos outros seres que podemos verdadeiramente nos relacionar uns com os outros.

“Apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo.”

Para esta Invocação, pensamos na voz do taarab. Taarab não apenas como um gênero musical, mas como uma tecnologia, uma filosofia, um modo de estar no mundo. A voz do taarab está se infiltrando no tempo e se encontra cercada e repleta dos mundos da poesia. As canções de grandes músicos do taarab como Siti bint Saad, Bi Kidude, Mzee Yusuph e muitos outros falam de questões pessoais e sociais, de amor e política, dos lados claros e sombrios da vida e da humanidade. Como toda grande poesia, o bom taarab tem o potencial de abrir os mundos sagrados. Esta edição da Bienal de São Paulo retira seu título, Nem todo viandante anda estradas, de um poema da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo, “Da calma e do silêncio” .3 É muito interessante acompanhar os versos que vêm antes e depois do que se tornou o título:

Quando meus pés abrandarem na marcha, por favor, não me forcem. Caminhar para quê? Deixem-me quedar, deixem-me quieta, na aparente inércia. Nem todo viandante anda estradas, há mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra.

Isso também se aplica ao taarab. Existem muitos mundos submersos, que apenas os ritmos, idiomatismos e histórias do taarab são capazes de penetrar.

“Apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo.”

Isso me leva à voz de Khamis Abeid quando ele interpreta, em 1964, o sucesso “Dunia Rangi Mbili” [Mundo de duas faces], originalmente escrito pelo extraordinário poeta Haji Gora Haji, em 1959. A voz de Gora Haji, transportada pela voz de Abeid, é a voz do povo. Ali, a música taarab se torna um vaso comunicante e um catalisador de expressões filosóficas, mensagens políticas, frases sentimentais e arroubos líricos. Gora Haji escreveu:

Este mundo de duas faces

A bondade vem primeiro

O mundo é imprevisível

Lamba o mel

As pessoas deixam você feliz

A sua [vida] é plena

Eu me lembro bem

E depois vem a maldade

Que pode se virar contra você

Eleve sua dignidade

O que você disser está sempre certo

Por qualquer coisa que você queira fazer 4

Esta canção surgiu um ano após a plena independência zanzibarita da Grã-Bretanha, em 1963, e no ano da Revolução de Zanzibar (Mapinduzi ya Zanzibar), 1964. Assim, ela surgiu em uma época de transições improváveis, de autodeterminação, de aprendizado com o passado e de orientações futuras.

Há uma pletora de modos em que o mundo de duas faces do poema de Gora Haji poderia ser compreendido. Obviamente, os lados positivo e negativo (bom/ruim, belo/feio, alegre/colérico,

amoroso/odioso) do mundo e da humanidade seriam uma leitura legítima do poema, no entanto essa seria a interpretação mais fácil. E se pensássemos nessa duplicidade não como oposições, mas como múltiplos que, unidos, o todo se torna maior que a soma das partes? E se a ideia de dúplice mutasse para a de multifacetado? Zanzibar é a terra dos mundos multifacetados, e, como um todo, é maior que a soma de suas partes, que são africanas em geral, bantu, shirazi, árabe, indiana e muitas mais. Esse mundo multifacetado se manifesta, por um lado, através da língua, o suaíli, que é a convergência de várias línguas bantu, assim como palavras que foram apropriadas de outras línguas, como árabe, português, alemão, inglês, além de influências do hindustani, do persa, do malaio etc. Por outro lado, algo importante para o nosso propósito, esse mundo multifacetado se manifesta no gênero musical do taarab, que é em si a convergência de múltiplos mundos e expressões, uma pluralidade de articulações de humanidades, afirmações culturais de origens africanas, árabes, europeias e asiáticas.

Como Hilda Kiel afirma em seu artigo “Travel on a Song: The Roots of Zanzibar Taarab” [Viagem em uma canção: as raízes do taarab de Zanzibar],5 a etimologia de taarab, em árabe, “significa ‘ser comovido (com alegria ou tristeza)’, ‘ficar encantado ou arrebatado’, assim como ‘fazer música’, ‘cantar, vocalizar ou entoar’” e taarab expressa “um estado de ser, um estado mental elevado, senão extático, que é induzido pelo prazer de ouvir música”.6

Viemos até Zanzibar, para esta Invocação da Bienal de São Paulo, exatamente em razão das habilidades do taarab de expressar tão bem e carregar nossas alegrias e tristezas, delícias e arrebatamentos, para captar com felicidade esse estado extático do ser, enquanto ao mesmo tempo expressa as culturas do povo do mar Swahili – essa encruzilhada, essa confluência, esse nó de culturas, unindo povos, histórias de trocas, casamentos interétnicos, expedições e explorações, um espaço de encontros de civilizações, a manifestação de geopolíticas e geopoéticas, assim como os mundos dúplices da grandeza e da mesquinharia da humanidade.

“Apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo.”

Embora estejamos interessados pelo taarab em geral nesta Invocação #3, estamos particularmente interessados pelos espaços e pelas noções de improvisação do taarab.

Em uma entrevista com Abdullah Ibrahim, “How Improvisation Saved my Life” [Como a improvisação salvou minha vida],7 o mestre compositor e pianista sul-africano conta uma anedota de um episódio na Cidade do Cabo durante o apartheid, em que ele foi preso pela polícia e teria sido executado se não tivesse recorrido à improvisação. Ele disse “quando você vê a gangue [polícia] virando a esquina na sua

direção, é melhor improvisar”, o que ele fez entrando em uma delegacia e contando uma história sobre pombos e imitando seus arrulhos.

A improvisação na música é o espaço em que o artista se permite fugir do roteiro, para expressar intenções mais profundas do que aquelas que são prescritas, para deixar que se manifestem sentimentos, opiniões políticas, arroubos emocionais, além daquilo que está escrito na partitura – literal e metaforicamente – e um espaço de “outros tipos” de comunicação com o público. Pode-se dizer que a improvisação é um espaço apropriado no qual se conjuga humanidade.

Como Kiel afirma em seu artigo, mawali em suaíli se refere às improvisações vocais do taarab, enquanto taqsim ou taqasim se refere à improvisação instrumental.

No artigo “We Make Up the Rules as We Go Along: Improvisation as an Essential Aspect of Human Practices?” [Criamos as regras durante o processo: a improvisação como um aspecto essencial das práticas huamanas?], Alessandro Bertinetto e Georg W. Bertram propõem que “a razão humana reside no conceito de improvisação. Criar as regras durante o processo é, por definição, uma prática improvisatória”.8 Eles defendem “que os seres humanos estabelecem práticas normativas através da improvisação em situações que estão atravessando, um fenômeno bem exemplificado pela improvisação artística”, e argumentam

que importantes dimensões das práticas humanas (normatividade, hábito e liberdade) só podem ser compreendidas adequadamente levando em conta sua conexão constitutiva com a improvisação.9

“Apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo.”

Nos próximos dias, uma vasta gama de colaboradores generosamente revelarão poéticas e políticas do taarab, considerando, especialmente, mawali e taqsim como tecnologias da expressão das múltiplas faces de nossos mundos e de nossas humanidades. Nós nos permitiremos ser guiados pelas reflexões de Gora Haji sobre a imprevisibilidade do mundo.

Essas Invocações que realizamos ao redor do mundo devem ser compreendidas como esforços para sentir a pulsação da humanidade em diferentes fusos horários, atravessando geografias, pontos de pressão e condições climáticas, anteriormente à montagem da Bienal em São Paulo. As Invocações devem ser compreendidas como uma possibilidade de escuta do espectro de sotaques, formas, sabores e configurações da humanidade e como um esforço de levar a Bienal de São Paulo ao mundo, e, com a exposição, trazer o mundo a São Paulo.

Como questiona o poema de Farrokhzad, “Apenas a voz ficará”: por que deveríamos parar, por quê? Devemos continuar ouvindo a voz das estrelas e a voz da água, a voz do ovo, a voz do mangue e as vozes uns dos outros. E devemos continuar a contribuir com nossa própria voz em nossos esforços para marcar e moldar espaços e lugares e, mais especialmente, nos esforços para imaginar uma humanidade melhor. Como diz Farrokhzad, a “fusão cria a maior força – fusão com a alma luminosa do sol, compreensão inundada de luz”. O taarab é essa fusão de vozes humanas, as vozes dos instrumentos, a voz do mar com a alma luminosa do sol.

E quando todos tivermos ido embora, “apenas a voz ficará – voz que se infiltra no tempo”.

Muito obrigado.

1 “Que a paz esteja com vocês! Boa noite e bem-vindos a este evento da Bienal de São Paulo.”

2 In: Forugh Farrokhzad, Sin: Selected Poems of Forugh Farrokhzad Traduzido para o inglês por Sholeh Wolpé. Fayetteville: University of Arkansas Press, 2008. Traduzido para o português por Alexandre Barbosa de Souza.

3 Conceição Evaristo, “Da calma e do silêncio”. In: Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.

4 “Dunia Rangi Mbili”, escrito por Haji Gora Haji e interpretado por Khamis Abeid.

5 Hilda Kiel, “Travel on a Song: The Roots of Zanzibar Taarab”. African Music: Journal of International Library of African Music, v. 9, n. 2, 2012.

6 Hans Wehr, A Dictionary of Modern Written Arabic. 3. ed. Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1976.

7 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Cx-PbqtQMtk. Acesso em jun. 2025.

8 Alessandro Bertinetto e Georg W. Bertram, “We Make Up the Rules as We Go Along: Improvisation as an Essential Aspect of Human Practices?”. Open Philosophy, v. 3, pp. 202-221, 2020.

9 Ibid.

Engajar-se na 36ª

Bienal de São Paulo

Khamis Muhamed Juma

Como diretor da Dhow Countries Music Academy (DCMA), é com profundo respeito e admiração que apresento uma investigação da Invocação #3, Mawali–Taqsim: Improvisação como espaço e tecnologia da humanidade, da 36ª Bienal de São Paulo, realizada na histórica e culturalmente rica ilha de Zanzibar – lugar onde diversas histórias convergem por meio da música, da arte e da comunidade.

Nesta publicação, vamos nos aprofundar na íntima relação entre a arte contemporânea e as tradições vivas que moldaram Zanzibar, particularmente a música taarab, que serviu como pulsação da expressão cultural da ilha por mais de um século.

O tema desta Bienal – Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática – ecoa de modo apropriado o profundo papel de Zanzibar como local de trocas culturais e artísticas, em que narrativas globais se emaranham com histórias locais. A arte apresentada na Bienal convocou as vozes do passado, as lutas do presente e as possibilidades de um futuro coletivo. Mas, no contexto dessa estrutura mais ampla da arte global, há também a necessidade de refletir sobre o rico patrimônio musical nativo de Zanzibar, onde o taarab há muito tempo foi um canal por meio do qual os habitantes da ilha comunicam suas alegrias, tristezas e aspirações.

A música taarab, com seus ritmos intrincados, letras poéticas e influências interculturais, tem constituído uma força cultural vital em Zanzibar por gerações. Ao refletirmos sobre a ideia de “invocação”, fica claro que o taarab, de maneira semelhante à arte, é um modo de invocação em si mesmo – evocando a história, a memória e a identidade em um processo dinâmico e contínuo. Esse gênero musical é profundamente arraigado no patrimônio árabe, suaíli e africano da ilha, e sua evolução espelha as complexas transformações culturais e políticas de Zanzibar.

Ao longo desta publicação, trataremos de figuras essenciais da cena musical do taarab que moldaram seu desenvolvimento e sua relevância hoje, como a falecida Siti bint Saad, Mariam Hamdani, uma célebre cantora de taarab, Mohamed Ilyas, Rukia Ramadhani, Siti Muharam, Tryphon Evarist e muitas outras personalidades proeminentes cuja voz e presença nesse gênero musical continuam inspirando as comunidades locais e globais do taarab. Suas contribuições para esse gênero musical são inestimáveis; mais do que artistas, são curadores da história cultural e do vibrante futuro de Zanzibar.

Além disso, devemos agradecer ao senhor Thabit Omar Kiringe, professor e copista musical suaíli, cujo trabalho de transcrição e de preservação das formas líricas do taarab garantiu que a poesia desse tipo de música continue a ecoar para públicos contemporâneos e futuros. Como professor, o senhor Kiringe alimentou gerações de jovens

músicos e letristas, garantindo que a arte poética da canção suaíli seja transmitida adiante com respeito e compreensão.

As conversas em torno da Invocação #3 da 36ª Bienal de São Paulo não poderiam ser realizadas sem o reconhecimento do significado da música taarab para a identidade cultural de Zanzibar. Durante anos, o taarab vem sendo um poderoso meio de invocar o passado, honrando conexões ancestrais entre Zanzibar e suas diversas comunidades, e, ao mesmo tempo, levando as fronteiras da expressão cultural para novos campos de inovação.

A relação simbiótica entre o taarab e o mundo das artes visuais é significativa. Como na arte, o taarab está constantemente evoluindo, incorporando influências tanto dos sons tradicionais quanto dos gêneros globais. Isso ecoa profundamente nos temas da Bienal, que interroga as influências históricas e contemporâneas que moldam o mundo hoje. Assim como os artistas na Bienal lidam com a tensão entre história e modernidade, o taarab – gênero que, por muito tempo, navegou na complexidade dos legados coloniais, da adaptação cultural e do desejo de preservar o que há de único na identidade de Zanzibar em meio às influências globais – também o faz.

Este evento serve não apenas como um registro da Invocação #3 realizada em Zanzibar, mas também como um testemunho da forma da arte viva da música taarab – uma tradição poderosa, evocativa, que continua moldando as paisagens cultural e artística da ilha. O entrelaçamento desses dois mundos – das artes visuais contemporâneas e do duradouro legado do taarab – nos remete ao poder de invocação em si. Seja por meio da palavra falada da exposição de um artista, seja mediante o lirismo poético de uma canção taarab, ambos os meios nos convidam a refletir, lembrar e responder.

Nas palavras a seguir, ouviremos não apenas as vozes dos artistas que participam da Bienal, mas também as vozes daqueles que viveram imersos no mundo do taarab durante décadas. Exploramos suas narrativas, suas contribuições e suas reflexões sobre a intersecção entre música, arte e cultura. Essas histórias evidenciam a importância de nos envolvermos com nossos legados culturais, de alimentarmos a próxima geração de criadores e de invocarmos o poder da arte para curar, conectar e transformar.

É através dos poderosos legados de personalidades como o senhor Mohamed Ilyas, Mariam Hamdani e o senhor Kiringe, assim como dos artistas da Bienal, que entendemos a contínua relevância do passado, enquanto construímos rumo ao futuro. Suas obras – seja música, seja arte ou educação – convidam a considerar não apenas aquilo que herdamos, mas como vamos continuar a invocar, adaptar e transmitir o espírito criativo que define Zanzibar.

Para encerrar, essas palavras servem como celebração de nossa cultura, de nossa história, e como um chamado à ação para todos nos encontrarmos, refletirmos e nos engajarmos na criação de novas formas de avançar. Por meio da intersecção entre arte e música, exploramos as muitas camadas da tapeçaria cultural de Zanzibar, para garantir que suas vozes passadas e presentes não sejam silenciadas, mas continuem a ser ouvidas ao redor do mundo.

Minha jornada na música taarab

Rukia Ramadhani

É uma honra estar aqui com vocês hoje, para compartilhar minha história na música taarab, uma tradição profundamente enraizada na identidade cultural de Zanzibar e da costa suaíli. A música tem sido minha voz, minha paixão e minha forma de contribuir para a preservação de nosso rico legado.

Nasci em 29 de dezembro de 1958 na Tanzânia, na cidade de Wete, que fica na ilha de Pemba, mas, aos dois anos de idade, mudei-me com minha mãe para Unguja,1 onde cresci na cidade de Mwembe Shauri. Desde muito cedo tive contato com a música e a performance, o que se tornou parte fundamental da minha vida.

Descobri meu amor pelo canto na escola infantil Raha Leo e na escola de Ensino Fundamental de Kidutani, onde comecei a me apresentar em festividades nacionais, como a Celebração da Educação Livre, em Zanzibar. Khamis Shekhe e Said Mwinyi foram meus professores de música e desempenharam um papel crucial na formação de minhas primeiras habilidades musicais.

Enquanto estudava no Ensino Médio de Kidutani, continuei a cantar em eventos celebrativos e em apresentações de Qaseeda (música religiosa islâmica). Foi também nessa época que conheci o Culture Musical Club, uma das instituições de música taarab mais importantes de Zanzibar, e isso marcou o início da minha carreira profissional como artista taarab. Nesse período, ingressei no Mwembe Shauri Branch Music Group, no qual desenvolvi minhas habilidades de apresentação e obtive reconhecimento como cantora. Após finalizar os estudos, trabalhei em instituições governamentais, incluindo o Ministério da Informação, o Ministério da Constituição e Governança e, por fim, o Ministério da Constituição e Legislação, como secretária.

No entanto, minha paixão pela música nunca arrefeceu. Deixei o Mwembe Shauri Branch Music Group e dediquei-me totalmente à minha carreira no Culture Musical Club, com o qual tive a oportunidade de viajar e me apresentar em países como França, Alemanha, Luxemburgo, Áustria e Espanha.

Posteriormente, ingressei na orquestra taarab mais antiga de Zanzibar, Nadi Ikhwan Safaa, com a qual minha reputação de musicista e artista cresceu ainda mais. Esse prestigioso grupo permitiu-me mostrar meu talento em escala global, com apresentações em países como Espanha, Bélgica e Finlândia, levando, assim, as ricas tradições do taarab zanzibarita a públicos internacionais.

Desafios encontrados por uma artista de taarab em Zanzibar

Ser mulher na cena musical taarab nunca foi fácil, sobretudo em uma sociedade predominantemente islâmica como a de Zanzibar, em que as mulheres que atuam na indústria do entretenimento com frequência são submetidas ao escrutínio público e a duras críticas.

Quando comecei a me apresentar, várias pessoas consideravam as musicistas mulheres rebeldes, imorais ou inapropriadas para a vida pública. Com frequência, fui chamada por termos como muhuni (palavra pejorativa usada para pessoas consideradas transviadas ou indisciplinadas), apenas por seguir minha paixão pela música. Isso acontecia porque as mulheres na música eram vistas como entidades que desafiavam os papéis de gênero tradicionais e apresentar-se diante de homens era considerado impróprio.

Apesar desses desafios, não desanimei. Continuei comprometida com minha arte e, por meio da minha dedicação, profissionalismo e talento, provei que uma mulher pode ser tanto musicista quanto membro respeitável da sociedade. À medida que mais mulheres entraram na cena musical taarab, a percepção pública começou a mudar, mas a luta por aceitação e reconhecimento continua.

Desafios enfrentados pelas mulheres artistas hoje

Até hoje as mulheres musicistas enfrentam discriminação e desafios na indústria. Entre eles, temos os seguintes: 1) falta de respeito dos colegas homens – muitas artistas lutam para ser respeitadas em seu meio, pois alguns musicistas homens se recusam a reconhecer as contribuições das mulheres; 2) ego na indústria – hoje, vários artistas mais jovens não respeitam nem reconhecem seus professores e mentores, esquecendo-se do esforço realizado para preservar a tradição da música taarab; 3) oportunidades e financiamentos limitados – não é raro que as mulheres encontrem menos oportunidades para gravar, se apresentar ou viajar, em comparação com seus colegas homens; e 4) expectativas culturais – algumas pessoas ainda acreditam que o lugar da mulher é em casa, portanto, a escolha de uma carreira musical é considerada algo inapropriado.

Apesar dessas barreiras, as mulheres continuam avançando, quebrando estereótipos e criando espaços na indústria da música.

Minhas contribuições e conquistas para o taarab

Além de cantar, também explorei os instrumentos musicais. Aprendi a tocar bongô (ngoma) e, atualmente, estudo teclado para ampliar minhas habilidades musicais.

Minhas contribuições ao taarab foram reconhecidas por vários prêmios, incluindo distinções tanto na cidade de Zanzibar quanto em Dar es Salaam [grande cidade portuária da Tanzânia]. Embora vários desses prêmios tenham sido concedidos para as apresentações de taarab, um deles refere-se especificamente a Qaseeda, demonstrando minha versatilidade como musicista.

Preservando o taarab para as futuras gerações

Conforme o taarab evolui, é fundamental preservar sua forma original ao mesmo tempo que adotamos influências modernas. A notação musical, o arquivamento e a mentoria são essenciais para garantir que as futuras gerações herdem a riqueza do taarab.

Ao longo de minha carreira, busquei inspirar jovens artistas e incentivar a próxima geração a abraçar tanto os aspectos tradicionais quanto os aspectos inovadores do taarab. A educação musical é fundamental para transmitir as tradições orais, as melodias intrincadas e a profundidade poética desse gênero único.

O taarab é mais do que música, é um estilo de vida, uma história e um legado. Ele carrega nossas histórias, emoções e herança cultural, mantendo vivas nossas tradições. Estou profundamente grata pela oportunidade de compartilhar minha jornada com todos vocês na Invocação #3 da 36ª Bienal de São Paulo e celebrar o poder da música, da poesia e da improvisação na criação do nosso mundo.

Enquanto continuamos explorando e celebrando o taarab zanzibarita, não nos esqueçamos que a música é a ponte entre o passado, o presente e o futuro, conectando pessoas através de gerações e culturas.

1 Unguja (onde se localiza a cidade de Zanzibar), Pemba e Mafia são as três maiores entre as diversas ilhas que formam o arquipélago de Zanzibar, pertencente à Tanzânia, na costa Oeste da África. Unguja muitas vezes é referida como ilha de Zanzibar.

Uwaridi Female Band

A Uwaridi Female Band é um grupo musical talentoso, passional e energético, formado só por mulheres. Elas tocam diversos instrumentos, incluindo violino, acordeão, tabla, cajon, ngoma, zeze, rimba, sanduku, vidumbaki, rika e percussões.

A banda preserva o patrimônio cultural de Zanzibar, e ao mesmo tempo o faz avançar fundindo sons tradicionais a arranjos modernos. As artistas criam suas composições valendo-se de um amplo repertório de gêneros que inclui taarab tradicional, ngoma, gogo music, kidumbak e outras fusões.

Composto de dez artistas que são alunas da Dhow Countries Music Academy e professoras experientes, o grupo já se apresentou em diversas plataformas internacionais, assim como em palcos locais.

Registro da performance

Siti Muharam

Uma das mais proeminentes intérpretes contemporâneas de Zanzibar, Siti Muharam reimaginou os estilos da chamada música de corte – tocada para a nobreza nos palácios e cerimônias, em diversos povos e épocas –, transformando-a em uma forma pessoal de improvisação, motivada por um espírito inclusivo que combina letras de canções em árabe e suaíli. Assim, pavimentou o caminho para outras cantoras de taarab, como Bi Kidude.

Hoje, Muharam imprime novo vigor à vida e ao legado de sua lendária bisavó, Siti Binti Saad. Com o apoio de The Vinyl Factory, Songlines, dos DJs britânicos Gilles Peterson e Tom Ravenscroft, entre outros, o álbum de estreia de Muharam, Siti of Unguja, foi aclamado pela crítica e considerado um dos principais lançamentos de música africana de 2020.

Registro da performance

A música como repositório de uma memória transoceânica

conversa com Thania Petersen

Texto elaborado a partir de uma conversa entre a equipe da Fundação Bienal, Anna Roberta Goetz (cocuradora da 36ª Bienal de São Paulo) e a artista em março de 2025.

Equipe da Fundação Bienal de São Paulo: Com frequência sua prática artística explora as complexidades da identidade e da história, sobretudo no contexto da África do Sul. Como suas experiências pessoais, como descendente de Tuan Guru1 e como mulher muçulmana da Cidade do Cabo, influenciam seu trabalho artístico e as histórias que você decide contar?

Thania Petersen: Desde que chegou à Cidade do Cabo, o islamismo sempre atuou como uma força de resistência ao colonialismo e ao apartheid. Durante séculos, as pessoas adotaram o islamismo e juntaram-se à comunidade muçulmana porque esse era um dos poucos recursos disponíveis para se opor aos sistemas opressivos aos quais éramos submetidos. Em nossos rituais, práticas transcendentais e música, as comunidades escravizadas e oprimidas encontravam refúgio para sua dura realidade. O islamismo oferecia liberdade por meio do amor divino e criava espaço para as comunidades florescerem com base no amor, não na violência.

Essa ideologia fundou a base de nossa comunidade e de nossa luta por libertação, tornando-se tão poderosa que, por fim, foi banida. É muito perturbador para mim testemunhar a distorção e a deturpação dessa fé, que sempre funcionou como um recurso de libertação para nós. O aumento da islamofobia no mundo inteiro transtorna-me e me sinto responsável por informar as pessoas sobre o verdadeiro papel libertador que o islamismo desempenhou em nossas histórias.

Como nativa da Cidade do Cabo, inevitavelmente nasci em uma linhagem de guerreiros. Minha comunidade, moldada pelos duradouros legados do colonialismo, dos deslocamentos e do apartheid, carrega o peso de uma longínqua história de luta. Essa cidade, suas ruas e histórias são repletas dos ecos daqueles que lutaram, resistiram e sobreviveram. Somos descendentes daqueles que enfrentaram a opressão sistêmica e, mesmo assim, continuaram resilientes, criando espaços de sobrevivência e de oposição diante da adversidade.

Para mim, a memória de Tuan Guru é central nessa linhagem. Seu legado não se traduz apenas em uma figura histórica a ser admirada; ele é uma conexão com nosso passado, uma âncora que nos vincula ao oceano Índico e às terras ancestrais, muito além das margens da Cidade do Cabo. A história de Tuan Guru é de força e conhecimento – sua chegada à Cidade do Cabo como prisioneiro de guerra, sua posterior liberdade e seu papel no estabelecimento do islamismo nesse país. Guru personifica o espírito de resiliência e de perseverança cultural. Sua história nos conecta com um mundo mais amplo e com as ricas tradições e sabedorias trazidas por meio das rotas comerciais do oceano Índico. Sua memória serve de

ponte entre os desafios do passado e as possibilidades do futuro, e é uma lembrança de que não somos formados apenas pela violência da colonização, mas também por um rico legado de práticas, conhecimentos e fé que se estende por oceanos e gerações.

Como sua descendente, sinto de modo profundo o peso dessa conexão. Meu trabalho e minha expressão criativa são arraigados nas práticas rituais transmitidas entre as gerações, tornando-se, portanto, uma continuação dessa herança.

Anna Roberta Goetz: Na última década, sua prática artística multidisciplinar foi guiada pela observação de como diferentes comunidades ao redor do mundo estão conectadas por suas práticas diárias, uma vez que compartilham uma herança cultural, apesar de terem sido separadas pela colonização e forçadas à migração e à marginalização. Você acompanha e analisa as tradições compartilhadas para, posteriormente, elaborar novas geografias culturais de práticas comuns e solidariedade. Como você está expandindo essa abordagem em seu novo trabalho para a Bienal de São Paulo? Quais foram as questões iniciais que nortearam sua pesquisa?

TP: Acho realmente fascinante como comunidades deslocadas que têm passados semelhantes, embora separadas, acabem desenvolvendo práticas e tradições culturais comparáveis – sobretudo na música –, mesmo após terem sido isoladas umas das outras. Para a Bienal de São Paulo, decidi explorar ainda mais a música como um repositório de uma memória transoceânica. Depois de estudar a música crioula da Cidade do Cabo e do Suriname, por exemplo, percebi que essas comunidades não se vinculam apenas pela violenta história de migração forçada e colonialismo – história talvez excessivamente mencionada –, mas também compartilham uma ancestralidade genética comum de África, Indonésia e, provavelmente, de povos indígenas, o que se manifesta em sua música.

Na música da minha comunidade, percebo como o ritmo, o tom e a textura expressam resiliência, sobrevivência e um profundo senso de pertencimento que ultrapassa fronteiras. A polirritmia, as síncopes, as melodias e os padrões de pergunta e de resposta usados na Cidade do Cabo são idênticos aos do Suriname. Eles expressam uma experiência incorporada, uma memória coletiva. Há uma força em como o som atua tanto como um reflexo das lutas passadas quanto como um símbolo do triunfo.

Embora essas comunidades tenham se desenvolvido isoladas umas das outras, pode-se observar que elaboraram uma linguagem musical quase idêntica. Nossas comunidades se crioulizaram por anos, mesclando

diversos legados, mas, de modo notável, a música permaneceu notavelmente consistente. Como isso é possível? Como o kaapse klopse da Cidade do Cabo e a música crioula do Suriname, desenvolvidas separadamente, acabaram com texturas musicais tão notavelmente similares? Essa pergunta tirava meu sono. E isso me fez refletir sobre a ideia de que o som e o ritmo possam ser características herdadas, algo codificado em nosso DNA. Talvez seja uma função espiritual, uma força que ajuda a nos reconectarmos uns com os outros através do tempo e do espaço. Talvez nossas experiências emocionais, psicológicas e históricas perdurem nos ritmos que carregamos em nosso corpo – as vozes e os sons de nossos ancestrais manifestados através da música. Então, passei a considerar a ideia da genética sônica, ou seja, a possibilidade de as experiências de uma comunidade – sua história, migração, traumas, alegrias e resiliências – não serem transmitidas apenas por meio de histórias, rituais e práticas, mas também estejam codificadas corporalmente no DNA de seu povo.

Tradicionalmente, pensamos no DNA como algo que carrega uma herança biológica – traços como a cor dos olhos ou a altura. Mas acredito que a genética sônica vá além, estendendo-se à música e ao som. Assim como os traços genéticos são transmitidos de uma geração a outra, os traços sônicos – ritmos, estruturas melódicas, técnicas vocais e expressões emocionais – também estão enredados no DNA de um povo. Dessa perspectiva, a música torna-se uma memória viva de experiência, uma forma de as comunidades preservarem suas histórias.

À medida que continuo a explorar essa ideia, não posso ignorar o papel que o trauma e a resiliência desempenharam na criação desses padrões sônicos. Essas emoções não são simplesmente sentidas, mas também são expressadas e compartilhadas. Elas não vivem somente nas histórias que contamos, mas na forma como criamos e experimentamos o som. A música torna-se uma ponte para que essas emoções viajem através do tempo e do espaço, de uma geração para a outra.

Ao observar as similaridades das músicas dessas comunidades distantes, começo a pensar que o conteúdo emocional da música – formado por experiências compartilhadas como migração, deslocamento e sobrevivência – possa funcionar como uma espécie de marca cultural. A música poderia ser um carimbo sônico da identidade coletiva, transcendendo circunstâncias e fronteiras.

Essa ideia também me fez refletir sobre a epigenética, o estudo que analisa como os fatores ambientais influenciam a expressão gênica. Talvez, nesse ponto, se possa traçar um paralelo com a genética sônica. Assim como o trauma e o ambiente podem afetar os genes, quem sabe o som – particularmente os padrões rítmicos e emocionais transmitidos pela música e por sua prática e experiência – não possa

exercer uma influência semelhante. Será que o ambiente sônico no qual vive uma comunidade, ou seja, a música, os ritmos, deixa uma marca em como seu povo se expressa e responde ao mundo?

À medida que continuo minha jornada de descoberta, sinto uma conexão cada vez mais profunda com a minha comunidade, o Suriname, a Indonésia e os ritmos que nos unem para além dos oceanos. Há algo profundamente poderoso na ideia de que nossa identidade sônica não seja apenas cultural, mas que esteja codificada na essência material de quem somos. Assim, a música não é um mero reflexo do passado, mas a chave para entender como carregamos a memória daqueles que vieram antes de nós, e como transmitimos a memória adiante.

Essa ideia da genética sônica desafia o modo como penso o som e seu papel na vida, sobretudo quando considero o desenvolvimento da música nas comunidades que explorei – a Cidade do Cabo e o Suriname. Não se trata apenas de ouvir ou fazer música, mas da possibilidade de o som e a vibração estarem profundamente enredados no tecido cultural dessas comunidades, influenciando tudo, de formas musicais e rituais a, inclusive, estruturas sociais. Os ritmos, melodias e harmonias que desenvolveram podem estar codificados em sua composição genética, como se sua capacidade de produzir e interpretar os sons tivesse sido transmitida como uma característica evolutiva.

ARG: E como essas questões e sua pesquisa se relacionam com a Invocação #3, Mawali–Taqsim: Improvisação como espaço e tecnologia da humanidade, que ocorreu em Zanzibar em fevereiro de 2025? Que perguntas você esperava que seriam respondidas durante essa temporada com as pessoas musicistas e filósofas? Quais foram suas experiências e de que modo elas moldam sua pesquisa para o trabalho da Bienal de São Paulo?

TP: Para ser sincera, ao chegar em Zanzibar eu estava bem confiante em relação às minhas teorias e compreensão sobre o som no mundo. E, para minha grande surpresa, tudo mudou. Bem quando eu pensava que tinha um entendimento mais claro sobre o que o som realmente é, percebi que, na verdade, ainda não sei tanto quanto imaginava! O que tem sido especialmente desafiador para mim é a relação entre tempo e som.

Ainda acho que o som, a música e o ritmo são herdados, mas, após fazer uma imersão profunda nas relações íntimas que os povos têm com seus sons, sobretudo após testemunhar a poderosa música ritualística da comunidade sufi de Zanzibar e sentir a performance de maloya pelos músicos de Reunião, cheguei a uma conclusão surpreendente: parece que o som que tenho perseguido ao redor do mundo não tem idade.

É uma tecnologia atemporal. Assim como seu batimento cardíaco, ele não está ancorado em um tempo específico. Ou seja, hoje ele é o mesmo que foi há mil anos, e ainda será igual no próximo milênio. Esse som, esse ritmo e esse pulso são algo de que precisamos para funcionar no mundo; eles não vêm do passado nem do futuro, mas estão no eterno presente. E, agora, sinto-me de novo completamente perdida…

ARG: Você aborda os rituais sufi e sua música, cujas raízes estão na história muçulmana compartilhada entre os povos da Cidade do Cabo, do Suriname e da Indonésia. Quando fala de um DNA sônico, você se refere a ritmos que fazem parte de uma experiência incorporada, uma memória coletiva que é ativada e se faz presente por meio de sua prática (física). Percebo algo de ritualístico nisso, uma prática de invocar os espíritos do passado e celebrá-los no presente, uma forma de veneração. E isso me faz lembrar da tradição gnawa, cujas raízes também remontam à tradição sufi e que foi o foco da nossa Invocação #1, ou seja, a escuta como prática de coexistência e de criação de um espaço e um tempo.

TP: Cresci com o dhikr, 2 que está profundamente integrado em nossa comunidade, família e práticas diárias pessoais. Não é apenas algo que fazemos, mas faz parte da nossa própria existência. Nesta Terra, nossa vida é espiritual, e o dhikr é um fio contínuo que nos liga àquele sentimento profundo de propósito e conexão.

ARG: Você disse que “nessas comunidades, a música não apenas se adapta às circunstâncias; ela ressoa com elas, moldando o estado emocional, psicológico e até biológico das pessoas que a criam e vivenciam”. É nesse ponto então que a ideia da genética sônica se torna especialmente fascinante: os traços musicais que essas comunidades transmitem não são meros símbolos culturais, mas podem ser também uma vantagem evolutiva, um “superpoder” transmitido ao longo das gerações. Através da música, essas comunidades não apenas sobrevivem, mas florescem, valendo-se de uma ressonância vibracional profunda e intrínseca codificada em seu DNA. Fico me perguntando se o “superpoder” é a música em si ou sua prática? Não é a prática coletiva da música – seus ritmos, texturas etc. – que conecta as pessoas em sua história e experiência de deslocamento, sobrevivência e transformação cultural? Ou seja, não é a prática que a torna um “superpoder”, um meio para a solidariedade?

TP: Sim, acredito que seja a prática, mas também acho que tem algo mais profundo em jogo. É o ritmo do nosso corpo, talvez um tipo de sincronização, que se manifesta nos sons que criamos. Esses ritmos não são somente música, mas falam sobre como nossos corpos se conectam uns aos outros e com nossas histórias. A música, nesse aspecto, torna-se uma expressão dessa conexão mais profunda.

EFB: Você poderia comentar como esses conceitos surgiram em sua produção atual e como poderiam se relacionar ao contexto brasileiro?

TP: Na minha produção atual, estou explorando profundamente o papel do ritmo, da prática coletiva e da experiência incorporada à música como uma ferramenta de conexão, sobrevivência e transformação. Os conceitos de música e de ritmo com os quais estou trabalhando vão além do simples som, eles representam uma experiência compartilhada que une comunidades, sobretudo aquelas formadas por meio do deslocamento. Os ritmos, as texturas e as práticas coletivas servem de ponte entre passado, presente e futuro, permitindo que as comunidades preservem suas histórias e fomentem a solidariedade.

Estou ainda investigando a ideia de que ritmo e som são inerentes ao nosso corpo, são parte do nosso próprio ser. A pesquisa se concentra em como esse ritmo incorporado se torna uma expressão de sobrevivência e resiliência – uma expressão viva, que respira. A música não é apenas ouvida, ela é sentida, vivida e transmitida como parte da nossa memória coletiva. Torna-se uma forma de conexão que transcende a experiência individual e fala sobre algo muito maior: uma história compartilhada e uma identidade coletiva.

Esses conceitos ressoam profundamente quando penso no Brasil, um país com um legado afro-brasileiro tão rico. Muitos brasileiros têm ascendência mista, com raízes em África, o que é palpável e evidente em sua música, sobretudo nos ritmos que pulsam por meio do samba, da capoeira e do candomblé. Esses ritmos, com suas fortes raízes africanas, não são apenas musicais, mas estão também profundamente integrados aos corpos das pessoas que os praticam. A musicalidade inerente aos corpos brasileiros é uma manifestação direta desse legado, que os vincula a uma história compartilhada de deslocamento, sobrevivência e transformação cultural. Assim como as comunidades com as quais trabalho, os ritmos do Brasil carregam o peso da sobrevivência e da resistência. A música, com sua prática e movimento associados, torna-se um modo de resistência, de lembrança e de reconexão com uma linhagem que foi formada a partir do trauma e da resiliência. A prática coletiva dessas formas musicais incentiva a unidade, possibilitando às pessoas se conectarem entre si por meio de sua história e de seu som compartilhados. A ideia do ritmo como algo transmitido entre gerações, codificado nos corpos das pessoas, é um vínculo direto com o contexto brasileiro. Não se trata apenas de a

música soar de forma semelhante às tradições africanas, e, sim, que o ritmo vive dentro das pessoas, unindo-as através do tempo e do espaço. Em minha produção atual, portanto, considero esses conceitos de ritmo, incorporação e prática coletiva fios universais que podem ser ligados ao contexto brasileiro. A profunda conexão às raízes africanas, a história compartilhada de deslocamento e a resiliência das comunidades por meio da música convergem tanto no contexto brasileiro quanto no trabalho que estou explorando. Os ritmos do Brasil, assim como a música com a qual trabalho, tornam-se um testemunho da sobrevivência, da solidariedade e da potência da memória coletiva.

EFB: Além da sua produção, você está ativamente envolvida em projetos sociais e educacionais, debatendo questões como o racismo, a islamofobia e a desigualdade. Como você enxerga a relação entre arte, educação e ativismo, e como essas áreas se complementam entre si?

TP: Arte e educação são, basicamente, ativismo. Ambas têm o poder de desafiar, inspirar e gerar mudanças. A arte vai além da estética, ela incita ao diálogo e expõe injustiças, enquanto a educação empodera as pessoas a pensar de modo crítico e agir em prol da justiça social. Essas áreas se complementam: a arte inspira novas ideias, a educação oferece as ferramentas para a ação e o ativismo orienta as mudanças tangíveis. Juntas, formam uma força poderosa para lidar com questões como o racismo, a islamofobia e a desigualdade.

1 Também conhecido como Imam Abdullah Kadi Abdus Salaam, Tuan Guru foi príncipe de Tidore, uma ilha no leste da Indonésia. No período da colonização, foi capturado pelos holandeses por uma suposta conspiração com os britânicos e, como prisioneiro do Estado, foi banido para a Cidade do Cabo, onde chegou em abril de 1780 e foi imediatamente detido na pequena ilha Robben, na área oeste da cidade. Durante seu confinamento, transcreveu o Alcorão de cor. Em 1793, ao ser liberado da prisão, tinha o objetivo de criar uma escola muçulmana na Cidade do Cabo, o que não demorou a realizar, e ela foi construída em um depósito na rua Dorp. Em 1795, Guru obteve a permissão para construir uma mesquita. Hoje o local é conhecido como mesquita Owwal, localizada na rua Dorp, e foi a primeira mesquita construída na África do Sul. 2 De acordo com Julia Morris, autora do artigo “Baay Fall Sufi Da’iras: Voicing Identity Through Acoustic Communities” (African Arts, v. 47, n. 1, primavera de 2014), o dhikr é uma forma de louvor islâmico no qual frases ou orações são recitadas repetidamente com o objetivo lembrar a Deus. O dhikr desempenha um papel central no sufismo: cada ordem sufi normalmente adota um dhikr específico, acompanhado de postura, respiração e movimentos determinados.

Revolução sônica

Thania Petersen

Acredito que o som exista para nos unir – não apenas no modo como nos aproximamos na dança ou nos reunimos para ouvir música, ou como somos atraídos pelo canto dos pássaros ou o canto das corujas, mas em um nível muito mais profundo e metafísico. O som é mais do que um simples ruído. É uma herança, um fio que nos conecta não apenas uns aos outros, mas ao divino. É nesse espaço, nesse som, que continuamos a nos libertar, redescobrindo quem somos e nos reconectando. É justamente quando estamos plenamente imersos nos sons que nos fazem sentir em casa – sons que nos ancoram em lugares, pessoas, nossa história compartilhada – que nos sentimos mais interligados.

Esse som é uma força encarnada que carregamos em nosso sangue e que se manifesta no ritmo em que nos movimentamos pelo mundo a cada segundo de nossa vida. O tempo e o espaço somente podem existir em conjunto com ele. O som está presente em todos os campos de nossa sociedade, atraindo-nos continuamente uns para os outros, e nos fazendo lembrar de quem somos e de onde viemos. É uma força poderosa e sempre presente que congrega e liberta.

Foi exatamente essa minha experiência ao visitar Zanzibar. Quando criança, cresci cantando certas músicas com tamanha devoção e dedicação que pensava serem versos do Alcorão. As noites das quintas-feiras eram dedicadas à recitação e à prática da litania Ratib-Al-Haddad e, uma vez ao ano, no dia do nascimento de nosso profeta Maomé (S.A.W.),1 ocasião em que nos encontrávamos para colher folhas de árvores cítricas, cortá-las, defumá-las com olíbano e óleos essenciais, e cantar poemas de louvor dia e noite. Só muito mais tarde descobri que eram poemas e encantamentos entoados há séculos nos povoados do oceano Índico. Essas canções eram bancos de memória, um local de armazenamento de pessoas e eras de conexão. Falavam de encontros de amor e alegria. Ao me aprofundar um pouco nas pesquisas desse assunto, soube que foi um dos nossos estudiosos mais proeminentes e amados, Muhammed Salih Hendricks, que trouxe essas canções, esses dhikrs, de volta a Zanzibar. A conexão entre a Cidade do Cabo e Zanzibar, observada pela vida de Muhammed Salih Hendricks e outros estudiosos itinerantes, fala bastante sobre o poderoso papel que o oceano Índico desempenhou na formação das tradições reformistas islâmicas, sobretudo por meio da ordem sufi ‘Alawī. Hendricks, que era natural de Swellendam, na província do Cabo, África do Sul, passou catorze anos em Meca antes de ir a Zanzibar, onde foi nomeado um qāḍī (juiz) temporário. Sua estadia em Meca o expôs à crescente ênfase nas práticas sufi e reformas educacionais do país – com ações como promover o ensino islâmico e estabelecer instituições para mulheres –, o que moldaria seu trabalho após seu retorno à Cidade do Cabo, em 1903.

A prática do dhikr vincula os povos da Cidade do Cabo e de Zanzibar. Não se trata apenas de uma prática espiritual compartilhada, mas de um som, uma vibração, uma força que uniu comunidades ao longo dos séculos. Sempre acreditei que o som nos conecta – não apenas fisicamente, mas vive dentro de nós, enquanto comunidades. E essa é uma máxima verdadeira, especialmente quando se trata do dhikr. Por meio dele, conectamo-nos com amizades perdidas no tempo, mas ainda não rompidas. Uma dessas conexões profundas se dá com a comunidade sufi de Zanzibar, cujas práticas estão enredadas nos tecidos da comunidade islâmica da Cidade do Cabo. O dhikr, levado para o outro lado do oceano Índico por figuras como Sayyid Muḥsin, Muhammad Salih Hendricks e outros, não falava apenas do crescimento espiritual. Tratava-se de construir uma identidade compartilhada, um vínculo espiritual e político que continua ressoando até hoje.

O som do dhikr é o fio que mantém nossas comunidades atreladas, transcendendo distâncias geográficas e o passar dos anos. É uma herança, um som que nos lembra de onde estivemos, e com quem. O oceano Índico não era apenas uma rota comercial, mas também o sangue vital de uma rede de místicos e professores, e sua pulsação era o dhikr que essas pessoas levavam consigo. É esse batimento que une Zanzibar à Cidade do Cabo, criando a herança espiritual compartilhada que carregamos conosco nos dias atuais.

Durante minha apresentação houve um momento bastante comovente, quando algumas pessoas na plateia de Zanzibar começaram a cantar as canções que eu me empenhava em tocar. Foram exatamente aquelas músicas que me fizeram retornar a Zanzibar e, por acaso, em meu último dia, levaram-me à ilha de Tumbatu – uma comunidade sufi fechada que não permite a entrada de estranhos. Porém, o dhikr abriu-me as portas mais uma vez e, como se o tempo tivesse parado, permitiu-me retornar a essa comunidade insular sagrada, o coração da tradição sufi para o povo de Zanzibar, para cantarmos juntos novamente. Foi um poderoso ato de reunião, uma experiência que transcendeu o tempo.

Fiquei fascinada ao perceber que, na verdade, o tempo não interfere na forma como essa música existe no mundo. É algo que ainda me impressiona, mas cheguei à conclusão de que essa música é como nosso batimento cardíaco: não envelhece. É o ritmo das nossas vidas, que nos sustenta e nos mantém vivos. Funciona hoje da mesma forma que funcionava um século atrás, e continuará do mesmo modo no século seguinte. Mesmo que ninguém da minha comunidade visite esse lugar pelos próximos cem anos, quando – ou se – minha tataraneta pisar naquele solo, seguindo a mesma canção em seu coração, parecerá que nenhum tempo se passou entre nós.

Ao pensar na genética sônica de uma perspectiva metafísica e espiritual, pode-se considerar o som para além de uma mera ferramenta de comunicação. Ele poderia ser a forma usada por nossos ancestrais para garantir que sempre encontremos o caminho para nosso reencontro, independentemente do quão divididos ou separados possamos nos tornar.

A meu ver, o som carrega uma profunda memória espiritual, uma linguagem codificada no tecido da existência e que transcende o tempo e o espaço. Essa marca espiritual é transmitida através das gerações em forma de música, ritmo e melodia. Dessa ótica, a genética sônica poderia ser a chave para nos reconectarmos, desconsiderando as barreiras culturais, geográficas ou políticas que buscam nos dividir. Ela poderia ser o fio universal e invisível que nos une, sempre nos guiando de volta à nossa humanidade compartilhada.

Um sistema metafísico antiapartheid

Proponho que a genética sônica poderia ser considerada uma contraforça inerente às divisões criadas por sistemas como o colonialismo, o apartheid e outras formas de violência. No sentido metafísico, o som – em especial a música – poderia funcionar como uma espécie de sistema antiapartheid, atuando contra as forças que buscam nos fragmentar e isolar.

O colonialismo e o apartheid são forças históricas que tentaram impor a divisão, criando fronteiras artificiais com base em raça, cultura e geografia. Fraturaram comunidades, desfizeram conexões e apagaram identidades culturais. Mas o som, a música e o ritmo – entranhados no DNA dos oprimidos –, mesmo diante de tamanha violência, persistiram. Foi uma forma de resistência, uma rebelião audível contra as forças da divisão. Como uma linguagem em prol da união, a linguagem sônica genética talvez seja a ferramenta mais poderosa de resistência à separação. É uma língua que desconsidera o mundo falado e se comunica diretamente com nosso espírito coletivo. A música, nesse aspecto, é uma mensagem ancestral – uma lembrança de que, não importa o quanto a história tente nos afastar, sempre teremos os ecos de experiências, ritmos e emoções compartilhadas que vão nos unir novamente.

A resistência sônica ao apagamento cultural

Em face do apagamento cultural – seja por meio da colonização, da escravidão ou do apartheid –, o som tem atuado como uma

forma de sobrevivência cultural. É como se a essência de quem somos, como seres humanos, não pudesse ser completamente erradicada. Não importa quantos esforços sejam feitos para suprimir, dividir ou destruir, os ritmos das músicas de nossos ancestrais continuarão a ecoar pelo tempo.

Essa resistência sônica não é apenas um ato de preservação cultural, mas uma afirmação espiritual de identidade e de poder. Desse modo, o som torna-se uma força de resistência. As batidas do tambor, as perguntas e as respostas, as harmonias das músicas tradicionais, todos esses elementos fazem parte de um sistema metafísico maior que continuamente reafirma nossa experiência compartilhada, nossas lutas partilhadas e nossa capacidade comum de sorrir, amar e curar.

Reaproximando-nos uns dos outros

Em última instância, a genética sônica podê ser considerada um meio de sempre nos fazer reunir novamente, não importando quão separados estamos física, emocional ou socialmente. A música e o som podem romper as fronteiras impostas pelo colonialismo, pelo apartheid e por outras formas de violência. Atuam tanto como uma lembrança quanto como um caminho para a unidade espiritual.

É como se nossos ancestrais tivessem codificado uma língua secreta na música, um chamado que ressoa através dos tempos, impelindo-nos a nos aproximar uns dos outros outros. Ao ouvirmos esses sons, ao sentirmos esses ritmos, não estamos apenas vivenciando música, mas estamos nos reconectando a nossas almas ancestrais, nossa herança compartilhada e o DNA emocional de nosso povo.

É por meio das vibrações do som que transcendemos a divisão e retomamos o entendimento coletivo de estarmos todos conectados, de que nossas lutas, nossos triunfos e nossas identidades são compartilhadas da forma mais profunda e metafísica possível.

Genética sônica não como metáfora, mas como algo realmente herdado e codificado em nosso DNA biológico

Um estudo com o objetivo de obter a base genética da sincronização sonora (a capacidade de se movimentar ou de perceber uma batida musical em sincronia com outras pessoas) examinou 606.852 pessoas e identificou 69 regiões genéticas ligadas a essa habilidade.

Essa pesquisa revelou que a sincronização com a batida da música está conectada a várias habilidades, incluindo função motora, respiração, velocidade de processamento e cronotipo, sugerindo

uma base genética compartilhada. A percepção e a sincronização rítmicas desempenham um papel fundamental nas experiências humanas, influenciando a comunicação, o comportamento social e as funções cognitivas. Em termos gerais, esse estudo explora como a genética e a biologia moldam nossa percepção rítmica e como isso causa impacto em nossa vida cognitiva e social. O trabalho revelou também que a sincronização com a batida da música está geneticamente relacionada a outros traços associados aos ritmos biológicos, como a respiração, a velocidade da caminhada e o cronotipo. Esse fenômeno, conhecido como pleiotropia, no qual uma única variante genética afeta múltiplos traços, sugere uma conexão biológica mais profunda entre o ritmo e as funções corporais, o que indica que nossa habilidade de sincronização com uma batida pode não ser somente um traço estético, mas parte integrante de como nosso corpo opera como sistema coordenado.

Uma revolução sônica

Assim, para concluir, acredito que a genética sônica poderia ser a chave para nossa cura coletiva, nossa unidade e revolução espiritual. Ao nos envolvermos outra vez com os sons e os ritmos transmitidos por nossos ancestrais, podemos quebrar os muros construídos pelo colonialismo e pelo apartheid. Podemos ouvir o chamado para nos reencontrarmos e recriarmos um mundo no qual a divisão não tem mais o poder de nos separar. Por fim, som é mais do que arte, é uma força viva que respira e nos conecta uns aos outros, ao nosso passado e às forças espirituais de resistência que correm em nosso sangue e em nossos ossos. É por meio da linguagem do som que podemos nos reaproximar uns dos outros outros, continuamente.

1 S.A.W. é a abreviatura de “Sallallahu Alayhi Wa Sallam” [Que a paz e as bençãos estejam sobre ele], e é um modo de saudar e de demonstrar respeito ante a menção do nome do profeta Maomé.

A Dhow Countries Music Academy de Zanzibar

Halda Mohamed Alkanaan

A Dhow Countries Music Academy de Zanzibar (DCMA) é uma organização não governamental sem fins lucrativos registrada oficialmente em março de 2001. Como a primeira e única academia de música de Zanzibar, a DCMA oferece educação musical a estudantes interessados em aprender estilos musicais tradicionais e contemporâneos, assim como formação prática de instrumentos musicais. A academia opera com base no princípio de tornar a educação musical acessível a todos, oferecendo aulas a um custo mínimo. A DCMA enfatiza a preservação e a promoção das ricas tradições musicais de Zanzibar, incluindo estilos icônicos como taarab, beni e kidumbak. Ao fornecer formação musical de alta qualidade, a DCMA visa alimentar o talento, a criatividade e a musicalidade profissional entre jovens artistas e agentes culturais de Zanzibar.

Os programas da academia se concentram em promover uma profunda valorização da música, incentivando a preservação do patrimônio cultural de Zanzibar, e em preparar os alunos com as habilidades necessárias para construírem carreiras na indústria musical.

Principais componentes da DCMA

A DCMA abarca uma variedade de programas e iniciativas planejados para atender as diversas necessidades dos estudantes de música e da comunidade cultural como um todo. Entre eles, estão:

→ Aulas de música de vários instrumentos, como violino, oud [alaúde], qanun [cítara árabe], violoncelo, guitarra, percussão, zumari, acordeão e piano, entre outros.

→ Programa de bolsas de estudo dedicado a patrocinar estudantes talentosos mas financeiramente vulneráveis.

→ Biblioteca de música, fornecendo instrumentos, materiais audiovisuais, livros e outros recursos educacionais para todos os membros.

→ Agência musical, que trabalha para promover músicos zanzibaritas e facilitar oportunidades de apresentações locais, regionais e internacionais.

→ Programa para escolas, planejado para introduzir a educação musical em escolas públicas e particulares, identificar jovens músicos talentosos e promover a consciência cultural.

→ Programa de crianças e jovens, que alimenta a criatividade e a expressão artística como parte do desenvolvimento infantil.

→ Programa de inclusão rural, levando formação em instrumentos e educação musical a aldeias que se encontram fora

dos centros urbanos de Zanzibar, em Unguja e Pemba. Atualmente, a DCMA mantém uma filial plenamente funcional em Mahonda.

→ Oficinas, aulas magistrais e seminários, locais e internacionais, expondo os musicistas a diversos estilos musicais e aprimorando suas habilidades.

→ Programa de intercâmbio estudantil, facilitando trocas culturais e educacionais, local e internacionalmente.

→ Construção de capacidades, dedicada a aprimorar competências de ensino e administrativas da equipe da DCMA.

Visão e missão

Nossa visão:

Buscar o reconhecimento como o principal centro internacionalmente qualificado para o ensino de música tradicional na África Oriental e Central, e, ao mesmo tempo, promover a valorização da música tradicional e contemporânea como catalisadores do desenvolvimento cultural e econômico.

Nossa missão:

A DCMA está comprometida em desempenhar um papel fundamental no fortalecimento da indústria musical em Zanzibar, com foco em pesquisa, formação, promoção, preservação e desenvolvimento do patrimônio musical zanzibarita e da região de Dhow. Por meio da educação estruturada, das oportunidades de apresentação e das colaborações interculturais, a DCMA busca empoderar os musicistas e enriquecer a paisagem musical local.

Objetivos e metas da DCMA

A DCMA opera com os seguintes objetivos e metas fundamentais:

→ Fornecer oportunidades de educação musical a residentes de Zanzibar, com ênfase em jovens, crianças e mulheres, garantindo a preservação da música tradicional.

→ Formar musicistas profissionais, oferecendo cursos estruturados, seminários, oficinas, oportunidades de pesquisa e debates.

→ Equipar musicistas talentosos com habilidades e recursos necessários para construir carreiras sustentáveis.

→ Ampliar as oportunidades de emprego na indústria musical zanzibarita, divulgando e promovendo músicos locais para apresentações em espaços locais, festivais regionais e eventos internacionais.

→ Aprimorar as colaborações internacionais, promovendo comunicações, redes de contatos e diplomacia cultural entre os países da região de Dhow (África, Índia, Paquistão, Indonésia, as ilhas do oceano Índico e os países árabes).

→ Estabelecer fortes parcerias culturais e educacionais com organizações nos âmbitos local, regional e internacional, promovendo um ambiente de respeito mútuo, igualdade e tolerância.

Objetivos estratégicos

→ Expansão dos programas educacionais: aprimorar e diversificar nosso currículo para incluir estilos e técnicas musicais integrando as abordagens tradicionais e contemporâneas.

→ Fortalecimento do alcance comunitário: desenvolver programas e iniciativas que engajem a comunidade local, como oficinas, concertos e projetos colaborativos.

→ Construção de parcerias internacionais: promover relações com instituições e músicos globais para facilitar intercâmbios culturais e oportunidades colaborativas.

→ Aprimorar espaços e recursos: investir em espaços qualificados inovadores e recursos para sustentar nossas atividades educacionais e de apresentações, garantindo um ambiente favorável para o aprendizado e a criatividade.

Estrutura administrativa da DCMA

A DCMA é comandada por uma diretoria que inclui profissionais de diversas origens locais e internacionais. A academia opera com uma equipe eficiente, dirigida por um CEO e estruturada em uma divisão educacional e uma divisão administrativa.

Equipe de educação:

→ Diretor artístico

→ Diretor acadêmico

→ Três professores em dedicação exclusiva (todos tanzanianos)

→ Nove professores em meio-período (todos tanzanianos)

Equipe de administração:

→ Diretora administrativa (mulher tanzaniana)

→ Gerente de contabilidade (homem tanzaniano)

→ Gerente de comunicação (homem tanzaniano)

© Sauti Za Busara, 2025.

→ Bibliotecária (mulher tanzaniana)

→ Zeladora (mulher tanzaniana)

Atividades

Desde sua inauguração em setembro de 2002, a DCMA tem sido reconhecida local e internacionalmente como um centro de excelência cultural, sob o lema: “Música como educação, música como trabalho, música como prazer”.

Música como educação

A DCMA oferece formação de alta qualidade em instrumentos e aulas de teoria musical, oficinas e aulas magistrais. Até hoje, a DCMA formou mais de 3.200 alunos e sediou inúmeras oficinas musicais internacionais.

A academia também possui um pequeno museu da música e um arquivo para que os moradores da região e os visitantes compreendam a história da música taarab, dos instrumentos, e a história das lendas do taarab.

Música como trabalho

Muitos dos alunos e dos professores da DCMA trabalham como músicos profissionais. Especificamente:

→ 75% dos principais músicos de Zanzibar estudaram na DCMA.

→ 90% dos professores da DCMA se formaram na academia.

→ Os formandos participam de projetos de gravação, intercâmbios culturais e apresentações internacionais.

Música como prazer

A DCMA organiza regularmente apresentações para aproximar a música tradicional e contemporânea do público local.

Currículo

O ano letivo da DCMA se divide em dois semestres de cinco meses, anteriores e posteriores ao mês sagrado muçulmano do Ramadã.

A academia oferece educação musical estruturada por meio de seus programas de Certificado e de Diploma:

→ Programa de Certificado: curso estruturado de três anos com avaliações e oportunidades de apresentação.

→ Programa de Diploma: voltado a alunos avançados e educadores, preparando para carreiras com educação superior. (Atualmente interrompido devido a dificuldades financeiras.)

→ Além disso, podem ser feitos arranjos especiais para indivíduos e alunos estrangeiros interessados em formações especializadas mais curtas.

Prêmios e reconhecimento

A contribuição da academia para a educação musical e a preservação cultural conquistou diversos prêmios:

→ Prêmio da Embaixada dos Estados Unidos da America pela Preservação Cultural (2002)

→ Zanzibar Music Award pela Contribuição ao Desenvolvimento Musical (2007)

→ Tigo Zanzibar Music Award (2008)

→ Zanzibar Music Award pela Preservação da Música Tradicional e Roskilde World Music Award em reconhecimento pelo ensino de tradições (2010)

DCMA Young Stars

O DCMA Young Stars é um vibrante conjunto de treze talentosos estudantes dedicados à preservação e à celebração das ricas tradições musicais de Zanzibar. Como artistas emergentes da Dhow Countries Music Academy, eles trazem uma energia nova para o taarab, gênero profundamente enraizado no patrimônio cultural da ilha.

Apresentando-se com uma cativante mistura de influências tradicionais e contemporâneas, os Young Stars mostram a beleza da música zanzibarita através de um conjunto de diversos instrumentos, incluindo violino, qanun [cítara árabe], clarinete, bongôs, tabla e poderosos vocais. Suas apresentações transportam o público por melodias e por ritmos evocativos que definiram o taarab durante gerações.

Com sua paixão, habilidade e dedicação, os DCMA Young Stars representam a nova onda da excelência musical, garantindo que os tesouros sonoros de Zanzibar continuem prosperando por anos a fio.

Registro da performance

Escrevendo o som de Zanzibar

Thabit Omar Kiringe

Eu ingressei na DCMA em 2002, como professor de teoria musical. Para situar esse momento, deixem-me conduzi-los aos anos do Pai da Nação,1 que me levaram a trabalhar com a música taarab.

Em uma visita à sede do governo, presidente do Mali, Modibo Keïta (1915-1977), veio à Tanzânia. Naquela noite, fomos convidados para o evento, e a banda da polícia deveria se apresentar. Naquela época, o chefe da banda costumava tocar temas de Beethoven, Tchaikovsky e todo o tipo de música estrangeira. Um funcionário veio até o chefe da banda e disse: “As visitas querem ouvir música tradicional da Tanzânia”. A partir desse momento, a minha mente se abriu. Foi como se alguém tivesse retirado algo de dentro de mim. E pensei: “Mas em casa nós temos algumas gravações de taarab”. Se as músicas estivessem escritas, seria mais fácil para todos tocá-las. Foi então que senti a vontade de escrever taarab. E minha primeira canção foi “Nanasi”, que traduzindo é “ananás”. Isso foi em 1973. Nenhum de vocês tinha nascido. Foi quando escrevi minha primeira canção de taarab.

Agora, deixem-me falar da importância do taarab para Zanzibar. Especialmente o taarab zanzibariano. Não é brincadeira. Nós conhecemos zanzibarianos muito humildes. Eles são muito calados, silenciosos, e aqui é pacífico, por causa de nossa cultura, da cultura do taarab. Nós odiamos briga, e o taarab é assim também. O taarab nos criou, nos formou. Nosso país é uma mistura de diferentes taarabs. Porque o taarab nasceu em um local árabe, mas onde havia também alguns indianos, e hoje nós temos essa mescla que é o taarab de Zanzibar.

O taarab é muito importante, especialmente para esta geração. É bom demais. Antigamente, o taarab não se dançava. Você se sentava e escutava essa música de prestígio. É diferente de hoje em dia. Eu levava minha esposa para sair e nos sentávamos e ouvíamos música. E, se você se levantasse, era para dar algum presente aos cantores. Era um sinal de respeito. Sim, premiar os artistas sem manifestar nenhuma desobediência.

Agora falarei de improvisação. Essa tal improvisação, algumas pessoas só ouvem falar: “taqsim, taqsim…” [improvise, improvise…]. Mas eu gostaria que vocês ouvissem duas improvisações, e assim poderemos entender como os zanzibaritas enfrentaram esses dois taqsims. Vamos ouvir. [A canção é tocada.] Essa improvisação foi feita diretamente pelo cantor. Nas improvisações, você se expressa da forma como se sente, como quer tocar seu instrumento. Se estiver conduzindo uma banda, você simplesmente deixa a banda fazer o que quiser. Esse é o significado da improvisação. Existem outros taqsims feitos pelo cantor e outras improvisações.

Essa canção se chama “Cheo Chako” [canção de Rukia Ramadhani]. Eu recebi essa incumbência da sede do governo.

E a sede do governo queria que essa canção fosse tocada por uma banda da polícia. Então, em vez de tocar “Cheo Chako”, eles simplesmente tocaram “Cheo Chango”. Tocaram de modo diferente, mas era a mesma canção. Portanto, não temos certeza, mas alguém que veio queria ouvir “Cheo Chako”. Essa pessoa disse ao chefe da banda que nós queríamos uma canção chamada “Cheo Chako”.

Vou tocar um trechinho. E quero que vocês escutem como o canto é recebido pelos tecladistas. [A canção é executada.] Vocês podem ver que a primeira improvisação é muito diferente desta. A primeira improvisação tem um tom sentimental, expressa a tristeza de alguém. Se você tem problemas em casa, quando ouve essa improvisação, pode até chorar. A música foi executada diretamente pelo artista. Mas, na segunda, há uma pequena ponte que normalmente é feita pelos teclados. E, depois, o cantor acompanha. Assim, o sabor é diferente. E o valor é a música. Isso faz a música soar verdadeira e agradável. Querendo ou não, você vai gostar. Isso é improvisação. Esse é o significado. E a importância. É o que torna algo belo.

Especialmente o taarab.

Nem toda canção tem improvisação. Algumas não têm. Apenas começam diretamente. Mas se vocês olharem no fundo, por dentro, a segunda tem uma improvisação interna diferente. E eu não vou explicar isso. Levaria muito tempo. A canção começa com improvisação, improvisação instrumental. E, depois, a senhora Rukia [Ramadhani] começa a cantar. E então vem a música. E a seguir há outra improvisação que nos leva de um lugar para outro. De modo que a canção faz uma alternância de emoções. Agora me permitam falar sobre a importância da escrita musical. Especialmente em nossa música taarab. Por que a partitura é importante? Tentei procurar muitas canções, especialmente uma conhecida como “Karata”, de Khadija Salim. Realmente procurei por ela. Não a encontrei em parte nenhuma. Existem muitas canções tradicionais que se perderam, porque não foram escritas. Existem algumas fitas cassete gravadas, pen-drives, CDs. Mas nossas canções tradicionais, a maioria delas não temos. Mas, agora, canções como “Cheo Chako,” a senhora Halda me chamou, com meu colega diretor artístico e nos aconselhou: por que não fazíamos um livro com as partituras de música taarab tradicional? Foi um bom conselho, porque estamos aqui e podemos escrever essas músicas. Temos a mesma capacidade. Ele [Tryphon Evarist] escreveu quase cinquenta canções, porque ele escreve com um computador. Eu escrevo à mão e tenho quase trinta canções escritas. E, no total, temos quase oitenta canções escritas em partituras. Se você levar essas partituras a qualquer lugar, então verá os zanzibaritas. Quando ouvir essa improvisação, mesmo que esteja na China, em qualquer lugar, quando as ouvir por causa das

partituras, terá uma sensação de Zanzibar. Isso é muito importante para a memória e para a preservação.

Nós, que começamos antes, costumávamos tocar Beethoven. Eu não os conhecia, mas simplesmente gostava de tocar músicas de Beethoven e de Tchaikovsky. Mas temos nossas próprias músicas. Nós temos nossos pais, que não estão aqui hoje. E como faremos para lembrá-los? Porque se você escreve a música, escreve também quem a interpretava, quem a compôs, quem a tocou, por exemplo Nad Ikwaan Safaa. Todas as partituras estão aí. E essa música escrita estará aí para sempre. O autor é Saif Salim. Sempre se saberá. E se Saif Salim a interpretava, ficará registrado nesse livro. Então, essa música ficará aí para sempre. Essas canções jamais serão esquecidas por causa dessas partituras. Elas serão lidas e relidas por várias gerações no futuro. Agora, sobre os desafios, há certo desafio nisso tudo. Às vezes, rio sozinho enquanto estou escrevendo. Porque esses velhos músicos nunca escreveram partituras. Especialmente nas bandas militares. Se eram oito clarinetes, então todos os oito clarinetes tocavam a mesma coisa. Mas esses grupos locais que não liam música, quem lhes ensinava ouvia sons diferentes de cada clarinetista. Pois o treinamento de ouvido era muito diferente. Quem ouve e quem toca faz algo diferente do que o líder está regendo. Então, você chega no dia seguinte, depois do primeiro ensaio, e ouve algo diferente do que aconteceu antes. Porque as canções têm tons. Então, os músicos locais têm um treinamento de ouvido diferente, o que é muito difícil. Talvez eu pudesse lembrar algumas coisas sobre esses versos. Na época, estávamos em cinco pessoas e nos deram uma canção para escrever. Então, o chefe da banda de Moshi veio e descobriu que as cinco pessoas estavam escrevendo a mesma canção. E ele disse ao chefe da banda, Mwagilo: “Não deixe que esses alunos escrevam a mesma canção. Cada um tem seu próprio ouvido”. Mas o chefe da banda disse: “Não quero que vocês escrevam a música, quero que vocês escrevam a letra”. Não vou me lembrar agora, mas recordo um dos versos: “África, uma grande nação importante…” Há outras palavras que continuam. Mas, entre nós cinco, um não escreveu “África, uma grande nação importante…”. Ele escreveu algo diferente. Porque o ouvido é diferente. De modo que existe um desafio para os nossos tecladistas e violinistas. Alguns tocam melodias diferentes e outros tocam outra coisa. Para nós, que escrevemos, nós escutamos. E tentamos ver o que está perfeito e o que é verdadeiro. E é isso que você escreve. Você descansa quando o cantor começa. Mas a parte dos teclados é muito difícil de documentar, porque eles tocam sem partitura. Então, se você pergunta: “Em que tom você está tocando essa música?” Eu digo: “Eu começo com ré”. Começa com D. Mas D, é em que tom? Em C major [dó maior], é ré, mas em

F major [fá maior], D é lá. A princípio, realmente tive dificuldade, especialmente com Matona [Mohamed Issa Haji]. Tivemos dificuldade porque ele diz que começa com Sol, mas em C major [dó maior], sol é G. Por sua vez, para F major [fá maior], G é lá. Percebem? Então, se estiver escrevendo essa música, há coisas que precisa ajustar para que entenda que a canção começa em certo tom e continua nesse tom. Outros tocam em fá sustenido, outros, em fá bemol. Assim, se tiver um teclado e tocar duas notas ao mesmo tempo, ficará confuso. O som é muito diferente. Não funciona, porque você simplesmente distorce tudo. De modo que nós enfrentamos isso.

Além disso, existe uma tendência a retroceder. Você precisa ter um ouvido adequado e que ninguém venha perturbá-lo. Em casa, precisa parar com tudo. Normalmente, eu fecho a porta, porque não quero ser incomodado. Meus filhos me conhecem, eles sabem que, se estiver com meu teclado, não quero que ninguém venha me perguntar ou dizer nada de manhã até à tarde.

Outro desafio é o equipamento. Eu, por exemplo, preciso de um computador para escrever música depressa. Mas se eu lhes mostrar as coisas que escrevi à mão, ficarão surpresos. Uma delas é este livro [mostra um livro]. Como podem ver, ele é manuscrito. Um desses ficou completo e eu o entreguei à senhora Halda para restaurá-lo. Até a canção “Cheo Chako” está nele. Tenho certeza de que a canção “Kijiti” também está. E este é o segundo livro. Um está completo e este é o segundo. O primeiro tem vinte canções de taarab tradicional. Eu não escrevo as canções modernas. Escrevo taarab tradicional. É isso que eu quero, porque precisamos preservá-las para a geração seguinte, porque, caso contrário, ela ficará sem referências. Este taarab moderno será visto como o taarab, e o taarab tradicional não será mais conhecido. Será considerado a música mais antiga. E eles não vão nos querer mais. Porque o taarab moderno estará nos desnorteando. Portanto, é importante que documentemos o taarab tradicional. Eu realmente agradeço os esforços da senhora Halda em nos fazer documentar essas canções. E nós começamos. Este é o segundo livro. O primeiro livro tem vinte canções, e eu o entreguei a ela. Isso é uma memória para o futuro. Posso dizer que o suaíli é a sétima língua mais falada no mundo. E neste livro vocês encontrarão canções escritas nesse idioma. As partituras e as letras estão aí, de modo que não perderão nada aqueles que vierem a consultá-las no futuro. Ainda que cantem de modo diferente, tenho certeza de que estes livros tornarão essas canções universais. Não haverá motivo para cantá-las ou tocá-las de modo diferente. Temos certeza de que esses livros chegarão a toda a África e a todo o mundo.

Eu estava dando aulas a um aluno japonês e perguntei a ele: “Onde você aprendeu suaíli?”. Ele disse: “Aprendi no Japão”. Ele é japonês, mas aprendeu nosso idioma no Japão. E hoje nós

assistimos a filmes árabes, indianos e europeus, todos em suaíli. Por que não enviamos a eles canções em suaíli, já que podem produzir filmes nessa língua? Essa é a importância das partituras de taarab. É um desafio.

Meu conselho aos pais, como eu: a música não é algo ilícito. Vamos incentivar nossas crianças a estudar música. Não vamos impedi-las. Porque eu não me tornei um desordeiro. Durante trinta anos, até agora, aos setenta anos, tenho minha dignidade. Por que não sou um desordeiro? O vandalismo é algo intrínseco ao comportamento de algumas pessoas. Então, vamos deixar nossos filhos estudarem música. Temos crianças que cantam taarab com partitura. Que tocam teclado com partitura. São muito jovens, com menos de 20 anos. Que cantam com partitura. Nós não negamos a eles que experimentem, como nossos antigos faziam, porque eles costumavam nos obrigar. E nós ensinamos às crianças qualquer coisa, como adaptar e também a tocar por partitura. E alguns estão estudando há um ano, mas parecem que estudam há seis anos.

Meus últimos pensamentos vão para aqueles que desejem nos ajudar. Estamos enfrentando dificuldades com nossa sede. Estamos sempre mudando de lugar. Para aqueles que puderem nos fornecer uma casa grande adequada, nossa escola está precisando. Temos alunos de Arusha, Moshi e de diferentes partes da Tanzânia. Eles estão estudando. Eles ouvem falar de nós nas mídias sociais, nos jornais. Eles vão a Dar es Salaam e nos procuram. Em Bagamoyo, há uma escola de música, mas depois de obterem um diploma lá, dizem para eles: “Se você quer ter uma carreira de músico de verdade, deveria ir estudar em Zanzibar”. Se você quiser desenvolver um verdadeiro talento, você deve vir para cá. Então, depois de formados lá, eles chegam a nós e começam como alunos do terceiro ano, porque aqui é onde está o profissionalismo. Então, nós realmente precisamos de ajuda. Estamos enfrentando dificuldades neste espaço especial. Para aqueles que puderem, por favor, nos ajudem a conseguir uma sede adequada [Aplausos].

1 Referência a Abeid Karume (1905-1972), primeiro presidente de Zanzibar após a Revolução Zanzibarita (1964).

Taarab

Ajítẹnà Marco Scarassatti

O som da chuva nos protegia arredores…

Em cima daquilo que chamamos palco sentados estávamos, cada qual com seu instrumento num tempo de latência que antecede o primeiro gesto. Gesta-se o som que irromperá do silêncio.

Numa fração menor ainda desse tempo, passou pela minha cabeça o profeta sufi. A música reside no silêncio.

Silêncio, Smetak disse, o som nasce do seu adensamento.

À espera, me sentia como um solitário numa multidão o som da chuva tornou-se turvo e distante…

Empunhei o arco, posicionei sobre a corda do instrumento inventado Pássara-cocho, uma Ìyàmi que canta com suas cordas vocais expostas. Uma mãe, sementeira, que refaz o caminho da criação.

Pressionei a ponta do arco na corda, sem ainda provocar o som. À beira do primeiro toque, o piano do Monk, desenhou uma espiral.

E, nesse espaço-tempo, giravam Coleman, Parker, Monk, Matana, Coltrane, Taylor e tantas outras e outros que soaram o espírito da liberdade subvertendo os instrumentos colonizadores.

Pura encantação, viraram espécies companheiras.

Como a chuva, os pensamentos voaram para longe ainda ressoavam vissungos, repentes e emboladas, o silêncio se adensava.

Eu era a ponta do arco e fazia pressão sobre a corda, habitava esse ponto de contato.

Escapei e me tornei corda, me lancei, em forma de alma-som e gesto.

Pairei!

Vibrante entre outras almas, eu sequer era som, apenas pairava escutei.

Pausa!

Ruídos de alegria e tristeza assobiam. Irradiam, rodopiam.

Imantam a acústica do lugar, um terreiro; misturam-se ao sonho. Sonham também… Num canto qualquer desta encruza, Desassombrada, uma corpa transicionada, adormecida espera respira

escuta sonhos de sua morte em vida. Desperta. Os olhos despertam, se abrem!

Percebe o lugar, No mesmo tempo em que sua pele ondula com as vibrações ventiladas. No mesmo tempo em que cheira e sente o gosto da terra. No mesmo tempo em que sua língua toca o ar.

A Corpa, aqui ela não tem nome, para que sejam muitas, muitos, muites, muitxsxssssssssHAUXxxxxxxxxxxxxxiiiiiiiiíííí

No pavilhão da sua orelha, o mestre dos cantos sopra. Levanta!

Escuta o silêncio por um instante, até que o Iroke balance. No fundo da sala, balanga um filete

Diriguiridiriguiridiriguiri

Diriguiridiriguiridiriguiri

Diriguiridiriguiridiriguiri… Balanga e golpeia a madeira esculpida da sineta sagrada.

Irradia, a vibração, em pulsos rápidos, impulsos estridentes. Imanta. A corpa é o lugar, sente a pele percurtida, uma dobra.

Em cada poro tocado, o toque movimenta.

Ruídos de alegria e tristeza pairam como espíritos, espalham transcendências dentro do Orí.

Inesperada, a chegada de uma nova rítmica que margeada pelo crepitar das platinelas salta e se desprende a cada toque de uma rebana

Túndek tekdún tek Dúndek tekdún tek

Dúndek tekdún tek Dúndek tekdún tek…

E nos contratempos se alternam ao toque de pele agudo, na borda

térun téréruntérérun térun térun téréruntérérun térun térun, téréruntérérun a pele percurtida, movimenta.

Atravessa o labirinto

A corpa é o lugar. Suspende os ombros projeta o esterno à frente num impulso.

Repete!

Sente!

Ser-pen-teia arreda a lombar arqueia sobre as coxas e os joelhos caminha como se fora duas, gingando Os passos caminham para a frente, para trás kan k kankan k kan k kankan k kan k kankan k…

O gan assinala orín de Ògún contrasta com o tremor do surdo que pontua solto e flutuante enquanto estremece o chão

TUM Dak daK TUM DaK

TUM Dak daK TUM

TUM Dak daK TUM DaK

TUM Dak daK TUM.

A corpa dança e é na dança que a mistura se resolve. A escuta improvisa

abre uma fenda no presente se aprofunda. Interregno, a respiração ofega. Toma o lugar em movimento atravessa o labirinto.

A respiração é o fole que sopra um acorde de quartas, contínuo, contíguo à pele as mãos chacoalham xhaque xhaquerê xhaque xhaquerê xhaque xhaquerê xhaque xhaquerê xhaque xhaquerê xhaque xhaquerê dança e é na dança que a mistura se resolve.

A corpa é o lugar, sente a pele percurtida, cada poro tocado pelo toque, movimenta.

um Tá Ga dún Tá Ga dúnTá Ga dúnTá Ga dúnTá Ga dún atravessa se distancia.

Escuta uma prosa sobre o fole inspira, levanta os ombros suspira, as pálpebras fecham, respira.

Toque de lúna em conversa com um Taqsim

Caxixi, Berimbau, Kithara pinçam e percutem, ressoam suas cordas em cada canto do terreiro. Ainda que os cantos sejam torvelinhos de todos os sons apresentados escuta o vento, deslocamento curto, raspado pelas mãos no xequerê.

A corpa rodopia sobre os pés abre uma fenda na escuta, o Interregno se aprofunda a respiração ofega

O Orí é o lugar o terreiro movimenta, delira.

Ruídos de alegria e tristeza se assentam

tornam-se o barro do chão, da pista de onde se dança. Tornar-se dança, a dança-corpa de sonoridades visitantes e é na dança que a mistura se resolve encontram, improvisam um caminho. A prática do fazer comum a prática do ordinário a prática de tornar-se, depois de muita dança percebe-se, a corpa encolhe.

Como se espiralasse, coubesse e habitasse o pavilhão da orelha, e no labirinto entrasse, encontrasse a si mesma e dali partisse desenrolada e tomasse o espaço inteiro com sua voz. Excitante um melisma entoa Ya Layl Ya ‘Ayn improvisa intui uma existência aprofunda o tempo presente dança que paira sutil como uma névoa trafega no akasha txschíuuuuuúúúúiiiiiiiiiiiuuuuuoooooooôôôôôô assobia siuxiiiiiiiiiiieouu interregna imprecisa intuitiva a quem a alma decidiu-se por ser so-bre-viver de onde a alma reside, o dedo toca a corda se desprende desloca, a alma assobia

a alma viaja como som… Kakakiriká!

É o som da cabaça a cabaça do xequerê. Foi partida pelas próprias ferramentas que usava na chegada ao Aye mas a cabaça é sementeira. De uma, já sou muitas! tornar-se, teria sido, a barqueira zen, diante de uma onda gigantesca conduzo minha corpa-canoa caminho como num jardim florido danço em sua ondulatória transcendental

danço com elas todas que partem debaixo do barro do chão da pista onde se dança um ritual sou língua e me atrevo a tatear o ar sou língua e me atrevo linguagem

respiro o verso escuto o canto silencioso, minha Orí assobia intui improvisa interregna imprecisa aqui a corpa tem nome Orí coletiva pelas mãos de Ajalá de onde escolhi ser.

A improvisação música do mundo imaginal música de encruzilhada cabaça que se parte kakakirka.

Em sementeiras para que sejam muitas, muitos, muites, muitxs

a improvisação como um Orí coletivo. Sou coletiva, junta, contígua de um chão batido, ainda que os cantos-chão sejam torvelinhos espiralados –rodopio desassombrada meus pés marcam o assoalho escuto um canto grave, rouco e sussurrado

feitiço

Ọfọ ̀ e o dedilhado d’um Iganga o terreiro se esvazia o dedilhado d’um Iganga

esvazia

feitiço

Ọfọ ̀ ruídos, de alegria e tristeza? …, um terreiro … os sons se misturam, caminham no espaço acústico, éter, como quem faz a travessia de uma margem a outra de um rio, por um caminho de pedras. Estas se desintegram, uma a uma, imediatamente após serem tocadas pelos pés que as atravessam. A repetição como um gesto orbital a Terra gira, soar o espírito da liberdade o imprevisto tomar para si os instrumentos as instrumentas, espécies companheiras a improvisar silêncios, assobiar irradiar-se como som, rodopiar a acústica de um lugar, terreiro; Desassombrada, num canto. Adormecida espera,

as orelhas se abrem! despertam assobiam Imantam o lugar, as palavras, os sons o silêncio que grita.

Às orelhas, os sons vêm da Terra, sobem como onda pelos pés… até balançar a trança. A orelha é corpa na concha, a mistura se resolve dança encontram, improvisam um caminho. Tornar-se, teria sido habitam a impossibilidade.

Quando os Orí funcionam simultaneamente, é composição de forma livre … correr como as águas de um rio como quem faz a travessia de uma margem a outra, por um caminho de pedras.

As águas conservam o rio, o seu nome e o batizam constantemente… imprevisto, intuição, improviso … tempo volúvel… tempo imprevista abre uma fenda no presente intui se aprofunda interregna a respiração ofega Toma o lugar improvisa atravessa.

A respiração é o fole que sopra corpa, clima,

sonha incansável.

O que quer que você veja, não se estabilize não proclame que é o novo. Ser o instante, ser a instância intuitiva abraçar a sombra de um peixe sobre a superfície de um rio como quem faz a travessia de uma margem a outra, por um caminho de pedras.

As águas conservam o rio, constantemente… as águas são sempre novas o rio é o mesmo.

As águas, o rio, a ria amanhã é nunca entre o acontecido, o devir e o por acontecer a corpa entre margens. Criar as coisas que eles não nos podem roubar! O instante!

Não se estabilize nem proclame que é o novo. as águas sempre são novas, embora o rio seja o mesmo. As águas o batizam constantemente… Com todas as línguas correntes se entrelaçando a corpa trans-idiomática desperta, percebe o lugar, sua pele ondula com as vibrações ventiladas, cheira e sente o gosto da terra. Sua língua toca o ar.

A Corpa, aqui ela não tem nome, para que, por vir, sejam ruídos de alegria e tristeza, assobiam uma garrafa de barro. Toda a sonoridade cabe ali, rodopia.

Entre as sonoridades dos arredores crianças, pequenos gritos, grilos, agitos respiração na garrafa de barro, vento pela fresta da janela Imantam

Juntas

Sonham, desassombradas, a música do terreiro.

Todas se encontram, todas se tocam, todas tocam o terreiro num canto uma corpa adormecida respira

escuta sonhos os olhos se abrem! Percebe-se na outra margem Pausa.

Inspira, levanta os ombros suspira, pálpebras fecham, respira respira respira respira

escuta o silêncio o Iroke balança e distancia balanga um filete de metal

golpeia a madeira esculpida da sineta distancia

inspira, levanta os ombros

diriguiridiriguiridiriguiridiriguiri… suspira, pálpebras fecham. Respira respira pausa os sons há pouco vividos, se dispersavam. Nos olhamos, cúmplices do êxtase, nos reconhecemos nos acolhemos as pálpebras fecham os olhos, os ouvidos, não a chuva nos protegia aplaudia

A arte da poesia e da composição musical taarab

É uma honra e um privilégio estar aqui, hoje, na 36ª Bienal de São Paulo – Invocação #3, em Zanzibar, para compartilhar um assunto que está profundamente enredado na minha vida: a música e a poesia taarab. Por meio desta apresentação, gostaria de convidar vocês a entrarem no mundo do taarab, que não é apenas um gênero musical, mas também uma forma artística intensa de contação de histórias, improvisação e expressão cultural que está no cerne da identidade de Zanzibar, há séculos.

O taarab é mais do que entretenimento, é poesia transformada em melodia, um diálogo entre o artista e o público, um modo de expressar emoções, histórias e realidades sociais por meio de versos compostos com minúcia. Minha jornada no taarab teve início com minha paixão por criar letras e melodias não apenas para que fossem desfrutadas, mas que também veiculassem um significado, tocando o coração daqueles que as ouvem.

Compreendendo a essência do taarab

A música taarab tem suas raízes no rico tecido cultural de Zanzibar, no qual influências africanas, árabes, persas e indianas se mesclam para criar uma tradição musical única e expressiva. Sua origem data do final do século 19, quando o sultão afro-otomano Barghash bin Said (18361888) a trouxe para Zanzibar após ter se inspirado nas músicas clássicas árabe e egípcia, com as quais teve contato em suas viagens. Ao longo dos anos, Zanzibar desenvolveu um estilo próprio de taarab, transformando-o em uma tradição profundamente enraizada que fala das experiências cotidianas das pessoas. No fundo, o taarab é um modo de expressão, uma forma de a pessoa que compõe ou interpreta a

canção taarab registrar emoções, observações sociais e reflexões pessoais em versos poéticos. As letras das canções taarab são, com frequência, metafóricas e repletas de significados, funcionando como um meio para os artistas expressarem amor, desejo, alegria, tristeza e até transmitir mensagens políticas sutis.

Um dos aspectos mais importantes do taarab é a certeza de que ele sempre promove uma interação com o público. O cantor não apenas se apresenta, mas se envolve em uma dinâmica de perguntas e respostas com os ouvintes, que geralmente interpretam, do seu modo, a letra da canção taarab, relacionando-a com suas experiências pessoais.

O poder das palavras na poesia taarab

No taarab, as palavras têm tanta importância quanto a melodia, talvez até mais. Uma canção taarab bem escrita dispõe de um profundo simbolismo poético e do uso frequente de metáforas e alegorias que transmitem emoções complexas.

Algumas músicas celebram o amor e a paixão, enquanto outras criticam sutilmente as normas sociais, as injustiças ou as realidades políticas.

Como compositor e letrista, meu processo envolve lapidar palavras que repercutam nas emoções dos ouvintes. A beleza da poesia taarab se encontra na capacidade de ser interpretada de uma maneira diferente por diferentes pessoas, o que a torna uma experiência profundamente particular e imersiva.

As letras da canção taarab normalmente incluem romantismo e amor : expressões de devoção,

admiração e a dor do amor não correspondido; filosofia e sabedoria: reflexões sobre a vida, o destino e a vivência humana; comentários sociais: questões relacionadas à moralidade, à classe e a mudanças culturais; e diversão e

humor : uso de jogos de palavras e duplos sentidos para entreter o público.

Essa base poética profunda é o que torna o taarab tão rico e atemporal, permitindo que transcenda gerações.

O papel da improvisação no taarab

Um aspecto fundamental da música taarab, que a distingue de outros estilos, é a improvisação. Apesar de as composições taarab terem melodias e versos estruturados, sempre há espaço para o artista ir além do que está escrito, dando vazão à expressão pessoal, à profundidade emocional e à interação espontânea com o público.

Na música, a improvisação é o momento no qual é possível sair do roteiro, expressar intenções mais profundas que as prescritas, manifestar emoções, visões políticas e mensagens pessoais para além daquelas anotadas e classificadas,

literal e metaforicamente. É um espaço de comunicação diferente entre o intérprete e o espectador, no qual os sentimentos prevalecem sobre a estrutura.

Essa característica do improviso é o que torna cada apresentação de taarab única. Uma canção nunca é apresentada da mesma forma duas vezes, porque o cantor se alimenta da energia do público, do clima do momento e da carga emocional das letras. Essa expressão espontânea e não lapidada é o que faz do taarab uma forma artística tão humana e íntima.

Minha jornada na música taarab

Minha jornada no taarab remonta à paixão de uma vida inteira, que começou muito cedo. Primeiro, ingressei no Nadi Ikhwan Safaa, o grupo de taarab mais antigo de Zanzibar, no qual aprimorei minhas habilidades como compositor e intérprete. Com o passar do tempo, a vontade de experimentar e ultrapassar as barreiras

criativas me fez viajar à cidade de Dar es Salaam [na Tanzânia], onde passei a fazer parte do Al-Watan, um dos grupos de taarab mais influentes da época.

Nesse período, não apenas refinei minhas habilidades musicais, mas também ampliei meus conhecimentos sobre composição, instrumentação e lirismo poético. Também

tive a honra de participar do grupo Tanzanian Police Band, no qual desenvolvi ainda mais minha musicalidade e explorei diversas influências musicais.

Um dos destaques de minha carreira foi compor e gravar músicas em homenagem à rainha Elizabeth II e, posteriormente, receber uma carta pessoal de Sua Majestade em agradecimento. Esse momento

reforçou minha crença no poder da música como linguagem universal que transcende fronteiras e culturas.

Ao longo de minha carreira, sempre acreditei que o taarab precisa evoluir, ao mesmo tempo em que deve preservar sua essência.

Trabalhei com vários artistas, treinei gerações mais jovens e me esforcei para manter viva a tradição por meio da inovação e da educação.

A importância da notação escrita na preservação do taarab

Um dos maiores desafios que encaramos hoje é a preservação da música taarab. Tradicionalmente, muito dessa música foi transmitido de forma oral, o que a torna vulnerável a se perder com o passar do tempo. A falta de notações escritas coloca várias composições sob o risco de desaparecimento, à medida que as gerações mais velhas se vão. É por isso que a notação escrita é fundamental.

Ao transcrevermos as composições taarab em partituras musicais escritas, estamos contribuindo para: preservar melodias e

letras tradicionais para as futuras gerações; permitir a reprodução precisa de composições clássicas; criar oportunidades para músicos do mundo inteiro aprenderem e interpretarem o taarab; e garantir que a improvisação se mantenha uma escolha, não uma necessidade em virtude do desaparecimento das melodias.

Por meio de iniciativas de documentação e arquivamento de composições taarab, podemos garantir o futuro dessa arte enquanto respeitamos suas profundas raízes históricas.

Vamos manter o taarab vivo

O taraab não é apenas música, mas uma tradição viva, uma linguagem cultural e uma forma de narrativa poética que define Zanzibar há séculos.

Como compositor e intérprete, minha missão é garantir que essa arte continue prosperando, honrando o passado ao mesmo tempo em que abraça o futuro.

Simplesmente fazendo a natureza

conversa com Tanka Fonta

Texto elaborado a partir de uma conversa entre a equipe da Fundação Bienal, Alya Sebti (cocuradora de 36ª Bienal) e o artista, em 22 de fevereiro de 2025.

Por que os insetos voam?

Era meu primeiro dia de aula, acho que eu tinha uns quatro anos e meio, e a amiga da minha mãe, que era minha professora, veio até a nossa casa e me levou de mãos dadas para a escola. Eu era um garotinho pequeno e, na época, tínhamos aquelas árvores gigantes de noz-de-cola. Não havia ainda eletricidade, mas era uma região muito bonita e imaculada. A escola não ficava muito longe de casa e, naquele primeiro encontro com as crianças, não fomos diretamente para a sala de aula. Ficamos nos divertindo no campo, correndo atrás de gafanhotos e brincando na grama. Aquela grama que parece um tapete, assim como a que tem no Parque Ibirapuera.

Perto dos sete anos, entrei para uma banda muito pequena da escola, porque os meninos maiores normalmente tocavam tambor. Fiquei bastante interessado e comecei a estudar as danças de máscaras e também artesanato. Costumávamos fazer carros de bambu e uma porção de coisas criativas com alguns arames. Eu diria que o aspecto filosófico da vida de uma pessoa começa quando se é criança. A criança quer saber por que aquela árvore é verde, por que aquele inseto tem uma cor diferente, por que ele voa. Talvez seja a sociedade que abafe isso e, no Ocidente, a tendência é pensar que a filosofia é algo exclusivo dos pensadores. Essa é uma afirmação obviamente falsa, porque o significado

etimológico da palavra “filosofia” é o amor à verdade. A filosofia pertence a todas as pessoas. Quando você vem ao mundo, traz uma filosofia consigo. E, para mim, esse foi um processo bastante precoce. Então fiquei interessado em aprender sobre os instrumentos, porque, com eles, eu poderia percorrer todos os sons, os insetos, as criaturas, as plantas. Em retrospecto, quando reflito sobre várias das músicas que fazemos, às vezes estamos simplesmente fazendo a natureza. Toda sociedade humana dominou o som, como modular o som, como modular a luz e como comunicar o que pensamos ou sentimos. Conseguimos codificar isso para, depois, desenvolvermos os idiomas que usamos. Então elaboramos as escritas e as diferentes coisas que fazemos: composição musical, ou pintura, ou qualquer outro formato. Uma vez minha mãe me trouxe um livro, eu tinha uns treze anos, acho. Nele, havia uma foto de algum objeto espacial que a NASA tinha lançado.1 Nele, a equipe da NASA fez um diagrama da humanidade. Os cientistas tiveram a ideia de criar uma linguagem simbólica e enviá-la Universo afora. Desse modo, se uma civilização extraterrestre existir e tiver em mãos essa linguagem, saberá que existem seres humanos em um lugar chamado Terra. Isso é um estopim para a imaginação de uma criança. Acho que várias das

sementes do trabalho que faço hoje podem ter vindo daquele período em que entrei em contato com materiais que, na época, não conseguia digerir muito bem mentalmente. Assim, também comecei a aprender sobre linguagens simbólicas de comunicação, além das escritas. Meu pai vem de um lugar onde eles têm um tipo próprio de escrita. Acho que a chamam de escrita bamum. 2 Descobri ainda que meu avô trabalhava com um sultão que criou uma forma ideogramática específica de escrita. Então, talvez haja influências sutis pelo meu lado paterno, não conscientes, mas, quem sabe, pelo DNA. Não sei, porque não há artistas em minha família próxima, apenas acadêmicos e pessoas comuns. Mas meu avô era um escriba, um tipo de arquivista do sultão, nesse lugar de

origem do meu pai. Acho que isso influenciou meu pensamento. Quando crianças, passávamos muito tempo nos rios, nos arbustos, em todos os lugares, comendo o que chamamos de capim-agulha. Acho que, quando pequenos, pensávamos cientificamente, porque estávamos sempre investigando. Desenvolvi meu interesse por botânica quando ainda era menino. Depois, ao encontrar a literatura, quis descobrir como se chama quando se estudam as plantas ou os animais. Acho que foi um irmão mais velho que me disse: “Ah, aquele assunto se chama botânica, e esse outro, zoologia”. Tive a sorte de ter várias pessoas intelectuais em minha família: minha mãe, meu pai, meus tios. Cresci cercado de muitos livros, portanto, se algo me interessava, eu podia olhar neles.

De onde vêm os sons?

Acho que por volta dos quinze anos de idade eu já tinha lido todas as enciclopédias de casa. Tínhamos uma que se chamava Funk & Wagnalls Standard Encyclopedia, com uns 24 volumes. Quando criança, li todos eles. Minha mãe ficou tão impressionada que comprou livros de Dante Alighieri para mim. Então, desde muito jovem, eu já tinha uma imaginação e uma reflexão ardentes. Quando quis ir para a universidade, não tinha a menor chance de estudar arte. Eu tinha me

especializado em ciências, era um aluno muito bom em geografia, física e química. Então, falei: “Certo, vou ficar com botânica”. Mas, no fundo, eu ainda queria cursar arte, mas não tínhamos dinheiro para isso. Mas, quando ingressei, passei mais tempo tocando violão e vadiando do que sentado na sala de aula.

Depois de três anos, falei: “Não, eu não consigo estudar esse tipo de coisa”, porque, sinceramente, descobri que tudo estava relacionado! Há muitos anos tento casar todas essas disciplinas, seja geografia ou

botânica. Com certeza há um caminho que perpassa todas elas. Talvez apenas as separamos hoje para termos maior controle administrativo. Talvez os dados sejam abundantes demais para que um único indivíduo os contenha. Mas, se forem simplificados, eles se resumem ao modo como percebemos as coisas e aos nomes que damos a elas. Se faço um trabalho, sempre sei como conectá-las. Porque, se você analisar tudo em profundidade, sempre há um elemento representativo que simboliza o todo. Chamo esses elementos de linguagens vibracionais. Como musicistas de quatrocentos anos atrás sabiam como

reproduzir o som que a NASA conseguiu registrar apenas nos últimos anos? 3 Foi preciso amplificar cinquenta vezes, e ele soa exatamente como se você estivesse tocando um violino ou um piano. Então, cheguei à conclusão de que, de alguma forma, talvez tenhamos uma memória da primeira vez que esse cosmo ou o que seja provavelmente surgiu. Se não for isso, como conseguimos replicar esse tipo de som que requer instrumentos sofisticados para sua captação e reprodução? Quando um músico toca esse som em uma orquestra, é possível ver a resposta evocativa do público. Sequer é preciso uma explicação.

De onde vêm as cores?

Eu nunca tinha estado em São Paulo, mas, quando vim, parei em frente de uma árvore e disse: “Já vi essa árvore antes”. É, vão achar que sou louco. Não dá para explicar. E acho que várias pessoas artistas ou criativas encontrarão modos de falar sobre isso, talvez na poesia ou na música. Não preciso de uma forma, de um texto, de um telefone, mas a mente é capaz de trocar essa informação, porque as pessoas fazem isso. Mas onde estão os cabos?

Quais são os protocolos dessa linguagem de comunicação? Só posso dizer que não sabemos muito a respeito disso. Porque a educação convencional ou as ortodoxias não estão

interessadas por esse tipo de linguagem. Eu diria que ela está muito relacionada ao amor. Quando amamos as pessoas, nos comunicamos com elas sem falar. Como eu disse antes, o domínio do som e da luz provavelmente foi a primeira coisa que obtivemos quando tudo progrediu um pouco mais em relação às formas materiais do ser humano. Tínhamos diferentes formas de comunicação, as quais também podemos encontrar em outras vidas que nos rodeiam, como árvores que se comunicam com elementos químicos, ou os animais selvagens, que usam sons e componentes químicos para se comunicar. Não é algo que você precisa

aprender nos livros. Portanto, são formas diferentes de comunicação.

Acredito que tenhamos evoluído nossas formas de linguagem para incluir vários elementos diferentes, como sentimentos ou pensamentos. As linguagens químicas podem ser demasiado limitadas para explicar certos tipos de reflexão filosófica do ser

humano, porque levar materiais de uma mente a outra é algo difícil de realizar. Portanto, as línguas podem ser muito úteis para lidar com a forma como pensamos, como exploramos o mundo, o que sabemos sobre ele, mas também podem ser bastante limitantes. Essas línguas são meros protocolos de comunicação.

As cores têm sons?

Eu queria descobrir por que nos interessamos por desenvolver instrumentos. Então, voltei à minha infância. As flautas, o caule da papaia, falo bastante delas porque fazíamos os buracos sem a associar com uma flauta produzida em uma fábrica de instrumentos. Batíamos o ferro, furávamos e testávamos. Assim, já estávamos criando instrumentos.

Penso que as cordas vocais são muito limitadas, porque atuam em uma faixa de frequência específica. Portanto, se eu tiver formas ampliadas de pensamento que desenvolvo e chamo de instrumentos, posso obter vibrações e frequências mais refinadas, que posso usar, caso queira comunicar algo que a fala não consegue transmitir. Preciso do violino ou do violão, do violoncelo ou do tambor, porque eles atuam em uma faixa de frequência maior. Mas, se fosse para escrever um texto filosófico, tudo bem. Ele ainda seria bastante limitado, pois qual é a extensão de

nosso vocabulário? Quão antigas são as nossas línguas? Ao vivenciar fenômenos que não têm nome nem descrições linguísticas, como explicar esses fenômenos a outra pessoa? Como registrar o fenômeno e dizer a alguém que viu algo que não é deste mundo? Ou mesmo alguns de seus sonhos, os lugares que visita, as paisagens, os diversos mundos que percebe? Que tipo de língua deste planeta explicaria isso?

Mesmo se você combinasse japonês, português, alemão e inglês, não conseguiria fazê-lo. É nesse ponto então que acho que as pessoasligadas à arte entram, porque se pode ampliar essa paleta com cores, com mais sons, mais instrumentos, ir além e alcançar mais pessoas para além da língua falada. Precisamos incluir a arte, a música, precisamos incluir vários elementos ao ensinar as crianças. E imagino que as pessoas já sabem disso nessa parte do mundo, porque já ensinam arte, ensinam a misturar as cores e a tocar

instrumentos na Educação Infantil. Portanto, talvez de forma inconsciente, as pessoas saibam que precisam mais do que a palavra falada. Quando um compositor ou qualquer outra pessoa faz música, é exatamente como se alguém estivesse escrevendo um ensaio.

Musicistas usam instrumentos, escritores, canetas, e há ainda quem empregue a voz para falar. Se as pessoas se livrarem de todas essas formas conceituais de ver as coisas, é muito mais fácil de ouvir. “Certo, estou vendo que essa pessoa quer me falar alguma coisa, ou contar uma história, ou compartilhar uma experiência.” É muito mais fácil para você e para a pessoa participar sem uma formulação de “isso é isso, aquilo é aquilo”. Ao fazer música, encontramos outro intérprete, e fazemos um som juntos. Não se planeja nada com antecedência, mas é possível tocar juntos de forma espontânea. É possível antecipar. A mente detém tantas propriedades, e não temos tempo de explorá-las. Por exemplo, se estou tocando algo que você nunca ouviu antes, como conseguiria simplesmente entrar naquilo sem praticar? E, mesmo assim, conseguimos tocar juntos com perfeição. Normalmente, na forma ortodoxa padrão, é necessário ensaiar, repetir três, quatro, cinco, seis vezes, antes de conseguir tocar com outra pessoa. Mas um musicista ou qualquer pessoa, se for receptiva, não precisa fazer isso. Uma vez que estiver aberto e ouvir com

clareza, será capaz de antecipar e saber o que a outra pessoa tocará em seguida, seja uma nota, seja qualquer outra coisa. Então, você consegue entrar tranquilamente. Por isso tocamos melhor com pessoas amigas. As coisas que nos impedem de improvisar em várias áreas são a resistência ou o medo. O que impede uma mente de ser receptiva? Descubra o que o impede de improvisar e por que isso ocorre. É necessário ter confiança. Uma vez removido o impedimento, vibramos na mesma frequência. Se eu for para esse lado, você já saberá e vai me acompanhar. Deixe a mente aberta, porque ela é capaz. Ela antecipa e faz isso em tempo real.

Acho que fazemos amizades desse modo também. Porque estamos preparados para não ver as limitações de nossos amigos. Estamos preparados para deixar isso para lá.

Acredito que, com a música, acontece a mesma coisa, que a limitação com frequência venha do Ocidente, onde tudo é colocado dentro de uma caixinha. Tem a ver com a flexibilidade de ser aberto ou aberta. É assim que se consegue improvisar. Mesmo se errar, não tem problema. Muitos músicos, quando tocam, cometem vários erros, mas o público não sabe. Eles estão continuamente no processo, sempre encontrando as formas mais harmônicas de fazer conexões.

Considero que as ortodoxias têm muito poder no mundo inteiro. Elas até deixaram de ser exclusivas de uma cultura específica. Nos Estados Unidos, por exemplo, Henry Ford,4

foi o primeiro a estabelecer uma linha de produção na qual cada pessoa era especializada em colocar apenas uma pequena peça no produto. Em algum momento, entrou em vigor a ideia de nos transformarmos em pessoas eficientes produzindo algo para uma civilização. Então, reuniram todos e os colocaram na escola para lhes ensinar e fragmentar a mente.

Esse fato de separar todos os assuntos é algo recente. Se pensarmos

nos filósofos antigos, eles falavam de todos os temas: Era botânica, ciências naturais, medicina, tudo junto. Em algum momento, algum ser humano esperto chegou e, achando que estava nos fazendo bem, fragmentou tudo, pensando que isso tornaria as pessoas mais eficientes. Se alguém estudar biologia, não pensa que também poderia estudar arte e as cores. Se estudar as cores, questionará de onde as cores vêm.

Quero ser feliz, e isso não é algo trivial

Acho que as crianças têm a oportunidade de ser excelentes no aprendizado, se estudarem arte ou música. Porque isso torna a mente mais flexível. Se ensinarmos as cores a elas, isso ajudará o professor de química, ao facilitar a absorção dos conceitos. Muitos alunos fogem das aulas de química por causa das fórmulas. Cada cérebro humano funciona de um modo diferente. Quando eu estava aprendendo física na escola, um professor percebeu que todos gostávamos de desenhar e adaptou suas aulas a essa nossa habilidade. De repente, todos passamos a adorar física. Ele nos mostrou como as cores têm frequências e números tornando a conexão clara e interessante.

Aprendi de forma alternativa, porque o professor sabia que estávamos vendo aquilo por outro ângulo. Se dermos

fórmulas e cálculos a todos os estudantes e valorizarmos somente aqueles que sabem fazer contas, isso não é justo. Porque nem todo mundo será médico ou astrofísico. Todo ser humano tem algo a oferecer. Uma pessoa é inteligente com os números. A outra sabe criar cores. Tem ainda aquela que cozinha bem. Precisamos de todos a bordo.

Para mim, na escola, é assim que quebramos essas ortodoxias e dizemos: “Você também pode tentar isso; adicione um pouco de tempero aqui”. Se quiser ensinar as crianças com perfeição, faça-as dançar, cantar, e todas elas vão querer estudar, porque dançar e cantar também libera hormônios no cérebro. Na verdade, as crianças fazem isso de forma natural e espontânea, porque é um processo biológico. Quando envelhecemos, esse processo é bloqueado. Precisamos então ir ao médico para

tomar um medicamento que proporciona o mesmo efeito obtido por meio do samba. Você volta para casa tão feliz depois de ir a uma roda de samba! É aí que a música e a arte se destacam, porque fazem as pessoas felizes. Elas ficam menos resistentes. Mostram-se mais abertas às coisas. Quando você ensina as crianças, o cérebro delas fica em chamas; elas querem aprender. Mas, se você chegar apenas com matemática e uma calculadora, ficarão entediadas. Elas só respondem. Não vão nem querer ir à escola.

Acho que um dia passarei na escola e direi: “Gente, deixe-me tentar por apenas meia hora”. Vou fazer todas as crianças se mexerem.

Vou levar um tambor e ensinar as mesmas coisas que os outros professores, apenas com um pouco mais de tempero. Você as conquista, e elas ficarão ansiosas para estudar. Então, não será preciso levá-las ao médico para prescrever medicamentos e todas essas coisas. Acredito que a mente e o corpo contêm todos os elementos necessários para realizarmos nosso potencial como seres humanos. É por isso que pratico meus instrumentos todos os dias, o tempo inteiro. No momento em que eu parar, não serei eu mesmo. Quero ser feliz, e isso não é algo trivial. É bem importante. É para isso que o corpo e a mente servem. E eu estou aqui por esse motivo.

1 As Placas Pioneer, criadas pelo cientista estadunidense Carl Sagan (19341996), foram enviadas ao espaço nas sondas Pioneer 10 e 11 nos anos 1970. Elas traziam representações simbólicas da humanidade e da localização da Terra, e foram destinadas a possíveis civilizações extraterrestres que as encontrassem.

2 Esse é um sistema de escrita que foi desenvolvido no final do século 19, para a língua bamum, pelo rei Ibrahim Njoya (1876?-1933). A escrita pictográfica, e posteriormente silábica, foi utilizada até o início do século 20 na região em que hoje se encontra o território de Camarões. Atualmente, há esforços para revitalizá-la como parte do patrimônio cultural camaronês.

3 Desde 2020, o projeto “NASA sonification” busca transformar dados astronômicos em sons audíveis. Utilizando imagens captadas por telescópios, a NASA converte características de objetos celestes em frequências sonoras, criando composições musicais que representam fenômenos espaciais.

4 Henry Ford (1863-1947) desenvolveu e popularizou a “linha de produção”, um sistema no qual um produto é montado ou processado sequencialmente, em várias etapas fragmentadas, e cada estação ou ponto de trabalho se dedica a uma tarefa específica. Desse modo, cada trabalhador é responsável apenas por uma ínfima parte da montagem do produto final.

Uma DJ mulher em Zanzibar

Aisha Bakary (Hijab DJ)

Que a paz esteja com vocês. Meu nome é Aisha Bakary Mohammed e nasci em Zanzibar.

Minha mãe e meu pai são de Pemba [ilha no arquipélago de Zanzibar], e eu tenho orgulho de ser zanzibarita. Nasci em 1995, sou mãe, esposa e musicista, algo que, para muitas mulheres, é realmente difícil – ser artista, mãe e esposa. Mas, na vida, há fases pelas quais você tem de passar como mulher. Chega um momento em que você precisa se casar, depois, um momento em que precisa ter filhos.

E sou grata por ser uma dessas pessoas que acredita que precisa passar por todas essas fases como mulher. Estudei em Kidonge Chekundu do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Entrei na universidade e, depois de dois anos, me graduei em T.I. Em seguida, me formei cursando mais um ano de engenharia. Mas deixei tudo isso e vim para a música. Enquanto era estudante, apresentei programas e trabalhei na Rádio Cairo Swahili durante quase dois anos. Mas todas essas foram tentativas de me encontrar. Ao viver buscando, você acaba fazendo coisas diferentes nas quais acredita que será bem-sucedida.

No meu caso, eu era apresentadora e trabalhei na Clouds FM, em Dar es Salaam [cidade da costa da Tanzânia]. Eu nunca gostei de mostrar o rosto, então, mesmo que precisasse trabalhar, achei que seria melhor ir para uma emissora de rádio e não para a TV. Recebi várias propostas de trabalho na televisão, mas não poderia aceitá-las, porque minha família é muito rígida com a religião. De modo que me expor publicamente teria sido um problema para eles.

Eu me lembro de que um ano ganhei o prêmio Clouds Plus de melhor apresentadora de Zanzibar. Um amigo meu, Mr. Stika, o MC, foi quem me convenceu a continuar, mas eu não pude seguir na competição, porque minha família não queria. Mais tarde, acabei me tornando musicista, por amar a música.

Minha carreira na música teve início em 2017-2018. Naquela época, meu sonho era ser produtora, porque eu nunca quis ser “vista”. Se alguém quisesse trabalhar comigo, vinha ao estúdio, trabalhávamos e era só isso. Minha família não aprovou a minha opção pela música. Certo dia, quando eu estava no estúdio com o Marsh Marley – uma das poucas pessoas que me ajudaram muito na minha carreira musical, ele me disse, “OK, você quer ser produtora, mas você deve começar como DJ para saber como mixar música”. Foi aí que comecei a trabalhar como DJ, o que me cativou muito mais do que ser produtora.

Eu vi como podia mixar música e como as pessoas se divertiam, senti que amava esse trabalho e colocaria nele meus esforços. E foi aí que começou minha jornada. E por que cubro o meu rosto? Acho

que é porque, quando eu estava começando, não queria que minha família soubesse que eu estava fazendo música. Eles teriam interrompido meus sonhos muito antes disso. Minha mãe acredita muito na educação, e também acredita que uma mulher deva se casar e apenas viver com seu marido.

E assim resolvi que, se eu fosse fazer esse trabalho, teria de ser durante o dia. E eu sempre pedia ao Marsh Marley para me passar apenas trabalhos diurnos, porque eu nunca tinha estado em um clube. Eu nunca tinha ido a eventos noturnos em toda a minha vida.

Porém, mais tarde, como DJ, precisei começar a trabalhar à noite. O Marsh me disse que eu podia trabalhar durante o dia, mas até quando? Em algum momento eu precisaria trabalhar à noite. Então, tive de me cobrir para que minha mãe não soubesse disso.

Às vezes, eu dormia fora, voltava para casa e encontrava as portas fechadas. Uma mulher jovem voltando para casa às três ou quatro horas da madrugada… Foram muitos desafios.

Então um dia eles souberam que eu tinha me apresentado em um casamento, pois uma das minhas tias me viu lá. Ela olhou para mim e perguntou: “Você não é a Aisha?”. Respondi que sim e começamos a conversar. Ela até fez um vídeo disso.

E quando minha mãe me perguntou, eu tive de contar a verdade, que estava fazendo aquilo havia quase um ano. E pedi a ela que me perdoasse, porque isso é algo que realmente amo fazer. E não posso simplesmente parar. Então nós discutimos feio. Meu pai não ficou nada feliz. Toda vez que penso nisso, ainda me dói. Mas eu realmente amava o que estava fazendo.

Meu pai ficou mesmo magoado. Ele disse: “Eu achava que você estava indo à universidade, que você seria alguém na vida”. E eu disse a ele que havia abandonado a universidade fazia quase um ano e agora eu estava fazendo música. E foi assim que a marca do hijab foi criada, como enfrentamento de um ambiente hostil.

Continuei fazendo música por vários anos. As pessoas continuavam me vendo, mas os desafios familiares nunca tiveram fim. Como a senhora Rukia disse ontem, às vezes os pais até entendem que o filho esteja trabalhando, mas a sociedade não entende. E assim a sociedade pressiona os meus pais, perguntando por que eles permitem que uma moça vá a clubes e tudo mais.

Mas, às vezes, se você tem um sonho e quer realizá-lo, você deve persegui-lo com todas as suas forças. E foi assim que, em 2019, ganhei meu primeiro prêmio em Zanzibar. E o prêmio que recebi foi da Women Foundation, da Noruega, como a Mulher do Ano de 2019. No mesmo ano, ganhei outro prêmio em Zanzibar. E, em 2020, recebi

um prêmio da República da Coreia, como Influenciadora Jovem do Ano. Em 2022, ganhei outro prêmio aqui mesmo em Zanzibar.

Em 2024, fui nomeada pela Clouds FM da Tanzânia como Mulher do Ano. E tive a oportunidade de visitar outros países, como a Arábia Saudita, para me apresentar, e também participei de um painel de discussões lá.

Fui trabalhar em Dubai por oito meses. A viagem é longa e há muitos desafios. Como mulher, é realmente muito difícil. Mas nós seguimos, nós ainda não chegamos lá, ainda é cedo. Nós nos esforçamos imensamente para fazer as coisas acontecerem. Se tivermos sucesso, isso significa que outras meninas que estão vindo atrás aprenderão conosco.

Então, o que quer que eu faça, sei que há outras mulheres que verão e aprenderão com isso. Há muitas outras assistindo e aprendendo. Desejo que, mesmo daqui a cem anos, alguém venha e faça algo diferente e diga que foi inspirada pela DJ Hijab.

Vocês não precisam ser apenas DJs. Há muita coisa para fazer. Sim, posso fazer outras coisas, mas vocês ainda podem se inspirar em mim.

Então, eu lhes dou as boas-vindas. A história é imensa e há muitas coisas acontecendo. Agora vocês podem fazer perguntas ou dar sugestões. Só não sugiram que eu abandone a música. Sejam todes bem-vindes.

Taarab: uma experiência de audiência no coração de Zanzibar

Quando se discute ou se escreve sobre música, o foco costuma incidir, principalmente, na música, nas canções ou nos músicos. O público, no entanto, raramente recebe ênfase, a menos que seja mencionado especificamente. Mas acredito que a música é incompleta sem o ouvinte, uma vez que, em última análise, ela é criada para o público. A importância do público como complemento da experiência musical inspirou-me a compartilhar minha experiência pessoal como membro do público de uma apresentação de taarab em Zanzibar. O que apresentarei é uma perspectiva única, que pode ser diferente das experiências de outras pessoas em eventos de taarab. No entanto, como qualquer forma de arte, o taarab afeta as pessoas profundamente, cada um à sua maneira.

Eu nasci e fui criado em Mzuri Kaja Makunduchi [cidade na região sul da ilha de Unguja (Zanzibar), na Tanzânia] um lugar totalmente desprovido da música taarab. Os sons da minha infância foram moldados pelas tradicionais ngomas [tambores rítmicos] de Makunduchi, como mahumbwa ou msanja. Na verdade, eu só fui ouvir a música taarab bem mais tarde. A música mais próxima do taarab que eu conhecia era o kidumbak – muitas vezes chamado de “pequeno taarab” –, talvez pelo fato de haver um grupo de kidumbak em minha aldeia.

Se meu irmão não tivesse resolvido se casar com uma segunda esposa, talvez eu tivesse permanecido distante do intrincado mundo do taarab. A decisão dele entristeceu profundamente a primeira esposa, que, em busca de consolo, passou a frequentar várias apresentações de taarab e me pediu para acompanhá-la. Creio que a música lhe dava um grande conforto, e ela continuou a me convidar para essas apresentações. Por meio dessas experiências, meu amor pelo taarab começou a crescer. Quanto mais eu frequentava, mais cativado ficava. Por fim, eu me tornei um ávido fã do taarab. Durante a celebração do Eid al-Fitr [o fim do jejum do Ramadã], é comum em Zanzibar que se apresentem duas orquestras de taarab, o Malindi e o Culture. Minha jornada no mundo do taarab começou depois de ouvir anúncios na rádio sobre apresentações desses dois grupos. Os anúncios criaram uma oportunidade de planejar uma noite especial com a minha esposa. Seu “sim” entusiasmado desencadeou uma série de acontecimentos, inclusive transformando nosso quarto em um ninho romântico. Pude sentir a empolgação dela enquanto se preparava para aquela noite, escolhendo a roupa e usando perfume. Às vezes, ela pedia minha opinião sobre a roupa, buscando minha aprovação sobre sua aparência em público. Quando chegou a hora de sair, compartilhamos uma crescente sensação de expectativa. Enquanto esperávamos do lado de fora para comprar os ingressos, eu sempre observava a atmosfera familiar, conhecida, que circunda o evento. Todas as apresentações de taarab que

frequentei eram marcadas pelo contato com rostos conhecidos na plateia. Trocamos saudações e brincadeiras e o som das risadas preenchia o ar. Com minha esposa a meu lado, fiz questão de evitar qualquer coisa que despertasse ciúmes, conversando mais com os homens da plateia, pois as mulheres costumam ser maioria nesses eventos.

No salão, costumo escolher um lugar na última fileira, para absorver a atmosfera plenamente. Meu olhar percorre o ambiente, como uma câmera, buscando imagens cativantes. As cores vibrantes do palco sempre chamam minha atenção. Ainda que a escolha das cores possam não suscitar muita discussão em outras partes do mundo, em Zanzibar elas são um tema dos comentários do público. O clima político em Zanzibar, marcado pela tensão entre os partidos políticos rivais, Chama Cha Wananchi [Associação Popular] (CCW) e Chama Cha Mapinduzi [Partido Revolucionário] (CCM), fez do simbolismo das cores uma questão sensível. Um palco predominantemente azul seria associado ao CCW, enquanto um palco na cor verde remeteria ao CCM.

Apesar da tensão política, o taarab desempenhou um papel vital na união entre zanzibaritas, ainda que apenas temporariamente, sob o guarda-chuva comum do entretenimento. Os dois principais clubes de taarab, o Malindi e o Culture, continuam a atrair públicos de todo o espectro político.

As pessoas vão às apresentações de taarab por muitos motivos – conexão cultural, interação social, entretenimento, expressão emocional ou envolvimento intelectual. Pessoalmente, eu vou a essas apresentações pelo entretenimento, pela expressão emocional e pelo estímulo intelectual como jornalista. Gosto particularmente de assistir mulheres dançando ao ritmo dos instrumentos do taarab, os graciosos movimentos das mãos. No entanto, o que eu mais gosto é quando minhas canções favoritas são apresentadas pelos artistas que as tornaram famosas, como “Muungwana” [O nobre/respeitável], do professor Mohamed Ilyas, “Kwenye Telefon” [Ao telefone], de Rukia Ramadhani, e “Haya ni Maumbile Yangu” [Essa é a minha natureza], com Fatma Issa. Embora eu ame muitas canções de taarab, vou me concentrar nessas três e explicar por que elas me tocam.

Sinto-me atraído por “Muungwana” não apenas por causa de seus temas, mas também pelo modo como é executada. A subida e a descida da voz do intérprete são tão cativantes que, estando estressado, pego-me cantando o verso que adoro: “Niiiimeshajenga ukuta, niiivugumu kuubomoa” [Eu já construí um muro, é difícil demolir]. Cheguei até a usar esse verso para aliviar um problema conjugal que estava enfrentando e funcionou maravilhosamente. Adaptei o verso para minha situação: “Oooh mke wangu sina makosa, ooh hakika wanionea” [Oh, minha esposa, eu não tenho defeitos, eles estão implicando comigo].

Outra canção que capturou meu coração é “Kwenye Telefon”. O modo como Rukia Ramadhani interpreta essa canção me transporta e me imagino um menino sendo delicadamente embalado até dormir. Descobri que essa canção capta de modo habilidoso palavras românticas tipicamente ditas pelos amantes em uma conversa ao telefone, e, de forma criativa, transforma essas expressões em música. Um verso em particular me toca profundamente: “Leo unanikumbuka ni Fulani bila shaka” [Hoje você lembra de mim – com certeza é fulano de tal].

A terceira canção, “Haya ni Maumbile Yangu”, de Issa, tem um lugar especial no meu coração. Eu estava presente na primeira vez em que ela interpretou essa canção ao vivo e sua apresentação emocional causou profundo impacto em mim. Foi a única canção de taarab que me levou às lágrimas naquele dia. Foi como se Fatma Issa estivesse afirmando sua individualidade, respondendo àqueles que a haviam criticado. Sabendo que muitas pessoas diziam coisas ruins sobre ela, eu me solidarizei quando ela decidiu responder às maledicências com uma canção.

Sobre os músicos de taarab que tocam instrumentos, meus favoritos são Nassor Amour Abdallah, conhecido como Cholo Ganun, que toca qanun; Mohamed Issa Haji, conhecido como Matona, que toca violino; e Tryphon Evarist, que é multi-instrumentista.

Ganun se destaca pela profundidade de sua imersão ao tocar o qanun, dominando-o como ninguém em Zanzibar. Em minha opinião, ele é o mestre do qanun. A habilidade de Matona ao violino é igualmente impressionante; quando ele toca, parece que há mais de um instrumento, como se ele tocasse múltiplos violinos ao mesmo tempo. Estou sempre atento a apresentações de que ele participa.

O terceiro músico é Evarist. Fisicamente, ele pode ser pequeno, mas, no âmbito da música do taarab, ele é gigante. Esse jovem e talentoso artista toca quase todos os instrumentos do taarab com maestria. Afetuosamente, eu me refiro a ele como Mr. Fixer [Senhor Faz-Tudo], em virtude de seu papel multifacetado no taarab: ele dá aulas, canta, toca vários instrumentos e escreve partituras. Com sua dedicação e experiência, é reconfortante saber que, no momento em que os músicos importantes forem embora, o taarab estará em boas mãos– as mãos de Tryphon Evarist. As apresentações de taarab se transformaram de modo significativo ao longo do tempo. Originalmente, o taarab era associado a algo para se ouvir sentado, mas evoluiu para uma forma mais vibrante que estimula a dança. Além disso, o taarab se ramificou em dois estilos principais: o tradicional e o moderno, sendo este mais dançante do que aquele.

Com a maturidade, passei a gostar mais do taarab tradicional do que do moderno. O taarab tradicional é como um professor que

guia seus alunos sobre como navegar pelos múltiplos desafios da vida. O taarab tradicional tocou quase todos os aspectos de nossas vidas.

Em suma, o taarab tem sido uma fonte constante de entretenimento para os zanzibaritas desde sua introdução por Sayyid Bargash bin Said (1836-1888); segundo sultão de Zanzibar], nos anos 1880. O taarab consolou as pessoas e as imergiu na alegria.

Durante a era de Siti binti Saad [c. 1880-1950; intérprete e compositora da canção taarab], conhecida como a rainha do taarab, suas gravações feitas em Mumbai, Índia ajudaram a divulgar Zanzibar para o mundo, fazendo dela uma pioneira, como a primeira cantora de taarab a gravar suas próprias canções.

O taarab nos deu lições de vida em suas letras, servindo como identidade cultural para Zanzibar e entretendo visitantes oficiais. Além disso, promove a paz e a unidade, garante o sustento de muitos, permite às mulheres expressarem queixas conjugais, criativamente. Sem o taarab, Zanzibar seria como uma comida sem sal – sem gosto, ainda que palatável sob certas circunstâncias. Vamos preservar o taarab para as futuras gerações.

A formação de um músico de Taarab

Tryphon Evarist

Bom dia, que a paz esteja com vocês, e sejam bem-vindos. Meu nome é Tryphon Evarist, sou um músico de Zanzibar. Sou também professor e diretor artísitico da Dhow Countries Music Academy [Academia de Música dos Países do Dhow] (DCMA). Hoje, preparei-me para falar sobre o impacto e a influência da academia na vida musical de Evarist no taarab tradicional. Eu serei pessoalmente testemunha disso. Vou falar de minha vida antes e depois de me reunir à DCMA.

Mas, antes disso, quero sinceramente agradecer e encorajar Hijab DJ. Pessoalmente, sempre lutei para que as mulheres fizessem as coisas que as pessoas acham que elas não podem fazer. Antes, eu não a conhecia tão bem, mas de hoje em diante eu a admiro muito – pela experiência e pela persistência dela em não desistir. Ela é uma enorme inspiração. Parabéns por provar isso. Sou um lutador como ela.

Para provar que sou um lutador como ela, antes de começar, gostaria que ouvissem algumas das minhas canções que não são taarab. Depois, ouviremos o que eu fiz no taarab. Esta canção é para os jovens que costumam pensar, mas sem agir. Eu gosto muito dessa canção e muita gente gosta também – chama-se “Pambana” [luta]. Vamos ouvir um trechinho, depois vou tocar outra para vocês saberem o que Tryphon Evarist faz [toca a música]. Esta é “Pambana”. “Wachana na maneno” significa “pare de falar, passe a agir”.

Esta próxima canção se chama “Sofia”. Vamos ouvir um trechinho [toca a música]. Essas são algumas das minhas obras. Depois, veremos como a DCMA me ajudou a chegar ao ponto de compor o taarab tradicional.

Vou mostrar algumas imagens do começo de minha vida. Esse garotinho rechonchudo sou eu com meus primos e outras crianças da aldeia em que cresci. Nasci em Zanzibar, em 1992, no bairro de Bega Moja. Mais tarde, minha família se mudou para a vila de Kizimbani, onde fui criado. Sou apaixonado por música desde muito cedo, embora não fosse envolvido em termos acadêmicos. Costumava escrever poemas e letras aleatórias. Algumas pessoas ainda se lembram dessas rimas da infância. Quando nos encontramos, costumam me recordar delas, e rio de tão infantis. Hoje estou maduro e transformado. Eu era um malandrinho.

Costumava fazer muitas coisas, muitas mesmo. Sempre gostei muito de aprender coisas novas. Antes da DCMA, trabalhei em um hotel como um faz-tudo. Eu era bom em elétrica e com ferramentas. Fui também barbeiro – um dos melhores. Me dê uma máquina de cortar cabelo e eu resolvo. Um amigo meu se recusava a cortar o cabelo com outra pessoa quando eu saí de Dole County e me mudei para a cidade. Esse amigo chegou a pagar um barbeiro para que eu pudesse usar seu salão paracortar o cabelo dele.

Além disso, joguei bastante futebol. Vou mostrar algumas imagens para provar. Também joguei beisebol e fiz até parte da seleção nacional de Zanzibar, chegando a ser capitão-assistente de um time. Fui ainda agricultor; aprendi a cultivar arroz, mandioca, hortaliças e muito mais. Cheguei a produzir e vender carvão. Só me deem três troncos de árvore e sei fazer carvão com isso. Vendi urojo [sopa zanzibarita] durante o Ramadã. Eu ia para a minha roça de mandioca e cortava rodelas para o urojo e ia vender. De modo que, alguns dias antes do Ramadã, eu me preparava financeiramente para o evento e comprava os outros itens em um mercado grande da região de Mwanakwerekwe. Eu cozinhava tudo sozinho – kachori, badia, mishkaki, o que fosse. Até a sopa aprendi a fazer de três tipos diferentes. Trabalhei como guia turístico de especiarias. Fiz tudo isso antes da DCMA. Vocês vão ver as fotos como evidências disso: Tryphon como jogador de futebol, jogador de beisebol e guia turístico de especiarias. Na vida, você não tem a opção de desistir. Sempre digo para aqueles que têm alguma fé: “Agora sabemos por que Deus não gosta daqueles que desistem”. Eu costumava me perguntar o motivo, mas hoje eu sei. Ao se comprometer com algo, não se trata mais apenas de você. Porque as pessoas passam a contar com você. Se, depois de um tempo, seis pessoas se inspiraram para segui-lo, e você, de repente, desiste de tudo e passa a fazer outra coisa, o que acontecerá com essas pessoas? Não importa o que se faça, jamais desista, pois, ao desistir, está arruinando a vida de muitos que contavam com você. É por isso que até mesmo Deus odeia quando as pessoas desistem. Se tiver uma ideia, não deixe que ela fique só na sua mente: ponha em prática no dia seguinte. Nenhuma dessas coisas que eu fiz foi fácil, pois enfrentei dificuldades também.

Como jogador de futebol, enfrentei dificuldades, como ficar no banco de reservas. Às vezes, o treinador dizia: “Se você faltar no treino, não joga”. Havia três jogadores para a minha posição. Outros dois jogadores da minha posição costumavam faltar aos treinos. Mas eu sempre comparecia. Se os outros faltassem ao treino, sabia que teria uma chance. Então, um dia antes do jogo, eles apareciam, e o treinador os escolhia e me deixava de fora. Isso me magoava, mas eu nunca desistia. Por fim, consegui meu lugar entre os onze titulares, até eu deixar de jogar futebol. Portanto, tudo tem suas dificuldades, até no beisebol, e em tudo com o que eu me envolvi, não foi fácil. Essa era a minha vida antes de ingressar na DCMA. Agora, vejamos como eu descobri a DCMA. É uma longa história, mas vou resumi-la.

Descobri a academia quando trabalhava como faz-tudo no hotel. Um dia, depois do trabalho, fui para o meu quarto e liguei o rádio, o que eu raramente fazia. Mas, nesse dia, eu liguei – acho que foi uma intervenção divina. Ouvi um anúncio da DCMA: “Se você tiver ou

não tiver talento, mas quiser aprender música, temos uma bolsa de estudos de um ano”. Pulei da cama, apanhei meu caderno e anotei a data da audição. Até então, eu não sabia que havia uma escola de música em Zanzibar. Vim à cidade, pedi informação e a encontrei. Nessa época, ela ficava na Antiga Casa da Alfândega, perto de Mizingani.

Na audição, havia umas setenta pessoas. Infelizmente, a maioria tinha experiência com instrumentos ou canto. Eu não tinha. Quando cheguei, me perguntaram o que eu ia apresentar. “Canto”, eu disse. Então cantei alguma coisa. Não sei se os juízes gostaram, mas fui posto de lado. Perguntaram se eu gostaria de tentar um instrumento. “Piano”, falei (porque sou cristão e tinha visto um piano na igreja). Pediram que eu tentasse, mas eu não sabia o que fazer, simplesmente toquei a esmo as teclas. Então, me deram tambores. Mesma coisa. Eles também me deram um ganun para tentar tocar, mas aconteceu a mesma coisa, pois eu não tinha nenhuma experiência.

Fui sendo levado de instrumento em instrumento. Não fiquei entre os selecionados. Eles queriam cinquenta; nós éramos mais do que isso. Por sorte, a DCMA tinha algo de especial; eles resolveram admitir todos nós. Meu professor, o senhor Thabit, pediu a alguém: “Traga um acordeão para esse menino experimentar”. Passaram-me o instrumento pela primeira vez e me pediram para tocar. Ele me pediu para pendurar o acordeão nos ombros, e eu perguntei: “E agora?”. Ele me pediu para tocar o instrumento. Eles me mostraram como tocar: “Puxe aqui, aperte ali”. E foi assim que começou. Muito embora eu não tenha gostado do acordeão e não tivesse intenção de aprender a tocar esse instrumento, concordei, porque sei que um professor é capaz de enxergar em você algo maior do que você mesmo consegue ver. Eles devem ter visto algo em mim. De modo que eu disse comigo: “Vou aprender [a tocar] este instrumento”.

Enquanto eu estudava na DCMA, continuei trabalhando no hotel. Houve um pequeno dilema a respeito do dia das aulas de teoria musical. E o professor era o senhor Thabit. A aula dele era aos sábados. E sábado era um dia em que eu supostamente deveria trabalhar [ouve-se o chamado para o momento da a oração]. O.k., tudo bem, mais cinco minutos – é só um chamado para a oração, depois retomaremos…1 [Pausa para a oração]

Agora,, retomamos. A aula de teoria era aos sábados, e sábado era um dia em que eu deveria trabalhar. Os alunos estavam fazendo os exames do primeiro semestre. Tive a sorte de fazer o exame prático de instrumento, mas perdi o de teoria. Quando procurei o professor Thabit e pedi para fazer esse exame, ele recusou. Ele me disse, “Como você não frequenta a aula, não vou permitir que você faça o exame de teoria musical”.

Pensei profundamente, porque não queria ficar para trás; queria progredir igualmente no instrumento e na teoria. Se eu estava no nível um de instrumento, queria estar no nível um de teoria também. Não uma coisa na frente da outra. Então eu tomei uma decisão dura. Deixei o meu emprego, e pude frequentar as aulas de teoria do professor Thabit aos sábados. Resolvi me concentrar na música e concordei em começar tudo do zero. Mais tarde, quando vi que estava com muita dificuldade, parei até de trabalhar no salão, deixei o futebol, abandonei o beisebol.

Comecei tudo de novo, porque Deus me deu a capacidade de me tornar qualquer coisa que eu quisesse. Mas, de todas as coisas, a música tomou o maior espaço da minha vida. Quero dizer, se eu quisesse estudar direito, eu teria tido sucesso graças ao talento que Deus me deu –Alhamdulillah, 2 não tomo isso como certo. Mas eu disse que a música era aquilo de que eu mais gostava. Então concordei em largar tudo e começar de novo.

Eu estava sofrendo. Não tinha nem como pagar a passagem para ir à DCMA, nem o que comer. Eu saía cedo de casa, ficava o dia inteiro na escola e ia embora quando escurecia. Desenvolvi uma úlcera por estar sempre com fome. Vocês sabem, nada na vida é fácil. Fiquei com essa ferida. Mas eu dizia a mim mesmo: “Aconteça o que acontecer, que assim seja”.

Uma pessoa muito importante na minha jornada musical, que devo mencionar, é uma senhora – ela está aqui hoje –, é a Rukia [Ramadhani]. Ela teve um imenso impacto em minha trajetória musical. Aconteceu o seguinte. Eu me lembrei de que não tinha dinheiro para o transporte. Falei comigo mesmo: “Se minha mãe estiver em casa, vou pedir para ela o dinheiro da passagem”. Por sorte, minha mãe estava e eu pedi a ela: “Estou indo para a escola, e não tenho o dinheiro da passagem.” Ela me deu mil xelins. Na época, eu estava em Dole County. A passagem era 500 xelins de ida, 500 de volta. Cheguei atrasado para a aula. Quando entrei, a aula de teoria musical já tinha começado.

Rukia me perguntou, “Por que você chegou atrasado?”. Eu disse: “Não é só chegar atrasado; eu quase não consigo vir. A passagem é um grande sacrifício para mim”. Ela disse: “Vamos conversar depois da aula”. Nós conversamos, e ela perguntou: “Quanto você gasta por dia de passagem?”. Contei para ela: “Mil xelins: 500 xelins para vir, 500 para voltar”. Ela disse: “De agora em diante, vou lhe dar cinco mil xelins por semana, a começar por hoje”. Como vocês podem ver, eu preciso dizer isso. Onde quer que eu vá, eu a menciono. Graças a Deus por ela. Ela teve um papel fundamental no meu sucesso.

Minha mãe não queria que eu fizesse música. Quando deixei meu emprego no hotel, não contei à minha família. Meu pai já havia

falecido, mas minha mãe ainda estava viva. Eu disse a ela: “No hotel, passo muito tempo e o meu espírito ainda é jovem; preciso aprender mais. Deixe-me sair do hotel e me concentrar nos estudos”. Obtive a bênção dela com essa história.

Mais tarde, quando ela descobriu, ela veio à DCMA e disse: “Mostre-me os seus professores”. Ela os conheceu e eles disseram: “Esse rapaz tem talento; nós o colocaremos debaixo da nossa asa”. Minha mãe disse: “Por favor, cuidem dele. Ele não vai pedir ajuda nem quando tiver necessidade”. Os professores entenderam.

No dia da formatura, recebi meu certificado. Fui o melhor aluno da turma e recebi um prêmio de 300 mil xelins. Mas eu também estava fazendo coisas irresponsáveis, sem saber que as pessoas estavam percebendo. Na vida, não importa o seu talento, sem disciplina você não terá nada. A disciplina é essencial. Eu trabalhei duro na escola – não só aprendendo instrumentos, mas ajudando em diferentes tarefas.

Como resultado, fui premiado como melhor aluno do ano. Completei a formação até obter o diploma. A mulher na foto [mostra uma foto] é minha mãe. As outras são minha irmã mais velha e minha tia. Vocês também podem ver a Rukia. Acho que Rahma [Machupa], que se formou comigo, mas não a vejo na foto. Não há nada fácil na vida; enfrentei muita dificuldade. Mas com tudo isso, acabei me tornando diretor. As pessoas viram a minha dificuldade e me deram uma chance.

Vamos falar agora da força da DCMA no taarab asilia, taarab genuíno, tradicional. Primeiro, ela incentiva, priorizando o taarab tradicional acima de outros tipos de música. Vocês vão ouvir taarab sendo tocado em toda parte do campus. Muitas viagens para apresentações, dentro e fora do país, são movidas pelo taarab asilia. Isso encoraja as pessoas a ingressarem na DCMA. Para quem sonhava em viajar de avião, como eu, o taarab foi o caminho.

Na DCMA, quando os alunos começam a ficar bons tocando instrumentos, são inseridos em uma das duas bandas de taarab existentes na escola: uma para os iniciantes e outra para os alunos avançados. Isso demonstra o compromisso da DCMA com preservar e promover o taarab asilia. Mesmo durante as audições, os professores orientam os alunos para os instrumentos tradicionais. Eles não forçam, mas aconselham, dizendo: “Esse é o nosso patrimônio”. Nas bolsas de estudo, a preferência, até 80%, é dada aos alunos de instrumentos utilizados no taarab asilia. Vocês podem ver como a DCMA está profundamente interessada por preservar o taarab asilia, ensinando, tocando, até em plataformas digitais. Nós também o preservamos através da escrita musical – a música escrita é mais duradoura do que a registrada em outros formatos. A academia também promove o taarab apor meio de viagens internacionais – Polônia, Abu Dhabi, Alemanha etc.

Uma das minhas canções, “Nitakuoa” [Vou me casar com você], é a primeira peça de taarab asilia que compus e preservei em partitura. Foi composta e escrita por mim. Aprendi a escrever música na DCMA. Antes disso, eu não sabia nada sobre partitura ou o taarab asilia. A academia me fez admirar e entender o taarab tradicional. Aprendi sobre grupos, como a orquestra Nadi Ikhwan Safaa e o Professor Mohamed Ilyas. Li um livro sobre a história deles, celebrando 185 anos em 2002 (ou 2005), creio eu. Fiquei ávido para me reunir a eles, e hoje sou orgulhoso membro da Nadi Ikhwan Safaa. Minha referência no taarab asilia, tanto nas composições como nas apresentações, é o professor Mohamed Ilyas. Eu sempre o menciono em entrevistas. Outra canção que preservei em partitura é “Mapenzi ya Chacha” [O amor de Chacha], da Nadi Ikhwan Safaa.

Em 2023, ganhei o Amazon Foundation Music Award de melhor poeta do ano, com meu poema “Kiwembe” [Uma navalha]:

Kiwembe, estou te avisando, guarde meus segredos Mesmo que te ofereçam dinheiro, não conte Você tocou partes do meu corpo – não me traia.

Saio com moedas para te encontrar onde você estiver

Seus muitos cabelos podem ser cortados – é um direito seu

Não vou usar uma navalha, prefiro o seu serviço

Você me conhece profundamente.

Se você me magoar, serei exposto

Suplico que você continue recebendo bênçãos

Guarde os meus segredos – o açúcar adoça o chá como o segredo adoça o amor.3

A música para esse poema será composta por meu mentor, o professor Ilyas. Em 2004, no Zanzibar International Music Awards, ganhei três prêmios: Melhor Intérprete, Melhor Instrumentista Tradicional e Melhor Canção de Taarab Asilia do ano. E, por fim, vamos ouvir minha primeira canção de taarab asilia, “Nitakuoa” [entra a música].

Não consigo fazer tudo, mas Deus pode me ajudar…

1 Os horários das orações em Zanzibar são: Adhuhuri, das 12h30 às 13h; Alasir, das 15h35 às 16h; Maghrib, das 18h30 às 18h50; e Ishaa, das 19h45 às 20h15.

2 Louvado seja Allah / Louvado seja Deus.

3 Tradução livre.

Experimentar, com fundamento Sobre improvisação como espaço e técnica

Allan da Rosa

Este texto emana de um prisma e de um hálito angoleiros. É escrito com as mãos que há pouco tocavam berimbau e espalmavam o chão, que se aninhavam em mãe e filho, que dedilhavam o suor que escorria pescoço abaixo e empapava a camisa de capoeira. É letra aprendiz vivida dentro da vastidão e do miudinho da capoeiragem, esse sistema filosófico corpóreo, abstrato, inflamado, sereno, histórico e praticado e reverenciado todos os dias, como o pão sovado pela mão padeira.

É de olhar angoleiro, íntimo do chão e não mais importante que o escutar angoleiro ou que o tatear, o pisar e o girar, ou que o respirar ofegante, a pausa ladina e a lábia das melodias que a boca profere em coro. Essa é a concha de onde expresso este texto. Ainda em memória quente da roda de Capoeira Angola de horas atrás, que se adentrou em séculos atrás e que, por ser ritual periódico de toda noite de sexta-feira na Senzalinha, em Taboão da Serra, no Grupo de Capoeira Angola Irmãos Guerreiros, dirigido por Mestre Marrom (IÊ Viva meu Mestre!), cria suas próprias dimensões temporais na roda e no ciclo de se reencontrar a cada sete noites para formar a função, lidando e se entrelaçando com os muitos outros calendários sociais, que nos ditam rumos e convívios.

Roda: símbolo pleno de completude. Improviso: espaço inventado também pela técnica treinada, a que conhece as bases e as frestas, as regras do jogo, a que sabe que as vergas de um berimbau são madeira de um instrumento e não tacos de bilhar, golfe ou beisebol. Improviso: o espontâneo irmanado ao estudado, o que se adapta com encanto às surpresas e levadas de um ambiente, à coreografia coordenada no cerne do imprevisto.

Fundamentos, entre outros, que estruturam técnica e fascínio. Um: saber que o jogo começa se benzendo no pé dos berimbaus e que é praticado em dupla. Dois: ter aprendido o que foi ensinado sobre o que é pergunta e o que é resposta, no canto, no toque dos instrumentos e na dança, e por isso a graça e o receio de quando aparece alguém que não conhece tais pilares básicos e, ainda assim, brinca, alguém que troca conhecimentos chegado de outras casas e que dialoga com nosso idioma, mas traz outros sotaques e gramáticas para o nosso floreio. O que se solta nos pontiagudos perigos e nas macias ternuras de cada jogo com outro corpo regrado pelo ritmo, pelo poema cantado cheio de adivinhas, brechas e malícias. “Bem-te-vi botou gameleira no chão”, afirmado e entoado em melismas, sílabas longas com suas oscilações de notas, hipnotizando, instigando. “Pau rolou, caiu, no meio da mata, ninguém viu.” Mas o que será essa mensagem cifrada, essa imagem, e por que cantá-la agora em vez de outra cantiga? “O facão bateu embaixo, a bananeira caiu.” Árvores, frutíferas como o coro que embala o baile.

Técnica: o que se cultiva no compromisso do estudo, do treino, na prática que habilita e que firma intimidade com uma linguagem.

Busca traçada com disciplina para o domínio do instrumento, domínio que não o apequena nem o oprime, mas que o contempla em suas profundidades, que o desabrocha e o respeita como casulo.

Técnica: horta que cada artista e cada pessoa que cultiva um ofício oferece à sua arte e sua cultura, no cuidado e na lida com o material ancestral. Um oferecimento a uma comunidade composta de seres viventes, por mortos ancestrais que vibram porque deixaram legados e por seres vindouros – que ainda não chegaram, mas que já estão aqui. Técnica que exige dedicação e cujos frutos podem dotar de alegria, ira, humilhação, solidariedade, mistérios serenos e estarrecimentos.

Técnica no gesto que repete para reinventar, para firmar estilo com gana e graça. Técnica para, no conjunto e nos detalhes, firmar ser gente, desafiar ser gente. Técnica úmida como a argila que se modela e a saliva que beija e que profere segredos e sátiras, a guardada que banha o silêncio.

Técnica que é a estrada entre o vento da ideia e a concretude de qualquer obra feita. Técnica, este mar e esta ponte entre a abstração e a matéria, se o imaginário for esta fronteira entre o perfume e os poros, entre o desejo e suprassumo realizado. Técnica para a continuidade do caminho e para mudar o percurso, o passo de reinventar o mapa. Técnica saborosa, empenhada, amorosa com sua leveza, seus rasgos, sua condução sublime e o que envolve e fascina como comunicação.

Improvisar com fundamento. Considerar que o que seja pilar, firme e maleável, por exemplo, o diálogo entre um trio de berimbaus foi antes um experimento para ser vitamina comovente. Um cultivo estabelecido no chão milenar das tecnologias sonoras e de convívio africanas que modularam sons chamados de graves, agudos e médios (e sabemos que trios de tambores nessas mesmas disposição e função são algo que se espalha em incontáveis manifestações musicais de origem preta em terreiros, quintais, garagens, escadarias, esquinas e palcos). Três berimbaus: Gunga, Médio e Viola. Três toques básicos: Angola, São Bento Pequeno e São Bento Grande, até que o Viola repique seus espetos e lamentos – se for esse o fundamento da casa, pois há linhagens que dotam ao Gunga, além do comando da função, o solo solto no grave. Três urucungos afinados complementando-se, compondo o ambiente, ressoando redondos, balanceiros e lacrimogêneos, regendo atmosferas solenes e brincantes. Para isso, se estudam o peso, os ângulos, as cadências no aprendizado de segurar o instrumento, de o encostar e distanciá-lo da barriga, de pressionar ou triscar o dobrão (pedra ou moeda) no arame, de retinir, de escutar a orquestra em que se enreda e de sentir o jogo de dois corpos no bailado manhoso e muito periculoso entre golpes de pé e de cabeça, negaças, simulações e gingas.

Necessário se sentar para aprender: no chão para ouvir, no banco para tocar e criar intimidade com o instrumento. Necessário andar e movimentar para aprender, pesquisando outros ninhos e casas, outras feituras e engenharias. Até que se proponha o improviso, gargalhando ou pranteando. “Chora, Viola! ” Até que se experimente com fundamento, jogando na regra do ritmo, instaurando sensibilidades que traduzam e decifrem nosso ser repleto de amores, frustrações, contradições e sonhos. Até que se improvise, iniciando espaços e criando lugares que se trançam a épocas ancestrais, gerando formas e idiomas do que talvez apenas a vibração poética contemple, entranhada no cotidiano mais corriqueiro, nos sonhos mais acachapantes, nas manias e hábitos, nos sabores de viver. Cantando boiadeiros, linhas de trem, jangadas, feiras, despedidas de amor, valentia, loucura, ingratidão, infância que se foi e ficou acesa na veia angoleira de vadiar.

Improviso e base, água e ar, arroz e feijão. Talvez a musculatura do improviso se irradie, se alongue, se locomova, contraia, expanda, provoque impacto e se expresse em razão da ortopedia milenar da sua base. Quem sustenta quem?

Se a Capoeira Angola é um sistema filosófico encarnado, é teoria suada, é sofisticação e engenharia de minúcias, é teia em que cada partezinha está ligada a cada outro milímetro, ela é constelação e vaga-lume, é gota e oceano. E é ninho de metáforas para tudo o que for pulsante, duvidoso, doloroso, festivo e contundente no viver. E se for algo que se ensina, então comunica-se com tudo o que é pedagogia do viver. Sem que nos esqueçamos das linhas escritas por Mestre Pastinha (escritas… Por que escrever, se é na absoluta oralidade que o Mestre desenhou sua filosofia?): “Capoeira, Angola, Mãe. Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”.

O ponto de Caxambu mineiro, áfrico, tece: “Quem nunca viu, venha ver, caldeirão sem fundo ferver ”. Fundamento vasto, encantaria sangrada, imaginário lacrimogêneo, gozo entre calombos em um prezar por tudo que for enigma. Nessas maneiras milenares, soprando as noites da gente, está a lida com a incompletude, com a lacuna fértil, possível justamente pela coesão do sistema que se abre para os momentos de finta no jogo. Pensamento afro-brasileiro é sistema complexo e minuciosamente engenhado aos movimentos que o mantêm em equilíbrio, seja bem plantado ou momentaneamente precário na beiradinha das situações delicadas, na chamada ao improviso, com seus riscos. E, para improvisar, para se colocar Lua nova neste céu, há de se respeitar este mapa de mistérios, os fundamentos deste tabuleiro soberano montado e mantido na história vampira de um país erguido sobre torturas e sangrias de gente negra, que até hoje tomba assassinada por simplesmente existir e circular. Povos

que organizaram nobrezas, engenharias refinadas e culturas louvadas e estereotipadas. Técnicas místicas que fascinam o mundo inteiro e que, aqui, foram tão desdenhadas, ridicularizadas e presas aos holofotes da caricatura ou ao terror das celas. Técnicas que lidam com o desconhecimento de quem, ao visitar as rodas, até mesmo se recreia ou canta largo e improvisa sem saber o fundamento dos versos que pronuncia.

“Todo o tempo não é um”, como se canta ao capoeira Siri de Mangue. Haverá teia filosófica mais elevada – ou mais baixinha e miudinha – sobre dimensões temporais do que a germinada dentro dessas cabaças? Cultura pode ser também a teia de ritmos, a manha de cadências, a razão sensível, o fascínio de linguagens que acompanham, adentram e fertilizam a mescla de coragem e de medo na dança com a vida. A teia densa e fluente de formas e expressões criadas por necessidade e prazer. Para reunir gente, para ser só, para ser pessoa – esse modo que não se isola no que chamamos de indivíduo nem se fragmenta, congelado ou fervente, no que for apenas o ser social, número de estatística. Pessoa, a que afronta com sua presença, conforme a etimologia. Pessoa, aquela que tece entre os labirintos de sua mente e os horizontes de seus tempos, temperos e tons, o seu convívio com pessoas, ambientes e seres.

Naná Vasconcelos (1944-2016), eterno e único, Pelé da percussão, mesmo aprumado em descomunal pesquisa e vivências receava a censura de mestres por sua inventividade com o berimbau. Sim, a cultura pode ser dolorosa e temerosa entre a conservação e a inovação. Mas ele fez jardim nessa beirada, Mestre também, e mexeu na fisiologia do instrumento, do modo de sua confecção aos modos de viver cada parte do berimbau, inventando por necessidade e por prazer na busca da sonoridade imaginada uma maneira própria, sua, de segurar a verga e novos ângulos de posicionar o dobrão, de baquetar o arame e de soar o caxixi, destacando cada um deles. Compondo encantaria, inventando fruta na árvore milenar, experimentando forte com o fundamento firme de soltar a mandinga.

Práticas educacionais

As práticas da publicação educativa da 36ª Bienal de São Paulo são conteúdos desenvolvidos pela Fundação Bienal de São Paulo com o objetivo de aproximar o universo da arte contemporânea de diferentes contextos pedagógicos, promovendo uma educação que reconheça a subjetividade e a pluralidade de experiências, compreendendo quem participa como protagonista nos processos. Sua construção contou com docentes da rede pública de São Paulo1 e dialoga com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Elaboradas como roteiros para Laboratórios

Criativos, são estruturadas em três encontros, que podem ser adaptados e incorporados conforme as necessidades e possibilidades de cada contexto, visando incentivar a construção de saberes integrados, expressão de ideias, sentimentos e reflexões sobre temas sociais e culturais. Aqui, a sequência de encontros toma como ponto de partida processos criativos com procedimentos de improvisação. “Improvisação: compor e sonorizar histórias” propõe atividades de elaboração e ambientação sonora de histórias, enquanto “Improvisação: narrar histórias com o território” visa uma reflexão sobre a cultura material e a criação de histórias em diálogo com os contextos em que as práticas são realizadas.

Improvisação: compor e sonorizar histórias

Esta série de encontros 2 inclui atividades de composição e sonorização de histórias, utilizando processos criativos que se baseiam na improvisação, em diálogo com conteúdos presentes nesta publicação educativa.

OBJETIVOS:

→ Relacionar a arte contemporânea com a vida cotidiana.

→ Experimentar improvisações, composições e sonorização de histórias.

→ Expressar ideias musicais de maneira individual, coletiva e colaborativa.

→ Explorar fontes sonoras diversas, como as existentes no corpo (palmas, voz, percussão corporal).

RECURSOS NECESSÁRIOS:

→ Computador, projetor multimídia e caixa de som

→ Papel sulfite ou semelhante

→ Materiais para a escrita (lápis grafite, canetas hidrográficas)

→ Materiais que possam representar sons (objetos do cotidiano)

→ Instrumentos musicais

DESENVOLVIMENTO:

A improvisação pode ser encontrada em diversas expressões artísticas, como o teatro, a poesia, a dança, a música e o grafite. Existem inúmeras maneiras de exercitar a criatividade por meio da improvisação, e duas delas são a preparação e o estudo prévio. Nesta prática, abordaremos a improvisação com a criação e a sonorização de histórias por meio de proximidades com a obra do percussionista Naná Vasconcelos, jogos de palavras e recursos sonoros.

ENCONTRO 1 – NANÁ VASCONCELOS

Neste encontro, convide as pessoas participantes a conhecerem uma faixa sonora de Naná Vasconcelos.3 A partir da interação com a obra, realize uma roda de conversa para compartilhar interpretações e reflexões sobre as diferentes formas de contar histórias por meio da música, explorando o uso de instrumentos musicais e a sonorização do corpo.

Primeiro, organize a turma em círculo. Em seguida, proponha a escuta da música “Amazonas”, de Naná Vasconcelos, presente no disco homônimo de 1973. A faixa pode ser encontrada em plataformas de streaming ou acessada através do QR Code.

Após ouvirem a música, conversem em grupo sobre ela. A seguir, algumas sugestões de perguntas para a realização da conversa:

→ Quais instrumentos foram utilizados na composição da música?

→ Quais cenas o artista representa através dos sons?

→ Quais histórias o artista conta por meio das sonoridades?

Incentive o grupo a criar interpretações que atravessem o campo sonoro. Se possível, durante as conversas, convide as pessoas participantes a escreverem palavras ou desenharem formas que traduzem suas impressões sobre a música.

ENCONTRO 2 – COMPOR HISTÓRIAS

No segundo encontro, o grupo é convidado a compor uma história com base na improvisação, utilizando palavras extraídas do texto de apresentação da Invocação #3, realizada em Zanzibar.

Primeiro, organize a turma em círculo e apresente a coleção de palavras. Conversem sobre os possíveis significados de cada palavra a seguir.

Coleção de palavras:

→ HUMANIDADE

→ SENTIMENTO

→ RESILIÊNCIA

→ CULTURAS

→ MISTURA

Convide o grupo a criar uma história, da seguinte maneira:

→ Uma pessoa sorteia ou escolhe uma palavra da coleção apresentada e inicia uma história inspirada nessa palavra.

→ Para dar início à criação, pode-se utilizar a expressão “Era uma vez ”

→ A próxima pessoa continua a história, seguindo um formato circular a partir da pessoa que começou.

→ Cada pessoa, em sua vez, participa da criação de um trecho, usando a improvisação como ferramenta criativa.

→ A pessoa que faz a mediação da atividade pode interferir no processo criativo, considerando novas palavras presentes na coleção e, assim, alterar os rumos da narrativa.

→ É importante que a história seja registrada através de um dispositivo de gravação ou por uma pessoa escolhida para tomar notas.

→ O momento de finalizar a história pode ser decidido de maneira coletiva.

→ Ao finalizarem a criação da história, conversem sobre a experiência.

Reserve o registro da história criada de maneira coletiva e convide o grupo a trazer instrumentos e objetos sonoros para o encontro seguinte.

Encontro 3 – Sonorizar histórias

Nesta etapa, convide o grupo a sonorizar a história criada no encontro anterior, com a experimentação de improvisações,

utilizando fontes sonoras diversas, como as existentes no corpo (palmas, voz, percussão corporal).

Primeiro, revisitem a história do encontro anterior e conversem sobre as possibilidades de sonorização. A seguir, algumas sugestões de perguntas para a realização da conversa:

→ Quais sons podem acompanhar a história?

→ Como compor as sonoridades dessa história?

Convide o grupo a criar a sonorização da história, da seguinte maneira:

→ O grupo vai se organizar com instrumentos e objetos sonoros.

→ A percussão corporal também poderá fazer parte da composição sonora.

→ Uma pessoa será a leitora ou narradora da história criada.

→ De maneira simultânea, cada pessoa participa da criação sonora, com a experimentação de improvisações utilizando fontes sonoras diversas.

→ É importante que a sonorização da história seja registrada através de um dispositivo de gravação ou por uma pessoa escolhida para tomar notas.

→ O momento de finalizar a sonorização da história pode ser decidido de maneira coletiva.

→ Ao finalizarem a sonorização da história, conversem sobre a experiência.

Sugestões de perguntas para a realização da conversa:

→ Como foi sonorizar a história que criamos?

→ Quais foram as descobertas e as dificuldades?

→ Como foi experimentar a improvisação sonora?

Convide o grupo a pesquisar a improvisação. Uma fonte de pesquisa podem ser os conteúdos que constam desta publicação, como os textos do Ajítẹnà Marco Scarassatti e de Allan da Rosa.

SUGESTÕES DE DESDOBRAMENTOS:

A partir das histórias criadas e sonorizadas pela turma, elaborar roteiros para a produção de videoclipe, animação, apresentações teatrais etc.

Improvisação: narrar histórias com o território

Neste laboratório, investigamos a cultura material de forma crítica e criativa, além de analisarmos como os objetos que nos cercam podem moldar nossas experiências individuais e coletivas. Por meio de exercícios de observação e narrativas improvisadas, vamos repensar o significado dos elementos ao nosso redor e criar histórias a partir deles.4

OBJETIVOS:

→ Relacionar arte contemporânea e vida cotidiana.

→ Experimentar improvisações no território.

→ Representar lugares de vivência.

→ Analisar e valorizar os patrimônios cultural e material.

RECURSOS NECESSÁRIOS:

→ Papel sulfite ou semelhante

→ Materiais para escrita (lápis grafite, canetas hidrográficas)

DESENVOLVIMENTO:

Nas diversas culturas humanas ao redor do mundo, os objetos possuem valores sociais, estéticos e afetivos. Eles, por vezes, assumem um caráter sagrado ou de guardiões da memória de eventos e de pessoas. É comum, por exemplo, chamarmos objetos adquiridos em viagens ou presentes de “lembranças”. Isso é revelador da capacidade de os objetos irem além de sua função prática e de trazerem à tona sentimentos e recordações.

Chamamos de cultura material o conjunto de objetos e artefatos criados pela humanidade ao longo da história. Esses objetos não apenas refletem as necessidades práticas das sociedades, mas também carregam significados simbólicos e estéticos que ajudam a definir a identidade cultural de comunidades e indivíduos. A cultura material pode variar, de utensílios cotidianos a obras de arte, e sua análise é fundamental para entender como as sociedades se expressam e se diferenciam umas das outras.

ENCONTRO 1 – CULTURA MATERIAL NO TERRITÓRIO

A primeira etapa do laboratório visa a uma discussão inicial sobre objetos encontrados no território em que a prática é realizada. Para tanto, a pessoa mediadora solicita a cada participante que faça uma lista de, no mínimo, cinco itens que chamaram a atenção em seu caminho de casa ao local em que a prática se realiza.

Essas listas podem ser solicitadas previamente ou serem feitas no início do encontro, a partir de um momento de deriva com o grupo no entorno do local dessa prática.

Ao explicar os itens da lista, é essencial enfatizar a importância dos adjetivos dos objetos encontrados, para que nenhum deles apareça de forma não especificada.

EXEMPLOS:

→ Toldo furado

→ Carro velho

→ Cadeira abandonada

→ Lixeira feita de pneus

→ Gaiola enferrujada

Depois de reunir as listas, a pessoa mediadora pode organizar uma rodada para que cada participante leia sua lista, sem dar detalhes dos objetos ou locais em que foram encontrados. A seguir, pode-se

dar início a uma reflexão com o grupo sobre a incidência de um mesmo objeto em diversas listas ou a presença de um objeto específico em uma delas.

Essa discussão deve acontecer ao lado de uma reflexão sobre o território, a fim de de conhecer suas características. Podem ser feitas perguntas como:

→ O que essa parte da cidade produz?

→ O que essa parte da cidade consome?

→ Como podemos entender isso com base nos objetos que encontramos na rua?

A pessoa mediadora pode perguntar sobre quais sentidos os objetos das listas evocam no grupo. O que significa encontrar esses objetos e como podemos ressignificar o território a partir dos itens que encontramos? Quais histórias são contadas e quais outras podem ser imaginadas a partir do que encontramos?

Ao conduzir o grupo para o fim da conversa, recomendamos recolher as listas para que sejam utilizadas na próxima etapa do laboratório.

ENCONTRO 2 – CULTURA MATERIAL E CRIAÇÃO DE NARRATIVAS

Neste encontro, a pessoa mediadora inicia os trabalhos com a redistribuição aleatória das listas do encontro anterior para que cada participante pegue uma lista diferente da sua. A partir disso, cada participante terá um tempo para articular os itens da lista em uma pequena narrativa ficcional sobre o caminho percorrido até o encontro.

Exemplo (com base na lista do Encontro 1):

Quando saí de casa, começou a chover, busquei abrigo em vão, porque só encontrei um toldo furado. Como se isso não bastasse, um carro velho passou por uma poça d’água e espirrou água em mim. Fiquei muito triste; só me restou sentar em uma cadeira abandonada que estava próxima de uma lixeira feita de pneus. Foi quando surgiu um rato enorme que tentava entrar em uma gaiola enferrujada que estava ali jogada.

Depois de concluídas, as narrativas podem ser apresentadas ao grupo. Após a rodada de apresentações, recomenda-se fazer uma roda de conversa sobre as histórias. A pessoa mediadora pode estimular análises das narrativas considerando de que modo os elementos da cultura material aparecem nelas. Reflita com o grupo: eles apenas ajudam

a compor um cenário para as narrativas criadas ou trazem algum simbolismo para o que é contado?

No exemplo apresentado, os objetos da lista colaboraram para criar o cenário de um ambiente degradado para a narrativa de uma pessoa que se encontra em dificuldades em um dia de chuva. Desse modo, a pessoa mediadora pode estimular o grupo a analisar o conteúdo das narrativas e o cenário em que elas ocorrem com os objetos que foram elencados.

Para isso, recomendamos retomar alguns aspectos da conversa do encontro anterior, que procurou relacionar a cultura material com o território em que o laboratório ocorre.

Por fim, a pessoa mediadora pode solicitar ao grupo que releia suas histórias e altere elementos das narrativas, imprimindo suas impressões sobre as conversas e sua experiência no território com base nos objetos listados.

Ao fim do encontro, recomendamos à pessoa mediadora que, outra vez, recolha a produção do grupo para usá-la na próxima etapa.

ENCONTRO 3 – COLETIVIZANDO NARRATIVAS

Neste encontro a pessoa mediadora inicia os trabalhos subdividindo o grupo em trios, quartetos ou quintetos, a depender da quantidade de participantes. As produções do encontro anterior serão distribuídas de forma aleatória, e cada subgrupo terá um tempo para reunir as histórias formando uma narrativa coletiva.

A pessoa mediadora poderá definir um tema para as narrativas coletivas ou mobilizar questões que são de interesse do território e da comunidade com base no que surgiu nos encontros anteriores, assim como poderá combinar o processo de escrita da história coletiva com outros conteúdos disponíveis.

A narrativas combinadas podem ser utilizadas para compor personagens, e o conjunto de objetos podem ser articulados de forma livre para criar ambientes nos quais e com os quais eles interagem. Os subgrupos têm a liberdade para complementar as narrativas e alterar o conteúdo original desde que mantenham os objetos que foram listados.

Ao final do processo, recomenda-se uma rodada de apresentação dos grupos com as narrativas e uma conversa sobre a relação entre o conteúdo das narrativas e a cultura material do território.

SUGESTÕES DE DESDOBRAMENTO:

Com base nas produções realizadas com a combinação das narrativas, é possível elaborar roteiros para animações, dramaturgias, literatura e cinema.

1 Agradecemos a Bel Borges, Durval Mantovaninni, Gustavo Viana, Kaya Fernanda Vallim Braga Martins, Maria da Conceição Ferreira da Silva, Pamela Regina, Rodrigo Pignatari, pelas ricas trocas que aconteceram nos dias 26 out. e 9 nov. de 2024.

2 Esta prática foi elaborada em diálogo com as habilidades da BNCC: Ensino Fundamental – Anos Iniciais: Arte: (EF15AR15); (EF15AR17); (EF15AR21). Ensino Fundamental – Anos Finais: Arte: (EF69AR23).

3 Naná Vasconcelos, nome artístico de Juvenal de Holanda Vasconcelos, nascido em Recife (PE), foi um renomado percussionista, multi-instrumentista e compositor brasileiro, reconhecido como um dos maiores percussionistas do mundo. Seu principal instrumento era o berimbau, tradicionalmente utilizado em rodas de capoeira. Naná recebeu inúmeros prêmios ao longo de sua carreira, além de ter viabilizado projetos socioeducativos, deixando um importante legado para a música brasileira.

4 Esta prática foi elaborada em diálogo com as habilidades da BNCC: Ensino Fundamental – Anos Iniciais: Geografia (EF02GE08); (EF01GE09). Ensino Fundamental – Anos Finais: Arte: (EF69AR31); (EF69AR34). Língua Portuguesa: (EF67LP23).

História do taarab em Zanzibar e no mundo

O taarab é um gênero musical tradicional que tem uma longa história de mais de 130 anos, continuando a ser parte importante do patrimônio cultural dos povos da África Oriental, em particular de Zanzibar, Pemba, Mombasa, assim como nas ilhas Comoros e em alguns países árabes.

A música taarab viajou e ganhou reconhecimento mundial. Grupos de taarab da África Oriental têm se apresentado em diversos países da Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, incluindo China, Japão, Índia, e em países árabes, como Omã, Kuwait, Dubai, Abu Dhabi e Egito, locais em que o taarab já se apresentou múltiplas vezes.

O taarab se tornou parte da vida social e do entretenimento, sendo apresentado em casamentos, celebrações familiares, inaugurações de obras, eventos políticos e mesmo em reuniões sociais.

A difusão do taarab não pode ser separada da história do comércio no oceano Índico. Durante as monções, comerciantes de países árabes, da Índia e de outras partes do mundo chegavam à África Oriental com várias mercadorias, como tecidos, perfumes, incenso, entre outros utensílios. Mas também traziam suas culturas – roupas como kanzu, majokho, tarbush e mabaibui –, assim como comidas populares, como biryani, pilau, halua, bokoboko, sambusa, bhaji e chapati.

Além disso, também trazem suas artes e seu entretenimento –ritmos de danças tradicionais, como sunsumia, razha, danedane, e instrumentos musicais como tabla, oud, qanun e unasi – elementos que contribuíram muito para a criação e o desenvolvimento da música taarab como a conhecemos hoje.

A origem do taarab

A palavra taarab provém do árabe e significa alegria, entretenimento ou excitação. A música taarab é uma forma única de entretenimento intimamente associada à vida do povo suaíli, expressando emoções, amor, ensinamentos, conselhos e histórias de vida através de letras e diversos instrumentos musicais.

O taarab é uma fusão de diferentes culturas, em que os sons de instrumentos como violino, violão, qanun e oud são combinados com canções que têm influências de várias línguas e culturas, como árabe, suaíli, híndi e africanas. Essa música provoca emoções no coração dos ouvintes e permanece sendo uma forma de comunicar mensagens sobre questões sociais, de amor, ensinamentos e entretenimento para a comunidade africana oriental – e para além dela.

A introdução do taarab em Zanzibar

A história do taarab em Zanzibar oficialmente teve início durante o reinado de Barghash bin Said (1870-1888) [segundo sultão de Zanzibar], embora as raízes dessa cultura remontem a influências mercantis e culturais mais longínquas, especialmente por meio do comércio das monções (orientado pelo vento).

O primeiro descendente real de Omã, Seyyid Said (1804-1856), mudou a sede de seu reino para Zanzibar, em 1832. Apesar de seus esforços para desenvolver a economia da ilha através do comércio de cravo-da-índia e outros produtos, ele não gostava de música. Da mesma forma, seu sucessor, Seyyid Majid (1856-1870), não tinha nenhum interesse por música.

As principais mudanças surgiram com o reinado de Barghash bin Said, que teve a oportunidade de viajar para a Índia durante o exílio, depois que sua tentativa de golpe de estado fracassou, em 1859. Enquanto estava na Índia, Barghash ficou fascinado com os desenvolvimentos em educação, infraestrutura, economia, e nas artes, inclusive na música.

Ao retornar para Zanzibar e assumir o trono em 1870, Barghash decidiu promover a música taarab. Ele enviou Mohamed Ibrahim (popularmente conhecido como Bai) ao Cairo, no Egito, para estudar música, especialmente instrumentos como qanun, oud, nay e outros instrumentos árabes.

Quando Mohamed Bai retornou a Zanzibar, ele recebeu a missão de formar um grupo de música taarab dentro do Beit el Ajaib (Casa das Maravilhas), que ele construiu em 1883. Instrumentos como o violino e outros foram trazidos do Egito, e Bai ensinou os jovens zanzibaritas durante um ano e meio.

Encerrado o treinamento, uma apresentação especial de taarab foi organizada dentro do Beit el Ajaib, que agradou tanto os moradores da região quanto os visitantes. Daí em diante, a música taarab passou a ser executada regularmente, especialmente após o jantar no palácio.

A difusão do taarab para além do palácio

Com a morte do sultão Barghash, seus sucessores Seyyid Khalifa (1888-1890), Seyyid Ali (1890-1893) e Seyyid Hamed (1893-1896) não demonstraram muito entusiasmo pela música taarab. A situação permitiu que pessoas comuns aprendessem e desenvolvessem o taarab fora do palácio, particularmente os jovens dos arredores de Malindi, Mbuyuni, Kokoni, Vikokotoni, Kikwajuni e Gongoni.

O rei Humud Bin Mohammed (1896-1902)

O rei Humud Bin Mohammed (1896-1902) gostava de música e quis que Mohamed Bai continuasse ensinando no palácio e também os

jovens nas ruas. Ele adquiriu mais instrumentos musicais trazidos do Egito e fortaleceu o grupo de taarab do palácio. Isso marcou o início da difusão do taarab entre o público em geral de Zanzibar.

O taarab para além do palácio

Quando o filho, o sultão Ali bin Hamud, herdou o trono, ele continuou a apoiar a música. Ele fortaleceu a banda de metais e a banda de MaGoa, enquanto a música taarab continuou a ser tocada no palácio, e muitos jovens talentosos tiveram oportunidade de participar.

Esses passos lançaram os fundamentos para a difusão do taarab em Zanzibar e, por fim, na África Oriental. O taarab se tornou então uma importante forma de entretenimento em casamentos, celebrações e diversas festas – um patrimônio musical que mescla influências árabes, africanas, indianas e europeias.

Kidumbaki

O kidumbaki é um tipo de música tradicional de Zanzibar que tem uma história longa e singular na cultura suaíli. Surgiu no início do século 20 e era associada ao povo, especialmente em áreas urbanas como Ng’ambo. O kidumbaki usa instrumentos simples como violinos, baixo sanduku, pequenos tambores, maracas e mkwasa. As canções do kidumbaki muitas vezes acompanham letras sobre a vida cotidiana, sobre o amor, a sátira e ensinamentos sociais. O kidumbaki também se tornou parte essencial do entretenimento em casamentos, reuniões sociais e festas de rua, continuando a ser um aspecto importante da identidade musical de Zanzibar até hoje.

A formação dos grupos de taarab1

Na segunda metade de 1905, nove rapazes se encontraram e formaram um clube chamado Nadi Ibnaau l-Wattani Li-Jumuiat Ikhwan Safaa. Eram eles: Abdallah Saleh Buaisha, Mohamed Ali Elyas, Abdalla Ambar Aboud, Said Ambar Aboud, Omar Abeid Al Haj, Mohamed Hilal Barwani, Sharif Salim Al Bedh, Mohamed Abeid Al Umar e Juma Kapen Bayashut. Eles se reuniram na casa do xeique Naaman Mohammed Suleiman e, juntos, o elegeram presidente honorário (Rais Sharaf) do clube. Em dezembro daquele ano, mais rapazes se reuniram ao grupo, elevando o número total de membros-fundadores para dezessete. Eles concordaram em abreviar o nome do grupo para Nadi Ikhwan Safaa, nome dado pelo cádi (juiz islâmico) da época, o xeique Ahmed bin Abubakar bin Sumeit.

Primórdios

do clube

Quando o clube foi fundado, não havia apresentações musicais. As pessoas se reuniam para jogar bao, cartas e dhumna (um jogo local). O clube era exclusivamente masculino. Dois anos mais tarde, o clube encomendou instrumentos musicais e, depois de aprender a tocá-los, passaram a executar canções, principalmente canções egípcias em língua árabe.

Grupo de mulheres

Por volta dessa mesma época, um grupo de mulheres foi formado, com o nome de Nadi Ikhwati Safaa, mas não durou muito tempo. Houve também um grupo chamado Glasi Ngomeni, de Malindi [cidade no Quênia], que mais tarde se fundiu ao Nadi Ikhwan Safaa (NIS). Outro grupo, chamado Anis l-Jalis, foi formado por trabalhadores das docas (makuli) e se tornou um sério rival do NIS, criando uma vibrante competição.

O surgimento de grupos rivais

O Nadi Ikhwan Safaa enfrentou uma competição ainda maior quando o Nadi Shuubi foi formado em Shangani. As canções apresentadas e que participavam das disputas nessa época eram, em sua maioria, canções egípcias em árabe.

Só em 1954 o NIS começou a compor canções em suaíli – uma das primeiras e mais famosas canções nessa língua é “Nyota Vingaravyo Wache Waseme”.

Siti Binti Saad

A compositora e intérprete Siti Binti Saad (1920-1950) é considerada a “mãe” do taarab, por sua imensa contribuição, especialmente como pioneira da canção de taarab em língua suaíli. Ela foi também uma das primeiras artistas mulheres da África Oriental e uma das percursoras a gravar músicas com a gravadora His Master’s Voice, na Índia.

Suas canções se tornaram famosas da África Oriental ao Egito. Siti foi não apenas uma artista, mas uma comentarista da sociedade — traduzindo histórias sociais e comunitárias em canções. Exemplos de suas canções incluem “Kijiti”, “Kahamia Kianga Mselemu”, “Fatuma Mzazi”, “Paka Shume”, “Kigalawa”, “Muhogo wa Jang’ombe”, entre outras.

Suas canções em suaíli atraíram muita atenção, e até Sayyida Matuka, esposa do sultão, convidou Siti para se apresentar no palácio real.

Siti Binti Saad foi a primeira artista a cantar taarab em suaíli e a difundi-lo no mundo.

Grupos de mulheres (1945)

Em 1945, foram formados grupos femininos de taarab, que criaram um entretenimento estimulante e atraíram público. Entre esses grupos, havia: Royal Airforce, Royal Navy, Bananti, Sahib el Arri e Nuru el Uyuni.

Naquela época, nos casamentos, apenas grupos de mulheres se apresentavam cantando canções populares árabes e indianas, inserindo nelas suas próprias letras. As mulheres não tocavam os instrumentos; os homens tocavam para as acompanhar.

Os grupos de mulheres tinham muitos membros; por vezes, havia cem mulheres em um único grupo. Elas também se apoiavam financeiramente em eventos como casamentos, funerais ou sempre que surgiam problemas.

A fundação da Sauti ya Unguja

A rádio Sauti ya Unguja (Voz de Unguja) foi fundada em 1951 e ajudou muito o povo a entender as canções árabes e a se familiarizar com os grupos musicais em atividade naquela época. Em Mombasa, havia também a estação de rádio Sauti ya Mvita, que tocava canções árabes e canções de Mombasa, como “Kasha”, “Mgomba changaraweni”, “Aziza ametoka kwangu” etc. Mombasa estava sob o comando do sultão de Zanzibar. Havia também músicos que cantavam em estilo indiano, como Juma Baloo, e outro cantor célebre, Zein Al Abidin, que tocava oud e era muito popular.

Mais tarde, houve cantoras famosas como Asha Abdo Malika e Zuhura Hawa, que costumava usar o ritmo chakacha.

Programas de entretenimento

Grupos como Nadi Ikhwan Safaa, Magoa e o artista Mr. Ali apresentavam canções em hindi, em inglês e em estilos árabes como nabole e ghannilly.

Michenzani Social Club (1955)

Este clube foi fundado em 1955 e rapidamente se tornou popular. Um de seus artistas mais famosos foi Bakari Abeid, que era também um renomado poeta. Ele cantava canções árabes e canções de taarab em suaíli. Suas primeiras canções tinham um ritmo ocidental de chácháchá, como “Njiwa peleka salamu”. Bakari Abeid interpretou muitas canções de amor

queridas pelo povo, como “Mazoea yana tabu”, “Kisebu sebu”, “Napenda kwa ishara” etc. Suas canções se tornaram populares porque tocavam a emoção das pessoas e se espalharam pela África Oriental e por Comoros.

O compositor musical era Masoud Mohd Rashid, popularmente conhecido como Doutor Ayub. Outra figura central foi Hija Saleh, professor de escola e poeta, que trabalhou ao lado de Masauni Yussuf. Eles também atuavam em peças transmitidas pela estação de rádio Sauti ya Unguja e se apresentavam em locais como o Rahaleo Hall.

A origem do Culture Musical Club Zanzibar (1957)

Durante o movimento político pela independência da dominação colonial em 1957, o partido Afro Shirazi (ASP), através de sua juventude, a Youth League (ASPYL), mobilizou os jovens para formar grupos de taarab e clubes de teatro para inspirar e forçar a transformação política.

Um desses grupos foi o Shime Kuokoana, sediado em Gulioni. Seu principal objetivo era apoiar as seções do ASP com apresentações de taarab, usando esse recurso artístico para fortalecer as atividades do partido. Esses espetáculos eram apresentados em cidades e áreas rurais, fornecendo entretenimento e educação política.

Dramatic Society

Depois da Revolução Zanzibarita, em 1964, o governo do ASP reuniu todos os grupos relacionados ao taarab para formar uma entidade teatral, a Dramatic Society [Sociedade Dramática], sediada em Kiswandui, no clube Wangazija. Depois de um ano, a sociedade foi reorganizada e uma nova instituição denominada Culture Department [Departamento de Cultura] foi criada na casa de Said Wanatepe (segundo o livro do Culture Musical Club). Outro relato (de Idi A. Farhan) explica que os grupos foram reunidos sob o Departamento de Cultura e Tradições, dirigido pelo falecido Maalim Idi A. Farhan.

Ghazi (1960)

Nos anos 1960, as desavenças começaram dentro do Nadi Ikhwan Safaa, levando alguns membros a romper com o grupo e formar o Ghazi, que se tornou um dos principais competidores. O líder do Ghazi era Buaisha, um dos fundadores do NIS, que havia estudado música no Egito. Ele também contribuiu muito para fortalecer o NIS.

Em diversas competições organizadas pelo governo, apenas três clubes participaram: Culture Musical Club, NIS e Ghazi.

O Yasu era um grupo da juventude do partido ASP, preparado e treinado para apoiar o desenvolvimento da sigla. Eles tinham suas próprias canções e permitiram que crianças começassem a cantar.

Outros grupos

Muitos grupos emergiram em Ng’ambu, reunindo-se ao anoitecer para ensaiar com seus instrumentos. Esses grupos incluíam Shime, Gulioni, Miembeni (1963, Elina), Makadara, Miti Ulaya, Kikwajuni, Mikunguni (1960), Kiembe Samaki (1960), e Kwalimsha (1963).

Entre os grupos posteriores, estão Sabri Jamil (1985), Jeshi (1986), Twinkling (1989) e Bwawani (1989).

O movimento pela Independência

Durante a luta pela Independência, todos os partidos políticos tinham seus artistas, que se apresentavam antes dos discursos dos líderes. Por exemplo, o Hizbulwatan interpretava canções como “Kwetu sote Mwingereza kachusha” [Para nós, os ingleses estragaram tudo], “Afrika hana maisha” [Na África, a vida é dura], o Afro Shirazi Party cantava canções como “Shime Shime” [Vamos agir!].

Grupos de taarab depois da Revolução

Depois da Revolução, houve transformações importantes nos grupos de taarab e no conteúdo das transmissões de rádio. A rádio mudou de Sauti ya Unguja para Sauti ya Tanzania Zanzibar. As canções de amor foram banidas, e apenas canções que elogiassem o governo e promovessem o patriotismo foram permitidas.

Isso fez com que muitas pessoas deixassem de ouvir a Rádio Zanzibar e passassem a acompanhar estações tanzanianas do continente, para saber notícias e ouvir pronunciamentos.

Todos os grupos de taarab foram reunidos sob o controle do partido Afro Shirazi. Por exemplo, o NIS se tornou o Malindi ASP, o Ghazi se tornou Muembe Tanga ASP. Outros grupos foram renomeados de acordo com sua região, como o Mikunguni ASP etc.

Todos se uniram sob o guarda-chuva das artes, dirigido por Maalim Iddi Abdalla Farhan. Um grupo nacional foi formado, reunindo os principais artistas de diversos grupos. Da mesma forma, a Tanzânia

© Sauti Za Busara, 2025.

formou um grupo nacional, incluindo elementos alwatan (nacional árabe), egípcios etc.

Ritmos árabes como wahed unus sharha2 foram abandonados em favor de ritmos locais, como tutulanga, unyago, rumba, samba etc.

Mais tarde, os clubes puderam voltar a usar seus nomes originais, como Nadi Ikhwan Safaa, mas o nome Ghazi não voltou a ser usado – eles continuaram como Muembe Tanga.

Culture Musical Club

Este grupo foi formado em 1985, quando todos os grupos foram consolidados sob o controle do ASP. O Culture Musical Club viajou para muitos países e até hoje educa e apoia muitos artistas.

Ilyas Twinkling Stars

Este grupo foi fundado em 1989 e se tornou famoso por seu estilo musical e seus músicos talentosos. Eles foram convidados a tocar em países como França, Japão e Itália. O grupo foi fundado pelo professor Mohammed Ilyas.

Kithara

Um grupo que viaja bastante, o Khitara é conduzido por Rajab Suleiman, um especialista no qanun (cítara árabe).

Tausi

Este foi o primeiro grupo de taarab exclusivamente formado por mulheres em que as artistas tocavam seus instrumentos. Essa orquestra feminina foi formada em 2009. Elas se apresentaram em eventos organizados pela União Africana, no Egito, em Beirute, Mayote e vários eventos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Zanzibar e na Tanzânia continental.

Bi Kidude

A Tausi Women’s Taarab Orchestra também apresentou a estrela convidada Bi Kidude, a indiscutível rainha do taarab e da música unyago, e também uma protégée de Siti binti Saad, a mãe do taarab. Bi Kidude nasceu na aldeia de Mfagimaringo, em Zanzibar, no período colonial.

A data de nascimento exata de Bi Kidude é desconhecida; boa parte de sua história não tem confirmação, dando a ela quase um status mítico. Quando estava na casa dos noventa anos e ainda sendo a principal expoente dos antigos rituais de dança da ilha, seus muitos talentos foram homenageados pelo Zanzibar International Film Festival, no segundo Festival dos Dhow Countries, em 1999.

Em 2005, Bi Kidude recebeu o prêmio Womex Award, pelo conjunto da obra, por sua extraordinária contribuição para a música e a cultura em Zanzibar.

Uwaridi Female Band

Grupo que toca música e percussão, inclusive o taraab. Foi formado por alunas que se conheceram na escola de música DCMA.

Rahatul Zaman

Este grupo luta para promover e preservar o taarab tradicional, embora execute principalmente canções de vários grupos.

Tabasam

Foi fundado por Mohammed Othman, que também tem uma escola de música em Ngome Kongwe para ensinar o taarab tradicional para novos aprendizes.

G Cleff

O G Cleff é um grupo de taarab fundado por Issa Matona, de Zanzibar. O grupo foi formado para desenvolver e modernizar a música taarab e ao mesmo tempo preservar suas raízes zanzibaritas. Conhecido por seu estilo único que combina instrumentos tradicionais e modernos, o G Cleff também envolve a juventude com a música taarab. Através desse grupo, Matona demonstrou grande criatividade e contribuiu para a evolução do taarab e para a preservação no patrimônio musical de Zanzibar.

Álbuns de taarab

A produção fonográfica da série The Music of Zanzibar marca um capítulo significativo na preservação e no reconhecimento global do rico patrimônio musical de Zanzibar. O projeto foi iniciado em 1987 por Ben Mandelson quando ele procurou Mariam Hamdani com a ideia de compilar e registrar os diversos sons de Zanzibar. Mariam desempenhou um papel crucial na coordenação desse projeto, reunindo músicos de diversas formações. O primeiro álbum apresentava os talentos de Seif Salim Saleh e Abdullah Mussa Ahmed, enfatizando sua maestria na música taarab tradicional. O segundo álbum trazia o icônico Ikhwan Safaa Musical Club, um dos mais antigos e respeitados grupos de taarab de Zanzibar. O terceiro álbum, lançado mais tarde, foi particularmente especial por ter reunido músicos de diferentes grupos – uma rara colaboração que captou o espírito coletivo da música zanzibarita. Foi com esse álbum que Bi Kidude, já uma figura local respeitada, começou a ganhar reconhecimento mais amplo por sua voz poderosa e sua presença carismática. O quarto e último álbum da série apresentava o célebre Culture Musical Club, cimentando o legado do projeto The Music of Zanzibar como uma documentação essencial da tradição musical da ilha.

Zanzibar Traditional Taarab Association (Taarab Heritage Ensemble)

Esta é uma associação que reúne oito grupos de taarab tradicional, grandes e pequenos. Entre eles estão Nadi Ikhwan Safaa (NIS), Culture Musical Club, Tausi, Uwaridi, Tabasam, Kithara, Nyota za Meremeta e G Cleff.

A contribuição de Busara, Ziff e Emerson Foundation

Essas organizações foram fundamentais na promoção e no fortalecimento da música taarab local e internacionalmente. Através de

festivais como o Zanzibar International Film Festival e o Sauti za Busara, grupos de taarab tradicional tiveram excelentes oportunidades de mostrar seus talentos. Alguns grupos tiveram a sorte de receber convites para se apresentarem fora da ilha depois de participarem desses festivais.

Além das apresentações, esses festivais também oferecem aos artistas a oportunidade de se encontrarem, criarem redes e trocarem ideias com artistas de outros grupos.

DCMA, Mohamed Othman Music School, Culture Musical Club, Malindi e Tausi

Todas essas instituições ajudam a ensinar, fornecer materiais e desenvolver muitos alunos e artistas no país, desempenhando papel fundamental na preservação do taarab tradicional.

BASFFU (Conselho Nacional de Artes, Cinema e Cultura)

Este é um conselho fundado para supervisionar todas as questões relacionadas à cultura em Zanzibar.

COSOZA (Copyright Society of Zanzibar)

Esta é uma organização fundada pelo governo para ajudar a proteger os direitos dos artistas e suas obras criativas.

Inscrição do taarab tradicional na lista do patrimônio da humanidade da Unesco

A Zanzibar Traditional Taarab Association submeteu um pedido ao ministro da Cultura propondo que o taarab seja inscrito na Lista do Patrimônio da Humanidade da Unesco.

1 Narrado e escrito por Shaibu Abeid Barajab – Documentos de Arquivo.

2 Literalmente “Um/dois/expansão”, a expressão pode referir-se a um padrão rítmico ternário ou a uma estrutura de chamada-e-resposta utilizada no Taarab ou na música de influência árabe.

Invocações: território, intimidade e o intangível

Conversa com Bonaventure

Soh Bejeng Ndikung

Thiago de Paula Souza: Vamos voltar ao básico. Agora que estamos trabalhando juntos em um contexto e em uma estrutura diferentes – em que as Invocações foram reimaginadas e distorcidas –, eu gostaria que você refletisse e tentasse imaginar quando a ideia de “invocação” lhe ocorreu pela primeira vez. Eu gostaria de voltar ao primeiro dia. As primeiras noções emergiram quando você estava no SAVVY Contemporary? Ou a ideia apareceu antes? Quando e como foi que ela surgiu e tomou forma em sua mente?

Bonaventure Soh Bejeng Ndikung: Para voltarmos de verdade, precisaríamos retornar cerca de quinze anos, para os primeiros tempos do SAVVY, que começou em 2009. Havíamos começado a organizar exposições, mas rapidamente ficou claro que elas apenas não eram o suficiente. Sentimos a necessidade de ativar os discursos de outras formas. A ideia das Invocações emergiu a partir disso: como uma forma de programação pública, como uma forma de reunir elementos em torno de certas ideias e propor algo –invocar algo. Não era apenas a sensação de que uma conferência ou simpósio, em que as pessoas vinham e apresentavam falas, fosse insuficiente. Queríamos criar um espaço no qual as ideias pudessem ser convocadas – ideias presentes no espaço, e ausentes –; espíritos e presenças que estão aqui, e outros que estão além. A intenção sempre foi ativar o que está além do visível – trabalhar simultaneamente com o visível e com o invisível.1 Para mim, a Invocação é de fato uma questão de repensar como escrevemos a história, forçando os limites da historiografia tradicional. Se a história convencional é escrita escavando-se arquivos visíveis e tangíveis, como podemos lidar com arquivos que não são assim? Peguemos, por exemplo, o nosso trabalho em Zanzibar com o taarab. Evidentemente, podemos nos referir a canções compostas em 1958, 1963, e assim por diante, mas o que estamos realmente tratando aqui é tudo aquilo que as envolve –: o afetivo, o efêmero, o intangível. É isso que a Invocação nos permite acessar.

TdPS: Já que você mencionou o taarab e Zanzibar, deixe-me seguir por esse fio. Quando você começou a conceituar as Invocações, o som, o elemento sônico, já era um elemento importante?

BSBN: O elemento sonoro sempre foi importante em todas as Invocações que fiz, porque para mim o espaço sônico é um dos mais importantes espaços de arquivo. De modo que, quando falo em repensar a historiografia, é uma questão da política da referência, os tipos de fonte que podemos encontrar, e a música se torna uma fonte muito

importante. Um espaço muito importante no qual podemos encontrar conhecimento e contar nossas histórias a partir de pontos privilegiados. Para mim, a música serve de ponte entre este mundo e o além-mundo. De modo que se quiser dizer que deseja se conectar com algo que não é necessariamente tangível e visível, não necessariamente registrado segundo os modos normativos de registro, então precisará do elemento sônico, porque o sônico invoca e evoca elementos que você não vê, mas que sente. A poesia, o sônico e o corpo, a performatividade. Como dizia o poeta nigeriano Esiaba Irobi, o corpo é o lugar do discurso. Esses três elementos são os mais importantes e, eu diria, os receptáculos da Invocação.

Depois vem todo o restante – as pessoas vêm e fazem palestras, expõem artigos, mas há também pessoas se apresentando, cantando, recitando poesia. A improvisação desempenha um papel muito importante em tudo isso.

TdPS: A improvisação também é um dos principais tópicos de nossa conversa em Zanzibar. Mas antes de passarmos à improvisação, eu me pergunto se poderíamos nos concentrar mais um pouco em seu primeiro contato com aquela terra. Sempre fomos muito cuidadosos quanto à forma como estabelecemos uma proximidade com um território, para não chegarmos como invasores. Nos últimos meses, temos discutido formas de criar intimidade com os lugares para onde estamos viajando.

BSBN: Para cada lugar a que fomos, era muito importante trabalhar com as pessoas de lá, locais, pessoas conectadas com esses espaços. Gosto da ideia de intimidade, é de fato uma política da intimidade. É, na prática, um grande problema de muitos eventos organizados em contextos diferentes – você acaba desembarcando lá como uma espécie de Ovni, completamente desconectado do contexto. Isso é algo que sempre tentamos evitar. Uma das formas como lidamos com isso – retomando minhas colaborações com a SAVVY, por exemplo – foi trabalhar intimamente com pessoas da região, aquelas que realmente entendem o contexto local. Isso me lembra o que Patrick Chamoiseau diz sobre Édouard Glissant escrevendo nas ilhas do Caribe e sobre elas: enraizado no lugar, moldado pela experiência vivida. Ele diz que, quando os europeus chegaram, construíram estradas, essas grandes estruturas que eram bastante previsíveis, estradas que levavam ao mar, você sabe, ferrovias levando ao mar, para canalizar recursos do interior e levá-los diretamente para lá. Mas Chamoiseau diz algo muito interessante. Antes dos europeus e mesmo quando eles vieram e já estavam lá, mesmo quando foram embora, havia algo que ele chama de rastros. As pessoas da região,

os nativos, tinham todas essas estradas que estavam lá, que não eram visíveis aos olhos dos colonizadores. Quando você fala em intimidade, foi o que evocou em mim. Como encontramos esses rastros? Para conseguirmos encontrar esses rastros, precisamos trabalhar com as pessoas que vêm dessas comunidades, que entendem o espaço, que reconhecem esses vestígios e são capazes de andar nessas trilhas, concorda? Então, a cada Invocação, estamos tentando não andar nas estradas principais. Assim, quando Conceição Evaristo diz que “nem todo viandante anda estradas”, que trilhas esses viajantes seguem? Estradas são estruturas coloniais ou patriarcais, estruturas impostas a nós, as violentas estruturas que vemos no mundo. Os rastros das trilhas são os outros espaços que os viajantes usam.

TdPS: Mas rastros podem desaparecer.

BSBN: E isso é muito interessante, o que também é bom. Mas precisamos nos comprometer com duas coisas: devemos nos envolver na busca dos rastros que estão lá e que desapareceram; e devemos nos envolver na criação de novos rastros.

TdPS: Mas isso também exige algum tipo de intimidade. Porque é a única forma de encontrar um rastro.

BSBN: Sim. A intimidade vem com o conhecimento sobre o espaço, o tempo e o envolvimento com certa poética. Conceição Evaristo diz que “há mundos submersos que só o silêncio da poesia penetra”… Para mim, é assim que chegamos a esses rastros, é isso o que significa intimidade. O silêncio da poesia. Quando você chega a esse espaço, então você pode encontrar o seu caminho para esses rastros, pode encontrar o seu caminho para esses mundos submersos. Mas, para fazer isso, precisa invocar alguma coisa. Não basta apenas a cognição. Você não tem acesso a esses espaços apenas pelo conhecimento que aprendeu na universidade. Precisa de certa forma de afeto e de afeição para conseguir acessá-los. É por isso que me interesso por fazer exposições. Porque é um espaço de afeto, um espaço de compreensão profunda. É cognição corporificada. O seu corpo inteiro pensa com você para conseguir encontrar esses rastros. Para responder concretamente, se tomarmos o caso de Zanzibar, a única forma de fazermos isso de verdade era trabalhando com Ben, que vem do interior, mas vive em Dar es Salaam e conhece o arquipélago muito bem. Trabalhando com pessoas como Khamis e todas as outras pessoas da Dow Countries Music Academy (DCMA), e assim por diante.2 Essas pessoas que vivem e trabalham em Stone Town, que pensam a

paisagem sonora do lugar – não apenas como um espaço epistemológico, mas também como um espaço historiográfico. É um espaço de patrimônio. Eles compreendem que as pedras conservam a memória do lugar, tanto quanto os sons. E a única forma de criar uma intimidade real com esse contexto era conseguirmos nos apoiar nessas pedras – literal e metaforicamente – e penetrar, ou até incorporar, a música que ecoa delas.

TdPS: Você visitou primeiro a Tanzânia através de Dar es Salaam. Podemos relembrar esse momento: o que estava acontecendo durante o período que você passou lá? Depois dessa visita, já tinha a ideia de que uma Invocação poderia algum dia ocorrer naquele contexto?

BSBN: Foi um momento muito particular e poderoso. Nós escolhemos ir para essa cidade porque, na passagem dos anos 1960 para os 1970, Walter Rodney estava dando aula na Universidade de Dar es Salaam. Por volta do mesmo período, a revista Cheche, uma importante publicação de esquerda, foi fundada ali por um grupo de estudiosos engajados em movimentos de libertação. Estávamos trabalhando em um projeto centrado no livro de Walter Rodney, Como a Europa subdesenvolveu a África, uma obra fundamental.3 Estávamos lá para comemorar os cinquenta anos de sua publicação, refletindo sobre conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento, e, o mais importante, sobre como imaginar e existir em uma era de pós-subdesenvolvimento. Perguntávamos: como podemos nos mover para além da classificação binária do mundo em “desenvolvido” e “subdesenvolvido”?

Foi um momento histórico inesquecível. A equipe da SAVVY,4 junto de Frank Herman Ekra e vários convidados do mundo inteiro, reuniu-se naquele contexto para homenagear e refletir sobre esses legados. Do Paquistão, Alemanha, Camarões e Colômbia – todos nos reunimos em Dar es Salaam para fazer esse trabalho. Enquanto estávamos lá, colaboramos com Ben e Jesse Gerard Mpango, que dirige o Ajabu Ajabu,5 a instituição que nos recebeu.

Estávamos trabalhando com eles porque são pesquisadores. Eles pesquisam filmes e levam obras fílmicas para as pessoas. Pensamos que esse seria um meio muito bom. Poderíamos fazer isso na universidade, mas queríamos fazer com eles. Porque, para nós, mais uma vez, voltando para a política da intimidade, a instituição deles funciona assim. Eles iam para a rua, penduravam lençóis e projetavam filmes. E as pessoas vinham, assistiam, havia uma discussão depois.

Quisemos trabalhar desse modo.

TdPS: Muitas vezes as pessoas se ligam mais no visual, mas os filmes também são veículos sonoros de conhecimento. Mas e quanto a Zanzibar?

BSBN: Totalmente, totalmente. Então, essa foi a minha entrada em Dar es Salaam. E foi fantástico porque acabamos conhecendo muitas pessoas. Lembro de conversar com John Kitime, que é um especialista em música da Tanzânia. Ficamos conversando sobre os diferentes gêneros musicais. E ele me disse: “Sabe, para entender o taarab você tem que ir a Zanzibar”. Eu fiquei fazendo todas essas perguntas a ele. Ele disse: “Você tem que ir lá”. Então, era algo que estava na minha mente. Depois, evidentemente, esqueci. Durante as preparações para a Bienal de São Paulo, quando tentávamos decidir onde as Invocações poderiam acontecer, me pareceu que precisávamos ir a Zanzibar. Pensando na conexão com a água, na conexão com o sônico e a questão de conjugar a humanidade em diferentes espaços.

TdPS: Então vamos falar mais sobre nossos parceiros de lá. Claro, já mencionamos Ben, mas eu gostaria que falássemos mais sobre a escola, a DCMA, os Young Stars. Será que podemos falar mais sobre o encontro com eles? As apresentações, sua impressão dos jovens músicos.

E isso é só uma maneira para falarmos sobre o taarab em certo sentido. Porque o que eu desconfiava a princípio, e para mim, a coisa mais excitante é que não encontrei uma tradição ou uma cultura morta. Não encontrei algo que pertencesse ao passado que só era fascinante para forasteiros. Pude ver algo muito vivo e que se reinventava. Talvez possamos usar o taarab agora como metáfora para pensar sobre encontros entre o contemporâneo e a tradição.

BSBN: Não foi a primeira vez que trabalhei com a DCMA. Não sei se você sabe disso. Pois trabalhei com eles alguns anos atrás. E quando Natasha Ginwala e eu fizemos essa exposição chamada Indigo Waves and Other Stories, 6 nós os convidamos para participar da exposição que fizemos em Berlim. Encomendamos, creio, uma composição de uma hora dos alunos e dos professores da DCMA. Você sabe, porque estamos pensando sobre aquilo que se chama de oceano Índico, o que chamamos de mar Suaíli, como espaço de convergência de culturas. A ideia desse projeto, Indigo Waves and Other Stories, era realmente tirar a atenção do Atlântico e pensar a relação entre o continente africano, o golfo e o subcontinente indiano.

TdPS: É uma perspectiva diferente para nós encontrarmos o continente africano, quando estamos falando, por exemplo, a partir do Brasil.

BSBN: Exatamente. De modo que o que conhecemos é o Atlântico Negro; como você sabe, as universidades dos Estados Unidos puseram muito dinheiro nisso. Portanto é algo sobre o que se fala, a diáspora africana deste lado do mundo é bem conhecida, bem discutida, bem estudada. Nós estamos interessados nessa relação, que durante o encontro da Unesco, creio que em 1977,7 sobre o oceano Índico, que foi chamado de o mais antigo continente na história humana. Você sabe, porque você podia embarcar num dhow ou algum outro barco e os ventos levarão você da África Oriental até a Índia, ida e volta. São tecnologias de povos se movendo da África Oriental até a Índia, ida e volta, ao longo de milhares e milhares de anos.

TdPS: É uma imagem poderosa e bela. Porque foi algo impressionante quando vi esses barcos – claro, são diferentes hoje em dia. Sim. Mas, ainda assim, fiquei pensando, como a pessoa precisa ser corajosa.

BSBN: Mas eles tinham tecnologias incríveis. Os barcos eram muito singelos, mas muito sofisticados. As velas e tudo mais, eram tecnologias incríveis. Agora, a DCMA faz algo muito interessante e muito único. Eles fazem uma forma de mapeamento diferente. Eles não mapeiam com base na terra. Você pensa, certo, somos da África Oriental, então vamos aceitar os africanos orientais. Ou, somos do Sahel, então aceitamos as pessoas do Sahel. Não, eles se referem às regiões relacionadas ao dhow. É uma forma diferente de mapear. Então são as regiões que usam esse tipo de barco. Você vai ao golfo, as pessoas usam esse barco. Vai à África Oriental, as pessoas usam esse barco. Vai ao subcontinente indiano, e as pessoas usam esse barco. E, assim, com base nessa forma de mapeamento, eles criaram uma academia.

TdPS: E isso, quero dizer, quando você menciona que é uma forma alternativa de mapeamento, ou outra forma de mapear, o que me instiga é que isso nos força a nos relacionar, a criar relações diferentes entre regiões. Relações que não são baseadas, não sei, em recursos coloniais.

BSBN: Sim, exatamente. É isso que eles fazem. O que eu acho fascinante. É uma forma de relacionalidade. E foram eles que

inventaram isso. Agora, uma coisa, uma das formas como essas regiões manifestam sua relação é através da música. E a música é o taarab. Porque, no taarab, você encontra culturas do subcontinente indiano, da África Oriental, do golfo, e assim por diante. Elas se reúnem todas ali. E isso é fascinante. Eles usam isso, eles fundaram essa escola como uma possibilidade de preservar essa música, esse patrimônio imaterial, porém muito importante. E foi assim que conheci Halda, Khamis, e assim por diante, através dessa composição.

TdPS: E como podemos trabalhar em uma paisagem que se transforma desse modo. Não apenas a paisagem natural, mas também a presença massiva de todos os turistas.

BSBN: Sim, isso é verdade. Mas ao mesmo tempo ainda está lá. Você e eu fomos àquela floresta. Nunca tinha ido a uma floresta com corais. Nunca. Portanto é verdade que a paisagem está se transformando. E você tem todas essas histórias.

TdPS: É verdade.

BSBN: Ao mesmo tempo, existe um tempo acelerado de todas essas histórias que chegam, passam e vão embora. E existe um tempo lento dos corais estando ali há milhões de anos. Portanto, aquela floresta onde você esteve um dia foi o fundo do mar. E você tem o coral bem na sua frente. Aqueles mesmos corais foram usados, pedras de coral, para construir Stone Town. Então você tem isso bem diante do nariz. E isso para mim é o tempo lento. Certo? Então tudo está indo depressa, mas ainda está lá. E tem uma coisa que gostei muito quando estava lá, que foi experimentar o ritmo veloz das coisas, mas sendo aterrado pela lentidão delas. Você vê gente ali simplesmente sentada, fazendo o que no Caribe chamariam de sliming, simplesmente estar. Tempo lento. Os turistas correndo para lá e para cá, mas esses caras são lentos. E existe um poder nisso. Existe uma beleza nisso. Como as pedras.

TdPS: Acho que uma coisa que ficou para mim, como encontrar aqueles corais, como ver aquelas pedras no chão, foi que mesmo quando não se está aberto para isso, você encontra algo além do humano. Sim. Você é forçado a encontrar algo além da história humana.

BSBN: Sim, sim, sim.

TdPS: Ou algo que é realmente, podemos dizer, como você mencionou, como um tempo lento, ou uma noção como a relacionalidade que acontece além das comunidades humanas.

BSBN: Mas é por isso que fazemos as Invocações. Nós as fazemos porque nós queremos ser portais através dos quais essas coisas que estão além das comunidades humanas possam fluir através de nós. Pois a Invocação é uma possibilidade de se tornar receptivo à voz da pedra, às histórias das pedras, que os corais podem contar.

TdPS: E os corais, em certo sentido, eles também se tornam os rastros que você mencionou antes. Ou você precisa de alguém que o ajude a entendê-los.

BSBN: Totalmente, totalmente. Porque eles estão ali, mas talvez você não os veja a princípio. Você precisa ter alguém que lhe ensine sobre eles. Pois eles estão ali, eles estão presentes, as pedras estão falando, mas você precisa ter a sensibilidade de as escutar para conseguir ouvi-las.

E foi por isso que escolhemos a ideia de improvisação, pois a improvisação é a possibilidade de se abrir e de permitir um vocabulário que não é processado pela cognição para fluir através de você. De modo que não é apenas a cabeça que fala, mas o corpo inteiro, a coluna, e assim por diante. Então, para conseguir ser o veículo através do qual o som das pedras e as pedras de coral possam se expressar, você tem que abrir esse espaço de improvisação.

Então foi por isso que escolhemos mawali e o taksim como possibilidades de pensar sobre o taarab. Daí a improvisação instrumental e a improvisação vocal. Pois, realmente, quando você começar a cantar, você permite tudo isso…

Há um momento no conceito curatorial da 36ª Bienal em que citamos Leo Asemota, quando ele pergunta: ao olhar no espelho, o que você vê? E responde: você vê todas as pessoas que vieram antes de você e as que o acompanham. Então a improvisação faz algo semelhante. Quando você se coloca nesse espaço, você vê que todas as vozes que vieram antes de você, os seres humanos e os seres não humanos, podem fluir através de você. E isso se torna possível através da improvisação no taarab.

TdPS: Uma coisa que é importante para o cerne das Invocações é a noção de Estados não nacionais. Mesmo quando estamos olhando para esses territórios, para essas cidades, para essas aldeias, para eles lugares, tentamos expandir a conversa para além dos limites dos Estados nacionais.

É por isso que é tão importante mapear as relações entre as regiões que vão além dos limites historicamente estabelecidos ou dos limites mais convencionais. Um exemplo interessante foi escutar, na verdade ouvir, quando você disse o poema de Forugh Farrokhzad, “Apenas a voz ficará”.8 E você leu e eu queria ouvir você falar mais sobre o que fica depois que termina uma Invocação. Vou voltar ao início da nossa conversa: além do que é tangível, o que fica?

BSBN: Essa é uma bela questão. E fico muito feliz por você ter mencionado Forugh Farrokhzad. A certa altura do poema ela diz uma coisa, um verso que vou usar como título do meu próximo livro. Ela fala de algo que se infiltra. Achei extremamente bonito. Voz que se infiltra no tempo. Esse é o título do meu próximo livro. Achei muito bonito. Então a questão sobre o que fica só pode ser respondida com isso. As vozes, a música se infiltrando no tempo, se infiltrando no tempo lento da pedra, do crescimento da pedra, um tempo muito lento. Você sabe, a voz se infiltrando no tempo lento das pessoas lá, relaxando nos dhows, os garotos dançando e fazendo ginástica o dia inteiro diante do mar.

E também o fato de que não apenas os garotos, mas os mais velhos como o professor Mohamed Ilyas, você sabe, que normalmente não encontra esses garotos, ou Mama Mariam Hamdani, que normalmente os encontra, que essas pessoas pudessem se reunir e pensar juntas, cantar. Houve muita coisa, você se lembra quando ele começou a chorar, foi muita emoção. De modo que o que fica é a afeição criada através da música e do conhecimento e a história compartilhada naquele espaço. Para mim, essa memória intangível criada, em primeiro lugar, a memória intangível evocada, invocada, e a memória intangível que fica lá, é uma coisa que fica. O fato de que essas pessoas estão agora trabalhando sob formas de fazer novos álbuns, colaborações. Sem essa conferência, sem essa Invocação, talvez elas não tivessem feito isso. Daí esse tipo de encontro intergeracional.

1 O conceito de “invocação” também apareceu em outros contextos, como Sonsbeek, Bamako Encounters ou o Finland Pavilion, em 2019.

2 Bernard Ntahondi e Khamis Muhamed foram coorganizadores da Invocação #3.

3 Walter Rodney, Como a Europa subdesenvolveu a África (1972). Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2022.

4 Mais informações sobre o projeto em: https://savvy-contemporary.com/ en/projects/2024/unraveling-the-under-development-complex/. Acesso em: abr. 2025.

5 Ver mais em: https://ajabuajabu.com/Audio-Visual-House. Acesso em: abr. 2025.

6 “Indigo Waves and Other Stories: Re-Navigating the Afrasian Sea and Notions of Diaspora”. Gropius Bau, Berlim, 6 abr. a 13 ago. 2023. Ver mais em: https://www.berlinerfestspiele.de/en/gropius-bau/programm/2023/ausstellungen/indigo-waves. Acesso em: abr. 2025.

7 Ver “Historical Relations Across the Indian Ocean”. The General Histories of Africa: Studies and Documents, v. 3, n. 14, 1980. Disponível em: https:// unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000042152. Acesso em: maio 2025.

8 Ver pp. 30-31 deste volume.

Mawali-Taqsim: improvisação como espaço e tecnologia da humanidade

É uma imensa honra fazer parte deste momento, de estar na presença de visionários, criadores e pensadores reunidos sob o brilho conceitual de Bonaventure Soh Bejeng Ndikung e da equipe por trás da 36ª Bienal de São Paulo. Essa Bienal, um espaço de convergência, expande as tradicionais fronteiras da arte e da crítica, estimulando-nos a interrogar, reimaginar e incorporar a humanidade como uma prática viva e em evolução.

Essa edição da Bienal, por meio de suas Invocações, desloca nossa compreensão de humanidade, de substantivo para verbo, um processo ativo, um engajamento, uma improvisação. Em Zanzibar, onde estamos reunidos, essa perspectiva encontrou profunda ressonância. Este é um lugar onde as culturas se interseccionaram durante séculos, onde as línguas se mesclaram, onde melodias de litorais distantes se fundem em algo singular, apesar de plural. É aqui que confrontamos as camadas de histórias de migrações, trocas comerciais, colonialismo e resistência, e é aqui que ouvimos, através da música, os ritmos da sobrevivência, da adaptação e da improvisação.

Dunia Rangi Mbili: as dualidades da existência

A canção “Dunia Rangi Mbili”, de Haji Gora Haji e Khamis Abeid, nos lembra que o mundo nunca é singular. Ele é, por sua natureza, sedimentado em camadas, contraditório, e está em fluxo constante. Esse “mundo de duas faces” fala de uma dança perpétua entre alegria e tristeza, harmonia e discórdia, liberdade e restrição. Mas a sabedoria imbricada nessa frase não nos leva a aceitar a dualidade como um simples binômio. Antes, nos compele a ir além, a abraçar a complexidade, a enxergar além das rígidas divisões, e a reconhecer a riqueza que emerge quando múltiplas perspectivas, histórias e tradições coexistem.

Essa multiplicidade é mais evidente na tradição do taarab, uma forma musical que desafia categorizações, um arquivo sonoro de movimento e intercâmbio. O taarab carrega consigo os ecos da África, do Oriente Médio, do sul da Ásia e da Europa. É um lembrete de que a cultura não é estática, de que a identidade não é singular, e de que a humanidade em si é um ato de improvisação, um ato que continuamente se reconfigura, se reimagina e renasce.

Improvisação como tecnologia da humanidade

A improvisação é muitas vezes compreendida como espontaneidade, um desvio do roteiro. Mas no contexto do taarab, e de fato no contexto mais amplo da existência humana, a improvisação é muito mais do que isso. É uma forma de conhecimento, um modo de sobrevivência,

uma tecnologia de adaptação. É como as histórias são contadas, como as tradições evoluem, como a resiliência é praticada.

No taarab, a improvisação ocorre de múltiplas formas. Ela está presente no modo como os músicos respondem uns aos outros, no modo como os cantores reformulam a letra para refletir o momento, no modo como o público interage com os artistas. É um processo vivo, que respira, uma forma de arte que se recusa ao confinamento.

Isso se estende para além da música. A improvisação é profundamente imbricada nas realidades sociais e políticas de Zanzibar e da Costa Suaíli como um todo. Isso se observa no modo como as comunidades navegam alternando paisagens políticas, como as línguas se adaptam e absorvem elementos, como a história é lembrada e recontada. A improvisação não é meramente uma questão de criar algo novo; mas de criar espaço para a fluidez, para o movimento, para a reconfiguração.

Improvisar é reconhecer a imprevisibilidade da vida e responder com criatividade e agência. É um ato de desafio contra a rigidez e uma afirmação da possibilidade. No mundo suaíli, onde histórias de colonialismo e resistência se interseccionam, a improvisação foi e continua sendo uma força vital.

Zanzibar como modelo de multiplicidade

A história de Zanzibar é uma história de encontros. Foi um lugar de comércio e conquista, de migração e povoamento, de luta e resiliência. Sua essência é moldada por sua abertura para o mundo, por sua habilidade em absorver e transformar. Essa multiplicidade se reflete em sua arquitetura, sua língua, sua culinária e, mais vividamente, em sua música.

O taarab incorpora essa abertura. Ele não é inteiramente africano, nem árabe, nem indiano, nem europeu. É tudo isso e mais. Ele carrega as histórias daqueles que passaram pelas costas de Zanzibar, as alegrias e tristezas daqueles que chamaram este lugar de lar. É, de muitas maneiras, um arquivo sonoro de uma humanidade de múltiplas faces.

Em um mundo que muitas vezes busca impor fronteiras rígidas entre países, culturas e identidades, Zanzibar oferece um modelo diferente, demonstra que a coexistência não requer homogeneidade, que a diferença não necessariamente leva à divisão. Zanzibar nos lembra de que a humanidade prospera, não no isolamento, mas na conexão, no intercâmbio, na improvisação.

Arte como libertação: o papel da música e da improvisação

A música, e a bem dizer toda arte, há muito tempo é um lugar de libertação. É através da música que os silêncios são rompidos, as histórias são reivindicadas, os futuros são imaginados. O taarab, com suas camadas de significados e estruturas fluidas, é particularmente poderoso nesse aspecto. Ele dá voz a experiências pessoais e coletivas, cria espaços para a crítica e oferece uma forma de resistência contra narrativas impostas.

A improvisação, tal como é observada no taarab, nos ensina que a liberdade não se encontra em formas fixas, mas na habilidade de adaptar, de alterar, de responder. É uma prática de agência, de reivindicar espaço em um mundo que muitas vezes busca ditar e controlar. É uma arte da autodeterminação.

Ao refletirmos sobre isso, devemos também considerar o nosso papel. Como nós, como artistas, curadores e pensadores nos envolvemos com a improvisação? Como abraçamos o que não está no roteiro em nossos trabalhos? Como criamos espaços onde a multiplicidade é não apenas reconhecida, mas celebrada?

Um apelo à congregação da humanidade

Nesta jornada da Invocação #3, tomemos como inspiração o taarab e as tradições da improvisação que definem Zanzibar. Vejamos a improvisação não apenas como técnica, mas como um modo de estar no mundo, uma abordagem que valoriza a abertura, a fluidez e a possibilidade.

Vamos congregar a humanidade não como estado fixo, mas como processo em andamento. Vamos nos mover para além das definições rígidas e em vez disso vamos abraçar a riqueza da multiplicidade. Vamos reconhecer que ser humano não é uma condição estática, mas uma prática ativa, que evolui, e requer escuta, adaptação e criação.

E aqui reunidos, em celebração dessa forma de arte, vamos não apenas nos inspirar, mas também nos comprometer a levar adiante sua mensagem de unidade, criatividade e esperança. Vamos permitir que a música nos guie, que as palavras nos inspirem, e que o espírito de Zanzibar nos lembre que a humanidade, no que tem de melhor, é um ato de improvisação.

Asanteni sana. Asalam aleykum [Muito obrigado. Que a paz esteja com vocês].

Território do improviso entre marés, memórias e encontros

No setor tropical do mundo

As belezas se derramam

As belezas se derramam

Sob o sol quente, sangue quente

Está a mostra em cada

esquina mas tudo é tão bonito,

Mas tudo é tão bonito

Africasiamérica tranquila

Africasiamérica tranquila

Negro, branco amarelo meu céu

O som da tua festa me alucina

Eis o meu abraço sem fel

Mire irmão, estamos com você

Sem cansar, sem cansar amor

Mire irmão, lutamos por você

Sem parar, sem parar amor

Love for all

Love for all

Gonzaguinha, 1968

A improvisação, como tecnologia da humanidade, pulsa em suas entranhas, revela um espaço vital de encontros profundos e históricos, onde a interação, a escuta e a troca se tornam ferramentas de construção coletiva, um gesto que transcende tempos e geografias, costurando afetos, saberes e memórias. Ela emerge como uma resposta instintiva, um sussurro que se curva ao presente e reinventa o instante.

Existe uma possibilidade de território do improviso – uma ilha moldada em metáfora, real, onde pés percorridos, mãos calejadas e corpos vividos se encontram e criam. Não se trata de paraíso idealizado na prática, mas um espaço cercado de água por todos os lados, envolto em força por todos os lados. Ali, o improviso é construído na tensão entre a resistência e a renovação; ele é pedra e vento, rocha e espuma. Cada som gerado nesse território insular carrega as marcas dos corpos que atravessam a experiência e imprimem nela suas dores, suas potências e suas memórias. O improviso se fi rma como uma técnica de encontro, onde o gesto do outro se torna convite e o erro se transforma em criação.

Essa ilha, que vibra como um corpo coletivo, é Zanzibar — esse palco antigo de encontros e cruzamentos. Ali, a terra parece sempre à beira do mar, e o ar carrega as vozes de viajantes, mercadores, peregrinos e desterrados. Em Zanzibar, esse gesto se manifesta na pele sonora do taarab, uma música que é também narrativa, reza e rebeldia. O taarab é mais que uma melodia; é uma forma de invocação, uma escuta expandida que se faz corpo coletivo.

O taarab nasce desse atravessamento – uma teia sonora onde se entrelaçam influências árabes, africanas, indianas e ocidentais. Ele se estende como um tapete tecido com fios de memórias coletivas, onde cada nota carrega o peso e a leveza dos encontros que a geraram.

Improvisar, no universo do taarab, é uma prática de escuta intensa. Os músicos se movem como acrobatas, atentos aos gestos uns dos outros, tocando entre a previsão e o inesperado. Os instrumentos: kanun (cítara), o oud (alaúde) e o violino dialogam como se falassem uma língua secreta, traduzindo silêncios e pausas. As vozes, intensas, lamuriosas, costuram palavras que podem ser preces ou provocações, verdades ou enigmas. As letras improvisadas, muitas vezes, são lançadas como flechas – afiadas, cômicas ou devastadoras – reverberando em um código que só o público imediato pode decifrar.

Improvisar no taarab é também uma forma de conjurar ausências, de fazer presente o que se dissipou. As vozes que se erguem ecoam os silêncios das vidas apagadas pelo tráfico de pessoas escravizadas, pela violência colonial, pelas histórias que ficaram nas margens. A improvisação é uma tecnologia que rasga o tempo. O tempo encontra no improviso uma forma de restituição, um eco de justiça.

No palco ou nas ruas, durante uma apresentação de taarab, o tempo se dilata. As notas parecem se alongar, como se quisessem se fundir à brisa salina que invade Zanzibar. Às vezes, o músico se cala e o público o chama de volta, oferecendo suas vozes como um fio condutor para que ele retome o canto. Outras vezes, a cantora é quem pausa e, no espaço vazio, ouvimos apenas os murmúrios do mar. Esse vácuo é também parte do improviso – uma suspensão que convida à presença plena.

Improvisar é uma arte de sobreviver, uma estratégia de resistência e invenção. Zanzibar, com suas ruas sinuosas e pátios cobertos de sombra, carrega em si a memória desse gesto. Cada batida de tambor, cada vibrar de corda, cada inflexão de voz refaz o caminho de povos que cruzaram oceanos, que resistiram ao apagamento através do som e do canto. Improvisar é tecer o presente com os fios de vidas passadas. A improvisação no taarab não é apenas um recurso estético, mas um campo de negociação política e afetiva. A intensidade do olhar, a pausa

inesperada ou a inflexão vocal revelam uma comunicação subterrânea, onde se constroem pactos e compreensões silenciosas.

Esse processo conecta-se a uma tradição mais ampla de improvisação como uma prática fundamental da humanidade. Em tempos de crise, deslocamento ou invisibilidade, a capacidade de criar a partir do presente – de transformar um gesto, uma palavra ou um som em uma nova proposição – surge como uma técnica poderosa de sobrevivência e reinvenção. Zanzibar, com sua história atravessada por tráfico de pessoas escravizadas, influências comerciais e fluxos migratórios, oferece uma territorialidade onde essa tecnologia se inscreve profundamente.

O taarab, em seu fulgor improvisado, nos lembra que a humanidade sempre encontrou no imprevisível um lugar de potência. Em Zanzibar, essa prática se ergue como uma poética do instante, onde o som e o silêncio se misturam, e onde o encontro se transforma em história viva. Ali, a improvisação é uma fórmula de permanência, um segredo que revela que a humanidade, quando escuta e arrisca, encontra sempre um novo caminho para se reinventar. Com suas melodias sinuosas e versos que serpenteiam entre o amor, a política e a vida cotidiana, é resultado de um vasto emaranhado de influências culturais. Em Zanzibar, uma ilha que se ergue como ponto de encontro entre África, Ásia e Oriente Médio, o taarab manifesta-se como uma cartografia sonora de atravessamentos históricos. Ele incorpora escalas árabes, ritmos africanos, harmonias indianas e elementos ocidentais, criando uma paisagem sonora que não se fi xa, mas se expande em fluxos improvisados.

Na encruzilhada onde oceanos se encontram, o taarab permanece como um espelho dessa trama de encontros. Ele afirma que improvisar é também escavar a própria história, absorver influências e devolvê-las em forma de som, gesto ou palavra. A improvisação, como tecnologia da humanidade, permite que o passado ressoe no presente e que o agora se projete no porvir, sempre poroso às presenças que cruzam seus caminhos.

Admiro os cantos que são curvas

Observo

Aprendo

Vejo quem me vê

Danço e aprendo

Percorrer é viver todo dia…

E assim, cada parar é uma construção de ritmo.

Sobre os autores

Aisha Bakary (Hijab DJ) é uma produtora musical e a primeira mulher DJ de Zanzibar. Aos 24 anos, fez da música sua carreira, desafiando os papéis tradicionais de gênero em uma sociedade onde se espera que as mulheres se dediquem às tarefas domésticas. Foi reconhecida como Mulher do Ano pela Women Future em 2019.

Ajítẹnà Marco Scarassatti é ọmọ awo Ifá, educador e um artista da escuta, atuando como compositor, artista sonoro e improvisador. É professor de composição musical na UFMG e autor do livro Walter Smetak, o alquimista dos sons. Foi coordenador do curso de Formação Intercultural para Educadores

Indígenas (FIEI FaE UFMG) e tem desenvolvido os projetos de pesquisa artística, Orixás Sonoros e Escutas do fim do mundo: Música e Arte Sonora no Antropoceno.

Allan da Rosa é escritor de ficção, teatro, teoria e ensaio. Angoleiro, historiador e arte/educador, é também mestre e doutor em Imaginário, Cultura e Educação pela Universidade de São Paulo – USP. Realizou pós-doutorado em estética pela Universidade de Colônia, Alemanha. É autor de Balanço afiado – Estética e política em Jorge Ben (2023, co-autoria com Deivison Faustino), Ninhos e revides –Estéticas e fundamentos, lábias e jogo de corpo (2022), Águas de

homens pretos – Imaginário, cisma e cotidiano ancestral em São Paulo (2021) e Pedagoginga, autonomia e mocambagem (2018), entre outros.

Alya Sebti é curadora de arte contemporânea e diretora da ifa-Galerie (Institut für Auslandsbeziehungen), em Berlim, onde criou a plataforma de pesquisa e exposições Untie to Tie – On Colonial Legacies in Contemporary Societies. Foi cocuradora da bienal europeia Manifesta, em Marselha (2020), curadora convidada da Biennale de Dakar (2018) e diretora artística da Marrakech Biennale (2014). Orienta pesquisas curatoriais com programas de mentoria na residência artística ZK/U (Berlim) e no MACAAL (Marrakech).

Anna Roberta Goetz é curadora e escritora. Trabalhou no Marta Herford Museum e no MMK Museum für Moderne Kunst Frankfurt. Foi curadora assistente e gerente de projeto do Pavilhão da Alemanha na 55ª Bienal de Veneza (2013). Organizou exposições individuais e coletivas de destaque em diversos países, além de ter lecionado em várias academias de arte internacionais, como a Zurich University of the Arts e a Städelschule (Frankfurt). Entre suas publicações estão Rodney McMillian: The Land: Not Without a Politic, organizado com Kathleen Rahn (2024), e Cinthia Marcelle – By Means of Doubt, organizado com Isabella Rjeille (2023).

Bernard Ntahondi é um profissional especializado em curadoria de filmes e gestão de patrimônio.

Atualmente é curador no Centro de Patrimônio Arquitetônico de Dar es Salaam, onde integra seus conhecimentos de arquitetura e história em seus projetos relacionados ao cinema.

Bi Mariam Hamdani é jornalista, musicista e defensora cultural. Após se aposentar, Mariam usou sua pensão para comprar instrumentos musicais, muitas vezes de segunda mão, e se tornou a primeira mulher em Zanzibar a tocar o instrumento qanun publicamente. Em 2009, ela fundou a Tausi Women’s Taarab (que significa “Pavão”), a primeira orquestra de taarab formada exclusivamente por mulheres em Zanzibar. Esse grupo realiza apresentações de música taarab suaíli, revolucionando a forma de uma arte tradicionalmente dominada por homens. Mariam também é presidente da Associação de Taarab, que inclui sete grupos de taarab em Zanzibar.

Bonaventure Soh Bejeng

Ndikung é curador, autor e biotecnologista, atualmente atuando como diretor e curador geral do Haus der Kulturen der Welt (HKW) em Berlim. É o fundador e ex-diretor artístico do SAVVY Contemporary (Berlim), além de diretor artístico do sonsbeek (Arnhem). É professor e chefe do corpo docente no programa de mestrado em estratégias espaciais na weißensee academy of art berlin.

Entre algumas de suas obras publicadas estão, The Delusions of Care (2021), An Ongoing-Offcoming Tale: Ruminations on Art, Culture, Politics and Us/Others (2022) e Pidginization as Curatorial Method (2023).

DCMA Young Stars Ver pp. 68-69.

Halda Mohamed Alkanaan é diretora administrativa da Dhow Countries Music Academy (DCMA). Ela concluiu vários cursos de nível superior em gestão administrativa, empreendedorismo, contabilidade e gestão artística. Antes de descobrir a sua paixão pela gestão artística e ingressar na DCMA em 2004, como administradora/contabilista, trabalhou como hoteleira e gerente-assistente numa agência de viagens. Sua experiência na DCMA levou-a a acreditar na necessidade de revitalizar o setor artístico e cultural em Zanzibar, dando-lhe uma perspectiva e visão locais. Vive em Zanzibar, é casada e tem três filhos.

Keyna Eleison é curadora, pesquisadora e educadora em arte e cultura. Eleison coordenou todos os equipamentos públicos da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde foi também coordenadora de ensino. Foi curadora da 10ª Bienal Internacional de Siart, na Bolívia (2018), curadora da 1ª Bienal das Amazônias (2023), foi diretora artística do MAM Rio

(2020-2023) e diretora de pesquisa e conteúdo da Bienal das Amazônias.

Khamis Muhamed Juma é artista, curador e defensor cultural de Zanzibar, com mais de três décadas de experiência em artes plásticas, gestão cultural e desenvolvimento comunitário. Dedicou sua carreira à preservação e promoção das formas de arte africana e suaíli por meio da educação, exposições e projetos criativos.

Mohamed Ameir Muombwa é profissional de mídia, assessor governamental e defensor do desenvolvimento social, com uma carreira de mais de três décadas no serviço público e no jornalismo. Sua experiência em relações governamentais, mídia e desenvolvimento comunitário o posiciona como uma figura-chave na promoção do patrimônio cultural e político de Zanzibar.

Mohamed Ilyas é um dos músicos de taarab mais icônicos de Zanzibar, conhecido por preservar e enriquecer o patrimônio cultural da ilha. Sua música mistura as raízes árabes do taarab com um estilo distintamente zanzibarita, frequentemente incorporando melodias inspiradas na música europeia.

Rukia Ramadhani é uma cantora tradicional de taarab de Zanzibar, conhecida por sua voz única e por preservar a essência do gênero musical emblemático da cultura suaíli.

Siti Muharam

Ver pp. 46-47.

Tanka Fonta é artista visual, poeta, escritor, compositor e filósofo. Seu trabalho explora a consciência humana, a psicologia da percepção e a inter-relação entre pensamento, linguagem e fenômenos visuais. A prática de Fonta investiga as dimensões expressivas e perceptivas do pensamento, as ecologias da mente em evolução, e as narrativas mitopoéticas que moldam a experiência humana. Participou de exposições em instituições como Haus der Kulturen der Welt e SAVVY Contemporary, em Berlim, e Kunstverein Hannover.

Thabit Omar Kiringe é educador musical e um dos fundadores da Dhow Countries Music Academy (DCMA). Suas contribuições para a educação musical e a preservação da música tradicional taarab são amplamente reconhecidas.

Thania Petersen é artista multidisciplinar que utiliza fotografia, performance e instalação para abordar as complexidades de sua identidade na África do Sul contemporânea. Suas referências incluem o Islã e a conscientização sobre suas práticas religiosas, culturais e tradicionais. Petersen procura desconstruir tendências contemporâneas de islamofobia e analisar o impacto contínuo do colonialismo e do imperialismo europeu e estadunidense, além do aumento de ideologias de extrema direita.

Tryphon Evarist é músico, compositor, dançarino tradicional e professor de Zanzibar, onde atua como diretor artístico da DCMA. Tryphon domina uma variedade de instrumentos musicais, como acordeão, clarinete, qanun e tambores tradicionais, mantendo um compromisso com a preservação das artes culturais africanas.

Uwaridi Female Band

Ver pp. 44-45.

Thiago de Paula Souza é curador e educador. Foi cocurador do 38ª

Panorama da Arte Brasileira no MAM São Paulo (2024), da mostra Some May Work as Symbols: Art Made in Brazil, 1950s-70s, no Raven Row (Londres), do Nomadic Program da Vleeshal Center for Contemporary Art (Middelburg) entre 2022 e 2023, da While We Are Embattled, no Para Site (Hong Kong) e da Atos de revolta, no MAM Rio (2022). Entre 2020 e 2021, fez parte da equipe curatorial da 3ª edição do Frestas –Trienal de Artes (São Paulo). Foi consultor curatorial para a 58ª Carnegie International (2021-2022). Entre 2018 e 2019, curou a primeira exposição individual de Tony Cokes no BAK (Utrecht). Fez parte da equipe curatorial da 10ª Berlin Biennale (2018). Atualmente integra o Comitê Artístico da NESR Art Foundation, em Angola, e é doutorando no programa de artes da HDK Valand – University of Gothenburg.

Fundação

Fundador

Francisco Matarazzo Sobrinho · 1898–1977 · presidente perpétuo

Conselho de administração

Eduardo Saron · presidente

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires · vice-presidente

Membros vitalícios

Adolpho Leirner

Beno Suchodolski

Carlos Francisco Bandeira Lins

Cesar Giobbi

Elizabeth Machado

Jens Olesen

Julio Landmann

Marcos Arbaitman

Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa

Pedro Aranha Corrêa do Lago

Pedro Paulo de Sena Madureira

Roberto Muylaert

Rubens José Mattos Cunha Lima

Membros

Adrienne Senna Jobim

Alberto Emmanuel Whitaker

Alfredo Egydio Setubal

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires

Angelo Andrea Matarazzo

Beatriz Yunes Guarita

Camila Appel

Carlos Alberto Frederico

Carlos Augusto Calil

Carlos Jereissati

Célia Kochen Parnes

Claudio Thomaz Lobo Sonder

Daniela Montingelli Villela

Eduardo Saron

Fábio Magalhães

Felippe Crescenti

Flavia Buarque de Almeida

Flávia Cipovicci Berenguer

Flavia Regina de Souza Oliveira

Flávio Moura

Francisco Alambert

Heitor Martins

Isay Weinfeld

Jeane Mike Tsutsui

Joaquim de Arruda Falcão Neto

José Olympio da Veiga Pereira

Kelly de Amorim

Ligia Fonseca Ferreira

Lucio Gomes Machado

Luis Terepins

Luiz Galina

Maguy Etlin · licenciada [on leave]

Manoela Queiroz Bacelar

Marcelo Mattos Araujo

Mariana Teixeira de Carvalho

Miguel Setas

Miguel Wady Chaia

Neide Helena de Moraes

Nina da Hora

Octavio de Barros

Rodrigo Bresser Pereira

Rosiane Pecora

Sérgio Spinelli Silva Jr.

Susana Leirner Steinbruch

Tito Enrique da Silva Neto

Victor Pardini

Conselho fiscal

Edna Sousa de Holanda

Flávio Moura

Octavio Manoel Rodrigues de Barros

Conselho consultivo internacional

Frances Reynolds · presidente

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires · vice-presidente

Andrea de Botton Dreesmann, Quinten Dreesmann

Barbara Sobel

Caterina Stewart

Catherine Petitgas

Flávia Abubakir, Frank Abubakir

Laurie Ziegler

Mélanie Berghmans

Miwa Taguchi-Sugiyama

Pamela J. Joyner

Paula Macedo Weiss, Daniel Weiss

Sandra Hegedüs

Vanessa Tubino

Diretoria

Andrea Pinheiro · presidente

Maguy Etlin · primeira vice-presidente

Luiz Lara · segundo vice-presidente

Ana Paula Martinez

Francisco Pinheiro Guimarães

Maria Rita Drummond

Ricardo Diniz

Roberto Otero

Solange Sobral

Fundação Bienal de São Paulo – Equipe

Superintendências

Antonio Thomaz Lessa Garcia

Junior · superintendente executivo

Felipe Isola · superintendente de projetos

Joaquim Millan · superintendente de projetos

Caroline Carrion · superintendente de comunicação

Irina Cypel · superintendente de relações institucionais e parcerias

Superintendência executiva assistência

Beatriz Reiter Santos · assistência executiva

Marcella Batista · assistência administrativa

Superintendência de projetos

Produção coordenação

Bernard Lemos Tjabbes

Dorinha Santos

Marina Scaramuzza produção

Ariel Rosa Grininger

Camilla Ayla

Carolina da Costa Angelo

Nuno Holanda Sá do Espírito Santo

Tatiana Oliveira de Farias assistência

Fabiana Paulucci

Ziza Rovigatti

Superintendência de comunicação coordenação

Rafael Falasco · editorial assessoria

Adriano Campos · design

Eduardo Lirani · produção gráfica

Fernando Pereira · assessoria de imprensa

Francisco Belle Bresolin · projetos

digitais e documentação

Julia Bolliger Murari · redes sociais

Luciana Araujo Marques · editorial

Nina Nunes · design assistência

Marina Fonseca · redes sociais

jovem aprendiz

Victória Pracedino

Superintendência de relações institucionais e parcerias assessoria

Luciana Raele

Raquel Silva

Victória Bayma

Viviane Teixeira assistência

André Massena

Jefferson Faria

Laura Caldas Educação gerência

Simone Lopes de Lira coordenação

Danilo Pera

assessoria

André Leitão

Renato Lopes

Tailicie Nascimento assistência

Gabri Gregorio

Giovanna Endrigo

Julia Iwanaga

Vinicius Massimino

jovem aprendiz

Lincon Amaral

Arquivo Bienal gerência

Leno Veras coordenação

Antonio Paulo Carretta

Marcele Souto Yakabi assistência

Ana Helena Grizotto Custódio

Anna Beatriz Corrêa Bortoletto

Daniel Malva Ribeiro

Gislene Sales

Gustavo Paes

Kleber Costa Timoteo

Raquel Coelho Moliterno

Thais Ferreira Dias

jovem aprendiz

Ilana Alionço

Manoel Assis

Administrativo-financeiro Finanças gerência

Amarildo Firmino Gomes coordenação

Edson Pereira de Carvalho assessoria

Fábio Kato assistência

Silvia Andrade Simões Branco

Gestão de materiais e patrimônio gerência

Valdomiro Rodrigues da Silva Neto coordenação

Larissa Di Ciero Ferradas · gestão de materiais e patrimônio

Vinícius Robson da Silva Araújo · compras assistência

Angélica de Oliveira Divino

Daniel Pereira

Sergio Faria Lima

Victor Senciel

Wagner Pereira de Andrade auxílio

Isabela Cardoso jovem aprendiz

Lucas Galhardo

Planejamento e operações

assessoria

Rone Amabile

Vera Lucia Kogan

Recursos humanos coordenação

Andréa Moreira · recursos humanos

Higor Tocchio · departamento pessoal assistência

Matheus Andrade Sartori

Patricia Fernandes

Tecnologia da informação consultoria

Ricardo Bellucci

Júlio Coelho

Matheus Lourenço assistência

Jhones Alves do Nascimento

36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas –Da humanidade como prática

Equipe conceitual

Bonaventure Soh Bejeng Ndikung · curador geral

Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Thiago de Paula Souza · cocuradores

Keyna Eleison · cocuradora at large

Henriette Gallus · consultora de comunicação e estratégia

André Pitol, Leonardo Matsuhei · assistência de curadoria

Arquitetura e expografia

Gisele de Paula, Tiago Guimarães

Alexandra Souza, Santiago Rid · assistência de arquitetura

Agence Clémence Farrell · consultoria inicial de arquitetura

Identidade visual

Studio Yukiko

Projetos e produção

Conservação coordenação

Patrícia Guimarães dos Reis equipe

Alice Quintella Tischer

Daniel Zuim Mussi

Ellen Marianne Röpke Ferrando

Fabiana Franco Barbosa Oda

Gisele Guedes

Thaís Ramos Carvalhais

Valerie Midori Koga Takeda

Consultoria acústica

Alexandre Sresnewsky

Consultoria de audiovisual

Patrícia Mesquita

Coordenação de montagem

Alexandre Cruz

Arão Nunes

Mauro Amorim

Logística de transporte

Nilson Lopes · nacional

Waiver Arts · internacional

Produção da programação pública

Helena Prado

Seguro Fine Arts

Sonia Sassi

Comunicação e editorial Assessoria de imprensa

Index · assessoria de imprensa nacional

Sam Talbot · assessoria de imprensa internacional

Conteúdo audiovisual e registro fotográfico

Bruno Fernandes

Duma Hub de Inovação Criativa e Produção Artística

João Gabriel Hidalgo

Design assistência

Aninha de Carvalho Price

Tamara Lichtenstein

Editorial

Cristina Fino · coordenação editorial das publicações educativas #3/#4

Deborah Moreira · assistência

editorial

Website

Fluxo

Invocações

Marrakech – 14-15 nov 2024

LE 18 · coorganização

Laila Hida · diretoria do espaço parceiro

Youssef Sebti · produção local

Zora El Hajji · assessoria de imprensa local

Mahacine Mokdad, Sofian Amly, Hamza Morchid, Youssef

Boumbarek · conteúdo audiovisual e registro fotográfico

Embaixada do Brasil em Rabat / Instituto Guimarães Rosa · Ministério das Relações Exteriores · apoio local

Guadalupe – 5-7 dez 2024

Lafabri’K · coorganização

Marie-Laure Poitout · presidência do espaço parceiro

Léna Blou · diretoria do espaço parceiro

Hellen Rugard · produção local

Annik Benjamin · tradução simultânea

Cédric Marcellin, Philippe Hurgon · conteúdo audiovisual e registro fotográfico

Institut Français; Embaixada do Brasil em Paris / Instituto

Guimarães Rosa · Ministério das

Relações Exteriores · apoio local

Zanzibar – 11-13 fev 2025

Bernard Ntahondi · coorganização

Dhow Countries Music Academy (DCMA) · instituição parceira

Halda Alkanaan · diretoria da instituição parceira

Thureiya Saleh · produção local

Raymond Peter, Alex Marcel · engenharia de som

William Chazega Nkobi, Habibu

Ramadhani Diliwa · tradução

simultânea

Aden Rajab Said, Ally Nassor, Arafat Khamis Moh’d, Caroline-Jamie

Dandu, Gulaam Abdullah, Venance

Leonard, Waleed Khamis

Mohammed · conteúdo audiovisual e registro fotográfico

YAS, Fondation H, Embaixada do Brasil em Dar es Salaam / Instituto

Guimarães Rosa · Ministério das

Relações Exteriores · apoio local

Tóquio – 12-14 abr 2025

Andrew Maerkle, Kanako Sugiyama · coorganização

The 5th Floor; Sogetsu Kaikan; The University of Tokyo (com ACUT) · espaços

Jordan A. Y. Smith · assessoria do programa de poesia

Tomoya Iwata · produção local

Yoshiko Kurata · assessoria de imprensa local

Wataru Shoji · engenharia de som

Art Translators Collective · tradução simultânea

Kenji Agata, Naoki Takehisa, Sora Shirai, Takuma Osugi, Yoshikatsu

Hirayama · conteúdo audiovisual e registro fotográfico

Embaixada do Brasil em Tóquio / Instituto Guimarães Rosa · Ministério das Relações Exteriores; Art Center, The University of Tokyo (ACUT) · apoio local

Publicação educativa #3

Organizado por

Equipe conceitual e Fundação

Bienal de São Paulo

Publicado por

Fundação Bienal de São Paulo e Center for Art, Research and Alliances (CARA) em português e em inglês

Projeto gráfico

Studio Yukiko

Coordenação editorial

Cristina Fino

Diagramação e produção gráfica

Fundação Bienal de São Paulo

Assistência de edição

Deborah Moreira

Preparação e revisão

Bruno Rodrigues, Mariana Nacif Mendes, Richard Sanches, Sandra Brazil

Tradução

Alexandre Barbosa de Souza, Bruna Barros & Jess Oliveira, Jéssica Alonso, Philip Somervell

Famílias tipográficas

Arizona e Camera Plain por Dinamo

Impressão

Ipsis

ISBN 978-85-85298-90-6

© Copyright da publicação:

Fundação Bienal de São Paulo. Todos os direitos reservados.

As imagens e os textos reproduzidos nesta publicação foram cedidos por artistas, fotógrafos, escritores ou representantes legais e são protegidos por leis e contratos de direitos autorais. Todo e qualquer uso é proibido e condicionado à expressa autorização da Fundação Bienal de São Paulo, dos artistas e dos fotógrafos. Todos os esforços foram feitos para localizar os detentores de direitos das obras reproduzidas. Corrigiremos prontamente quaisquer omissões, caso nos sejam comunicadas.

Este livro foi publicado em português e em inglês em junho de 2025, como parte do projeto da 36ª Bienal de São Paulo.

Distribuição gratuita.

O título da 36ª Bienal de São Paulo, “Nem todo viandante anda estradas”, é formado por versos da escritora Conceição Evaristo

Fundação Bienal de São Paulo

Pavilhão Ciccillo Matarazzo –Parque Ibirapuera

Av. Pedro Álvares Cabral – Moema 04094-050 / São Paulo – SP bienal.org.br

Center for Art, Research and Alliances (CARA)

225 West 13th Street

Nova York, NY 10011 cara-nyc.org

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mawali–Taqsim : improvisação como espaço e tecnologia da humanidade : publicação educativa : vol. 3 / organização Fundação

Bienal de São Paulo ; curadoria Bonaventure Soh Bejeng Ndikung. -- São Paulo : Bienal de São Paulo, 2025.

ISBN 978-85-85298-90-6

1. Arte — São Paulo (Estado) — Exposições

2. Bienal de São Paulo (SP)

3. Cultura

4. Educação

5. Mediação

I. Fundação Bienal de São Paulo.

II. Ndikung, Bonaventure Soh Bejeng.

25-279077

Índices para catálogo sistemático:

1. Bienais de arte : São Paulo: Cidade 709.8161

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

CDD-709.8161

transportadora oficial agência oficial

apoio institucional

parceria estratégica

patrocínio master

patrocínio apoio

parceria cultural apoio mídia

apoio internacional

realização

apoio local

Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam

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