Humanidades digitais, 2025

Page 1


HUMANIDADES DIGITAIS

transformação do conhecimento na sociedade da informação

Desde sua criação, em 1955, o Arquivo Histórico Wanda Svevo tem sido guardião de um dos mais importantes acervos documentais dedicados à arte moderna e contemporânea no Brasil e no mundo. Ao longo dessas sete décadas, consolidouse como espaço de referência, acolhendo pesquisadores e preservando a memória de um evento que acompanha, tensiona e impulsiona a história da arte e da cultura.

Esta publicação, realizada com recursos do Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais (Promac), da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, reúne textos comissionados a partir das contribuições de palestrantes que participaram do programa de formação e da semana de capacitação do Arquivo, parte das ações comemorativas de seus setenta anos. São profissionais vinculados a arquivos e instituições de ensino que, a partir de diferentes perspectivas, investigam e refletem sobre o acesso, a preservação e os sentidos de uma instituição de memória no contexto contemporâneo.

Os textos aqui reunidos reafirmam o papel da Fundação Bienal de São Paulo na produção de conhecimento e no fortalecimento do debate público no campo das artes visuais. Ao promover a circulação dessas pesquisas, a instituição e seu Arquivo renovam seus compromissos com a preservação da memória e a ampliação do acesso à cultura, oferecendo instrumentos para que novas leituras e narrativas possam emergir a partir do passado.

Agradecemos à Prefeitura de São Paulo pelo apoio contínuo, bem como a cada autor e autora que compartilha aqui o fruto de sua investigação. Que esta publicação possa servir como ponto de partida para novas perguntas, novas histórias e novas formas de aproximação com o nosso acervo.

presidente – fundação bienal de são paulo

Futuros passados presentes: o Arquivo Histórico da Fundação Bienal de São Paulo no século XXI

fundação bienal de são paulo

Os acervos salvaguardados pela Fundação Bienal de São Paulo no Arquivo Histórico Wanda Svevo – protegidos pelo Pavilhão Ciccillo Matarazzo, como relíquias amalgamadas – são o patrimônio mais importante desta instituição, tendo sido chancelado como Fundo de Interesse Público e Social pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão vinculado ao Arquivo Nacional, em 2024, chancela que representa a relevância ímpar deste conjunto memorial.

Trata-se do maior repositório documental de arte moderna e contemporânea da América Latina – tombado também pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) – com mais de um milhão de documentos, dos quais mais de 250 mil já são acessíveis via plataforma digital, com base em softwares livres e dados abertos, sendo considerado um dos mais robustos empreendimentos de transformação digital de acervos no Sul Global.

Nomeado em homenagem a Wanda Svevo, que foi secretária-geral do Museu de Arte Moderna de São Paulo, inaugura a práxis colecionista ao reunir parcela significativa dos inúmeros documentos que eram trocados entre os profissionais envolvidos na organização das mostras bienais; correspondências com artistas e instituições culturais de todo o planeta, além das principais colaborações com a imprensa, nacional e internacional, dando início à salvaguarda da história cultural da Fundação Bienal através da consolidação dos dossiês históricos, de artistas e de temas de arte, que se somam ao Fundo MAM SP e ao Fundo Ciccillo Matarazzo, conjuntos oriundos de estruturas mnemônicas arregimentadas anteriormente à consolidação da Bienal enquanto fundação autônoma.

Sua vocação educacional, e científica, se estrutura há décadas por meio da colaboração continuada com pesquisadores, professores, curadores, gestores, educadores, conservadores e outros profissionais dos mais diversos campos de conhecimento e áreas de atuação, processo que se intensificou exponencialmente desde o advento das tecnologias de informação e comunicação contemporâneas que, sob a égide da democratização do acesso, deram a ver a potencialidade dos acervos de pesquisa por meio do compartilhamento público gratuito.

O crescente adensamento das relações institucionais desenvolvidas a partir do compartilhamento de metodologias das Humanidades Digitais

empreendidas pelo Arquivo Histórico culmina na inauguração do Laboratório Experimental de Transformação Digital, dispositivo especificamente projetado para ampliar o acesso à memória coletiva engendrada a partir das exposições bienais, com foco na expansão da abrangência e capilaridade rumo a um diálogo expandido para novas comunidades e territórios, atingindo o recorde de mais de trinta mil acessos via digital em apenas um ano de amostragem.

O estabelecimento de cooperações técnicas com instituições artísticas e científicas, com foco na educação profissionalizante e tecnológica e enfoque no campo da informacionalização do patrimônio, visa estruturar uma rede dialógica que se propõe a estabelecer colaborações continuadas entre saberes e fazeres imbricados na transformação digital das coleções arquivísticas, bibliográficas e museológicas, centrais na reconfiguração do conhecimento no panorama contemporâneo, em que a construção de capacidades em rede determina a capacidade organizacional de renovar sua pertinência neste novo milênio.

Todos esses processos são iniciativas que trazem à luz as inter-relações entre práticas artísticas e dinâmicas sociais do tempo presente – sempre em relação ao passado, e também ao futuro – como a própria Wanda Svevo demarcou, ao propor a nomenclatura “Biblioteca e Arquivos Históricos da Arte Contemporânea” para o dispositivo que inaugurou e edificou sete décadas atrás, em meio a um mundo que se reestruturava logo após a Segunda Guerra Mundial.

No avançar do século XXI, seus interlocutores pós-modernos bebem da fonte dos referenciais históricos para, também a dias de hoje, compreendermos não somente as origens dos processos culturais atuais, mas, sobretudo, investigar os meios pelos quais podemos contribuir para que as próximas gerações conheçam as raízes de sua coetaneidade, sendo, a um só tempo, capazes de arvorar-se rumo aos capítulos vindouros dessa história, constituída também pela herança documental dos contextos artísticos.

Esse espaço híbrido, que tem como vocação a extroversão dos distintos acervos e a formação de públicos diversos – cuja genealogia remonta ao projeto do Laboratório de Mídias que o filósofo Vilém Flusser idealizou para a Fundação Bienal (ainda ao princípio da década de setenta do século XX) –, toma forma por meio da consolidação do Centro de Memória e Pesquisa da Fundação Bienal de São Paulo, que, em 2025, finca alicerces para que as novas gerações, nativo-digitais, se apropriem de sua história como patrimônio, material e imaterial e sigam com sua construção, através da leitura crítica da história social por meio da memória coletiva, estabelecendo sinapses entre múltiplas espacialidades e temporalidades.

SUMÁRIO

10 Conservação do Patrimônio

12 Imagens e Mídias

14 Gestão Arquivística

16 Sistemas de Informação

18 Pesquisa e Referência

SEMANA DE CAPACITAÇÃO

22 Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais

Luciana Amaral

27 workshop Gestão de ativos digitais em instituições culturais

Adriana Villela e Paulo Mafra

30 Princípios básicos de conservação preventiva: protocolos e soluções

Andréa Andira

34 planejamento do workshop Embalagens de conservação

Milton Vedoato Filho

36 Transformação digital

Martim Passos e Yuri Tavares

41 Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas

Frederico A. C. Camargo

45 Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo

Silvana Goulart

48 Tratamento de massa documental acumulada: estudo de caso

Eneida Cintra Labaki

51 O impacto da branquitude na pesquisa em arquivos: o que os “critérios” de supostos especialistas e pesquisadores escondem?

Luciara Ribeiro

53 projeto de pesquisa : A presença de Danilo di Prete no Brasil, 1940-1970

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

EIXOS

Conservação do Patrimônio

O Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) completa 70 anos em 2025. Neste momento de celebração e retrospectiva histórica, diversas ações foram realizadas, mesmo durante o contexto pandêmico de 2020, que impactou significativamente as relações sociais e culturais. Apesar das adversidades, a atuação do Arquivo manteve-se ativa. A análise dos Relatórios de Gestão da Fundação Bienal de São Paulo, anterior e posterior ao ano de 2020, nas seções dedicadas ao AHWS, evidencia a continuidade do Projeto Acervo, que reafirma a importância do arquivo como centro de documentação, pesquisa e difusão em artes moderna e contemporânea.

Entre as ações de conservação preventiva dos bens arquivísticos, destacamse, por exemplo, os procedimentos de higienização e acondicionamento de clippings compreendendo o período de 1946 a 1976, conforme registrado no Relatório Anual de 2017-2018. Esse acervo foi armazenado em 67 caixas-arquivo. Essas iniciativas evidenciam um conceito fundamental: a conservação preventiva compreende todas as medidas e ações que têm como objetivo evitar ou minimizar futuras degradações ou perdas de leitura e de material, partindo do contexto ou ambiente circundante de um bem cultural ou, mais frequentemente, de um conjunto de bens, independentemente da sua condição ou idade. Tais medidas são consideradas indiretas, pois não interferem diretamente com os materiais nem com a estrutura dos bens, tampouco modificam sua aparência.1 A conservação preventiva no AHWS inclui diagnósticos do estado do acervo, higienizações e planejamento rigoroso para tratamento e acondicionamento dos diversos suportes presentes no arquivo. Em 2020, por exemplo, foram realizados investimentos no controle ambiental, com a instalação de sistemas de ar-condicionado em todos os ambientes, operando de forma ininterrupta e em conjunto com desumidificadores e dataloggers. Ainda nesse período, entre 2020 e 2021, foi executado um tratamento de conservação específico para conter a deterioração da documentação iconográfica em suportes flexíveis (filmes), utilizando-se a técnica de congelamento, priorizando os itens mais sensíveis.

O Relatório Anual de 2022-2023 destacou a ampliação das ações de digitalização do acervo. No mesmo período, foi realizada, com o apoio de profissionais especializados, a higienização de todo o acervo bibliográfico, composto por cerca de 28 mil volumes já catalogados.

Observa-se uma evolução na forma como os relatórios da fundação denominam essas iniciativas ao longo dos anos. O relatório de 20172018 2 apresenta a palavra “memória”; o de 2019-2021 3 destaca “ações de conservação preventiva”; e o de 2022-2023 4 retoma novamente o tema “memória”. Essa oscilação semântica revela o compromisso contínuo com a preservação da história institucional e artística. Nesse ponto, é essencial lembrar o conceito de memória coletiva formulado por Maurice Halbwachs, que a entende como uma construção social: não nos lembramos

1 ICOM-CC. Terminologia para a definição da conservação-restauro do património cultural material. Conservar Património, Lisboa, n.6, pp.55–56, dez. 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/ pdf/5136/513653430006.pdf. Acesso em: 23 mai. 2025.

2 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2017–2018. São Paulo, 2018. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2017-2018/. Acesso em: 23 mai. 2025.

3 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2019–2021. São Paulo, 2022. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2019-2021-2/. Acesso em: 22 mai. 2025.

4 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2022–2023. São Paulo, 2024. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2022-2023/.

isoladamente, mas em função dos grupos aos quais pertencemos. A memória, portanto, é um elo entre o indivíduo e a coletividade, entre o presente e o passado compartilhado. O AHWS, ao conservar documentos e registros em diálogo com a bienal, cumpre um papel central nesse processo de articulação da memória coletiva das artes no Brasil.

A preocupação original da fundadora, Sra. Wanda Svevo, com a preservação dos processos e registros relacionados à Bienal de São Paulo manifesta-se hoje como um conjunto de ações estruturadas de gestão, que envolvem planejamento, captação e alocação de recursos financeiros, humanos e tecnológicos. Nesse sentido, Hollós amplia o conceito de preservação, ao defini-la como uma disciplina arquivística de caráter multidisciplinar. Preservar implica necessariamente dialogar com a memória, e é por meio das ações de conservação que essa preservação se concretiza.5 O reconhecimento da importância do trabalho desenvolvido pelo AHWS foi consolidado com o tombamento do acervo pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em 1993, e, posteriormente, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio da Cidade de São Paulo (Conpresp), em 2017. Tais reconhecimentos ratificam o compromisso contínuo do arquivo com a salvaguarda e a conservação preventiva da memória da arte moderna e contemporânea.

5 HOLLÓS, A. C. Fundamentos da preservação documental no Brasil. Acervo, Rio de Janeiro, v.25, n.2, pp.13-30, jul./dez. 2010. Acesso em: 23 mai. 2025.

Imagens e Mídias

A memória não se resume a guardar imagens do passado, mas se revela também na forma como elas são escolhidas e organizadas. Imagens presentes em museus, arquivos e bibliotecas acionam lembranças e conexões afetivas, ativando fragmentos de histórias pessoais e coletivas. No âmbito arquivístico, especialmente em arquivos ligados à produção artística, a documentação iconográfica ocupa um lugar central na elaboração de narrativas visuais que atravessam tempos, temas e interpretações. O eixo de Imagens e Mídias do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) articula práticas e técnicas de tratamento documental, organização e curadoria de conteúdo que não apenas asseguram a preservação física e digital das imagens, mas também permitem que elas sejam contextualizadas de acordo com os olhares e demandas contemporâneas.

Esse eixo responde por um extenso e heterogêneo acervo visual composto por ampliações fotográficas, polaroides, negativos em vidro e filmes flexíveis, bem como registros nato digitais em foto, áudio e vídeo. O processo de documentação exige, portanto, a construção de critérios descritivos e classificatórios capazes de dar conta de múltiplas materialidades e finalidades de uso. Inventariar, catalogar e indexar essa documentação iconográfica vai além da simples nomeação e implica identificar autores, registrar condições de conservação, descrever elementos compositivos e, sobretudo, compreender o contexto de produção de cada imagem, seja pela perspectiva da gestão do evento Bienal ou como atividade de resgate da memória institucional e da arte contemporânea.

Associada ao processo de documentação, a digitalização do patrimônio visual gera versões digitais de documentos físicos e reforça o compromisso do AHWS com a preservação, o acesso e a longevidade do acervo iconográfico. Para isso, o eixo adota uma seleção criteriosa das coleções mais frágeis ou de maior demanda, considerando estado de conservação, relevância histórica e frequência de consulta. Esse critério assegura que recursos críticos sejam priorizados na digitalização, que prevê um arquivo de alta fidelidade para preservação a longo prazo e uma versão simplificada para consulta online, ambos identificados de forma padronizada para otimizar armazenamento e rastreabilidade.

Atualmente, 68% da documentação iconográfica em suportes físicos foi catalogada, abrangendo o período de 1948 a 2003, o que representa cerca de 80 mil documentos já descritos. Esse esforço revela a amplitude da produção imagética acumulada ao longo de décadas no AHWS. Além disso, mais de 25 mil imagens em suportes físicos já foram digitalizadas, e aproximadamente 40 mil imagens nato digitais foram catalogadas, principalmente os registros fotográficos produzidos entre a 26ª e a 31ª Bienal de São Paulo. Além desse conjunto, fitas de vídeo e gravações sonoras foram digitalizadas e ampliam as fontes documentais disponíveis para consulta e pesquisa.

Para otimizar a busca e o acesso aos registros históricos e atuais, o banco de dados em Collective Access foi integrado ao ResourceSpace, plataforma interna de gestão de imagens da Fundação Bienal. Juntas, as ferramentas armazenam mais de 200 mil documentos — entre registros fotográficos, audiovisuais, sonoros e 90 mil documentos textuais digitalizados. Apenas entre 2022 e 2023, o acervo ganhou mais de 70 mil novas imagens, das quais cerca de 15 mil referem-se a eventos recentes.

Para o futuro, o desafio desse eixo de trabalho está em ampliar a indexação sem perder de vista a qualidade descritiva. Há ainda um campo fértil para o desenvolvimento de ferramentas que explorem a inteligência artificial para reconhecimento de padrões visuais, sugerindo indexações automáticas que possam ser validadas pela equipe. A integração das imagens à produção de conteúdo online, como os compartilhamentos em plataformas de redes sociais digitais, também aponta para a importância de garantir a consistência e a atualização dos metadados. Dessa forma, o eixo de Imagens e Mídias atua como uma instância analítica da memória visual da Bienal que, ao identificar e descrever, constrói sentidos, e ao preservar, amplia o acesso e projeta o passado para novos futuros.

Gestão Arquivística

O núcleo de Gestão Arquivística, como parte do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS), é responsável pela administração documental na Fundação Bienal de São Paulo (FBSP). Nesse sentido, sua atuação é fundamental para a gestão administrativa e transparência de processos, adaptando conceitos e práticas às novas compreensões sobre a função dos arquivos institucionais, garantindo maior eficiência na produção, uso, manutenção, avaliação, destinação e acesso aos seus documentos.

Sendo composto pelos fundos Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP),1 FBSP e Francisco Matarazzo Sobrinho, além dos dossiês de artistas, dossiês de temas de arte e clippings, o acervo do AHWS foi objeto de diversos projetos nas últimas décadas e, em especial, o Projeto Acervos, que desde 2014 realiza um processamento mais estruturado, cujo objetivo é tratar de forma horizontal e integrada os diversos gêneros documentais.

Naquele ano, foi realizado o inventário da documentação do Arquivo Histórico, abarcando da fundação do MAM-SP à 25ª Bienal de São Paulo, compreendendo, assim, mais de 50 anos de história em um total de aproximadamente 2.450 caixas. Como resultado, obteve-se a criação dos instrumentos técnicos necessários ao tratamento dos documentos, sendo eles o Quadro de Arranjo e a Cronologia de eventos MAM-Bienal.

A partir de 2015, foi sistematizado um plano de ação permanente para o processamento técnico da documentação textual com procedimentos de classificação, ordenação, catalogação e notação, criação de novas ferramentas e instrumentos de pesquisa e a disponibilização das informações no banco de dados Collective Access. Vale ressaltar que a integração dos registros de todos os eixos do AHWS em um mesmo banco de dados possibilitou a criação de um ecossistema representativo da atuação da Fundação Bienal, de seus eventos produzidos e geridos, bem como dos artistas e obras participantes.

Em 2022, como forma de ampliar o acesso ao acervo, foi iniciado, em conjunto com o núcleo Imagem e Mídia, o projeto de digitalização de toda a documentação textual já tratada até o momento. Desde então, já foram digitalizadas mais de 850 caixas, disponibilizando mais de 80 mil documentos para consulta via interface pública no site da Fundação Bienal. Após dez anos do início do Projeto Acervos, foi finalizada a catalogação de toda a documentação textual dos fundos MAM-SP e Bienal 2 presentes no Arquivo Histórico, com o material inteiramente disponibilizado em nosso banco de dados para consulta ao público, aguardando futura digitalização. Concomitantemente, a equipe de Gestão Arquivística se desdobra sobre os procedimentos de higienização, acondicionamento e catalogação das mais de 15 mil pastas e 277 caixas de dossiês e clippings, respectivamente.A execução das atividades previstas demanda níveis distintos de conhecimento

1 A responsabilidade da documentação da criação do MAMSP até o ano de 1962, ano da criação da Fundação Bienal, foi legada à Bienal pelo criador da instituição, Francisco Matarazzo Sobrinho.

2 O fundo Francisco Matarazzo Sobrinho foi tratado por inteiro como parte de outros projetos entre os anos de 2006 e 2014.

arquivístico de âmbito teórico e técnico. Para tanto, além da equipe fixa, o eixo tem como apoio o programa de estágio do AHWS. Pensado para ser mais do que uma experiência de trabalho, o estágio proporciona o desenvolvimento de competências e habilidades no tratamento da documentação textual, abordando tanto noções técnicas quanto práticas de todo o processamento, da classificação à notação dos documentos. Possibilitando, assim, uma formação básica, porém robusta, para a atuação na área de arquivos e acervos documentais.

Concluído o processamento técnico textual até a 25ª Bienal de São Paulo, a equipe se organiza para os desafios dos próximos anos com a continuação do tratamento da documentação acumulada a partir da 26ª Bienal de São Paulo, para também encaminhá-la para digitalização e disponibilização ao público.

O núcleo Gestão Arquivística também almeja a ampliação da gestão documental em direção à produção corrente em ambiente digital. Para isso, a implementação de um sistema de gerenciamento de documentos digitais, seguindo as diretrizes da teoria arquivística para garantir a organização, controle, destinação e acesso, além da preservação adequada da documentação, é um passo fundamental que envolve a compreensão e a participação de todas as áreas da instituição, garantindo assim a preservação da memória institucional de forma sistemática e segura.

Sistemas de Informação

A memória institucional, longe de se restringir a um acervo físico ou ações de preservação de documentos, ganha uma dimensão nova quando associada a um sistema que permite sua ativação, organização e circulação de informações. No contexto arquivístico contemporâneo, a memória é compreendida não apenas como um conjunto de evidências do passado, mas como uma construção contínua de significados e, consequentemente, uma narrativa em constante elaboração. É nesse contexto que o eixo de Sistemas de Informação do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) se apresenta como um modelo de metadados que operam como elementos estruturantes da memória digital. Ao organizar os dados com base em padrões de descrição, vocabulários controlados e relações entre objetos, entidades e eventos, o sistema transforma o acervo em um repositório ativo de memória, capaz de dialogar com pesquisadores e públicos diversos.

A área de Sistemas de Informação do AHWS exerce papel estratégico na preservação, gestão e difusão do acervo documental da Fundação Bienal de São Paulo, alinhando-se aos princípios do conhecimento livre e da cultura digital. Desde 2015, a equipe do arquivo desenvolve um modelo próprio de gestão de acervos baseado no software livre Collective Access, concebido para integrar dados arquivísticos, museológicos e bibliográficos. O sistema permite a descrição interligada de documentos, exposições, obras, artistas e instituições, oferecendo uma leitura relacional e aprofundada do acervo.

Com mais de um milhão de documentos acumulados desde 1948, o acervo do Arquivo Bienal é um dos mais representativos da história da arte moderna e contemporânea no Brasil. Cerca de 93% da documentação textual produzida entre 1948 e 2002 já foi catalogada e, paralelamente, intensificou-se o processo de digitalização, que resultou em mais de 90 mil representantes digitais da documentação textual, cerca de 25 mil imagens e 1.400 mídias sonoras e audiovisuais.

Nesse processo, ampliou-se a abrangência histórica da base digital dos fundos Francisco Matarazzo Sobrinho, MAM-SP e Bienal. Com mais de 400 mil registros disponíveis na plataforma online, o sistema integra informações em um único ambiente de acesso, potencializando a pesquisa e a apropriação pública do acervo que, nos últimos três anos, registrou mais de 150 mil visualizações de páginas na interface www.arquivo.bienal.org.br.

No entanto, à medida que os repositórios digitais crescem em volume e complexidade, surgem desafios técnicos e institucionais que exigem atenção contínua e a constituição de uma cultura organizacional voltada para a preservação digital alinhadas com práticas de gestão documental e institucional.

Considerando esse contexto, como próximos passos, prevemos o desenvolvimento e a implementação da política de preservação digital da

Fundação Bienal de São Paulo, crucial na consolidação de um sistema de informação robusto, seguro e de longo prazo. Consequentemente, são necessárias estratégias de preservação ativa, como a migração e a conversão sistemática de arquivos, baseadas em modelos de metadados dinâmicos que assegurem a rastreabilidade das transformações aplicadas. Essa estrutura deverá ser capaz de responder às mudanças tecnológicas e legais, como o uso de inteligência artificial, além de garantir a proteção de dados pessoais e os direitos autorais associados ao acervo, que inclui registros artísticos, documentos administrativos e conteúdos digitais contemporâneos

Por fim, para que o eixo de Sistemas de Informação siga cumprindo seu papel como mediador da memória institucional, será necessário investir em soluções técnicas, formação continuada e inovação colaborativa. Somente assim será possível assegurar um acesso sustentável, aberto e qualificado ao patrimônio documental da Fundação Bienal de São Paulo.

Pesquisa e Referência

O acervo do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) é uma fonte essencial para pesquisas sobre a história da Fundação Bienal de São Paulo, suas exposições e a própria história da arte no Brasil e no mundo. A organização da massa documental acumulada ao longo de décadas, somada às coleções desenvolvidas, oferece uma base sólida de referência para a produção de conhecimento. Esse acervo, estruturado para facilitar o acesso à informação, se consolida como uma ferramenta fundamental para pesquisadores.

O trabalho do Eixo de Pesquisa e Referência está voltado para a mediação do acesso à informação, atuando como ponte entre os acervos e os públicos, oferecendo caminhos para que pesquisadores, artistas, curadores, estudantes e interessados em geral possam encontrar as informações necessárias para compor suas pesquisas e fornecer fontes para seus desdobramentos.

O foco está em responder a demandas de pesquisa, propor articulações, compartilhar referências, levantar contextos e aprofundar buscas com o objetivo de elucidar questões tanto internas quanto externas ao Arquivo e à Bienal de São Paulo. O eixo de Pesquisa e Referência se relaciona com a totalidade da documentação salvaguardada no arquivo e atua de forma transversal aos demais eixos, com a proposta de ativar a documentação, visando sua circulação.

A referência, também diretamente ligada ao acervo bibliográfico, trata toda documentação bibliográfica (livros, catálogos, periódicos, teses, guias) recebida ao longo dos últimos 70 anos. Por meio de intercâmbio entre artistas, instituições culturais e parceiros ligados às artes, Wanda Svevo coletava o material, organizava e o tornava acessível. Hoje, como única coleção em crescimento, recebe materiais de doações e contrapartidas, compondo uma biblioteca especializada em arte moderna e contemporânea, que conta com um acervo de aproximadamente 40 mil itens.

Com o início e continuidade do tratamento documental arquivístico de fundos e coleções, o acesso à informação tem se tornado cada vez mais facilitado. O que antes exigia uma busca minuciosa entre grandes volumes de caixas, hoje pode ser localizado diretamente no banco de dados, permitindo ao pesquisador identificar rapidamente o conjunto documental de interesse e acessar a pasta específica. Com a informatização do acervo, a pesquisa ganhou novas perspectivas, sendo possível realizar consultas online e efetuar o download de grande parte dos documentos, graças a um projeto contínuo de digitalização. Mesmo os materiais ainda não digitalizados já se encontram mapeados ou catalogados, o que possibilita um acesso preciso, seja presencialmente ou por meio de solicitações remotas.

O AHWS atende cerca de 500 pesquisas anualmente, sendo 30% de seu público estrangeiro. Presencialmente, o arquivo recebe mais de 100 pessoas anualmente, incluindo visitas técnicas de universidades e instituições

culturais. A equipe de pesquisa atua em conjunto com a Superintendência de Comunicação na captura de imagens do acervo, com o objetivo de divulgação em redes sociais. O arquivo também colabora com diversos agentes culturais, oferecendo apoio à pesquisa e cedendo imagens para exposições, catálogos, publicações e outras formas de difusão.

Espera-se que, com a continuidade do tratamento documental, o eixo amplie cada vez mais sua forma de fornecer o acesso à informação. Além disso, como perspectiva futura, espera-se o estreitamento dos laços com outras instituições, visando novas parcerias de pesquisa e projetos de difusão. Em um ano em que se comemoram os 70 anos de criação do Arquivo Histórico Wanda Svevo, reafirma-se o compromisso com a preservação da memória e com o fortalecimento de sua atuação como espaço de referência para a pesquisa.

SEMANA DE CAPACITAÇÃO

Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais

Luciana Amaral

imagem & informação: organização de acervos históricos e fotográficos

Susan Sontag foi premonitória, na década de 1970, quando escreveu: “Hoje em dia, tudo que existe, existe para terminar numa fotografia”. Sua constatação advém da análise histórica do volume de imagens registradas no mundo, onde quaisquer assuntos estavam sendo fotografados e divulgados, tornando-se um meio de comunicação direto, em que um grande público consumia imagens fotográficas em diversas mídias, revistas, jornais, cartões postais, livros, exposições etc.

Com o passar dos anos, as pessoas foram percebendo que as fotografias duravam muito tempo. Isso possibilitou seu acúmulo e sua utilização pelo homem para conhecer imagens de lugares nunca visitados e detalhes nunca vistos antes. “A necessidade de comprovar a realidade e ampliar a experiência através da fotografia representa um consumismo estético pelo qual todos nós hoje em dia estamos obcecados” (Sontag, 1983, p. 23).

Historicamente podemos afirmar que a popularização da produção de fotografias se deu graças ao trabalho da empresa Kodak, com a fabricação e a comercialização de câmeras e filmes a preços mais acessíveis. Seu fundador, George Eastman, entendeu que as fotografias eram um produto atraente e que facilitar o acesso a elas seria um grande negócio. Tanto que a frase do slogan da sua primeira câmera Brownie, lançada em 1900, é conhecida até os dias de hoje: “Você aperta um botão, nós fazemos o resto”, mostrando que, a partir da compra da câmera Kodak, pessoas comuns poderiam fotografar, não mais dependendo da contratação onerosa de um fotógrafo. Devemos ressaltar a segunda parte da frase, “fazemos o resto”, dando a entender que quem finalizava a produção da imagem era a Kodak, ou seja, era uma maneira de capitalizar a produção da imagem cuja revelação dependia da compra dos serviços de laboratórios fotográficos. Dessa maneira, a Kodak popularizou o registro fotográfico, mas ficou com a parte da revelação, e o consumidor necessitava pagar por esse serviço.

Com o advento da câmera digital muda-se o paradigma de registro e revelação de fotografias, já que o proprietário da câmera, a partir de um computador e software adequado, não precisaria mais de laboratórios para ver suas fotografias, até então, impressas em papel. O passo seguinte foi o desenvolvimento de celulares que capturassem imagens, o que possibilitou a difusão destas de uma forma até então inimaginável, em que praticamente

no mesmo momento do registro fosse possível visualizar e enviar a fotografia para diversos lugares e pessoas, que poderiam ver instantaneamente a imagem registrada. Isso possibilitou a produção e o acúmulo de imagens de uma maneira inédita na história da fotografia. Então temos que repensar a questão do registro fotográfico e de sua difusão. No século XX a imagem era vista como a evidência de um fato registrado imageticamente. Com o advento do celular, a fotografia é também utilizada como forma de comunicação, ampliando seu escopo de produção e difusão.

Jean-Claude Gardin (2001) alerta sobre a grande quantidade de informação acumulada e ainda afirma que, mesmo que todo esse estoque seja organizado e fique disponível, tamanho é seu volume que se tornou inviável sua leitura, denominando esse momento de “crise das publicações científicas”. Podemos afirmar que essa crise se estende não apenas à documentação textual, mas também ao acesso às imagens. Como já publicado pela Future Source Consulting, em 2017 já existia uma quantidade de 4 bilhões de pessoas ao redor do mundo tirando fotos constantemente, somando-se a cerca de 1,2 trilhão de fotos por ano. Segundo a Photography Statistics & Trends, em 2024 estimou-se que aproximadamente 1,94 trilhão de fotos seriam tiradas em todo o mundo. Isso equivale a cerca de 5,3 bilhões de fotos por dia, ou aproximadamente 61.400 fotos por segundo. A entrada do celular como equipamento de registro de imagens impulsionou vertiginosamente o volume de imagens registradas. Isso fica claro quando verificamos a quantidade de imagens postadas em redes sociais, também em 2024. No Instagram foram postadas cerca de 95 milhões de imagens por dia (fonte: Instagram Press), no Flicker foram postadas cerca de 3,5 milhões de fotos, mesmo sendo uma rede atualmente pouco utilizada. Outro dado de uma plataforma não tão popular, a Fotto, uma nova plataforma de venda de fotos que em 8 meses recebeu cerca de 30 milhões de fotografias, portanto, uma média de 100 mil fotos postadas por dia. Podemos afirmar que esse volume de imagens postadas se dá graças ao advento dos smartphones, pois, de acordo com a KeyPoint Intelligence, cerca de 85% de todas as fotos postadas vêm desses aparelhos.1

Devemos ressaltar que os volumes de imagens acima citados se referem a tudo que está sendo fotografado e disponibilizado. Quando o assunto a ser discutido é acervo de fotografias nato-digitais que fazem parte de um arquivo institucional, sua produção e salvaguarda limita-se a fotografias que reflitam a história da instituição, portanto, o volume de produção, em comparação às criadas como forma de comunicação nas redes sociais, é em menor escala, mas, mesmo assim, é grande em comparação com acervos fotográficos analógicos, limitados por rolos de filmes fotográficos e custos de revelação em laboratórios.

A salvaguarda de acervos fotográficos em instituições de memória tem como proposta final a difusão das fotografias como fonte de pesquisa e elaboração de exposições, livros etc. Então, vem a pergunta, como preservar e difundir essas imagens nato-digitais?

Nesse momento de imensa produção imagética, será necessário ter clareza de que nossa missão não pode ser determinada pela avalanche de conteúdo, mas guiada a preservar pedaços dessa produção, filetes pequenos, aqui e ali, escolhidos, colecionados e preservados intencionalmente. Esse filete arquivístico muitas vezes será o que nós poderemos, de forma sustentável, preservar e difundir em longo prazo (Schisler, 2023).

1 Disponível em: https://meiobit. com/arquivo/333245/4-bilhoesde-pessoas-ao-redor-do-mundofazem-fotos-regularmente/ Acesso em: 20 abr. 2025.

Então vem uma segunda questão: o que guardar? A guarda de todo acervo digital garante seu acesso para pesquisa e difusão? Adentramos na questão acima citada: o volume de acervo disponibilizado é passível de análise do conteúdo? Se um pesquisador precisar ver 1.000 imagens de um evento, isto transforma-se em 17 minutos de visualização de imagem no monitor, caso ele demore 1 segundo para observar cada imagem. Se levarmos em consideração que o cérebro consegue analisar 15 imagens de uma só vez, ele levará 2 minutos para ver todas as 1.000 imagens, mas ainda ficamos com a questão. Ele precisará realmente ver todas essas 1.000 imagens sobre o mesmo assunto ou evento?

Outro fator a ser levado em consideração em arquivos fotográficos é que a fotografia pesquisada em arquivos tem um papel distinto de uma fotografia exposta numa galeria de arte. A imagem por si só é muda, e o pesquisador tem que ter condições de entender seu conteúdo, diferente de um espectador que tem como proposta visual (às vezes) simples deleite estético. Portanto, se faz necessário um trabalho da equipe interna de identificação do conteúdo dessas imagens para que o pesquisador saiba do que se trata a fotografia. Por exemplo, uma imagem pode ser identificada como “fotografia de uma casa”, mas melhor que isso é saber qual o estilo arquitetônico, quem morou ali ou, pelo menos, o endereço. Há equipe capaz de catalogar de maneira mais completa todo esse volume de imagens digitais?

Outro fator é a questão de espaço de armazenamento. A guarda de acervos fotográficos analógicos é completamente diferente da guarda de acervos digitais. No analógico calculamos metros lineares, quantas pastas, caixas etc. Citamos a obra “24 hrs in photos”, de Erik Kessels, que demonstrou fisicamente o número de fotografias registradas num dia e postadas no Flicker, onde cerca de 6 milhões de fotografias empilhadas lotaram uma sala do museu Foam, na Holanda, em 2011. A proposta do artista foi exatamente mostrar que o volume de acervo fotográfico nato-digital produzido diariamente é inviável de ser guardado num espaço físico. Ou seja, conseguimos guardar em servidores muito mais imagens do que numa sala com arquivos. Por outro lado, a guarda de quaisquer acervos digitais prescinde de hardware e software. Nos ateremos à questão do hardware, onde será necessário verificar constantemente quanto de espaço em servidores será preciso para guardar esse material que tem um crescimento exponencial. Outro fator são as redes de acesso, em que imagens “pesadas” demoram para serem carregadas, levantando mais um ponto, deve-se guardar em alta resolução para guarda permanente e baixa resolução para acesso? Obviamente, isso gera custos para compra de espaço para guarda, além de backups de segurança.

Outro fator a ser levado em consideração são as questões dos direitos autorais e direitos de imagem, que comumente são confundidos. O direito autoral refere-se ao direito de o fotógrafo receber pagamento pela criação da fotografia, e o direito de imagem protege a pessoa fotografada quanto à divulgação de sua imagem. Esses dois pontos deverão estar mapeados no momento de se decidir o que pode ser disponibilizado. O que não tem direitos autorais deve ser guardado? Para que e até quando?

Reunindo essas questões já temos alguns pontos de reflexão sobre o que guardar e disponibilizar num acervo de imagens digitais.

Com relação ao volume de fotografias, quando há a possibilidade de tratar diretamente com o produtor das imagens nato-digitais (fotógrafo), temos a facilidade deste poder fazer a curadoria e estabelecer, com critérios técnicos, o que deve ser guardado e tratado tecnicamente pela equipe de difusão do acervo. Se não existe essa possibilidade, quando os acervos são adquiridos sem a curadoria do fotógrafo, se faz necessária a elaboração de critérios de seleção. Adentramos então em tema polêmico: a seleção do que deve ser salvo, guardado, descrito e disponibilizado. A discussão sobre a história dos vencidos, suscitada por Walter Benjamin, aponta a questão da construção histórica feita a partir dos documentos que foram salvos ativamente, por se tratarem de documentos identificados como valiosos, e outros que foram “esquecidos” ou sobreviveram de alguma maneira ao acaso e não fazem parte da história oficial. Isso gera um desconforto quando se torna necessária a escolha do que deve ser guardado, ou seja, o papel do documentalista na decisão do que deve ser salvo ou descartado para as futuras gerações. Um ponto importante a ser considerado para a seleção é o perfil do usuário, tipos de pesquisas frequentes, o acervo disponível e ainda em tratamento. Portanto, o estudo do perfil do usuário e dos tipos de pesquisas realizadas, não só traz informações estatísticas, como também pode auxiliar a estabelecer prioridades na organização do acervo fotográfico nato-digital, mostrando qual é o assunto mais pesquisado. Um contraponto importante é estar atento a material inédito que deve ser disponibilizado para abrir outra demanda de pesquisa, ou seja, é um diálogo importante que deve ser frequente entre pesquisador e equipe técnica. A questão dos direitos autorais é outro fator a ser considerado, apontando as prioridades quanto ao tratamento do acervo que, a princípio, nos dá duas saídas: procurar obter esses direitos de uso da imagem ou priorizar o tratamento de acervos que já tenham esses direitos garantidos. Cientes do que será tratado e guardado e, provavelmente, fará parte da memória visual da humanidade, vemos a importância do estabelecimento de critérios de seleção e guarda pautados em diversos pontos que devem ser discutidos exaustivamente pela equipe interna. Infelizmente, como afirmado anteriormente, a história sempre foi e será construída pelas informações guardadas e acessíveis, ou seja, o processo de seleção estará presente nas ações de tratamento de acervo e, caso não sejam pensadas a longo prazo, podem levar a um colapso por questões diversas, como, por exemplo, falta de espaço no servidor, demandando descarte sem critério, obsolescência dos equipamentos etc., e tudo poderá ser perdido. O melhor caminho é pensar conjuntamente em critérios de salvaguarda, documentar as decisões tomadas, garantindo a permanência dos critérios estabelecidos para a manutenção do acervo fotográfico.

AMARAL, Luciana. A importância do tratamento intelectual das fotografias visando à recuperação da imagem. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2009.

AQUINO, L. Picture ahead: a Kodak e a construção do turistafotógrafo. São Paulo: Edição do Autor, 2016.

GARDIN, Jean-Claude. Vers un remodelage des publications savantes: ses rapports avec les sciences de l’information. Troisieme colloque d’ISKO-France: conférence invitée. In: CHAUDIRON, S.; FLUHR, C. Filtrage et résumé automatique de l’information sur les reseaux. Paris: Université de Paris X, 2001. p.3-11.

GONÇALVES, Cássia Denise. Análise do documento fotográfico e sua representação documentária. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2000.

PRETTO, Marcelo. Direito autoral para fotógrafos. Fortaleza: Iphoto Editora, 2013.

SCHISLER, Millard. “Preservação de fotografias nato-digitais”. Cadernos Técnicos de Conservação Fotográfica, v.9, 2023.

SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1983.

Gestão de ativos digitais em instituições culturais

workshop prático – estratégias e lições aprendidas

Adriana Villela e Paulo Mafra

museu de arte de são paulo (masp)

Sobre o Workshop

Este workshop tem como objetivo compartilhar estratégias práticas e lições aprendidas na estruturação de sistemas de gestão de ativos digitais em instituições culturais. A proposta é apresentar uma abordagem real e aplicável, baseada em um estudo de caso abrangente, que envolveu desde o diagnóstico documental até a implementação de políticas e tecnologias voltadas para a preservação e o acesso qualificado a acervos digitais.

Duração: 2 horas

Público-alvo: profissionais de museus, arquivos, bibliotecas, centros de documentação e demais instituições culturais.

Objetivo: apresentar caminhos acessíveis para que instituições culturais desenvolvam e fortaleçam suas práticas de gestão de ativos digitais.

Ministrantes: Adriana Villela e Paulo Cesar Mafra

Bloco 1 – Introdução e finalidade

Discussão sobre a importância crescente da gestão de ativos digitais adiante da transformação digital no setor cultural.

A digitalização e a organização do acervo são estratégias essenciais para garantir preservação, segurança e democratização do acesso.

Finalidade: estabelecer estruturas técnicas e organizacionais que assegurem a guarda permanente dos documentos digitais e seu uso qualificado no presente e no futuro.

Desafios comuns em instituições culturais

Produção documental fragmentada, dispersa e sem padronização.

Acervos armazenados em suportes frágeis, obsoletos ou sem cópias de segurança.

Falta de políticas institucionais claras para preservação digital.

Dificuldades técnicas na escolha de softwares e integração de sistemas.

Resistência institucional à mudança de práticas e à adoção de novas rotinas.

Bloco 2 – Estratégias e ferramentas adotadas

Diagnóstico da produção documental e elaboração de plano de classificação.

Padronização de vocabulários e metadados para garantir consistência na catalogação.

Digitalização de materiais frágeis e obsoletos.

Aproveitamento de iniciativas anteriores de organização/catalogação dos acervos.

Uso de softwares abertos.

Criação de políticas institucionais claras sobre preservação digital e uso dos acervos.

Bloco 3 – Resultados e impactos

Implantação de infraestrutura tecnológica adequada.

Documentos organizados desde a origem.

Acesso estruturado ao acervo digital.

Equipes capacitadas e engajadas.

Consolidação de uma nova cultura voltada para a gestão eficiente da memória institucional.

Recomendações e aplicações práticas

Iniciar com diagnóstico e organização básica da produção documental.

Utilizar ferramentas acessíveis e que permitam evolução gradual.

Envolver as equipes desde a fase inicial do projeto.

Elaborar políticas simples e funcionais, com possibilidade de revisão contínua.

Adaptar boas práticas às especificidades de cada instituição.

Bloco 4 – Gestão de ativos digitais no Masp

Estratégias de gestão documental

Diagnóstico e plano de classificação documental.

Revisão e atualização do vocabulário controlado de artes.

Inventário dos ativos digitais visuais e documentais do acervo museológico e do arquivo do Centro de Pesquisa e normalização de metadados desses ativos.

Definição das fichas catalográficas.

Digitalização de itens em suportes frágeis, degradados e obsoletos.

Preservação digital – fundamentos, infraestrutura e práticas

Aquisição de equipamentos para preservação digital.

Diagnóstico da maturidade digital da instituição.

Desenvolvimento da Política de Preservação Digital.

Implementação dos sistemas: Fluig, Archivematica e ResourceSpace.

Pesquisa, acesso e difusão do acervo digital

Instalação e customização do Software CollectiveAccess.

Adequação de planilhas, listas e tabelas para migração.

Encerramento e troca de experiências

Este workshop é um convite à ação. As práticas apresentadas são replicáveis e podem ser adaptadas de acordo com a realidade de cada instituição. A partir dessa experiência, esperamos contribuir com a evolução da gestão de ativos digitais no setor cultural brasileiro.

Ao final, propõe-se um espaço de diálogo aberto, troca de dúvidas, sugestões e compartilhamento de vivências entre os participantes, fortalecendo a rede de colaboração entre instituições culturais.

Princípios básicos de conservação preventiva: protocolos e soluções

Resumo

O objetivo desta comunicação é apresentar os princípios básicos da Conservação Preventiva, de modo a colaborar com profissionais de arquivos, bibliotecas, museus e demais instituições com acervos que estejam em busca de atualizar seu conhecimento e, sobretudo para aquelas(es) interessadas(os) em ingressar na área.1

Sendo assim, preparamos um panorama que contempla as principais medidas em Conservação Preventiva, incluindo protocolos e recomendações que visam qualificar os procedimentos e oferecer segurança aos acervos e aos profissionais que neles atuam.

Para iniciar, vale retomarmos conceitos que parecem sinônimos, entretanto, possuem concepções distintas. Estamos falando de preservação, conservação e restauração.

Conceitos de preservação

Conjunto de medidas e estratégias de ordem administrativa, política e operacional que contribui direta ou indiretamente para a integridade dos materiais/objetos (Ibram, 2019, p. 10).

Significa proteger uma coisa ou um conjunto de coisas de diferentes perigos, tais como a destruição, a degradação, a dissociação ou mesmo o roubo; essa proteção é assegurada especialmente pela reunião, o inventário, o acondicionamento, a segurança e a reparação (Desvallées, Mairesse, 2013, p. 79)

É a soma das medidas necessárias para garantir a acessibilidade permanente –para sempre – do patrimônio documental (Edmondson, 2002, p. 15).

As medidas de preservação incluem:

— aquisição

— inventário

— catalogação

— conservação — restauração — digitalização

1 A comunicação apresentará referências técnicas (bibliográficas e ilustrativas), a fim de proporcionar melhor compreensão dos públicos.

Conceitos de conservação

Garantir o estado de um objeto contra toda forma de alteração, a fim de mantê-lo o mais intacto possível para as gerações futuras (Desvallées; Mairesse, 2013, p.79-80).

Definida como aquelas ações que, envolvendo o mínimo de intervenção técnica, são requeridas para prevenir uma deterioração ulterior do documento original (Edmondson, 2002, p.15).

Técnicas de intervenção aplicadas aos aspectos físicos de objetos de museus, arquivos e bibliotecas com o intuito de se obter estabilidade química e física, de maneira a prolongar sua vida útil e assegurar sua disponibilidade contínua (Resource..., 2004, p.37)

As ações de conservação incluem:

— registro

— diagnóstico de conservação

— higienização

— manuseio

— acondicionamento

— armazenamento

— transporte

— segurança

— monitoramento ambiental (iluminação natural e artificial, temperatura e umidade relativa, poluentes atmosféricos e agentes biológicos)

— gestão de riscos

— plano de emergência

Dentre ações pontuadas acima, nos atentaremos especialmente à higienização, ao manuseio, ao acondicionamento, ao armazenamento, à segurança e ao monitoramento ambiental, aquelas consideradas como básicas para quaisquer instituições com acervos.2

Conceito de restauração

Caracteriza-se, basicamente, por uma ação de intervenção individual e tem como objetivo devolver os acervos danificados ao seu uso e acesso, através do tratamento adequado, por um profissional com formação técnica especializada, com a mínima alteração possível do seu estado original (Silva, 2012, p. 80).

A partir dessas breves conceituações, observaremos a natureza dos materiais que compõem os acervos e suas vulnerabilidades em relação aos agentes de degradação.

Os materiais podem ser de natureza orgânica ou inorgânica.

Orgânicos:

— papel

— pergaminho

— couro

— têxteis

— fibras vegetais e animais

— madeira

— tela

2 Vale enfatizar que diagnóstico de conservação, gestão de riscos e plano de emergência são igualmente fundamentais para a área da conservação preventiva. Contudo, por representarem ferramentas de gestão, merecem uma abordagem mais complexa e aprofundada. Em algumas literaturas, podemos encontrálas como medidas associadas ao conceito de preservação.

pedra

metais

vidro

cerâmica

porcelana

plástico

Sobre os agentes responsáveis pela degradação dos materiais, eles podem ser de origem natural – quando sua própria matéria-prima e suas formas de produção ou fabricação favorecem a degradação – e por fatores externos, sendo eles:

— temperatura e umidade relativa do ar, iluminação natural ou artificial;

— poluentes atmosféricos e o contato com outros materiais quimicamente instáveis;

— cupins, brocas, traças, baratas, aranhas, formigas, morcegos, saruês;

— manuseio, armazenamento e exposição incorretos, intervenção inadequada;

— vandalismo, furto, roubo;

— catástrofes: inundações, terremotos, furacões, incêndios, guerras.

Nesse sentido, a conservação preventiva atua com vistas a minimizar tais riscos de degradação, a fim de garantir que os acervos permaneçam em bom estado de conservação para o acesso por diversos públicos. Para isso, é necessário que a equipe disponha de uma série de equipamentos e materiais adequados a tal finalidade.

Citamos, portanto, alguns equipamentos fundamentais para as práticas de conservação preventiva. Destacamos os dataloggers, desumidificadores e circuladores de ar como aqueles entre os itens básicos de conservação. Há outros equipamentos importantes, como os luxímetros, medidores de umidade de materiais e os sistemas de ar condicionado. Entretanto, a adoção dessa diversidade de equipamentos depende da necessidade e da disponibilidade de recursos financeiros de cada instituição que salvaguarda acervos.

O mesmo podemos dizer sobre os materiais utilizados nas ações de conservação preventiva, disponíveis a partir de custos menores, como o TNT (tecido não tecido), o glassine e as placas de polipropileno corrugado (poliondas), até aqueles que necessitam maior investimento, como o Tyvek e os papéis de PH neutro.

Após garantirmos a estruturação em termos de materiais e equipamentos básicos, vale tratarmos de um dos principais processos que compõem a conservação preventiva. a higienização configura como medida fundamental para a mitigação dos fatores de risco responsáveis pela degradação dos acervos. sendo assim, elencamos, igualmente, aqueles materiais utilizados nesse processo. Entre os itens básicos estão:

— swab — trincha — bisturi

espátula

flanela

pincel de sopro

Para aquelas instituições com maior disponibilidade orçamentária, há opções mais aperfeiçoadas, como os aspiradores de pó, as mesas de higienização e as lupas. Tais equipamentos garantem segurança e bem-estar ao profissional e maior eficácia nos resultados da ação.

A mesma atenção deverá ser dedicada às ações voltadas para a limpeza dos espaços e dos mobiliários de guarda de acervos, tendo em vista que eles representam camadas de bloqueio aos fatores de degradação. Isso quer dizer que os acervos estarão em risco caso não ocorram manutenções e monitoramentos periódicos.

Também abordaremos formas adequadas para o manuseio e o acondicionamento de acervos, já que essas são as maiores causas de degradação dos itens, juntamente com os fatores ambientais e biológicos mencionados aqui (temperatura e umidade relativa do ar, iluminação natural ou artificial, poluentes atmosféricos, insetos, animais, entre outros).

Por fim, consideramos como ponto urgente a conscientização sobre a utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) por todas as pessoas que atuam diretamente com acervos. O uso de luvas, máscaras, óculos de proteção e jalecos está entre os protocolos fundamentais para as práticas de Conservação Preventiva de forma responsável.

Referências

COSTA, Evanise P. Princípios básicos da museologia. Curitiba: Coordenação do Sistema Estadual de Museus, Secretaria de Estado da Cultura, 2006. Disponível em: https://www. cultura.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/ documento/2019-09/p_museologia.pdf

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de Museologia, trad.: Bruno Brulon Soares, Marília Xavier Cury. Icom: São Paulo, 2013. Disponível em: https://www. icom.org.br/wp-content/uploads/2014/03/PDF_ConceitosChave-de-Museologia.pdf

EDMONDSON, Ray. Memória do mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio documental. Paris: Unesco, 2002. Disponível em: https://mow.arquivonacional.gov.br/images/ pdf/Diretrizes_para_a_salvaguarda_do_patrim%C3%B4nio_ documental.pdf

IBRAM. Instituto Brasileiro de Museus. Conservação Preventiva para Acervos Museológicos (curso). [Escola Virtual Gov], 2019. 40h.

RESOURCE: THE COUNCIL FOR MUSEUMS, ARCHIVES AND LIBRARIES. Parâmetros para a conservação de acervos. Roteiros práticos, v. 5, trad.: Maurício O. Santos e Patrícia Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fundação Vitae, 2004. Disponível em: https://www.sisemsp. org.br/wp-content/uploads/2023/03/19-roteiros-praticos-5_ parametros-para-conservacao-de-acervos.pdf

SILVA, Maria Celina Soares de Melo e (Org.). Segurança de acervos culturais. Rio de Janeiro: Mast, 2012. Disponível em: file:///C:/Users/sony/OneDrive/Documentos/Andira%20 Museologia/Clientes/Funda%C3%A7%C3%A3o%20Bienal/ Palestra/seguranca_de_acervos_culturais.pdf

TEIXEIRA, Lia Canola; GHIZONI. Vanilde Rohling. Conservação preventiva de acervos. Florianópolis: FCC, 2012. Disponível em: http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural/ arquivosSGC/DOWN_151904Conservacao_Preventiva_1.pdf

planejamento do workshop

Embalagens de conservação

Milton Vedoato Filho

documento e arte ateliê de conservação e restauro

A oficina irá abordar de forma prática – com explanações acompanhadas de distribuição de amostras de materiais, apresentação de exemplos de acondicionamentos e exercícios – o básico necessário para a produção e desenvolvimento de materiais voltados para guarda de acervos variados.

1 a etapa (qual o problema a ser resolvido)

Durante um bate-papo, será abordado o objetivo de se acondicionar os documentos, como proteção contra agentes de degradação, criação de microclima e substituição ou complementação de características já perdidas pelos materiais (estruturação de obras frágeis).

2 a etapa (uma forma de abordar a questão da Etapa 1)

Apresentação da teoria das camadas, utilizada para gerar níveis de proteção aos acervos, com objetivos específicos e relativizados de acordo com o tipo de suporte, estrutura existente em cada instituição e necessidade real de cada local de guarda. Aqui será mostrado um exemplo de conjunto de acondicionamento com três camadas de proteção, e o objetivo de cada uma delas será relatado.

3 a etapa (materiais mais adequados e possíveis para esse trabalho)

Apresentação de alguns materiais utilizados para confecção de acondicionamentos (distribuição de amostras). Será solicitado que todos manuseiem as amostras e, a partir daí, será discutida a função de cada uma (retomando a Etapa 1 problema a ser resolvido), apresentando o significado de material de qualidade arquivística, materiais livres de ácidos, sentido de fibras, gramatura e espessura.

4 a etapa (equipamentos a serem conhecidos e utilizados)

Apresentação de alguns equipamentos para produção de acondicionamentos e suas funções (régua de ferro, boleador, estilete, bisturi, esquadro, dobradeira de osso, espátula de teflon, lápis, borrachas entre outros). Breve demonstração da forma correta de manuseá-los e as principais preocupações com acidentes que envolvem sua utilização.

5 a etapa (produção propriamente dita)

Exercício de produção de alguns itens básicos de acondicionamento:

1o – Folder simples a partir de uma folha A4 comum (primeiro contato com os materiais e equipamentos);

2o – Folder simples com lombada a partir de uma folha A4 comum (iniciando o entendimento da necessidade de compensação de material para cada vinco ou dobra no acondicionamento);

3o – Envelope 4 abas a partir de um molde pré-impresso (apresentação de sobreposição de materiais e possíveis implicações, ângulos a serem considerados no momento de desenvolvimento de acondicionamentos);

4o – (caso tenhamos tempo) Folder com abas (simples), feito a mão livre.

Transformação digital

Introdução

As iniciativas de transformação digital vêm promovendo mudanças significativas na forma como instituições de memória lidam com seus acervos e arquivos. A aplicação de tecnologias emergentes no setor cultural permite imaginar e realizar novas maneiras de preservar, descrever, pesquisar e compartilhar bens culturais, ampliando o alcance e facilitando o acesso a informações.

Esta atividade em formato de palestra propõe a apresentação de um panorama introdutório sobre projetos, pesquisas, metodologias e ferramentas que vêm remodelando práticas no setor.

A partir da compreensão de que o termo “transformação digital” pode englobar iniciativas que impactam as mais diferentes áreas e escopos (desde práticas cotidianas repetitivas até decisões estratégicas de uma organização), propõe-se uma abordagem sobre o tema que o examina a partir de sua divisão em dez subtemas. Esses subtemas não atuam isoladamente, mas se entrelaçam e colaboram para oferecer diferentes perspectivas sobre a transformação digital baseada nos avanços e pesquisas em torno dos sistemas de informação. É importante notar que não se pretende esgotar o assunto com essa proposta, mas sim fornecer uma visão abrangente que capacite participantes a compreenderem e analisarem criticamente as implicações da transformação digital em diversos âmbitos.

Para além do desfile de conceitos ou “cases de sucesso” que desconsideram espaço, tempo, contexto e condições materiais para sua existência, a atividade também propõe abordar eventuais desafios, problemas, dilemas éticos, relações de poder etc. que possam permear os subtemas e as iniciativas de transformação digital. Analisado de maneira atomizada, o próprio ecossistema de produção e uso de tecnologia na atualidade é atravessado por contradições, e debater sobre transformação digital de acervos também passa por abrir espaço para essas reflexões.

A seguir, uma apresentação dos dez subtemas.

Digitalização

Todos os subtemas apresentados partem de um ponto comum: a digitalização de acervos. A prática de criar cópias fiéis de objetos originais não é nova: museus e arquivos já reproduziam seus exemplares muito antes do uso de computadores por meio de fotografias, mas as possibilidades em torno desses representantes – hoje digitais – foram radicalmente ampliadas desde então. Entre os benefícios mais relevantes dessa prática estão a redução no manuseio de peças originais, o que deteriora materiais mesmo quando feito da maneira mais cuidadosa possível; e a possibilidade de consulta remota às coleções, sem que pesquisadores precisem se deslocar até o local de guarda.

Crowdsourcing

Um dos principais desafios que instituições de patrimônio cultural enfrentam é o extenso trabalho de processamento de dados das suas coleções, diante do volume de objetos que se encontram sob sua guarda. Classificar documentos por tipologia, indexar com palavras-chave, atribuir títulos e descrições, levantar ou estimar datas de criação e publicação, transcrever conteúdos, entre outras etapas, são tarefas repetitivas, trabalhosas e que exigem uma pluralidade de especialidades que não são só técnicas, mas que se relacionam também com o contexto de criação e circulação dos documentos e objetos.

A prática de crowdsourcing (levantamento coletivo, em tradução livre) consiste na contribuição, geralmente voluntária, de pessoas externas às equipes de catalogação nesse processo. Por meio de interfaces online, instituições podem alcançar avanços equivalentes a anos de trabalho em algumas semanas, não só otimizando o processo, mas aumentando a qualidade dos dados obtidos e solucionando casos complexos. Isso porque, ao abrir essa possibilidade de colaboração, cidadãos que detêm conhecimentos específicos sobre um povo, um local, um campo do conhecimento ou outro assunto específico contribuem com informações que custariam anos de pesquisa para uma equipe interna obter. Essas iniciativas também contribuem para o engajamento da população com o patrimônio cultural, passando a conhecer e interagir com essas coleções.

IIIF

No contexto de uma pesquisa, dificilmente a coleção de uma única instituição concentra todo o material relevante para iniciar e encerrar um estudo: o cruzamento de diferentes fontes é fundamental. Por outro lado, nem sempre essa tarefa é simples: instituições culturais costumam enfrentar desafios técnicos semelhantes para conseguir disponibilizar e manter suas coleções online, muitas vezes recorrendo a infraestruturas proprietárias como solução, o que cria silos de informação isolados entre si.

Buscando resolver ambos os desafios, um consórcio formado por universidades, bibliotecas, arquivos e museus criou o IIIF (International Image Interoperability Framework), ou Estrutura Internacional de Interoperabilidade de Imagens. Esse conjunto de especificações busca padronizar a forma como objetos culturais são publicados na internet, facilitando seu reuso em diferentes contextos, criando um ecossistema de

aplicações compatíveis que atendem a usos comuns de pesquisa (comparação, transcrição, atribuição, visualização avançada de imagens, entre outros) e fomentando o compartilhamento de soluções técnicas sustentáveis.

De um lado, instituições garantem que seus materiais circulem em alta resolução, com metadados confiáveis e informação de proveniência. Do outro, pesquisadores podem reunir, comparar e anotar informações vindas de diferentes fontes, assim como publicar seus trabalhos de maneira interativa e imersiva.

IA Generativa

Nos últimos anos a IA Generativa se tornou um dos temas centrais no campo da tecnologia e vem impactando a maneira de se trabalhar em diferentes setores. Na área de acervos, essas ferramentas podem colaborar em tarefas que muitas vezes demandariam semanas, meses ou até anos de trabalho humano, como: análise de grandes volumes de dados textuais; classificação de documentos a partir de fluxos automatizados (títulos, descrições, palavraschave etc.); geração de áudios a partir de instruções ou conteúdos textuais; entre outras possibilidades.

É importante notar que, embora essas tecnologias possam oferecer benefícios substanciais a uma organização, elas também apresentam desafios éticos e práticos que precisam ser cuidadosamente considerados, como questões de privacidade, viés algorítmico e a necessidade de supervisão humana para garantir a precisão e a integridade das informações geradas.

Visão computacional

Visão computacional é um campo da Inteligência Artificial voltado para a extração de informações de imagens digitais – como fotos, vídeos, documentos digitalizados e outras entradas visuais. No campo do patrimônio cultural, existem diversas aplicações dessa tecnologia que otimizam processos, assim como viabilizam pesquisas e análises complexas.

Transcrição. Em arquivos e coleções textuais, é possível transcrever documentos automaticamente, sejam manuscritos ou datilografados. As tecnologias de OCR (Optical Character Recognition) e HTR (Handwritten Text Recognition) permitem transcrever grandes volumes de texto provenientes de documentos digitalizados, tornando esses conteúdos “buscáveis” a partir de outras ferramentas.

Detecção de objetos. Essa técnica permite identificar objetos presentes em imagens, atribuindo palavras-chave e descritores de forma eficiente.

Reconhecimento facial. Em coleções fotográficas, é possível identificar quais exemplares retratam uma determinada personalidade, facilitando a recuperação desses objetos em pesquisas relacionadas.

Busca por similaridade. A busca por similaridade usa técnicas de visão computacional para recuperar imagens a partir de outras imagens, o que permite encontrar versões semelhantes de objetos de interesse, seja para organização do acervo, seja para pesquisa sobre a obra de autores.

Descrição automática. Para tornar suas coleções digitais mais acessíveis, instituições têm usado Inteligência Artificial para descrever automaticamente o conteúdo de imagens. Esses textos são usados por leitores de tela e outras ferramentas de acessibilidade que permitem a interação com esses materiais por pessoas com deficiência visual.

Metadados

O uso dos sistemas de informação na gestão de coleções tem introduzido novos paradigmas na forma como as informações de cada objeto – seus metadados – são estruturadas e armazenadas. Um exemplo disso é o uso crescente de grafos de conhecimento e linked open data (LOD) na organização e recuperação de objetos. Em comparação com padrões de metadados anteriores, como o Dublin Core, essa forma de estruturar dados relaciona entidades (como pessoas e objetos) através de identificadores, o que abre uma série de possibilidades. Ao publicar suas coleções de forma aberta e conectada, as instituições criam um conjunto de dados global que permite novas inferências e descobertas, um dos objetivos da chamada ‘web semântica’.

Outra aproximação entre metadados e tecnologias de informação são os vocabulários e tesauros, como os publicados pelo Getty Research Institute. São conjuntos de nomes de pessoas, locais, técnicas, materiais e outros conceitos úteis para a organização do conhecimento e na catalogação de objetos. Ao adotar uma fonte de informação centralizada e confiável, diferentes instituições garantem o uso dos mesmos termos para se referir a conceitos equivalentes, tornando a indexação mais robusta, facilitando a recuperação de informações e conectando diferentes coleções entre si.

Interfaces

Navegar por grandes conjuntos de imagens e dados não é tarefa fácil, seja no mundo físico ou no virtual. Algumas iniciativas têm explorado novas formas de visualizar, filtrar e ordenar representantes digitais em ambientes web, buscando tornar essa experiência mais eficiente, agradável e até lúdica. De ambientes tridimensionais fotorrealistas a jogos, esses projetos dão noção da escala das coleções, facilitam o entendimento das informações e estimulam a descoberta de relações complexas entre os objetos e agentes envolvidos na sua criação.

Gestão de coleções

Para realizar a gestão de seus acervos, é comum que instituições de patrimônio utilizem softwares específicos, que podem atender desde necessidades básicas (como catalogação), até a gestão da coleção física (como armazenamento e conservação). Esses sistemas também operam como fonte de dados para os sites das instituições, onde pesquisadores e público geral podem navegar e pesquisar entre coleções. Existe atualmente uma série de produtos disponíveis, tanto proprietários quanto de código aberto, voltados para organizações ou até para pesquisadores individuais, cada um deles com seu conjunto de funcionalidades.

Georreferenciamento

Há casos em que os objetos de uma coleção estão intimamente relacionados com o espaço físico: fotografias urbanas que retratam cidades em diferentes épocas, artefatos arqueológicos encontrados em sítios de escavação e, de maneira mais evidente, coleções cartográficas. Nesses cenários, muitas vezes é interessante geolocalizar, ou seja, atribuir coordenadas ou regiões geográficas a esses objetos para facilitar seu estudo e apresentação. Isso permite que um mapa histórico digitalizado seja sobreposto a um mapa atual para comparação, ou que uma pessoa pesquisadora possa navegar por um mapa digital para verificar onde cada objeto foi criado ou encontrado.

3D

Há alguns anos, objetos tridimensionais como vestuário, ferramentas e mobília eram representados em ambientes virtuais por suas fotografias. Os avanços tecnológicos introduziram técnicas e ferramentas que têm sido adotadas por museus para produzir modelos tridimensionais de alta fidelidade, permitindo “manusear” de maneira digital e remota objetos antigos e delicados, além de examinar esses artefatos de perto e de todos os ângulos. Técnicas como fotogrametria e o uso de scanners a laser (ou LiDAR) permitem a produção desses objetos tridimensionais. A primeira delas se baseia na captura de fotografias de todos os ângulos de um objeto, que são posteriormente processadas por um software dedicado para produzir um modelo 3D com a textura e as cores do original. A segunda técnica gera um modelo ainda mais preciso, utilizado, por exemplo, no levantamento de estruturas arquitetônicas para intervenções de restauro e preservação.

Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas

facc soluções em ti

A oficina tem por objetivo apresentar algumas opções disponíveis de softwares para a gestão e a extroversão de acervos históricos, culturais, artísticos ou patrimoniais, suas características, recursos principais e escopo de aplicabilidade, distinguindo softwares de gestão, softwares de extroversão e softwares de gerenciamento de repositórios digitais.

Embora bancos de dados para acervos existam desde a década de 1980 – inicialmente construídos para gerir a catalogação e operações de bibliotecas –, seu desenvolvimento foi desigual para cada tipo de acervo (bibliográfico, documental e museológico), e seu primeiro emprego priorizou o gerenciamento interno dos materiais e o atendimento presencial de usuários. Dessa maneira, é a partir da virada do século e como consequência do “boom” das bibliotecas digitais online (Google Books, Europeana, Gallica, OpenLibrary, Internet Archive etc.) que uma nova era dos sistemas de gestão e difusão de acervos passou a ganhar terreno. O aparecimento desses grandes repositórios veio estimular uma demanda universal irrefreável: a de que os catálogos de acervos e as próprias cópias digitais dos itens de acervo passassem a ser publicados na Web na forma de instrumentos de pesquisa informatizados, a fim de poderem ser acessados remotamente por pesquisadores e usuários. As escolhas, de qualquer forma, não foram homogêneas, especialmente porque as alternativas não eram tão fartas e acessíveis. Assim, além dos poucos softwares de extroversão, em alguns lugares procurou-se adaptar softwares originalmente desenhados para bibliotecas e, em outros, optou-se pelo desenvolvimento de softwares próprios customizados para as necessidades e práticas locais.

Os anos 2020 tem visto uma reavaliação daqueles softwares originalmente selecionados, seja pela obsolescência ou descontinuação das soluções iniciais após um intervalo de mais de uma década, seja pela consolidação de novas realidades tecnológicas (interoperabilidade, integração de acervos mistos etc.). É para esse novo cenário de opções que vamos dirigir nosso olhar. Mas, antes, é necessário fazer uma importante distinção entre categorias de softwares aparentemente similares, mas de propósitos e escopos diferenciados:

Sistemas de gerenciamento de acervos : Permite, em geral, a catalogação de itens de acervo e a gestão do ciclo de vida do ativo, incluindo incorporação, movimentações e empréstimos, controle de estado de conservação e procedimentos de descarte, possibilitando a geração de relatórios de apoio à manutenção do acervo e dos dados catalográficos. Em princípio, uma gestão ampla dos objetos digitais em si não é o foco principal desse tipo de software, embora ele possa contar com as funções básicas para isso (upload de mídias, produção de derivadas, controle de acesso etc.).

Sistemas de extroversão de ativos digitais : É focado no processo de publicação de materiais digitais (mídias) na Internet. Esse tipo de software, via de regra, não é tão flexível para a configuração de modelos descritivos mais complexos e não oferece suporte nativo para o rastreamento do ciclo de vida dos itens ou produção de relatórios gerenciais.

Sistemas de gerenciamento de ativos digitais (DAMs): Servem para organizar e controlar o acesso e o compartilhamento de grandes repositórios digitais, principalmente aqueles constituídos de materiais natodigitais. O foco desse tipo de sistema não é necessariamente a difusão do acervo nem sua catalogação minuciosa, mas prover um ambiente de mínima organização de arquivos digitais que, de outra maneira, estariam dispersos e/ou armazenados sem qualquer forma de indexação.

Seleção e apropriação de softwares para acervos é um processo envolto por dificuldades, sobretudo porque, em geral, profissionais de acervo não são suficientemente versados em informática (o que embaraça a identificação e avaliação das alternativas disponíveis), enquanto os próprios sistemas existentes não são talhados para aplicação imediata em todas as realidades. Ademais, nos dias de hoje, dois requisitos normalmente se impõem de partida: i) cada vez mais as instituições são obrigadas a tratar e integrar acervos mistos compostos de materiais bibliográficos, documentais e museológicos; ii) os modelos de descrição dos itens de acervo são diferentes para cada tipo de material e entre as próprias instituições, o que dificulta a consolidação de um (ou mais) software(s) fácil e imediatamente adaptáveis a múltiplos contextos. Nesse sentido, softwares específicos para um tipo determinado de acervo são pouco aplicáveis aos demais tipos. E, seja qual for a ferramenta selecionada, muitas vezes ela requer uma série de customizações para se alinhar ao modelo descritivo histórica ou habitualmente utilizado dentro de um espaço de trabalho de organização e manutenção de acervo.

No contexto brasileiro, a rigor, as opções não são tão abundantes, se pensarmos preferencialmente na gama das possibilidades gratuitas e de código aberto e, principalmente, no quesito “softwares que contemplem, ao mesmo tempo, várias tipologias de acervo. Entre as alternativas de sistemas de gerenciamento de uso específico, alguns exemplos são:

Koha (https://koha-community.org/). Biblioteca. Software neozelândes que implementa funções tradicionais de biblioteca. É recomendado pelo Ibict.

CollectionSpace (https://collectionspace.org/). Museu. Solução que implementa o modelo Spectrum para gerenciamento do clico de vida das coleções.

AtoM/Access To Memory (https://www.accesstomemory.org/). Arquivo. Originalmente patrocinado pelo Conselho Internacional de Arquivos (ICA), implementa as normas de descrição arquivística Isad(G).

Entre os sistemas construídos segundo uma arquitetura que facilita a adaptação a diferentes modelos descritivos e tipologias de acervos, podemos citar:

CollectiveAccess (https://collectiveaccess.org/): Software americano bastante difundido nos Estados Unidos e Europa e que vem sendo adotado por algumas importantes instituições de acervo brasileiras.

Páramo (https://paramosoftware.com.br/): software brasileiro que vem sendo implantado em algumas instituições detentoras de acervo de pequeno e médio porte.

Há, em seguida, softwares frequentemente utilizados para o registro e o controle de acervos, e que, estritamente, não se configuram como sistemas de gerenciamento, mas, antes, como ferramentas de extroversão:

Tainacan (https://tainacan.org/): Software desenvolvido pela Laboratório de Inteligência de Redes da Universidade de Brasília e apoiado pela Universidade Federal de Goiás, o Ibict e o Ibram. Ele se apresenta como uma “solução tecnológica para a criação de coleções digitais na Internet”.

Omeka (https://omeka.org/): Software americano voltado para “o compartilhamento de coleções digitais e a criação de exposições online com rico conteúdo de mídias” (tradução minha).

DSpace (https://dspace.org/): Permite criar, manter e publicar online repositórios digitais abertos e é muito usado para reunir produção acadêmica de universidades.

As soluções acima, seja por design, seja como complemento, possuem todas uma face online de difusão pública. Já a última classe de ferramentas que queremos indicar possibilita igualmente uma forma de gestão de material digital de acervo, mas não tem como objetivo final imediato a publicação das mídias na Internet: os DAMs (Digital Asset Management Systems). Existe um espectro razoavelmente generoso de opções de DAM, sobretudo produtos comerciais pagos. Entre os gratuitos e de código aberto, podemos citar o ResourceSpace (https://www.resourcespace.com/) e o Islandora (https:// www.islandora.ca/). Em comum a todos eles, o foco na indexação e organização de arquivos digitais gerados pelas organizações (geralmente em grande volume), de tal modo a não serem apropriados para a catalogação de acervos físicos que ainda não tenham sido digitalizados. Por outro lado, os DAMs podem ser integrados a sistemas de gerenciamento e, até, a instrumentos de pesquisa online, na condição de repositórios digitais independentes.

Há ainda uma especialização de sistemas de gestão de repositórios digitais: os softwares de preservação digital. O incremento deles em relação a um DAM padrão é a incorporação de protocolos mais rígidos de controle de acesso e alteração dos recursos digitais (ISO-Oais, principalmente), visando à preservação da autenticidade e integridade dos metadados e dos

próprios arquivos ao longo do fluxo de vida do objeto digital. Exemplos: Archivematica (https://www.archivematica.org/) e Roda (https://www. roda-community.org/).

A primeira parte do processo de seleção e adoção de um sistema de banco de dados para gestão e difusão de acervos abrange a identificação das opções e especificidades de cada tipo de solução e sua adequação às necessidades correntes e/ou futuras da instituição. A escolha efetiva ainda deverá levar em consideração questões técnicas e até políticas, tais como:

Apoio a projetos de softwares livres de código aberto;

Requisitos de operação em termos de estrutura de TI;

Comunidade de utilizadores do software, que pode servir de grupo de apoio e para intercâmbio de experiências, principalmente numa mesma proximidade geográfica;

Vitalidade do software em termos de incorporação de novas funcionalidades, disponibilização de atualizações e longevidade no médio e longo prazo.

Por fim, deve ser observado que a apropriação de um sistema informatizado por uma instituição carrega consigo uma série de comprometimentos relacionados à governança da solução adotada, para os quais é praticamente imprescindível o suporte de profissionais da área de Tecnologia da Informação e/ou Análise de Sistemas:

Configuração e manutenção permanente de uma estrutura de TI adequada;

Procedimentos de controle de acesso ao repositório (segurança) e preservação dos dados e objetos digitais (backups e planos de recuperação emergenciais).

Atualizações periódicas não só do sistema para novas versões disponíveis, quanto do próprio ambiente de operação (hardwares, sistemas operacionais, softwares e bibliotecas de base ou complementares etc.).

Fontes

AtoM. Disponível em: https://www.accesstomemory.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Archivematica. Disponível em: https://www.archivematica.org. Acesso em: 16 mai. 2025. CollectiveAccess. Disponível em: https://collectiveaccess.org. Acesso em: 16 mai. 2025. CollectionSpace. Disponível em: https://collectionspace.org/. Acesso em: 16 mai. 2025. DSpace. Disponível em: https://dspace.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Islandora. Disponível em: https://www.islandora.ca. Acesso em: 16 mai. 2025. Koha library software. Disponível em: https://koha-community.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Omeka. Disponível em: https://omeka.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Páramo Software. Disponível em: https://paramosoftware.com.br. Acesso em: 16 mai. 2025. ResourceSpace. Disponível em: https://www.resourcespace.com. Acesso em: 16 mai. 2025. Roda. Disponível em: https://www.roda-community.org/. Acesso em: 16 mai. 2025. Tainacan. Disponível em: https://tainacan.org/. Acesso em: 16 mai. 2025.

Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo

Das perguntas que ouvi ao longo da prestação de trabalhos como documentalista, a mais recorrente foi sobre ‘o que guardar’ em um acervo que pretende testemunhar a vida de uma instituição ou de uma pessoa. Acumulando a formação de historiadora com a prática arquivística, parecia óbvio que eu tivesse a segurança para dar uma resposta convincente e definitiva. Conhecendo vários centros de memória cujo acervo era fruto de uma acumulação documental imperfeita, parcial e lacunar, ficava difícil imaginar que o patrimônio documental reunido neles pudesse expressar a trajetória da instituição. Mas a vivência com os arquivos me traz a resposta incontornável: é a partir deles que se constrói um referencial seguro da trajetória de uma entidade.

Na fala de um dos maiores arquivistas contemporâneos em ação, o francês Bruno Delmas, no livro Arquivos para quê?, 1 os arquivos são o produto necessário do funcionamento de toda sociedade organizada. Os documentos atestam o alargamento do espaço de vida dos homens e da sua integração crescente nesse ambiente no decorrer do tempo: famílias, comunidades em aldeias ou paróquias, latifúndios, cidades e bairros, profissões, empresas, províncias e regiões, países e Estados, organizações internacionais e supranacionais... O acúmulo de relações cada vez mais densas e amplas aumenta de forma exponencial as necessidades e os usos de documentos necessários para agir, negociar e viver. Os arquivos aumentam proporcionalmente a isso.

O arquivo é onde se recolhem os documentos que viabilizaram ações, sendo essa a sua razão de ser. As providências tomadas para que as ações acontecessem ficam expressas nos registros, que se tornam elementos de prova do que ocorreu, das decisões e de suas implementações. Tais documentos são acumulados por entidades ou pessoas de forma sedimentar, formando conjuntos solidários que retratam atos em sequência, autoexplicativos pelo seu encadeamento. Os documentos refletem atividades estáveis, ligadas a contextos específicos e praticadas coletivamente. Eles retratam as rotinas e referenciam as competências das entidades/pessoas, preservando conhecimentos operacionais específicos. Essas sequências evidenciam os processos em etapas previsíveis e sucessivas.

1 DELMAS, Bruno. Arquivos para quê?: textos escolhidos. Trad. Danielle Ardaillon. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2010.

Os arquivos assim acumulados são fontes seguras e estáveis de informações, por encerrarem documentos que comprovam ações findas. Mas aí surgem os centros de memória, criados no Brasil a partir da década de 1990 em entidades de caráter diverso, em busca de horizontes mais abrangentes. Eles são fruto de uma contemporaneidade exigente, marcada pela globalização, pela impressão da fugacidade do tempo, pela desterritorialização, fenômenos que trouxeram uma necessidade urgente de memória a nos salvar do esquecimento. Entidades comerciais, pessoas, bairros, escolas, partidos políticos, modos de vida, produtos culturais se pensaram como experiências e trajetórias a serem resguardadas coletivamente, com vistas a objetivos diversos, ultrapassando as possibilidades de atuação dos arquivos tradicionais. Subverteram-se noções de tempo e espaço, coordenadas básicas de todo o sistema de representação até o século XX, o que afetou o estatuto da memória e dos conceitos de identidade, continuidade e história a ela associados. Esse é o pano de fundo para compreender a presença dos centros de memória.

Apesar de seu caráter instrumental e da possibilidade de munir as instituições com informações e documentos, tais como os arquivos tradicionais, os centros de memória surgiram nas entidades com a ambição de aumentar sua esfera de atuação e exercer funções estratégicas a partir das demandas de um mundo complexo e exigente. Para isso eles recorrem a acervos e soluções híbridas, adotam programas de ação assertivos, buscam se alinhar com o centro de decisão dos organismos que os criaram, criam produtos de divulgação que posicionam a entidade no seu meio social. Talvez essa seja também uma forma de sobrevivência, pois em momentos passados eles muitas vezes foram desmobilizados por serem percebidos mais como fontes de despesa do que como áreas de atuação efetiva e necessária.

Ao reunirem e tratarem documentos alusivos à gênese das entidades, os centros de memória criam vínculos positivos entre elas e a comunidade em torno, forjando credenciais baseadas em uma imagem pública apresentada à sociedade. Nesse sentido, ocuparam um lugar na constituição da identidade das instituições, tendo sido capazes de oferecer pontos de convergência em meio à diversidade de posições e expectativas existentes. Tais funções de natureza psicossocial exerceriam um contrapeso aos processos de desterritorialização e mesmo desmaterialização que impactam as relações de trabalho no caso de organizações econômicas nos dias de hoje. O mesmo ocorre com comunidades baseadas em vínculos de outra natureza.

Os centros de memória buscam proporcionar o conhecimento da trajetória passada tanto quanto uma visão prospectiva e sistêmica do conjunto, buscam recuperar um processo contínuo de aprendizado coletivo, de atenção a demandas externas e internas, de otimização do tempo e de tomada de consciência de valores culturais das entidades. Nesse sentido, precisam constituir seus acervos com documentos que vão além dos tradicionais produzidos e acumulados nos arquivos, no exercício das funções rotineiras. Eles colecionam documentos de todos os gêneros: textuais, audiovisuais, sonoros, iconográficos, além de objetos e artefatos. No caso de organizações que fabricam bens, por exemplo, o centro de memória incorpora embalagens e material de divulgação e propaganda, além dos próprios produtos resultantes das atividades-fim. Há documentos representativos de outras atividades: maquetes e plantas; troféus, medalhas e placas de homenagem;

noticiário de imprensa escrita ou audiovisual; reportagens fotográficas relacionadas a eventos significativos. Há documentos de caráter técnico e especializado, que servem de apoio às atividades, tais como ensaios, teses, artigos científicos, sondagens de opinião, indicadores econômicos, coletâneas de legislação, informes e muitos outros sobre concorrentes e conjunturas socioeconômicas. Muitas vezes há também equipamentos antigos de espaços administrativos, mobílias e objetos de valor simbólico e afetivo, escolhidos para testemunhar uma época ou um modo de fazer. ***

Além desses conjuntos há os documentos “fabricados”, ou seja, criados para trazer panoramas coerentes e informados sobre a entidade, as situações emblemáticas vivenciadas, como a implantação de áreas e frentes de trabalho, o desenvolvimento de certos produtos e tantas outras situações. Os programas de história oral criam uma “argamassa” necessária entre documentos de arquivos por explicarem decisões, expressarem impasses, revelarem opiniões e dar sangue e linfa às trajetórias. Eles são também recurso de mobilização do senso de união e pertencimento do grupo que gravita em torno da entidade que criou o centro de memória.

Outro atributo dos centros de memória hoje é a preocupação de registrar o presente, buscando com criatividade criar documentos sobre atividades que normalmente não geram documentos. Decisões fundamentais são tomadas nos gabinetes, em conversas privadas, e instauram mudanças importantes sem gerar registros. Com o passar do tempo, esses pontos de inflexão da trajetória da entidade se perdem, se não há vontade política de documentar essas passagens. Os programas de história oral podem ser uma forma de coletar depoimentos de pessoas responsáveis pelas estratégias e elaboração de políticas e mudanças de rumo das entidades. A possibilidade de “fabricar documentos”, bastante comum nos trabalhos de preservação da memória social, atribui aos centros de memória a natureza de “arquivos alargados”, já que os depoimentos lhes são complementares.

A natureza híbrida dos centros de memória acolhe a presença de documentos bibliográficos e objetos, que devem ser tratados e descritos a partir da lógica da prática arquivística. Ela deve orientar as atividades documentais desses centros, por entender os documentos a partir da lógica de sua criação e de entrada no acervo, já que a presença de cada item se explica pelo seu contexto, aquilo que estabelece a relação necessária com a entidade e com os demais documentos. Apesar de reunirem livros e objetos, centros de memória não são bibliotecas ou museus, instituições cujas missões também envolvem a preservação da memória, sendo claras as afinidades e diferenças entre elas, apesar de suas significativas interfaces.

Tratamento de massa documental acumulada: estudo de caso

pacta clara - organização de acervos documentais

A informação é um dos ativos mais valiosos para qualquer organização, seja ela pública ou privada. No entanto, muitas instituições ainda enfrentam um desafio significativo: o acúmulo desordenado de documentos ao longo do tempo. A esse volume documental damos o nome de massa documental acumulada, um fenômeno que afeta diretamente a eficiência administrativa, a transparência, a preservação da memória institucional e a conformidade legal. Este texto propõe discutir o que caracteriza a massa documental acumulada, suas causas e implicações, bem como os principais caminhos para enfrentá-la a partir da implementação de políticas de gestão documental.

O que é a massa documental acumulada?

A expressão “massa documental acumulada” refere-se ao conjunto de documentos produzidos ou recebidos por uma organização e que se encontra armazenado de forma desorganizada e sem tratamento arquivístico adequado. Em geral, trata-se de um volume significativo de documentos físicos que se acumulam em ambientes de trabalho, arquivos setoriais ou depósitos, sem classificação, indexação ou avaliação de temporalidade e valor histórico.

Esses documentos, muitas vezes, estão misturados entre ativos e inativos, entre o que deve ser preservado e o que já poderia ter sido descartado. A falta de critérios claros de gestão gera acúmulo, retrabalho e dificuldade de acesso à informação, além de riscos administrativos e legais.

Causas do acúmulo documental

Diversos fatores podem contribuir para a formação de uma massa documental acumulada. Entre os principais, destacam-se:

1. Ausência de uma política de gestão documental: Organizações que não possuem normas ou diretrizes claras sobre a produção, o uso, a guarda e o descarte de documentos tendem a acumular, sem critério, papéis e arquivos digitais.

2. Desconhecimento sobre a função dos arquivos: Muitas vezes, os arquivos são vistos apenas como depósitos de papéis, como “arquivo morto” e não como centros estratégicos de informação, o que desvaloriza seu papel dentro das empresas e diminui os investimentos em gestão da informação.

3. Falta de capacitação dos colaboradores: A produção documental ocorre em todos os setores das organizações. Quando os profissionais desconhecem práticas arquivísticas básicas, como a correta classificação ou a temporalidade dos documentos, o risco de acúmulo aumenta.

4. Tecnologia mal utilizada: A crença de que o armazenamento digital resolve todos os problemas levou muitas instituições a acumularem também enormes volumes de documentos eletrônicos, igualmente desorganizados e desprovidos de tratamento informacional.

5. Mudanças institucionais e descontinuidade administrativa: Processos de fusão, reestruturação ou troca frequente de gestão muitas vezes interrompem projetos de organização documental, gerando lacunas e retomadas fragmentadas.

O acúmulo desordenado de documentos traz sérias implicações para a gestão da informação e o funcionamento institucional. As principais consequências incluem:

— Dificuldade de acesso à informação: A ausência de organização prejudica a localização rápida e eficiente de documentos, comprometendo a tomada de decisões e o atendimento a demandas internas e externas.

— Riscos legais e fiscais: A retenção de documentos além dos prazos legais pode gerar sanções, enquanto a eliminação inadequada pode resultar em perda de provas e responsabilizações.

— Desperdício de espaço e recursos: O armazenamento físico desnecessário gera custos com mobiliário, aluguel de espaços, manutenção e segurança. No meio digital, o excesso de arquivos também impacta sistemas e servidores.

— Perda de memória institucional: Sem preservação adequada, documentos de valor histórico e probatório podem se deteriorar, comprometendo a identidade e a história da instituição.

Estratégias para a solução do problema

O enfrentamento da massa documental acumulada exige ações planejadas e integradas, com base em princípios arquivísticos. A seguir, destacam-se os principais caminhos:

Antes de qualquer intervenção, é necessário realizar um diagnóstico documental. Esse levantamento envolve a identificação da quantidade, do tipo documental e do estado de conservação dos documentos acumulados, além da análise dos fluxos documentais e da estrutura existente dentro da instituição para a gestão da informação.

A instituição deve estabelecer uma política de gestão documental, com base em diretrizes que definam responsabilidades, procedimentos e objetivos. Essa política deve ser aprovada pela alta administração e articulada com as áreas jurídicas, tecnológicas e administrativas.

A classificação é a “sequência de operações que, de acordo com as diferentes estruturas, funções e atividades da entidade produtora, visam distribuir os documentos de um arquivo”.1 Possibilitando aplicar facilmente a Tabela de Temporalidade, quando os prazos de guarda dos documentos estiverem prescritos.

1 Em Dicionário de Terminologia Arquivística. Ana Maria de Almeida Camargo e Heloísa Liberalli Bellotto (Orgs.).

Essas ferramentas permitem separar o que deve ser preservado do que pode ser descartado, contribuindo para a redução do acervo acumulado.

A eliminação dos documentos deve seguir critérios legais e técnicos, com registros formais e participação de comissões de avaliação documental. Isso garante segurança jurídica e transparência ao processo.

A organização física envolve a readequação dos espaços de arquivo, com padronização de acondicionamento, identificação e controle de entrada e saída. No ambiente digital, a implantação de sistemas de gestão arquivística de documentos permite o controle do ciclo de vida dos documentos eletrônicos.

A mudança de cultura institucional é fundamental. Investir na capacitação dos colaboradores em práticas arquivísticas e na conscientização sobre a importância da gestão documental contribui para a manutenção dos avanços conquistados.

A massa documental acumulada é, ao mesmo tempo, um sintoma e uma consequência da ausência de gestão arquivística eficaz. Seu enfrentamento exige uma abordagem técnica, estratégica e multidisciplinar, voltada não apenas para a eliminação do excesso documental, mas para a criação de um novo paradigma de produção e uso da informação institucional.

Mais do que resolver um problema de espaço ou organização, o tratamento da massa documental acumulada representa um passo decisivo rumo à eficiência, à transparência e à preservação da memória organizacional. É, portanto, uma responsabilidade que deve ser assumida com prioridade pelas lideranças e com o apoio de profissionais da área da Arquivologia e da gestão da informação.

Estudo de caso

Arquivos já organizados podem, com o tempo, voltar a apresentar massa documental acumulada?

Aqui abordamos, o arquivo científico de uma instituição médica que, por muitos anos, foi referência para o estudo e tratamento do câncer, com o uso cruzado de relatórios e fichas médicas, relatórios fotográficos com o avanço da doença nos pacientes registrados em slides por equipe de fotógrafa especializada. Entretanto, com a desativação do setor e o uso de novas tecnologias a documentação deixou de ser acessado e foi guardado. A falta de uso e acesso fez com que parte dos documentos fossem danificados e a parte da lógica de conexão desses documentos se perdesse.

A Pacta Clara fez um diagnóstico da situação, inventariou os documentos (há aproximadamente 213 mil itens) e trocou o acondicionamento por embalagens provisórias, visando mitigar a degradação do acervo até que a instituição possa investir em sua organização completa. Agora é possível um planejamento, pois sabe-se quais são os documentos que estão com maior risco, os que estão contaminados, entre outros pontos importantes que foram identificados.

O impacto da branquitude nos arquivos: o que os “critérios” de pesquisas escondem?

sertão negro ateliê e escola de artes

Resumo:

No Brasil, não é novidade que a formação do sistema hegemônico de salvaguarda, exibição e pesquisa das artes caminhou aliada aos desejos da elite econômica do país, em defesa de visões de caráter colonizador cuja centralidade se dava na Europa e na universalidade subjetiva da branquitude. Marcados por tais desejos e ideologias, forjaram uma suposta historicidade para as artes do país, exaltando personalidades que ocuparam/ocupam lugares de poder e sem colocar em dúvida a seletividade dos olhares que as conduziam.

Com um espelho voltado para si, a branquitude narrou a sua face, nos fazendo crer que representava a totalidade das artes e que as ausências dos demais ocorria por consequência deles mesmos e não pelas escolhas dos sujeitos e instituições que as organizavam.

Com as mudanças sociais ocorridas no últimos 20 anos no Brasil, firmadas principalmente pelas implantações das leis de ações afirmativas, uma dívida histórica que perdura no país passou a ter maior evidência com a inserção de pesquisadores que não reconheciam a branquitude como única via para as narrativas institucionais das artes e de seu ensino.

Estremecendo o espelho narcisista que só refletia um lado, a realização desses estudos enfrentou problemas nos discursos e em suas fontes, já que os arquivos construídos também foram seletivos quanto ao que era importante guardar. A dificuldade em localizar bibliografia e fontes confiáveis para responder às novas perguntas foi um desafio relatado por diversos pesquisadores, que tiveram que elaborar novas metodologias e epistemologias para garantir a continuidade de seus trabalhos.

Para exemplificar tais enredamentos, as pesquisas “Reflexões e considerações a respeito da formação e perfil da Coleção Africana da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin”,1 “Modernismos africanos nas bienais de São Paulo (1951-1961)” 2 e “Minhas fotografias”,3 serão tomadas como exemplo, sendo compartilhados alguns pontos importantes de seus processos de desenvolvimento, recepção e impacto no campo das artes.

1 Monografia defendida em junho de 2014, como Trabalho de Conclusão e Curso (TCC) no curso de graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo.

O estudo “Reflexões e considerações a respeito da formação e perfil da Coleção Africana da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin”, que apresentou uma intensa investigação da documentação primária da então chamada “Coleção Africana” da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, envolveu a pesquisa em documentos do acervo arquivístico da FCEGK, que inclui os documentos pessoais de Ema Klabin (cartões de viagens, cartas, fotos e textos de anotações diversas), e lidou também com a documentação museológica (ficha de aquisição, fichas catalográficas individuais, inventário etc.) e com materiais de divulgação (reportagens em jornais, revistas, folders etc.). Uma das contribuições apresentadas por esse estudo foram os questionamentos dos termos e funções destinadas aos documentos estudados e a proposição de estratégias para amenizar suas falhas, como minifichas comparativas que, apoiada nas documentações de obra, realizou uma revisão comparativa dos dados atribuídos às peças da coleção, e a elaboração de uma tabela de análise das bases de nomeação adotadas pela catalogação das peças, evidenciando diferenças no tratamento no momento de documentar objetos de origens africanas em relação aos de origens europeias.

A pesquisa “Modernismos africanos nas bienais de São Paulo (1951-1961)” apresentou o histórico das participações de países africanos na primeira década da Bienal de São Paulo, contando com uma intensa pesquisa no Arquivo Wanda Svevo, que envolveu a análise de caixas de documentação de cada edição, livros e pastas de dossiê de imprensa e catálogos das exposições. Entre as contribuições da pesquisa está a primeira construção narrativa e estudo dedicado às relações entre a mostra e o continente africano, denunciando a seletividade de pesquisadores, instituições de ensinos e projetos editoriais que construíram uma pujante bibliografia sobre a principal exposição de arte no Brasil, sem reservar o espaço adequado para as autorias africanas e suas produções, reforçando que não há ingenuidade nas escolhas das narrativas, mas uma seletividade consciente que privilegia eurocentrismos e branquitudes.

E, por fim, o artigo crítico “Minhas fotografias” relata o processo de apartação e diferenciação subjetiva dado pela acadêmia a determinados objetos e documentos a partir de fatores que ela considera hierarquicamente menores e desimportantes, como no caso de acervos pessoais não pertencentes às elites, sendo tal recusa parte de um pacto que gera apagamento e lacunas de presenças, como a de sujeitos negros e indígenas nas visualidades e historicidades do país.

Os três casos lidam com questões presentes na maioria dos arquivos das artes no país e que, infelizmente, poucos espaços o enfrentam. É fundamental que as instituições e seus trabalhadores estejam atentos e abertos à promoção de mudanças, transgredindo o engessamento do discurso da manutenção de modelos apoiados em exclusões, racismos e inferiorização, que possam fomentar ferramentas que lidem criticamente com o passado e com novas projeções para o presente e o futuro. É papel dos arquivos, das instituições de ensino, de pesquisadores, de editoras, entre muitos outros agentes que integram este sistema a busca por construção de redes sólidas de comunicação e de renovação constante dos debates.

2 Dissertação de mestrado defendida em março de 2019 no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo.

3 Texto publicado na revista Zum, do Instituto Moreira Salles.

Como fazer um projeto de pesquisa

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

palácios do governo do estado de são paulo

São Paulo, 6 maio 2025

Aos cuidados:

Dos organizadores da Semana de Capacitação do Laboratório Experimental de Transformação Digital da Fundação Bienal de São Paulo

Assunto:

Workshop proposto por Renata Dias Ferraretto Moura Rocco para a Semana de Capacitação do Laboratório Experimental de Transformação Digital da Fundação Bienal de São Paulo

Proponente:

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

Proposta:

Por meio deste documento, Renata Dias Ferraretto Moura Rocco (currículo –anexo 1) propõe um workshop aos membros da equipe interna da Fundação Bienal de São Paulo, especialmente, ao grupo de estagiários e jovens aprendizes, no dia 30 de maio de 2025, entre 13h30 e 15h30, para elaboração de projetos de pesquisa. A proposta é organizar esse workshop em 2 etapas, conforme detalhamento a seguir:

Etapa 1 - teórica

Duração – 40 minutos

— Breve apresentação da palestrante

— Breve apresentação dos participantes do workshop

— Apresentação das etapas envolvidas na elaboração de um projeto de pesquisa (com base no modelo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, uma instituição pública de fomento à pesquisa acadêmica ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Governo do Estado de São Paulo)

— Apresentação do projeto de pesquisa de doutorado da palestrante, que envolveu a pesquisa em arquivos diversos e, em especial, o da Fundação Bienal de São Paulo (anexo 2).

Etapa 2 - prática

Duração - 1h20

Com a base teórica apresentada na primeira etapa do workshop, a palestrante organizará a reunião dos participantes em duplas ou trios, para elaborar projetos de pesquisa que tenham como objeto núcleos/ assuntos que se circunscrevem em um dos três eixos temáticos da “Publicação comemorativa dos setenta anos do Arquivo Histórico

Wanda Svevo”, em desenvolvimento atualmente pela equipe da Fundação Bienal de São Paulo.

Eixo 1 – Memória e Sociedade na Bienal de São Paulo

Eixo 2 – História das Artes na Bienal de São Paulo

Eixo 3 – Presenças e Ausências na Bienal de São Paulo

Acreditamos que será frutífero para os membros do workshop pensar projetos e ideias que estejam alinhados aos elementos norteadores das pesquisas em desenvolvimento por estudiosos externos e internos da Fundação Bienal de São Paulo.

Ao final do workshop, os grupos terão como resultado uma primeira versão de um projeto de pesquisa, a ser desenvolvido mais amplamente no futuro, se desejado.

Anexo 1

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco fez estágio pós-doutoral no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP, 2023Bolsa Fapesp), Doutorado (2018 - Bolsa Fapesp) e Mestrado (2013 - Bolsa Capes) pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, todos sob orientação da Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, docente e curadora do MAC USP.

Autora do livro Danilo Di Prete em ação: a construção de um artista no ambiente da Bienal de São Paulo, (2022), artigos sobre arte moderna italiana e brasileira, e sobre as primeiras edições da Bienal de São Paulo, foi curadora de exposições de arte moderna no MAC USP e de artistas contemporâneos na galeria Kovak & Vieira, em São Paulo. Trabalha desde março de 2024 na Curadoria do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo.

Anexo 2 – Projeto de Pesquisa

A presença de Danilo Di Prete no Brasil, 1940-1970

Autora: Renata Dias Ferraretto Moura Rocco: Mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo

Orientadora: Ana Gonçalves Magalhães docente e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP)

São Paulo, agosto de 2014

Sumário

1. Resumo do projeto

2. Projeto de pesquisa

2.1 Introdução

2.2 Objeto e justificativa da pesquisa

2.3 Referências bibliográficas

2.4 Objetivos

2.5 Plano de trabalho e cronograma

2.6 Procedimentos metodológicos e quadro teórico de referência

2.7 Forma de análise dos resultados

A presença de Danilo di Prete no Brasil, 1940-1970

Esta pesquisa tem por objetivo o estudo da influência do artista italiano Danilo di Prete (Pisa, 1911 – São Paulo, 1985) no meio artístico brasileiro a partir de 1946, quando vem morar em São Paulo, até os anos 1970. No período precedente em que esteve na Itália e começou sua atividade artística como autodidata, viveu sob o regime fascista e o sistema das artes por ele implantado, o qual abarcou exposições de arte como a Quadrienal de Roma. Esse tipo de experiência, Di Prete trouxe ao Brasil, e, segundo o próprio afirma, foi com base nela que sugeriu a Francisco Matarazzo Sobrinho a criação da Bienal de São Paulo nos moldes da Bienal de Veneza. Há controvérsias sobre a paternidade dessa ideia, mas há um registro (em fita cassete em posse da filha Giuliana Di Prete Campari) com o depoimento do artista reforçando isso. Di Prete foi o ganhador do prêmio de primeiro lugar de pintura brasileira justamente na I Bienal de São Paulo, o que gerou um debate enorme tanto em função de sua origem italiana (ele estava morando no Brasil apenas há 5 anos) bem como do tipo de solução plástica empregada em sua obra premiada Limões, que trazia uma recuperação do cubismo francês reinterpretada à moda italiana, um tipo de linguagem bastante disseminada no ambiente italiano desde o início dos anos 1940. O legado de Di Prete foi importante no meio artístico brasileiro e, até o momento, não conta com um estudo acadêmico que aborde tanto sua produção artística quanto seu papel de agente cultural no intercâmbio Itália-Brasil. Sendo assim, esta pesquisa pretende ser uma contribuição bastante significativa para a historiografia da arte brasileira.

2. Projeto de pesquisa:

2.1 Introdução

O estudo se propõe a esclarecer a influência do artista italiano Danilo Di Prete no país desde a sua chegada em 1946 até os anos 1970, do ponto de vista artístico e do papel que exerceu como agente cultural no intercâmbio Itália-Brasil. Trata-se de um artista de relevo no meio artístico brasileiro e ainda sem um estudo acadêmico que tenha explorado a amplitude de sua importância. Há diversos museus no país que possuem obras suas (como o MAC USP e o MAM SP) e um vasto arquivo de clipping seu no Idart, o que resulta em um material significativo para ser sistematizado e devidamente analisado. Deve-se ressaltar, nesse sentido, que uma das filhas do artista, Sra. Giuliana Di Prete Campari, se propôs a colaborar com a pesquisa, compartilhando informações, permitindo acesso ao seu arquivo de documentos, fotos e recortes referente à trajetória do pai, bem como à ideia de desenvolver uma catalogação sistemática de sua

obra. Dessa forma, pode-se dizer que a investigação, ao rever a crítica de arte da época e o discurso que se constituiu em torno do artista, o qual chegou até nós, pretende contribuir com a historiografia da arte brasileira, colaborando com museus que tiverem obras suas ou ainda de outros artistas como aqueles da Geração Bienal, que, segundo a artista Maria Bonomi, são os artistas de muitas mídias que nas bienais receberam as primeiras contaminações plásticas, não por meio de livros, mas propriamente ao vivo.1

2.2 Objeto e justificativa da pesquisa

O artista italiano Danilo Di Prete foi figura de destaque no ambiente artístico brasileiro desde sua chegada ao país em 1946. Com apenas 35 anos, o artista nascido em Pisa já havia participado ativamente do cenário cultural italiano, por meio de exibição de suas obras em Luca (Esposizione di Caselli), Livorno (Esposizione dei Giovani), Viareggio (Esposizione di Viareggio), Florença (Esposizione degli Artisti Toscani), Cremona (Esposizione di Cremona) e Roma (IV Quadriennale di Roma), além de ter integrado o Grupo de Artistas Italianos em Armas na Segunda Guerra Mundial e com eles ter ilustrado episódios da guerra na Albânia, Grécia e Iugoslávia. Quando fixa residência em São Paulo, Di Prete trabalha como publicitário durante 4 anos para conseguir se sustentar, embora tenha conseguido expor suas pinturas em 1948 na ocasião em que participa de uma exposição coletiva na Galeria Domus,2 quando, aliás, é elogiado por Quirino da Silva como aquele que tinha os “melhores trabalhos dessa exibição”.3 A respeito de sua produção como publicitário, há um recorte de jornal intitulado Biografia Danilo di Prete levantado por Silvana Brunelli no arquivo do artista, que é bastante esclarecedor da sua prática com o cartaz: 4

Seu objetivo aqui [no Brasil] era a pintura. Mas precisou de dinheiro para viver e o caminho foi o cartaz, em cuja técnica se fez com facilidade, obtendo vários prêmios. Cobra 3 mil cruzeiros por cada trabalho e seu principal cliente é a Standard Propaganda. Está bastante contente com suas experiências em propaganda, mas seu grande desejo é continuar pintando. Ele mesmo afirma: “Quero fazer dois cartazes por mês e pintar para mim”.

O artista, bem sucedido no cartaz,5 fazia uma distinção do que era uma produção voltada ao seu sustento e, por isso, mais suscetível a “contaminações” de fora, do que era sua produção de pintura “pura”.6 E foi justamente por meio da prática da pintura que o artista foi agraciado em 1951 com o prêmio de 1º lugar de pintura na I Bienal Internacional de São Paulo com a obra Limões, de 1951. Fato que não passou incólume no ambiente brasileiro, uma vez que os artistas se revoltaram tanto pelo prêmio ter sido dado a um estrangeiro e não a um brasileiro, quanto por não representar a pesquisa brasileira mais “atualizada”. O artista participa de outras doze bienais e recebe mais um prêmio de pintura na VIII Bienal de São Paulo, em 1965, sendo que anteriormente, em 1963, havia participado do Concurso Internacional de Cartazes para a Bienal de São Paulo e conquistado o primeiro lugar. Pouco antes havia ilustrado um dos volumes de Obras completas e ilustradas de Dostoiévski, publicadas

1 Cf. Maria Bonomi. “Cinquenta anos de Bienal”, Revista USP, São Paulo, n.52, pp.26-37, dez./fev. 2001-2002, p.33.

2 Cf. sistematização de artistas participantes em exposições feita por: Ana Paula Nascimento. MAM: Museu para a metrópole. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2002, p.221.

3 Conforme recorte de jornal seção “Notas de Arte”, consultada no arquivo da filha do artista, Giuliana di Prete Campari.

4 Silvana Brunelli. Diálogo entre as artes plásticas e a publicidade no Brasil. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 2007, p.50.

5 Ibid., pp.52-53. Vale lembrar a crítica positiva de Guilherme de Almeida, ao ter contato com um cartaz de Di Prete em 1948, em que diz: “...Tudo o que sei, tudo o que não ignoro é que esse é o primeiro cartaz nacional, que conheço, digno de ser visto; o primeiro que, em vez de emporcalhar, enfeita a cidade; o primeiro que dá a essa feição da publicidade fôros de Arte. Isso é um Cartaz (a maiúscula impõe-se)”.

6 Ibid., pp.77-78.

pela Livraria José Olympio Editora em 1960-1961. No entanto, ainda que estivesse morando em São Paulo, Di Prete continuava a participar de exposições no exterior, como na mostra coletiva 30 anos de Cartazes em Nova York, em 1952; do 38º Salão de Maio de Paris em 1952, mesmo ano em que expõe na Bienal de Veneza de 1952 (dentro da delegação brasileira), onde viria a expor novamente em 1960 (na mesma delegação); em 1959 expõe no Museu de Arte de Dallas,7 em 1962, no Walker Art Center de Minneapolis e na I Bienal Americana de Córdoba, quando recebeu o Prêmio Garrafa,8 além de participar de outras exposições na Itália.9 Não se pode esquecer que o artista, em 1968, recebe o título de Cavaliere Ufficiale della República Italiana.

Quando aqui chega em 1946, a vertente abstrata ainda não havia se colocado como uma realidade no cenário artístico, pois, naquele momento, valorizava-se uma arte de caráter figurativo que contribuísse para a consolidação de uma identidade nacional, ainda que fosse desenvolvida pictoricamente com base nos aprendizados junto às vanguardas artísticas do início do século XX. As experiências da semana de 1922 já haviam acontecido fazia mais de duas décadas, e o que se viu nos anos 1930 e 1940, em certa medida, foi um ambiente análogo àquele europeu de “Retorno à ordem” (sobretudo na França e na Itália). Basta nos lembrarmos da produção do Grupo Santa Helena e de sua relação em certa medida com o Novecento Italiano, fundado pela crítica de arte italiana Margherita Sarfatti.10 É preciso lembrar, nesse contexto, que no Brasil tinha vigorado o Estado Novo de Getúlio Vargas (19371945), no qual o artista Candido Portinari havia sido eleito como pintor oficial, e que, em 1949, na mostra de abertura do antigo MAM SP Do Figurativismo ao Abstracionismo, há um grande embate aqui por parte de artistas brasileiros figurativos com a linha conceitual defendida pela mostra, organizada pelo primeiro diretor do museu, Léon Degand. É esse cenário artístico, então, que Di Prete encontra no país quando chega, e que provavelmente não lhe deve ter sido tão estranho, tendo em vista sua permanência na Itália nos anos precedentes. O artista vivenciou o fascismo promovido por Benito Mussolini (que durou entre 1922 e 1943) e testemunhou as diversas vertentes artísticas pulsantes, entre as quais o citado Novecento Italiano (iniciado em 1925 e terminado no início dos anos 1930), a pintura aerofuturista alavancada pelos esforços de Filippo Tommaso Marinetti (anos 1920-1930), o realismo mágico (anos 1920-1930) e as primeiras experiências abstratas em torno da Galleria Il Milione nos anos 1930, para citar apenas algumas tendências, além do já mencionado espírito do “Retorno à ordem” promovido por artistas como Gino Severini, Carlo Carrà e Giorgio de Chirico, por meio de suas obras e escritos. No início dos anos 1940, no entanto, surge na Itália uma espécie de recuperação das vanguardas artísticas do início do século XX, algo que ganharia mais corpo com o final da Segunda Guerra efetivamente. A IV Quadrienal de Roma, na qual Di Prete expôs, já reflete bem essa movimentação, pois lá se evidencia a mudança radical de percurso de alguns artistas, que haviam trabalhado de acordo com o ambiente do “Retorno à ordem” e que fazem um resgate das poéticas vanguardistas, a exemplo do italiano Severini, como fica claro nas obras que lá expôs.11 É possível ainda supor que Di Prete tenha tido algum contato com o grupo do Fronte Nuovo delle Arti fundado em 1946 e encabeçado por Birolli, Gutuso, Morlotti, entre outros, que assinaram o Manifesto del

7 O catálogo dessa mostra está disponível em: http://www.dm-art.org/ art/exhibition-archive/south-americanart-today.

8 Nelson Aguilar (org). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994, pp.228-229.

9 Cf. Abelardo Blanco Falgueiro. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1967. O artista exibe obras suas na exposição coletiva da Galeria de Arte do Brasil em Roma em 1964 e, em 1966, recebe a medalha de ouro para estrangeiro na exposição Il Fiorino, em Florença. Tais apontamentos deverão ser investigados e confirmados.

10 Essa ideia de que o Grupo Santa Helena tenha adotado o Novecento Italiano como referência foi apresentada inicialmente e desenvolvida por Walter Zanini em A arte no Brasil nas décadas 1930-1940: o Grupo Santa Helena. São Paulo: Edusp, 1991.

11 Renata D. F. M. Rocco. Para além do futurismo: poéticas de Gino Severini no Acervo MAC USP. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2013.

Neo Cubismo. Dessa forma, não é de estranhar que o artista trabalhe no Brasil com base nos ensinamentos cubistas, ainda que de forma particular e reinterpretada, como demonstra a tela Limões. No entanto, vale dizer que, muito embora Danilo não fosse nascido quando da irrupção do cubismo e do futurismo, sua poética nos primeiros anos de prática autodidata continha seus preceitos. É fundamental ressaltar que, no caso brasileiro, o cubismo havia sido adotado nos anos 1920 por alguns artistas que tinham viajado e estudado no exterior, como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, e, em um segundo momento, a partir dos anos 1940, acontece uma espécie de revalorização sua, como se percebe ao observar as obras de artistas que tinham participado do Grupo Santa Helena. A esse respeito, deve-se considerar também que em 1940 ocorre em São Paulo a exposição Cento e Cinquenta Anos de Pintura Francesa, que apresentava um grande panorama da arte francesa desde Jacques Louis David a Pablo Picasso, e que, certamente, exerceu um enorme impacto no ambiente artístico, sobretudo, para aqueles que ainda não tinham tido a oportunidade de viajar ao exterior e verem essas obras tão fundamentais.12 Outro ponto em que pesa essa revalorização é o fato de que nos anos 1944-1945 a Biblioteca Municipal começa a importar livros de arte mais especializados e a oferecer palestras sobre o cubismo.13 Assim, Di Prete chega impactado pela lição cubista, mas também encontra no Brasil um ambiente que está receptivo a essa linguagem plástica.

Da atividade de Di Prete no cenário italiano deve-se chamar a atenção para sua participação e premiação no Prêmio Cremona, tendo em vista o perfil desse evento que ocorreu entre 1939 e 1941 e foi promovido pelo fascista extremista Roberto Farinacci,14 do qual faziam parte artistas que realizavam uma arte claramente de propaganda fascista, cujos temas poderiam ser, por exemplo: “ouvindo o discurso do Duce pelo rádio” ou “Juventude italiana do movimento fascista”.15 Assim, trata-se de uma associação que revela uma dimensão política do artista e que deve ser mais bem investigada, até mesmo porque a sua vinda ao país ocorreu em 1946, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, quando se queria esquecer o terror dos regimes totalitários. Nessa mesma linha, podese mencionar novamente sua presença na IV Quadrienal de Roma, que também foi um evento avalizado pelo regime fascista, entre a 1ª e a 4ª edições (1931-1943).16 Na sala 39, Di Prete expõe seu óleo La barca – Viareggio com outros dezoito artistas 17 como Arturo Checchi, Rolando Monti 18 e Cesare Breveglieri.19 Contudo, se depois da atividade de publicitário, Di Prete seguiu na pintura com a vertente figurativa, sua orientação muda radicalmente de figura quando abraça a abstração e depois a arte cinética.20 Como se sabe, a arte abstrata ganha seu lugar definitivamente no cenário brasileiro nos anos 1950, e a I Bienal de São Paulo em 1951 pode ser tomada como o grande marco da consolidação dessa tendência, que se estenderia até o início dos anos 1960. Na primeira edição da bienal, embora estivessem presentes os grandes nomes do figurativismo como Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall e Portinari, participavam os artistas que seguiam a tendência concretista como Waldemar Cordeiro, Ivan Serpa, Lothar Charoux e Geraldo de Barros. Assim, essa tendência seria dominante até a V Bienal de São Paulo (1959),

12 Lisbeth Rebollo Gonçalves. Aldo Bonadei: percursos estéticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012, p.76.

13 Ivana Soares Paim. Por enxergar demais. A pintura de Hugo Adami. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, Brasil, 2002, pp.02-03. A pesquisadora relata que Adami sentiu fortemente essa “onda cubista” ao chegar ao Brasil em 1940.

14 De acordo com a biografia do artista publicada na revista Publicidade e Negócios em agosto de 1948, o seu quadro Batalha de trigo (2,40 x 4,5m) foi adquirido na mostra por Farinacci, que depois o deu de presente a Hitler. Material consultado no arquivo da filha do artista.

15 Cf. informação extraída da conferência proferida pelo Prof. Paolo Rusconi, da Università degli Studi di Milano, no dia 19 de abril de 2013, durante o Curso Internacional “Anos 1930 na Itália: as artes figurativas, as revistas e as exposições durante o fascismo”, realizado no Museu de Arte Contemporânea da USP, entre 16 e 19 de abril de 2013; diametralmente oposta é a orientação do Prêmio Bergamo, que ocorre entre 1939-1942, promovido por Cipriano Efisio Oppo (mesma personalidade que dirigiu as quatro primeiras edições da Quadrienal de Roma), que valorizava a experiência vanguardista.

16 Sobre essas edições da Quadrienal de Roma veja Claudia Salaris. La Quadriennale: Storia della rassegna d’arte italiana dagli anni Trenta a oggi. Itália: Marsilio Editori, 2008.

17 CAT. EXP. IV Quadriennale d’arte nazionale. Roma: Casa Editrice Mediterranea, 1943, pp.109-111.

18 Cf. CAT. EXP. IV Quadriennale d’arte nazionale. op. cit., vê-se que Monti expôs uma obra – A Cartomante – que apresentava justamente uma linguagem artística que remontava às vanguardas do início do século XX, conforme comentado anteriormente.

19 Este artista havia tido uma boa recepção na II Quadrienal de Roma, junto aos demais artistas “primitivos”.

20 Cf. Thaís Pereira de Oliveira; Edgar Silveira Franco. “Arte cinética e ciberarte: propostas de interatividade”. In: Suzete Venturelli (org.), 9º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, Brasília, 2010, Anais..., pp.427-428: Entendendo por arte cinética (advinda da palavra de origem grega kinétós, cujo significado é móvel, e que pode ser movido) aquela produção que surge a partir dos anos 1950, como fruto do espírito inovador do artista, de sua vontade de romper com os limites da tela como suporte principal, incorporando à sua criação motores elétricos, ruídos, aparatos que proporcionam movimento e interação do espectador com a obra de arte.

quando a abstração informal se faria sentir, como indica o prêmio de pintura concedido ao artista japonês Manabu Mabe.21 Nos anos 1960, muito embora houvesse a questão do regime político, que, como se sabe, se agrava fortemente em 1964, as artes visuais ainda conseguem desenvolver-se de maneira fértil, sendo que, nas bienais, se sente a influência norte-americana da Pop Arte e do expressionismo abstrato.22 Na década de 1970, depois desse período de predomínio da arte concretista no Brasil, firma-se a arte conceitual e outras tendências, podendo-se citar as criações produzidas com computador por Waldemar Cordeiro e o desenvolvimento de uma arte postal, cujo um dos pioneiros foi Ângelo de Aquino, para mencionar apenas duas. De acordo com Walter Zanini, a pintura só recuperaria espaço na segunda metade dos anos 1970, na esteira de um movimento maior advindo do exterior, com a transvanguarda italiana de Bonito Oliva e o novo expressionismo alemão.

Danilo di Prete, então, convive e participa ativamente de todas essas movimentações artísticas no Brasil, e suas obras que estão nos museus brasileiros testemunham isso: no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo têm-se Limões, 1951, Marinha (Via Reggio), 1946; Natureza-morta, 1949; e Formas no espaço, 1953; no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Cogumelos, 1945; Cabinas na praia de Viareggio, 1946; e Paisagem cósmica nº 2, 1967; na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Paisagem cósmica, 1967; Sem título, 1962; e Estrela preta, 1971; e, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Cosmos, s.d. e Eclosão, s.d. Existem obras suas também no Museu de Arte de Brasília,23 e em coleções privadas como a de Gilberto Chateaubriand,24 a da família Fadel,25 e nos bancos Itaú 26 e JPMorgan.27 Há ainda duas de suas criações na Coleção de Arte da Cidade (Centro Cultural São Paulo) [Sem título, s.d. e Sinenai Albânia, 1941] e seus arquivos estão no Idart também no Centro Cultural São Paulo. Alguns estudos apontam que existem obras suas no Museu Histórico de Berlim, na Galeria de Arte de Florença e no Museu Histórico do Castelo Sant’Angelo em Roma.28

Sobre sua relação com os críticos de arte brasileiros, é necessário apontar que aqueles que comentam seu trabalho são os responsáveis pela construção de um discurso modernista entre nós como: Mário Pedrosa, Geraldo Ferraz e José Geraldo Vieira. Este, faz um comentário a respeito de sua sala na I Bienal de São Paulo e do prêmio que lhe foi concedido.29

Ali, o seu percurso plástico está representado pelas obras feitas no Brasil, onde chegou em 1946 [...] Mas lhe sucedeu aqui em São Paulo, em 1951, uma surpresa ao mesmo tempo benéfica e nefasta; pois tendo sido uma glória, lhe criou complexos: na I Bienal, aceito no nosso continente como estrangeiro já residindo no Brasil desde mais de dois anos, o júri internacional lhe conferiu o Grande Prêmio de Pintura Brasileira. O júbilo atônito se transformou em mal-estar. Porque, conquanto não sendo um intruso, respeitando a nossa pintura e até mesmo se deixando antropofagar por ela, Danilo di Prete passou a temer a xenofobia e o despeito.

21 Maria Alice Milliet. “As Abstrações”. In: Nelson Aguilar, Nelson (org). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994, pp.184-185.

22 Walter Zanini. “Duas décadas difíceis: 60 e 70”. In: Nelson Aguilar (org). op cit., pp.307-308.

23 Cf. informação extraída do site da Secretaria do Estado de Cultura do Distrito Federal, na página “Apresentação Museu de Arte de Brasília”. Disponível em: http://www.cultura.df.gov.br/ apresentacao-do-museu-de-arte-debrasilia-mab.html. Acesso em: 8 jan. 2014.

24 Cf. CAT. EXP. O desenho moderno no Brasil. São Paulo: Sesi Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1993, foram expostas nesta mostra quatro grafites de Danilo di Prete, sendo um de 1943 e os outros três de 1944.

25 Cf. informação extraída do site do Museu de Arte do Rio, a respeito da exposição “Vontade Construtiva na Coleção Fadel”. Disponível em: http:// www.museudeartedorio.org.br/pt-br/ exposicoes/atuais?exp=8. Acesso em: 8 jan. 2014.

26 Cf. CAT. EXP. 100 obras Itaú. São Paulo: Banco Itaú, 1985, pp.204-205. Essa mostra, curada por Bardi e realizada no Masp, contava com uma obra de Di Prete: Sem título, 1969, óleo sobre tela, 129 x 99cm.

27 Cf. CAT. EXP. História de uma coleção: arte brasileira entre os anos 1960-1980 no acervo do banco JPMorgan. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2003, pp.209210. Nessa mostra curada por Luiz Camillo Osorio, havia duas obras de Di Prete, uma, intitulada Pintura 3, 1962, técnica mista sobre tela e a outra, Sem título, de 1964, técnica mista sobre tela.

28 Conforme informação extraída da monografia de Marcia Grosso já mencionada. No entanto, tais informações devem ser averiguadas.

29 José Geraldo Vieira. “A Sala Danilo di Prete na Bienal” in Folha Ilustrada, 1951.

O mesmo José Geraldo Vieira foi responsável pela organização da sala especial de Danilo Di Prete na VI Bienal de São Paulo,30 em 1961, onde havia nove salas especiais dedicadas aos artistas premiados nas edições anteriores, organizadas por críticos, em comemoração aos dez anos de Bienal.31 Geraldo Ferraz faz um comentário bem positivo acerca de sua sala, dizendo que “apresenta a mais bela coleção de trabalhos”, e retoma aspectos de sua premiação na primeira edição da mostra.32

Não se trata de uma retomada de posição: consideramos errada que o Limões de 1951 esteja aí, mas também este quadro, Prêmio do Melhor do Brasil na I Bienal, atesta, põe em relevo, comprova notável evolução de Di Prete, aos seus quadros das preocupações cósmicas. E o resultado do conjunto se faz simplesmente admirável. Cabe-nos reconhecê-lo e proclamá-lo.

Depois, em 1965, por ocasião da VIII Bienal de São Paulo, José Geraldo Vieira discute sua produção em um artigo na Folha de São Paulo em que discute o fato de ter ganhado, pela segunda vez, o prêmio de pintura da mostra.33

O júri internacional conferiu o prêmio de pintura brasileira a um artista que em 51 já recebera a mesma láurea. Trata-se de um artista sério, prestativo (montou sozinho quase toda a Bienal, por mais duma vez), e que ultimamente vem apresentando telas com a designação genérica de “paisagens cósmicas”. Sua situação com o atual prêmio deve ser ambivalente. Pois se acaso ele se sente feliz com a láurea repetida, simultaneamente se deve sentir atrapalhado com esse sanduiche plástico montado sobre o peito e as costas. Sua condição de estrangeiro radicado (ou naturalizado?) também coadjuvará no seu estado de provável angústia, pois sem querer preteriu quase cem artistas. De mais a mais, de 51 para 65, muito mudou o cenário plástico brasileiro, bem como o internacional. Os críticos é que parece que não mudam muito, burocraticamente. A maneira específica de Di Prete é mesmo a mais avançada, a mais revolucionária, a mais estética, em confronto com o demais acervo nacional?

Anos depois, é Mário Pedrosa quem faz uma breve retrospectiva sua por ocasião de uma mostra do artista em 1985, no Espaço Cultural Chap Chap.34

Quando Di Prete, há mais de dez anos, conquistou (...) o prêmio da 1ª Bienal de melhor pintor brasileiro, (...) era, com efeito, ainda ‘estrangeiro’, não de nacionalidade (...), mas de pintura (...). Seu ‘passaporte’ para a pintura brasileira, ou a pintura feita, nascida no Brasil, foi um neocubismo de nítida inspiração italiana, isto é, mais próximo dos esquemas colorísticos vibrantes do futurismo que das severidades térreas do cubismo francês. (...) A luz clara que trouxe da Itália pode se ter adensado, aqui, como nuvens baixas roçando os rochedos; sua matéria, a espátula, e não mais o pincel, pode ter perdido, no suceder da experiência pictórica, o direto contato perceptivo com as coisas ao alcance da mão ou da visão focal; suas cores, seus verdes, azuis podem ter perdido a transparência luminosa; a imaginação se deslocalizado para universalizar-se. Como resultante de tudo isso, sua matéria deixou de ser matéria, à maneira renascentista, para ser textura, que se ergue em fermento, em relevos orográficos, em energia – sinal dos tempos.

30 Cf. Folha de São Paulo, 11 nov. 1961: “Danilo di Prete e Carybé são os dois artistas brasileiros que mais quadros venderam até agora na VI Bienal de São Paulo. 11 cada um. As telas do primeiro variam de Cr$ 100 mil a Cr$ 300 mil cada, e as do desenhista baiano oscilam entre Cr$ 35 mil a Cr$ 40 mil...”

31 Ana Maria Pimenta Hoffman. Crítica de arte e bienais: as contribuições de Geraldo Ferraz. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 2007, p.119.

32 Cf. levantamento feito pela pesquisadora Ana Maria Pimenta Hoffmann, apresentado em sua tese de doutorado, op. cit., p.178.

33 José Geraldo Vieira. “Check up da VIII Bienal”. Folha Ilustrada, 03 out. 1965.

34 Cf. informação extraída da Enciclopédia Itaú Cultural, “Danilo Di Prete”: Mário Pedrosa in DANILO di Prete Apresentação de Jean Cassou, Geraldo Ferraz, Maria Eugenia Franco. Textos de José Geraldo Vieira e Mário Pedrosa. São Paulo: Espaço Cultural Chap Chap, 1985. Disponível em: https://www.google.com. br/search?q=danilo+di+prete& oq=danilo+di+p&aqs=chrome. 3.69i57j69i60l2j69i59l2j0. 3988j0j8&sourceid=chrome&espv =210&es_sm=93&ie=UTF-8. Acesso em: 10 jan. 2014.

35 Luiz Ernesto Machado Kawall. “Entrevista com Danilo Di Prete”, Artes Reportagem, São Paulo, v.1, p.28, 1972.

O próprio Di Prete, em entrevista a Luís Ernesto Machado em 30 de janeiro de 1972, olha retrospectivamente e declara: 35

Não quero ficar famoso nem me tornar milionário. Quero, apenas, pesquisar muito e pintar sempre. [...] Perdi 10 anos na vida como soldado do exército italiano. Cheguei ao Brasil em setembro de 1946, e já dei duro aqui. Pintei prédios, expus 30 telas, mas ninguém comprou, passei fome, fui cartazista em agências de propaganda. Aí vieram muitos prêmios, ganhei o prêmio de melhor pintor na I Bienal, outros prêmios importantes ainda em outras três bienais... Mas nada disso importa. O que me interessa é fazer uma obra pesquisada, adulta, independente, de ressonância nos grandes centros de arte, deixar um nome limpo na arte. Dinheiro, vendas, prêmios, ‘fofocas’, rodinhas, nada disso me interessa.

Tendo feito esta breve digressão acerca de seu percurso artístico e os meios artísticos em que esteve imerso, aponto as razões pelas quais me parece fundamental realizar uma pesquisa que se proponha a abordar como problema a trajetória de Di Prete no Brasil, esclarecendo a amplitude de sua influência entre os artistas, a relação com Ciccillo Matarazzo, bem como de demonstrar a sua interlocução e papel na relação entre os meios italiano e brasileiro.

Primeiramente, vale ressaltar que, até o momento, não há trabalhos acadêmicos, como mestrado ou doutorado, que tenham se debruçado sobre sua trajetória e criações artísticas.36 Dessa forma, existe uma grande oportunidade, ao se desenvolver esta tese, de se contribuir enormemente com a historiografia de arte brasileira entre os anos 1940-1970. Há um vácuo no entendimento da importância de Di Prete no ambiente brasileiro, o que gera um enorme desconhecimento das contribuições, ideias e propostas que ele introduziu nesse cenário, sendo que o artista marcou o ambiente brasileiro de forma significativa na época em que viveu. Há dois aspectos que inicialmente chamam a atenção nesse sentido: um primeiro diz respeito à ideia da realização de uma bienal em São Paulo nos mesmos moldes da Bienal de Veneza, pois em alguns casos mencionou-se Di Prete como aquele que sugeriu isso a Francisco Matarazzo Sobrinho. De acordo com a reportagem feita com a filha do artista, Giuliana di Prete em 2005, ela conta que o artista nipo-brasileiro Manabu Mabe, assíduo frequentador do estúdio de Di Prete, chegou a afirmar a um dos netos do artista “A Bienal de São Paulo foi uma ideia de seu avô”.37 O próprio Di Prete, em uma gravação feita em 1º setembro de 1976 (que depois ficou guardada no Arquivo da Fundação Cultural Matarazzo), afirma categoricamente ter sido ele quem deu a ideia ao Ciccillo de fazer a bienal e dá detalhes de como isso ocorreu.38 Contudo, não há registros ou documentos que confirmem isso por parte de outros artistas e mesmo de Yolanda Penteado, que, em suas memórias, não o menciona.39 Ainda assim, essa é uma hipótese que merece um aprofundamento, já que impacta diretamente no conhecimento que se tem a respeito da paternidade da ideia de formação da bienal; outro ponto é a sua contribuição, com a introdução da arte cinética no país, quando, a partir de 1970, o artista passa a incluir luzes, sons, saídas de ar, motores em suas criações, depois de ter passado pela pintura de caráter abstrato no decênio anterior. Assim,

36 Vale mencionar as duas monografias desenvolvidas por alunos da FAU USP sobre Danilo di Prete: Abelardo Blanco Falgueiro op. cit.; Marcia Grosso. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1966.

37 Cf. consulta feita a Revista Época: Disponível em: http://revistaepoca.globo. com/Epoca/0,,EPT1031123-1661,00.html; Acesso em: 19 dez. 2013.

38 A autora teve acesso a esse registro (áudio e transcrição) por meio do encontro com a filha de Di Prete, Giuliana di Prete.

39 Yolanda Penteado. Tudo em cor-derosa. São Paulo: edição da autora, 1977.

percebe-se que não há descompasso da produção do artista com relação ao que vinha sendo desenvolvido no meio brasileiro, pelo contrário, ao aderir a esse tipo de criação dos anos 1970, com práticas mais interativas, onde estão atenuados os limites entre escultura e instalação, pode-se dizer que ele está totalmente inserido em nossa corrente contemporânea e também estrangeira.

Outro aspecto em que pesa a importância deste estudo diz respeito à recente reavaliação crítica da primeira coleção italiana presente no MAC USP (advinda do antigo MAM SP), empreendida pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, que revelou a complexa rede de relações entre os meios italiano e brasileiro no âmbito da atuação dos críticos, galeristas e artistas. Lembrando que as aquisições para o antigo MAM SP ocorrem na esteira do pós-Segunda Guerra Mundial, e, portanto, carregando ainda o peso de práticas que haviam vigorado durante o regime fascista, que, apenas terminado, havia durado por vinte anos. No ambiente brasileiro, há personagens de descendência italiana que estão presentes durante os anos 1930-1940 e que devem ser estudados em profundidade ou revistos, por conta da forte influência que exerceram nos artistas e seus grupos no país, como o artista Vittorio Gobbis, para mencionar apenas um exemplo. Trabalhos nessa direção vêm sendo realizados nos últimos anos, como aqueles sobre Aldo Bonadei,40 Paulo Rossi Osir,41 Fulvio Pennacchi,42 e Hugo Adami,43 além de obviamente, o caso de Pietro Maria Bardi e sua esposa, Lina Bo, que vêm sendo foco de inúmeros estudos, sobretudo por conta de suas ligações com o Museu de Arte de São Paulo (Masp).44 Pode-se mencionar também a pesquisa empreendida pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães a respeito das relações entre Margherita Sarfatti e o Brasil.45 Sendo assim, é fundamental a investigação acerca de Di Prete, que inclusive chega ao país no mesmo ano de Bardi e que, mesmo em via diversa, contribuiu fortemente com o desenvolvimento de tendências artísticas, promovendo intercâmbio cultural entre Brasil e Itália.

A título de conclusão, pode-se dizer que este trabalho certamente produzirá um material de relevância para museus e instituições culturais que contenham obras e documentos de autoria de Di Prete, e mesmo para os que trabalham com temas correlatos em exposições museológicas, palestras, publicações e outras ações educativas.

40 Lisbeth Rebollo Gonçalves. Aldo Bonadei: percursos estéticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012.

41 A. L. Ribeiro Niura. Rossi Osir –artista e idealizador cultural. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 1995; Lauci dos Reis Bortoluci. A biblioteca de Paulo Rossi Osir: coleção e arte. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2007.

42 Neville Rowley. “Entre Quattrocento et Novecento: Piero della Francesca, Pio Semeghini et Fulvio Pennacchi”. In: Anais Seminário Modernidade Latina, abril 2013, São Paulo. No prelo.

43 Ivana Soares Paim, Por enxergar demais. A pintura de Hugo Adami, Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2002.

44 Nesse sentido, vale lembrar dois eventos recentes: 1º Simpósio Internacional Pietro Maria Bardi que ocorreu entre os dias 12 e 14 de setembro de 2011, na Unicamp, Campinas, e no Masp em São Paulo, também em 2011, e o seminário Modernidade Latina, que ocorreu em abril de 2013, que embora não tivesse como foco o casal Bardi, ambos foram amplamente discutidos conforme poderá ser visto nos Anais do evento, ainda no prelo. Além disso, devese mencionar a publicação: Francesco Tentori, P. M. Bardi: com as crônicas artísticas do L’Ambrosiano 1930-1933 Trad. Eugênia Gorini Esmeraldo. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi/ Imprensa Oficial do Estado, 2000, e os diversos estudos sobre Bardi e Lina Bo desenvolvidos na USP, Unicamp, entre outras universidades.

45 Veja-se: Ana Gonçalves Magalhães. “Realismo, classicismo e vanguarda: Pintura italiana do entreguerras”. In: CAT. EXP. Realismo, classicismo e vanguarda: pintura italiana do entreguerras. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013, pp.7-23.

2.3 Referências

AGUILAR, Nelson (org). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994.

ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Polyanna. As bienais de São Paulo: da Era do Museu à Era dos Curadores (1951-2001). São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

ALMEIDA, Fernando Azevedo. O franciscano Ciccillo. São Paulo: Pioneira, 1976.

ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva, 1976.

AMARAL, Aracy. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: perfil de um acervo. São Paulo: Editora X Libres, 1988.

APOLLONIO, Umbro. Pittura italiana moderna. Veneza: Neri Pozza, 1950.

ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ARGAN, G. C. Arte moderna. Do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

BLANCO FALGUEIRO, Abelardo. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1967.

BOIS, Yve-Alain, BUCHLOH, Benjamin H. D., FOSTER, Hal, JOSELIT, David, KRAUSS, Rosalind. Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism. Londres: Thames & Hudson, 2004.

BONOMI, Ana Maria. “Cinquenta anos de Bienal”. Revista USP, São Paulo, n.52, p.26-37, dez./fev. 2001-2002.

BRUNELLI, Silvana. Diálogo entre as artes plásticas e a publicidade no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.

CAVALCANTI, Carlos; AYALA, Walmir (org.). Dicionário brasileiro de artistas plásticos. Apresentação: Maria Alice Barroso. Brasília: MEC/INL, 1973-1980. (Dicionários especializados, 5).

CAT. EXP. Anni Trenta: Arti in Italia oltre il fascismo. Itália: Giunti Editore, 2012.

CAT. EXP. Arte no Brasil. Apresentação: Pietro Maria Bardi e Pedro Manuel. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

CAT. EXP.  100 obras Itaú. São Paulo: Banco Itaú, 1985.

CAT. EXP. Danilo Di Prete. Apresentação: Jean Cassou, Geraldo Ferraz, Maria Eugenia Franco. Textos de José Geraldo Vieira e Mário Pedrosa. São Paulo: Espaço Cultural Chap Chap, 1985.

CAT. EXP. História de uma coleção: arte brasileira entre os anos 1960-1980 no acervo do banco JPMorgan. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2003.

CAT. EXP. IV Quadriennale d’arte nazionale: Roma: Casa Editrice Mediterranea, 1943.

CAT. EXP. O desenho moderno no Brasil. São Paulo: Sesi Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1993.

CAT. EXP. Premio Cremona: catalogo delle opere esposte alla mostra: Cremona, maggio-luglio 1940. Cremona: Stab. Tip. Soc. Ed. Cremona Nuova, 1940.

CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Coleção Todas as Artes).

CHIPP, H. B. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FABRIS, Annateresa. “Um ‘fogo de palha aceso’: considerações sobre o primeiro momento do Museu de Arte Moderna de São Paulo”. In: Cat. Exp. MAM 60. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2008, p.14-89.

FARIAS, Agnaldo. 50 anos. Bienal de São Paulo. 1951-2001 São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2001, edição bilíngue.

GROSSO, Marcia. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1966.

GULLAR, Ferreira: Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta. Rio de Janeiro: Editora Nobel, 1999.

HOFFMANN, Ana Maria Pimenta. Crítica de arte e bienais: as contribuições de Geraldo Ferraz. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.

LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem moderno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

MAGALHÃES, Ana Gonçalves. “A narrativa de arte moderna no Brasil e as coleções Matarazzo, MAC USP”. Museologia & interdisciplinaridade. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília, v.1, n.1, jan./jul. 2012.

______. “Realismo, classicismo e vanguarda: Pintura italiana do entreguerras”. In: CAT. EXP. Realismo, classicismo e vanguarda: pintura italiana do entreguerras. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013, pp.7-23.

MALTESE, Corrado. Storia dell´arte in Italia: 1785-1943. Turim: Einaudi, 1992.

PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. Org. Aracy Amaral. São Paulo: Perspectiva, 1975.

PENTEADO, Yolanda. Tudo em cor-de-rosa. São Paulo: edição da autora, 1977.

PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Apres. Antônio Houaiss. Textos de Mário Barata et al. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

SALARIS, Claudia. La Quadriennale: Storia della rassegna d’arte italiana dagli anni Trenta a oggi. Itália: Marsilio Editori, 2008.

VENTURI, Lionello. Pittura contemporânea. Milão: Hoepli, 1948.

ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas décadas 1930-1940: o Grupo Santa Helena. São Paulo, Edusp, 1991.

______________ . (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983.

2.4 Objetivos

2.4.1 Gerais:

- produção de conhecimento a respeito do artista, apresentando sua trajetória artística na Itália e no Brasil e desvelando sua influência no meio artístico brasileiro entre os anos 1940-1970;

- revisão historiográfica com relação à paternidade da ideia de trazer a Bienal para o Brasil;

- investigar sua participação no intercâmbio de informações entre os contextos artísticos Brasil e Itália.

2.4.2 Específicos:

- sistematizar a produção artística de Danilo di Prete (trabalho que será feito com o apoio e suporte da filha do artista);

- sistematizar a bibliografia existente (escritos sobre ele e os de sua autoria);

- entender quais foram os artistas impactados pela sua produção;

- rever a sua relação com a crítica de arte brasileira.

2.5 Plano de trabalho e cronograma

Primeiramente será pesquisada a biografia do artista para compreensão de qual bagagem artística trazia da Itália e que tipo de associações artísticas e políticas ele tinha feito até então. Ao longo dos semestres seguintes, sistematizarei sua produção artística, levantando suas criações, localizações, dados sobre as obras e coleção a que pertencem, e farei o mesmo com relação às referências bibliográficas que circundam seu nome. Ainda no segundo semestre darei início à investigação do impacto de suas criações no Brasil e de sua relação com Francisco Matarazzo Sobrinho. A partir desse ponto, procurarei esclarecer em que medida o artista circulava no meio brasileiro e influenciava em associações, artistas e críticos no país. Contarei com a colaboração da filha do artista nesse processo, durante o qual procurarei entrevistar artistas e críticos que tiveram contato com Di Prete e que possam fornecer informações sobre sua obra e relação com o ambiente brasileiro. Na última etapa, farei a análise formal das obras mais relevantes, depois de ter realizado, no início da pesquisa, todo o levantamento de sua produção. A seguir, o detalhamento da organização das atividades descritas:

Investigação sobre a vida e obra do artista nos contextos brasileiro e italiano (1920-1970)

Sistematização de sua produção artística

Sistematização de produção bibliográfica

Estudo de suas relações no Brasil e interface que fez com a Itália

Entrevistas com a filha de Di Prete e com artistas que tiveram contato com ele

Análise das soluções plásticas empregadas nas obras criadas e exibidas no Brasil e de suas criações como publicitário

Revisão, finalização, autorização de imagens e defesa de tese

2.6 Procedimentos metodológicos e quadro teórico de referência

Esta pesquisa se insere no campo da História da Arte e tem como problema principal a realização de um estudo de caso sobre o artista italiano radicado no Brasil, Danilo di Prete, e a influência que exerceu no cenário artístico brasileiro entre os anos 1940-1970.

Tendo em vista a frequente e vasta participação de Danilo di Prete em exposições de arte tanto na Itália quanto no Brasil, abordarei os objetivos expostos por meio das mostras de que participou, do sucesso ou insucesso que obteve e da trama de relações com críticos, artistas e formadores de opinião. Outra via de pesquisa serão os artigos de revistas e jornais publicados na época para que se tenha um entendimento claro da percepção naquele momento e não somente a posteriori. Será importante pesquisar como seu nome aparece contextualizado em publicações que se propõem a serem grandes sistematizações dos principais nomes de artistas brasileiros e italianos.

A título de organização, trabalharei com obras que contextualizam a produção artística de Di Prete na Itália e depois no Brasil, quando farei uma imersão no cenário artístico brasileiro. Tendo em vista seu percurso artístico no âmbito da arte moderna e contemporânea, adotarei como referências de base os seguintes compêndios: Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos, de Carlo Argan e; Arte contemporânea: uma história concisa, de Michael

Archer. Para um panorama específico e direcionado à produção na Itália no período em que Danilo morou lá, trabalharei com Pittura italiana moderna, 1950, de Umbro Apollonio; Pittura contemporânea, 1948, de Lionello Venturi; e Storia dell’arte in Italia: 1785-1943, de Corrado Maltese; para o cenário artístico brasileiro me apoiarei fundamentalmente na publicação de Walter Zanini, História geral da arte no Brasil, além de Bienal Brasil século XX, organizada por Nelson Aguilar, que ajudará a problematizar as edições da Bienal de São Paulo, assim como a revisão organizada por Agnaldo Farias, 50 anos. Bienal de São Paulo. 1951-2001, de 2001; e As bienais de São Paulo, de Francisco Alambert e Polyanna Canhête. Será necessário reconstruir as relações Brasil-Itália que pautaram a constituição do acervo do antigo MAM SP, uma vez que Francisco Matarazzo Sobrinho esteve à frente desse empreendimento, bem como da realização da Bienal de São Paulo, evento no qual Danilo di Prete teve uma significativa participação, como comentado anteriormente. Tal abordagem será feita com base na reavaliação crítica realizada pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, cujos resultados podem ser consultados no catálogo da exposição Realismo, classicismo e vanguarda: pintura italiana do entreguerras. Além das obras que fundamentam o trabalho acima mencionadas, as demais informações, imagens, levantamentos que compõem este trabalho serão investigados no arquivo do artista no Idart e com a filha Giuliana di Prete; em compêndios de arte italiana nas bibliotecas da USP e outras; no arquivo Wanda Svevo; na Pinacoteca do Estado de São Paulo; e solicitarei informações, quando necessário, à Quadriennale di Roma e ao Departamento de Bens Culturais e Ambientais da Università Degli Studi di Milano, com o qual o MAC USP mantém um convênio de cooperação acadêmica (no âmbito do qual, realizei meu estágio na Itália em 2012 por conta da pesquisa do mestrado).

2.7 Forma de análise dos resultados

Feita a investigação minuciosa supracitada, no campo da linha de pesquisa de teoria e crítica de arte, os resultados esperados por este projeto serão atingidos.

Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais, com

Workshop Gestão de ativos digitais em instituições culturais, com Adriana Villela e Paulo Cesar Mafra
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Luciana Amaral
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Workshop Embalagens de conservação, com Milton Vedoato Filho
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Princípios básicos de conservação preventiva, com Andrea Andira
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Transformação digital, com Martim Passos e Yuri Tavares
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas, com Frederico A. C. Camargo © Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo, com Silvana Goulart
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Tratamento de massa documental acumulada, com Eneida Cintra Labaki
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
O impacto da branquitude nos arquivos, com Luciara Ribeiro © Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Como fazer um projeto de pesquisa, com Renata Dias Ferraretto Moura Rocco © Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo

Fundação Bienal de São Paulo

Fundador

Francisco Matarazzo Sobrinho · 1898–1977 presidente perpétuo

Conselho de administração

Eduardo Saron · presidente

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires · vicepresidente

Membros vitalícios

Adolpho Leirner

Beno Suchodolski

Carlos Francisco Bandeira Lins

Cesar Giobbi

Elizabeth Machado

Jens Olesen

Julio Landmann

Marcos Arbaitman

Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa

Pedro Aranha Corrêa do Lago

Pedro Paulo de Sena Madureira

Roberto Muylaert

Rubens José Mattos Cunha Lima

Membros

Adrienne Senna Jobim

Alberto Emmanuel Whitaker

Alfredo Egydio Setubal

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires

Angelo Andrea Matarazzo

Beatriz Yunes Guarita

Camila Appel

Carlos Alberto Frederico

Carlos Augusto Calil

Carlos Jereissati

Célia Kochen Parnes

Claudio Thomaz Lobo Sonder

Daniela Montingelli Villela

Eduardo Saron

Fábio Magalhães

Felippe Crescenti

Flavia Buarque de Almeida

Flávia Cipovicci Berenguer

Flavia Regina de Souza Oliveira

Flávio Moura

Francisco Alambert

Heitor Martins

Isay Weinfeld

Jeane Mike Tsutsui

Joaquim de Arruda Falcão Neto

José Olympio da Veiga Pereira

Kelly de Amorim

Ligia Fonseca Ferreira

Lucio Gomes Machado

Luis Terepins

Luiz Galina

Maguy Etlin · licenciada

Manoela Queiroz Bacelar

Marcelo Mattos Araujo

Mariana Teixeira de Carvalho

Miguel Setas

Miguel Wady Chaia

Neide Helena de Moraes

Nina da Hora

Octavio de Barros

Rodrigo Bresser Pereira

Rosiane Pecora

Sérgio Spinelli Silva Jr.

Susana Leirner Steinbruch

Tito Enrique da Silva Neto

Victor Pardini

Conselho fiscal

Edna Sousa de Holanda

Flávio Moura

Octavio Manoel Rodrigues de Barros

Conselho consultivo internacional

Maguy Etlin · presidente

Frances Reynolds · vice-presidente

Andrea de Botton Dreesmann, Quinten Dreesmann

Barbara Sobel

Caterina Stewart

Catherine Petitgas

Flávia Abubakir, Frank Abubakir

Laurie Ziegler

Mélanie Berghmans

Miwa Taguchi-Sugiyama

Pamela J. Joyner

Paula Macedo Weiss, Daniel Weiss

Sandra Hegedüs

Vanessa Tubino

Diretoria

Andrea Pinheiro · presidente

Maguy Etlin · primeira vice-presidente

Luiz Lara · segundo vice-presidente

Ana Paula Martinez

Francisco Pinheiro Guimarães

Maria Rita Drummond

Ricardo Diniz

Roberto Otero

Solange Sobral

Superintendências

Antonio Thomaz Lessa Garcia Junior · superintendente executivo

Felipe Isola · superintendente de projetos

Joaquim Millan · superintendente de projetos

Caroline Carrion · superintendente de comunicação

Irina Cypel · superintendente de relações institucionais e parcerias

Superintendência executiva

Beatriz Reiter Santos

Marcella Batista

Superintendência de projetos

Bernard Lemos Tjabbes · coordenador

Dorinha Santos · coordenadora

Marina Scaramuzza · coordenadora

Ariel Rosa Grininger

Camilla Ayla

Carolina da Costa Angelo

Nuno Holanda Sá do Espírito Santo

Tatiana Oliveira de Farias

Ziza Rovigatti

Superintendência de comunicação

Rafael Falasco · coordenação editorial

Adriano Campos · design

Eduardo Lirani · produção gráfica

Fernando Pereira · assessoria de imprensa

Francisco Belle Bresolin · projetos digitais e documentação

Julia Bolliger Murari · redes sociais

Luciana Araujo Marques · editorial

Marina Fonseca · redes sociais

Nina Nunes · design

Victória Pracedino · jovem aprendiz

Superintendência de relações institucionais e parcerias

André Massena

Jefferson Faria

Laura Caldas

Luciana Raele

Raquel Silva

Victória Bayma

Viviane Teixeira

Educação

Simone Lopes de Lira · gerente

Danilo Pera · coordenador

André Leitão

Gabri Gregorio

Giovanna Endrigo

Julia Iwanaga

Renato Lopes

Tailicie Nascimento

Vinicius Massimino

Lincon Amaral · jovem aprendiz

Arquivo Bienal

Leno Veras · gerente

Antonio Paulo Carretta · coordenador

Marcele Souto Yakabi · coordenadora

Ana Helena Grizotto Custódio

Anna Beatriz Corrêa Bortoletto

Daniel Malva Ribeiro

Gislene Sales

Gustavo Paes

Kleber Costa Timoteo

Raquel Coelho Moliterno

Thais Ferreira Dias

Alex Reimann · estagiário

Deisy Yumi · estagiária

Eloisa Elena · estagiária

Fabio Silva · estagiário

Juliana Knobel · estagiária

Maíra Alves · estagiária

Ricardo Menezes · estagiário

Walter Rocha · estagiário

Administrativo-financeiro

Finanças

Amarildo Firmino Gomes · gerente

Edson Pereira de Carvalho · coordenador

Fábio Kato

Silvia Andrade Simões Branco

Gestão de materiais e patrimônio

Valdomiro Rodrigues da Silva Neto · gerente

Larissa Di Ciero Ferradas · coordenadora

Angélica de Oliveira Divino

Daniel Pereira

Isabela Cardoso

Sergio Faria Lima

Victor Senciel

Vinícius Robson da Silva Araújo

Wagner Pereira de Andrade

Lucas Galhardo · jovem aprendiz

Planejamento e operações

Rone Amabile

Vera Lucia Kogan

Recursos humanos

Andréa Moreira · coordenadora de recursos humanos

Higor Tocchio · coordenador de departamento pessoal

Matheus Andrade Sartori

Patricia Fernandes

Tecnologia da informação

Ricardo Bellucci

Jhones Alves do Nascimento

Júlio Coelho

Matheus Lourenço

parceria estratégica

patrocínio master

patrocínio

agência oficial

apoio institucional

apoio

realização

parceria cultural

diagramação

Verbo Arte Design

revisão

Elisabeth Lissovsky

SEMANA DE CAPACITAÇÃO

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.