CHEGA-LHE, ACÁCIO
Esta vivi-a eu nos meus seis, sete anos, lembro-me bem, como se fosse hoje... Na Talhada, em dia de festa, um povo onde se comia nata (em malguinhas), já nem me lembra se se dizia nata ou natas, não, não – era nata. A última que lá me arranjaram, há bem anos, tive de inventar uma mentira de ser para uma grávida, que estaria a morrer, mas com desejos... A outra que comi, antes dessa, foi com o meu paizinho, Deus lhe fale na alma, sentado num patim, à porta de um palheiro, a altura da soleira era a mesma das minhas pernas, já estais a ver o tamanho da testemunha. Tinha seis anos, como digo. Minutos antes, estávamos todos no largo, em frente à capela – o único telhado de telha, francesa, tudo o resto era de colmo, palha centeiga – os pés calcando o mato branco, cortado de fresco e espalhado nos caminhos na véspera, para tapar as misérias da porcaria. Aí o Acácio Pereira, cantador afamado, está ao descante ao desafio com um borra-botas qualquer, acolitado pela mulher, a Camioneta das Achas (juro, assim lhe chamava o povo, não é história), que o acompanhava para todo o lado, nas festas. Ela está à desbanda, recuada meio passo, o cotovelo direito apoiado no braço esquerdo horizontal, à linha da cintura, a mão direita segurando o queixo e a face do mesmo lado, a contemplar o seu homem. A um gesto da cabeça, tremem-lhe as arrecadas, enormes, suspensas das orelhas. Em redor a multidão de basbaques, um aro pequeno no meio. E eu olho, lá de baixo, no meio do aro... O adversário acabou de rematar a sua volta, o Acácio prepara-se para a resposta, sanguíneo, o bigode muito preto, o rosto encolorido de vermelho, do calor, do verdasco e da veia, poética. Cofia o bigode, ajeita o cigarro atrás da orelha, dá uma cheiradela no raminho de manjerico que segura na mão esquerda, avança o pé direito, enche a arca do peito para exalar a quadra e aí a mulher cutuca-o do lado e diz-lhe ao pé do ouvido (será que só eu ouvi?): -‘Tchega-lhe, Acácio’!...