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Património Industrial Cerâmico

O SECTOR CERÂMICO EM PORTUGAL NA ÉPOCA CONTEMPORÂNEA. CULTURA MATERIAL, ARQUEOLOGIA E PATRIMÓNIO INDUSTRIAIS, CULTURA DAS ORGANIZAÇÕES

por João Paulo Avelãs Nunes, UC/FL/DHEEAA e Centro de Estudos Interdisciplinares da UC

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1. Introdução

No Portugal das últimas décadas, talvez alguns dos mais importantes factores de bloqueio ao potencialmente maior relacionamento entre empresas do sector cerâmico/a APICER, a historiografia (conhecimento científico) e saberes tecnológicos de base científica como o património cultural e a cultura organizacional tenham a ver com representações que não corresponderão a parte substancial da realidade. Por um lado, empresas e associações empresariais observariam a historiografia e o património cultural como conjuntos de discursos sobretudo valorativos e condenatórios acerca do capitalismo e dos empresários; veriam a cultura organizacional essencialmente como instrumento de marketing de organizações ou de publicidade a bens e a serviços. Por outro lado, historiadores e especialistas em património cultural pressuporiam que as empresas e as associações empresariais adoptam quase sempre uma postura defensiva e de secretismo ou uma atitude proactiva e manipuladora quanto ao conhecimento sobre os respectivos passados; tenderiam a encarar o património cultural como política pública pouco útil e muito dispendiosa, limitadora da liberdade de iniciativa dos agentes económicos. Quer no nível dos princípios abstractos quer no plano das iniciativas concretas, será, no entanto, possível defender outras soluções e observar a presença de práticas menos redutoras, maniqueístas e unilaterais. Tanto do universo das empresas e das associações empresariais como do lado dos investigadores em historiografia, património cultural e cultura organizacional — para já não referir mais actores relevantes como outras organizações da sociedade civil, o sistema político e o aparelho de Estado —, verifica-se, igualmente, a existência de pressupostos deontológicos e epistemológicos, teóricos e metodológicos viabilizadores de uma acrescida cooperação entre gestores de empresas, dirigentes de organizações de cariz socioprofissional (associações empresariais e sindicatos), investigadores em historiografia, património cultural e cultura organizacional. Viso no presente artigo, sumariamente, salientar que, de acordo com o Paradigma Neo-Moderno e com a História Nova, os historiadores devem produzir e divulgar conhecimento tão objectivante quanto possível sobre a realidade (o mais afastado possível do senso comum e da ideologia). Terão, para o efeito, de recorrer aos diversos tipos de documentação — escrita (narrativa ou serial, de arquivo ou publicada), material e gráfica, oral e audiovisual — e a várias metodologias, praticar sincretismo teórico e debate transdisciplinar, envolver-se em actividades de transferência multilateral de saber e de criação/aplicação avaliada de conhecimento tecnológico de base científica também derivado da historiografia (didáctica da História e património cultural, cultura organizacional e diferenciação territorial, lazer e turismo culturais, etc.).

João Paulo Avelãs Nunes

2. Conceitos nucleares

A categoria teórica de cultura material contemporâ-

nea remete para a vertente da realidade social global que decorre do esforço de satisfação, em maior ou em menor grau, das necessidades materiais dos membros das comunidades humanas existentes durante o que poderemos designar como época contemporânea. Simplificando uma reflexão bastante mais complexa, dir-se-ia que o período em causa tem decorrido entre o início da segunda metade do século XVIII e os nossos dias. O conhecimento — historiográfico, geográfico, antropológico e/ou sociológico — sobre a referida vertente das sociedades contemporâneas é primeiramente estruturado a partir da análise de vestígios materiais (vestígios nesse momento transformados em documentação e, depois, eventualmente, em património cultural). Quanto à categoria teórica de arqueologia e património industriais, identifica um sub-universo transdisciplinar de produção de conhecimento acerca da cultura material das sociedades contemporâneas e, ao mesmo tempo, de governação de património industrial formal e informal, já referenciado e ainda a identificar. Tendo em conta a abrangência da cultura material contemporânea, a noção de património industrial inclui bens — materiais (imóveis, integrados e móveis) e imateriais — ligados desde à indústria, à produção/ distribuição de energia e aos sistemas de transportes como a todos os outros vectores das sociedades contemporâneas, crescentemente marcadas pelos processos de industrialização, de urbanização e de afirmação da ciência/da tecnologia de base científica. Relativamente à categoria teórica de cultura das organizações, designa tanto um fenómeno inerente à realidade social — inconsciente ou conscientemente, as organizações geram, no seu seio e para o exterior, um determinado modo de funcionamento e uma certa imagem de si próprias — como uma área de saber tecnológico de base científica, também derivada da historiografia, que tem por objectivo facilitar uma governação mais deliberada e mais operatória da referida parcela da realidade. De acordo com escolhas previamente feitas, essa gestão pode ser concretizada de forma estruturante (tentando conhecer, melhorar e divulgar uma leitura objectivante sobre a organização) ou instrumental (visando divulgar uma narrativa positiva acerca da organização).

3. Caracterização sumária

Mesmo tendo em conta eventuais níveis desnecessariamente elevados de delapidação de vectores de memória, continuam hoje a existir em Portugal quantidades impressionantes de vestígios — potencialmente documentação e património cultural — sobre a evolução do sector cerâmico na época contemporânea (desde a Revolução de 1820 ou a partir do fim da Guerra Civil, em 1834). Trata-se de materialidades e de imaterialidades associadas a modalidades artesanais e industriais, a agentes económicos e a associações socioprofissionais, ao poder político e ao aparelho de Estado, a outras organizações da sociedade civil e a entidades de outros países. Estamos, igualmente, perante um enorme conjunto de experiências e de informação sobre matérias primas e fontes de energia, engenharia de materiais e questões de atenuação da poluição/de poupança de energia, design e metodologias de produção, materiais de construção e utilidades domésticas, artesanato e expressão artística, condições de trabalho e apoios sociais, circuitos de comercialização e técnicas publicitárias, relações com organizações e instituições, etc. Acumulada desde as primeiras comunidades humanas neolíticas, consolidada durante a época moderna — nomeadamente por Ordens Religiosas e Instituições de Ensino Superior, Companhias Privilegiadas e Corporações de Ofício —, a referida base de dados pode ajudar a qualificar e a promover práticas e iniciativas, bens e serviços actuais ou futuros. Complementarmente aos espólios mais ou menos salvaguardados de indivíduos e de empresas, de associações empresariais e de sindicatos, de organismos da “acção católica” e de jornais, destaco algumas instituições que salvaguardam documentação relacionada com o sector cerâmico: Direcção-Geral de Energia e Geologia, bem como organismos anteriores (sobretudo a Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos); Direcção-Geral das Actividades Económicas, bem como organismos anteriores (sobretudo a Direcção-Geral da Indústria); Direcções Regionais do Ministério da Economia, bem como organismos anteriores (sobretudo as Circunscrições Industriais); Instituto Nacional da Propriedade Industrial, bem como organismos anteriores (registos de patentes e de marcas); Inspecção das Condições de Trabalho, bem como organismos anteriores (sobretudo o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência).

4. Hipótese de intervenção

Focando a atenção nos actores sociais e nas empresas da indústria cerâmica em Portugal, diria que muitas das organizações em causa dispõem, ainda, de vestígios relevantes da respectiva actividade passada que podem ser mobilizados (como documentação e enquanto património cultural) ao serviço de estratégias de gestão estruturante das respectivas culturas organizacionais. Nos casos em que os agentes económicos já deixaram de existir, a iniciativa pode ser assumida, em nome do fomento do sector e/ou da diferenciação territorial, pela APICER ou por outras associações empresariais, por Câmaras Municipais ou por Comunidades Intermunicipais.

Correndo, certamente, o risco de não referir diversos tipos de vestígios (de documentação e de património cultural) significativos, elenco alguns dos subuniversos de recursos potenciais que continuam na posse de empresas do sector cerâmico, de associações empresariais ou de entidades do aparelho de Estado com responsabilidades de regulação do mesmo: zonas de extracção de matérias-primas e sistemas de transportes, edifícios/estruturas tecnológicas e máquinas/ objectos, ficheiros sobre produtos e moldes, mostruários e catálogos, registos de patentes e de marcas, artefactos publicitários e materiais decorrentes da participação em eventos de marketing, parcerias com artistas plásticos e com arquitectos ou engenheiros. No que concerne à memória de actores sociais protagonistas do sector cerâmico — empresários e quadros superiores, chefias intermédias e outros trabalhadores, dirigentes associativos e técnicos de organismos públicos, especialistas ligados a instituições de investigação e transferência multilateral de saber —, trata-se, essencialmente, de recolher, de salvaguardar e de permitir a consulta de documentação oral e de espólios pessoais. Dados os cuidados deontológicos hoje requeridos e o grande número de indivíduos potencialmente envolvidos, justificar-se-ia, para este efeito, conceber projectos de maior escala (nacional ou regional) que envolvessem diversos parceiros.

5. Conclusão

Procurei argumentar quanto à viabilidade e quanto à utilidade de, em Portugal, se recorrer mais sistematicamente aos vestígios gerados pelo funcionamento do sector cerâmico para potenciar actividades nos âmbitos da investigação em historiografia e noutras ciências sociais, em património cultural e em museologia, em cultura organizacional e em diferenciação territorial, em lazer e em turismo culturais. Saliento que, quando hoje se considera o âmbito do património cultural, em causa estão a classificação formal mas, também, a referenciação informal; a monumentalização/musealização mas, também, a reutilização ou, mesmo, a recolha de informação e a destruição controlada; a tutela pública mas, também, a iniciativa privada e associativa ou por parte de Fundações. Lembro, a terminar, tipos de artefactos comunicacionais que, entre nós, têm sido e que poderão passar a ser mais utilizados na qualidade de vectores de promoção operatória e sustentável — porque objectivante e qualificada — do sector cerâmico: arquivos/bibliotecas e centros de documentação, museus/núcleos museológicos e centros de interpretação, exposições temporárias e roteiros de visita, catálogos e álbuns comemorativos, monografias/obras colectivas e artigos em publicações periódicas, espaços de divulgação de longa duração ou temporários, dispositivos multimédia e digitais. Muitas vezes, o Estado português e a União Europeia disponibilizam recursos financeiros de apoio à concretização de estratégias desta natureza.

Alguma documentação e bibliografia

ALVES, Helena e NUNES, João Paulo Avelãs, “Minas e georecursos”, BRITO, José Maria Brandão de e outros (Dir.), Engenho e obra. Uma abordagem à história da engenharia em Portugal no século XX, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002, p. 186-191. ANDRIEUX, Jean-Yves, Le patrimoine industriel, Paris, PUF, 1992. Cerâmica portuguesa. Tradição e inovação, Coimbra, APICER, 2016. CUSTÓDIO, Jorge e outros, Museologia e arqueologia industrial, Lisboa, APAI, 1991. Empresariado português. Uma abordagem às suas realizações, Porto, AIP, 1994. I Encontro Nacional sobre o património industrial. Actas e comunicações, 2 volumes, Coimbra, APAI/Coimbra Editora, 1989/1990. A Innovadora Portuguêsa, Lisboa, A Innovadora Portuguêsa, s.d. MENDES, José M. Amado, A área económica de Coimbra. Estrutura e desenvolvimento industrial (1867-1927), Coimbra, CCRC, 1984. MENDES, José M. Amado, "Cultura de empresa: uma nova dinâmica organizacional", Gestão e Desenvolvimento, nº 1, 1992, p. 49-57. NUNES, João Paulo Avelãs, “Inventores, registos de patentes e de marcas e arqueologia industrial. Um exemplo concreto”, Revista Portuguesa de História, t. XXIX, 1994, p. 181-212. NUNES, João Paulo Avelãs, “Arqueologia industrial, património cultural, nova história regional e local”, Vértice, II Série, nº 73, Julho/Agosto de 1996, p. 103-110. NUNES, João Paulo Avelãs, “Valorização e desvalorização social do trabalho na época contemporânea”, Dirigir & Formar, nº 23, Julho-Setembro de 2019, p. 15-18. NUNES, João Paulo Avelãs, “Historiografia e tecnologias derivadas: relevância social, epistemologia e deontologia”, VAQUINHAS, Irene Maria e outros (Coords.), História, empresas, arqueologia industrial e museologia, Coimbra, IUC, 2021, p. 343-366. Vista Alegre, 1824, Ílhavo, VA, 2021.

LUFAPO – UM PASSADO E UM FUTURO!

por Ana Carvalho, Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro*Lufapo Hub

A história da LUFAPO começará talvez nos primórdios do século XX, mas ainda com outro nome. Todavia, sabe-se com exatidão, que em 21 de junho de 1923 já existiria como “A Cerâmica Limitada”, pois a empresa representada pelos sócios gerentes Francisco Ferreira e Ezequiel dos Santos Donato, escrituraram um terreno situado no Vale Paraíso, no Loreto, freguesia de Eiras, onde já estaria construído o edifício principal (na altura apenas com dois andares) do que mais tarde viria a ser um dos maiores complexos industriais cerâmicos do país! Julga-se que surgiu neste local, junto à linha do caminho-de-ferro, em consequência da necessidade de se deslocalizarem as inúmeras cerâmicas que abundavam na baixa de Coimbra durante o século XIX, impedidas de se desenvolverem por estarem estranguladas pela própria cidade.

Considera-se que esta unidade fabril iniciou a época da grande indústria cerâmica em Coimbra, tendo tido um crescimento rápido nos primeiros anos de produção “chegando mais tarde a empregar cerca de 1000 operários e a ser, no seu género, uma das maiores do país."

Capa do catálogo de ladrilhos hidráulicos produzidos nas “Fábricas «Lufapo» de Faianças e Porcelanas, com sede e fábricas em Coimbra e filial e fábricas «Massarelos» no Porto.

Esta indústria, localizada num terreno com cerca de 9 hectares, foi também inovadora para o seu tempo, tendo construído algumas casas para operários, um campo de futebol, laboratórios, escolas e creches para os filhos dos trabalhadores, entre outras inovações para a época.

Planta de alçado de 1919? existente no Arquivo Urbanístico da CMC.

Fotografia de painel de azulejos da estação velha retirado pelo município de Coimbra e que irá ser recolocado brevemente na Urbanização do Loreto (nos antigos terrenos da LUFAPO).

Peças de loiça decorativa e utilitária da marca Lufapo

Peças de loiça decorativa e utilitária da marca Lufapo

A fábrica era constituída por múltiplos edifícios ligados entre si, e construído em vários patamares. Em 1929, a Companhia das Fábricas Cerâmica Lusitânia adquiriu este complexo industrial, à semelhança da fábrica de Massarelos no Porto. A designação e a marca LUFAPO é construída a partir das palavras LUsitânia, FAianças e POrcelanas, tendo surgido em meados da década de 1940, no âmbito da reconversão da indústria cerâmica portuguesa após a II Guerra Mundial. Sabe-se que a marca LUFAPO foi usada em louças domésticas e decorativas, louças sanitárias, louças eletrotécnicas, azulejos lisos e decorados, mosaicos cerâmicos, ladrilhos hidráulicos, grés para canalizações e produtos refratários. Estando a maioria dos seus produtos intrinsecamente ligados ao modernismo e ao movimento Bauhaus em Portugal. De acordo com os registos encontrados no arquivo urbanístico da câmara municipal de Coimbra, em 1955 o edifício principal da LUFAPO foi ampliado, acrescentado mais um piso. O layout fabril encontrado em plantas da década de 50 do século passado nos arquivos do CTCV, demonstra bem a magnitude deste complexo industrial. Infelizmente, à semelhança das outras indústrias cerâmicas de Coimbra (e não só as cerâmicas), este complexo industrial entrou em declínio culminando na sua insolvência e, em 1977, o município de Coimbra fica com a sua penhora. Nesta época, o Professor Doutor Mário Augusto da Silva, uma das mais notáveis personalidades da Física em Portugal que fez o seu doutoramento em Paris com Marie Curie e o criador e primeiro Diretor do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, sabendo do encerramento deste complexo industrial tão relevante, interessou-se por recolher todo o material que pudesse mais tarde ser usado no seu museu. Contudo, infelizmente, o Prof. Mário Silva faleceu em 1977, sem ter tido a oportunidade de catalogar e musealizar todo o antigo espólio da LUFAPO, tendo este ficado esquecido desde então, armazenado no escuro dos arrumos do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Entretanto, nos anos 80 constrói-se o loteamento do Loreto, demolindo todos os edifícios do antigo complexo industrial da Lufapo, incluindo as inúmeras chaminés tão marcantes da paisagem local. Sobrevivendo apenas o edifício principal e a antiga escola primária, os únicos que chegam aos nossos dias.

Finalmente, em 1987, o edifício principal passa para a gestão do CTCV, que faz novamente obras de ampliação, adicionando mais um piso ao edifício A, construindo simultaneamente e de raiz os edifícios B e C (onde se encontra a APICER). Atualmente, passados intensos 35 anos, a atividade do CTCV desenvolve-se, maioritariamente, nos novos edifícios do Iparque, em Antanhol. Nos antigos edifícios está a nascer um projeto inovador, fazendo ressurgir o nome “Lufapo”, mas dando-lhe uma nova abrangência, acompanhando as tendências europeias do movimento do New European Bauhaus. O LUFAPO HUB é um novo conceito que está a ser desenvolvido pelo CTCV inspirado noutros projetos internacionais e nacionais de sucesso e nas novas políticas económicas que privilegiam a co-criação, a inovação inclusiva e o empreendedorismo. Pretende-se, assim, criar um complexo criativo e empreendedor aproveitando o conhecimento existente e criando sinergias entre as indústrias criativas, as indústrias tradicionais e as indústrias 4.0. Transformando os antigos edifícios do Loreto, propriedade do CTCV num ecossistema multinível de co-criação, coworking, start-ups e scale-ups. Por forma a atingir estes desígnios, o CTCV tem procurado financiamentos, quer para a dinamização do complexo LUFAPO HUB, quer para a sua reabilitação. Estando, neste momento, a desenvolver um conjunto de iniciativas apoiadas pelo CENTRO 2020 e integradas no projeto CiTecH - CTCV Tech Hub for Innovation 4.0, que visam dar corpo ao Lufapo Hub para a inovação nos setores do Habitat e Construção, posicionando-o como parceiro privilegiado de criativos e empresas - startups e scaleups de base industrial - para a cooperação. O Lufapo Hub, para além da componente de empreendedorismo industrial, pretende ser também um centro de indústrias criativas, um local inspirador que concilie a arte com a inovação, a sustentabilidade e a inclusão. Neste âmbito, poderá promover-se, inclusivamente, o desenvolvimento de novos produtos inspirados nos produzidos antigamente pela LUFAPO. Nessa perspetiva, um protocolo já assinado no dia 14 de janeiro de 2022 com a CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património – foi o pontapé de saída para o acolhimento de um atelier de co-criação de cerâmica. Está a ser instalado no 1º Piso do Edifício A, nos antigos laboratórios e será destinado a criadores na área da cerâmica em regime de coworking e co-criação, onde terão disponíveis os utensílios, ferramentas e equipamentos necessários para as suas atividades em articulação e mentoria de inovação tecnológica do CTCV e do CEARTE. Inesperadamente, há uns meses, o atual Diretor do Museu da Ciência e do Exploratório de Coimbra, o ilustre Professor Doutor Paulo Trincão contactou o CTCV por ter tido conhecimento de que a nossa entidade quereria revitalizar a marca e o antigo edifício da LUFAPO e que estaria à procura de peças, catálogos, equipamentos e histórias da antiga fábrica. Generosamente, informou-nos de que a Universidade de Coimbra estaria disponível para ceder todo o espólio que tinha guardado da LUFAPO para o CTCV poder usar, expor e estudar e quem sabe revitalizar a produção de peças inspiradas nos desenhos e moldes antigos. E assim, ao final de quase 50 anos uma parte importante da história desta fábrica e desta marca retorna ao seu lugar de origem onde será certamente acarinhada!

No 3º piso, está também a nascer um espaço de coworking nas instalações da antiga mediateca/biblioteca com cerca de 15 postos de trabalho. Há 23 empresas já alojadas no Lufapo Hub - a sua maioria startups - onde trabalham mais de 80 pessoas nos 3 edifícios – a sua maioria jovens qualificados! Contudo, há ainda cerca de 60% de espaço edificado disponível para novos projetos inspiradores estando um projeto de arquitetura a ser desenvolvido para a reabilitação integral de todo o edifício. Quem sabe um co-living e um roof-top na cobertura que atraia nómadas digitais e criadores de todo o mundo? Por forma a facilitar a comunicação e a atração de novos utilizadores para o espaço e inspirado no seu passado, mas também no que se pretende para o seu futuro desenvolveu-se agora uma nova imagem e um novo Logotipo Este novo logotipo será lançado oficialmente no dia 8 de julho de 2022! E este será, sem dúvida, o marco de mais um renascimento do resistente edifício LUFAPO, bem como da sua marca, hoje também propriedade do CTCV.

Bibliografia

MENDES, JOSÉ MARIA AMADO - A área económica de Coimbra, Estrutura e desenvolvimento industrial, 1867-1927. Comissão de coordenação da região centro. Coimbra, 1984.

FERREIRA, BRUNA DANIELA CALEIRO - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura Departamento de Arquitetura da FCTUC Sob a orientação do Prof. Doutor Arq. Rui Pedro Mexia Lobo, Coimbra, 2012

ARAÚJO, ARMANDO OCTAVIANO PALMA – A fábrica de louça de Massarelos, contributos para a caracterização de uma unidade fabril pioneira - Dissertação de Mestrado em estudos do património sob orientação do Professor Doutor Paulo Oliveira Ramos, Universidade Aberta, Lisboa 2012 Processo Urbanístico nº 01-569/54 e Processo de Loteamento nº 266/85 – Arquivo Urbanístico da Câmara Municipal de Coimbra

A REAL FÁBRICA DE CUSTÓDIO FERREIRA BRAGA

por Edgar Vigário

Resumo

Em 1907 no seu livro Cerâmica Portugueza [1], José Queiroz refere a Real Fábrica de Custódio Ferreira Braga como uma das mais influentes no desenvolvimento da faiança portuguesa no último terço do século XVIII. Que fábrica era esta?

A política de desenvolvimento industrial iniciada por D. João V e seguida pelo Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal alterou, no último terço do século XVIII, o modelo de produção nacional com o declínio das olarias tradicionais e a construção um pouco por todo o território nacional de fábricas semi-industriais que seguiam o modelo francês. Estas fábricas, cuja peças são hoje em dia expostas em museus e consideradas como objetos de culto por colecionadores e apreciadores, iniciaram o seu percurso na história das artes decorativas após terem sido referenciadas na obra de José Queiroz, Cerâmica Portuguesa [1]. Da lista de fábricas que o autor introduziu como impulsionadoras do desenvolvimento cerâmico no último terço do século XVIII nesta obra, são hoje tidas como bem ou razoavelmente documentadas: a Real Fábrica de Loiça ao Rato e a Real Fábrica da Bica do Sapato em Lisboa; a Fábrica do Rossio de Santa Clara em Coimbra; a Fábrica de Massarelos as fábricas do Cavaquinho, a Fábrica de Miragaia, a Fábrica da Afurada e a de Santo António do Vale da Piedade na região do Porto e Gaia; a Fábrica do Côjo em Aveiro; a Fábrica Darque em Viana do Castelo; e embora desconhecendo-se muita da sua produção, a Fábrica de Estremoz. No entanto, o autor considerou também a presença de marcas provavelmente possessórias em objetos como indicativas do seu local de produção presumindo a existência de fábricas para as quais não foram encontradas provas documentais como é o caso da Real Fábrica de Custódio Ferreira Braga [3]. Apesar de se conhecerem duas peças marcadas desta fábrica, um pote e um aquário, é o tipo decorativo que o pote exibe que pressupõe ser a marca nele apresentada destinada a uma utilização de carácter publicitário e não a de uma indicação de fabrico, pois, num dos dois medalhões existentes no seu bojo a legenda "FÁBRICA DE CUSTÓDIO FRª BRAGA" aparece envolta numa cercadura de flores e folhas ladeada por duas figuras de

Figura 2 . Extrato do Diario das Cortes da Nação Portugueza [5], Segunda Legislatura, Tomo 2; Lisboa, Imprensa Nacional; 1923.

mulher soerguendo as saias com uma mão e tendo na outra um cesto em cujo interior se encontram tecidos [2]. Convém então determinar que tipo de fábrica o pote publicitava e se por sua vez existe alguma prova documental dela. De facto, nos manuscritos da Junta do Comércio no período de 1793 a 1832 Jorge Pedreira [4] seguiu o percurso ao longo de mais de trinta anos de um negociante bracarense de nome Custódio José da Costa Braga.

Em traços gerais, Custódio José da Costa Braga requereu a sua matrícula em Braga como negociante de tecidos durante 1793 e em 1795 inicia na mesma cidade a construção de um edifício para a instalação de uma fábrica de tecidos contratando um mestre para supervisionar a laboração de 11 teares. Em 1799 devido ao baixo consumo interno de sedas passa a produzir riscados de linho e algodão e obtém da marinha uma encomenda de 4000 varas de pano o que o faz aumentar o número de teares para 40 e de trabalhadores para 100 [4]. Em 1809 já não produz seda e tem 32 teares ativos e em 1812 obtém da Junta de Comércio a licença para abrir em Lisboa na rua da Fancaria uma loja para vender os artigos da sua fábrica de Braga. Parece, contudo, ter contornado as proibições de venda de outros produtos e ter-se dedicado à especulação mercantil devido à sua fábrica em Braga só ter 9 empregados em 1815 e 5 em 1818 [4]. Em 1820 começa a pensar na manufatura de lãs e decide criar uma fábrica em Lisboa. Com o seu filho põe a funcionar 8 teares no Palácio Malheiros na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, contudo começa a apresentar dificuldades económicas e em 1823 pede um donativo à Junta do Comércio que apesar de um parecer favorável lhe é negado [5]. Em 1830 pretende retomar a fábrica em Braga que obtém em 1832 [4] existindo ainda registos com o seu nome nas Relações dos passaportes conferidos na Administração do Concelho de Évora de abril de 1836 e março de 1838 [6][7]. Com um percurso tão rico tudo indica que o pote e o aquário seriam então encomendas para ornamentar os espaços da loja ou fábrica deste empreendedor, contudo, apesar dos primeiros e últimos nomes serem iguais os do meio não correspondem o que impede uma atribuição imediata. Existe ainda uma outra referência publicada na Chronica Constitucional de Lisboa de 10 de agosto de 1833 referente a um donativo na classe de Lençaria para Calças e Camisas para a Divisão do Exército Restaurador de 100 varas de brim, desta vez feita em nome de Custódio José Ferreira Braga [8].

Figura 3 . Extrato da Chronica Constitucional de Lisboa [8], num. 14; 1883.

Será este Custódio José Ferreira Braga um outro indivíduo, também comerciante ou industrial de tecidos, ou tratar-se-á do mesmo onde somente nas diversas referências alguns dos seus nomes foram omitidos. Parece, contudo, dadas as evidências documentais aliadas à já referida decoração, que é mais natural atribuir o pote como uma peça publicitária a uma loja ou fábrica de tecidos do que a uma fábrica de faiança para a qual ainda nenhum documento que a cite foi encontrado.

Referências

[1] José Queiroz; Ceramica Portugueza; Lisboa: Typographia do Annuario Commercial; 1907; https://archive.org/details/ceramicaportugue00queiuoft.

[2] Ficha de inventário; MatrizNet (website); http:// www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=268127; acedido em junho 2022.

[3] Alexandre Nobre Pais, João Pedro Monteiro; Interrogações e perplexidades no estudo da faiança portuguesa in 100 Peças de Faiança dos Séculos XVIII e XIX na Coleção Pereira de Sampaio; coordenação de Ramiro Leão e Jorge Pereira de Sampaio; 2012.

[4] Jorge Pedreira; O "Génio Emprehendedor"; Quetzal Editores; Lisboa; 1988; https://www.researchgate.net/publication/28224557_O_Genio_Emprehendedor. [5] Extrato do Diario das Cortes da Nação Portugueza, Segunda Legislatura, Tomo 2; Lisboa, Imprensa Nacional; 1923; https://books.google. pt/books?id=SHFFAAAAcAAJ&pg=PA244&lpg=PA244&dq=cust%C3%B3dio+jos%C3%A9+da+costa+braga&source=bl&ots=sVbrGSVkaz&sig=gt09yX9FBgJT5pHdqEJcpHmlmu4&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwj4-ZvUxr_ZAhXKvxQKHb5uDSIQ6AEIVDAJ#v=onepage&q=cust%C3%B3dio%20 jos%C3%A9%20da%20costa%20braga&f=false; acedido em junho 2022.

[6] Relações dos passaportes conferidos na Administração do Concelho de Évora em abril de 1836; http://digitarq.adevr.arquivos.pt/details?id=1119472; acedido em junho 2022.

[7] Relações dos passaportes conferidos na Administração do Concelho de Évora em março de 1838; http://digitarq.adevr.arquivos.pt/details?id=1120826; acedido em junho 2022.

[8] Extrato da Chronica Constitucional de Lisboa, num. 14; 1883; https://books.google.pt/ books?id=3e0vAAAAYAAJ&pg=PA63&lpg=PA63&dq=custodio+ferreira+braga+capit%C3%A3o&source=bl&ots=trYJNMe9fw&sig=Qdu8TYsl-X3C7NMVpywNRHW5Jds&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwiFwdLnrcHZAhVDbRQKHWPmCw04ChDoAQhGMAY#v=onepage&q=custodio%20ferreira%20 braga%20capit%C3%A3o&f=false; acedido em junho 2022.

MEDIDA COMPROMISSO EMPREGO SUSTENTÁVEL

por Filomena Girão e Marta Frias Borges, FAF Advogados

A Portaria n.º 38/2022, de 17 de janeiro, veio criar e regular a medida Compromisso Emprego Sustentável. Esta medida, de caráter excecional e transitório, assume como propósito, à saída da crise, fomentar a contratação permanente de desempregados e entrada de jovens no mercado de trabalho. Assim, enquanto a Medida Estágios ATIVAR confere apoio financeiro à entidade empregadora para pagamento da bolsa de estágios com duração de 9 meses, a Medida Compromisso Sustentável visa criar vínculos laborais estáveis, sem sujeição a prazo, conferindo apoio financeiro às empresas que as estimule a este tipo de contratação. A medida consiste essencialmente na concessão, à entidade empregadora, de apoios financeiros à celebração do contrato de trabalho sem termo com desempregado inscrito no IEFP, I.P., nos seguintes termos: a. Apoio financeiro à contratação, correspondente a 12 vezes o valor do IAS, ou seja € 5.318,40:

I. O referido apoio financeiro pode ainda ser alvo das seguintes majorações, cumuláveis até ao limite de três: • Majoração de 25 %, quando esteja em causa a contratação de jovens com idade até aos 35 anos, inclusive; • Majoração de 35 %, quando esteja em causa a contratação de pessoas com deficiência e incapacidade; • Majoração de 25 %, quando a retribuição base associada ao contrato apoiado seja igual ou superior a duas vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida; • Majoração de 25 %, quando esteja em causa posto de trabalho localizado em território do interior; • Majoração de 25 %, quando a entidade empregadora seja parte de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial;

II. O referido apoio será, ainda, sempre majorado em 30% quando esteja em causa a contratação de desempregados do sexo sub-representado em determinada profissão; III. Assim, e com todas as majorações, o apoio financeiro à contratação sem termo pode atingir os €

11.434,56.

Filomena Girão e Maria Inês Basto

b. Apoio financeiro ao pagamento de contribuições para a segurança social, correspondente a metade do valor da contribuição para a segurança social, durante o primeiro ano de vigência dos contratos de trabalho apoiados, não podendo, no entanto, ultrapassar € 3.102,40.

Podem candidatar-se à medida as pessoas singulares ou coletivas de natureza privada, com ou sem fins lucrativo (incluindo aquelas que tenham iniciado processo especial de revitalização ou regime extrajudicial de recuperação de empresas), desde que obedeçam aos seguintes requisitos: i. Estejam regularmente constituídas; ii. Preencham os requisitos legais exigidos para o exercício da atividade ou apresentem comprovativo de ter iniciado o processo aplicável; iii. Tenham a situação tributária e contributiva regularizada; iv. Não se encontrem em situação de incumprimento no que respeita a apoios concedidos pelo IEFP, I.P.; v. Tenham a situação regularizada em matéria de restituições no âmbito dos financiamentos dos

Fundos Europeus Estruturais e de Investimento; vi. Disponham de contabilidade organizada; vii. Não tenham pagamentos de salários em atraso; viii. Não tenham sido condenadas em processo-crime ou contraordenacional grave ou muito grave por violação de legislação de trabalho.

A concessão do apoio financeiro está dependente da publicitação e registo de oferta no portal do IEFP, sinalizada com intenção de candidatura à medida, e pressupõe a criação líquida de emprego (i.e., por via do contrato de trabalho apoiado, a entidade deve alcançar um número de trabalhadores superior à média registada nos 12 meses que precedem o registo da oferta). As candidaturas serão avaliadas com base em critérios definidos pelo IEFP, I.P., tais como a contratação de desempregados com maior dificuldade de integração no mercado de trabalho, nomeadamente jovens e pessoas com deficiência e incapacidade. O período de candidaturas decorre de 15 de março a 30 de dezembro de 2022, através do portal https:// iefponline.iefp.pt/.