Revista Alternativa L

MARÇO | 2021 ANO 7 | ED.21

CARA LEITORA, Se você discorda das opiniões expressas nesta revista, escreva-nos.

Estamos dispostas a publicar sua opinião com o mesmo título como “segunda visão”. Dispomos de um espaço especialmente para você leitor(a).

Esta revista reserva-se no direito de resumir os textos e estes, sem identificação (nome e email) serão desconsiderados.

CRÉDITOS Realização Equipe Alternativa L Foto de Capa Isabele Liberalino Modelo Andressa Habyak Revisão de textos Luana Farias Costa Design Gráfico Ananda Feliciano

FACEBOOK - RevistaAlternativaL INSTAGRAM - @AlternativaL E-MAIL - Alternatival.revista@gmail.com

APOIO

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL EM TEXTOS Paula Frison | Renata Kelly Débora Maranhês | Gabriela Ferreira Camila Evangelista | Brenda Urbina Vêronica Monteiro | Daniele Aragão Luana Primari | Vivian Khataryne Marina Z. Hall | Bruno Sprout Maria Fernanda Franchi | Maria da Silva Nay Rosário | Débora Mestre | Amanda Rocha

NOTAS DA REDAÇÃO A Revista Alternativa -L entra na sua 7ª temporada e mantém a política de abranger em suas páginas todas as inquietações da sigla LGBTIQA+.

Em 2021 tem apoio da LEI emergencial ALDIR BLANC edital 02/2020. Faz parte desta temporada o programa de entrevistas online BR SAPATÃO.

SUMÁRIO 04

DO QUE É FEITO UMA FAMÍLIA ?

06

07

PATERNIDADE

TRAJETÓRIAS

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ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS VEGANOS

CARTAS PARA A SAPAS

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EU NÃO SOU GAY!

DE MÃOS DADAS

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A ESCRITORA MÃE

CARTA PARA LUNA

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EDITORIAL

O QUE TEM DENTRO DA CAIXA ?

PRESSÃO BAIXA

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HOMOFOBIA VELADA

CARTA PARA ALICE

24 26

O SURTO

4 CARTAS

27 28

CARTA QUE NUNCA VOU TE ENTREGAR

CARTA PARA O AMOR

29 30

ESCREVI UMA CARTA DE NÃO-ADEUS

CARTA PARA TI

31 33

CARTA DE DESABAFO - PARA MIM MESMA

BIBLIOTECA PARA LÉSBICAS

34 36

A MULHER QUE PAIRA COM OUTRA MULHER

E D I TO RI AL

Bem vindes à 7ª temporada da Revista Alternativa-L. Nesta temporada teremos duas edições físicas e três on-line. A primeira edição da temporada vem recheada de LIBERDADE, tema foi simplesmente: Lésbicas e bissexuais, escrevam.

Durante a quarentena, que já dura praticamente 10 meses, voltei à escrita terapêutica, pois lembrei o quanto é libertador escrever nossos sentimentos no papel. Esses sentimentos são melhor observados na terapia quando escrito à mão. Os textos, na maioria, trazem vivências empíricas ou imaginárias de lésbicas e bissexuais brasileiras. O momento de execução desta edição é durante a pandemia de pneumonia SARS-COVID-19 que aniquila a vida de milhares de pessoas ao dia no Brasil. A esperança ronda nosso quintal, pois mais de quarenta países começaram a vacinação no mundo, enquanto esperamos egos políticos desinflarem e decidirem tudo com passos lentos e sem vontade.

Apesar de tudo, escrevemos nossas histórias e marcamos nosso lugar na memória da humanidade, na seção cartas; tenho um convite para você: ESCREVA, LÉSBICA, ESCREVA! No fechamento desta edição éramos 300.000.00 MIL brasileiros/brasileiras mortos por complicações da COVID-19. - 3000 mortes ao dia!

Boa Leitura - Equipe Alternativa L

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Do que é feito uma Família ?

Por Paula Frison De carga genética? “olhos do pai, ou nariz da mãe, cabelo da avó, ou ainda do sinal de família na sola do pé esquerdo?

Por que ainda nos pegamos buscando as semelhanças físicas do bebê que acabou de nascer, transformando o pequeno em uma verdadeira colcha de retalhos? olhos do pai, nariz da mãe, cabelo da avó, pintinhas da família... nada é dele.

E nesta busca desenfreada pelas semelhanças e ou igualdades da carga genética, discriminamos, subjugamos as famílias de verdadeiras ou falsas, como se o DNA definitivamente fosse o único responsável por criar e manter uma família. Nestas inquietações trouxemos para vocês dois relatos de maternidades.

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Mas e o óvulo, é de quem?

Ué, e isso importa? Você pergunta isso a um casal heterossexual? Aposto que não, e olha que conheço casais hetero que fizeram FIV usando óvulo doação, ou seja, óvulo de outra mulher!

Enfim, legitimar a dupla maternidade não deveria se limitar a óvulo, genética, mas sim ao amor que trocamos, a dedicação e cuidado de ambas!

Como sempre digo por aqui, senão fosse pela Ca, não seríamos!

Não importa se o óvulo é meu ou dela, se parece ou não com uma de nós duas. Maternidade vai muito além, é cuidado, amor, afeto, carinho, dia a dia, desejo, sonho e tanto mais!

E tudo isso vivemos juntas, num emaranhado tão lindo que deixa de lado tudo aquilo que é de fato um detalhe!

Com muito orgulho por ser lésbica, sapatão, eu, Paula Frison.

Então a partir de agora, quando encontrar um casal de mulheres com filho não se limite a perguntar de quem é o óvulo, mas sim as parabenize pela força de lutar contra um sistema tão castrador para viver o sonho da maternidade!

PATERNIDADE Por Renata Kelly

Vou contar para vocês um pouco da minha vivência e experiências como lésbica numa sociedade machista e hipócrita.

Apesar de ser mulher eu nunca me imaginei grávida ou mesmo amamentando, mas nem por isso eu deixei de almejar uma família.

Tudo que eu mais queria era ter uma esposa e se não fosse pedir muito, pelo menos um filho, sabe alguém importante pra você, aquela pessoinha que se torna a razão de todos os seus esforços?

Casei e minha esposa trouxe seu filho mais novo (com 3 anos) pra morar conosco, nossa família se iniciou ali.

Foi quando começamos, eu e minha esposa, a ouvir coisas do tipo:

O que vai ser da cabeça desse menino? Como ele vai crescer? O que ele vai pensar? E a pergunta mais bizarra: O que ele vai achar (entender) de duas mulheres compartilhando a mesma cama?

Confesso que irritada respondi com uma pergunta a uma das pessoas que me questionou quanto a essa última questão.

Por que vocês heteros fazem sexo na frente dos seus filhos? Quer saber ele não tem que entender e nem achar nada porque se trata de uma criança e criança não tem que saber esse tipo de coisa.

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Me casei no civil e assim que foi possível o incluí no meu convênio médico e me tornei responsável por seu bem estar, educação, segurança, lazer, esporte, tudo.

E deixei claro que a partir daquele momento o João pode fazer presentinho de dia das mães para ela e para mim, e de dia dos pais também.

Aí veio o primeiro Dia dos Pais na escola e a pergunta foi: ...e aí João você vai fazer o presentinho do Dia dos Pais para seu padrinho ou pro vovô? Mais um ano e eu muitas vezes saía correndo do trabalho para buscá-lo na escola, o levava nas atividades de futebol, capoeira e posteriormente ballet.

No ano seguinte a essa conversa (2020) a Natura coloca o Tammy na propaganda de dia dos pais e lá vem as publicações em redes sociais dizendo que pra ser pai tem que ter pau.

Passei noites acordada com ele doentinho. E sempre que precisa médico, dentista, tudo eu estou aqui por ele. Mais um segundo domingo de agosto e mais uma vez o presentinho tem que ser do vovô.

Até que um dia isso já no 4 ano deles comigo eu vi um colega meu ganhar o presentinho de dia dos pais e nem notar que ali na caneca tinha a foto do seu filho e isso mudou minha visão das coisas e trouxe essa questão pra nossa mesa.

Questionei minha esposa: por que pra receber uma homenagem de dia dos pais precisa ser um homem? Eu deixo o papel de pai pra qualquer um que registre um filho, isso realmente é papel, mas a função de pai vai muito além disso.

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E eu me pergunto qual o mérito desse pai seria mesmo seu órgão genital? E isso que são para seus filhos? Um pênis? È sério?

Portanto eu sou uma mulher e sim eu sou pai.

trajetórias Gabriela Ferreira Mendes

Por muito tempo na minha adolescência acreditei que minha sexualidade era um defeito, que era vergonhoso e errado gostar de garotas. As pessoas ao redor falavam muito mal de pessoas LGBTQ+, que elas eram pecadoras, promíscuas e queriam que os outros a aceitassem “goela abaixo”. Sem falar nos diversos discursos de ódio disfarçados de piadas e brincadeiras sem graça nenhuma.

No começo do meu processo de questionamento sobre para quem dirigir meus afetos, lembro de uma professora na escola executar um projeto. Não me recordo o título, mas nunca esqueci a motivação e o conteúdo dele. A docente havia escutado uma conversa entre alunas do nono ano e uma delas tinha dito que havia dado selinho em todas as suas amigas. A professora ficou horrorizada com o relato e decidiu aplicar algumas aulas em todo o ensino fundamental II sobre o porquê não deveríamos nos envolver com pessoas do mesmo sexo e que o normal eram relações heterossexuais porquê essas eram abençoadas por Deus. Mais uma vez, senti que o meu desejo era errado, digno de nojo e julgamentos. Então, decidi escondê-lo.

O armário parecia seguro.

Basicamente, eu não me envolvia com ninguém. Tinha muito receio de me relacionar com mulheres e alguém descobrir, bem como não queria ficar com meninos porquê sabia que não era daquilo que gostava e teria relações de fachada. No ensino médio, eu trabalhava, era representante de turma, aluna exemplar e a amiga que todos os pais gostariam que os filhos tivessem. Imaginei que se as pessoas soubessem o que eu sentia, eu perderia tudo e iria ser vista apenas como mais uma sapatão depravada. Mas aí chegou a época da faculdade, passei no ENEM em uma universidade pública e iria mudar de cidade.

Vi nisso uma grande oportunidade para enfim ser quem eu realmente era e viver minha vida como gostaria, e assim o fiz. Abri o jogo com os amigos e meu pai (minha mãe e irmã já sabiam sobre minha orientação e foram super acolhedoras, obrigada por isso, inclusive). Em termos de saldo, a maioria dos meus amigos permaneceram do meu lado e nada mudou, apenas duas “amigas” se afastaram.

Sobre meu pai, no início ele ficou receoso e veio com um discurso sobre discrição, mas ele vem evoluindo com o tempo e hoje em dia quer conhecer minhas namoradinhas. A universidade foi mágica porque me proporcionou vivenciar algo que sempre quis, assim como eu conheci diversas pessoas da nossa comunidade por meio de Coletivos, as quais se tornaram minha rede de apoio. Foi e ainda é um processo de aprendizado contínuo e de muita desconstrução, mas não estou mais sozinha e me empodero a cada dia.

E o mais importante, agora eu sei que não tem nada de errado comigo, o meu amor é válido e bonito de se viver e expressar.

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Alimentos ultra processados veganos Avanço ou Retrocesso?

Por Camila Evangelista

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Recentemente uma discussão tomou conta das redes sociais, a produção de um alimento similar a carne de origem animal impresso em 3D. Muitos veganos defenderam que era um grande avanço por se tratar de um produto sem sofrimento animal e mais saudável.

Será mesmo?

Alimentos ultra processados são aqueles que você olha a composição e quase todos os ingredientes parecem mais retirados de livros de química do que ingredientes culinários. Eles vendem de mercadinhos a hipermercados por todo o Brasil.

Os ultra processados fazem parte da alimentação da população mundial há décadas e são associados ao aumento de diversas doenças, entre elas diabetes, hipertensão arterial, hiperlipidemia e diversos tipos de câncer.

Existem alimentos ultra processados vendidos como mais saudáveis, mas na maioria dos casos ocorre o acréscimo de ingredientes saudáveis (farinhas integrais, por exemplo) e não a redução dos aditivos alimentares (aqueles nomes que você não faz ideia do que sejam).

Com o crescimento mundial de pessoas que se declaram veganas,

as grandes indústrias alimentares viram um nicho para expandir sua dominação. Perceba que nos últimos anos frequentemente temos novos alimentos ultra processados vegetais sendo lançados.

Esses alimentos ultra processados realmente podem não ter sofrimento animal envolvido, mas devemos pensar se isso realmente traz algum benefício ao nosso corpo, nossa vida e ao meio ambiente.

O único avanço nessa empreitada de produtos ultra processados veganos é economia para as grandes indústrias que o veganismo em sua essência luta contra.

O Guia Alimentar Para a População Brasileira foi lançado em 2014, ele é um marco para a alimentação e nutrição do nosso país. Nesse guia é estimulado o consumo de alimentos in natura (frutas, verduras, legumes, leguminosas e cereais em geral) e desaconselhado o consumo de alimentos ultra processados.

Pelo ano de lançamento, foi antes de toda essa “revolução vegana” que as grandes indústrias aproveitaram para aumentar seus lucros.

Mas a recomendação segue mais atual que nunca. A base da alimentação, seja para onívoros ou veganos, deve ser alimentos in natura e não ultra processados.

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Cartas para as Sapas

Caras Sapas, tomara que um dia possamos, sem medo, nomear as cicatrizes e falar sobre o que nos dói e o que nos marca.

Tomara que esta folha consiga acalmar o fogo que meu peito lança: respeito, visibilidade e re(ex)sistência pela vida de cada mulher que ame a outra mulher, tomara que tudo caiba neste lençol tão desprovido de calma.

Eu não posso deixar de sentir o que sinto, e depois de tantos anos querendo reinventar a mentira do meu desejo, venho abrir o meu peito para que todas as minhas amoras possam caber dentro, aquelas com corpos quebrados que não encontram conforto, aquelas que acreditaram na história das princesas que se amam por conta do feitiço da bruxa e o segredo do desejo.

Venho abrir o meu peito para que vocês possam sentir um refúgio de calma. As corpas são nossas, tudo veio delas: as danças, os desejos, as canções, a poesia.

Nossa corpa é o legado perfeito da existência. Sou uma mulher que ama outra mulher e amar assim é lindo, nossos braços configuram o ritual perfeito para nos encontrarmos, para sabermos que amar como amamos é necessário.

O amor tem força própria e nos coloca em um lugar predileto: ali onde o céu não tem forma e o corpo não tem peso, o amor não precisa de apresentações nem de ousadias, precisa de seios bem abertos para viver sem segredos. Vivemos tão cercadas de rejeição, proibição e de tanta cutucada que hoje preciso de um pouco de incentivo para engolir a tarde que está me deixando no fio da escuridão e que foi se desenhando no meio do meu braço. Pedaço de calma.

Ser mulher e amar outra mulher representa uma esperança para enxergar um horizonte mais cálido, onde ninguém tem medo de dizer em voz alta que uma mulher satisfeita é uma luz diante tanto desprezo, diante tanta obsessão com a procriação, diante de tanta indiferença pelos direitos do próprio corpo.

Amigas Sapas: não sei se concursarei por uma vaga no céu que estará tão cheio de “Messias” que dizem que amam à Deus mas queimam a sua criação sem piedade, mastigam e cospem as dores alheias e que assassinam à esperança em forma de Marielles, upa, desculpe... quis dizer Mulheres.

Se assim for, não quero o perdão de Deus, nem de nada, nem de ninguém. Eu simplesmente amo uma mulher sendo mulher, e daí?

Salvador da Bahia, 2019.

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Por Favor, não me solte!

Disseram-me: grite, mas grite silenciosamente para que ninguém ouça o que você está sentindo, e eu fiz do meu mundo um mundo secreto e, escondida até de mim mesma, tive medo de deixar de ser simplesmente EU. Nos treinaram para nos sentirmos ameaçadas pela diferença, mas se nós mesmas somos “as diferentes”, estamos condenadas a ser nossa própria ameaça?

Eu sou uma mulher que ama outra mulher, deveria a sociedade me condenar por isso? <<Ela caminhava de mãos dadas com a sua namorada, duas adolescentes de 17 anos. Ela pegou a mão dela e gritaram em silêncio. Quem teria pensado que elas seriam a figura do repúdio e da aversão por apenas se-amar? As duas juntas: ela olhava para ela, sorriam uma para a outra e gritavam de novo em silêncio com os olhos bem abertos como se pudessem-se beijar inocentemente no meio da rua. Todo mundo pensa que sabe o que uma mulher sente quando ama outra mulher, todos acreditam que poderão lhes compor o desejo, como se este tivesse algum defeito. Os olhos que condenam as fizeram largar as mãos de medo, mal tocavam apenas os dedos tímidos e, como era de esperar, a rejeição desabava diante de seus pés: Rachadura de casca branca na ponta do pé, como se fosse a sentença por algo muito grave: Gema infértil em forma de ódio.

Gritaram em silêncio, frias na calçada, enquanto uma multidão de pessoas gritava com raiva insultos e insinuações sexuais, depravações, humilhações voaram pelos ventos.

Ela manteve os olhos fixos nos dela. E ela fechou os olhos, deixando tudo passar, aí Ela disse para ela “por favor não me solte”. Duas adolescentes ao sol em uma rua movimentada, duas meninas que tiveram a sorte de se enfrentar a projéteis de ovo e não de plomo.

Naquele dia foi quebrado aquele juramento heteronormado, que quem sabe quem fez em nome de todas as mulheres.

Depois de tirar tanta casca branca que recobre ao ovo, a mesma que usamos para disfarçar e enganar, hoje o ventre grita, sem culpa: Sou eu que sinto amor e decido quem vou amar. É preciso mostrar a cor da pele para não viver fingindo, não se esconder e para que um dia, abrir o peito deixe de ser uma ameaça e os cantos de todas as histórias de amor entre mulheres, vibrem como borboletas esvoaçando uma tarde depois da chuva.

Eu? Eu não tenho vergonha do meu amor. O meu amor é tão bonito, que foi feito para ser amado. Ao silenciar nossas dores, normalizamos a violência.

Brenda Urbina

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Eu não sou Gay! Por Verônica Monteiro

Um dia, eu e minha esposa, que à época era minha noiva, estávamos em um bar da nossa cidade. Hétero, é claro, pois inacreditavelmente todo bar LGBTQIA+ que abre por aqui, tende a fechar. Não posso afirmar com certeza, mas talvez isso tenha alguma relação com o fato de que mais de 80% dos votos do segundo turno tenham sido no Jair Bolsonaro, mas enfim, isso é pauta pra outra hora. Seguindo meu relato, estávamos no bar e curiosamente o dono, em um certo momento, nos perguntou se éramos gays.

Eu não soube o que achar daquela pergunta e instintivamente respondi “não”. Mas ao mesmo tempo em que eu disse não, minha esposa respondeu que sim. Não me levem a mal, eu não estava querendo esconder quem sou e o amor que sinto pela minha mulher, eu apenas afirmei que não sou gay. E não sou mesmo, eu sou lésbica. O dono do bar, achando graça da situação, disse que tudo bem ser gay ali, havia até um grupinho de amigas gays dele que frequentavam o lugar e todo mundo respeitava.

Confesso que sou uma pessoa de “poucos amigos”, sou séria com quem não conheço e meu rosto deixa claro que não estou pra papo. Um pouco irritada com a situação, apenas expliquei que o termo gay não me define, e olha, depois de dizer isso, me senti uma militante do Twitter porque até minha esposa disse que era só uma palavra, ambos concordaram que usando a palavra gay, ficava mais fácil e natural de explicarmos.

A questão é que ser lésbica é lutar todos os dias por espaço, voz e respeito. Além do preconceito sofrido pela nossa orientação sexual, somos diariamente vítimas do machismo. Todo o meu respeito à comunidade gay, mas aperto a mesma tecla de que minha realidade é diferente. Não estou aqui para comparar o que é melhor ou pior, estou aqui para explicar o motivo pelo qual eu bato no peito e falo que sou lésbica com todas as letras.

Em 2008, ocorreu a primeira Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT), em Brasília, onde foi anunciado que haveria uma mudança na nomenclatura do movimento. A sigla que antes era GLBT, passou a ser LGBT, com a palavra “lésbicas” aparecendo em primeiro lugar. Isso porque de acordo com o presidente da Associação Brasileira, até então, GLBT, a mudança atendia a uma antiga reivindicação das lésbicas que são discriminadas por serem homossexuais e por serem mulheres, além, é claro, de seguir o padrão internacional.

A luta por visibilidade lésbica é antiga. A troca de posições de letras aconteceu quando eu tinha apenas 12 anos, mas até hoje, 12 anos depois, muitas vezes o L é esquecido, apagado e silenciado, muitas vezes dentro da própria comunidade lésbica ou LGBTQIA+. Ser mulher, lésbica, entendida e orgulhosa é também um posicionamento político. É tornar claro a existência de um grupo de pessoas que, por maior que seja, ainda hoje vive na sombra de homens, sejam eles hétero ou gays.

Não me autoproclamar gay foi uma escolha pessoal, foi uma escolha em respeito à história de todas as mulheres lésbicas que vieram antes de mim e foram desacreditadas, foram espancadas, foram forçadas a viverem em um relacionamento heterossexual, foram estupradas para serem corrigidas e por vezes mortas, entre outras inúmeras situações. É em respeito à história delas, à minha história e em suporte e visibilidade para a atual e a futura geração que eu insisto em resistir. Eu não sou gay, eu sou lésbica!

E VOCÊ?

De mãos dadas Por Luana Primari

Ela gostava de andar de mãos dadas.

A sensação de outros dedos entrelaçados com os seus eram tão reconfortantes quanto a sensação do abraço após o orgasmo quando estavam na cama.

Não importava se estava com Mariana ou com Vitor, para ela a qualidade das relações eram equivalentes. Ela nunca tinha vivido algo assim. Não tinha programado, mas também não apresentou resistência quando percebeu que era capaz de conversar sobre tudo com eles desde política, sexo, religião, time de futebol até gostos culinários e que mesmo quando as opiniões eram contrárias o respeito que tinham um pelo outro não mudava em nada o teor do relacionamento. O seu corpo também não ofereceu resistência diante do toque, proximidade e o prazer que ambos lhe proporcionavam.

Tudo fluiu naturalmente e naquele momento se tivesse que escolher entre um e outro, escolheria nenhum. Não considerava o que viviam um triângulo amoroso já que, apesar de não se conhecerem, Mariana sabia sobre Vitor e Vitor sabia sobre Mariana.

Nenhum dos dois sabiam quem havia chegado primeiro. Mais do que isso sabiam que a existência de um não anulava a existência do outro. Havia respeito mútuo e isso era o suficiente para que fossem felizes. Naquele período de férias quando ela enfim teria tempo de sobra para os dois, combinaram que cada um teria uma semana, começando pelo Vítor. Era a primeira vez que experimentariam uma convivência mais prolongada, diferente dos encontros em bares, restaurantes e motéis como estavam acostumados. Após a terceira noite saíram para caminhar até a padaria para tomar o café da manhã, mas Vitor olhou o relógio e já marcava 11h30. Caminharam em vão. Passaram em frente a uma escola onde os pais estavam buscando os filhos, uma igreja com os seus fiéis à espera da missa do meio dia, o mercado com muito entra e sai após o anúncio das promoções relâmpagos.

As mãos sempre dadas e os dedos sempre entrelaçados. Ida e volta despercebidos pela multidão com os dedos se acariciando no embalo da caminhada enquanto conversavam sobre as trivialidades do dia a dia. Com Mariana, depois de uma noite curta demais para recuperar a saudade de uma semana inteira, decidiram aproveitar a manhã tomando o café na tal padaria.

Fizeram o mesmo caminho, saíram com as mãos também entrelaçadas, mas o mercado ainda estava fechado às 7 h. Há uma quadra da igreja Mariana deixou os seus dedos livres. Ela não entendeu.

Longe das dezenas de fiéis novamente as mãos se encontraram. Há poucos metros da escola o calor da mão de Mariana novamente deixou sua mão sozinha, naquela brisa gelada da manhã. Ela novamente não entendeu. Elas seguiram a caminhada, sem dedos se entrelaçando e dançando seguindo o embalo da caminhada. Achou melhor não questionar Mariana durante o café, mas decidiu que no retorno não voltaria com a mão livre, as pontas dos dedos geladas sem ter outra mão para se aquecer. Há poucos metros da escola, quando Mariana tentou libertar os seus dedos ela se opôs e apertou forte impedindo que aqueles dedos se afastassem dos dela. Percebeu olhares de reprovação e surpresa. Quando passaram em frente a igreja, novos olhares de reprovação e cochichos com a saída dos fiéis após o sermão “Amai-vos uns aos outros”.

As mãos suadas continuaram juntas e Mariana parecia não fazer mais oposição. Ela então já não se sentia mais segura e a sensação de outros dedos aquecendo os seus já não era mais tão reconfortante. O mercado já estava aberto e ao se aproximarem foi a sua mão que libertou a mão de Mariana, os seus dedos que decidiram seguir o embalo sozinhos na brisa gelada da manhã. Naquele momento percebeu que havia uma diferença entre estar com Vitor e Mariana e seguiram o restante do caminho de volta para casa aquecendo os dedos nos bolsos da jaqueta jeans que vestia.

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A escritora Mãe Por Danielle Aragão

Estive por um tempo pensando em um tema para a sapatão aqui escrever, querendo me afastar um pouco do clichê romântico de mulheres e suas saídas de armário que estou acostumada a escrever.

Pensei no constante dilema das pessoas que pensam em expor seus pensamentos e não se sentem seguras para tal.

Creio que isso aconteça a todo escritor em começo de carreira, como aconteceu comigo. Estava disposta a escrever sobre tal tema até me acontecer o que todo mundo teme nos dias de hoje.

Vou contar a minha história e gostaria de receber um pouco de compaixão telepática de onde quer que você esteja lendo isso.

Era tarde de domingo e eu, despois de muito relutar, havia sentado para escrever os dois últimos capítulos da segunda parte do meu livro mais recente.

Tudo estava fluindo muito bem, com os acontecimentos finais se afunilando para culminar no ponto final. Eu tinha um sorriso no rosto de satisfação de mais uma vez, vencer minhas procrastinações e sabotagens.

Não posso dizer que estava 100% satisfeita com o final da estória. Preciso explicar que o livro que estou escrevendo se divide em três partes que se unirão ao final. Por esse motivo, o fim dessa segunda parte deve ter cara de final, mas se encaixar perfeitamente no co16

meço da terceira parte. Porque eu fiz isso? – Simplesmente porque eu adoro quando as coisas têm um caminho sinuoso, diferente do que as pessoas normais tomariam. Gosto do diferente e desafiador.

O que eu não procuro é que o imprevisto não esteja no meu controle, e isso foi exatamente o que me aconteceu.

Sou aquariana e costumo prever até mesmo o improvável para os caminhos que a minhas estórias devem seguir.

O fato que aconteceu nesse domingo, em nada tem a ver com o rumo que eu dava para as personagens, na verdade nada a ver com o texto ou com minha escrita. Tinha a ver com o universo estar insatisfeito com o final que eu havia dado; só pode.

Um segundo antes de digitar o ponto final, olho para a tela com um sabor de vitória indescritível. Eu tinha prometido para mim mesma que terminaria neste determinado dia e assim o estava fazendo. Meu dedo desce na vertical

“

rumo ao prazer inenarrável de apertar o botão do ponto pela última vez. Antes que este quase gozo acontecesse, a tela piscou e me indicou uma mensagem que meus olhos se negavam a ler:

“

O arquivo Carnaval, futebol e pandemia-livro2.docx foi deletado permanentemente.

Fui acometida de um desespero que impedia que o ar entrasse em meus pulmões. O único pensamento que me vinha a cabeça era: “Meu Deus! Meses de trabalho, eu não sou capaz de reescrever tudo isso. Eu simplesmente não quero mais.”

Tenho a sorte de contar com minha linda esposa que como se eu fosse criança, me exigia que respirasse; que tentasse não chorar para então pensarmos no que poderia ser feito. Olhei para ela com olhos melancólicos e sem vida como os de uma mãe que acaba de perder seu filho pequeno.

Não havia conforto, nem palavras certas. Até eu me dar conta que ela não estava tentando me consolar, estava simplesmente tentando arrancar o computador do meu colo para tentar ela mesma resolver o problema, já que eu não tinha nenhum equilíbrio emocional para tal. De fato, o arquivo havia sido deletado, vejo também nos olhos dela uma mensagem carinhosa e desesperada de quem não sabe o que dizer.

Olho a tela de cima a baixo, leio e releio a mensagem maldita e em meio a uma névoa de lágrimas, vejo uma aba com o

mesmo nome aberta na parte de baixo da tela.

Eu havia aberto uma nova aba do arquivo online ao invés de continuar na que estava aberta do dia anterior. Meu dedo corre na velocidade de um raio, clicando o mouse em cima do bendito arquivo. Estava lá; ele estava lá. Não ele, como eu havia escrito, mas a versão que o universo estava sinalizado para que eu reescrevesse.

Era o mesmo arquivo, menos os dois capítulos finais que eu escrevi naquele dia. Salvei o arquivo em 4 ou 5 lugares diferente, para poder me acalmar. Tomei banho, jantei, passeei com os cachorros e nada dos batimentos cardíacos voltarem ao normal.

Resolvi então que esses dois últimos capítulos deveriam ser escritos assim, por uma escritora apaixonada pelo seu processo e com o cuidado de uma mãe que teve a chance de ressuscitar seu filho querido.

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Carta para Luna São Paulo, 22 de setembro de 2020. À Revista Alternativa L,

Esta carta seria para Luna. Mas acabou que resolvi contar o que aconteceu com meu coração para vocês.

Apelidei uma garota com o nome de uma das mais lindas maravilhas desse universo: a Lua. Eu a chamava de Luna e logo ela, que era tão curiosa, nunca me perguntou o porquê eu a chamava assim. A Lua nos ilumina em momentos de escuridão e nos fascina com tanta beleza. Ela é semelhante à Lua...

Sabe, eu sempre tive tudo e todos na palma da minha mão. Já conquistei corações com beijos à toa e nunca me entreguei facilmente a ninguém, mas com ela foi diferente. Eu já me relacionei com outras garotas e amei isso, mas não amei elas. Luna foi a primeira garota por quem eu me apaixonei e espero que não seja a última que eu goste tão intensamente. A frase “As pessoas gostam daquilo que não podem ter” nunca fez tanto sentido pra mim quanto faz agora. Eu a quero por não ser recíproco, porque gosto do desafio que ela é.

Minha querida Luna é a única que me diz não, a única que me despreza e me deixa esperar, a única que me excita sem fazer absolutamente nada e é por isso que a amo e não dou espaço para outras. Sou obcecada por ela, por mais que eu odeie dizer isso, justamente por abominar esse sentimento.

Lembro quando eu agradava a minha mãe dizendo que daria a ela lindos netinhos, quando na verdade a família que eu pretendia ter era Luna e dois gatinhos.

Um dia, cheguei na minha mãe e cantei: “I kissed a girl and I liked it!” e completei dizendo: “mas não sei se ela gostou” Minha mãe respondeu que aceitava uma filha lésbica e isso não mudaria o amor que ela tinha por mim, mas que não aceitava uma filha que não se valoriza. Aquelas palavras foram um tapa de realidade, mas também me confortaram. Finalmente assumi minha sexualidade, mas tornei a pensar: “como fui me apaixonar logo em pleno carnaval brasileiro? Isso foi uma loucura!”

O tempo passou, a gente se afastou, as coisas mudaram. Luna me esqueceu e às vezes volta só por diversão, mas eu ainda a amo. Eu tento esquecê-la, mas todas as noites a lua vem pra me lembrar dela. Porém, mesmo que doa, eu tenho que admitir a mim mesma que não é legal uma paixão platônica. Então escrevo essa carta para que outras que se encontram na mesma situação se inspirem a sair dela também. Se eu dedicasse essa carta à Luna, com certeza terminaria ela dizendo: escrevo essa carta para que se lembre de que um dia foi muito amada, mais admirada que a própria lua, e por razões que eu pouco compreendo você é, ou já foi, o 18

motivo das minhas borboletas no estômago.

Contudo eu também tenho que dizer: eu te deixo ir sem manifestar dessa vez. Se eu não for sincera sobre o que sinto, e preciso, vou ser sempre escrava de um amor não recíproco.

Luna, eu te amo loucamente, e esse é o problema, chega a ser doentio. Então te peço para que você vá embora de vez e que não volte tão cedo, pois mesmo que eu admire a Lua, não posso viver apenas as noites. O Sol também tem que brilhar e ser valorizado. Já é hora de eu dar uma chance a mim mesma de amar outra pessoa. Existem tantas outras garotas incríveis por aí, e sei que na hora certa vou conhecer uma que valorize meus sentimentos e eu os dela.

Arte por Leticia Conejo

Esse é um desabafo sobre o que sinto. Sobre minha primeira paixão por uma mulher e como estou me desapegando de momentos para que eu possa viver uma vida. Pretendo amar muitas outras mulheres e pretendo também me assumir para todos como fiz com minha mãe. Eu beijei uma garota e gostei, tenho orgulho disso.

Atenciosamente, Vivian Khataryne O Sol.

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O QUE TEM DENTRO DA CAIXA ?

Por Marina Z. Hall, 2020.

Quarentena: período de quarenta dias.

Diz o dicionário.

Falando em números, aqui em casa somos duas. Com o gato, três.

Houve um tempo, no mundo, chamado Quarentena. “Reclusão de indivíduos ou animais sadios pelo período máximo de incubação da doença, contado a partir da data do último contato com um caso clínico ou portador, ou da data em que esse indivíduo sadio abandonou o local em que se encontrava a fonte de infecção.”

Para viver esse tempo, a humanidade, não havendo impossibilidades ou impedimentos, deveria permanecer restrita ao espaço de seus lares e, para isso, inventavam estratégias. Aqui, o plano foi assim:

Chegou uma caixa. Conteúdo: o Tempo. Espera! Antes de tocá-la, desinfete-a com álcool. É perigoso. O vírus sobrevive no papel por mais de 24 horas.

Ah! Não tem álcool! Acabou nos mercados, nas farmácias. Levaram tudo? Serve uma diluição de água e desinfetante desse barato mesmo.

Legal. Agora deve estar seguro.

Vamos abrir a caixa. Confere se as peças estão aí dentro direitinho. Espera, vou tirar a primeira: Primeira: 7h15 – despertador do celular.

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Segunda: 7h15 e 1 segundo – eu me viro e abraço o corpo macio e perfumado

dela. Meus lábios amolecidos com o sabor do sono em seu ombro nu marrom-quente.

Terceira: 7h20 – novo aviso do despertador, que antecede outros avisos.

Quarta: 8h14 – esse despertador é o mais eficaz: minha menina... minha menina... vamos abrir os olhinhos? (Ela no pijama de algodão acomodando o colo e o gato na cama diante de uma pequena bandeja: frutas cuidadosamente picadas, com perícia, acomodadas em dois potinhos de porcelana, aveia, torradas, manteiga, café, fumaça do café.) (Ao seu lado, tateio lenta o porquê de acordar e os pelos gostosos do gato.)

Quinta: tarefas comuns da casa, que em troca permitem que a habitemos.

Infinito pó de cada dia que expulsamos. Obrigada, motor e molas que giram o tambor que bate toca retumba retoca com a roupa dentro a lavar o suor do nosso trabalho.

Sexta peça: vamos treinar os bíceps, seja lá onde estejam. Abdome não se chama barriga? Faz bem à saúde praticar exercícios físicos. 1, 2, 3, 4. 5, 6, 7, 8!

Sétima: banho quente, ela. Morno, eu.

Nossos corpos juntos não se banham.

Vai você primeiro, querida. Não, linda, pode ir. Você é tão bonita! Obrigada.

Você é tão bonita também. Que bom que você está falando assim do seu corpo, concordando que ele é bonito.

Você que me fez encontrar isso em mim, mas às vezes esqueço.

Oitava: pratos, copos e talheres iguais.

Frios. Sobre os descansos iguais, que não se sentem cansados de amparar os objetos sobre a mesa. Ela gosta assim, eu não ligo. Se isso a deixa feliz, também estou. É para fazer parzinho, explica. O almoço cheiroso engordando os pratos, agora quentes. Aqueles que não têm o privilégio do alimento ou da segurança do lar, que tenham acesso digno; desejamos com as mãos dadas sobre a mesa. Vamos doar: feijão, arroz, macarrão, farinha, molho, produtos de higiene. Espero que ajude. Se todo mundo doasse um pouco, ninguém ficaria sem. Tomara. E o gov.

Nona: o trabalho, agora home office.

Mania de empréstimos do inglês para dar a impressão de que é chique trabalhar mais do que o normal dentro de casa misturando com as constantes obrigações do lar. Mas você está de férias. Pediram para adiantar as tarefas.

Ah.

Não. Não veio faltando nenhuma peça. Já conferi as últimas: cuidar do gato, falar com a mãe, dormir.

Tudo certo.

Chegou uma caixa. Uma caixa com o tempo dentro. Nova, mas parecida com a de ontem. Vai uma diluição de água e desinfetante desse barato mesmo.

Espera! Nessa aqui veio uma peça diferente, bonita! Hum... Gostei.

O que você acha? Fazia tempo que não vinha dessa pra gente. Verdade. Tira com cuidado. Tá. Calma. Já desinfetei, está segura. É que essa é especial, você sabe. É um pouco extensa. Podemos encaixar entre alimentar o gato e arrumar o quarto, já que... Ela me convida com os olhos. Eu respiro. Ela tem um perfume tão bom da pele.

Sorrimos. Com os olhos fechando, ela diz que minhas mãos são macias. Absorvidas no silêncio da manhã, dentro dessa peça da caixa do tempo, recém-chegada. Há o muoaaau cantor do gato, (para entender, só com filho artista), o carro que passou ou era moto, alto-berrantes vendendo caixas com 30 ovos, relógio da sala tic tic, geladeira degelando.

O silêncio. O silêncio existe?

Imagine que estamos só dentro da gente, junto à deliciosa peça que chegou na caixa de hoje. Estamos no presente.

Esqueça as outras peças lá na caixa do tempo agora; elas não se importam de nos esperar um pouco. É importante respirar, sabia? É importante respirar, sabia? É importante.

Essa peça não tem instruções; pode usar como quiser. Diz no rótulo: liberdade.

E ficamos respirando o ar, uma da outra. Aproveitando a peça colorida que nos veio nessa caixa: amar.

Esse é o plano.Nada sobre isso nas instruções da caixa. Amar é livre.

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PRESSÃO BAIXA

Por Débora Maranhês (@d_maranhess)

Ontem escrevi adoentada.

Meu corpo quis falhar: estava deitada, mas, ainda assim, com sensação de desmaio. Estava exausta, tão-tão cansada, que parecia mesmo um passarinho desgarrado da mãe e já em estado fraco. Tive sono, mas não me permiti dormir, pois meus olhos não podiam descansar enquanto não terminasse aqueles versos. É que não poderia perdê-los, e traçar versos às vezes é como uma longa caçada. Não se pode dormir ou perder os rastros por nada.

Se você para, o alce ganha frente, as pegadas se cobrem, chove, tudo ocorre. Não, nunca cacei (aliás, deixem os bichos viver). Mas já escrevi.

O que me acontece sei bem dizer…Carregados de muitas dores, em momentos corroídos por pressões da vida [essa que a todos atordoa, às vezes mais ainda a alguns que Outros chamam de “aqueles tipos imorais”] aqueles não podiam ir embora. Aqueles versos, carregados do peso de um coração pulsante, não poderiam jamé ir embora sem antes serem caçados, ditos e existenciados. Existenciados, sim, que invenção seja ou não essa palavra; pois só existem através da colocação deles no papel. Antes disso são platônicos. Com toda a sinceridade, Platão me cansa - espero que minha ignorância, diante dos seus Cânones sagrados e infantis, seja perdoada. Se insistir, compenso dizendo: fico com Diógenes.

Pois é. Mas eis que estava adoentada, mesmo que ninguém tampasse meu sol, e meu corpo estava fraco, no entanto meu coração urrava feito... Um búfalo? É contraditório, decerto, que eu quisesse chorar e dormir, porém quisesse desesperadamente amar e expressar. Precisava mesmo de um abraço, daqueles que baixam a pressão de forma boa, não da forma que eu estava ali, amolecendo em quase morbidez. Meu físico semi-adoentado pelo calor e baixa pressão cansou-se. Amuei-me, deixei o último verso aberto, o corpo pediu arrego e dormi.

Faltou apenas uma palavra.

Quando acordei, não precisei lembrar da bendita palavra. Porque ela mesma disse que vinha me ver. Ela vinha me cuidar, mesmo sem saber que o faria por apenas vir a ser, sem nem saber ser medicinal. Só vinha por querer vir, para passar tempo, passar dengos, compartilhar nossos abraços. Não sabia que eu estava fraca.

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Mas vinha, e isso já bastava.

Homofobia Velada Por Bruno Sprout- @OPoetaViado

Diferente da homofobia que conhecemos, a homofobia velada é cotidiana, você a vê quando está em um ponto de ônibus, ao sentar no ônibus, no trabalho, no shopping, na estação do metrô, começa com aquele olhar indesejado carregado de ódio, com o bom dia não respondido, com as risadas dos “colegas de trabalho”

com os dizeres de uma senhora clamando para Jesus quando você se senta ao lado dela, quando aquele cara fica te encarando e você fica tentando imaginar se ele está com raiva da sua presença ou se ele pretende te atacar de alguma forma, te xingando ou te agredindo, você simplesmente anda como se algo fosse acontecer, como se você fosse o próximo, e um pequeno medo sempre te roda quando tu sai com alguém, quando você anda de mãos dadas com o carinha que você está conhecendo, e você quase nunca sabe onde é seguro trocar carinhos com essa pessoa, um simples beijo ou um carinho no rosto, ter medo é nauseante, o que eu sei é que ando todos os dias pensando quando vai ser minha vez.

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foto: Pixabay

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Carta para Texto e Fotografia Por Simone Almeida

Nonsense : do inglês nonsense. Expressão que denota sem nexo, sem sentido

Alice

Há quanto tempo desde nossa última aventura, a bússola até que foi para nos ajudar, mas não sabíamos que caminho tomar.

Como vão as coisas no país onde se encontra? Por aqui, após uma disputada campanha eleitoral entre o Rei de Espadas e o Rei de Paus, acredita que o vencedor foi o Bobo da Elite? Não tenha um pico de sanidade voltando para cá.

Aliás, as fronteiras estão fechadas, estamos em quarentena (há 10 meses) por causa de um vírus mortal ,Todos nós vamos morrer um dia falou cuspindo o representante do nosso nonsense país , o Bobo da Elite. Olhando aqui da janela tudo normal com todos nas ruas promovendo aglomerações (atitude criticada pela ciência porquê assim o vírus se prolifera com muito mais facilidade) todos absortos no absurdo de ajuntamento de pessoas, em momento de pandemia, comemorando a volta completa da terra ao redor do sol, sabes como é.

Esses meses “salva” em casa eu mudei muitas vezes desde que acordei esta manhã, por vezes acho que vou morrer e transformar-me em adubo.

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Você é tão açúcar. Doce, amável, educada. Por aqui a educação é artigo de luxo tratada como lixo pela “autoridade”, o Bobo da Elite ,que sempre fala cuspindo para uma plateia ávida por seus discursos amorfos, sem pé nem cabeça. Falando em cabeça, será que o Bobo da Elite tem parentesco com a Rainha Vermelha?

Vive de péssimo humor e, recentemente,

autorizou a decapitação de qualquer criatura que contrariá-lo. Sim, neste quesito as “cabeças” de lideranças da oposição,“cabeças” de críticos ao seu jeitão nonsense de administrar ,dos capacitados para orientar, argumentar e demais “cabeças “ prontas a influenciar outras “cabeças” devem ser cortadas. Sempre que algum inimigo (sempre imaginário) desorienta a ordem, o eleito Bobo da Elite, que não me representa, ordena aos gritos (já falei cuspindo ?) a decapitação dessa “cabeça”.

Nesse país nonsense não tomamos chá de cogumelo, acesse os canais óbvios de informação e vais concluir que a rotina daqui mudou muito desde sua partida, está além das películas Mad Max, Idiocracy, O Conto da Aia, e mais próximo de Bacurau , o cinema nacional atual tá incrível.

Encontrei sua amiga jardineira, que também apreciava tudo quanto era lagarta, desistiu da loja de artigos de jardim para aventurar-se em outro ramo ,o de uma tabacaria para artigos de narguilé. Ela sempre diz que a maior parte do povo prefere alienar do que raciocinar.

E esse ano nossa luta trouxe mais frutos, temos mais representantes mulheres e LGBT”s no Legislativo da cidade. Temo por eles ,podem ser futuros candidatos à decapitação (é real) ,pois são inimigos (imaginários) do Bobo da Elite.Tenho amigxs “cabeças” escrevendo comigo, se eu demorar responder-te já sabe, né?

Nesses outros ares como está sendo sua viagem pelo autoconhecimento? À propósito, eu sempre deixo nossa bússola sempre à mão. O horário de verão foi extinto e o relógio de bolso travou de vez, na hora em que a Ressonância de Schumann, o pulso da terra, parou também.

Saudades longínquas, Simone

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O SURTO Por: Dayse Cristina Santos Sales

Só queria respirar, Mas tudo está a me sufocar Não posso sair Estou presa.

Me custo a adormecer E quando apago A escuridão me persegue Mais um pesadelo Acorda! Acorda! Respira!

Ofegante...

As telas querem me alcançar Há uma porção de fios conectados E eles me prendem.

Pessoas morrem injustamente, O juízo corrói psicologicamente Enquanto o vírus do medo Se propaga no ar.

Tudo isso é tão estranho, Pois sei que não estou dormindo, Mas quero acordar.

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(Dayse &amp; Art) Dayse Cristina, é arte educadora e artista independente nascida na capital de São Paulo, criada e residida nos entornos do Grajaú.

Cartas Organização: Sheila Costa

Quando fizemos chamamento para receber textos, todo formato era bem vindo, minha maior surpresa foi recebermos: cartas!

Em tempos de internet e mensagens instantâneas ou emojis, receber uma carta trouxe toda a nostalgia da escrita à mão, a espera de algumas palavras entregues pelo carteiro, o envelope carimbado, selado, o papel escolhido e dobrado com esmero...todo o cuidado e personalização única de uma carta escrita à mão especialmente para você.

Quando foi a última vez que você escreveu ou enviou uma carta escrita à mão?

Te convido a este desafio, depois da aventura conta para nós como foi? Teremos um cantinho especial em nossas redes sociais para dividirmos a experiência.

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“Cartas que eu nunca vou entregar” Por Maria Fernanda Franchi de Almeida

Eu fiquei um tempo sem te escrever. Desculpa. Mas foi melhor para nós duas. Já faz meses que a gente não se fala, mas sempre parece que a última vez foi ontem, e isso é porque eu nunca consegui te esquecer de verdade.

Eu sei que eu só conheci um pedaço seu, mas esse pedaço eu já amava, e você me amava de volta. Talvez essa tenha sido a primeira vez na vida que eu realmente soube.

Outro dia eu sonhei com você. Eu estava no seu país, em uma exposição de artes que rolava em um prédio antigo de tijolinhos. O pé direito era alto (como será que se diz isso no seu idioma?), os corredores eram largos e a iluminação aconchegante. Eu estava saindo de uma sala e encontrei você no corredor. É lógico!

Quero dizer, qual o lugar mais óbvio de encontrar uma artista feito você? Aliás, você frequenta mesmo exposições? Eu só sei que foi tão real que eu tive a certeza que você também sonhou esse sonho, e que naquela noite nos encontramos. Você estava linda, usava uma roupa laranja, seu cabelo estava com um penteado muito bonito.

Nossos olhares se encontraram e a gente soube. Nada mais existia ao nosso redor.

Andei até você e simplesmente nos beijamos. Eu senti você. E eu agradeço meu subconsciente por isso. Vem pra minha casa, vem me ver. Eu tô com saudade. É isso o que eu queria te dizer. Mas como eu te amo, eu não vou falar nada disso.

Porque eu quero que você seja feliz.

Você inunda meu coração. Vem como se fosse uma onda de três metros em um copinho americano. Vocês também têm o copinho americano? Se um dia você vier me visitar, eu vou te levar para um boteco e você vai ver. Porque tem que ser assim a sua apresentação ao copinho sul-americano: numa mesa de bar amarela, sentadas tomando um litrão gelado. Será que eu vou conseguir fazer outra coisa além de me derreter enquanto te olho? Talvez você tenha que tomar esse litrão sozinha, porque eu definitivamente vou estar chapadinha só de poder te olhar de perto. Eu nem sei o que eu ia dizer. Eu só queria que sua mão estivesse ao alcance da minha, para que eu pudesse cobrir seus dedos com os meus, te fazer carinho com o meu polegar.

O seu espaço ainda está aqui, e só você me faz querer escrever essas coisas bonitas.

E o mais importante, só você me faz querer sentir todas elas, sem medo.

Parece impossível, mas a gente pelo menos habita o mesmo planeta. E um dia eu ainda vou conseguir ter a sorte de dividir a mesma calçada que você.

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Carta para o amor

Por Guilherme Fernandes

Sempre ouvi que temos que lutar pelo amor, mesmo que pareça difícil. Deixar ele ir sem lutar é deixar parte de nós ir também, desistir de um amor tão lindo assim não combina comigo.

Não se trata de perder ou ganhar, se trata de lutar pra ver a luz brilhar novamente no seu olho pelo nosso amar. Acreditar que o amor está aí, adormecido esperando o despertar de um futuro ainda melhor, de parceria, de apoio, companheirismo, amizade, de viagens, da felicidade de descoberta dos novos lugares, andar pela cidade, das brincadeiras e dos olhares fixos, de comer bem e melhor, de assistir filme juntos, de fazer exercício (andar de bicicleta ou que mais quisermos) fazer amor, de respeitar a individualidade de cada um, torcer pelas realizações do outro, de respeito, cumplicidade, de confiança, de viver um dia de cada vez...

Nada será igual como antes, sei que conhecerás novas pessoas, mesmo que nada sério como me disse, viverás outras experiências, novas amizades, mais cedo ou mais tarde também passarei por isso, não seremos os mesmos! Mas sempre é tempo de recomeçar, enfrentamos momentos difíceis, vivemos outros incríveis, turbulências vieram e passarão, sempre passarão!

Mas tenho a certeza que te amo, e que esse amor ainda vive, temos uma conexão muito forte, por isso lutarei por ele, por nós! Te amo!

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(E EU ESCREVI UMA CARTA DE NÃO-ADEUS) Por Maria da Silva Eduardo

Foi assim: num impulso rebento. não houveram gritos ou vozes embargadas, só houveram palavras de grafia cruzadas, feridas, abertas e dilaceradas com delicadeza e raiva e eu ainda sinto o ressentimento amargo fechar minha garganta a cada vez que me perguntam pelo teu nome.

(Eu senti como se eu não tivesse intimidade mais...)

E eu escrevi uma carta de não-adeus. escrevi uma carta não destinada.

E tudo doeu no instante em que admiti a sua não amizade. estranha essa parte da vida em que a gente cresce a ponto de pôr pra fora os sentimentos e deixar que cada pessoa viva sabendo que não é do teu domínio o corrigir, avisar, alertar ou cuidar, porque, pura e simplesmente, nem todo mundo quer ser avisado, alertado ou cuidado. somos estranhos.e essa é a única coisa que eu consegui definir até hoje. (eu não quis falar porque eu não tinha nada pra falar)

Eu escrevi uma carta a um não amigo. escrevi para ti uma carta de saudade. e de entendimento, porque, parece que agora, eu realmente entendo. não é fácil estar- em canto nenhum. isso requer tanto, algo entre ser próton e ser elétron, entre não ser neutro e não se omitir, entre o querer e o ficar - o querer ficar é fundamental e nem sempre nós queremos. Não há vão para conversa quando o silêncio foi soldado. O deixar pra lá, o desembaraço dos corpos no abraço, o esquecer das risadas e ver você optando por ir me dói e não dilacera, porque o processo de esquecer de um caminho, dum endereço, de uma amizade é muito mais longo e dói por etapas. o desfecho não existe como a gente imagina... (eu deixei pra lá.)

Eu escrevi pra dizer que a gente não vai se ver. e tá tudo bem, não é?

Os caminhos são feitos para isso. pra gente se encontrar, se desencontrar, seguir em frente e, hoje, olhar pra trás. (eu não sei se são desfechos o que a gente procura ou esclarecimentos sobre o adeus que a gente não chega a dar, mas só a ir) 30

Carta para ti

Por Nay Rosário

Quando você receber essa carta, eu estarei inalcançável.

Estou indo embora. Já me desfiz de quase tudo o que eu tinha. A casa eu doei, o carro vendi, as roupas levei para abrigos. Dei os meus discos de vinil, joias e os direitos dos meus trabalhos para a mulher que com paciência, calma e muito amor, mudou minha vida.

Você deve estar me xingando e a se perguntar se sempre fui cafajeste e você nunca viu ou se foi paixão cega. Me fiz a mesma pergunta quando descobri o tipo de mulher que eras e, ainda assim, me permiti ser usada por ti. Ao contrário de ti, nunca fui indigna de ser amada tampouco agi de maneira errônea.

Enquanto escrevo essas linhas, Betty Missiego embala meus pensamentos. Será que você ainda se lembra que amo escutar bolero em dias nublados? Será que ainda lembra dos meus gostos? De todos eles?

Lembro que me apaixonei por você assim que a vi, há quase 20 anos atrás. Entre trancos e barrancos, namoramos ou, pelo menos, eu te namorei. Você dizia que éramos apenas boas amigas... Daquelas que trocavam beijos ardentes em meio a juras de amor em locais quase desertos pelo seu medo de sermos vistas. Daquelas que embolavam-se em lençóis de seda pelos motéis da vida porque para você eu nunca fui digna de entrar em sua casa. Mesmo assim eu te amei.

Quando seu noivo bateu em minha porta para me ofender, foi a pior noite da minha vida.

Ele não me agrediu, mas impôs uma verdade dolorosa. Você nunca aceitou o amor que, de bom grado, ofereci. Me senti uma imunda, um lixo, um nada. Quando, na véspera de seu casamento, ouvi de ti que eu não teria capacidade de dar-te a vida que você merecia. Eu era um quebra galho que só servia para sexo. E ainda assim eu te amei.

Eu me iludi. Você desgraçou nossa vida.

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Nós, no final das contas, nos perdemos. Deixamos de viver um amor lindo por convenções, interesses, preconceitos e tantos outros sentimentos/motivos/pretextos.

Imagine meu espanto ao receber sua ligação. Imagine eu tendo de explicar a minha esposa o porquê de uma "simples" ligação, em uma noite de sexta-feira abalar-me. Ela me conheceu no fundo do poço. Virou madrugadas ouvindo minhas lamúrias e afagando-me o rosto.

Ela soube ser tudo o que precisei. Teve o colo acalentador de mãe, o ombro amigo, um coração extremamente doce e generoso. Foi minha amante, minha amada e muito amiga. Com ela renasci.

Experimentei a sensação de ser o centro do mundo de alguém. Ela devotou-me seu imenso/intenso amor. E ali eu entendi que quem ama deixa ir, mas oferta tantas opções para uma possível volta.

Via um misto de tristeza e uma pontada de esperança em seus olhos toda vez que nos despedimos.

Amor não é prisão. Não é obsessão. Não é desejo desenfreado. Não era o que eu sentia por ti.

Dentro das minhas possibilidades e imperfeições, a amei. Me deixei ser dela assim como ela foi minha. Hoje fecho o último baú de recordações. Estou deixando essa carta aos cuidados dela porque sei que ela fará cumprir meu pedido derradeiro.

No último ano, os belos olhos amendoados começaram a trair-me. Minha cabeça doía constantemente e, após muito postergar uma ida ao médico, me descobri gravemente doente. Estou na chácara a espera de Tânato, O Anjo da Morte. Me sinto cada dia mais fraca, em contrapartida, as memórias ficam mais vivas.

Se fosse para resumir minha vida em algo, seria mais apropriado um trecho que muito nos lembra: "Pero que importa la vida con esta separación. Somos dos gotas de llanto en una canción. Nada más que eso somos, nada más."

Adeus, Para nunca mais maldizer: um dia te amei.

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Carta de desabafo para mim mesma Por Ananda Feliciano

Hoje a lua está tão linda no céu. Da cabeceira da minha cama consigo ver ela brilhar atrás das árvores. Não sei porquê (ou sei) essa beleza toda me lembra você. Isso está se tornando cansativo. Eu poderia acabar comv esses relances de lembranças e ir desabafar, te dizer o quanto sinto sua falta ou o quanto foi difícil estes últimos meses, mas nada disso importaria, você esqueceu de nós tão rápido.

Sempre me lembro da sua voz friamente vitimizada no áudio, dizendo que conheceu outra pessoa e estava tentando seguir a vida, e realmente a sua seguiu, num piscar de olhos (exatos 5 dias) já estava abraçando e deixando outra ocupar o meu lugar. E eu ? Eu mais uma vez estou aqui, escrevendo outro texto no qual você nunca irá ler.

Eu me pergunto as vezes, se pelo menos por alguns segundos você pensa em mim, em nós, se repensa no que fez, será que rola um arrependimento? Eu prefiro acreditar que sim, é como se fosse meu outro eu querendo justiça pelo que aconteceu, e você se remoendo por suas ações já seria o suficiente. Mas por outro lado, a realidade bate forte e aceito que sua vida seguiu deixando todo aquele passado para trás, afinal, eu não desejaria pra ninguém, nem mesmo pra você, ficar parado no tempo como eu parei.

Admito, você foi o último que conseguiu fazer minha pulsação acelerar, o último que me fez romantizar um beijo, eternizar um sorriso e baixar a guarda. Lindo isso né ? Pois saiba que você também foi o último que me machucou, o último que abriu feridas e lesionou meu sentimentos de uma forma inexplicável.

O amor foi embora junto com você quando decidiu ir, e o que me faz companhia são apenas as lembranças, e lembranças são doloridas de visitar, elas e o tempo se juntaram para serem cruéis comigo.

Todos os momentos que eu vivi com a sua ausência foram angustiantes, mas por ironia do destino e de uma pessoa especial eu encontrei nos textos, nas palavras, nas virgulas e parênteses, uma válvula de escape, um lugar de alívio pra essas lembranças.

Eu não vou parar de escrever sobre você, já aceitei que isso faz parte do meu novo eu despedaçado tentando se reconstruir. Aqui eu posso despir meus sentimentos e pensamentos e espero que você nunca leia isso, mas encontre no silêncio da sua última mensagem visualizada e não respondida, as verdades que eu nunca vou te dizer.

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Uma biblioteca para as Lésbicas Por Débora Mestre

Sou escritora e bibliotecária. Mas, antes de tudo, sou uma leitora. Desde a infância, leio tudo que me cai nas mãos. Mesmo assim, demorei duas décadas para encontrar, por acaso, um livro cuja protagonista era lésbica. Antes, eu não sabia que existiam livros para nós, mulheres que amam mulheres. E essa descoberta mudou minha vida.

Parei de escrever histórias de bruxos, vampiros e fadas (ei, estava na moda) e passei a criar protagonistas reais que passavam pelo mesmo que eu, com suas famílias, amores, amigos. Na busca de uma editora que topasse me publicar, descobri nomes mágicos como Malagueta, Metanóia, Vira Letra e PEL (esta última foi a casa que me acolheu em 2018 e na qual sigo até hoje). Junto dessas editoras, descobri um sem número de

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mulheres que escreviam como eu.

O mundo da literatura lésbica se abriu definitivamente para mim.

Bibliotecária por formação, não me bastou apenas conhecer esse mundo – eu queria que outras lésbicas tivessem a oportunidade de encontrar seu lugar na literatura, um lugar especial. Existe, na Biblioteconomia (esse curso de nome estranho existe mesmo, e é no que se formam bibliotecários e cientistas da informação) duas leis complementares que dizem: a cada livro, o seu leitor.

A cada leitor, o seu livro. É aquela velha máxima: não existe gente que não gosta de ler, existe gente que não encontrou o livro certo! Tendo isso em mente, criei esse blog, a Lesboteca.com.

Não é bem uma biblioteca digital. Isso exigiria que os livros estivessem lá, em pdf, para todos acessarem de graça. A Lesboteca é, então, um catálogo virtual. Como assim?

Muito simples: o blog está organizado por categorias (Romances, Poesias, Contos, até Quadrinhos), e autoras para você conhecer. Clicando em cada um dos mais de 300 títulos, você terá informações sobre o livro, e, principalmente, onde pode encontra-lo. Assim, além de ajudar as leitoras a encontrarem seus mundos, a Lesboteca também ajuda as autoras e editoras independentes a mostrarem e venderem o seu trabalho. É um trabalho que faço como hobbie, e que paga em satisfação.

O poder das lésbicas vem do coletivo!

Uma por todas e todas por uma!

Débora Mestre é natural de Sorocaba/SP e formada em Biblioteconomia pela PUC-Campinas. Tem dois livros dedicados ao público infanto juvenil.

Atualmente, dedica-se a escrever romances e contos de temática lésbica nas horas vagas, e publicou “(In)destrutível” e “Diário de Júlia” pela Editora PEL, além de contos em antologias e outros e-books independentes na Amazon.

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A mulher que paira com outra mulher Por Amanda Rocha

no entrelaço do nosso retiro duas paralelas se cruzam intempestivamente quase como uma sina nesse afeto repentino e desmedido te observo viver os meus dedos dançam pelo seu corpo a temperatura cálida da sua pele me embala e eu me vejo nos seus poros abertos cada dia me reconheço e te descubro mais nessa dinâmica de ligeireza e morosidade me repouso alço voo e consinto que o vento é o nosso lugar de peito desatado sem susto eu sou a mulher que paira com outra mulher