Uma espécie de guerra civil (2)

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UMA ESPÉCIE DE GUERRA CIVIL (2)

Sigo com o tema do tal livro de ficção dedicado ao caos do trânsito, esta espécie de guerra civil entre automobilistas e peões. Para falar, por hoje, das causas de tal fenómeno social, e não só das causas, já agora, também das respectivas consequências. A sociologia ensina por certo – deve ensinar – como os factos sociais são complexos, não se explicando os mesmos, geralmente, por uma única causa, mas por várias, por um conjunto de circunstâncias que, actuando conjugadamente em certo sentido, convergem na produção de certa realidade, o facto, que constitui o objecto daquela ciência. É o caso do trânsito, da guerra do trânsito, que não tem uma causa, tem muitas, certamente. Desde logo, a omissão da autoridade, a escandalosa ausência e passividade dos agentes da autoridade, da G.N.R . e de outras corporações com atribuições na matéria, P.S.P., polícias municipais, etc. Aqui há uns anos, quem circula que diga, via-se a polícia em acção (vamos dizer assim, polícia, em termos genéricos) a controlar o tráfego, fiscalizando e sancionando na hora as infracções. Agora, onde é que pára a polícia, que ninguém a vê, apesar de há muitos anos os sucessivos governos nos dizerem que... vão pôr os polícias nas ruas, tirá-los de esquadras e quartéis, furtá-los às tarefas de secretaria e a outras que podem ser atribuídas a outro tipo de agentes? Vamos então supor que a polícia estivesse presente na estrada, em vez de ausente, e actuasse perante as infracções, em lugar de ficar quieta: alguém duvida de que a situação seria completamente diferente? Isto dito, temos de tentar explicar as razões por seu turno da ausência da polícia e da sua passividade (sim, porque os factos sociais são complexos também neste sentido de que cada um deles é simultaneamente causa – de outro facto – e consequência ou efeito de um outro). A polícia, em suma, não se mostra na rua porquê? Convergem aqui duas razões, pelo menos, uma objectiva e outra subjectiva. Objectiva, digo, a existência de novas missões que leis recentes atribuíram a estas corporações, P.S.P. e G.N.R., sem discussão, sem ninguém dar por isso; é o caso, por exemplo, da investigação/instrução criminal que estava no conjunto do País confiada aos tribunais (M.P.) e que estes gradualmente foram descarregando nas polícias, até vir uma lei que culminou o processo. A partir desse ponto, é claro, passou a ter outras coisas que fazer, mas passou a ter igualmente pretexto ou justificação para não fazer aquilo que antes fazia. E como é tão mais cómodo ficar em casa do que sair à rua, gozar o ambiente ameno das instalações – aquecidas no Inverno, refrescadas no Verão – é certamente preferível a arrostar com as inclemências do tempo, e não só com o tempo, também com as chatices e contrariedades que arrasta o exercício das funções de autoridade e de controlo da conduta alheia. Há assim negligência da banda da polícia, podemos dizê-lo, há falta de zelo, há incompetência no cumprimento da missão de controlo do trânsito, e isso explica em parte a ausência da polícia nas ruas, mas explica ainda a passividade dos agentes diante das infracções a que assistem, quando de todo não podem evitar dar duas voltas apressadas ao quarteirão, por


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