Sociologia Política e Comunicação: Recensão Crítica

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Recensão Crítica: A organização dos modelos de estudo do voto 1. Introdução O presente trabalho consiste na elaboração de uma recensão crítica que versa sobre a temática da organização dos modelos de estudo do voto à luz do conceito de método científico, da atitude científica assim como do âmbito temporal e dos fundamentos do método. Este desafio é realizado no âmbito da disciplina de Sociologia Política e Comunicação que integra o curso de Ciências da Comunicação, lecionado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Posto isto, a intenção da aluna passa por refletir criticamente sobre a temática aqui apresentada, a partir da bibliografia disponibilizada pela professora Paula Espírito Santo, bem como pelo conhecimento adquirido em aula. Para a concretização desta recensão devem ser destacados, devido à sua relevância, dois livros da autoria de Paula Espírito Santo. Nomeadamente a obra “Introdução à Metodologia em Ciências Sociais – Génese, Fundamentos e Problemas”, com especial enfoque no capítulo 1 que se intitula "Primeiros percursos, aplicações e desenvolvimento do método científico", bem como o livro essencial para a unidade curricular com o título “Sociologia Política e Eleitoral: Modelos e Explicações de Voto”, numa abordagem ao capítulo I da parte II, intitulado "Modelos explicativos, técnicas e problemas das decisões de voto”. No que diz respeito à estrutura do trabalho, à presente introdução segue-se uma pequena síntese dos livros indicados pela professora, na qual vão ser abordados os conceitos intrínsecos para o desenvolvimento do tema. De seguida, vai ser realizada uma análise crítica pela aluna, onde se pretende abordar a temática a partir de comentários levantados pela leitura dos textos acima referidos. Posteriormente serão apresentadas as conclusões, num pequeno apanhado relativo às ideias principais do trabalho. 2. Síntese De modo resumido, no livro “Introdução à Metodologia em Ciências Sociais – Génese, Fundamentos e Problemas” são analisadas as utilizações e a evolução do método, tendo em conta a importância dos conceitos de método e metodologia. Ao longo do primeiro capítulo é explicada a distinção entre as noções de método e metodologia aplicados às Ciências Sociais, com base nas propostas de vários autores que detiveram 1 Andreia Catarina Neves N.º 217864


um forte contributo na temática aqui explorada, sendo ainda feita uma alusão à evolução do termo no tempo e as mudanças efetuadas até ao presente. A autora explora também a noção de atitude científica e o âmbito temporal, naqueles que são os primeiros contributos sobre o método. Por fim, Espírito Santo aborda o fundamento do método numa perspetiva que abarca o caso da metodologia política. Por sua vez, na obra “Sociologia Política e Eleitoral: Modelos e Explicações de Voto” a investigadora efetua uma incursão às propostas teóricas de vários autores e, de grosso modo, demonstra as principais contribuições partilhadas relativamente à organização e tipologia dos modelos explicativos das decisões de voto, nomeadamente os modelos sociológicos e formais. 3. Análise Crítica/ interpretativa Em primeiro lugar, de forma a obter um melhor entendimento dos modelos de estudo do voto à luz do método científico, a aluna considera útil conhecer este conceito, devido à confusão recorrente entre as noções de método e metodologia, cujas definições podem ser por vezes pouco claras. Neste sentido, de acordo com Espírito Santo (2015), “o método procura traduzir uma conceção global de planeamento de uma investigação” (p.13), isto é, o caminho que é trilhado ao longo de uma investigação. Assim, a autora explica que este conceito implica “um caminho de investigação apropriado e validado face a objetivos, meios, resultados esperados da mesma e contexto de implementação, incluindo a definição e operacionalização de conceitos e a formulação de hipóteses” (Espírito Santo, 2015, p.13), que deve também compreender o planeamento e concretização de técnicas e procedimentos. Segundo os pareceres da investigadora ao longo deste ponto, os métodos devem ainda ser planeados e apropriados aos objetos de análise, de forma a que possa haver uma revisão crítica e permanente do conhecimento científico. Na sua obra, a autora faz questão de distinguir o conceito acima referenciado com a noção de metodologia, que por sua vez diz respeito ao “estudo sistemático dos métodos, concretizados em diferentes técnicas válidas e validadas permanentemente” (Espírito Santo, 2015, p.13). Isto significa que a metodologia expressa a organização racional da investigação e relaciona-se com a sua lógica interna. 2 Andreia Catarina Neves N.º 217864


Por conseguinte, a metodologia tem como finalidade o estudo dos métodos, ou seja, das etapas a seguir num determinado processo com o objetivo de conduzir uma pesquisa. Tem como finalidade analisar as características, eficácia e limitações do método, bem como criticar os pressupostos e implicações do seu uso. Denota-se, portanto, que a metodologia acaba por ser uma explicação detalhada, rigorosa e exata de todas as ações desenvolvidas a partir do método. Por sua vez, o método corresponde aos vários processos que são usados numa certa investigação de modo a chegar a um determinado objetivo, sendo normalmente constituído por várias etapas. Encontra-se, então, ligado à forma de agir, de proceder e consiste no processo de pesquisa e na recolha do caminho que irá levar ao objetivo pretendido. É considerado um processo racional e sistemático que implica o recurso a técnicas adequadas ao objeto de investigação. Ainda relativamente às noções de método e metodologia, a investigadora apoia-se nas contribuições de vários autores, entre os quais Holzner, de acordo com o qual Espírito Santo (2015) refere o papel do metodólogo na “avaliação da apropriação das técnicas, o que lhe confere simultaneamente para além da capacidade de implementar as mesmas, a capacidade para aferir acerca da sua eficácia e eficiência quanto à investigação científica” (p.14). Isto significa que ao metodólogo cabe não só o papel de conceber os planos apropriados à investigação, mas também ter um profundo conhecimento das técnicas a implementar. A autora faz ainda alusão aos primórdios da metodologia com base em Lazarsfeld e Rosenberg, cuja origem do termo metodologia “no seu uso original remonta à filosofia e concretamente ao ramo da lógica.” (Espírito Santo, 2015, p.14). Com a falta de capacidade por parte da filosofia em dar reposta a este conceito, é concebida uma mudança de atitude científica, em que a metodologia passa a ser tida como “a consideração dos campos genéricos em ordem à validade dos procedimentos e sistemas científicos” (Espírito Santo, 2015, p.15), não sendo considerada nem uma disciplina completamente filosófica ou científica. Segundo Chauí (1995), “a ciência desconfia da veracidade das nossas certezas, da nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade” (s.p.), 3 Andreia Catarina Neves N.º 217864


acrescentando que nos locais onde se observam factos e acontecimentos, a atitude científica atenta problemas e obstáculos que necessitam de explicações. Neste seguimento, a autora defende que a atitude científica atua no sentido de “desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos” (Chauí, 1995, s.p). Tendo em conta esta definição de atitude científica, Espírito Santo (2015) afirma na sua obra que o impacto da I Guerra Mundial motivou “o interesse e reflexão de estudiosos interessados não apenas na ciência como no desenrolar do caminho a seguir pela humanidade” (p.16), sendo por isso um período particularmente importante para a temática em causa. Albert Einstein foi um grande contributo neste âmbito, cujas “descobertas trariam orgulho à comunidade científica e à sociedade em geral e renovariam o interesse pela ciência e pelos seus impactos na construção e reflexão humana” (Espírito Santo, 2015, p.15). Também Freud “produziu vários escritos com reflexões suas acerca dos acontecimentos recentes e das suas causas em termos, essencialmente, psíquicos, sociais e políticos” (Espírito Santo, 2015, p.16) e que tiveram grande impacto na comunidade. No capítulo aqui referido, a investigadora aponta o período de pós-guerra como impulsionador na procura da objetividade nas ciências sociais, mas também do papel crítico no conhecimento científico. Desta forma, num ambiente marcado pelo intenso sofrimento e pelas dificuldades passadas tanto a nível social, político e económico, pode concluir-se que “a ciência e, naturalmente, o seu método constituíram uma luz de esperança, em termos de debate científico” (Espírito Santo, 2015, p.17), cujas soluções tinham em vista restaurar a confiança no futuro e na humanidade. Por sua vez, as primeiras abordagens relativas ao método nas ciências sociais dizem respeito às contribuições apresentadas nos finais da década de 50 do século XX. Esta época representa um marco, já que o “método passa a ter contornos diferentes em termos qualitativos e quantitativos” (Espírito Santo, 2015, p.17). Segundo as noções expostas pela autora do livro, é a partir desta data que o método começa a consolidar abordagens e posições e passa a crescer e forma exponencial.

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Tendo em conta o momento histórico acima assinalado, é também a partir desta época que os países envolvidos na guerra começam a experimentar melhores condições para a produção científica devido a uma maior estabilidade política, social e económica. Com isto, “gera-se um sentimento de vitalidade e entusiasmo académico propício a um maior amadurecimento aos níveis teórico, metodológico e experimental” (Espírito Santo, 2015, p.18). A autora ressalta ainda o facto de o desenvolvimento do método ter assentado, “em grande parte, nas primeiras tentativas de sistematização e aplicação do método em diversas áreas no âmbito das ciências sociais (Espírito Santo, 2015, p.18). As técnicas que foram desenvolvidas e que mostraram maior relevo consistiram em entrevistas, os inquéritos e sondagens, as escalas e a análise de conteúdo. No que diz respeito aos fundamentos do método, a autora escolheu mais concretamente como área de atuação a metodologia política, por ser um dos campos pertencentes às ciências sociais com menor investimento. As primeiras referências aos fundamentos do método, tendo em conta a ciência política remontam para a década de 20 do século XX com os contributos de Heller e Kepler. De acordo com a autora, “as técnicas que as ciências políticas empregavam tinham já um legado científico importante de outras áreas das ciências sociais (antropologia e sociologia), caso das sondagens de opinião” (Espírito Santo, 2015, p.24), o que significa que algumas técnicas foram transpostas para o campo da ciência política, ao qual se adicionou o método comparativo e a teoria das escolhas racionais aplicados à ciência política que têm sido duas das abordagens com maior destaque em termos de método. Tendo em conta o livro “Sociologia Política e Eleitoral: Modelos e Explicações de Voto”, parece importante para o desenvolvimento da presente recensão fazer alusão a Mayer (1997), Servais (1997), Freire (2001) e Morton (1999), autores que investigadora emprega na sua obra de modo a elucidar o leitor relativamente à elaboração de organizações de tipologia de modelos. Assim, de acordo com Espírito Santo (2006), a designação de modelo diz respeito ao “conjunto de soluções que numa e outra tipologia (…) além de um suporte metodológico comum e diferenciador entre si, têm também uma base e identidade teórica” (p.165).

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Posto isto, são estas características que fundamentam e representam os fenómenos, tendo em conta os seus traços analíticos e interpretativos. Espírito Santo assenta em dois modelos explicativos das decisões de voto na sua obra, nomeadamente os modelos sociológicos e os modelos formais. Segundo a autora, a escolha por esta classificação justifica-se devido à “procura da sua simplificação em áreas chave de forma a motivar a facilidade analítica” (Espírito Santo, 2006, p.164), bem como “destacar uma linha comum em termos teóricos, colocando em evidência a base analítica das contribuições teóricas que predominam em cada um destes tipos de modelo”. (Espírito Santo, 2006, p.164). Com base no aqui exposto, aos modelos sociológicos predomina um suporte de natureza estatística, enquanto que aos modelos formais configura.se um conjunto de recursos teóricos de natureza lógica e formal com um grande suporte matemático. Aos modelos sociológicos recorre-se ainda essencialmente à aplicação de inquéritos e sondagens à opinião pública que “constituem um mecanismo fundamental de informação e de formação social, cultural e política, com impacto notório sobre a opinião pública, em termos de representação e imagem do sistema político” (Espírito Santo, 2006, p.165). De um ponto de vista mais crítico e com base no que foi disposto acima, é possível afirmar que os modelos explicativos a que a autora faz referência, estão ainda hoje na identificação e na origem das propensões e motivações da ação política. Figueiredo (2014), acrescenta também que “os ingredientes relevantes que compõem o processo decisório dos eleitores são as propensões e as motivações individuais para a ação política, socialmente condicionadas” (p.213). Inicialmente, o tipo de análise utilizada na ciência política era essencialmente do tipo descritiva, no entanto, o desenvolvimento das ciências naturais levou a que os métodos a aplicar ganhassem uma maior objetividade e resultassem num maior entendimento das atitudes e do comportamento político. É a partir da decisão de voto e pelo singelo ato de indicar num papel uma sigla partidária ou nome próprio, que a população tem o poder de constituir e eleger representantes para o seu país. É também a partir deste sistema que os indivíduos ganham a capacidade de transferir as suas próprias motivações e delegam a autoridade de tomar a decisão de votar num determinado partido ou pessoa em detrimento de outro. 6 Andreia Catarina Neves N.º 217864


Segundo Figueiredo (2014), o “voto traz embutida uma declaração de vontade, de aspiração ou desejo de ver realizar-se alguma coisa” (p.211). Com isto, o entendimento dos modelos e dos processos sociais, levam a perceber as motivações que surgem nas decisões de voto e no comportamento político dos eleitores. São também os modelos explorados na obra de Espírito Santo que tornam possível interpretar as escolhas da população, bem como obter um maior entendimento daquilo que a motiva, feito a partir de técnicas que incluem a aplicação de inquéritos e sondagens à opinião pública. O comportamento eleitoral depende então das preferências que cada indivíduo tem e que são transversais às várias áreas da sua vida, embora as suas escolhas e atitudes sejam socialmente condicionadas. Com isto, embora um sujeito seja um consumidor, trabalhador, estudante e detenha atributos que o individualizam, é também a sua história social que contribui para a decisão deste se tornar ou não eleitor e afeta o partido ou o nome em que opta por votar. Neste sentido, “a vida social, na sua totalidade, é uma decorrência lógica de como certos subconjuntos de atributos sociais condicionam o comportamento de indivíduos e de grupo” (Figueiredo, 2014, p.212). Deste modo, são vários os fatores que influenciam a decisão de voto e que expressam a vontade e a opinião do indivíduo. Tendo em conta a conjuntura atual, são todas as dúvidas, incertezas e angústias, bem como as esperanças que afetam o nome e o partido em quem a população vota. Embora sejam muitas as técnicas e análises estatísticas que existem tanto em Portugal como noutros países com vista a perceber o comportamento dos eleitores e as razões que influenciam o voto, é da opinião da aluna que a variedade de perceções, condicionantes geográficas, sociológicas e económicas tornam difícil obter um entendimento claro do político ou partido em que a pessoa vai votar. Exemplo disso é caso das eleições de 2016 nos Estados Unidos da América, cujas sondagens colocavam a candidata democrata, Hillary Clinton, em vantagem sobre o republicano Donald Trump que acabou por ganhar as presidenciais no país. A vitória do candidato republicano sucedeu assim, contra todas as previsões. Isto significa que atualmente as sondagens enfrentam vários desafios como a dificuldade de chegar a alguns grupos de eleitorado tais como os mais jovens e as pessoas 7 Andreia Catarina Neves N.º 217864


mais idosas, muito a ver com a crise vivida nos dias de hoje pela comunicação social e pela rápida difusão de informação pelas redes sociais, resultado do rápido crescimento da web. No entanto, embora por vezes as sondagens possam não refletir a realidade num certo momento devido aos vários fatores que influenciam a decisão de voto, tais como os planos social, cultural, étnico e religioso, Espírito Santo (2006) afirma que “a auscultação das opiniões públicas possibilitada por aquelas técnicas é o motivo principal que as desencadeia, mas, certamente, que não é indiferente aos decisores políticos a influência que os seus resultados representam” (p.165). Estes estudos detalhados que dizem respeito às motivações e decisões individuais de voto e que tornam possível obter informações sobre os processos individuais de tomada de decisão eleitoral, são ainda muito importantes para que os decisores políticos possam ter noção daquilo que a opinião pública pensa, de forma a ir ao encontro das suas necessidades e poder sensibilizar mais pessoas no sentido de votarem no seu partido e tomar uma decisão eleitoral que lhes seja favorável. 4. Conclusão Em forma de conclusão, as obras que a aluna analisou contribuíram grandemente para o desenvolvimento desta recensão crítica pois os modelos explorados por Espírito Santo influenciam as decisões eleitorais da população. Ao longo deste trabalho foi também possível perceber a importância que o método científico tem na compreensão das motivações individuais de cada eleitor, a partir da aplicação de estatísticas e inquéritos e sondagens à opinião pública. Desta forma, os conceitos acima explorados que incluem a atitude científica, o âmbito temporal e os fundamentos do método, são cruciais para obter uma melhor compreensão dos motivos que se encontram por trás do comportamento eleitoral que é condicionado por vários fatores, resultado de tradições e histórias sociais, bem como educação e razões de natureza económica e religiosa.

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5. Referências Bibliográficas — Chauí, M. (1995). A atitude científica. Convite à filosofia. 8ª ed. São Paulo: Ática. — Espírito Santo, P (2015). Introdução à Metodologia em Ciências Sociais – Génese, Fundamentos e Problemas. Lisboa: Sílabo. — Espírito Santo, P. (2006). Sociologia Política e Eleitoral: Modelos e Explicações de Voto — Figueiredo, M. (2014). A decisão do voto.

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