Humanidades digitais, 2025

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HUMANIDADES DIGITAIS

transformação do conhecimento na sociedade da informação

Desde sua criação, em 1955, o Arquivo Histórico Wanda Svevo tem sido guardião de um dos mais importantes acervos documentais dedicados à arte moderna e contemporânea no Brasil e no mundo. Ao longo dessas sete décadas, consolidouse como espaço de referência, acolhendo pesquisadores e preservando a memória de um evento que acompanha, tensiona e impulsiona a história da arte e da cultura.

Esta publicação, realizada com recursos do Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais (Promac), da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, reúne textos comissionados a partir das contribuições de palestrantes que participaram do programa de formação e da semana de capacitação do Arquivo, parte das ações comemorativas de seus setenta anos. São profissionais vinculados a arquivos e instituições de ensino que, a partir de diferentes perspectivas, investigam e refletem sobre o acesso, a preservação e os sentidos de uma instituição de memória no contexto contemporâneo.

Os textos aqui reunidos reafirmam o papel da Fundação Bienal de São Paulo na produção de conhecimento e no fortalecimento do debate público no campo das artes visuais. Ao promover a circulação dessas pesquisas, a instituição e seu Arquivo renovam seus compromissos com a preservação da memória e a ampliação do acesso à cultura, oferecendo instrumentos para que novas leituras e narrativas possam emergir a partir do passado.

Agradecemos à Prefeitura de São Paulo pelo apoio contínuo, bem como a cada autor e autora que compartilha aqui o fruto de sua investigação. Que esta publicação possa servir como ponto de partida para novas perguntas, novas histórias e novas formas de aproximação com o nosso acervo.

presidente – fundação bienal de são paulo

Futuros passados presentes: o Arquivo Histórico da Fundação Bienal de São Paulo no século XXI

fundação bienal de são paulo

Os acervos salvaguardados pela Fundação Bienal de São Paulo no Arquivo Histórico Wanda Svevo – protegidos pelo Pavilhão Ciccillo Matarazzo, como relíquias amalgamadas – são o patrimônio mais importante desta instituição, tendo sido chancelado como Fundo de Interesse Público e Social pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão vinculado ao Arquivo Nacional, em 2024, chancela que representa a relevância ímpar deste conjunto memorial.

Trata-se do maior repositório documental de arte moderna e contemporânea da América Latina – tombado também pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) – com mais de um milhão de documentos, dos quais mais de 250 mil já são acessíveis via plataforma digital, com base em softwares livres e dados abertos, sendo considerado um dos mais robustos empreendimentos de transformação digital de acervos no Sul Global.

Nomeado em homenagem a Wanda Svevo, que foi secretária-geral do Museu de Arte Moderna de São Paulo, inaugura a práxis colecionista ao reunir parcela significativa dos inúmeros documentos que eram trocados entre os profissionais envolvidos na organização das mostras bienais; correspondências com artistas e instituições culturais de todo o planeta, além das principais colaborações com a imprensa, nacional e internacional, dando início à salvaguarda da história cultural da Fundação Bienal através da consolidação dos dossiês históricos, de artistas e de temas de arte, que se somam ao Fundo MAM SP e ao Fundo Ciccillo Matarazzo, conjuntos oriundos de estruturas mnemônicas arregimentadas anteriormente à consolidação da Bienal enquanto fundação autônoma.

Sua vocação educacional, e científica, se estrutura há décadas por meio da colaboração continuada com pesquisadores, professores, curadores, gestores, educadores, conservadores e outros profissionais dos mais diversos campos de conhecimento e áreas de atuação, processo que se intensificou exponencialmente desde o advento das tecnologias de informação e comunicação contemporâneas que, sob a égide da democratização do acesso, deram a ver a potencialidade dos acervos de pesquisa por meio do compartilhamento público gratuito.

O crescente adensamento das relações institucionais desenvolvidas a partir do compartilhamento de metodologias das Humanidades Digitais

empreendidas pelo Arquivo Histórico culmina na inauguração do Laboratório Experimental de Transformação Digital, dispositivo especificamente projetado para ampliar o acesso à memória coletiva engendrada a partir das exposições bienais, com foco na expansão da abrangência e capilaridade rumo a um diálogo expandido para novas comunidades e territórios, atingindo o recorde de mais de trinta mil acessos via digital em apenas um ano de amostragem.

O estabelecimento de cooperações técnicas com instituições artísticas e científicas, com foco na educação profissionalizante e tecnológica e enfoque no campo da informacionalização do patrimônio, visa estruturar uma rede dialógica que se propõe a estabelecer colaborações continuadas entre saberes e fazeres imbricados na transformação digital das coleções arquivísticas, bibliográficas e museológicas, centrais na reconfiguração do conhecimento no panorama contemporâneo, em que a construção de capacidades em rede determina a capacidade organizacional de renovar sua pertinência neste novo milênio.

Todos esses processos são iniciativas que trazem à luz as inter-relações entre práticas artísticas e dinâmicas sociais do tempo presente – sempre em relação ao passado, e também ao futuro – como a própria Wanda Svevo demarcou, ao propor a nomenclatura “Biblioteca e Arquivos Históricos da Arte Contemporânea” para o dispositivo que inaugurou e edificou sete décadas atrás, em meio a um mundo que se reestruturava logo após a Segunda Guerra Mundial.

No avançar do século XXI, seus interlocutores pós-modernos bebem da fonte dos referenciais históricos para, também a dias de hoje, compreendermos não somente as origens dos processos culturais atuais, mas, sobretudo, investigar os meios pelos quais podemos contribuir para que as próximas gerações conheçam as raízes de sua coetaneidade, sendo, a um só tempo, capazes de arvorar-se rumo aos capítulos vindouros dessa história, constituída também pela herança documental dos contextos artísticos.

Esse espaço híbrido, que tem como vocação a extroversão dos distintos acervos e a formação de públicos diversos – cuja genealogia remonta ao projeto do Laboratório de Mídias que o filósofo Vilém Flusser idealizou para a Fundação Bienal (ainda ao princípio da década de setenta do século XX) –, toma forma por meio da consolidação do Centro de Memória e Pesquisa da Fundação Bienal de São Paulo, que, em 2025, finca alicerces para que as novas gerações, nativo-digitais, se apropriem de sua história como patrimônio, material e imaterial e sigam com sua construção, através da leitura crítica da história social por meio da memória coletiva, estabelecendo sinapses entre múltiplas espacialidades e temporalidades.

SUMÁRIO

EIXOS

10 Conservação do Patrimônio

12 Imagens e Mídias

14 Gestão Arquivística

16 Sistemas de Informação

18 Pesquisa e Referência

CICLO DE FORMAÇÃO

22 As resoluções do Conarq como contribuição no processo de transformação digital

Marcos Luiz Barreto Gomes

29 Difusão e mediação: programa presença negra no arquivo

Thiago Lima Nicodemo e Guilherme Lopes Vieira

40 Performances da materialidade: tecnologias de modelagem e impressão 3D entre práticas artísticas e patrimoniais

Pedro Telles da Silveira

49 Museus e exposições como lugar de disputa

Priscila Almeida Cunha Arantes

59 Origem e construção da biblioteca MAM Rio

Reinaldo Alves

67 Uso de inteligência artificial para a construção de instrumentos de pesquisa em arquivos: case do Museu Judaico de São Paulo

Shayene Borges

SEMANA DE CAPACITAÇÃO

78 Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais

Luciana Amaral

83 workshop Gestão de ativos digitais em instituições culturais

Adriana Villela e Paulo Mafra

86 Princípios básicos de conservação preventiva: protocolos e soluções

Andréa Andira

90 planejamento do workshop Embalagens de conservação

Milton Vedoato Filho

92 Transformação digital

Martim Passos e Yuri Tavares

97 Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas

Frederico A. C. Camargo

101 Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo

Silvana Goulart

104 Tratamento de massa documental acumulada: estudo de caso

Eneida Cintra Labaki

107 O impacto da branquitude na pesquisa em arquivos: o que os “critérios” de supostos especialistas e pesquisadores escondem?

Luciara Ribeiro

109 projeto de pesquisa : A presença de Danilo di Prete no Brasil, 1940-1970

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

EIXOS

Conservação do Patrimônio

O Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) completa 70 anos em 2025. Neste momento de celebração e retrospectiva histórica, diversas ações foram realizadas, mesmo durante o contexto pandêmico de 2020, que impactou significativamente as relações sociais e culturais. Apesar das adversidades, a atuação do Arquivo manteve-se ativa. A análise dos Relatórios de Gestão da Fundação Bienal de São Paulo, anterior e posterior ao ano de 2020, nas seções dedicadas ao AHWS, evidencia a continuidade do Projeto Acervo, que reafirma a importância do arquivo como centro de documentação, pesquisa e difusão em artes moderna e contemporânea.

Entre as ações de conservação preventiva dos bens arquivísticos, destacamse, por exemplo, os procedimentos de higienização e acondicionamento de clippings compreendendo o período de 1946 a 1976, conforme registrado no Relatório Anual de 2017-2018. Esse acervo foi armazenado em 67 caixas-arquivo. Essas iniciativas evidenciam um conceito fundamental: a conservação preventiva compreende todas as medidas e ações que têm como objetivo evitar ou minimizar futuras degradações ou perdas de leitura e de material, partindo do contexto ou ambiente circundante de um bem cultural ou, mais frequentemente, de um conjunto de bens, independentemente da sua condição ou idade. Tais medidas são consideradas indiretas, pois não interferem diretamente com os materiais nem com a estrutura dos bens, tampouco modificam sua aparência.1 A conservação preventiva no AHWS inclui diagnósticos do estado do acervo, higienizações e planejamento rigoroso para tratamento e acondicionamento dos diversos suportes presentes no arquivo. Em 2020, por exemplo, foram realizados investimentos no controle ambiental, com a instalação de sistemas de ar-condicionado em todos os ambientes, operando de forma ininterrupta e em conjunto com desumidificadores e dataloggers. Ainda nesse período, entre 2020 e 2021, foi executado um tratamento de conservação específico para conter a deterioração da documentação iconográfica em suportes flexíveis (filmes), utilizando-se a técnica de congelamento, priorizando os itens mais sensíveis.

O Relatório Anual de 2022-2023 destacou a ampliação das ações de digitalização do acervo. No mesmo período, foi realizada, com o apoio de profissionais especializados, a higienização de todo o acervo bibliográfico, composto por cerca de 28 mil volumes já catalogados.

Observa-se uma evolução na forma como os relatórios da fundação denominam essas iniciativas ao longo dos anos. O relatório de 20172018 2 apresenta a palavra “memória”; o de 2019-2021 3 destaca “ações de conservação preventiva”; e o de 2022-2023 4 retoma novamente o tema “memória”. Essa oscilação semântica revela o compromisso contínuo com a preservação da história institucional e artística. Nesse ponto, é essencial lembrar o conceito de memória coletiva formulado por Maurice Halbwachs, que a entende como uma construção social: não nos lembramos

1 ICOM-CC. Terminologia para a definição da conservação-restauro do património cultural material. Conservar Património, Lisboa, n.6, pp.55–56, dez. 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/ pdf/5136/513653430006.pdf. Acesso em: 23 mai. 2025.

2 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2017–2018. São Paulo, 2018. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2017-2018/. Acesso em: 23 mai. 2025.

3 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2019–2021. São Paulo, 2022. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2019-2021-2/. Acesso em: 22 mai. 2025.

4 FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Relatório de Gestão 2022–2023. São Paulo, 2024. Disponível em: https://bienal.org.br/biblioteca/ relatorio-de-gestao-2022-2023/.

isoladamente, mas em função dos grupos aos quais pertencemos. A memória, portanto, é um elo entre o indivíduo e a coletividade, entre o presente e o passado compartilhado. O AHWS, ao conservar documentos e registros em diálogo com a bienal, cumpre um papel central nesse processo de articulação da memória coletiva das artes no Brasil.

A preocupação original da fundadora, Sra. Wanda Svevo, com a preservação dos processos e registros relacionados à Bienal de São Paulo manifesta-se hoje como um conjunto de ações estruturadas de gestão, que envolvem planejamento, captação e alocação de recursos financeiros, humanos e tecnológicos. Nesse sentido, Hollós amplia o conceito de preservação, ao defini-la como uma disciplina arquivística de caráter multidisciplinar. Preservar implica necessariamente dialogar com a memória, e é por meio das ações de conservação que essa preservação se concretiza.5 O reconhecimento da importância do trabalho desenvolvido pelo AHWS foi consolidado com o tombamento do acervo pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em 1993, e, posteriormente, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio da Cidade de São Paulo (Conpresp), em 2017. Tais reconhecimentos ratificam o compromisso contínuo do arquivo com a salvaguarda e a conservação preventiva da memória da arte moderna e contemporânea.

5 HOLLÓS, A. C. Fundamentos da preservação documental no Brasil. Acervo, Rio de Janeiro, v.25, n.2, pp.13-30, jul./dez. 2010. Acesso em: 23 mai. 2025.

Imagens e Mídias

A memória não se resume a guardar imagens do passado, mas se revela também na forma como elas são escolhidas e organizadas. Imagens presentes em museus, arquivos e bibliotecas acionam lembranças e conexões afetivas, ativando fragmentos de histórias pessoais e coletivas. No âmbito arquivístico, especialmente em arquivos ligados à produção artística, a documentação iconográfica ocupa um lugar central na elaboração de narrativas visuais que atravessam tempos, temas e interpretações. O eixo de Imagens e Mídias do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) articula práticas e técnicas de tratamento documental, organização e curadoria de conteúdo que não apenas asseguram a preservação física e digital das imagens, mas também permitem que elas sejam contextualizadas de acordo com os olhares e demandas contemporâneas.

Esse eixo responde por um extenso e heterogêneo acervo visual composto por ampliações fotográficas, polaroides, negativos em vidro e filmes flexíveis, bem como registros nato digitais em foto, áudio e vídeo. O processo de documentação exige, portanto, a construção de critérios descritivos e classificatórios capazes de dar conta de múltiplas materialidades e finalidades de uso. Inventariar, catalogar e indexar essa documentação iconográfica vai além da simples nomeação e implica identificar autores, registrar condições de conservação, descrever elementos compositivos e, sobretudo, compreender o contexto de produção de cada imagem, seja pela perspectiva da gestão do evento Bienal ou como atividade de resgate da memória institucional e da arte contemporânea.

Associada ao processo de documentação, a digitalização do patrimônio visual gera versões digitais de documentos físicos e reforça o compromisso do AHWS com a preservação, o acesso e a longevidade do acervo iconográfico. Para isso, o eixo adota uma seleção criteriosa das coleções mais frágeis ou de maior demanda, considerando estado de conservação, relevância histórica e frequência de consulta. Esse critério assegura que recursos críticos sejam priorizados na digitalização, que prevê um arquivo de alta fidelidade para preservação a longo prazo e uma versão simplificada para consulta online, ambos identificados de forma padronizada para otimizar armazenamento e rastreabilidade.

Atualmente, 68% da documentação iconográfica em suportes físicos foi catalogada, abrangendo o período de 1948 a 2003, o que representa cerca de 80 mil documentos já descritos. Esse esforço revela a amplitude da produção imagética acumulada ao longo de décadas no AHWS. Além disso, mais de 25 mil imagens em suportes físicos já foram digitalizadas, e aproximadamente 40 mil imagens nato digitais foram catalogadas, principalmente os registros fotográficos produzidos entre a 26ª e a 31ª Bienal de São Paulo. Além desse conjunto, fitas de vídeo e gravações sonoras foram digitalizadas e ampliam as fontes documentais disponíveis para consulta e pesquisa.

Para otimizar a busca e o acesso aos registros históricos e atuais, o banco de dados em Collective Access foi integrado ao ResourceSpace, plataforma interna de gestão de imagens da Fundação Bienal. Juntas, as ferramentas armazenam mais de 200 mil documentos — entre registros fotográficos, audiovisuais, sonoros e 90 mil documentos textuais digitalizados. Apenas entre 2022 e 2023, o acervo ganhou mais de 70 mil novas imagens, das quais cerca de 15 mil referem-se a eventos recentes.

Para o futuro, o desafio desse eixo de trabalho está em ampliar a indexação sem perder de vista a qualidade descritiva. Há ainda um campo fértil para o desenvolvimento de ferramentas que explorem a inteligência artificial para reconhecimento de padrões visuais, sugerindo indexações automáticas que possam ser validadas pela equipe. A integração das imagens à produção de conteúdo online, como os compartilhamentos em plataformas de redes sociais digitais, também aponta para a importância de garantir a consistência e a atualização dos metadados. Dessa forma, o eixo de Imagens e Mídias atua como uma instância analítica da memória visual da Bienal que, ao identificar e descrever, constrói sentidos, e ao preservar, amplia o acesso e projeta o passado para novos futuros.

Gestão Arquivística

O núcleo de Gestão Arquivística, como parte do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS), é responsável pela administração documental na Fundação Bienal de São Paulo (FBSP). Nesse sentido, sua atuação é fundamental para a gestão administrativa e transparência de processos, adaptando conceitos e práticas às novas compreensões sobre a função dos arquivos institucionais, garantindo maior eficiência na produção, uso, manutenção, avaliação, destinação e acesso aos seus documentos.

Sendo composto pelos fundos Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP),1 FBSP e Francisco Matarazzo Sobrinho, além dos dossiês de artistas, dossiês de temas de arte e clippings, o acervo do AHWS foi objeto de diversos projetos nas últimas décadas e, em especial, o Projeto Acervos, que desde 2014 realiza um processamento mais estruturado, cujo objetivo é tratar de forma horizontal e integrada os diversos gêneros documentais.

Naquele ano, foi realizado o inventário da documentação do Arquivo Histórico, abarcando da fundação do MAM-SP à 25ª Bienal de São Paulo, compreendendo, assim, mais de 50 anos de história em um total de aproximadamente 2.450 caixas. Como resultado, obteve-se a criação dos instrumentos técnicos necessários ao tratamento dos documentos, sendo eles o Quadro de Arranjo e a Cronologia de eventos MAM-Bienal.

A partir de 2015, foi sistematizado um plano de ação permanente para o processamento técnico da documentação textual com procedimentos de classificação, ordenação, catalogação e notação, criação de novas ferramentas e instrumentos de pesquisa e a disponibilização das informações no banco de dados Collective Access. Vale ressaltar que a integração dos registros de todos os eixos do AHWS em um mesmo banco de dados possibilitou a criação de um ecossistema representativo da atuação da Fundação Bienal, de seus eventos produzidos e geridos, bem como dos artistas e obras participantes.

Em 2022, como forma de ampliar o acesso ao acervo, foi iniciado, em conjunto com o núcleo Imagem e Mídia, o projeto de digitalização de toda a documentação textual já tratada até o momento. Desde então, já foram digitalizadas mais de 850 caixas, disponibilizando mais de 80 mil documentos para consulta via interface pública no site da Fundação Bienal. Após dez anos do início do Projeto Acervos, foi finalizada a catalogação de toda a documentação textual dos fundos MAM-SP e Bienal 2 presentes no Arquivo Histórico, com o material inteiramente disponibilizado em nosso banco de dados para consulta ao público, aguardando futura digitalização. Concomitantemente, a equipe de Gestão Arquivística se desdobra sobre os procedimentos de higienização, acondicionamento e catalogação das mais de 15 mil pastas e 277 caixas de dossiês e clippings, respectivamente.A execução das atividades previstas demanda níveis distintos de conhecimento

1 A responsabilidade da documentação da criação do MAMSP até o ano de 1962, ano da criação da Fundação Bienal, foi legada à Bienal pelo criador da instituição, Francisco Matarazzo Sobrinho.

2 O fundo Francisco Matarazzo Sobrinho foi tratado por inteiro como parte de outros projetos entre os anos de 2006 e 2014.

arquivístico de âmbito teórico e técnico. Para tanto, além da equipe fixa, o eixo tem como apoio o programa de estágio do AHWS. Pensado para ser mais do que uma experiência de trabalho, o estágio proporciona o desenvolvimento de competências e habilidades no tratamento da documentação textual, abordando tanto noções técnicas quanto práticas de todo o processamento, da classificação à notação dos documentos. Possibilitando, assim, uma formação básica, porém robusta, para a atuação na área de arquivos e acervos documentais.

Concluído o processamento técnico textual até a 25ª Bienal de São Paulo, a equipe se organiza para os desafios dos próximos anos com a continuação do tratamento da documentação acumulada a partir da 26ª Bienal de São Paulo, para também encaminhá-la para digitalização e disponibilização ao público.

O núcleo Gestão Arquivística também almeja a ampliação da gestão documental em direção à produção corrente em ambiente digital. Para isso, a implementação de um sistema de gerenciamento de documentos digitais, seguindo as diretrizes da teoria arquivística para garantir a organização, controle, destinação e acesso, além da preservação adequada da documentação, é um passo fundamental que envolve a compreensão e a participação de todas as áreas da instituição, garantindo assim a preservação da memória institucional de forma sistemática e segura.

Sistemas de Informação

A memória institucional, longe de se restringir a um acervo físico ou ações de preservação de documentos, ganha uma dimensão nova quando associada a um sistema que permite sua ativação, organização e circulação de informações. No contexto arquivístico contemporâneo, a memória é compreendida não apenas como um conjunto de evidências do passado, mas como uma construção contínua de significados e, consequentemente, uma narrativa em constante elaboração. É nesse contexto que o eixo de Sistemas de Informação do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) se apresenta como um modelo de metadados que operam como elementos estruturantes da memória digital. Ao organizar os dados com base em padrões de descrição, vocabulários controlados e relações entre objetos, entidades e eventos, o sistema transforma o acervo em um repositório ativo de memória, capaz de dialogar com pesquisadores e públicos diversos.

A área de Sistemas de Informação do AHWS exerce papel estratégico na preservação, gestão e difusão do acervo documental da Fundação Bienal de São Paulo, alinhando-se aos princípios do conhecimento livre e da cultura digital. Desde 2015, a equipe do arquivo desenvolve um modelo próprio de gestão de acervos baseado no software livre Collective Access, concebido para integrar dados arquivísticos, museológicos e bibliográficos. O sistema permite a descrição interligada de documentos, exposições, obras, artistas e instituições, oferecendo uma leitura relacional e aprofundada do acervo.

Com mais de um milhão de documentos acumulados desde 1948, o acervo do Arquivo Bienal é um dos mais representativos da história da arte moderna e contemporânea no Brasil. Cerca de 93% da documentação textual produzida entre 1948 e 2002 já foi catalogada e, paralelamente, intensificou-se o processo de digitalização, que resultou em mais de 90 mil representantes digitais da documentação textual, cerca de 25 mil imagens e 1.400 mídias sonoras e audiovisuais.

Nesse processo, ampliou-se a abrangência histórica da base digital dos fundos Francisco Matarazzo Sobrinho, MAM-SP e Bienal. Com mais de 400 mil registros disponíveis na plataforma online, o sistema integra informações em um único ambiente de acesso, potencializando a pesquisa e a apropriação pública do acervo que, nos últimos três anos, registrou mais de 150 mil visualizações de páginas na interface www.arquivo.bienal.org.br.

No entanto, à medida que os repositórios digitais crescem em volume e complexidade, surgem desafios técnicos e institucionais que exigem atenção contínua e a constituição de uma cultura organizacional voltada para a preservação digital alinhadas com práticas de gestão documental e institucional.

Considerando esse contexto, como próximos passos, prevemos o desenvolvimento e a implementação da política de preservação digital da

Fundação Bienal de São Paulo, crucial na consolidação de um sistema de informação robusto, seguro e de longo prazo. Consequentemente, são necessárias estratégias de preservação ativa, como a migração e a conversão sistemática de arquivos, baseadas em modelos de metadados dinâmicos que assegurem a rastreabilidade das transformações aplicadas. Essa estrutura deverá ser capaz de responder às mudanças tecnológicas e legais, como o uso de inteligência artificial, além de garantir a proteção de dados pessoais e os direitos autorais associados ao acervo, que inclui registros artísticos, documentos administrativos e conteúdos digitais contemporâneos

Por fim, para que o eixo de Sistemas de Informação siga cumprindo seu papel como mediador da memória institucional, será necessário investir em soluções técnicas, formação continuada e inovação colaborativa. Somente assim será possível assegurar um acesso sustentável, aberto e qualificado ao patrimônio documental da Fundação Bienal de São Paulo.

Pesquisa e Referência

O acervo do Arquivo Histórico Wanda Svevo (AHWS) é uma fonte essencial para pesquisas sobre a história da Fundação Bienal de São Paulo, suas exposições e a própria história da arte no Brasil e no mundo. A organização da massa documental acumulada ao longo de décadas, somada às coleções desenvolvidas, oferece uma base sólida de referência para a produção de conhecimento. Esse acervo, estruturado para facilitar o acesso à informação, se consolida como uma ferramenta fundamental para pesquisadores.

O trabalho do Eixo de Pesquisa e Referência está voltado para a mediação do acesso à informação, atuando como ponte entre os acervos e os públicos, oferecendo caminhos para que pesquisadores, artistas, curadores, estudantes e interessados em geral possam encontrar as informações necessárias para compor suas pesquisas e fornecer fontes para seus desdobramentos.

O foco está em responder a demandas de pesquisa, propor articulações, compartilhar referências, levantar contextos e aprofundar buscas com o objetivo de elucidar questões tanto internas quanto externas ao Arquivo e à Bienal de São Paulo. O eixo de Pesquisa e Referência se relaciona com a totalidade da documentação salvaguardada no arquivo e atua de forma transversal aos demais eixos, com a proposta de ativar a documentação, visando sua circulação.

A referência, também diretamente ligada ao acervo bibliográfico, trata toda documentação bibliográfica (livros, catálogos, periódicos, teses, guias) recebida ao longo dos últimos 70 anos. Por meio de intercâmbio entre artistas, instituições culturais e parceiros ligados às artes, Wanda Svevo coletava o material, organizava e o tornava acessível. Hoje, como única coleção em crescimento, recebe materiais de doações e contrapartidas, compondo uma biblioteca especializada em arte moderna e contemporânea, que conta com um acervo de aproximadamente 40 mil itens.

Com o início e continuidade do tratamento documental arquivístico de fundos e coleções, o acesso à informação tem se tornado cada vez mais facilitado. O que antes exigia uma busca minuciosa entre grandes volumes de caixas, hoje pode ser localizado diretamente no banco de dados, permitindo ao pesquisador identificar rapidamente o conjunto documental de interesse e acessar a pasta específica. Com a informatização do acervo, a pesquisa ganhou novas perspectivas, sendo possível realizar consultas online e efetuar o download de grande parte dos documentos, graças a um projeto contínuo de digitalização. Mesmo os materiais ainda não digitalizados já se encontram mapeados ou catalogados, o que possibilita um acesso preciso, seja presencialmente ou por meio de solicitações remotas.

O AHWS atende cerca de 500 pesquisas anualmente, sendo 30% de seu público estrangeiro. Presencialmente, o arquivo recebe mais de 100 pessoas anualmente, incluindo visitas técnicas de universidades e instituições

culturais. A equipe de pesquisa atua em conjunto com a Superintendência de Comunicação na captura de imagens do acervo, com o objetivo de divulgação em redes sociais. O arquivo também colabora com diversos agentes culturais, oferecendo apoio à pesquisa e cedendo imagens para exposições, catálogos, publicações e outras formas de difusão.

Espera-se que, com a continuidade do tratamento documental, o eixo amplie cada vez mais sua forma de fornecer o acesso à informação. Além disso, como perspectiva futura, espera-se o estreitamento dos laços com outras instituições, visando novas parcerias de pesquisa e projetos de difusão. Em um ano em que se comemoram os 70 anos de criação do Arquivo Histórico Wanda Svevo, reafirma-se o compromisso com a preservação da memória e com o fortalecimento de sua atuação como espaço de referência para a pesquisa.

CICLO DE FORMAÇÃO

As resoluções do Conarq como contribuição no processo de transformação digital

Introdução

Com o avanço das tecnologias da informação, os documentos passaram a ser produzidos, utilizados e armazenados em formato digital, tornando-se não apenas entidades físicas, mas também lógicas. Castells (2002) e Lévy (1999) destacam que a expansão do ambiente digital promoveu profundas transformações tecnológicas, ao possibilitar a convergência de diferentes campos por meio de uma linguagem comum, capaz de produzir, armazenar, recuperar, processar e transmitir informações com alta velocidade.

Entretanto, embora os documentos digitais apresentem vantagens significativas, como facilidade de criação, transmissão e acesso, também impõem desafios relevantes. Entre eles, destacam-se a informalidade na linguagem, a heterogeneidade dos procedimentos administrativos e a suscetibilidade a intervenções não autorizadas, perdas e adulterações. Além disso, a facilidade de reprodução e a multiplicação de cópias dificultam a identificação da versão final e íntegra de um documento.

Outros obstáculos se relacionam à rápida obsolescência de softwares, hardwares e formatos, bem como à degradação das mídias de armazenamento e à vulnerabilidade a vírus e falhas técnicas. A preservação digital, portanto, exige estratégias que assegurem o acesso contínuo ao conteúdo e às funcionalidades desses documentos, com base nos recursos tecnológicos disponíveis em seu tempo de uso (Conarq, 2004).

Documentos que registram funções e atividades de organizações ou indivíduos são classificados como documentos arquivísticos, desempenhando papel essencial na tomada de decisões, na transparência institucional, na prestação de contas e na preservação da memória. Esses documentos, independentemente do suporte, têm valor informacional e probatório contínuo. Quando produzidos e geridos em meio digital, constituem-se como documentos arquivísticos digitais, exigindo novos procedimentos quanto à sua gestão, preservação e acesso, especialmente em contextos organizacionais e institucionais.

A predominância da produção e do arquivamento de documentos em formato digital, tanto em contextos nacionais quanto internacionais, impôs

à comunidade arquivística o desafio central da gestão desses documentos. De acordo com Rocha (2015), o crescimento de iniciativas como o governo eletrônico e os projetos “zero papel” em diferentes países têm promovido o registro cada vez mais frequente das atividades governamentais em meio digital. A produção documental nesse formato tornou-se progressivamente mais volumosa e diversificada, abrangendo também bases de dados reconhecidas como documentos arquivísticos.

Esse cenário demanda ações arquivísticas integradas a todo o ciclo de vida dos documentos, desde as fases de planejamento e concepção de sistemas eletrônicos, de modo a garantir a autenticidade, a integridade e a acessibilidade dos registros ao longo do tempo. Conforme orienta o Conarq (2005), tais ações são fundamentais para evitar perdas ou adulterações e assegurar a preservação dos documentos de forma eficiente.

Em resposta a esses desafios, diversos países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e nações europeias e periféricas, têm promovido a atualização de conceitos e normas arquivísticas. Essas atualizações envolvem a formulação de diretrizes específicas para a gestão de documentos digitais, incluindo requisitos funcionais e metadados aplicáveis aos sistemas informatizados de gestão arquivística (Conarq, 2022).

No Brasil, esse processo é respaldado por dispositivos legais que vão desde a Constituição Federal até leis, decretos, portarias e resoluções. A Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, conhecida como Lei de Arquivos, estabelece diretrizes para a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados e institui o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão colegiado responsável por sua definição. Entre suas determinações, a Lei atribui ao Poder Público a responsabilidade pela gestão documental e pela proteção especial aos documentos de arquivo, reconhecendo seu valor administrativo, cultural, científico, probatório e informativo (Brasil, 1991).

A mesma Lei define gestão de documentos como o conjunto de procedimentos e operações técnicas relativas a produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento dos documentos em suas fases corrente e intermediária, com vistas à sua eliminação ou ao recolhimento para guarda permanente (Brasil, 1991).

No âmbito do Poder Executivo Federal, a elaboração de resoluções por órgãos colegiados constitui prática consolidada na administração pública, cuja legitimidade encontra respaldo no Decreto nº 12.002, de 12 de abril de 2024, o qual define a Resolução como ato normativo emanado de instância colegiada. Nesse contexto, as resoluções editadas pelo Conarq configuram os principais instrumentos normativos no campo da arquivologia no Brasil, sendo amplamente reconhecidas por sua relevância e pelo rigor técnicocientífico que as fundamenta.

Ao longo de quase três décadas de atuação, o Conarq editou diversas resoluções que constituem sua principal forma de manifestação normativa, abrangendo uma ampla variedade de temáticas concernentes aos arquivos e aos documentos arquivísticos. Esse corpo normativo orienta procedimentos técnicos e metodológicos para as práticas arquivísticas e tem contribuído significativamente para a formulação e consolidação de políticas públicas voltadas para produção, uso, preservação e acesso aos documentos de arquivo.

O presente artigo relata as resoluções do Conarq relacionadas aos documentos arquivísticos digitais, descrevendo suas contribuições para o processo de transformação digital no âmbito da administração pública. Seu mapeamento ocorreu em dezembro de 2023, por meio da visita ao site do Conarq na URL https://www.gov.br/conarq/pt-br. Na seção legislação arquivística, subseção resoluções do Conarq. A partir da leitura de suas ementas foram identificadas as resoluções com a temática documentos digitais.

Resoluções do Conarq relacionadas aos documentos digitais

O Conarq detém múltiplas atribuições institucionais, destacando-se a competência para emitir diretrizes técnicas mediante resoluções. Entre os temas abordados pelas resoluções do Conarq, destaca-se a gestão de documentos digitais, especialmente pela atuação da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (CTDE). Criada em 1994 e instalada em 1995, a CTDE teve papel essencial na formulação de políticas públicas, normas técnicas e capacitação profissional voltadas para a documentação digital. Sua atuação foi ininterrupta até 2019, quando o Decreto nº 10.148, de 2 de dezembro de 2019 extinguiu as câmaras técnicas permanentes, substituindo-as por câmaras técnicas consultivas de caráter temporário.

A CTDE era composta por especialistas de diversas áreas — como Arquivologia, Ciência da Informação, Biblioteconomia, Tecnologia da Informação e Direito —, majoritariamente docentes vinculados a programas de ensino superior. Sua produção normativa, especialmente voltada para os documentos digitais, foi ampla e significativa, servindo de referência para profissionais e instituições, e assegurando conformidade com padrões nacionais e internacionais.

O Conarq deu início à publicação de suas resoluções em 1995, com a Resolução nº 1, de 18 de outubro daquele ano, que estabelece a necessidade de adoção de planos e/ou códigos de classificação de documentos nos arquivos correntes, fundamentados na natureza dos assuntos decorrentes das atividades e funções institucionais. Tal norma permanece vigente até os dias atuais.

Foi apenas em 2001 que o Conselho publicou sua primeira resolução voltada especificamente para os documentos digitais — a Resolução nº 13 —, que versa sobre a construção de arquivos e websites por instituições arquivísticas, destacada por Rockembach (2019), onde ele destaca a importância da preservação desses documentos nativamente digitais, alertando para o risco iminente de perda de informação em caso de negligência arquivística. As resoluçes do Conarq relacionadas aos documentos digitais estão disponíveis no Quadro 1.

RESOLUÇÃO

Resolução nº 13, de 9 de fevereiro de 2001

Resolução nº 20, de 16 de julho de 2004

Resolução nº 24, de 3 de agosto de 2006

Resolução nº 25, de 27 de abril de 2007

[Revogada pela Resolução nº 50, de 6 de maio de 2022]

Resolução nº 31, de 28 de abril de 2010

Resolução nº 32, de 17 de maio de 2010

[Revogada pela Resolução nº 50, de 6 de maio de 2022]

Resolução nº 36, de 19 de dezembro de 2012

Resolução nº 37, de 19 de dezembro de 2012

Resolução nº 38, de 9 de julho de 2013

EMENTA

Dispõe sobre a implantação de uma política municipal de arquivos, sobre a construção de arquivos e de websites de instituições arquivísticas

Dispõe sobre a inserção dos documentos digitais em programas de gestão arquivística de documentos dos órgãos e entidades integrantes do Sinar

Estabelece diretrizes para transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais para instituições arquivísticas públicas

Dispõe sobre a adoção do Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar).

Dispõe sobre a adoção das Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes

Dispõe sobre a inserção dos Metadados na Parte II do Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil

Dispõe sobre a adoção das Diretrizes para a Gestão arquivística do Correio Eletrônico Corporativo pelos órgãos e entidades integrantes do Sinar

Aprova as Diretrizes para a Presunção de Autenticidade de Documentos Arquivísticos Digitais

Dispõe sobre a adoção das “Diretrizes do Produtor - A Elaboração e a Manutenção de Materiais Digitais: Diretrizes Para Indivíduos” e “Diretrizes do Preservador – A Preservação de Documentos Arquivísticos digitais: Diretrizes para Organizações

Resolução nº 39, de 29 de abril de 2014

[Revogada pela Resolução nº 51, de 25 de agosto de 2023]

Resolução nº 43, de 04 de setembro de 2015

[Revogada pela Resolução nº 51, de 25 de agosto de 2023]

Resolução nº 48, de 10 de novembro de 2021

Resolução nº 50, de 6 de maio de 2022

Resolução nº 51, de 25 de agosto de 2023

Resolução nº 52, de 25 de agosto de 2023

Resolução nº 53, de 25 de agosto de 2023

Estabelece diretrizes para a implementação de repositórios arquivísticos digitais confiáveis para o arquivamento e manutenção de documentos arquivísticos digitais em suas fases corrente, intermediária e permanente, dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar). [Redação dada pela Resolução nº 43 de 04 de setembro de 2015]

Altera a redação da Resolução do Conarq nº 39, de 29 de abril de 2014, que estabelece diretrizes para a implementação de repositórios digitais confiáveis para transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais para instituições arquivísticas dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar).

Estabelece diretrizes e orientações aos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos quanto aos procedimentos técnicos a serem observados no processo de digitalização de documentos públicos ou privados

Dispõe sobre o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil, Versão 2. (Esta resolução revogou a Resolução nº 25, de 27 de abril de 2007, que aprovou sua Versão 1, e revogou a Resolução nº 32, de 17 de maio de 2010, que dispôs obre a inserção dos Metadados na Parte II do referido Modelo

Dispõe sobre as “Diretrizes para a Implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis”, Versão 2.

Estabelece a Política de Preservação de Websites e Mídias Sociais no âmbito do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar).

Define requisitos mínimos de preservação para websites e mídias sociais no âmbito do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar)

A Resolução nº 20, de 2004, foi a primeira norma a exercer impacto direto sobre a gestão de documentos digitais, ao instituir a obrigatoriedade do uso de sistemas informatizados de gestão arquivística nas instituições públicas. Essa medida teve como objetivo assegurar a integridade e o acesso contínuo aos documentos digitais, desde que os sistemas adotados estivessem em conformidade com os requisitos definidos pelo Conarq. Em continuidade, a Resolução nº 24, de 2006, estabeleceu diretrizes para a transferência e o recolhimento desses documentos às instituições arquivísticas públicas.

A Resolução nº 25, de 2007, constituiu um marco relevante ao aprovar o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil, posteriormente ampliado pela Resolução nº 32, de 2010, que incorporou os metadados arquivísticos à sua estrutura. A adoção do modelo passou a ser exigida pela Instrução Normativa nº 4, de 2014, do então Ministério do Planejamento, como requisito prévio para a contratação de soluções de Tecnologia da Informação no âmbito da Administração Pública Federal. Essa Instrução estabeleceu que, em contratações que envolvam a gestão de documentos arquivísticos, digitais ou não digitais, devem ser observadas as diretrizes, premissas e especificações técnicas e funcionais definidas pelo e-ARQ Brasil. Com isso, houve uma grande contribuição no processo de transformação digital no âmbito, principalmente, da administração pública federal.

No campo da digitalização, a Resolução nº 31/2010 estabelece diretrizes específicas para documentos de guarda permanente, priorizando critérios técnicos que assegurem autenticidade, qualidade e preservação. A recomendação do uso de formatos abertos (TIFF, PNG, JPEG 2000) e de procedimentos de controle de qualidade ilustra a preocupação com a confiabilidade dos representantes digitais. Esta resolução passou a ser utilizada inclusive por instituições não arquivísticas, como bibliotecas e museus, face à inexistência de outros instrumentos que lhes atendessem.

A Resolução nº 36/2012 abordou a gestão de correio eletrônico institucional, reconhecendo os e-mails como documentos arquivísticos e estabelecendo diretrizes para sua produção, classificação e preservação. Ainda nesse ano, a Resolução nº 37/2012 regulamentou a presunção de autenticidade de documentos arquivísticos digitais, fundamentando-se na cadeia de custódia e na confiabilidade dos sistemas, superando uma visão estritamente técnica baseada em assinaturas digitais.

Em 2013, a Resolução nº 38 incorporou as diretrizes do projeto InterPARES, abordando a complexidade da preservação de documentos arquivísticos digitais. A norma propõe práticas baseadas em requisitos arquivísticos internacionais, buscando assegurar autenticidade, confiabilidade, acessibilidade e preservação a longo prazo.

Com vistas à preservação permanente, a Resolução nº 39/2014, modificada pela nº 43/2015, instituiu os Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq), com base na norma ISO 16363:2012. Conforme destacam Gava e Flores (2021), esta iniciativa representa a base normativa para a construção de arquivos permanentes digitais e para a certificação de confiança dos repositórios arquivísticos digitais confiáveis.

A Resolução nº 48/2021 introduziu diretrizes para digitalização com valor legal, em conformidade com a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 e o Decreto nº 10.178, de 18 de dezembro de 2019. Essa normativa estabelece a digitalização como política institucional, determina o uso de metadados estruturados e exige certificação digital no padrão ICP-Brasil, garantindo valor jurídico ao documento digitalizado.

Em 2022, a Resolução nº 50 atualizou o e-ARQ Brasil, agora em sua versão 2, consolidando os requisitos funcionais e não funcionais dos sistemas de gestão arquivística digital, bem como as políticas e procedimentos relacionados. Essa versão revogou as normas anteriores e alinha-se à política nacional de proteção do patrimônio arquivístico digital.

No ano seguinte, a Resolução nº 51 atualizou as diretrizes dos RDC-Arq, reforçando os princípios de integridade, autenticidade e sustentabilidade. Com base em modelos internacionais como o OAIS e o protocolo OAIPMH, a normativa incentivou a colaboração interinstitucional como estratégia para superar desafios técnicos e operacionais.

As Resoluções nº 52 e nº 53, ambas de 2023, substituíram e expandiram os conceitos iniciais da Resolução nº 13/2001 ao estabelecerem diretrizes para a preservação de websites e mídias sociais, reconhecendo-os como parte do patrimônio informacional e cultural. As normas alertam para a obsolescência tecnológica e ressaltam a necessidade de ações coordenadas e sistemáticas para captura, armazenamento e acesso contínuo a esses conteúdos digitais efêmeros.

Conclusão

A transformação digital trouxe profundas mudanças na produção, gestão e preservação de documentos, impulsionando a adoção de novos paradigmas na Arquivologia. Os documentos arquivísticos digitais, embora ofereçam vantagens como facilidade de acesso e reprodução, apresentam desafios complexos relacionados a autenticidade, integridade, preservação a longo prazo e conformidade legal. Nesse contexto, as resoluções do Conarq têm desempenhado um papel fundamental ao estabelecer diretrizes técnicas e normativas que orientam a gestão documental no ambiente digital.

Desde a Resolução nº 13/2001, que abordou a preservação de websites, até as mais recentes, como a Resolução nº 53/2023, que estabelece requisitos para a preservação de mídias sociais, o Conarq tem evoluído em sua normatização, incorporando padrões internacionais e adaptando-se às demandas tecnológicas. O e-ARQ Brasil, o RDC-Arq e as diretrizes para digitalização com valor jurídico são exemplos de iniciativas que buscam garantir a confiabilidade e a preservação dos documentos digitais no âmbito da administração pública.

Contudo, a efetiva implementação dessas normas ainda enfrenta obstáculos, como a rápida obsolescência tecnológica, a necessidade de capacitação profissional e a integração entre políticas arquivísticas e de tecnologia da informação. Para superar esses desafios, é essencial que as instituições adotem uma abordagem estratégica, alinhando suas práticas às resoluções do Conarq e investindo em infraestrutura e formação continuada.

Em síntese, o Conarq tem sido um agente central na consolidação de uma política arquivística digital no Brasil, assegurando que os documentos arquivísticos digitais cumpram suas funções probatórias, informativas e culturais. A continuidade desse trabalho, em diálogo com as inovações tecnológicas e as demandas da sociedade, será crucial para a preservação da memória e a garantia do acesso à informação em um mundo cada vez mais digital.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de janeiro de 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8159.htm. Acesso em: 16 jan. 2023.

BRASIL. Decreto nº 12.002, de 12 de abril de 2024. Dispõe e estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2023-2026/2024/Decreto/D12002.htm#art77. Acesso em: 07 ago. 2024.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CONARQ. Conselho Nacional de Arquivos. Resolução n° 20, de 16 de julho de 2004. Dispõe sobre a inserção dos documentos digitais em programas de gestão arquivística de documentos dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/legislacao-arquivistica/ resolucoes-do-conarq/resolucao-no-20-de-16-de-julho-de-2004. Acesso em: 15 mar. 2023.

CONARQ. Conselho Nacional de Arquivos. Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos. Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital Brasileiro: preservar para garantir o acesso. Rio de Janeiro: Unesco: Conarq, 2005. Disponível em: https://www.gov. br/conarq/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/conarq_carta_ preservacao_patrimonio_arquivistico_digital.pdf. Acesso em: 15 mar. 2023.

CONARQ. Conselho Nacional de Arquivos. Resolução nº 50, de 6 de maio de 2022. Dispõe sobre o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos - e-ARQ Brasil, versão 2. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/ legislacao-arquivistica/resolucoes-do-conarq/resolucao-no-50-de06-de-maio-de-2022 Acesso em: 20 ago. 2022.

GAVA, T. B. S.; FLORES, D. O papel do Archivematica no RDC-Arq e possíveis cenários de uso. ÁGORA: Arquivologia em debate, [S. l.], v. 31, n. 63, p. 1-21, 2021. Disponível em: https:// agora.emnuvens.com.br/ra/article/view/1018. Acesso em: 26 ago. 2024.

GOMES, M. L. B. Mapeamento conceitual das resoluções do Conarq relacionadas ao universo temático dos documentos digitais Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, 2024. 130 f. LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 1999.

ROCHA, C. L. Repositórios para a preservação de documentos arquivísticos digitais. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 180-191, 2015. Disponível em: http://hdl. handle.net/20.500.11959/brapci/40764.Acesso em: 20 out. 2023.

ROCKEMBACH, M. Arquivamento da web no contexto das humanidades digitais: da produção à preservação da informação digital. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p.131-139, 2019. DOI: 10.18617/liinc.v15i1.4578. Disponível em: https://revista. ibict.br/liinc/article/view/4578. Acesso em: 26 ago. 2024.

Difusão e mediação: programa presença negra no arquivo

Thiago

Lima Nicodemo

arquivo público do estado de são paulo (diretor)

Guilherme Lopes Vieira

arquivo público do estado de são paulo (difusão de acervos)

A difusão em instituições culturais refere-se ao conjunto de práticas e estratégias destinadas a ampliar o acesso e a participação do público em atividades culturais. No que diz respeito ao Arquivo Público do Estado de São Paulo (Apesp), a instituição utiliza uma variedade de meios para alcançar diferentes públicos e promover o conhecimento e a apreciação da história, das artes, da cultura e da valorização do documento público como fonte de informações. Nesse sentido, as estratégias de difusão apoiam-se em exposições, palestras e oficinas que são exemplos clássicos de atividades que permitem a interação direta com o público, oferecendo experiências educativas e enriquecedoras que estimulam a reflexão, fruição e o aprendizado sobre a importância dos documentos e o papel dos arquivos nesse contexto.

Além das atividades presenciais, a Difusão também se expande para o ambiente digital por meio de podcasts, lives, documentários, produções audiovisuais e produtos culturais derivados de processos de Inteligência Artificial. Esses formatos permitem que o conteúdo cultural seja acessível a um público mais amplo, independentemente de barreiras geográficas. Podcasts e documentários, por exemplo, podem abordar temas específicos de maneira aprofundada, enquanto a produção audiovisual pode incluir vídeos educativos e tours virtuais de exposições, proporcionando uma experiência atualizada, informativa e atrativa.

Eventos acadêmicos e atividades educativas desempenham um papel crucial na difusão cultural, promovendo o intercâmbio de conhecimento entre especialistas e o público em geral. Conferências, seminários e simpósios permitem a discussão de temas relevantes e a apresentação de pesquisas recentes, enquanto atividades educativas, como workshops e programas de formação, capacitam os participantes e incentivam a continuidade do aprendizado.

Dessa forma, a Difusão não apenas amplia o acesso à cultura, mas também contribui para a formação de um público mais informado e engajado. Nesse sentido, a Difusão compromete-se com a mediação dos conteúdos, saberes e itens documentais do arquivo em diálogo com a sociedade, visando a

aproximação de um público amplo e diversificado. Por fim, em colaboração com as demais áreas do arquivo, a Difusão deve promover a mediação dos públicos e se apoiar no processo de transformação digital como meio privilegiado para o acesso e a oferta de serviços ao cidadão.

Neste artigo, em especial, trataremos apenas das atividades vinculadas ao Programa Presença Negra no Arquivo. Atualmente, o arquivo tem explorado, ao menos, 7 eixos para extroversão, entre eles: I) Visitas mediadas e oficinas educativas; II) Podcast do arquivo; III) Linhas de pesquisas e exposições.

Presença negra no arquivo

O programa “Presença Negra no Arquivo” 1 pretende explorar e destacar a história e a contribuição da população negra no Brasil, através de atividades de difusão, educação e pesquisa. A partir de suas ações, o programa proporciona uma reflexão sobre a história das relações raciais no Brasil, incentivando a preservação da memória da população negra nos ambientes de guarda documental, expandindo o conhecimento sobre a presença negra nos arquivos dos municípios do Estado de São Paulo. O programa abarca projetos expográficos personalizados, projetos de exposições itinerantes, oficinas práticas e educativas, acompanhamento técnico para o público interessado em práticas arquivísticas, coleções pessoais e acervos de interesse cultural, além de promover publicações, conteúdos, debates, eventos acadêmicos, podcasts, lives na internet e estratégias de preservação de reconhecimento internacional, como prêmios, selos e chancelas.

O programa visa estabelecer parcerias e colaborações com instituições de ensino e pesquisa, organizações culturais e artísticas, entidades governamentais e não governamentais, comunidades locais e movimentos sociais organizados. O programa tem como objetivo aumentar o conhecimento sobre a história e a contribuição da população negra no Brasil, ampliar o engajamento da sociedade na preservação da memória, fortalecer as práticas arquivísticas e da pesquisa histórica, promover a diversidade e a inclusão através da valorização da cultura negra. A seguir, serão expostas as atividades desenvolvidas pelo Apesp desde 2023, período em que se iniciou a formulação do projeto Presença Negra no Arquivo. Esse levantamento tem como objetivo identificar e sistematizar as primeiras iniciativas que contribuíram significativamente para a consolidação e a formalização do Programa, evidenciando seu impacto na preservação e difusão da memória da população negra a partir dos documentos do arquivo.

a) Exposições

No final de 2023, o Arquivo do Estado inaugurou a exposição temporária “Presença Negra no Arquivo”. A exposição continua em cartaz, com uma expografia majoritariamente elaborada com reproduções fotográficas fac-similares de documentos históricos datados dos séculos XVIII ao XX, que retratam as lutas da população escravizada por liberdade, justiça e igualdade. Em linhas gerais, a exposição retrata essas lutas, evidenciadas em registros de fugas, formação de quilombos, batalhas jurídicas e resistência cotidiana. No período pós-abolição, em um dos módulos, o acervo escolhido destaca a imprensa negra e a afirmação da população negra na formação da nacionalidade brasileira, bem como a continuidade da luta por direitos e

1 O Programa foi instituído pela Portaria UAPESP nº 02/2024, e será implementado pela Coordenadoria de Difusão de Acervos, do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

cidadania plena, presentes na organização de diversos movimentos, entidades e na vida cultural do país.

Para ilustrar essa história, destacamos em nosso acervo seis figuras importantes de diferentes períodos: o arquiteto Thebas, a escravizada Teodora, o advogado abolicionista Luiz Gama, os engenheiros Theodoro Sampaio e José Pereira Rebouças, e a escritora Carolina Maria de Jesus.

b) Exposições itinerantes

O Apesp pretende estreitar a relação com os municípios do interior do Estado de São Paulo com projeto “Presença Negra nos Arquivos”, por meio da itinerância da exposição homônima e da expansão do modelo de curadoria e pesquisa aplicados a ela. O Programa “Presença Negra no Arquivo” foi criado com o propósito de valorizar a presença negra e suas contribuições sociais, culturais e econômicas nas transformações e conformações do Estado de São Paulo a partir do acervo do Arquivo Público. Considerando as especificidades da identidade do Apesp como instituição de preservação do patrimônio documental acessível ao público, este projeto de exposição itenerante, realizará ações educativas e culturais, com projeto expográfico personalizado, oficina de fac-símile, mediada pela equipe da Seção de Difusão e Ação Educativa, visando a instrumentalização dos sujeitos locais que participarão da concepção, produção e montagem da exposição em sua cidade, além de oficinas sobre metodologia de pesquisa e preservação da memória. O objetivo é fomentar a pesquisa nos arquivos municipais sobre a presença negra nessas localidades e subsidiar a ampliação da curadoria das mostras locais.

c) Palestras

I . Lançamento do programa

Em junho de 2023, durante a 7ª Semana Nacional de Arquivos e 5ª International Archives Week, foi lançado o Projeto “Presença Negra no Arquivo”, com o objetivo de estabelecer diálogos entre instituições arquivísticas, seus acervos, práticas e procedimentos com outras instituições e coletivos dedicados à história e à memória. Com a mediação de Carmen Lúcia Batista, do Arquivo Público do Estado, estiveram presentes:

Paulo Ramos – Memória e movimento negro: integração e ruptura no Brasil Contemporâneo – Projeto Afro Memória (Cebrap – AEL – Unicamp –CEMI).

Patrícia Almeida, Solange Campos, Maria Selma Casemiro – A festa como forma de articulação das memórias da comunidade – Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, de São Paulo.

Alessandra Ribeiro – Comunidade do Jongo Dito Ribeiro – Campinas.

Edimilsom Peres Castilho – Projeto RolêSP – Territórios Negros na Cidade de São Paulo - Instituto Bixiga.

Josiane Roza de Oliveira – Projeto Presença Negra no Apesp.}

II . Abertura da exposição

A exposição temporária “Presença Negra no Arquivo”, foi inaugurada em novembro de 2023, com a primeira palestra de abertura mediada pelo coordenador do Apesp Thiago Nicodemo, e participação de Júlio César Santos, do Instituto Luiz Gama; Robson Silva Ferreira, coordenador de Políticas para a População Negra do Estado de São Paulo, da Secretaria da Justiça e Cidadania; Marcelo Henrique de Assis, secretário-executivo da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas; e Josiane Roza de

Oliveira, coordenadora do Projeto Presença Negra no Arquivo. No segundo momento, ainda com mediação de Thiago Nicodemo, participaram: Ana Flávia Magalhães, diretora do Arquivo Nacional; Ionara Lourença, coordenadora dos Acervos da Casa Sueli Carneiro; e Mário Medeiros, diretor do Arquivo Edgard Leuenroth.

III . Luiz Gama no Arquivo: métodos e resultados de pesquisa

Em dezembro de 2023, o pesquisador Bruno Lima proferiu a palestra “Luiz Gama no Arquivo”, no auditório do Arquivo do Estado, com o objetivo de difundir sua pesquisa, que foi realizada em nossa hemeroteca, destacando Luiz Gonzaga Pinto da Gama, que é um dos personagens da exposição “Presença Negra no Arquivo”.

IV . Presença Negra no Arquivo: experiências curatoriais, educativas e de difusão de acervo

Em abril de 2024, durante as comemorações dos 132 anos do Arquivo do Estado, Thiago Lima Nicodemo, diretor do Apesp, e Marcelo Henrique de Assis, secretário-executivo de Cultura, Economia e Indústria Criativas, conversaram sobre a história do Arquivo Público e suas realizações. No segundo momento, Ana Pato, diretora técnica do Memorial da Resistência de São Paulo, e Guilherme Bertolino, educador do Memorial da Resistência, proferiram a palestra “História, Arquivo e Arte: experiências curatoriais e educativas no Memorial da Resistência de São Paulo”. A palestra se propôs a refletir sobre como produções artísticas e documentos relacionados à população negra podem ser utilizados em espaços educativos, com a finalidade de contribuir na discussão sobre a memória, a presença negra e a prática pedagógica antirracista.

V . Exposição Presença Negra em escola da Zona Norte

O Núcleo de Ação Educativa realizou uma palestra na EMEF Jardim Fontalis, Zona Norte de São Paulo, para apresentar a exposição “Presença Negra no Arquivo”. Na oportunidade, a educadora Ednusa Ribeiro e o educador Diego Morais mediaram as atividades de difusão, em conjunto com os professores e estudantes da escola, para cerca de 240 participantes. O grupo de estudantes que compõem a “Imprensa Jovem” da escola entrevistou a equipe do arquivo e, como desdobramento da atividade, virão conhecer a exposição pessoalmente com uma visita com especial enfoque sobre os jornais e periódicos negros de nosso acervo.

VI

. Jornada do Patrimônio 2024

Como parte das ações da Jornada do Patrimônio 2024 e atendimento à solicitação da orientadora educacional do 3º ano do Ensino Médio do Colégio São Luís, a educadora Isaura Ribeiro proferiu a palestra “Patrimônio: o que é e por que preservar”, tendo como ponto principal a promoção do entendimento da importância da valorização do patrimônio cultural documental como fonte de preservação de memórias de lugares, saberes e fazeres de um povo.

VII . Tebas: vida, obra e trajetórias de pesquisa

Em 24 de setembro de 2024, como parte das ações da Semana Tebas, os pesquisadores Luís Gustavo Reis, Carlos Gutierrez e Wagner Ribeiro apresentaram suas trajetórias de pesquisa e suas relações com o arquiteto Tebas. A mesa-redonda marcou o lançamento do livro A trajetória de Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas: Trabalho, escravidão, autonomia e liberdade em São Paulo colonial (1733-1811), de Luís Gustavo Reis.

d) Oficinas

I . Contação de histórias: Filosofia Ubuntu – nove novelos

Em junho de 2023, durante o lançamento do Programa “Presença Negra no Arquivo”, Cristina Machado conduziu a oficina “Filosofia Ubuntu –Nove novelos”. Uma das histórias refletia sobre o conceito de “Ubuntu”, uma filosofia africana que significa “Eu sou porque nós somos”.

II . A escrita de si: um registro diário

Em setembro de 2023, durante a 17ª Primavera dos Museus, o Núcleo de Ação Educativa, ministrou a “Oficina: A escrita de si: um registro diário”. A atividade consistia em uma oficina de encadernação com costura manual e a exploração do diário como uma tipologia documental, a partir de ações inspiradas nos cadernos de Carolina Maria de Jesus, uma das personalidades homenageadas pelo programa.

III . Paleografia: introdução ao método de leitura e transcrição de documentos (séc. XVI ao XIX)

A oficina foi ministrada por Judie Abrahim, diretora do Núcleo de Paleografia, e contou com a participação da Profa. Dra. Maria Cristina Cortez Wissenbach, historiadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). A oficina utilizou documentos da exposição “Presença Negra no Arquivo”.

IV . Ideogramas Adinkra como base para construção tipográfica

A oficina foi mediada pelo designer Márcio Hirosse e a educadora Isaura Ribeiro, durante a semana de comemoração dos 132 anos do Apesp. A oficina abordou a cultura africana por meio da apresentação do sistema de escrita Adinkra, mostrando o processo criativo na construção tipográfica, aplicado na identidade visual da exposição “Presença Negra no Arquivo”.

V . Metodologia de pesquisa

Em maio de 2024, o Núcleo de Ação Educativa, em parceria com o Prof. Dr. Pedro Teles, do Departamento de História da Universidade de São Paulo, ofereceu uma oficina de pesquisa para os alunos da disciplina Processos de Pesquisa da História.

VI . Bordando a São Paulo de Tebas

Em 25 e 26 de setembro de 2024, o Núcleo de Ação Educativa, por intermédio da pedagoga Isaura Bonavita, ofereceu uma oficina de costura para os inscritos na Semana Tebas. A oficina propunha a interação do público com documentos fotográficos, cartográficos e textuais relacionados à figura de Tebas.

VII . Jogo do arquivo: Tebas

Em 26 de setembro de 2024, o Núcleo de Ação Educativa, por intermédio do pesquisador Márcio Amendola e do artista Diego Morais, ofereceu uma oficina educativa para os inscritos na Semana Tebas. O jogo de tabuleiro temático foi elaborado para jovens e crianças. A atividade propôs uma reflexão sobre a memória e a trajetória de Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, a partir das fontes pesquisadas no Apesp.

e) Eventos comemorativas

I . Semana Luiz Gama

Em julho de 2024, durante as comemorações da Semana Luiz Gama, Guilherme Vieira, diretor técnico do Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa, conversou com o artista visual Denis Moreira da Costa, Júlio César Santos, do Instituto Luiz Gama, e a educadora Ednusa Ribeiro, durante a Live do Instagram: “A Influência de Luiz Gama na Contemporaneidade”.

II . Semana Tebas

De 23 a 27 de setembro de 2024, durante as comemorações da Semana Tebas, o Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa e o Núcleo de Ação Educativa oferecerão uma programação completa com as seguintes atividades:

— Abertura da Semana Tebas com a presença do artista visual convidado Denis Moreira da Costa, com a exposição orbital Presença Negra: Tebas.

— Mostra: “Cinema e Relações raciais: o racismo no Brasil”, produção dos alunos da EMEFM Vereador Antônio Sampaio, da Zona norte de São Paulo, dentro do Projeto “Arquivo, Educação e Memória: um lugar de possibilidades”.

— A atividade é uma das ações do projeto de pós-doutorado do professor titular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Jairo Carvalho de Nascimento. Foram exibidos os curtas “A boneca e o silêncio”, “Mãe não chora”, e o documentário “Quem te penteia”. Também foi realizada uma palestra com as diretoras dos filmes Carol Rodrigues e Naná Prudêncio, que contaram como foi o processo de criação das obras que falam sobre preconceito, raça, classe social e estética negra.

— “Mesa-edonda: Tebas: vida, obra e trajetórias de pesquisa”, com Luís Gustavo Reis, Carlos Gutierrez Cerqueira e Wagner Ribeiro, que falaram sobre suas relações com Tebas e possibilidades de pesquisa em arquivos.

— Oficina educativa “Bordando a São Paulo do tempo de Tebas”, baseada em registros fotográficos, cartográficos e textuais.

— Oficina educativa com apresentação da primeira edição do jogo de tabuleiro temático “Jogo do Arquivo: Tebas”, e outros jogos interativos, com a participação de jovens e crianças.

f) Podcast do Arquivo

A série Podcast do Arquivo surgiu com o objetivo de promover uma interlocução eficaz e diversificada entre a comunicação institucional e a sociedade. Por meio de episódios temáticos, buscamos entrevistar importantes intérpretes de nosso acervo, destacando a relevância de suas contribuições e a história institucional. Entre esses sujeitos, que incluem pesquisadores internos e externos, detentores de acervos, profissionais técnicos de custódia, interessados na preservação da memória, intelectuais e especialistas, desempenham um papel essencial para a contextualização das trajetórias dos fundos e coleções que compõem o acervo do Apesp.

A produção desse conteúdo tem sido apresentada em plataformas digitais como Youtube e Spotify, com uma linguagem acessível e dinâmica, sem prejudicar o aprofundamento conceitual e teórico pertinente para a difusão de caráter institucional. Esse projeto tem como característica:

I . Comunicação com a sociedade : Facilitar o acesso do público às informações e histórias contidas no acervo, promovendo uma maior compreensão e valorização do patrimônio cultural.

II . Diversidade de vozes:  Incluir uma variedade de perspectivas, desde especialistas e curadores até visitantes e membros da comunidade, garantindo uma representação ampla e inclusiva.

III . Mediação qualificada: Contar com a mediação de um âncora experiente, que conduzirá as entrevistas e discussões de maneira envolvente e informativa.

IV . Entrevistas com personalidades:  Realizar entrevistas com pessoas importantes relacionadas ao acervo, como pesquisadores, artistas e servidores notáveis, enriquecendo o conteúdo com suas experiências e conhecimentos.

Vinculados ao programa, foram publicados nas plataformas digitais os seguintes episódios:

a) Luiz Gama no Arquivo: métodos e resultados de pesquisa, com Bruno Lima

No primeiro episódio da série, Thiago Nicodemo entrevistou o historiador e pesquisador Bruno Lima para discutir sobre a presença de Luiz Gama no Apesp. Durante a conversa, abordaram a carreira jurídica de Gama, que foi um dos três advogados mais bem pagos de São Paulo durante o Império, e o pensamento radical de Gama sobre educação democrática como pilar do seu ideal de Nação, expresso no jornal Democracia.

b) Bastidores da exposição Presença Negra no Arquivo, com a equipe da Ação Educativa

No segundo episódio da série, Thiago Nicodemo entrevistou a equipe do Núcleo de Ação Educativa do Apesp sobre a exposição “Presença Negra no Arquivo”. Durante a conversa foram apresentadas as inspirações expográficas, os bastidores de pesquisa e as experiências de produção. Estiveram presentes Josiane Oliveira, Ednusa Ribeiro, Márcio Amêndola, Diego Morais e Isaura Bonavita.

f) Estratégias de preservação de reconhecimento internacional

I . Memória do Mundo - Unesco

Em 2024, o arquivo inscreveu o projeto “Presencia negra en el Archivo: Luiz Gama, articulador de la libertad (1830-1882)”, no Programa Memória do Mundo (Memory of the World – MoW), para o Comitê Regional da América Latina e Caribe. Essa candidatura trata da possibilidade de destacar a participação do abolicionista Luiz Gama em um importante período histórico brasileiro, através de documentação única e, em certa medida, pouco explorada. Os processos judiciais nos quais Luiz Gama participou representam uma oportunidade para recuperar conhecimentos jurídicos e casos notáveis sobre os meandros judiciais da escravidão e abolição no Estado de São Paulo, especialmente na Grande São Paulo, no Litoral Paulista e em cidades do interior como Campinas e Piracicaba.

A documentação pode ser organizada em dois momentos: o primeiro reflete aspectos da interação social e a prática da escravidão como modelo jurídico, econômico e social. O segundo momento representa uma transição nessa dinâmica devido ao movimento abolicionista impulsionado no país.

A figura central das atividades descritas nos documentos é o advogado Luiz Gama, que trabalhou para assegurar a libertação de pessoas escravizadas ilegalmente, bem como arrecadar fundos para comprar a liberdade daqueles cuja escravidão ilegal não pôde ser comprovada.

Nessa candidatura, apresentamos 232 textos localizados em 9 jornais, relacionados com a atuação do abolicionista Luiz Gama, inclusive parte deles foi escrita por ele, durante o século XIX, no Brasil. A documentação inclui ainda o livro de “Matrículas de africanos emancipados” de 1864, que conta com a participação de Luiz Gama e contém manuscritos com sua assinatura.

O Arquivo do Estado se apresenta como o depositário de um volume considerável de documentação hemerográfica, com mais de 300 mil exemplares entre jornais, revistas e publicações seriadas. O Apesp recebeu em 2008 o acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), em cumprimento das exigências legais, que transferiu ao Apesp a responsabilidade de custodiar parte do acervo documental pertencente ao IHGSP. Desde então, o Apesp tem trabalhado com zelo e diligência na preservação, catalogação e disponibilização de um conjunto tão rico de documentos. A hemeroteca do IHGSP é uma das maiores do Brasil em termos de diversidade de títulos. Nesse acervo, localizamos os seguintes jornais: Gazeta do Povo; Gazeta de S. Paulo; O Ypiranga, Radical Paulistano e Democracia.

Quanto ao fundo Apesp, que pertence ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, reunimos quatro jornais mencionados nessa proposta, dos quais se destacam: A Província de São Paulo; A República; Correio Paulistano e O Polichinello (jornal do qual Luiz Gama era editor). Além disso, no Fundo da Secretaria da Província de São Paulo do Arquivo Público do Estado de São Paulo desde o ano de 1892, destaca-se o livro de “Matrículas de africanos emancipados”.

Dessa forma, pode-se comprovar que o Apesp reúne uma das maiores coleções de escritos jornalísticos produzidos pelo abolicionista Luiz Gama, refletindo uma parte significativa de seu pensamento que influenciou consideravelmente a história brasileira. Com essa candidatura no programa Memória do Mundo, pretendemos ampliar a difusão sobre a vida dessa personalidade negra da maior importância e possibilitar a adesão de novos documentos sobre o advogado que, atualmente, se encontram dispersos.

Considerações finais

A reflexão acerca dos conceitos que orientam as práticas institucionais em ambientes arquivísticos revela que os arquivos não se restringem a repositórios estáticos de documentos, mas constituem instrumentos dinâmicos de memória, identidade e cidadania. Nesse contexto, a noção de difusão transcende a mera transmissão de informações, abrangendo a produção de conteúdos culturais e educativos, a interação com plataformas digitais e a implementação de estratégias comunicacionais que promovam uma relação participativa entre o acervo e seus diversos públicos.

Nesse mesmo panorama, o conceito de mediação ganha relevo ao enfatizar o papel do agente mediador como elo fundamental entre os saberes técnicos e culturais presentes no acervo e a sociedade. A mediação pressupõe a tradução e a contextualização dos conteúdos documentais, de forma a proporcionar uma compreensão crítica e acessível, articulando dimensões teóricas e práticas que incentivem a interação e a reflexão.

Nesse sentido, a curadoria emerge, por sua vez, como um processo de seleção, organização e interpretação dos documentos, o qual não se limita à preservação formal, mas envolve a construção de narrativas que dialogam com as experiências e expectativas dos públicos. Esse enfoque possibilita que o acervo seja apresentado de maneira a evidenciar seu valor histórico e cultural, contribuindo para a construção de uma memória coletiva mais robusta e inclusiva.

Por outro lado, a dinamização propõe uma abordagem que supera os limites de uma comunicação unidirecional, promovendo a mobilização e o engajamento ativo dos usuários de arquivo. Essa perspectiva valoriza práticas interativas e proativas, que transformam o acesso ao patrimônio documental em uma experiência estratégica e participativa, incorporando elementos de divulgação, comunicação e inovação tecnológica para estimular a participação social.

Quando esses conceitos se articulam em um mesmo processo, delineia-se um novo paradigma que potencializa o valor dos acervos institucionais, convertendo-os em espaços dinâmicos e interativos. Essa abordagem assume especial relevância no âmbito do programa “Presença Negra

no Arquivo”, que busca ampliar as narrativas da população negra, promovendo uma inclusão efetiva e uma multiplicidade de perspectivas. Assim, a integração dos conceitos de difusão, mediação, curadoria e dinamização não apenas fortalece a identidade e a memória institucional, mas também cria condições para a experimentação de práticas que ampliem o debate sobre diversidade e cidadania.

Em síntese, a análise dos conceitos fundamentais, aplicados atualmente no Arquivo Público do Estado de São Paulo, revela que um olhar integrado sobre difusão, mediação, curadoria e dinamização configura uma estratégia inovadora para a gestão dos acervos. Essa abordagem propicia a construção de narrativas mais inclusivas, capazes de transformar a relação entre o público e o patrimônio documental. No contexto do programa “Presença Negra no Arquivo”, tais diretrizes conceituais assumem um papel ainda mais significativo, ao oferecerem bases teóricas e práticas para promover a visibilidade e a valorização das contribuições históricas da população negra. Essa reflexão abre novos caminhos para investigações futuras que possam explorar, de maneira interdisciplinar, os impactos das práticas arquivísticas na promoção do acesso e no fortalecimento da memória coletiva.

Referências

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ALMEIDA, Marco Antonio de; NOGUEIRA, João Robson F. Mediações sociotécnicas, políticas e ação cultural: explorando territórios. Perspectivas, v. 43, pp.131-157, 2013

____;  CRIPPA, Giulia. Reconfigurações da nostalgia e do autêntico: memórias, patrimônios e tecnologias. Arquivos do CMD, v. 4, pp.38-54, 2016.

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Mediação, medição, ação. Revista Digital Art&, v.13, n.17, 2016.

BELLOTTO, H. L. Arquivística: objetos, funções e métodos. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 2004.

CRIPPA, GIULIA. Os arquivos na intersecção de campos de conhecimentos diferentes. Incid: Revista de Documentação e Ciência da Informação, v. 8, pp.126-131, 2017.

MARINO, I. K. ; SILVEIRA, P. T. ; NICODEMO, Thiago Lima. Digital Resources: Digital Informal Archives in Contemporary Brazil. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. 1.ed. Oxford: Oxford University Press, 2022, v.1, pp.3-27.

NICODEMO, T. L.; CARDOSO, O. P. Meta-história para robôs (bots): o conhecimento histórico na era da inteligência artificial. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v.12, n.29, 2019.

____; SILVEIRA, P. T. ; MARINO, I. K. Arquivo, memória e Big Data: uma proposta a partir da Covid-19. Cadernos do Tempo Presente / UFS, v.11, pp.90-103, 2020.

SCHELLENBERG, T. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

Performances da materialidade: tecnologias de modelagem e impressão 3D entre práticas

artísticas e patrimoniais

Pedro Telles da Silveira

departamento de história/fflch/usp pdrslvr@usp.br

A utilização de tecnologias de modelagem e impressão 3D no campo do patrimônio histórico não é novidade. Desde a década de 1990, essas técnicas têm sido empregadas principalmente para situar seus usuários em meio às ruínas reconstruídas de paisagens históricas, especialmente da Antiguidade e da Idade Média (Dave, 2007, p. 40); as mesmas técnicas também têm sido utilizadas em ambientes de realidade virtual e aumentada (Kee, Compeau, 2019). No Brasil, a impressão digital de objetos e artefatos históricos provenientes de diferentes tradições culturais e arqueológicas tem sido realizada por laboratórios e projetos de pesquisa e extensão abrigados em universidades, como a USP, a UFRGS, a FURG, a PUC-Rio e a FGV.1 Esses exemplos demonstram que, embora a modelagem e a impressão 3D no campo do patrimônio histórico-cultural não sejam ubíquas, elas são, não obstante, relativamente comuns.

No seu conjunto, a modelagem e a impressão 3D fazem parte de uma série de práticas, como a criação de ambientes virtuais nos campos da arquitetura, da animação e do marketing – e, muitas vezes, num mesmo produto, como ocorre na divulgação de empreendimentos imobiliários – que demonstram o caráter multidirecional das relações entre materialidade e tecnologias digitais. “A visualização”, escreve Orit Halpern (2015, p. 22), “é a linguagem do ato de tradução entre um mundo complexo e o observador humano”, e, na sua história,

A visualização lentamente se transformou da descrição dos processos psicológicos humanos para o terreno mais amplo das práticas de renderização feitas por máquinas, por instrumentos científicos e por medições numéricas. Mais importante, a visualização passou a definir aquilo que não está imediatamente presente aos olhos. Visualizações, de acordo com a definição atual, fazem novas relações aparecer e produzem novos objetos e espaços para ação e especulação (Halpern, 2015, p. 21).

Mas, se a visualização torna o invisível visível, as tecnologias de modelagem e impressão 3D também demonstram a multidirecionalidade das práticas de digitalização: elas procedem não apenas do material ao digital, mas também no sentido inverso, passando do intangível ao palpável.

1 Na USP, o Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (Larp), vinculado do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE); na UFRGS, o projeto Ergane; na FURG, o LAPEEX, Laboratório de Arqueologia e Pré-História Evolutiva e Experimental; na PUC-Rio, o NEXT Lab; na FGV, o projeto “Patrimônio Digital 3D: o Rio moderno nos espaços públicos”, coordenado por Asla Medeiros e Sá e Vivian Luiz Fonseca; por fim, também é necessário mencionar o Laboratório de Processamento de Imagem Digital (Lapid), do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

As relações entre as diferentes acepções de materialidade e as possibilidades das tecnologias digitais intermediadas pelas técnicas de modelagem e impressão 3D são o objeto desta reflexão. Meu propósito é abordar essa relação por meio do debate sobre a materialidade dessas representações digitais, o que tem consequências para seu emprego na preservação do patrimônio histórico-cultural. O argumento que procurarei desenvolver é que essas técnicas, ainda que não resultem em objetos tangíveis, isto é, mesmo que não sejam efetivamente impressas, encenam uma performance da materialidade que dificulta sua consideração enquanto meras reproduções ou reconstruções do patrimônio históricocultural perdido ou longínquo. Por esse motivo, é necessário refletir sobre a categoria de “cópia” para entender como tais objetos podem ser, ao mesmo tempo, cópias fiéis e novos originais.

PRESERVAÇÃO ATRAVÉS DA REPRODUÇÃO

“Se tudo falhar, modelos 3D e robôs podem reconstruir Palmira” foi o título de uma matéria do The New York Times sobre a apresentação de uma reconstrução do arco monumental de Palmira em Londres, em 2016 (Farrell, 2016). Localizado no atual território da Síria, construído durante o reinado do imperador romano Sétimo Severo no século II EC e destruído pelo Estado Islâmico em 2015, a reconstrução 3D do arco foi iniciativa do Institute for Digital Archaeology, baseado na Inglaterra, com apoio da Unesco e do Museu do Futuro, de Dubai. Ele foi parte de um conjunto de projetos bastante publicizados, relacionados com a preservação da rica herança patrimonial do Oriente Médio, especialmente na Síria e no Iraque. Esses projetos incluem aqueles da companhia CyArk, sediada nos Estados Unidos, cuja missão, de acordo com seu estatuto, inclui o crowdsourcing de fotos para construir modelos 3D e réplicas de monumentos históricos; outras iniciativas, como Project Mosul e a plataforma Google Arts and Culture, somam-se àquelas. A relação entre desastre e a recuperação digital do patrimônio histórico não é exclusiva do Oriente Médio. Desde então, multiplicaram-se os exemplos, como a reconstrução 3D do patrimônio arquitetônico de Katmandu, no Nepal, atingido por forte terremoto em 2015, assim como a criação de guias virtuais ao Museu Nacional do Rio de Janeiro pela Google Arts and Culture, permitindo redescobrir e recuperar suas coleções, assim como retornar no tempo para o momento anterior à perda do seu acervo, ao menos de acordo com o site da iniciativa.2

Alguns desses projetos, sobretudo aqueles relacionados com a Síria e com o Iraque, tornaram-se controversos. O fato da cópia 3D do arco de Palmira estar localizada em Londres foi abordado por Mohrehsin Allahyari (2019), artista e pensadora iraniana radicada nos Estados Unidos, como um exemplo de “colonialismo digital”. Já para Aaron Tugendhaft (2020), é significativa a comoção em torno da destruição — e da reconstrução, vale mencionar — da herança patrimonial mesopotâmica ou romana, considerada “patrimônio da humanidade”, e não dos períodos islâmico, otomano ou moderno, demonstrando a percepção limitada e enviesada das sociedades ocidentais com relação à história de seus antigos domínios coloniais. A reconstrução 3D aponta que é apenas parte do patrimônio arquitetônico ou material desses lugares que é considerado digno de ser conservado e reproduzido para a posteridade.

2 https://artsandculture. google.com/project/museu-nacional-brasil?hl=pt

Para além das reivindicações políticas trazidas por essas críticas, podese argumentar que a maioria desses projetos, especialmente aqueles que ganharam maior repercussão pública, compartilham uma perspectiva conservadora com relação à natureza de suas atividades. A matéria do The New York Times é reveladora nesse sentido, pois afirma que a criação de réplicas pode ser uma forma de salvaguardar o patrimônio histórico, não obstante o fato desses objetos serem inseridos na categoria de “patrimônio” justamente por sua unicidade e originalidade. Independentemente da discussão sobre a “aura” desses artefatos, para utilizar o termo de Walter Benjamin, frequentemente mencionado nesse debate, essa perspectiva estabelece uma distinção nítida entre um original perdido e sua recuperação através de uma cópia recriada, ao mesmo tempo que questiona tal distinção pela defesa da preservação através da reprodução do original. Em certo sentido, o que sustenta essa argumentação é uma concepção bastante tradicional do patrimônio enquanto cultura material, não obstante a discussão sobre bens culturais e patrimônio imaterial ou intangível feita nas últimas quatro décadas, simultânea à defesa de sua preservação através da confecção de reproduções. De um golpe só, mantêm-se sem quaisquer problemas tanto a categoria de “patrimônio” quanto o estatuto das reproduções, transformadas, por sua vez, apenas em cópias

Para a presente reflexão, essa posição não é suficiente. Se as cópias 3D manifestam uma complexa convergência entre preservação e reprodução, não é porque são “substitutos” ou “representações” dos originais aos quais se referem. Pensar deste modo é ultrapassar toda a reflexão sobre o estatuto das cópias que, no ambiente digital, é mais complexa do que a oposição entre objeto autêntico e falsificação. Para avançar no entendimento da relação entre patrimônio e técnicas de modelagem e impressão 3D, é necessário abordar o que são tais reproduções na sua relação com uma materialidade que é caracterizada, do início ao fim, pelo digital.

O problema da materialidade das mídias digitais ganhou maior destaque nos últimos anos a partir dos estudos sobre a infraestrutura que possibilita o funcionamento das tecnologias digitais (cf. Parikka, 2015). Esses estudos abordam diferentes aspectos das operações de mídia, tais como as conexões entre as atividades de mineração no Sul Global e a produção dos aparelhos digitais; a relação entre gasto energético e impacto ambiental de diferentes formas de tecnologia digital; e a logística das cadeias de produção que conectam partes diferentes do globo (Cubitt, 2016; Crawford, Jones, 2018). De maneira geral, essas abordagens questionam a retórica da “transparência” e da “imaterialidade” que costuma ser associada às tecnologias digitais, separandoas de outras etapas da Revolução Industrial (Hu, 2015; Thylstrup, 2019). Num sentido mais restrito, pode-se afirmar que muitos desses estudos, sobretudo aqueles mais engajados com a área da arqueologia das mídias, estão em dívida com o trabalho do teórico alemão Friedrich Kittler, especialmente com relação a sua suspeita do software sobre o hardware (Kittler, 2017). Não obstante o avanço representado pela obra de Kittler no entendimento das mídias tanto tradicionais quanto novas, os estudos mencionados desafiam o binarismo criado por seu trabalho entre hardware e software como se fosse uma distinção entre o material e o imaterial (Scarlett, 2017, p. 5-7; ver também Chun, 2011, p. 29-34). É essa mesma distinção, porém, que é colocada em xeque pela impressão 3D, conforme ela se torna palpável, devido à ação combinada de hardware e software, o que originalmente era um arquivo de mídia.

Outro ponto relevante das discussões em torno das mídias digitais e da materialidade provém das discussões sobre a interface (Galloway, 2014; Hookway, 2014; Emerson, 2014). Originalmente criado em meados do século XIX no campo da dinâmica de fluidos (Hookway, 2014, p. 20, 24), o termo “interface” passou a acompanhar de maneira bastante próxima as tecnologias digitais. Os estudos mencionados têm enfatizado o caráter mediado e opaco das interfaces, compreendendo-as como o limiar entre o funcionamento invisível dos diferentes aparelhos computacionais e as representações visuais que aparecem na tela para os usuários. Apesar dos muitos insights que tal reflexão oferece, percebe-se que ela ainda está ancorada na oposição entre os aspectos materiais dos processos computacionais, de um lado, e o caráter imagético e representacional das visualizações de mídia e interface digitais, de outro lado, reforçando uma compreensão segundo a qual, a despeito de seu funcionamento maquínico, as interfaces digitais são desprovidas de materialidade. Mesmo essa compreensão, no entanto, é desafiada pelas tecnologias de modelagem e impressão 3D. Conquanto o acesso a plataformas digitais que permitem visitar paisagens 3D se enquadre na discussão em torno das mediações proporcionadas pela interface, percebe-se que a situação dos objetos criados por meio da impressão 3D é mais complexa, pois, em primeiro lugar, elas são objetos físicos apreendidos de maneira direta e imediata, longe da mediação de quaisquer telas quando experienciadas; em segundo lugar, porque seu apelo provém justamente da capacidade de reproduzir fielmente seus originais, tornando-se, nem que seja por um breve momento, substitutos destes; por fim, as reproduções 3D são objetos que se escondem sob uma falsa superficialidade, despistando os resquícios de sua natureza enquanto arquivos de mídia digital.

Conforme Ashley M. Scarlett, “a informação digital tem solapado as percepções tradicionalmente estabelecidas sobre o que é a materialidade”, no sentido de que “esse processo não é uma simples continuidade da retórica da desmaterialização digital, mas porque agentes tecnológicos articularam novos objetos e introduziram novos fenômenos que ainda precisam ser conceitualizados” (Scarlett, 2017, p. 7). Para a autora, seguindo o trabalho de Johanna Drucker (2009; 2013), que estabelece o caráter performativo da materialidade no meio digital, a principal consequência das tecnologias digitais no âmbito da materialidade é a dissociação entre “material” e “tangível”. Mídias digitais performam a materialidade sem produzir objetos físicos — por exemplo, através da modelagem 3D, especialmente se aplicada à criação de ambientes virtuais —, mas também podem criar objetos físicos, palpáveis, que são extensões de mídias digitais — como é o caso das impressões 3D. A reversibilidade entre material e digital, tangível e intangível, é uma das principais características das práticas aqui estudadas.

Essas características indicam o caráter performativo das mídias digitais em sua relação com a materialidade, o que é relevante quando se consideram as iniciativas de preservação das mídias digitais, sendo um caso significativo a conservação e a preservação de obras de arte digitais nas suas mais variadas vertentes. Num simpósio pioneiro sobre o assunto, a adoção de estratégias para lidar com a instabilidade inerente às mídias digitais foi chamada de “variable media approach”

(Depocas, Ippolito, Jones, 2003), abordagem que foi avançada pela organização sem fins lucrativos Rhizome, baseada em Nova York. Dragan Espenschied (2021), diretor de preservação da instituição, destaca a transição da “variação” para a “reencenação” enquanto princípio organizador das abordagens de preservação digital adotadas pela Rhizome (Espenschied, 2021, p. 116). Essa forma de abordar a preservação digital pode envolver o reconhecimento da perda ou inacessibilidade do arquivo digital original, ao passo que permite sua reapresentação por meio de máquinas virtuais que podem emular as condições de funcionamento nas quais as obras foram criadas.

Uma consequência da abordagem da Rhizome é a percepção de que a obra de arte digital, como todo arquivo digital, não existe isoladamente, mas ganha seus limites e contornos apenas na interação entre objetos digitais e processos computacionais específicos. Uma vez que os limites dos objetos não são estabelecidos por eles mesmos, mas pela maneira como são enquadrados num conjunto de categorias e pelo contraste com outros objetos, pode-se dizer que a objetualidade digital é um resultado das “affordances” computacionais. O termo “affordance” na sua relação com as mídias digitais foi discutido por Scarlett e Martin Zeilinger (2019), para quem as “affordances digitais” indicam não apenas as possibilidades de atuação advindas do uso das tecnologias digitais — os resultados visíveis que elas produzem —, mas também o funcionamento que as torna possíveis (Scarlett, Zeilinger, 2019, p. 20-31). Mídias digitais são o resultado do funcionamento computacional, ao mesmo tempo que permitem atuar a partir das ferramentas computacionais; as mídias digitais são tanto meio no qual se estabelece uma representação quanto ferramenta para uma ação, daí a ênfase na manipulação espacial dos modelos 3D e a possibilidade de sua impressão para romper a fronteira do digital e se tornarem objetos no mundo físico.

Conquanto pareça um desvio, a passagem pelas discussões sobre “objetualidade” e as “affordances” digitais, mesmo que abreviadas, são relevantes para estabelecer os termos corretos da interpretação dos modelos e reproduções 3D na sua relação com o patrimônio. As reproduções 3D não são objetos que devem ser analisados apenas pelo que elas permitem — isto é, os diferentes engajamentos com o patrimônio e com a preservação de artefatos históricos, sobretudo por sua capacidade de oferecer cópias fiéis dos objetos originais —, mas também pelo que as possibilita — a junção entre software (programas de modelagem 3D, como o Blender) e hardware (câmeras fotogramétricas, scanners e impressoras 3D) — a partir de uma abordagem específica da materialidade.

Impressões 3D são arquivos de mídia transformados em objetos materiais. Enquanto objetos de mídia tornados materiais, sua principal consequência para as práticas de patrimônio é que a forma de preservação que oferecem não é aquela da conservação de um original, mas, consoante sua natureza enquanto mídia, aquela da preservação enquanto produção de cópias. A modelagem e a impressão 3D, portanto, invertem não apenas o caminho mais usual que procede do material ao digital, mas também aquele do original à cópia, já que sua natureza é distinta do objeto que lhe serviu. Como destaca Ines Weizman, “a

cópia se transforma numa reprodução — uma forma de mídia própria — que se refere tanto ao original quanto a si mesma, parte de uma série infinita de multiplicações ‘sem aura’” (Weizman, 2017, p. 54). Elas são simultaneamente cópias derivadas e originárias de possíveis reproduções futuras.

Quando aplicada ao patrimônio, contudo, essa sobreposição entre cópia, reprodução e original se torna ainda mais complexa. Artefatos patrimoniais, vale lembrar, ganham significado quando são imbuídos de valor histórico ou estético que lhes conferem a qualidade de testemunha de determinado tempo ou lugar. O apelo das reproduções 3D é que elas mantêm algo desta “aura” ao mesmo tempo que podem ser dispostas em múltiplos lugares simultaneamente, de modo que a unicidade e a multiplicidade não estão em oposição. Isso significa que elas estão situadas na intersecção entre uma cultura da memória — aquelas da preservação — e uma cultura da cópia (Schwartz, 2014) — aquela da reprodução. É isso que as torna objetos enganosamente simples quando pensados junto às práticas de patrimônio.

PARA ALÉM DO PATRIMÔNIO IMATERIAL

Usualmente, os receios em torno da utilização das tecnologias de modelagem e impressão 3D no campo do “patrimônio virtual” estão relacionados à maneira como algumas reconstruções podem iludir o público, substituindo a compreensão histórica pela estetização do passado, a probabilidade científica pela certeza mercadológica (Silberman, 2007). Esses temores se conformam a uma crítica, mais habitual, feita ao “consumo de história”, que levaria a atitudes superficiais com relação ao passado.

Embora relevantes, tais críticas têm por base a compreensão das reproduções 3D enquanto representações históricas e, por conseguinte, tentam mantê-las nos limites dos métodos históricos ou arqueológicos. Pensadas como representações, estipula-se a adequação historiográfica como medida de sua legitimidade e de sua autenticidade, o que concede ao original, mantendo-se no circuito da relação entre representação e referente, o privilégio de validar a qualidade da reprodução. Muitas das críticas são feitas com o propósito de garantir a participação de pesquisadoras e pesquisadores junto a técnicos na elaboração dessas reproduções, tornando os projetos voltados para a “reconstrução histórica” digital mais responsável ética, política e cientificamente.

Mais uma vez, apesar de corretas e, deve-se acrescentar, necessárias, essas apreensões tendem a minimizar ou desconsiderar algumas especificidades relevantes das reproduções 3D na tentativa de controlar seus possíveis desvios. No geral, em relação ao predomínio da “estetização” do passado e ao fetiche do artefato histórico, reitera-se o caráter social dos processos patrimoniais, o que é condizente com a abertura da categoria de “patrimônio histórico-cultural” para abranger cada vez mais as técnicas, as práticas e os saberes que consolidaram o “patrimônio imaterial” (Bortolotto, 2007). Os modelos e impressões 3D tornam mais complexo, quando não desfiam, o movimento que procede da ênfase na unicidade e na autenticidade do objeto patrimonial em direção às práticas que o tornam possível. Em primeiro lugar, apesar de sua natureza midiática, exposta acima, as reproduções 3D são decididamente objetos que, como vimos,

aparentam estar subordinados a um original, contrariando o aspecto socialmente construído do patrimônio enfatizado pelos desdobramentos recentes da categoria. Em segundo lugar, em vez dos objetos patrimoniais resultarem do compartilhamento de técnicas e saberes tradicionais, eles são resultado de práticas mediadas pelo mercado e pelo ambiente tecnológico e computacional; as “práticas” que as tornam possíveis não apenas são recentes, escapando à categoria de “saberes tradicionais”, como também normalmente são objeto de copyright, seja na sua concepção, devido à necessidade de garantir licenças de software e/ou a aquisição de hardware específico, seja na sua apresentação final — isto é, por que são feitas por alguém que detém algum tipo de licença, mesmo que de uso livre, sobre o modelo 3D. Nada distingue, a princípio, as reproduções 3D de mercadorias e, avaliadas no seu conjunto, indicam o que acontece com o patrimônio histórico-cultural quando este habita um mundo no qual predominam as imagens e a informação (Joselit, 2013; Steyerl, 2017).

Talvez por isso algumas das mais significativas abordagens das tecnologias de modelagem e impressão 3D relacionadas ao patrimônio escapem dos imperativos de fidelidade ao original e autenticidade derivada presentes nos projetos de preservação digital; não por acaso, são propostas com forte interface com as artes visuais. Gostaria de encerrar esta reflexão com a referência a três projetos específicos. Primeiro, a série Content Aware Studies, de Egor Kraft, iniciada em 2017. O projeto consiste numa base de dados fotogramétricos da estatuária greco-romana ao qual foi aplicado o funcionamento de uma rede adversarial generativa (GAN) responsável por “completer” as obras que sobreviveram em estado fragmentário. Em vez de “preencher” corretamente, de maneira realista e/ou em conformidade com o estilo das estátuas, as “reconstruções” são o locus de monstruosidades e alucinações de IA, demonstrando que a relação entre original e cópia não é de similaridade, mas de desvio.

Um segundo exemplo é a série Material Speculation: ISIS (2015), de Mohrehshin Allahyari, feito em resposta à destruição de artefatos históricos, especialmente em Mosul, no Iraque, pelo Estado Islâmico. Nesse trabalho, também uma série, a artista criou modelos 3D dos objetos perdidos pela ação do grupo terrorista; no entanto, mesmo que os arquivos tenham sido disponibilizados no site da artista, em cada objeto, quando impresso, foi inserido um flash drive contendo o arquivo digital do modelo 3D, além de fotos, vídeos e demais informações a seu respeito. Em certo sentido, a proposta de Allahyari indica que, para produzir novas cópias, é preciso destruir as reproduções, que se tornam, assim, originais. Por fim, um terceiro exemplo, não relacionado à prática artística, mas sofrendo a influência do design, é a prática adotada pela parceria entre o NEXT Lab, da PUC-Rio, e o Lapid, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, junto do Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Resultando inicialmente de uma parceria informal entre Jorge Lopes, professor na PUC-Rio, e o arqueólogo Sergio Kugland, diretor do Museu Nacional no início dos anos 2000, a modelagem 3D de itens da coleção do Museu se tornou ainda mais significativa quando do incêndio de 2018. Logo após esse episódio, propôs-se combinar “as cinzas do museu com os materiais de impressão 3D, de modo a materializar fisicamente a perda dos artefatos dos quais já haviam sido feitos modelos 3D de scanners CT” (Lopes et al., 2019, p. 182).

A distinção entre original e cópia é borrada, uma vez que são as próprias cinzas do Museu que criam as réplicas dos itens que costumavam estar abrigados em sua coleção.

Esses três exemplos mostram a potencialidade das técnicas de modelagem e impressão 3D quando pensadas para além da relação fiduciária com um original que as reduz à mera produção de cópias. Nas relações de diferença e similaridade que performam — relações que, vale lembrar, são estabelecidas simultaneamente em cada um dos objetos criados —, a utilização da impressão 3D no campo do patrimônio situa-se muito além dos resultados visíveis, mas deve ser pensada junto aos processos que a tornam possíveis, uma vez que o objeto histórico, no meio digital, é muito mais do que os olhos conseguem ver. Os exemplos mencionados também destacam o papel que as tecnologias digitais podem ter para mediar e significar a perda, infelizmente cada vez mais frequente, do patrimônio histórico e cultural que deveria ser comum a todos nós.

REFERÊNCIAS

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Museus e exposições como lugar de disputa

Tradicionalmente reconhecidos como instituições voltadas para conservação e exibição de objetos, os museus se constituíram historicamente como arenas de disputas políticas, culturais e simbólicas em torno da memória coletiva. Desde sua origem, essas instituições refletem e moldam as tensões entre distintas narrativas históricas e formas de pertencimento, evidenciando conflitos sobre o que deve ser lembrado, preservado e legitimado como patrimônio cultural.

As críticas ao papel social dos museus — especialmente no que diz respeito à sua função normativa de seleção, representação e legitimação simbólica — vêm sendo formuladas desde o final do século XX. Questionamentos sobre a neutralidade institucional, a centralidade da curadoria autoral e a rigidez do modelo expositivo conhecido como “cubo branco” colocaram em xeque a ideia do museu como espaço transparente e universal de saber. A crítica contemporânea tem evidenciado o papel histórico dos museus na consolidação de narrativas coloniais, muitas vezes legitimando relações de dominação e apagamento cultural sob a aparência de neutralidade científica e estética. Nesse contexto, cresce a pressão por processos de devolução de objetos adquiridos de forma ilícita ou violenta durante o colonialismo, o que traz à tona debates sobre reparação histórica, justiça epistêmica e a reconfiguração dos acervos. Além disso, as críticas às narrativas hegemônicas enfatizam a necessidade de multiplicar vozes e perspectivas, incorporando saberes indígenas, afrodiaspóricos e outras epistemologias marginalizadas, desafiando a estrutura autoritária e eurocêntrica que moldou o museu moderno.

Paralelamente, a partir dos anos 1990, ampliaram-se os debates sobre a interrelação entre museus, acervos e tecnologias digitais, abrindo espaço para uma reconfiguração das práticas museológicas em diálogo com novas formas de mediação e circulação de conhecimento. O recente avanço dessas tecnologias — com destaque para a inteligência artificial — reacendeu essas discussões ao introduzir novas camadas de complexidade quanto ao papel das instituições museológicas em relação às dinâmicas contemporâneas de produção, indexação e difusão da memória. Diante desse cenário, torna-se necessária uma reavaliação crítica da função dos museus na contemporaneidade,

especialmente no que tange à mediação sociotécnica dos acervos e à responsabilidade institucional no tocante às disputas por visibilidade, reparação e justiça histórica.

Para além de uma abordagem instrumental ou tecnicista, é relevante que as discussões sobre o uso de tecnologias digitais nos museus considerem uma reflexão crítica acerca das práticas curatoriais, das políticas de representação, dos vínculos estabelecidos com as comunidades e dos discursos que orientam a construção das narrativas da memória coletiva. Nesse contexto, os museus e suas exposições devem ser compreendidos não como espaços neutros de armazenamento e exibição, mas como territórios em constante disputa, nos quais diferentes narrativas, interesses institucionais e visões de mundo são mobilizados, negociados e, muitas vezes, confrontados.

Nesse contexto, o presente artigo propõe explorar, por meio de três estudos de caso, as tensões e potencialidades dos museus e seus acervos no cenário atual. O primeiro estudo aborda a exposição de longa duração Tempos fraturados, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), que visa incorporar múltiplos olhares e perspectivas críticas sobre seu acervo institucional. O segundo discute o projeto Demonumenta (2021), que utiliza inteligência artificial para problematizar o colonialismo histórico e de dados a partir do acervo do Museu Paulista da USP. Por fim, o terceiro estudo investiga a apropriação dos arquivos audiovisuais das câmeras de vigilância do Palácio do Planalto durante os eventos de 8 de janeiro de 2023, que foram ressignificados artisticamente através do ensaio audiovisual Domingo no golpe (2024).

A partir desses exemplos, busca-se demonstrar que os museus e as exposições se configuram como espaços de disputa simbólica e política, nos quais a memória coletiva — produzida e legitimada por meio das práticas museológicas — se estabelece como um campo de poder e conflito. Nesse cenário, as tecnologias emergem como dispositivos capazes tanto de consolidar narrativas hegemônicas quanto de fomentar questionamentos críticos, ressaltando a complexidade do papel dos museus na sociedade atual.

Tempos fraturados no acervo do MAC USP 1

Tony Bennett em seu livro O nascimento dos museus (1995) sinaliza que o nascimento do museu moderno coincide não apenas com o surgimento de um novo conjunto de conhecimentos – como a geologia, biologia, arqueologia, antropologia, história e história da arte –, mas igualmente com a implantação museológica desses objetos em sequências evolutivas (como história da Terra, da vida, do homem e da civilização) alinhavadas por uma ordem totalizante de coisas e de povos (Martins, Junior, 2016).

É no contexto da modernidade que a noção de tempo histórico adquire centralidade, permitindo a consolidação de conceitos tais como Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna, que passam a estruturar não apenas os estudos históricos, mas também a história da arte. Inserido nesse regime temporal, o museu assume uma função pedagógica específica: organiza os acervos segundo essa linearidade cronológica, transformando-a na base de sua narrativa expositiva e na forma de dar visibilidade aos objetos enquanto portadores de conhecimento. Como aponta Tony Bennett (1995), o museu se 1 Para um estudo mais aprofundado sobre a exposição do MAC, consultar a publicação Tempos fraturados, organizada por Ana Magalhães, Helouise Costa e Marta Bogea.

configura, assim, como um dispositivo hermenêutico — uma maquinaria de “mostrar e contar” — que traduz temporalidades complexas em sequências inteligíveis, reforçando determinados modos de ver, compreender e lembrar a história.

Neste sentido, o museu — longe de ser apenas um lugar de memória, conservação e armazenamento de objetos — desempenha um papel pedagógico fundamental no contexto do iluminismo, funcionando como uma tecnologia de poder que controla o comportamento das massas. Não se trata apenas de considerar que os museus colecionam objetos em seus acervos, mas de compreender como esses acervos são apresentados ao público, criando não apenas narrativas específicas, mas também políticas do sensível e do comportamento do público.

A relação entre memória e poder é tema também do livro Tempos fraturados, publicado pelo historiador marxista Eric Hobsbawm, que serviu como ponto de partida para a exposição de longa duração do MAC USP (2023-2028).

Fazendo um pequeno deslocamento histórico, podemos pensar que a formação do acervo do MAC USP é atravessada, também, por jogos de poder, especialmente quando se considera o conjunto de obras doadas pelo magnata estadunidense Nelson Rockefeller ao antigo museu de arte moderna em São Paulo em 1946 e transferidas, no início dos anos 1960, para a inauguração da instituição.

A criação de um museu em São Paulo naquela época fazia parte de uma série de debates que se relacionavam não somente com as lutas internas de poder, mas também com a política internacional. A disseminação do “moderno” e da arte abstrata no campo cultural se tornaria uma questão chave para os Estados Unidos no jogo cultural e geopolítico que marcou a Guerra Fria.

A coleção, composta majoritariamente por obras de artistas americanos ou de artistas europeus exilados nos Estados Unidos, é não somente importante para a constituição do acervo e da história do MAC USP, mas também como testemunho histórico das disputas de poder e do cenário cultural e geopolítico da época. Treze dessas obras estão presentes no sétimo andar de Tempos fraturados e serviram como ponto de partida para a construção da exposição. Elas reverberam de forma diversa por toda a mostra, criando diálogos com outros jogos de poder e com experiências políticas, culturais e históricas diversas.

Concebida por um grupo de seis curadores — Ana Magalhães, Felipe Chaimovich, Helouise Costa, Marta Bogéa, Priscila Arantes e Rodrigo Queiroz —, a mostra apresenta sete agrupamentos, divididos nos dois andares expositivos: Inconsciente (não) livre, Guerra fria, Resistência e Êxodo (7º andar); e Retrato, Apropriação e Violência (6º andar). Esses eixos buscam lançar um olhar critico sobre o acervo institucional, evidenciando os jogos de poder e as relações sociopoliticas contruídas ao longo da formação e constituição de sua coleção.

É o caso por exemplo do agrupamento “Violência”, formado por um grupo de trabalhos incorporado ao acervo no contexto da ditadura civil-militar. Uma das obras que representam esse período, e que faz parte do agrupamento “Violência”, é São Sebastião (Marighela) (1969-1970), do artista Sérgio Ferro. Ela é uma homenagem ao líder da ALN (Ação Libertadora Nacional) Carlos

Marighela, assassinado em novembro de 1969 durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Interessante notar que Sérgio Ferro era professor da USP (Universidade de São Paulo) e filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Preso e torturado nos anos 1970, Ferro foi para o exílio na França. A obra, doada ao museu pouco antes de o artista sair para o exílio, é representativa não somente como testemunho histórico do período da ditadura, mas da situação do próprio ambiente universitário: depois de ter sido preso, o contrato de Sérgio Ferro não foi renovado pela Universidade.

A discussão sobre a tortura e a violência fará parte de uma série de obras presentes no agrupamento “Violência” como é o caso da pintura Uma confissão (1971), de João Câmara, adquirida em 1972 pelo museu, e Fumaça do prisioneiro (1964), de Antônio Dias. Nesta obra, um mosaico do terror que denuncia as práticas de tortura, o espectador é confrontado com um corpo dilacerado e fragmentado em diferentes partes: cabeças, membros e vísceras estão separados e manchas de sangue estão dispersas, dialogando com a realidade violenta do país. Já em Nós temos a obra que Gabriel Borba realiza após a notícia da execução no garrote, pelo regime ditatorial de Francisco Franco, de Salvador Puig Antich, militante anarquista catalão.

Adquiridas nos anos iniciais da gestão de Walter Zanini, essas obras criam diálogos potentes com outras produções presentes nesse agrupamento, como é o caso dos trabalhos de Rafael França, um dos artistas pioneiros da vídeoarte no Brasil.

Como se sabe, a ideia inicial dos primeiros artistas do vídeo não foi a de utilizá-lo de forma convencional, mas de explorar, de forma crítica e criativa, suas possibilidades expressivas. A crítica à televisão, enquanto indústria do entretenimento foi, aliada às questões sociopolíticas do país, uma das questões exploradas pelos artistas pioneiros do vídeo. Muitas dessas produções tinham um custo baixo e eram independentes em relação aos laboratórios de revelação e de sonorização, que, muitas vezes, levando em consideração o contexto da ditadura, funcionavam como centros de vigilância e controle das produções culturais.

Muitos dos artistas desta primeira geração do vídeo já tinham ou estavam em processo de produção artística, como é o caso de Rafael França. Diferentemente de outros artistas, França incorpora discussões relativas à ficção videográfica, criando diálogos com o campo da literatura e explorando uma narrativa não canônica com um tipo de edição mais experimental.

Tanto em Reencontro (1984) quanto em Getting out (1985), França se desloca para o tensionamento da temática social. Reencontro “parece uma interpretação moderna (ambientada nos duros tempos da ditadura militar, com referências explícitas a métodos de tortura) da parábola de William Wilson, célebre narrativa de Poe sobre um personagem perseguido pelo seu álter ego e que termina se matando para fugir de si mesmo” (Machado, 2001, p. 136)

Uma das cenas de Reencontro é o artista sentado em uma cadeira, com a boca tapada, os olhos vendados e as mãos amarradas, como em um cenário de tortura. À frente da obra de França, temos Parla, de Cildo Meireles (1982), que simula uma figura humana, realizada por blocos de concreto, sentada sobre uma cadeira. O título Parla – verbo usado no imperativo – remete à frase que o escultor renascentista Michelangelo teria dito ao concluir a

escultura Moisés, acreditando que sua perfeição a fazia parecer viva. Colocada no contexto de Tempos fraturados, o obra de Cildo nos remete menos ao diálogo com a técnica artística, mas especialmente à cadeira de tortura que se faz evidente em outras obras de sua produção, como em Introdução a uma nova crítica (1976), que consiste em uma tenda sob a qual se encontra uma cadeira comum forrada com pontas de prego.

Se as obras de Cildo Meireles e Rafael França foram concebidas no final do período da ditadura militar, é particularmente relevante observar os diálogos que se estabelecem com produções mais recentes da coleção, como 5664, de Beth Moysés, e Juegos de poder, da artista guatemalteca Regina Galindo — ambas realizadas nos anos 2000 e centradas em reflexões sobre a violência de gênero e o feminicídio. Mais do que estabelecer uma continuidade cronológica, essas conexões apontam para uma leitura do acervo que privilegia atravessamentos temáticos e políticos, evidenciando como certas problemáticas persistem e se atualizam no contexto contemporâneo.

Desconstruindo o acervo do Museu Paulista

Também sob o prisma da violência, podemos entrever o projeto Demonumenta, que resultou em uma série de experiências visuais e audiovisuais com inteligência artificial sobre o acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Importante destacar que esse acervo é fundamental para entender não somente a construção do imaginário paulista e sua historiografia sobre o Brasil mas também as narrativas da própria história da arte. Obras icônicas como Independencia ou morte (1888), do artista brasileiro Pedro Américo – considerada a representação mais difundida do momento da independência do Brasil e de uma suposta “fundação” nacional – ou o Retrato de Dom Pedro I (1902), de Benedito Calixto, fazem parte do acervo do Museu.

Coordenado por Giselle Beiguelman, Bruno Moreschi e Bernardo Fontes e contando com a participação de alunos da FAU-USP, o mote desses experimentos que receberam o nome de Demonumenta foi o de ativar um discurso crítico sobre a história da arte, questionando a um só tempo os procedimentos do colonialismo histórico e do colonialismo dos dados. “Como a Inteligência Artificial reproduz os modos de perpetuação de discursos oficiais sobre a história? Como elaborar metodologias, calçadas em IA, para mapear os elementos constitutivos das representações imagéticas do colonialismo histórico?”. Essas foram algumas das questões que fizeram parte dos pressupostos do projeto.

A partir de um conjunto de obras que o próprio Museu Paulista vem disponibilizando na Wikipedia e no Wikidata (perrmitindo assim que sua coleção seja passível de novas ressignificações e deslocamentos), Demonumenta criou uma série de categorias, em torno de 50, a partir do acervo. São elas: céu, fauna, flora, homem branco, homem indígena, homem negro, mulher branca, mulher indigena, mulher negra, criança indígena, criança negra, criança branca, escravizado, ex-escravizado, bandeirante, cafeicultor, fazendeiro, figura religiosa, militar, político, trabalhador rural, trabalhador urbano, artefatos domésticos, artefatos exteriores, espaço administrativo político, espaço cultural, igreja, espaço industrial, ruas e praças, residência abastada, residência pobre.

No artigo Continuum histórico e normatização em acervos de arte e datasets –experimentações com inteligência artificial no Museu Paulista, o próprio grupo de pesquisa analisa a aplicação de categorias a imagens que representam povos indígenas, pessoas negras escravizadas e homens brancos. Na montagem realizada — que consistiu na marcação de áreas específicas nas obras do acervo do Museu Paulista, a partir de um conjunto de dados de treinamento construído colaborativamente — foram identificados padrões recorrentes de representação. Povos indígenas são frequentemente associados a imagens de rebeldia ou violência, enquanto pessoas negras aparecem majoritariamente vinculadas ao trabalho braçal. Já a categoria “homem branco” tende a ser associada a funções de prestígio ou autoridade, como “bandeirante”, “cafeicultor”, “político” ou “militar” — distinção que não se verifica nas marcações atribuídas a “homem indígena” ou “homem negro”.

O projeto Demonumenta revela, por meio do uso da inteligência artificial, como os padrões coloniais persistem — e se reconfiguram — na produção e circulação de imagens. A articulação e recombinação de dados visuais operada por sistemas de IA não apenas preserva, mas também reatualiza representações históricas nos ambientes digitais, evidenciando como esses repertórios iconográficos continuam ativos no imaginário contemporâneo. Nesse sentido, Demonumenta pode ser compreendida como uma espécie de Atlas Mnemosyne digital, em alusão ao projeto desenvolvido pelo historiador da arte Aby Warburg. Seu atlas visual, inacabado e não linear, propunha mapear a sobrevivência de gestos e símbolos através dos tempos, revelando as permanências e ressonâncias da cultura visual ocidental. Assim como Warburg organizava seus painéis de forma temática e associativa, Demonumenta propõe uma cartografia crítica das imagens, convocando a memória e a repetição como chaves para entender as continuidades coloniais através do uso da IA.

Um exemplo evidente dessa “repetição” iconográfica pode ser observado na representação de homens brancos “poderosos”, que replicam os mesmos códigos visuais encontrados em pinturas históricas, como os retratos de D. João VI, realizados por Debret (1817), e de D. Pedro II, que reinterpretam padrões clássicos, como o Dorifório (escultura de Policleto, datada de aproximadamente 440 a.C.), reforçando gestos de imposição de autoridade.

De maneira análoga, os resultados visuais gerados com uso de IA no contexto do projeto Demonumenta evidenciam a continuidade de representações racializadas e colonialistas. Os homens negros frequentemente aparecem em contextos de trabalho manual ou esforço físico, enquanto os povos indígenas são retratados em papéis passivos, subservientes ou exotizados, ambos situados dentro de uma lógica visual que sugere um processo de domesticação do sensível — um conceito que indica como a percepção e os regimes estéticos foram estruturados por sistemas de dominação. No contexto de Demonumenta, a inteligência artificial se configura como um dispositivo que não apenas reflete essas dinâmicas, mas também potencializa sua problematização, convertendo o acervo em um espaço de análise crítica e reconfiguração simbólica. Menotti (2025), em seu ensaio The Model is the Museum: Generative AI and the Expropriation of Cultural Heritage, sinaliza que os chamados sistemas “inteligentes” são treinados em bancos de dados que incorporam preconceitos culturais, raciais e geopolíticos. Quando empregados de

forma acrítica em contextos museológicos, esses sistemas tendem a reforçar narrativas dominantes e a reproduzir lógicas hegemônicas sob o disfarce de neutralidade técnica. Menotti critica a maneira como os mecanismos algorítmicos, frequentemente orientados por métricas de popularidade, padrões estatísticos e comportamentos de consumo, acabam por suprimir espaços de mediação crítica, dissidência estética e deslocamento epistêmico, promovidos por práticas curatoriais engajadas.

Sob essa perspectiva, o projeto Demonumenta não emprega a inteligência artificial como um instrumento de glorificação ou mero aprimoramento estético, mas adota uma abordagem crítica e meta-algorítmica, como nomearei neste artigo, voltada para exposição e problematização de seus próprios processos operacionais. A IA, nesse contexto, é utilizada para rastrear padrões iconográficos e códigos visuais persistentes, especialmente aqueles enraizados em representações coloniais e patriarcais.

Para explorar essa dinâmica, o grupo de pesquisa desenvolveu uma série de trabalhos experimentais, incluindo Naturezas numéricas, Paisagens possíveis, Arqueologia das cores, Álbum afirmativo e Ignorância animada. Entre esses experimentos, destaca-se o projeto Ignorância animada, que usa a inteligência artificial de forma crítica para refletir sobre ele própria. A série apresenta memes animados que dão vida a retratos do acervo do Museu Paulista, acompanhados de falas absurdas e viralizadas por seu teor intolerante e autoritário. Um exemplo é o discurso de Paulo Guedes sobre as empregadas domésticas na Disney, associado à imagem do conselheiro Rodrigues Alves, conhecido por seu antiabolicionismo. Esse projeto cria um diálogo potente com as questões contemporâneas do colonialismo e também problematiza o uso da IA e das deepfakes, explorando seus impactos éticos e sociais.

O projeto Demonumenta, nesse sentido, reflete sobre a descolonização de monumentos e obras públicas, revelando o “avesso” do que está visível a partir de uma perspectiva crítica e política. Ele evidencia não apenas os entraves coloniais na história da arte e no imaginário elitista sobre o Brasil, mas também as questões contemporâneas relacionadas ao colonialismo de dados.

Domingo no golpe

Outro trabalho que coloca em cena a violência, a cultura do ódio e a guerra cultural é o videodocumentário Domingo no golpe, desenvolvido por Giselle Beiguelman, em parceria com Lucas Bambozzi. O vídeo analisa e reinterpreta a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 no Brasil, utilizando imagens captadas por câmeras de segurança do Palácio do Planalto, fornecidas pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) à imprensa por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

O título do documentário remete à música Domingo no parque (1968), de Gilberto Gil, lançada no ano de implementação do AI-5 no Brasil. A letra da canção, que narra um episódio de violência urbana, ressoa com os eventos de 2023, traçando paralelos entre diferentes momentos históricos da violência política brasileira e dos ecos do passado no contexto presente.

O material bruto compreende quase 500 horas de vídeos provenientes das 33 câmeras de vigilância do Palácio do Planalto. Além do

videodocumentário, o projeto conta com diferentes interfaces de acesso a essas imagens, desenvolvidas com recursos de IA pelo pesquisador Thiago Hersan. Essas interfaces podem ser acessadas digitalmente, permitindo ao usuário, por exemplo, navegar por horários e obter uma visão geral da movimentação dos golpistas no Palácio do Planalto e de suas estratégias de ocupação. Outra interface permite explorar os diferentes espaços do Planalto e compreender suas dinâmicas de invasão. Já uma terceira interface, nomeada navegação por objeto, possibilita que o usuário explore elementos arquitetônicos do edifício. Esse tipo de catalogação das imagens das câmeras de segurança, realizada por IA, permite uma leitura mais apurada da movimentação e ocupação dos golpistas.

Uma das questões centrais, tanto no videodocumentário Domingo no golpe quanto nas interfaces criadas por Hersan, é a violência e a cultura do ódio, não apenas contra o Estado democrático de direito, mas também contra símbolos culturais.

A violência perpetrada contra o Palácio do Planalto não se limitou à depredação do edifício projetado por Oscar Niemeyer, mas se estendeu à destruição sistemática de obras de arte e objetos históricos. Entre as peças vandalizadas estavam As mulatas, de Di Cavalcanti, perfurada e severamente danificada; O flautista, de Bruno Giorgi; uma escultura de Franz Krajcberg; e o histórico relógio de Balthazar Martinot, presente da corte francesa a Dom João VI.

A violência contra esses objetos simboliza o ataque ao que representa a diversidade cultural, a liberdade criativa e o sentido de partilha pública. No contexto dos 60 anos do golpe militar de 1964, refletir sobre tais imagens torna-se um imperativo para compreender que essas datas não devem ser atos celebratórios, mas momentos de reafirmação da democracia.

Um dos aspectos mais perturbadores do ataque de 8 de janeiro foi a profusão de imagens produzidas pelos próprios invasores. Para além dos registros das câmeras de segurança, os participantes documentaram suas ações em selfies e transmissões ao vivo nas redes sociais, criando um paradoxo de autoincriminação e espetacularização da violência.

Boris Groys argumenta que vivemos em uma cultura do self-design, na qual o sujeito busca se afirmar através da construção de uma imagem pública. No caso dos ataques, tal construção foi pautada pelo radicalismo e pela intolerância, ampliando os ecos do ódio nas redes sociais e consolidando a violência como ferramenta de afirmação.

O videodocumentário levanta, ainda, questões sobre o papel das imagens de vigilância na construção da memória coletiva e a forma como tais registros, concebidos para serem descartados, adquirem um estatuto documental e de testemunho. Nesse sentido, podemos dizer que a produção de Domingo no golpe se insere dentro do conceito de “imagens operacionais”, termo cunhado pelo cineasta Harun Farocki. Diferentemente das imagens tradicionais do cinema, as imagens operacionais não são feitas para a contemplação, mas para a função de processamento de dados e tomada de decisões. No caso do documentário, os registros de câmeras de segurança tornam-se mais do que evidências criminais; são dispositivos de análise da cultura contemporânea e da guerra cultural.

Como observa Thomas Elsaesser (2017), uma nova geração de usuários das redes sociais não apenas consome imagens, mas interage com elas ativamente, criando e amplificando discursos. O documentário, nesse sentido, coloca em cena algumas perguntas sobre esse ato golpista de 8 de janeiro: quem fornecia as instruções para os ataques? Como o circuito de imagens digitais influenciou a formação da opinião política e a mobilização social? Brasília, no documentário, aparece sob um prisma inusitado: não como a cidade modernista de Niemeyer e Lúcio Costa, mas como território de ódio e agressão. O ataque de 8 de janeiro evidencia uma relação distorcida com o espaço público, no qual a multidão golpista agiu como se o bem público fosse “de ninguém”, legitimando a destruição indiscriminada.

Nesse sentido, não se trata de rejeitar ou demonizar as tecnologias contemporâneas, mas de compreender criticamente os modos como elas operam e são inseridas em dinâmicas de poder. É preciso considerar, por um lado, os riscos e desafios associados ao uso de dispositivos como a inteligência artificial, incluindo a reprodução de vieses racistas, misóginos e coloniais; e, por outro, reconhecer suas potencialidades como ferramentas de reconfiguração das formas de produção, circulação e acesso ao conhecimento. Nesse contexto, o campo da arte — em sua vocação crítica e experimental — tem se mostrado um espaço privilegiado para tensionar essas questões, propondo modos alternativos de imaginar e intervir nas tecnologias, especialmente em tempos marcados por conflitos e disputas políticas pela memória.

Conclusão

Ao longo deste artigo procuramos mostrar que os museus e as exposições estão longe de ser espaços neutros de mera preservação ou apresentação de objetos. Trata-se, antes, de arenas de disputas simbólicas, políticas e culturais, onde se definem – e se contestam – narrativas históricas e formas de pertencimento. A seleção, curadoria e exposição dos acervos revelam como as instituições museológicas participam na construção de sentidos e na legitimação de determinadas visões de mundo. Projetos como Tempos fraturados, Demonumenta e Domingo no golpe exemplificam como essas disputas podem ser tensionadas por meio da incorporação de múltiplos olhares, da crítica aos cânones hegemônicos e da apropriação crítica de novas tecnologias, como a inteligência artificial, ou de arquivos públicos em contextos de crise.

O uso da inteligência artificial no campo museológico, apresenta ambivalências importantes: ao mesmo tempo em que potencializa a análise e a organização de grandes acervos, promovendo novas formas de acesso e interpretação, também pode reforçar padrões excludentes e invisibilizar memórias dissidentes, caso sua aplicação não seja acompanhada de uma reflexão crítica e ética. O impacto dessa tecnologia, portanto, depende diretamente das escolhas curatoriais, políticas e institucionais que orientam seu uso.

Essas reflexões apontam para a urgência de repensar o papel dos museus na contemporaneidade: não apenas como lugares de memória, mas como espaços vivos de debate, resistência e decolonização do sensível — onde o passado e o presente são constantemente interrogados e o futuro pode ser construído a partir de perspectivas plurais.

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Origem e construção da biblioteca MAM Rio

mam rio

1. Introdução

Os museus de arte são instituições que têm o sentido de fomentar a divulgação e o pensamento crítico da arte no ambiente social. Dentro das razões para que o museu fosse criado nesta época está o contexto da difusão da cultura para a sociedade. Fruto do espectro democrático do século XIX e do desenvolvimento científico, os museus se tornaram espaços comunitários e de referência turística para diversas cidades no mundo. Se nos seus primórdios, ainda bastante caóticos, a Revolução Francesa (1789) propalou grande destruição do patrimônio artístico e edificado da França, num segundo momento reflexivo, esses objetos do “passado político” francês foram preservados com o objetivo de se estudar a história.

Com os bens do clero, dos emigrados e da Coroa colocados por lei à disposição da nação, urgia inventariar esses espólios, bem como elaborar regras de sua gestão e novas destinações à herança patrimonial que se acumulava em depósitos. Ao serem finalmente transferidos para espaços abertos ao público, temos a consagração do museu (Veiga, 2019). Nesse contexto, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi criado com o viés colecionável de obras artísticas que estão dentro da categoria da arte moderna.

Segundo Thiesen (2009), o museu é objeto de um discurso científico construído. Logo, a formação de um acervo bibliográfico neste cenário ratifica a importância do diálogo entre as experiências da curadoria no espaço expositivo com um corpus conceitual, que estão registrados nas publicações do acervo da biblioteca, ao passo que o arquivo documental indica quais as tomadas de decisões que permitiram que a produção curatorial formatasse sua produção. Sendo assim, as estruturas documentais de acervo dentro dos museus dão sentido a toda produção e historiografia que aquela instituição se coloca perante a sociedade.

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, conhecido como MAM Rio, foi fundado em 1948, criado com a intenção de promover e preservar a arte moderna brasileira, como está em seu primeiro estatuto: destinado a realizar e manter exposições de artes plásticas, caráter permanente e temporário; organizar filmoteca, arquivo de arte fotográfica, discoteca e biblioteca

especializada; promover exibições de filmes de interesse artístico-cultural; concertos, conferências e cursos relacionados com suas finalidades, pesquisas folclóricas e intercâmbio com organizações congêneres do estrangeiro; enfim, disseminar conhecimento da arte moderna no Brasil (MAM Rio, 1948).

O MAM nasce em um contexto político-social dominado por um grupo de pessoas que se dedicava ao desenvolvimento da arte moderna 1 no país, fruto, ainda, da Semana de Arte Moderna de 1922,2 ainda na década de 1940.

Nesse panorama favorável para sua criação, destacamos a importância do ministro Gustavo Capanema como grande articulador de políticas para o desenvolvimento do Modernismo no Brasil:

O papel central de Capanema junto ao governo de Getúlio Vargas justifica tal proposta de ação cultural como reforço ao interesse em coordenar ações políticas que se utilizassem de mecanismos e da organização do Estado, como reforço ao respeito e à promoção do nacionalismo apregoado pelo regime naquele momento histórico marcado pela centralização, que culminou com a instituição do Estado Novo. Nesse sentido, a ação do ministério Capanema fez ressoar um chamado a intelectuais e artistas no período de seu ministério a desenvolver seus trabalhos de forma intensa, merecendo forte incremento de políticas governamentais voltadas ao desenvolvimento da cultura nacional e de valores vinculados ao regime estabelecido (Quadros, Machado, 2013, p.62)

Como uma forma de mostrar que havia um projeto de desenvolvimento para o país, enquanto ministro da Educação e Saúde (MES) do governo Vargas, Capanema convidou para a equipe da construção da nova sede do ministério os seguintes profissionais: Affonso Eduardo Reidy,3 Carlos Leão,4 Lúcio Costa,5 Ernani Vasconcellos,6 Jorge Moreira 7 e Oscar Niemeyer,8 além da participação de Roberto Burle Marx 9 na concepção dos jardins (Kiefer, 1998).

Impulsionado por essa rede de sociabilidade (Costa, 1997), e pelo desejo de impulsionar o modernismo no Brasil, tem como missão promover e preservar a arte moderna brasileira, como descrito em seu primeiro estatuto:

[...] destinada a realizar e manter exposições de artes plásticas, caráter permanente e temporário; organizar filmoteca, arquivo de arte fotográfica, discoteca e biblioteca especializada; promover exibições de filmes de interesse artístico-cultural; concertos, conferências e cursos relacionados com suas finalidades, pesquisas folclóricas e intercâmbio com organizações congêneres do estrangeiro; enfim, disseminar conhecimento da arte moderna no Brasil (MAM Rio, 1948).

O MAM, então, desde sua criação, é referência em arte moderna no país, e é responsável por custodiar diversos tipos de acervo e receber as manifestações produzidas pela arte moderna. No início, porém, o museu utilizava as dependências do Banco Boavista, edifício projetado por Oscar Niemeyer, como sede. Já em 1952, o MAM passa a ocupar o primeiro andar da sede do Ministério da Educação, atual Palácio Capanema.

Ainda que o MAM estivesse em edificações que reforçaram os seus objetivos como instituição e marcavam uma identidade modernista dentro do centro histórico do Rio de Janeiro, que ainda era capital federal do Brasil, um dos participantes do projeto do MES, Affonso Eduardo Reidy

1 Segundo verbete da Enciclopédia do Itaú Cultural (http://enciclopedia. itaucultural.org.br/termo355/artemoderna), “o moderno não se define pelo tempo presente - nem toda a arte do período moderno é moderna –, mas por uma nova atitude e consciência da modernidade”, declara Baudelaire, em 1863. [...] O termo arte moderna engloba as vanguardas europeias do início do século XX – cubismo, construtivismo, surrealismo, dadaísmo, suprematismo, neoplasticismo, futurismo etc. –do mesmo modo que acompanha o deslocamento do eixo da produção artística de Paris para Nova York, após a Segunda Guerra Mundial (19391945). [...] No Brasil, a arte moderna - modernista - tem como marco simbólico a produção realizada sob a égide da Semana de Arte Moderna de 1922. Já existe na crítica de arte brasileira uma considerável produção que discute a pertinência da Semana de Arte Moderna de 1922 como divisor de águas.

2 Segundo verbete da Enciclopédia do Itaú Cultural https://enciclopedia. itaucultural.org.br/evento84382/ semana-de-arte-moderna), “a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador, predominantes no país desde o século XIX”.

3 Affonso Eduardo Reidy (Paris, França, 1909 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1964). Arquiteto, urbanista.

4 Carlos de Azevedo Leão (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1906-1982). Desenhista, arquiteto, gravador, ilustrador.

5 Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa (Toulon, França 1902 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998). Arquiteto, urbanista, estudioso e teórico da arquitetura e conservador do patrimônio.

6 Ernani Mendes de Vasconcelos (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1912 – Idem, 1989). Arquiteto, urbanista, pintor, muralista, professor.

7 Jorge Machado Moreira (Paris, França 1904 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1992). Arquiteto e urbanista.

8 Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1907 – idem, 2012). Arquiteto e urbanista.

9 Roberto Burle Marx (São Paulo, São Paulo, 1909 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1994). Paisagista, arquiteto, desenhista, pintor, gravador, litógrafo, escultor, tapeceiro, ceramista, designer de joias, decorador.

projetava o atual Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (Aterro do Flamengo), e, dentro dele, a sede do MAM Rio, ambos com projeto paisagístico de Roberto Burle Marx. Segundo Varella (2018), seus projetos eram marcados por uma preocupação social: deveriam saciar todas as necessidades que envolviam o indivíduo em relação à finalidade da proposta.

O MAM Rio se propôs, então, a lançar luz para o moderno, que, em termos de arte, era o espaço de tempo entre o impressionismo e o contemporâneo, sendo quase em sua totalidade um retrato do século XX. Após a inauguração do Bloco de Exposições em 1967, o museu funcionou normalmente até o incêndio de 1978, que atingiu este mesmo espaço, com a perda de parte do seu acervo plástico e bibliográfico.

Nesse período, o museu se revela uma grande escola de novos artistas e movimentos culturais, como os Domingos da Criação:

Situando-se em meio às mudanças radicais na arte e cultura dos anos 60 e 70, no auge da ditadura militar, os Domingos da Criação, organizados pelo crítico e curador Frederico de Morais, em 1971, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), como coordenador dos cursos, eram exercícios experimentais de todos os sentidos; acontecimentos muito vivos e ligados ao espírito experimental da época (Gogan, Morais, 2017).

Após esse episódio, o museu seguiu com ajuda de outras instituições e fazendo exposições em outros locais culturais. Nos anos 1990, o museu retoma sua pujança, realizando novas exposições em sua sede. Em 2023, o museu completa 75 anos revivendo momentos emblemáticos de sua trajetória na exposição “museu-escola-cidade: o MAM Rio em cinco perspectivas”.

2. A Biblioteca MAM Rio

Inaugurada em 1969, a biblioteca ficava no Bloco Escola, sendo transferida para o terceiro andar do Bloco de Exposições, passando a atender o público geral e encerrando o empréstimo de publicações.

No ano seguinte, iniciou-se um setor de vendas de guias de história e crítica da arte, publicação editada pelo MAM, como também cópias de livros para leitores, criando assim uma pequena fonte de renda para a Biblioteca, que foi diretamente enviada à tesouraria.

Após o incêndio do museu (1978), as atividades da biblioteca não cessaram e, em 1983, com um robusto acervo de 8.500 volumes e 101 títulos de periódicos, a biblioteca conseguiu auxiliar os professores dos cursos do MAM. O diretor artístico do museu, Paulo Herkenhoff, foi um grande incentivador que possibilitou a doação de novos volumes no acervo, superando o número anterior ao incêndio.

A biblioteca passou a ocupar nova área no antigo Bloco Escola, ao lado do Centro de Documentação — com o qual passou a integrar o novo Núcleo de Pesquisa —, e em local de mais fácil acesso para o público em julho de 1991. Entre os anos de 2005 até 2009, a biblioteca permaneceu fechada, sendo reaberta em 2010. Atualmente, atende para consulta acervo bibliográfico especializado e promove a divulgação do museu através do intercâmbio

de catálogos com outras instituições e da doação de publicações. Além de efetuar o levantamento de informação bibliográfica, atendendo as demandas de pesquisa. Também possui interface com outras áreas do museu, além da manutenção da conservação preventiva do acervo bibliográfico.

Com três funcionários, sendo eles, um bibliotecário, uma auxiliaradministrativa e uma jovem-aprendiz, o MAM Rio mantém um acervo organizado de acordo com a sua natureza, procedência e objetivos, de forma a preservar e disponibilizar a informação em todos os tipos de suporte. O acervo é composto por catálogos de exposições, livros e periódicos. Especializado em arte moderna e contemporânea, nacional e estrangeira, o acervo bibliográfico abriga também outros assuntos de interesse como: arquitetura, design, fotografia e outros períodos da história da arte.

A biblioteca do MAM Rio abriga uma coleção formada por alguns determinantes gerenciais, como a ausência orçamentária para a aquisição de novas publicações e o excedente dos catálogos do museu que haviam sido disponibilizados para venda e para os quais não houve demanda e foram direcionados para essa coleção.

Atualmente, o agente responsável por essa tomada de decisão, e logo da sua gerência pela curadoria do acervo, é o bibliotecário, que exerce atividades semelhantes, pois além de tratarem a informação, incluindo a sua busca, seleção e disseminação, objetivam intrinsecamente suprir as necessidades informacionais de seu público (Pereira, Carvalho, 2023).

É dentro desse cenário que o acervo bibliográfico possui caracteriscas robustas e pertinentes ao usuário através do ciclo de atividades e processos curatoriais definidos por Ulpiano Meneses (1986) como:

[...] curadoria é o ciclo completo de atividades relativas ao acervo, compreendendo a execução e/ou orientação científica das seguintes tarefas: formação e desenvolvimento de coleções, conservação física das coleções, o que implica soluções pertinentes de armazenamento e eventuais medidas de manutenção e restauração; estudo científico e documentação; comunicação e informação, que deve abranger, de forma mais aberta possível, todos os tipos de acesso, apresentação e circulação do patrimônio constituído e dos conhecimentos produzidos, para fins científicos, de formação profissional ou de caráter educacional genérico e cultural (exposições permanentes (sic) e temporárias, publicações, reproduções, experiências pedagógicas, etc.). (apud Cury, 2009, grifo nosso).

Outrossim, se mostra relevante o contexto histórico da criação e desenvolvimento do próprio museu, pois através dele poderemos pensar como o seu acervo bibliográfico foi constituído. À vista disso, a biblioteca do MAM Rio contempla algumas temáticas principais que delimitam as novas entradas no acervo, sendo elas: Artes Visuais Moderna e Contemporânea, Arquitetura, Design, Paisagismo e Museologia, refletindo características indissociáveis do MAM Rio.

Em registros dos Boletins Bibliográficos 10 produzidos anualmente pela biblioteca havia uma pequena verba para aquisição de livros e periódicos. Em 1967, ao findar a obra do edifício-sede do museu, a biblioteca foi criada no terceiro piso do Bloco Expositivo, espaço que abrigaria

10 Boletins Bibliográficos produzidos pela Biblioteca do MAM Rio, entre os anos de 1967 a 1978. Estão depositados no acervo do Centro de Documentação do MAM Rio.

um acervo bibliográfico formado por 5.420 volumes e 179 títulos de periódicos. Nesse período, grandes quantidades de livros, catálogos, periódicos e cartazes foram recebidos em permutas com catálogos de exposições ocorridas no MAM.

A construção, preservação e valorização dos lugares de memória contribuem para que, no futuro, não se estabeleça, como contraponto à sociedade do conhecimento, a sociedade do esquecimento, cujo presente será descontínuo e ausente de sentido. Mas são palavras, expressões, riscos e rabiscos das materialidades textuais do passado que corporificam e dão sentido ao presente, a partir dos enunciados, das práticas discursivas que emanam das séries documentais depositadas em caixas, armários e estantes de arquivos e bibliotecas (Castro, 2006).

Com acervo rico e pertinente, a biblioteca fechada não tinha qualquer relevância institucional ou social, é nesse contexto que, através de sua gerência, o Prof. Dr. Leno Veras, curador, pesquisador e professor, especialista em difusão da cultura e divulgação da ciência, trouxe ideias para a reabertura e a ativação de ações da biblioteca.

3. A abertura da Biblioteca MAM Rio para o mundo

Surgiu a oportunidade de interligar a biblioteca com a gerência de Educação e Participação, quando esse material começou a ser destinado às escolas que vinham ao museu através de visitas guiadas por educadores, e, ao final, recebiam um kit com variados materiais como catálogos e folders produzidos pelo museu.

Em 2020, a biblioteca confeccionou mais de 100 kits com diversos catálogos que foram doados para as turmas iniciantes dos cursos de Artes Plásticas em duas universidades públicas da cidade, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Mesmo com essas ações, foram necessários novos processos que impulsionaram o interesse do público por esse material.

No contexto da pandemia de Covid-19, a instituição seguiu com as atividades remotas. As doações foram suspensas, assim como as visitas escolares. Por isso, a biblioteca se voltou para estabelecer e revisar suas normas e regras.

O intercâmbio de informações entre diversas instituições (Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB Rio), Instituto Moreira Salles (IMS Rio) e o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) foi fundamental para estabelecer um caminho para o MAM Rio, pois, apesar das características de cada lugar serem diferentes, o contexto sociopolítico, econômico e espacial é, quase em sua totalidade, similar. Essas características ajudaram no primeiro momento de definição dos critérios de formação da coleção.

Essa coleta de informações gerou um esboço inicial dos assuntos principais que as atividades da biblioteca deveriam pontuar. Por meio desse diagnóstico um planejamento foi formatado.

Inspirados na edição de 1974 da feira de publicações de artes idealizada pelo Departamento de Cultura do Estado da Guanabara e pelo MAM Rio

em abril do mesmo ano, em 2021, a feira foi idealizada como uma atividade gerada pelo processo de desbaste da Política de Desenvolvimento de Coleção, sendo um retorno às atividades presenciais do museu, após a quarentena da pandemia de Covid-19.

Definida a realização da feira, ela começou a ser planejada com dois meses de antecedência, tendo como interface as gerências de Relações Institucionais e Comunicação e Design. O primeiro passo foi selecionar a quantidade de materiais que seriam ofertados, num total de 605 catálogos de artistas que já expuseram no museu como: Adriana Varejão, Antônio Manuel, Iole de Freitas, Waltércio Caldas, Margareth Mee, entre outros.

Em um segundo momento, esses materiais foram separados do acervo e, junto com as pesquisadoras do museu, foram avaliados quanto a sua relevância como material e estado de conservação. Depois dessa avaliação documental, eles puderam ser precificados.

A feira fez parte da programação de verão do museu, denominada Feira de Livros de Arte. Essa foi a primeira atividade da biblioteca, em contato com o público, realizada após o incêndio do museu em 1978.

A gerência de Comunicação e Design ajudou na definição da linguagem do evento e na sua divulgação. Nesse momento, ficou definido que faríamos a feira na parte externa do prédio do museu, mais especificamente, nos pilotis. Algumas ferramentas foram confeccionadas para a estruturação do evento, como uma planta do mobiliário que seria utilizado, tabelas com a precificação e o quantitativo dos materiais que seriam disponibilizados e um documento com os textos para promoção do evento e sua justificativa.

Com um público maior que o estimado, o evento foi divulgado nas mídias sociais do museu. O diálogo entre o público e as publicações foi grande e gerou enorme repercussão, que ocasionaria em uma nova edição no ano seguinte.

O desenvolvimento da Feira de Publicações gerou um saldo positivo para o museu. Além de promover a biblioteca e suas atividades, gerou lucro para o museu, e a biblioteca ganhou visibilidade interna e externa, o que impulsionou a entrada de novos recursos e trouxe novas possibilidades de projetos para o departamento.

O acervo bibliográfico mostrou seu potencial como patrimônio material, e o museu reconheceu esse potencial, o que permitiu que o gerente Leno Veras e o bibliotecário Reinaldo Bruno iniciassem a escrita de um projeto denominado Bibliotecas em Rede – Laboratório de Leituras. Originalmente sem uma exposição prevista, o projeto, aprovado através do Edital ISS/RJ, incluiu a exposição ao seu portfólio para atender a instituição que se encontrava imersa em um cenário de notável contingenciamento de recursos, o que impôs o desenho de uma exposição documental sobre a constituição do museu elaborada pela equipe de Pesquisa e Documentação, mas assinada pela Equipe do MAM Rio. A exposição teve início no dia 22 de julho de 2023, permaneceu até o dia 3 de dezembro do mesmo ano, e retornou em 2025 em novo espaço.

Bibliotecas em Rede teve o apoio da Rede de Bibliotecas e Centros de Informação em Arte no Estado do Rio de Janeiro (Redarte/RJ), foi fiel ao

início do diálogo da Biblioteca MAM Rio com outras instituições e apresentou a seguinte agenda:

Oficina de Livro de artista, com Fernando Porto Dias.

Oficina de Livro em braille, com Ana Beatriz Vaz de Azevedo.

Oficina de Contação de história infanto-juvenil preta, com Sinara Rúbia.

Palestra de Processo em foco: movimentação de acervos bibliográficos, com Jane Leite, Conceição Silva (IMS Rio) e Leandra Pereira de Oliveira (Museu Nacional UFRJ/presidente da Redarte).

Palestra de Acervo em foco: a coleção especial da Biblioteca do Museu de Arte do Rio, com Karen Merlim (MAR).

Palestra de Ativação em foco: agendas de ativações em bibliotecas, com Rubia Luzia (EAV) e Klara Freire (CCJF).

Laboratório de Leituras: O livro como obra de arte.

Laboratório de Leituras: Leitura e acessibilidade.

Laboratório de Leituras: Formas de contar histórias.

Laboratório de Leituras: Arquitetura: escrita no espaço.

Laboratório de Leituras: O Instituto de Desenho Industrial do MAM Rio

Laboratório de Leituras: Imagens como construções narrativas.

Laboratório de Leituras: Folia e fotografia.

Laboratório de Leituras: A correspondência como processo artístico

Laboratório de Leituras: Domingos da criação: registros.

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Uso de inteligência artificial para a construção de instrumentos de pesquisa em arquivos: case do Museu Judaico de São Paulo

Shayene Borges

museu de arte contemporânea da usp

Introdução

O Museu Judaico de São Paulo, embora fundado em 2021, possui um acervo arquivístico que vem sendo reunido desde a década de 1970. Esse acervo é composto por documentos pessoais e institucionais que remontam à história da migração da comunidade judaica para o Brasil, especialmente para São Paulo, ao longo do século XX.

O acervo está parcialmente catalogado, com cerca de 75% em uma base de dados disponível para consultas online. Além da base de dados, há um esforço da instituição em produzir instrumentos de pesquisa que possam atender aos consulentes e interessados em geral. Nesse sentido, a instituição iniciou no final de 2023 um projeto para a construção de um Guia de Acervos que reunisse as informações básicas sobre cada um dos conjuntos documentais ali presentes.

Com o início desse projeto, a instituição se deparou com o desafio de construir um Guia para um acervo volumoso, que soma mais de 600 coleções e fundos. Para sanar essa dificuldade, a equipe desenvolveu um programa com uso de inteligência artificial (IA) capaz de automatizar o processo. O propósito deste artigo é, portanto, abordar a introdução do uso de inteligências artificiais em processo de descrição arquivística em instituições culturais e apresentar o case do Museu Judaico de São Paulo, compartilhando os desafios e perspectivas desse projeto, bem como os resultados alcançados até o momento.

1. Inteligência artificial generativa e os museus

O fenômeno das inteligências artificiais, embora não seja recente, passou por um grande boom a partir de 2022. Com a disponibilização pública e gratuita de softwares capazes de interagir com seres humanos e resolver tarefas que variam do simples ao complexo, novas aplicações foram pensadas e desenvolvidas, incentivando cada vez mais o avanço das ferramentas por um lado, e a adesão ao seu uso, por outro.

Embora haja uma gama diversa de IA e suas funcionalidades, há um tipo em especial que se destacou e que merece nossa atenção para os fins deste artigo: a IA generativa. Esse tipo de IA utiliza redes neurais profundas para gerar novos conteúdos a partir de dados existentes, indo além da simples análise de dados para criar textos, imagens, músicas, entre outros formatos. Esse processo é possibilitado por modelos de base, como redes neurais grandes e treinadas com vastas quantidades de informações, que conseguem compreender e replicar padrões complexos de linguagem e multimodalidade. As ferramentas generativas mais conhecidas, como os modelos de linguagem GPT, destacamse pela capacidade de produzir conteúdos coerentes e contextualmente apropriados em uma variedade de domínios (Bommasani et al., 2021)

A IA generativa encontra um grande leque de aplicações em museus e instituições culturais, onde possibilita novas formas de interação com o público e enriquecimento da experiência de visitação. Giselle Beiguelman (2021) destaca que tecnologias de IA podem facilitar o acesso a informações contextuais e históricas de coleções, bem como criar interfaces que respondam em tempo real às necessidades dos visitantes, personalizando o conteúdo exibido. Além disso, a IA generativa pode ser usada para sintetizar e descrever conteúdos de acervos extensos, facilitando tanto a pesquisa quanto o engajamento dos públicos com o material disponível. Essa abordagem não só democratiza o conhecimento, mas também promove uma interação mais dinâmica e acessível com o patrimônio cultural, tornando os acervos mais inclusivos e adaptados para diferentes públicos (Beiguelman, 2021; Schrier, 2021).

Um exemplo prático do uso de IA em instituições culturais pode ser observado no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), onde a tecnologia foi empregada para ampliar o acesso ao acervo digitalizado e permitir interações mais dinâmicas com o público. Através de IA, o MoMA desenvolveu algoritmos que ajudam a categorizar obras de arte, relacionar peças por temas e períodos históricos e fornecer descrições detalhadas sobre os itens expostos, facilitando tanto a navegação quanto a experiência educativa.

Como Beiguelman (2021) aponta, essas ferramentas de IA ajudam a transformar a interação tradicional em um processo mais fluido e inclusivo, alinhado com os interesses e conhecimentos do público. A tecnologia permite aos visitantes realizar buscas e descobrir conteúdos relacionados a partir de critérios que vão além do básico, promovendo uma experiência mais rica e informada.

Além disso, conforme observa Duranti (2020), essas inovações permitem que instituições culturais abordem o desafio de gerenciar grandes volumes de dados históricos, fazendo com que a IA atue como uma “curadora digital”, capaz de adaptar-se às necessidades dos usuários e tornar os acervos mais acessíveis e relevantes em um contexto global.

2. O Centro de Memória do Museu Judaico de São Paulo

No final dos anos 1970, a comunidade judaica situada no estado de São Paulo, em parceria com um grupo de professores da Universidade de São Paulo (USP), tomou a iniciativa de reunir coleções documentais de suas famílias, especialmente dos imigrantes que vieram para o Brasil, fundando uma instituição que mais tarde se chamaria Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB). O acervo do AHJB foi ampliado com coleções e fundos documentais que reconstituem a história da comunidade judaica em São Paulo e no

Brasil ao longo do século XX, por meio de narrativas institucionais ou pessoais/familiares. Dessa forma, o acervo reúne documentação de escolas judaicas, sinagogas, cemitérios, hospitais, coletivos e demais instituições relacionadas à vida cotidiana da comunidade.

As coleções e fundos são compostos por documentos textuais, iconográficos, cartográficos, audiovisuais e tridimensionais. Desde sua fundação, o acervo é uma referência importante para difusão e pesquisa da memória da comunidade judaica, tendo uma alta demanda de pesquisadores com fins acadêmicos ou pessoais.

Ao longo dos anos, o Arquivo se profissionalizou, desenvolveu um plano de classificação e um quadro de arranjo documental. Em 2016, o AHJB se fundiu ao Museu Judaico de São Paulo (MUJ), tornando-se seu Centro de Memória (CDM-MUJ). Com a fusão das instituições, o acervo do CDM foi repensado a partir do Plano Museológico do MUJ e da elaboração de uma nova Política de Gestão de Acervo, além de ter sido catalogado e inserido em uma base de dados informatizada. Em 2023, o acervo era composto por aproximadamente 630 coleções e fundos (pessoais e institucionais).

Embora o acervo esteja catalogado na base de dados (como dossiê ou item documental, a depender do conjunto), o que possibilita que os consulentes realizem pesquisas com certa autonomia por busca semântica ou pelo quadro de arranjo, ainda assim, há uma lacuna institucional no que diz respeito à disponibilização de instrumentos de pesquisa 1 para os consulentes e interessados em geral.

Sobre a importância dos instrumentos de pesquisa, Mariz destaca:

Os instrumentos de pesquisa assumem uma importância fundamental nos arquivos, eles têm a função de guiar o usuário pelo acervo, de fazer a união entre pesquisador e documento, os instrumentos de pesquisa permitem que o usuário chegue até a informação desejada e, se o arquivo não atende as consultas pela internet, o simples fato de disponibilizar os instrumentos de pesquisa já faculta que o usuário tome conhecimento do acervo e saiba se ali há algo que lhe interesse ou não, evitando uma ida desnecessária à instituição, com deslocamento e perda de tempo etc.” (Mariz, 2012, p. 108).

Quase cinquenta anos após o início da reunião deste acervo no AHJB, ainda não havia ainda um Guia de Acervos que pudesse apresentar um panorama geral das coleções e fundos com um nível de descrição arquivística mais amplo. O papel e a importância de um Guia de Acervos para o CDM-MUJ seria o de tornar-se o primeiro contato entre acervo e pesquisador, trazendo informações básicas sobre cada um dos conjuntos documentais, que de alguma forma possam anteceder a visita e pesquisa presencial no espaço de guarda.

Embora básicas, as informações presentes em um Guia de Acervos devem corresponder aos campos de descrição arquivística de nível 1 propostos pela Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade). São eles: área de identificação; área de contextualização; área de conteúdo e estrutura; área de condições de uso e acesso; e área de notas.2 A maior dificuldade para a construção desse instrumento de pesquisa é o número de coleções e fundos

1 Os instrumentos de pesquisa arquivística existem para facilitar o acesso a documentos de acervo. Eles podem assumir diferentes formas, como inventários, catálogos, guias e índices. Inventários e catálogos são utilizados para listar de forma detalhada os itens do acervo, organizando-os de acordo com critérios específicos. Guias de acervo, por sua vez, apresentam uma visão geral, oferecendo informações resumidas sobre os conjuntos documentais. Já os índices, geralmente mais especializados, facilitam a localização de informações dentro de coleções mais amplas.

2 Há ainda os campos de “área de notas”; “área de controle de descrição”, e “fontes relacionadas”, que não foram considerados primordiais na primeira fase do projeto, principalmente pelo nível hierárquico de descrição deste instrumento de pesquisa.

do acervo, que ultrapassam 600 unidades. Em termos práticos, cada uma das áreas elencadas acima teria de ser preenchida 600 vezes com as informações correspondentes a cada conjunto.

3. Construindo um Guia de Acervos para o MUJ

Para avançar na construção do Guia de Acervos do CDM-MUJ, apesar da quantidade expressiva de fundos e coleções presentes no acervo, a equipe pensou na possibilidade de automatizar esse processo com o uso de inteligência artificial. Para isso, foi imprescindível o apoio de um voluntário da instituição com expertise em linguagens de programação e uso de IAs.

A ideia era, portanto, construir o Guia com os campos predefinidos pela Nobrade da forma mais automatizada possível. Nesse sentido, foi desenvolvido um programa para o CDM-MUJ na linguagem Python, cuja principal funcionalidade era reorganizar os dados inseridos (input data) nos campos descritivos da Nobrade. O universo informacional do input data é o próprio banco de dados com as fichas catalográficas do acervo. Para o refinamento da linguagem dos dados de saída (output data), o programa conta ainda com uma interação com aplicativos de inteligência artificial generativa. Abaixo segue uma descrição mais detalhada da metodologia de construção desse instrumento de pesquisa, além de um fluxograma indicando as etapas do processo (Imagem 1).

IMAGEM 1 : Fluxograma de construção do Guia de Acervos do MUJ / Fonte: autora.

Desejo da instituição para criação do Guia

Pesquisa de referências

Desenho de requisitos para o Guia

Requisitos definidos para o Guia

Desenvolvimento de software

Desejo da instituição para criação do Guia

Produção de verbetes

Complementação e checagem de dados

Guia de acervo finalizado

3.1 Definição do formato do Guia de Acervos do CDM-MUJ

O objetivo principal do Guia seria apresentar informações básicas sobre as coleções e os fundos da instituição, trazendo um panorama geral do acervo que pudesse anteceder pesquisas presenciais. Para mantê-lo alinhado às normas arquivísticas e aos guias produzidos pelas instituições pares, a primeira etapa para a construção do instrumento de pesquisa foi a revisão da bibliográfica de referência da descrição arquivística. Nesse sentido, foram visitadas publicações como ISAD(G) e Nobrade. Além do referencial teórico clássico,3 foram consultados Guias de Acervo de outras instituições, com destaque para o Centro Sérgio Buarque de Holanda, Instituto Butantan e Pinacoteca do Estado de São Paulo.

A partir das leituras e pesquisa de referências, definiu-se o formato esperado para o Guia de Acervos do MUJ. O instrumento de pesquisa seria composto por uma introdução com um breve histórico institucional e informações práticas, como horário de funcionamento e contatos. Em seguida, haveria um informativo sobre a estrutura do Guia, ou seja, explicações sobre cada um dos campos encontrados nos descritivos de acervos. E, por fim, o Guia de Acervos stricto sensu.

Os campos definidos para compor o Guia, levando em consideração as especificidades do acervo do Museu Judaico, foram agrupados em quatro áreas: área de identificação, área de contextualização, área de âmbito e conteúdo e área de condições de acesso. A Tabela 1 esmiúça cada uma das áreas com seus respectivos campos.

TABELA 1 : Campos do Guia de Acervos do MUJ por áreas de descrição / Fonte: autora.

Área de identificação

Área de contextualização

Área de âmbito e conteúdo

Área de condições de acesso

Código de identificação; título da coleção/fundo; nível de descrição; data-limite; dimensão e suporte

Nome do produtor; procedência; história administrativa ou biografia

Âmbito e conteúdo; sistema de arranjo

Restrições de acesso; idiomas; condições de reprodução; estado de conservação

Assim, há um conjunto de informações suficientes para descrever o conteúdo e o contexto de cada coleção/fundo, bem como sua dimensão e as possibilidades de acessá-lo.

3.2 O desenvolvimento do programa para a produção do Guia

Depois de estabelecidos os requisitos do produto (guia), a etapa seguinte seria a de construção do programa para operacionalizar sua produção. Para isso, a equipe optou por utilizar a linguagem de programação Python. O programa inicia com a leitura de um arquivo CSV, que contém as fichas catalográficas do acervo, extraídas do próprio banco de dados utilizado pela instituição. A partir desse arquivo, as informações desejadas (já apresentadas na Tabela 1) são extraídas e reorganizadas.

3 A construção de guias de acervo, como o proposto neste estudo, segue princípios fundamentais da descrição arquivística, com base no referencial teórico clássico. Autoras como Heloísa Bellotto e Ana Maria Camargo, em suas publicações, destacam a importância da normalização na descrição de documentos, visando a uniformidade e o fácil acesso à informação. Belotto (2011) reforça a necessidade de uma abordagem sistemática na organização dos acervos, enquanto Camargo (2007) enfatiza a importância dos instrumentos de pesquisa como ferramentas essenciais para o uso e a consulta eficaz dos arquivos.

É importante mencionar que as informações sobre os conjuntos documentais não estão dispostas no banco de dados da instituição, necessariamente, em perfeita correspondência com as áreas descritivas propostas pela Nobrade. Algumas adaptações foram feitas pelos arquivistas responsáveis por cada catalogação e mesmo no momento de implantação da base de dados. Por exemplo, não há informação que demonstre a dimensão do conjunto como um todo (nos níveis de coleção/ fundo) no banco, mas essa informação existe nas fichas descritivas de unidade documental. Portanto, o programa desenvolvido somatiza a dimensão de cada item para gerar uma nova informação, que é, neste caso, a dimensão total do conjunto. Há outros exemplos de informações totalmente reorganizadas pelo programa a partir de dados que inicialmente estão dispostos de outra forma, mas que, para os fins deste artigo, não serão explorados.

Uma funcionalidade importante do programa é a divisão do conjunto total de acervos em grupos menores. Isso facilita o processamento e a interação com o usuário, que pode escolher entre trabalhar com um grupo específico ou buscar um acervo por nome. A interface (desenvolvida apenas em linha de comando, sem face gráfica), desenvolvida com o auxílio da biblioteca questionary, oferece prompts claros que guiam o usuário durante o processo (Imagem 2). Após a seleção, o programa gera automaticamente arquivos em formato Markdown, contendo as informações organizadas em campos predefinidos que, a partir dali, podem ser exportadas para outros formatos.

IMAGEM 2 : interface do programa desenvolvido pelo MUJ / Fonte: autora.

O modelo de resposta ideal para cada campo foi treinado pela equipe, com o apoio de um aplicativo de inteligência artificial generativa. Assim, o vocabulário dos campos passou a ser controlado. No campo de âmbito e conteúdo, por exemplo, o programa foi treinado para descrever o conteúdo da documentação em grandes áreas com um ou dois exemplos de tipologia documental, com indicação da data se houver, e em uma quantidade máxima de caracteres. No campo data-limite, por sua vez, o programa foi treinado para apontar o intervalo de tempo entre a data mais antiga e mais recente presente na documentação, e assim por diante, de forma que todos os campos tenham suas respectivas respostas em formatos predefinidos (Imagem 3).

3.3 Revisão e finalização do guia de acervos do CDM-MUJ

Com a finalização da etapa de geração dos verbetes do Guia de Acervos, a etapa final para sua produção foi a revisão de cada um deles com a correção de falhas e a adição de dados faltantes. Em seguida, os textos que a princípio estavam em formato Markdown foram migrados e inseridos em um template oficial desenvolvido pela instituição.

4. Desafios e perspectivas na construção do Guia de Acervos

Apesar de ter sido possível construir o Guia de Acervos do MUJ com a metodologia aqui descrita, é interessante compartilhar algumas dificuldades encontradas ao longo do processo. A primeira delas foi a morosidade do processo de geração de verbetes do programa, que precisava ser feita por unidade de coleção/fundo. Soma-se a isso o fato de o programa não ter uma ‘memória’ capaz de armazenar dados das coleções que já tivessem tido seus verbetes gerados. Ou seja, cada novo verbete gerado deveria ser manualmente registrado para evitar repetições ou falhas. Para melhorar essa lacuna, o programa passou por uma atualização onde as 634 coleções do acervo puderam ser divididas em núcleos, reduzindo o número necessário de operações. Não foi possível, no entanto, desenvolver uma espécie de memória ou histórico para o programa.

Problema semelhante havia com a inserção dos dados de saída no template definido para o Guia, já que os verbetes seriam inseridos manualmente a partir do arquivo em Markdown. Assim, o programa passou por uma nova atualização para que os dados de saída fossem gerados em formato CSV, que poderia ser mais facilmente exportado para o template final.

Um problema de outra natureza, que expressa certa limitação do uso da aplicação desenvolvida e da IA para a produção do instrumento de pesquisa, foi a impossibilidade de preencher o campo biografia/história administrativa de forma automatizada. Mesmo com a descrição dos conjuntos documentais nas fichas catalográficas, o programa não foi capaz de gerar textos biográficos de qualidade satisfatória para o Guia. Assim, esse campo se tornou o calcanhar de Aquiles do projeto. Resolver essa lacuna com o desenvolvimento manual de biografias a partir da pesquisa no acervo foi a etapa mais longa de todo o processo, levando cerca de um ano para ser concluída.

Com o instrumento de pesquisa concluído e disponível no site, a perspectiva é tornar o acervo mais acessível ao público geral e aos pesquisadores, que poderão ter uma noção mais ampla do conteúdo do acervo, sua dimensão, as tipologias documentais de cada coleção etc. Há ainda a questão de como e com que frequência atualizá-lo, à medida que novas doações chegam ao museu, formando novos conjuntos documentais ou somando aos já existentes. Esse é um ponto ainda em aberto para a instituição, assim como a atualização do programa gerado e as assinaturas das aplicações de IA.

5. Considerações finais

A implementação da inteligência artificial no processo de descrição arquivística no Museu Judaico de São Paulo foi muito importante para avançar no acesso que o público tem às coleções da instituição. Mesmo após cinquenta anos do início do colecionismo do acervo, ainda não havia um instrumento de pesquisa de nível amplo capaz de mostrar ao público o contexto geral dos conjuntos. Mesmo para a equipe técnica do museu, a ausência desse documento representava uma lacuna no acesso rápido à informação.

O uso de IA generativa permitiu não apenas otimizar a construção de instrumentos de pesquisa, como também oferecer uma nova possibilidade de interação com os acervos. Embora o projeto tenha enfrentado desafios e limitações no preenchimento de campos específicos, ele abre portas para novas formas de engajamento com o público e com pesquisadores. Os impactos da adoção do guia podem ser sentidos pela equipe técnica em relação à facilidade de encontrar conteúdo dentro das coleções de forma preliminar ao uso do banco de dados; no direcionamento mais assertivo feito para o pesquisador; na simplificação das buscas e na otimização das visitas presenciais de consulentes ao arquivo.

A integração da IA no campo arquivístico e museológico é um exemplo de como a tecnologia pode contribuir para preservar, contextualizar e disseminar o patrimônio cultural de maneira mais acessível e inclusiva. Contudo, a continuidade e a atualização do sistema, bem como o desenvolvimento de novas funcionalidades, permanecem questões em aberto para o futuro da instituição. Espera-se que a instituição, diante do potencial demonstrado pelas IA, invista recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento e aprimoramento de novas ferramentas que possam otimizar o trabalho da equipe, por um lado, e, por outro, colaborar na difusão do acervo para diferentes públicos.

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SEMANA DE CAPACITAÇÃO

Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais

Luciana Amaral

imagem & informação: organização de acervos históricos e fotográficos

Susan Sontag foi premonitória, na década de 1970, quando escreveu: “Hoje em dia, tudo que existe, existe para terminar numa fotografia”. Sua constatação advém da análise histórica do volume de imagens registradas no mundo, onde quaisquer assuntos estavam sendo fotografados e divulgados, tornando-se um meio de comunicação direto, em que um grande público consumia imagens fotográficas em diversas mídias, revistas, jornais, cartões postais, livros, exposições etc.

Com o passar dos anos, as pessoas foram percebendo que as fotografias duravam muito tempo. Isso possibilitou seu acúmulo e sua utilização pelo homem para conhecer imagens de lugares nunca visitados e detalhes nunca vistos antes. “A necessidade de comprovar a realidade e ampliar a experiência através da fotografia representa um consumismo estético pelo qual todos nós hoje em dia estamos obcecados” (Sontag, 1983, p. 23).

Historicamente podemos afirmar que a popularização da produção de fotografias se deu graças ao trabalho da empresa Kodak, com a fabricação e a comercialização de câmeras e filmes a preços mais acessíveis. Seu fundador, George Eastman, entendeu que as fotografias eram um produto atraente e que facilitar o acesso a elas seria um grande negócio. Tanto que a frase do slogan da sua primeira câmera Brownie, lançada em 1900, é conhecida até os dias de hoje: “Você aperta um botão, nós fazemos o resto”, mostrando que, a partir da compra da câmera Kodak, pessoas comuns poderiam fotografar, não mais dependendo da contratação onerosa de um fotógrafo. Devemos ressaltar a segunda parte da frase, “fazemos o resto”, dando a entender que quem finalizava a produção da imagem era a Kodak, ou seja, era uma maneira de capitalizar a produção da imagem cuja revelação dependia da compra dos serviços de laboratórios fotográficos. Dessa maneira, a Kodak popularizou o registro fotográfico, mas ficou com a parte da revelação, e o consumidor necessitava pagar por esse serviço.

Com o advento da câmera digital muda-se o paradigma de registro e revelação de fotografias, já que o proprietário da câmera, a partir de um computador e software adequado, não precisaria mais de laboratórios para ver suas fotografias, até então, impressas em papel. O passo seguinte foi o desenvolvimento de celulares que capturassem imagens, o que possibilitou a difusão destas de uma forma até então inimaginável, em que praticamente

no mesmo momento do registro fosse possível visualizar e enviar a fotografia para diversos lugares e pessoas, que poderiam ver instantaneamente a imagem registrada. Isso possibilitou a produção e o acúmulo de imagens de uma maneira inédita na história da fotografia. Então temos que repensar a questão do registro fotográfico e de sua difusão. No século XX a imagem era vista como a evidência de um fato registrado imageticamente. Com o advento do celular, a fotografia é também utilizada como forma de comunicação, ampliando seu escopo de produção e difusão.

Jean-Claude Gardin (2001) alerta sobre a grande quantidade de informação acumulada e ainda afirma que, mesmo que todo esse estoque seja organizado e fique disponível, tamanho é seu volume que se tornou inviável sua leitura, denominando esse momento de “crise das publicações científicas”. Podemos afirmar que essa crise se estende não apenas à documentação textual, mas também ao acesso às imagens. Como já publicado pela Future Source Consulting, em 2017 já existia uma quantidade de 4 bilhões de pessoas ao redor do mundo tirando fotos constantemente, somando-se a cerca de 1,2 trilhão de fotos por ano. Segundo a Photography Statistics & Trends, em 2024 estimou-se que aproximadamente 1,94 trilhão de fotos seriam tiradas em todo o mundo. Isso equivale a cerca de 5,3 bilhões de fotos por dia, ou aproximadamente 61.400 fotos por segundo. A entrada do celular como equipamento de registro de imagens impulsionou vertiginosamente o volume de imagens registradas. Isso fica claro quando verificamos a quantidade de imagens postadas em redes sociais, também em 2024. No Instagram foram postadas cerca de 95 milhões de imagens por dia (fonte: Instagram Press), no Flicker foram postadas cerca de 3,5 milhões de fotos, mesmo sendo uma rede atualmente pouco utilizada. Outro dado de uma plataforma não tão popular, a Fotto, uma nova plataforma de venda de fotos que em 8 meses recebeu cerca de 30 milhões de fotografias, portanto, uma média de 100 mil fotos postadas por dia. Podemos afirmar que esse volume de imagens postadas se dá graças ao advento dos smartphones, pois, de acordo com a KeyPoint Intelligence, cerca de 85% de todas as fotos postadas vêm desses aparelhos.1

Devemos ressaltar que os volumes de imagens acima citados se referem a tudo que está sendo fotografado e disponibilizado. Quando o assunto a ser discutido é acervo de fotografias nato-digitais que fazem parte de um arquivo institucional, sua produção e salvaguarda limita-se a fotografias que reflitam a história da instituição, portanto, o volume de produção, em comparação às criadas como forma de comunicação nas redes sociais, é em menor escala, mas, mesmo assim, é grande em comparação com acervos fotográficos analógicos, limitados por rolos de filmes fotográficos e custos de revelação em laboratórios.

A salvaguarda de acervos fotográficos em instituições de memória tem como proposta final a difusão das fotografias como fonte de pesquisa e elaboração de exposições, livros etc. Então, vem a pergunta, como preservar e difundir essas imagens nato-digitais?

Nesse momento de imensa produção imagética, será necessário ter clareza de que nossa missão não pode ser determinada pela avalanche de conteúdo, mas guiada a preservar pedaços dessa produção, filetes pequenos, aqui e ali, escolhidos, colecionados e preservados intencionalmente. Esse filete arquivístico muitas vezes será o que nós poderemos, de forma sustentável, preservar e difundir em longo prazo (Schisler, 2023).

1 Disponível em: https://meiobit. com/arquivo/333245/4-bilhoesde-pessoas-ao-redor-do-mundofazem-fotos-regularmente/ Acesso em: 20 abr. 2025.

Então vem uma segunda questão: o que guardar? A guarda de todo acervo digital garante seu acesso para pesquisa e difusão? Adentramos na questão acima citada: o volume de acervo disponibilizado é passível de análise do conteúdo? Se um pesquisador precisar ver 1.000 imagens de um evento, isto transforma-se em 17 minutos de visualização de imagem no monitor, caso ele demore 1 segundo para observar cada imagem. Se levarmos em consideração que o cérebro consegue analisar 15 imagens de uma só vez, ele levará 2 minutos para ver todas as 1.000 imagens, mas ainda ficamos com a questão. Ele precisará realmente ver todas essas 1.000 imagens sobre o mesmo assunto ou evento?

Outro fator a ser levado em consideração em arquivos fotográficos é que a fotografia pesquisada em arquivos tem um papel distinto de uma fotografia exposta numa galeria de arte. A imagem por si só é muda, e o pesquisador tem que ter condições de entender seu conteúdo, diferente de um espectador que tem como proposta visual (às vezes) simples deleite estético. Portanto, se faz necessário um trabalho da equipe interna de identificação do conteúdo dessas imagens para que o pesquisador saiba do que se trata a fotografia. Por exemplo, uma imagem pode ser identificada como “fotografia de uma casa”, mas melhor que isso é saber qual o estilo arquitetônico, quem morou ali ou, pelo menos, o endereço. Há equipe capaz de catalogar de maneira mais completa todo esse volume de imagens digitais?

Outro fator é a questão de espaço de armazenamento. A guarda de acervos fotográficos analógicos é completamente diferente da guarda de acervos digitais. No analógico calculamos metros lineares, quantas pastas, caixas etc. Citamos a obra “24 hrs in photos”, de Erik Kessels, que demonstrou fisicamente o número de fotografias registradas num dia e postadas no Flicker, onde cerca de 6 milhões de fotografias empilhadas lotaram uma sala do museu Foam, na Holanda, em 2011. A proposta do artista foi exatamente mostrar que o volume de acervo fotográfico nato-digital produzido diariamente é inviável de ser guardado num espaço físico. Ou seja, conseguimos guardar em servidores muito mais imagens do que numa sala com arquivos. Por outro lado, a guarda de quaisquer acervos digitais prescinde de hardware e software. Nos ateremos à questão do hardware, onde será necessário verificar constantemente quanto de espaço em servidores será preciso para guardar esse material que tem um crescimento exponencial. Outro fator são as redes de acesso, em que imagens “pesadas” demoram para serem carregadas, levantando mais um ponto, deve-se guardar em alta resolução para guarda permanente e baixa resolução para acesso? Obviamente, isso gera custos para compra de espaço para guarda, além de backups de segurança.

Outro fator a ser levado em consideração são as questões dos direitos autorais e direitos de imagem, que comumente são confundidos. O direito autoral refere-se ao direito de o fotógrafo receber pagamento pela criação da fotografia, e o direito de imagem protege a pessoa fotografada quanto à divulgação de sua imagem. Esses dois pontos deverão estar mapeados no momento de se decidir o que pode ser disponibilizado. O que não tem direitos autorais deve ser guardado? Para que e até quando?

Reunindo essas questões já temos alguns pontos de reflexão sobre o que guardar e disponibilizar num acervo de imagens digitais.

Com relação ao volume de fotografias, quando há a possibilidade de tratar diretamente com o produtor das imagens nato-digitais (fotógrafo), temos a facilidade deste poder fazer a curadoria e estabelecer, com critérios técnicos, o que deve ser guardado e tratado tecnicamente pela equipe de difusão do acervo. Se não existe essa possibilidade, quando os acervos são adquiridos sem a curadoria do fotógrafo, se faz necessária a elaboração de critérios de seleção. Adentramos então em tema polêmico: a seleção do que deve ser salvo, guardado, descrito e disponibilizado. A discussão sobre a história dos vencidos, suscitada por Walter Benjamin, aponta a questão da construção histórica feita a partir dos documentos que foram salvos ativamente, por se tratarem de documentos identificados como valiosos, e outros que foram “esquecidos” ou sobreviveram de alguma maneira ao acaso e não fazem parte da história oficial. Isso gera um desconforto quando se torna necessária a escolha do que deve ser guardado, ou seja, o papel do documentalista na decisão do que deve ser salvo ou descartado para as futuras gerações. Um ponto importante a ser considerado para a seleção é o perfil do usuário, tipos de pesquisas frequentes, o acervo disponível e ainda em tratamento. Portanto, o estudo do perfil do usuário e dos tipos de pesquisas realizadas, não só traz informações estatísticas, como também pode auxiliar a estabelecer prioridades na organização do acervo fotográfico nato-digital, mostrando qual é o assunto mais pesquisado. Um contraponto importante é estar atento a material inédito que deve ser disponibilizado para abrir outra demanda de pesquisa, ou seja, é um diálogo importante que deve ser frequente entre pesquisador e equipe técnica. A questão dos direitos autorais é outro fator a ser considerado, apontando as prioridades quanto ao tratamento do acervo que, a princípio, nos dá duas saídas: procurar obter esses direitos de uso da imagem ou priorizar o tratamento de acervos que já tenham esses direitos garantidos. Cientes do que será tratado e guardado e, provavelmente, fará parte da memória visual da humanidade, vemos a importância do estabelecimento de critérios de seleção e guarda pautados em diversos pontos que devem ser discutidos exaustivamente pela equipe interna. Infelizmente, como afirmado anteriormente, a história sempre foi e será construída pelas informações guardadas e acessíveis, ou seja, o processo de seleção estará presente nas ações de tratamento de acervo e, caso não sejam pensadas a longo prazo, podem levar a um colapso por questões diversas, como, por exemplo, falta de espaço no servidor, demandando descarte sem critério, obsolescência dos equipamentos etc., e tudo poderá ser perdido. O melhor caminho é pensar conjuntamente em critérios de salvaguarda, documentar as decisões tomadas, garantindo a permanência dos critérios estabelecidos para a manutenção do acervo fotográfico.

AMARAL, Luciana. A importância do tratamento intelectual das fotografias visando à recuperação da imagem. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2009.

AQUINO, L. Picture ahead: a Kodak e a construção do turistafotógrafo. São Paulo: Edição do Autor, 2016.

GARDIN, Jean-Claude. Vers un remodelage des publications savantes: ses rapports avec les sciences de l’information. Troisieme colloque d’ISKO-France: conférence invitée. In: CHAUDIRON, S.; FLUHR, C. Filtrage et résumé automatique de l’information sur les reseaux. Paris: Université de Paris X, 2001. p.3-11.

GONÇALVES, Cássia Denise. Análise do documento fotográfico e sua representação documentária. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2000.

PRETTO, Marcelo. Direito autoral para fotógrafos. Fortaleza: Iphoto Editora, 2013.

SCHISLER, Millard. “Preservação de fotografias nato-digitais”. Cadernos Técnicos de Conservação Fotográfica, v.9, 2023.

SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1983.

Gestão de ativos digitais em instituições culturais

workshop prático – estratégias e lições aprendidas

Adriana Villela e Paulo Mafra

museu de arte de são paulo (masp)

Sobre o Workshop

Este workshop tem como objetivo compartilhar estratégias práticas e lições aprendidas na estruturação de sistemas de gestão de ativos digitais em instituições culturais. A proposta é apresentar uma abordagem real e aplicável, baseada em um estudo de caso abrangente, que envolveu desde o diagnóstico documental até a implementação de políticas e tecnologias voltadas para a preservação e o acesso qualificado a acervos digitais.

Duração: 2 horas

Público-alvo: profissionais de museus, arquivos, bibliotecas, centros de documentação e demais instituições culturais.

Objetivo: apresentar caminhos acessíveis para que instituições culturais desenvolvam e fortaleçam suas práticas de gestão de ativos digitais.

Ministrantes: Adriana Villela e Paulo Cesar Mafra

Bloco 1 – Introdução e finalidade

Discussão sobre a importância crescente da gestão de ativos digitais adiante da transformação digital no setor cultural.

A digitalização e a organização do acervo são estratégias essenciais para garantir preservação, segurança e democratização do acesso.

Finalidade: estabelecer estruturas técnicas e organizacionais que assegurem a guarda permanente dos documentos digitais e seu uso qualificado no presente e no futuro.

Desafios comuns em instituições culturais

Produção documental fragmentada, dispersa e sem padronização.

Acervos armazenados em suportes frágeis, obsoletos ou sem cópias de segurança.

Falta de políticas institucionais claras para preservação digital.

Dificuldades técnicas na escolha de softwares e integração de sistemas.

Resistência institucional à mudança de práticas e à adoção de novas rotinas.

Bloco 2 – Estratégias e ferramentas adotadas

Diagnóstico da produção documental e elaboração de plano de classificação.

Padronização de vocabulários e metadados para garantir consistência na catalogação.

Digitalização de materiais frágeis e obsoletos.

Aproveitamento de iniciativas anteriores de organização/catalogação dos acervos.

Uso de softwares abertos.

Criação de políticas institucionais claras sobre preservação digital e uso dos acervos.

Bloco 3 – Resultados e impactos

Implantação de infraestrutura tecnológica adequada.

Documentos organizados desde a origem.

Acesso estruturado ao acervo digital.

Equipes capacitadas e engajadas.

Consolidação de uma nova cultura voltada para a gestão eficiente da memória institucional.

Recomendações e aplicações práticas

Iniciar com diagnóstico e organização básica da produção documental.

Utilizar ferramentas acessíveis e que permitam evolução gradual.

Envolver as equipes desde a fase inicial do projeto.

Elaborar políticas simples e funcionais, com possibilidade de revisão contínua.

Adaptar boas práticas às especificidades de cada instituição.

Bloco 4 – Gestão de ativos digitais no Masp

Estratégias de gestão documental

Diagnóstico e plano de classificação documental.

Revisão e atualização do vocabulário controlado de artes.

Inventário dos ativos digitais visuais e documentais do acervo museológico e do arquivo do Centro de Pesquisa e normalização de metadados desses ativos.

Definição das fichas catalográficas.

Digitalização de itens em suportes frágeis, degradados e obsoletos.

Preservação digital – fundamentos, infraestrutura e práticas

Aquisição de equipamentos para preservação digital.

Diagnóstico da maturidade digital da instituição.

Desenvolvimento da Política de Preservação Digital.

Implementação dos sistemas: Fluig, Archivematica e ResourceSpace.

Pesquisa, acesso e difusão do acervo digital

Instalação e customização do Software CollectiveAccess.

Adequação de planilhas, listas e tabelas para migração.

Encerramento e troca de experiências

Este workshop é um convite à ação. As práticas apresentadas são replicáveis e podem ser adaptadas de acordo com a realidade de cada instituição. A partir dessa experiência, esperamos contribuir com a evolução da gestão de ativos digitais no setor cultural brasileiro.

Ao final, propõe-se um espaço de diálogo aberto, troca de dúvidas, sugestões e compartilhamento de vivências entre os participantes, fortalecendo a rede de colaboração entre instituições culturais.

Princípios básicos de conservação preventiva: protocolos e soluções

Resumo

O objetivo desta comunicação é apresentar os princípios básicos da Conservação Preventiva, de modo a colaborar com profissionais de arquivos, bibliotecas, museus e demais instituições com acervos que estejam em busca de atualizar seu conhecimento e, sobretudo para aquelas(es) interessadas(os) em ingressar na área.1

Sendo assim, preparamos um panorama que contempla as principais medidas em Conservação Preventiva, incluindo protocolos e recomendações que visam qualificar os procedimentos e oferecer segurança aos acervos e aos profissionais que neles atuam.

Para iniciar, vale retomarmos conceitos que parecem sinônimos, entretanto, possuem concepções distintas. Estamos falando de preservação, conservação e restauração.

Conceitos de preservação

Conjunto de medidas e estratégias de ordem administrativa, política e operacional que contribui direta ou indiretamente para a integridade dos materiais/objetos (Ibram, 2019, p. 10).

Significa proteger uma coisa ou um conjunto de coisas de diferentes perigos, tais como a destruição, a degradação, a dissociação ou mesmo o roubo; essa proteção é assegurada especialmente pela reunião, o inventário, o acondicionamento, a segurança e a reparação (Desvallées, Mairesse, 2013, p. 79)

É a soma das medidas necessárias para garantir a acessibilidade permanente –para sempre – do patrimônio documental (Edmondson, 2002, p. 15).

As medidas de preservação incluem:

— aquisição

— inventário

— catalogação

— conservação — restauração — digitalização

1 A comunicação apresentará referências técnicas (bibliográficas e ilustrativas), a fim de proporcionar melhor compreensão dos públicos.

Conceitos de conservação

Garantir o estado de um objeto contra toda forma de alteração, a fim de mantê-lo o mais intacto possível para as gerações futuras (Desvallées; Mairesse, 2013, p.79-80).

Definida como aquelas ações que, envolvendo o mínimo de intervenção técnica, são requeridas para prevenir uma deterioração ulterior do documento original (Edmondson, 2002, p.15).

Técnicas de intervenção aplicadas aos aspectos físicos de objetos de museus, arquivos e bibliotecas com o intuito de se obter estabilidade química e física, de maneira a prolongar sua vida útil e assegurar sua disponibilidade contínua (Resource..., 2004, p.37)

As ações de conservação incluem:

— registro

— diagnóstico de conservação

— higienização

— manuseio

— acondicionamento

— armazenamento

— transporte

— segurança

— monitoramento ambiental (iluminação natural e artificial, temperatura e umidade relativa, poluentes atmosféricos e agentes biológicos)

— gestão de riscos

— plano de emergência

Dentre ações pontuadas acima, nos atentaremos especialmente à higienização, ao manuseio, ao acondicionamento, ao armazenamento, à segurança e ao monitoramento ambiental, aquelas consideradas como básicas para quaisquer instituições com acervos.2

Conceito de restauração

Caracteriza-se, basicamente, por uma ação de intervenção individual e tem como objetivo devolver os acervos danificados ao seu uso e acesso, através do tratamento adequado, por um profissional com formação técnica especializada, com a mínima alteração possível do seu estado original (Silva, 2012, p. 80).

A partir dessas breves conceituações, observaremos a natureza dos materiais que compõem os acervos e suas vulnerabilidades em relação aos agentes de degradação.

Os materiais podem ser de natureza orgânica ou inorgânica.

Orgânicos:

— papel

— pergaminho

— couro

— têxteis

— fibras vegetais e animais

— madeira

— tela

2 Vale enfatizar que diagnóstico de conservação, gestão de riscos e plano de emergência são igualmente fundamentais para a área da conservação preventiva. Contudo, por representarem ferramentas de gestão, merecem uma abordagem mais complexa e aprofundada. Em algumas literaturas, podemos encontrálas como medidas associadas ao conceito de preservação.

pedra

metais

vidro

cerâmica

porcelana

plástico

Sobre os agentes responsáveis pela degradação dos materiais, eles podem ser de origem natural – quando sua própria matéria-prima e suas formas de produção ou fabricação favorecem a degradação – e por fatores externos, sendo eles:

— temperatura e umidade relativa do ar, iluminação natural ou artificial;

— poluentes atmosféricos e o contato com outros materiais quimicamente instáveis;

— cupins, brocas, traças, baratas, aranhas, formigas, morcegos, saruês;

— manuseio, armazenamento e exposição incorretos, intervenção inadequada;

— vandalismo, furto, roubo;

— catástrofes: inundações, terremotos, furacões, incêndios, guerras.

Nesse sentido, a conservação preventiva atua com vistas a minimizar tais riscos de degradação, a fim de garantir que os acervos permaneçam em bom estado de conservação para o acesso por diversos públicos. Para isso, é necessário que a equipe disponha de uma série de equipamentos e materiais adequados a tal finalidade.

Citamos, portanto, alguns equipamentos fundamentais para as práticas de conservação preventiva. Destacamos os dataloggers, desumidificadores e circuladores de ar como aqueles entre os itens básicos de conservação. Há outros equipamentos importantes, como os luxímetros, medidores de umidade de materiais e os sistemas de ar condicionado. Entretanto, a adoção dessa diversidade de equipamentos depende da necessidade e da disponibilidade de recursos financeiros de cada instituição que salvaguarda acervos.

O mesmo podemos dizer sobre os materiais utilizados nas ações de conservação preventiva, disponíveis a partir de custos menores, como o TNT (tecido não tecido), o glassine e as placas de polipropileno corrugado (poliondas), até aqueles que necessitam maior investimento, como o Tyvek e os papéis de PH neutro.

Após garantirmos a estruturação em termos de materiais e equipamentos básicos, vale tratarmos de um dos principais processos que compõem a conservação preventiva. a higienização configura como medida fundamental para a mitigação dos fatores de risco responsáveis pela degradação dos acervos. sendo assim, elencamos, igualmente, aqueles materiais utilizados nesse processo. Entre os itens básicos estão:

— swab — trincha — bisturi

espátula

flanela

pincel de sopro

Para aquelas instituições com maior disponibilidade orçamentária, há opções mais aperfeiçoadas, como os aspiradores de pó, as mesas de higienização e as lupas. Tais equipamentos garantem segurança e bem-estar ao profissional e maior eficácia nos resultados da ação.

A mesma atenção deverá ser dedicada às ações voltadas para a limpeza dos espaços e dos mobiliários de guarda de acervos, tendo em vista que eles representam camadas de bloqueio aos fatores de degradação. Isso quer dizer que os acervos estarão em risco caso não ocorram manutenções e monitoramentos periódicos.

Também abordaremos formas adequadas para o manuseio e o acondicionamento de acervos, já que essas são as maiores causas de degradação dos itens, juntamente com os fatores ambientais e biológicos mencionados aqui (temperatura e umidade relativa do ar, iluminação natural ou artificial, poluentes atmosféricos, insetos, animais, entre outros).

Por fim, consideramos como ponto urgente a conscientização sobre a utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) por todas as pessoas que atuam diretamente com acervos. O uso de luvas, máscaras, óculos de proteção e jalecos está entre os protocolos fundamentais para as práticas de Conservação Preventiva de forma responsável.

Referências

COSTA, Evanise P. Princípios básicos da museologia. Curitiba: Coordenação do Sistema Estadual de Museus, Secretaria de Estado da Cultura, 2006. Disponível em: https://www. cultura.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/ documento/2019-09/p_museologia.pdf

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de Museologia, trad.: Bruno Brulon Soares, Marília Xavier Cury. Icom: São Paulo, 2013. Disponível em: https://www. icom.org.br/wp-content/uploads/2014/03/PDF_ConceitosChave-de-Museologia.pdf

EDMONDSON, Ray. Memória do mundo: diretrizes para salvaguarda do patrimônio documental. Paris: Unesco, 2002. Disponível em: https://mow.arquivonacional.gov.br/images/ pdf/Diretrizes_para_a_salvaguarda_do_patrim%C3%B4nio_ documental.pdf

IBRAM. Instituto Brasileiro de Museus. Conservação Preventiva para Acervos Museológicos (curso). [Escola Virtual Gov], 2019. 40h.

RESOURCE: THE COUNCIL FOR MUSEUMS, ARCHIVES AND LIBRARIES. Parâmetros para a conservação de acervos. Roteiros práticos, v. 5, trad.: Maurício O. Santos e Patrícia Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fundação Vitae, 2004. Disponível em: https://www.sisemsp. org.br/wp-content/uploads/2023/03/19-roteiros-praticos-5_ parametros-para-conservacao-de-acervos.pdf

SILVA, Maria Celina Soares de Melo e (Org.). Segurança de acervos culturais. Rio de Janeiro: Mast, 2012. Disponível em: file:///C:/Users/sony/OneDrive/Documentos/Andira%20 Museologia/Clientes/Funda%C3%A7%C3%A3o%20Bienal/ Palestra/seguranca_de_acervos_culturais.pdf

TEIXEIRA, Lia Canola; GHIZONI. Vanilde Rohling. Conservação preventiva de acervos. Florianópolis: FCC, 2012. Disponível em: http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural/ arquivosSGC/DOWN_151904Conservacao_Preventiva_1.pdf

planejamento do workshop

Embalagens de conservação

Milton Vedoato Filho

documento e arte ateliê de conservação e restauro

A oficina irá abordar de forma prática – com explanações acompanhadas de distribuição de amostras de materiais, apresentação de exemplos de acondicionamentos e exercícios – o básico necessário para a produção e desenvolvimento de materiais voltados para guarda de acervos variados.

1 a etapa (qual o problema a ser resolvido)

Durante um bate-papo, será abordado o objetivo de se acondicionar os documentos, como proteção contra agentes de degradação, criação de microclima e substituição ou complementação de características já perdidas pelos materiais (estruturação de obras frágeis).

2 a etapa (uma forma de abordar a questão da Etapa 1)

Apresentação da teoria das camadas, utilizada para gerar níveis de proteção aos acervos, com objetivos específicos e relativizados de acordo com o tipo de suporte, estrutura existente em cada instituição e necessidade real de cada local de guarda. Aqui será mostrado um exemplo de conjunto de acondicionamento com três camadas de proteção, e o objetivo de cada uma delas será relatado.

3 a etapa (materiais mais adequados e possíveis para esse trabalho)

Apresentação de alguns materiais utilizados para confecção de acondicionamentos (distribuição de amostras). Será solicitado que todos manuseiem as amostras e, a partir daí, será discutida a função de cada uma (retomando a Etapa 1 problema a ser resolvido), apresentando o significado de material de qualidade arquivística, materiais livres de ácidos, sentido de fibras, gramatura e espessura.

4 a etapa (equipamentos a serem conhecidos e utilizados)

Apresentação de alguns equipamentos para produção de acondicionamentos e suas funções (régua de ferro, boleador, estilete, bisturi, esquadro, dobradeira de osso, espátula de teflon, lápis, borrachas entre outros). Breve demonstração da forma correta de manuseá-los e as principais preocupações com acidentes que envolvem sua utilização.

5 a etapa (produção propriamente dita)

Exercício de produção de alguns itens básicos de acondicionamento:

1o – Folder simples a partir de uma folha A4 comum (primeiro contato com os materiais e equipamentos);

2o – Folder simples com lombada a partir de uma folha A4 comum (iniciando o entendimento da necessidade de compensação de material para cada vinco ou dobra no acondicionamento);

3o – Envelope 4 abas a partir de um molde pré-impresso (apresentação de sobreposição de materiais e possíveis implicações, ângulos a serem considerados no momento de desenvolvimento de acondicionamentos);

4o – (caso tenhamos tempo) Folder com abas (simples), feito a mão livre.

Transformação digital

Introdução

As iniciativas de transformação digital vêm promovendo mudanças significativas na forma como instituições de memória lidam com seus acervos e arquivos. A aplicação de tecnologias emergentes no setor cultural permite imaginar e realizar novas maneiras de preservar, descrever, pesquisar e compartilhar bens culturais, ampliando o alcance e facilitando o acesso a informações.

Esta atividade em formato de palestra propõe a apresentação de um panorama introdutório sobre projetos, pesquisas, metodologias e ferramentas que vêm remodelando práticas no setor.

A partir da compreensão de que o termo “transformação digital” pode englobar iniciativas que impactam as mais diferentes áreas e escopos (desde práticas cotidianas repetitivas até decisões estratégicas de uma organização), propõe-se uma abordagem sobre o tema que o examina a partir de sua divisão em dez subtemas. Esses subtemas não atuam isoladamente, mas se entrelaçam e colaboram para oferecer diferentes perspectivas sobre a transformação digital baseada nos avanços e pesquisas em torno dos sistemas de informação. É importante notar que não se pretende esgotar o assunto com essa proposta, mas sim fornecer uma visão abrangente que capacite participantes a compreenderem e analisarem criticamente as implicações da transformação digital em diversos âmbitos.

Para além do desfile de conceitos ou “cases de sucesso” que desconsideram espaço, tempo, contexto e condições materiais para sua existência, a atividade também propõe abordar eventuais desafios, problemas, dilemas éticos, relações de poder etc. que possam permear os subtemas e as iniciativas de transformação digital. Analisado de maneira atomizada, o próprio ecossistema de produção e uso de tecnologia na atualidade é atravessado por contradições, e debater sobre transformação digital de acervos também passa por abrir espaço para essas reflexões.

A seguir, uma apresentação dos dez subtemas.

Digitalização

Todos os subtemas apresentados partem de um ponto comum: a digitalização de acervos. A prática de criar cópias fiéis de objetos originais não é nova: museus e arquivos já reproduziam seus exemplares muito antes do uso de computadores por meio de fotografias, mas as possibilidades em torno desses representantes – hoje digitais – foram radicalmente ampliadas desde então. Entre os benefícios mais relevantes dessa prática estão a redução no manuseio de peças originais, o que deteriora materiais mesmo quando feito da maneira mais cuidadosa possível; e a possibilidade de consulta remota às coleções, sem que pesquisadores precisem se deslocar até o local de guarda.

Crowdsourcing

Um dos principais desafios que instituições de patrimônio cultural enfrentam é o extenso trabalho de processamento de dados das suas coleções, diante do volume de objetos que se encontram sob sua guarda. Classificar documentos por tipologia, indexar com palavras-chave, atribuir títulos e descrições, levantar ou estimar datas de criação e publicação, transcrever conteúdos, entre outras etapas, são tarefas repetitivas, trabalhosas e que exigem uma pluralidade de especialidades que não são só técnicas, mas que se relacionam também com o contexto de criação e circulação dos documentos e objetos.

A prática de crowdsourcing (levantamento coletivo, em tradução livre) consiste na contribuição, geralmente voluntária, de pessoas externas às equipes de catalogação nesse processo. Por meio de interfaces online, instituições podem alcançar avanços equivalentes a anos de trabalho em algumas semanas, não só otimizando o processo, mas aumentando a qualidade dos dados obtidos e solucionando casos complexos. Isso porque, ao abrir essa possibilidade de colaboração, cidadãos que detêm conhecimentos específicos sobre um povo, um local, um campo do conhecimento ou outro assunto específico contribuem com informações que custariam anos de pesquisa para uma equipe interna obter. Essas iniciativas também contribuem para o engajamento da população com o patrimônio cultural, passando a conhecer e interagir com essas coleções.

IIIF

No contexto de uma pesquisa, dificilmente a coleção de uma única instituição concentra todo o material relevante para iniciar e encerrar um estudo: o cruzamento de diferentes fontes é fundamental. Por outro lado, nem sempre essa tarefa é simples: instituições culturais costumam enfrentar desafios técnicos semelhantes para conseguir disponibilizar e manter suas coleções online, muitas vezes recorrendo a infraestruturas proprietárias como solução, o que cria silos de informação isolados entre si.

Buscando resolver ambos os desafios, um consórcio formado por universidades, bibliotecas, arquivos e museus criou o IIIF (International Image Interoperability Framework), ou Estrutura Internacional de Interoperabilidade de Imagens. Esse conjunto de especificações busca padronizar a forma como objetos culturais são publicados na internet, facilitando seu reuso em diferentes contextos, criando um ecossistema de

aplicações compatíveis que atendem a usos comuns de pesquisa (comparação, transcrição, atribuição, visualização avançada de imagens, entre outros) e fomentando o compartilhamento de soluções técnicas sustentáveis.

De um lado, instituições garantem que seus materiais circulem em alta resolução, com metadados confiáveis e informação de proveniência. Do outro, pesquisadores podem reunir, comparar e anotar informações vindas de diferentes fontes, assim como publicar seus trabalhos de maneira interativa e imersiva.

IA Generativa

Nos últimos anos a IA Generativa se tornou um dos temas centrais no campo da tecnologia e vem impactando a maneira de se trabalhar em diferentes setores. Na área de acervos, essas ferramentas podem colaborar em tarefas que muitas vezes demandariam semanas, meses ou até anos de trabalho humano, como: análise de grandes volumes de dados textuais; classificação de documentos a partir de fluxos automatizados (títulos, descrições, palavraschave etc.); geração de áudios a partir de instruções ou conteúdos textuais; entre outras possibilidades.

É importante notar que, embora essas tecnologias possam oferecer benefícios substanciais a uma organização, elas também apresentam desafios éticos e práticos que precisam ser cuidadosamente considerados, como questões de privacidade, viés algorítmico e a necessidade de supervisão humana para garantir a precisão e a integridade das informações geradas.

Visão computacional

Visão computacional é um campo da Inteligência Artificial voltado para a extração de informações de imagens digitais – como fotos, vídeos, documentos digitalizados e outras entradas visuais. No campo do patrimônio cultural, existem diversas aplicações dessa tecnologia que otimizam processos, assim como viabilizam pesquisas e análises complexas.

Transcrição. Em arquivos e coleções textuais, é possível transcrever documentos automaticamente, sejam manuscritos ou datilografados. As tecnologias de OCR (Optical Character Recognition) e HTR (Handwritten Text Recognition) permitem transcrever grandes volumes de texto provenientes de documentos digitalizados, tornando esses conteúdos “buscáveis” a partir de outras ferramentas.

Detecção de objetos. Essa técnica permite identificar objetos presentes em imagens, atribuindo palavras-chave e descritores de forma eficiente.

Reconhecimento facial. Em coleções fotográficas, é possível identificar quais exemplares retratam uma determinada personalidade, facilitando a recuperação desses objetos em pesquisas relacionadas.

Busca por similaridade. A busca por similaridade usa técnicas de visão computacional para recuperar imagens a partir de outras imagens, o que permite encontrar versões semelhantes de objetos de interesse, seja para organização do acervo, seja para pesquisa sobre a obra de autores.

Descrição automática. Para tornar suas coleções digitais mais acessíveis, instituições têm usado Inteligência Artificial para descrever automaticamente o conteúdo de imagens. Esses textos são usados por leitores de tela e outras ferramentas de acessibilidade que permitem a interação com esses materiais por pessoas com deficiência visual.

Metadados

O uso dos sistemas de informação na gestão de coleções tem introduzido novos paradigmas na forma como as informações de cada objeto – seus metadados – são estruturadas e armazenadas. Um exemplo disso é o uso crescente de grafos de conhecimento e linked open data (LOD) na organização e recuperação de objetos. Em comparação com padrões de metadados anteriores, como o Dublin Core, essa forma de estruturar dados relaciona entidades (como pessoas e objetos) através de identificadores, o que abre uma série de possibilidades. Ao publicar suas coleções de forma aberta e conectada, as instituições criam um conjunto de dados global que permite novas inferências e descobertas, um dos objetivos da chamada ‘web semântica’.

Outra aproximação entre metadados e tecnologias de informação são os vocabulários e tesauros, como os publicados pelo Getty Research Institute. São conjuntos de nomes de pessoas, locais, técnicas, materiais e outros conceitos úteis para a organização do conhecimento e na catalogação de objetos. Ao adotar uma fonte de informação centralizada e confiável, diferentes instituições garantem o uso dos mesmos termos para se referir a conceitos equivalentes, tornando a indexação mais robusta, facilitando a recuperação de informações e conectando diferentes coleções entre si.

Interfaces

Navegar por grandes conjuntos de imagens e dados não é tarefa fácil, seja no mundo físico ou no virtual. Algumas iniciativas têm explorado novas formas de visualizar, filtrar e ordenar representantes digitais em ambientes web, buscando tornar essa experiência mais eficiente, agradável e até lúdica. De ambientes tridimensionais fotorrealistas a jogos, esses projetos dão noção da escala das coleções, facilitam o entendimento das informações e estimulam a descoberta de relações complexas entre os objetos e agentes envolvidos na sua criação.

Gestão de coleções

Para realizar a gestão de seus acervos, é comum que instituições de patrimônio utilizem softwares específicos, que podem atender desde necessidades básicas (como catalogação), até a gestão da coleção física (como armazenamento e conservação). Esses sistemas também operam como fonte de dados para os sites das instituições, onde pesquisadores e público geral podem navegar e pesquisar entre coleções. Existe atualmente uma série de produtos disponíveis, tanto proprietários quanto de código aberto, voltados para organizações ou até para pesquisadores individuais, cada um deles com seu conjunto de funcionalidades.

Georreferenciamento

Há casos em que os objetos de uma coleção estão intimamente relacionados com o espaço físico: fotografias urbanas que retratam cidades em diferentes épocas, artefatos arqueológicos encontrados em sítios de escavação e, de maneira mais evidente, coleções cartográficas. Nesses cenários, muitas vezes é interessante geolocalizar, ou seja, atribuir coordenadas ou regiões geográficas a esses objetos para facilitar seu estudo e apresentação. Isso permite que um mapa histórico digitalizado seja sobreposto a um mapa atual para comparação, ou que uma pessoa pesquisadora possa navegar por um mapa digital para verificar onde cada objeto foi criado ou encontrado.

3D

Há alguns anos, objetos tridimensionais como vestuário, ferramentas e mobília eram representados em ambientes virtuais por suas fotografias. Os avanços tecnológicos introduziram técnicas e ferramentas que têm sido adotadas por museus para produzir modelos tridimensionais de alta fidelidade, permitindo “manusear” de maneira digital e remota objetos antigos e delicados, além de examinar esses artefatos de perto e de todos os ângulos. Técnicas como fotogrametria e o uso de scanners a laser (ou LiDAR) permitem a produção desses objetos tridimensionais. A primeira delas se baseia na captura de fotografias de todos os ângulos de um objeto, que são posteriormente processadas por um software dedicado para produzir um modelo 3D com a textura e as cores do original. A segunda técnica gera um modelo ainda mais preciso, utilizado, por exemplo, no levantamento de estruturas arquitetônicas para intervenções de restauro e preservação.

Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas

facc soluções em ti

A oficina tem por objetivo apresentar algumas opções disponíveis de softwares para a gestão e a extroversão de acervos históricos, culturais, artísticos ou patrimoniais, suas características, recursos principais e escopo de aplicabilidade, distinguindo softwares de gestão, softwares de extroversão e softwares de gerenciamento de repositórios digitais.

Embora bancos de dados para acervos existam desde a década de 1980 – inicialmente construídos para gerir a catalogação e operações de bibliotecas –, seu desenvolvimento foi desigual para cada tipo de acervo (bibliográfico, documental e museológico), e seu primeiro emprego priorizou o gerenciamento interno dos materiais e o atendimento presencial de usuários. Dessa maneira, é a partir da virada do século e como consequência do “boom” das bibliotecas digitais online (Google Books, Europeana, Gallica, OpenLibrary, Internet Archive etc.) que uma nova era dos sistemas de gestão e difusão de acervos passou a ganhar terreno. O aparecimento desses grandes repositórios veio estimular uma demanda universal irrefreável: a de que os catálogos de acervos e as próprias cópias digitais dos itens de acervo passassem a ser publicados na Web na forma de instrumentos de pesquisa informatizados, a fim de poderem ser acessados remotamente por pesquisadores e usuários. As escolhas, de qualquer forma, não foram homogêneas, especialmente porque as alternativas não eram tão fartas e acessíveis. Assim, além dos poucos softwares de extroversão, em alguns lugares procurou-se adaptar softwares originalmente desenhados para bibliotecas e, em outros, optou-se pelo desenvolvimento de softwares próprios customizados para as necessidades e práticas locais.

Os anos 2020 tem visto uma reavaliação daqueles softwares originalmente selecionados, seja pela obsolescência ou descontinuação das soluções iniciais após um intervalo de mais de uma década, seja pela consolidação de novas realidades tecnológicas (interoperabilidade, integração de acervos mistos etc.). É para esse novo cenário de opções que vamos dirigir nosso olhar. Mas, antes, é necessário fazer uma importante distinção entre categorias de softwares aparentemente similares, mas de propósitos e escopos diferenciados:

Sistemas de gerenciamento de acervos : Permite, em geral, a catalogação de itens de acervo e a gestão do ciclo de vida do ativo, incluindo incorporação, movimentações e empréstimos, controle de estado de conservação e procedimentos de descarte, possibilitando a geração de relatórios de apoio à manutenção do acervo e dos dados catalográficos. Em princípio, uma gestão ampla dos objetos digitais em si não é o foco principal desse tipo de software, embora ele possa contar com as funções básicas para isso (upload de mídias, produção de derivadas, controle de acesso etc.).

Sistemas de extroversão de ativos digitais : É focado no processo de publicação de materiais digitais (mídias) na Internet. Esse tipo de software, via de regra, não é tão flexível para a configuração de modelos descritivos mais complexos e não oferece suporte nativo para o rastreamento do ciclo de vida dos itens ou produção de relatórios gerenciais.

Sistemas de gerenciamento de ativos digitais (DAMs): Servem para organizar e controlar o acesso e o compartilhamento de grandes repositórios digitais, principalmente aqueles constituídos de materiais natodigitais. O foco desse tipo de sistema não é necessariamente a difusão do acervo nem sua catalogação minuciosa, mas prover um ambiente de mínima organização de arquivos digitais que, de outra maneira, estariam dispersos e/ou armazenados sem qualquer forma de indexação.

Seleção e apropriação de softwares para acervos é um processo envolto por dificuldades, sobretudo porque, em geral, profissionais de acervo não são suficientemente versados em informática (o que embaraça a identificação e avaliação das alternativas disponíveis), enquanto os próprios sistemas existentes não são talhados para aplicação imediata em todas as realidades. Ademais, nos dias de hoje, dois requisitos normalmente se impõem de partida: i) cada vez mais as instituições são obrigadas a tratar e integrar acervos mistos compostos de materiais bibliográficos, documentais e museológicos; ii) os modelos de descrição dos itens de acervo são diferentes para cada tipo de material e entre as próprias instituições, o que dificulta a consolidação de um (ou mais) software(s) fácil e imediatamente adaptáveis a múltiplos contextos. Nesse sentido, softwares específicos para um tipo determinado de acervo são pouco aplicáveis aos demais tipos. E, seja qual for a ferramenta selecionada, muitas vezes ela requer uma série de customizações para se alinhar ao modelo descritivo histórica ou habitualmente utilizado dentro de um espaço de trabalho de organização e manutenção de acervo.

No contexto brasileiro, a rigor, as opções não são tão abundantes, se pensarmos preferencialmente na gama das possibilidades gratuitas e de código aberto e, principalmente, no quesito “softwares que contemplem, ao mesmo tempo, várias tipologias de acervo. Entre as alternativas de sistemas de gerenciamento de uso específico, alguns exemplos são:

Koha (https://koha-community.org/). Biblioteca. Software neozelândes que implementa funções tradicionais de biblioteca. É recomendado pelo Ibict.

CollectionSpace (https://collectionspace.org/). Museu. Solução que implementa o modelo Spectrum para gerenciamento do clico de vida das coleções.

AtoM/Access To Memory (https://www.accesstomemory.org/). Arquivo. Originalmente patrocinado pelo Conselho Internacional de Arquivos (ICA), implementa as normas de descrição arquivística Isad(G).

Entre os sistemas construídos segundo uma arquitetura que facilita a adaptação a diferentes modelos descritivos e tipologias de acervos, podemos citar:

CollectiveAccess (https://collectiveaccess.org/): Software americano bastante difundido nos Estados Unidos e Europa e que vem sendo adotado por algumas importantes instituições de acervo brasileiras.

Páramo (https://paramosoftware.com.br/): software brasileiro que vem sendo implantado em algumas instituições detentoras de acervo de pequeno e médio porte.

Há, em seguida, softwares frequentemente utilizados para o registro e o controle de acervos, e que, estritamente, não se configuram como sistemas de gerenciamento, mas, antes, como ferramentas de extroversão:

Tainacan (https://tainacan.org/): Software desenvolvido pela Laboratório de Inteligência de Redes da Universidade de Brasília e apoiado pela Universidade Federal de Goiás, o Ibict e o Ibram. Ele se apresenta como uma “solução tecnológica para a criação de coleções digitais na Internet”.

Omeka (https://omeka.org/): Software americano voltado para “o compartilhamento de coleções digitais e a criação de exposições online com rico conteúdo de mídias” (tradução minha).

DSpace (https://dspace.org/): Permite criar, manter e publicar online repositórios digitais abertos e é muito usado para reunir produção acadêmica de universidades.

As soluções acima, seja por design, seja como complemento, possuem todas uma face online de difusão pública. Já a última classe de ferramentas que queremos indicar possibilita igualmente uma forma de gestão de material digital de acervo, mas não tem como objetivo final imediato a publicação das mídias na Internet: os DAMs (Digital Asset Management Systems). Existe um espectro razoavelmente generoso de opções de DAM, sobretudo produtos comerciais pagos. Entre os gratuitos e de código aberto, podemos citar o ResourceSpace (https://www.resourcespace.com/) e o Islandora (https:// www.islandora.ca/). Em comum a todos eles, o foco na indexação e organização de arquivos digitais gerados pelas organizações (geralmente em grande volume), de tal modo a não serem apropriados para a catalogação de acervos físicos que ainda não tenham sido digitalizados. Por outro lado, os DAMs podem ser integrados a sistemas de gerenciamento e, até, a instrumentos de pesquisa online, na condição de repositórios digitais independentes.

Há ainda uma especialização de sistemas de gestão de repositórios digitais: os softwares de preservação digital. O incremento deles em relação a um DAM padrão é a incorporação de protocolos mais rígidos de controle de acesso e alteração dos recursos digitais (ISO-Oais, principalmente), visando à preservação da autenticidade e integridade dos metadados e dos

próprios arquivos ao longo do fluxo de vida do objeto digital. Exemplos: Archivematica (https://www.archivematica.org/) e Roda (https://www. roda-community.org/).

A primeira parte do processo de seleção e adoção de um sistema de banco de dados para gestão e difusão de acervos abrange a identificação das opções e especificidades de cada tipo de solução e sua adequação às necessidades correntes e/ou futuras da instituição. A escolha efetiva ainda deverá levar em consideração questões técnicas e até políticas, tais como:

Apoio a projetos de softwares livres de código aberto;

Requisitos de operação em termos de estrutura de TI;

Comunidade de utilizadores do software, que pode servir de grupo de apoio e para intercâmbio de experiências, principalmente numa mesma proximidade geográfica;

Vitalidade do software em termos de incorporação de novas funcionalidades, disponibilização de atualizações e longevidade no médio e longo prazo.

Por fim, deve ser observado que a apropriação de um sistema informatizado por uma instituição carrega consigo uma série de comprometimentos relacionados à governança da solução adotada, para os quais é praticamente imprescindível o suporte de profissionais da área de Tecnologia da Informação e/ou Análise de Sistemas:

Configuração e manutenção permanente de uma estrutura de TI adequada;

Procedimentos de controle de acesso ao repositório (segurança) e preservação dos dados e objetos digitais (backups e planos de recuperação emergenciais).

Atualizações periódicas não só do sistema para novas versões disponíveis, quanto do próprio ambiente de operação (hardwares, sistemas operacionais, softwares e bibliotecas de base ou complementares etc.).

Fontes

AtoM. Disponível em: https://www.accesstomemory.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Archivematica. Disponível em: https://www.archivematica.org. Acesso em: 16 mai. 2025. CollectiveAccess. Disponível em: https://collectiveaccess.org. Acesso em: 16 mai. 2025. CollectionSpace. Disponível em: https://collectionspace.org/. Acesso em: 16 mai. 2025. DSpace. Disponível em: https://dspace.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Islandora. Disponível em: https://www.islandora.ca. Acesso em: 16 mai. 2025. Koha library software. Disponível em: https://koha-community.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Omeka. Disponível em: https://omeka.org. Acesso em: 16 mai. 2025. Páramo Software. Disponível em: https://paramosoftware.com.br. Acesso em: 16 mai. 2025. ResourceSpace. Disponível em: https://www.resourcespace.com. Acesso em: 16 mai. 2025. Roda. Disponível em: https://www.roda-community.org/. Acesso em: 16 mai. 2025. Tainacan. Disponível em: https://tainacan.org/. Acesso em: 16 mai. 2025.

Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo

Das perguntas que ouvi ao longo da prestação de trabalhos como documentalista, a mais recorrente foi sobre ‘o que guardar’ em um acervo que pretende testemunhar a vida de uma instituição ou de uma pessoa. Acumulando a formação de historiadora com a prática arquivística, parecia óbvio que eu tivesse a segurança para dar uma resposta convincente e definitiva. Conhecendo vários centros de memória cujo acervo era fruto de uma acumulação documental imperfeita, parcial e lacunar, ficava difícil imaginar que o patrimônio documental reunido neles pudesse expressar a trajetória da instituição. Mas a vivência com os arquivos me traz a resposta incontornável: é a partir deles que se constrói um referencial seguro da trajetória de uma entidade.

Na fala de um dos maiores arquivistas contemporâneos em ação, o francês Bruno Delmas, no livro Arquivos para quê?, 1 os arquivos são o produto necessário do funcionamento de toda sociedade organizada. Os documentos atestam o alargamento do espaço de vida dos homens e da sua integração crescente nesse ambiente no decorrer do tempo: famílias, comunidades em aldeias ou paróquias, latifúndios, cidades e bairros, profissões, empresas, províncias e regiões, países e Estados, organizações internacionais e supranacionais... O acúmulo de relações cada vez mais densas e amplas aumenta de forma exponencial as necessidades e os usos de documentos necessários para agir, negociar e viver. Os arquivos aumentam proporcionalmente a isso.

O arquivo é onde se recolhem os documentos que viabilizaram ações, sendo essa a sua razão de ser. As providências tomadas para que as ações acontecessem ficam expressas nos registros, que se tornam elementos de prova do que ocorreu, das decisões e de suas implementações. Tais documentos são acumulados por entidades ou pessoas de forma sedimentar, formando conjuntos solidários que retratam atos em sequência, autoexplicativos pelo seu encadeamento. Os documentos refletem atividades estáveis, ligadas a contextos específicos e praticadas coletivamente. Eles retratam as rotinas e referenciam as competências das entidades/pessoas, preservando conhecimentos operacionais específicos. Essas sequências evidenciam os processos em etapas previsíveis e sucessivas.

1 DELMAS, Bruno. Arquivos para quê?: textos escolhidos. Trad. Danielle Ardaillon. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2010.

Os arquivos assim acumulados são fontes seguras e estáveis de informações, por encerrarem documentos que comprovam ações findas. Mas aí surgem os centros de memória, criados no Brasil a partir da década de 1990 em entidades de caráter diverso, em busca de horizontes mais abrangentes. Eles são fruto de uma contemporaneidade exigente, marcada pela globalização, pela impressão da fugacidade do tempo, pela desterritorialização, fenômenos que trouxeram uma necessidade urgente de memória a nos salvar do esquecimento. Entidades comerciais, pessoas, bairros, escolas, partidos políticos, modos de vida, produtos culturais se pensaram como experiências e trajetórias a serem resguardadas coletivamente, com vistas a objetivos diversos, ultrapassando as possibilidades de atuação dos arquivos tradicionais. Subverteram-se noções de tempo e espaço, coordenadas básicas de todo o sistema de representação até o século XX, o que afetou o estatuto da memória e dos conceitos de identidade, continuidade e história a ela associados. Esse é o pano de fundo para compreender a presença dos centros de memória.

Apesar de seu caráter instrumental e da possibilidade de munir as instituições com informações e documentos, tais como os arquivos tradicionais, os centros de memória surgiram nas entidades com a ambição de aumentar sua esfera de atuação e exercer funções estratégicas a partir das demandas de um mundo complexo e exigente. Para isso eles recorrem a acervos e soluções híbridas, adotam programas de ação assertivos, buscam se alinhar com o centro de decisão dos organismos que os criaram, criam produtos de divulgação que posicionam a entidade no seu meio social. Talvez essa seja também uma forma de sobrevivência, pois em momentos passados eles muitas vezes foram desmobilizados por serem percebidos mais como fontes de despesa do que como áreas de atuação efetiva e necessária.

Ao reunirem e tratarem documentos alusivos à gênese das entidades, os centros de memória criam vínculos positivos entre elas e a comunidade em torno, forjando credenciais baseadas em uma imagem pública apresentada à sociedade. Nesse sentido, ocuparam um lugar na constituição da identidade das instituições, tendo sido capazes de oferecer pontos de convergência em meio à diversidade de posições e expectativas existentes. Tais funções de natureza psicossocial exerceriam um contrapeso aos processos de desterritorialização e mesmo desmaterialização que impactam as relações de trabalho no caso de organizações econômicas nos dias de hoje. O mesmo ocorre com comunidades baseadas em vínculos de outra natureza.

Os centros de memória buscam proporcionar o conhecimento da trajetória passada tanto quanto uma visão prospectiva e sistêmica do conjunto, buscam recuperar um processo contínuo de aprendizado coletivo, de atenção a demandas externas e internas, de otimização do tempo e de tomada de consciência de valores culturais das entidades. Nesse sentido, precisam constituir seus acervos com documentos que vão além dos tradicionais produzidos e acumulados nos arquivos, no exercício das funções rotineiras. Eles colecionam documentos de todos os gêneros: textuais, audiovisuais, sonoros, iconográficos, além de objetos e artefatos. No caso de organizações que fabricam bens, por exemplo, o centro de memória incorpora embalagens e material de divulgação e propaganda, além dos próprios produtos resultantes das atividades-fim. Há documentos representativos de outras atividades: maquetes e plantas; troféus, medalhas e placas de homenagem;

noticiário de imprensa escrita ou audiovisual; reportagens fotográficas relacionadas a eventos significativos. Há documentos de caráter técnico e especializado, que servem de apoio às atividades, tais como ensaios, teses, artigos científicos, sondagens de opinião, indicadores econômicos, coletâneas de legislação, informes e muitos outros sobre concorrentes e conjunturas socioeconômicas. Muitas vezes há também equipamentos antigos de espaços administrativos, mobílias e objetos de valor simbólico e afetivo, escolhidos para testemunhar uma época ou um modo de fazer. ***

Além desses conjuntos há os documentos “fabricados”, ou seja, criados para trazer panoramas coerentes e informados sobre a entidade, as situações emblemáticas vivenciadas, como a implantação de áreas e frentes de trabalho, o desenvolvimento de certos produtos e tantas outras situações. Os programas de história oral criam uma “argamassa” necessária entre documentos de arquivos por explicarem decisões, expressarem impasses, revelarem opiniões e dar sangue e linfa às trajetórias. Eles são também recurso de mobilização do senso de união e pertencimento do grupo que gravita em torno da entidade que criou o centro de memória.

Outro atributo dos centros de memória hoje é a preocupação de registrar o presente, buscando com criatividade criar documentos sobre atividades que normalmente não geram documentos. Decisões fundamentais são tomadas nos gabinetes, em conversas privadas, e instauram mudanças importantes sem gerar registros. Com o passar do tempo, esses pontos de inflexão da trajetória da entidade se perdem, se não há vontade política de documentar essas passagens. Os programas de história oral podem ser uma forma de coletar depoimentos de pessoas responsáveis pelas estratégias e elaboração de políticas e mudanças de rumo das entidades. A possibilidade de “fabricar documentos”, bastante comum nos trabalhos de preservação da memória social, atribui aos centros de memória a natureza de “arquivos alargados”, já que os depoimentos lhes são complementares.

A natureza híbrida dos centros de memória acolhe a presença de documentos bibliográficos e objetos, que devem ser tratados e descritos a partir da lógica da prática arquivística. Ela deve orientar as atividades documentais desses centros, por entender os documentos a partir da lógica de sua criação e de entrada no acervo, já que a presença de cada item se explica pelo seu contexto, aquilo que estabelece a relação necessária com a entidade e com os demais documentos. Apesar de reunirem livros e objetos, centros de memória não são bibliotecas ou museus, instituições cujas missões também envolvem a preservação da memória, sendo claras as afinidades e diferenças entre elas, apesar de suas significativas interfaces.

Tratamento de massa documental acumulada: estudo de caso

pacta clara - organização de acervos documentais

A informação é um dos ativos mais valiosos para qualquer organização, seja ela pública ou privada. No entanto, muitas instituições ainda enfrentam um desafio significativo: o acúmulo desordenado de documentos ao longo do tempo. A esse volume documental damos o nome de massa documental acumulada, um fenômeno que afeta diretamente a eficiência administrativa, a transparência, a preservação da memória institucional e a conformidade legal. Este texto propõe discutir o que caracteriza a massa documental acumulada, suas causas e implicações, bem como os principais caminhos para enfrentá-la a partir da implementação de políticas de gestão documental.

O que é a massa documental acumulada?

A expressão “massa documental acumulada” refere-se ao conjunto de documentos produzidos ou recebidos por uma organização e que se encontra armazenado de forma desorganizada e sem tratamento arquivístico adequado. Em geral, trata-se de um volume significativo de documentos físicos que se acumulam em ambientes de trabalho, arquivos setoriais ou depósitos, sem classificação, indexação ou avaliação de temporalidade e valor histórico.

Esses documentos, muitas vezes, estão misturados entre ativos e inativos, entre o que deve ser preservado e o que já poderia ter sido descartado. A falta de critérios claros de gestão gera acúmulo, retrabalho e dificuldade de acesso à informação, além de riscos administrativos e legais.

Causas do acúmulo documental

Diversos fatores podem contribuir para a formação de uma massa documental acumulada. Entre os principais, destacam-se:

1. Ausência de uma política de gestão documental: Organizações que não possuem normas ou diretrizes claras sobre a produção, o uso, a guarda e o descarte de documentos tendem a acumular, sem critério, papéis e arquivos digitais.

2. Desconhecimento sobre a função dos arquivos: Muitas vezes, os arquivos são vistos apenas como depósitos de papéis, como “arquivo morto” e não como centros estratégicos de informação, o que desvaloriza seu papel dentro das empresas e diminui os investimentos em gestão da informação.

3. Falta de capacitação dos colaboradores: A produção documental ocorre em todos os setores das organizações. Quando os profissionais desconhecem práticas arquivísticas básicas, como a correta classificação ou a temporalidade dos documentos, o risco de acúmulo aumenta.

4. Tecnologia mal utilizada: A crença de que o armazenamento digital resolve todos os problemas levou muitas instituições a acumularem também enormes volumes de documentos eletrônicos, igualmente desorganizados e desprovidos de tratamento informacional.

5. Mudanças institucionais e descontinuidade administrativa: Processos de fusão, reestruturação ou troca frequente de gestão muitas vezes interrompem projetos de organização documental, gerando lacunas e retomadas fragmentadas.

O acúmulo desordenado de documentos traz sérias implicações para a gestão da informação e o funcionamento institucional. As principais consequências incluem:

— Dificuldade de acesso à informação: A ausência de organização prejudica a localização rápida e eficiente de documentos, comprometendo a tomada de decisões e o atendimento a demandas internas e externas.

— Riscos legais e fiscais: A retenção de documentos além dos prazos legais pode gerar sanções, enquanto a eliminação inadequada pode resultar em perda de provas e responsabilizações.

— Desperdício de espaço e recursos: O armazenamento físico desnecessário gera custos com mobiliário, aluguel de espaços, manutenção e segurança. No meio digital, o excesso de arquivos também impacta sistemas e servidores.

— Perda de memória institucional: Sem preservação adequada, documentos de valor histórico e probatório podem se deteriorar, comprometendo a identidade e a história da instituição.

Estratégias para a solução do problema

O enfrentamento da massa documental acumulada exige ações planejadas e integradas, com base em princípios arquivísticos. A seguir, destacam-se os principais caminhos:

Antes de qualquer intervenção, é necessário realizar um diagnóstico documental. Esse levantamento envolve a identificação da quantidade, do tipo documental e do estado de conservação dos documentos acumulados, além da análise dos fluxos documentais e da estrutura existente dentro da instituição para a gestão da informação.

A instituição deve estabelecer uma política de gestão documental, com base em diretrizes que definam responsabilidades, procedimentos e objetivos. Essa política deve ser aprovada pela alta administração e articulada com as áreas jurídicas, tecnológicas e administrativas.

A classificação é a “sequência de operações que, de acordo com as diferentes estruturas, funções e atividades da entidade produtora, visam distribuir os documentos de um arquivo”.1 Possibilitando aplicar facilmente a Tabela de Temporalidade, quando os prazos de guarda dos documentos estiverem prescritos.

1 Em Dicionário de Terminologia Arquivística. Ana Maria de Almeida Camargo e Heloísa Liberalli Bellotto (Orgs.).

Essas ferramentas permitem separar o que deve ser preservado do que pode ser descartado, contribuindo para a redução do acervo acumulado.

A eliminação dos documentos deve seguir critérios legais e técnicos, com registros formais e participação de comissões de avaliação documental. Isso garante segurança jurídica e transparência ao processo.

A organização física envolve a readequação dos espaços de arquivo, com padronização de acondicionamento, identificação e controle de entrada e saída. No ambiente digital, a implantação de sistemas de gestão arquivística de documentos permite o controle do ciclo de vida dos documentos eletrônicos.

A mudança de cultura institucional é fundamental. Investir na capacitação dos colaboradores em práticas arquivísticas e na conscientização sobre a importância da gestão documental contribui para a manutenção dos avanços conquistados.

A massa documental acumulada é, ao mesmo tempo, um sintoma e uma consequência da ausência de gestão arquivística eficaz. Seu enfrentamento exige uma abordagem técnica, estratégica e multidisciplinar, voltada não apenas para a eliminação do excesso documental, mas para a criação de um novo paradigma de produção e uso da informação institucional.

Mais do que resolver um problema de espaço ou organização, o tratamento da massa documental acumulada representa um passo decisivo rumo à eficiência, à transparência e à preservação da memória organizacional. É, portanto, uma responsabilidade que deve ser assumida com prioridade pelas lideranças e com o apoio de profissionais da área da Arquivologia e da gestão da informação.

Estudo de caso

Arquivos já organizados podem, com o tempo, voltar a apresentar massa documental acumulada?

Aqui abordamos, o arquivo científico de uma instituição médica que, por muitos anos, foi referência para o estudo e tratamento do câncer, com o uso cruzado de relatórios e fichas médicas, relatórios fotográficos com o avanço da doença nos pacientes registrados em slides por equipe de fotógrafa especializada. Entretanto, com a desativação do setor e o uso de novas tecnologias a documentação deixou de ser acessado e foi guardado. A falta de uso e acesso fez com que parte dos documentos fossem danificados e a parte da lógica de conexão desses documentos se perdesse.

A Pacta Clara fez um diagnóstico da situação, inventariou os documentos (há aproximadamente 213 mil itens) e trocou o acondicionamento por embalagens provisórias, visando mitigar a degradação do acervo até que a instituição possa investir em sua organização completa. Agora é possível um planejamento, pois sabe-se quais são os documentos que estão com maior risco, os que estão contaminados, entre outros pontos importantes que foram identificados.

O impacto da branquitude nos arquivos: o que os “critérios” de pesquisas escondem?

sertão negro ateliê e escola de artes

Resumo:

No Brasil, não é novidade que a formação do sistema hegemônico de salvaguarda, exibição e pesquisa das artes caminhou aliada aos desejos da elite econômica do país, em defesa de visões de caráter colonizador cuja centralidade se dava na Europa e na universalidade subjetiva da branquitude. Marcados por tais desejos e ideologias, forjaram uma suposta historicidade para as artes do país, exaltando personalidades que ocuparam/ocupam lugares de poder e sem colocar em dúvida a seletividade dos olhares que as conduziam.

Com um espelho voltado para si, a branquitude narrou a sua face, nos fazendo crer que representava a totalidade das artes e que as ausências dos demais ocorria por consequência deles mesmos e não pelas escolhas dos sujeitos e instituições que as organizavam.

Com as mudanças sociais ocorridas no últimos 20 anos no Brasil, firmadas principalmente pelas implantações das leis de ações afirmativas, uma dívida histórica que perdura no país passou a ter maior evidência com a inserção de pesquisadores que não reconheciam a branquitude como única via para as narrativas institucionais das artes e de seu ensino.

Estremecendo o espelho narcisista que só refletia um lado, a realização desses estudos enfrentou problemas nos discursos e em suas fontes, já que os arquivos construídos também foram seletivos quanto ao que era importante guardar. A dificuldade em localizar bibliografia e fontes confiáveis para responder às novas perguntas foi um desafio relatado por diversos pesquisadores, que tiveram que elaborar novas metodologias e epistemologias para garantir a continuidade de seus trabalhos.

Para exemplificar tais enredamentos, as pesquisas “Reflexões e considerações a respeito da formação e perfil da Coleção Africana da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin”,1 “Modernismos africanos nas bienais de São Paulo (1951-1961)” 2 e “Minhas fotografias”,3 serão tomadas como exemplo, sendo compartilhados alguns pontos importantes de seus processos de desenvolvimento, recepção e impacto no campo das artes.

1 Monografia defendida em junho de 2014, como Trabalho de Conclusão e Curso (TCC) no curso de graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo.

O estudo “Reflexões e considerações a respeito da formação e perfil da Coleção Africana da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin”, que apresentou uma intensa investigação da documentação primária da então chamada “Coleção Africana” da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, envolveu a pesquisa em documentos do acervo arquivístico da FCEGK, que inclui os documentos pessoais de Ema Klabin (cartões de viagens, cartas, fotos e textos de anotações diversas), e lidou também com a documentação museológica (ficha de aquisição, fichas catalográficas individuais, inventário etc.) e com materiais de divulgação (reportagens em jornais, revistas, folders etc.). Uma das contribuições apresentadas por esse estudo foram os questionamentos dos termos e funções destinadas aos documentos estudados e a proposição de estratégias para amenizar suas falhas, como minifichas comparativas que, apoiada nas documentações de obra, realizou uma revisão comparativa dos dados atribuídos às peças da coleção, e a elaboração de uma tabela de análise das bases de nomeação adotadas pela catalogação das peças, evidenciando diferenças no tratamento no momento de documentar objetos de origens africanas em relação aos de origens europeias.

A pesquisa “Modernismos africanos nas bienais de São Paulo (1951-1961)” apresentou o histórico das participações de países africanos na primeira década da Bienal de São Paulo, contando com uma intensa pesquisa no Arquivo Wanda Svevo, que envolveu a análise de caixas de documentação de cada edição, livros e pastas de dossiê de imprensa e catálogos das exposições. Entre as contribuições da pesquisa está a primeira construção narrativa e estudo dedicado às relações entre a mostra e o continente africano, denunciando a seletividade de pesquisadores, instituições de ensinos e projetos editoriais que construíram uma pujante bibliografia sobre a principal exposição de arte no Brasil, sem reservar o espaço adequado para as autorias africanas e suas produções, reforçando que não há ingenuidade nas escolhas das narrativas, mas uma seletividade consciente que privilegia eurocentrismos e branquitudes.

E, por fim, o artigo crítico “Minhas fotografias” relata o processo de apartação e diferenciação subjetiva dado pela acadêmia a determinados objetos e documentos a partir de fatores que ela considera hierarquicamente menores e desimportantes, como no caso de acervos pessoais não pertencentes às elites, sendo tal recusa parte de um pacto que gera apagamento e lacunas de presenças, como a de sujeitos negros e indígenas nas visualidades e historicidades do país.

Os três casos lidam com questões presentes na maioria dos arquivos das artes no país e que, infelizmente, poucos espaços o enfrentam. É fundamental que as instituições e seus trabalhadores estejam atentos e abertos à promoção de mudanças, transgredindo o engessamento do discurso da manutenção de modelos apoiados em exclusões, racismos e inferiorização, que possam fomentar ferramentas que lidem criticamente com o passado e com novas projeções para o presente e o futuro. É papel dos arquivos, das instituições de ensino, de pesquisadores, de editoras, entre muitos outros agentes que integram este sistema a busca por construção de redes sólidas de comunicação e de renovação constante dos debates.

2 Dissertação de mestrado defendida em março de 2019 no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo.

3 Texto publicado na revista Zum, do Instituto Moreira Salles.

Como fazer um projeto de pesquisa

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

palácios do governo do estado de são paulo

São Paulo, 6 maio 2025

Aos cuidados:

Dos organizadores da Semana de Capacitação do Laboratório Experimental de Transformação Digital da Fundação Bienal de São Paulo

Assunto:

Workshop proposto por Renata Dias Ferraretto Moura Rocco para a Semana de Capacitação do Laboratório Experimental de Transformação Digital da Fundação Bienal de São Paulo

Proponente:

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco

Proposta:

Por meio deste documento, Renata Dias Ferraretto Moura Rocco (currículo –anexo 1) propõe um workshop aos membros da equipe interna da Fundação Bienal de São Paulo, especialmente, ao grupo de estagiários e jovens aprendizes, no dia 30 de maio de 2025, entre 13h30 e 15h30, para elaboração de projetos de pesquisa. A proposta é organizar esse workshop em 2 etapas, conforme detalhamento a seguir:

Etapa 1 - teórica

Duração – 40 minutos

— Breve apresentação da palestrante

— Breve apresentação dos participantes do workshop

— Apresentação das etapas envolvidas na elaboração de um projeto de pesquisa (com base no modelo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, uma instituição pública de fomento à pesquisa acadêmica ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Governo do Estado de São Paulo)

— Apresentação do projeto de pesquisa de doutorado da palestrante, que envolveu a pesquisa em arquivos diversos e, em especial, o da Fundação Bienal de São Paulo (anexo 2).

Etapa 2 - prática

Duração - 1h20

Com a base teórica apresentada na primeira etapa do workshop, a palestrante organizará a reunião dos participantes em duplas ou trios, para elaborar projetos de pesquisa que tenham como objeto núcleos/ assuntos que se circunscrevem em um dos três eixos temáticos da “Publicação comemorativa dos setenta anos do Arquivo Histórico

Wanda Svevo”, em desenvolvimento atualmente pela equipe da Fundação Bienal de São Paulo.

Eixo 1 – Memória e Sociedade na Bienal de São Paulo

Eixo 2 – História das Artes na Bienal de São Paulo

Eixo 3 – Presenças e Ausências na Bienal de São Paulo

Acreditamos que será frutífero para os membros do workshop pensar projetos e ideias que estejam alinhados aos elementos norteadores das pesquisas em desenvolvimento por estudiosos externos e internos da Fundação Bienal de São Paulo.

Ao final do workshop, os grupos terão como resultado uma primeira versão de um projeto de pesquisa, a ser desenvolvido mais amplamente no futuro, se desejado.

Anexo 1

Renata Dias Ferraretto Moura Rocco fez estágio pós-doutoral no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP, 2023Bolsa Fapesp), Doutorado (2018 - Bolsa Fapesp) e Mestrado (2013 - Bolsa Capes) pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, todos sob orientação da Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, docente e curadora do MAC USP.

Autora do livro Danilo Di Prete em ação: a construção de um artista no ambiente da Bienal de São Paulo, (2022), artigos sobre arte moderna italiana e brasileira, e sobre as primeiras edições da Bienal de São Paulo, foi curadora de exposições de arte moderna no MAC USP e de artistas contemporâneos na galeria Kovak & Vieira, em São Paulo. Trabalha desde março de 2024 na Curadoria do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo.

Anexo 2 – Projeto de Pesquisa

A presença de Danilo Di Prete no Brasil, 1940-1970

Autora: Renata Dias Ferraretto Moura Rocco: Mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo

Orientadora: Ana Gonçalves Magalhães docente e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP)

São Paulo, agosto de 2014

Sumário

1. Resumo do projeto

2. Projeto de pesquisa

2.1 Introdução

2.2 Objeto e justificativa da pesquisa

2.3 Referências bibliográficas

2.4 Objetivos

2.5 Plano de trabalho e cronograma

2.6 Procedimentos metodológicos e quadro teórico de referência

2.7 Forma de análise dos resultados

A presença de Danilo di Prete no Brasil, 1940-1970

Esta pesquisa tem por objetivo o estudo da influência do artista italiano Danilo di Prete (Pisa, 1911 – São Paulo, 1985) no meio artístico brasileiro a partir de 1946, quando vem morar em São Paulo, até os anos 1970. No período precedente em que esteve na Itália e começou sua atividade artística como autodidata, viveu sob o regime fascista e o sistema das artes por ele implantado, o qual abarcou exposições de arte como a Quadrienal de Roma. Esse tipo de experiência, Di Prete trouxe ao Brasil, e, segundo o próprio afirma, foi com base nela que sugeriu a Francisco Matarazzo Sobrinho a criação da Bienal de São Paulo nos moldes da Bienal de Veneza. Há controvérsias sobre a paternidade dessa ideia, mas há um registro (em fita cassete em posse da filha Giuliana Di Prete Campari) com o depoimento do artista reforçando isso. Di Prete foi o ganhador do prêmio de primeiro lugar de pintura brasileira justamente na I Bienal de São Paulo, o que gerou um debate enorme tanto em função de sua origem italiana (ele estava morando no Brasil apenas há 5 anos) bem como do tipo de solução plástica empregada em sua obra premiada Limões, que trazia uma recuperação do cubismo francês reinterpretada à moda italiana, um tipo de linguagem bastante disseminada no ambiente italiano desde o início dos anos 1940. O legado de Di Prete foi importante no meio artístico brasileiro e, até o momento, não conta com um estudo acadêmico que aborde tanto sua produção artística quanto seu papel de agente cultural no intercâmbio Itália-Brasil. Sendo assim, esta pesquisa pretende ser uma contribuição bastante significativa para a historiografia da arte brasileira.

2. Projeto de pesquisa:

2.1 Introdução

O estudo se propõe a esclarecer a influência do artista italiano Danilo Di Prete no país desde a sua chegada em 1946 até os anos 1970, do ponto de vista artístico e do papel que exerceu como agente cultural no intercâmbio Itália-Brasil. Trata-se de um artista de relevo no meio artístico brasileiro e ainda sem um estudo acadêmico que tenha explorado a amplitude de sua importância. Há diversos museus no país que possuem obras suas (como o MAC USP e o MAM SP) e um vasto arquivo de clipping seu no Idart, o que resulta em um material significativo para ser sistematizado e devidamente analisado. Deve-se ressaltar, nesse sentido, que uma das filhas do artista, Sra. Giuliana Di Prete Campari, se propôs a colaborar com a pesquisa, compartilhando informações, permitindo acesso ao seu arquivo de documentos, fotos e recortes referente à trajetória do pai, bem como à ideia de desenvolver uma catalogação sistemática de sua

obra. Dessa forma, pode-se dizer que a investigação, ao rever a crítica de arte da época e o discurso que se constituiu em torno do artista, o qual chegou até nós, pretende contribuir com a historiografia da arte brasileira, colaborando com museus que tiverem obras suas ou ainda de outros artistas como aqueles da Geração Bienal, que, segundo a artista Maria Bonomi, são os artistas de muitas mídias que nas bienais receberam as primeiras contaminações plásticas, não por meio de livros, mas propriamente ao vivo.1

2.2 Objeto e justificativa da pesquisa

O artista italiano Danilo Di Prete foi figura de destaque no ambiente artístico brasileiro desde sua chegada ao país em 1946. Com apenas 35 anos, o artista nascido em Pisa já havia participado ativamente do cenário cultural italiano, por meio de exibição de suas obras em Luca (Esposizione di Caselli), Livorno (Esposizione dei Giovani), Viareggio (Esposizione di Viareggio), Florença (Esposizione degli Artisti Toscani), Cremona (Esposizione di Cremona) e Roma (IV Quadriennale di Roma), além de ter integrado o Grupo de Artistas Italianos em Armas na Segunda Guerra Mundial e com eles ter ilustrado episódios da guerra na Albânia, Grécia e Iugoslávia. Quando fixa residência em São Paulo, Di Prete trabalha como publicitário durante 4 anos para conseguir se sustentar, embora tenha conseguido expor suas pinturas em 1948 na ocasião em que participa de uma exposição coletiva na Galeria Domus,2 quando, aliás, é elogiado por Quirino da Silva como aquele que tinha os “melhores trabalhos dessa exibição”.3 A respeito de sua produção como publicitário, há um recorte de jornal intitulado Biografia Danilo di Prete levantado por Silvana Brunelli no arquivo do artista, que é bastante esclarecedor da sua prática com o cartaz: 4

Seu objetivo aqui [no Brasil] era a pintura. Mas precisou de dinheiro para viver e o caminho foi o cartaz, em cuja técnica se fez com facilidade, obtendo vários prêmios. Cobra 3 mil cruzeiros por cada trabalho e seu principal cliente é a Standard Propaganda. Está bastante contente com suas experiências em propaganda, mas seu grande desejo é continuar pintando. Ele mesmo afirma: “Quero fazer dois cartazes por mês e pintar para mim”.

O artista, bem sucedido no cartaz,5 fazia uma distinção do que era uma produção voltada ao seu sustento e, por isso, mais suscetível a “contaminações” de fora, do que era sua produção de pintura “pura”.6 E foi justamente por meio da prática da pintura que o artista foi agraciado em 1951 com o prêmio de 1º lugar de pintura na I Bienal Internacional de São Paulo com a obra Limões, de 1951. Fato que não passou incólume no ambiente brasileiro, uma vez que os artistas se revoltaram tanto pelo prêmio ter sido dado a um estrangeiro e não a um brasileiro, quanto por não representar a pesquisa brasileira mais “atualizada”. O artista participa de outras doze bienais e recebe mais um prêmio de pintura na VIII Bienal de São Paulo, em 1965, sendo que anteriormente, em 1963, havia participado do Concurso Internacional de Cartazes para a Bienal de São Paulo e conquistado o primeiro lugar. Pouco antes havia ilustrado um dos volumes de Obras completas e ilustradas de Dostoiévski, publicadas

1 Cf. Maria Bonomi. “Cinquenta anos de Bienal”, Revista USP, São Paulo, n.52, pp.26-37, dez./fev. 2001-2002, p.33.

2 Cf. sistematização de artistas participantes em exposições feita por: Ana Paula Nascimento. MAM: Museu para a metrópole. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2002, p.221.

3 Conforme recorte de jornal seção “Notas de Arte”, consultada no arquivo da filha do artista, Giuliana di Prete Campari.

4 Silvana Brunelli. Diálogo entre as artes plásticas e a publicidade no Brasil. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 2007, p.50.

5 Ibid., pp.52-53. Vale lembrar a crítica positiva de Guilherme de Almeida, ao ter contato com um cartaz de Di Prete em 1948, em que diz: “...Tudo o que sei, tudo o que não ignoro é que esse é o primeiro cartaz nacional, que conheço, digno de ser visto; o primeiro que, em vez de emporcalhar, enfeita a cidade; o primeiro que dá a essa feição da publicidade fôros de Arte. Isso é um Cartaz (a maiúscula impõe-se)”.

6 Ibid., pp.77-78.

pela Livraria José Olympio Editora em 1960-1961. No entanto, ainda que estivesse morando em São Paulo, Di Prete continuava a participar de exposições no exterior, como na mostra coletiva 30 anos de Cartazes em Nova York, em 1952; do 38º Salão de Maio de Paris em 1952, mesmo ano em que expõe na Bienal de Veneza de 1952 (dentro da delegação brasileira), onde viria a expor novamente em 1960 (na mesma delegação); em 1959 expõe no Museu de Arte de Dallas,7 em 1962, no Walker Art Center de Minneapolis e na I Bienal Americana de Córdoba, quando recebeu o Prêmio Garrafa,8 além de participar de outras exposições na Itália.9 Não se pode esquecer que o artista, em 1968, recebe o título de Cavaliere Ufficiale della República Italiana.

Quando aqui chega em 1946, a vertente abstrata ainda não havia se colocado como uma realidade no cenário artístico, pois, naquele momento, valorizava-se uma arte de caráter figurativo que contribuísse para a consolidação de uma identidade nacional, ainda que fosse desenvolvida pictoricamente com base nos aprendizados junto às vanguardas artísticas do início do século XX. As experiências da semana de 1922 já haviam acontecido fazia mais de duas décadas, e o que se viu nos anos 1930 e 1940, em certa medida, foi um ambiente análogo àquele europeu de “Retorno à ordem” (sobretudo na França e na Itália). Basta nos lembrarmos da produção do Grupo Santa Helena e de sua relação em certa medida com o Novecento Italiano, fundado pela crítica de arte italiana Margherita Sarfatti.10 É preciso lembrar, nesse contexto, que no Brasil tinha vigorado o Estado Novo de Getúlio Vargas (19371945), no qual o artista Candido Portinari havia sido eleito como pintor oficial, e que, em 1949, na mostra de abertura do antigo MAM SP Do Figurativismo ao Abstracionismo, há um grande embate aqui por parte de artistas brasileiros figurativos com a linha conceitual defendida pela mostra, organizada pelo primeiro diretor do museu, Léon Degand. É esse cenário artístico, então, que Di Prete encontra no país quando chega, e que provavelmente não lhe deve ter sido tão estranho, tendo em vista sua permanência na Itália nos anos precedentes. O artista vivenciou o fascismo promovido por Benito Mussolini (que durou entre 1922 e 1943) e testemunhou as diversas vertentes artísticas pulsantes, entre as quais o citado Novecento Italiano (iniciado em 1925 e terminado no início dos anos 1930), a pintura aerofuturista alavancada pelos esforços de Filippo Tommaso Marinetti (anos 1920-1930), o realismo mágico (anos 1920-1930) e as primeiras experiências abstratas em torno da Galleria Il Milione nos anos 1930, para citar apenas algumas tendências, além do já mencionado espírito do “Retorno à ordem” promovido por artistas como Gino Severini, Carlo Carrà e Giorgio de Chirico, por meio de suas obras e escritos. No início dos anos 1940, no entanto, surge na Itália uma espécie de recuperação das vanguardas artísticas do início do século XX, algo que ganharia mais corpo com o final da Segunda Guerra efetivamente. A IV Quadrienal de Roma, na qual Di Prete expôs, já reflete bem essa movimentação, pois lá se evidencia a mudança radical de percurso de alguns artistas, que haviam trabalhado de acordo com o ambiente do “Retorno à ordem” e que fazem um resgate das poéticas vanguardistas, a exemplo do italiano Severini, como fica claro nas obras que lá expôs.11 É possível ainda supor que Di Prete tenha tido algum contato com o grupo do Fronte Nuovo delle Arti fundado em 1946 e encabeçado por Birolli, Gutuso, Morlotti, entre outros, que assinaram o Manifesto del

7 O catálogo dessa mostra está disponível em: http://www.dm-art.org/ art/exhibition-archive/south-americanart-today.

8 Nelson Aguilar (org). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994, pp.228-229.

9 Cf. Abelardo Blanco Falgueiro. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1967. O artista exibe obras suas na exposição coletiva da Galeria de Arte do Brasil em Roma em 1964 e, em 1966, recebe a medalha de ouro para estrangeiro na exposição Il Fiorino, em Florença. Tais apontamentos deverão ser investigados e confirmados.

10 Essa ideia de que o Grupo Santa Helena tenha adotado o Novecento Italiano como referência foi apresentada inicialmente e desenvolvida por Walter Zanini em A arte no Brasil nas décadas 1930-1940: o Grupo Santa Helena. São Paulo: Edusp, 1991.

11 Renata D. F. M. Rocco. Para além do futurismo: poéticas de Gino Severini no Acervo MAC USP. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2013.

Neo Cubismo. Dessa forma, não é de estranhar que o artista trabalhe no Brasil com base nos ensinamentos cubistas, ainda que de forma particular e reinterpretada, como demonstra a tela Limões. No entanto, vale dizer que, muito embora Danilo não fosse nascido quando da irrupção do cubismo e do futurismo, sua poética nos primeiros anos de prática autodidata continha seus preceitos. É fundamental ressaltar que, no caso brasileiro, o cubismo havia sido adotado nos anos 1920 por alguns artistas que tinham viajado e estudado no exterior, como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, e, em um segundo momento, a partir dos anos 1940, acontece uma espécie de revalorização sua, como se percebe ao observar as obras de artistas que tinham participado do Grupo Santa Helena. A esse respeito, deve-se considerar também que em 1940 ocorre em São Paulo a exposição Cento e Cinquenta Anos de Pintura Francesa, que apresentava um grande panorama da arte francesa desde Jacques Louis David a Pablo Picasso, e que, certamente, exerceu um enorme impacto no ambiente artístico, sobretudo, para aqueles que ainda não tinham tido a oportunidade de viajar ao exterior e verem essas obras tão fundamentais.12 Outro ponto em que pesa essa revalorização é o fato de que nos anos 1944-1945 a Biblioteca Municipal começa a importar livros de arte mais especializados e a oferecer palestras sobre o cubismo.13 Assim, Di Prete chega impactado pela lição cubista, mas também encontra no Brasil um ambiente que está receptivo a essa linguagem plástica.

Da atividade de Di Prete no cenário italiano deve-se chamar a atenção para sua participação e premiação no Prêmio Cremona, tendo em vista o perfil desse evento que ocorreu entre 1939 e 1941 e foi promovido pelo fascista extremista Roberto Farinacci,14 do qual faziam parte artistas que realizavam uma arte claramente de propaganda fascista, cujos temas poderiam ser, por exemplo: “ouvindo o discurso do Duce pelo rádio” ou “Juventude italiana do movimento fascista”.15 Assim, trata-se de uma associação que revela uma dimensão política do artista e que deve ser mais bem investigada, até mesmo porque a sua vinda ao país ocorreu em 1946, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, quando se queria esquecer o terror dos regimes totalitários. Nessa mesma linha, podese mencionar novamente sua presença na IV Quadrienal de Roma, que também foi um evento avalizado pelo regime fascista, entre a 1ª e a 4ª edições (1931-1943).16 Na sala 39, Di Prete expõe seu óleo La barca – Viareggio com outros dezoito artistas 17 como Arturo Checchi, Rolando Monti 18 e Cesare Breveglieri.19 Contudo, se depois da atividade de publicitário, Di Prete seguiu na pintura com a vertente figurativa, sua orientação muda radicalmente de figura quando abraça a abstração e depois a arte cinética.20 Como se sabe, a arte abstrata ganha seu lugar definitivamente no cenário brasileiro nos anos 1950, e a I Bienal de São Paulo em 1951 pode ser tomada como o grande marco da consolidação dessa tendência, que se estenderia até o início dos anos 1960. Na primeira edição da bienal, embora estivessem presentes os grandes nomes do figurativismo como Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall e Portinari, participavam os artistas que seguiam a tendência concretista como Waldemar Cordeiro, Ivan Serpa, Lothar Charoux e Geraldo de Barros. Assim, essa tendência seria dominante até a V Bienal de São Paulo (1959),

12 Lisbeth Rebollo Gonçalves. Aldo Bonadei: percursos estéticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012, p.76.

13 Ivana Soares Paim. Por enxergar demais. A pintura de Hugo Adami. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, Brasil, 2002, pp.02-03. A pesquisadora relata que Adami sentiu fortemente essa “onda cubista” ao chegar ao Brasil em 1940.

14 De acordo com a biografia do artista publicada na revista Publicidade e Negócios em agosto de 1948, o seu quadro Batalha de trigo (2,40 x 4,5m) foi adquirido na mostra por Farinacci, que depois o deu de presente a Hitler. Material consultado no arquivo da filha do artista.

15 Cf. informação extraída da conferência proferida pelo Prof. Paolo Rusconi, da Università degli Studi di Milano, no dia 19 de abril de 2013, durante o Curso Internacional “Anos 1930 na Itália: as artes figurativas, as revistas e as exposições durante o fascismo”, realizado no Museu de Arte Contemporânea da USP, entre 16 e 19 de abril de 2013; diametralmente oposta é a orientação do Prêmio Bergamo, que ocorre entre 1939-1942, promovido por Cipriano Efisio Oppo (mesma personalidade que dirigiu as quatro primeiras edições da Quadrienal de Roma), que valorizava a experiência vanguardista.

16 Sobre essas edições da Quadrienal de Roma veja Claudia Salaris. La Quadriennale: Storia della rassegna d’arte italiana dagli anni Trenta a oggi. Itália: Marsilio Editori, 2008.

17 CAT. EXP. IV Quadriennale d’arte nazionale. Roma: Casa Editrice Mediterranea, 1943, pp.109-111.

18 Cf. CAT. EXP. IV Quadriennale d’arte nazionale. op. cit., vê-se que Monti expôs uma obra – A Cartomante – que apresentava justamente uma linguagem artística que remontava às vanguardas do início do século XX, conforme comentado anteriormente.

19 Este artista havia tido uma boa recepção na II Quadrienal de Roma, junto aos demais artistas “primitivos”.

20 Cf. Thaís Pereira de Oliveira; Edgar Silveira Franco. “Arte cinética e ciberarte: propostas de interatividade”. In: Suzete Venturelli (org.), 9º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, Brasília, 2010, Anais..., pp.427-428: Entendendo por arte cinética (advinda da palavra de origem grega kinétós, cujo significado é móvel, e que pode ser movido) aquela produção que surge a partir dos anos 1950, como fruto do espírito inovador do artista, de sua vontade de romper com os limites da tela como suporte principal, incorporando à sua criação motores elétricos, ruídos, aparatos que proporcionam movimento e interação do espectador com a obra de arte.

quando a abstração informal se faria sentir, como indica o prêmio de pintura concedido ao artista japonês Manabu Mabe.21 Nos anos 1960, muito embora houvesse a questão do regime político, que, como se sabe, se agrava fortemente em 1964, as artes visuais ainda conseguem desenvolver-se de maneira fértil, sendo que, nas bienais, se sente a influência norte-americana da Pop Arte e do expressionismo abstrato.22 Na década de 1970, depois desse período de predomínio da arte concretista no Brasil, firma-se a arte conceitual e outras tendências, podendo-se citar as criações produzidas com computador por Waldemar Cordeiro e o desenvolvimento de uma arte postal, cujo um dos pioneiros foi Ângelo de Aquino, para mencionar apenas duas. De acordo com Walter Zanini, a pintura só recuperaria espaço na segunda metade dos anos 1970, na esteira de um movimento maior advindo do exterior, com a transvanguarda italiana de Bonito Oliva e o novo expressionismo alemão.

Danilo di Prete, então, convive e participa ativamente de todas essas movimentações artísticas no Brasil, e suas obras que estão nos museus brasileiros testemunham isso: no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo têm-se Limões, 1951, Marinha (Via Reggio), 1946; Natureza-morta, 1949; e Formas no espaço, 1953; no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Cogumelos, 1945; Cabinas na praia de Viareggio, 1946; e Paisagem cósmica nº 2, 1967; na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Paisagem cósmica, 1967; Sem título, 1962; e Estrela preta, 1971; e, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Cosmos, s.d. e Eclosão, s.d. Existem obras suas também no Museu de Arte de Brasília,23 e em coleções privadas como a de Gilberto Chateaubriand,24 a da família Fadel,25 e nos bancos Itaú 26 e JPMorgan.27 Há ainda duas de suas criações na Coleção de Arte da Cidade (Centro Cultural São Paulo) [Sem título, s.d. e Sinenai Albânia, 1941] e seus arquivos estão no Idart também no Centro Cultural São Paulo. Alguns estudos apontam que existem obras suas no Museu Histórico de Berlim, na Galeria de Arte de Florença e no Museu Histórico do Castelo Sant’Angelo em Roma.28

Sobre sua relação com os críticos de arte brasileiros, é necessário apontar que aqueles que comentam seu trabalho são os responsáveis pela construção de um discurso modernista entre nós como: Mário Pedrosa, Geraldo Ferraz e José Geraldo Vieira. Este, faz um comentário a respeito de sua sala na I Bienal de São Paulo e do prêmio que lhe foi concedido.29

Ali, o seu percurso plástico está representado pelas obras feitas no Brasil, onde chegou em 1946 [...] Mas lhe sucedeu aqui em São Paulo, em 1951, uma surpresa ao mesmo tempo benéfica e nefasta; pois tendo sido uma glória, lhe criou complexos: na I Bienal, aceito no nosso continente como estrangeiro já residindo no Brasil desde mais de dois anos, o júri internacional lhe conferiu o Grande Prêmio de Pintura Brasileira. O júbilo atônito se transformou em mal-estar. Porque, conquanto não sendo um intruso, respeitando a nossa pintura e até mesmo se deixando antropofagar por ela, Danilo di Prete passou a temer a xenofobia e o despeito.

21 Maria Alice Milliet. “As Abstrações”. In: Nelson Aguilar, Nelson (org). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994, pp.184-185.

22 Walter Zanini. “Duas décadas difíceis: 60 e 70”. In: Nelson Aguilar (org). op cit., pp.307-308.

23 Cf. informação extraída do site da Secretaria do Estado de Cultura do Distrito Federal, na página “Apresentação Museu de Arte de Brasília”. Disponível em: http://www.cultura.df.gov.br/ apresentacao-do-museu-de-arte-debrasilia-mab.html. Acesso em: 8 jan. 2014.

24 Cf. CAT. EXP. O desenho moderno no Brasil. São Paulo: Sesi Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1993, foram expostas nesta mostra quatro grafites de Danilo di Prete, sendo um de 1943 e os outros três de 1944.

25 Cf. informação extraída do site do Museu de Arte do Rio, a respeito da exposição “Vontade Construtiva na Coleção Fadel”. Disponível em: http:// www.museudeartedorio.org.br/pt-br/ exposicoes/atuais?exp=8. Acesso em: 8 jan. 2014.

26 Cf. CAT. EXP. 100 obras Itaú. São Paulo: Banco Itaú, 1985, pp.204-205. Essa mostra, curada por Bardi e realizada no Masp, contava com uma obra de Di Prete: Sem título, 1969, óleo sobre tela, 129 x 99cm.

27 Cf. CAT. EXP. História de uma coleção: arte brasileira entre os anos 1960-1980 no acervo do banco JPMorgan. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2003, pp.209210. Nessa mostra curada por Luiz Camillo Osorio, havia duas obras de Di Prete, uma, intitulada Pintura 3, 1962, técnica mista sobre tela e a outra, Sem título, de 1964, técnica mista sobre tela.

28 Conforme informação extraída da monografia de Marcia Grosso já mencionada. No entanto, tais informações devem ser averiguadas.

29 José Geraldo Vieira. “A Sala Danilo di Prete na Bienal” in Folha Ilustrada, 1951.

O mesmo José Geraldo Vieira foi responsável pela organização da sala especial de Danilo Di Prete na VI Bienal de São Paulo,30 em 1961, onde havia nove salas especiais dedicadas aos artistas premiados nas edições anteriores, organizadas por críticos, em comemoração aos dez anos de Bienal.31 Geraldo Ferraz faz um comentário bem positivo acerca de sua sala, dizendo que “apresenta a mais bela coleção de trabalhos”, e retoma aspectos de sua premiação na primeira edição da mostra.32

Não se trata de uma retomada de posição: consideramos errada que o Limões de 1951 esteja aí, mas também este quadro, Prêmio do Melhor do Brasil na I Bienal, atesta, põe em relevo, comprova notável evolução de Di Prete, aos seus quadros das preocupações cósmicas. E o resultado do conjunto se faz simplesmente admirável. Cabe-nos reconhecê-lo e proclamá-lo.

Depois, em 1965, por ocasião da VIII Bienal de São Paulo, José Geraldo Vieira discute sua produção em um artigo na Folha de São Paulo em que discute o fato de ter ganhado, pela segunda vez, o prêmio de pintura da mostra.33

O júri internacional conferiu o prêmio de pintura brasileira a um artista que em 51 já recebera a mesma láurea. Trata-se de um artista sério, prestativo (montou sozinho quase toda a Bienal, por mais duma vez), e que ultimamente vem apresentando telas com a designação genérica de “paisagens cósmicas”. Sua situação com o atual prêmio deve ser ambivalente. Pois se acaso ele se sente feliz com a láurea repetida, simultaneamente se deve sentir atrapalhado com esse sanduiche plástico montado sobre o peito e as costas. Sua condição de estrangeiro radicado (ou naturalizado?) também coadjuvará no seu estado de provável angústia, pois sem querer preteriu quase cem artistas. De mais a mais, de 51 para 65, muito mudou o cenário plástico brasileiro, bem como o internacional. Os críticos é que parece que não mudam muito, burocraticamente. A maneira específica de Di Prete é mesmo a mais avançada, a mais revolucionária, a mais estética, em confronto com o demais acervo nacional?

Anos depois, é Mário Pedrosa quem faz uma breve retrospectiva sua por ocasião de uma mostra do artista em 1985, no Espaço Cultural Chap Chap.34

Quando Di Prete, há mais de dez anos, conquistou (...) o prêmio da 1ª Bienal de melhor pintor brasileiro, (...) era, com efeito, ainda ‘estrangeiro’, não de nacionalidade (...), mas de pintura (...). Seu ‘passaporte’ para a pintura brasileira, ou a pintura feita, nascida no Brasil, foi um neocubismo de nítida inspiração italiana, isto é, mais próximo dos esquemas colorísticos vibrantes do futurismo que das severidades térreas do cubismo francês. (...) A luz clara que trouxe da Itália pode se ter adensado, aqui, como nuvens baixas roçando os rochedos; sua matéria, a espátula, e não mais o pincel, pode ter perdido, no suceder da experiência pictórica, o direto contato perceptivo com as coisas ao alcance da mão ou da visão focal; suas cores, seus verdes, azuis podem ter perdido a transparência luminosa; a imaginação se deslocalizado para universalizar-se. Como resultante de tudo isso, sua matéria deixou de ser matéria, à maneira renascentista, para ser textura, que se ergue em fermento, em relevos orográficos, em energia – sinal dos tempos.

30 Cf. Folha de São Paulo, 11 nov. 1961: “Danilo di Prete e Carybé são os dois artistas brasileiros que mais quadros venderam até agora na VI Bienal de São Paulo. 11 cada um. As telas do primeiro variam de Cr$ 100 mil a Cr$ 300 mil cada, e as do desenhista baiano oscilam entre Cr$ 35 mil a Cr$ 40 mil...”

31 Ana Maria Pimenta Hoffman. Crítica de arte e bienais: as contribuições de Geraldo Ferraz. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 2007, p.119.

32 Cf. levantamento feito pela pesquisadora Ana Maria Pimenta Hoffmann, apresentado em sua tese de doutorado, op. cit., p.178.

33 José Geraldo Vieira. “Check up da VIII Bienal”. Folha Ilustrada, 03 out. 1965.

34 Cf. informação extraída da Enciclopédia Itaú Cultural, “Danilo Di Prete”: Mário Pedrosa in DANILO di Prete Apresentação de Jean Cassou, Geraldo Ferraz, Maria Eugenia Franco. Textos de José Geraldo Vieira e Mário Pedrosa. São Paulo: Espaço Cultural Chap Chap, 1985. Disponível em: https://www.google.com. br/search?q=danilo+di+prete& oq=danilo+di+p&aqs=chrome. 3.69i57j69i60l2j69i59l2j0. 3988j0j8&sourceid=chrome&espv =210&es_sm=93&ie=UTF-8. Acesso em: 10 jan. 2014.

35 Luiz Ernesto Machado Kawall. “Entrevista com Danilo Di Prete”, Artes Reportagem, São Paulo, v.1, p.28, 1972.

O próprio Di Prete, em entrevista a Luís Ernesto Machado em 30 de janeiro de 1972, olha retrospectivamente e declara: 35

Não quero ficar famoso nem me tornar milionário. Quero, apenas, pesquisar muito e pintar sempre. [...] Perdi 10 anos na vida como soldado do exército italiano. Cheguei ao Brasil em setembro de 1946, e já dei duro aqui. Pintei prédios, expus 30 telas, mas ninguém comprou, passei fome, fui cartazista em agências de propaganda. Aí vieram muitos prêmios, ganhei o prêmio de melhor pintor na I Bienal, outros prêmios importantes ainda em outras três bienais... Mas nada disso importa. O que me interessa é fazer uma obra pesquisada, adulta, independente, de ressonância nos grandes centros de arte, deixar um nome limpo na arte. Dinheiro, vendas, prêmios, ‘fofocas’, rodinhas, nada disso me interessa.

Tendo feito esta breve digressão acerca de seu percurso artístico e os meios artísticos em que esteve imerso, aponto as razões pelas quais me parece fundamental realizar uma pesquisa que se proponha a abordar como problema a trajetória de Di Prete no Brasil, esclarecendo a amplitude de sua influência entre os artistas, a relação com Ciccillo Matarazzo, bem como de demonstrar a sua interlocução e papel na relação entre os meios italiano e brasileiro.

Primeiramente, vale ressaltar que, até o momento, não há trabalhos acadêmicos, como mestrado ou doutorado, que tenham se debruçado sobre sua trajetória e criações artísticas.36 Dessa forma, existe uma grande oportunidade, ao se desenvolver esta tese, de se contribuir enormemente com a historiografia de arte brasileira entre os anos 1940-1970. Há um vácuo no entendimento da importância de Di Prete no ambiente brasileiro, o que gera um enorme desconhecimento das contribuições, ideias e propostas que ele introduziu nesse cenário, sendo que o artista marcou o ambiente brasileiro de forma significativa na época em que viveu. Há dois aspectos que inicialmente chamam a atenção nesse sentido: um primeiro diz respeito à ideia da realização de uma bienal em São Paulo nos mesmos moldes da Bienal de Veneza, pois em alguns casos mencionou-se Di Prete como aquele que sugeriu isso a Francisco Matarazzo Sobrinho. De acordo com a reportagem feita com a filha do artista, Giuliana di Prete em 2005, ela conta que o artista nipo-brasileiro Manabu Mabe, assíduo frequentador do estúdio de Di Prete, chegou a afirmar a um dos netos do artista “A Bienal de São Paulo foi uma ideia de seu avô”.37 O próprio Di Prete, em uma gravação feita em 1º setembro de 1976 (que depois ficou guardada no Arquivo da Fundação Cultural Matarazzo), afirma categoricamente ter sido ele quem deu a ideia ao Ciccillo de fazer a bienal e dá detalhes de como isso ocorreu.38 Contudo, não há registros ou documentos que confirmem isso por parte de outros artistas e mesmo de Yolanda Penteado, que, em suas memórias, não o menciona.39 Ainda assim, essa é uma hipótese que merece um aprofundamento, já que impacta diretamente no conhecimento que se tem a respeito da paternidade da ideia de formação da bienal; outro ponto é a sua contribuição, com a introdução da arte cinética no país, quando, a partir de 1970, o artista passa a incluir luzes, sons, saídas de ar, motores em suas criações, depois de ter passado pela pintura de caráter abstrato no decênio anterior. Assim,

36 Vale mencionar as duas monografias desenvolvidas por alunos da FAU USP sobre Danilo di Prete: Abelardo Blanco Falgueiro op. cit.; Marcia Grosso. Danilo di Prete. Monografia FAU USP, 1966.

37 Cf. consulta feita a Revista Época: Disponível em: http://revistaepoca.globo. com/Epoca/0,,EPT1031123-1661,00.html; Acesso em: 19 dez. 2013.

38 A autora teve acesso a esse registro (áudio e transcrição) por meio do encontro com a filha de Di Prete, Giuliana di Prete.

39 Yolanda Penteado. Tudo em cor-derosa. São Paulo: edição da autora, 1977.

percebe-se que não há descompasso da produção do artista com relação ao que vinha sendo desenvolvido no meio brasileiro, pelo contrário, ao aderir a esse tipo de criação dos anos 1970, com práticas mais interativas, onde estão atenuados os limites entre escultura e instalação, pode-se dizer que ele está totalmente inserido em nossa corrente contemporânea e também estrangeira.

Outro aspecto em que pesa a importância deste estudo diz respeito à recente reavaliação crítica da primeira coleção italiana presente no MAC USP (advinda do antigo MAM SP), empreendida pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, que revelou a complexa rede de relações entre os meios italiano e brasileiro no âmbito da atuação dos críticos, galeristas e artistas. Lembrando que as aquisições para o antigo MAM SP ocorrem na esteira do pós-Segunda Guerra Mundial, e, portanto, carregando ainda o peso de práticas que haviam vigorado durante o regime fascista, que, apenas terminado, havia durado por vinte anos. No ambiente brasileiro, há personagens de descendência italiana que estão presentes durante os anos 1930-1940 e que devem ser estudados em profundidade ou revistos, por conta da forte influência que exerceram nos artistas e seus grupos no país, como o artista Vittorio Gobbis, para mencionar apenas um exemplo. Trabalhos nessa direção vêm sendo realizados nos últimos anos, como aqueles sobre Aldo Bonadei,40 Paulo Rossi Osir,41 Fulvio Pennacchi,42 e Hugo Adami,43 além de obviamente, o caso de Pietro Maria Bardi e sua esposa, Lina Bo, que vêm sendo foco de inúmeros estudos, sobretudo por conta de suas ligações com o Museu de Arte de São Paulo (Masp).44 Pode-se mencionar também a pesquisa empreendida pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães a respeito das relações entre Margherita Sarfatti e o Brasil.45 Sendo assim, é fundamental a investigação acerca de Di Prete, que inclusive chega ao país no mesmo ano de Bardi e que, mesmo em via diversa, contribuiu fortemente com o desenvolvimento de tendências artísticas, promovendo intercâmbio cultural entre Brasil e Itália.

A título de conclusão, pode-se dizer que este trabalho certamente produzirá um material de relevância para museus e instituições culturais que contenham obras e documentos de autoria de Di Prete, e mesmo para os que trabalham com temas correlatos em exposições museológicas, palestras, publicações e outras ações educativas.

40 Lisbeth Rebollo Gonçalves. Aldo Bonadei: percursos estéticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012.

41 A. L. Ribeiro Niura. Rossi Osir –artista e idealizador cultural. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 1995; Lauci dos Reis Bortoluci. A biblioteca de Paulo Rossi Osir: coleção e arte. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2007.

42 Neville Rowley. “Entre Quattrocento et Novecento: Piero della Francesca, Pio Semeghini et Fulvio Pennacchi”. In: Anais Seminário Modernidade Latina, abril 2013, São Paulo. No prelo.

43 Ivana Soares Paim, Por enxergar demais. A pintura de Hugo Adami, Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2002.

44 Nesse sentido, vale lembrar dois eventos recentes: 1º Simpósio Internacional Pietro Maria Bardi que ocorreu entre os dias 12 e 14 de setembro de 2011, na Unicamp, Campinas, e no Masp em São Paulo, também em 2011, e o seminário Modernidade Latina, que ocorreu em abril de 2013, que embora não tivesse como foco o casal Bardi, ambos foram amplamente discutidos conforme poderá ser visto nos Anais do evento, ainda no prelo. Além disso, devese mencionar a publicação: Francesco Tentori, P. M. Bardi: com as crônicas artísticas do L’Ambrosiano 1930-1933 Trad. Eugênia Gorini Esmeraldo. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi/ Imprensa Oficial do Estado, 2000, e os diversos estudos sobre Bardi e Lina Bo desenvolvidos na USP, Unicamp, entre outras universidades.

45 Veja-se: Ana Gonçalves Magalhães. “Realismo, classicismo e vanguarda: Pintura italiana do entreguerras”. In: CAT. EXP. Realismo, classicismo e vanguarda: pintura italiana do entreguerras. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013, pp.7-23.

2.3 Referências

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2.4 Objetivos

2.4.1 Gerais:

- produção de conhecimento a respeito do artista, apresentando sua trajetória artística na Itália e no Brasil e desvelando sua influência no meio artístico brasileiro entre os anos 1940-1970;

- revisão historiográfica com relação à paternidade da ideia de trazer a Bienal para o Brasil;

- investigar sua participação no intercâmbio de informações entre os contextos artísticos Brasil e Itália.

2.4.2 Específicos:

- sistematizar a produção artística de Danilo di Prete (trabalho que será feito com o apoio e suporte da filha do artista);

- sistematizar a bibliografia existente (escritos sobre ele e os de sua autoria);

- entender quais foram os artistas impactados pela sua produção;

- rever a sua relação com a crítica de arte brasileira.

2.5 Plano de trabalho e cronograma

Primeiramente será pesquisada a biografia do artista para compreensão de qual bagagem artística trazia da Itália e que tipo de associações artísticas e políticas ele tinha feito até então. Ao longo dos semestres seguintes, sistematizarei sua produção artística, levantando suas criações, localizações, dados sobre as obras e coleção a que pertencem, e farei o mesmo com relação às referências bibliográficas que circundam seu nome. Ainda no segundo semestre darei início à investigação do impacto de suas criações no Brasil e de sua relação com Francisco Matarazzo Sobrinho. A partir desse ponto, procurarei esclarecer em que medida o artista circulava no meio brasileiro e influenciava em associações, artistas e críticos no país. Contarei com a colaboração da filha do artista nesse processo, durante o qual procurarei entrevistar artistas e críticos que tiveram contato com Di Prete e que possam fornecer informações sobre sua obra e relação com o ambiente brasileiro. Na última etapa, farei a análise formal das obras mais relevantes, depois de ter realizado, no início da pesquisa, todo o levantamento de sua produção. A seguir, o detalhamento da organização das atividades descritas:

Investigação sobre a vida e obra do artista nos contextos brasileiro e italiano (1920-1970)

Sistematização de sua produção artística

Sistematização de produção bibliográfica

Estudo de suas relações no Brasil e interface que fez com a Itália

Entrevistas com a filha de Di Prete e com artistas que tiveram contato com ele

Análise das soluções plásticas empregadas nas obras criadas e exibidas no Brasil e de suas criações como publicitário

Revisão, finalização, autorização de imagens e defesa de tese

2.6 Procedimentos metodológicos e quadro teórico de referência

Esta pesquisa se insere no campo da História da Arte e tem como problema principal a realização de um estudo de caso sobre o artista italiano radicado no Brasil, Danilo di Prete, e a influência que exerceu no cenário artístico brasileiro entre os anos 1940-1970.

Tendo em vista a frequente e vasta participação de Danilo di Prete em exposições de arte tanto na Itália quanto no Brasil, abordarei os objetivos expostos por meio das mostras de que participou, do sucesso ou insucesso que obteve e da trama de relações com críticos, artistas e formadores de opinião. Outra via de pesquisa serão os artigos de revistas e jornais publicados na época para que se tenha um entendimento claro da percepção naquele momento e não somente a posteriori. Será importante pesquisar como seu nome aparece contextualizado em publicações que se propõem a serem grandes sistematizações dos principais nomes de artistas brasileiros e italianos.

A título de organização, trabalharei com obras que contextualizam a produção artística de Di Prete na Itália e depois no Brasil, quando farei uma imersão no cenário artístico brasileiro. Tendo em vista seu percurso artístico no âmbito da arte moderna e contemporânea, adotarei como referências de base os seguintes compêndios: Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos, de Carlo Argan e; Arte contemporânea: uma história concisa, de Michael

Archer. Para um panorama específico e direcionado à produção na Itália no período em que Danilo morou lá, trabalharei com Pittura italiana moderna, 1950, de Umbro Apollonio; Pittura contemporânea, 1948, de Lionello Venturi; e Storia dell’arte in Italia: 1785-1943, de Corrado Maltese; para o cenário artístico brasileiro me apoiarei fundamentalmente na publicação de Walter Zanini, História geral da arte no Brasil, além de Bienal Brasil século XX, organizada por Nelson Aguilar, que ajudará a problematizar as edições da Bienal de São Paulo, assim como a revisão organizada por Agnaldo Farias, 50 anos. Bienal de São Paulo. 1951-2001, de 2001; e As bienais de São Paulo, de Francisco Alambert e Polyanna Canhête. Será necessário reconstruir as relações Brasil-Itália que pautaram a constituição do acervo do antigo MAM SP, uma vez que Francisco Matarazzo Sobrinho esteve à frente desse empreendimento, bem como da realização da Bienal de São Paulo, evento no qual Danilo di Prete teve uma significativa participação, como comentado anteriormente. Tal abordagem será feita com base na reavaliação crítica realizada pela Profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhães, cujos resultados podem ser consultados no catálogo da exposição Realismo, classicismo e vanguarda: pintura italiana do entreguerras. Além das obras que fundamentam o trabalho acima mencionadas, as demais informações, imagens, levantamentos que compõem este trabalho serão investigados no arquivo do artista no Idart e com a filha Giuliana di Prete; em compêndios de arte italiana nas bibliotecas da USP e outras; no arquivo Wanda Svevo; na Pinacoteca do Estado de São Paulo; e solicitarei informações, quando necessário, à Quadriennale di Roma e ao Departamento de Bens Culturais e Ambientais da Università Degli Studi di Milano, com o qual o MAC USP mantém um convênio de cooperação acadêmica (no âmbito do qual, realizei meu estágio na Itália em 2012 por conta da pesquisa do mestrado).

2.7 Forma de análise dos resultados

Feita a investigação minuciosa supracitada, no campo da linha de pesquisa de teoria e crítica de arte, os resultados esperados por este projeto serão atingidos.

Curadoria para produção de imagens digitais: questões sobre acúmulo e direitos autorais, com Luciana

instituições

Workshop Gestão de ativos digitais em
culturais, com Adriana Villela e Paulo Cesar Mafra
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Amaral
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Workshop Embalagens de conservação, com Milton Vedoato Filho
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Princípios básicos de conservação preventiva, com Andrea Andira
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Transformação digital, com Martim Passos e Yuri Tavares
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Sistemas de banco de dados para acervos e ferramentas correlatas, com Frederico A. C. Camargo
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Presença dos centros de memória no mundo contemporâneo, com Silvana Goulart
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Tratamento de massa documental acumulada, com Eneida Cintra Labaki
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
O impacto da branquitude nos arquivos, com Luciara Ribeiro
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo
Como fazer um projeto de pesquisa, com Renata Dias Ferraretto Moura Rocco
© Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo

Fundação Bienal de São Paulo

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Francisco Matarazzo Sobrinho · 1898–1977 presidente perpétuo

Conselho de administração

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Membros vitalícios

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Jens Olesen

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Marcos Arbaitman

Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa

Pedro Aranha Corrêa do Lago

Pedro Paulo de Sena Madureira

Roberto Muylaert

Rubens José Mattos Cunha Lima

Membros

Adrienne Senna Jobim

Alberto Emmanuel Whitaker

Alfredo Egydio Setubal

Ana Helena Godoy Pereira de Almeida Pires

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Carlos Jereissati

Célia Kochen Parnes

Claudio Thomaz Lobo Sonder

Daniela Montingelli Villela

Eduardo Saron

Fábio Magalhães

Felippe Crescenti

Flavia Buarque de Almeida

Flávia Cipovicci Berenguer

Flavia Regina de Souza Oliveira

Flávio Moura

Francisco Alambert

Heitor Martins

Isay Weinfeld

Jeane Mike Tsutsui

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Ligia Fonseca Ferreira

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