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06 - INTENÇÕES PROJETUAIS

Figura 77 - Região central de Ferraz de Vasconcelos, centro de convenções abandonado. Fonte - PFV, 2016c. Adaptado pelo autor.

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Objetivos e referencias

As referências teóricas são de grande importância para apoiar e fundamentar as decisões tomadas nas diretrizes propostas para o território e da mesma maneira serão essenciais para a elaboração do programa de necessidades do projeto arquitetônico desenvolvido.

Síntese da problemática

A compilação das problemáticas identificadas nas diferentes escalas, quadra, local e regional são consideradas para a busca de respostas nos diferentes referenciais teóricos que são abordados a frente.

-Padrão Precário de Ocupação Urbana. Ferraz de Vasconcelos é uma cidade com um padrão de ocupação de baixíssima qualidade, salvo alguns pontos espaçados na cidade, as edificações muitas vezes com o caráter de autoconstrução, possuem até quatro pavimentos, ocupam toda a projeção do lote e são alinhadas aos passeios. No caso da região central, os fundos são em muitos casos para córregos poluídos. A situação de má ocupação foi alimentada ao longo das décadas pela falta de clareza no planejamento urbano que permanece subjugado por legislação antiquada.

-Ocupações precárias em setores periféricos. As periferias da cidade, por sua vez, são ocupadas por um padrão residencial extremamente insalubre, muitas vezes em áreas de proteção de mananciais loteados de forma irregular, ainda com problemas gerados com o crescimento da cidade através do espraiamento da metrópole Paulista a partir da década de 1970.

-Economia de baixa capacidade Ferraz de Vasconcelos tem um dos menores PIBs da Região, o que a leva a uma situação de pouca capacidade econômica, gerando poucos empregos, a população de trabalhadores fica presa à necessidade de realizar movimentos pendulares, normalmente em cidades vizinhas, como a metrópole São Paulo, em busca não só de trabalho mas de lazer e equipamentos públicos. -A área abandonada do Centro de Convenções A quadra abandonada representa a falha da gestão municipal em gerir seus recursos de maneira positiva, perde-se de forma arbitrária uma área que apresenta um dos mais completos conjuntos de potenciais urbanos que a cidade pode oferecer, sendo essa situação extremamente negativa para a população, que permanece carente de equipamentos públicos de qualidade, principalmente os relacionados à cultura.

-A ruptura de padrões e do tecido urbano causada pela linha férrea A via férrea representa um importante eixo de mobilidade transversal no município, mas como em muitos casos é também uma barreira, que a longo prazo diferenciou os padrões entre norte e sul, a região sul formalizou-se com a oferta de comércios e serviços com padrões melhores se comparada à região norte.

-Problemas ambientais e a falta de áreas verdes A falta de planejamento para o crescimento urbano levou a existência de poucas áreas destinadas a permanência de natureza, como demonstra por exemplo os mapas de praças e áreas verdes apresentados no capítulo 04. Somados a isso existe ainda a situação hidrográfica do município, com córregos poluídos ou canalizados, sem previsão de reversão de uma situação que favorece enchentes em tempos de chuva.

-Insegurança O descaso com o ambiente urbano reforça a sensação de insegurança, seja pela falta de mobiliário urbano, iluminação adequada, qualidade dos passeios, dos espaços públicos ou limpeza das vias, até mesmo o centro comercial consolidado parece estar ao relento. Ferraz de Vasconcelos é uma das cidades da zona leste da região metropolitana com os mais altos índices de violência urbana figurando entre listas jornalísticas de mais crimes por habitantes.

Habitações de interesse Social

As habitações de interesse social desenvolvem um papel importante de suprir o déficit habitacional existente no país, são direcionadas quase que essencialmente a pessoas com poucos recursos financeiros, incapazes de adquirir moradias com as infraestruturas mínimas para a vida cotidiana. Em Ferraz de Vasconcelos o problema se repete, historicamente vemos um contingente populacional que chega ao município a procura de moradia barata, sendo estas muitas vezes em assentamentos irregulares, precários e em áreas de mananciais.

O município sofre para estabelecer políticas habitacionais que gerem resultados satisfatórios. Ao menos os planos urbanos desenvolvidos até o presente momento, responsáveis por avaliar as condições de implantação de Habitações de interesse social, falharam em concretizar-se, seja pela falta e indefinição de áreas para o desenvolvimento dos projetos ou pela incapacidade da gestão municipal de levar a cabo as propostas desenvolvidas.

Sabe-se o tamanho do déficit habitacional existente com base no Plano Local de Habitação de Interesse Social de Ferraz de Vasconcelos de 2012, ainda que o mesmo deva sofrer uma revisão, como indicam os relatórios de elaboração do plano diretor de Ferraz de Vasconcelos de 2016. A viabilização de habitações sociais no centro de Ferraz de Vasconcelos é vista como uma ação válida para contornar e minimizar as problemáticas anteriormente discutidas que pioram a qualidade de vida das populações mais pobres e o fazem de maneira indireta para as camadas com mais possibilidades financeiras.

As distâncias sociais diminuem a partir do momento em que as classes menos privilegiadas passam a ter acesso direto as diversas possibilidades de um centro urbano consolidado, num processo onde indivíduos antes marginalizados passam a ser inseridos em um contexto de cidade.

Como resultado imediato desta ação há a diminuição dos movimentos pendulares que punem os trabalhadores com exaustivas horas dentro do transporte público. No caso de Ferraz de Vasconcelos, mesmo que a oferta de trabalho permaneça na metrópole paulista, facilita-se o acesso ao transporte de alta capacidade diminuindo de forma significativa o tempo de viagem.

Minimizar a ocupação de áreas de proteção e de mananciais é outro lado dos benefícios que são alcançados ao se disponibilizar habitações sociais em áreas consolidadas, pois como visto anteriormente, estas áreas de proteção estão sujeitas às invasões e aos assentamentos irregulares. O acesso a serviços, equipamentos públicos, saúde e cultura também é democratizado.

Figura 78 - Croqui de concepção do projeto. Fonte - Acervo pessoal do autor. A localização privilegiada da moradia social no centro da metrópole traz benefícios para o trabalhador e sua família de diversos pontos de vista: facilidade de acesso aos postos de trabalho, aos serviços públicos e sociais, mais tempo para investir na família, em descanso, estudos e lazer, entre outros. (COMARÚ, 2012)

Habitações de interesse Social

As habitações de interesse social apresentam-se em sua grande maioria como respostas prontas para suprir os problemas de fornecimento das infraestruturas mínimas para a vida em meio urbano. Essa situação implica em modelos de plantas engessados que cumprem uma tabela de metragens mínimas afim de enquadrar sua tipologia na de interesse social e reduzir os custos para a população alvo destas construções, famílias com renda até 3 salários mínimos, como indicam os programas habitacionais que subsidiam empreendimentos dessa natureza. O grande problema destas medidas é desconsiderar a verdadeira face das condições em que vivem as famílias mais pobres, os modelos familiares diferentes dos enquadrados como os tradicionais e pessoas que possuem necessidades espaciais específicas.

A intenção em que se debruçam os esforços projetuais é a de oferecer diferentes tipologias habitacionais, que possam abranger desde pessoas sozinhas ás famílias mais populosas, diversificando as plantas em tipologias de diferentes metragens e que também incluam casas com acessibilidade universal. A reflexão sobre as problemáticas que incidem sobre as camadas mais pobres da sociedade e que norteia muitas das intenções do trabalho, não limita-se apenas ao desenvolvimento de habitações de interesse social, a dimensão da cidade é também considerada através da tentativa de se imprimir no projeto espaços públicos e comunitários que possam salvaguardar a experiência de cidade das camadas menos abastadas.

Este raciocínio reflete a necessidade de se incorporar espaços públicos que estejam a disposição da comunidade e já identifica e atribui por meio deste discurso o caráter multifuncional do projeto, que pretende ir muito além do conjunto habitacional.

O cunho de espaços multifuncionais demonstra também o alinhamento aos ideais de diversidade urbana, valorizados e evidenciados por Janes Jacobs em seu livro “Morte e vida de grandes cidades”, neste citados como condições excepcionais para possibilitar comunidades saudáveis onde as ruas e pessoas estão sempre seguras pois vigiam-se todas a si mesmas a partir do pressuposto de que os locais urbanos estão sempre vivos, em uso.

Para tanto a proposta visa ainda estimular a diversidade espontânea através de partidos de projeto e ocupação que se traduzem na mistura dos usos e dos espaços públicos de qualidade que ficam sempre aos olhos dos moradores do conjunto habitacional.

Multifuncionalidade e a cidade para escala humana.

A primeira coisa que deve ficar clara é que a ordem pública – a paz nas calçadas e nas ruas – não é mantida basicamente pela polícia, sem com isso negar sua necessidade. É mantida fundamentalmente pela rede intrincada, quase inconsciente, de controles e padrões de comportamento espontâneos presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicados. (JACOBS, 1961, p. 32)

Figura 79 - Croqui de concepção do projeto. Fonte - Acervo pessoal do autor.

Multifuncionalidade e a cidade para escala humana. A dimensão da cidadania e da cultura

Fecha-se a reflexão com os pensamentos de Jan Gehl, eternizados em seu livro Cidades para pessoas, onde a proposta posiciona-se como uma oportunidade de materializar uma cidade mais viva, segura, sustentável e saudável. São consideradas e valorizadas as questões já evidenciadas nos capítulos anteriores, como por exemplo a conectividade da quadra com os meios de transporte de massa, são pensadas ainda outras questões fundamentais, como a devolução das ruas ao pedestre e a criação de espaços públicos para a vida.

Em cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis, o prérequisito para a existência da vida urbana é oferecer boas oportunidades de caminhar. Contudo, a perspectiva mais ampla é que uma infinidade de valiosas oportunidades sociais e recreativas apareça quando se reforça a vida a pé. (GEHL, 2010, p. 63)

Figura 80 - Croqui de concepção do projeto. Fonte - Acervo pessoal do autor. Figura 81 - Croqui de concepção do projeto. Fonte - Acervo pessoal do autor.

A quadra que combina usos, espaços públicos e a vida urbana entende a importância da cidade compacta que visa sociedades mais seguras, acessíveis, sustentáveis e justas. O projeto carrega a responsabilidade de considerar programas voltados a cidadania e cultura, pois Ferraz de Vasconcelos é uma cidade que sucessivamente negligencia sua memória e que como resultado disso perde rapidamente o sentimento de pertencimento e a autoestima urbana de seus habitantes

Para esta finalidade o espaço público é mais uma vez considerado, desta vez se materializa dentro deste cenário de quadra multifuncional como um edifício, que não limita-se apenas a um centro cultural, mas engloba a dimensão de um centro de formação cidadã onde devem ser proporcionados espaços para valorizar a memória do município, a discussão de suas questões e a valorização do cidadão Ferrazence.

Espaços para os novos tempos e necessidades

O ano de 2020, ano da elaboração deste trabalho, trouxe consigo uma situação adversa muito inesperada e que exigiu adaptações aos modelos de vida da sociedade de forma emergencial.

A pandemia de COVID 19 mostrou como os espaços estão sujeitos a obsolescência do dia para noite, a partir do momento em que as aglomerações representam um perigo, atividades de diversas natureza, estudar, trabalhar e comprar foram alteradas e da mesma forma o espaço em que ocorrem essas atividades.

Como nunca os ambientes residenciais e os espaços ao ar livre de qualidade são evidenciados, já que muitas das atividades cotidianas e formas de lazer foram reduzidas aos espaços considerados seguros, em um contexto de isolamento e distanciamento social.

As soluções projetuais deste trabalho surgiam enquanto o cenário pandêmico se desenvolvia e apresentava suas diversidades para a sociedade, e portanto, estas soluções não poderiam abster-se de considerar as novas necessidades, a partir daí surge um novo olhar para a dimensão do projeto que trata dos espaços públicos, dos espaços residencias e dos que misturam os usos.

A discussão pós-modernista que defende a flexibilidade dos projetos já é relativamente antiga, e em um momento como este a afirmação do arquiteto Paulo Mendes da Rocha de que “o objeto da arquitetura é amparar a imprevisibilidade da vida” nunca se fez tão válida. O edifício a ser implantado além das qualidades urbanas previstas, procura também carregar a qualidade de ícone arquitetônico, no sentido de se tornar um ponto reconhecido regionalmente, um atrativo para turistas e para investidores na região. Este cenário apoia-se no sucesso de programas arquitetônicos culturais, reconhecidamente capazes de renovar a imagem de cidades como no caso do icônico Museu Guggenheim em Bilbao, exemplo máximo deste tipo de projeto.

Existem diversas propostas de edifícios que funcionam como ícones nas cidades, implantados sob lógica da atração de investimentos e da repercussão dos mesmos, inserindo as cidades no contexto da competitividade. Porém se executados de maneira indiscriminada, é comum que o projeto caia em certa neutralidade, tornando-se um desintegrador visual e destoando do contexto urbano por não ter levado em conta os fatores culturais e tradicionais de sua região, além de causar gentrificação, expulsando a população mais pobre para as periferias e aumentando a especulação imobiliária ao seu redor, tendo em mente estes fatores busca-se com toda certeza a criação de um marco, a atração de investimentos e olhares, mas presa-se, ainda mais, pela inserção do objeto na escala da cidade, a valorização do cidadão mais pobre e seu acesso aos equipamentos de qualidade. O que se reforça a partir do momento em que dentre as principais características do projeto estão as habitações de interesse social, estritamente ligadas ao contexto urbano, que põem a qualidade arquitetônica à disposição da sociedade com espaços sem muros e pensados para o encontro e atividades públicas.

O Edifício estratégia de renovação urbana.

Acupuntura Programa de Necessidades e Diretrizes

Por fim, espera-se que o projeto se enquadre como um exemplo de acupuntura urbana, definida por Jaime Lerner em seu livro de mesmo nome. Deste ponto de incisão e transformação da cidade são projetadas as reações em cadeia que decorrerão da implantação do projeto, as novas dinâmicas estabelecidas para um território mais amigável ao pedestre e ao cidadão Ferrazence que poderá de maneira plena usufruir de um projeto destinado à população mais pobre.

Conjectura-se uma cidade mais viva, mais interessante, menos estigmatizada pela sua condição de território dormitório da região leste do estado, que começa a colecionar uma oferta de variadas experiências para seus visitantes e habitantes abrindo espaço para o sentimento de pertencimento. E assim direciona-se a um desenvolvimento sustentável apoiado sobre as resoluções de problemas sociais que nela vem se acumulando a anos. Todas estas intenções apoiadas sobre os referenciais teóricos se desdobram no programa de necessidades do edifício desenvolvido e na elaboração de diretrizes para a Região Central de Ferraz de Vasconcelos , ambos com o objetivo de dar fenecimento ou ser um ponto de partida para contornar os problemas já abordados.

De maneira geral fica para o programa de necessidades do objeto arquitetônico o desenvolvimento de um conjunto multifuncional com habitações de interesse social de variadas tipologias, áreas que desenvolvem usos comunitários, um edifício que reforça relações de cultura e cidadania, a criação de espaços públicos de qualidade e espaços multifuncionais que acabam por englobar todas as outras dimensões de uso desta quadra que se torna absolutamente ligada as questões urbanas locais.

Para as diretrizes são identificados e ressaltados os potenciais existentes no território, propõe-se novos usos e conexões entre eles, a partir do reconhecimento das debilidades, além disso são sugeridas transformações em quadras consideradas de usos não condizentes a região central.

Figura 82 - Croqui de concepção do projeto. Fonte - Acervo pessoal do autor.

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