UMA PITA SEM CABEÇA
Literalmente, eu tinha o problema entre mãos, um problema penoso, digamos assim, que não sabia como ia resolver... Os pés metidos na merda, respirando pela boca para evitar o cheiro da porcaria da capoeira, o coração aos pulos como o do marinheiro em primeira viagem, os olhos sem préstimo no meio daquele escuro todo, eu agarrara o problema – quero dizer, a galinha – com a resolução acrescida de quem tem de vencer uma repugnância natural. O caso é que a filha da mãe da penosa não se queria dar às boas e começou a estrebuchar (era o menos!), além de cacarejar aflitivamente, na incerteza de qual seria o seu futuro imediato, sem falar já do remoto. Tomei aquele arruído como assuada, sinal claro de insubordinação, que ameaçava estender-se às mais aves da capoeira. E, sem poder tranquilizar a infeliz quanto ao objecto da sua preocupação, tentei com apertar-lhe o papo secar o barulho na fonte, não fossem as outras seguir o exemplo daquela desavergonhada. Aperta aí, firme, galego!... Eu iniciava nessa noite a minha carreira de pilha-galinhas, mas tivera o cuidado prévio de escolher um objectivo que conhecia bem, o galinheiro de uma casa de hóspedes que me albergara até ao mês anterior. Esperara a madrugada, por certo (já não me lembro da hora), fizera com cautela, certamente, a aproximação ao quintal e penetrara por fim nos anexos da casa, num trajecto inverso daquele que tantas vezes fazíamos, anteriormente, fugindo de casa às escondidas, a desoras, para vadiar pela cidade ou comer um petisco nos reservados da baixa. Não me recordo de muitos pormenores, nem lembro sequer o número e identidade dos elementos do... grupo de combate. Éramos com certeza dois ou três (está visto que eu não ia sozinho) e os outros, provavelmente, tinham mais experiência do que eu (experiência de vida, seguramente, e experiência da... arte, vamos dizer assim). Não me lembro, julgo, pelo muito tempo que passou sobre o facto histórico, mas também, creio, e principalmente, pela grande emoção da cena em que me vi metido... Como já referi, os pés enterrados na porcaria do galinheiro, escuro como breu, muito cuidadinho para não escorregar naquela caca toda, com a franga insubordinada apertada pelo braço esquerdo contra o corpo, tentando limitar-lhe o adejar com a mão desse lado e, com a mão direita, a apertar-lhe o papo (disse o papo? – o pescoço, a cabeça, eu sei lá!...), a ver se a calava. Mas, qual o quê, a filha de cem curtas esganiçava-se cada vez mais, crrrrrrááá-crrrrróóócrrrrááá, e eu sem saber que fazer, quase a panicar, pensando: esta galdéria ainda me acorda o galinheiro, espalha-se o alvoroço e temos o caldo entornado. Mais por instinto que por outra coisa, a cada arranco da pita, comecei a torcer-lhe o pescoço. Um crrrááá da revoltosa, imobilizada pela minha esquerda, e eu, pimba, vai uma estorcedela ao pescoço; outro crrrááá e eu, outra estorcedela...