Refugiadas Urbanas - Diplo

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Discente: Nádia Botelho Trindade Vilela Orientadora: Maribel Aliaga Fuentes Banca: Ricardo Trevisan e Cláudia Araújo
Design Tático para repensar o trajeto das mulheres em situação de rua na Asa Norte de Brasília
Refugiadas Urbanas Mulheres Plano Piloto Aporofobia Nimby Brasília Raça Negras Desemprego Subemprego Governo Golpe Reformas Esmolas Invisibilidade Políticas Higienistas Industrialização Urbanização Desigualdade Gênero Modernidade Exclusão Contrarreforma Agrária Casa-grande Medo Prostitutas Mulheres Trans Mães Solo Esposas Violência Ruas Classe Escravidão Indígenas

“Tantas veces me mataron Tantas veces me morí Sin embargo estoy aquí Resucitando Gracias doy a la desgracia Y a la mano con puñal Porque me mató tan mal Y seguí cantando Cantando al sol Como la cigarra Después de un año Bajo la tierra Igual que sobreviviente Que vuelve de la guerra Tantas veces me borraron Tantas desaparecí A mi propio entierro fui Sola y llorando Hice un nudo del pañuelo Pero me olvidé después Que no era la única vez Y seguí cantando Cantando al sol Como la cigarra Después de un año Bajo la tierra Igual que sobreviviente Que vuelve de la guerra Tantas veces te mataron Tantas resucitarás Cuántas noches pasarás Desesperando Y a la hora del naufragio Y la de la oscuridad Alguien te rescatará Para ir cantando Cantando al sol Como la cigarra Después de un año Bajo la tierra Igual que sobreviviente Que vuelve de la guerra Gracias por cantar tan bonito Gracias, gracias”

Como la Cigarra - Mercedes Sosa

AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA POR QUE NA RUA? 1 2 9 11 11 21 SOBRE AS DEFINIÇÕES 3 ATUAIS POLÍTICAS PÚBLICCAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO DF 5 13 MAPEAMENTO DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NO DF 4 23 O DUPLO MEDO DA RUA 6 33 BRASÍLIA E A DESIGUALDADE NASCEM JUNTAS 7 11 AS PROPOSTAS 12 REFERÊNCIAS 13 ANEXOS 85 10 O CLIMA 11 AS PROPOSTAS 77 9 O LUGAR 43 8 POR UM URBANISMO DO COMUM 39 109 115

Isabela, casada, tem quatro filhos, morava, com sua família, em uma casa no município de Planaltina-GO, mas estava desempregada e sem condições para pagar o aluguel, com isto, o locatário pediu que desocupasse a casa. Após o despejo ela foi morar na invasão do Ia te Clube com sua família. O seu esposo trabalha com reciclagem, mas de acordo com ela, ganha pouco para sustentar toda a família. Eles são beneficiários do auxílio do governo Bolsa Família, porém, o valor do auxílio, R$400,00 não cobre as despesas mínimas.

O governo deveria dar moradias que estão abandonadas para nós. Eu vejo passando na televisão que tem muita casa abandonada. Meu marido fez inscrição na Codhab e até hoje não saiu. Onde eu moro é área pública, eles chegam derrubando tudo! Não esperam a gente tirar documento, as nossas coisas, chegam com trator e passam por cima. (Depoimento de Isabela, BSB INVISÍVEL, 2021).

A entrevistada conta que não quer essa vida para os filhos pois não é agradável viver assim. Ela segue contando que a maioria das pessoas pensa que eles “são um bando de desocupados e dependem dos outros. Mas não é todo lugar que a gente chega e arruma emprego. Eu sei fazer tudo dentro de uma casa, só não tenho estudo”. Ela continua:

Meus filhos estudam na Vila Planalto e um dia fizeram bullying porque moramos na ocupação. Eu não tinha dinheiro para comprar material escolar, ganhei um estojo rosa e uma menina fez bullying com ele. Se tivéssemos uma condição melhor, não passaríamos por isso. Queria uma casa, nem que fosse sem piso. Se fosse um lote, eu construiria de uma de madeirite (Depoimento de Isabela, BSB INVISÍVEL, 2021).

1- As mulheres em situação de rua

Situações como a de Isabela são usuais e se tornaram mais comuns com o avanço da pandemia da Covid-19. Por esta razão, é urgente debater a questão e procurar alternativas para as mulheres que vivem nas ruas. Para tanto, precisamos conhecer o perfil das mulheres em situação de rua no DF, um desafio, pois os dados estão defasados. Mesmo antes de toda esta crise sanitária, ter um banco de dados já era uma luta daqueles que estão envolvidos na causa. Quem nos afirma isto é a responsável pelo Instagram Bsb Invisível, conta administrada por Maria Eduarda Bachi, que representa uma organização não

governamental responsável por recolher e distribuir alimentos e vestimentas por todo o DF. A entrevistada menciona a dificuldade existente para coletar os dados das pessoas em situação de rua, já que eles não possuem CEP e o governo, em seus censos, necessita preencher endereço para contabilizar os cidadãos.

Dificuldade esta, também mencionada pelo padre Júlio Lancellotti, que constantemente faz denúncias sobre a indiferença e, até mesmo, o ódio mostrado para com as pessoas em situação de rua. Padre Júlio é um pedagogo e presbítero católico brasileiro, muito ativo numa rede social onde constantemente compartilha fotos, fatos e notícias, se posicionando a favor das pessoas em situação de rua e, em geral, cobrando dos poderes públicos umaa solução para o problema. Numa de suas denúncias ele questiona o censo realizado pela prefeitura de São Paulo no ano de 2022, isto porque a prefeitura não estava contabilizando pessoas que moram embaixo de viadutos, em barracos de madeira.

Refugiadas Urbanas é a parte da pesquisa teórica que dará subsídio ao trabalho final de conclusão de curso. Como objetivo geral procura-se mapear e compreender a realidade das mulheres em situação de rua que moram no Plano Piloto em Brasília -DF.

Como objetivos específicos o trabalho se propõe a:

- Analisar as origens da Aporofobia no Brasil e em Brasília;

- Mapear os lugares onde as mulheres em Situação de Rua estão morando;

- Identificar quais os motivos que levaram estas mulheres a morar nas ruas;

- Listar as necessidades destas mulheres;

- Propor alternativas emergenciais para que algumas das necessidades básicas pontuadas sejam atendidas.

Para alcançar tais objetivos a metodologia utilizada se baseia em pesquisa bibliográfica, livros, artigos, dissertações e teses, além de censos, mapas, entrevistas, documentários e visitas a campo.

É importante mencionar que este se trata de um trabalho de conclusão de curso e algumas melhorias serão propostas. Entretanto, para que sua aplicação

seja possível, seria necessário um trabalho conjunto e multidiscipl inar envolvendo outras áreas do conhecimento, além de depender da escuta ativa das mulheres envolvidas na análise. Também é necessário mencionar que, diferentemente do campo das utopias, muito recorrente na arquitetura e no urbanismo, este trabalho busca não o imaginário, mas o tangível e o cotidiano.

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Desde o Golpe de 2016 que resultou no impeachment da Presidente Dilma Rousseff, vários direitos vêm sendo gradativamente retirados dos trabalhadores brasileiros. A informalidade aumentou muito após a aprovação da Terceirização e da Reforma Trabalhista, a insegurança no mercado de trabalho aumentou, levando muitas pessoas a perderem seus meios de sustento e, consequentemente, irem morar nas ruas. No ano de 2011 uma pesquisa que revelava o perfil dos moradores de rua do DF foi publicada pela Universidade Brasília – UnB. A pesquisa mostrava que, naquele momento, o Distrito Federal contava com 2.500 moradores de rua. Estes dados estão hoje defasados, já que se passaram mais de dez anos e nos últimos dois anos o mundo vem enfrentando a pandemia do coronavírus.

No último ano a Codeplan realizou o censo que mostra o perfil da população de rua do DF e os resultados foram divulgados em junho de 2022. Conforme a pandemia da Covid-19 foi se alastrando e a crise econômica, política e social que o Brasil já enfrentava foi elevada à níveis críticos, era natural esperar que o número de pessoas em situação de rua aumentasse bastante.

Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES, 2021), até o mês de março de 2021 haviam 2.303 pessoas morando nas ruas do Distrito Federal. Este número revela um aumento de 17,5% em relação à 2020, quando haviam 2.181 pessoas morando nas ruas do DF. Infelizmente, a pesquisa não revela dados mais específicos de gênero, raça ou até mesmo um mapeamento de onde estas pessoas estão acampadas.

Nosso primeiro passo foi analisar entrevistas obtidas através da conta de rede social Bsb Invisível (@bsbinvisivel_), pudemos ter uma noção de quais são os lugares que estas pessoas passam a noite, quais os tipos de trabalho que exercem, quais seus anseios e quais são os maiores problemas que enfrentam. Em relação ao mapeamento, localizamos o acampamento que fica na L4 Norte, mencionado pela maior parte das mulheres que deram depoimento, além da invasão do CCBB, localizada no Setor de Clubes Esportivos Sul. Outra ocupação fica na entrada da Vila Planalto, assim como a ocupação que fica em frente ao posto policial, no Bloco K, da Colina da UnB. Observar mapa a seguir com dados fornecidos pelo Movimento População de Rua do Distrito Federal (mapeamento pode ser visto no tópico 4).

Além dos dados adquiridos pelos depoimentos do BSB Invisível, apresentaremos o perfil traçado pela Codeplan no tópico 4. Faremos uma comparação entre as duas pesquisas porque a Codeplan não fez distinção de gênero, e como nosso estudo se refere especificamente às mulheres em situação de rua, devemos levar esse detalhe em conta ao comparar todos os gráficos.

3- Sobre as definições

No ano de 2020 o Distrito Federal sancionou a Lei nº 6.691 que institui no Distrito Federal uma política distrital para a população em Situação de Rua. A mencionada Lei toma como base a definição do Decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009 que define População em Situação de Rua como:

o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a extrema pobreza, os vínculos familiares fragilizados ou interrompidos e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos, fazendo deles espaço de convívio e, principalmente, de sobrevivência, de forma temporária ou permanente (TJDFT, 2022).

As Pessoas em Situação de Rua passam as noites dormindo nas ruas, nas praças, sob viadutos e pontes. Elas também fazem uso de locais degradados, como prédios ou casas abandonadas, até mesmo carcaças de veículos, ou seja, locais com pouca ou nenhuma higiene. Já o Morador de Rua pode ser entendido como a pessoa que vive na rua, que utiliza o espaço como moradia. Mendonça (2006, p.11 apud EUCLEIA BALIEIRO et. al., 2017, p. 335) define morador de rua como sendo “[...] qualquer pessoa que, sem moradia, pernoita nos logradouros da cidade, nos albergues ou qualquer outro lugar destinado à habitação”.

Além de compreender as definições e os princípios que guiam o cuidado às pessoas em Situação de Rua, é importante mencionar que existem distintas designações no que se refere à permanência na rua, desde ficar na rua momentaneamente, estar na rua por algum tempo e ser da rua continuamente. Nesta perspectiva, Eucleia Balieiro, Carla Soares e Eliana Vieira (2017) afirmam que “a definição sobre população de rua difere bastante entre pesquisadores, pois neste conjunto pode haver migrantes, catadores de papel, profissionais do sexo, trabalhadores itinerantes, trecheiros, pedintes, desabrigados, camelôs,

neste conjunto pode haver migrantes, catadores de papel, profissionais do sexo, trabalhadores itinerantes, trecheiros, pedintes, desabrigados, camelôs, dentre outros (SANTOS, 2009 apud BALIEIRO et al, 2017, p.335).”

Os princípios basilares da Política Distrital para a População em Situação de Rua no Distrito Federal, dispostos na Lei nº 6.691, são os seguintes:

I – o respeito à dignidade da pessoa humana;

II – o direito à convivência familiar e comunitária;

III – a valorização e o respeito à vida e à cidadania;

IV – o atendimento humanizado e universalizado;

V – o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência;

VI – a redução de atos violentos e ações vexatórias e de estigmas negativos e preconceitos sociais que produzam ou estimulem a discriminação e a marginalização, seja pela ação, seja pela omissão;

VII – a não discriminação de qualquer natureza no acesso a bens e serviços públicos.

2-
Por que na rua?
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Através dos depoimentos coletados pela Ong BSB Invisível foi possível dividir as Mulheres em Situação de Rua do Distrito Federal em três grupos distintos, definidos por esta pesquisa da seguinte forma: a Moradora de Rua Circunstancial, a Moradora de Rua Sazonal e a Moradora de Rua Contínua.

3.1- Classificação das Mulheres em Situação de Rua

A situação de Isabela mencionada no início deste texto pode ser um bom exemplo de uma pessoa pode ser classificada como Moradora de Rua Circunstancial. Ela e sua família possuíam uma casa, mas por causa das diversas crises enfrentadas pelo país e por falta de um Estado forte, eles não tiveram outra alternativa a não ser dormir na rua. Além de Isabela podemos citar a situação de Rafael e sua esposa, Camila.

Meu nome é Rafael, o nome da minha esposa é Camila. Nós viemos falar um pouco da nossa vida para ver se alguém pode nos ajudar! Devido a essa pandemia, eu e minha esposa ficamos desempregados no meio dessa crise dessa doença. Nisso nós viemos parar em situação de rua… porque a gente ficou desempregado, não tinha mais como pagar aluguel, as despesas de casa… então viemos parar na rua. Nós temos duas filhinhas! As filhas a gente deixou aos cuidados da minha sogra e da minha cunhada, irmã da minha esposa. E assim, hoje nós estamos em situação de rua, mas, mesmo nessa situação difícil, a gente procura trabalhar. Com reciclagem, a gente vai pro semáforo… na verdade nós trabalhamos no semáforo! Vendendo água e pipoca. Só que no meio tempo, quando a gente não tá no semáforo, nós catamos reciclagem (Depoimento de Rafael e Camila, BSB INVISÍVEL, 2021).

Em relação à Moradora de Rua Sazonal, podemos entender como aqueles que moram em alguma região no entorno do Plano Piloto de Brasília, mas como trabalham na cidade e, por vezes, não tem possibilidade de se locomover todos os dias entre seu local de trabalho e sua residência, acabam dormindo na rua durante a semana.

Meu nome é Amanda! Eu já morei mais de 10 anos da minha vida na rua... Agora tenho a casa da minha irmã no Valparaíso, mas como meu esposo trabalha no Plano, eu não posso voltar pra lá todo dia.Agente passa a semana aqui... Já falei pra ele, para sairmos daqui, irmos de vez pra roça, mas ele não quer deixar o trabalho... (Depoimento de Amanda, BSB INVISÍVEL, 2021)INVISÍVEL, 2021).

E, por fim, a Moradora de Rua Contínua se refere àquela situação de mulheres que são da rua, pessoas que não conhecem outra realidade pois nunca tiveram casa. São diversos os motivos que levam uma pessoa a morar toda a vida na rua.

Meu nome é Maria do Socorro. (...) Eu sou uma mulher guerreira, tenho 9 filhos, 14 netos e minha maior vontade é poder comprar coisas que possam melhorar a vida da minha família, queria dar uma vida melhor pra cada um. Tem 35 anos que moro em Brasília, mas eu sou lá da Paraíba! Eu moro na rua desde criança, essa é a única realidade que conheço, nunca tive uma casa... Já trabalhei algumas vezes, já fui presa também. Nossa não consigo nem falar muito dessas coisas, minha prisão foi muito injusta. Mas, ainda bem que já passou, é distante (Depoimento de Maria do Socorro, BSB INVISÍVEL, 2021).

4- Mapeamento das Mulheres em Situação de Rua do DF

A partir de todos os depoimentos que tivemos acesso pela conta BSB Invisível e da Ong Movimento de Rua, fizemos o mapeamento de onde as mulheres em Situação de Rua estão acampadas, quais são suas maiores necessidades, isto inclui desde sonhos até necessidades emergenciais, qual a porcentagem delas que possui filhos, qual a média de filhos por mulher, qual a média de idade presente nos depoimentos e quantas delas trabalham com reciclagem.

Foram analisados 75 depoimentos com média de idade de 40,7 anos, sendo a entrevistada mais jovem uma moça de 18 anos e a mais velha uma senhora de 76 anos. Antes de apresentarmos os resultados faz-se importante destacar que as perguntas não foram elaboradas por nós, o que nos leva a considerar com cautela algumas informações obtidas. Por exemplo, é possível que o número de mulheres com filhos seja maior, assim como o número de mulheres que trabalham com reciclagem e a média de idades também certamente seria diferentes, já que não sabemos a idade de todas as entrevistadas.

De posse destas compreensões preliminares podemos seguir apresentando algumas das atuais políticas públicas do governo do Distrito Federal para auxiliar qualquer pessoa em Situação de Rua.

69% 56% Percentual de mulheres com filhos Percentual de mulheres que trabalham com reciclagem Foram 75 mulheres entrevistadas com média de idade de 40,7 anos Roupas 42,67% 28,00% 65,33% 20,00% 54,67% 76,00% EducaçãoHabitaçãoRemédios EmpregoAlimentação As principais necessidades mencionadas GráficossíntesedoperfildasmulheresemSituaçãodeRuadoDF.Fonte:Autora¹ ¹EstesresultadosforamalcançadosapartirdaleituraesíntesedosdepoimentosdisponibilizadospelaOngBSBInvisívelqueestãonosanexos. 14 13

Perfil da população em situação de rua no DF

Foram localizadas 2.938 pessoas em situação de rua no DF em fevereiro de 2022. Dessas, 1.767 foram entrevistadas, 244 eram crianças ou adolescentes e 927 foram identificadas pelas equipes de coleta, mas não puderam ou não quiseram responder o questionário.

Perfil sociodemográfico

51,7% das pessoas em situação de rua no DF são migrantes internas;

Entre as que migraram para o DF, 44,5% delas vieram para a cidade procurar trabalho; 47,2% sempre moraram no DF.

Segurança alimentar, acesso a alimentos, água e banheiro

41,3% das pessoas afirmaram ter ficado pelo menos 24 horas sem comer na semana de realização da pesquisa

O comércio local é a principal fonte de alimentos (40,8%) e de água para beber (26,7%);

O Centro Pop é o local em que 28% das pessoas em situação de rua utilizam o banheiro.

Benefícios recebidos

Distribuição da população em situação de rua pelo recebimento de benefícios governamentais, DF, 2022. 50,7% 45,4% 3,1% 0,3% 0,6%

Não respondeu Não sabe Sem Informação Sim Não

Gráficosadquiridosnapesquisado“PerfildapopulaçãoemsituaçãoderuanoDF”.Fonte:Codeplan,2022.

Gráficoadquiridonapesquisado“PerfildapopulaçãoemsituaçãoderuanoDF”.Fonte:Codeplan,2022.

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Trabalho e renda

Distribuição da população em situação de rua segundo a principal atividade que realizou para geração de renda nos dias anteriores à pesquisa, DF, 2022. 33,6% 15,2% 14,0% 13,9% 7,6% 4,5% 2,7% 2,2% 1,8% 1,8% 1,8% 0,9%

Gráficoadquiridonapesquisado“PerfildapopulaçãoemsituaçãoderuanoDF”.Fonte:Codeplan,2022.

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Mapa 1 - Mapeamento das Mulheres em Situação de Rua no DF Fonte: Dados da Ong Movimento de Rua DF compatibilizados com depoimentos da Ong BSB Invisível

5- Atuais políticas públicas para a população em Situação de Rua no DF

A Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (SEDES, 2022) apresenta em seu sítio na internet ¹ alguns dos programas disponíveis para Assistência Social.

CRAS

Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) são unidades públicas de assistência social do Sistema Único de Assistência Social. Estes centros se destinam ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. O público atendido pelos CRAS são as famílias ou indivíduos que passam por qualquer situação de insegurança, fragilidade, ausência de renda, pobreza e dificuldades de acesso aos serviços públicos.

CECON

O CECON – Centro de Convivência é uma unidade pública que se destina ao atendimento de indivíduos e famílias em situação de risco social através do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). O SCFV é realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de modo a garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de risco social. Configura-se como uma forma de intervenção social planejada, buscando criar situações desafiadoras, estimular e orientar os indivíduos na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no território.

CENTRO POP

O Centro Especializado para População em Situação de Rua, também conhecido como Centro POP. Nestes centros são ofertados atendimentos “individuais e coletivos, oficinas, atividades de convívio e socialização, além de ações que incentivem o protagonismo e a participação social” (SEDES, 2022). É importante enfatizar que o centro não se trata de um abrigo, mas de um espaço de referência para o convívio social e o desenvolvimento de relações de solidariedade, afetividade e respeito. Ele também funciona como um ponto de apoio para as pessoas que vivem ou sobrevivem nas ruas.

CENTRAL DE ACOLHIMENTO

A Central de Acolhimento se trata de um serviço vinculado à Proteção Social Especial de Alta Complexidade e oferta acolhimento imediato e provisório à população em situação de rua e desabrigo, buscando garantir condições de estadia, convívio e endereço de referência e é ofertado de duas maneiras, Abrigo Institucional e Casa de Passagem.

SERVIÇO DE ABORDAGEM

O Serviço Especializado em Abordagem Social, responsável por atender pessoas em situação de rua nos espaços públicos do Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social (2022), não se trata de um serviço para a retirada compulsória de pessoas das ruas, mas de atendimento destes indivíduos no espaço público para a sua inserção nas Políticas de Assistência Social.

Em contraponto às políticas públicas do Governo Distrital temos alguns depoimentos² das mulheres em Situação de Rua:

Meu nome é Samara, sou aqui de Brasília, tô pra fazer 18 anos e tô grávida de mais ou menos 2 pra 3 meses. Não tô me sentindo muito feliz porque eu já tenho 3 filhos, esse é o quarto e vai colocar mais pra mim… porque do jeito que a gente tá aqui, vão ficar mais difíceis as coisas agora. Se alguém puder me ajudar, vai ser uma ótima e muito bem vinda a ajuda… A gente trabalha com reciclagem, mas agora não tá dando pra gente mexer… como ta tendo a derrubada, o DF Legal ta derrubando direto, então nós paramos de catar… a gente fica com medo. Dessa última vez que eles vieram, levaram tudo… até o material do pessoal. Eles não deram nenhuma ajuda, apenas chegaram e derrubaram, mas sem violência, graças a Deus... Eles tinham dado 6 meses pra gente ficar aqui, mas a gente só conseguiu ficar uns 2 meses e eles já começaram a derrubar de novo! (Depoimento de Samara, BSB INVISÍVEL, 2021).

Meu nome é Conceição de Jesus… Nasci em Pirapora e tenho 42 anos. Quero falar assim, ele tinha que respeitar mais o povo e ter mais amor ao próximo. O que ele tá mandando fazer não é culpa da polícia, é culpa dele, a polícia faz o que eles mandam. Tenha mais amor às pessoas humildes, entendeu?! Porque a gente não tem dinheiro, a gente não tem emprego… Ele não dá emprego para pobre, emprego é só para quem tem estudo e nós não temos estudo. (...) Sobre a derruba de hoje... Nós estávamos aqui, aí começaram a derrubar lá em cima, eu vi e corri, tirei a lona, tirei tudo, eu fiquei tirando a lona e pensando: ‘ué, não tô matando, a gente não tá roubando e não tem nada…’ Sou evangélica, da igreja ali... Não tenho nada, tenho só a ajuda de vocês, das pessoas que vem trazer comida e tudo... Hoje mesmo, o que que ele fez? Deixou minha criança aqui o dia todinho sem comida, porque mandaram derrubar os barracos da gente! (Depoimento de Conceição de Jesus, BSB INVISÍVEL, 2021).

² Os demais depoimentos se encontram nos Anexos.

¹ https://www.sedes.df.gov.br/
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A seguir trataremos sobre o duplo medo da rua: medo da população que fica desamparada e sem acesso à moradia e sem qualquer direito à cidade apesar da existência de toda uma rede de apoio governamental; e o medo daqueles que não querem que o morador de rua se aproxime de seu espaço privilegiado. O que percebemos na realidade é um confronto entre pessoas, confronto entre classes, para tanto, é necessário falar sobre o duplo medo da rua. Para melhor compreender porque as atitudes mencionadas nos depoimentos e ainda toleradas por nossa sociedade, faremos um breve olhar na história do Brasil e de Brasília. Faz-se necessário reforçar que este trabalho não tem como objetivo dar soluções para estes problemas, antes de qualquer sugestão de intervenção urbanística, pretende-se realizar uma análise crítica, refletir sobre a problemática e levantar mais questionamentos sobre o tema.

6- O duplo medo da rua “ Negada na maternidade, moradora de rua dá à luz na calçada ” (NEGADA..., 2022), “ População de moradores de rua cresce 31% em São Paulo na pandemia ” (PALHARES E ZYLBERKAN, 2022), “ Moradoresda312Sulmarcam reunião para discutir retirada de pessoas em situação de rua da quadra, em Brasília ” (MORADORES..., 2022). Estas notícias são reais e aconteceram no Brasil recentemente. Paralelamente a esta realidade, recentemente um vereador apresentou um projeto de lei para combater esmolas em Toledo (GAZETA, 2022), assim como a cidade de Campo Grand e lançou a campanha com o slogan:

“ Não dê esmola! ” . De acordo com a vice-prefeita, Adriane Lopes, “ quando damosesmolafomentamosque essas pessoas permaneçam nas ruas ” (NÃO..., 2021). No final do ano de 2020, já em meio à pandemia da Covid19, a Prefeitura de Patos de Minas lançou a campanha “ Não dê esmola, dê cidadania ” (CAMPANHA..., 2020) e, por fim, a Prefeitura de Florianópolis afirma que não dar esmolas é a melhor ajuda (NÃO..., 2019).

Todas estas atitudes apresentadas anteriormente podem ser classificadas como Aporofobia. O termo surge a partir de duas palavras gregas “áporos”, que significa o pobre, o desamparado e “fobia”, que significa temer, odiar, rejeitar. Ou seja, a Aporofobia se trata do ódio ao pobre e ao miserável. Este ódio pode ser bem visualizado através de grades em forma de arco colocadas sobre qualquer estrutura que se assemelhe ou que possa ser usada como banco, pedras perfurantes instaladas sob viadutos, estruturas metálicas, por vezes com pontas afiadas, colocadas em volta de floreiras espalhadas pela cidade, separadores de assento instaladas em bancos para que não possam ser usados como cama improvisada, vasos com plantas fixados no chão sob marquises e um sistema de irrigação que sempre deixa a calçadas molhadas (ver sequência de imagens na próxima página).

Além da Aporofobia, existe uma expressão conhecida no mundo todo chamada not in my back yard - NIMBY, que em tradução livre significa, não no meu quintal. Esta expressão se refere a atitudes de exclusão social quando um determinado grupo de pessoas não quer a presença de um grupo diferente do seu em sua vizinhança. Os autores Montaner e Muxí (2021) afirmam:

O nimbysmo geralmente vai contra a transformação dos bairros na direção do aumento controlado de densidades e alturas e contra a intensificação da mistura de funções, introduzindo mais equipamentos e, também, mais moradias, em certas ocasiões dentro dos próprios equipamentos (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.162).

“A atitude Nimby apresenta uma de suas facetas mais miseráveis nas plataformas organizadas contra a operação de moradia pública, justificando que na moradia há, de fato, uso privado, e buscando todas as brechas legais possíveis para paralisar o projeto e a obra” (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.162). Para os autores, por trás destes posicionamentos ‘não quero moradia social na frente da minha casa’, se esconde o real motivo, estas pessoas não querem ‘os outros’ em seu bairro. Pois, “consideram que isso abaixará o valor de suas propriedades, podem trazer conflitos e vão obrigá-los a compartilhar serviços e equipamentos com mais pessoas” (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.162). (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.162).

Sabemos que “uma cidade nasce de um processo histórico, marcada por um tempo, dentro de um espaço e sua formação é movida por um processo de interesses políticos, econômicos, geográficos e sociais” (ALVES, 2013, p. 40). Com isto em mente, pretendemos fazer um breve panorama de como estes interesses conflitantes podem levar à desigualdade e deixar pessoas em situações de vulnerabilidade. Para a autora:

Por ser a cidade um conjunto de lugares que decorrem da reprodução das relações capitalistas, essa é um mosaico de inúmeras paisagens que revelam as desigualdades sociais e espaciais, materializadas no espaço urbano. Sendo assim, é espaço das múltiplas expressões da questão social consubstanciadas nas mais significativas desigualdades que se revelam em diferentes formas de habitação, como as áreas de risco, as favelas e outros aglomerados subnormais. É espaço das lutas e contradições expressas tanto nas manifestações formais quanto no próprio movimento da vida que vai sendo tecida diariamente em sociedade (ALVES, 2013, p. 43).

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Aporofobia - termo que surge a partir de duas palavras gregas “áporos”, que significa o pobre, o desamparado e “fobia”, que significa temer, odiar, rejeitar. Ou seja, a Aporofobia se trata do ódio ao pobre e ao miserável.

Not in my back yard - NIMBY - em tradução livre significa, não no meu quintal. Esta expressão se refere a atitudes de exclusão social quando um determinado grupo de pessoas não quer a presença de um grupo diferente do seu em sua vizinhança.

Figura 1 - Exemplo de Aporofobia em Florianópolis - SC. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em: https://www.instagram.-com/p/CZVjSESL6SV/ Figura 3 - Exemplo de Aporofobia em Juiz de Fora - MG. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CYVA Figura 4 - Exemplo de Aporofobia em Vitória - ES. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em:https://www.instagram.-com/p/CZP33lAPexl Figura 2 -Aestética do desumano. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em:https://www.instagram.com/p/CaSppwevMW0/ Figura 6 - Campanha contra esmolas. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ca4u6K7Oise/ Figura 5 - Exemplo de Aporofobia em São Paulo - SP. Fonte: Padre Júlio Lancellotti. Disponível em: https://www.ins฀tagram.com/p/CZXO9JnOjj6/
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Maria Elaene Rodrigues Alves segue afirmando que um aspecto que chama muito a atenção na paisagem urbana é o choque de diferenças, e isto ocorre porque “a cidade é concentração de pessoas exercendo uma série de atividades concorrentes ou complementares em função da divisão social do trabalho e que acaba por enredar uma disputa em torno de seu uso” (ALVES, 2013, p.43).

Em seu processo de transformações as grandes cidades brasileiras têm se caracterizado, em geral, pelo aumento cotidiano das desigualdades. Com isto prosseguem a proliferação de favelas e das enchentes, do desemprego e subemprego, as irregularidades na ocupação do solo (devido tanto à especulação imobiliária como pela falta de moradias que levam os sem-teto a viverem às margens de rios e canais), as agressões ao meio ambiente com a poluição do ar e das águas pela ação industrial, a violência urbana e a segregação social, a ineficiência e/ou insuficiência das políticas sociais no atendimento de saúde, de assistência, de educação (ALVES, 2013, p.43).

Mas seria desonesto afirmar que o problema da população em situação de rua é um fenômeno recente. Sabemos que é uma questão que vem desde a antiguidade, mas foi nas sociedades capitalistas que sua origem como expressão dos problemas sociais foi determinado pelas desigualdades de classe e pela “particularidade de que nesta sociedade a exploração de uma classe sobre outra se realiza de forma mais profunda, contribuindo assim para o aumento da miséria” (ALVES, 2013, p.47).

A partir de agora falaremos um pouco da evolução das desigualdades nos centros urbanos no Brasil e, consequentemente, o que nos faz ser um país que não só consegue tolerar ver a miserabilidade nas ruas, mas também reproduzir intervenções hostis na arquitetura e nos equipamentos públicos como pudemos ver nas imagens acima.

6.1- As origens da Aporofobia no Brasil

Quais são os motivos que levam uma pessoa a agir com Aporofobia? Na busca de tentar compreender nossa cidade hoje e identificar suas contradições não podemos deixar de mencionar as influências/marcas da nossa herança colonial escravagista. Damatta (2000) discorre em seu livro ACasa & ARua sobre as relações sociais brasileiras contemporâneas e sua relação com o passado escravista do país. “Tomemos o Brasil escravista. Não há a menor dúvida

que, de um ponto de vista jurídico e legal, a sociedade se achava bisseccionada em senhores e escravos, num dualismo exclusivo e rígido” (DAMATTA, 2000, p.71). Para Sérgio Buarque de Holanda (2014) as características de nossa sociedade possuem raízes rurais que, de certa forma, nos influenciam até hoje.

Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato para se compreender exatamente as condições que, por via direta ou indireta, nos governaram até muito depois de proclamada nossa independência política e cujos reflexos não se apagaram ainda hoje (HOLANDA, 2014, p.85).

As consequências desta influência vão desde a forma que são constituídas nossas relações, até à forma como ocorreu o aumento populacional nos centros urbanos. No que se refere às relações interpessoais, DAMATTA(2000, p.72) afirma que “a mediação entre senhores e escravos não é feita somente por meio de um cálculo econômico e jurídico”, isto ocorre, pois, este cálculo “sofre as interferências de um sistema de simpatias, de relações construídas pela proximidade física que, sendo reconhecidas num nível moral e social, permitem criar categorias intermediárias que têm valor, isto é, peso e capacidade de determinação social” (DAMATTA, 2000, p.72).

Esta proximidade e intimidade entre senhor e escravo pode levar o patrão a tratar o seu serviçal como “parte da família”. Um exemplo contemporâneo de como estas relações, fundadas no período colonial, ainda afetam as relações hoje em dia é muito bem retratada no filme brasileiro do ano de 2015, Que horas ela volta?, escrito e dirigido por Anna Muylaert. O filme mostra a vida de Val, uma empregada doméstica nordestina que trabalha e mora numa casa de classe média alta em São Paulo. O filme apresenta as desigualdade e contradições na relação entre Val e seus patrões.

As posições estão relacionadas por meio de uma lógica complementar perfeita. Às vezes o englobador é o escravismo (quando estávamos na casa-grande e falávamos dos nossos escravos como gente relacionada a nós por simpatia, lealdade e substância), noutras, o englobador é o liberalismo impessoal fundado nas leis e expresso na praça pública e nos jornais: no mundo da rua, onde somos uma "pessoa como outra qualquer..." Na dialética do englobador e do englobado, temos de aprender suas relações para descobrir uma estranha importante verdade: é que no Brasil a relação é um dado básico de todas as situações (DAMATTA, 2000, p.73).

O autor ainda afirma que quando tentamos adentrar a problemática das relações brasileiras como um elemento estrutural, “não se pode realmente penetrar na razão profunda da identidade nacional a não ser para vê-la como uma configuração intrigante, confusa e errada” (DAMATTA, 2000, p.75). Partindo deste princípio, o autor afirma que não podíamos ter outro modelo político ideal que não o liberalismo econômico¹.

Quando nos voltamos para os domínios rurais e buscamos compreender como as relações familiares eram constituídas, devemos ter em mente que tínhamos um regime patriarcal, cujo chefe da família era que mandava e desmandava. Seu poder se extrapolava para além dos limites domésticos e se estendia à vida pública².

Holanda (2014) afirma que, dentro do ambiente familiar, o patriarcado possuía poderes ilimitados e não havia “justiça” que o impedisse. Conta-se a história do caso de um senhor Bernardo Vieira de Melo que condena sua nora à morte por suspeita de adultério.

Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para a sua tirania. Não são raros os casos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que, suspeitando a nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar a sentença, sem que a Justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que deu ao fato o próprio criminoso (HOLANDA, 2014, p.96).

Com o passar dos anos existe um declínio gradual deste meio rural e a ascensão dos centros urbanos, consequência da vinda da Corte portuguesa em 1808, os senhorios rurais passam a perder muito de suas posições privilegiadas e, com isto, passam a reclamar ocupações citadinas, tais como, atividade política, burocracia e profissões liberais (HOLANDA, 2014). O autor segue sua explanação com uma justificativa:

É bem compreensível que semelhantes ocupações venham a caber, em primeiro lugar, à gente principal do país, toda ela constituída de lavradores e donos de engenhos. E que, transportada de súbito para as cidades, essa gente carregue consigo a mentalidade, os preconceitos e, tanto quanto possível, o teor de vida que tinham sido atribuídos especificamente de sua primitiva condição (HOLANDA, 2014, p.97).

¹ (...) Quero acentuar que a questão da sociedade brasileira não se reduz simplesmente a um conforto patético entre mercadores e escravos, favores e senhores, como coisas individualizadas, mas a um sistema em que a relação entre os elementos é crítica. O problema é que a teorização parte de uma epistemologia individualizante, quando na verdade estamos diante de um sistema social fundado na relação, no elo, no intermediário que promove a dinâmica social, criando zonas de conversação entre posições polares rigorosamente exclusivas de um ângulo prático ou individualista. Desta posição, talvez fosse possível revelar que seria somente numa sociedade profunda e convictamente escravista que o liberalismo poderia se erguer como uma ideologia do "radical chique" e até mesmo como modelo político ideal (DAMATTA, 2000, ps.73 -74).

² Nos domínios rurais é o tipo de família organizada segundo as normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas na península Ibérica através de inúmeras gerações, que prevalece como base e centro de toda organização. Os escravos das plantações e das casas, e não somente escravos, como os agregados, dilatam o círculo familiar e, com ele, a autoridade do pater-famílias. Esse número bem característico e tudo se comporta como seu modelo de Antiguidade, se acha estreitamente vinculada à ideia de escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca, os liberi (HOLANDA, 2014, p.95).

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A consequência desta improvisação da burguesia urbana nos levou a apenas mudar de localidade uma mentalidade já enraizada e engessada aos moldes da casa-grande. Esta elite traz para as cidades não só a forma de tratar subordinados, inspirada nas antigas relações entre senhores e escravos, mas também “o elo entre simpatias pessoais e formulações jurídicas universalizantes. Daí o ‘jeito’, o ‘sabe com quem está falando?’ e, evidentemente, o favor e a consideração (DAMATTA, 1979 apud DAMATTA, 2000, p.72). Ou seja, esta postura foi levada para as cidades e adaptada às mais diversas profissões e relações interpessoais.

Um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia urbana no Brasil está em que certas atitudes peculiares, até então, ao patriciado rural logo se tornaram comuns a todas as classes como norma ideal de conduta. Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. É bem típico o caso testemunhado por um John Luccock, no Rio de Janeiro, do simples oficial de carpintaria que se vestia à maneira de um fidalgo, com tricórnio e sapatos de fivela, e se recusava a usar das próprias mãos para carregar as ferramentas de seu ofício, preferindo entregá-las a um preto (HOLANDA, 2013, p.103).

Após compreender quem é esta elite urbana e com que tipo de mentalidade e postura ela chega aos centros urbanos, precisamos compreender quem compõe esta população que vem para a cidade de forma involuntária, isto ocorre devido a um êxodo rural forçado. Darcy Ribeiro (2015) traz uma explicação muito didática em seu livro O povo brasileiro.

No Brasil, vários processos já referidos, sobretudo o monopólio da terra e a monocultura, promovem a expulsão da população do campo. No nosso caso, as dimensões são espantosas, dada a magnitude da população e a quantidade imensa de gente que se vê compelida a transladar-se. A população urbana salta de 12,8 milhões, em 1940, para 80,5 milhões, em 1980. Agora é de 110,9 milhões. A população rural perde substância porque passa, no mesmo período, de 28,3 milhões para 38,6 milhões e é, agora, 35,8 milhões. Reduzindo-se, em números relativos, de 68,7% para 32,4% e para 24,4% do total (RIBEIRO, 2015, p.150).

Pode-se observar que o Brasil viveu um grande êxodo rural e, além disso, o problema foi escalado porque nenhuma cidade brasileira estava apta a receber esse “contingente espantoso de população. Sua consequência foi a miserabilização da

população urbana e uma pressão enorme na competição por empregos” (RIBEIRO, 2015, p.150).

Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das constrições sociais que deformam o desenvolvimento nacional. Primeiro, a estrutura agrária dominada pelo latifúndio que, incapaz de elevar a produção agrícola ao nível do crescimento da população, de ocupar e pagar as massas rurais, as expulsa em enormes contingentes do campo para as cidades, condenando a imensa maioria da população à marginalidade. Segundo, a espoliação estrangeira, que amparada pela política governamental fortalecera seu domínio, fazendo-se sócia da expansão industrial, jugulando a economia do país pela sucção de todas as riquezas produtivas (RIBEIRO, 2015, ps.150-152).

Com este grande crescimento em tão pouco tempo, o Brasil inaugura um novo modo de ser das metrópoles. De acordo com Ribeiro (2015), é nesta extraordinária vida urbana que muitas pressões são geradas “porque a população deixada ao abandono mantém sua cultura arcaica, mas muito integrada e criativa” (RIBEIRO, 2015, p.152). Isto dificulta o que poderíamos chamar de uma verdadeira modernização, pois “nenhum governo se ocupa efetivamente da educação popular e da sanidade” (RIBEIRO, 2015, p.152).

Como já foi mencionado, “o processo de urbanização do Brasil está associado às migrações acentuadas e decorrentes da estrutura agrária concentrada, marca do nosso passado colonial escravista e expressão da falta de modernidade social e política de nossa sociedade contemporânea” (ALVES, 2013, p.44). Silva (2004 apud ALVES, 2013, p.44) também afirma que a maioria dos problemas o Brasil, cujas cidades são “palco por excelência”, surgem a partir da passagem de um país agrícola para um país industrializado, mas que permaneceu subdesenvolvido e isto contribuiu para o agravamento das desigualdades.

Adiscussão veio para os centros urbanos, mas ainda é necessário que se mencione a questão não resolvida no Brasil, a reforma agrária. Larissa Kashina Rebello da Silva (2005) afirma que João Goulart, presidente a partir de 1961, não só mencionou, mas incentivou o debate acerca das reformas de base, isto para que houvesse uma revisão e modernização do regime de propriedade agrária. “Era um momento em que a luta social no campo tomava um caráter político em torno da ReformaAgrária, que por sua vez, coinci-

dia com a intensa industrialização nas décadas de 1950 e 1960” (REBELLO DA SILVA, 2005, p.2).

O sentimento generalizado é de que precisamos tornar nossa sociedade responsável pelas crianças e pelos anciãos. Isso só se alcançará através da garantia de pleno emprego, que supõe uma reestruturação agrária, porque ali é onde mais se pode multiplicar as oportunidades de trabalho produtivo (RIBEIRO, 2015, p.152).

Ribeiro (2015) corrobora com Holanda (2014) ao afirmar que esta ordem social brasileira, com raízes rurais, “fundada no latifúndio e no direito implícito de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendida pela classe política e pelas instituições do governo que isso se torna impraticável” (RIBEIRO, 2015, p.152). O resultado não poderia ser menos desastroso, a população urbana fica deixada ao seu destino, encontra suas próprias soluções.

Soluções esdrúxulas, é verdade, mas são as únicas que estão a seu alcance. Aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhe permitem viver junto aos seus locais de trabalho e conviver como comunidades humanas regulares, estruturando uma vida social intensa e orgulhosa de si (RIBEIRO, 2015, p.154).

O autor segue sua linha de raciocínio e aborda um pouco sobre a realidade das famílias nas ruas. O problema é escalado de tal forma que “a vida se assenta numa unidade matricêntrica de mulheres que parem filhos de vários homens” (RIBEIRO, 2015, p.155), não há famílias, apenas “meros acasalamentos eventuais”.

Apesar de toda a miséria, essa heroica mãe defende seus filhos e, ainda que com fome, arranja alguma coisa para pôr em suas bocas. Não tendo outro recurso, se junta a eles na exploração do lixo e na mendicância nas ruas das cidades. É incrível que o Brasil, que gosta tanto de falar de sua família cristã, não tenha olhos para ver e admirar essa mulher extraordinária em que se assenta toda a vida da gente pobre (RIBEIRO, 2015, ps.155-156).

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Ao abordar todas essas desigualdades e problemas que permeiam as metrópoles, não podemos deixar de falar das questões de classe e das distâncias que separam os ricos dos pobres no Brasil. Estas distâncias são percebidas com muita clareza ao se observar o que Ribeiro (2015) chama de vigor físico. Existe uma longevidade, ainda nas palavras do autor “uma beleza nos poucos situados no ápice”, isto seria a expressão do gozo de uma riqueza social. Para Ribeiro (2015), quando se transpõe a barreira de classe e se ingressa num patamar superior, é possível notar que os descendentes crescem em estatura, se refinam, se educam e, por vezes, são confundidos com o patriciado tradicional.

Ao vigor físico, à longevidade, à beleza dos poucos situados no ápice - como expressão do usufruto da riqueza social - se contrapõe a fraqueza, a enfermidade, o envelhecimento precoce, a feiúra da imensa maioria - expressão da penúria em que vivem. Ao traço refinado, à inteligência - enquanto reflexo da instrução -, aos costumes patrícios e cosmopolitas dos dominadores, correspondem o traço rude, o saber vulgar, a ignorância e os hábitos arcaicos dos dominados (RIBEIRO, 2015, ps.158-159).

6.1.1- Pirâmide x Classe

Precisamos compreender como funciona a pirâmide social do Brasil antes de seguirmos nosso raciocínio sobre a Aporofobia. É preciso ter em mente que nossa segmentação de classes, nossas distâncias sociais e econômicas também estão calcadas em nossa raiz escravagista.

As classes sociais brasileiras não podem ser representadas por um triângulo, com um nível superior, um núcleo e uma base. Elas configuram um losango, com um ápice finíssimo, de pouquíssimas pessoas, e um pescoço, que se vai alargando daqueles que se integram no sistema econômico como trabalhadores regulares e como consumidores. Tudo isso como um funil invertido em que está a maior parte da população, marginalizada da economia e da sociedade, que não consegue empregos regulares nem ganhar salário mínimo (RIBEIRO, 2015, p.160).

Esta segmentação de classes sociais que foi gerada e cultivada historicamente no Brasil funciona como um negócio, para Ribeiro (2015), ela não privilegia alguns e subjuga outros por acaso. Este caráter intencional faz do Brasil mais uma feitoria que uma sociedade propriamente dita, pois não existe a propósito de estruturar a população para que tenha condi-

ções dignas de sobrevivência e de progresso, existe apenas o objetivo que enriquecer “uma camada senhorial voltada para atender às solicitações exógenas” (RIBEIRO, 2015, p.160).

Essas duas características complementares - as distâncias abismais entre os diferentes estratos e o caráter intencional do processo formativo - condicionaram a camada senhorial para encarar o povo como mera força de trabalho destinada a desgastar-se no esforço produtivo e sem outros direitos que o de comer enquanto trabalha, para refazer suas energias produtivas, e o de reproduzir-se para repor a mão de obra gasta. Nem podia ser de outro modo no caso do patronato que se formou lidando com escravos, tidos como coisas e manipulados com objetivos puramente pecuniários, procurando tirar de cada peça o maior proveito possível. Quando ao escravo sucede o parceiro, depois o assalariado agrícola, as relações continuam impregnadas dos mesmos valores, que se exprimem na desumanização das relações de trabalho (RIBEIRO, 2015, p.160).

O autor toca no cerne de nossa questão, ou seja, da Aporofobia ao afirmar que “essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para esse depósito de miseráveis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam” (RIBEIRO, 2015, p.163).

Sarah Escorel (1999) cita Telles (1992) em seu livro Vidas ao Léu. Para Telles (1992), “exclusão que se processa na lógica da cidadania restrita em que os direitos não de universalizam”. “É nas representações das diferenças que a autora observa a permanente atualização de uma tradição elitista e oligárquica na qual prepondera uma lógica silenciosa das exclusões” (ESCOREL, 1999, p.71).

Quando muito se ouve falar que quem está nas ruas é preguiçoso, não trabalhou o suficiente para alcançar o que a outra classe ‘alcançou’, ou até mesmo, uma frase que ouvimos muito nos últimos anos, que afirma que o pobre que receber auxílio do governo não terá motivos para seguir trabalhando, é preciso destacar esta indiferença e esta frieza de uma classe privilegiada em nosso país.

A classe dominante bifurcou sua conduta em dois estilos contrapostos. Um, presidido pela mais viva cordialidade nas relações com seus pares; outro, remarcado pelo descaso no trato com os que lhe são socialmente inferiores. Assim é que na mesma pessoa se pode observar a representação de dois papéis, conforme encarne a etiqueta prescrita do anfitrião hospitaleiro, gentil e generoso diante de um visitante, ou o papel senhorial, em face de um subordinado. Ambos vividos com uma espontaneidade que só se explica pela conformação bipartida da personalidade (RIBEIRO, 2015, p.164).

Estas condutas são facilmente observadas quando nos deparamos com o tratamento que um trabalhador comum recebe no seu dia a dia, seja caixa de supermercado, atendente de lojas, garis, etc, mas a situação se extrapola quando nos referimos a pessoas em situação de rua. O autor Roberto Damatta (2000) corrobora com Holanda (2014) e Ribeiro (2015) no que se refere às relações interpessoais dos brasileiros e sua ligação direta com nosso passado escravagista.

Entende-se agora a importância dos interrelacionais no caso brasileiro, pois isso permite compreender como as mediações dos conflitos engendram uma prática de gradações (como ocorreu com o escravo, liberto pouco a pouco; como ocorre com a democracia, sendo dada de modo gradual) e intermediações que permitem o que surge como exótico; pois não abandonamos o passado e conseguimos abraçar com todas as nossas forças o futuro. Assim, conseguimos ser liberais e manter nossos escravos, do mesmo modo que não somamos o que dizemos na rua com o que somos em casa (DAMATTA, 2000, p.74).

Por fim, Ribeiro (2015) menciona a distância existente entre o patrão e seus serviçais. Para o autor, é preciso viver num engenho, numa fazenda ou num seringal para senti-la e perceber o descaso a que são submetidos aqueles que vivem de servir. Existe uma insciência de que estes possam ter aspiraçõese até mesmo um desconhecimento de que eles estão investidos de dignidade humana. Um exemplo disso “é a diferença de critérios de um policial ou de um juiz quando se vê diante de ofensas ou danos feitos a um membro da classe senhorial ou a um popular” (RIBEIRO, 2015, p.163).

6.1.2- Pobre, preta e na rua

Falamos muito de classe, mas antes de finalizar esta investigação das origens da Aporofobia no Brasil, não podemos deixar de mencionar o racismo e como este desprezo aumenta quando a vítima do ódio é um negro. O professor Otair Fernandes, doutor em Ciências Sociais e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ), em entrevista às jornalistas Irene Gomes e Mônica Marli para uma matéria da revista Retratos a Revista do IBGE, ele afirma que a nossa realidade ainda é herança do longo período de colonização e do fato de ter sido o último país a acabar com a escravidão. Fernandes segue:

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A questão da escravidão é uma marca histórica. Durante esse período, os negros não tinham nem a condição de humanidade. E, pós-abolição, não houve nenhum projeto de inserção do negro na sociedade brasileira. Mesmo depois de libertos, os negros ficaram à própria sorte. Então, o Brasil vai se estruturar sobre aquilo que chamamos de racismo institucional. (...) É preciso pensar em políticas de afirmação do negro. Políticas de valorização daqueles que foram marginalizados e excluídos (GOMES e MARLI, 2018, p.15).

“O racismo no Brasil conecta-se muito mais com a forma como o indivíduo é percebido socialmente do que com a maneira como este se autodeclara” diz a promotora às entrevistadoras Irene Gomes e Mônica Marli (GOMES e MARLI, 2018, p.17). Sobre esta percepção do indivíduo negro pela sociedade Darcy Ribeiro (2015) afirma que “as atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos dos antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil³” (RIBEIRO, 2015, p.167).

7- Brasília e a desigualdade nascem juntas

Brasília, cidade planejada, símbolo do modernismo no Brasil, com avenidas largas, edifícios monumentais, fundada em 1960, “foi concebida como a representação utópica de uma ideologia capitalista, tradutora de um pensamento poético de grandiosidade e monumentalidade” (LARAALVES, 2005, p.124). A autora afirma que:

Apesar de Brasília ter sido concebida como uma cidade ideal, como uma ‘urbs’ – um ambiente arquitetônico planejado –, percebe-se que ao longo da História vem se transformando em um organismo vivo e contraditório, uma cidade que, como tantas outras, tem muitas comunidades e identidades. Brasília, símbolo do novo Brasil, insinuava a modernidade em ação, materializando um momento de prematuridade em busca de um novo centro, de estabilidade e ordem social, no qual o complexo de inferioridade e a passividade pareciam estar superados (ALVES, 2005, p.128).

Já Araújo (2018) declara que “Brasília se tornou a síntese do Estado nacional brasileiro, seu planejamento encontrou, em poucas décadas, óbices ao utopismo arquitetônico vigente em suas linhas e curvas” (ARAÚJO, 2018, p.2). E que apesar de Brasília ser o sonho de um modelo do que o Brasil deveria ser, a cidade é um preciso “retrato da dialética social,

espacial, histórica, econômica e política da população brasileira, tornada real no esforço de sua construção no planalto central” (ARAÚJO, 2018, p.2).

A cidade que foi materializada por belos edifícios projetados por Oscar Niemeyer e “idealizada por Lucio Costa – que em seu discurso deveria inibir as desigualdades sociais tão presentes em todo o território nacional já naquele período – para muitos não logrou atingir o seu objetivo” (SOMBRA JÚNIOR, 2018, p.155). Lara Alves (2005) fala um pouco sobre a identidade de uma cidade em seu artigo A construção de Brasília. Para a autora,

(...) a identidade de uma cidade é caracterizada também pela desordem, pela diversidade e diferença, ou, em outras palavras, pelas pessoas. Não os cidadãos ideais e imaginados pelos teóricos do planejamento urbano, e sim pessoas reais que nunca aparecem nos desenhos arquitetônicos. Na verdade, a autoidentidade de Brasília é tão problemática quanto a necessidade que foi criada para elegê-la como representante de nossa identidade nacional. Não podemos cometer o erro de reduzir a cidade à arquitetura e ao urbanismo do poder, à sua dimensão simbólica (utópica), ou a uma monumentalidade superficial e distante, concentrada apenas no Plano Piloto. O que queremos dizer é que a utopia da cidade de Brasília nos faz refletir sobre as diversas formas de cultura e de arte de seus moradores, vindos de diversas partes do país e que se acumulam em torno do Plano Piloto, dezenas de cidades satélites (LARA ALVES, 2005, p.129).

A ideia de que Brasília sintetiza a desigualdade da modernização é defendida por Canclini (1998 apud ARAÚJO, 2018, p.15). “(...) a cidade de Brasília, ao propor em seu planejamento a destinação do nacionalismo futurista, acaba por sintetizar esta desigualdade da modernização”, é possível mapear tal desigualdade tanto a nível de menor escala, tanto nos limites do Distrito Federal, quanto quando se compara com o cenário urbano do país. “[...] não chegamos a uma modernidade, mas a vários processos desiguais e combinados de modernização” (CANCLINI, 1998, p. 154 apud ARAÚJO, 2018, p.16).

Lúcio Costa se manifestou em diversas ocasiões sobre seu projeto e, como será apresentado a seguir, após Brasília já ter se tornado uma cidade consolidada, o arquiteto fala sobre o esforço de se colaborar com o desenvolvimento do país. Neste trecho em específico, é possível perceber que ele acreditava realmente que nossa sociedade já havia alcançado maturidade e que o país era “senhor de seu destino”. Entretanto, nesta mesma fala ele admite que a cidade, com razão, apresentava contradições.

Fruto embora de um ato deliberado de vontade e comando, Brasília não é um gesto gratuito de vaidade pessoal ou política, à moda da Renascença, mas o coroamento de um grande esforço coletivo em vista ao desenvolvimento nacional – siderurgia, petróleo, barragens, autoestradas, indústria automobilística, construção naval; corresponde assim à chave de uma abóbada e, pela singularidade de sua concepção urbanística e de sua expressão arquitetônica, testemunha a maturidade intelectual do povo que a concebeu, povo então empenhado na construção de um novo Brasil, voltado para o futuro e já senhor do seu destino. Assim, a mil metros de altitude e a mil quilômetros do Rio de Janeiro, os brasileiros, não obstante a fama de comodistas e indolentes, construíram em três anos, a sua capital. E se foi construída em tão pouco tempo, foi precisamente para assegurar-lhe a irreversibilidade apesar das mudanças de administração e de governo. E de fato já resistiu, nos seus sete anos de existência, a quatro novos presidentes e vários prefeitos, e a acontecimentos de ordem política e militar imprevistos, prova de sua boa constituição. Mas é natural que Brasília tenha os seus problemas, que são em verdade as contradições e os problemas do próprio país ainda em vias de desenvolvimento não integrado, onde a tradição recente de uma economia agrária escravagista e uma industrialização tardia não planejada deixaram a marca tenaz do pauperismo. A simples mudança da capital não poderia resolver estas contradições fundamentais, tanto mais que poderosos interesses adquiridos beneficiam-se desse status quo de “anomalia crônica” que, na periferia da cidade, já readquiriu seus direitos (LÚCIO COSTA, 1995 apud SOMBRA JÚNIOR, 2018 ps. 156-157).

Lúcio Costa segue sua fala exaltando o feito da construção de Brasília, reforçando o lugar que hoje a vida brota onde antes havia deserto e solidão. Existe também um quê de elitismo em sua fala, quando ele afirma que mesmo a periferia se sente melhor aqui que em seu lugar de origem:

Contudo, apesar desses problemas de ordem política, econômica e social – aos quais se vieram a juntar agora outros de natureza institucional –, a verdade é que Brasília existe onde há poucos anos só havia deserto e solidão; a verdade é que a cidade já é acessível dos pontos extremos do país; a verdade é que a vida brota e a atividade se articula ao longo dessas novas vias; a verdade é que seus habitantes se adaptam ao estilo novo de vida que ela enseja, e que as crianças são felizes, lembrança que lhes marcará a vida para sempre; a verdade é que mesmo aqueles que vivem em condições anormais na periferia sentem-se ali melhor que dantes[grifo nosso]; a verdade é que a sua arquitetura, despojada e algo abstrata, se

³ A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, e de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontrava um ambiente de convivência menos hostil. Constituíram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos (RIBEIRO, 2015, p.167).

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insere com naturalidade no dia a dia da vida privada e administrativa, o que confere à cidade um caráter irreal e sui-generis que é o seu atrativo e o seu encanto; a verdade, finalmente, é que Brasília é verdadeiramente capital e não cidade de província uma vez que por sua escala e intenção ela já corresponde, apesar de todas as suas deficiências atuais, à grandeza e aos destinos do país (LUCIO COSTA, 1995 apud SOMBRA JÚNIOR, 2018, p.157).

No trecho a seguir, existe uma mudança de discurso, agora, depois da cidade já consolidada apresentar problemas e ser duramente criticada, Lúcio Costa afirma que o urbanismo não resolveria os problemas sociais existentes no Brasil.

A construção de Brasília, no cerrado deserto [...] provocou, de início, um movimento geral de simpatia no estrangeiro [...]. Em seguida, começaram a “esnobar” a cidade, acusada de ser uma oportunidade perdida porque – entre outras falhas – a população pobre estava mal alojada. Como se por uma simples transferência de capital o urbanismo pudesse resolver os vícios de uma realidade econômico-social secular. Como se o Brasil não fosse o Brasil, mas a Suécia, ou outro país qualquer devidamente civilizado. Ora, aqui, até os últimos anos do século XIX, a população obreira era constituída de escravos. Cada família pequeno-burguesa tinha em casa dois ou três escravos, de modo que depois da abolição, o comportamento escravagista permaneceu. Por um lado, o operário aceitava como natural sua condição de inferioridade – aqui, a atitude reivindicatória do proletariado é coisa recente –e, por outro lado, os burgueses, apesar da familiaridade no trato com os empregados, sempre os mantinham a distância, como anteriormente nas senzalas. Isto explica porque não foi considerada minha proposição inicial de prever, ao longo de todo o eixo rodoviário-residencial, moradia para três níveis diferentes de poder aquisitivo – o que, entretanto, não teria resolvido o problema, já que grande parte da população trabalhadora é ainda menos que pobre [grifo nosso]. A mão de obra afluiu de toda parte, de modo que em torno de cada canteiro surgiram favelas, e foi necessário transferi-las para outros lugares, à medida que o ritmo das construções diminuía (LÚCIO COSTA, 1995 apud SOMBRA JÚNIOR,

Nestes breves relatos, é possível perceber que Brasília começa sendo um sonho utópico, e à medida que vai nascendo a desigualdade e suas contradições surgem concomitantemente. Com uma clara divisão de classes, sua setorização bem definida, o tempo, as escolhas e o desenho foram separando e deixando cada vez mais distantes aqueles que já viviam marginalizados.

37 35

8-Por um urbanismo do comum –intervenções urbanas emergenciais para as mulheres em Situação de Rua no DF

“As soluções para o futuro do planeta devem surgir do funcionamento equilibrado e eficiente da extrema complexidade do espaço urbano. E isso deve admitir correções e mudanças drásticas e radicais” (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.65). Esta frase foi escolhida propositalmente para começarmos este tópico, logo após falarmos brevemente como nossa sociedade possui grandes problemas urbanos e sociais.

No capítulo anterior foi apresentado um sonho de uma Cidade Nova que marcaria o início de um Novo Brasil, todavia, após alguns anos e algumas críticas, Lúcio Costa mudou o discurso e percebeu que os problemas eram grandes demais para serem resolvidos com um desenho urbano ‘inovador’.

Concordamos em parte com a postura de Lucio Costa, os problemas sociais não seriam resolvidos com Urbanismo, assim como não foram resolvidos com a mudança da população do campo para as cidades, tal qual foi mostrado no tópico sobre as Origens da Aporofobia no Brasil. Como também já foi mencionado anteriormente, este trabalho não almeja mostrar soluções definitivas, mas se propõe a apresentar pequenas alternativas emergenciais na escala do cotidiano, que podem ser classificadas como Urbanismo Tático ou Microurbanismo. Neste tipo de intervenção “são enfatizados mais os processos que os produtos finais, cada intervenção é colocada à prova antes que seja definitiva, assumindo processos participativos” (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.147).

soma fases de investimento; e acrescenta as mudanças que as apropriações e os usos vão introduzindo. No entanto, o urbanismo tático, por consistir em intervenções delimitadas, modestas e aprimoráveis, ainda que possam ter muito efeito na vida cotidiana, é depreciado por uma parte das pessoas, que preferem intervenções convencionais, visíveis, contundentes e definitivas. (...) A prioridade deveria consistir em aproveitar, refazer, recuperar e melhorar. Por isso, o urbanismo exige intervenções de manutenção e melhoria que influenciam a escala do cotidiano, como uma espécie de microurbanismo (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.148).

Os autores nos mostram que é possível, além de necessário, integrar os distintos modos de vida na cidade. O livro Política e Arquitetura – Por um urba-

nismo do comum e ecofeminista, de Josep Maria Montaner e Zaida Muxí (2021), apresenta diversos exemplos de como o poder público, com uma equipe técnica capacitada, consegue agir e solucionar ou diminuir diversos problemas urbanos¹.

Quando um governo municipal ou distrital se utiliza de normas, leis e taxas para regularizar, limitar ou punir determinadas escolhas de cidadãos ou de grandes corporações, o urbanismo passa a ter uma chance. Estas grandes empresas, em geral, querem mais e mais lucros em detrimento de desvantagens para a população, para o bairro e, consequentemente, para a cidade. As intervenções urbanísticas que visam o bem estar da população e sua diversidade, precisam de um Estado forte e disposto a tomar decisões que possam diminuir os benefícios de determinados grupos sociais.

O comum no urbano se manifesta em diversas escalas, espaços e conceitos. Em primeiro lugar, no valor do espaço público e na luta para controlar tudo que ameaça sua privatização. A ênfase do comum requer que em cada bairro haja um equilíbrio entre os usos gratuitos do espaço público, como lugar de encontro e lazer, e seus usos mais ligados ao consumo, como as áreas abertas dos bares e restaurantes, espaços apropriados pelas feiras e promoções (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.100).

E para finalizar este tópico, antes de seguirmos com referências de microurbanismo pelo mundo, vamos deixar uma frase muito de Montaner e Muxí, que afirmam que o futuro do urbano não deve ser guiado pela dominação da máquina e pela velocidade, “na verdade é o contrário, o futuro do urbano está na humanização e na renaturalização” (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.87).

8.1- Referências internacionais de intervenção para pessoas em Situação de Rua

Este tópico será dedicado a mostrar algumas intervenções que têm sido propostas pelo mundo voltadas para as pessoas em Situação de Rua. Estas referências serão utilizadas como inspiração para as soluções emergenciais para os problemas das Refugiadas Urbanas do Plano Piloto de Brasília-DF.

8.1.1-

O Banheiro móvel da Lava Mae

A primeira intervenção é o Lava Mae, é um banheiro móvel que oferece água limpa para banho para as pessoas em Situação de Rua. Doniece San-

doval, fundador e diretor executivo da Lava Mae, pensou que esta seria a melhor solução para levar higiene diretamente para quem precisa. De acordo com Doniece Sandoval, se foi possível que se colocasse comida gourmet sobre rodas, por que não conseguiriam colocar banheiros?

A organização começou no ano de 2013 e renovaram alguns ônibus que já não eram mais utilizados e estavam sendo direcionados para o depósito de ferro velho. Depois da reforma, cada ônibus ganhava dois banheiros com chuveiro e sanitário e se movem pelas ruas de São Francisco, Oakland e Los Angeles.

8.1.2- A babearia móvel na Austrália

Outra ideia que foi desenvolvida pelas cabeleireiras Danielle Hannah e Teresa Reed que trabalham e moram em Brisbane na Austrália. As duas mulheres transformaram o trailer em um salão sobre rodas que passa pelas ruas da cidade oferecendo cortes de cabelo gratuitos para pessoas em Situação de Rua e, de acordo com as idealizadoras do projeto, a ação pretende trazer um pouco dignidade para estas pessoas que tanto necessitam e são negligenciadas.

8.1.3- O café que muda vidas da Change Please

A Ong Change Please distribuiu vários carrinhos que vendem café pela cidade de Londres e paga aos moradores de rua um salário mínimo para trabalharem e cuidarem destes postos. Além de promover um abrigo, as cafeterias móveis ajudam o morador de rua financeiramente e isso pode ajudar a ter uma vida inserida na sociedade novamente. Após seis meses trabalhando nos cafés móveis, a instituição fornece emprego em tempo integral em uma loja de uma rede de cafeterias estabelecida.

8.1.4- A lavanderia móvel na Austrália

Dois amigos que moram na cidade de Brisbane, na Austrália, resolveram montar uma lavanderia móvel para ajudar pessoas em Situação de Rua a manterem suas roupas e roupas de cama limpas. Os amigos se chamam Lucas Patchett e Nicholas Marchesi, ambos com 21 anos de idade montaram uma pequena van com duas máquinas de lavar ligadas a

¹ É importante que a cidade seja capaz de integrar modos de vida não convencionais e nômades, como os da comunidade de Rom. Ou que saiba reconhecer que certas camadas populares, de imigrantes ou pessoas sem renda, dentro de sociedades opulentas e esbanjadoras, sobrevivem recorrendo à reciclagem de tudo que a sociedade descarta, como modo de trabalho e sustento, carecendo de terrenos e armazéns. Vale lembrar o fracasso em São Paulo, do novo conjunto de moradias realocadas do Parque do Gato, cuja concepção não previu como a maioria de seus habitantes gerava sua renda, carecendo de espaço para reciclagem e armazenagem, e por isso os moradores acabaram invadindo e tomando todos os espaços do térreo, projetados como áreas livres (MONTANER e MUXÍ, 2021, p.149)

40 39

um gerador de energia. Eles dizem que o objetivo é restaurar a dignidade destas pessoas que dormem pelas ruas da cidade e garantir o direito básico à higiene.

8.1.5- O abrigo da conscientização

A Ong Rain City localizada na cidade de Vancouver, Canadá, encontrou uma nova maneira de gerar consciência e abrigo ao mesmo tempo. Eles criaram um banco que pode ser aberto e com isso cria um abrigo simples. Mesmo não sendo uma intervenção permanente, ela serviu para chamar a atenção e levar à reflexão sobre o problema das pessoas que vivem em Situação de Rua. A intervenção também chamou bastante a atenção da mídia e trouxe para o debate a questão das intervenções hostis pela cidade, aquelas mesmas que chamamos de Aporofobia no início deste trabalho.

8.1.6- A proposta da HAWSE (Homes through Apprenticeships With Skills for Employment)

O escritório Levitt Bernstein venceu um concurso de design organizado pela Building Trust, uma instituição de caridade que se dedica a fornecer casas para os necessitados no mundo todo. Com o projeto intitulado HAWSE - Homes through Apprenticeships With Skills for Employment, que em tradução livre significa Casas através de aprendizagem com habilidade para o emprego, aproveita ao máximo espaços não utilizados em áreas altamente povoadas, habitando garagens abandonadas em conjuntos habitacionais existentes e proporcionando não apenas uma casa, mas a oportunidade de aprender sobre técnicas de construção.

Figura 8 - Café da Change Please. Fonte: Readers Digest. Disponível em: https://www.readersdigest.co.uk/inspire/life/5-amazing-projects-helping-the-homeless

Figura 9 -

Lavanderia Móvel. Fonte: Readers Digest. Disponível em: https://www.readersdigest.co.uk/inspire/life/5-amazing-projects-helping-the-homeless Figura 11 - OAbrigo da Conscientização. Fonte: Readers Digest. Disponível em: https://www.readersdigest.co.uk/inspire/life/5-amazing-projects-helping-the-homeless Figura 10 - O Abrigo da Conscientização. Fonte: Readers Digest. Disponível em: https://www.readersdigest.co.uk/inspire/life/5-amazing-projects-helping-the-homeless Figura 7 - Banheiro Móvel da Lava Mae. Fonte: The Right Shower. Disponível em: https://www.therighttoshower.com/make-difference/mobile-showers-for-homeless
42 41
Figura 12 - Proposta HAWSE. Fonte: Dezeen. Disponível em: https://www.dezeen.com/2012/10/25/pop-up-housing-in-garages-by-levitt-bernstein/
30005000m
45
0 500 1500
Escala 1:50.000 O Plano Piloto de Brasília

Macroárea de EstudoA Asa Norte

Dentro do Plano Piloto de Brasília selecionamos a Asa Norte como macroárea de estudo e intervenção.

Escala 1:50.000

0 500 1500 30005000m
47

Centro Pop de Brasília

Nesse mapa podemos ver que o centro Pop de Brasília está localizado fora da macroárea de intervenção e análise.

Escala 1:50.000

0 500 1500 30005000m
49

O Sítio

Após tomada a decisão de ir a campo visitar os assentamentos onde estão localizadas as mulheres em situação de rua, contatamos a Ong Movimento de Rua e um de seus trabalhadores nos acompanhou até o que resolvemos chamar de Sítio. Lá realizamos algumas entrevistas e nossa percepção do que imaginávamos ser pessoas em situação de rua mudou. Nós conseguimos perceber ali, que existem níveis de vulnarabilidade e que aquelas mulheres que ali moravam, estavam alguns patamares acima das mulheres que estão nas ruas, sob marquises e nas margens das vias de trânsito rápido.

0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000
O Sítio
51

O Circuito Dona Viviane

No dia primeiro de junho de 2022 acompanhei Dona Viviane, uma senhora que conheci por acaso entregando marmitas durando a minha primeira visita de campo na entrada da L3, na entrega de marmitas durante a hora do almoço. Nos encontramos próximo ao calçadão do Lago Norte, no ponto 1 do circuito apresentado no mapa.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000 53

Os Enclaves e as Superquadras

‘Enclave’ pode ser entendido como uma região distinta, destoante ou dissonante do território que se insere. A escolha desse termo foi pensada por sua relação direta ao entorno imediato, as superquadras. Em destaque na cor vermelha (próximo mapa), é possível identificar o limite das superquadras e, em amarelo, é possível perceber os mencionados enclaves. A relação que se pode estabelecer entre essas duas áreas é a de limite, as mulheres em situação de rua localizadas nos enclaves, ainda que dentro do Plano Piloto, foram postas à margem. Essa espacialização fica clara nesse mapa e podemos perceber que as trabalhadoras estão na fronteira que se pode considerar a cidade, e assim, elas não têm direito à cidade planejada.

enclave 1 enclave 2 enclave 3 enclave 4 enclave 5 enclave 6 enclave 7 enclave 8 enclave 9 enclave 10 0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000
55
0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000 enclave 1 enclave 2 enclave 3 enclave 4 enclave 5 enclave 6 enclave 7 enclave 8 enclave 9 enclave 10 57

A Cidade a Pé

Mapas que mostram os circuitos percorridos pelas mulheres que vivem da reciclagem.

7,9km 1h 37min

Sem considerar possíveis paradas e retorno ao acampamento

5,3km 1h 3min

Sem considerar possíveis paradas e retorno ao acampamento

0 500 1500 3000
Escala 1:25.000 59
5000m

A Cidade a Pé

Mapas que mostram os circuitos percorridos pelas mulheres que vivem da reciclagem.

6,6km 1h 18m Sem considerar possíveis paradas e retorno ao acampamento

0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000 61

A Cidade a Pé

Mapas que mostram os circuitos percorridos pelas mulheres que vivem da reciclagem.

8,4km 1h 41min Sem considerar possíveis paradas e retorno ao acampamento

0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000 63

O que tem e o que não tem

Barraca

Energia Elétrica Sanitário

Chuveiro

Água Encanada

Teto ou Cobertura

Água na Mangueira

Fogão a Lenha Tem - Ícone Verde

Não Tem - Ícone Vermelho

Nos Enclaves

No Sítio
0 500 1500 3000 5000m Escala 1:25.000 65

enclave 4

050 150 300 500 750 Escala 1:5.000
enclave 1 enclave 2 enclave 3 67
enclave 5
enclave 9 050 150 300 500 Escala 1:5.000 750 69
enclave 6 enclave 7 enclave 8
enclave 10 050 150 300 500 Escala 1:5.000 750 71
Figura 13 - Enclave 5. Fonte: A autora. Figura 14 - Enclave 5. Fonte: A autora. Figura 15 - Enclave 6. Fonte: A autora. Figura 16 - Enclave 6. Fonte: A autora. Figura 17 - Enclave 7. Fonte: A autora.
74 73
Figura 16 - Enclave 8. Fonte: A autora. Figura 17 - Enclave 8. Fonte: A autora.
76 75
Figura 18 - Enclave 9. Fonte: A autora.

O clima em Brasília- DF

DADOS CLIMÁTICOS DADOS CLIMÁTICOS

DADOS CLIMÁTICOS

DADOS CLIMÁTICOS

CaracterísticasclimatológicasdeBrasília-DF.Fonte:Projetee,2022. Disponívelem:http://www.mme.gov.br/projeteee/dados-climaticos/?cidade=DF+-+Bras%C3%ADlia&id_cidade=bra_df_brasilia-kubitschek.intl.ap.833780_try.1962

80 79

Estratégias de bioclimáticas indicadas para Brasília-DF

Inércia Térmica

SombreamentoVentilação Natural

Aplicabilidade

Média

Aplicabilidade

Média

Aplicabilidade

Média Geral 22%

EstratégiasbioclimáticasparaBrasília-DF.Fonte:Projetee,2022. Disponívelem:http://www.mme.gov.br/projeteee/estrategias-bioclimaticas/?cidade=DF+-+Bras%C3%ADlia&id_cidade=bra_df_brasilia-kubitschek.intl.ap.833780_try.1962

Geral 52% Por estação Por horário verão outono Manhã Tarde Noite Madrugada inverno primavera 43% 59% 52% 57% 50% 7% 54% 75%
Geral 10% Por estação Por horário verão outono Manhã Tarde Noite Madrugada inverno primavera 18% 5% 3% 12% 16% 34% 0% 0%
Por estação Por horário verão outono Manhã Tarde Noite Madrugada inverno primavera 37% 15% 9% 23% 18% 37% 38% 8%
82 81

Entender o clima na cidade de Brasília faz-se importante para que percebamos o tamanho das dificuldades que essas mulheres em situação de rua, juntamente com suas famílias, enfrentam todos os dias. O clima se torna mais um desafio e um empecilho para se ter uma qualidade de vida.

Durante o percurso feito com Dona Viviane distribuímos água para beber e todos mencionavam como estavam com cede e como o calor estava incomodando dentro de das barracas dos acampamentos.

Analisando as estratégias bioclimáticas indas para a cidade de Brasília, podemos perceber o que as habitações devem possuir para que se tenha conforto térmico. A partir dessas estratégias, propusemos uma alternativa que será apresentada no próximo capítulo.

84 83

PROPOSTA 1 - Ônibus para Banho com Salão

A ideia da primeira proposta é possibilitar às refugiadas que tenham um mínimo de higiene possível para conseguirem ter um vida mais digna. Nesse ônibus será possível cortar e cuidar da saúde dos cabelos, além de usar sanitário e tomar banho. Como a quantidade de água é limitada, fez-se um cálculo para 5 minutos de banho por pessoa com gasto de 40 litros de água por pessoa. Através do circuito dona Viviane pudemos estimar uma média de 150 pessoasem situação de rua na L2, L3 e N4. Com isso, o ônibus faria um circuito seria capaz de atender 12 pessoas por hora com suas quatro cabines de banho. Além desses atendimentos, o ônibus pode levar água mineral para a população em situação de rua, além de distribuir um kit de higiene. Vale ressaltar que todas as propostas serão itinerárias, isto se justifica pela nossa convicção de que as refugiadas urbanas em situação de rua tem grandes chances de sair das ruas se lhes fornecermos um mínimo de dignidade. Tal dignidade poderá ser resgatada com um banho, roupas limpas e demais cuidados com a higiene pessoal, além das outras propostas que virão a seguir.

88 87

Vista Frontal Escala 1:50

Vista Lateral Escala 1:50

Planta Técnica Escala 1:50

355
326 571 116 349 116 169 115 30 118 86 86 86 86 85 180 197 90 62 136 175 116 116 402 344 116 169 317 122 164 1326 1298 323
Proposta 1
90 89

PROPOSTA 2 - Lavanderia móvel com cozinha

A segunda proposta se trata da lavanderia móvel com uma cozinha que é montada quando se abrem as portas laterais da van. Essa ideia surgiu após serem elencadas as necessi dades mais urgentes das refugiadas urbanas através de entrevistas e visitas a campo. Foi mencionado diversas vezes que as roupas de cama precisavam ser descartadas após o uso de alguns dias, pois não existe um lugar onde possam ser lavadas. Algumas roupas pequenas, pratoe e talheres são lavados no acampamento mesmo quando elas recebem pequenos galões d’água através de doação. Essa proposta resolveria ambos os problemas, lavagem de roupas individuais, roupas de cama e das louças utilizadas pelas mulheres em situação de rua e suas famílias. Essa proposta de lavanderia móvel já existe em algumas cidades pelo mundo, a proposta aqui seria adicionar a cozinha e fazer com essa van circule entre os enclaves identificados.

92 91

Vista Lateral Escala 1:50

Planta Técnica Escala 1:50

Vista Frontal Escala 1:50

Vista Posterior Escala 1:50

58
692 259 242 116 Proposta 2
60 91 105 128 254 692 57 63
196 226
Máquinas lava e
94 93
seca Reservatório de água e instalações elétricas Mini bancada com duas pias Depósito para águas cinzas

Perspectiva

Vista Posterior Aberta

96 95

PROPOSTA 3 - Bicicleta com carrinho para recicláveis

A ideia de uma bicicleta com carrinho acoplado surgiu após juntar alguns dados da pesquisa e após analisar algumas entrevistas realizadas durante as visitas de campo. É muito comum ver o uso de carrinhos de supermercados pelas pessoas que vivem da reciclagem no DF. Dona Maria, uma de nossas entrevistadas, disse que criou todos os filhos em purrando carrinho de supermercado e coletando recicláveis nas comerciais da Asa Norte. Ela é um exemplo das mulhe res que viveram e vivem a cidade a pé. Na tentativa de solu cionar esse problema, a bicicleta com o carrinho acoplado vem ajudar um pouco nos longos deslocamentos vivenciados pelas refugiadas urbanas diariamente.

98 97
214 317 374 104 183 221 110 134 99 248 113 98 377 99 100

PROPOSTA 4 - Mini casa móvel com fogão solar

A quarta proposta seria uma espécie de abrigo para as mu lheres em situação de rua. Viver sob as lonas das barracas e das coberturas improvisadas pode ser muito incômodo por conta das intempéries. O clima de Brasília e suas gran des amplitudes térmicas para quem não tem um teto sobre suas cabeças podem levar a doenças e desidratação. A ideia de fazer esse abrigo sobre rodas se justifica pelas constan tes abordagens do Governo do Distrito Federal nos acampa mentos das famílias em situação de rua. As “derrubadas”, como são conhecidas as atuações dos funcionários do DF legal, são constantes e deixam as famílias sem os poucos bens que possuem. Isso acontece porque os servidores que fazem essas abordagens levam roupas, documentos, alimentos e etc sem deixar tempo para as famílias agirem em defesa própria. O fogão solar também já existe e sua importaância seria para auxiliar no preparo de alimentos sem correr riscos utilizando fogão a lenha e álcool, como é feito em alguns acampamentos hoje em dia. A ideia seria utilizar todos os materiais recicláveis e que as próprias famílias construíssem seus prórios abrigos com a ajuda de um arquiteto orientando e oferecendo assistência técnica.

102 101

205 245 150 182

Vista Lateral A Escala 1:50

66 25 40 140 207 264 307 182

Vista Lateral B Escala 1:50

40 140

350 255

210 250 245 216 75 76 80 17 484

Vista Frontal Escala 1:50

76

352 484

Vista Posterior Escala 1:50

Proposta 4
104 103

Planta Técnica Escala 1:50

Perspectiva

188 148 88 53 84 60 80 20 250 350 150 Armário para guardar roupas e objetos pessoais Cama Proposta 4
106 105

PROPOSTA 5 - Ônibus escolar

A última proposta seria uma expansão de um serviço que já é oferecido pelo governo distrital. Õnibus escolares já passam pelas ruas do Distrito Federal buscando crianças e levando para as escolas públicas. A ideia seria apenas uma expansão das linhas e um cuidado especial para as famílias que estão em situação de vulnarabilidade. Através das entrevisas e depoimentos pudemos constatar que as mães levam seus filhos para a escola a pé. Como já analisamos nos mapas anteriormente, são muitos os quilôemtros percorridos pelas refugiadas urbanas diariamente. Diminuir esse trajeto facilitaria a vida de muitas mães que estão em situação de rua e possibilitaria que elas procurassem uma posiçao no mercado de trabalho, já que seus filhos estariam na escola, alimentados e cuidados pelo Estado. Sabemos que não basta apenas “dar auxílio financeiro”, é preciso muito mais para restabelecer a dignidade das pessoas que já não sabem o que é isso há muito tempo. No capítulo sobre o duplo medo da rua abordamos como o problema é muito mais complexo que apenas a falta de dinheiro e de oportunidades. As propostas apresentadas aqui são pequenas mudanças e aplicação de ideias já existentes. Todas elas pretendem devolver o sentimento de pertencimento mínimo à cidade para pessoas que estão invisibilizadas há muito tempo e sobrevivendo da generosidade de poucas “Donas Vivianes” que cruzam seus caminhos. Por fim, acreditamos na necessidade de despertar no arquiteto essa responsabilidade cidadã, muito mais que o conhecimento técnico adquirido durante o curso de formação, é preciso formar Arquitetos Cidadãos

108 107

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Terezinha

“Meu nome é Terezinha, e umas das coisas que eu mais queria é aprender a ler. Eu não tenho leitura... e eu sinto falta sabe?! Mas eu sou muito determinada... Quando eu vou à luta, corro atrás e consigo. Primeiramente, Deus na frente, e segundo, força de vontade! Eu estou aqui na rua sim, mas eu tenho uma moradia, graças a Deus! Eu corri atrás... morava no Noroeste, aí eu sai... entreguei meu apartamento e sai, né?! Você sabe... se a gente não tem um trabalho e tem um salário mínimo, quem é doente, quem depende de uma bengala e de remédios, não é fácil. Não conseguimos todos que precisamos, a maioria tem que comprar porque o governo não tem pra dar... E aí, sou eu e meu esposo, eu tenho uma pensão, mas é pouco... um salário mínimo... hoje em dia, 100 reais não dão pra nada. Minha filha às vezes ajuda... Mas as coisas tão difíceis. Tem dia que tá faltando alguma coisa em casa, principalmente de alimento... tá muito caro! Carne ninguém sabe... não pode comer carne, porque a carne mais barata tá 32 reais. A gente pobre não tem condição de comprar carne todos os dias. Então, eu vim pra rua catar reciclagem pra poder ajudar no orçamento que não dava... sexta feira eu não tinha feijão pra por no fogo.. aí eu vim pra cá, acampar... e na hora q eu parei... que eu comecei a arrumar minha barraquinha, um carro parou e me deu uma cesta... e eu pensei “Graças a Deus”. Eu tenho 63 anos... já passei mais dificuldade do que isso, mas eu chamei por Deus, consegui, fui à luta... ainda tô batalhando ne?! Não tenho condição de ficar dentro de casa simplesmente com aquele salarinho... Aí o povo diz “ah, mas a senhora é aposentada”, sim, não neguei pra ninguém! Acontece que não dá, gente... tem pessoas que ganham 2, 3 salários e ainda assim passam aperto. E quem ganha um sozinho? Que tem que dividir com a comida, os remédios e o aluguel? Eu pago apartamento... pago meu aluguel, pago 262 reais e 62 centavos. Tem pessoas que pagam 25 reais e passam 3, 4 anos atrasado... Pra mim, falta o feijão, mas a minha moradia eu pago... nem que eu vá na rua pedir uma cesta."

(Depoimento de Terezinha, BSB INVISÍVEL, 2021).

Ildeni - 33 anos

"Meu nome é Ildeni, tenho 33 anos e sou mãe de quatro filhos. Meu marido é alcoólatra... Isso dificulta muito nossa vivência. Tem dias que ele tá tranquilo, mas é só por um pingo de álcool que se transforma. E aí tem vezes que ele foge, fica dormindo semanas na rua até encontrarmos ele... Pra isso, a gente também acaba dormindo na rua, porque ficamos sem ter como voltar pra Luziânia. Agente vive em condição muito precária.. Onde morávamos pegou fogo e aí conseguimos esse barraco, mas a luz foi cortada, não temos dinheiro pra pagar as contas...Aí, com essa chuva toda, o telhado cedeu e entra água em tudo... Meu esposo tem força sabe? Ele mostra muitas vezes que quer largar esse vício, mas ele não consegue... Aí ele começa a faltar serviço, fica com vergonha de sair na rua e as pessoas verem ele... Ai por isso ele sempre é mandado embora, porque ninguém confia nele. Mas eu confio. Essa situação vai mudar, Deus não esquece da gente.Agente acaba que passa muita dificuldade, porque eu que cuido das crianças (menina de 1 ano e outra de 2 anos) e não trabalho. Tenho mais dois filhos, a mais velha toma antidepressivo, é complicado. Eu me sinto triste todos os dias... Não tem nada dentro de casa pras crianças, e quando ele volta depois de dias fora, fica um clima estranho...As duas bebes sempre pedem as coisas e não tenho pra dar. Nem um biscoito pras crianças eu tenho pra dar. Ele diz que vai ficar aqui, parar de beber e ajudar a gente, quando vejo, tá morando na rua de novo... Desde que eu o conheci, eu sabia como ele era, mas pensei que ele fosse mudar, mas continua... Ele tem vontade, eu sei que tem! Eu queria ajuda, com o que for, e também ajuda com ele... Não gosto de incomodar ninguém, mas eu preciso muito."

(Depoimento de Ildeni, BSB INVISÍVEL, 2021).

Dilza dos Santos - 64 anos

"Meu nome é Dilza Santos! Eu sou la de Brasilinha, tenho 64 anos e tenho 5 filhos! Nossa, eu tenho neto demais da conta! Só na hora de sentar pra comer que consigo contar quantos são e mesmo assim fico em dúvida, viu? São umas bênçãos que Deus enviou pra nós! Eu não trabalho, não, filho... Pra mim é difícil isso aqui de viver na rua... Tenho problema de asma e bronquite desde muito tempo e nunca consegui tratar... Qualquer coisa fico sem ar... O que me ajuda muito é a bombinha Aerolin, mas não é sempre que eu tenho acesso, porque é caro, né, meu filho? Meu sonho mesmo é ter dinheiro pra comprar um nebulizador e usar quando eu fosse pra Brasilinha! Isso sim me salva!Antes tinha muita gente que passava aqui e entregava cesta básica, mas agora não tem muita... Tá fazendo uma falta danada! Tem que alimentar a familia, né?? E nem sempre é possível...."

(Depoimento de Dilza dos Santos, BSB INVISÍVEL, 2021).

Cleunice - 46 anos

"Meu nome é Cleunice, eu sou nascida em Brasília, tenho 46 anos, 5 filhos e 8 netos. Eu vim pra cá com meu marido... A gente é do Noroeste, mas veio pra cá pra procurar uma doação, pedir uma ajuda... Eu não trabalho fora, sou dona do lar e meu marido trabalha de reciclagem no Noroeste, como catador de material. Esse fim de ano tá devagarinho, mas tá indo... Essa época pra mim representa saúde... é respeitar o próximo, ter respeito com os outros, né?! Não querer só pra nós, tem que deixar pros outros também, ne?! Agora o que mais tô precisando é roupa pra criança... crianças de 5 anos e 2 anos, pra minha netinha... E a mensagem que eu quero passar é que espero que todo mundo seja feliz, ne?! Que esse ano seja bom... e mais pra frente também, felicidade pra todo mundo!"

(Depoimento de Cleunice, BSB INVISÍVEL, 2021).

Rosilene

"Sou Rosilene, de Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, perto de São Raimundo Nonato. Estou em Brasília desde os quatro anos de idade. Teve um tempo que tinha condição de visitar minha cidade, mas nunca mais fui.... Tenho cinco filhos e duas netas!! Só tem dois “de menor”. Nós estávamos com serviço, gosto de fazer faxina, tinha uma casinha em Brasilinha.. Meu filho mais velho também estava trabalhando e foi mandado embora... Agora complicou, não tem como pagar mais aluguel, não tem mais serviço... Faço serviço de limpeza, não tenho estudo para outras coisas, não. O que complica mais é negócio de estudo. Nunca fui pra escola... Trabalho na reciclagem, mas gosto mais de faxina mesmo!Asituação pra mim está ruim. O pessoal ajuda, graças a Deus! Minha vontade mesmo é trabalhar porque não tenho como pagar aluguel, por isso tô na rua... Estou com um monte de pedido médico para remédio, eu me consultei, mas não tive como fazer ainda, falta dinheiro para pagar...Tenho problema no coração, acho que é estresse, sabe?! Mas o que eu estava precisando mesmo é de um celular para o Moisés, 13 anos, estudar. Ele está sem estudar porque não tem celular.... Na pandemia não foi bom, não tem suporte da escola. É complicado!"

(Depoimento de Rosilene, BSB INVISÍVEL, 2021).

Bárbara - 21 anos

“Meu nome é Bárbara, tenho 21 anos e aqui na ocupação moramos eu e minhas filhas: uma de 1 ano que se chama Dulce e outra de 3 anos que se chama Beatriz! Estar nessa situação de rua e ser mãe é difícil e constrangedor!!! Mas não tenho para onde ir, fazer o quê??? O que me resta é contar com a ajuda do povo mesmo, porque se for esperar pelo governo vai morrer sentado porquê não tem, só isso...Arealidade é essa!!! Eles não ligam pra gente. Trabalhar e ser mãe é difícil demais... Mas esse desemprego que ta tendo aí, aí é pior ainda! Porque se eu tivesse um serviço, eu me virava e trabalhava!!! Minha rotina é cuidar das minhas filhas aqui mesmo, estou sempre por aqui na ocupação perto do posto policial da UnB!!! Poderiam me ajudar com carrinho de neném, ajudaria MUITO porque é muito difícil andar com elas duas!!! Fralda e leite também seria muito útil...Afralda pode ser G!!! Quem puder me ajudar, eu vou agradecer muitooo!!! De coração!!!” (Depoimento de Bárbara, BSB INVISÍVEL, 2021).

Luzia - 67 anos

"Meu nome é Luzia, sou da Bahia, tenho 67 anos e vai fazer cinco que tô em ocupação.... Eu sempre trabalhei na roça, agora não dou mais conta de trabalhar. Plantava milho, arroz, feijão, algodão, maracujá, café... Sinto muita falta dessa época, sabe? Sou mãe de 10 filhos, uns ficam na Bahia, outros em Goiás, outros em Brasília mesmo. Tem dois aqui e, de uma filha, tenho quatro netos!!! Venho para cá porque tem hora que preciso de ajuda... Uma cesta básica ajuda tanto, vc nem imagina... Outra coisa que preciso muito também é de uma cadeira de rodas pra minha menina, de 31 anos, que é cadeirante... Até hoje ela nao fala, ela nasceu com algumas deficiências... Ela só chama tio, tia, papai e mamãe... Meu sonho ela era ter uma cadeira pra ela se movimentar só, porque meu braço já não dá mais conta, eu tô ficando velha... Onde ela está, estou com ela, pois depende de mim 24h por dia! E aqui nesse chão de barro é ainda mais difícil andar com ela, mas é amor de mãe! Ela não come sozinha, não vai ao banheiro... Uma das minhas netas tá sem estudar porque o celular dela quebrou e ela está com dificuldade pra mandar os trabalhos para a professora... Quando chegar o final do ano, ela não vai passar porque não tá conseguindo mandar os trabalhos para a professora... É injusta né? A condição diferente das pessoas... Seria bom um celularzinho para ajudar... Com a pandemia tá tudo difícil, porque minha família que trabalhava tá toda desempregada... Mas Deus vai abrir as portas e abençoar a gente! Minha saúde graças a Deus está muito bem! Já me vacinei, ainda bem! Minha história é assim mesmo, conhecer as pessoas, agradecer quem me ajuda! Primeiramente agradeço a Deus, depois essas pessoas. Deus que é o poderoso pode nos abençoar a cuidar de nós!"

(Depoimento de Luiza, BSB INVISÍVEL, 2021).

Lourdes

"Meu nome é Lourdes, eu sou de Pernambuco e tô aqui em Brasília desde os anos 80… já praticamente Brasiliense. Aqui tô com a metade da família, tenho 4 filhos e não tenho marido... Atualmente, fico aqui perto da Vila Planalto, mas a situação não tá muito boa… eu tenho diabetes, tenho asma e não posso ficar me expondo muito ao tempo seco. Hoje mesmo eu tô muito ruim… e queria uma ajuda das pessoas… se pudessem me ajudar com um aparelho de nebulização. Eu não dou conta de comprar, é muito caro… e remédio de diabetes que também é muito caro. Nem todo mês eu tenho os R$ 17.50 pra comprar, e pra conseguir no posto é muito cansativo. Então tenho que correr atrás pra conseguir comprar... Aqui muitas pessoas ajudam, mas tem outras que ficam criticando também… Falando que a gente tem que arrumar um serviço. Gente… não tá fácil… não tá fácil pra ninguém. Eu venho pra cá quando tô sem comida pras minhas crianças, mas, por exemplo, na semana passada eu recebi uma doação tão boa, de um filho de Deus, que passei 3 semanas no meu barraco... Dependendo da ajuda que recebo, fico 1 ou 2 meses sem vir aqui… mas como te falei, tenho vários netos, filhos e tô ajudando todo mundo. Sei que não tô fazendo muito certo estando aqui doente, mas não tenho emprego… roubar eu não vou… aí eu fico aqui. Só que não estou aguentando, gripei, estou muito cansada e piorando… Sobre trabalho, eu mexi o tempo todo com reciclagem, só que fiquei doente e não pude mais mexer… mas posso fazer diária, trabalhar em restaurante, fazendo salada, lavando louças… serviços gerais. Então eu queria muito uma oportunidade… na verdade, isso aqui não é vida pra ninguém. Eu fico meio assim, mas não tem outro jeito… Quando eu aguento, passo a semana toda por aqui. E toda ajuda é boa, todas são bem vindas. Sempre ajuda demais! Eu preciso de uma oportunidade, um nebulizador e dos remédios…" (Depoimento de Lourdes, BSB INVISÍVEL, 2021).

Cláudia - 38 anos

"Meu nome é Claudia, tenho 38 anos e eu não sou daqui, eu sou do Pará! Vim para Brasília com o meu marido, que foi transferido da Valor Ambiental para a Quality de Brasília! A gente veio com ele, só que há 2 semanas atrás, após ter tomado a vacina, ele passou mal pois era diabético e hipertenso e eu acabei levando ele ao hospital de base e faleceu... Eu vim pedir ajuda do governo, do CRAS, pra conseguir me embarcar de volta para o Pará... Eu estou aqui pedindo pelo amor de Deus uma ajuda pra poder alimentar os meus 10 filhos! Eu estou sozinha! Já andei por todo lugar desde as 5h manhã procurando a igreja São Francisco de Assis para tentar conseguir qualquer ajuda! E agora essa moça que trabalha no Bsb Invisível cruzou o meu caminho, e foi Deus que colocou ela aqui, espero que ela consiga me ajudar... Eu faço um apelo de mãe! Eu preciso alimentar meus filhos!" (Depoimento de Cláudia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Michelle- 39 anos

“Sou Michelle, tenho 39 anos, e tenho uma filha de 7 meses. Quando começaram as derrubas na ocupação do CCBB, ela tinha um mês e 19 dias e sofreu tudo... Infelizmente, a gente perdeu muita coisa e, principalmente, a dignidade do trabalho! Ficamos dois meses sofrendo aquela derruba diariamente no cerrado. Eu consegui um aluguel no valor de R$ 600. Mas agora vai vencer dia 30 e não tenho de onde tirar o dinheiro, porque o auxílio atrasa... Se eu não conseguir pagar, vou ter que voltar pro cerrado. Eu não gostaria, é muito sofrido, a minha filha tava pegando pulga, queimando de dia no sol infernal, à noite era um frio daqueles! Não queria que ela sofresse de novo isso... Eu fui atrás e vi que se o carro estiver em dia, não tiver devendo IPVA e tiver o licenciamento, a gente pode conseguir uma licença para reciclar. Mas, infelizmente, por causa da derruba, não pude trabalhar e não pude quitar. Então eu venho pedir ajuda pra arcar com as despesas do aluguel este mês e comprar umas coisas pra minha filha que tão faltando. E poder quitar o débito do carro, pra eu voltar a ter dignidade do trabalho. O governo tirou isso da gente... Eu e meu marido juntamos latinha pra comprar as coisas que estão faltando, mas infelizmente não é o suficiente para manter as necessidades de uma criança. As contas atrasaram e eu não consigo suprir. Só queria mesmo a dignidade do trabalho... Sem trabalhar, como vou conseguir manter nossa filha, família e aluguel? A única coisa que temos para trabalhar é o carro velho. As empresas que buscam nosso material reciclado disseram que se eu conseguir colocar o carro em dia, conseguem uma licença pra trabalharmos. Tem multas e IPVA atrasados. Se não tivesse tido a derruba, tenho certeza de que poderíamos ter trabalhado e quitado...Peço a Deus saúde, pra mim e família, pra termos a dignidade do trabalho! Em casa está faltando tudo, o gás tá pra acabar, não temos de onde tirar... Estou desesperada. Quando faltam as coisas pros nossos filhos, vem o desespero.”

(Depoimento de Michele, BSB INVISÍVEL, 2021).

Fátima

"Meu nome é Fátima, sou de Minas Gerais, mas como não deu certo lá, acabei vindo pra Brasília! O desejo que eu tenho é de ter meu lugarzinho! Porque é bom né, a gente poder dormir, poder ir trabalhar... Eu durmo aqui no Setor Comercial, mas é muito ruim, as pessoas não respeitam a gente! Eu cato latinha, e tento viver disso, mas quero poder fazer outra coisa pra realizar meu sonho de ter uma casa! Meu plano é vender água e refrigerante lá na Torre de Tv, mas pra isso eu precisava de uma caixa de isopor e do carrinho pra levar a caixa!" (Depoimento de Fátima, BSB INVISÍVEL, 2021).

Samara - 18 anos

“Meu nome é Samara, sou aqui de Brasília, tô pra fazer 18 anos e tô grávida de mais ou menos 2 pra 3 meses… Não tô muito sentindo muito feliz porque eu já tenho 3 filhos, esse é o quarto e vai colocar mais pra mim… porque do jeito que a gente tá aqui, vão ficar mais difíceis as coisas agora. Se alguém puder me ajudar, vai ser uma ótima e muito bem vinda vinda a ajuda… A gente trabalha com reciclagem, mas agora não tá dando pra gente mexer… como ta tendo a derrubada, o DF Legal ta derrubando direto, então nós paramos de catar… a gente fica com medo. Dessa última vez que eles vieram, levaram tudo… até o material do pessoal. Eles não deram nenhuma ajuda, apenas chegaram e derrubaram, mas sem violência, graças a Deus... Eles tinham dado 6 meses pra gente ficar aqui, mas a gente só conseguiu ficar uns 2 meses e eles já começaram a derrubar de novo! Tem uma moça que ajuda sobre essas derrubadas, o nome dela é Paula. Sempre quando tão derrubando ela já assina os papéis, manda pra defensoria e tudo. Ela tenta ajudar a gente de todas as formas… Eu to querendo sair dessa situação… porque é chato. Tipo, a rua é boa, mas é cansativa… a gente precisa tomar um banho e não tem como tomar um banho direito. Água também… não tem lugar certo. Um dia tem água, dois dias não tem… Mas a gente tá sempre aí na luta né?! Não pode é desistir... Se eu pudesse pedir uma ajuda agora que as coisas tão todas difíceis, não sei como vou conseguir me organizar… seria bom ganhar um enxoval! Se tiver oportunidade de trabalho, eu trabalho! Eu sei cozinhar, já trabalhei cozinhando e fazendo faxina na casa das pessoas... De tudo um pouco eu entendo… se tivesse a oportunidade, tava dentro… comigo não tem tempo ruim, não! Meu sonho é um dia a gente ter um lugarzinho pra poder descansar em paz… sair da rua… tirar meus filhos da rua, porque tipo, o que eu não quero pra mim, eu não quero pra eles! Meu sonho mesmo era ter uma casa pra poder botar eles dentro… E o frio aqui tá muito forte… o casaco e os cobertores ajudam bastante a gente. Graças a Deus!” (Depoimento de Samara, BSB INVISÍVEL, 2021).

Silvana

Natália

"Sou Natália, de Goiânia, vim para Brasília com 10 anos de idade, com minha mãe, irmão mais velho que já faleceu e dois irmãos pequenos! Ficamos em situação de vulnerabilidade, passou um tempo, conseguimos uma casa... Depois que engravidei, meu filho está com cinco meses, voltei a ficar em vulnerabilidade, sabe? Durante o dia saio, às vezes vigio carros, mexo com reciclagem, consigo almoço, volto para casa...Pego água ali embaixo (na Colina), tomo banho, dou banho no neném e vou dormir... Tem gente que ajuda e tem gente que não ajuda... No meu dia a dia, muitas vezes as pessoas olham com cara de nojo. Às vezes, nem estamos pedindo, damos bom dia, boa tarde, a pessoa nem responde e diz que não tem nada para dar... Mandam procurar emprego, perguntam porque a gente foi fazer filho... Hoje mesmo aconteceu um caso de querermos usar o banheiro, eu com os meninos pequenos, e disseram que não, porque éramos sujos e iríamos sujar o lugar... Também falou que não era para pedirmos comida no estabelecimento. Eu acho que independentemente das condições sociais e materiais, todo mundo é igual. A diferença é que uns têm mais, outros têm menos e outros nada têm. No fim das contas, não quer dizer nada... Antes eu trabalhava fichada, de uns tempos para cá, ficou mais difícil. Agora sozinha, com meu filho de cinco meses então... Eu preciso de roupa para mim e para o meu filho. Se pudesse ter uma ajuda também, um aluguel, para eu sair da rua com meu filho... Fico em frente ao posto policial, no Bloco K, da Colina da UnB. Onde eu ficava antes tinha muita violência, por isso vim pra cá! Sabe qual o meu maior sonho? Terminar meus estudos, fazer faculdade de psicopedagogia. E ter uma vida melhor..." (Depoimento de Natália, BSB INVISÍVEL, 2021).

"Meu nome é Silvana. Minha mãe me deixou aqui em Brasília com a minha irmã, eu tinha 2 anos e minha irmã 19… Vim da Bahia, Feira de Santana... Minha mãe abandou a gente aqui muito cedo, e minha irmã bebia muito… morreu de cirrose quando eu tinha 12 anos. Eu tive que cuidar de mim, já vivendo em situação de rua aqui em Brasília desde essa época… Tive que cuidar de mim, porque minha irmã bebia, mas graças a Deus, já vou fazer 51 anos e, do tempo que moro na rua, nunca mexi com com droga, nunca bebi… Mas a vida é assim, a gente fica na rua e, as vezes, a sociedade olha pra gente e não sabe a situação que viemos… Sempre me falam que não beber e não mexer com nada errado é um exemplo né, porque, as vezes, as pessoas olham e não sabem a história do outro, não viveram em situação de rua… Eu sempre sobrevivi catando latinha e vendendo reciclado mas, por causa da pandemia, a gente sai pra catar latinha e tá difícil… então vivo com as doações! Uma vez, um paulista cabelereiro realizou o meu sonho de arrumar o cabelo! Agora uso tranças e me sinto melhor por isso. Não sou mais casada e tenho dois filhos, um de 20 e um de 18… eles foram adotados por um pastor e não moram comigo, mas eles sempre vêm me ver. Meus filhos falam que o sonho deles era que a gente tivesse a casinha da gente… já tem muitos anos que fiz a inscrição do GDF e não consegui… Eu tomo remédio de pressão alta, remédio pra dormir… Agora não tô conseguindo pelo SUS porque não tá tendo médico para atender a gente… fui ao ministério público e não consegui pegar os remédios. Assim… como a gente vive muito na rua, a depressão chega, para mim, principalmente depois que minha irmã morreu… então preciso de assistência não posso ficar sem tomar remédios!"

(Depoimento de Silvana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Conceição de Jesus - 42 anos

"Meu nome é Conceição de Jesus… Nasci em Pirapora e tenho 42 anos . Quero falar assim, ele tinha que respeitar mais o povo e ter mais amor ao próximo. O que ele tá mandando fazer não é culpa da polícia, é culpa dele, a polícia faz o que eles mandam… Tenha mais amor às pessoas humildes, entendeu?! Porque a gente não tem dinheiro, a gente não tem emprego… Ele não dá emprego para pobre, emprego é só para quem tem estudo e nós não temos estudo. O nosso trabalho é digno, nós não estamos roubando e nem matando, estamos tirando o lixo da rua… O que ele fez foi muito errado, muito feio. Ele tinha que dar exemplo para os jovens, porque aqui tá cheio de jovem... Por que hoje em dia os jovens querem matar... traficar? Porque não têm apoio dos grandes lá de cima. Aqui tem muito jovem que levanta às 4h30 da manhã para caçar ferro velho, latinha, papelão... Não é todo jovem que quer isso não. Meu filho quer trabalhar, ter alguma coisa na vida, pagar uma faculdade, entendeu?! Esse Bolsonaro, o que ele fez foi uma injustiça muito grande, eu to muito magoada com ele, muito… Sobre a derruba de hoje... Nós estávamos aqui, aí começaram a derrubar lá em cima, eu vi e corri, tirei a lona, tirei tudo, eu fiquei tirando a lona e pensando: ‘ué, não tô matando, a gente não tá roubando e não tem nada…’ Sou evangélica, da igreja ali... Não tenho nada, tenho só a ajuda de vocês, das pessoas que vem trazer comida e tudo... Hoje mesmo, o que que ele fez? Deixou minha criança aqui o dia todinho sem comida, porque mandaram derrubar os barracos da gente! No lugar de derrubar, o que eles têm que fazer é vir com a polícia, que tá certo, tem que vir mesmo, porque ninguém sabe o coração de ninguém… Trazer o conselho tutelar para ver se alguém pode nos ajudar. Botar os jovens atrás do balcão e caçar serviço pra eles mesmos trabalharem… Esse aqui tá lutando para pagar a faculdade, porque tá sem estudar por causa desse coronavírus e não tem computador pra estudar online, ele tem que pensar nisso, viu? Que tem muito jovem aí sem estudar porque não tem computador, tinham que tomar vergonha na cara e botar computador para os jovens, porque dinheiro tem... e esse auxílio emergencial aí não ajuda ninguém não, 150 reais não dá pra nada… é uma vergonha! Não tenho bolsa família, o auxílio é de 150 reais. Eu vendo paçoca e jujuba, aí eu falo com pessoas… Eu tenho vergonha de entrar no restaurante para vender, não é vergonha do meu serviço, entendeu? Tem pessoas que pensam que eu vou roubar ou que eu vou pedir... Já passei por várias situações, eu entro num restaurante pra oferecer e as pessoas já ficam com medo… É uma decepção, porque eu sei que na rua tem gente boa, mas que também tem gente ruim, eu sei disso, e o governo tem culpa disso não, o coração ninguém vê, né? O que eu queria era um serviço... Como eu não tenho estudo, meu serviço era de faxinar, até trabalhar de limpar a rua eu trabalho, qualquer serviço que vier, eu faço. Meu sonho é ver meus filhos bem, com estudo, cada um com sua vida… Ficar na minha velhice de boa em casa, trabalhando de costurar. Uma vez, quando eu trabalhava na fazenda de laje, eles pagavam um curso no Senai pela Emater, só que o que eu pegar, eu faço… Alguém me dá um serviço pra eu poder trabalhar e me manter! Eu só quero que o pessoal grandão, lá de cima, tenha mais amor pelas pessoas que estão juntando reciclagem, ao invés de derrubarem o que nós temos... Tiraram nosso serviço, eu tô muito magoada com isso, passei ontem o dia todinho na W3, Asa Norte, Lago Sul, tudo a pé, empurrando carrinho e eles vieram aqui e pegaram tudo… Eu chorei, chorei, fiquei revoltada! Eu tô indignada, sério... (Depoimento de Conceição de Jesus, BSB INVISÍVEL, 2021).

Cíntia

"Meu nome é Cíntia, eu vim com a minha família lá de Barreiras, na Bahia. Viemos pra cá porque a situação de lá estava bem difícil... Ainda não tivemos condição de montar nosso barraco, por isso moramos de favor no barraco de um amigo da família, aqui na Vila dos Pescadores (Ao lado do Deck Sul). Vim eu, meu esposo e meus três filhos, um de 9, um de 6 e uma de 4! A gente trabalha com reciclagem. Nosso trabalho é pegar garrafas pet e de vidro para transformarmos em taças! Depois, saímos pela rua tentando vender... Já meu filhos continuam estudando, mas quando dá, né? Quando eles não acham internet não tem como assistir à aula... É difícil estar em situação de rua e trabalhar com resíduos... Pra mim, o pior disso tudo são as doenças e a falta de higiene. A gente fica muito exposto, não consegue se cuidar muito, sabe? Mas, tem pessoas que nos ajudam quando podem! Depois da foto que vocês postaram da entrega de cobertores, muitas pessoas me ligaram para poder ajudar. Nossa, eu to tão feliz por isso!!!! Já recebi cesta e roupas!!! Sabe qual o meu sonho? Sair dessa vida de depender da ajuda dos outros e de ter que pedir... Eu só queria poder dar uma vida melhor pros meus filhos, uma carroça pro meu marido poder trabalhar, uma casa de família para poder faxinar, sabe? Eu queria um emprego, tenho experiência como passadeira, diarista...

Aqui tá muito frio, tem horas que a gente junta todas as cobertas que tem, uma em cima da outra e treme os dentes.Aí, pra melhorar, a gente se abraça, né? Nossa, não sei nem dizer..." (Depoimento de Cíntia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Rayssa

"Meu nome é Rayssa! Eu morava em ocupação, e aí acabei engravidando… Agora tô morando na Estrutural e as coisas estão bem difíceis… Com o neném acaba que eu tenho que me virar mais e por isso preciso muito de um emprego, mas fico sem saber como fazer com a criança, porque ele ainda tá no peito! Minha mãe e meu pai estão desempregados, mas às vezes eles conseguem um bico por aí… É assim que a gente vive, e se ajuda sempre que dá! Tem um tempo que ele já tá muito pesado e eu sou muito pequena, então não tô conseguindo levá-lo no colo mais… Só que eu não tenho carrinho de bebê! Se alguém tiver um, me avisa! Coisinhas de bebê, na verdade, seriam muito úteis!"

(Depoimento de Rayssa, BSB INVISÍVEL, 2021).

Amanda

"Meu nome é Amanda! Eu já morei mais de 10 anos da minha vida na rua... Agora tenho a casa da minha irmã no Valparaíso, mas como meu esposo trabalha no Plano, eu não posso voltar pra lá todo dia. A gente passa a semana aqui... Já falei pra ele, para sairmos daqui, irmos de vez pra roça, mas ele não quer deixar o trabalho... Às vezes fica tão frio e perigoso que eu vou-me embora sem ele e quando volto, ele continua no mesmo lugar, sozinho... Vai entender, né... Acho aqui muito difícil pra quem é mulher. O meu ex-namorado, que conheci na rua, tentou me matar uma vez...Ainda bem que me livrei e já tem três anos que eu e o Edivandro estamos juntos! Eu já fui abusada, já sofri muito... Por isso prefiro sair daqui quando dá. Depois de todas essas situações, comecei a achar que o cara apareceria em todos os lugares, fico assustada com tudo, é difícil... Eu e Edivandro brigamos muito, mas a gente se dá bem, ele me protege, sabe? Às vezes dá nos nervos, quero largar ele, mas eu amo ele, né? Só não sei o que ele vê nessa rua toda... Não gosto, nem higiene temos aqui, sabe? Imagina, não sei que dia posso tomar banho e se tomar, que roupa vou por? Nossa é péssimo... Além disso, eu tô com muuuuuita dor de dente. Uma moça me deu amoxilina, to tomando quando tenho dor. Mas não é assim que toma esse remédio, né? E também não tá ajudando mais. Eu precisava muito da ajuda de uma dentista... Na verdade, é a única coisa que eu peço! Se alguém puder me ajudar, eu tô sempre aqui na 310 Sul, na comercial. É só perguntar pelaAmanda esposa do Edivandro!"

(Depoimento de Amanda, BSB INVISÍVEL, 2021).

Eliete - 59 anos

"Meu nome é Eliete, tenho 59 anos. Eu tenho seis netos que moram comigo e não consigo mais trabalhar para sustentar a família... Tenho diabetes, hernia de disco e pedra na vesícula. Na pandemia, meu marido, que já é de idade, ficou desempregado e tá bem difícil a situação... Eu sou catadora de reciclagem e tenho sobrevivido pelo Bolsa Família, mas não tá dando pra sustentar a minha família toda, entende? Quem puder me ajudar, eu fico muito agradecida.. Na minha geladeira não tem nada, nada mesmo. Já tem alguns dias que não almoçamos por aqui.... Eu só peço ajuda, está sendo muito difícil! Eu moro em Águas Lindas de Goiás" (Depoimento de Eliete, BSB INVISÍVEL, 2021).

Ana Maria

“Eu sou a Ana Maria, nasci na Bahia e vim pra Brasília à procura de emprego. É minha filha, eu vou te falar... Aqui na rua não é nada fácil. É frio, é fome. Tô precisando muito de coberta, casaco... Não temos água, nem lugar pra banhar. Tem mais de 15 anos que nós estamos nesse mesmo lugar... Eu, meus netos, meu marido e todos nossos amigos, que acabam sendo família. A gente tenta, tenta e não consegue nenhuma oportunidade de emprego. Eu sou analfabeta. Depois que tive meu primeiro filho tive que correr atrás da vida pra dar comida pra eles e parei de estudar. A gente faz reciclagem e cuida de carro, mas não é o suficiente pra sobreviver... A gente revira todos os lixos, pega comida do chão e torce pra alguém doar algo. Às vezes alguém para, dá uma marmita ou cesta básica, mas nem isso tá tendo ultimamente... Tem gente que passa de carro e grita “Vai trabalhar, arranja o que fazer! Larga essa vida mansa”. Aqui não tem nada de vida mansa, é muito sofrido. Amanhece, você olha pra um lado, pro outro e se sente perdido. Levanta, vai procurar papelão e latinha, torcendo pra achar alguma coisa. Já me perguntaram o porquê de eu não arranjar um emprego... Eles acham que é fácil, né? Não é falta de tentativa, não. Ainda mais eu, que não leio e nem escrevo. Menina, é terrível mesmo. Ninguém escolhe viver na rua, eu não desejo isso pra ser humano nenhum! Morador de rua é muito maltratado. Isso dói muito no coração da gente! Se eu tô aqui é por necessidade mesmo! Eu tenho um lote lá em Brasilinha, mas não tenho um centavo pra construir um barraco. Tô tentando conseguir telha, madeira, tábua ou até uma lona mesmo, que aí eu consigo levantar um barraco e tirar minha família daqui. Eu tenho fé que isso vai mudar, vou conseguir dar uma vida boa pros meus netos.” (Depoimento de Ana Maria, BSB INVISÍVEL, 2021).

Alana

"Meu nome é Alana e eu tenho 2 filhas. A mais nova tem 8 e a minha filha mais velha tem 13 anos, mas ela nao sabe ler e nem escrever... Acho que um neurologista pudesse me ajudar, não sei... Ela sofre muito bullying… sabe? Se eu tivesse ajuda com o tratamento dela eu agradecia, muito, de verdade... Meu marido também está desempregado e ele tá com uma pedra na vesícula, já tem todos os laudos mas não tem condição de fazer a cirurgia. Nós vivemos aqui, nesse barraco. É uma vida muito complicada, dependemos de ajuda pra quase tudo. Como eu moro em barraco de madeira, preciso sempre de material, entende?! Quem puder me ajudar… Tijolo, cimento, telha… Queria mesmo era ter condição para construir minha casinha!!! Seria um super conforto pras minha filhas, nossa!!! Dar uma vida melhor pra elas é meu maior sonho!" (Depoimento de Alana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Desiree - 33 anos

"Sou a Desiree e tenho 33 anos! Nesse tempo, vi tanta gente que está aqui pq não teve acesso a estudo, não sabe ler e escrever... Têm filhos e amor por eles! As crianças veem as coisas e querem... um tênis bonito, uma roupa de super herói, um lanche! Aqui não tá sendo derrubado pq desmontamos e montamos todo dia. Só que vai desgastando, estragando as lonas, cansando todo mundo... Eu quero sair da rua... Se é casa de aluguel, se é de favor, não interessa, quero sair! Eu e meus dois gatos, o Ramela e a princesa Ravena! Quero voltar a estudar pro Enem, eu estava inscrita e não fui fazer... Quero fazer Literatura ou Biblioteconomia. Tenho um canal com poemas no YouTube, chama Greenplace Park e o vídeo chama Desirré Poeta Blumenau! Eu queria um carrinho de reciclagem, um mais larguinho, pra caber meus gatos e minhas galinhas! Quero ir com o carrinho até Natal, onde tenho um emprego de passeios de camelos e dromedários! Eu faço maquiagem artística, malabarismo de fogo.... Se tiverem uma pulseira arrebentada, todo tipo de linha... Algum material que não tiver usando, pode trazer que eu faço várias peças bonitas! Eu ganhei umas roupinhas que não me servem, mas têm uns desenhos bonitos! Eu vou cortar e fazer chapéus, bolsas, carteiras, pq é o que eu fazia antes da pandemia! Meu sonho? Eu só quero paz! Eu não quero mais ser violentada, não quero mais ter que estar com homem por obrigação de ter um lugar para ficar, pq eu já não tenho mais interesse em homem nenhum... A mulher é vista como um produto, igual quando você vai a um mercado... Para mim é isso: ter um lugar pra terminar o meu livro, montar minha peça de teatro, cuidar dos meus gatos... Tô escrevendo um livro, a ideia é uma enciclopédia da magia, falando das velhinhas que eram curandeiras, parteiras, que conheciam erva, que foram queimadas vivas como bruxa! Quero falar sobre as mulheres que foram queimadas vivas! Tem a ver com um conhecimento ancestral indígena. Tem a ver com a observação dos astros, com as marés! Eu li bastante, Hermetismo, Blavatsky, Caibalion, Corpus Hermeticum...O conhecimento só serve se você conhecer para mostrar ao seu próximo." (Depoimento de Desiree, BSB INVISÍVEL, 2021).

Marleide

"Meu nome é Marleide, eu tava trabalhando de babá com carteira assinada, mas fiquei desemprega por causa da pandemia... Eu morava no Jardim Ingá mas, com o desemprego, tive que vir pra cá trabalhar na reciclagem... É o jeito de conseguir dinheiro pra pagar minhas coisas... Tenho um filho de 25 anos e moro, também, com meu marido! Eles ficam aqui comigo... Aqui passam pessoas dando cesta e outras ajudas! Para nós, tudo o que vier é bem vindo! Final de semana é mais tranquilo porque a derrubada não passa! Mas, aí a gente já guarda nossas coisas, porque sabe que na semana eles vêm... A gente fazia tudo com lona, mas eles levaram tudo, todos nossos pertences, barracas... É nosso meio de sobrevivência a reciclagem... Não é fácil estar em lixeira pegando em lixo...Agente tem que usar luva, mas, as vezes não tem nem isso, sabe? Nem máscara a gente tem... Às vezes alguém passa e dá pra gente, eh importante por causa desse vírus, né... Eu tenho muita fé em Deus, até tenho medo de tudo que acontece, mas já vivo nessa vida, não tenho o que fazer, só tenho que ter fé.... Sobre o governo, eu não recebi nenhum benefício além do FGTS quando fui demitida e também nao tenho acesso a nenhum programa... Mas, eu tenho boas referências pra trabalho!!! Ja atuei muito como babá, cozinheira, tudo isso! Eu só queria a oportunidade de trabalhar. Eu moro na ocupação da Colina, perto da UnB. Toda ajuda é muito bem recebida!" (Depoimento de Marleide, BSB INVISÍVEL, 2021).

Michele

"Meu nome é Michele, sou nascida e criada aqui em Brasília! Tenho família aqui! Tenho 29 anos, e sou uma mulher trans, com muito orgulho! Eu passo por muitas situações de preconceito, principalmente por estar na rua! Além disso, no meu documento de identidade ainda está o meu nome de rapaz... Já existe o preconceito por ser homossexual, estando na rua ainda, aí fica ainda mais difícil... Apesar de tudo, eu sou feliz! Aqui na rua, a gente tem que ser guerreira, viu! Eu acho que nós, transexuais e homossexuais, temos que ter mais visibilidade, porque somos muitos na rua, mas não somos vistos, somos excluídos da sociedade..."

(Depoimento de Michele, BSB INVISÍVEL, 2021).

Kátia - 30 anos

"Meu nome é Kátia, eu tenho 30 anos! Nós morávamos em uma fazenda, trabalhávamos lá... Mas, diante da dificuldade, fomos mandados embora e viemos pra rua, em Brasília. Meu filho já nasceu aqui em Brasília, tem 7 meses! Conseguimos cirurgia pra ele, já foram três, porque ele nasceu prematuro! Tiramos nosso sustento da reciclagem. Tem muita gente que olha com preconceito, que fica com nojo porque falam que a gente trabalha revirando lixo... Mas, as pessoas precisam entender que não é lixo, é nosso trabalho, é reciclagem de material! É o meio que a gente encontra de sobreviver, sem agir de maneira errada, como muitas outras pessoas fazem! Consegui matricular meus dois filhos mais velhos no Paranoá, a do meio aqui no plano mesmo... Eles estão tendo aulas a distância. Eu me sinto mal, em partes... É muito diferente viver em um lar, ter acesso à energia pra poder acessar as aulas... Tirando isso, é ruim porque não temos água, não temos como tomar banho, ir ao banheiro. Mas, graças a Deus eu sou uma pessoa muito feliz! Eu me considero uma mulher muito forte. Eu sou mãe, eu amo meus filhos mais que tudo! Preciso muito de ajuda pra eles, de material escolar... Ah, um carrinho de bebê também seria perfei to, porque eu saio pra catar reciclagem com ele no colo e pesa muito!” (Depoimento de Kátia, BSB INVISÍVEL, 2021).

"Meu nome é Maria de Fátima, eu sou de Alagoinhas, na Bahia! Eu moro aqui nessa invasão há bastante tempo... Eu trabalho vendendo panos de prato no sinal, só que, por causa da pandemia, o movimento diminuiu e eu não tô conseguindo mais comprar os pano pra vender... Tá bem difícil, eu confesso. Meus filhos todos já nasceram aqui em Brasília. É muito sofrido ser mulher em situação de rua... Preciso revirar o lixo, juntar reciclagem, papelão. Tem gente que pede, mas eu não gosto disso, não gosto de pedir dinheiro para as pessoas! A minha missão de vida é conseguir juntar um dinheiro pro tratamento do meu netinho. Ele foi atropelado no ano passado, ali na frente do HMib. Eu sou muito tímida, não sei muito bem como pedir ajuda... Os panos de prato vão me ajudar demais mesmo. Eu não tenho nada dentro de casa, nenhum móvel, nenhuma comida e o meu trabalho me ajuda a manter a minha família, sabe? Pano de prato é ligeiro, consigo vender bem rápido! Mas, também, eu estou esperançosa, sei que com fé em Deus vai dar certo!"

(Depoimento de Maria de Fátima, BSB INVISÍVEL, 2021).

Ana

"Meu nome éAna, minhas filhas são o meu pilar, se eu tô aqui é por elas... porque se eu tivesse em casa a gente tava passando necessidade. Eu mesma não deixo faltar nada... questão de dinheiro, essas coisas, eu não tenho, mas amor eu tenho um bocado... e não é o suficiente, mas é o mais importante! Corro atrás pra não faltar o alimento, a roupa, o calçado... Eu trabalho aqui, na rua, trabalho em casa e também na feira. Eu não mexo com droga, não uso droga. As vezes a pessoa mexe com o errado pra poder ver se ganha mais, mas só de você saber que vai se sujar, ou você pode ir preso... ave maria, se eu for presa e não puder ver minhas filhas mais, eu acho que eu morro. Já passei umas situações mais perigosas por ser mulher em questão de abordagem de homens quando a gente tá na rua, porque antes de casar eu trabalhava na rua vendendo coisa, então muitas vezes homem já assediou, já tentou estuprar... já passei muito por isso, e não foi só uma vez, foi várias. Uma vez eu quase fui estuprada no carnaval, vendendo água na rua, tava até com a minha mãe... eu acho que a rua é perigosa. Fui casada 23 anos com o pai delas, a gente separou por motivo de violência doméstica. Fiquei morando aqui com elas, mas nesse período a mais nova foi picada por um escorpião e quase morreu. Eu acho essas duas que tão aqui comigo muito fortes, minhas filhas são muito sadias, graças à Deus, não me vejo dentro de hospital mais com elas! Tem essa pandemia, mas lá em casa meu pai e minha mãe nunca adoeceram. Meu pai fica aí na invasão, numa kombi branca que fica alí, já tem 66 anos, mas ainda não conseguiu se aposentar... ele trabalha com reciclagem. A gente fica aqui também pra fazer companhia pra ele, porque ele e minha mãe são separados. Tá sendo difícil com pandemia, tudo que você pensar, na escola delas... esse negócio de plataforma virtual... porque só tem o meu celular, aí fica difícil pra dividir pra 4 crianças. Foi difícil esse ano, e eu tô vendo que vai ser difícil de novo. Ano passado ficando em casa a gente passava quase fome, só não passa fome porque o 'quase' não deixa. O que a gente mais precisa é de comida, de leite pras crianças."

(Depoimento de Ana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Maria de Fátima

Valdelice

"Meu nome é Valdelice, sou de Irecê, na Bahia, mas já me considero de Brasília. Eu queria sair daqui da rua, queria uma moradia, desde que vim pra cá, há 25 anos, não tive onde morar... Eu queria poder morar com meus filhos, que foram pegos pelo Juizado de Menores: um tem 2 anos, outro tem 11, outro tem 10, outra 15 e outro 18.Aqui é ruim demais, toda vez que chove molha tudo, é muito perigoso também...Apesar disso, aqui em Brasília eu acho que as pessoas recebem mais ajuda do que na Bahia, lá é bem mais precário, lá as pessoas não ajudam. Eu trabalhei como agricultora, quando morava na Bahia, um trabalho nessa área seria incrível pra mim. Minha rotina de trabalho agora é catar reciclagem e latinha, que as pessoas chamam de "lixo", né... Eu já procurei a Codhab e vários outros órgãos, mas não consigo apoio do governo pra ter acesso à moradia. Quer saber? Esse é o meu único sonho, desde bem pequenininha: ter uma casa onde morar! Eu me orgulho de mim pela mulher que eu sou... Pra ser sincera, eu sou mãe, eu sou pai, eu sou tudo junto! Ser honesta é tudo na vida da mulher. Sofremos mais do que o homem, na hora de ter o bebê, é a mulher que leva todo o peso, pra parir e até criar a criança. Pra conseguir ficar próximo dos filhos, a gente precisa ter nossos direitos garantidos... Pra não deixar na mão de outra pessoa, como do Estado, a gente até deixa com familiares que não ficam na rua, né? Melhor do que deixar com quem a gente não conhece. Eu não sou por mim, sou pelos meus filhos! Eu quero muito poder morar com eles, viver perto deles. Senhoras e senhores que estão lendo minha história, eu fico aqui na rua, na invasão do Cerrado aqui. Eu queria ajuda pra conseguir minha moradia e meu lema é: "faça o bem sem olhar a quem". Com certeza quem se dispor a ajudar quem mais precisa, vai ser muito ajudado por Deus." (Depoimento de Valdelice, BSB INVISÍVEL, 2021).

Milena - 23 anos

"Meu nome é Milena e eu tenho 23 anos, hoje é meu aniversário! Com 16 anos me casei, o meu marido trabalha como cozinheiro... Mas, por causa da pandemia ele foi mandado embora e estamos desempregados... Antes disso, morávamos em Planaltina, mas viemos pra rua porque não conseguimos mais pagar aluguel e nem conseguimos emprego. Nossa renda agora é por meio da reciclagem, catamos latinhas e papelão todos os dias! Eu ganhei um sorteio de um curso de técnica de enfermagem e meu estágio começa na segunda-feira, dia 8 de março. Só que eu não tenho absolutamente nada que precisa, estetoscópio, termômetro... Nem jaleco eu tenho! Sobre ser mulher... Ah, eu amo! Mas é muito difícil, principalmente na nossa sociedade! Tem muitos benefícios, mas é difícil.Apesar da situação que eu vivo, eu sou feliz! Eu amo minha família, estou realizada com o novo estágio... O que pesa mesmo é o preconceito que a gente sente na pele, é duro. Meu marido que vai pra rua pegar reciclagem... As vezes que já fui com ele presenciei muita maldade de pessoas xingando ele, dizendo que ele serve pra pegar lixo... Ele também sofre muito racismo e nós dois sofremos por vivermos aqui. É difícil lidar tranquilamente com essas situações." (Depoimento de Milena, BSB INVISÍVEL, 2021).

Maria do Socorro

"Meu nome é Maria do Socorro. Eu gostaria de agradecer a vocês e a Deus, antes de mais nada... São graças a pessoas como vocês que ficamos felizes e tudo isso por causa de Deus! Eu sou uma mulher guerreira, tenho 9 filhos, 14 netos e minha maior vontade é poder comprar coisas que possam melhorar a vida da minha família, queria dar uma vida melhor pra cada um... Tem 35 anos que moro em Brasília, mas eu sou lá da Paraíba! Eu moro na rua desde criança, essa é a única realidade que conheço, nunca tive uma casa... Já trabalhei algumas vezes, já fui presa também. Nossa não consigo nem falar muito dessas coisas, minha prisão foi muito injusta. Mas, ainda bem que já passou, é distante... Se alguém puder, eu preciso muito de ajuda pros meus netos. Os pais deles os abandonaram quando crianças, só tem eu e as mães deles... Minhas filhas precisam de verdade dessa ajuda. É difícil arrumar trabalho, as pessoas não dão oportunidade pra quem está na rua... Por isso que agradeço muito por existirem pessoas como vocês, que nos enxergam e ajudam como podem! Obrigada de verdade" (Depoimento de Maria do Socorro, BSB INVISÍVEL, 2021).

Lucimara - 30 anos

"Meu nome é Lucimara, tenho 30 anos e sou daqui de Brasília! Eu fiquei feliz com esse presente do Dia da Mulher que vcs deram pra gente, gostei muito! Em relação ao fato de ser mulher, eu acho que é mais difícil encontrar trabalho pra gente, é mais complicado, sabe... E, pra gente que trabalha com reciclagem, é muito ruim ter que puxar carrinho, é muito pesado, então acho que é mais difícil! Mas eu sou batalhadora! Lá na minha família nós somos 7 filhos, e eu moro agora com meu filho e meu sobrinho! Agora, com essa pandemia, ficou tudo mais difícil, eu fiquei até com depressão, tô fazendo tratamento... Já tentei suicídio várias vezes... Eu tento ficar perto dos meus pais aqui, eles me ajudam muito! Eu consegui alugar um cômodo no Paranoá, mas eu tô sem cama pros meninos, sem guarda-roupa... As nossas coisas estão ficando em cima da mesa e nós estamos dormindo no chão... Se puderem me ajudar com cama, colchão, um tanquinho de lavar roupa…”

(Depoimento de Lucimara, BSB INVISÍVEL, 2021).

Giselle

"Meu nome é Gisele! Eu e meu esposo fomos mandados embora por causa da pandemia... Por isso acabamos vindo morar nesse barraco com 5 filhos. A gente é muito humilhado... Passamos com carrinho de lixo, pq trabalhamos com reciclagem e as pessoas nos xingam... Mas é só assim que conseguimos comprar comida, medicamento... Eu não gosto de ver meus filhos aqui, sendo humilhados pelas pessoas. Desde pequena eu passo por dificuldades, mas essa aqui é a pior... Principalmente com a água! Eu não conheci meu pai, então eu e meu esposo tentamos passar o máximo de carinho pros nossos filhos! Mas tem hora que, por exemplo, os próprios policiais plantam o ódio na gente, chamando a gente de vagabundo, drogado, falando que a gente não quer trabalhar! Mas trabalhamos, sim, quando conseguimos trabalho! O meu medo é o Conselho querer levar minhas crianças! Mas eu tenho como provar que eles estudam, que eles não andam jogados. Se puderem ajudar, precisamos muito de emprego! Meu esposo ja trabalhou como ajudante de obra, marceneiro, como instalador de placa! E eu já trabalhei vendendo pano de prato, se alguém puder me doar alguns pra eu poder começar de novo... Nós mulheres somos muito batalhadoras, mas ainda tem muito preconceito, ainda mais pra nós, negras! Ganhamos muito pouco. Não é pq eu sou negra que tenho que ganhar menos do que a branca! E tb n podemos passar em uma loja que as pessoas já acham que vamos roubar... Eu já fui expulsa de alguns lugares, me senti muito humilhada... Diariamente somos humilhadas por ser negra, mas não é por isso que vou deixar de ser feliz! Eu não deixo me abater com isso!"

(Depoimento de Giselle, BSB INVISÍVEL, 2021).

Simone - 50 anos

"Eu sou Simone Alves e vou fazer 50 anos no dia 29 de março. Minha médica diz que sou um milagre de Deus, eu me trato com ela há 19 anos. Ela diz que nunca viu um paciente viver com anemia falciforme mais de 25 anos, chega aos 25 anos e morre, e eu vou fazer 50 anos... Graças a Deus! De presente, meu Deus, quero saúde e força para continuar trabalhando, continuar a minha jornada... Eu já tive dois AVC, eu estou aqui porque fico trabalhando, juntando latinha e garrafa pet... Eu preciso pagar a prestação do meu apartamento, minha água, minha luz, meu gás, eu não posso ficar sem me alimentar, eu tenho que comprar minha alimentação, eu tenho que comprar meus remédios... Às vezes, não dou conta de ir trabalhar na rua, vou para o sinal pedir ajuda. Ajudo meu cunhado a separar as coisas dele e ele me dá um dinheirinho para comprar meus remédios, eu tomo dois remédios, um deles é uma injeção para a anemia falciforme... Eu tenho de trabalhar, não tenho renda nenhuma do governo, estou no INSS para poder me aposentar, eu sou sozinha, tenho de vir trabalhar. Até eu me aposentar, que eu consiga continuar trabalhando... O que quiserem me dar, está bom... Preciso de uma bengala nova, pois a minha está com a borracha velha. Quando estou trabalhando, ando com um pauzinho, para não estragar a bengala mais ainda. Uma bicicleta pequena, para trabalhar, também seria muito bom...Eu colocaria uns “negocinhos” do lado, para carregar o material reciclável que junto, seria bom demais... A gente que precisa não tem que se envergonhar porque Deus sabe da precisão da gente..." (Depoimento de Simone, BSB INVISÍVEL, 2021).

Katiana

"Oi... Meu nome é Katiana! Eu moro há muito tempo aqui na rua... Por isso, muitas pessoas aqui conhecem a minha história e a dos meus filhos e... Sei lá... Aqui sempre estou pedindo ajuda pro povo, pra eu comprar um pedacinho de chão e ter meu lugarzinho! Eu sempre venho pro plano e peço ajuda... Eu até hoje não tenho beneficio nenhum, não consegui tirar. Também tenho um filho com deficiência, que perdeu uma perna num acidente... Ele já tentou ir ao Hospital de Base para continuar o tratamento, mas não deu pra continuar. Ele tem a mulher dele e a família dele, entende?! Desde sempre, eu peço ajuda com aluguel, mas agora eu tô pedindo mais ajuda com alimentos, roupas, porque eu preciso muito! Eu fico aqui pela Torre ou pela W3 sul, perto do Comper e Pão de Açucar! O povo todo me conhece!Ah...Eu sou evangélica e eu louvo muito a Deus!!! Graças a Ele sou batizada e, às vezes, o pessoal da igreja me ajuda também!! Não é fácil não!" (Depoimento de Katiana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Márcia

"Meu nome é Márcia, eu tenho duas crianças a Larissa e a Eloá. Também meu esposo que chama Cláudio! A gente fica aqui, coleta na rua e a gente compra a latinha do povo. As vezes a gente passa por algum constrangimento que a polícia chega e acha que a gente tá comprando roubo aí a gente deixa entrar no barraco e eles olham e vê que não é, mas até eles verem eles já constrangeram a gente demais né... Mas é... Tenho minhas duas crianças e fico aqui no cerrado... Aceito doação de alimento, roupa, fralda... A pequena ainda usa fralda e a de 5 anos nunca parou de fazer xixi na cama então quando tem eu coloco nela também mas quando não tem, não tem, né? Graças a deus a comida não tem faltado pra gente porque sempre tem gente doando uma cesta ou o alimento já pronto... Só que a questão da higiene e das cobertas tá difícil pra gente... Porque aqui a gente não tem acesso à água, água aqui é muito difícil.... A gente usa, usa... Chega a usar até 1 mês a mesma coberta e não tem onde lavar... A gente acaba tendo que descartar... Água pra beber a gente pede na igreja ali atrás e quando tem alguém lá eles dão, quando não tem a gente vai coletar e sai pedindo nos prédios... Aí tem prédio que eles dão tem outros que dizem que não pode dar... Aí a gente também não pode persistir né... Tem que sair, ir adiante e pedir em outro lugar... Pra beber não falta não que todo dia a gente sai pra fazer coleta e consegue em algum prédio! Quem puder ajudar com cesta básica, coberta, fralda de vez em quando pras crianças, tamanho XXG. Eu agradeço muito!" (Depoimento de Márcia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Genilda - 50 anos

"Eu sou Genilda, tenho 50 anos! Nasci e me criei nas ruas... Durante a semana, trabalho com reciclagem em Brasília para complementar a renda e levar o que comer para casa, mas moro de favor em Goiás. O que eu gostaria de ganhar no Natal? Meu sonho mesmo, de coração, é ter comida e roupas, porque sou evangélica!!! Ahh, e um tanquinho para lavar roupas, coisas simples da vida... Sou casada há três anos, mas vivo com meu companheiro Valdeci há 30! Ele é um homem que vale ouro... Avida tem sido difícil, pois há nove anos ele, que mantinha a casa, adoeceu... Quem está mantendo agora é Deus e eu!! Tenho três platinas no pé e me aposentei, mas sobram só R$ 600 por mês... Tive de fazer um empréstimo para pagar as cinco ressonâncias magnéticas do meu marido, que tem úlcera óssea. Se fosse fazer pelo SUS, só sairia em 2025! Não daria para esperar... E o que ganho gasto com remédios para ele. Tenho duas contas de luz e duas contas de água para pagar todos mês! Faço faxina, passo roupas, mas não está dando... Minha preocupação é a saúde dele... Precisamos de uma consulta com um ortopedista especialista para o Valdeci, que não fica mais em pé, apenas sentado e deitado, a prótese está colada. O caso dele é de urgência, porque ele chora, precisamos de um especialista!! Há cinco anos procuro, mas ainda não consegui... Se Deus quiser, eu vou conseguir. Agradeço a Deus a vinda de vocês, espero que eu consiga!!" (Depoimento de Genilda, BSB INVISÍVEL, 2021).

Guilhermina - 52 anos

"Meu nome é Guilhermina, eu tenho 52 anos, já não tenho moradia faz muito tempo, fico viajando por aí... Eu queria arranjar um lugar pra eu morar, já me cadastrei nesses programas do governo mas até agora não recebi nenhuma resposta! Até o auxílio que eu tava recebendo foi cortado... Eu tô nessa situação há muitos e muitos anos... E aí pra viver eu fico catando latinha e vendendo... Eu e o meu bem trabalhamos com reciclagem! Graças a Deus tem muita gente que nos ajuda, sabe? Tem até um veterinário que vem cuidar da minha cachorrinha, a Estrelinha, que foi atropelada um dia desses... Onde a gente fica, moramos eu, meu marido, meu sobrinho, meu cunhado e a Estrelinha! O meu sonho é ter uma casa pra morar, ter o meu lugarzinho, sabe... Não precisa de nada demais! Com fé em Deus, um dia nós vamos sair dessa rueira! Se alguém quiser me ajudar com alguma doação, eu fico aqui na altura da 116 Norte, entre o Eixinho e o Eixão!"

(Depoimento de Guilhermina, BSB INVISÍVEL, 2021).

Lucimar

"Meu nome é Lucimar... Eu não sei quantos anos eu tenho! Você pode ler pra mim na minha identidade? (...) Estamos aqui no Eixão tem mais de um mês... Meu marido trabalha olhando carro por aqui e eu fico cuidando da barraca. Mas a gente mora lá em Luziânia. Só nós dois, mas eu tenho dois filhos que não moram aqui... Mas meu sonho é visitar minha mãe, que não tenho notícias há anos... Ela mora lá no interior da Bahia, onde eu nasci, só que vim pra cá ainda criança. Meu marido gosta daqui, mas ave Maria, que saudade da minha mãe!!! Aqui até que tem muita gente que ajuda com comida, alguns restaurantes... O que mais pega é o frio. Não temos calça, meia, cobertor... Só essa coberta que serve de colchão, pra não ficar no chão duro. É ruim isso, frio demais... A gente pretende voltar pra Luziânia, mas só depois do Natal... Porque lá a gente passava fome mesmo, não tem nada pra comer lá, não... Não tem oportunidade de trabalho, daí viemos aqui pra Brasília pro meu marido olhar carro e ver se conseguimos algumas doações pra levar pra casa! Mas o nosso Natal vai ser aqui, esperando alguém passar e ver a gente... O que eu mais queria é uma ajuda de dentista. Olha como estão meus dentes... Preciso tirar eles, é tudo que eu peço, poder tirar todos os dentes. Dói muito, muito, muito. Dói pra ficar de boca fechada, dói pra comer, beber água... Por isso eu nem tenho comido direito, só quando o colega da outra barraca me dá algo molinho... Por favor, se algum dentista puder me ajudar!" EDIT: Conseguimos atendimento odontológico para a dona Lucimar! E para quem perguntou onde ela fica: Eixinho de cima, altura da 16 norte! Próximo ao Lago Norte!!! É bem fácil de localizar! (Depoimento de Lucimar, BSB INVISÍVEL, 2021).

Simone - 36 anos

“Oi, meu nome Simone, tenho 36 anos... Eu só fico aqui na Asa Norte atrás do Ceub pra conseguir doações pra levar pra casa... Graças a Deus eu tenho uma casa né... Mas eu tenho que pagar água, luz, e o que eu consigo aqui eu levo pra lá. Tenho 3 filhos e esse bebê...Agente fica aqui, trabalhamos com reciclagem e usamos aquele carrinho de compras ali... Quando conseguimos vender o material que a gente recicla vamos pra casa... A realidade é essa aqui mesmo! A gente faz que nem muitos, a gente ignora o preconceito... Preferimos ignorar e ficar calados, porque o preconceito fica pra eles e não pra gente! Eu não sou de Brasília, eu sou lá de Santa Rita de Cássia na Bahia... Vim pra cá procurar emprego, a situação lá tava muito ruim, vim há mais de 10 anos, eu gosto de Brasília, por incrível que pareça a situação melhorou e muito! Lá a gente era pobre mesmo, tinha dia que comia só farinha mesmo, eu via meu pai de mês em mês... Tinha que plantar pra poder comer... Depois que vim pra cá melhorou muito minha situação! Eu trabalho de doméstica, estava trabalhando até receber meu menino, a minha patroa disse que pagava meu INSS e quando fui fazer o parto descobri que não tinha nenhum direito, ela não tava pagando... Depois disso arrumava as diária pra fazer mas com essa quarentena ficou tudo mais complicado! Se aparecesse eu precisava de um carrinho de bebê pro meu filho, porque eu não tenho um carrinho pra levar ele!”

(Depoimento de Simone, BSB INVISÍVEL, 2021).

Magali

"Meu nome é Magali! Eu to nessa situação de rua porque meu filho começou com problemas de droga, foi preso e eu precisei de ajuda!! Com a ajuda do pessoal do Barba, consegui entrar em um trabalho, mas com a pandemia encerrou! Eu recebi o auxílio por dois meses, mas depois não consegui mais... Não consegui mais pagar o aluguel e fui despejada! Lá no meu antigo trabalho me ofereceram um exame de vista! Fui lá no Conic, realizei o exame e consegui meus óculos... Usei os óculos por quatro dias, e tirei pra dormir, ganhei uma barraca, organizei minhas coisas nela! Aí chegou o pessoal da Agefis e tomaram a barraca com tudo dentro, até meus óculos! Pegaram tudo o que eu tinha!! Meu telefone, meus remédios, tudo... A maior covardia! Mataram até um cachorrinho, porque o carrinho passou por cima! Destruíram tudo! O pessoal que ajuda a gente tentou recuperar os meus documentos e minhas coisas, mas quando chegaram lá estava tudo misturado, estragado e molhado! Se as autoridades viessem com antecedência e avisassem a gente pra sair, nós íamos sair e levar nossas coisas, sabe?!! Tem tanto lugar que poderia ser utilizado pelo governo pra abrigar essas pessoas, mas nada é feito e elas continuam nas drogas, na bebida na miséria... É muito sofrimento!! A sociedade reclama desse espaço aqui cheio de gente, aí o governo vem aqui e varre a gente como se fôssemos vermes, lixo! Isso é muita dor! Na Codab eu sou cadastrada desde 2001, e não consegui moradia ainda... Tem muita gente que tem coisa além do limite, casa, apartamento, roupa, sapato... E a gente não tem nada! É muito triste! Hoje eu to precisando de moradia, eu to dormindo no chão... Eu e o Maylon, meu cachorrinho e companheiro." (Depoimento de Magali, BSB INVISÍVEL, 2021).

Cristiane

"Meu nome é Cristiane, sou mãe de 5 filhos e tenho 3 netos. Minha filha de 16 anos está esperando meu quarto neto!!! Tem muitos anos que a gente fica aqui na invasão da Asa Norte, trabalhamos com reciclagem. Quase não estou ficando aqui porque tenho criança pequena e cuido do meu pai idoso de 66 anos...Meu marido está desempregado também e estou sem condições de comprar nada para o enxoval da minha filha gestante! Queria muito dar um presente pra ela! Eu tô pedindo ajuda para todas as pessoas que passam de carro e queiram doar...Converso pra ver se podem me ajudar com uma fralda, roupinha, alimento... O que a gente conseguir pro enxoval e outras doações também, porque somos 11 pessoas.. Eu morava em uma casa da Caixa que já faz mais de 3 anos que eu não consigo mais pagar...Acasa está a leilão, vou ser despejada, estou esperando me mandarem embora a qualquer hora. É difícil."

(Depoimento de Cristiane, BSB INVISÍVEL, 2021).

Cícera

"Eu sou Cícera, tenho dois filhos e sou casada com o Israel. Nossa situação não está fácil, meu esposo trabalhava em uma chácara, mas não era fácil conviver com o dono, ele era muito enjoado, meu esposo pediu as contas...A gente esperava o acerto da chácara, e ele não recebeu nada...Agente contava com esse dinheiro para pagar as contas para sobreviver, mas o dono não pagou. Tivemos que arranjar um dinheiro emprestado para sair da chácara. Estamos os dois desempregados...Infelizmente...Está difícil demais de arrumar emprego. Eu e ele. Moramos de favor em uma casa que uma conhecida emprestou para nós, não pagamos água nem luz... Como se diz, a gente tem que se vivar nos 30 para sobreviver, mas está muito difícil. Não temos dinheiro para pagar as contas nem comprar as coisas...Nem uma cesta básica...E está muito difícil de arrumar emprego. Gostaria muito de pedir ajuda de vocês, se puderem me ajudar. Agradeço muito, com um emprego ou doações. Porque está muito muito difícil para nós."

(Depoimento de Cícera, BSB INVISÍVEL, 2021).

Flávia

"Meu nome é Flávia, eu vim pra cá há 5 anos e vim porque meu filho teve tuberculose... Aí vim com minha família pra cuidar da minha filha que tava grávida e já morava aqui no cerrado. E fiquei até hoje... Aí to tentando arrumar um cantinho pra sair da rua né? Porque eu tenho problema de diabetes, pressão alta... Também to com um problema na coluna que já busquei auxílio no INSS 3 vezes e foram negados né... Então a gente vive da reciclagem mas ultimamente meu esposo não tá trabalhando por cauda dessa pandemia porque ele já vai fazer 59 anos.... Tenho medo de deixar ele ir pra rua e trazer a doença pra cá porque nós somos grupo de risco... Arrumei pra gente um cantinho lá no SantoAntônio e to tentando ir pra lá, mas eu não tenho botijão, guarda roupa nem cama com colchão... O fogão já ganhei, graças a deus! Roupa de frio também é importante porque aqui como faz frio e eu tenho problema de coluna as vezes nem durmo a noite.... É frio demais! O que vier de ajuda é bem vindo!! Pra esse cantinho vamos eu,meu esposo, meus netos de 11 e 6 anos! Quem puder ajudar agradeço!!" (Depoimento de Flávia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Ana - 41 anos

"Meu nome éAna, tenho 41 anos! Eu moro de aluguel, mas estamos passando por dificuldades, por isso estamos na rua por um tempo. As meninas não tão estudando direito por causa desse problema, dessa doença... Eu tenho 5 filhos, mas comigo só as quatro de menor, a outra tá em casa. Ela tem 15 anos. Eu deixo ela em casa porque ela não gosta de ficar aqui, então deixo ela em casa pra cuidar da casa... Tá difícil, tô desempregada, sou separada do pai das minhas filhas, ele só me ajuda quando pode, porque ele é deficiente e tem vezes que ele não pode. Eu moro na Samambaia, mas morava no Goiás. Saí de lá por causa de uma tragédia que aconteceu na família! Mataram meu genro e começaram umas ameaças no meio da família, aí eu tive que sair de casa com as minhas filhas! Onde eu moro agora é muito mais caro, muito mais difícil pra viver. Eu pago 600 reais, tô com muitas contas atrasadas, então eu tô aqui, sem emprego, com as meninas pra comer. O dia todo elas pedem coisa pra comer e não tem, aí quando eu vi o negócio 'arrochar' eu tive que vir pra rua... 'Tamo aí', vamo ver o que a gente arruma até segunda feira. Porque elas estudam, eu pego o material delas impresso na escola, então elas não podem ficar aqui no meio da semana, eu pego pra elas fazerem e não ficar totalmente sem estudar, entendeu? Elas têm um teto porque eu pago aluguel, mas tá difícil porque as contas tá vindo muito cara. Vem um gás, vem um alimento, um calçado, um remédio, e quando você vai vê tá arrochado, sem trabalhar. Eu já tava desempregada antes dessa pandemia, agora tá mais difícil de arrumar ainda. Eu trabalhei de reciclagem aqui um tempão, só que fui embora por causa das meninas. Muito difícil. Aqui a gente ganha uma marmita, alguma coisa, mas a gente quer algo pra levar pra casa. Alimento, um leite, eu preciso de tudo mas lá em casa o que mais me faz falta é um leite pra pequenininha, e ela bebe leite normal, de caixinha. Ela gosta de miojo, ainda agora fiz um pra ela na lenha." (Depoimento de Ana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Andrea

“Meu nome éAndrea, eu moro no Pedregal, mas fico aqui na 508 Sul durante a semana!Antes eu vendia balinha e pipoca no sinal, mas hoje nem dinheiro pra comprar os doces eu tenho mais… Eu tenho diabetes e recebo o remédio no governo.. Mas, além disso, estou há dois anos na fila do SUS para uma cirurgia de retirada de água no pulmão, precisava ver um médico! Eu moro de aluguel com meus 6 filhos, 3 netos, meu genro e meu esposo. Um dos meus netos, que tinha quatro anos, morreu ano passado assassinado por um policial. O cara estava bêbado, achou que meu neto estivesse encarando ele, tirou ele do chão e jogou longe. Ele bateu a cabeça...Foi muito triste. Foi na frente de casa, num dia de domingo. Isso tudo na frente da minha mãe, me dói lembrar disso. O policial não ajudou, disse que ia pro hospital no carro da policia, mas nunca apareceu. Fomos pro hospital do Gama, mas não adiantou, ele já tinha morrido… Nosso aluguel é 500 reais, tá difícil… Quem dirá para pagar e comprar comida! Meu filho de 19 anos me ajuda no sinal, ele vende balinha também! Minha filha fica cuidando dos pequenos e eu venho pra cá, na 508 sul, tentar ajuda… Meu outro filho, o Foguinho, é artista de rua aqui de Brasília, ele faz arte no sinal pra ajudar lá em casa também! Ter que dormir na rua é muito difícil, é um risco, sabe? Tem vezes que o sinal fecha, a pessoa te vê de longe e já fecha a janela, já olha pro outro lado e finge que você não existe. O preconceito é grande, tem vezes que as pessoas fazem eu me sentir um animal, um cachorro, sabe? Mas eu sei que eu sou uma mulher lutadora e que cuida da família! Eu sempre estou por aqui na 508 Sul! Toda ajuda é muito importante pra nós!” (Depoimento de Andrea, BSB INVISÍVEL, 2021).

Alana

"Meu nome é Alana e eu tenho 2 filhas. A mais nova tem 8 e a minha filha mais velha tem 13 anos, mas ela nao sabe ler e nem escrever... Acho que um neurologista pudesse me ajudar, não sei... Ela sofre muito bullying… sabe? Se eu tivesse ajuda com o tratamento dela eu agradecia, muito, de verdade... Meu marido também está desempregado e ele tá com uma pedra na vesícula, já tem todos os laudos mas não tem condição de fazer a cirurgia. Nós vivemos aqui, nesse barraco. É uma vida muito complicada, dependemos de ajuda pra quase tudo. Como eu moro em barraco de madeira, preciso sempre de material, entende?! Quem puder me ajudar… Tijolo, cimento, telha… Queria mesmo era ter condição para construir minha casinha!!! Seria um super conforto pras minha filhas, nossa!!! Dar uma vida melhor pra elas é meu maior sonho!"

(Depoimento de Alana, BSB INVISÍVEL, 2021).

"Meu nome é Mirella, eu moro aqui na Estrutural e sou mãe de três filhos pequenos... Além disso, estou grávida mais uma vez. Sou uma pessoa que passo muita necessidade, sabe? Meus filhos precisam de ajuda com roupa, fralda... Eu e meu marido também precisamos, muito... Eu não trabalho por causa dos filhos e meu marido também está desempregado! Moramos em uma comunidade que as pessoas são muito carentes e a carência de um, dói muito no outro. Mas é difícil, porque nem sempre podemos ajudar, dependemos muito de quem pode doar algo pra nós. Ficamos muito gratas por o Bsb Invisível estar nos ajudando e nos dando essa força, essas máscaras de proteção e tudo. Seria muito útil conseguir um carrinho de bebê, porque meu filho tá ficando pesado, mas ainda é de colo e o outro está para nascer."

(Depoimento de Mirella, BSB INVISÍVEL, 2021).

Aruanda

"Meu nome é Aruanda Ribeiro. Eu vim lá do Piauí pra procurar um emprego. Temos três filhos e eles continuam lá... Já tem uns dias que estou aqui em Brasília. Fico eu, meu marido e nossa cachorrinha Preta Gil! Viver na rua é muito difícil... Tem muita gente que bate, xinga, humilha... A polícia principalmente. As pessoas têm nojo de quem é pobre. Já levei spray de pimenta no olho muitas vezes de pm... Sem motivo algum. As pessoas não têm nem vontade de conhecer a gente.Até as pessoas de rua tem preconceito umas com as outras. É estranho... Semana passada roubaram nossas coisas, fomos dormir e quando acordamos a mochila com tudo tinha sumido. Aí viemos aqui pra perto desse bar! Eu vendo balinha e chiclete, meu marido trabalha com origami. Eu queria uma vida nova, entende? Um emprego lavando rua, passeando com cachorro, limpando casa... Todo emprego seria muito bem-vindo, entende? Tem dias que não conseguimos nem comer direito, mas alguns restaurantes ajudam. Tem umas pessoas bem legais aqui por perto!!! Meu maior sonho é sair da rua, conseguir trabalhar e ficar com meus filhos. É complicado.. Meu marido não enxerga direito, então as pessoas acham que ele é incapaz de trabalhar, entende? Avida é muito dura. Estamos sempre aqui perto desse bar. Obrigada pela ajuda!" (Depoimento de Aruanda, BSB INVISÍVEL, 2021).

Antonieta

"Meu nome é Antonieta e o que eu tenho a dizer é o seguinte: a minha história é muito longa e muito sofrida... Moro há 28 anos em uma ocupação na Estrutural e já perdi 2 filhos assassinados aqui! Um deles se foi há 4 anos... Mesmo assim, eu gosto de ajudar todo mundo, sabe? Mesmo sem poder, eu tento... E agradeço muito a pessoas como vocês do projeto! Vocês estarem aqui, doando essas máscaras, álcool em gel, marmitas e cestas é de grande importância, porque a comunidade aqui é muito pobre, precisa muito... Aqui falo por todos, não vivo dentro da casa deles, mas conheço todos muito bem, né?? Sempre que quiserem nos ajudar, estaremos de braços abertos para receber vocês!! Aqui, temos um campinho, um galpão que podemos receber sempre vocês pra nos ajudar, da maneira que vocês puderem! Hoje, não quero pedir nada pra mim, primeiro quero que vocês ajudem essas pessoas daqui.... Deus sabe da minha necessidade e uma hora vai chegar pra mim!!! Agradeço muito ao BSB Invisível que não é invisível, pois eu estou vendo todos aqui na minha frente!!! Muito obrigada!"

(Depoimento de Antonieta, BSB INVISÍVEL, 2021).

Maria Lúcia - 60 anos

"Meu nome é Maria Lúcia, eu tenho 60 anos e eu moro aqui atrás daAc Coelho na Estrutural.Asituação de nós todos aqui não é boa não... Aqui quase não somos lembrados, a sociedade esquece da gente. Não recebemos muita doação e muito auxílio aqui... Meu barraco, inclusive, tá sem telha e eu não tenho como consertar! Eu precisava muito de ajuda com isso, pode ser até uma lona, sabe?! E minha saúde também não tá muito legal. Eu tenho uma hérnia no estômago e um nódulo no pulmão, eu sinto muitas dores, todos os dias! E isso tudo, essa situação toda, gerou crise de pânico muito forte, entende?Aí, por causa disso e do pulmão, eu uso bombinha pra respirar melhor. Eu não consigo atendimento em hospital. Já tentei várias vezes, mas nunca consigo marcar uma endoscopia e uma ecografia. Eu até tenho o pedido, mas não consigo fazer... Eu não durmo direito, não ando direito, não como direito. E, além disso, tenho que sustentar 5 netos, tomar conta deles.... Como é muita gente, não sobra dinheiro pra reconstruir meu barraco e pra cuidar da saúde. Eu agradeço muito se vocês puderem me ajudar de alguma forma..." (Depoimento de Maria Lúcia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Ivania

"Meu nome é Ivania Santos! Eu sou lá da Bahia, mas tem 6 meses que viemos pra cá... Lá já tava muito difícil viver! Pensamos que vir pra cá fosse facilitar nossa vida, mas, mulher... Aqui é mais difícil! É complicado porque, por mais que muita gente fale, hoje em dia a criança que vive no mundo sabe que existe TV, computador e que nós nunca vamos poder ter isso... É difícil explicar isso pra eles... A nossa dificuldade é diária... Temos que lavar todas as roupas na mão, ir aos clubes pedir água no balde pra banhar no relento mesmo... Se alguém tiver um tanquinho, não sabe como vai ajudar... Na verdade, qualquer eletrodoméstico que vocês tenham seria muito bem-vindo!!! Quanto ao material escolar dos meninos, não é sempre que tem... Mas não dá pra faltar aula, né... Às vezes vai sem mesmo! A gente trabalha com reciclagem, catando papelão e latinha! E vou te falar, as pessoas não tratam a gente como parte da sociedade, não... Somos muito discriminados. Mas, eu sei que meu trabalho é honesto e igual a qualquer outro que as pessoas valorizam... Pedimos doação porque o que ganhamos o mês todo com reciclagem não dá pra sobreviver, entende? Semana passada a Agefis veio e derrubou tudo, dois dias seguidos... Alguns riram da nossa cara e falaram pra gente ir pra "casa". Mas assim, pra onde a gente vai? Não é nossa opção viver na ocupação! Eu queria ter dinheiro pra ter uma casa, sabe? Por aqui aceitamos todo tipo de doação! Mas, o que eu tiro de mais interessante nisso é que meus filhos repetem toda hora: "mãe a gente é muito feliz, sabia?" , sempre com um sorriso no rosto!" (Depoimento de Ivania, BSB INVISÍVEL, 2021).

Eilane

"Meu nome é Eilane, eu sou da Bahia mas já tem 10 anos que moro aqui... Meu marido já morava e me trouxe pra ficar com ele, meus filhos todos já nasceram aqui! Eles estudam, um de manhã e o outro a tarde, o ônibus passa pra buscar eles e leva... Enquanto isso eu fico fazendo as reciclagens, só paro pra fazer o almoço e colocar eles pra ir pra escola! Eu trabalho com meu marido, ele traz, eu reciclo e a gente vende depois... Por uns 300 reais se juntar muita coisa... Aqui tudo que a gente recebe é bem vindo! Eu tenho o cartão de auxílio material escolar, então no início do ano compro pra eles mas quando chega no meio do ano já não tem tem mais nada, quando sobra um dinheiro a gente vai comprando, mas é difícil! Alguns estudam de manhã e saem muito cedo, aí precisam de roupa de frio! Eu to grávida de 8 meses agora e é um menino! Quem puder doar é muito bem vindo... Um fogão que não usa mais, uma televisão, um tanquinho... Eu fico sempre na ocupação aqui perto do CCBB"

(Depoimento de Eilane, BSB INVISÍVEL, 2021).

Joana (nome fictício)

“A minha luta começou desde muito cedo, meus pais se separaram quando eu tinha apenas um ano de idade e por não ter condições minha mãe não pode me criar, eu e meus três irmãos vivíamos de casa em casa para termos o que comer, voltamos a morar com ela quando eu já tinha cerca de 10 anos. Aos 13 conheci meu primeiro marido e nos mudamos pra Pernambuco, minha infelicidade só continuou, ele sempre me bateu. Tivemos 8 filhos, a mais velha morreu aos 3 meses devido às agressões que sofri na gravidez, isso tudo antes dos meus 20 anos quando finalmente consegui me separar dele. Voltei para o RN em busca de uma vida melhor, mas ainda não havia chegado a hora, conheci meu segundo marido que conseguiu ser pior que o primeiro, por causa dele passei um ano na cadeia, ela abusou da minha filha e quando eu descobri e o denunciei, fui acusada de ser cúmplice, mas minha consciência tava tranquila e meu advogado era Deus, ele me tirou de lá e depois que sai consegui recuperar meus filhos. Hoje, conheci uma pessoa boa, é o anjo da minha vida, me ajuda, me trata bem, não bebe e não fuma, as coisas estão difíceis mas vão melhorar, meu maior sonho é sair desse barraco e ter minha casinha.”

(Depoimento de Joana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Andressa - 20 anos

"Meu nome é Andressa, tenho 20 anos e um filho de 1 ano e 3 meses... To ficando perto do Iate Clube tem mais ou menos umas 2 semanas... E tamo aí.... Vim da Bahia de ônibus, com meu marido procurando trabalho... Até agora nada ainda... Lá também não tinha trabalho, mas pelo menos tinha a casa, não morava em barraco... Aqui eu acompanho meu marido na reciclagem, com o dinheiro a gente compra o que meu menino precisa: leite, fralda... Pra gente é só comida mesmo!!! Mas nem sempre o dinheiro dá... Achei que aqui ia ser mais fácil de arrumar trabalho, né? Mas não perco a alegria, não... Meu maior sonho é trabalhar e dar um futuro pro meu filho!! Não quero que ele lembre de coisa ruim, não!!! Só que lutamos muito pra dar tudo pra ele! Tem umas pessoas que ajudam, dão doação e tão vendo curso pra gente fazer... Mas precisava de mais ajuda! Quanto mais gente pudesse ajudar era melhor! Quem tiver um trabalho pra mim, de olhar uma criança, trabalhar de caixa…” (Depoimento de Andressa, BSB INVISÍVEL, 2021).

Sandra - 24 anos

"Meu nome é Sandra, eu tenho 24 anos e seis filhos, o meu rapaz já tá com 14 anos! Além dos meus meninos, veio comigo para essa ocupação mais três da minha cunhada, que também está aqui. A gente veio para trabalhar, sabe? A gente tira o sustento da reciclagem, com o carrinho... mas quase não dá para nada!!Aalimentação a gente consegue.. Vai lá na cozinha, lá em cima, junta três famílias com o que tem e vai se ajudando... é sempre assim, um ajudando o outro com comida, olhando o barraco, as crianças... Ai, de tempo em tempo, ainda vem a Terracap e leva tudo da gente! A polícia, às vezes, também vem e nos tira daqui, mas não tratam a gente mal não. Mas sabe.. não tá nada fácil! E com esse frio, teve dia que a gente só queria que amanhecesse logo, pensa?! Eu só quero que meus filhos tenham um futuro melhor.. Eu parei de estudar na quinta série e agora não tenho mais cabeça para voltar. Então eu sei que o estudo é a única coisa que eles tem de bom! Meu sonho é ver eles terminando os estudos e trabalhando em um serviço melhor que o meu. Não quero essa vida para eles porque as coisas estão muito muito difíceis." (Depoimento de Sandra, BSB INVISÍVEL, 2021).

"Meu nome é Maria da Penha, eu tenho 9 filhos... Dois são casados, o restante ainda depende da gente! Nós chegamos ontem em Brasília, viemos de Irecê, Bahia, mas temos família aqui... Como nossos familiares moram no Riacho Fundo, alguns dos meus meninos estão morando lá, os maiores! Com a gente, ficaram os pequenos. Meu marido trabalha com reciclagem e também vigia carros... Ele fica em Águas Claras e eu fico aqui perto do Taguatinga Shopping, atrás do Carrefour, junto com as meninas!!! A gente fica aqui pra conseguir alimentos, que é o que a gente mais precisa... Mas também precisamos de panela, lençol e roupa de frio, principalmente para as crianças!! À noite é muito frio!!! As lonas ficam pingando água por causa do sereno... Para esquentar as crianças, nós as vestimos, colocamos as fraldas nas meninas menores e enrolamos todo mundo dentro da barraca... Só assim pra suportar a noite... " (Depoimento de Maria da Penha, BSB INVISÍVEL, 2021).

Karina

“Meu nome é Karina, tenho uma filha pequena... No momento, estou desempregada e à procura de um emprego pra pagar meu aluguel... E também pra poder sustentar minha filha, Sarah... Ela tem três anos!!! Eu moro aqui nessa barraca, na 204 norte! Eu e toda a minha família... Nós estamos todos desempregados... Viemos pra cá vigiar carro, pra poder conseguir o dinheiro do aluguel que está atrasado e ajudar a família!!! Precisamos, também, de alguma doação ou ajuda!!!Agente precisa de qualquer alimento, fralda, roupa, tudo, sabe? Queria um emprego... Eu sei cuidar de criança, fazer faxina, e serviços gerais... Eu me incomodo muito por não ter um emprego e não conseguir dar o melhor pra minha filha e pra minha família... Para podermos sair dessa situação de rua... Queria mudar de vida!”

(Depoimento de Karina, BSB INVISÍVEL, 2021).

Kátia

“Meu nome é Kátia, eu moro na rua há 7 anos, com toda a minha família. Tenho alguns parentes que moram no entorno, então, às vezes depois da escola, meu filhos ficam lá assistindo TV, pra não ficarem muito tempo na rua. É muito frio nessa época do ano, então pra eles é muito pior, porque são todos muito pequenininhos... Eu fico tentando conseguir doações, de tudo mesmo... E, também, trabalho cuidando de carro nas quadras... Meus filhos veem que na escola alguns coleguinhas têm mais acesso a brinquedos e outras coisas e me perguntam o porquê de não termos nada disso e morarmos na rua. Não sei como responder pra eles... É muito triste. Mas, pelo menos ele são bem compreensivos e não tiram o sorriso do rosto! Queria dar um recado, posso moça? É pra quem puder ajudar a gente, ajudar da forma que der! Também queria ajuda pra procurar quem está precisando de diarista, faxineira, cozinheira... Eu perdi muito da minha visão, por não ter acesso a um tratamento, mas ainda assim, não vou desistir de conseguir um emprego. Eu limpo a casa bem, sei cozinhar uma comida bem gostosa! Se você puder me ajudar, moça, eu queria muito uma oportunidade. Eu peço pra alguém ficar com meus filhos e vou à luta, sem dúvidas!!! Eu sou uma mãe que não aguenta mais viver nessa vida e nem ver que os filhos estão passando por isso, tão jovens... Mas, se Deus quiser, vamos conseguir a ajuda necessária e sairemos logo desse lugar!” (Depoimento de Kátia, BSB INVISÍVEL, 2021).

Franciele

"Meu nome é Francilene... Eu tive oito filhos! Um deles não foi criado comigo... Foi minha mãe quem ajudou até certo tempo, depois foi para minha casa. Ele entrou para as drogas, para o crack, sabe? Vendia tudo o que eu tinha.... Tudo, tudo, tudo mesmo!Acabou que mataram meu filho e, assim que eu perdi ele, tomaram a minha casa, onde eu morei por 16 anos!! Então fui morar de aluguel, mas não dei conta de pagar... Fiquei desempregada, então vim para essa ocupação, que nem janela e porta tem... Quando chovia, molhava tudo dentro.... Graças a Deus ainda tive gente que me ajudou!! Agora tá mais ou menos arrumado, mas mesmo assim ainda molha muito... Agora tenho sete filhos, todos menores de idade... O Daniel largou os estudos porque está fazendo bicos! Ele engravidou uma moça e foi morar com ela... Mas quem sustenta meus filhos, ainda assim, sou eu!! Peço ajuda, vigio carros e quase sempre consigo levar alimentação para meus meninos... Mas tá difícil, viu... É tudo muito longe!! Moro no meio do mato, energia é gambiarra, sabe? Preciso muito de ajuda!!! Beliche, fogão, guarda-roupa e roupa para meus filhos.... Tem de dois, quatro até 17 anos, eles não têm quase nada... Quem tocar o coração e puder ajudar, eu agradeço muito tudo o que vier. Nós dividimos uma cama de casal, é muito pequeno... E falta tudo lá em casa, então qualquer ajuda é muito bem vinda!!! E obrigada por virem aqui, pelos brinquedos e pela atenção!" (Depoimento de Franciele, BSB INVISÍVEL, 2021).

Rosimar

“Meu nome é Rosimar. Eu, meu pai e toda minha família trabalhávamos na roça em Barreiras... Vimos uma chance de melhorar vindo pra Brasília, trabalhando com reciclagem... Tem 23 anos que a gente tá aqui, casei, tive meus filhos, criei meus filhos... Tudo na invasão... Meus filhos são todos de maior, já tão formados e trabalham... Eu continuo aqui, não sei ler... Já trabalhei de cozinheira mas prefiro a reciclagem... Estamos esperando um galpão pra melhorar o trabalho, organizar, usar luva. Essa é a ajuda que a gente queria... Ter um lugar físico tiraria a gente da invasão, mas enquanto isso ficamos aqui, tem final de semana que dá pra uns irem pra casa e tem uns que não vão... Teve muita dificuldade, mas passamos por cima de tudo, graças a Deus! E chegamos onde nós estamos... Tem muita gente que não tem moradia, fizemos cadastro no programa do governo mas estamos esperando resposta ainda... Tem muita gente que julga o pessoal daqui, mas eu não reclamo... É todo mundo do bem, todo mundo trabalhador...”

(Depoimento de Rosimar, BSB INVISÍVEL, 2021).

Egna

“Meu nome é Egna, sou da Bahia! Eu vim pra cá porque lá não tem emprego... Eu vim morar aqui em Brasília já tem 4 anos!! Tenho uma filha e moro aqui na invasão com minha mãe, meu pai e meus irmãos... No momento, tô trabalhando com reciclagem, mas eu já trabalhei em outras coisas, muito tempo! Eu já trabalhei como vendedora e como auxiliar na Le Postiche, e como atendente, no Giraffas! Na verdade, a falta de emprego é a maior razão das pessoas virem parar em situação de rua... A pessoa não tem dinheiro para o aluguel... O único lugar que resta é a invasão, o único lugar que dá para sobreviver, que não precisa pagar aluguel, água e luz!Agente só não passa necessidade mesmo porque tem gente que vem nos ajudar! Eu tenho um sonho! Quando voltar a trabalhar, quero fazer o ensino médio, faculdade, arrumar um emprego na minha área e sair da invasão! Eu quero ter uma moradia digna! Minha filha tem 2 anos e eu não quero que ela cresça desse jeito... Quero que ela tenha um lar tranquilo, um lugar bacana!! Meu sonho é esse! Tenho vontade de fazer pedagogia, é o que gosto! É muito bom você trabalhar na área gosta, né? Assim, eu nunca tive oportunidade de fazer o curso porque todas as vezes que eu tava trabalhando, não tinha condições de pagar, tinha que dar prioridade para outras coisas! Mas agora a minha prioridade é essa! Tenho 25 anos e preciso procurar um lugar mais aconchegante, que eu possa ser mais feliz! O futuro que eu quero pra minha filha depende que a gente saia daqui primeiro... Eu já consegui levar ela pra creche esse ano! Já melhorou um pouco... Agora consigo tirar ela desse ambiente uma parte do dia! Quero que ela escolha o que ser quando crescer e seja aquilo que ela escolher! Eu quero ajudar no sonho dela, pra que ela não deixe seu sonho morrer!! A melhor ajuda seria um emprego, porque daí posso pagar o aluguel, pagar a faculdade!! Se eu achar uma oportunidade eu vou agarrar com unhas e dentes!! Estou sempre aqui na invasão ao lado do CCBB, e tem meu telefone 61 98*** . Não importa o que seja o emprego, eu quero é trabalhar! Com trabalho que eu tenho hoje, consigo só 50 reais no fim do mês, pra quem tem filho, não é o suficiente...”

(Depoimento de Egna, BSB INVISÍVEL, 2021).

Zilda - 59 anos

“Meu nome é Zilda e eu tenho 59 anos… Veinha já, né, filha? Sou da Bahia, mas vim tentar a vida aqui em Brasília. Me casei e tive seis filhos… Meu marido faleceu quando tinha 37 anos, já tem tempo… Mas, como estou na rua, perdi a contagem dos anos. Tive que me virar pra criar todos os filhos, foi muito difícil… Depois que cresce, controlar as companhias é complicado! Três filhos meus já morreram, todos de morte matada… Estar na rua não te dá nenhuma segurança… Sinto é muita falta da minha família junta. Cada um foi pra um lado, só me resta minha caçula, a Carol, que mora comigo e meus netinhos lá em Águas Lindas. Mas, para sobrevivermos passo a semana aqui no Plano, pedindo ajuda… Eu sou quase cega, negra e velha, não consigo um emprego… Aí, pra não passar fome, preciso pedir. Tem várias pessoas que me dão algo pra comer. Aqui no meu carrinho, por exemplo, tem alguns pacotes de biscoito e uma fruta! Já me tiraram da porta do mercado, essa semana inclusive… Saí de lá chorando, porque eu tava com muita fome, mesmo! Não tava fazendo nada de errado, queria só comer alguma coisa, aí fui pedir pra alguém... Mas, moça, isso não tira o sorriso do meu rosto, não! Eu sou feliz demais, do meu jeitinho… Sou uma mulher humilde, que trata todo mundo bem! Então valorizo demais quando alguém é gentil comigo e me trata com educação, sabe?Adoro muito ter alguém pra conversar... Por isso, eu queria dizer, pra quem vai ler minha história, que eu só desejo muitas felicidades!!! Ser feliz é o que há de melhor no mundo… Não importa quem somos, precisamos tratar o outro bem!” (Depoimento de Zilda, BSB INVISÍVEL, 2021).

Érica

"Eu sou a Érica, nasci no Piauí, mas me criei em Brasília! Tenho 39 anos e 8 filhos... A minha mais velha já tem 22 anos, passa rápido demais!Avida às vezes é difícil, sabe... Minha mãe e meu primeiro marido já faleceram... Meu marido atual tá sem emprego e eu também... É complicado conseguir onde trabalhar...Aí um dia a gente tem as coisas e em outros, não... Nem comida... Tem muita gente que já me ajudou, mas agora não tô recebendo mais ajuda e aí piorou tudo... Aceito qualquer ajuda, de quem puder, porque preciso muito, muito, mesmo!!! Mas o que eu queria mesmo era um tanquinho de lavar roupa, porque aqui é muita coisa, entende... E sobre meus filhos, eles foram a melhor coisa que já me aconteceu e eu tenho fé que no futuro essa vida vai ser melhor pra todos nós!!!"

(Depoimento de Érica, BSB INVISÍVEL, 2021).

Jeruza

“Meu nome é Jeruza. Na verdade, já fiz muita coisa na vida... Sou doméstica, diarista e, além disso, trabalho com redação em alguns projetos sociais. Ajudei no Bolsa Família e em outros projetos que ajudam as pessoas a ter acesso aos seus direitos! Vou te falar um pouco como é viver na rua! O preconceito começa quando muitos não têm nem coragem de nos cumprimentar. Tem gente que ignora se puxarmos alguma conversa. O problema é que o Governo não dá as caras pra conversar com a gente. Sempre é um intermediário que conversa. Não estamos na rua porque escolhemos... Se pudéssemos, teríamos um lar! E aí, será que assim seríamos parte da sociedade? Não é opção de ninguém morar na rua. Aqui todos ficam muito vulneráveis... Eu mesma não bebo, não uso drogas, não fumo... Fico na minha, mas, mesmo assim, estou em uma situação muito delicada.. Se vocês soubessem o tanto de gente de bem que mora aqui porque não tem outra opção... Se soubessem o tanto de artista que canta, dança, pinta, joga capoeira, futebol... Vocês ficariam chocados com a real realidade da rua. Não é o que pensam! Muitos não tiveram oportunidade de ter outra vida por causa de dinheiro... E que, na verdade, não são marginais, só são pessoas que passam dificuldades, que precisam de carinho e de atenção das pessoas no geral e de assistência social. Rua é lugar de carro e moto, não de pessoas! Nós não temos atendimento nenhum... Moramos na frente do hospital e pergunta se conseguimos atendimento? É muito raro. Diariamente sofremos constrangimentos. As pessoas acham que já que somos moradores de rua não temos sentimentos, direitos! E, mesmo se eu bebesse e usasse droga, por que isso me faz ser uma pessoa ruim? Não quer dizer que a pessoa é traficante, bandida ou assassina. Precisam entender isso! Uma coisa que me marcou muito: uma senhora que mora aqui no Base, tem câncer. Fui com ela lá dentro do hospital, repito: do hospital! Ela estava passando mal e não deixaram ela usar o banheiro, porque estava suja e morava na rua... Ela teve que fazer suas necessidades no chão. Gritaram com ela e a humilharam no meio de todo mundo! Foi horrível!Ninguém deveria passar por isso, todos deviam ter sua dignidade garantida"

(Depoimento de Jeruza, BSB INVISÍVEL, 2021).

Quitéria - 76 anos

“Meu nome é Quitéria, tenho 76 anos e moro aqui há 20. Antes de mais nada, sei que muita gente pode ler minha história, e eu preciso muito de ajuda pra comprar meu colírio, que preciso usar todos os dias, desde o dia da minha cirurgia de catarata. Se alguém puder me ajudar com isso, seria maravilhoso! Passo muita necessidade aqui na rua, mas o principal é a fome. Moro num barraco com meus três netos e preciso dar comida pra eles... Às vezes eu não tenho como... Por isso, peço doação de cesta básica, pra quem puder nos ajudar. Trabalhei a vida toda, sempre fui uma mulher independente!!! Gosto de ter minhas coisinhas, de sempre dar um jeito de andar limpa, apesar do pé encardido (risos)! Gosto de me cuidar e cuidar da minha família. Se eu tivesse uma casa, seria tudo bem limpinho. Eu sei que uma hora vou dar um jeito de sair daqui. Se tudo der certo, consigo minha casinha pelo programa de auxílio moradia e, enquanto isso não acontece, vendo balinha no sinal. A situação aqui não é boa não... Tem horas que eu acordo de noite assustada, tem vezes que fico doente e não tenho o que fazer... Minha maior vitória vai ser conseguir essa casa e fazer minha horta. Eu amo flores, a gente morava na roça quando eu era moça, então sempre ajudei meu pai. Hoje não tenho mais condição física pra mexer direito com isso, tenho muita dificuldade de me equilibrar em pé, porque tenho o pé machucado. Até tenho minha muleta, mas acho mais difícil de andar com ela (risos)! Queria muito sair dessa vida... Ninguém nos dá atenção, quando percebem nossa presença, normalmente é pra humilhar e deixar a gente mal. Mas isso não muda minha fé. Na verdade, só aumenta... Deus está sempre comigo, me acompanhando. Eu queria dar um recado pra vocês: sejam sempre uma pessoa humilde. Esteja sempre no seu lugar, mas nunca deixe de ter educação, para, pelo menos, responder um bom dia e retribuir um sorriso.” ïQue ajudar a dona Quitéria? Ela fica no Setor Comercial Sul, perto da Galeria dos Estados! (Depoimento de Quitéria, BSB INVISÍVEL, 2021).

Maria - 53 anos

“Meu nome é Maria. Tenho 53 anos, faço hoje. Ih... Hoje é meu aniversário, tinha esquecido!!! Tenho 7 netos. O que recebo na rua, e pode ser útil pra eles, dou um jeito de entregar. Sou apaixonada pelos meus netinhos!!! Meu marido faz malabares no sinal e eu cato latinha pra reciclagem, mas é um trabalho muito difícil. Cato 1kg e troco por R$ 2,50. Pra você ver.... Tem meses que não consigo mais que R$ 30,00 pra viver. Moro na invasão atrás da Casa do Ceará. Eu não consegui auxílio de nenhum programa o governo. Já tentei várias vezes! Então tenho que sair e pedir ajuda: no sinal, nos restaurantes, e por aí vai. Tem dias que eu não consigo nenhuma marmita, que peço pra várias pessoas, mas ninguém me dá. Hoje, por exemplo, já pedi muita ajuda, desde 5h da manhã, mas ganhei só essas moedinhas. As pessoas têm nojo e medo da gente, sabe, moça? Acham que somos bandidos, que vamos roubar ou fazer mal. Mas não é nada disso... Eu só tô com fome e pediria ajuda pra comer, ou uma roupa, coberta... A gente sofre muito... Antes de ontem choveu forte, derrubou meu barraco, rasgou tudo! A chuva destruiu nossa casinha. Aí, hoje cedo, achei no lixo ali em cima, um pedaço de madeira e um pano, deu pra fazer um arranjo. Nem lona mais eu tenho. Coberta? Não sei o que é isso há muito tempo. Tô precisando de cesta básica, porque aí acendo fogo na madeira e faço arroz. Preciso também de roupas quentinhas, na verdade, eu preciso de ajuda do que puderem ajudar... Minha filha, dormir na rua é difícil... E o pouco que a gente tinha a chuva levou. Um dia fui pedir ajuda ali naquele mercado e o moço viu que eu tava meio suja, logo chamou a polícia. Foi muito humilhante, dói demais. Algumas pessoas acham que a gente mora na rua porque gosta. Mas não é porque eu amo viver assim, é que eu não tenho outra opção! Eles não sabem o que é não ter o que vestir, o que beber, o que comer! Às vezes meus netos, que são pequenos, perguntam se eu posso dar algum presente pra eles... É horrível dizer que não tenho como...Ah, mas tem dias que eu recebo alguns brinquedos e dou tudo pra eles. Fico muito feliz, eles ficam tão alegres!!! Já te disse que eles estão estudando? Adoram ir pra escola!”

(Depoimento de Maria, BSB INVISÍVEL, 2021).

Nêga

“Eu sou conhecida como Nêga, nasci em Brasília, há 26 anos. Minha mãe é da Bahia, de Irecê, e meu pai é daqui mesmo. Desde pequena vivo nesta situação, em barracos, mas graças a Deus agora tenho uma moradia, mas passo a semana na ocupação na beira do lago, perto da Caesb, na L4 Norte, porque trabalho com reciclagem, de onde tiro meu sustento. Sou casada, tenho dois filhos e a reciclagem dá o sustento básico, graças a Deus, é de onde tiramos o pão, o leite e o almoço dos meninos... Um tem 7 e o outro tem 8 e estão estudando, graças a Deus! Eles estão precisando de material, mochila, roupa... A gente tenta dar o necessário, mas sempre falta alguma coisinha... Com a pandemia, o estudo ficou difícil, agora que começaram a estudar: um está em casa, só pegando o dever na escola e estudando em casa mesmo. Ano passado nem escola viram, perderam o ano todinho. Passo parte da semana aqui e volto pra casa. Às vezes passo o mês todo, como os meninos estão estudando... Tenho um irmão que me ajuda. Só de a gente viver em barraquinha, mexer no lixo, as pessoas já têm um pouco de preconceito. Melhor mexer com reciclagem do que com as coisas dos outros... Deveria ser um trabalho mais valorizado. Hoje em dia tem até lixeira trancada pra gente não mexer mais... Tenho o sonho de trabalhar fichada, porque tá doido...Isso aqui é cansativo também! Já trabalhei de atendente por nove meses, se achasse um serviço de atendente por aí, ou algo melhor, pode ser de limpeza, diarista, qualquer trabalho estou topando... Lavar roupa...Só não sei muito passar. Mas se tiver de aprender, eu aprendo. Ainda tenho meus cachorros, tem uma embaixo da carroça com oito filhotinhos. Seria bom uma ajuda pros cachorros também. Uma ajuda pra castrar, porque ela já teve mais de nove crias, qualquer hora que parir, pode morrer... Precisamos ainda de alimento, cobertor, aqui na beira do lago é frio. Nesse tempo de chuva seria bom lona, barraca, colchão, colchonete...Se tiver alguma coisa assim de casa também...”

(Depoimento de Nêga, BSB INVISÍVEL, 2021).

Isabela

“Sou Isabela Lourenço, tenho 4 filhos, sou casada e morava de aluguel em Planaltina (GO). O dono da casa pediu o imóvel e eu fiquei sem condições de pagar. Desempregada, vim morar na invasão do Iate Clube. Final de semana, datas comemorativas, conseguimos receber alguma doação. Meu esposo mexe com reciclagem e eu recebo o Bolsa Família, mas não dá para todas as despesas, com o preço de tudo tão alto, R$ 400 não dá... O que o meu esposo ganha é pouco. Alimento, roupas, material escolar para os meus meninos, sempre precisa. O governo deveria dar moradias que estão abandonadas para nós. Eu vejo passando na televisão que tem muita casa abandonada. Queria que o Ibaneis visse isso e me ouvisse... Meu marido fez a inscrição na Codhab e até hoje não saiu. Onde eu moro é área pública, eles chegam derrubando tudo...Não esperam a gente tirar documento, as nossas coisas, chegam com trator e passam por cima. Eu queria que o governador analisasse o nosso caso, porque a maioria das pessoas que fica aqui precisa de casa. Queria que, quando ele botasse a cabeça no travesseiro, pensasse na gente. Somos seres humanos! Somos gente! Não estamos assim porque queremos... Não quero uma vida dessas para os meus filhos. Não é agradável viver assim... A maioria das pessoas pensa: são um bando de desocupados e dependem dos outros. Mas não é todo lugar que a gente chega que arruma serviço. Eu sei fazer tudo dentro de uma casa, só não tenho estudo. Ninguém dá emprego, principalmente nessa pandemia. Uma vez arrumei um, mas a mulher me cancelou porque a pandemia começou. A maioria das pessoas olha pra gente e pensa que temos preguiça... Meus filhos estudam na Vila Planalto e um dia fizeram bullying porque moramos na ocupação. Eu não tinha dinheiro para comprar material escolar, ganhei um estojo rosa e uma menina fez bullying com ele. Se tivéssemos uma condição melhor, não passaríamos por isso. Queria uma casa, nem que fosse sem piso. Se fosse um lote, eu construiria de uma de madeirite.” (Depoimento de Isabela, BSB INVISÍVEL, 2021).

Livane

“Sou Livane, há cinco anos já morava na Asa Norte! O aluguel estava muito caro e tive de ir pra Ceilândia, que lá as coisas são mais baratas... Não me adaptei lá e voltei pra rua... Na ocupação, aqui na L4 norte, estou há dois meses. Sou de Goiás e meus pais são do Tocantins e moram lá... Vim a Brasília para cuidar dos meus primos... Isso há 10 anos, eu morava com o meu tio! Antes de vir para a ocupação, eu trabalhava numa barraquinha de cachorro-quente... Quebrei três dedos do pé e fiquei sem poder trabalhar. Foi quando comecei a me endividar e juntei mais de R$ 5 mil de dívidas... Eu nem sei falar sobre o que eu mais preciso...Eu sou da igreja e não estou conseguindo nem ir, pois é um pouco longe... Toda ajuda seria bem-vinda!"

(Depoimento de Livane, BSB INVISÍVEL, 2021).

Tayane - 18 anos

“Meu nome é Tayane, tenho 18 anos e estou grávida! Vim pra cá tem 3 anos, eles vêm com frequência derrubar aqui. Todo dia a gente sai correndo escondendo as coisas... De manhã desmontamos tudo e quando dá um certo horário a gente monta de novo porque sabe que eles não vêm mais... E tá assim, todo dia essa luta! Tô de 7 meses e as coisas que eu tinham pro meu filho eles levaram... O que não dá tempo de tirar dos barracos eles levam tudo... Se eles veem a gente com as lonas aí eles pedem e levam. Nosso material reciclado nem estamos deixando mais aqui porque da última vez eles levaram tudo.” (Depoimento de Tayane, BSB INVISÍVEL, 2021).

Maria Aparecida

“Meu nome é Maria Aparecida, eu vim da Bahia! Tem 10 anos que estou aqui em Brasília, já morei em ocupação no Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo, Vila Planalto, mas nunca consegui um canto pra morar! Eu tenho 8 filhos, a minha mãe faleceu, eu morava com ela... Pra não perder meus filhos pro Conselho Tutelar, eles foram morar com minha irmã, na Ceilândia! E aí ficamos eu e meu marido catando papelão por aqui, pra sobreviver e ajudar a minha irmã! Ela tem cinco filhos e, além desses, cuida dos meus, por isso eu tento ajudar eles! Eles estão matriculados na escola, mas não têm material pra estudar! Quando derrubaram os barracos aqui, eles queimaram tudo e perdi meus documentos queimados! Eles não dão moradia, emprego... Eu fico a semana toda juntando material de reciclagem e eles levam tudo! A polícia trata a gente como se a gente fosse vagabundo, eles acordam a gente meia noite gritando, mas eles não veem a nossa luta do dia a dia” (Depoimento de Maria Aparecida, BSB INVISÍVEL, 2021).

Fernanda

“Eu sou Fernanda (nome fictício). Nós já não temos nada e estamos passando necessidade, tenho três filhos. Estou desempregada. E eles chegam e derrubam os barracos da gente (Governo do Distrito Federal). Levam todo o pouco que temos...eu tenho três filhos pequenos. Eles já chegaram, a Polícia, a Assistência Social. Já derrubando tudo e levando as coisas: roupas, cobertores...Quando levam, não devolvem. Disseram que não poderíamos ficar ali. Já chegaram derrubando tudo, isso é sacanagem. Eles sempre fazem isso, eu fico muito triste. Tenho três filhos: o mais velho tem 10, tem um de cinco e um de três aninhos...Eles estudavam, mas com a pandemia, não estão podendo estudar. Está tudo tão difícil (...) se eu pudesse falar com o governo, pediria moradia, emprego...Uma solução! É difícil! Meus filhos pequenos começaram a chorar (na hora da derrubada). Eu peguei o pequeno no colo! Tinha outras crianças também. Derrubaram todos os barracos. Levaram todas as latinhas que tínhamos catado, todo o material de reciclagem... Alguns estão inscritos na Codhab. Eles tinham que respeitar, porque tem muitas crianças. Eu vigio carro, cato latinhas. Tem que catar muito.”

(Depoimento de Fernanda, BSB INVISÍVEL, 2021). Maria de Lourdes - 44 anos

"Meu nome é Maria de Lourdes, tenho 44 anos. Sou do Piauí, mas já faz 2 anos que moro em Brasília, tenho 4 filhos e 2 estão aqui comigo... Eu vinha pra passear, isso já tem dois anos... mas casei e fui ficando! Tem uns 15 dias que estamos aqui na rua, viemos pra cá pra tentar conseguir uma ajuda. Por enquanto nós estamos conseguindo ganhar umas coisinhas... Nós somos evangélicos, da Igreja, e o que a gente tá precisando é de roupa... Quem puder fazer doação de roupa, a gente agradece, porque quem tá na igreja tem que ter umas roupinhas, né?! Mas o que eu tava querendo mesmo era um computador pra minha filha poder estudar. Eu não sei se ela vai conseguir estudar no outro colégio... nesse colégio, ela estava estudando de casa e eles deram todo o apoio, mas a gente não tem condição... aí ela usava o notebook do tio dela. Só que não é toda hora que ele tá disponível pra poder entregar!"

(Depoimento de Maria de Lourdes, BSB INVISÍVEL, 2021).

"Meu nome é Leandra Maria e eu sou moradora da favela Santa Luzia, na Estrutural, há dois anos! Eu vim lá de Maceió com o meu esposo e meus filhos, pra tentar uma vida melhor aqui... Mas não é tão lindo quanto pareceu.. Eu tô desempregada por motivos de saúde e tô tendo que contar com doações... Apandemia piorou tudo.. O que já tava dificil ficou ainda pior, sabe? Nossa condição de vida dói demais... Não conseguimos ter o que comer todos os dias... Nosso barraquinho é feito de madeira e não tem nem porta, pra você ver... A gente usa umas tábuas e um pano pra tapar e podermos dormir com um pouco de segurança... Qualquer doação que tiverem, será bem-vinda, viu?”

(Depoimento de Leandra Maria, BSB INVISÍVEL, 2021).

Leandra Maria

Damiana

“Meu nome é Damiana, sou paraibana. Vivo há 15 anos nas ruas. A gente vive aqui pra poder procurar uma opção melhor de vida. Não é pra roubar, nem matar, nem traficar...Agente precisa sobreviver. Tentamos dia e noite ir atrás de emprego! Eu, por exemplo, já tentei vários, mas nunca fui chamada. Tudo é difícil, mas me sinto muito bem quando vejo que sou uma pessoa boa! Tem dias que não temos nada pra comer... E aí? Vamos roubar? Diferente do que muitos pensam, não! A gente revira o lixo, come o que os outros jogaram fora. Eu já fui casada, não deu certo. Mas me gerou dois filhos e netos... Um dos meus filhos é pastor e mora longe, o outro também não tá perto de mim... Ele fez coisa errada e foi condenado. Não vou dizer que não dói, porque dói e muito! As pessoas perguntam se eu estou feliz, mas não, não estou!! Eu queria muito que meu filho estivesse junto de mim, eu o amo muito! Ele foi quem esteve ao meu lado a vida toda. Coração de mãe dá tudo, até o último respiro pra ver o filho mudar de vida. Pra ver o filho seguir o caminho certo e ser feliz. Não tem um único dia que eu não peça a Deus que abençoe meus filhos. Eu sei que pode demorar, mas minha fé não diminui, nunca. E, falando nisso, queria dizer pra quem for ler, que ninguém pode recriminar outra pessoa pelo que ela já fez na vida. Eu nunca usei droga nenhuma, não sei nem o efeito... Mas isso não me dá o direito de excluir e nem condenar ninguém por fazer isso. As pessoas precisam ter menos ódio no coração e parar de julgar os outros.”

(Depoimento de Damiana, BSB INVISÍVEL, 2021).

Márcia

“Meu nome é Márcia, eu morei na rua por muitos e muitos anos. Atualmente tenho uma casinha em Planaltina. Passei a vida toda catando latinha e reciclando papelão pra sobreviver.Agente passa por muitas dificuldades. Alguns dos meus filhos foram criados na rua, mas a vida me surpreende todos os dias! Conseguimos uma casa e uma das minhas filhas, graças a Deus, acabou de concluir o terceiro ano e agora até conseguiu um emprego lá em Planaltina! Comprei essa casinha com mil reais e isso é tudo que temos agora! Posso dizer que é meu lugarzinho. Mesmo que tenhamos um lugar, é muito difícil! É na frente de um terreno baldio, há muito perigo por lá. Pra vir olhar os carros aqui na comercial, preciso pegar um ônibus, na BR, ainda de madrugada... Então a gente passa por muita coisa. Tem dias que não temos comida em casa, preciso sair na rua e pedir ajuda... É bem humilhante, fico com muita vergonha de fazer isso. Mas passamos muita necessidade. Às vezes não tem outra saída. Uma cesta básica salva nossa família, e nem sempre conseguimos. Queria dar um recado para as autoridades: nós, que estamos ou já estivemos nessa situação, presenciamos casos de muitas pessoas envolvidas com drogas e vícios... E muitos estão nessa situação porque não recebem nenhum tipo de auxílio e não sabem por onde começar a cessar a necessidade do uso. Parar com a droga e com o álcool pode tirar muita gente das ruas. Enquanto eu usava, tinha certeza de que viveria aqui pra sempre... Então, queria pedir pra que tivessem uma atenção maior sobre esse assunto!Arua tá tomada pelas pessoas que moram nas calçadas... Já reparou o tanto de gente morando na rodoviária? No Eixão? Na porta do Hospital de Base? Só não vê quem não quer... E essas pessoas não têm nenhum suporte pra sair dessa situação. É triste. Então é isso aí... Eu saí das ruas, e espero, de verdade, que todos saiam. Agradeço a Deus todos os dias! O que conquistei aqui é uma grande vitória!”

(Depoimento de Márcia, BSB INVISÍVEL, 2021).

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