Alquimista #168 - 2023

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EDITORIAL

Olá, caros leitores e leitoras!

A ênfase em Química Ambiental para graduação no IQUSP está completando 20 anos em 2023 e, para celebrar esta importante data, lançamos uma edição muito especial do nosso Alquimista. Nas próximas páginas, você encontrará reportagens sobre sustentabilidade, biodiversidade, degradação de poluentes e biotecnologia, além de uma matéria inédita sobre a Biblioteca do Conjunto das Químicas e seu grande acervo — um dos mais ricos na área da Química de toda a América Latina.

Ficou curioso? Então pegue seu café, acomode-se e boa leitura!

Equipe de Comunicação do IQUSP

EXPEDIENTE

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Química

Reitor Prof. Dr. Carlos Gilberto Carlotti Junior

Pró-Reitora de Cultura e Extensão

Profª. Drª. Marli Quadros Leite

Diretor

Prof. Dr. Pedro Vitoriano de Oliveira

Vice-Diretor

Prof. Dr. Shaker Chuck Farah

Chefe do DQF

Prof. Dr. Massuo Jorge Kato

Chefe do DBQ

Prof. Dr. João Carlos Setubal

Editores

Prof. Dr. Hermi F. Brito

Bruna Larotonda Telezynski Lopes

Redação

Bruna Larotonda Telezynski Lopes

Aldrey Olegario

Projeto gráfico

Leticia Facchini

Lara Ribeiro Gianini

Colaborador

Cezar Guizzo

Borboletas do Parque Estadual Intervales são foco de

mapeamento do IQUSP e IB-Unicamp

Conservação em áreas urbanas e educação socioambiental

Eisqueumgrupodepesquisadoresresolve se juntar para entender melhor a história evolutiva das borboletas e descobre que elas já estão aqui há 100 milhões de anos. Isto significa que esses insetos coexistiram com os dinossauros! E para que elas chegassem às coloridas e encantadoras espécies que conhecemos hoje, foi preciso uma mudança de hábito das mariposas ancestrais: passaram a realizarvoosdiurnos.Paracompreenderaárvore genealógica das mais de 19 mil espécies de borboletas que estão no mundo, os pesquisadores analisaram aproximadamente 2,3 mil espécies de 90 países — o que exigiu o sequenciamento de cerca de 400 DNAs. Os marcadoresgenéticosobtidosatravésdosfósseis auxiliaram na compreensão dos hábitos destes seres, por exemplo, além de outras de suas características. O resultado do projeto iniciado em 2015 foi publicado este ano, na revista Nature Ecology and Evolution.

De acordo com a Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa), mais de 3,5 mil espécies de borboletas já foram descritas no país. E o trabalho de mapeamento de fauna desses insetos, isto é, o levantamento de dados sobre as espécies presentes em uma determinadaregião,

é uma das formas de contribuir para a preservação tanto da espécie quanto de seu habitat.Foioquefizeram os pesquisadores do

Laboratório de Química de Produtos Naturais (LQPN), do IQUSP, edo Laboratório

de Borboletas (Labbor), do IB-Unicamp. Em conjunto, as universidades produziram um catálogo com o levantamento das espécies de borboletas encontradas no Parque Estadual de Intervales (PEI), importante espaço de preservação da Mata Atlântica localizado no estado de São Paulo. “São 42 mil hectares, aproximadamente, de Mata Atlântica. É uma área destinada à conservação ambiental: conservação da fauna, flora, água e a conservação do solo. É um local onde a gente mantémaintegridadedoambientenaturalpara auxiliar toda a sociedade”, diz Thiago Borges Conforti, mestre em Ecologia pela Esalq/USP e gestordoParqueEstadualdeIntervales.

Para atrair as borboletas e mariposas, começou-se com o plantio de um grupo de plantas específicas do gênero Piper, conta Mariana Alves Stanton, co-criadora do catálogo e pesquisadora de pós-doutorado no IQUSP sobre a interação de plantas hospedeiras congêneras com herbívoros especialistas e seus parasitóides.

“Existe um grupo de mariposas específicas, as Eois sp., que põem ovos nessasplantaseaslagartas só se alimentam de plantas Piper. Então, a gente tem alguns tipos de plantas desse gênero no jardim, para que os visitantes possamver as lagartas”, explica.

ESPÉCIE: Aporia crataegi 04

Com o levantamento das espécies de borboletas específicas do Parque feito por Leila Tekuro Shirai,pós-doutoraemBiologiaeespecialistaem borboletas da Unicamp, o grupo pôde traçar estratégias para aumentar ainda mais a atração dessas espécies. Ao pesquisar quais são as plantasqueaslagartasdasborboletaslevantadas consomem e quais são as flores, para os adultos que se alimentam do néctar, determinou-se aquelasquepoderiamsercolocadasnojardim.

Na identificação de borboletas são usados tanto os aspectos morfológicos, isto é, a aparência externa, quanto ferramentas moleculares, tais como marcadores, sequenciamentodeDNAefilogeniamolecular, explica Massuo Jorge Kato, docente do Departamento de Química Fundamental do IQUSP e coordenador do LQPN.

“Você pega basicamente uma perninha da borboleta ou da mariposa e faz o sequenciamento. E aí começam a aparecer as coisas, porque você fala assim ‘isso aqui é a mesma espécie, né? É tudo igual’, mas na hora que você faz a parte molecular aparecem as subespécies”,indicaele.

Descrever as espécies não é o único objetivo de um levantamento. Com esse material, é possível também fazer análises laboratoriais e compreender os hábitos dos insetos e potenciais usos de substâncias encontradas. “Diante de uma coleção, você começa a descrever as moléculas e a atividade biológica. [Por exemplo], sempre que você tem essa planta, você encontra esse bicho. Então, é essa a questão da especificidade:qualéomecanismo?

A princípio, tem coisas voláteis que atraem, então [o inseto] localiza a planta por causa do odor — em geral, o reconhecimento é molecular”, explica Massuo.

O artigo sobre as atividades do grupo foi publicado em 2022 em formato digital no jornal Cities And The Environment (CATE) — que pauta ecologia em comunidades urbanas. Nele, além do mapeamento das borboletas, foi descrito também o projeto de jardim interativo do PEI, outra estratégia de conscientização sobre unidades de preservação ambiental em ambientes urbanos. “Ele é um jardim interativo no sentidodeque,todavezqueagentevaifazer o plantio, a gente convida as pessoas. Elas entendem o que é aquilo, participam do plantio e da atividade, conhecendo as espécies de plantas”, explica Thiago. Este projeto ainda está em fase de desenvolvimento e são esperados para 2023 três novos plantios. O objetivo, como conta Thiago, é que a população ao redor do parque possa notar como o crescimento das plantas favorecem a atração e o aumento da fauna das borboletas, mariposas, aves e outros bichos.“A ideia do jardim é facilitar a observação — ele é um equipamento de educaçãoambiental”,conclui.

atividades

O benefício do jardim a céu aberto se estende também à comunidade científica. “A ideia era fazer esse borboletário a céu aberto, porque você pode fazer [a pesquisa] em laboratório com condições limpas, sem fungos e vírus, mas criar algo em condições de laboratório é muito complexo. Agora, se você coloca lá as plantas a céu aberto, as borboletas aparecem ali, colocam ovos e tem o ciclo completo”, pontua Massuo.

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IMAGEM: REPRODUÇ
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Parque Estadual de Intervales

Catálogo e educação socioambiental

CriadoporLeilaTerukoShiraie

Mariana Alves Stanton, o catálogo que traz as espécies de borboletas do parque apresenta curiosidades,infográficoseinteratividadecomQR code — que direciona a um vídeo sobre a primeira descrição de um aglomerado de borboletasdaespécie Epityches eupompe.Sobrea linguagem escolhida para o material de divulgação científica, Mariana conta que o foco eraalgoacessívelparaopúblicoleigo.“Tudoisso foi feito com a ideia de aumentar a visitação do parque e a educação para o público visitante sobreessasespécies.Agentequisquefosseuma coisa acessível, até porque acho que o grande idealportrásdetodaessapartededivulgaçãodo projeto é também de interessar as pessoas pela conservação”,dizapesquisadora.

A produção do catálogo e dos pôsteres faz parte de um conjunto de atividades desenvolvidas pelos Institutos, como oficinas de capacitação e a criação de um mostruário com as espécies de borboletas coletadas. “Como parte desse projeto de extensão, no final de 2021 eu e a Leila criamos a exposição do mostruário de borboletas no Parque, para que os visitantes pudessem ver que tipo de espécies que tem lá e entender um pouco sobre a biodiversidade. Fizemos visitas a diversas escolas locais e tivemos contato com crianças de idades diferentes. E a gente também fez uma capacitação dos monitores do Parque, que trabalham como guias turísticos, sobre as plantas e quais espécies eramatraídasporelas”,dizMariana.

Ela pontua ainda que, mesmo com as oficinas de capacitação, o respeito a esses espaçosaindapassapelavalorizaçãodosaber

local. “Uma das coisas que a gente queria também é ajudar a valorizar o conhecimento que essas populações já tem, porque os monitores do Parque são pessoas que vivem e que cresceram ali, eles conhecem muito mais daquilo do que a gente”, finaliza.

Vida urbana e áreas verdes

Para aqueles que vêm de fora, o ritmo acelerado e a arquitetura da cidade de São Paulo podemassustar.Nãoàtoa,nãoémuitodifíciljáter ouvido alguém se referir a ela como a ‘Selva de Pedras’.Nestetrocadilho,ondeaselvaécomposta pelo concreto ao invés da imagem referencial comum das árvores, São Paulo mostra a paisagem comaqualseushabitantesseacostumaram.Masa má distribuição de áreas verdes, que faz com que em alguns espaços o acesso ao ambiente natural seja dificultado, não é um problema restrito à capital paulista — e esse cenário se reflete na qualidade de vida dos cidadãos e na percepção queéformadasobreasáreasdepreservação.

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Alémdoalívioemfugirdocenárioacinzentadonascidades, aatuaçãodosespaçosverdesnamoderaçãodapoluiçãodoare acústica, do escoamento superficial e proteção da fauna, por exemplo, são outros papéis que reforçam a relevância de unidades de preservação como o Parque Estadual Intervales. “O maior desafio é a própria desconexão de como esses ambientes são importantes para a qualidade de vida das pessoas. Eu cresci no meio urbano e as pessoas não são conectadas ao ambiente natural. Elas são conectadas com a televisão, internet, com o elevador e a escada rolante, mas elas não sabem falar qual a árvore que está plantada na frente da casa delas. Então, é fundamental que aspessoascoloquemopé no chão e entendam que, de alguma maneira, elas são extremamente dependentes desse ambiente e elas precisam ajudarapreservar”, apontaThiago.

1 1 2 2 Catálogodeborboletas Diversidade
PARQUE ESTADUAL INTERVALES 07
Mariana Alves Stanton Thiago Borges Conforti Massuo Jorge Kato
de borboletas
Contatos

As cores são fontes de inúmeras informações. Num contexto social, elas estão presentes em símbolos e expressões — são como canais de comunicação. Pigmentos extraídos de produtos da natureza, como o mogno (preto, vermelho, laranja e marrom) e o açafrão (amarelo), são utilizados pelos povos indígenas da etnia Huni Kuin, localizada no Acre, na coloração de tecidos — e também em aplicações medicinais. Entender as diferentes tonalidades e apresentações de um pigmento na natureza pode nos ajudar a encontrar novas soluções para o nosso cotidiano, a partir de um produto que já está à disposição para estudos. A produção de materiais tecnológicos baseados em produtos naturais é uma linha de pesquisa adotada por alguns grupos no IQUSP — entre eles, o Grupo de Pesquisa Bastos. “A gente pega compostos que você encontra na natureza, seja em plantas, seja em fungos, e modifica esses compostos quimicamente, para eles terem uma aplicação que melhore a qualidade de vida das pessoas”, diz Erick Bastos, doutor em química orgânica, docente do Departamento de Química Fundamental do IQUSP e coordenador do laboratório.

Um dos pigmentos naturais estudados pelo grupo é a betalaína, encontrada na beterraba roxa e amarela, no cogumelo Amanita muscaria, na pitaya rosa e em flores como Onze-horas e Amarantus. “A natureza não escolheu a betalaína como o seu pigmento principal de planta, escolheu a antocianina — que dá cor à uva, por exemplo. A parte interessante é que não existe nenhum ser vivo sobre a face daTerra que produz as duas classes de pigmentos; eles são, o que a gente tecnicamente diz, mutuamente exclusivos. E algumas flores pigmentadas por betalaínas amarelas fazem uma coisa sensacional: elas brilham no escuro, são fluorescentes”, explica Bastos. Ele conta que a fluorescência das flores é baixa, se comparada com a luz refletida.

Então,quandoolhamosparaumaflornaluz do dia, vemos apenas um pouquinho do brilho dessa fluorescência. O desafio é explicar por quais motivos algumas flores têm essa característica.“Por conta dessas peculiaridades biológicas das betalaínas,elassetornarampigmentos de grande interesse, porque qualquer coisa que você descobrir a respeito delas é absolutamente [novo]. Époucoexploradaaquímica dessescompostos”.

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Pigmentos encontrados na natureza dão base à pesquisa para o desenvolvimento de aplicações tecnológicas
Como a compreensão dos fenômenos naturais favorece o surgimento de tecnologias cada vez mais presentes em nosso dia a dia

Pigmentos naturais e suas aplicações

Quando pensamos na propriedade antioxidante,porsuavez,elapodeserutilizada como suplementação no combate a doenças associadas à formação excessiva de radicais livres. “Quando você começa a produzir um monte de radicais livres, o seu corpo fica no estado que a gente chama de estresse oxidativo — que é, fundamentalmente, uma inflamação generalizada. Aliado a outras condições, isto gera um monte de doenças que são fatais e que comprometem a qualidade de vida das pessoas, tipo síndrome metabólica, tipo câncer. Nesses casos, a suplementação com antioxidantes é muito bem-vinda, porque você retoma o balanço”, explica Bastos.

No caso de sensores ópticos, a betalaína pode ser utilizada em materiais chamados de ‘inteligentes’, ou foto-exclusivos, para indicar alteraçõesediferençasnomeio.“Aessênciadeum sensorópticoéqueelecauseumaperturbaçãono meioemqueeleestáeagenteconsigaidentificar essa perturbação. Digamos que a molécula tem cor e, na presença de um analito qualquer, ela perde a cor, ou intensifica a cor, ou muda de cor. Vai depender de qual tipo de analito a gente vai trabalhar para ver a influência que ele vai ter dentro da estrutura da betalaína, que a gente chama de estrutura cromofórica da betalaína. Então, aquela estrutura que traz a cor para o composto vai ser afetada de alguma forma e nós vamos acompanhar geralmente essas três possíveis variações que acontecem de interação com o ambiente”, explica Fabiano Severo Rodembusch, doutor em síntese orgânica e

Na alimentação, em um produto que vai para o mercado, existe outro ponto determinante que está relacionado às modificações nesses compostos. No caso de um antioxidante extraído de uma beterraba, por exemplo, não há problemas — trata-se de uma composição natural. Porém, ao trabalhar em uma escala menor, modificando as moléculas desse antioxidante para um determinado alimento, são necessários inúmeros estudos para garantir que essas alterações não tenham um efeito indesejado, como toxicidade.

elbastos@usp.br 09
ProfessorErickBastos
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IMAGEM: REPRODUÇ docente do Instituto de Química da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Beterraba Roxa (Beta vulgaris)

Alémdasaplicaçõesvoltadasàáreadasaúde e de cosméticos, esses produtos naturais, a partir da propriedade antioxidante, também podem ser usadosemsistemastecnológicosparaintermediar processos eletrônicos. “Se você tiver uma nanopartículaparafazerumdispositivoeletrônico, ou se você tiver qualquer coisa que precise que a carga elétrica se mova, essas betalaínas ajudam. A gente consegue favorecer processos relacionados àeletricidade”,dizErickBastos.

Lidando com as cores: da natureza às prateleiras

Um ponto-chave para a aplicação dos compostos naturais nos diferentes produtos que temos contato no cotidiano é conseguir manter as propriedades desses compostos fora de seu espaço natural — seja a beterraba, uma flor ou outra matéria. No caso da cor, um exemplo dado por Bastos é o que acontece com as rosas. Se ao ar livre, de dia, as pétalas de uma rosa fossem retiradas e imersas em álcool, notaríamos que o líquido ficaria colorido. Mas, depois de algum tempo, essa cor sumiria. Aí está a questão-chave dos pigmentos naturais à base de betalaína: eles são instáveis fora de seu ambiente biológico. Ou seja, a molécula fica suscetível à quebra, o que resulta na perda de cor. A partir dessa constatação, pesquisadores do IQUSP e da UFRGS se uniram para propor uma maneira de estabilizar essas moléculas de pigmento.

FabianoRodembuschcoordenao

grupo Fotoquímica Orgânica

Aplicada, que faz parte do projeto, e explica que quaisquer materiais que possam ser protegidos da degradação pelo efeito da luz e da temperatura podem viabilizar resultados importantes.“O que temnodiaadia,quetem

problema de fotoproteção, de ser termicamente instável? E aí a gente pensa: ‘bom, quem sabe os corantes alimentícios, quem sabe toda a química da cor”.

A ideia deu certo. Ao invés de buscarem a estabilizaçãoatravésdemodificaçõesnaestrutura da molécula, os pesquisadores chegaram nesse resultado por meio do encapsulamento da betalaína. “Se você prepara um material com a chamada ‘química doce’ — que é uma química que não usa tanta temperatura, não usa catalisadores muito agressivos — e trabalha com um sistema em que você consegue ter um material homogêneo, encapsulado, com propriedadestérmicaseópticasaumentadas,isso pode ter uma aplicação tecnológica muito grande”,explicaRodembusch.

Para evoluir os resultados da pesquisa, está sendodesenvolvidaumapatenteparaacriaçãode uma startup entre as universidades. “Essa é uma patente em conjunto das duas universidades, a gente criou um jeito de conseguir estabilizar [a betalaína]. Não foi mudando a molécula para ela ficarmaisestável,agenteusouumoutrocaminho. Conseguimos grudar essa molécula numa estrutura que não deixa nada chegar até ela, portantoelanãoquebra”,contaBastos.

REPRODUÇ Ã O 10 rodembusch@iq.ufrgs.br
IMAGEM:

Ciência entre universidades e reflexões do fazer científico

Semdúvidas,osresultadoseasaplicações de um projeto científico são de extrema importância para a comunidade científica e para a sociedade, que se beneficia nesse processo.Paraalcançarosresultadosesperados, muitas vezes são necessários anos de estudo, o que vai de encontro com possíveis expectativas de um mercado que estimula a ‘pressa’ nos processos, por exemplo. Com isso, a busca pela aplicação pode se tornar o principal motor de uma pesquisa, mas existem alternativas de mesma importância. “Se tu começa a fazer pesquisa pensando em entender o que tu tá desenvolvendo, buscando compreender a interação da luz com a matéria, no nosso caso específico, e você enxerga ali uma potencial aplicação,aívocêvaiporessecaminho.Mas,para quem já começa a fazer pesquisa pensando na aplicação final, às vezes no caminho deixa de enxergarmuitacoisa”,dizodocentedaUFRGS.

atento

grande

A colaboração entre as duas instituições demonstra outro ponto-chave para o fazer científico, que é estar aberto e atento para as produções e profissionais de outras localidades e especialidades.“Seja lá o que a gente precisa, a gente se cerca de um monte de gente e colabora com todo mundopararesolverumaquestãocientífica que pode ser relevante para um número grande de pessoas”, diz Bastos.

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Flor Primavera Flor Onze-horas (Bougavillea spp) (Portulaca grandiflora)

Enquanto recurso indispensável de subsistência, a água — apesar de ter sua importância reconhecida para diferentes atividades (humanas e não-humanas) — também recebe os impactos da ação antrópica. A expedição Silent Amazon percorreu o rio Amazonas, seus afluentes e cidades por eles abastecidas para avaliar os impactos urbanos sobre a biodiversidade e a comunidade local. Os resultadosdolevantamentoforampublicadosem dois artigos em 2021, nas revistas Environment International e WaterResearch,queindicarama presença de poluentes entre as amostras coletadas nas cidades — como agrotóxicos e farmacêuticos. Em uma análise mais detalhada, observou-se que os fármacos formaram o grupo de compostos mais detectados nas amostras obtidas em áreas urbanas — em sua maioria analgésicos, hipertensivos e antibióticos. As consequências de um cenário como este podem se dar tanto nas populações, que estão em contato com essa água, quanto nas espécies nativas da região, por conta de alterações desencadeadasnoecossistemaaquático.

Entre os compostos encontrados em corpos d’água em áreas urbanas, muitos deles fazem parte da categoria de compostos orgânicos recalcitrantes, ou popularmente conhecidoscomo poluentesemergentes —isto é, produtos químicos resistentes ao tratamento usual da água e que podem ser prejudiciais aos seres vivos e ao ambiente. “Esses compostos, chamadosderecalcitrantes,sãocompostosquea gente já desenvolveu pensando em eventualmente matar ou controlar microrganismos: são os fármacos, defensivos agrícolas. Se a gente já desenvolveu esses compostos para atuarem sobre os microorganismos, fica difícil ter uma biodegradação deles. Então, nesses casos, a gente tem que lançar mão de alguma outra estratégia”, diz Renato Sanches Freire, doutor em química e docente do Departamento de Química Fundamental do IQUSP. Um exemplo de técnica utilizada para a degradação dos poluentes emergentes, desta forma, são os chamados Processos Oxidativos Avançados (POA)[queserãoexplicadosaseguir].

estratégia”, os

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Pesquisadores do IQ investigam o uso de processos oxidativos avançados para tratamento de compostos orgânicos recalcitrantes na água
Recursos naturais em perigo: os poluentes emergentes em fontes
d’água

Degradação de poluentes emergentes

No que concerne ao tratamento de água no Brasil,aresoluçãon°357do ConselhoNacionaldo MeioAmbiente (CONAMA) dispõe as diretrizes e concentrações permitidas para o lançamento de efluentes na natureza. A partir de documentos comoaPolíticaNacionaldosRecursosHídricosedos termos da Convenção de Estocolmo, foi estabelecidoumpadrãodequalidadedaáguapara poluentesorgânicospersistentes.Comoobjetivode atender a este padrão, alguns métodos já são empregadosparaotratamentodaágua—comoa suspensão e a floculação de substâncias. Porém, devido às suas características, os poluentes emergentes não são afetados por esses processos, mesmoquandorepetidos.

É aí que os Processos Oxidativos Avançados entram em cena, uma vez que eles conseguem oxidar grande parte desses compostos. Freire explica que os POA funcionam melhor para compostos orgânicos:“a gente tem, por exemplo, alguns processos que são ligados com a produção de ozônio, com o uso de luz, e quejásãoconhecidosháumcertotempo.Emvez dagentebuscarumcompostopoluentediferente evercomoéqueosprocessosseaplicam—eisso

não é errado —, a gente busca utilizar um materialcatalíticoqueaprimoreageraçãodessas espécies oxidantes”. O que faz os POA serem tão eficazes são as espécies oxidativas formadas — radicais hidroxila (OH), por exemplo —, que são muito reativas, além de apresentarem um potencial oxidativo maior quando comparadas aos oxidantes usuais. “O ideal é que a gente consiga transformar aquele composto poluente emumacoisaqueagentetenhaacertezadeque não vai ter nenhum impacto. E isso é muito complicado”,completaele.

Umdosdesafiosexplicadospelodocenteem relação aos processos oxidativos é que, apesar de parecersimplesaideiadeoxidarumcompostopor completo — ou até gerar algo que possa ser metabolizado, como dióxido de carbono (CO2) e água —, mesmo as alterações muito pequenas na molécula podem resultar em um produto tóxico. Assim, embora se trate de uma técnica extremamente eficaz, Renato Sanches destacaqueosProcessosOxidativos Avançadosnãoirãosubstituiros outros métodos, mas tem suas vantagens em situaçõesespecíficas.

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Química e a relação humana com o meio

Aagendaambiental,assimcomoaeconômicaeasocial,integraospilaresdeconstruçãoda propostaparaumdesenvolvimentosustentávelnoBrasil—e,paraatingiresseobjetivo,diferentes instituiçõeseorganizaçõessãomobilizadas.NoIQUSP,umadaspossibilidadesoferecidasaoaluno debachareladoemQuímicaécomplementarsuaformaçãocoma ênfaseemQuímicaAmbiental — quecompletaseus 20anosem2023.

Legislação ambiental, comportamento de espécies químicas no ambiente e suas formas de remoção são alguns dos temas discutidos nas disciplinas. Renato Sanchez, que participou da elaboração e reformulação da grade específica para Química Ambiental, explica que adotar esta abordagem tem sua relevância na formação do químico bacharel, mesmo que ele acabe não optando pela ênfase. Isso porque, no IQ, o aluno pode realizar disciplinas das ênfases sem necessariamentecursartodaagradecurriculardelas.

Renato Sanches Freire é docente no Departamento de Química Fundamental do IQUSP desde 2003. Especialista na área de Química Ambiental, atua em temas voltados a processos oxidativos avançados, remediação ambiental, compostos fenólicos, degradação de poluentes, tratamento de efluentes industriais, catalisadores,entreoutros.

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Aconteceu na

Pandemia

alguns feitos da nossa comunidade entre 2020 e 2021

Relembramos

Capa de Revista

NestaediçãodoAlquimista,destacamosaspesquisaseartigosfeitospormembrosdoInstituto deQuímicaqueforamcapasde revistascientíficasinternacionais.

Science Signaling

O artigo “Structural analysis of TrkA mutations in patients with congenital insensitivity to pain reveals PLCγ as an analgesic drug target” foi elaborado pela equipe da professora Deborah Schechtman, em colaboração com outros docentes do Departamento de Bioquímica do IQ.

European Journal of Inorganic Chemistry

O artigo “Zeolitic-Imidazolate Framework Derived Intermetallic Nickel Zinc Carbide Material as a Selective Catalyst for CO to CO Reduction at High Pressure” aborda a descoberta de um novo catalisador à base de níquel, zinco e carbono, o qual conseguiu transformar dióxido de carbono (CO ), um dos principais gases de efeito estufa (GEE), em monóxido de carbono (CO), um importante intermediário para gerar produtos de valor agregado. O grupo responsávelpelapublicaçãopertenceaolaboratóriodaprofessora Liane Rossi,dodepartamentodeQuímicaFundamentaldoIQUSP.Alémdisso, estetrabalhoéumdesdobramentodeumestudoanterior,publicadono JournaloftheAmericanChemicalSociety emmarçode2020.

New Phytologist

O artigo “Field microenvironments regulate crop diel transcript and metabolite rhythms” aborda o relógio biológico e ritmo circadiano das plantas, além de explorar como os conhecimentos nesta área podem ser utilizados para melhorar a produção agrícola. No mesmo ano deste estudo, o professor Carlos Hotta (Departamento de Bioquímica) também publicou uma revisão sobre o tema no Journal of Experimental Botany, intitulado “From crops to shops:howagriculturecanusecircadianclocks”.

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IQ na mídia

As principais publicações recentes sobre o Instituto de Química

Alterações no metabolismo de gorduras podem ser chave para entender e tratar doença da retina

A partir de um modelo experimental de camundongos com retinopatia induzida por oxigênio, pesquisadores do IQUSP identificaram pela primeira vez importantes alterações no metabolismo de lipídios associadas a esta doença — que pode causar deficiência visual e até cegueira, especialmente em recém-nascidos prematuros. Os achados foram divulgados na revista iScience, do grupo Cell Press, em artigo intitulado “Oxygen-induced pathological angiogenesis promotes intense lipid synthesis and remodeling in the retina”.

CEPID Redoxoma

pancreáticas

Um artigo publicado na revista AgingCell mostrou pela primeira vez que a adiponectina — hormônio liberado pelo tecido adiposo — é capaz de modular a secreção de insulina estimulada pela glicose e o fluxo metabólico em células beta pancreáticas. Assinam o estudo a pós-doutoranda AnaCláudiaMunhoz eaprofessora AliciaKowaltowski, doIQUSP,entreoutroscolaboradores.

Estudo sugere que exercício físico resistido, como musculação, pode prevenir sintomas de Alzheimer

Agência FAPESP

AconclusãofoipublicadaporpesquisadoresdasuniversidadesFederalde São Paulo (Unifesp) e de São Paulo (USP) na revista Frontiers in Neuroscience, em artigo intitulado “Neuroprotective effects of resistance physical exercise on the APP/PS1 mouse model of Alzheimer’s disease”. Umdos coordenadores do estudo foi o professor Henning Ulrich, do DepartamentodeBioquímicadoIQUSP.

Jornal da USP
NOBEL
Hormônio adiponectina reverte dano provocado por obesidade em células beta
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Journal of Neurochemistry elege artigo de doutorando do IQUSP como o melhor de 2022

Luz visível nas faixas violeta e azul tem efeitos similares aos da radiação UVA em queratinócitos

Cientistas liderados pelo professor Maurício Baptista, do IQUSP, estabeleceram o espectro de ação da fototoxicidade da luz visível em queratinócitos humanos e mostraram que a radiação nas faixas violeta e azul pode ter efeito tóxico, dependente do tempo de exposição à luz. O estudo também indica que os filtros solares disponíveis, que protegem contra radiação ultravioleta (UVB e UVA), não são suficientes para a proteção efetiva da pele.

Identificada molécula associada a reprodução e sobrevivência do parasita da esquistossomose

CEPID Redoxoma
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doConjuntodasQuímicas estáentreosprincipaisacervos especializados

daAméricaLatina

Além de Obras Raras da Química, o Conjunto abriga o acervo especial dedicado a Otto Richard Gottlieb

Voltar-se para o passado e encará-lo como uma referência é algo tão comum quanto podemos imaginar. O próprio físico Isaac Newton, em sua célebre declaração, reconheceu a importância de apoiar-se no 'ombro de gigantes' — Kepler, Galileu e Descartes — para vermaislonge.EemboraaCiência— àprimeiravista—possapareceruma infinita semirreta que nos leva em direção aos anseios do futuro, boa parte desse trabalho consiste na ideiadafrasedeNewton:voltarduas casas para trás, compreender alguns fundamentos, para então andar novas casas à frente (ou até mesmo mudar o trajeto). Nesse caminho, encontram-seosregistros.Sãonotas,fotografias, amostras e publicações que são traduzidos de idioma para idioma e exportados de um local para outro — como acontece na Biblioteca do ConjuntodasQuímicas (BCQ)daUSP.

Vocêsabia quecópiasdoacervodaBCQsão enviadas até para pesquisadores do Leste Europeu? E para que uma instituição do exterior ouvocêencontreestesregistros,énecessáriauma força tarefa da equipe da biblioteca.“Se a pessoa estiverfazendoumestudocompleto,umtrabalho de revisão sistemática, seja o que for, às vezes, ela quersaberdesdeocomeço.Eocomeçoéantigo. Agentetemtodoesseserviçodefornecimentode cópias. Acho que eles descobriram a gente, né? (risos). Então tem Hungria, parte da Iugoslávia, Sérvia,Montenegro,tambémIrãeEgito.

Tem vários [pesquisadores] que pedem cópias pragente,porquecomohojeomundoestámais globalizado, eles acabam chegando nesses artigos através das bases de dados”, conta Adriana Barreiros, supervisora de referência, circulaçãoepublicaçãodaBCQ.

ADivisãodeBibliotecaeDocumentaçãodo Conjunto das Químicas, ou apenas Biblioteca do Conjunto das Químicas, teve sua fundação em 1966,apartirdauniãodosacervosdoInstitutode Química e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Além de abrigar livros, periódicos e outros materiais, a BCQ também é um espaço para estudos e presta diferentes serviços aos visitantes — como acesso à sala multimídia para conferências, realização de cópias, produção de fichas catalográficas e treinamentosparaprofessoreseusuários.

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Adriana explica que o trabalho de suporte da BCQ é "desde situar a pessoa dentro do ambiente da biblioteca até [ensiná-la a] usar um catálogo, usar uma base de dados, recuperar um artigo de periódicos que ela encontrou na base de dados. Porque uma coisa é você encontrar ali na base de dados, outra coisa é você ir no artigo. O acesso ao documento é muito importante, seja ele livro, periódico ou seja uma tese".

As Obras Raras da Química e da Farmácia

Vamossuporquevocêestejafazendoumapesquisa.Aopassoqueelase desenvolve, chegar à base de um determinado tema torna-se cada vez mais necessário. Você percebe que é difícil localizar aqueles que seriam os primeiros estudos, porque nem todos eles estão digitalizados ou até mesmo disponíveisparaconsultas.Porém,vocêestácomsorte:noquedizrespeitoàs áreas de Química e Farmácia, na BCQ há grandes chances de encontrar essas produções, na seção de Obras Raras do acervo.

Com o acompanhamento de um servidor técnico, a sala de Obras Raras — que fica ao lado do Centro de Memória da Química e da Farmácia — é cuidadosamente destrancadaeseuacessoautorizado a pesquisadores visitantes. Ao entrar nela, observa-se produções valiosíssimas em conhecimento. São livros que, pela própria aparência, já demonstram serem muito antigos. Por isso, compreende-se que eles precisam de todo o cuidado de manutenção. “A gente tem um acervo, hoje, que é considerado realmente um acervo-base muito importante, principalmente na área de periódicos. A Biblioteca tem os primeiros títulos na área de Química e na área de Farmácia”, conta Adriana.

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Acervo Especial Otto Richard Gottlieb

Uma biblioteca é um espaço para o presente e para o futuro — que, além de publicações e artigos, também preserva memórias.UmdosacervosdaBCQédedicado a OttoRichardGottlieb,expoentedaQuímica de Produtos Naturais no Brasil. A história de Gottlieb no país começa em 1939, no Rio de Janeiro. Vindo da Tchecoslováquia e naturalizado brasileiro, é considerado o cientistanacionalquechegoumaisperto de ganhar o Prêmio Nobel (com três indicações ao Nobel de Química — 1998, 1999 e 2000). Aqui, Gottlieb passouporváriasinstituições,comoa UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,

a Universidade de Brasília e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, até sua chegada na Universidade de São Paulo. No Instituto de Química da USP, criou o Laboratório de Química de Produtos Naturais elecionouatéadécadade1990.

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A devoção de Otto Gottlieb à compreensão das substâncias químicas presentes nas plantas foi determinante não só para a criação de uma nova forma de classificá-las, mas também para a descoberta deaplicaçõesparaessassubstâncias,comoem fármacos, e sobretudo para a conscientização sobre a necessidade da preservação das espéciesvegetais.Diantedeanosdededicação à ciência, muito material de pesquisa foi construído por Otto. Assim, após o seu falecimento,em2011,aBibliotecadoConjunto das Químicas foi a instituição escolhida para receberamaiorpartedoacervoproduzidopelo químico — e é muito material mesmo, diga-se depassagem.AoentrarnasaladaBCQdedicada à preservação dos trabalhos de Gottlieb, vê-se fichas,notaseslides,cuidadosamenteseparados e organizados em caixas, fitas e pastas. Tânia Maria Bueno, chefe técnica de divisão da biblioteca,contaquesão37fichários,77pastase cerca de 100 mil fichas entre os materiais datilografadosemanuscritospeloquímico.

publicados e muita produção, mas o que ele mais amava, essencialmente... Ele era um grande professor. O que ele tinha prazer em fazereradaraula,eraensinar.Então,o ambiente aí no bloco 11 era muito bom”,diz Maria Renata Borin,mestree doutora em Química Orgânica pelo IQUSP,soborientaçãodeOttoGottlieb.

Borin conta que uma das características da personalidade de Otto foi sempre buscar estudar e compreender outros assuntos além da química, de forma a ter uma abordagem interdisciplinar. Para isso, assinava revistas, encomendava livros e, assim, foi montando sua biblioteca particular — pensando principalmentenosalunos.Inclusive,partedos prêmios concedidos ao pesquisador foram usados para adquirir obras de referência. “Ele ganhou um grande prêmio na Inglaterra e gastou quase tudo num dicionário de produtosnaturaisqueninguémtinhanoBrasil. Nenhuma biblioteca tinha, ele comprou e mandou vir. Era tão caro que ficou preso, a receita [federal] achou que não era possível que fosse uma coleção de livros. Ele teve que pagarumadvogadoparaliberaroslivros,para você ter uma ideia. E a preocupação dele não erasólivrosparaele,masquetambémfossem úteis para os alunos dele ou de outros professores”,relembraBorin.

Omotivodetantozelocomosfichamentos de pesquisa e com as amostras de sementes de algumas espécies de plantas amazônicas, por exemplo, estava na preocupação de Gottlieb em reunir materiais que pudessem ser usados pelos estudantes. Isso porque, além de se consolidar na carreira de pesquisador, outro pilar de dedicação doquímicoeraoensino.“Achoquefoiumgrande privilégio da minha vida ter trabalhado com o professor Otto. Ele teve quase 700 trabalhos

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Maisinformaçõesembibcq@iq.usp.br

Entre as espécies estudadas pelos grupos de pesquisa liderados por Otto, há aquelas com importânciaeconômica,comoasdafamília Lauraceae, e também aquelas ligadas a conhecimentos tradicionais de comunidades indígenas, como as da família Myristicaceae.ApesquisadeOttoemprodutos naturais contribuiu para a compreensão de marcadores quimiotaxonômicos — isto é, micromoléculas que, devido às suas características químicasdemetabolismo,permitemaobservaçãode diferenças entre indivíduos, seja qual for o nível hierárquico — eaexpansãodocampodeestudopara potenciais novos fármacos e agentes bioativos. Emboraasaplicaçõesmedicinaisouindustriaisfossem reflexos desse tema, não eram elas os únicos propósitos de Otto. “Ele buscava compreender o funcionamento da natureza. Não apenas visando o bem-estardapopulaçãohumana,masparaentender quais são os mecanismos utilizados por ela para se manter viva, se reproduzir e se adaptar às novas circunstâncias.Elediziaserimpossívelinteragircoma natureza se não compreendêssemos os mecanismos deseufuncionamento”,dizBorin.

Tudo isso precisava ser preservado e deixado à disposição das pessoas, como desejava Otto. Para tornar público os mais de 60 anos de trabalho do pesquisador, em 2022 — a partir de um projeto da Pró-Reitoria da USP — foi iniciada uma força-tarefa para organizar o acervo do químico na Biblioteca do Conjunto das Químicas, que contou também com a participação de Maria Renata Borin. “Toda a organizaçãodabibliotecatemmuitodoprofessor,do jeito como ele organizava. Ele dizia que era um jeito que qualquer pessoa que entrasse lá encontraria [o que estivesse procurando]”, conta ela. “Acredito que uma das grandes contribuições do professor Otto tenhasidoa‘capacitação’deprofissionaisparaatuarna área de química de produtos naturais — que ele consideravadeextremaimportânciaparaoBrasil.Mas, ele foi além do habitual, porque também abriu caminhos novos a serem seguidos. Ele desenvolveu diversaslinhasdepesquisaque,emboranaépocanão estavam em voga, hoje são temas centrais na sociedade — como, por exemplo, ecologia, biodiversidade, importância da Amazônia, do Cerrado, entre outros”.

Maria Renata Borin Adriana de Almeida Barreiros
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Tania Maria Bueno

Melhoramento da cana-de-açúcar, carreira científica e futuro sustentável

Glaucia Mendes Souza é doutora em bioquímica, docente do DepartamentodeBioquímica do IQUSP e coordenadora do Programa de Pesquisa em Bioenergia, BIOEN, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Em seu laboratório, atua no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de biotecnologia e bioinformática da cana-de-açúcar. Para esta edição do Alquimista, conversamos com ela sobre temas relacionados à sustentabilidade, à importância da cana na transição energéticaeàcarreiranaciência.

Confira os principais momentos da entrevista a seguir:

AQ: Como entrou neste campo de pesquisa e como se deu a criação do laboratório voltado para o melhoramento da cana-de-açúcar?

GM: “A primeira pergunta foi identificar genes que poderiam ajudar no melhoramento da cana-de-açúcar, era bem básica. Então, quais são as categorias de genes que podem atuar no melhoramento? Porque melhoramento, a gente tem que considerar vários aspectos: uma planta no campo é adaptada às condições locais, com uma produtividade que gere lucroequesejatoleranteadoenças.Éumgrandenúmerodevariáveisquea gente tem que considerar. Quando eu comecei a minha carreira, eu trabalhava com câncer, eu não trabalhava com cana. Eu trabalhava com aumentodesinaisquedirecionavamumacélulaaduplicar,queéocâncer.Eu fiz o meu pós-doc na La Jolla Cancer Research Foundation e na Baylor College of Medicine [EUA] e trabalhava com microrganismos, tentando entender o que faz uma célula duplicar.

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Quando eu voltei para o Brasil, depois do meu pós-doc, comecei a ver as oportunidades. O que está acontecendo no Brasil? Porque trabalhar na área de saúde é mais comum, todo mundo quer trabalharcomacuradocâncer,todomundoquer trabalhar com a cura de alguma doença. Eu queria curar alguma coisa do planeta. Fiquei pensando assim: ‘será que eu não consigo transformar o conhecimento que eu tô trazendo paraumaáreaqueédeinteressedoBrasil?”.

A partir deste momento, Gláucia se inscreveu para a chamada do Projeto Genoma da Fapesp, voltado à agricultura brasileira — e resolveu testar se os mecanismos moleculares que ela já havia estudado, que estavam envolvidosnamultiplicaçãocelular,poderiamser pensados em um contexto de aumento de produtividade. A ideia deu certo e se desdobrou emdiferentesprojetosepatentes.

GM: “Você começa a explorar a ideia de como funcionam as células para aumento de produtividade: é fotossíntese? É tolerância à seca? É fazer biomassa? Aí, a gente tem recentemente uma outra vertente, que também é muito promissora. A gente conseguiu aumentar a produtividade da cana. Para você ter umaideia,quandoagentecomeçoueram60,70 toneladas; hoje em dia, digamos que estamos a 80 toneladas por hectare. Nosso cálculo potencial é de 380 toneladas por hectare — e já estamos em 200 toneladas com essa estratégia nova. Então, a gente tem genes que conferem tolerância à seca, a gente tem cultivares que demonstram que, quando cruzados, eles aumentam a produtividade. E eu vou até os ancestraisdacana,viu?”.

AQ: Dados do IEA (Instituto de Economia Agrícola) do Governo do Estado de São Paulo mostraram o Brasil, na safra de 2020/21, como o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. Parte desse cultivo foi destinado à produção de 29,7 bilhões de litros de etanol. Considerando o cenário de produção de combustíveis, que papel você acredita que o Brasil tem na construção de um futuro que pense na sustentabilidade?

GM: “O Brasil é segundo lugar na produção de bioetanol. Os Estados Unidos lideram, com o etanoldemilho.OBrasiléreferência,noentanto, emsustentabilidade,porqueoetanoldemilhoé menos sustentável [do que o etanol da cana-de-açúcar]. A cana reduz em pelo menos 70% as emissões de CO2 ; o milho, 37% mais ou menos. O etanol de cana ainda é o exemplo de sustentabilidade, mas o etanol de milho é o maior mercado. Nós temos uma parceria com os Estados Unidos, ambos [os países] promovem a expansão do etanol, porque ambos [etanol de canaedemilho]sãomelhoresdoqueagasolina. OBrasilestáexpandindoaproduçãodeetanolde milho com uma segunda safra sem adição de fertilizantes — e já vai chegar a 6 bilhões [de litros] em breve, então o Brasil está diversificando.Acanaéumapossibilidadeparao Brasil, mas o Brasil tem muitos reduzidos da agricultura: 1 bilhão de toneladas, por ano, de resíduo. Então, a gente precisa diversificar, eu adoro pensar essas outras fontes não só a partir de cana, mas também o biogás, biometano, biofertilizantesetudomais”.

AQ:Você participa de várias organizações que buscam discutir sustentabilidade, bioenergia e biotecnologia — como a BIOEN, a World Bioenergy Association e a Global Change BiologyBioenergy.Dosanosemqueparticipou e que participa desses projetos, que mensagem você acredita que precisa ser reiterada em relação ao próprio tema da sustentabilidade?

GM:“Achoqueminhaparticipaçãonessesfóruns todos é derivada da importância que a cana assumiu no cenário internacional. Diria que é menos sobre mim e mais sobre a importância que o Brasil estabelece — um Brasil que se apresenta com recursos, com sustentabilidade, compolíticasquetêmfuncionadoalongoprazo. A gente tem políticas de décadas, que os países desenvolvidos estão tentando estabelecer. É sobreavocaçãodeagriculturaedeproduçãode energia sustentável que o Brasil tem. Olhem os números, a gente substituiu quase 50% — já chegou a ser 49%, 51% —, mas, em média, nós estamos substituindo 50% da gasolina no país

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GM:“Eu vou citar uma pesquisadora.Tem vários. É muito difícil na minha área, tem muito mais homem que mulher, mas tem uma pesquisadora nos Estados Unidos, já aposentada, que é a HelenaChum. Ela foi aluna do IQ há muitos anos e, depois, foi pesquisadora do NREL (National Renewable Energy Laboratory) nos Estados Unidos. Eudiriaquefoielaquemmeprovocouaparticipar dessas atividades todas internacionais. Porque ela chegou em mim e falou: ‘Glaucia, com tudo isso que vocês estão fazendo, vocês têm que ocupar esse espaço. O Brasil tem muito potencial e não tem ninguém falando essas coisas’, começou a me cutucar. E eu não me achava à época, ela me ajudoumuitoemváriosmomentos.Eujátinhaum mega relatório global publicado, com 129 pesquisadores de 31 países, já tinha isso feito. Mas você sabe que, às vezes, falta alguém te falar que você tem esse potencial. Foi uma conversa com ela, poucos minutos. Depois, ela me ligou várias vezes, mas aquela conversa, eu me lembro daquelaconversaemqueeufaleiassim:‘nossa,eu tenho que me colocar nessa agenda’. Não tinha planos, mas eu me provoquei a me colocar nessa agenda. Isso foi em 2018 e abriu muitas portas”.

AQ: Sobre algumas obras, filmes e produtos culturais que te marcaram, quais seriam suas indicações?

GM: “Ah, vou te dar um”.

AQ: Quais conselhos para a pesquisa você gostaria de passar aos estudantes de graduação e de pós, que considera importantes durante a carreira?

GM: “Em qualquer projeto inicial, [recomendo] que você cobre do seu orientador que ele considereaspectosdeimpactosocial,ambientale econômico — alguma coisa disso. Você tem que começar a sair da bolha. É muito legal que você coloque isso na sua introdução de tese, mas não é suficiente. Acho que você tem que ter [esses elementos] em algum aspecto de análise: com números, com considerações de mercado, se isso tem impacto social, ambiental e/ou econômico. Pode ser que você não consiga fazer todos. Se você conseguir olhar vários, olhe para as políticas. A gente tem quatro pilares da sustentabilidade — faleiemtrês,maséoambiental,social,econômico e de governança. De governança, porque você pode até ter os três ali, mas se não tem alguém paradizerqueméquevaiperderseaquilonãofor feito... Então, essa consciência do aluno de que o que ele faça tenha uma consequência, você tem que entrar com isso na pós-graduação”.

Mais informações em glmsouza@iq.usp.br

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Galeria de artes do IQ

Onde a comunidade do IQ expõe sua veia artística

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A emocao e a beleza da difracao da luz ~ S

- Paola Corio

Visita azul no rosa da cerejeira

- Hernan Chaimovich

Mai Fleuri

A saudação de Flora e Maia, Chega a primavera, Chegam as flores, Chega a vida.

Lá em Fourmies, Maio sempre foi florido, Até a ordem de disparo dos donos do maquinario, Nio donos da vida, nem da "máquina homem" , Mas donos de tamanho capital que rivalizava sua crueldade. Tamanho capital que conseguira comprar A vida, a morte, a dor, o Suor & o sangue.

Em 1891, lá em Fourmies, Maio foi florido, Flores vermelhas, Não assim nasceram, Mas assim se tornaram. Flores que nada eram, além de flores, Se tornaram a materialização da dor, Flores pretas, Não assim nasceram, Mas assim se tornaram. Mal sabiam os donos do maquinário, Que o vermelho de cada flor, Aos poucos Se espalhou, E como semente, em cada fábrica desabrochou, Dessa vez, flores vermelhas, Que para O seu desespero, Assim nasceram.

AuTOR AMÔMinho

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Fluorescencia

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