As paisagens cariocas no âmbito dos tombamentos federais: proposta para seu ordenamento e gestão

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As paisagens cariocas no âmbito dos tombamentos federais: proposta para seu ordenamento e gestão Cury, Isabelle (1); Hoyuela, Antonio (2) 1. IPHAN, Isabelle.cury@iphan.gov.br 2. Consultor UNESCO e IPHAN projeto PRODOC, antonio.hoyuela@gmail.com

RESUMO O Patrimônio Cultural brasileiro deve ser avaliado, ordenado e gerido no contexto espacial e temporal, social, ambiental e econômico em que se desenvolve. O objetivo de trabalho do IPHAN, no projeto PRODOC, DEPAM de Brasilia, e junto a Superintendência de RJ, consiste em identificar, organizar e sistematizar os instrumentos normativos incidentes sobre bens tombados federais. Os bens estão localizados na Baixada de Jacarepaguá, no Joa-Joatinga, aos pés da Pedra da Gávea, e na área declarada pela UNESCO como Paisagem Cultural, especialmente, o Jardim Botânico e o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, assim como as Florestas de Proteção e o Parque Nacional da Tijuca. O resultado da proposta se estrutura em três tipos de documentos. A uma escala maior, com diretrizes básicas e orientativas, num Plano de Ação. A uma escala menor com portarias que detalham as ações para cada uma das áreas analisadas. A escala do bem, com propostas de rerratificação dos tombamentos. Palavras-chave: paisagem, rio de janeiro, ordenamento, gestão, planejamento.

5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


1. O PATRIMÔNIO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO E O PROJETO PRODOC. Já passamos um periodo importante de inventario, identificação e inicio das primeiras ações de planejamento, chamados de periodos de preservação, conservação e restauração (Castriota, 2007; Hoyuela Jayo, 2014 c). Hoje, estamos entrando num periodo que denominamos de modelo Paisagístico, onde continuamos preservando e protegendo, mas onde precisamos incorporar propostas e medidas para o desenvolvimento

do

nosso

patrimônio

e

sua

integracao

em

modelos

de

desenvolvimento sustentável (Hoyuela Jayo, 2016).

Figura 1 .- O patrimônio federal tombado, os limites das paisagens cariocas (UNESCO), e do Parque Nacional da Tijuca e Florestas de Proteção acima das cotas 80 e 100 (IPHAN), no Rio de Janeiro. Fonte: dados do IPHAN, do Comitê Gestor, IRPH e o IPP, e elaboração própria.

Hoje devemos pensar a preservação dos bens de interesse cultural integrada no paradigma do desenvolvimento sustentável. Um planejamento integrado deve cumprir o requisito constitucional de “defender e valorizar” o patrimônio através de instrumentos de proteção e de uma programação de ações que promovam de forma coesa a sustentabilidade económica, ambiental e social desde uma perspectiva territorial, além dos bens tombados. 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


Gerir esse patrimônio nacional exige novos olhares que incluem repensar os mecanismos de tombamento. Também exige revisar as Portarias/IPHAN nas áreas de entorno, assim como sua condição de elementos componentes de sistemas territoriais de interesse patrimonial mais amplos que exigem uma gestão compartilhada dos diferentes atores das políticas setoriais envolvidas. O Decreto-Lei nº 25 de 1937, do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, definiu o tombamento como um instrumento jurídico destinado à proteção do patrimônio da nação com classificação e inscrição em quatro livros. Rio de Janeiro hoje tem 305 processos, dos quais, 147 tombamentos, dois anexados, 5 rerratificações, 3 tombamentos provisórios, 7 aprovados e um emergencial de acordo com as categorias dos processos estabelecidas (IPHAN, 1986). De entre os 165 vigentes, que decorreram em 248 registros nos livros do tombo (vários têm duas e até três inscrições em livros diferentes), dominam os de origem colonial (edifícios, casas e prédios singulares) ou religioso (igrejas, conventos, mosteiros, capelas...), por vezes vezes com seus acervos, também os conjuntos e sítios, e finalmente os elementos de infraestrutura, ou vinculados às águas (chafarizes, fontes, depósitos...). Eles vão desde a pequena escala, dos bens móveis como o sabre do General Osório, até o Parque Nacional da Tijuca e suas florestas de proteção (90 milhões de m2). A maioria dos bens estão inscritos na categoria histórica (122), ou de belas artes (108), assim como 26 na categoria de arqueológico, etnográfico e/ou paisagístico, nenhum na categoria de artes aplicadas. O desenvolvimento científico e tecnológico, não obstante, caracteriza alguns desses bens. Seria o caso do aeroporto Santos Dumont, e o nascimento da aeronáutica, ou o caso do próprio jardim botânico e do horto e a ciência botânica, assim como a gestão das águas na floresta da Tijuca. Mas essa abordagem carce, ainda, de ser desenvolvida, porque no Brasil só cinco processos foram lançados com esse propósito. O projeto PRODOC envolve um conjunto de professionais coordenados a través da equipe do DEPAM em Brasiliai, e uma equipe do IPHAN RJii, entre outros importantes professionais colaboradores. Os objetivos do projeto são identificar, organizar e articular os instrumentos normativos incidentes sobre os bens tombados localizados em vários cenários diferentes tais como Rio de Janeiro, Cachoeira e São Felix, Recife, Florianópolis, Salvador de Bahia, e outros núcleos e contextos.

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O propósito é elaborar leituras, em termos territoriais, focadas na gestão compartilhada entre os diversos entes federativos que teem atribuição concorrente na área de estudo. Em termos específicos, objetiva a produção de metodologias de abordagem para identificação e análise de condicionantes que subsidiem a formulação de diretrizes e critérios de preservação, bem como de parâmetros de intervenção. No processo, devese garantir a apropriação, por parte das entidades e órgãos federais, estaduais e municipais, de conceitos e princípios urbanísticos, tradicionais ou mais inovadores, voltados para a preservação do patrimônio cultural, assimilando-os nos respectivos instrumentos de planejamento e nos processos e instrumentos de gestão. O Patrimônio Cultural deve ser considerado paisagem, e também na paisagem. A ideia da paisagem, deve ser considerada primeiro como a que envolve o bem a ser preservado (tombamentos), desde uma perspectiva cultural, científica, artística, histórica, etnográfica, simbólica... e depois, desde uma perspectiva mais ampla, de sustentabilidade, como instrumento que envolve e integra os aspectos sociais, econômicos e ambientais sob o paradigma da sustentabilidade (entorno). É aqui que entram os valores ecológicos, naturais, biológicos, ou os relativos a biodiversidade e aos ecossistemas. Nessas áreas de entorno ou amortecimento que desenvolvemos as chamadas portarias. Hoje devemos olhar para diversas áreas do conhecimento para conseguir discutir as contribuições para a formação do conceito de paisagem cultural contemporâneo, e seus desdobramentos teóricos e práticos. Essas são sem dúvida a geografia, a arte, a arqueologia, a engenharia (e especialmente a engenharia da paisagem), a ecologia, a biologia, as técnicas florestais, o patrimônio cultural e a gestão cultural, bem como, a comunicação, a sociologia e a antropologia (como forma de integrar a etnografia e a percepção). Por isso ele requer de equipes e perspectivas transdisciplinares que envolvam diversos atores, diferentes áreas de conhecimento, e sistemas de participação mais abrangentes, não procurando o domínio sobre várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas as quais perpassa e ultrapassa. A paisagem que queremos é polisémica e políédrica e, por isso, tem múltiplos significados e multiplas perspectivas. Essa construção da paisagem cultural exige novas tipologias e instrumentos, como o da paisagem histórica urbana (Cury I. , 2012), revendo: contexto e entorno, as rotas e itinerários culturais, o papel do patrimonio natural, dos jardins históricos e do paisagismo, e também dos espaços públicos, das paisagens rurais, arqueológicas, 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


sistémicas, sensoriais, das paisagens das águas e das industriais, assim como os novos métodos de leitura e de monitoramento (tecnologias da informação). A paisagem como método de aproximação a gestão dos bens, precisa, também, de uma necessária percepção artística e cultural: "O certo é que as emoções e belezas que sentimos diante das paisagens emanam da arte e não da própria natureza. São os artistas que nos ensinam a ver o mundo e perceber as suas belezas" (De Moura Delphim, Estudo sobre a Paisagem Cultural Brasileira, 2006)

Podemos concluir, sem dúvida, que a paisagem no Brasil já teve um longo percurso, e que as condições do país fazem dele um importante protagonista no contexto nao só nacional, mas também internacional, para a definição de novos paradigmas e para sua gestão e desenvolvimento. Também devemos lembrar que Rio de Janeiro, nesse contexto, representa um caso muito especial, excepcional e de referencia e escala mundial por ter a primeira declaração da UNESCO baseada no conceito da paisagem cultural em área urbana de escala metropolitana (Bello Figueiredo, 2013). As novas estratégias de preservação e intervenção incluem planejar o entorno como projeto de desenvolvimento sustentável, a restauração de jardins, parques e espaços públicos de interesse histórico, artístico, cultural ou ambiental, integrar arquitetura, urbanismo e paisagem, pensar na restauração, reabilitação e reciclagem da paisagem, pensar além da proteção, integrar e programar propostas de intervenção na paisagem, e também ligar a paisagem cultural com a cidade e com o planejamento regional. Optamos, na nossa abordagem, por um enfoque contemporâneo, ecológico e integrado, de forte influência dos paisagistas americanos (desde Olmsted) e franceses (Giles Clement), e outros (Battle em Espanha, p.e.), sob a influência pós-moderna, com visão ecológica, elementos arquitetônicos mais integrados, até bio-arquitetônicos, com elementos de infraestrutura verde, sem esquecer o papel das cores, das texturas e da arte, sempre presentes nas propostas. O objetivo é, no futuro, inserir as propostas dentro de um marco de políticas mais amplo: urbanísticas, ambientais, turísticas, do transporte, de controle de riscos ambientais, etc... Analisar os ecossistemas naturais e culturais ajuda-nos a procurar o bem comum e defender a paisagem como síntese entre o patrimônio natural e a cultura, a arte e a história, seja geológica, do tempo solar, ou do nosso tempo e nosso ritmo acelerados do dia a dia. A encíclica do Papa Francisco confirma, de forma contundente, falando da “2. Ecologia cultural”, essa união entre ecologia e patrimônio cultural, artístico e/ou 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


histórico (Franciscus, 2015). Por isso nossa proposta se estrutura em dois grandes grupos, natureza e cultura, e quatro níveis de aproximação do território, baseados na própria metodologia específica de análise e de planejamento. Mas, quando falamos de ambiencia e do tratamento dos entornos sempre é um discurso baseado na ideia da sua percepção cultural. Os tombamentos de bens naturais, no marco do IPHAN, devem ter como finalidade a conservação paisagística, histórica, artística, etnográfica, etc... (Rabello, 2009). Igualmente a preservação do seu entorno não deve se limitar exclusivamente aos bens de natureza construída, mas também aqueles naturais, que influem na dita ambiência, mas sempre vinculados aos atributos, á percepção e á compreensão do bem natural protegido. Para eles são preferenciais as ações de preservação de seus valores culturais, mas também a preservação dos ecossistemas, como estratégia, ou diretriz, a serem pactuada com outros órgãos, e aplicada com outros instrumentos específicos (Planos de Manejo, Planos Urbanísticos, ou outros), desde que tenham como finalidade a manutenção dos sistemas vitais e interdependentes ligados com a conservação do bem ou do conjunto (ecológicos, hidrológicos, urbanísticos...).

2. OS INSTRUMENTOS EM ELABORAÇÃO E AS PAISAGENS CARIOCAS As estratégias para a implementação de zonas-tampão na gestão da paisagem local devem abordar a articulação da governança da proteção paisagística; a conservação da qualidade da identidade visual, funcional e estrutural e a legibilidade e monitoramento da DI (Schlee M. B., The role of buffer zones in Rio de Janeiro urban landscape protection, 2017).

Dentro do projeto PRODOC, no Rio de Janeiro, estamos desenvolvendo perspectivas diferentes de instrumentos já característicos da ação do IPHAN como são os Planos de Ação (IPHAN, 2009), as Portarias (Motta & Thompson, 2010) ou os próprios Tombamentos (Rabello, 2009; IPHAN, 1986), só que com uma aproximação paisagística, sistemica, transdisciplinar e holística mais aprofundada, de maior escala e trabalhando sobre as experiências e processos históricos já consolidados na instituição. A proposta atual inclui a releitura dos tombamentos a partir da percepção e compreensão dos seus valores no território, assim como a definição de diretrizes para os instrumentos e mecanismos setoriais, urbanísticos, ambientais e territoriais de proteção e desenvolvimento. Também inclui ações para a compreensão e preservação

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integrada das paisagens e dos bens, e para uma gestão compartilhada e eficaz, com base em Planos de Ação, que incluem objetivos, orientações e critérios à escala municipal, dos sistemas territoriais e dos entornos dos bens protegidos. Por último, o trabalho inclui, também, novas propostas de portarias estruturadas, de acordo com a metodologia do projeto, em diretrizes para paisagens de interesse, morfotipos, sistemas e unidades da paisagem.

2.1.

Os tombamentos dos bens.

A abordagem que propomos parte de uma concepção de patrimônio que o entende como um elemento integrado na Paisagem, porque o patrimônio cultural é paisagem. Esta não é, portanto, considerada como uma categoria do patrimônio, mas sim como uma visão e abordagem diferente, de maior escala e abrangência, como uma forma de entender o patrimônio cultural e de ordená-lo e geri-lo.

Figura 2 .- Elementos a serem protegidos, com diferentes níveis de preservação, e diferentes tipos de intervenções permitidas, no Jardim Botânico e no Horto Florestal, assim como seus limites nos diversos documentos consultados. Fonte: elaboração própria, projeto PRODOC.

No novo paradigma de “Patrimônio Paisagístico", devemos ler a paisagem no entorno da Floresta da Tijuca, mas, também, do sabre do General Osório (hoje sediado no

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Museu Histórico de Rio de Janeiro), porque todo bem tem seu contexto cultural (paisagem cultural) ou no marco das garantias de seu desenvolvimento sustentável (paisagem do entorno no âmbito das portarias). No tombamento, devem ser incorporados os elementos componentes e os valores de cada um deles, assim como os atributos das suas áreas de entorno. Reconhecer o valor paisagístico de um bem, ou como atributo de seu entorno, requer precisar em detalhe seus valores ambientais, econômicos e sociais, e para isso se faz necessário uma cultura de construção de entendimentos de forma participativa e em Rede. A percepção também faz parte da ideia da paisagem desde a perspectiva da IFLA (IFLA, 2006), da Convenção Europeia (Conselho de Europa, 2000) ou da ABAP (Associação Brasileira de Arquitetos da Paisagem, ABAP, 2012). Nesse novo cenário, o tipo de objeto muda, criando a ideia das paisagens históricas integradas (no território, na cidade ou em entornos menores), e não mais do bem isolado, a tradição chamada de ‘pedra e cal’. Esses entornos não são só urbanos, ou rurais, culturais ou naturais, mas, e sobre tudo, são uma ligação entre o lugar e as formas culturais de apropriação desses espaços. O conceito conecta o bem construído com o ‘genius loci’ e os valores naturais que convivem com as transformações do homem (a ‘indústria humana’ que falava Rodrigo Melo). É nesse novo paradigma que o bem integra as caraterísticas naturais, culturais e perceptivas que o definem e que envolvem aspectos artísticos, históricos, simbólicos, científicos, etnográficos, mas também ecológicos, edáficos e pedológicos, botânicos, naturais, de biodiversidade ou de gestão das águas, e, sobretudo, perceptivos. A ideia principal é aquela de identificar os bens, seus limites e valores com maior grau de detalhe, incluindo uma valoração clara e objetiva de cada um deles e dos níveis de proteção que os atingiriam. Para isso temos classificado os elementos integrantes em diferentes categorias: I.

Arquitetura e engenharias (palácios, residências, museus, pontes, engenhos, fazendas, igrejas, conventos, aquedutos, portas...).

II.

Construções

auxiliares

(moinhos,

estufas,

anexos,

cavalarias,

fontes,

mobiliário...). III.

Obras de Arte (esculturas, land-art, soluções construtivas de interesse artístico...).

IV.

Espaços livres vinculados (Pátios, Jardins, Varandas, Alpendres, Logradouros, hortos, quintais, pomares...).

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V.

Documentos primários e secundários descritivos do bem.

VI.

Elementos de interesse natural (remanescentes florestais, árvores valiosas, arboretos, praias, rochas, rios, lagos, paisagens singulares ou de interesse no entorno,...).

VII.

Acervos científicos, artísticos ou culturais (botânicos, coleções de arte, mobiliário...).

VIII.

Visuais de interesse perceptivo, sensitivo, paisagístico, ou pela intervisibilidade e simbolismo de determinadas vistas.

Os valores a serem preservados tem sido classificados em cinco categorias: I.

Valores Histórico, Artísticos, Culturais e/ou Científicos

II.

Valores Naturais, Ambientais, Ecológicos ou Paisagísticos.

III.

Valores documentais, arqueológicos e científicos.

IV.

Valores imateriais, simbólicos e/ou etnográficos.

V.

Valores perceptivos e/ou visuais (estéticos).

A definição dos limites (poligonais), deve acontecer no próprio processo de tombamento. A partir da ideia de que a paisagem não é uma categoria, mas sim uma abordagem compreensiva ao território de todos os bens de interesse cultural, temos desenvolvido uma proposta de limites que começam nos elementos isolados (amb01) e na propriedade (amb02) e acaba nos sistemas territoriais. A paisagem que interage diretamente com os diferentes valores definidos para o bem, seria a ‘Paisagem Cultural’ (amb03). Já na área de entorno temos uma primeira área definida pelo entorno urbano que complementa os valores do bem (amb04), com predomínio natural (N) ou urbano (U), e outro pelos sistemas territoriais complementares (amb05). Quando analisamos os elementos componentes de alguns tombamentos, ou os elementos que deveriam fazer parte, como fizemos em Taquara, achamos diversas tipologias de elementos (abertos, fechados, públicos...) e com diferentes gráus de interesse e diferentes valores. Os valores culturais devem basear-se em aspectos artísticos, estéticos, culturais, históricos, etnográficos, ou de ambiência (poderíamos dizer paisagísticos) que justifiquem sua “feição notável”. Nos entornos, deveremos incorporar as proteções previstas nos planos de zoneamento costeiro, no zoneamento da LUOS e do PDU, mas também nas leis do Código Florestal, e na Lei das Águas, nos planos de manejo e de risco ou nos planos setoriais (turísticos, de transporte, habitação e interesse social...). 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


Os quatro possíveis graus de proteção para cada um dos bens (amb01) podem ser integral, estrutural, ambiental e de elementos isolados. O nível de proteção integral é a maior das proteções (não permite intervenções sem critérios claros e a supervisão do IPHAN). A proteção estrutural protege os volumes e fachadas e algum elemento destacado como escadas, ou pátios, etc... A proteção ambiental só protege a fachada, deixando a possibilidade aberta a intervencoes de reforma e adequação. A categoria de elementos de interesse só protege alguma parte do bem ou elemento identificado (p.e. uma janela, porta, ou até uma fachada) liberando o resto do bem para outras atuações.

2.2.

A revisão das portarias

Os fundamentos das portarias para regular as intervenções nos entornos são analisados por Lia Motta e Analucia Thompson (Motta & Thompson, 2010). Desde o conceito inicial de “visibilidade e vizinhança”, presente no Decreto Lei de 1937, principalmente no art. 18iii, adota-se hoje a ideia de entorno, que abarca a ambiência e a historicidade (narrativa) dos contextos que envolvem os bens tombados, sempre desde o reconhecimento da diversidade de situações que iremos encontrar (Rabello, 2009). Essa preservação deve ocorrer por atos discricionários, baseados em trabalhos técnicos que devem estabelecer e explicitar os critérios que justificam a preservação, ou de outros valores (incluídos os ecológicos ou ambientais) que garantam a preservação da ambiência do bem tombado dentro de um paradigma de luta pelo “desenvolvimento sustentável” e no marco das políticas urbanas, sem cair na rotinização, e, por tanto, incorporando os valores e elementos que melhor garantam o fim principal previsto: a preservação do bem e seus valores. A isso somamos a Portaria nº 64 (IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2015) que trata dos procedimentos de licenciamento ambiental e o papel do IPHAN. E complementarmente com as Recomendações Básicas para a Instrução de Processos de Tombamento, que no item (5), estabelece que os componentes de um terreno tombado que “não possuam mérito” devem ficar “sujeitos a condições específicas de proteção à ambiência e visibilidade do bem”. Por outro lado, não podemos esquecer a importância do patrimônio, geológico, geomorfológico, fisiográficos, botânico, faunístico... nas políticas do IPHAN cujo valor já foi reconhecido desde o início da promulgação do Decreto Lei nº 25/1937. Para abordar esse assunto escolhemos o conceito de morfotipo e sistema natural que envolve as 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


zonas com caráter homogéneo definidas a partir de uma análise topográfica, geomorfológica, ecológica (processos), edáfica e pedológica dos solos (e com maior profundidade da litologia) e da vegetação seja com caráter tipológico, seja desde uma visão sistémica. Dentro do âmbito que chamados da unidade da paisagem cultural, devemos incorporar os elementos naturais. Primeiro identificamos os sistemas territoriais complementares que interatuam com o bem. Um exemplo pode ser a captação de um aqueduto, ou uma paisagem agrícola, ou natural, que define e caracteriza uma fazenda, ou um engenho, ou um caminho, ou a ponte, ou o acesso, mesmo sem um valor destacado. Esses elementos devem ser preservados, e por tanto, identificados e mapeados. Pode ser um acupim, uma área de cultivo, um rio, uma lagoa, uma mata ciliar, ou uma floresta... Nela aplicaremos normas plenas, básicas ou orientativas dependendo do interesse. Mesmo que estejam meramente ligados com a ambiência, os valores naturais, ecológicos, ambientais e de ambiência, devem ser percebidos e compreendidos na sua lógica sistêmica e contextual em todos os processos de tombamento. Tradicionalmente as diretrizes das portarias tratavam de parâmetros estritamente urbanísticos, em âmbitos que envolviam espaços públicos, privados e de carácter natural, mas também cultural, sem separar suas diferentes caraterísticas e valores. Tratamos as ruas, praças, terreiros, áreas úmidas, rios e entornos e matas ciliares, como espaços de grande interesse, mas que por sua gestão e caraterísticas devem ser tratados de forma diferente aos espaços privados ou ao patrimônio natural, dentro das nossas propostas. Neles se forma a verdadeira ambiência que tem como fundo, ou como cenário, as edificações privadas, ou bem as áreas naturais tais como morros, florestas, rios, restingas e sistemas dunares, etc... ou até os espaços públicos. Outra reflexão que queremos fazer é que nos entornos de bens, conjuntos ou sistemas de claro perfil cultural, os elementos devem ser identificados, analisados e tratados, como bens paisagísticos, considerando sempre as suas dimensões culturais e ambientais em contexto territorial, para a preservação da qualidade do ambiente, defesa do entorno e cuidado das áreas de amortecimento como berços, cenários, ou contextos dos bens tombados. Por tanto, esses elementos devem ser considerados nas áreas de portaria como componentes de grande importância, ainda que não patrimonial, e incorporados em categorias de proteção nas respectivas políticas complementares.

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Também requer uma visão sistêmica onde sejam integradas medidas e ações para a revitalização, melhoria ou restauração das áreas da propriedade (amb02) e nos elementos componentes (amb01), mas também nas áreas de entorno, seja este cultural (amb03). Outra conclusão direta será aquela de pensar o patrimônio cultural, desde sua relação com os ecossistemas, como as restingas, mangues e áreas orgânicas das baixadas (gleisolos, podsoles úmidos...). Um exemplo poderiam ser os bens preservados que as APAC (Área de Proteção do Ambiente Cultural) no Rio de Janeiro definem como instrumento de detalhe do Plano Urbanístico. Outro seria a proteção dos rios e matas ciliares, ou a proteção das centralidades, e áreas de concentração de serviços e equipamentos, ou os corredores verdes ou ecológicos, entre tantos outros.

Figura 3 .- Plano dos morfotipos culturais que inclui tipologias arquitetônicas, bens tombados e preservados nas distintas esferas, proteções naturais e culturais, e principais atuações nas áreas verdes e corredores ecológicos, visuais, e pontos de interesse (paisagens valiosas ou singulares), assim como subunidades da paisagem, de acordo com as diretrizes da área de abrangência.

Os bens devem ser pensados no seu contexto, na ideia de preservar a paisagem histórica que os sustentou, mas também na ideia de garantir a qualidade do ambiente e a sustentabilidade do modelo urbano donde estão inseridos. 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


2.3.

Os planos de ação e as diretrizes para pactuação

No ano 2009 o IPHAN tentou alavancar num tipo de instrumento chamado “Plano de Ação” para o planejamento integral das cidades históricas brasileiras (IPHAN, 2009). Integrado, a partir das diretrizes da UNESCO, um novo instrumento orientado a ordenar e gerir o patrimônio cultural, parte fundamental dos valores a serem considerados nas cidades históricas. Os planos partem da ideia de paisagem, dos sistemas territoriais (cidade no território), e também da necessidade de uma gestão integrada, com processos participativos, e novas tecnologias. O plano de ação foi, então, definido pelo IPHAN, dentro de uma ação nacional de planejamento para investimento nas Cidades Históricas, como instrumento para um planejamento integrado orientando a gestão do patrimônio cultural e com enfoque territorial. Por isso, o Plano de Ação proposto não se restringe ao perímetro protegido ou ao conjunto de bens tombados, e considera a dinâmica urbana (a cidade toda ou parte). No município do Rio de Janeiro foram desenvolvidos instrumentos como as APACs, ou as políticas para gestão dos entornos dos bens tombados, já incorporada no PDU, como descreve Mônica Bahia (Schlee & Tangari, As montanhas e suas aguas: a paisagem carioca na legislação 1937 - 2007, 2008; Schlee M. B., The role of buffer zones in Rio de Janeiro urban landscape protection, 2017) desde uma visão sistémica, por bairros e diferentes tipos de bens. Igualmente, outros instrumentos ambientais, com visão ecossistêmica, como os planos de manejo, estudos de impacto ambiental ou de impacto de vizinhança, planos de riscos (especialmente de riscos climáticos, mas não só) devem começar a serem integrados junto com as políticas culturais, e vice-versa. Isso vai exigir uma interação maior entre os diferentes atores assim como ações e instrumentos específicos, tais como fundos e recursos econômicos, parcerias público / privadas, sistemas de concessões, de mecenas, de doações, de incentivos, e de patrocínios que contribuam a envolver a sociedade civil como um todo. Instrumentos digitais como as infraestruturas de dados espaciais (o sistema SIURBiv do IPP é um bom exemplo disso) podem contribuir para manter o envolvimento dos profissionais aumentando a transdisciplinaridade e a visão holística.

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O Plano de Ação trabalha entre o bem e o entorno. Incluiu diretrizes, normas e recomendações para proteger e valorizar o patrimônio nacional, referentes a aspetos ambientais, das paisagens históricas concretizadas em espécies recomendadas, na proteção de determinados ambientes, ou em diretrizes ou recomendações para os planos específicos dessas áreas... ao mesmo tempo que mantem diretrizes para ocupação do solov, tais como parcelamento, taxas de ocupação e gabaritos, mas sempre pensando na preservação do bem e da sua ambiência. As diferentes áreas de entorno e limites que estabelecemos são delimitados por poligonais, que utilizam ruas, ou os próprios limites dos morfotipos (leitos fluviais, áreas de vegetação diferente, massas de rochas...), os lotes ou propriedades onde se encontram os bens ou as cotas da topografia. Também são usadas linhas imaginárias que se ligam por meio de pontos geográficos de referência (os visuais e suas respectivas bacias visuais). Porém, mesmo no contexto dos diversos critérios que são usados, o fim permanece o mesmo. A amplitude de algumas áreas, e das suas conexões e a través de corredores verdes e/ou ecológicos, vem a confirmar a recomendação de Jurema Arnaut, no processo de Jacarepaguá (Proc. 008-E-86/SPHAN-RJ)vi que dizia que o caráter rural estava se perdendo, e que por tanto tornava-se “necessário observar esse complexo bairro do Rio de Janeiro em sua totalidade para apreender, analisar e selecionar (delimitar) as áreas que coexistem com os quatro bens tombados” (Arnaut, 1986). Procurou a preservação dos pontos de visada, das relações entre os bens (três deles engenhos do açúcar ou antigas fazendas de café), e o desenvolvimento histórico da região, afirmando finalmente: (...) o bem cultural tem significado, de um modo geral, incontestável senão pela série de informações que pode fornecer à análise das formas de produção e expressão de grupos sociais, por seus modos de fruição. Mas, esse significado é diminuído, ou até mesmo comprometido, quando são rompidas suas ligações com o meio onde se insere (Ibid.).

Podemos concluir que o monumento é “inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa”, conforme a Carta de Veneza. A Declaração de Xi’An sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas de interesse patrimonial, contribui para a definição do entorno dos bens protegidos desde uma visão holística (ICOMOS, 2005). A declaração inclui os elementos morfológicos, paisagísticos, estéticos e aqueles entendidos como testemunhos da história, aponta também para as práticas sociais, para o patrimônio cultural intangível, tais como os costumes, os conhecimentos tradicionais, 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


os usos ou as atividades que criaram e formaram o espaço, e ainda para o contexto atual e dinâmico de natureza cultural, social e econômica. Ressalta a interrelação entre os bens e seus entornos como fontes de informação, condição da autenticidade e da integridade dos bens, mas também como base para um desenvolvimento sustentável. O que distinguiria então as áreas tombadas das áreas de entorno é o valor atribuído e/ou reconhecido. A área de entorno será de referência para a compreensão da coisa tombada, cabendo, então, parâmetros de proteção apropriados ao valor papel e protagonismo do entorno, sempre adequados ao valor atribuído ao bem a ser protegido. Poderão, em alguns casos, ser parâmetros rigorosos, eventualmente, e em determinadas condições, mais rigorosos do que os aplicados às áreas tombadas, como, por exemplo, na preservação de área natural no entorno de bem tombado onde a ocupação deve ser mantida rarefeita (ICOMOS, 2005). Como instrumento colaborativo e compartilhado, pretendia estabelecer pactos entre entes federados, setor privado e sociedade civil organizada. Seu objetivo era aquele de garantir investimentos convergentes de todos os agentes, compartilhamento de competências e atribuições, evitando sobreposições de esforços, e como fim último, a ampliação conceitual e da legitimidade social do patrimônio cultural O fim último era o de contribuir ao entendimento comum mínimo entre todos os especialistas, cientistas, gerentes, cidadãos e interessados. Por isso os eixos deveriam desenvolver as ideias de um planejamento integrado, orientado a gestão e operativo, pensado desde a paisagem, e com a paisagem, e integrado no território, e sempre orientado para o desenvolvimento sustentável. Para garantir a participação os planos deveriam se aliar aos processos de participação já existentes no Município / Estado (Orçamento Participativo, Conselhos Municipais, Conferências Municipais / Estaduais de Cultura...) e ter uma ampla divulgação durante esses processos de participação e pactuação, ao mesmo tempo que deveriam produzir conhecimento e capacitar aos diferentes atores sociais, científicos e administrativos para garantir sua aplicabilidade. Nesse novo paradigma faz sentido a criação de uma nova figura, os Sistemas Territoriais, como elementos que interligam o patrimônio entre si (por razões estilísticas, funcionais, históricas...), com os lugares, e às vezes, com outras manifestações similares em regiões diferentes. Por isso, os sistemas territoriais devem ser entendidos

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como grupos geográficos ou temáticos organizados, respeito a ideia ou tema central que define o sistema. Os sistemas territoriais caraterísticos do patrimônio cultural, ou patrimoniais, também devem colocar-se em referência com outros de carácter complementar, como o transporte, os corredores verdes, os corredores ecológicos, ou o sistema das águas. Os âmbitos territoriais dos ST são variáveis. Partindo de leituras e manifestações regionais, no entorno geográfico imediato do bem, devemos chegar na escala nacional, ST supra, ou local, ST infra. Um exemplo seriam as fazendas e engenhos. Nós definimos três subsistemas desse grupo na nossa área: engenhos de Jacarepaguá, fazendas do café do Maciço da Tijuca, ou as fazendas e engenhos do entorno da Lagoa de Rodrigo de Freitas. Mas eles se relacionam com bens ou sistemas de outras regiões. Um claro exemplo está na relação entre o engenho da Taquara, em Jacarepaguá, com o engenho da Torre, em Pernambuco, que apresentam estilo, programa, funções, e implantação no local (sistemas supra). As relações entre senzalas, casas principais, capelas e engenhos, no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, não serão diferentes das que acontecem no Rio, na Bahia, em Santos e São Vicente ou em Pernambuco. Ao mesmo tempo o sistema de fazendas ou engenhos forma um conjunto homogêneo a escala de bacia, envolvendo uma grande área no entorno da Baia de Guanabara na baixada fluminense. Essa nova visão requer mudanças de abordagem e adequações do dispositivo normativo, que integrem instrumentos de caráter paisagístico como planos de ação, novos modelos de portarias e modelos de tombamento mais claros e abrangentes. Mas também requer Cartas, Atlas, Unidades da Paisagem... e instrumentos urbanísticos orientados a uma visão mais ampla, entendendo a paisagem como envolvente cultural, para todos os bens, também como base e recurso para um desenvolvimento sustentável. Entender o patrimônio desde a lógica dos conjuntos, introduzindo a ideia de Sistemas Territoriais Patrimoniais, ajudaria na compreensão dos bens, mas também no seu ordenamento e na sua gestão. Não devemos entender mais os bens de forma isolada, mas sim dentro de conjuntos donde as componentes estejam relacionadas entre sim. Assim, os seus valores aumentarim, porque a cada um dos valores reconhecidos para cada bem devemos agregar o valor do sistema, e elementos que isoladamente não tem tanto valor, e no conjunto aumentam e multiplicam até seus significados e suas “feições notáveis”. 5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018


Os Sistemas Territoriais Patrimoniais são, por tanto, agrupamentos homogêneos geralmente descontínuos e hierárquicos de caráter estético, artístico, histórico, funcional ou ambiental, chamados STP (Hoyuela Jayo, Sistemas Territoriales Patrimoniales (STP): Paisajes Sustentables. Casos: Fortalezas del Miño, Camiños a Santiago, Urbs Iberoamericana, 2014 a), que servem para a gestão do bem ou permitem e contribuem a sua valorização. De entre eles destacamos, no caso do Rio, as fazendas e engenhos, as fortificações, o sistema de gestão das águas (depósitos, aquedutos, canalizações, e até aterros), ou o sistema de parques (nas suas diferentes fases e etapas dos primeiros jardins públicos, românticos, modernos...) com as estufas, canteiros, coleções, pequenos monumentos, obras de arte, etc... Os ST complementares, de caráter urbanístico, são formados por elementos que não existiriam sem a presença de seres humanos, mas que também contribuem a preservar, ou gerir o bem, tais como os STP de transporte, energia, infraestruturas de água, telecomunicações, espaços públicos (corredores verdes), e paisagens de interesse (valiosas ou singulares, para uma acupuntura da paisagem), equipamentos públicos ou similares. Os ST de caráter natural são constituídos por grupos de elementos da paisagem que ocorrem naturalmente é onde a intervenção humana tem sido nula ou muito baixa, mas que justificam os bens neles contidos, na sua génesis, e especialmente na sua gestão posterior. Eles são divididos em SP ambientais tais como corredores ecológicos, sistemas florestais, o sistema das águas, ou ecossistemas destacados) e propriamente culturais (corredores verdes, transporte,). Se eles contém elementos valiosos desde a perspectiva natural, são próprios, se não são complementares. A definição dos Sistemas Territoriais Patrimoniais próprios está orientada a gestão já que entende o bem dentro de grupos que contem caraterísticas similares e que por tanto podem ser geridos e planejados de forma coerente e homogénea, em diferentes escalas, nacional, estadual, municipal ou local. Um exemplo seria o Sistema Territorial Patrimonial dos Engenhos e Fazendas, donde poderíamos analisa-lo na escala federal (supra), por baias ou bacias hidrográficas (Paraíba do Sul, Baixada Santista, Baixada Fluminense...) ou por áreas concretas, como estamos propondo nos trabalhos do PRODOC, baixada de Jacarepaguá, Maciço da Tijuca, Lagoa Rodrigo de Freitas, etc... Seriam os Sistemas Territoriais “Infra”, sub - agrupacoes dos anteriores.

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Já os Sistemas Territoriais de caráter complementar, tem um valor funcional, e por tanto tem um fim mais pragmático, como suporte de propostas e ações de dinamização e valorização dos bens e de seus entornos, quando não estão formados por elementos de interesse tombados em outros níveis estaduais e municipais ou pelo próprio órgão federal. Estamos diante de verdadeiros sistemas patrimoniais como os engenhos, o ecossistema da Tijuca, ou o sistema de parques e jardins do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Essas novas narrativas interpretam o patrimônio cultural como paisagem (Hoyuela Jayo J. A., Paisagem como lugar versus Planejamento Sustentável, 2014 c), pensando não só nos valores que essa nova narrativa agrega aos bens, mais também dos “ecotonos” ou espaços de conectividade novos que devemos identificar e tratar para ativar, visualizar, difundir e potenciar essas conectividades, culturais, visuais, paisagísticas ou naturais. As diretrizes para os morfotipos, que estamos desenvolvendo para Rio de Janeiro, desde a perspectiva cultural e natural, com caráter geral, poderão ser transferidas ao zoneamento urbanístico. Os naturais, tentam resumir a vocação do território, já os culturais antecipam os processos e os modelos de transformação (Hoyuela Jayo, Planes Directores para STP: entre los planes de gestón de la UNESCO y los planes de acción del IPHAN. Casos: Ouro Preto, Parque Municipal Américo Rennê Giannet, de las Fortificaciones del Miño, 2014 b). Os morfotipos baseiam-se numa ideia mais elaborada da geomorfologia de Sauer (Sauer, 1998 (1ª ed. 1925), pág. 62) que incorpora a vegetação e os solos, nos naturais, e os usos do solo e o planejamento urbano nos culturais. Para as categorias dos morfotipos naturais, ou ecossistemas, apoiamo-nos nos geomorfotipos definidos por Penk (Penck, 1894, págs. 1-2) que incluiu as seguintes formas: planícies, colinas, vales, bacias, montanhas, cavernas, litorais, leitos do mar, ilhas, mas também nas diretrizes sobre vegetação dos diferentes órgãos e nos mapas de usos do solo. Com isso, a seleção de espécies está sendo feita mediante considerações paisagísticas, culturais e ecológicas, que permitem não só a preservação da ambiência, e o reconhecimento do ecossistema, mas também a prestação de importantes serviços ecológicos adequados e próprios desses espaçosvii e a adaptação e conservação das plantas no seu entorno e nos ecossistemas caraterísticos do local.

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Esses estudos e análises devem ser entendidos, assim como as diretrizes e normas resultantes, e como estratégias para uma gestão compartilhada, como é exigido pela Portaria nº 60/2015 que trata do licenciamento ambiental (IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2015), e os estudos exigidos no Art.2, parágrafo III, deverão incorporar, quando afetar a alguma das áreas analisadas, as informações acerca da justificativa da implantação do projeto, de seu porte da tecnologia empregada, dos principais aspectos ambientais envolvidos, baseando-se nos ecossistemas, na relação de espécies, e nos estudos aqui sugeridos, dentre outras informações. O IPHAN poderá assim, no âmbito do licenciamento ambiental, por exemplo, avaliar os impactos provocados pela atividade ou pelo empreendimento nos bens culturais acautelados, assim como nas suas paisagens do entorno, que os explicam e determinam, reguladas por portarias (entornos dos bens) ou planos de ação (entornos urbanos, naturais ou sistemas territoriais), conseguindo assim determinar a adequação, ou não, das propostas, e das medidas de controle, correção, compensação ou de mitigação decorrentes desses possíveis impactos. O detalhamento dos processos de proteção das paisagens históricas, mesmo que naturais, ou das culturas a eles associadas (pescadores, agricultores, quilombos...) deve ser feito nos planos físico territoriais e o IPHAN deverá participar em todas as fases de aprovação. As infraestruturas verdes e os serviços ecológicos como soluções baseadas na natureza, e na valorização do espaço público, e dos espaços privados também (estacionamentos, coberturas e fachadas verdes...) pode ser uma solução urbanística, mais sensíveis com os ecossistemas e entornos naturais, para as Paisagens Cariocas.

3. CONCLUSÕES. Poderemos estar pasando da etapa da “pedra e cal”, ao periodo da paisagem como instrumento e como fim. Esse modelo exige incorporar o meio natural, o espaço público e uma análise elemento por elemento, como bases nos planos, portarias e tombamentos. Na estratégia de gestão baseada em três níveis: o planejamento do patrimônio cultural (diretrizes do plano de ação), elemento por elemento (tombamento), e entorno (normas das portarias); tomando sempre como referência a ideia de desenvolvimento sustentável. Para isso devemos incorporar os valores culturais, sim, materiais, imateriais e perceptivos, mas também os valores sociais, econômicos e ambientais, como base e como objetivos de nossas propostas.

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Em definitiva, devemos passar da paisagem cultural, a um conceito de paisagem mais integrado. Devemos entender o contexto e o entorno dos bens como paisagem. Aplicamos dois níveis de aproximação, como paisagem cultural, aquela que envolve diretamente caraterísticas e/ou valores do bem, e a paisagem como entorno. Essa última considera aspectos complementares, mas não necessariamente vinculados com os valores culturais. Eles poderiam ser atributos ambientais, ecológicos, urbanísticos, turísticos, ligados a equipamentos e serviços públicos, etc... Utilizar a paisagem como foco e como instrumento, exige passar da paisagem cultural a uma visão da paisagem mais integrada, com gestão compartilhada e colaborativa. Esse cenário mais abrangente tenta integrar não só o conceito da paisagem cultural (envolvente imediata afetada pelo bem), mas sim, também o conceito de patrimônio cultural de origem natural, a ser preservado como garantia para a preservação da chamada “ambiência”. E essa última ideia que nos faz pensar os entornos não só desde a perspectiva de cada um dos bens, mas também do conjunto e suas interações visuais e impactos sociais, ambientais, ecológicos e económicos que possam estar envolvidos no reconhecimento e valorização do local.

Figura 4 .- No projeto PRODOC estamos propondo um novo olhar, que não exclui, mas sim fomenta, a inclusão dos elementos da arquitetura doméstica, mesmo no entorno dos bens tombados federais, como o engenho da Taquara. Os valores paisagísticos vão além dos valores culturais ou meramente artísticos ou históricos incluindo os valores funcionais, ambientais, e até ecológicos, não só desde a perspectiva natural, mas também social e económica. Fonte: elaboração própria sobre imagem de Google Earth.

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IPHAN.

Fonte:

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4. NOTAS:

i

Dirigido por Andrey Rosenthal Schlee, Erica Diogo, e Antônio Miguel de Sousa, Jorge

ii

Liderada por Mônica da Costa, Cynthia Vanderlinde, Paulo Vildal, Leticia Von Krüguer

Pimentel e Isabelle Cury iii

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto. iv

https://siurb.rio/portal/home/

v

A possibilidade do IPHAN intervir no uso do solo é restrita, ocorrendo em casos

excepcionais, geralmente quando há ameaça à integridade do patrimônio cultural, mas sim é aplicada desde a perspectiva das possíveis morfologias ou tipologias a serem aplicadas. vi

Entorno dos bens tombados em Jacarepaguá: Igreja Nossa Senhora da Pena,

Aqueduto Juliano Moreira, Fazenda Engenho d’Água e Fazenda da Taquara. vii

Para essa análise temos utilizado o texto Environmental Systems and Public Policy da

universidade de Florida, traduzido pela UNICAMP (Odum, y otros, 1987 (ed. brasileira da UNICAMP)).

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