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2. Mulher na periferia da cidade modernista de Brasília
Brasília, capital do Brasil, cidade planejada; mas, pode-se questionar, planejada para quem? Para os funcionários públicos e altos escalões do governo, para as camadas mais ricas, provavelmente. Na verdade, desde o princípio da construção da cidade, os segmentos de mais baixa renda foram afastados para as áreas mais longes do Plano Piloto.
O plano de Lucio Costa para a nova capital brasileira previa a expansão da cidade por meio da criação de cidadessatélites. Todavia, antes que o chamado Plano Piloto tivesse sido ocupado, essa categoria de cidade surgiu como consequência do fluxo migratório gerado pela construção de Brasília. (PEIXOTO, E.; OLIVEIRA, A. M. V.; WALDVOGEL, A. S, 2020, p. 4)
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Este cenário sempre ocorreu na metropolização das grandes cidades, uma vez que a área central se torna muito atrativa e a especulação da terra, impossibilita a ocupação regular. Assim, as famílias, para poderem ter alguma moradia, acabam por ocupar tais terras, que, de certa forma, são as menos cobiçadas pelo mercado, principalmente pela localização.
Para se entender as características desta utopia moderna, primeiramente, deve-se retornar a gênese de Brasília, a cidade criada com os ideais modernistas, pregava-se uma cidade mais justa e igualitária, onde as diferentes classes sociais poderiam viver em harmonia dentro das “superquadras”. Segundo Holston (1989), o projeto da criação de Brasília não levou em conta o histórico do país - marcado por grandes desigualdades sociais - aliouse o otimismo de JK de modernizar rapidamente o país com a utopia do desenvolvimentismo nacional.
O ambicioso Plano de Metas (19561961), que consistia em “50 anos de progresso em 5 anos”. Segundo Silva (2012), o plano tinha como objetivo o desenvolvimento de cinco grandes áreas: energia, transportes, indústria de base, alimentação e educação (os três primeiros receberam 93% dos recursos). Além disso, ainda havia a transferência da Capital - como meta-síntese do Plano. O período foi marcado por uma diversificação do parque industrial brasileiro - rumo à indústria de bens de consumo duráveis e intermediários - de tal modo que a indústria automobilística é maciçamente assumida.
A partir disso, Brasília surge como Capital do país, trazendo consigo toda a estrutura burocrática, junto com as regalias, e com os demais setores da economia. Sua gênese é marcada por uma segregação social grande, totalmente diferente da utopia que Lucio Costa pudesse imaginar. Assim, aqueles com menor poder aquisitivo, foram se estabelecendo nas cidadessatélites, já que o Plano Piloto não os comportava, para além disso também não eram bem-vindos na cidade, a não ser para trabalhar.
Ao estudar um pouco mais da história da formação das RAs, percebe-se como a cidade não estava preparada para receber a quantidade de imigrantes que chegavam em busca de oportunidades, resultando no aumento do número de ocupações. A cidade de Ceilândia, a Regional mais populosa do DF, teve seu nome originado da “Campanha de Erradicação das Invasões - CEI” que ocorreu na década de 1970 pelos motivos já citados. O questionamento que fica, é do porquê as cidades serem colocadas tão longe do Plano Piloto, com distâncias médias de 30 Km? Alguns motivos que corroboraram esse distanciamento das cidades-satélites foram os dispositivos de proteção ambiental e paisagística do conjunto tombado do Plano Piloto, mas não impediu que os ricos tomassem da orla do Lago Paranoá.
A questão social não foi o único problema da criação de Brasília. A setorização dos usos é uma característica do planejamento racional, assim, Brasília é tomada por uma série de setores (hospitalar, de clubes, de habitações, de autarquias, entre outros), a ociosidade desses espaços, dependendo do horário e do dia da semana, causam insegurança a qualquer um, especialmente às mulheres. Essa lógica também é notada nas cidadessatélites, na medida em que os usos e os serviços estão em sua maioria no centro - o Plano Piloto - fazendo com que ocorram essas migrações diárias, majoritariamente longas e com trânsito intenso de veículos nos horários de pico. Segundo Hoslton (1989), os primeiros moradores das descreviam a cidade como fria, a setorização das áreas reduzia as funcionalidades dos espaços públicos, já que eram apenas utilizados como um meio para o transporte.
Os eixos tão marcantes no desenho do Plano Piloto, que deram os nomes das principais vias - Eixo Monumental e Eixo Rodoviário de Brasília (Eixão)trouxeram a ideia de modernidade, o carro como símbolo de um status social e progresso. Esse ideal da época impactou nos desenhos das cidades brasileiras, como um todo, na medida em que o Estado investia massivamente no transporte rodoviário como incentivo às indústrias automobilísticas que se instalaram no país. O dado mais recente da frota de veículos do Distrito Federal é de 1.886.372 veículos, segundo tabela 02, nos últimos anos a frota cresceu em torno de 3% a 4% ao ano, o que deve ser levado em conta que o ano de 2020, foi um ano atípico e a frota teve um crescimento de 2%. Fator que refletiu no índice de mortos, menos pessoas circulando menos acidentes de trânsito. O último dado populacional do DF é de 2018, com um total de 2.881.900 habitantes, dessa forma, a proporção é de um veículo a cada 1,6 habitantes.
Para espacializar a situação da mulher no Distrito Federal, elaborouse os mapas com a base de dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2018 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN), associada a base georreferenciada dos limites das RAs, elaborada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH).


Pelo mapa de densidade populacional (Figura 38) é possível observar que há um maior adensamento na linha do metrô, mas o carro e o ônibus continuam sendo os principais modais, característica que predomina desde a gênese de Brasília. Ao analisar os mapas dos principais modais utilizados para o deslocamento até o trabalho (figura 39 e 40), percebe-se que para as mulheres o deslocamento por ônibus, elas são maioria, já para os deslocamentos por automóvel, os homens eram maioria. Entende-se que o ônibus é mais utilizado pelas mulheres, desta maneira, deve-se ter um olhar mais cuidadoso em relação à esses deslocamentos, no que se refere ao assédio e/ou violência dentro dos veículos, entender que elas são demandadas por diferentes atividades, passar longos períodos esperando o coletivo chegar somado ao tempo de deslocamento devido as grandes distâncias, ao final do dia sobrará pouco tempo para elas mesmas. E, parte deste deslocamento, muitas vezes, será realizado à pé, então pensar em uma infraestrutura adequada - iluminação, calçada, sinalização - é fundamental para que permitir que a mulher faça seus próprios caminhos.
O Distrito Federal é um dos Estados em que mais se respeita a faixa de pedestre, entretanto é comum os casos de pessoas atravessando fora do local sinalizado (Figuras 39 e 40), isto se deve ao fato da cidade ser desenhada para o carro, as travessias consideram a visão do motorista e não a do pedestre. automóvel na Regional. Para a mulher é importante que a sinalização esteja acompanhada de iluminação e próximas das paradas de ônibus.



Tabela 03 _ Quantitativo de faixas de pedestre no Distrito Federal


Ao considerar a tabela 02, percebe-se que há uma discrepância na distribuição da sinalização horizontal, em que o Plano Piloto detêm o maior quantitativo, fato que pode ser atribuído a sua centralidade, enquanto a Fercal conta com apenas uma faixa de pedestre. A sinalização é utilizada em locais que são pólos geradores de viagens, escolas, volume significativo de pedestres, logo a presença ou ausência da faixa de pedestres, indicam que há uma grande quantidade de pessoas que se deslocam a pé na cidade, ou que a cidade oferece uma boa oferta de equipamentos, ou até mesmo indicar que há uma preferencia pelo uso do
Fonte dados: DETRAN/DF e CODEPLAN/2018
Como já foi mencionado no capítulo anterior, as mulheres possuem uma renda menor que as dos homens e por conseguinte os homens serão maioria utilizando o modal. Este cenário se repete no Distrito Federal, conforme pode ser observado pelos mapas de renda média e porcentagem de mulheres e homens que trabalham (Figuras 42 e 43). Observa-se que nas regiões de maior poder aquisitivo são aquelas que apresentam maior discrepância entre a renda média de mulheres e homens, mesmo com uma percentagem equilibrada de trabalhadores por sexo. Outra análise espacial que se faz, refere-se a correlação da proximidade com o Plano Piloto e o aumento da renda, indicando que essas áreas terão grande valor de mercado, mantendo a população de baixa renda no lugares mais afastados, fato que impacta na vida da mulher, na medida em que se observa a renda média inferior delas, colocando-as mais longe dos centros ou acabarem sendo dependentes do companheiro ou da própria família.
As desigualdades sociais também são refletidas pela porcentagem da população que não sabem ler nem escrever (Figura 44), percebe-se uma maior incidência de analfabetismo nas regiões mais afastadas do Plano Piloto, dentre as Regionais destaca-se Ceilândia, Planaltina e Fercal. Apesar do analfabetismo estar presente em uma porcentagem pequena da população, nota-se que majoritariamente as mulheres são maioria.
Ao passar para a esfera privada, o mapa que demostra a média de horas gastas com os afazeres domésticos (Figura 45), nota-se que independente da renda as mulheres gastam mais horas com os afazeres domésticos. A média de horas é menor nas Regionais com maior poder aquisitivo, como o Lago Sul, o Park Way e o Jardim Botânico, indicativo de que essas casas provavelmente possuem algum empregado doméstico.
No que se refere ao desenho urbano, o modernismo de Brasília possui algumas características que o tornam mais injusto e inseguro para as mulheres. Dentre elas, a quantidade de espaços vazios, no Plano Piloto como forma de enaltecer os edifícios (Figura 46), já nas demais RAs percebe-se a falta de planejamento do uso do solo, no qual nota-se a grande quantidade de lotes destinados para os equipamentos públicos sem usos ou com um arranjo estranho de mobiliários urbanos, com a intenção de preencher o vazio com alguma coisa.



A setorização dos espaços, como já foi citado anteriormente, deixa a cidade insegura pelo ócio de determinadas áreas. Regiões como Setor de Industrias e Abastecimento (SIA), Cidade do Automóvel, Setor de Industrias Gráficas (SIG), entre outras, quando não há o comércio funcionando, parecem ser locais abandonados (Figura 47).

O sistema viário, também, tem o seu espaço separado, permitindo que vias de trânsito rápido pudessem passar rasgando pelo centro da cidade. O Distrito Federal é recortado por rodovias e vias retas, favorecendo a alta velocidade dos veículos, aumentando as chances de causar acidentes fatais. Além disso, as regras regidas do tombamento urbanístico da cidade, dificultam a inserção de elementos que protejam pedestres e ciclistas, colocando-os em risco principalmente as mulheres, pois a travessia subterrânea do Eixão não é cabível, da mesma forma para as passarelas aéreas. Duas travessias que são problemáticas, na medida em que não se tem visibilidade (você não é visto e nem consegue ver), não tem como fugir, a mulher com medo fará a travessia pelo caminho mais perigoso (pela via, correndo o risco de ser atropelada).
Ainda no assunto mesmo, sobre mobilidade, as cidades-satélites foram previstas de forma abstrata no Plano de Lucio Costa, acreditava-se que na medida em que as cidades crescessem, elas se tornariam independentes do Plano Piloto. Entretanto, a mais de 60 anos da construção de Brasília, ainda há uma dependência das R.A.s com o Plano Piloto, de tal maneira, que vê-se poucas políticas sustentáveis para a mobilidade. As cidades são pouco conurbadas, apenas algumas cidades como CeilândiaTaguatinga são conurbadas, mas com ressalvas porque da mesma forma, que o Plano Piloto é atravessado por vias de velocidade alta, o mesmo ocorre com as fronteiras das Regionais caracterizadas por rodovias ou avenidas. Entende-se que Brasília é definida por essas grandes distâncias, e por vias trânsito rápido, que acabam segregando a população, se tem um sistema de transporte público pouco eficiente e muito oneroso para a população e para o Estado, responsável por subsidiar as passagens. Para as mulheres, a situação piora, principalmente quando ela precisa se deslocar nos horários de picos, em que o transporte público está abarrotado e é sabido que são nesses momentos que ocorrem as importunações sexuais (Figura 48). Além do assédio, o tempo de viagem é longo, se pensar na mulher que tem várias jornadas de trabalho, gastar em torno de 1 hora a 2 horas do seu dia apenas no deslocamento, é cansativo e sobra pouco tempo para ela mesma. melhorem por poderem integrar com o STPC/DF, por se tratar de uma experiência, não há como garantir que o sistema melhore por apenas essa questão.
Por esse e tantos outros problemas que atingem os moradores de Brasília, se faz necessário pensar em um planejamento a partir da perspectiva de gênero, segundo o coletivo Col·lectiu
Punt 61:
O planejamento urbano baseado em gênero se concentra na vida diária das pessoas. A vida cotidiana é composta por diferentes esferas: produtiva, reprodutiva, pessoal e comunitária. O urbanismo com uma perspectiva de gênero dá igual valor a todas as esferas no planejamento e na concepção dos espaços, ao contrário do urbanismo tradicional que priorizou a esfera produtiva do trabalho, respondendo a um modelo de sociedade capitalista e patriarcal.(Col·lectiu Punt 6, 2016, p. 3)
Ao entender as particularidades do Distrito Federal e entorno como um todo, propõe-se um projeto sob à perspectiva da mulher em Santa Maria.
Para os moradores do Entorno, além do longo tempo de viagens, aqueles que necessitarem fazer o transbordo para o Sistema de Transporte Público Coletivo (STPC) do Distrito Federal não terá o benefício da integração visto que o transporte público no Entorno é administrado pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), por se tratar de uma viagens interestaduais. Segundo SILVA e AMARAL (2020), uma estudante moradora do Novo Gama, precisa fazer o transbordo para o BRT de Santa Maria para poder utilizar o benefício do passe-livre estudantil (Figura 49). Recentemente, a ANTT passou a responsabilidade de gerir, regular e fiscalizar para o governo do DF, pode ser que a situação destas pessoas

1 BARCELONA. Col·lectiu Punt 6. INFORME ESTUDI PARTICIPAT, Col·locació de bancs al Districte de l’Eixample. 2016. (Texto traduzido do Catalão para o Português)
