Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam
36 a Bienal de São Paulo
Recursos de acessibilidade
Acesse nosso canal no YouTube e confira o registro da Invocação #2
Bigidi mè pa tonbé!
Balança mas não cai!
Desde 1953, ano de sua segunda edição, a Bienal de São Paulo se destaca por seu compromisso educacional, promovendo iniciativas que facilitam o acesso de diversos públicos – incluindo professores, estudantes e educadores – aos conteúdos das exposições. Em 2009, a Fundação Bienal estabeleceu uma equipe permanente de educação que vem, a partir de então, desenvolvendo e implementando projetos educativos para cada edição. Esses projetos incluem a realização de publicações, visitas mediadas, oficinas e programas de formação para professores e educadores, visando atender à missão da Fundação Bienal de ampliar o acesso à arte contemporânea.
Para a 36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas –Da humanidade como prática, a Fundação apresenta uma série de quatro volumes de publicações educativas que têm dois objetivos que se complementam, ambos de fundamental importância para a Bienal. O primeiro deles é registrar e compartilhar as contribuições das Invocações – encontros curatoriais com artistas e poetas, que investigam as noções de humanidade, tema da mostra, a partir de quatro geografias distintas: Marrakech, Guadalupe, Zanzibar e Tóquio. O segundo objetivo é atender às demandas do projeto educacional da 36ª Bienal, com os livros sendo utilizados na formação de mediadores e em ações de difusão, tanto durante os meses de preparação e realização da exposição quanto ao longo do programa de mostras itinerantes que ocorrerá logo depois dela.
Como é próprio da Bienal de São Paulo, os conteúdos dessas publicações articulam elementos locais e globais, conjugando práticas e questões do contemporâneo. Fruto de uma parceria com a Center for Art, Research and Alliances (CARA), que copublicou os livros com a Fundação Bienal, e a A&L Berg Foundation, que apoiou o projeto desde o início, pela primeira vez as publicações educativas da mostra contam com uma versão em inglês que será distribuída entre leitores estrangeiros, possibilitando um maior alcance das experiências das Invocações e dos nossos conteúdos educacionais, reafirmando a vocação internacional que há mais de setenta anos vem sendo colocada em prática.
Andrea Pinheiro Presidente – Fundação Bienal de São Paulo
CARA tem a honra de coproduzir esta publicação com a Fundação Bienal de São Paulo, reforçando nosso compromisso compartilhado com expandir os espaços para investigações artísticas e intelectuais. O programa das Invocações e os quatro volumes educativos ecoam a dedicação de CARA para transformar as publicações em agentes de mudança, nas quais o conhecimento não é apenas registrado, mas ativado por meio de encontros entre várias disciplinas e geografias. Nossa abordagem institucional fomenta pesquisas abertas, incentiva o desafio a narrativas fixas e adota a contação de histórias como uma forma de manter as ideias em movimento, abalando discursos dominantes e abrindo caminhos para que esses sejam desaprendidos.
Com base nesses valores, o programa editorial de CARA amplifica vozes negligenciadas, apoiando profissionais mais experientes e em fase intermediária da carreira, além de historiografias alternativas. Nossos livros incluem práticas literárias e poéticas, artes visuais, performáticas e de imagens em movimento e a ação radical como forças entrelaçadas que moldam nossa compreensão dos mundos interconectados. Por meio das Invocações, CARA mantém seu comprometimento em transformar o setor editorial em um espaço de ressonância, no qual o trabalho artístico e intelectual resiste a narrativas singulares. A colaboração com a 36ª Bienal de São Paulo fortalece nossa missão de reverberar artistas, estudiosos e trabalhadores da cultura, cujas contribuições desenham o discurso crítico, incentivam novas conexões e expandem os limites do pensamento.
Aqui na CARA, perguntamos: como podemos sonhar para além de nós mesmos? Essa é a questão que orienta nossa visão editorial, convidando-nos a criar espaços nos quais o conhecimento é compartilhado e aprofundado em uma relação dinâmica. Para nós, a publicação é um processo de criação de uma constelação generativa, onde vozes convergem, entrelaçam-se e ampliam o que pode ser imaginado em conjunto. Essa colaboração dá corpo aos nossos valores para oferecermos livros que desafiam, desestabilizam e inspiram novas formas de ser e pensar no mundo.
Manuela Moscoso Diretora executiva e artística – CARA
A A&L Berg Foundation, criada em 2023 por Allison e Larry Berg, oferece acesso, ferramentas e recursos para criar, desenvolver e sustentar perspectivas e narrativas diversas nas artes visuais dos Estados Unidos. Apoiamos e fortalecemos indivíduos comprometidos em gerar impactos sistêmicos e escaláveis em suas práticas e comunidades. O principal programa da instituição é a ESAP Fellowship, que apoia e capacita curadores, educadores e administradores das artes visuais em início de carreira, atuantes em espaços e instituições de arte nos Estados Unidos. Ao construir uma duradoura rede de apoio entre pares e ao oferecer ferramentas de orientação e oportunidades para expandir grupos e comunidades profissionais, a Foundation cria caminhos de carreira mais equitativos nas artes visuais e busca, em última instância, fortalecer e diversificar os ecossistemas internos das instituições artísticas do país.
Nossos programas oferecem acesso a redes de contato, oficinas de desenvolvimento profissional, viagens de pesquisa internacionais, mentoria, coaching em habilidades relacionais e interpessoais, além de apoio financeiro para enfrentar desigualdades sistêmicas. Todos os anos, um júri diferente, composto por renomados profissionais das artes, indica candidatos com base em um conjunto de critérios previamente acordados, e convidamos seis dessas pessoas para integrar a nova turma da fellow. Nosso diretor de programa convidado – um profissional das artes que já superou com sucesso os desafios enfrentados pela respectiva turma – é responsável por desenhar os detalhes do programa anual, com foco nas habilidades relacionais específicas que cada grupo necessita para o crescimento de suas carreiras.
Durante os dez meses da fellow, a Foundation oferece cinco pilares de apoio: mentoria com um profissional mais experiente da área de artes; oficinas de habilidades relacionais com especialistas de diversas indústrias; um subsídio financeiro irrestrito; uma viagem internacional de pesquisa robusta, que abre portas e proporciona engajamento com líderes e pares do ecossistema global das artes visuais; e suporte contínuo para o crescimento profissional.
A&L Berg Foundation
A Fundação Bienal de São Paulo agradece aos parceiros CARA e A&L Berg Foundation pela colaboração especial nas publicações educativas da 36ª Bienal.
O Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura, celebra a realização da 36ª Bienal de São Paulo em parceria com a Fundação Bienal de São Paulo. Assim como os grandes festivais de cinema, a Bienal de São Paulo – a segunda mais antiga do mundo – desperta enorme expectativa no circuito global de exposições. Neste ano, com o título Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática, inspirado em um poema da renomada escritora brasileira Conceição Evaristo, a Bienal reafirma sua vocação como grande vitrine para as produções mais atuais do cenário artístico nacional e global, sem perder de vista sua ampla atuação educativa na formação de novos e conhecidos públicos.
O Ministério da Cultura tem trabalhado para fortalecer o setor cultural por meio de diversas iniciativas e instrumentos de fomento. Políticas como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura fomentam outras linguagens artísticas, criando oportunidades para artistas, produtores culturais, gestores e visitantes. Criar condições sólidas para a cultura é fortalecer a economia criativa e estimular a implementação de políticas culturais perenes, permanentes e democráticas.
Estar ao lado de projetos como a nova sala de cinema da Bienal é motivo de orgulho por reunir, ao mesmo tempo, duas questões caras ao Governo: a ampliação do acesso democrático aos equipamentos culturais aliado a um braço educacional capaz de mediar e dar sentido àquilo que é exposto. Ao prever sessões de filmes gratuitas acompanhadas de ações educacionais, cria-se mais um palco para fortalecer a cultura do nosso premiado e cada vez mais atuante campo audiovisual do país.
O Governo Federal segue comprometido com a arte e a educação, frentes indispensáveis para assegurar o direito à cidadania e a um futuro mais justo para todos. Seguiremos investindo em iniciativas que encorajam a criação e a inovação cultural, garantindo que eventos como a Bienal de São Paulo continuem a inspirar e a transformar gerações.
Margareth Menezes
Ministra da Cultura – Governo Federal do Brasil
Há mais de 35 anos, o Itaú Cultural (IC) tem desempenhado um papel fundamental para a valorização da arte, cultura e educação de uma sociedade complexa e heterogênea como a brasileira. Essa atuação se expande por meio de parceiros essenciais para o desenvolvimento do setor da economia da cultura e das indústrias criativas, como a Fundação Bienal de São Paulo.
O Itaú Unibanco se orgulha de ser um dos patrocinadores da Fundação Bienal de São Paulo – há 27 anos, sendo esta a 12ª edição realizada nesse período –, reafirmando o compromisso com a promoção das artes visuais e o seu papel transformador. A Bienal de São Paulo é um importante espaço de encontro e intercâmbio entre artistas, curadores, críticos e público.
Nesse campo, o Itaú Cultural articula ações de fruição, formação e fomento, entre elas, as exposições individuais e coletivas que acontecem tanto na sede na Avenida Paulista, 149 (com entrada gratuita) quanto em equipamentos nas cinco regiões do país. Entre as exposições de 2025, destaque para Carlos Zilio – A querela do Brasil, com curadoria de Paulo Miyada, que trará uma retrospectiva desse artista que, com erudição e irreverência, explorou as tensões da arte brasileira. Também serão dedicadas mostras à artista visual Rivane Neuenschwander e ao curador e crítico Paulo Herkenhoff.
Acesse itaucultural.org.br para navegar pelas exposições virtuais Filmes e vídeos de artistas, com produções audiovisuais de caráter experimental, e Livros de artista na Coleção Itaú Cultural, cujos recursos imersivos e interativos permitem uma apreciação detalhada. Já na Enciclopédia Itaú Cultural (enciclopedia.itaucultural.org.br) você tem acesso a centenas de verbetes de personagens, de obras e de eventos de artes visuais.
Estar presente na Bienal de São Paulo reforça nosso objetivo de construir vínculos com diferentes públicos, prezando pela diversidade de formatos, pensamentos e subjetividades e fomentando o fazer criativo e crítico através da arte e da cultura brasileiras.
Itaú Cultural
A Bloomberg se orgulha de patrocinar a 36ª edição da Bienal de São Paulo. Há mais de uma década temos apoiado as excepcionais exposições de arte contemporânea da Bienal no deslumbrante Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, e também pelo Brasil, através da nossa parceria com a Fundação Bienal. A edição deste ano continua a tradição de apresentar instalações de arte cativantes e provocativas, que são gratuitas e abertas ao público.
Todos os dias, a Bloomberg conecta importantes tomadores de decisão a uma rede dinâmica de informações, pessoas e ideias. Com mais de 19 mil funcionários em 176 escritórios, levamos informações financeiras e de negócios, notícias e conhecimento ao mundo todo. Nossa dedicação à inovação e às novas ideias se estende através do apoio de longa data às artes, a qual, segundo acreditamos, é um caminho importante para motivar cidadãos e fortalecer comunidades. Através de nossos patrocínios, ajudamos a promover o acesso à cultura e a empoderar artistas e organizações culturais para atingir novos públicos.
Bloomberg
Para o Bradesco, um banco brasileiro por excelência e que completou 83 anos, arte e cultura não são apenas elementos fundamentais à formação da identidade de um povo ou de construção de seu patrimônio imaterial, mas também uma jornada de inclusão e cidadania, uma saudável convergência entre diferentes pontos de vista. É, por assim dizer, um caminho em direção ao novo, mas com o cuidado de valorizar aquilo que é especial o bastante para ser história ou tradição.
Portanto, quando se fala em arte e cultura, perdem sentido as fronteiras entre passado, presente e futuro, entre o que é forma ou conteúdo. Tudo vira reflexão e aprendizado, tudo se transforma em provocação e surpresa.
Foi a partir dessa interpretação, combinada à visão positiva do papel das empresas na viabilização do que a sociedade considera importante, que o Bradesco se tornou patrocinador da 36ª edição da Bienal de São Paulo, seguramente um dos principais eventos do país voltado a estimular o circuito artístico, divulgar as diversas expressões de arte e promover o intercâmbio cultural, com tudo de bom que ele agrega.
Ao participar de algo a um só tempo grandioso e de muitos significados, o Bradesco compartilha com a Fundação Bienal de São Paulo – que organiza o evento há mais de seis décadas – o propósito de democratizar o acesso à cultura, multiplicar seu alcance e promover a valorização da arte.
É um caminho sem fim, sem volta, repleto de desafios e ao menos uma certeza: quanto mais gente participando dele, melhor!
Bradesco
A Petrobras possui uma história de mais de quarenta anos acreditando de forma contínua na cultura como elemento transformador e fonte de energia para a sociedade. Apoiando projetos únicos e parcerias de longo prazo, construímos uma relação de respeito e colaboração com realizadores e iniciativas em todo o país.
O Programa Petrobras Cultural tem a brasilidade como elemento norteador, que se materializa nas temáticas, origens, curadoria, história e características de cada projeto que selecionamos. Por meio do incentivo a diversos projetos, colocamos em prática nossa crença de que a cultura é uma importante energia que transforma a sociedade. Acreditamos que, com criatividade e inspiração, promovemos crescimento e mudanças.
A Bienal de São Paulo é um dos mais prestigiosos eventos do setor no país e no mundo. O patrocínio da Petrobras reforça o papel da empresa na promoção da cultura, em suas diversas formas, consolidando a companhia como uma das maiores apoiadoras das artes no Brasil.
Eventos como a Bienal de São Paulo contribuem de forma relevante para a economia, promovendo inovação, criatividade e sustentabilidade à dinâmica econômica. A Petrobras é uma aliada do desenvolvimento do país em seus diversos setores. Investe em muitas formas de energia, e a cultura certamente é uma delas.
A Petrobras tem orgulho em apoiar a cultura brasileira em sua pluralidade de manifestações, levando a arte a todos os públicos, por todo o país. Porque cultura também é nossa energia.
Para conhecer mais sobre o Programa Petrobras Cultural, visite petrobras.com.br/cultura.
Petrobras
O Instituto Cultural Vale acredita no poder transformador da cultura. Como um dos principais apoiadores da cultura no Brasil, patrocina e impulsiona projetos que promovem conexões entre pessoas, iniciativas e territórios. Seu compromisso é tornar a cultura cada vez mais acessível e plural, ao mesmo tempo em que atua para o fortalecimento da economia criativa.
Assim, é uma alegria fazer parte da realização desta 36ª Bienal de São Paulo e de seu programa educativo, que experimenta novos formatos e abordagens. Formulado a partir das Invocações propostas pela curadoria – encontros com poesia, música, performance e debates que investigam noções de humanidade em diferentes geografias –, o programa educativo expande a comunicação da Bienal com os diferentes públicos e promove sua difusão para além do espaço e do tempo de exposição, de maneira interdisciplinar.
A cada nova edição, a Bienal nos convida a repensar a arte como exercício de diálogo, de abertura a novas narrativas e como espaço de aprendizado. Nesse sentido, conecta-se ao propósito do Instituto Cultural Vale: o de ampliar oportunidades para aprender, refletir, desenvolver novos olhares e compartilhar arte, cultura e educação, dentro e fora dos museus, em todo o Brasil.
Onde tem cultura, a Vale está.
Instituto Cultural Vale
Há 110 anos, o Citi faz parte da história do Brasil, acompanhando suas transformações e impulsionando seu desenvolvimento. Nossa trajetória se confunde com a do país: somos testemunhas e participantes de um Brasil que se reinventa e que avança.
Mais do que uma instituição financeira, somos uma presença que acredita na força da cultura e da educação como motores de um futuro mais inclusivo, inovador e sustentável. Investir nesses pilares é também valorizar a pluralidade, a criatividade e o talento que definem o espírito brasileiro.
É com esse compromisso que, pela primeira vez, temos orgulho de apoiar a 36ª Bienal de São Paulo – um dos mais importantes espaços de expressão artística da América Latina, onde o Brasil pensa, sente e se reinventa através da arte.
Acreditamos na arte como agente de transformação social. A criação artística tem o poder de provocar diálogos, ampliar repertórios e inspirar novas possibilidades de mundo. Ao patrocinar a Bienal, reafirmamos nosso compromisso com a cultura, com a inovação e com todos aqueles que, por meio da arte, constroem novas narrativas para o presente e o futuro.
Citi
A Vivo acredita na cultura como meio de transformação social e é uma das principais marcas apoiadoras das artes visuais, cênicas e da música no Brasil. A arte, como a tecnologia, cria conexões entre as pessoas e incentiva a busca do equilíbrio entre a história, a natureza e o tempo.
Atualmente, a Vivo é patrocinadora dos principais museus do Brasil, como o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), a Pinacoteca de São Paulo, o Museu da Imagem e do Som (MIS-São Paulo), o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), além do Instituto Inhotim e do Palácio das Artes, ambos em Minas Gerais, e o Museu Oscar Niemeyer, no Paraná.
O Teatro Vivo, localizado em São Paulo, conta com uma curadoria de peças contemporâneas, que promovem reflexões sobre questões atuais e valorizam a diversidade cultural. Além disso, o espaço é totalmente acessível, oferecendo recursos como tradução em libras, audiodescrição e equipe treinada, garantindo inclusão para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Em 2024, recebeu mais de 50 mil pessoas.
A marca também apoia projetos no universo da música que são genuinamente brasileiros e regionais, reforçando a proximidade com a cultura local em eventos icônicos e tradicionais do nosso país, como Festival de Parintins, Galo da Madrugada, Festival Çairé, Lollapalooza, The Town e Vivo Música.
As iniciativas da marca no âmbito cultural ampliam o acesso ao conhecimento com novas formas de vivência e aprendizado, fortalecidas nos aspectos de diversidade, sustentabilidade, inclusão e educação. Todas as informações estão reunidas e são compartilhadas nos perfis @vivo.cultura e @vivo no Instagram.
Vivo
Diante das incessantes questões da humanidade, talvez valha a pena conviver um pouco mais com algumas perguntas em aberto, tomando amparo em recursos que permitam escavar e construir processualmente as respostas. Nesse sentido, a arte, em suas variadas faces, oferece sumo fértil para elaborações críticas acerca do mundo e de nós mesmos.
O encontro entre arte e educação – ambas entendidas como campos do saber – permite a torção do tempo e espaço: passa a ser possível, assim, suspender neutralidades e dilatar o que se precipita nas estruturas. Até onde essa aproximação é capaz de inferir o real e sobre ele interferir? (Re) povoar imaginários, descompassar o estatuto universalizante atribuído a conceitos, práticas e pessoas, e, assim, talhar a realidade com narrativas que articulem o individual e o coletivo, de modo processual e coerente com as questões que atravessam a existência.
É segundo esse panorama que o Sesc São Paulo e a Fundação Bienal, por meio da 36ª Bienal de São Paulo, reiteram sua longeva parceria, mutuamente comprometida em fomentar experiências de convívio com as artes visuais, ampliando o acesso às ações culturais e ao exercício da alteridade.
Esta parceria, que se constitui e se renova há mais de uma década, tem resultado a promoção de projetos como exposições simultâneas, encontros públicos, seminários, formações para educadores, bem como a consolidada mostra itinerante, com recortes da Bienal entre unidades do Sesc no interior paulista. A confluência de escolhas e proposições se integra à perspectiva institucional da cultura como um direito, e concebe, junto a uma das maiores mostras do país, um horizonte acessível para a arte contemporânea no Brasil.
Sesc São Paulo
22 Apresentação
Fundação Bienal de São Paulo
30 Nós dançamos, dançamos e dançamos “até ficarmos cansados”: outras reflexões sobre corpoliteracia
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung
44 O bigidi, um saber encarnado no coração do lawonn
Léna Blou
52 Tombar não é cair: Bigidi em cinco respostas
Keyna Eleison
58 Dívida a dançar, dívida a falar no espaço caribenho
Olivier Marboeuf
70 Caos vs. Ordem: Sobre estar no controle ao balançar no caos
Anna Roberta Goetz
78 Kalanjé
Geordy Zodidat Alexis
82 Sobre círculos, alinhamento e recuperação
Alya Sebti
88 An Sé
Anaïs Verspan, Dory Sélèsprika
94 Poemas: “Tropical Rei” e “Número”
Edinho Santos
100 Independência · Mudança · Vivendo Santiago Quintana
106 Um corpo que trama
Lidia Lisbôa
112 Impactos, adaptações e resiliência no Caribe em meio às mudanças climáticas: Uma narrativa sobre o equilíbrio, a harmonia e a resiliência no sistema Terra
Michelle Mycoo
122 O blip e o pi tak : Verbos da humanidade do improvável
Étienne Jean-Baptiste
134 O sonho de Heitor
Bruno Pinheiro
140 Seguindo o rastro das fugas coreográficas: Uma escritura arquipelágica na dança
Lazaro Benitez
148 Práticas educacionais
162 Sobre os autores
Apresentação
Fundação Bienal de São Paulo
Este livro é uma extensão das pesquisas sobre as noções de humanidade presentes em diferentes partes do mundo, dialogando com as ideias da 36ª Bienal de São Paulo a partir da segunda Invocação – Bigidi mè pa tonbé: Balança mas não cai –, que aconteceu em Les Abymes, Guadalupe, em dezembro de 2024.
As Invocações são encontros com apresentações de poesia, pesquisa, música e dança que precederam a realização da mostra em São Paulo. Além de Guadalupe, elas aconteceram também em três outros territórios: Marrakech, ocorrida em novembro de 2024, e Zanzibar e Tóquio, realizadas em fevereiro e em abril de 2025, respectivamente.
Em sua obra oral Ôrí, 1 a historiadora Beatriz Nascimento ressalta: “A memória são os conteúdos de um continente, da sua vida, da sua história, do seu passado. Como se o corpo fosse o documento”. Com essas palavras, iniciamos os caminhos deste segundo volume da publicação educativa da 36ª Bienal, revelando formas de existir e de resistir, no encontro entre as reflexões propostas pela Invocação #2 e as reflexões de pensadoras brasileiras diante de manifestações que convocam a atenção para esse arquivo pulsante que é o corpo.
“Não é à toa que a dança para o negro é um fundamento de libertação”, arremata Nascimento. Como elabora a professora Leda Maria Martins em suas poéticas do corpo-tela, a dança manifestaria um conhecimento grafado no corpo, uma herança,2 enquanto a antropóloga Marlene Cunha parte de posturas do candomblé – gincado, adobá, barravento e arrebate3 – para estabelecer uma etnografia do gesto. Companheira de luta de Beatriz Nascimento, o olhar de Marlene de Oliveira Cunha volta-se para as religiões de matriz africana no Brasil dos anos 1980, em busca, sobretudo, do reconhecimento de um ethos no ritual, seus reflexos na vida cotidiana e suas contribuições no estabelecimento de uma cultura de resistência.4
A Invocação #2 teve como fio condutor reflexões da professora e coreógrafa Léna Blou, que identifica, no conceito de bigidi, 5 a essência do ser caribenho, símbolo de sua visão de mundo e estratégia de resistência para agir na vida.6 Em seu texto “O bigidi, um saber encarnado no cerne do lawonn”, Blou pergunta: “Por que é que as pessoas de uma parte do mundo dançam no caos?”. A questão ressoa em movimentos que podemos reconhecer entre os mais de 4 mil quilômetros que separam Guadalupe do Brasil. Remete à capoeira, ao candomblé, ao samba de roda e a outras danças afro-brasileiras, e faz coro com esta outra pergunta lançada pela atriz, dançarina e fundadora da plataforma Afrofunk, Taísa Machado: “Que artista é esse que se desenvolve na guerra?”. 7
Mas ao contrário do que se pode entender à primeira vista – ou no primeiro gesto – bigidi não se trata de um resumo do gwoka – expressão cultural que combina canções litúrgicas em crioulo de Guadalupe, danças e sons de tambores chamados ka. 8 Ele se instaura no gwoka e o extrapola, acontece em um “entre” desordem (bigidi) e adaptação (rèpriz) na circularidade do lawonn, 9 refletindo também uma construção e percepção social que em seu fundamento rearticula o caos e faz do desequilíbrio ferramenta para a adaptabilidade.
Patrimônio Cultural Imaterial do estado do Rio de Janeiro, o corpo do Passinho, que articula o sabará, a puxada, o laço,10 é um exemplo que instiga reflexões entre essas noções de equilíbrio e de desequilíbrio contidas no bigidi. “Por meio do som e da movimentação corporal, o grupo jovem reelabora simbolicamente o espaço, na medida em que modifica, ainda que momentaneamente, as hierarquias territoriais, estimulando o poder expressivo do corpo até o ponto de produção de imagens próprias de liberação e autorrealização”, destaca Muniz Sodré.11
Assim partimos daqui – do Brasil – para começar a estruturar a dança que se desenrola nas próximas páginas, indo ao encontro do que acontecia lá – Guadalupe – em um cruzo de repertórios mobilizando poesia, dança, performance, corpo, línguas, histórias.
O artista Geordy Zodidat Alexis, no texto “Kalanjé”, em sua escrita performativa, indica que o bigidi é um modo de vida, um ponto de partida e uma iniciação para entender o povo de Caroucaera – Cibuqueira (Guadalupe), ilha em que nasceu. Em “An Sé”, Dory Sélèsprika, poeta e slammer, junto com a artista visual Anaïs Verspan mobilizam um espaço-tempo para a reelaboração de narrativas, rumando em direção ao que Léna Blou coloca sobre o bigidi e as relações que se desdobram na língua, na paisagem e na consciência.
A linguagem poética também se presentifica neste volume a partir da colaboração do educador e poeta Edinho Santos, que, por meio de seus poemas, geralmente mobilizados em diferentes espaços também como ferramenta de educação, provoca uma experiência ativa e múltipla de leitura. Uma dança entre o equilíbrio e o desequilíbrio do corpo que rima com a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Você acessa a colaboração de Edinho por meio de QR Codes e, conhecendo ou não a linguagem de Libras, é possível aproximar-se do que ele compartilha, seja com a tradução dos poemas ou se permitindo estabelecer uma dança-conversa: O que o corpo sugere? O que o gesto carrega?
A participação de Yane Mareine, Minia Biabiany e Santiago Quintana na Invocação de Guadalupe se apresenta aqui pelo registro de palavras que dançam entre o poético e o imagético,
proporcionando reflexões sobre corpo, gesto, presença e tempo. A interconectividade de relações que ecoam no corpo como veículo no texto poético “Independência – Mudança – Vivendo”.
Finta, esquiva, ruptura, adaptação, equilíbrio e desequilíbrio permeiam as histórias da artista brasileira Lidia Lisbôa. Nascida em 1970 na Vila Guarani, Terra Roxa, Paraná, suas narrativas se encontram com as de uma infinidade de pessoas e são um convite que emaranha tramas e nós de suas obras têxteis às delicadas ranhuras dos cupinzeiros de barro.
Afinal, como manter o equilíbrio em movimento em tempos de crise? Em diálogo com isso, Michelle Mycoo nos convoca à ação com base em um texto que reflete sobre a Terra como manifestação viva das noções de equilíbrio e desequilíbrio. Olhando para as ilhas no Caribe, Mycoo nos lembra que crises climáticas não têm fronteiras e reforça a necessidade de estabelecer estratégias para adaptação, que vão da infraestrutura verde e azul12 a ações de acesso a financiamento.
Um chamado coletivo à ação também é evocado a partir do blip, som que é espaço para o imprevisível. No texto “O blip e o pi tak : verbos da humanidade do improvável”, Étienne Jean-Baptiste apresenta as onomatopeias blip e pi tak com base em uma ideia que transcende o som, simbolizando uma gramática originada do encontro com o desequilíbrio gerado pela colonização, as “fraturas do Novo Mundo”.
O pesquisador Bruno Pinheiro olha para o pintor e compositor brasileiro Heitor dos Prazeres, que, ainda na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, ganhou o terceiro lugar por sua obra Moenda. Pinheiro dialoga com o autorretrato Sonho, realizado por Prazeres ainda nos primeiros anos de sua carreira como artista visual, entre 1938 e 1939. As relações estabelecidas no texto levam a uma dança entre o equilíbrio e o desequilíbrio de representações que se contrapunham a estereótipos de corpos negros em um Brasil do século 20, envolto em tensões políticas e sociais. O que sonha o sonho de Prazeres? Quais danças as águas que cobrem seu sono carregam?
Neste livro também é possível experimentar as práticas desenvolvidas pela equipe da Fundação Bienal em parceria com educadores e professores de diferentes disciplinas do ensino formal e não formal. As proposições podem ser encaradas como ferramentas para ampliar as discussões, fundamentadas no corpo, mobilizando o gesto, a escuta e a circularidade.
“Nós pensamos com nosso corpo”, afirma, em seu texto, Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, curador da 36ª Bienal de São Paulo. Sua escrita mobiliza o conceito de corpoliteracia, que reconhece o corpo como um espaço vivo de memórias, histórias, aquisição e transmissão de conhecimentos. A partir disso, o texto segue
apresentando a prática de contar histórias como fundamento para a existência, entendendo o corpo – corpoliteracia – como um repositório de memórias e narrativas que podem ser ativadas e compartilhadas por meio do movimento, por meio da dança.
Desejamos que, pelas páginas que se seguem, nossos corpos possam dançar, dançar e dançar “até ficarem cansados”.
1 Ôri foi documentada em filme homônimo, com direção de Raquel Gerber. Brasil: Estelar Produções Cinematográficas e Culturais Ltda, 1989, vídeo (131 min), colorido.
2 Leda Maria Martins, Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
3 João Alipio de Oliveira Cunha, “Em busca de um espaço: a linguagem gestual no candomblé – À memória de Marlene de Oliveira Cunha”, Cadernos de Campo, São Paulo, v. 26, n. 1, pp.15-41, 1991.
4 Marlene de Oliveira Cunha, Em busca de um espaço: a linguagem gestual no candomblé de Angola. Dissertação de mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1986. Agradecemos ao Museu Afro Brasil Emanoel Araujo por estabelecer a ponte com a Biblioteca Carolina Maria de Jesus, onde tivemos acesso à dissertação de Marlene Cunha.
5 Na palestra “Le Bigidi: une parole de l’être!”, Léna Blou conta que “bigidi ” é uma palavra mágica, capaz de transmitir seu significado mesmo para quem nunca ouviu a língua crioula de Guadalupe. Segundo Blou, o vocábulo materializa, no corpo e em sua pronúncia, o movimento equilibrado-desequilibrado – o balanço que não cai. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=u8Oojo5pJqg&ab_channel=TEDxTalks. Acesso em: 2025.
6 Léna Blou, “Totter, but Never Fall! The Feint of Time, the Wandering of the Body, and the Ambigidité of the Caribbean Being,” in Olga Schubert and Eric Otieno Sumba (orgs.), O Quilombismo: Of Resisting and Insisting. Of Flight as Fight. Of Other Democratic Egalitarian Political Philosophies. Berlim: HKW, 2023.
7 Taísa Machado, O afrofunk e a ciência do rebolado. São Paulo: Cobogó, 2020, p.18. A plataforma Afrofunk atua na descolonização do corpo por meio da dança, do funk carioca.
8 Presente em todos os grupos étnicos e religiosos da população da ilha de Guadalupe, o gwoka reúne essas áreas de expressão e valoriza as capacidades individuais de improvisação. Em 2014, foi inscrito na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
9 O lawonn é o espaço circular no qual o gwoka é dançado e que pretende ser um lugar democrático, intergeracional e inclusivo, onde todas as pessoas, independentemente de quem forem, sejam bem-vindas. Para Léna Blou, o lawonn desempenharia, igualmente, “um papel protetor, unificador e socializador, porque é um local que promove a empatia, a liberdade individual, a democracia, a inclusão, a aceitação de si e dos outros, a ajuda mútua, a solidariedade e a criação de improvisação”. Ainda para a autora, “é a sociabilidade segura dos lawonn que permite o florescimento do bigidi para uma circularidade necessária”.
10 O Passinho é pensado aqui como meio de relação com dife-
rentes danças populares afro-brasileiras. Apesar de ter nascido em periferias do Rio de Janeiro, foi sendo disseminado por todo o território brasileiro e, mesmo com variações de gestos, movimentos e nomenclaturas, seguiu sendo alimentado por outras expressões corporais. Além disso, pode-se considerar que sua existência se apresenta como um forte aspecto entre o equilíbrio e o desequilíbrio.
11 Muniz Sodré, “Cultura, corpo e afeto”. Dança: Revista do Programa de Pós-Graduação em Dança, Salvador: UFBA, v. 3, n. 1, pp.18-19, 2014.
12 A infraestrutura verde e azul se relaciona com estratégias e intervenções que utilizam elementos naturais e sustentáveis visando benefícios ambientais, sociais e econômicos em espaços urbanos e rurais, integrando os olhares para florestas/agriculturas urbanas e sistemas de águas.
Nós dançamos, dançamos e dançamos “até ficarmos cansados”: outras reflexões sobre corpoliteracia
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung
Reprodução da fala de abertura realizada no dia 5 de dezembro de 2024.
Nós dançamos e dançamos, Sacudimos nossas tristezas para que os sonhos brilhem, batemos os pés no chão com toda a força para fazer brotar as ondas das canções. Em nossas mãos, o vento virou pó Em fogos de artifício, nossa alegria iluminou os céus.
E os pés doloridos, balançando em repouso, Interrogam sobre as fases do amanhã. Nós dançamos, dançamos e dançamos, “até cansarmos”.
Do poema “Nous avons dansé” [Nós dançamos], de Bernard Binlin Dadié.1
Prelúdio
Vale a pena começarmos com duas ressalvas. Embora seja óbvio para muitos de nós, pode não ser tão óbvio assim para todos aqueles que “até cansarmos” ou “até ficarmos cansados” não implica o cansaço literal. Neste ponto, essa condição se compara à noção de “treta”, quando alguém diz que uma música muito boa é “treeeeeta”, com uma ênfase elástica no “e” prolongado, ou quando uma pessoa fala, em meio a um ataque de riso ou em um momento de profunda alegria, “morriiiiii”, com o “i” carregando todo o peso da expressão. Ou seja, trata-se de usar uma declaração hiperbólica de um antagonismo para expressar um sentimento. Portanto, “nós dançamos, dançamos e dançamos ‘até cansarmos’” parece-me um superlativo de emoções que uma pessoa pode sentir e emanar ao fazer uma dança elaborada e refinada.
Há, então, a falta de nuance em “jusqu’à fatigue”: “até cansarmos” ou “até ficarmos cansados”. Nesse contexto de tradução, a questão de ter ou não o verbo auxiliar “ficar” faz uma enorme diferença: entre “dançamos até cansarmos” e “dançamos até ficarmos cansados” há uma lacuna gigantesca que articula algo pertinente não ao cansaço em si, mas à possibilidade da dança agir no exterior, como no caso da primeira afirmação “dançamos até cansarmos”, e a possibilidade da dança agir sobre o interior, caso da segunda expressão “dançamos até ficarmos cansados”.
No conceito central da 36ª Bienal de São Paulo, definimos um ponto de gravidade no espaço ou no contexto da narrativa. Pretendemos apresentar uma bienal de arte e uma concatenação de narrativas ou sessões de contação de histórias. Importante citar Chinua Achebe que, em entrevista ao New York State Writers Institute, de 1998, ao
ser questionado sobre “qual é a importância das histórias?”, respondeu:
Bem, são as (contações de) histórias que nos tornam humanos. É por isso que insistimos. Sempre que estamos em dúvida sobre quem somos, recorremos às histórias, porque é algo que temos feito na raça humana. Não há nenhum grupo que não o faça.
Parece que contar quem somos é central da natureza mesmo, da nossa própria humanidade. E fazer com que essa história nos relembre disso. Porque haverá dias em que não teremos certeza se somos humanos ou, com mais frequência ainda, se outras pessoas são humanas. É na história que recebemos a continuidade dessa afirmação de que você é humano e que sua humanidade depende da humanidade do seu vizinho.
A contação de histórias é algo fundamental à nossa existência e o centro de nossas cosmogonias. Por isso, gostaria de contar duas histórias.
Primeiro ato: a história da Vovó Dançante
Era uma vez uma vovozinha que não só adorava dançar, como também era uma dançarina maravilhosa. Sempre que ouvia música – e digamos que, para ela, até o som do socador batendo no pilão era música –, ela não conseguia não dançar. Dançava durante o dia inteiro, e à noite também, enquanto trabalhava, comia, conversava, cuidava do jardim; e diziam que ela até dançava dormindo. Dançava inclusive quando caminhava – fazendo referência à formidável obra bibliográfica do irmão Abdourahman Waberi, intitulada Pourquoi tu danse quand tu marche? [Por que você dança quando anda?].
Se havia música, ela dançava; se não havia música, ela murmurava ou cantava para dançar. Foi assim que ganhou o merecidíssimo pseudônimo de Vovó Dançante.
A Vovó Dançante também era uma ótima jardineira, e suas plantas cresciam com abundância, belas, coloridas e fortes com as energias e o espírito da dança que a senhora lhes soprava.
Em um belo dia, Ananse, o bom e velho aranha, avistou os suculentos vegetais que cresciam no jardim da Vovó Dançante. Ele sabia muito bem o quanto ela gostava de dançar. Assim, quando Ananse, o aranha, salivou ao ver os vegetais, bolou um plano malvado para distrair a Vovó Dançante e conseguir roubar seus legumes. Foi então que Ananse, o aranha, evocou as mais belas canções de um lugar distante, e a Vovó Dançante foi levada embora, dançando em direção à fonte da música, afastando-se muito de seu jardim. Ao voltar, já de noite, deu de cara com
seus cestos vazios, pois Ananse, o aranha, tinha roubado todos os feijões que ela colhera.
A Vovó jurou para si mesma que nunca mais cairia na armadilha musical e dançante de Ananse, o aranha. Porém, no dia seguinte, Ananse, o aranha, fez o mesmo truque. A Vovó Dançante, ao voltar de sua folia bailada à noite, encontrou seus cestos de milho e amendoim vazios, pois Ananse, o aranha, tinha se aproveitado outra vez.
No terceiro dia, Ananse, o aranha, chegou cantando sua irresistível música e, num piscar de olhos, a Vovó Dançante o agarrou e começou a dançar com ele. Não demorou para que Ananse, o aranha, fosse infectado pelo suingue da Vovó; ele também rodopiava e girava, e, assim, nunca mais conseguiu pensar em suas tendências cleptomaníacas.
Quando crianças, ao ouvirmos essa história ser contada repetidas vezes, não deixávamos de notar a centralidade da dança na narrativa. A dança podia ajudar ou destruir. Podia ser usada para o bem ou para o mal. Mas, o mais importante, era seu poder inerente.
Porque, como crianças, acordávamos dançando e íamos dormir dançando. Nos bons tempos, e nos difíceis também. Com a barriga cheia ou vazia.
Dançávamos não apenas por dançar, mas porque a dança era um exercício para o corpo e para a mente; porque, pela dança, conseguíamos nos expressar de uma forma que as palavras não conseguem; porque, pela dança, aprendíamos e assimilávamos conhecimentos e os códigos do mundo externo. Era pela dança que fazíamos amigos e aprendíamos a navegar por diferentes tipos de terreno, literal e metaforicamente.
Segundo ato: a história da dança da água e o coelho
Era uma vez uma seca terrível que se abateu sobre nossas terras e nossos lagos, rios, riachos, lagoas e nascentes, secando tudo. Foi um desespero geral, e todos os animais passaram a perambular em busca de água, em vão.
Então convocaram uma assembleia geral de emergência dos animais. O elefante, o leão, o macaco e vários outros bichos deram sugestões, mas parecia que nenhuma delas seria capaz de resolver a drástica situação ambiental na qual se encontravam.
Foi então que alguém teve uma ideia: todos os animais deveriam ir ao leito do rio para dançar até que a água fluísse novamente. Desesperados, todos os bichos estavam dispostos a experimentar essa ideia maluca, menos o coelho, que não acreditava que aquilo daria certo.
Assim, todos os animais desceram em direção ao leito do rio e dançaram, dançaram e dançaram “até cansarem”, “até ficarem cansados”. Conforme dançavam, a água começou a subir para a superfície, e eles finalmente conseguiram matar a sede.
Como o senhor coelho não contribuiu em seus esforços para conseguir água, o reino animal o proibiu de beber daquela fonte.
Mas o espertalhão do senhor coelho não cumpriria aquela punição. Por isso, durante a noite, ele esgueirou-se para o rio e bebeu até não aguentar mais. E, como se não bastasse, ainda teve a coragem de voltar e provocar os outros animais, perguntando como eles pretendiam tirar a água que estava dentro da sua barriga.
Os animais convocaram uma nova assembleia geral para deliberar sobre como puniriam o senhor coelho por aquela desobediência, e impuseram a ele a pena de morte. A questão agora era decidir qual era o animal mais rápido para conseguir pegar o coelho. Surpreendentemente, a velha tartaruga candidatou-se e disse que, se havia alguém esperta o bastante para pegar o coelho, esse alguém era ela.
A tartaruga passou cera de abelha em seu casco, foi até a margem do rio e ficou lá descansando, esperando o coelho aparecer outra vez durante a noite.
O coelho veio e viu uma pedra, na qual poderia subir para beber melhor a água do rio. Quando pisou na pedra, ficou preso na cera de abelha do casco da velha tartaruga.
A tartaruga levou o coelho para a assembleia dos animais. Agora era preciso decidir como executar a pena de morte. O coelho rapidamente disse que, se era para ele morrer, que ao menos pudesse escolher como; então, propôs que o pegassem pelo rabo e batessem sua cabeça em uma pedra.
O leão, o carrasco, pegou o coelho, balançou-o várias vezes no ar antes de bater sua cabeça na parede, mas o coelho trocou de pelo e escapou da pata do leão para fugir em liberdade.
Apesar de haver várias morais para essa história, apenas a primeira parte da narrativa nos interessa nesse contexto.
A dança teve o poder de acabar com uma seca. A possibilidade de conseguirmos vibrar tanto a terra seca a ponto de fazer fluir a água por meio da dança coletiva é algo que considero intrigante, sobretudo, mais uma vez, pelo impacto externo e interno da dança.
Decerto é muito infeliz trazer para este contexto a máxima “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”), do filósofo René Descartes, em seu Discurso sobre o método, de 1637, mas, como essa é uma referência importante para a filosofia ocidental, vale a pena usá-la
como contraponto à essência de muitas estruturas de pensamento não ocidentais, principalmente africanas.
Em nosso contexto, a noção do “eu” apenas faz sentido conforme o paradigma do “eu e eu”. Um “eu” maior, que somente pode ser compreendido como o “nós”. Uma coletividade de eus, que forma a sociedade como um todo maior que o indivíduo. Se apenas um animal tivesse dançado na cama do rio, provavelmente não haveria água. Foi o coletivo de eus que fez a diferença.
Talvez uma das maiores mentiras do pensamento ou da propaganda ocidental universalista seja a impressão de que somos indivíduos indivisíveis. O que significa dizer do eu. Embora sempre tenhamos sido, e continuaremos a ser, “divíduos”, nossas entidades ou unidades singulares apenas se tornam completas quando fazem parte do todo. Nunca pensamos sozinhos. Tampouco sonhamos sozinhos. Nós agimos, sonhamos, pensamos, dançamos e vivemos em relação. E nossas ações, sonhos, pensamentos, vidas dependem das ações, sonhos, pensamentos e vidas de nossos “vizinhos”, no sentido bíblico da palavra.
Terceiro ato: o corpo pensante
Nós pensamos com nosso corpo. Nossa mente é incorporada. Cada célula, tecido e órgão do corpo é uma unidade pensante. Movimentos são ativações de processos de pensamento somático. A dança é a manifestação e a materialização da cognição incorporada.
Como Bhutoria e Hebbani indicaram em seu artigo “Embodied Cognition: Dance, Body, and Mind” [Cognição incorporada: dança, corpo e mente], de 2019,
cognição incorporada é o conceito de que nossas capacidades intelectuais, como ganhar conhecimento, compreender conceitos, lembrar, avaliar e resolver problemas, não são confinadas apenas ao nosso cérebro. Trata-se da ideia de que o corpo influencia a mente.2
Suas reflexões baseiam-se amplamente nas propostas de Varela, Thompson e Rosch, em seu livro The Embodied Mind [A mente incorporada], de 1992.3 Nele, os autores propuseram a noção de “enação”, afirmando que “o mundo vivenciado pode ser retratado e determinado por interações mútuas entre a fisiologia do indivíduo, seu sistema sensório-motor e o ambiente”.4 Em referência à obra A mente incorporada, os autores também afirmam que “a cognição é uma atividade
sensório-motora dinâmica que não está condicionada apenas à atividade neural, mas é, essencialmente, uma enação, pois emerge pelas atividades corporais dos organismos”.
O que Varela et al. escreveram sobre cognição incorporada em 1992 é algo que os povos de origem africana e, provavelmente, vário outros povos originários do mundo todo, já conhecem há milhares de anos.
Nosso povo sabe que nossos corpos têm capacidades cognitivas e conseguem absorver impulsos das experiências que nos circundam nos mundos físico e espiritual. E, como cada ente absorvedor é também um emissor, é óbvio que essa interação não é unilateral; portanto, os impulsos dos nossos corpos também moldam os ambientes nos quais nos encontramos.
Poder-se-ia compreender a dança como o meio pelo qual a comunicação entre o corpo e o mundo se realiza. Dança como transmissora. Como tradutora? Se for isso, podemos compreender estilos de dança de rua como uma manifestação da vida. O krumping, por exemplo, criado e praticado por jovens afro-americanos e caracterizado por gestos fortes, amplos e por vezes agressivos, pode ser lido como uma expressão do que esses jovens vivenciam nas ruas. O krumping parece ser uma manifestação de raiva em relação aos crimes, à violência racial, à desigualdade de classes e a muitas outras experiências esculpidas no corpo e manifestadas por esses movimentos enérgicos e repletos de fúria. Ao mesmo tempo, é algo catártico e transformador. Nessa perspectiva, os praticantes da modalidade, chamados krumpers, consideram a dança uma espécie de experiência espiritual que lhes permite afirmar, aceitar, processar e liberar suas emoções no processo da dança, em um contexto em que as palavras não são suficientes ou falham miseravelmente.
Assim, vale a pena também olhar para a dança e para o gênero musical kpanlogo. Esse estilo surgiu como um movimento e uma dança de jovens, próximo do período da independência ganense, em 1957. A genealogia dos motivos musicais está no highlife e em gêneros musicais do povo Ga, como gome, kolomashie e oge. Kpanlogo deriva de gbajo, que em ga significa “contar histórias”. Os dançarinos de kpanlogo são narradores somáticos. Os movimentos de mãos e pernas são gesticulações muito precisas de acenos, chamados, apontamentos, recusas e outros significantes. Todas as partes do corpo são colocadas em ação. Às vezes, os dançarinos envolvem os quadris com mais tecido para aumentar seu volume e tamanho e tornar os movimentos mais expressivos. E, para além de tudo isso, há uma camada de otimismo na música e na dança; talvez relacionado ao nascimento de uma nova nação? Além da narração tangencial de histórias, o kpanlogo também atua como um recipiente dramático e coreográfico no
qual as histórias podem tomar forma, ou seja, uma história narrada pela boca é traduzida em canção e movimentos dançantes.5
Como um coletivo de corpos pensantes, às vezes dispostos em duplas, os dançarinos de kpanlogo coletam as informações do mundo externo, processam-nas pela performance e devolvem-nas. Nesse sentido, o que os cientistas cognitivos chamam de enação do enativismo – que significa afirmar que a cognição realmente emerge do intercâmbio ou da troca entre os ambientes e o organismo atuante – é algo onipresente no kpanlogo e em várias outras danças.
Em um documentário6 sobre a música e a dança assiko, da baía de Ambas, o lendário Salle John fala sobre alguns dos fundamentos da dança dessa região. No filme, ele faz os movimentos simbólicos do “pia o yabassi ”.7 Seus braços balançam para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, copiando os movimentos dos remadores em um barco que navega pelo rio Nkam, em Camarões. Nesse chamado e nessa resposta em forma de música e dança, o dançarino remador dá o sinal e indica a direção, e os outros o acompanham para que o barco siga no rumo certo. Nesse mesmo documentário, Salle John fala também de uma das suas canções mais famosas, “Bom’Essoky”,8 na qual ele canta sobre o falecimento do pai e sobre todas as pessoas que foram prestar homenagem a ele. O cantor diz que, apesar de ser uma música bastante triste, as pessoas ainda a dançam, e reitera que isso acontece porque a dança da baía de Ambas é alegre e feliz. A dança torna-se então um espaço de luto, de processo e transformação do triste acontecimento que foi a perda do pai em uma celebração da vida, mas, principalmente, porque por meio da música e da dança todos os que ouvem e dançam podem envolver-se coletivamente nesse processo catártico.
Esses exemplos aleatórios mostram como a dança é um espaço de expressividade, de mediação entre o corpo e seu ambiente, um espaço de afetividade no qual diferentes emoções são absorvidas, processadas e transmitidas.
Quarto ato: o corpo como texto e quadro de memórias
Em seu ensaio seminal “What They Came with: Carnival and the Persistence of African Performance Aesthetics in the Diaspora”,9 Esiaba Irobi coloca a questão fundamental: “O corpo tem memória?” e a responde examinando como as pessoas de África, capturadas e levadas ao chamado novo mundo como escravizadas, carregam em e por meio de seus corpos conhecimentos que ele chama de “inteligência cinestésica”. E esses conhecimentos informam sobre a estética e a performance de rituais e de outras manifestações públicas como o Carnaval e demais
festividades em todos os lugares em que se encontram pessoas de África ao redor do mundo. Esses conhecimentos ganham forma na realização de rituais como o candomblé, vodu, santeria, lucumi, Mardi Gras, oshun, junkanoo, hip-hop e várias outras práticas relacionadas aos povos africanos. Irobi afirma que,
como a ontologia da maioria dos povos africanos é sobretudo espiritual, o corpo físico incorpora, num nível, a memória dos hábitos por meio de atividades funcionais como escaladas, esculturas, artesanatos, gestos, prostrações, criando e dominando modos de caminhar. No nível de modelagem secundário (ou seja, o sistema de comunicação mais complexo e metalinguístico), as sociedades africanas conscientemente adotam uma semiologia corporal por meio da qual o corpo torna-se o repositório simbólico de ideias transcendentes, expressivas e filosóficas associadas a religião, devoção, cerimônias divinas e rituais, celebrações, guerras, casamentos, funerais, realezas, política e assim por diante. A maior parte dessas ideias e desses conceitos é estruturada e expressa pela mímica, pela música e pela dança.10
Aqui, interessa-me particularmente como a dança desempenha um papel na aquisição, no cultivo e na propagação de informações. O corpo torna-se um repositório de memórias e histórias, que podem ser ativadas sempre que uma dança é realizada.
O bend-skin é um tipo de dança e de música que se destacou no início da década de 1990 em Camarões, com uma contribuição especial do lendário musicista André Marie Tala. O estilo surgiu em um período de transição sociopolítica do país, paradoxalmente abarcando, de certo modo, algumas das preocupações sociopolíticas existentes e, ao mesmo tempo, servindo como distração para lidar com elas. Na maioria das músicas, metáforas eram usadas para expressar questões de classe e relacionadas ao trabalho, complexidades entre as vidas rural e urbana, além de sexualidade. Em Camarões, as populares motocicletas que infestam as cidades como o meio de transporte mais eficiente, poluindo-as com barulho e gases tóxicos, ao mesmo tempo em que funcionam como a solução mágica para os congestionamentos extremamente graves, são chamadas de bend-skin. Os motociclistas – ou bend skinneurs, como são chamados localmente – estão na linha de frente da maioria das agitações e manifestações relacionadas às questões sociopolíticas. São eles os incitadores de certo caos e, ao mesmo tempo, os gerenciadores desse caos. Seu papel na sociedade, portanto, vai muito além de meros transportadores. O termo bend-skin também
se refere à prática sexual popularmente conhecida como “cachorrinho”. Essa conotação sexual pode ser entendida tanto em seu sentido literal quanto metafórico, pois relaciona-se ao sentido coloquial de “tomar no rabo”.
Na dança bend-skin, os dançarinos inclinam-se para a frente, levantam o quadril e rebolam, dançando em círculo fazendo complexos movimentos com os pés. Portanto, em cada ato performático da dança bend-skin, esse repositório de memórias de questões sociopolíticas e socioculturais é testado novamente, readaptado, reencenado, recultivado e reincorporado.
Para que o corpo seja um repositório de memórias, deve haver uma forma de escrever, inscrever ou codificar nele aquilo que deve ser memorizado. Isso é feito, entre outras formas, por meio de articulados movimentos de dança. Assim, se o corpo é um repositório de memórias, a dança é uma metodologia para recuperar aquela memória. No contexto do mundo africano, a importância da dança como ferramenta e espaço literais é muito bem expressa por Esiaba Irobi:
No continente africano e em várias partes da diáspora africana, a dança, acompanhada pela música, representa a arte suprema, a arte por excelência. Isso ocorre porque a dança, como uma forma de literacia cinestésica, é o principal meio para codificar a percepção de nossos mundos externo e interno, de nossos mundos transcendentais, de nossa história espiritual e da memória dessa história complexa. O corpo é o principal condutor da expressão artística, seja ela uma pintura, uma dança, um livro como The Black Atlantic [O Atlântico negro], uma escultura ou uma performance. O meio é imaterial. A principal fonte de significação é o corpo humano. Portanto, como o corpo é o instrumento fundamental para incubar, articular e expressar todas as ideias, bem como transportar toda forma de arte, seja ela música, drama, literatura, mensagens eletrônicas, teatro, festivais ou Carnaval, gostaria de argumentar que é pela fenomenologia e pela literacia cinestésica (ou seja, pelo uso do meio do corpo como um local de significação cultural) que aspectos cruciais do festival de teatro indígena africano foram deslocados para o Novo Mundo.11
A literacia cinestésica de Irobi e compreender o corpo como um local de significação cultural explica a onipresença das práticas corporais, de fenômenos performativos e de eventos fenomenológicos em várias cosmogonias africanas, em nossos contos e mitos, em nossos rituais e imaginários de mundo.
Quinto bigidi: o corpo e a conjugação da humanidade
Pode-se dizer que o ponto de intersecção entre as reflexões de Irobi sobre a literacia cinestésica e a filosofia bigidi mè pa tonbé de Léna Blou é a busca profunda de compreender como o corpo ativamente desempenha um papel não apenas em retratar nossa humanidade, mas também em sua conjugação.
Em seu artigo seminal,12 Léna Blou discute o conceito de bigidi mè pa tonbé em relação ao corpo, ao corpo caribenho e, em última instância, ao corpo africano, como situado especificamente em momentos históricos e contemporâneos prementes. A filosofia do corpo retratada por Blou é um corpo contemplativo, compreensivo, adaptativo, resistente e imaginativo, sobretudo quando se refere a bigidi mè pa tonbé! Mas o que essa expressão significa, exatamente? De acordo com Blou:
[…] dançar nas Índias Ocidentais é uma forma de atuar e apreender o mundo, e de relacioná-lo a outros. Bigidi mè pa tonbé! é uma popular expressão da língua crioula de Guadalupe que simboliza perfeitamente a visão de mundo no Caribe. Privados de seus corpos, tempo e espaço […], nossos ancestrais demonstraram toda a sua genialidade ao optarem por uma formulação da inteligência que integrava o caos como fundamento do seu ser, algo natural, preservando a adaptabilidade em face à desordem, como uma corda de resgate, justamente reativando-a como uma arma de resistência salvadora para preservar sua humanidade. Durante o período colonial, o “corpo” como entidade era considerado não humano, contudo, numa espécie de contragolpe, os escravizados africanos refutaram tal afirmação.
O que significa dizer que a literacia cinestésica do corpo das pessoas escravizadas, em situações de máxima precariedade, absorveu o caos do mundo, assim como as virtudes da sobrevivência, para conseguir performar uma vida e permitir que os escravizados seguissem vivendo. Nesse caso, o corpo não atua apenas como um espaço de resistência, mas, sim, um lugar em que modos alternativos de ser são imaginados – uma espécie de imaginário somático – e performados.
A tradução desse imaginário somático para a forma pode ser testemunhada nas danças caribenhas de descendência africana citadas por Blou em seu artigo, como kasékò da Guiana Francesa, bèlè da Marinica e gwoka de Guadalupe, quando discorre sobre a interação entre bigidi (desordem) e rèpriz (adaptação). Nem é preciso dizer que essa possibilidade de o corpo se relacionar com a desordem e
possibilitar a adaptação é algo que pode ser encontrado em todo o mundo de África, e além dele.
No espaço Lafabri’k, em Guadalupe, fundado por Blou e sede da segunda Invocação realizada para a 36ª Bienal de São Paulo, via-se pendurado um cartaz que dizia:
Entendemos que essa humanidade para enfrentar a desordem responde com estratégicas adaptativas.
Entendemos também que o corpo é o primeiro a ser impactado ao receber as explosões da existência e memorizar as lembranças, assim como as experiências alegres e tristes que, nesse universo, constroem uma alteridade dinâmica ou sutil.
Parece-me que esse é o ponto crucial da conjugação de humanidade de Blou, usando as ferramentas da gwoka, em geral, e do bigidi, em particular.
Através da dança, o corpo torna-se o meio pelo qual a humanidade pode ser conjugada como verbo. É pela dança que o corpo se torna um espaço de composição e, por meio dos ensaios e das danças, torna-se fluente em exercitar o idioma da humanidade. Assim como toda língua, a humanidade também precisa ser aprendida. Assim como qualquer língua, corre-se o risco de enferrujar caso ela não seja praticada. E isso acontece com a humanidade, que precisa ser praticada e exercitada como um músculo, para impedi-la de adormecer, o que parece ser a situação do mundo de hoje. Assim como toda língua, o corpo como humanidade é feito de códigos que apenas os iniciados podem decodificar. É possível ser humano sem ter sido iniciado na prática da humanidade.
Nos dois dias de Invocação no Lafabri’k, senti que pude presenciar uma iniciação à humanidade. Sobretudo no swaré-léwòz, tivemos a oportunidade de testemunhar alguns dos códigos da língua da humanidade falada nos rituais da dança gwoka. Pudemos testemunhar um conhecimento de humanidade profunda ser transmitido naquele espaço sagrado de swaré-léwòz. Para entender a sacralidade, a importância social, a arquitetura e o espírito de humanidade e outros seres que coexistem dentro do espaço do swaré-léwòz, precisamos retornar a Léna Blou, que descreve o lugar da seguinte forma:
Na realidade, o swaré-léwòz é um espaço vazio que apenas ganha consistência em sua sacralização pela presença humana. O local que recebe esse evento popular é um não espaço efêmero, ecológico, informal, imprevisível e plástico, no qual as pessoas,
natural e espontaneamente, colocam-se em círculo (lawond-a-léwòz).
Corpo e dança são centrais em nossa cosmologia por serem espaços de literacia, um local no qual culturas, histórias e geografias são memorizadas e disseminadas. O corpo e a dança são fundamentais como espaços de conceitualização de estratégias espaciais e conceitos sociais. Se nos envolvermos com o corpo e dançarmos mais profundamente, conseguiremos pensar em métodos alternativos de governança e outras filosofias do estar junto com todas as pessoas do mundo, para além de barreiras raciais, culturais, de classe, gênero, religião, entre outras.
Se os corpos e as danças dos animais foram capazes de conjurar água de poços ancestrais, nós também podemos, por meio da performance, encontrar uma nova fonte e provar a humanidade desses poços ancestrais.
O tum-tum das arenas
Salte, salte, bela djiguène
É o tum-tum das arenas
que veio te chamar esta noite
Coumba
Magnífica rainha por você
farei os passos cadenciados dos ritmos e cadência de Saloum e Bauol…
E por que a Lua nasceria
se não para iluminar frenéticas danças?
É apenas uma canção
A canção do tum-tum das arenas.
Salte, salte, bela djiguène
É o tum-tum das arenas
Que veio te chamar esta noite.13
Trecho de La Ronde des jours [A ronda dos dias], de Bernard Binlin Dadié.
1 Bernard Binlin Dadié, Hommes de tous les continents. Paris: Présence Africaine, 1967.
2 K. Bhutoria e S. Hebbani, “Embodied Cognition: Dance, Body, and Mind”. The International Journal of Indian Psychology, v. 7, n. 4, pp.818-824, 2019.
3 Ibid.
4 Francisco J. Varela; Evan Thompson; e Eleanor Rosch, The Embodied Mind: Cognitive Science and Human. Cambridge: Mit Press, 1992.
5
Disponível em thisworldmusic.com/kpanlogo-african-drummingdance-ghana/. Acesso em: 2025.
9 Esiaba Irobi, “What They Came with: Carnival and the Persistence of African Performance Aesthetics in the Diaspora”. Journal of Black Studies, v. 37, n. 6, pp.896-913, 2007.
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Léna Blou, “Totter, but Never Fall! The Feint of Time, the Wandering of the Body, and the Ambigidité of the Caribbean Being,” in Olga Schubert and Eric Otieno Sumba (orgs.), O Quilombismo: Of Resisting and Insisting. Of Flight as Fight. Of Other Democratic Egalitarian Political Philosophies. Berlim: HKW, 2023.
13 Bernard Binlin Dadié, La Ronde des jours. Paris: Seghers, 1956.
O bigidi, um saber encarnado no coração do lawonn
Léna Blou
I / O fenômeno bigidi
Uma parte do mundo herda um legado patrimonial que é dançado, contado, cantado e ritmado ao som do tambor vibrante. Os povos caribenhos conseguiram construir sua singularidade ao longo do tempo, como mostram o bèlè da Martinica, o kasékò da Guiana ou o gwoka da Guadelupe. É inegável que esse é um legado forjado no coração da colonização e da escravidão nas Américas. Pessoalmente, sempre me maravilhei com a performance musical e coreográfica do dançarino de gwoka no lawonn. 1 Meu fascínio nunca diminuiu, apesar da minha imersão nessa cultura ka, pois dois fenômenos me deixaram perplexa. Uma realidade se apresentava diante dos meus olhos: a de um dançarino de léwòz realizando uma dança caótica e instável, sempre à beira de... E, no entanto, nunca caíam. Bigidi mè pa tonbé! revelou-se a mim, e eu me perguntei: “Por que, em um lugar da Terra, dança-se no caos?”.
Para responder a essa pergunta, fui investigar se a instabilidade corporal existia em outras danças das Américas. Minha resposta foi categórica: fosse em Belize, nos Estados Unidos, no Brasil, na Guiana Francesa, no Haiti, em Porto Rico etc., encontrei o mesmo padrão – o de uma descontinuidade temporal, gestos contrastantes de movimento, evasão, ruptura –interpretados e nomeados de maneiras diferentes conforme o país: bigidi para os guadalupenses, nika para os guianenses, wèlto para os martinicanos, kasé para os haitianos ou “malandragem” para os brasileiros, por exemplo.
Minha intuição inicial – de que esse modo de se mover ao ritmo dos tambores tinha um significado mais profundo – foi sendo confirmada aos poucos. Existe uma inscrição “bigidante” na corporeidade caribenha que pode ser lida nas danças chamadas “tradicionais”: santería cubana, vodu haitiano, bèlè martinicano, bomba porto-riquenha, kasékò guianense, gwoka guadalupense, ou mesmo no hip-hop estadunidense, na capoeira brasileira etc. Formulei então um postulado: o bigidi é, de fato, uma matriz civilizatória caribenha, que define uma concepção de mundo dos pontos de vista filosófico, antropológico, sociológico, político, econômico e espiritual. Analisei então o padrão do bigidi guadalupense, com o objetivo de definir seu arquétipo. Para mim, tratava-se de identificar o momento exato em que a dança do gwoka entrava em bigidi durante sua performance músico-coreográfica. Observei três fases que implementavam uma forma de fluidez ininterrupta por meio da alternância sinérgica entre ruptura e adaptação, nas quais se alcançava uma circularidade dentro do lawonn.
Com base nesse esquema, identifiquei quatro tipologias de bigidi na performance músico-coreográfica, especialmente naquela de Guadalupe, Martinica e Guiana Francesa.
→ Bigidi postural: constrói a forma ou arquitetura do corpo, privilegiando a assimetria.
→ Bigidi temporal: diz respeito à relação com o tempo, focando na sua descontinuidade.
→ Bigidi ponderal: entre a gravitação e a abstração do peso corporal, em que o jogo corporal “bigidante” se estabelece entre os níveis alto e baixo.
→ Bigidi cultural: transgressão do universo músico-coreográfico formalizado por meio de um sistema de bricolagem e de inversão.
Convenci-me de que o caos corporal possuía um sentido ontológico, de onde deriva, a meu ver, a necessidade de identificar os fatores que contribuíram para gerar esse modo único de se mover. Em minha pesquisa, optei por uma abordagem sensível, para não apagar a dimensão humana do fenômeno da escravidão. Recusei-me a aceitar uma visão dessacralizada e indiferente da escravidão. É preciso lembrar que uma pessoa escravizada é, antes de tudo, um ser humano. Identifiquei dois fatores fundadores que semearam as sementes do bigidi nos corpos e mentes: a história e a natureza. O primeiro fator, a história, se constrói em torno de quatro momentos-chave: desenraizamento, desidentificação, desumanização e racialização. E à desespacialização soma-se o segundo fator: a natureza.
Primeiro fator: a história
Primeiro bigidi: o desenraizamento
Acredito que ser arrancado do solo africano é o primeiro bigidi quase matricial. O indivíduo passa por uma mudança espacial radical – de ser um ser humano livre, em pé sobre sua terra, a estar deitado, horizontalmente, em um espaço fechado e escuro. Sem saber por que,
encontra-se deitado em meio a um balanço incessante dentro do navio negreiro, incapaz de se mover para a direita ou para a esquerda, em um estado de expectativa e incerteza. É um bigidi físico e cinestésico, no qual a pessoa se sente estável na horizontal e, paradoxalmente, instável por causa do movimento do mar. Mas esse bigidi também é emocional e psicológico, pois o ser é invadido pelo desespero, pelo medo e pela angústia. Está desestabilizado. A natureza e a percepção dessa experiência se revelam na diferença entre a vivência de uma pessoa livre, inserida em uma coerência social, e a de alguém capturado por uma organização de pilhagem. O desenraizamento da terra é o momento-chave que põe em ação a imediaticidade de dois princípios fundadores e sinergéticos: caos igual a adaptação, ou bigidi igual a rèpriz. O porão do navio negreiro é, de certo modo, o abismo simbólico de uma nova humanidade em formação. Bigidi é consubstancial ao rèpriz;2 está depositado no coração da humanidade, onde seus fundamentos são progressivamente elaborados e transmitidos de geração em geração como um fato social estruturante e inevitável.
Segundo bigidi: desidentificação
O segundo bigidi é a perda irreversível da identidade e da linhagem do indivíduo. Ele nunca mais ouvirá seu nome. O ser sofre de uma desorientação de parentesco e de identidade. Uma forma de generalidade envolve sua negritude, pièce d’Inde... 3 Depois, a chegar a seu novo lar, o mestre geralmente lhe dá um apelido, como faria com um objeto ou um animal, por exemplo: Gorducha, Sem Preocupações, Coelho, Pomba, Pão de Mel etc. O indivíduo, confrontado com o desequilíbrio da identidade, responde com uma adaptação mental e intelectual: o comando do silêncio. O silêncio, uma solução adaptativa para regular melhor a complexidade de habitar essa identidade flutuante e versátil. O processo desse princípio não é nomear o real. O indivíduo pode até reconstruir um dispositivo de reafiliação a partir de referências vagas e aleatórias, que não têm nada a ver com o estado civil. Por exemplo, minha mãe, dependendo de lugares ou pessoas: Blou/instituição, Gueret/amigos, Doudou/família, Hélène/relacionamento recente, Bichara/irmã. Essa é uma reidentificação adaptativa baseada em uma cultura poli-identitária. Precisamos pensar no silêncio como uma taxonomia geral que designará coisas singulares mas polissêmicas, pois várias coisas ou pessoas podem ser designadas por um termo comum que, no fim das contas, tem um significado ou designa realidades diferentes e não relacionadas.
O
terceiro bigidi: desumanização
“Declaramos que os ‘escravos’ são bens móveis”, afirma o artigo 44 do édito real de março de 1685, conhecido como Código Negro, classificando e relegando as pessoas escravizadas à categoria de objetos. Esse terceiro bigidi atinge um grau absoluto de intensidade. O ser escravizado deixa de ser considerado humano aos olhos do homem branco. Ele é banido do círculo da humanidade. É a entidade “corpo” que passa a ser designada como não humana. Em resposta, a pessoa escravizada irá magnificar esse corpo, investindo nele todo o seu saber por meio da cultura (dança, música, contação de histórias, canto...). A intelectualidade do ser se revelará, assim como sua capacidade de compreensão, invenção, criatividade, sensibilidade, estética e visão de mundo, tudo expresso por meio do corpo. É precisamente por meio da máscara do bigidi que o corpo se torna um instrumento de resistência para preservar a sua humanidade.
Quarto bigidi: racialização
“A imagem do africano, do homem negro, não se origina na África, mas no Caribe.”4 A necessidade de hegemonia e dominação levou os europeus a inventar a raça. A cor da pele passaria a ser o atributo “natural” central para distinguir os homens entre si, do mais claro ao mais escuro, implicando assim uma hierarquia social. Esse quarto bigidi soma-se aos anteriores, exigindo que o indivíduo compreenda que a cor de sua pele o condiciona a um novo tipo de relação social: a de dominante e dominado. Sua rèpriz nesse novo quadro social é a marginalização. Ele criará seu karékò. Esse karékò representa tanto o espaço quanto o tempo simbólico do corpo. É importante lembrar que, na época da escravidão, o colonizador era o senhor do corpo, do espaço e do tempo da pessoa escravizada. Essa, então, precisava estabelecer uma relação dupla com o próprio corpo: uma relação voltada para o mestre e outra voltada para si mesma. No contexto do trabalho, oferecia seu kadav [cadáver], ou seja, apenas sua força mecânica. Uma vez que a pessoa está morta, ela já não ouve, não vê e não sente, é apenas um kadav. A pessoa escravizada e seus descendentes transcenderão esse corpo limitado, desenvolvendo a capacidade de se retirar do próprio corpo, deixando apenas o kadav, cujo papel é executar o trabalho ou outra função da qual não retire benefício nem prazer. O ser pode simbolicamente reencarnar o seu kò [corpo] interior e, assim, ter acesso direto a seu ser interior, revelado apenas a si mesmo e àqueles que lhe são semelhantes. É o kò que o indivíduo pode convocar e habitar à vontade, ainda que apenas na forma espiritual. Esse
corpo, o kò, é propriedade exclusiva do indivíduo e se manifesta em seus espaços de liberdade, que são sua kaz [casa], seu jadèn kréyol [quintal crioulo] e o próprio corpo. Devemos compreender que é justamente a articulação desses três espaços simbólicos que constitui e representa o conceito de karékò. E é precisamente nesse momento que o ser humano escravizado torna-se uma pessoa! Trata-se do habitat do ser – um corpo-espaço onde ele é livre para circular por seus imaginários, onde se expressa, fala, pensa, se movimenta e dança dentro desse corpo metafísico. Esse corpo pode ser acessado de maneira muito precisa, especialmente no contexto do lawonn do gwoka, dos véyé boukoussou [ritos fúnebres], do Carnaval ou das celebrações familiares informais. Dessa maneira, e nesses espaços marginais, o indivíduo iniciará procedimentos, dispositivos, organizações e modos de gestão para reintegrar funções sociais amputadas (econômicas, educacionais, de saúde, espirituais etc.), como as sociedades de quilombolas (Bushinengé, na Guiana), as Sociedades de Ajuda Mútua na Martinica, os swaré-léwòz na Guadeloupe, o candomblé no Brasil, o vodu no Haiti, entre outros.
Segundo bigidi: a natureza
Quinto fator: desespacialização
Uma vez dispersas nas diversas colônias (Brasil, Barbados, Haiti, Guadaloupe, Cuba...), as pessoas escravizadas precisaram se adaptar a um novo espaço hic et nunc [aqui e agora]. Esse espaço, embora reconfigurado para o projeto colonial, também evidencia o segundo fator que alimenta o bigidi. A natureza americana é caótica e faz com que se dance em virtude de sua imprevisibilidade: furacões, terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas e a opacidade da Floresta Amazônica. Assim, o ser humano africano deportado para as Américas inventa mecanismos de bricolagem, inversão, simulação, masko (camuflagem), flutuação, plasticidade e agilidade mental para responder de maneira eficiente aos múltiplos bigidi de sua existência.
II / O conceito de lawonn
É no coração do lawonn que o bigidi se expressa de forma mais intensa, como “um sopro do mundo”. 5
O lawonn desempenha, assim, um papel protetor, federativo e socializador, pois é um espaço que promove a empatia, a liberdade individual, a democracia, a inclusão, a aceitação de si e do outro, a ajuda mútua, a solidariedade e a criação/improvisação fap-fap. É essa sociabilidade segura do lawonn que permite ao bigidi florescer em uma circularidade necessária, ou seja, na circulação plástica e improvável de um espaço a outro (dança, canto, percussão, bik [“restauração”], lasistans [“público”]. Gilbert Laumord, doutorando em artes cênicas, chama esse fenômeno de intralawonn. De fato, todas as individualidades que compõem o lawonn estão em interação, em sinergia e conectadas graças ao fenômeno da rèpriz. O lawonn é um exemplo extraordinário de coesão e convivência social, cuja pedra angular da harmonia na desordem se constrói em torno do fap-fap e da rèpriz. “O bigidi apresenta, assim, um modelo de compreensão do mundo que considera o corpo como um núcleo de conhecimento.”6
Conclusão
Os herdeiros dessa história (os afrodescendentes) são constantemente confrontados com desequilíbrios. É uma forma de entropia que nunca para e que está presente em todas as latitudes de suas vidas (choques físicos, psicológicos, espaciais, econômicos e pessoais). A filosofia de bigidi mè pa tonbé é uma postura mental que nos foi silenciosamente transmitida por nossos ancestrais, construída em torno de bricolagem, desvio, fingimento, esquiva, camuflagem, silêncio, fap-fap, descontinuidade temporal, a arte da complexidade e do silêncio habitado etc., até mesmo a adaptabilidade – mesmo quando ilógica – para simplesmente honrar a vida. Hélène Migerel, psicóloga em Guadalupe, acredita que “recusar a queda”, evitando a queda no processo do bigidi, preserva a autoestima e a integridade psicológica do indivíduo.7
Para finalizar, cito o coreógrafo francês Bernard Montet sobre sua compreensão do bigidi:
Bigidi seria o nosso universal. Uma dança da Relação que diz respeito a cada um de nós, independentemente da nossa idade, cultura ou história. Algo [de] que cada um de nós pode
reapropriar-se para torná-lo nossa própria matriz, nossa própria fundação [...] O desequilíbrio como um espaço de liberdade, de retomar o controle sobre quem somos como indivíduos e membros de uma comunidade, a de seres humanos. O desequilíbrio como o centro da consciência humana. Uma catarse que mantém o olho espiritual aberto para a verdade.8
1 Lawonn é uma palavra crioula que significa “la-ronde ”, “como na tradição das noites das Índias Ocidentais. A velha la-ronde consistia em uma reunião em torno de um cara que estava prestes a expressar um sopro de vida: dançando ou dando voz. [...] A la-ronde era um ambiente criativo. [...] Não conseguimos encontrar um lugar melhor no mundo para compartilhar o que carregamos dentro de nós mesmos, então…”. Ver Patrick Chamoiseau, Le Conteur, la nuit et le panier. Paris: Éditions du Seuil, 2021, p.5 .
2 Regulação melorrítmica que é especificada e formulada de acordo com cada ritmo do gwoka (é o dançarino que a solicita durante sua performance). Também é uma palavra-chave que significa se harmonizar consigo mesmo e com o ambiente. É um conceito que regula o caos por meio de uma adaptação perpétua e renovada, tanto física e psíquica quanto espiritual, na medida da desordem.
3 Gabriel Entiope, Nègres, danse et résistance: La Caraïbe du XVIIe au XIXe siècle. Paris: L’Harmattan, 1996, p.50. O termo “pièce d’Inde ” passou a ser usado como um valor de referência para a venda de pessoas que ocorreram na África negra, como parte do comércio atlântico de pessoas escravizadas.
4 Ibid., p.15.
5 Hadley Galbraith, Bigidi Memory of Survival: Embodying the Inheritance of Resilience under Slavery in Text, Film, and Performance. Iowa: The University of Iowa, 2022.
6 Ibid.
7 Hélène Migerel, “Maladie, culture, croyances: quelles alliances”. 3ème Congrès International de Soins Palliatifs: “partager par-delà les frontières”, 2016. Disponível em: helenmigerel.com/. Acesso em: 2025.
8 Anexo n. 19, texto do coreógrafo Bernard Montet de 2018, in Léna Blou, Le Bigidi, la danse de l’harmonie du désordre: Immanence sociale du corps dansant des Antilles et de la Guyane. Guadalupe: Université des Antilles, 2021.
Tombar não é cair: Bigidi em cinco respostas
Keyna Eleison
Reflexões sobre o ato de tombar… Para se tombar é necessário conhecer o solo, saber o que está embaixo e em cima, ter noção da lei da gravidade e não entendê-la como lei. Tombar é um gesto que desafia não a física, mas a interpretação rígida que fazemos dela. É reconhecer que o solo não é apenas uma superfície de apoio, mas um espaço de diálogo, uma presença que responde ao toque do corpo com uma energia que tanto acolhe quanto impulsiona.
Tombar exige intimidade com o chão, com suas texturas, suas resistências e acolhimentos. É necessário sentir o peso do corpo, mas também a leveza que surge quando nos permitimos cair sem medo, transformando o impacto em encontro, o desequilíbrio em coreografia. O que está “embaixo” e o que está “em cima” deixam de ser opostos fixos e passam a ser estados transitórios, em constante negociação.
A gravidade é uma parceira de dança. Ela orienta, mas não define. Tombar é um ato de escuta profunda do corpo e do espaço, uma escolha consciente de flertar com o risco para descobrir novas formas de estar e de se mover. É aceitar a vulnerabilidade não como fraqueza, mas como potência criativa, como possibilidade de renascer no instante da queda, de se reinventar no breve silêncio entre o tombar e o se levantar. Tombar não é desafiar a gravidade, mas sim duvidar dela como restrição, é trazer a dúvida como proposta, como grito, como ritmo. É uma convocação para desobedecer a lógica do peso, do controle que puxa para baixo, e, em vez disso, experimentar o tropeço como gesto criativo, o desequilíbrio como escolha. Um verbo que se recusa a aceitar a possibilidade da queda ou concebê-la como falha, finalidade ou finalização, transformando-a em abertura, em possibilidade de outra leitura do corpo no espaço. Não é vencer a gravidade, mas negociar com ela, como quem dança com uma parceira que conduz e é conduzida ao mesmo tempo. Tombar é também um gesto de escuta, um modo de sentir o mundo com a pele tocando o chão, de reconhecer que o corpo é feito de encontros entre o que cede e o que resiste, entre o que se solta e o que se sustenta. O solo, então, não está mais embaixo, mas constitui uma parceria com o que é compreendido como o que está acima. O chão deixa de ser limite para ser cúmplice. Pode-se tocar o solo e sentir seu carinho de volta, o impulso espiral que não empurra para longe, mas que acolhe, que responde. O solo é pele, uma membrana sensível que registra o contato e o devolve em forma de impulso, de ressonância. O toque no chão é uma conversa, um diálogo entre o peso e a leveza, entre o cair e o erguer-se, entre o colapso e a reinvenção. O chão não está lá para nos segurar; ele está lá para nos lembrar de que tocar é também ser tocado. É uma superfície de memória, na qual cada marca, cada
pressão, cada vestígio conta uma história de corpos que passaram, caíram, levantaram. O solo é testemunha silenciosa da persistência do movimento, do gesto que se repete e se transforma.
Tombar e tocar o chão são, portanto, atos de confiança radical. Confiança de que o corpo sabe cair e sabe se levantar, de que o movimento não finda no impacto, mas continua em espirais, em respirações subterrâneas. O solo é um espelho invertido, refletindo não o que vemos, mas o que sentimos ao nos rendermos ao peso e, paradoxalmente, encontrarmos leveza nesse gesto. Cada queda é um ensaio do infinito, uma coreografia da dúvida que jamais se fecha, mas se expande em possibilidades. E, nesse ciclo de queda e impulso, o corpo aprende a voar, sem sair do chão.
Nem embaixo nem em cima, nem certo nem errado, nem morta nem viva. Existindo e afirmando a existência, sem as palavras – que podem ser limitantes – mas com movimentos, sons e percepções. Tombar como curva, e em conjunto, em coletividade, em conhecimento, em formação.
Despojamento: vestir-se de lugar, ideias e presença
Em Guadalupe, aprendi a aventura de estar nua.
Não a nudez do corpo, mas a do ego, do peso das ideias trazidas comigo, das camadas de certezas. Cada roupa que deixei para trás foi uma despedida, um gesto de abandono das minhas próprias preconcepções. Ali, entre ritmos que falam mais do que palavras, descobri que ser vestida não é um ato de passividade, mas de entrega ativa.
O lugar me cobriu com o cheiro do mar, as ideias me adornaram com os fios do que é coletivo, e as pessoas, com seu olhar generoso, bordaram novas camadas de compreensão sobre quem eu poderia ser.
Fui despojada, não como quem perde, mas como quem ganha espaço para algo maior. E, nesse espaço vazio, fui preenchida por gestos que só o estar ali poderia me ensinar:
uma dança que não tem pressa; uma conversa que se move no ritmo das ondas; uma intimidade feita de sorrisos e silêncios.
Permitir-se ser vestida é aceitar o desconhecido. É deixar que a terra que você pisa molde seu passo, que a música que ouve componha sua respiração. Não eram tecidos que me cobriam, mas histórias:
uma trama de resistência e celebração; uma costura de passados entrelaçados; um tecido que insiste em ser futuro.
Ao me despojar, vi que as roupas que vestimos – reais ou simbólicas – muitas vezes nos limitam. E que, ao nos deixarmos ser vestidas pelo lugar, nos tornamos parte dele. Deixamos de ser visitantes para nos tornarmos cúmplices de sua existência. No final, não voltei a me vestir como antes. Carrego em mim o que Guadalupe me deu:
um traje invisível, feito de humanidade compartilhada, no qual cada fio é uma memória que me lembra; que estar nua é, às vezes, o caminho mais curto para ser inteira.
Tombar não é cair. Cair é ceder ao peso, é o colapso inesperado, o momento em que o controle se desfaz. Tombar, por outro lado, é um gesto extremamente consciente ou, ao menos, um convite à intensa consciência. É um movimento que carrega intenção, mesmo em sua aparente desordem. Tombar é abrir espaço para o desequilíbrio sem temê-lo, é escutar o corpo enquanto ele se inclina para além do eixo seguro. Não é a perda, mas a transição; não é o fim, mas a pausa entre um estado e outro.
Tombar é reconhecer que o chão faz parte do percurso. O corpo que tomba aprende sobre suas fronteiras e sobre suas expansões.
Enquanto cair pode ser considerado um fracasso, isso é binário, tem uma dimensão de limite e limitadora; tombar é um ato de transformação, uma curva no trajeto. É o corpo que aceita a vulnerabilidade não como fraqueza, mas como potência, como possibilidade de reconfigurar-se no encontro com o solo e, a partir dele, reinventar o impulso para seguir.
A gravidade, essa força que insiste em nos ancorar no solo, é mais do que um princípio físico; é uma metáfora de estruturas de poder que querem nos manter em lugares fixos, delimitados, seguros para quem detém o controle. Ela carrega o peso da norma, do saber que se quer universal, da estabilidade que ecoa o eco de vozes eurocentradas, sempre tentando definir o que é alto e o que é baixo, o que é centro e o que é margem. Mas tombar… ah, tombar é rir na cara disso tudo. É rir alto, com o corpo inteiro, porque o riso também é queda – uma explosão que desestabiliza, que desmonta o teatro da seriedade das suas estruturas. Tombar é um saber do corpo que entende que o equilíbrio é uma ilusão confortável para quem teme o movimento. Tombar é ancestral, é insubordinado, é inteligência que se escreve no gesto que falha de propósito,
que tropeça para encontrar outros caminhos no chão. O corpo que tomba dança com a gravidade, mas não a obedece. Ele negocia, questiona, provoca.
Tombar é um gesto de desobediência radical. Um corpo que se recusa a ficar de pé apenas porque disseram que o “certo” é permanecer ereto. Tombar é uma política de afeto com o chão, com o desequilíbrio, com a falha criativa. É a arte de cair sabendo que o solo não é um fim, mas uma continuação, um território fértil para reinvenção. Cada tombo é um rastro de resistência, uma coreografia de mundos possíveis que não cabem nas linhas retas do pensamento colonial.
Quando se escolhe tombar, o corpo desafia o mito da ascensão perpétua, da produtividade linear. Ele derruba a ilusão da centralidade, do poder que se quer vertical. O tombo é um grito de liberdade que reverbera, é um gesto de insubmissão que transforma o colapso em potência criativa. O chão nos devolve não só o impacto, mas o eco de todos os corpos que tombaram antes, que riram, que resistiram, que inventaram outros modos de existir. Tombar é um riso que dança na cara da gravidade, uma resposta indomável à arrogância das estruturas que pensam que podem nos definir.
Não vou reconhecer a queda! Ela simplesmente não virá.
Dívida a dançar, dívida a falar no espaço caribenho
Olivier Marboeuf
Vigílias e rodas
Em 2018, com o fechamento do Espace Khiasma, o centro de arte sem fins lucrativos nos subúrbios do nordeste de Paris que eu tinha fundado e dirigido durante quinze anos, me vi sem local e órfão de uma comunidade. Uma comunidade na qual se encontravam trabalhadores da arte, ativistas e famílias do bairro, o próximo e o distante. Apesar de sempre ter pensado que o espírito do lugar era mais importante do que o lugar físico, as suas infraestruturas e a sua equipe, esse encerramento foi um verdadeiro desafio para mim. Ele me obrigou a voltar a uma questão essencial sobre lugar: ao que nos apegamos e sobre o que nos apoiamos? Ou seja, o que nos mantém de pé – nos permite levantar – e que, por sua vez, nós mantemos. 1 Enquanto decidia me afastar um pouco das instituições de arte, de não fazer em outro lugar o que havia feito durante todos esses anos nesse lugar tão especial, no entanto não renunciava à ideia de instituir, de criar um lugar. Ao contrário, eu voltava à essência desse gesto que até então guiava o meu trabalho: animar uma comunidade e seu espaço de hospitalidade crítica. Um lugar que não foi pensado inicialmente como afinidade, embora tivéssemos que aprender constantemente a compor uma responsabilidade coletiva no que diz respeito à sua necessária manutenção e ao seu futuro.
Minha residência literária e de pesquisa nos Ateliers Médicis em 2019, em Clichy-sous-Bois, nos subúrbios de Paris, começou nesse momento de questionamento particular para mim, enquanto, ao mesmo tempo, a gentrificação dos subúrbios populares da capital começava a tomar um rumo tanto massivo quanto trágico. Senti que uma página do subúrbio no qual eu cresci estava sendo virada violentamente. Uma sensação de urgência para arquivar histórias que logo desapareceriam sob as escavadeiras. Como aconteceu em Atenas, no Rio ou em Londres, o horizonte dos Jogos Olímpicos era o da conclusão radical de uma colonização de territórios outrora desprezados. A terraformação2 mesmo, na qual a gentrificação territorial foi acompanhada por uma gentrificação cultural dos legados e das formas de vida das minorias. Tudo parecia pronto para produzir uma deliciosa política de reconhecimento e visibilidade, da qual não se pode ignorar que ela agora sinaliza os novos regimes de predação da terra. As transações simbólicas são nada mais que cortinas de fumaça diante do que está em jogo no nível material.3 As grandes instituições de arte e as indústrias culturais estavam, portanto, embarcando nessa mesma ordem e com grande alarde em um efêmero e superficial “giro decolonial”.4 Na França, esse “giro” tomaria a forma de uma política ilusória de inclusão e diversidade que pouco fez para mascarar a guerra travada simultaneamente contra os pobres, os trabalhadores e as trabalhadoras migrantes,
os intelectuais “islamo-esquerdistas”, as feministas políticas, os muçulmanos, as associações militantes e a vasta população dos subúrbios que se tornara um incômodo. Essa gentrificação cultural de repente se apaixonou por rituais negros e árabes fluidos, só falava das avós prodigiosas e suas plantas que curam, vivia sob o teto dos sonhos nativos, mas, por outro lado, não se importava com uma mudança profunda e necessária das infraestruturas destruindo as condições de vida em todos esses mundos tão desejáveis. Essa aceleração histérica da mercantilização cultural ofereceu, é verdade, oportunidades inesperadas a toda uma geração de artistas e de trabalhadores e trabalhadoras culturais minoritários e minoritárias no Norte Global. Mas nenhuma perspectiva real. Atravessamos agora esse momento zumbi em que o discurso da diversidade das grandes instituições de arte acompanha e se acomoda com a destruição da diversidade, do desaparecimento progressivo da multiplicidade de espaços associativos que compunham o rico tecido crítico e criativo das grandes capitais europeias. Assim como na crise climática, parece ingênuo e, no mínimo, perigoso, subestimar a destruição irreversível de algumas de nossas condições de vida material invocando a ideia de resiliência. A Terra só pode se reparar sob determinadas condições. Isso também se aplica às existências que a compõem. Elas só se reerguerão da queda se tiverem mantido e cultivado algo suficientemente profundo, uma base a partir da qual será possível instituir novamente lugares para a vida digna. É verdade que, mesmo nas piores horas da plantação, a fungibilidade dos seres humanos escravizados nunca chegou a sua total realização; os cativos não pararam de recusar o tornar-se matéria a exaurir. Mas a verdadeira condição para que eles recuperassem sua humanidade (a “reprise” de humanidade), com base nessa humanidade profunda e oculta dos escravizados, era a marronagem. Não apenas para aqueles que fugiram, mas também para aqueles que ainda viviam na plantação. Porque, ao criar uma exterioridade radical, a marronagem desfez a supremacia narrativa desse lugar de não ser e de desumanização. Ela apontou para outro lugar, outra base possível de “reprise” (retomada) e sustentou a prática diária de extração psíquica do escravizado em si para praticar o tornar-se humano, de maneira diferente.
Quando começo a minha residência literária em 2019 em Clichy-sous-Bois, nesse clima crepuscular de uma festa mofada da diversidade, me pergunto sobre a existência dessa base, que então chamo de “um popular invisível”,5 no sentido de uma forma de vida cultural minoritária, capaz de resistir à “comoditização”. De certa forma, uma maneira resistente de criar um lugar onde ficar, recuperar o fôlego. Clichy-sous-Bois é uma cidade simbólica no subúrbio de Paris desde quando dois jovens, Zyed Benna e Bouna Traoré, morreram eletrocutados, em
2005 – e um terceiro ficou gravemente ferido – quando tentavam fugir da polícia. Na época, essas mortes provocaram um amplo movimento de revolta nos bairros populares de todos os subúrbios da França. Um sentimento de pertencimento a algo que é ao mesmo tempo mórbido (vidas que valem menos do que outras) e poderoso (vidas capazes de desafiar pelo fogo a necropolítica do Estado francês e de se recusarem a desaparecer em silêncio). Vidas que escaparam dos noticiários, das sombras de uma história nacional da qual não faziam parte. Esse evento trágico e as revoltas seguintes marcaram uma época e a formulação particular do movimento decolonial francês que se seguiu. Como aconteceu depois com o Comité Adama (criado após a morte de Adama Traoré em uma delegacia de polícia nos subúrbios do norte de Paris, em 2016), construiu-se em torno da morte dos jovens de Clichy-sous-Bois uma forma de monumentalidade negra. Ou seja, uma maneira de manter os mortos entre os vivos. Essa afirmação da recusa de uma morte indigna e da mentira desdenhosa da polícia, esse desejo radical de produzir as condições para uma justiça (e não mais apenas exigi-la) constituem essa monumentalidade particular que assume a forma de marchas, festas e campeonatos de futebol todos os anos. Ao retornar a Clichy-sous-Bois, eu me comprometia a participar desse monumento fluido e vivo em um período de transição urbana no qual também começava a me questionar sobre a maneira de relatar a história discreta das diásporas caribenhas em Paris.6 Esse momento de confusão e desânimo me levou a me interessar pela forma da vigília. A vigília como prática de luto, mas também como espaço de circulação da fala e do conto no lakou tradicional das Índias Ocidentais. Esse interesse se expandiria mais tarde para outras práticas do círculo; a roda de capoeira afro-brasileira, que se tornaria uma segunda família para o meu filho mais velho, ou ainda a roda (lawonn) do léwoz guadalupense, espaços onde uma comunidade se mantinha unida porque nem sempre se levanta da queda e, acima de tudo, nunca se levanta sozinho. Algo nos sustenta e temos que aprender a mantê-lo, a manter essa natureza particular de uma cultura sem espetáculo nem exterioridade. No léwoz, ninguém pode ficar de fora da roda. Porque não se trata de um show de música e canto, é um lugar de memória coletiva que se ergue e se atualiza a partir da infraestrutura dos corpos e dos instrumentos musicais, do quase nada da miséria, do sopro da vida. No entanto, estar à distância é a condição de extração cultural que exige estar fora das contingências e responsabilidades da roda. Fora da sua história. E é nisso que essa prática de comoditização e de extração cultural esgota os objetos sobre os quais se debruça. Foi nesse caminho que me deparei com certo entusiasmo com a pesquisa e a prática da coreógrafa Léna Blou em torno do bigidi. 7 Ela evocava de uma forma muito justa essa maneira de se manter nesse quase
nada que não se podia imitar sem se implicar na ecologia da roda, que não se podia pedir emprestado sem dar em troca uma parte de si. Na verdade, não se pode fingir o colapso, porque o colapso das Índias Ocidentais é também o do corpo que se curva sob o peso de uma dívida que poucas pessoas desejam compartilhar. Podem tirar tudo de você, mas sempre deixarão a dívida. Assim como o movimento em direção ao solo é peculiar, a forma como nos erguemos desse encontro com a morte é única porque se apoia nas forças invisíveis de um lugar, presente e passado, real e virtual. Mais do que uma dança, o bigidi é um arquivo, um arquivo de condições materiais e psíquicas. É por isso que o trabalho de Blou foi importante para a minha pesquisa sobre o arquivo caribenho e sobre como esse arquivo corpóreo e frágil resistia à fungibilidade e se transmitia ao ser reinterpretado. É um tema que ganhou um espaço significativo em meu trabalho nos últimos anos e que alimentou as muitas conversas que pude ter com artistas, pesquisadores e ativistas, como o artista plástico guadalupense Eddy Firmin ou o acadêmico e autor haitiano Stéphane Martelly.8
Parcelas e interrupções
Se olharmos o arquivo sob a perspectiva da manutenção coletiva de um lugar que precisa ser constantemente reconstruído, o termo “reprise” ganha então um duplo significado. É, antes de tudo, o gesto de se reerguer coletivamente de uma dificuldade – a rèpriz após o bigidi –, porque quem se recompõe, ergue consigo mesmo todo o lugar de fala e de dança como um todo, por meio de um compromisso recíproco, de uma aliança de forças. Mas a “reprise” também pode ser uma forma de nomear o esforço para manter a continuidade de uma história em comum a partir de repetições sucessivas, que fazem do arquivo uma forma que está sempre por vir, mas preenchida com seus enunciados passados, uma câmara de eco. Essa técnica de repetição afetada9 (uma repetição que atravessa um corpo que o afeta e o transforma em troca) compõe um lugar de memória e de reparação que desfaz as descontinuidades ilusórias produzidas por múltiplas interrupções e dispersões. Em meu ensaio “Suites décoloniales: sortir de la plantation” [Sequências decoloniais: sair da plantation], já me debrucei longamente sobre uma releitura de “Novel and History, Plot and Plantation” [Romance e história, enredo e plantation], de Sylvia Wynter.10 Nesse texto emblemático, a autora jamaicana faz do gênero literário do romance um fragmento, uma parcela (a plot) cuja multiplicação indica a existência de um outro regime narrativo, distinto do grande romance da plantação. Um regime de narrativa que Wynter se recusa a deixar no estado de incidentes, de curtos episódios de revolta e ruptura que perturbariam
brevemente a superfície e a trama contínua da ordem estabelecida. Ao contrário, ela nos incita a fazer o esforço de conectar as parcelas para dar corpo ao continuum de outra história minoritária que se vê, ela mesma, interrompida pelas forças narrativas da plantação. O que esse texto nos diz, principalmente, é que a recusa da fungibilidade, a revolta diante da injustiça, o desejo de humanidade e liberdade são constantes na história caribenha da emancipação e não das exceções. Da mesma forma que a revolução haitiana não pode ser considerada um mero incidente na grande história da democracia francesa, uma luta perdida e isolada, mas deve ser restituída como a trama de um dos projetos de emancipação mais radicais e influentes da modernidade colonial.11
É sob essa luz específica que precisamos estudar novamente a apropriação cultural. Não a limitando apenas a um ato de predação do capitalista cognitivo, mas também se interessando pela apropriação cultural como uma lógica de interrupção de um continuum. Em suma, não apenas pelo que rouba e capitaliza, mas também pelo que impede. Porque a apropriação cultural requer, em primeiro lugar, uma extração (ficar fora das contingências da roda) e uma comoditização (transformar a roda em si em um artefato cultural autônomo e “transplantável”). Esse duplo movimento de extração/comoditização se opõe radicalmente à ecologia relacional do léwoz (como a da vigília ou da roda) e à sua dinâmica específica de transmissão de arquivos incorporados de par a par. Levanta-se, então, a questão de como desenvolver práticas artísticas contemporâneas que não resultariam de interrupções/extrações, mas que, pelo contrário, contribuiriam para produzir e enriquecer as condições de continuidade, existência e invenção de práticas soberanas e autônomas. Refletir sobre essa ecologia relacional me parece ser uma maneira mais produtiva de imaginar uma ética (e, portanto, uma estética) da criação caribenha que não isentava os artistas dessa região e das suas diásporas de questionarem suas próprias formas de produzir. Pois é necessário abordar essa situação de forma materialista e não apenas do ponto de vista das identidades, já que vimos que a apropriação da terra e a destruição das condições de vida podem muito bem ser acompanhadas de transações na economia simbólica.12 Vale dizer que o reconhecimento e a visibilidade, na maioria das vezes, não são oferecidos àqueles que são despossuídos e expulsos, mas a outras classes sociais que supostamente os representam.
A comoditização do Caribe anda de mãos dadas com sua metaforização, que é outra forma de extrair a região de sua materialidade situada, e, especialmente, de esquecer como vive grande parte da população. É por isso que me pareceu essencial contribuir para uma poética caribenha situada, ligada às experiências de um corpo específico, um corpo-paisagem que restitui a percepção humana em um mundo conectado, humano e não humano. Retornar ao corpo como instrumento de um lugar soberano e sem barreiras, mas não à carne como matéria fungível e à disposição. Nem mesmo a um projeto de identidade que colocaria o desejo humano no topo da floresta em uma singularidade solitária. Defender uma poética materialista é afirmar, ao mesmo tempo, uma poética das matérias, dos processos biológicos, físicos e termodinâmicos, mas também uma poética das condições materiais, capaz de perceber nos corpos excluídos, nos corpos em excesso, nos corpos em luta e na criatividade dos estilos de vida mais rudes do Caribe, a expressão de um arquivo em bigidi. É essa experiência de um corpo falante, atravessado por histórias e fluxos, que se encontra na origem do texto “Debt to Speak” [Dívida a ser falada], que apresentei pela primeira vez no Lafabri’k de Léna Blou, em Pointe-à-Pitre, em dezembro de 2024, acompanhado pelos músicos Guy Fromager e Aldo Midleton, durante uma Invocação da Bienal de São Paulo.13 A seguir, confiei esse mesmo texto à artista e contadora de histórias Catherine Dénécy (conhecida como Ca.Dé), que se deixou habitar por essa figura de uma mulher à beira do colapso, cambaleando no crepúsculo das aldeias guadalupenses. Essa figura da mulher louca tão familiar é, para mim, o lugar de um precioso arquivo. Ela ecoa outra figura, o desfalador, aquele que criouliza a língua francesa em Édouard Glissant, aquele que derrama até a exaustão seu delírio verbal no grande poeta haitiano Frankétienne. A dívida a dançar do bigidi de Blou torna-se, aqui, uma dívida a falar, um movimento de “reprise” daqueles que foram despossuídos, que não têm mais nada a perder e estão agitando conhecimentos secretos à beira do precipício de suas vidas.
Tenho uma dívida a falar esse tipo de coisas sabe
é uma cascata de lama no meu estômago uma cascata de vozes dentro de mim o torso reluzente
e doce de imagens nèg-gwo-siwo tenho diabetes
dessas imagens chego a mijar dia e noite
juro a você uma verdadeira torrente de maus pensamentos de más palavras não consigo parar as vozes dos outros que me atravessam quem pode parar isso?
Quem pode segurar a água nas suas mãos?
Quem pode
Reparar vazamentos na rede imensa e enferrujada da ilha
Quem pode?
Através desse corpo, a fluidez caribenha, a suposta liquidez das culturas da região, assume outro rumo, uma outra tonalidade. A água não é mais apenas a matéria das viagens e a metáfora das identidades mutáveis da crioulização, ela também é a secreção de corpos doentes14 e o fluido imbebível que corre com demasiada frequência na torneira dos lares da Guadalupe.15 O ventre também é alternadamente o local da violência do trabalho reprodutivo das mulheres e o lugar de digestão/transmissão de histórias e revoluções.16 Ventre-arquivo que essas mulheres sem bússola também compartilham com as aves em uma estranha aliança interespecífica. Como todos os seres e coisas desse mundo das Índias Ocidentais participam de um bigidi, as casas crioulas desmoronam também, e os pássaros não são apenas mensageiros leves e transfronteiriços; eles também se deixam cair de bom grado como os Grandes Gosiers que estouram sem fim na superfície do mar e simulam essa maneira inimitável de morrer enquanto permanecem vivos.
mas as pessoas na verdade não querem ouvir a torrente que passa por mim elas dizem:
o que quer dizer essa louca? e da qual tento te falar com as minhas palavras porque elas não querem ouvir as vozes que estão delirando e derivando em toda essa água é água demais para seus pequenos cérebros E é por isso que a água é marrom na torneira da minha fala
Tapeçaria sonora, recomposição e mistura desfalante
O texto “Debt to Speak” é destinado a uma criação sonora, Péyi en retour, que combina leituras poéticas, fragmentos de entrevistas e arquivos, materiais sonoros e músicas gravadas com músicos guadalupenses e artistas haitianos. Iniciei esse trabalho sonoro paralelamente à minha pesquisa sobre a vigília em 2019, com a ideia de recompor comunidades precárias em torno de uma roda de conversa. Com a crise da Covid, essas comunidades iriam se tornar espaços de solidariedade, reunindo diferentes geografias à distância. Forma de restabelecer um lugar comum entre os péyis do Caribe e de suas diásporas, mas também com aqueles que, como no Haiti, não podiam mais deixar a sua ilha.17 Essas peças sonoras compõem um arquivo especulativo, prontamente cacofônico, retomando a estratégia de opacidade da conversa crioula, em que a escuta ocorre em meio àquela feita no meio às interferências e à saturação dos estilhaços de vozes entrelaçadas.18 Essas peças sonoras são elas mesmas produzidas em um jogo de “reprise” e não é raro encontrar um fragmento de uma peça sonora na peça seguinte, como uma expansão infinita de um arquivo.
Progressivamente, com essas criações sonoras, comecei a desenvolver obras gráficas: grandes murais desenhados in situ feitos com giz em paredes pintadas de azul-ultramar, onde fragmentos de histórias coabitam com a tecelagem visual de múltiplas parcelas ( plots).
Essas partituras gráficas e improvisadas deixam espaço para múltiplas interpretações e tantas histórias potenciais. Esses diagramas compõem uma forma de cinema precário, impermanente, por meio do diálogo incerto e mutável que estabelecem entre sons e imagens. Aquele ou aquela entra nesse lar onde se reúnem o presente e o ausente, os vivos e os mortos, uma comunidade em formação, comprometendo-se a um exercício de visão de filmes potenciais, fugitivos, delirantes: um cinema desfalante. 19
1 A expressão “entre-tenir ” evoca uma comunidade que se apoia mutuamente por meio da reparação, mas também da conversa (“entretien ”), como uma “fixação (tenir ) entre um e outro (entre)” que continua em nosso cuidado (“entretien ”) com ela. A fala coletiva é entendida, aqui, como um cuidado que não incorre em dívida. Ver Olivier Marboeuf, “Entre-tenir, A Living Archive of Emancipation (texto publicado como parte de minha bolsa de estudo global Banister Fletcher 2023/2024, organizado pelo University of London Institute in Paris). Disponível em: www.london.ac.uk/institute-paris/research/ distant-islands-spectral-cities/entre-tenir-living-archive-emancipation. Acesso em: 2025.
2 Sobre a terraformação urbana, ver, por exemplo, Joy White, Terraformed: Young Black Lives in the Inner City. Londres: Repeater Books, 2020.
3 Eve Tuck e K. Wayne Yang, “Decolonization is not a metaphor”. Decolonization, Indigeneity, Education & Society, v. 1, n. 1, 2012.
4 Olivier Marboeuf, Suites décoloniales: s’enfuir de la plantation. Rennes: Editions du Commun, 2022.
5 Ver Olivier Marboeuf, “An Invisible Common”. Toujours Debou t, 2020. Disponível em: olivier-marboeuf.com/2020/05/13/un-populaire-invisible/. Acesso em: 2025.
6 Ver meu projeto “Distant Islands, Spectral Cities”. Disponível em: www.london.ac.uk/institute-paris/research/distant-islands-spectral-cities. Acesso em: 2025.
7 Olivier Marboeuf, “Veillées et politique de la fréquence”, 2022, op. cit., pp.122-125.
8 Olivier Marboeuf, “L’Archive comme lieu spéculatif”. In: Conférence et Conversation avec Stéphane Martelly. Toujours Debou t, 2023. Stéphane Martelly. Disponível em: olivier-marboeuf.com/2023/04/02/larchivecommelieu-speculatif-conference-et-conversation-avec-stephane-martelly-fr/. Acesso em: 2025.
9 O termo francês “répétition ” significa “repetição” ou “ensaio” em português.
10 Sylvia Wynter, “Novel and History, Plot and Plantation”. Savacou, n. 5, pp.95-102, 1971.
11 Pierre-Franklin Tavarès, “Hegel et Haïti ou le silence de Hegel sur Saint-Dominique”. Chemins Critiques, v. 2, n. 3, 1992; Susan Buck-Morse, Hegel, Haiti and the Universal History. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009.
12 Ver Glen Sean Coulthard, Red Skin, White Masks: Rejecting the Colonial Politics of Recognition. Mineápolis: University of Minnesota Press, 2014.
13 O título dessa palestra-performance era “Dans le ventre des oiseaux, dans la bouche des femmes sauvages” [No ventre dos pássaros, na boca das mulheres selvagens].
14 A Guadalupe e a Martinica são lugares que têm uma das maiores incidências de câncer de próstata do mundo. Esse fenômeno foi, por muito tempo, apresentado como sendo uma associação verossímil com as origens africanas da população. No entanto, uma pesquisa do Inserm [Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale] sobre pesticidas e saúde publicada em 2021 concluiu que existe uma forte suspeita de uma associação entre a exposição à clordecona (pesticida usado no cultivo de bananas nesses locais) da população em geral e o risco de câncer da próstata. Ver Agence Nationale de Sécurité Sanitaire de l’Alimentation, “Chlordécone aux Antilles: les risques liés à l’exposition alimentaire”, 2024. Disponível em: www.anses.fr/fr/content/chlordecone-aux-antilles-les-risques-lies-a-lexposition-alimentaire. Acesso em: 2025.
15 Ver “La Crise de l’eau en Guadeloupe transforme le quotidien en enfer”. Disponível em: reporterre.net/En-Guadeloupe-la-crise-de-l-eau-s-intensifie-et-l-Etat-reduit-les-credits . Acesso em: 2025.
16 Ver Françoise Vergès, The Wombs of Women: Race, Capital, Feminism. Durham; Nova York: Duke University Press, 2020.
17 The Wake/Les Veillées: A tapestry of Voices and Thoughts, Sound and Live Music, um evento online organizado pelo Savvy Contemporary (Berlim), do qual fui cocurador, em 2021.
18 Ver o projeto Museum of Breath, Five Soundworks, realizado para a Bienal de Berlim, em 2022. Disponível em: 12.berlinbiennale.de/artists/ olivier-marboeuf/. Acesso em: 2025.
19 Olivier Marboeuf, “Towards a De-speaking Cinema (A Caribbean Hypothesis)”. The Living Journal, uma revista online comissionada por Open City Documentary Festival, coeditada com Ana Vaz. Disponível em: opencitylondon.com. Acesso em: 2025.
Caos vs. Ordem: Sobre estar no controle ao balançar no caos
Anna Roberta Goetz
Quando observo dançarinos de gwoka, [associo seu movimento] à embriaguez, um corpo fora de controle, não conceitualizado e despido de qualquer coerência ou lógica. […] O corpo [parece] quebrado, assimétrico, desarticulado, desestruturado, desalinhado, quase sempre suportado pelos pés de um modo instável […]. A permanência é encontrada apenas na eterna instabilidade e no constante desequilíbrio do corpo, arriscando uma queda categórica a qualquer momento, mas, como por um milagre, nunca caindo.1
Por necessidade existencial, o ser caribenho desenvolveu-se por meio da desordem. Os caribenhos sabem tornar a inconsistência consistente, sabem estabilizar a instabilidade, transformar a desarmonia em harmonia ou tornar lógicos o paradoxo, a ambivalência e a contradição. Esse modo de existência funde simbioticamente dois […] estados de espírito: o ser instável e o ser adaptável. 2
A antropóloga, dançarina, coreógrafa e educadora Léna Blou desenvolveu uma teoria que descreve a estrutura da dança gwoka, de Guadalupe, como um indício da natureza do povo caribenho: mover-se pela vida reconhecendo a impermanência como um estilo de vida. Ela descreve a gwoka como uma prática que se baseia na improvisação, impulsionada pela alternância constante entre a ruptura (bigidi) com a continuidade ou o status quo e a consequente adaptação (rèpriz). O corpo é mantido em um estado de instabilidade, constantemente antecipando uma possível queda para ser então capaz de reagir de imediato, o que, para alguns olhos, pode parecer “um corpo fora de controle”.
Ao pensar na linha de argumentação de Blou, eu continuava interpretando erroneamente sua afirmação de que a habilidade dos caribenhos de bigidi foi desenvolvida somente como uma estratégia para lidar com “momentos chocantes” que interromperam sua permanência – como o controle e a dominação impostos pelas forças coloniais e suas aspirações pelo universalismo – e para se adaptarem à nova realidade produzida. Porém, o que eu não conseguia perceber era que ela, na realidade, descreve a natureza caribenha como algo em confronto constante com a mudança – por exemplo, por meio de desastres naturais que historicamente afetaram o Caribe, com especial frequência em virtude de sua localização geográfica e geológica – e a permanência como uma condição que não existe senão como uma impermanência permanente.
Torna-se evidente que o pensamento binário que considera a continuidade o contrário da impermanência, e permanece guiando minhas leituras, simplesmente não se aplica aqui. Minha colega Alya Sebti falou sobre a “adaptabilidade ao caos que é a vida”,3 em vez da adaptabilidade ao caos que interrompe a vida. Nessa perspectiva, a adaptação não é considerada um mecanismo crucial de enfrentamento, mas um estilo de ser, dançar e, portanto, de se movimentar pela vida. Assim, nesse contexto, a noção de controle não pode ser compreendida como uma estratégia para preservar a permanência, evidenciando que precisamos desconstruir o entendimento de caos e ordem, equilíbrio e desequilíbrio – e, portanto, suas relações –, proposto pelo Ocidente como uma verdade universal.
Em sua descrição da forma de se mover pela vida, ou do modo de existência, como ela descreve – ou seja, a constante improvisação/adaptação às circunstâncias em eterna mutação –, Blou reúne duas categorias que, por definição, teoricamente são contraditórias de acordo com o pensamento ocidental: estabilidade versus instabilidade, consistência versus inconsistência. Ao transformar uma das palavras dos termos conotativamente opostos em um adjetivo para descrever a outra palavra, substantivando-a, como “estabilizar a instabilidade” ou
“inconsistência consistente”, Blou cria uma solução provisória para dissolver a pretensa dicotomia. Tanto na minha forma de descrever a situação quanto na solução provisória de Blou, nossos meios linguísticos são sintomáticos e refletem nossas epistemologias. Isso diz muito mais sobre o sistema de pensamento e sua inerente compulsão por classificação do que sobre o objeto em si. A falta de vocabulário indica que a linguagem é a principal ferramenta usada pelos seres humanos para organizar o mundo: a linguagem categoriza, diferencia e determina nosso pensamento, o que pode ser pensado e como pode ser pensado. Ela organiza o mundo forçando-o a encaixar em esquemas e estruturas binárias.4 A abordagem linguística do mundo é a base de qualquer sistema de diferenciação. 5
A escritora e ativista Gabriela Jauregui, no entanto, defende que a linguagem não é meramente um produto passivo de um sistema social e seu modo de pensar. Uma mudança no pensamento e no entendimento pode ser induzida a longo prazo quando inventamos novas expressões, grafias diferentes ou novos jeitos de expressar as coisas – ou seja, quando geramos certo caos no que é familiar – e utilizamos esses recursos ativamente, mesmo que, às vezes, nos deparemos com alguma rejeição e resistência de alguns lados, como se observa nos atuais debates sobre a linguagem inclusiva, por exemplo.6 A língua não apenas representa processos reais, como também carrega um potencial performático, uma vez que é capaz de moldá-los e influenciá-los ativamente.7 Não se trata de resistir a regras estabelecidas, mas de compreendê-las como normas dinâmicas e encontrar uma forma lúdica para lidar com elas – usando-as em bigidi. O modo como Blou emprega as terminologias deixa isso muito evidente.
Voltando à gwoka e à ideia de controle como uma estratégia de manutenção da permanência, ao olhar pelos olhos de uma mente entranhada no pensamento ocidental, consigo perceber de onde vem a associação com a embriaguez e, consequentemente, a impressão de um corpo fora de controle. Contudo, ao observar de perto os dançarinos durante o swaré-léwòz8 na última noite da Invocação, pude notar que se movimentar seguindo uma ordem prescrita, na intenção da permanência, na verdade é mais frágil e facilmente perturbável do que a constante adaptação a novas circunstâncias, sem um princípio norteador. Essa última abordagem requer um controle físico e foco muito maiores, mas, uma vez adotada, nada mais será capaz de tirar-nos do eixo novamente. Desse ponto de vista, ainda nos surpreendemos com a defesa tão violenta da aspiração ocidental pela permanência e de seu entendimento de adaptação como uma estratégia para recuperá-la, pois é um anseio muito mais fadado ao fracasso.
Gostaria de fazer algumas reflexões filosóficas acerca do conceito
de “estado de emergência constitucional”, assumindo outro ângulo para repensar a compreensão e a consequente relação entre caos e ordem, equilíbrio e desequilíbrio, ainda no território do pensamento ocidental. Nos países democráticos, os direitos fundamentais dos cidadãos são regulamentados por uma Constituição. A tarefa do governo é defender e garantir esses direitos. O estado de emergência político é um instrumento de intervenção estatal da crise, resguardado pela constituição de vários desses países.9 Ele permite a mudança de poder no interior da estrutura institucional da constituição, a fim de auxiliar o governo no caso de situações extraordinárias, por exemplo, um ataque terrorista, um desastre natural ou a tentativa de um golpe político.10 Tais situações são associadas à desordem e, retoricamente, ao caos. Na teoria política, “caos” é equivalente a insegurança e violência, e deve ser contido por meio de muita regulamentação a fim de se restaurar a ordem. O estado de emergência político é uma situação jurídica excepcional, na qual um governo suspende a legislação existente e autoriza o uso da força estatal – o Estado pode então revogar trechos da Constituição e suspender direitos civis ou a capacidade do parlamento de aprovar leis – com o intuito de recuperar o controle e restaurar a chamada “ordem”. Paradoxalmente, trata-se de uma lei que suspende sua própria regra de garantir a ordem. O filósofo Giorgio Agamben descreve “o estado legal de emergência como o limite da indeterminação entre democracia e absolutismo”.11 A lei concebida como um freio de emergência para garantir a liberdade e a igualdade acaba sendo seu verdadeiro cancelamento.12
A partir de Agamben, que descreve “o estado de emergência […] não como o caos que precede a ordem, mas a situação resultante de seu cancelamento”,13 Friedrich Weißbach considera a decisão autocrática de um governo de suspender os direitos constitucionais a verdadeira manifestação do caos. Em sua argumentação, ele faz uma distinção entre caos e exceção (em relação à ordem e à regra) ao entender o caos, em contraste com a exceção, não apenas como uma negação da regra, mas como uma ausência absoluta de regras. O caos, portanto, deve ser compreendido para além do dualismo regra/exceção, logo, como algo não determinado em si.14 Como o estado de emergência desafia, e não apenas nega, à ordem anterior, abrem-se opções de ação alternativas e imprevisíveis. É claro que minha intenção aqui não é louvar a “expansão induzida pela crise” dos poderes executivos do estado de emergência político. Uso-o apenas como uma ferramenta para analisar a situação legal, visando desconstruir o entendimento binário de conceitos como ordem/caos, permanência/instabilidade.
Refletir sobre o caos revela a natureza humana de todos os sistemas sociais e políticos, evidenciando imediatamente que as coisas sempre podem ser diferentes […].15
Ao contrário de qualquer tendência de naturalizar certas estruturas sociais e de poder, o caos realmente pode ser entendido como uma força política fundamental que faz com que as estruturas sejam completamente variáveis. É interessante notar que essa consideração, decorrente da lógica de um sistema legal calcado no pensamento ocidental, nos traz de volta às minhas considerações sobre adaptação como um estilo de ser, em vez de um mecanismo crucial de enfrentamento utilizado para o retorno à permanência (em oposição ao caos). Portanto, novamente repito que o caos é a abertura para o próprio processo.16 Assim, a natureza da gwoka e dos caribenhos também pode ser compreendida como essencialmente caótica. Como descrevi, ela não procura seguir uma ordem predeterminada, equilibrar o desequilíbrio e buscar a permanência. A essência da dança e da natureza do ser é não ter forma. Assim, esse modo de ser e de dançar não pode ser atendido com pares de termos de conotação binária, como estabilidade e instabilidade ou caos e ordem. A possível queda ameaçada no título do evento Invocação #2 de Guadalupe, bigidi mè pa tonbé!, portanto, na verdade é uma consequência impossível ao se agir em bigidi. Então, que não tenhamos medo de inventar novas formas de usar nossas palavras ou até mesmo de criar diferentes modos de nos expressarmos – que usemos nossa língua em bigidi para balançar no “caos que é a vida”, do qual somos parte ativa, em vez de somente uma entidade reativa.
1 Léna Blou, “Totter, but Never Fall! The Feint of Time, the Wandering of the Body, and the Ambigidité of the Caribbean Being,” in Olga Schubert and Eric Otieno Sumba (orgs.), O Quilombismo: Of Resisting and Insisting. Of Flight as Fight. Of Other Democratic Egalitarian Political Philosophies. Berlim: HKW, 2023, pp.84-85.
2 Ibid., pp.88-89.
3 Conforme o texto “Sobre círculos, alinhamento e recuperação”, que consta desta publicação.
4 Zoë Herlinger, “Sprache und Chaos – Ambiguität und Paranoia”, in Miriam Amin, Elisabeth Niekrenz e Friedrich Weißbach (orgs.), Chaos. Zur Konstitution, Subversion und Transformation von Ordnung. Berlim: Berliner Wissenschafts-Verlag, 2018, pp.17-28.
5 Miriam Amin, Elisabeth Niekrenz e Friedrich Weißbach (orgs.), 2018, op. cit., p.7.
6 Gabriela Jauregui, “Herramientas desobedientes”, in Gabriela Jauregui, TSUNAMI. Cidade do México: Sexto Piso, 2018, p.91.
7 Zoë Herlinger, 2018, op. cit., p.17.
8 O swaré-léwòz era um espaço seguro de comunhão para as pessoas escravizadas. Não é um espaço físico, mas se define pela formação espontânea de uma área vazia que apenas ganha consistência em sua sacralização pela presença humana.
9 A expressão “estado de emergência”, ou Ausnahmezustand, não existe no sistema constitucional alemão. Essa é uma expressão fortemente relacionada aos acontecimentos da fase final da República de Weimar (19181933), quando o estado de emergência tornou-se permanente e o sistema parlamentar teve que se render ao poder ditatorial do presidente do Reich. A esse respeito, consultar Birgit Schäfer, Das Recht des Ausnahmezustands im Rechtsvergleich. Research Service of the European Parliament, Bruxelas, 2020. Disponível em: www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/ IDAN/2020/651938/EPRS_IDA(2020)651938_DE.pdf. Acesso em: 2025.
11 Giorgio Agamben, Ausnahmezustand. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2004, p.9. Edição brasileira: Estado de exceção: Homo Sacer, II, I, trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.
12 Friedrich Weißbach, “Chaos und Ausnahmezustand”, in Miriam Amin, Elisabeth Niekrenz e Friedrich Weißbach (orgs.), 2018, op. cit., p.123.
13 Ibid., p.121.
14 Friedrich Weißbach, 2018, op. cit., p.121.
15 Ibid., p.138.
16 Ibid.
Kalanjé
Geordy Zodidat Alexis
Performance em colaboração com Joane Etheart, praticante holística, dançarina e coreógrafa, realizada durante a Invocação #2 em 7 de dezembro de 2024.
Experimentação do fwotman e do bigidi.
Explorar esses elementos, evocar a escrita de novos códigos em um espaço de um outro tempo. O fwotman é um medicamento holístico utilizado por meus antepassados caribenhos. Ele possibilita a cura dos três corpos: físico, mental e espiritual.
Parto do padjanbèl porque essa dança tem uma ancoragem muito marcada. O passo básico, o kalanjé, favorece um deslocamento do corpo de fora para dentro.
Trazer o que está lá fora de volta para dentro, como se fosse recuperar para digerir.
Percebo o conceito do bigidi como um longo caminho para a cura das sequelas relacionadas com a plantação.
Isso é importante, pois os distúrbios persistem porque a cura não está completa.
Vejo a necessidade de compreender a herança cultural dessa ilha onde nasci, como a semeadura de uma terra.
O bigidi é um caminho de vida. É, na minha opinião, uma iniciação à compreensão de quem somos nós, povo de Caroucaera –Cibuqueira. Ele é uma introspecção, um ponto de partida.
Estou verdadeiramente interessado na cura do ser humano. O homem é uma parte do universo e, na verdade, é um universo em si mesmo.
Tomar consciência do que temos e de quem somos, na minha concepção, não é uma finalidade. Compreender por que razão temos isto ou aquilo e de onde vem aquilo que nos compõe tem um caráter mais essencial.
As barreiras em torno de Guadalupe são psicológicas.
A reivindicação não pode ser um estado de estabilidade ou um caminho de vida. Ela é parte integrante de um processo.
O que existe depois desse estado de reivindicação? Que processo é esse?
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Je lis Ka
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Je lis La
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Je lis Nje
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Énergie
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Non
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Extérieure
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta
Vejo o passo. Deslocamento do corpo. De fora para dentro.
Sensação das mãos desse corpo habitado por sua linhagem.
Veículo pensado. Ancestralidade.
Sou a experiência que procura o equilíbrio que torna a simetria visível.
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Ka
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Bula
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Ka
Goudoum Takatou Katak Ta Goudoum Takatou Katak Ta Buladjèl
Bigidi Bagada Bugudu Begede Bogodo
Sobre círculos, alinhamento e recuperação
Alya Sebti
A humanidade como prática é a filosofia orientadora desta edição da Bienal de São Paulo. As quatro Invocações, realizadas antes da exposição, exploram como cada espaço e suas práticas locais refletem a conjugação da humanidade.
Após a primeira Invocação, que teve enfoque na prática da escuta profunda e da recepção ativa, ocorrida nos espaços Le 18 e Dar Bellarj, na cidade de Marrakech, a segunda Invocação, inspirada por bigidi mè pa tonbé e concebida pela pesquisadora e coreógrafa Léna Blou, foi realizada no Lafabri’k, um centro cultural criado por ela em Les Abymes, bairro da cidade de Pointe-à-Pitre, na ilha caribenha de Guadalupe.
O ritmo bigidi é marcado por três momentos, os quais acredito que podem ser considerados um verbo cada, para conjugar a humanidade. O primeiro, faire Lawonn, funciona como um chamado a fazer uma roda; a dança do equilíbrio em meio ao desequilíbrio é o segundo elemento; e, por fim, rèpriz é a filosofia fundamental da rápida recuperação.
Faire Lawonn, fazendo a roda, formando o círculo
Na primeira manhã em que nos encontramos no Lafabri’k para iniciar a Invocação, Léna Blou falou, sorrindo: “Ici on est en bigidi ! Estamos aqui para improvisar, para nos ajudarmos, então peguem uma cadeira e vamos formar uma roda. Quando formamos uma roda, criamos humanidade”. E foi assim que ela criou o clima.
As rodas evocam mesmo alguma coisa.
Um círculo não tem início nem fim. Detém em si a quantidade infinita de todas as formas geométricas possíveis. Na arquitetura islâmica, por exemplo, o círculo é um símbolo de unidade, e sua divisão em segmentos regulares é o ritual de partida para formar vários padrões tradicionais. Há uma circularidade mística nas formas e nos movimentos da natureza: estrelas, objetos celestiais, voltas, gotas, marolas, marés e ondas conduzidas pelos ritmos da Lua. Uma circularidade de ritmos inerente à natureza nas câmaras de eco com a circularidade do tempo.
O ato de contar histórias em roda é uma prática comum a várias culturas do mundo, incluindo o Halqa (uma tradição teatral marroquina), a Ágora (mercado central e ponto de encontro da Grécia antiga) ou a Jamaa árabe, que significa “encontro”. Todos sentam-se equidistantes em relação ao centro, demandando igual importância no acesso à apresentação. Dentro de um círculo, não há hierarquia no receber e no ouvir.
Com frequência, a participação em um círculo comunitário é considerada um ritual que reconhece o espaço e a comunidade ali reunida. Há um código de conduta a ser adotado antes de se
entrar em uma roda: não se deve simplesmente abri-la ou infiltrar-se nela . É preciso refletir e, principalmente, ouvir profundamente para compreender os ritmos e entender quando é o momento de agir. Formar um círculo é estabelecer uma sociedade, uma prática comunitária vital. É por isso que Blou diz que, ao formarmos uma roda, criamos humanidade. A roda funciona como uma membrana que protege sua gente. Naquele espaço de confiança e intimidade, as pessoas podem inventar, criar e reescrever sua humanidade.
Como Patrick Chamoiseau afirma:
Para considerar essa poética (a qual habito, que me habita e que circunda um pouco o que escrevo), o melhor a fazer é abrir uma la-ronde (em crioulo: lawond ), como na tradição das vigílias das Índias ocidentais. A antiga la-ronde consistia na reunião ao redor de um homem prestes a expressar um sopro de vida: dançando ou dando voz. […] A la-ronde era um espaço criativo. […] Ainda não conseguimos encontrar melhor lugar neste mundo para compartilhar o que há dentro de nós, portanto… 1
Primeiro, formamos uma roda. A seguir, rufam os tambores, acompanhados por cânticos e palmas. A primeira pessoa dançarina entra na círculo e cria le souffle du monde (o sopro do mundo), como diz Blou. A respiração da criação inerente à humanidade.
O círculo torna-se esse espaço crucial da criação – espaço de solidariedade, sinergia, interconexão. Um espaço que aceita a confiança e a vulnerabilidade. Na abordagem de Blou, é na roda que o indivíduo se torna parte de algo maior, um ritmo coletivo no qual cada pessoa que entra na la-ronde tem o poder de redefinir e reinventar seu alfabeto, e compor a trilha de sua existência.
A experiência lembrou-me do círculo que fizemos na primeira Invocação em Marrakech durante o hadra, o ritual de transe sufista. A força dos cânticos e da música era usada para criar um espaço de unidade coletiva. Quem entrava no círculo exercia um ato profundo de confiança e de entrega, amparado pela respiração coletiva e pelas energias entrelaçadas.
Tanto no hadra quanto na prática bigidi, a força da música serve como um ato de acúmulo de energia. A música e os cânticos repetitivos e rítmicos são um forte convite para participar do movimento. Eles nos atraem e requerem que ouçamos profundamente e tenhamos fé no ritmo, que sintamos a energia do grupo e entremos em comunhão com o todo.
É nesse ponto que terminam as similaridades, e dois caminhos distintos são tomados. Se, no ritual hadra, a escuta profunda resulta na entrega completa ao chamado necessário para entrar no estado de transe, no gwoka/bigidi ela incita à recuperação do controle da narrativa, graças à ferramenta-chave da improvisação.
Seguindo o pensamento de Patrick Chamoiseau em Le Conteur, la nuit et le panier [O contador de histórias, a noite e o cesto]:
Dançarinos, tamboreiros, cantores e contadores de histórias improvisam, acima de tudo. A improvisação completa uma individualização chamando sua atenção a outras improvisações, outras individualizações. Essa atenção (a qual podemos chamar de espírito do jazz) é uma solidariedade muito diferente da estabelecida pela “comunhão totalitária das antigas comunidades”. A individualização é a base potencial de uma “comunhão não totalitária”. De um comércio pouco habitual entre o “eu” e o “nós, entre o íntimo e o comum.
Por qual processo?
Pelo aparecimento da “Pessoa”.2
É a improvisação que permite que a pessoa e seu processo criativo emerjam. A improvisação é a chave para nos aproximarmos do segundo movimento de humanidade do bigidi: “danser l’équilibre dans le déséquilibre”, como Blou diria, ou seja, dançar o equilíbrio no desequilíbrio.
Dançando o equilíbrio em meio ao desequilíbrio
Ao realizar uma oficina sobre o bigidi, Blou diz: “Façam de conta que vocês beberam vários copos de rum, em seguida levantem-se e comecem a dançar. Essa é a movimentação bigidi: trôpega, mas sem cair”. Trata-se da adaptabilidade ao caos que é a vida. O bigidi tem uma forma de perceber o equilíbrio: por meio do desequilíbrio, uma adaptabilidade de se alinhar aos movimentos constantes da vida.
Somente os círculos são capazes de dar espaço ao desequilíbrio. Quadrados não conseguem fazê-lo, pois são rígidos demais. Dentro do círculo, é possível sentir o convite para dançar, abraçar o caos de ser humano. O círculo nos oferece o espaço necessário para habitar a desordem, assim como o tecido da existência. Nesse espaço, aprende-se a dançar com o desequilíbrio, rendendo-se ao seu
movimento e sabendo que somos amparados pela energia coletiva. Nas palavras de Blou, o corpo reinventa sua dança para reinventar sua humanidade.
Rèpriz
“Nous avons le droit de trébucher, mais pas de tomber, c’est ça la rèpriz”: a gente pode até tropeçar, mas nunca cair.
Rèpriz é o terceiro e último movimento do bigidi, e acredito que nos traga uma lição fundamental. É o momento em que a pessoa recupera, de modo criativo, o ritmo, a posição e o alinhamento dentro do caos. De acordo com Blou, trata-se “desse momento específico, do ponto máximo de equilíbrio, do ímpeto”.
No bigidi, a dinâmica da recuperação é a repetição.
Pode-se até cambalear, mas ainda há a confiança no círculo. É preciso ouvir os ritmos e os movimentos para conseguir improvisar neles, dançar com o desacordo e encontrar o alinhamento para conseguir se recuperar.
Bigidi é a chave caribenha para se aproximar do futuro, como Blou muito bem pontua. Uma “filosofia da dinâmica da recuperação”. É manter-se em movimento e ouvir para improvisar, para alinhar-se no desequilíbrio e reassumir a narrativa a fim de criar seu próprio movimento nisso tudo. Em um momento no qual a sociedade está paralisada pelo medo do desconhecido, causado por fragmentações políticas e mudanças climáticas, o bigidi é uma lição fundamental para lidar com os desafios de nossas futuras realidades. Porque a criatividade pode criar espaços de reinvenção da humanidade; não deixaremos as catástrofes nos definirem. É melhor aprendermos a dançar ao seu redor e continuar criando espaços para respirar.
Gostaria de compartilhar minha interpretação de um momento magistral de rèpriz através do poema de uma das maiores vozes da literatura caribenha, o poeta e artista visual Frankétienne. Em seu poema Mûr à crever” [Maduro a ponto de explodir], há um trecho que exige o controle das catástrofes que se abatem sobre ele. Na última parte, ele diz: “C’est alors que je deviens orage de mots crevant l’hypocrisie des nuages et la fausseté du silence”. Ou seja, “É aí que me torno uma tempestade de palavras que rompe a hipocrisia das nuvens e a falsidade do silêncio”. O autor recusa-se a deixar as catástrofes o dominarem, o ato criativo da escrita é seu grito de definição do ritmo a fim de recuperar a direção de sua história, uma tempestade de palavras para se tornar o humano que ele decide ser. Criatividade para conceber, de novo e sempre, lampejos de esperança na humanidade.
Todos os dias, uso o dialeto dos ciclones insanos. Falo a loucura dos ventos contrários. Todas as noites, uso o regionalismo das chuvas furiosas. Falo a fúria das águas transbordantes. Todas as madrugadas, articulo a língua das tempestades histéricas nas ilhas caraíbas. Falo da histeria do mar excitado. Diálogo de ciclones. Regionalismo de chuvas. Língua de tempestades. Desenrolar da vida em espiral. No fundo, a vida é tensão. Em relação a alguma coisa. Em relação a alguém. Em relação a si mesmo. Em relação ao momento de maturidade em que o velho e o novo, morte e vida, destramam-se. E todo o ser realiza-se parcialmente na busca por seu duplo. Uma busca que acaba por fundir-se com a intensidade de uma necessidade, de um desejo, de uma procura infinita. Cachorros passam – sempre fui obcecado por cães vadios – e ladram para a silhueta da mulher que persigo. Para a imagem do homem que procuro. Para meu duplo. Para o rumor de vozes fugidias. Por tantos anos. Parecem trinta séculos. A mulher foi-se embora. Sem tambores nem trombetas. Com meu coração desafinado. O homem não me estendeu a mão. Meu duplo está sempre à minha frente. E as gargantas soltas dos cães noturnos uivam de forma terrível com o som de um acordeão partido. É então que me torno uma tempestade de palavras que rompe a hipocrisia das nuvens e a falsidade do silêncio. Rios. Tempestades. Relâmpagos. Montanhas. Árvores. Luzes. Chuvas. Oceanos selvagens. Leve-me para dentro da medula frenética das suas articulações.3
1 Patrick Chamoiseau, Le Conteur, la nuit et le panier. Paris: Éditions du Seuil, 2021, p.5.
2 Ibid., p.186.
3 Frankétienne, Mûr à crever. Port au Prince: Éditions Mémoire, 1995.
An Sé
Anaïs Verspan e Dory Sélèsprika
Performance realizada durante a Invocação #2 em 6 de dezembro de 2024.
Para a Invocação, mudei meu ateliê para Lafabri’k. Estou o tempo todo pesquisando e desenvolvi uma metodologia de pintura singular e fértil em criatividade.
Moro no norte de Grande-Terre, mais precisamente em Le Moule, rodeada de canaviais. É desse ambiente geográfico que dou origem a uma manifestação estética e empírica da cultura. Do corte até o ateliê do artista, a cana se torna uma “musa”.
É uma proposta de reapropriação e sublimação dos campos semânticos relacionados com o cultivo da cana-de-açúcar.
Não se trata de uma busca estética, mas de uma busca pela experiência criativa que me leva a ter um gesto pictórico franco, verdadeiro e livre.
No passado, desvalorizada e desvalorizante para quem a utilizava, a língua guadalupense soube reivindicar e recuperar seu lugar na vida cotidiana dos habitantes de Guadalupe.
Como muitos outros artistas antes de mim, eu uso a língua crioula como uma força libertada, em resposta ao título da obra da linguista Dany Bébèl Gisler, Langue créole, force jugulée [Língua crioula, força reprimida], de 1976.
Proponho uma nova escrita poética guadalupense, em que a língua é conjugada em todos os tempos e em todas as pessoas para interpelar todas as camadas da sociedade. Através da minha voz, apreendo o espaço-tempo: declaro e declamo meus textos articulando-os em todos os tons, interpretando as língua crioula, francesa e inglesa, línguas de outrora misturadas com vocabulário urbano, todas tingidas de influências poéticas, rítmicas e melódicas africanas, americanas e caribenhas (QR Code abaixo).
Playlist
MÁSCARAS
Você já viu olhos fechados?
Máscaras que você viu devem ser trocadas
Você já ouviu respirações faladas?
Palavras de homens velhos
Você já ouviu o vento soprar, O fluxo da língua nativa das mulheres?
Você já vestiu roupas da alma, Comeu comida da alma, alimento para o pensamento?
Você já seguiu linhas,
Já leu a história que a rocha inscreve?
Você já tocou a Mãe Terra,
Plantou sementes que alimentam a alma, Comida da alma, madeira de ébano?
Janela de mente aberta,
Deixe o vento soprar.
DöRY, do livro de poemas Tan
“MÁSCARAS” é o primeiro texto que apresentei durante esta Invocação da 36ª Bienal de São Paulo. Inteiramente em inglês, ele nos convida a nos aceitarmos e nos apreciarmos como somos, sem disfarces nem máscaras, e sem o viés colonial, a fim de celebrar os elementos naturais que nos rodeiam.
Assim como o segundo declamado, “TOLOMAN”, o texto invoca o direito de nos nomearmos, de ouvirmos nossas vozes, de assumirmos nossa autenticidade, de aceitarmos nossas diferenças, tendo a consciência e a vontade de sermos um povo.
Lavi pa on bòl toloman mé on bòl grenn toloman
Onpakèt ti grenn nwè fèmé adan on kalbas ka soukré an kadans a lavi
Andidan kon andèwò onsèl voukoum ka rann moun soud
Lè-w ka pran tan kouté, toutbiten annòd
(Trecho de “TOLOMAN”)
A língua guadalupense não é apenas o marcador de um tempo opressivo, é também um elemento de libertação da fala, de si mesmo, da própria voz, rica em patrimônio lexical e em expressões extraídas das nossas experiências e da nossa imaginação. Os textos “KABANNÉ” são caminhos em que é possível cantar a esperança e imaginar “Lavi”, uma vida numa Guadalupe madura o suficiente para fasadé, para enfrentar a si mesma.
Annou di Gwadloup kon SAPOTI, kon ponm-kannèl yo kyouyi
Annou di i po’o mòl, i po’o bon
Annou di i poko pran sik é koulè,
Annou di zyé a-y poko wouvè
[…]
Annou di on jou nou ké mi, nou ké vwè klè nou ké ni lanvi
Nou ké las di dèmen sé on kouyon
Nou ké las chofé kabann pou bon
Annou di sé kabanné nou ka kabanné
Pitit ka vin gran kabanné sé on tan
(Trecho de “KABANNÉ”)
Uma Guadalupe aliviada de seus estigmas, livre para se reinventar, determinada a desintoxicar suas crenças, a pacificar suas relações com os outros, seus compatriotas, o nou-menm, a proteger a terra, a purificar as águas, a respirar ar puro para se projetar noutro lugar, para um futuro que não esquece suas raízes.
An sé flanm, koulè flanbwayan
An sé boukan pèp an mouvman
An sé difé lèspwa jennès
Chaltouné mémwa antan lontan
An sé van ka soukré lang a vyé-fanm Van ka chanté an pyé banbou van ka dansé épi flèch a kann
An sé siren ka mounyé zèb
solèy ka kléré chak tigout dlo si fèy
An sé on lavalas ka chayé pwazon latè pou pirifyé nannan a nonm
An sé ziyanm, malanga, mannyòk, an sé dachin
Sizé, pozé dé plat a pyé a-w é pran rasin
Pas ou ni rasin
[…]
An sé solèy é lalin
An sé lanmè é latè
An sé chalè é fwadi
An sé rasin é niyaj
An sé nonm é fanm
An sé lavi
Lavi Gwadloup
(Trecho de “NANM A NONM” _TAN)
Colocamos nossas criações em exposição, celebrando uma forma de sororidade própria.
Criamos o instante T num espaço-tempo alternativo, como a organização da marronagem nos canaviais, a do lawonn. Verdadeiro espaço da ciência, o lawonn é um espaço de resistência, de confiança, de ressonância, de solidariedade e de proteção, um espaço de desapego onde a liberdade criativa se expressa.
A música, os cheiros de incenso ou de plantas, os objetos de terracota ou de madeira são elementos que nos inspiram, mas acima de tudo são marcadores da nossa temporalidade de vida e criação nesta terra de Guadalupe.
Esta versão da invocação não é uma performance, mas uma postura sincera de quem somos, um profundo desejo de nos definirmos, AN SÉ.
Poemas: “Tropical Rei” e “Número”
Edinho Santos
Olá, meu nome é Edinho, e esse é meu nome em língua de sinais.
Sou de São Paulo, estou no Parque Ibirapuera, no prédio da Bienal. Eu sou artista, poeta. Sou preto, participo do Movimento Negro e também sou surdo, me comunico com a Libras (Língua Brasileira de Sinais), participo do movimento da valorização da Cultura Surda.
Como poeta, participo de batalhas de poesias e batalhas de rimas, que fazem parte do movimento hip-hop, por isso tenho sido referência para outras pessoas surdas nessa área.
Profissionalmente eu tenho algumas experiências, sou formado em pedagogia. Trabalho na área da cultura, no Itaú Cultural, com mediação e produção de programação voltada à visibilização da cultura surda.
Já participei como ator de um filme da Netflix, chamado O matador, um longa-metragem. Além disso, já fui convidado por Gabriel o Pensador para fazer a abertura de seu videoclipe com uma poesia minha. Esse vídeo conta com mais de 2 milhões de visualizações. Essa marca é muito importante para dar visibilidade a um negro surdo, como eu. Estou grato e feliz pela oportunidade de estar aqui nesta publicação.
Registro da performance
Tropical Rei
Na cabeça, levo uma bela coroa
Com presença, imponência
Sou brasileiro
Fruto de suas terras férteis
Da riqueza do clima tropical
Perfumado por natureza
Mas quando me tiram da terra
Meus espinhos podem machucar
Eles são minha defesa
De tantos ataques e falas negativas
Querem me derrubar, mas sou forte,
Podem me julgar mas não conseguem me afetar
Tenho minha proteção
Mas é só chegar mais perto, prestar bem atenção
Vai descobrir que minha essência tem sabor doce
Por dentro já me sinto perfeito, eu sei
Eu sou o abacaxi, o rei
Registro da performance
Número
A gente cresce com essa educação
Falam muito do número 666
Se fizer algo errado aparece o diabo, o cão
A gente sente esse medo, fica ressabiado
Eu tentava me comportar, não conseguia esquecer
Se eu aprontar, o 666 vai aparecer
Com medo, andando pela rua,
Esperando que algo aconteça.
E por incrível que pareça, a vida segue normal
O 666 nunca fez nenhum mal!
Eu sou negro e surdo
E na real, tenho muito medo de outro número
Quer saber qual?
Se minha saúde se complica, se eu passo mal
Tem o número da ambulância, aquela com a luz vermelha
Me levam pro hospital e minha saúde está ruim
Lá não tem acessibilidade, nem Libras, quem vai explicar pra mim?
O médico que vai me atender depois
Entende tudo errado, se comunicar é complicado
Tenho medo do número 192
Mas vou te falar de outro número pior
E desse eu tenho um medo muito maior
Você já sabe qual é?
Eu sou negro e surdo
Eles chegam de viatura, vão me mandar parar e eu não vou escutar
Uma simples ação e eles prendem minha mão
Não posso mais me comunicar
Solta minha mão! Deixa eu falar!
Tô falando sério, tô sendo bem sincero
O número 666 não faz nada
Diabo mesmo é o 190
Registro da performance
Realização Fundação Bienal de São Paulo
Produção Ponte Acessibilidade Concepção e Direção Edinho Santos Poesias e Atuação Edinho
Santos Direção Artística Naiane Olah Adaptação de conteúdo Lívia Vilas Boas e Naiane Olah
Tradução e Interpretação Lívia Vilas Boas e Naiane Olah Captação, Edição, Mixagem e Finalização Miriam Morales Locução Humberto Bastos Montagem Edinho Santos, Lívia Vilas Boas, Miriam Morales e Naiane Olah
Independência Mudança Vivendo
Santiago Quintana
Projeção e gesto.
É necessário conservar o que é significativo no gesto, enquanto exploramos diversas maneiras de manifestá-lo.
Palavra.
Em qual momento e em qual lugar a palavra, a voz e o gesto podem se tornar uma só e a mesma coisa?
Na espontaneidade.
Que espaço nos sugere a espontaneidade quando somos três tecendo a conversa?
É necessário estar atentos ao eco.
Tomar consciência.
O ar – O assobio. Transformação da aspiração.
Se eu assobio para fora, há um som.
Se eu assobio para dentro, há um movimento e também um som.
O precipício do vazio: em algum momento da apresentação e não deve ter ninguém, mesmo com todos os corpos presentes.
O público desaparece.
Precisa desaparecer.
O olhar do espectador é uma fonte útil – uma ferramenta que se usa.
“Espect-atores”
Os olhos do espectator têm fome. Quem desenvolve a cena atua com inapetência. Aqui o equilíbrio está dado.
Depois, todos os olhos dançam dentro da cena. Aqui há muitas portas para a invocação.
O observador também atua.
Portas:
Depois das portas já não há distância entre o ator e seu observador. A máscara cai, a comunicação começa, a dança também, e algo se quebra. A cena é uma decisão coletiva. Um consenso.
Nesta invocação, o corpo é um veículo: De expressão. De argumentação.
De exposição. De discurso.
Como representamos o eco?
Os gestos serão únicos, mesmo que a cena se repita. O papel do espectador pode não ser passivo. É uma decisão. Mas sempre será reativo.
As palavras ditas, as não ditas, os públicos e as impontualidades não apenas ocorrem, mas se acumulam. O que é imediato está sempre em curso, e é o fôlego que o sustenta.
Nossa dança coloca ênfase na experiência do “aqui e agora” –“Agora e depois”.
Expressa o que é sutil e o que é visceral. Invocação. Presença.
O tempo cotidiano, medido, habitado. O tempo não é apenas o tempo.
O corpo é como um instrumento de trabalho, como um relógio; porque com ele também podemos medir o tempo. O tempo também é uma metáfora da cena.
O que você mais gosta sobre o palco?
1. A NEBULOSIDADE.
2. Chegar a 1 depois de começar a contagem regressiva. É 1. É uma fonte de ação.
Ruínas, decadências e parcimônias: — Veja. CHEGUE ÀQUELA ESQUINA E VIRE À DIREITA. Caminhe pela calçada da direita. Na terceira esquina você vai cruzar na diagonal à direita, e, ao lado do bar “GUAJIRA”, bem na porta vermelha, bata três vezes. Quando Ezequiel descer, diga: “Ezequiel, me dê as chaves com a bola 8”.
A vida é um cenário constante.
A vida é o cenário latente de nossas re-evoluções.
Todas as fotos: Performance de Yane Mareine, Minia Biabiany e Santiago Quintana realizada durante a Invocação #2 em 7 de dezembro de 2024.
Da água na cena nascerão portas. As mãos mergulham na água. A voz se torna dança e se transforma à vontade.
A guia.
Todas as coexistências formam uma existência. O “eu” é muitos.
Os cubos não apenas falam de forma, também sugerem uma intenção e uma posição.
Algo deve acontecer.
Algo está acontecendo. Algo já aconteceu.
Quantos passos foram dados desde o começo?
Devemos saber? Onde estamos agora?
Silêncio.
A farinha também canta.
Há várias vozes no espaço.
Ninguém mais sabe.
Embora a presença não saiba o que é presença.
Não sabe se está aqui ou lá.
Mas aqui sempre está nascendo uma nova história.
O trovão de agosto ressoa novamente.
E outras portas se abrem.
O canto agora é outro lugar.
As vozes se confrontam.
Gotas de água nas palmas sensuais das mãos. Gotas na testa de alguém. Gotas na testa de outro alguém.
Esta e aquela agora são muitas.
Já são mais que um corpo.
Os corpos se medem e medidas diferentes revelam outra verdade.
As mãos se encontram.
As mãos cantam.
As mãos dançam.
As mãos se seguem.
As mãos se vão.
Assobiam.
Um corpo que trama
Lidia Lisbôa
Texto elaborado a partir de uma conversa entre a equipe da Fundação Bienal e a artista em 10 de dezembro de 2024.
Venho de um lugar, de uma família que não tem artistas. E aí, de repente, me vejo em São Paulo, primeiro trabalhando como empregada doméstica. Isso é uma coisa que eu não falava antes, que eu trabalhei como empregada doméstica. Trabalhei em um ateliê de alta costura, onde tudo era muito vivo. Porque, quando eu fui trabalhar lá, eu entrei para lavar, passar, cozinhar, fazer faxina, cuidar da casa. E, de repente, era um ateliê também de alta costura, onde eu via
Lidia Lisbôa da série Casulos, 2014-2024
Cortesia da artista
Foto: Henrique Saad
as pessoas passarem o vapor nas flores, colocar a flor no chapéu, esticar uma fita. E então, eu comecei a passar o vapor nas flores. Ouvia música: Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Ray Charles, Charles Aznavour, enfim.
Eu sempre pedia aumento! Quando reformou o outro ateliê, eu fui trabalhar no ateliê novo. Eles me falaram: “Lidia, você vai trabalhar no ateliê”. E aí, como eu fiquei meio, vamos dizer, sem fazer nada, cuidando do ateliê, eu comecei a
desenhar, a soltar os meus primeiros traços, a fazer croquis. Um dia, entrou uma cliente, olhou assim para mim, e falou: “Olha, você é uma artista”. Pensei assim: “Hum, meu
Flores
Quando saí do ateliê, na época, ficaram muito chateados comigo, porque tinham investido uma grana, eu também estudava. Eu falei: “Olha, eu trabalho aqui, mas eu quero estudar”. E aí, eu fui embora. Fui morar num pensionato, eu não tinha mais aquelas regalias que eu tinha, ficou assim… difícil para mim. Só que, nisso, eu comecei a fazer teatro. Entrei do figurino para o teatro. Conheci uma amiga na época, quando tinha um Museu da Moda, ou melhor, o pensionato onde eu morava virou o Museu da Moda, só que, depois do Museu da Moda, também virou um puteiro, mas tudo bem. Antes no Museu da Moda, eu pintava os vestidos da S, a minha amiga, tingia, fazia um monte de coisa. Até que ela me mandou fazer
Deus do céu, e agora?”. Então, ela olhou para mim de novo e falou: “Você precisa achar o seu caminho, que o seu caminho não é aqui”.
um teste. Quando cheguei para fazer o teste, falaram: “Você me mandou uma negra”.
Ela falou: “Você vai fazer, porque precisa ganhar esse dinheiro”. Para ter ideia, uma vez me colocou de Estátua da Liberdade, me botou em um carro e falou assim: “Olha, ninguém pode saber que você é negra”. E falou para o cara: “Você vai fazer uma maquiagem nela, você vai afinar o nariz dela, e ela vai fazer a Estátua da Liberdade”, me botou lá de Estátua da Liberdade. Eu odeio aquela Estátua da Liberdade lá de Nova York. Porque eu ficava horas segurando aquele trem na mão, entendeu? Para poder ganhar aquele dinheiro.
Feijão guandu
Falam que eu conto sempre a mesma história, mas é que o tio paizinho, ele era um tio muito especial na minha vida. Um dia – ele era meu vizinho e tinha uma cama de campanha. Aí eu peguei a cama de campanha, estava
aberta, botei folhinhas de feijão guandu, uma de cada lado, e coloquei uma florzinha no meio.
Aí o meu tio falou pra minha mãe: “Maria, cuida dessa menina, que essa menina é diferente, essa menina não faz parte desse
mundo”. Aí minha mãe falou lá uma coisa que eu não vou falar pra vocês, porque eu tenho até vergonha da barbárie que minha mãe respondeu. Passados anos, o tio paizinho foi me visitar, na minha casa. O tio paizinho estava com uma camiseta branca, um casaco de tricô vermelho, uma calça jeans, me lembro até hoje da calça jeans dele, que era azul, um azul bem azul, um sapato preto, e aí quando o tio paizinho entrou em casa, o tio paizinho virou e falou assim: “Agora eu entendi quem era aquela menina, aquela menina era uma artista, e eu não sabia”. Eu falei: “Nossa, tio paizinho, que história é essa?”. Aí ele me contou de quando eu fiz a cama de campanha pra ele, com aquelas folhas de feijão guandu, ele disse que ficou intrigado.
Ele falou que era muita folha de feijão guandu, e como é que eu tive paciência de colocar uma do ladinho da outra, assim, eu passei o dia fazendo, e no final, uma florzinha amarela no meio. Era só o que eu queria fazer. Acho que a partir daquele momento, naquela lembrança, que eu lembro de ter feito a cama de campanha dele, eu já era artista, e nem eu sabia. Nem eu sabia que eu era artista, e, assim, eu sou 100% artista, eu ando pensando no que eu vou fazer, eu como pensando no que eu vou fazer, eu sonho pensando no que eu vou fazer, é o tempo todo que eu estou fazendo.
Então, assim, eu agora estou fazendo gravura, mas aí eu vou e faço um crochê, aí eu vou e faço cupinzeiro, do cupinzeiro eu quero fazer outra coisa, eu vou assim, andando que nem lançadeira, sabe? Quando criança, eu já cuidava de criança. Eu cuidei dos meus dois irmãos, da Beth e do Marcio. O meu pai trouxe o meu irmão morto para dar banho, eu quero fazer essa obra, como eu já falei, de bronze, o meu irmão morto para eu dar banho.
E então, no meio dessa trajetória toda, eu tive uma filha aos treze anos de idade. Hoje eu tenho uma filha de quarenta anos, claro que foi difícil, mas assim, a minha filha, ela mamou na teta da Marineuza, na minha teta e na teta da Dona Norata. A bicha teve três tetas, total de seis tetas. E aí, o que eu poderia falar? Também é uma coisa que é a continuação, entendeu? É como se fosse a continuação. Eu não tive infância. E até hoje eu sou mãe, eu sou mãe de gente adulta. Entendeu? Tem gente com mais de setenta anos que vem me pedir conselho. E, às vezes, eu falo: “Escuta, eu não estou para ser mãe não, agora não”. Acho que está tudo inserido dentro do meu trabalho. É por isso desse crochê, dessa trama, desse nó, dessa história, das pessoas que vêm e me contam uma história.
A Mara Borba,1 eu a conheci em 1992 ou 1993, uma coisa assim. Ela e o Ismael Ivo, sabe? Que maravilhoso, aquele Ismael Ivo,2 aquela escultura. Eu fui para Santa
Catarina, e fui fazer umas performances. Estava vestida num casaco do Raul Cortez, aí eu fiz uma obra, que era um… eu fiz essa obra, [mostra a obra], eu estava com o casaco e essa obra no mar. Tenho até as fotos. Eu estava no mar e conforme vinha a onda do mar, jogava o casaco, o casaco se mexia, e eu lá dançando, fazendo as minhas performances. Quando acabou, porque eu estava cansada, encontrei a Mara Borba. Eu falei assim: “Nossa, a Mara Borba?” Então ela olhou e disse assim: “Lidia Lisbôa, eu não acredito que é você. Não acredito que é você”. Isso no mar, assim, lá em Florianópolis, perto da praia do Moçambique. Eu falei: “Mara, nem eu acredito que estou te vendo”.
Ela disse para mim: “Você está fazendo tudo o que eu gostaria de fazer”. Aí eu respondi: “Mas eu não sou dançarina, dançarina é você. Então, para de dizer que as coisas não acontecem, a coisa acontece quando você menos espera. É só você estar aberta. Quando você está aberta, a coisa, ela vem. Entendeu?”. Você quer viajar? Eu não tenho dinheiro para viajar. Imagina que eu vou conseguir viajar. Entendeu? Não, você já pediu, a sua viagem vai chegar. Entendeu? Então é isso, a dança, a dança vai chegar.
1 Diretora, coreógrafa, compositora e intérprete, Mara Borba nasceu em Leme (SP), em 1951. Formada em desenho e artes plásticas pela FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), estudou dança e expressão corporal dentro e fora do país e escolheu a dança como profissão.
2 Dançarino, coreógrafo, diretor e curador, Ismael Ivo nasceu em São Paulo (SP), em 1955, e faleceu em 2021 na mesma cidade. Foi o primeiro diretor negro a assumir a direção do Balé da Cidade, após longo período de projeção artística internacional. Colaborou de 2005 a 2012 com a Bienal de Veneza como diretor de dança, e comandou a companhia de dança do Teatro Nacional Alemão, em Weimar.
Impactos, adaptações e resiliência no Caribe em meio às mudanças climáticas:
Uma narrativa sobre o equilíbrio, a harmonia e a resiliência no sistema Terra
Michelle Mycoo
Palestra realizada durante a Invocação #2 em 6 de dezembro de 2024.
O planeta Terra é uma manifestação viva da natureza em harmonia e equilíbrio. As subidas e descidas diárias das marés representam um ritmo perfeito, assim como a dança ritualística entre a alvorada e o anoitecer, quando o Sol se despede e dá as boas-vindas à Lua. Tais ciclos são expressões dos opostos que se equilibram, mantendo o cosmo na mais perfeita ordem, uma aula magna sobre contraste e harmonia, sobre a beleza na dualidade e o equilíbrio perfeito dessa realidade celestial. A humanidade, parte integral da natureza, tem vivido em um único planeta – a Terra – por milhares de anos, mas seu futuro dependerá do nosso respeito à natureza e de como utilizamos nossos recursos naturais. Embora o consumo dos recursos naturais tenha sido disruptivo ao longo da história, hoje testemunhamos mudanças sem precedentes na temperatura, precipitações, secas, enchentes e na frequência de eventos extremos, como os ciclones tropicais. A mudança climática – uma das maiores ameaças à sobrevivência da espécie humana – é um tema que cresce na cabeça das pessoas e dos governos ao redor do mundo, à medida em que nos confrontamos com rupturas inéditas em nossas economias, ecossistemas e culturas. A crise climática não tem fronteiras planetárias.
Impactos da mudança climática e vulnerabilidades
Graças à sua característica geográfica especial, as ilhas caribenhas estão entre as nações desproporcionalmente em risco em razão da mudança climática. Apesar de sua baixa pegada de carbono, responsável por menos de 1% das emissões globais dos gases do efeito estufa, esse é um território que enfrenta uma verdadeira ameaça existencial, sobretudo se a temperatura global subir além de 1,5 grau Celsius acima das médias pré-industriais. “1,5ºC para continuarmos vivos”, esse foi o slogan adotado pelos governos das pequenas ilhas, em conformidade com o Acordo de Paris (aprovado por 195 países, em 2015), que tinha como objetivo reunir esforços para limitar o aumento da temperatura global a até 1,5 ºC, mantendo-a em valores menores que 2,0 ºC acima dos níveis registrados na época pré-industrial. Definiu-se o limite de 1,5 ºC, considerando as fortes evidências de que, caso o mundo se aproximasse dos 2,0 ºC, os impactos poderiam ser muito mais extremos, e algumas mudanças poderiam se tornar irreversíveis.
O Caribe já está experimentando vários impactos da mudança climática, como o aumento das temperaturas, estresse térmico, aumento do nível do mar, enchentes, secas, tempestades e furações.1 O derretimento
acelerado das geleiras aumentará o nível do mar nos litorais das ilhas, inundando ecossistemas, alagando áreas urbanas e causando a intrusão de água salgada nos recursos de água doce presentes nos rios e aquíferos. O impacto da alteração do nível do mar nas comunidades e na infraestrutura de pequenas ilhas é proporcionalmente superior se comparado a territórios maiores, em parte devido às linhas costeiras mais extensas por unidade de área terrestre.2 O aquecimento dos oceanos em todo o mundo ameaça a sobrevivência de ecossistemas sensíveis, como recifes de corais, que podem morrer e se tornar menos aptos a proteger os litorais das tempestades.
A agricultura, a pesca e o turismo, pilares da economia caribenha, serão afetados pela perda dos serviços ecossistêmicos oferecidos pela natureza. Economias podem colapsar, elevando as dívidas das ilhas do Caribe e fomentando a pobreza. Além disso, culturas indígenas e tradicionais, bem como prédios históricos e sítios arqueológicos listados como Patrimônio Cultural da Unesco estão ameaçados se os impactos da mudança climática não forem contidos. Estudos recentes mostram que a saúde física tem se tornado uma preocupação crescente no Caribe, uma vez que as temperaturas
elevadas aumentam a incidência de doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue. 3 Foi possível encontrar associações significativas entre desastres climáticos e a saúde das populações, bem como um aumento importante dos sintomas relacionados à saúde mental após o furacão Dorian, sobretudo depressão severa, transtorno de ansiedade generalizada ou transtorno do estresse pós-traumático em adultos, crianças e profissionais da saúde, alguns dos quais
persistiram por pelo menos seis meses após a passagem do furacão. Quando o equilíbrio e a harmonia da natureza são perturbados por mudanças na temperatura terrestre, há uma reação em cadeia nos ecossistemas, impactando negativamente a economia e as pessoas. Os sistemas naturais e humanos formam um tecido único e complexo, com seus fios entrelaçados.
Urbanização, zona costeira e mudanças climáticas
Nos Pequenos Estados Insulares em
Desenvolvimento do Caribe, muitas das nossas capitais da época colonial estão localizadas na Zona
Costeira de Baixa Elevação (L ECZ , na sigla em inglês), que são áreas que se encontram a menos de dez metros acima do nível do mar e hidrograficamente conectadas ao mar. No Caribe, cerca de 22 milhões de pessoas vivem em áreas com menos de seis metros de altura.4 Em média, 84% da população da região vive nos 25 quilômetros da costa, e 33% mora em zonas costeiras de baixa elevação. Uma alta concentração de pessoas, ativos e infraestrutura da LECZ está exposta ao risco de inundações. Com base nas projeções do aumento do nível do mar (SLR, na sigla em inglês),
quase todas as instalações portuárias do Caribe serão inundadas no futuro. 5
Eventos de ciclones tropicais (CT), associados ao aquecimento dos oceanos em decorrência das mudanças climáticas, estão se tornando cada vez mais intensos. A quantidade de furacões de categoria 5, como Maria e Beryl, aumentou no Caribe, destruindo infraestruturas e construções urbanas. O CT Maria, ocorrido em 2017, destruiu quase toda a infraestrutura de Dominica, com perdas por unidade de PIB [Produto Interno Bruto] somadas em mais de 225% do PIB anual.6 Em Porto Rico, o CT Maria resultou mais mortes a cada 100 mil habitantes entre as pessoas que moram em regiões com o menor desenvolvimento socioeconômico.7 Estima-se
que os danos causados por tempestades tropicais no Caribe, de 2000 a 2020, somaram 181,3 bilhões de dólares.8 As fortes precipitações, associadas a eventos extremos e temporais, causaram graves enchentes em muitas áreas urbanas, principalmente naquelas com ausência de infraestrutura de
escoamento adequada, áreas que também contaram com a perda de ecossistemas litorâneos naturais como os pântanos, que funcionam como barreiras contra enchentes e erosão. O custo dos danos causados por enchentes no Caribe, entre os anos de 2000 e 2020, é estimado em 141 bilhões de dólares.9
Adaptação nas ilhas caribenhas
A adaptação no Caribe assume a forma de proteção, acomodação e abandono. É preciso fazer uma análise mais minuciosa das estratégias de adaptação para compreender melhor quais são relevantes para o contexto caribenho e quais são os limites dessa realização.
No contexto do planejamento urbano, algumas dessas medidas incluem ações de engenharia, adaptação baseada em ecossistemas, padrões de zoneamento, melhoria nas diretrizes para edificações e melhores aperfeiçoamentos, a adoção da forma urbana compacta em vez do espalhamento urbano e menos dependência de automóveis, visando a aumentar a urbanização de baixo carbono.
Projetar em áreas urbanas considerando a natureza pode ajudar as populações a lidar com os impactos das mudanças climáticas. As infraestruturas azuis e verdes desempenham um papel fundamental no planejamento urbano. Espaços urbanos
verdes e abertos são os tesouros escondidos das cidades, pois funcionam como pulmões e podem ajudar a sequestrar o carbono do ar. Tais locais incluem orlas, rios e outras áreas costeiras, como os pântanos que circundam as cidades caribenhas. O paisagismo urbano cercado de faixas azuis e verdes, com cinturões de árvores e parques, também pode auxiliar na redução do estresse térmico e das inundações.
A arquitetura vernacular do Caribe foi projetada para lidar com o calor tropical. As populações indígenas compreenderam a importância de erguer construções de teto alto, a fim de manter as casas frescas. O conhecimento tradicional foi fundamental para a criação de telhados de quatro águas que resistam aos ventos relacionados aos furacões. Esses projetos podem ser incorporados a casas e outras construções para mitigar os efeitos do calor extremo.
Medidas protetivas
No Caribe, medidas de proteção são adotadas para manter ou inserir novas defesas de absorção da energia das ondas e minimização da erosão costeira e inundações. Em Barbados, por exemplo, tem-se utilizado a engenharia costeira para proteger a Costa Sudoeste e a Costa Oeste, altamente desenvolvidas, nas quais a erosão é um fato comum. Os quebra-mares construídos em Georgetown, na Guiana, estão sendo usados para lidar com inundações litorâneas e com o aumento do nível do mar. A engenharia pesada, porém, tem algumas desvantagens. Os quebra-mares, por exemplo, são caros de construir e de manter. Além disso, embora a engenharia
costeira possa minimizar a erosão em algumas áreas litorâneas, também pode restringir a chegada de sedimentos a outras regiões, interferindo no equilíbrio da costa. Ademais, como os quebra-mares são defesas imóveis, podem interferir em processos naturais como a migração de habitats, induzidos naturalmente pelas mudanças no nível do mar. Eles também podem resultar no estreitamento da costa, um processo que reduz as áreas de habitats entremarés, como praias de areia, confinando-as entre o mar, cujo nível está aumentando, e defesas pesadas e imóveis.
Adaptação baseada em ecossistemas
Tradicionalmente, as atividades de adaptação que se baseiam em ecossistemas, que são realizadas sobretudo em escalas nacional e regional, têm focado predominantemente na restauração ou na conservação de ecossistemas litorâneos e marinhos (por exemplo, recifes de corais, florestas de mangais e prados de ervas marinhas), enfatizando menos os serviços oferecidos pelas florestas naturais do continente.10 No entanto, a inclusão das florestas tem crescido, integradas,
na maioria dos casos, como parte de projetos Ridge to Reef [Serras aos corais], visando ao gerenciamento integrado de bacias hidrográficas, a fim de garantir a segurança da água a jusante, controlar a erosão e, como consequência, proteger a saúde dos ecossistemas de recifes de corais.11 O uso do replantio de mangais também tem aumentado para defender os litorais caribenhos e reduzir os poluentes gerados na terra, que causam impacto na saúde dos recifes de corais. Desde os anos
1990, recifes artificiais têm sido utilizados em pequenas ilhas para auxiliar na recuperação dos recifes e reduzir a erosão nas praias (medida adotada na República Dominicana, em Antígua, Grande Caimão e Granada). Eles mostraram-se exitosos na redução dos impactos destrutivos provocados por eventos extremos, a depender de suas características técnicas e do contexto local.
Abordagens de adaptação baseadas em ecossistemas podem trazer benefícios, mas também encontram muitos desafios e
limitações. Restrições biofísicas podem tornar ineficazes algumas dessas soluções que se baseiam em ecossistemas e na natureza. Por exemplo, é improvável que os recifes de corais suportem temperaturas elevadas, o que, em cenários com temperaturas mais altas, reduz a eficácia das opções que se apoiam nesses ambientes.12 De modo semelhante, vários outros ecossistemas litorâneos e marinhos, como os mangais, enfrentam graves limitações com o aumento do nível do mar e outros impactos climáticos.13
Abandono, deslocamento e reassentamento
A maioria das comunidades prefere opções de adaptação in situ ao invés de um deslocamento. Por outro lado, os reassentamentos – tanto planejados quanto autônomos – são a última alternativa adaptativa devido aos seus altos custos econômicos e socioculturais.14 O reassentamento de moradias, comunidades e maiores populações insulares está
sendo cada vez mais debatido no contexto de perdas e danos, quando se acredita que todos os limites de adaptações in situ tenham sido alcançados. A baixa quantidade de dados e pesquisas acerca dos limites da adaptação e das adaptações transformativas indica que, atualmente, a aplicação de políticas públicas também é limitada.15
O financiamento da adaptação
As ilhas caribenhas afetadas por eventos extremos, como furacões e enchentes, levantaram suas vozes nas reuniões da COP para buscar financiamentos de adaptação para compensar perdas e danos e apoiar a recuperação. Depois desses desastres, foi preciso desviar fundos do investimento para a recuperação pós-desastre. A COP 29 foi uma grande decepção para os Pequenos Estados
Insulares em Desenvolvimento, pois muitos deles afirmaram que a promessa de 100 bilhões de dólares do Norte para o Sul Global para adaptação expira em 2025, e tal promessa de financiamento demorou doze anos para finalmente ser cumprida. Ademais, não há garantias de que os valores chegarão aos países mais vulneráveis. Além disso, houve um impasse de duas semanas até que o acordo financeiro para o clima fosse realizado. A conferência de Baku concordou que, até 2035, será necessária a quantia irrisória de 1,3 trilhão de dólares (o valor real provavelmente deve ser de 2 trilhões de dólares ou mais). O contraste é grande quando comparado à estimativa de 5 a 7 trilhões de dólares que os governos mundiais gastam todos os anos em subsídios
Conclusão
As principais prioridades da região caribenha incluem esforços multidisciplinares para inovar com soluções relevantes, melhorar o envolvimento dos acionistas e aumentar o acesso a financiamentos para a adaptação climática. “A ciência é nosso instrumento mais poderoso para lidar com as mudanças climáticas, uma ameaça clara e iminente ao nosso bem-estar, à nossa
para combustíveis fósseis. Líderes do Caribe, como Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, têm pressionado para transformar o sistema financeiro global responsável pelo financiamento climático. A primeira-ministra Mottley tem sido uma profunda defensora do cancelamento da dívida de países que estão na linha de frente das mudanças climáticas, como as nações insulares. As altas dívidas têm forçado muitos países vulneráveis a gastar mais em quitações do que na preparação para os impactos climáticos ou no fornecimento de serviços sociais básicos. A crise climática que enfrentamos hoje requer uma ação climática mais decisiva e o acesso a um financiamento para o processo de adaptação.
subsistência, à saúde do nosso planeta e de todas as suas espécies” (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC). A arte é um meio fundamental de comunicação do conhecimento científico a comunidades e a tomadores de decisão. As artes escritas, visuais e performáticas têm o poder de despertar a consciência e incitar à ação.
1 M. Mycoo et al., “Small Islands”, in H.-O. Pörtner et al. (orgs.), Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge e Nova York: Cambridge University Press, 2022, pp.2043-2121.
2 P. Nunn e R. Kumar, “Understanding Climate-human Interactions in Small Island Developing States (SIDS)”. International Journal of Climate Change and Strategic Management, v.10, n.2, pp.245-271, 2018.
3 N. Rise, C. Oura e J. Drewry, “Climate Change and Health in the Caribbean: A Review Highlighting Research Gaps and Priorities”. The Journal of Climate Change and Health, v.8, 2022.
4 A. Cashman e M. Nagdee, “Impacts of Climate Change on Settlements and Infrastructure in the Coastal and Marine Environments of Caribbean Small Island Developing States (SIDS)”, in Caribb. Mar. Clim. Chang. Rep. Card: Sci. Rev., pp.155-173, 2017.
5 Ibid.
6 D. Eckstein, M. Hutfils e M. Winges, Who Suffers Most from Extreme Weather Events? Weather-related Loss Events in 2017 and 1998 to 2017. Alemanha: Germanwatch, 2018.
7 C. Santos-Burgoa et al., “Differential and Persistent Risk of Excess Mortality from Hurricane Maria in Puerto Rico: A Time-Series Analysis”. Lancet Planet Health, v.2, n.11, pp.e478-e488, 2018.
8 Central Bank of Barbados, “The Cost of Climate Change for Caribbean Economies”. CBB, 2024. Disponível em: www.centralbank.org.bb/news/ press-releases/the-cost-of-climate-change-for-caribbean-economies Acesso em: 2025.
9 Ibid.
10 J. Mercer et al., “Ecosystem-Based Adaptation to Climate Change in Caribbean Small Island Developing States: Integrating Local and External Knowledge”. Sustainability, v.4, n.8, p.1908-1932, 2012.
11 J. Förster et al., “Climate Change Impacts on Small Island States: Ecosystem Services Risks and Opportunities”, in M. Schroter et al. (orgs.), Atlas of Ecosystem Services. Cham: Springer Cham, pp.353-359, 2019.
12 J. Barkdull e P. G. Harris, “Emerging Responses to Global Climate Change: Ecosystem-based Adaptation”, Global Change Peace Security, n.31, v.1, pp.19-37, 2018.
13 R. Morris, “From Grey to Green: Efficacy of Eco-Engineering Solutions for Nature-Based Coastal Defence”. Global Change Biology, v.24, n.5, pp.1827-1842, 2018; A. Thomas et al., “Global Evidence of Constraints and Limits to Human Adaptation”. Regional Environmental Change, v.21, n.3, 2021.
14 K. McNamara e D. Combes, “Planning for Community Relocations Due to Climate Change in Fiji”. Int. J. Disaster Risk Sci., v.6, n.3, pp.315-319, 2015; R. N. Crichton, M. Esteban e M. Onuki, “Understanding the Preferences of Rural Communities for Adaptation to 21st-century Sea-level Rise: A Case Study from the Samoan Islands”. Climate Risk Management, v.30, 2020.
15 A. Thomas e L. Benjamin, “Policies and Mechanisms to Address Climate-induced Migration and Displacement in Pacific and Caribbean Small Island Developing States”. Int. J. Clim. Chang. Strateg. Manag., v.10, n.1, pp. T86-104, 2018.
O blip e o pi tak : Verbos da humanidade do improvável
Étienne Jean-Baptiste
Palestra realizada durante a Invocação #2 em 7 de dezembro de 2024.
Introdução: blip e pi tak, a sintaxe de uma humanidade reinventada
As onomatopeias blip e pi tak não se limitam a expressões sonoras; elas incorporam verbos fundamentais de uma gramática simbólica nascida das fraturas do Novo Mundo. Esses sons, ao mesmo tempo espontâneos e coletivos, refletem uma transformação antropológica única nas Américas coloniais. Oriundos de práticas como o bèlè martiniquais, eles traduzem uma forma singular de reconfigurar a humanidade diante da violência histórica.
Blip e pi tak : verbos simbólicos e narrativas sonoras
Por sua brevidade incisiva, blip simboliza a instantaneidade e a capacidade de surgimento. No círculo do bèlè, ele marca momentos decisivos de transição, traduzindo tanto uma decisão individual como um questionamento coletivo. Por outro lado, pi tak, carrega uma ressonância mais profunda e contínua. Ele reflete a importância dos laços sociais e dos ritmos partilhados, que constituem o cerne da identidade caribenha. Essas expressões não são simplesmente resíduos culturais. Elas “reinterpretam as condições da escravidão, não como subordinação, mas como um espaço para a invenção do humano”.1
Elas trazem a superação do “barulho” na humanidade. Os cronistas europeus estão na origem do fato de essas expressões se reduzirem ao barulho: “Aquele que toca o tambor grande, bate com moderação e pausadamente; mas quem toca o baboula bate o mais rápido que pode, e sem quase manter qualquer compasso, e como o som que emite é muito menor do que o do tambor grande, e muito agudo, serve apenas para fazer barulho, sem marcar a cadência da dança, nem os movimentos dos dançarinos”. 2 Na verdade, é uma forma de transcrição e escrita oral chamada onomatopeia que utilizamos na zona afro-caribenha para transcrever e decifrar ideogramas musicais.
Uma ilustração no círculo do bèlè
Em uma noite bèlè, os sons blip e pi tak encontram sua materialidade por meio de gestos e interações em que cada participante contribui para uma narrativa coletiva de manifestos sociais.
1. O caos do Novo Mundo: a matriz da reinvenção
Uma explosão antropológica
O bèlè: um sistema sócio-músico-coregográfico exige uma “gramática social alternativa”.3 Nascido num contexto de servidão e plantation, sob uma forma que pode ser descrita como proto-bèlè sob o vocábulo de Calenda, permitiu que as comunidades expressassem sua identidade coletiva e resistissem ao apagamento cultural.
2. Blip e pi tak : onomatopeias estruturantes
2.1 Blip: o surgimento
Blip é uma fulgurância, um fragmento sonoro que marca um momento decisivo na interação entre bailarino, músico e público. Ele reflete “a expressão imediata do momento presente no círculo do bèlè”.4 Esse som pontua as transições ou improvisações dos bailarinos, oferecendo um espaço para o surgimento do imprevisível.
Uma narração sonora instantânea
O blip representa a improvisação incorporada. Léna Blou acrescenta que “esse som brota como uma interpelação, uma fulgurância que perturba as dinâmicas do círculo, para melhor reorganizá-los numa nova ordem espontânea”. 5
2.2 Pi tak : a continuidade relacional
Pi tak, em contraste com a brevidade do blip, é um som mais prolongado, que evoca a ressonância e a continuidade coletiva. Ele traduz a importância dos laços sociais e da harmonia no círculo do bèlè. Jean-Baptiste o descreve como “um lembrete constante do papel da comunidade na reinvenção cultural”.6
3. Uma linguagem de reabilitação como espaço simbólico de unidade
O tambor, os cantos e as danças unem-se para apagar as fronteiras artificiais impostas pela racialização. Esses elementos incorporam uma linguagem coletiva em que cada participante, independentemente da sua origem, contribui para uma memória universal e partilhada. Os sete princípios estruturantes emergem desse espaço de unidade improvável. Chantè, Répondè, Bwatè, Tanbou, Dansè, lawonn e Kadans constituem os pilares essenciais das práticas do bèlè, oferecendo uma estrutura coerente e dinâmica a essa forma artística e social: Matrice bèlè.
→ O Chantè ou a execução de uma série de temas que qualificam a prática.
→ O Répondè ou enunciação dos temas emitidos pelo chantè.
→ O Bwatè (Boula, foulé) ou jogo de apoio em ostinato para determinar o gênero.
→ O Tanbou (Makè, Koupé) ou jogo formal de estruturação musical singularizando o gênero.
→ O Dansè ou ação ou movimento corporal induzido pelo gênero.
→ O lawonn ou repartição interativa da dança dentro da assembleia para torná-la eficaz.
→ O Kadans, Repriz, ou produção de energia que caracterize a prática musical.
Damié, Fouytè e bèlè: a verbalização de uma nova humanidade
As diferentes formas do bèlè, sobretudo o Damié, o Fouytè, e o próprio bèlè representam os pilares de uma humanidade reinventada. Cada uma dessas danças traz uma gramática única a essa reafirmação.
O Damié: a adaptabilidade da identidade fugaz
O Damié, por seu caráter improvisado e aleatório, reflete a fluidez e a adaptabilidade das identidades caribenhas. “Essa dança ilustra a forma como as comunidades caribenhas navegam entre tradição e inovação, entre patrimônio e transformação.” 7
O Damié, uma dança-chave de luta do repertório bèlè, incorpora a capacidade das identidades caribenhas de navegar entre a
constância da herança e a necessidade de inovação. Sua estrutura rítmica e sua coreografia, embora codificadas, são a improvisação e a interpretação individual. Essa flexibilidade reflete uma característica essencial das sociedades caribenhas: sua capacidade de adaptação a contextos em constante mudança.
Fluidez fragmentada em fractal
O Damié ilustra essa “identidade fugaz” própria das culturas crioulas. “Essa dança é uma metáfora do percurso identitário, onde tradição e modernidade coexistem na mesma dinâmica.”8 Essa capacidade de integrar novos elementos, respeitando os códigos ancestrais, reflete uma adaptabilidade que está no centro das práticas culturais da Martinica. O Damié constitui uma forma de DNA do pensamento musical bèlè ou mesmo martiniquense. Ele preside as declinações das formas.
O Damié é sustentado por um polirritmo característico. Os tambores ditam uma estrutura rítmica de base improvável, dançarinos e músicos improvisam constantemente em torno dessa trama. Isso permite uma reinvenção constante, onde cada performance se torna única.
Uma partitura típica do Damié
As partituras do tambor tanbou bèlè, utilizadas para o Damié, mostram uma fórmula melorrítmica advinda do Takpitakpitak ou cinquillo reduzido aos 1º, 3º e 5º sons dessa fórmula sobreposta fora de sintonia em três níveis. O Bwatè e o Tanbu são de fato confusos, ambíguos: Qual dessas três sobreposições constituem o Tanbu ou o Bwatè, embora sejam constituídas pela mesma fórmula? Essa imbigidez define o Damié. Pelo jogo de ruptura/ adaptação traduzido pelo rèpriz, se determina o Tanbu aleatório.
Um trecho de uma partitura típica do Damié ilustra essa estrutura. De uma forma mais elaborada e sutil, o gênero Damié é definido a partir do nível de sobreposição irregular do mesmo material musical: 1, 3, 5 do cinquillo sobreposto a três níveis dessintonizados de Tak e de Pi. É o 1/3/5 do ti bwa, uma referência cultural ancorada nas representações musicais dos martiniquenses. O 50 toque da mão esquerda do cinquillo não é tocado, pois é síncrono e redundante com o 10 toque da mão direita. 9 O Damié seria, portanto, a superposição irregular da unidade de referência
Ti bwa 1/3/5 mão direita
(As teclas 1, 3 e 5 do cinquillo)
Deslocado de tak ou Ti bwa 1/3/5 mão esquerda
Aqui o 5 está subentendido porque é síncrono com o 1 da mão direita Ti bwa cinquillo 1
Deslocado de pi
ou Ti bwa 1/3/5 do tambor
Décalé Cinquillo Damié
Ciclo de referência (5) 1
Deslocamento de tak Tambou Damié 1
Deslocamento de pi
A Fouytè socialité da entreajuda, uma rèpriz do Caos do mundo
O Fouytè, “dança” do labor, é emblemático do repertório bèlè como formulação simbólica do advento das sociedades de entreajuda pós-escravatura. Essa dança se caracteriza por sua estruturação medida, sua precisão e intensidade. Por meio de seus movimentos e de sua dinâmica coletiva, ela reflete a capacidade das comunidades de reconstruir sólidos laços sociais em um contexto marcado pela ruptura e pelo caos histórico. É importante observar que “essa dança codificada reflete um esforço coletivo para recriar os laços sociais e reinventar as estruturas organizativas”.10
A Fouytè
Um exemplo da Fouytè:
CD Casérus Emile 1970
com Félix Casérus no tambor
Rep inicial
Reconstrução e harmonia social: uma coreografia
de interdependência
A “dança” do Fouytè encena uma coreografia em que os gestos dos lavradores ou dos “trabalhadores dançarinos” fazem parte de uma dinâmica linear. O Fouytè ilustra uma performance de coesão social, valores humanos como a solidariedade, a entreajuda: toda a comunidade camponesa no alinhamento dos lavradores, e a cadência do trabalho é colocada numa ordem social através das assembleias de músicos de entreajuda. O Dansè formaliza e perpetua a cultura técnica e a organização do trabalho, as técnicas laborais e culturais “ecológicas”, o Grajé mannyok no setor agroalimentar em torno dos processamentos da farinha de mandioca, do tratamento dos grãos de cacau, a técnica de fabricação de cabanas em paredes de argamassa de barro, mais recentemente a habitação de concreto, com elementos heteróclitos dos bairros “populares” das capitais.
Uma estética de superação
O Fouytè também incorpora uma estética da superação, na qual os corpos alinhados em movimento se tornam símbolos de resistência e reinvenção. Cada gesto, cada batida de tambor traduz a capacidade das comunidades de transformar o caos em harmonia: viver juntos em uma comunidade de destino. Blou formula isso da seguinte maneira no Fouytè: “A energia corporal é uma resposta direta às incertezas do mundo, uma forma de reescrever a ordem na desordem”.11
O bèlè: uma gramática viva da polifonia das expressões
O bèlè é uma forma artística em que cada participante – bailarino, tocador, cantor e espectador – contribui para uma polifonia de expressões. Essa polifonia reflete a diversidade e a interligação dos papéis na sociedade martiniquense. Cada elemento da performance, seja o ritmo do tambor, a melodia vocal ou os movimentos do dançarino, é integrado em uma harmonia coletiva. De fato, bèlè é um termo polissêmico, em primeiro lugar, genérico, significa todo o repertório bèlè com mais de uma dezena de gêneros músico-coreográficos diferentes: o bèlè. Em segundo, designa um gênero específico, um tipo de peça denominada bèlè. Finalmente, é um qualificador para designar qualquer elemento que tenha a ver com o bèlè: a noite bèlè (o espaço performativo), o Kay bèlè (o lugar específico para realizar a noite bèlè), os jan ou lawonn bèlè (a comunidade bèlè), o tanbou bèlè (o instrumento específico para tocar o bèlè).
Conclusão: uma humanidade improvável, mas transformadora
Os verbos primordiais da transformação
Os verbos primordiais blip e pi tak conjugam a inversão dos termos das relações sociais por uma codificação musicocoreográfica simbólica.
Uma humanidade reinventada
Lembrança da definição de bigidi
“A teoria do bigidi ou teoria da harmonia do caos, nascida da práxis, é formulada, em sua tradução axiomática, como um princípio geral de ruptura/adaptação/fluidez, de um fenômeno ou de uma realidade. Aqui, a ruptura gera uma instabilidade cuja gestão deve fazer parte de uma fluidez entendida como circularidade. Essa circularidade é concebida como uma integração do desequilíbrio, como uma lei ou fundamento da adaptação.” 12
A execução de um gênero do repertório bèlè, por exemplo, o Bélia, é expressa por um micro bigidi expresso pelo toque do tambor bèlè e pela homologia gestual do dançarino.
O princípio da inversão ou o tjou pou tèt, o inconcebível, que é concebido em ruptura/adaptação/fluidez.
O anbigité do Damié já referido não é estranho a essa mudança do cinquillo gwoka, que transforma a humanidade de Guadalupe em uma harmonia de oscilações.
Tal como as famílias de bèlè pela operação do grande (ti), a extensão ao gwoka demonstra os arranjos de pi tak para encontrar um equilíbrio através dos sete ritmos do gwoka.
Damié
A harmonia do Tjou pou tèt Fouytè / bèlè
A revolução pelo verbo vem Blipter o mundo pelo pi tak, para conjugar o dom contredon na inversão com o roubo do trabalho servil. Procedemos, assim, à inversão do termo “trabalho”: o que foi roubado pelo credo da desumanidade é trocado em um círculo de reciprocidade por objeto de partilha para restabelecer a humanidade.
A diferenciação do bèlè, uma dança de quadrilha em relação ao Fouytè, uma música de labor nasce das sobreposições simétricas inversas do ti bwa bèlè e do Yonn a lot do tambor.
De acordo com a posição em relação ao ti bwa em uma simetria oposta, torna-se:
Bèlè no início do ciclo
Fouytè no meio do ciclo
Unidades de referência
Bwatè / Tanbou: bèlè / Fouytè
O que é uma falha em bèlè, ou seja, tocar o ritmo ao contrário, é correto e válido em Fouytè e podemos aplicar esse raciocínio no sentido inverso, a partir do Fouytè.
Essa inversão estabelece a ligação entre os trabalhos com a terra e as danças de celebração, mas geralmente concilia a subsistência e o bem-estar. Ela corresponde a uma simetria de transformações a partir do bèlè e do Fouytè, que servem de base para a multiplicação de combinações por grupos de transformações:
Bèlè □ Dança □ Energia □ Celebração □ Bèle lè □ Bélya Fouytè □ Labor □ Alimento □ Trabalho □ Posição □ Sociedade (estabelecer-se)
Na verdade, no bèlè de Santa Maria, a inversão musical passa a se exprimir por meio da entreajuda, que ele fixa com a Fouytè, a relação entre a subsistência e o regozijo, o bèlè. Essas duas práticas musicais formalizam artisticamente um objetivo: estabelecer quem se identifica através de um bèlè. 13 Blip e pi tak não são apenas sons. Eles incorporam uma revolução cultural e filosófica, na qual a desordem se torna uma fonte de criação. Ao reformular a humanidade no caos, tal como proposto por Blou, esses sons demonstram que o improvável pode gerar uma coerência profunda e uma humanidade universal.14
O verbo blip ordena a formulação da deflagração caótica, e o verbo pi tak controla a imprevisibilidade do que acontece.
1 Gabriel Entiope, Nègres, danse et résistance la Caraïbe du XVIIe au XIXe siècle. Paris: L’Harmattan, 1996, p.52.
2 Jean-Baptiste Labat, Nouveau voyage aux isles de l’Amérique. Tome 2/, Contenant l’histoire naturelle de ces pays, l’origine, les moeurs, la religion & le Gouvernenment des Habitiants anciens & modernes. La Haye: 1724, p.52.
3 Étienne Jean-Baptiste, Les musiques de Martinique: une référence à un mode social alternatif. Fort-de-France: Mizik Label, 2008, p.6.
4 Ibid.
5 Léna Blou, Le Bigidi, la danse de l’harmonie du désordre: immanence sociale du corps dansant des Antilles et de la Guyane. Tese de Doutorado. Guadalupe: Antropologia da Dança, Université Antilles-Guyane, 2021, p.28.
6 Étienne Jean-Baptiste, 2008, op. cit., pp.9-10.
7 Ibid., p.18.
8 Ibid.
9 Vale lembrar que o ti bwa pode ser tocado com as duas mãos.
10 Ibid., p.15.
11 Léna Blou, 2021, op. cit., p.30.
12 Ibid., p.556.
13 Uma bela posição.
14 Léna Blou, 2021, op. cit., pp.35-36.
O sonho de Heitor
Bruno Pinheiro
No dia 13 de maio de 1938, o jornalista Carlos Cavalcanti publicou no jornal Diário da Noite, do Rio de Janeiro, uma reportagem em que apresenta um conjunto de quatro telas produzidas pelo músico e pintor Heitor dos Prazeres (1898-1966).1 O artista já era conhecido dos jornais cariocas como compositor de canções de Carnaval gravadas ao longo da última década e como músico de bandas de diferentes gêneros musicais. Contudo, quando a matéria foi publicada, Prazeres havia diminuído sua presença em reportagens sobre o mundo da música e tinha tornado a pintura um hábito cotidiano. Essa mudança radical em suas práticas artísticas respondiam à encruzilhada em que o artista passava. Sua primeira esposa, Glória dos Prazeres, havia falecido havia pouco tempo. A ansiedade política gerada pelo golpe de Estado perpetrado por Getúlio Vargas, em novembro do ano anterior, levou muitos intelectuais a buscarem empregos estáveis. Naquele momento, o artista começou a trabalhar como contínuo – considerado um cargo pouco especializado e de baixa remuneração – no Ministério da Educação e Saúde. A dissolução das organizações de militância negra pelo Estado Novo havia abafado muitas das atividades de rememoração do cinquentenário da abolição da escravidão formal no Brasil, que havia inspirado a colaboração entre Prazeres e Cavalcanti.2 Em pouco tempo, o país seria tomado por um discurso ufanista que iria se consolidar com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1939. Prazeres preparou quatro telas para essa conversa com Cavalcanti. Em seu texto, o jornalista ressalta a preocupação do pintor de contribuir para a produção de imagens que pudessem se contrapor a estereótipos negativos associados a pessoas negras que circulavam em seu tempo. Ele enfatizava, sobretudo, as imagens negativas produzidas acerca das religiões de matriz africana no Brasil, como é sugerido no longo debate entre os dois artistas sobre a tela Macumba, descrita na reportagem. Obra que Cavalcanti alinha ao mesmo tempo aos projetos políticos defendidos por Prazeres e a narrativa corrente da história da arte moderna. 3 A seguir, o jornalista descreve brevemente Jongo, em que Prazeres contrasta a cena de um homem negro que será torturado em uma fazenda do Brasil colonial a um grupo de homens e mulheres negros que festejam livremente; Arrebalde, em que o pintor retrata uma sátira romântica sobre um casal que vive nos novos subúrbios da cidade; e Sonho, em que ele produz um autorretrato imerso em um ambiente onírico.
As quatro obras apresentadas na reportagem revelam a diversidade da produção de Prazeres no início de sua carreira como pintor. Nos anos seguintes, ele passa a mostrar suas pinturas em exposições de artistas modernistas predominantemente brancos, realizadas em espaços de prestígio de todo o Brasil. Nesse contexto, uma mirada atenta à
Heitor dos Prazeres
Sonho, 1939
Guache sobre cartão, 19,5 x 27,2 cm
Coleção Almeida & Dale
Foto: Sergio Guerini
prática de autorrepresentação de Prazeres em Sonho nos permite revelar pistas de sua prática como pintor nos primeiros anos de sua carreira, e de sua experiência social como um dos tantos homens negros que se aventuraram a produzir suas subjetividades como artistas no decorrer do século 20.
Em Sonho, Prazeres representa a si próprio em um sono profundo. Ele veste um pijama amarelo de riscas brilhantes, sob um cobertor desenhado tal qual uma ilustração estilizada da superfície do mar. Na composição, o pintor está posicionado no centro de uma perspetiva em espiral, que parece arrastar os móveis e os objetos na sua própria direção. Efeito que é produzido a partir da relação instável entre as linhas paralelas e ritmadas que formam o chão desse espaço enclausurado e as linhas diagonais que dão volume ao mobiliário. Nesse ambiente denso de objetos, o rosto sereno de uma mulher flutua como uma visão ao lado de sua cabeça. Assim como o cobertor marítimo, a posição de cada objeto na cena parece sugerir relações que oscilam entre a trivialidade da vida
cotidiana do pintor e a construção de um universo onírico e polissêmico. O chapéu sobre a cômoda e o violão na parede dão notícias de uma vida urbana e musical. Já a mão do pintor, que vai em direção ao coração, se vê espelhada no gesto feito pela figura feminina. Ao mesmo tempo, a correspondência entre os calçados saindo por debaixo da cama e seus pés escorregando pelo cobertor indica que é possível pensar em um jogo de correspondência entre os objetos da cena. Dessa forma, Prazeres provoca o observador a mergulhar nos detalhes da imagem.
Ao longo das duas décadas seguintes, Prazeres produziu alguns autorretratos. Na extensa maioria deles, a representação de si mesmo emerge como um ato de afirmação de sua individualidade, como observa Renata Bittencourt em sua análise do autorretrato O artista (1959).4 No caso dessa tela em particular, a autora chama a atenção para alguns aspectos da subjetividade de Prazeres sugeridos pelo quadro – tais como o reconhecimento da própria maturidade e a relação da sua poética com as formas visuais presentes em espaços de culto da umbanda, religião que o pintor proferia. Por outro lado, o considerável número de autorretratos em que Prazeres produz imagens de si durante a prática do seu ofício respondia também à contínua produção de uma identidade profissional como artista. O sentimento de desconfiança produzido pelas elites brasileiras no período do pós-abolição em relação aos profissionais negros tornou o autorretrato uma prática de autoafirmação profissional ao longo do século 20. É o que observa Kleber Amancio em sua análise de três autorretratos produzidos por Arthur Timóteo da Costa (1882-1922) durante as duas primeiras décadas do século 20. Nesse período, o pintor, também negro, teve acesso a espaços de formação de prestígio entre sua cidade natal, o Rio de Janeiro, e Paris. 5
Nesses casos, a autorrepresentação produz projeções de si mesmo que denotam dignidade e estabilidade presentes na cultura de respeitabilidade compartilhada entre homens negros que buscavam experiências de inserção no mundo do trabalho especializado ao longo do século 20. No caso da tela de Prazeres de 1938, sua originalidade jaz no exercício de representar projeções de si mesmo que habitam o espaço onírico do pensamento marcado pela indefinição, em que seus anseios sociais e profissionais podem colidir com suas vulnerabilidades. Prática semelhante pode ser observada décadas adiante nas pinturas, gravuras e desenhos produzidos por Sidney Amaral (1973-2017), em que seus mergulhos nos símbolos de seu inconsciente permitiram que ele produzisse uma poética embebida em projeções críticas de si.
Entre os tantos autorretratos produzidos por Amaral ao longo dos anos, a tela Enigma entre eu e tu revela questões profundas sobre
o cotidiano do ofício do pintor.6 Na imagem, ele retrata a si mesmo encarando fixamente uma figura que parece ter sido feita de peças desmontadas de um manequim. A figura, apesar de apresentar uma modelagem associada em lojas de roupa ao corpo feminino, tem um rosto que se assemelha ao do pintor. A disposição dos objetos parece contar uma história. A figura parece ter sido retirada de um baú aberto, localizado no fundo da composição, e montada sobre uma prancheta de desenho. O artista se apoia na cadeira que compõe o espaço, encarando sua própria obra que, como um enigma, ganha vida no embate cotidiano do trabalho.
A composição da obra de Amaral é facilmente identificável em Édipo e a Esfinge (1808) de Jean-Auguste Dominique Ingres. O autorretrato de Amaral como Édipo traz uma linha semelhante à de Ingres, que delineia de forma contínua do pé ao topo da cabeça seu corpo arqueado em direção à Esfinge. Na tela do francês, Édipo aponta sutilmente para si mesmo e para a Esfinge, enquanto desvenda seu enigma: O que tem quatro pernas na manhã, duas pernas ao meio dia e três pernas ao entardecer? A resposta seria “o homem” (no sentido pretensamente universal produzido pelo Iluminismo) em suas diferentes fases da vida.7 Ou talvez o Édipo de Amaral diria ser o homem negro, diante das próprias vulnerabilidades ao reconhecer-se tentando montar as partes do próprio enigma sem ser devorado.
A produção de Prazeres no momento em que se viu metamorfoseado em pintor e de Amaral encarando a labuta cotidiana emergem de contextos profundamente diferentes. Contudo, suas obras compartilham a experiência comum de terem sido produzidas por homens negros que, a seu modo, estavam atentos à produção da própria subjetividade como artista. Ofício que exerceram sem ignorar os sentidos de suas imagens e os embates produzidos pelas relações sociais que viveram mergulhados.
1 Carlos Cavalcanti e Heitor dos Prazeres, “O brando gesto da princesa…”. Diário da Noite, Rio de Janeiro, n. 3.236, p.2, maio 1938.
2 Sobre algumas experiências de silenciamento da memória da abolição naquele ano, ver Paulina L. Alberto, Termos da inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Editora da Unicamp, 2017.
3 Analiso detalhadamente esse diálogo acerca dessa tela em Bruno Pinheiro, “Moenda de Heitor dos Prazeres, medalha de prata na I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo”. Revista de História da Arte e da Cultura, v. 2, n. 2, 2021.
4 Renata Bittencourt, “Sou eu que dou as regras: a autorrepresentação de Heitor dos Prazeres”. Revista ARS, v. 20, n. 45, 2022.
Sidney Amaral Enigma entre eu e tu, 2014 Óleo sobre tela, 140 x 210 cm, Acervo Sesc de Arte
5 Kleber A. O. Amancio, “Os autorretratos de Arthur Timotheo da Costa, um ensaio sobre a autorrepresentação”, in Martha Abreu et al. (orgs.), Histórias do pós-abolição no mundo atlântico: identidades e projetos políticos. v. 1. Niterói: Editora da UFF, 2013.
6 Claudinei Roberto da Silva apresentou essa obra no contexto dos autorretratos de Sidney Amaral em Claudinei Roberto da Silva, Viver até o fim que me cabe! Sidney Amaral: uma aproximação. Jundiaí: SESC-SP, 2021.
7 Sobre a crítica ao sujeito iluminista, ver Denise Ferreira da Silva, A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
Seguindo o rastro das fugas coreográficas: Uma escritura arquipelágica na dança
Lazaro Benitez
Palestra realizada durante a Invocação #2 em 7 de dezembro de 2024.
Que elementos fundamentais podemos subtrair de uma escrita coreográfica e da performance no Caribe insular? Essa condição produz uma ou mais estéticas? Até que ponto a dança contemporânea e a performance alimentam essas questões?
Acho que essa coreografia tem algo de singular. Poderíamos pensar que uma ilha, devido à sua condição geográfica, está forçada a uma forma de isolamento; no entanto, como nos lembra Édouard Glissant, “as ilhas não estão isoladas. Elas estão acorrentadas. Elas não fizeram a história, mas viveram-na, e é assim que muitas vezes a corrigem”. 1
Neste texto, proponho uma espécie de travessia por algumas figuras da dança caribenha contemporânea e por suas obras. Esta pesquisa está localizada nos territórios de Cuba, Haiti, República Dominicana, Guadalupe e Martinica.
Desde meados do século 20, o Caribe tem sido frequentemente definido em termos de paradoxo. Quer estejamos falando de um “mar que se difrata” (Édouard Glissant), de uma “ilha que se repete” (Antonio Benítez Rojo) ou de uma “unidade submarina” (Edward Kamau Brathwaite), a insularidade que caracteriza a região caribenha entra em tensão com uma unidade abstrata que transcende as diferentes fronteiras – concretas ou simbólicas – que a dividem em fragmentos díspares.
Uma primeira pista para abordar a problemática que eu gostaria de compartilhar com vocês é, portanto, a da fronteira. Como pensar sobre a fronteira de uma ilha? Que fronteira é essa?
Escritores e artistas exploram regularmente essa ambivalência, tornando a noção de fronteira uma questão central para representar e definir as ilhas caribenhas. Ao mesmo tempo característica intrínseca do território caribenho e marca indelével do período colonial, a fronteira também é constantemente reconfigurada, tornando-se um lugar de debate essencial sobre uma possível identidade do espaço caribenho. Mas como as obras reafirmam – ou não – esse espaço fronteiriço?
As fronteiras geográficas também são percebidas pelos artistas caribenhos como sinais de ruptura histórica. O tráfico atlântico e a escravatura conferiram ao oceano Atlântico uma dimensão fronteiriça que separa os recém-chegados às ilhas do Caribe das suas origens africanas. Esses deslocamentos forçados levaram a uma fragmentação memorial que persistiu nas diásporas subsequentes. De acordo com Derek Walcott: “O artista caribenho pode ser considerado aquele que reúne as memórias fragmentárias de várias culturas, superando as fronteiras históricas que separam as sociedades caribenhas de suas origens perdidas para conceber uma história comum”.
Essa definição de Derek Walcott evidencia a complexidade histórica do nosso território. Nossa memória não é unidirecional nem exata. Ela é diversa, composta de múltiplas fontes: primeiro, as ferramentas e narrativas dos colonizadores, depois, as nossas ferramentas. Essa memória, fragmentada como as ilhas em sua composição, nos remete à noção de arquipélago.
A reflexão sobre a superação das fronteiras históricas se insere em um debate cultural mais vasto, em constante evolução desde meados do século 20. Os artistas recordam regularmente que as ilhas caribenhas, tal como as concebemos hoje, “nasceram na colonização” (Patrick Chamoiseau). Seu trabalho tende a reconfigurar as múltiplas fronteiras traçadas desde os tempos modernos em locais propícios ao desenvolvimento de uma identidade caribenha aberta e plural.
Com base na observação sobre a miscigenação linguística operada desde a conquista europeia, que originou línguas crioulas, mutantes e variadas, eles vislumbram uma cultura caribenha intrinsecamente “fronteiriça”, marcada por seu hibridismo. A “antilhanidade”, conceito de identidade caribenha rizomática desenvolvido por Édouard Glissant na década de 1960, encontrou uma extensão na noção de “crioulidade” usada por Patrick Chamoiseau e Raphaël Confiant na década de 1980. Embora tenha sido objeto de muito debate, esse conceito abriu caminho para novas abordagens da crioulização.
Se considerarmos a fronteira como a “ferida aberta” definida por Gloria Anzaldúa em Borderlands: La Frontera/La Nueva Mestiza, parece que, para tal ferida existir, duas partes devem ser colocadas em tensão: a pele se abre e, dependendo do ângulo em que uma é colocada, uma parte fica mais visível do que a outra. Assim, existe a pele, o vazio da ferida e, depois, a pele novamente. Essa separação em fragmentos, embora feita do mesmo material, cria um espaço de alteridade que poderíamos nomear como “a outra parte”. É precisamente a partir dessa noção que concebo a margem: a outra parte da lesão, esse outro lado da
fronteira física exposta à alteridade. Como uma rocha que enfrenta os incessantes ataques da onda, a margem sofre o impacto direto da alteridade, em permanência.
As sociedades caribenhas estão profundamente estruturadas em vários tipos de movimentos migratórios: o êxodo rural, as migrações inter-caribenhas ou mesmo os fenômenos diaspóricos mais amplos ligados às épocas colonial e contemporânea. Essas dinâmicas implicam uma constante reterritorialização de nossa relação com o espaço que habitamos. Esses fenômenos obrigam a nos construirmos como seres fragmentados, à maneira de uma colagem. Nas palavras do antropólogo cubano Fernando Ortiz, “um ajiaco cultural”, reunindo elementos díspares para compor uma identidade ao mesmo tempo fluida e complexa.
A margem como estratégia poética
O que me interessa aqui é trocar com vocês sobre o trabalho de diferentes artistas dessa zona insular das ilhas do Caribe, que criaram um espaço de resistência e um lugar para habitar. Este convite implica uma mudança epistemológica para explorar práticas que se reapropriam da margem como lugar de produção poética e estética: a “estética da margem”.
Desse modo, assistimos a um ato de dignificação, não só da margem como lugar de expressão dos artistas a quem vamos nos referir, mas também de outras formas de margens. A noção de margem pode ser revelada com mais clareza, dependendo do contexto em que for abordada. Chegamos a esse espaço da margem, não só porque somos atribuídos a ele, mas também por reconhecimento: entendemos que não pertencemos totalmente a outros lugares e, portanto, decidimos viver na e a partir dessa margem. Uma estética da margem, em primeiro lugar, questiona a forma universal de habitar nosso mundo atual e também restaura o poder das práticas marginalizadas pelo sistema dominante.
Os artistas em questão
Para dar continuidade a essa reflexão em torno de uma estética da margem, três eixos que emergem das obras dos artistas que compõem este estudo me parecem fundamentais para desconstruir essa categoria. Esses eixos são: a reinvenção do ritual como uma forma híbrida aberta e rizomática; a tradução e reapropriação das danças tradicionais caribenhas; e a mais recente atualização e ressituação de discursos e temas LGBTQIA+ com base em um contexto insular.
Johan Mijail
Nascido em Santo Domingo, em 1990, Johan Mijail é jornalista, escritor e performer. Seu trabalho explora a construção de imaginários transfeministas e decoloniais, com uma perspectiva caribenha que ele chama de “epistemologias travestis de um corpo negro caribenho”.
Em Amor vegetal, Mijail estende sua reflexão como autor e performer à Natureza, criando uma ligação invisível com a artista cubano-americana Ana Mendieta e sua obra Flores en el cuerpo, da série Siluetas. Mijail cria uma ruptura normativa ou cisgênero no tema do princípio da vida, da criação e da fecundação. Ele usa o seu ânus como princípio de vida, como gerador de novas formas de criação. Em sua performance, o artista entra no espaço, se despe, lava suas partes íntimas com uma lata de cerveja – um gesto que convida a refletir sobre a ritualidade do ato, sua precisão e como o senso de limpeza e pureza se torna um elemento determinante nas interações sexo-afetivas. Isso é especialmente verdadeiro no caso de homens
homossexuais, em que um ritual de preparação elaborado, especialmente para aqueles que desempenham o papel passivo, muitas vezes precede o ato.
A esse respeito, recorda Paul B. Preciado: “Historicamente, o ânus tem sido considerado um órgão abjeto, nunca suficientemente limpo, nunca suficientemente silencioso. Ele não é e não pode ser politicamente correto. O ânus não produz ou, mais precisamente, produz apenas resíduos, detritos”.2
Johan Mijail comenta: “O amor vegetal significa sofrer uma perda no sentido da sexualidade reprodutiva, preferir dedicar tempo à investigação de como as plantas terrestres e marinhas colaboram entre si, para não pensar na instituição do casal. O amor vegetal é uma tecnologia do eu que considera o resíduo como um espaço possível. Tudo isso com a ideia de produzir uma fuga, uma modificação ou uma interrupção no fluxo da história”.
Nascida em 1974 em Noumea, na Nova Caledônia, ela vive e trabalha na Martinica. Coreógrafa dançarina, performer, pesquisadora e “bruja”, é também praticante de body-mind centering, uma prática somática que lhe permite escrever performances (eco/afro) feministas, orgânicas, em que o íntimo e o político se encontram cada vez mais ligados. As três principais performances de Annabel Guérédrat, inspiradas em figuras modernas de bruxas, são: A Freak Show for S, Hysteria (2010) e I’m a Bruja (2018).
I’m a Bruja é um ato cênico que visa reinventar nossos rituais, reconstruir nossos laços afetivos com as bruxas, as deusas e os espíritos que cercam nossa cosmovisão caribenha. Em um espaço circular, a coreógrafa e performer convoca a presença de várias bruxas, artistas, autoras, poetas, filósofas e cantoras, como Audre Lorde, bell hooks, Elsa Dorlin, Nina Hagen, Ana Mendieta e Princess Nokia.
Em I’m a Bruja, a cenografia, também despojada, é essencialmente organizada a partir de um círculo traçado no chão, que constitui o eixo central da performance, semelhante a uma margem e, ao mesmo tempo, trabalhando a noção de margem. O círculo é circunscrito por velas acesas cuja luz é reforçada pela de luzes de neon colocadas no chão seguindo seu perímetro interno.
Essa dupla luminosidade fixa parece exercer uma dupla função: delimita o espaço com o exterior graças ao traçado das velas, e as luzes de neon trabalham na luminosidade interior do círculo enquanto refletem sua luz no corpo da performer sentada em seu centro. Essa instalação sublima a beleza feminina em seu elemento em estado natural.
Annabel Guérédrat
Uma mulher mestiça com cabelos soltos e cachos sedosos está completamente nua. Parada ali, seus gestos são executados numa leve lentidão, com uma sensualidade suave. Nesse ambiente místico com luz baixa, o espectador assiste a uma cena íntima que poderia representar as abluções cotidianas de uma mulher que exulta uma sensualidade animal, quase selvagem. Essa cena de instalação, em um perímetro preciso, é o cenário da personagem bruxa construída por Annabel Guérédrat.
Guérédrat cria seus próprios códigos usando a nudez quase constante em cena. A barriga, a vulva, o púbis são mostrados várias vezes durante um movimento, um gesto. Na primeira figura de bruxa animal e animista, ela avança de quatro e, apoiada sobre as mãos, coloca a cabeça no chão, a pélvis levantada, e vem esticar uma perna, deixando adivinhar sua vulva bem aberta, os lábios abertos. Ela mostra duas ou três vezes a vulva, incluindo o interior, como se mostrasse a beleza singular do sexo feminino entre demonstração e reivindicação da especificidade desse lugar do corpo.
Conclusão
Por meio de suas obras, esses artistas abordam as fissuras geradas por nosso sistema hegemônico e das implicações que elas desencadeiam para oferecer espaço a outros corpos. Entrar na fissura como uma bactéria, gerar a doença para regenerar uma outra pele.
Salvar as dores da história colonial para as curar, para as reparar a partir de um ato simbólico que é o ato cênico. Eles defendem, por meio de seus corpos, a possibilidade de criar seu direito de pertencer a um território, a partir de suas formas, ampliando a possibilidade de reinventá-lo, regenerá-lo. Eles inauguram uma linguagem com os escombros, os silêncios, os vazios deixados pela história colonial. Eles alimentam o território caribenho com essas corporeidades e narrativas que foram e continuam sendo muito controversas. Também alimentam a fronteira porque, como diz Gloria Anzaldúa: Los atravesados3 vivem ali: os esquisitos, os pervertidos, os queers, os encrenqueiros, os bastardos, os mulatos, os mestiços e os mortos-vivos; em suma, todos que já passaram para o outro lado da norma. Eles constroem o espaço caribenho como um laboratório de possibilidades.
1 Édouard Glissant, Les Discours antillais. Paris: Folio, 1997, p.87.
2 Paul B. Preciado, Manifiesto contra-sexual. Madri: Opera Prima, 2002.
3 Uma pessoa que não deseja continuar a seguir o fluxo imposto por seu contexto e que se opõe a ele, quebrando assim o curso da história.
Práticas educacionais
As práticas da publicação educativa da 36ª Bienal de São Paulo são conteúdos desenvolvidos pela Fundação Bienal de São Paulo com o objetivo de aproximar o universo da arte contemporânea de diferentes contextos pedagógicos, promovendo uma educação que reconheça a subjetividade e a pluralidade de experiências, compreendendo quem participa como protagonista nos processos. Sua construção contou com docentes da rede pública de São Paulo 1 e dialoga com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Elaboradas como roteiros para Laboratórios Criativos, são estruturadas em três encontros, que podem ser adaptados e incorporados conforme as necessidades e possibilidades de cada contexto, visando incentivar a construção de saberes integrados, expressão de ideias, sentimentos e reflexões sobre temas sociais e culturais. Aqui, a sequência de encontros toma como ponto de partida os conceitos da professora e coreógrafa Léna Blou que, em suas investigações, reflete sobre o bigidi como expressão corporal e cultural caribenha. “Movimentos dançados” articula a dança como ferramenta de experimentação e colaboração que se apoia na circularidade e na integração de repertórios individuais e coletivos. Em “Paisagens sonoras”, convidamos a reflexões inspiradas no artista Emeka Ogboh, extrapolando a dimensão visual das paisagens no processo de investigar significados e histórias dos espaços que habitamos a partir de sons.
Movimentos dançados
Em diálogo com conteúdos presentes na Invocação #2, a prática “Movimentos dançados” propõe uma sequência de encontros2 com o objetivo de experimentação em dança por meio de brincadeiras, jogos de improvisação e compartilhamento de repertórios individuais e coletivos.
OBJETIVOS:
→ Relacionar arte contemporânea e vida cotidiana
→ Experimentar diferentes formas de orientação no espaço e ritmos de movimento
→ Improvisar e criar movimentos de modo individual e coletivo
→ Estabelecer relações criativas colaborativas entre as pessoas por meio das materialidades de movimento que surgirem
RECURSOS NECESSÁRIOS:
→ Balões (bexigas)
→ Materiais para escrita (canetas hidrográficas)
→ Caixa de som
DESENVOLVIMENTO:
Nos espaços de formação em que a arte desempenha um papel de fruição de conhecimentos, os processos de criação em dança se manifestam de diferentes maneiras, com vocabulários específicos conforme a localidade, o estilo/modalidade e as propostas de dança. Um exemplo é o passinho do funk, dança criada por jovens residentes em comunidades do Brasil, e que apresenta variações nos movimentos e nas nomenclaturas conforme a região do país. Passinho Malado, de Belo Horizonte (MG), e Passinho dos Maloka, de Recife (PE), são algumas das variações que denotam composições de movimentos específicos.
Essa prática não pretende instruir caminhos para a realização de um determinado estilo de dança, mas sim, sensibilizar o corpo para provocar expressividade, criatividade e trocas de experiências, inerentes às práticas, entre pessoas participantes de cada localidade. Os encontros podem ser realizados em espaços amplos, abertos e sem mobiliários, como uma quadra poliesportiva ou um pátio escolar.
ENCONTRO 1 – MOVIMENTAR
Neste encontro as pessoas serão convidadas a experimentar movimentos corporais a partir de brincadeiras, com propostas que perpassam deslocamentos, direções espaciais, peso, fluência e tempo.
Organize a turma em roda e inicie o encontro com um aquecimento corporal. Uma sugestão é mover o corpo como um todo, desenhando grandes formas no espaço, alternando com pequenos gestos que convoquem o uso de diferentes articulações. Após aquecimento, distribua um balão (bexiga) para cada participante e realize a seguinte brincadeira:
→ Convide as pessoas a soprarem os balões (bexigas) de maneira lenta e rápida, experimentando as diferentes sensações: mudanças da respiração e dos movimentos corporais
→ Após experimentarem as diferentes intensidades de respiração, auxilie-as a dar nó nos balões (bexigas) cheios
→ Convide a turma a brincar com os balões (bexigas), jogando-os para cima, e a experimentarem diferentes partes do corpo ao não deixarem que os balões (bexigas) caiam no chão
→ Coloque uma música para acompanhar a ação e para que a turma experimente diferentes formas de movimentação, como lenta, moderada e rápida
→ Ao finalizar a brincadeira, convide os participantes a escreverem uma palavra no balão (bexiga) que remeta à experiência vivida, utilizando a caneta hidrocor
Conversem sobre as sensações corporais obtidas com a brincadeira realizada. Em roda, utilizem as palavras escritas nos balões (bexigas) para trocarem as impressões das vivências do encontro.
ENCONTRO 2 – JOGO DE IMPROVISAÇÃO
Neste encontro serão trabalhados elementos de improvisação e criação através de um jogo que combina qualidades de movimento, permitindo a experimentação e a vivência em dança.
Inicie o encontro com um aquecimento corporal. Convide as pessoas a caminhar pelo espaço nos diferentes tempos: lento, moderado e rápido. Durante as caminhadas, oriente pausas repentinas. A seguir, oriente-as a caminhar/se deslocar nos diferentes níveis espaciais: baixo, médio e alto. Por fim, convide o grupo para que combine os diferentes tempos e níveis espaciais. Após o aquecimento, proponha o seguinte jogo de improvisação: proposta de ativação do corpo que dança por meio dos sorteios de cartas com instruções diversas, que geram combinações para se explorar o movimento, criativamente.
→ Acesse as cartas do jogo de improvisação (QR Code) e as imprima, ou confeccione as cartas com a utilização de materiais disponíveis, considerando a seguinte estrutura:
Cartas TEMPO: três cartas com frente e verso frente TEMPO – verso LENTO frente TEMPO – verso MODERADO frente TEMPO – verso RÁPIDO
Cartas NÍVEIS ESPACIAIS: três cartas com frente e verso frente NÍVEIS ESPACIAIS – verso BAIXO frente NÍVEIS ESPACIAIS – verso MÉDIO frente NÍVEIS ESPACIAIS – verso ALTO
Cartas MOVIMENTO: três cartas com frente e verso frente MOVIMENTO – verso FRAGMENTADO frente MOVIMENTO – verso ARTICULADO/DESARTICULADO frente MOVIMENTO – verso SIMÉTRICO/ASSIMÉTRICO
→ Apresente as cartas do jogo improvisação: TEMPO (lento, moderado, rápido) / NÍVEIS ESPACIAIS (baixo, mais próximo do chão; médio, posição sentada ou equivalentes; alto, em pé) / MOVIMENTO (fragmentado, articulado/desarticulado, simétrico/assimétrico)
→ Convide o grupo para sortear uma carta de cada instrução: TEMPO – NÍVEIS ESPACIAIS – MOVIMENTO
→ Oriente as pessoas para que combinem as instruções sorteadas. Exemplo: carta TEMPO: lento + carta NÍVEIS ESPACIAIS: alto + carta
MOVIMENTO: simétrico/assimétrico
→ Utilize músicas para acompanhar a improvisação de movimentos, inspirados nas instruções sorteadas
→ Determine o tempo de improvisação dos movimentos a cada rodada de combinações das cartas
Em roda, conversem sobre a realização do jogo de improvisação. Disponibilize espaço para que todas as pessoas compartilhem as suas impressões. Seguem sugestões de perguntas para a realização da conversa:
Como foi realizar o jogo de improvisação? Quais qualidades de movimento têm maior afinidade? Sentem-se dançando com essa proposta?
Ao final, oriente a turma a trazer para o próximo encontro músicas que remetam às danças que gostam de praticar, com o objetivo de realizar uma vivência dançante com base nas escolhas trazidas.
Cartas
ENCONTRO 3 – DANÇAS DE QUE GOSTAMOS
Com o intuito de retomar os percursos realizados e se preparar para a próxima proposta, inicie o encontro com um aquecimento corporal, utilizando elementos dos encontros anteriores, por exemplo, movimentar com o balão (bexiga) ou realizar o jogo de improvisação.
Após o momento de aquecimento, organize a turma para as apresentações das Danças de que gostamos, com base nas músicas pré-selecionadas. As apresentações das danças podem ser individuais ou em grupo, inspiradas nos formatos de saraus ou batalhas de danças, porém sem o propósito de ser uma competição. Proporcione um encontro para trocas das manifestações artísticas, tendo a circularidade e a improvisação como algo essencial.
Ao finalizarem as apresentações, disponibilize espaço para que todas as pessoas compartilhem as suas impressões. Seguem sugestões de perguntas para a realização da conversa:
Como foi apresentar as danças que gostamos?
Quais foram as descobertas e as dificuldades?
Quais são as relações das danças apresentadas?
Convide a turma a seguir com pesquisas de novas danças, com o objetivo de ampliar os repertórios artísticos.
SUGESTÕES DE DESDOBRAMENTOS
Organize um festival de dança no local de atuação com o envolvimento da comunidade.
Paisagens sonoras
Esta sequência de encontros3 busca uma aproximação com projetos sonoros que atravessam a 36ª Bienal de São Paulo a partir da pesquisa e da criação de paisagens sonoras em diálogo com o trabalho de artistas como Emeka Ogboh.
OBJETIVOS:
→ Relacionar arte contemporânea e vida cotidiana
→ Criar paisagens sonoras
→ Discutir a relação entre paisagens culturais e paisagens sonoras
→ Experimentar diferentes formas de expressão artística
RECURSOS NECESSÁRIOS:
→ Materiais que possam representar sons (objetos do cotidiano)
→ Instrumentos musicais
Para muitas pessoas, quando se fala em paisagem, são comuns associações com imagens da natureza com pouca ou nenhuma interferência humana. No entanto, segundo a geografia, a noção de paisagem não se limita às paisagens naturais. Grandes cidades e plantações agrícolas em zonas rurais são exemplos de intervenção humana no espaço e, por isso, são chamadas de paisagens culturais. É interessante notar que ambos os tipos de paisagens não são compreendidas apenas pela visão e podem ser vivenciadas por diversos estímulos sensoriais.
É possível compreender uma paisagem a partir da audição? Como os sons dos espaços em que vivemos impactam nossa vida? Há décadas, essas questões têm motivado pesquisadores de várias áreas e artistas de diferentes linguagens. Nesta prática buscamos discutir e criar paisagens sonoras.
ENCONTRO 1 – CONHECER PAISAGENS SONORAS
No primeiro encontro com a turma, recomendam-se exercícios de percepção que podem ser feitos ao ar livre ou em um local com significado especial para o grupo. A prática tem a intenção de fazer com que cada participante possa mapear os sons do ambiente e, assim, perceber a paisagem sonora do espaço em que a ação ocorre. Sugerimos para esse momento uma dinâmica inspirada em algumas proposições dos Jogos teatrais, de Viola Spolin:4
→ Com o grupo reunido, convide as pessoas a ficarem em silêncio e de olhos fechados por determinado tempo
→ A seguir, oriente a se concentrarem nas batidas do coração, depois, nos sons mais próximos e, então, nos sons mais distantes
→ Essas etapas podem ser repetidas e terem a ordem alterada
Na sequência, recomenda-se que cada participante anote os sons escutados no ambiente durante o exercício e, em roda, compartilhar com o grupo. Nesse momento, é importante observar os modos pelos quais as pessoas nomeiam elementos comuns (Reconhecem de onde vêm? O que ou quem os produziu?) e estimular o grupo a interpretar a paisagem sonora (Como ela soa? Quais informações ela traz sobre o território?).
Esta prática também pode servir como introdução para discutir o conceito de paisagem sonora e ao trabalho do artista sonoro Emeka Ogboh.5
Nascido em Enugu, na Nigéria, Ogboh vive hoje em Berlim e diz que, quando sente saudades de seu país, ouve gravações do som das ruas de Lagos, cidade conhecida por ser umas das mais barulhentas de todo o continente africano. Mas o artista parece discordar dessa afirmação, já que, para ele, não é só barulho que a cidade produz, mas um tipo de composição.
→ Leia o QR Code para acessar a faixa sonora “Danfo Melow”, do álbum Beyond The Yellow Haze, de Emeka Ogboh
Com base nesse tipo de provocação, pode-se perguntar para a turma: Se os sons da cidade em que o grupo vive for uma composição, que tipo de música ela seria? Ela sempre foi assim? Como poderia ser?
Ao fim do encontro, a pessoa mediadora pode pedir a cada participante que faça esse exercício em casa, registrando os sons do lugar em que mora em determinado horário do dia. Esse registro pode ser feito como anotações no caderno ou uma gravação da paisagem sonora do lugar.
“Danfo Melow”, de Emeka Ogboh
O segundo encontro pode começar com uma roda onde cada participante partilha a coleta de sons para o grupo. Sugerimos alguns tópicos para esse compartilhamento:
Perguntas para a descrição de cada som individualmente:
→ Como é o timbre desse som?
→ Você sabe de onde ele veio?
→ Você sabe quem ou o que produziu esse som?
Perguntas para a descrição da paisagem sonora:
→ Essa paisagem sonora tem músicas tocando? Você as conhece?
→ Essa paisagem sonora tem pássaros ou outros animais? Você reconhece as espécies?
Depois do compartilhamento, pode-se propor um momento de análise dos elementos comuns das paisagens sonoras. Outra vez, observar como cada participante nomeia os sons é importante. Com base nisso é possível criar um vocabulário sobre o que foi ouvido pelo grupo. Tudo isso pode ser comparado com a paisagem sonora do ambiente em que a atividade está sendo realizada. Também é possível discutir a diferença no som dos lugares em diálogo com questões mais amplas sobre os territórios.
Recomendamos que a pessoa mediadora registre e organize as ideias do coletivo e o vocabulário desenvolvido pelo grupo para o próximo encontro.
Recomendamos que o último encontro tenha um direcionamento para uma produção coletiva de paisagens sonoras, com base no material produzido no segundo encontro:
→ A partir das ideias e dos vocabulários desenvolvidos no encontro 2, pesquise e escolha materiais e instrumentos musicais que possam representar os sons das paisagens sonoras
→ Com o grupo reunido, apresente os materiais, instrumentos e os elementos das paisagens sonoras evocadas no encontro anterior
→ Oriente as pessoas do grupo para que escolham os sons da paisagem sonora e os seus respectivos objetos/instrumentos
→ “Faça a regência” do grupo representando a paisagem sonora (essa ação pode ser feita pela pessoa mediadora ou ser alternada entre as pessoas do grupo)
→ Depois da performance, também é possível criar outras paisagens sonoras com base na observação de diferentes paisagens naturais ou culturais
→ Finalize com uma roda de conversa sobre a experiência
SUGESTÕES DE DESDOBRAMENTOS:
Realize uma performance coletiva a partir da recriação das paisagens sonoras, onde cada participante do grupo representa seus elementos com movimentos do corpo.
Essa sequência de encontros, também pode inspirar para a realização de uma roda de improvisação sonora/musical, utilizando objetos do cotidiano.
1
Agradecemos a Bel Borges, Durval Mantovaninni, Gustavo Viana, Kaya Fernanda Vallim Braga Martins, Maria da Conceição Ferreira da Silva, Pamela Regina, Rodrigo Pignatari, pelas ricas trocas que aconteceram nos dias 26 out. e 9 nov. de 2024.
2 Esta prática foi elaborada em diálogo com habilidades da BNCC: Educação Infantil: “Corpo, gestos e movimentos” – (EI03CG01); (EI03CG03).
Ensino Fundamental – Anos Iniciais: Arte – (EF15AR10); (EF15AR11); (EF15AR12). Educação Física – (EF12EF12); (EF35EF11); (EF67EF12). Ensino Fundamental –Anos Finais: Arte – (EF69AR11); (EF69AR12); (EF69AR13); (EF69AR15). Ensino Médio: Linguagens e suas tecnologias – (EM13LGG603).
3 Esta prática foi elaborada em diálogo com habilidades da BNCC: Ensino Fundamental - ANOS INICIAIS: Arte: (EF15AR15); (EF15AR16); (EF15AR17); (EF15AR23). Geografia: (EF01GE01); (EF05GE04). Ensino Fundamental – ANOS FINAIS: Arte: (EF69AR21), (EF69AR22), (EF69AR29); (EF69AR31); (EF69AR32); Geografia: (EF06GE07). História: (EF01HI04); (EF02HI03). ENSINO MÉDIO: Linguagens e suas tecnologias: (EM13LGG103); (EM13LGG105); (EM13LGG201); (EM13LGG301); (EM13LGG305). Ciências Humanas e Sociais aplicadas: (EM13CHS101); (EM13CHS103); (EM13CHS104); (EM13CHS205); (EM13CHS206).
4 Viola Spolin nasceu em Chicago, Estados Unidos, em 1906, estudou filosofia e literatura na Universidade de Chicago, foi atriz, diretora de teatro e educadora. É reconhecida pela criação dos “jogos teatrais”, unindo atividades lúdicas e cênicas, sobretudo a partir dos princípios de Brecht e de Stanislavski. 5 Emeka Ogboh nasceu na Nigéria, em 1977, e atualmente vive em Berlim, Alemanha. O artista investiga as transformações urbanas a partir de uma geografia multissensorial, como a percepção musical, os ruídos, o cheiro das ruas e da culinária local. Suas criações provocam o acesso a histórias e a memórias tanto públicas quanto privadas. Ogboh participou de diversas exposições, entre elas a documenta 14 e a 56ª Bienal de Veneza.
Sobre os autores
Alya Sebti é curadora de arte contemporânea e diretora da ifa-Galerie (Institut für Auslandsbeziehungen), em Berlim, onde criou a plataforma de pesquisa e exposições Untie to Tie – On Colonial Legacies in Contemporary Societies. Foi cocuradora da bienal europeia Manifesta, em Marselha (2020), curadora convidada da Biennale de Dakar (2018) e diretora artística da Marrakech Biennale (2014). Orienta pesquisas curatoriais com programas de mentoria na residência artística ZK/U (Berlim) e no MACAAL (Marrakech).
Anaïs Verspan é artista visual. Começou sua carreira em design de moda, abrindo o showroom Afro Excentrik após três anos de estudo no Instituto Regional de Artes Visuais da Martinica. Suas obras já foram expostas em Senegal, Alemanha, Mônaco e Portugal. Seu universo
visual equilibra abstração e figuração, passado e presente, criando peças que exploram a dualidade cultural e experiências individuais.
Anna Roberta Goetz é curadora e escritora. Trabalhou no Marta Herford Museum e no MMK Museum für Moderne Kunst Frankfurt. Foi curadora assistente e gerente de projeto do Pavilhão da Alemanha na 55ª Bienal de Veneza (2013). Organizou exposições individuais e coletivas de destaque em diversos países, além de ter lecionado em várias academias de arte internacionais, como a Zurich University of the Arts e a Städelschule (Frankfurt). Entre suas publicações estão Rodney McMillian: The Land: Not Without a Politic, organizado com Kathleen Rahn (2024), e Cinthia Marcelle – By Means of Doubt, organizado com Isabella Rjeille (2023).
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung é curador, autor e biotecnologista; atua como diretor e curador geral do Haus der Kulturen der Welt (HKW), em Berlim. É o fundador e ex-diretor artístico do SAVVY Contemporary (Berlim), além de diretor artístico do sonsbeek20->24 (Arnhem). É professor e chefe do corpo docente no programa de mestrado em estratégias espaciais na weißensee academy of art berlin. Entre algumas de suas obras publicadas estão The Delusions of Care (2021), An Ongoing-Offcoming Tale: Ruminations on Art, Culture, Politics and Us/Others (2022) e Pidginization as Curatorial Method (2023).
Bruno Pinheiro é historiador da arte, curador e educador. Tem doutorado em história pela Unicamp, e atualmente é pesquisador de pós-doutorado no Leonard A. Lauder Research Center for Modern Art no Metropolitan Museum of Art, onde realiza pesquisas sobre artistas modernistas negros na América Latina e no Caribe. Tem experiência de pesquisa e ensino em história da arte e cultura visual da diáspora africana nas Américas.
Dory Sélèsprika é poeta e slammer. Seu estilo é influenciado pela música gwoka, senjan e culturas urbanas. Tan é sua primeira coletânea de poesias. Desde 2006, tem colaborado em
performances de palco, festivais e projetos literários e de gravação com artistas como Dominik Coco, Jil Pietrus, Didier Juste, Fanm Ki Ka, Laurence Hamlet, Bwakoré, Akiyo.
Edinho Santos é graduado em pedagogia e atua como educador no Itaú Cultural. Tem experiência como educador em museus como o Afro Brasil, MAM-SP e Museu do Futebol. Em 2017, conquistou o 3º lugar no Slam SP. Atuou no filme O matador (2017). Milita no movimento negro surdo e é produtor e slammer do Slam de Surdes.
Étienne Jean-Baptiste é trombonista, pianista, compositor e regente em experimentos musicais modernos e contemporâneos de bèlè, além de pesquisador. Combina antropologia e prática musical em suas investigações sobre o bèlè. Doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é pioneiro na formação em artes e práticas culturais caribenhas. É membro dos Archives, Ethnographic Documents, Caribbean America (ADECAm), da Université des Antilles.
Geordy Zodidat Alexis é artista multidisciplinar. Trabalha com desenho, performance, instalação e escrita para explorar memória coletiva e identidade cultural. Graduado pela École Supérieure des Beaux Arts Montpellier, seus trabalhos abordam temas como convivência e
o impacto das múltiplas heranças culturais caribenhas, africanas e europeias.
Keyna Eleison é curadora, pesquisadora e educadora em arte e cultura. Eleison coordenou todos os equipamentos públicos da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde também foi coordenadora de ensino. Foi curadora da 10ª Bienal
Internacional de Siart, na Bolívia (2018), curadora da 1ª Bienal das Amazônias (2023), diretora artística do MAM Rio (2020-2023) e diretora de pesquisa e conteúdo da Bienal das Amazônias.
Lazaro Benitez é pesquisador de dança e coreógrafo, investiga os limites entre dança e performance, abordando temas como fronteiras, gênero e ativismo artístico. Mestre pela Université Paris 8, é fundador do laboratório De la memoria fragmentada e colaborador de revistas especializadas. Seu trabalho cartografa a dança contemporânea no Caribe, promovendo oficinas e palestras que conectam sociedade e coreografia.
Léna Blou é antropóloga, dançarina, coreógrafa e educadora. Pioneira na técnica Bigidi ’art. Inspirada na dança léwòz, sua prática explora o corpo em desequilíbrio como modo de autodeterminação. Criadora do método
pedagógico contemporâneo Techni’ka, baseado nos ritmos e danças gwoka, fundou o Centro de Estudos de Dança e Coreografia, a Companhia Trilogie Léna Blou e o Larel Bigidi’Art. Seu trabalho conecta prática artística, pesquisa e educação, explorando a desordem e a adaptabilidade como resistência criativa em tempos de precariedade social, política e ambiental.
Lidia Lisbôa trabalha com escultura, crochê, performances e desenhos. Sua pesquisa trata de biografias, paisagem, corpo e memória por meio de materiais que registram seu gesto. Sua exposição individual mais recente ocorreu no Museu de Arte do Rio (2024). Participou de mostras coletivas no Museo Madre (Nápoles), Palais des Nations (Genebra) e, em São Paulo, no Museu AfroBrasil, Instituto Tomie Ohtake e Museu de Arte Moderna de São Paulo. Também integrou a 13ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre). Suas obras fazem parte das coleções do Institute for Studies on Latin American Art e do Museo del Barrio (Nova York), da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Sesc São Paulo.
Michelle Mycoo é professora e pesquisadora. Seu trabalho concentra-se no fortalecimento da interface entre ciência, política e prática, alinhando o uso ideal do solo, a provisão de infraestrutura e a gestão ambiental, com o objetivo de
apoiar assentamentos humanos sustentáveis. Entre suas contribuições acadêmicas, destacam-se publicações internacionais sobre estudos de caso caribenhos relacionados ao planejamento urbano e regional.
Olivier Marboeuf é escritor, contador de histórias e curador. Fundador do centro de arte independente Espace Khiasma (Les Lilas), desenvolve programas que abordam representações de minorias por meio de exposições, debates e performances. Desde 2017, trabalha com a plataforma experimental R22 Tout-Monde, explorando transmissões de conhecimento por meio de práticas narrativas especulativas. Em suas palestras-performances, mistura narração e desenho ao vivo, criando situações culturais efêmeras que estimulam conversas sobre as culturas afro-caribenhas.
Santiago Quintana é engenheiro de software, músico, artista do movimento e performer que trabalha de forma interdisciplinar. Entre seus trabalhos está a performance eletroacústica O Death (2023).
Fundação
Fundador
Francisco Matarazzo Sobrinho · 1898 –1977 – presidente perpétuo
Conselho de administração
Eduardo Saron – presidente
Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires – vice-presidente
Membros vitalícios
Adolpho Leirner
Beno Suchodolski
Carlos Francisco Bandeira Lins
Cesar Giobbi
Elizabeth Machado
Jens Olesen
Julio Landmann
Marcos Arbaitman
Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa
Pedro Aranha Corrêa do Lago
Pedro Paulo de Sena Madureira
Roberto Muylaert
Rubens José Mattos Cunha Lima
Membros
Adrienne Senna Jobim
Alberto Emmanuel Whitaker
Alfredo Egydio Setubal
Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires
Angelo Andrea Matarazzo
Beatriz Yunes Guarita
Camila Appel
Carlos Alberto Frederico
Carlos Augusto Calil
Carlos Jereissati
Célia Kochen Parnes
Claudio Thomaz Lobo Sonder
Daniela Montingelli Villela
Eduardo Saron
Fábio Magalhães
Felippe Crescenti
Flavia Buarque de Almeida
Flávia Cipovicci Berenguer
Flavia Regina de Souza Oliveira
Flávio Moura
Francisco Alambert
Heitor Martins
Isay Weinfeld
Jeane Mike Tsutsui
Joaquim de Arruda Falcão Neto
José Olympio da Veiga Pereira
Kelly de Amorim
Ligia Fonseca Ferreira
Lucio Gomes Machado
Luis Terepins
Luiz Galina
Maguy Etlin – licenciada
Manoela Queiroz Bacelar
Marcelo Mattos Araujo
Mariana Teixeira de Carvalho
Miguel Setas
Miguel Wady Chaia
Neide Helena de Moraes
Nina da Hora
Octavio de Barros
Rodrigo Bresser Pereira
Rosiane Pecora
Sérgio Spinelli Silva Jr.
Susana Leirner Steinbruch
Tito Enrique da Silva Neto
Victor Pardini
Conselho fiscal
Edna Sousa de Holanda
Flávio Moura
Octavio Manoel Rodrigues de Barros
Conselho consultivo internacional
Maguy Etlin – presidente
Frances Reynolds – vice-presidente
Andrea de Botton Dreesmann, Quinten Dreesmann
Barbara Sobel
Caterina Stewart
Catherine Petitgas
Flávia Abubakir, Frank Abubakir
Laurie Ziegler
Mélanie Berghmans
Miwa Taguchi-Sugiyama
Pamela J. Joyner
Paula Macedo Weiss, Daniel Weiss
Sandra Hegedüs
Vanessa Tubino
Diretoria
Andrea Pinheiro – presidente
Maguy Etlin – primeira vice-presidente
Luiz Lara – segundo vice-presidente
Ana Paula Martinez
Francisco Pinheiro Guimarães
Maria Rita Drummond
Ricardo Diniz
Roberto Otero
Solange Sobral
Superintendências
Antonio Thomaz Lessa Garcia
Junior – superintendente executivo
Felipe Isola – superintendente de projetos
Joaquim Millan – superintendente de projetos
Caroline Carrion – superintendente de comunicação
Irina Cypel – superintendente de relações institucionais e parcerias
Superintendência executiva
Beatriz Reiter Santos
Marcella Batista
Superintendência de projetos
Produção
Bernard Lemos Tjabbes –coordenador
Dorinha Santos – coordenadora
Marina Scaramuzza – coordenadora
Ariel Rosa Grininger
Camila Cadette Ferreira
Camilla Ayla
Carolina da Costa Angelo
Nuno Holanda Sá do Espírito Santo
Tatiana Oliveira de Farias
Ziza Rovigatti
Superintendência de comunicação
Rafael Falasco – coordenador
editorial
Adriano Campos – designer
Eduardo Lirani – produtor gráfico
Fernando Pereira – assessor de imprensa
Francisco Belle Bresolin – projetos digitais e documentação
Julia Bolliger Murari – redes sociais
Luciana Araujo Marques – editora
Marina Fonseca – redes sociais
Nina Nunes – designer
Victória Pracedino – jovem aprendiz
Superintendência de relações institucionais e parcerias
André Massena
Jefferson Faria
Laura Caldas
Luciana Raele
Raquel Silva
Victória Bayma
Viviane Teixeira
Educação
Simone Lopes de Lira – gerente
Danilo Pera – coordenador
André Leitão
Gabri Gregorio
Giovanna Endrigo
Julia Iwanaga
Renato Lopes
Tailicie Nascimento
Vinicius Massimino
Lincon Amaral – jovem aprendiz
Arquivo Bienal
Leno Veras – gerente
Antonio Paulo Carretta –coordenador
Marcele Souto Yakabi –coordenadora
Ana Helena Grizotto Custódio
Anna Beatriz Corrêa Bortoletto
Daniel Malva Ribeiro
Gislene Sales
Gustavo Paes
Kleber Costa Timoteo
Raquel Coelho Moliterno
Thais Ferreira Dias
Alex Reimann – estagiário
Deisy Yumi – estagiária
Eloisa Elena – estagiária
Fabio Silva – estagiário
Juliana Knobel – estagiária
Maíra Alves – estagiária
Ricardo Menezes – estagiário
Walter Rocha – estagiário
Administrativo-financeiro
Finanças
Amarildo Firmino Gomes – gerente
Edson Pereira de Carvalho –coordenador
Fábio Kato
Silvia Andrade Simões Branco
Gestão de materiais e patrimônio
Valdomiro Rodrigues da Silva Neto –gerente
Larissa Di Ciero Ferradas –coordenadora
Angélica de Oliveira Divino
Daniel Pereira
Isabela Cardoso
Sergio Faria Lima
Victor Senciel
Vinícius Robson da Silva Araújo
Wagner Pereira de Andrade
Lucas Galhardo – jovem aprendiz
Planejamento e operações
Rone Amabile
Vera Lucia Kogan
Recursos humanos
Andréa Moreira – coordenadora de recursos humanos
Higor Tocchio – coordenador de departamento pessoal
Matheus Andrade Sartori
Patricia Fernandes
Tecnologia da informação
Ricardo Bellucci
Jhones Alves do Nascimento
Júlio Coelho
Matheus Lourenço
36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas –Da humanidade como prática
Equipe conceitual
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung –curador geral
Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Thiago de Paula Souza –cocuradores
Keyna Eleison – cocuradora at large
Henriette Gallus – consultora de comunicação e estratégia
André Pitol, Leonardo Matsuhei –assistência de curadoria
Arquitetura e expografia
Gisele de Paula, Tiago Guimarães –arquitetura
Alexandra Souza, Santiago Rid –assistência de arquitetura
Agence Clémence Farrell – consultoria inicial de arquiteturaa
Identidade visual
Studio Yukiko
Assessoria de imprensa
Index – assessoria de imprensa nacional
Sam Talbot – assessoria de imprensa internacional
Conteúdo audiovisual e registro
fotográfico
Bruno Fernandes
Duma Hub de Inovação Criativa e
Produção Artística
João Gabriel Hidalgo
Design
Aninha de Carvalho Price –assistência de design
Tamara Lichtenstein – assistência de design
Editorial
Cristina Fino – coordenação
editorial das publicações educativas #3 / #4
Deborah Moreira – assistência
editorial
Website
Fluxo Invocações
Marrakech – 14-15 nov 2024
LE 18 – coorganização
Laila Hida – diretoria do espaço parceiro
Youssef Sebti – produção local
Zora El Hajji – assessoria de imprensa local
Mahacine Mokdad, Sofian Amly, Hamza Morchid, Youssef Boumbarek – conteúdo audiovisual e registro fotográfico
Embaixada do Brasil em Rabat / Instituto Guimarães Rosa –Ministério das Relações
Exteriores – apoio local
Guadalupe – 5-7 dez 2024
Lafabri’k – coorganização
Marie-Laure Poitout – presidência do espaço parceiro
Léna Blou – diretoria do espaço parceiro
Hellen Rugard – produção local
Annik Benjamin – tradução simultânea
Cédric Marcellin, Philippe Hurgon –conteúdo audiovisual e registro fotográfico
Institut Français; Embaixada do Brasil em Paris / Instituto
Guimarães Rosa – Ministério das
Relações Exteriores – apoio local
Zanzibar – 11-13 fev 2025
Bernard Ntahondi – coorganização
Dhow Countries Music Academy (DCMA) – instituição parceira
Halda Alkanaan – diretoria da instituição parceira
Thureiya Saleh – produção local
Raymond Peter, Alex Marcel – engenharia de som
William Chazega Nkobi, Habibu Ramadhani Diliwa – tradução simultânea
Fundação Bienal de São Paulo. Todos os direitos reservados.
As imagens e os textos reproduzidos nesta publicação foram cedidos por artistas, fotógrafos, escritores ou representantes legais e são protegidos por leis e contratos de direitos autorais. Todo e qualquer uso é proibido e condicionado à expressa autorização da Fundação Bienal de São Paulo, dos artistas e dos fotógrafos. Todos os esforços foram feitos para localizar os detentores de direitos das obras reproduzidas. Corrigiremos prontamente quaisquer omissões, caso nos sejam comunicadas.
Este livro foi publicado em português e em inglês em junho de 2025, como parte do projeto da 36ª Bienal de São Paulo.
Distribuição gratuita.
Fundação Bienal de São Paulo
Pavilhão Ciccillo Matarazzo –Parque Ibirapuera
Av. Pedro Álvares Cabral – Moema 04094-050 / São Paulo – SP bienal.org.br
Center for Art, Research and Alliances (CARA)
225 West 13th Street
Nova York, NY 10011 cara-nyc.org
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bigidi mè pa tonbé : balança mas não cai: publicação educativa : vol. 2 / organização Fundação Bienal de São Paulo; curadoria Bonaventure Soh Bejeng Ndikung. -- São Paulo: Bienal de São Paulo, 2025.
ISBN 978-85-85298-88-3
1. Arte - São Paulo (Estado) – Exposições
2. Bienal de São Paulo (SP)
3. Cultura
4. Educação
5. Mediação
I. Fundação Bienal de São Paulo.
II. Ndikung, Bonaventure Soh Bejeng.
25-273124
Índices para catálogo sistemático:
1. Bienais de arte : São Paulo: Cidade 709.8161
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
CDD-709.8161
Anotações
parceria estratégica
patrocínio master
patrocínio
transportadora oficial agência oficial apoio
parceria cultural
apoio internacional
apoio local parceria local
apoio institucional realização
Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam