31ª Bienal de São Paulo (2014) - Livro

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MARIQUINHA. Personagem vestido de mulher, com TINA na cabeça na dança dos NEGRINHOS em Sechura. Junto com o NEGRO VELHO, dança entre LANTERNINHAS na noite de Natal, recitando quadras nas esquinas ou no átrio da Igreja, ridicularizando, com seus repentes, alguma pessoa, autoridade do povoado ou fato insólito (Esteban Puig T., Breve diccionario folclórico piurano, 1985/1995, p.145).

< 1870

Os chineses haviam alugado um teatro (o Odeón), e ali se encenavam peças que duravam oito dias, tal como nos palcos de Pequim. Fui uma noite. Os que há não muito tempo eram carregadores, agora maquiados, vestidos com sedas admiráveis, assumem ali papéis de homens ou mulheres, representam príncipes e sacerdotes e mandarins ostentando botões de toda classe. A orquestra chinesa, instalada no palco, faz ouvir uma música wagneriana que transporta o auditório sibarita que se pavoneia nas poltronas, enquanto fuma ópio e conversa em voz baixa. Fortes batidas de gongo avisam os espectadores quando uma passagem mais interessante pede sua atenção. Faz-se silêncio, então, e só se escuta a voz lastimosa dos atores e as vibrações estridentes, contínuas, monótonas, implacáveis, dos instrumentos de corda serrados, limados, arranhados, beliscados por músicos sem entranhas.

1861

Janaq (alto) e urin (baixo), o princípio de opostos complementares indígenas reduzido a jurisdições. Plumas travestis como alas fundamentais que criaram arcanjos apócrifos para guerrear sua mestiçagem – do Manqu Qhapaq xamânico à vedete travestida. Outras geografias da nação-corpo. Encontro de teatralidades, indígena e católica, e colonização de um corpo andrógino que ao ser nomeado travesti foi simultaneamente negado e assentido como “mulher”. Festa patronal de tempos e espaços múltiplos onde o travestido se realiza no feminino enquanto executa o intercâmbio andrógino entre as culturas que o definem, função dupla que resulta idêntica: dialogar duas representações do mundo na própria estética. Maricas e equívocos encobertos, subversões de gênero que atravessam classes e etnias transcendendo o panóptico ilustrado. Mestiçagens como hipérboles que vão desenhando outra etnia: corromper a identidade.

Giuseppe Campuzano, Línea de vida/Museo Travesti del Peru, 2009-2013 [Linha de vida/Museu Travesti do Peru] 231


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