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Consultório

A oferta do transporte marítimo em tempos de pandemia: a tempestade perfeita

Já não é recente a minha preocupação sobre as mudanças que se têm operado no transporte marítimo. As sucessivas crises nacionais e internacionais, que teimam em não nos abandonar neste início de século, têm tido fortes implicações no transporte marítimo. Nos últimos anos, verificamos um aumento generalizado dos custos associados ao transporte marítimo, destacando os custos de sobreestadia e a diminuição dos chamados períodos de “free time”, aplicados de forma totalmente cega por parte dos armadores/transportadores marítimos. A era digital veio fomentar a integração logística ente armadores e importadores /exportadores, permitindo uma maior proximidade com estes, através da informatização dos procedimentos no transporte marítimo, da criação de softwares ligados à atividade, contentores inteligentes e de um crescente interesse dos próprios transportadores marítimos em aumentar os serviços prestados na cadeia logística de deslocação das mercadorias. Recentemente têm sido vários os armadores a anunciarem o alargamento dos seus serviços logísticos, os quais extravasam em muito as operações ligadas ao transporte marítimo, apresentando-se, em muitos casos, como verdadeiros operadores logísticos de transporte multimodal. Em 2020 veio a pandemia e o Covid-19, e com isso a paragem das economias asiáticas, numa primeira fase, entre janeiro e março, com a procura a descer e uma consequente alteração do tipo de mercadorias a serem transacionadas e transportadas neste tipo de fluxos, essencialmente os produtos de combate à transmissão do Covid-19, como álcool-gel, máscaras e luvas. Os armadores reduziram a sua capacidade de oferta, mas não a voltaram a ajustar quando a procura normalizou, a partir de setembro/outubro. Os fretes e os custos relacionados com o transporte marítimo de longo curso aumentam muito rapidamente e exponencialmente, sem fim à vista. Os carregadores desesperam e os transitários perdem capacidade de negociação dos fretes com os armadores e veem os acordos celebrados alterados quase ao minuto. Denis Choumert, presidente do Conselho Europeu de Carregadores, e Willem van der Schalk, presidente da CLECAT, já alertaram para este grave problema: distorção da concorrência, regimes particulares e específicos que privilegiam o setor, aproveitamento das distorções provocadas pela pandemia e preços muito inflacionados que, caso não sejam resolvidos, irão levar a roturas nas cadeias de abastecimento do comércio ocidental e ao desaparecimento de várias outras entidades da cadeia logística. Mais recentemente, a APAT e o Conselho Português de Carregadores solicitaram a intervenção da presidência portuguesa, para sensibilizar a Comissão Europeia a atuar. Agora, também a Comunidade Portuária de Leixões (CPDL) solicita a intervenção do governo português e diz-se preocupada com toda a situação atual em que se encontra o transporte marítimo.

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Marta Borges Managing Partner Advogada, sócia da Rocha Gonçalves & Associados, soc. adv, RL mab@advogadosporto.com

Não sou economista, mas parece-me que quando os preços quadruplicam em tão pouco tempo e os armadores anunciam lucros avultados em 2020, num ano de pandemia, já não se trata de apenas reequilibrar a balança com a lei da oferta e da procura.

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