NOVA em Folha | Fevereiro-Março 2023

Page 1

REIVINDICAÇÃO REIVINDICAÇÃO

O 24 DE MARÇO COMO DIA O 24 DE MARÇO COMO DIA

DO ESTUDANTE DO ESTUDANTE

TESTEMUNHOS DE TESTEMUNHOS DE VOLUNTÁRIOS DA REFOOD VOLUNTÁRIOS DA REFOOD

IN DEFENSE OF ULTRA- IN DEFENSE OF ULTRAFEMININITY FEMININITY

E AINDA CRÓNICAS, POEMAS, E AINDA CRÓNICAS, POEMAS, CRÍTICAS, JOGOS... CRÍTICAS, JOGOS...

UM JORNAL D@S ESTUDANTES UM JORNAL D@S ESTUDANTES

PARA @S ESTUDANTES! PARA @S ESTUDANTES!

o j o r n a l d a a e f c s h . N O V A e m F o l h a f e v e r e i r o / m a r ç o 2 0 2 3 GRATUITO 0 00€
FOLHA
EM FOLHA
AE EM
AE

Podes sempre enviar para o NOVA em Folha as tuas fotografias/ilustrações para serem publicadas na nossa newsletter ou até servirem de capa! Contacta-nos através de novaemfolha@fcsh unl pt

ENVIA AS TUAS PROPOSTAS

até ao dia 16 de cada mês para novaemfolha@fcsh.unl.pt

Todos os meses, aceitamos propostas de textos, poemas, críticas, receitas, crónicas, bitaites, artigos desportivos, notícias e destaques, reportagens, peças humorísticas,... de qualquer alun@ ou docente da FCSH, as quais são posteriormente revistas pela nossa equipa editorial.

Dentro das mesmas datas, aceitamos ainda propostas de fotografias, ilustrações, montagens,... não só para serem incluídas na nossa edição, mas também para se habilitarem a serem incluídas na capa desse mês!

Qualquer dúvida ou sugestão não hesites em contactar-nos! Ficamos à tua espera! :)

NOTAS

A ado(p)ção do acordo ortográfico em vigor é uma decisão individual d@s membr@s da equipa de reda(c)ção e colaborador@s Após a revisão completa do material recolhido pela equipa editorial, o seu conteúdo e versão final são da responsabilidade e exprimem somente o ponto de vista d@s respectiv@s autor@s

nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em

ESTE JORNAL É IMPRESSO EM PAPEL 100% RECICLADO.
o
. N O
j o r n a l d a a e f c s h
V A e m F o l h a
Foto da capa: Manifestação dos estudantes a 24 de Março de 2022

direção redação e revisão

ficha técnica

Ana Catarina Tiago

Madalena Craveiro

Margarida Mendes Craveiro

Ana Catarina Tiago

Beatriz Gomes Martins

Beatriz Mateus

Catarina Aires

Clara Figueiredo

Diogo Nunes

Diogo Ribeiro

Francisca Leal

Francisco M Barata

edição gráfica

Tânia Pereira

Yelyzaveta Basysta

Guilherme Machado

Jéssica Marques

Jorge Tabuada

Madalena Craveiro

Manuel Gorjão

Margarida Mendes Ribeiro

Rita Mota

Tânia Pereira

Yelyzaveta Basysta

colaboradores

AEFCSH

Ana Catarina Cardoso

Bela Cadima

C L

Dária Rosa

Filipa Caetano

Gil Neves

Guilherme Vaz

Hefesto de Oliveira

João Strecht

Laura Nunes

Lucas Veras

Maria Linhares

Miguel Plácido

Pedro Araújo

Rafael Lopes

Ricardo Lobarinhas

Rodrigo Ferreira

Tiago Gomes

02

nova em folha nova em folha nova

índice

Pág. 3

AE EM FOLHA

Mafalda Borges

Pág 4

Pág 5

Pág 6

Pág 7

Pág. 8

Pág 9

Pág 10

Pág 11

O 24 DE MARÇO COMO DIA DO ESTUDANTE

Lucas Veras

ECOS DA REVOLTA

Gil Neves

LUTA DAS MULHERES

Laura Nunes

ANO NOVO, MAS, QUE VIDA NOVA?

Francisco Mendes Barata

SEM TÍTULO

Guilherme Vaz

QUEM ENSINA A VOAR NÃO PODE RASTEJAR

Jorge Tabuada

EUTANÁSIA

Jorge Tabuada

TESTEMUNHOS DE VOLUNTÁRIOS DA REFOOD

Ana Catarina Cardoso, Filipa Caetano, Pedro Araújo e Tiago Gomes

Pág. 13

EM MEMÓRIA DE VIVIENNE WESTWOOD

Francisca Leal

Pág 15

HEROIN CHIC AND THINNESS

Jéssica Marques

Pág 16

IN DEFENSE OF ULTRA-FEMININITY

Jéssica Marques

Pág 17

"É PECADO QUERER?" LOBO E CÃO - UM

HINO À LIBERTAÇÃO INDIVIDUAL

Anónimo

Pág. 18

VELOCIDADE FURIOSA 7

Miguel Plácido

Pág 19

SEMANA DE 1922, QUANDO O BRAZIL

SE TORNOU BRASIL

Bela Cadima

Pág. 20

EU NÃO SOU EU

João Strecht

Pág 21

OS VELHOS TAMBÉM DORMEM

Manuel Gorjão

Pág 22

TESTEMUNHO - NA OUTRA MARGEM

Ricardo Lobarinhas

DA DISPONIBILIDADE

Ana Catarina Tiago

KAFKA À BEIRA D’PANELA RFF

SEM TÍTULO

Rafael Lopes

O AMOR NOS DIAS BONS | O QUE MELHOR SEI FAZER | SEM TÍTULO | Catarina Aires | C.I. | Manuel Gorjão

I WRITE TO YOU TODAY | SEM TÍTULO | Dária Rosa | Maria Linhares

OS OLHOS DO ALAFIM DE OYÓ

Hefesto de Oliveira

PARANOIA OU MISTIFICAÇÃO?

Bela Cadima

Pág 23

Pág 24

Pág 25

Pág. 26

Consulta a versão online do Jornal a cores! Dispnível no link da BIO do nosso instagram

@novaemfolha.aefcsh

Pág 27

Pág. 28

Pág 29

Queres ficar a saber que textos, arte e novidades são inspirados pela eclética experiência de que disfrutam @s estudantes da FCSH? Além de ler as nossas edições mensais, SUBSCREVE SUBSCREVE

(envia-nos o teu e-mail por Direct ou Messenger)

em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em folha nova em

A NOSSA A NOSSA NEWSLETTER NEWSLETTER

AE EM FOLHA AE EM FOLHA

Findado mais um semestre na nossa Faculdade, encontramo-nos agora num período mais calmo, de férias,prontospararecomeçararotina Masdesengane-sequemacharqueosúltimostemposforamde calmia

DesdequeassumimosestenovomandatonaAEFCSH,quejánosdeparámoscomváriosdesafios,bem como todos os estudantes do nosso país Entre recomendações com bases assistencialistas da OCDE para as propinas, ou alterações no modelo de acesso ao Ensino Superior, que mantém e fortalece as suas barreiras de acesso, rumo a uma ainda maior elitização; entre relatos de colegas que perdem a bolsaameioanolectivopor“mauaproveitamentoescolar”,entreumacantinaameiogásnasférias(ea meia limpeza antes), passamos também por atrasos na atribuição de notas e por promessas de reabilitaçãoderesidênciassemfim Osmesespassameosproblemasmantêm-se,alterandoapenasa suaexpressão

Assim,comoportodoopaís,assistimosaváriosproblemasespecíficos,masconseguimosestabelecer um padrão: todos caem da mesma grande árvore que cobre hoje o nosso Ensino Superior (ES) É o subfinanciamento crónico das nossas Instituições (IES) que faz com que chova no átrio da Torre B na FCSH, ou com que o tecto das Cantinas Azuis de Coimbra caia São as propinas que continuam como financiadorasdoES,qualobrigaçãodosestudantesefamílias,quandoestaéumafunçãoconstitucional do Estado, da qual está actualmente desresponsabilizado; mas são também as taxas e emolumentos quesemantêmcomoumabarreiraparatodosaquelesquequeremingressar(oumanter-se)noES.Éo fraco sistema de Acção Social, que se manifesta de tão variadas formas: nas condições das nossas residências,comoaáguaquentequeaparecetalveztantasvezesnaresidênciadeCampolide,quantas osSASNOVAouvemosanseiosdosestudantes;ounafaltadepsicólogosparaoscolegasdaMadeira(1 para2000);ounaCantinadoCrasto,emAveiro,aindacomarefeiçãosocialfechada AgravidadedasituaçãoéclaraquandovemososdadosdaDGES(Dezembro2022)epercebemosque, os 103.896 pedidos de bolsa, apenas 57% foram deferidos – e perguntamo-nos: e os restantes estudantes?Seráque,paraoano,caemnosmilharesquenãosematricularampornãoteremcondições para assegurar os custos de alojamento, alimentação, transportes, propinas, etc? Mas é também clara quando olhamos o RJIES – agora no centro do debate pela ironia da nomeação de apenas dois estudantesparaumacomissãoquedeviareverumadasprincipaisreivindicaçõesdosestudantes:asua subrepresentaçãonosórgãosdegestão–,queabreportasaoregimefundacional,permitindoaentrada de interesses alheios à faculdade, e que diminui a participação democrática de toda a comunidade académicanagestãodasIES

É por estas e tantas outras razões, que este é um semestre tão importante para os estudantes portugueses Num crescendo de lutas a que se tem assistido, aqui dentro de portas e por todo o país, juntamo-nos este ano, como sempre, no Dia Nacional do Estudante, dia 24 de Março, em Lisboa, para celebraroqueéserestudanteelutarpeloqueénosso.Sabemosaimportânciahistóricaquetemos,o papel que tivemos nas Crises Académicas de 1962 e 1969 ou, mais recentemente, nas grandiosas mobilizaçõesdosestudantes,nosanos90,contraaleidapropina

Sabemos que só todos juntos, unidos pela vontade de transformar e lutar, podemos alcançar grandes mudanças Não é agora altura de recuar, não com o agravamento das condições dos estudantes e o aumento geral do descontentamento. É altura de sair às ruas e exigir aquilo a que temos direito: um Ensino Superior Público, Gratuito, Democrático e de Qualidade. Hoje, ou estamos com os estudantes, comalegria,nasruas,ouficamossozinhos,fechadossobrenós,debraçoscruzados

Vivaalutadosestudantes!

3
LICENCIATURA EM CPRI
MAFALDA BORGES

O 24 DE MARÇO

COMO DIA DO ESTUDANTE

LUCAS VERAS LICENCIATURA EM HISTÓRIA

O Dia do Estudante é uma data simbólica fortemente presente na atualidade do imaginário universitário e das atividades do Movimento Associativo Estudantil. Com um cartório que remonta ao início da década de 50, a celebração do Dia do Estudante era organizada pelo associativismo universitário e contava com momentos culturais, desportivos, lúdicos e de debate Contudo, a simbologia reivindicativa que hoje atribuímos ao Dia do Estudante deve-se aos acontecimentos do 24 de março de 1962

Nesta data estala uma crise académica devido à proibição do Dia do Estudante Pode considerar-se esta a primeira crise académica porque se caracterizou por formas de luta e reivindicações profundas e convictas de uma grande parte da comunidade estudantil Durante meses, a mobilização em massa dos estudantes para manifestações, greves às aulas, confronto com as autoridades, a greve de fome e a ocupação da cantina da Cidade Universitária, tornaram esta crise uma das mais importantes na mentalidade e na consciência estudantil Se até aqui os estudantes defendiam a liberdade no interior da universidade, agora colocavam a própria instituição em questão De facto, a Universidade não só estava subjugada pela prepotência governamental, como estava desatualizada e desfasada da realidade social, pelo que os estudantes começavam a compreender que a luta estudantil não se poderia resumir à defesa dos direitos associativos, mas tinha de se estender à luta antirregime

A enorme degradação das condições de funcionamento do Ensino Superior, agudizadas pelo seu subfinanciamento e pela progressiva massificação da universidade no anos 60, conjuntamente com o início da Guerra Colonial em 1961 e o agravamento da repressão estatal à livre associação, aumentaram o descontentamento da comunidade estudantil, criando as condições ideais para tão acérrima contestação No entanto, esta não se teria concretizado sem a intervenção das forças progressistas e antifascistas organizadas clandestinamente que, através do Movimento Associativo, foram capazes de canalizar o descontentamento estudantil para uma açãoconcretadereivindicaçãoeluta

A violência policial que caracterizou a resposta do governo fascista acabou por desbaratar os contestatários Contudo, o alargamento do Movimento Associativo e da sua luta politizada não retrocedeu. Desde 1962, a celebração do Dia do Estudante passou a caracterizar-se por um acentuado caráter reivindicativo, pelo combate à ditadura, pelos protestos contra a Guerra Colonial. Simultaneamente, pugnava-se pela democratização do Ensino Superior, pelo livre associativismoestudantil,pormaisfinanciamentoe pela renovação das estruturas e dos programas universitários

A oficialização do 24 de março enquanto Dia do Estudante só viria a acontecer após a Revolução de Abril, que pôs fim ao Estado fascista em Portugal. Esta é um reconhecimento da importância de tal data na consciencialização política da juventude universitária, na massificação da sua luta contra o fascismo, e uma homenagem a todos os estudantes universitários que enfrentaram a autoridade fascista na rua, na prisão enaclandestinidade.

4

ECOS DE REVOLTA

GIL NEVES

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Foi há mais de 60 anos que, no dia 24 de março, estourou uma das maiores revoltas estudantis da História de Portugal – a crise académica de 1962 Enfrentando o regime fascista, com os seus consequentes ditames repressivos e antidemocráticos que, progressivamente, degradavam as condições de vida da população, milhares de estudantes, sob o slogan “ofenderamte, enluta-te!”, protagonizaram uma forte luta contra o governo de Salazar Atualmente, graças à luta de massas que foi o 25 de Abril de 1974, não vivemos mais sob este regime fascista No entanto, isso não significa que a luta estudantil devatambémchegaraoseufim

Assistimos, hoje, a uma degradação do Ensino Superior cada vez mais forte - propinas, taxas e emolumentos funcionam como um poderoso mecanismo de exclusão, que afasta das universidades os alunos mais carenciados Servem, também, como uma forma de desresponsabilizar o Estado da sua função constitucional, levando a um subfinanciamento público das instituições de Ensino Superior, que se materializa na falta de locais de estudo e convívio, na deterioração das instalações das faculdades ou na concessão de espaços a privados, que, facilmente,observamosaonossoredor

Contribui, de igual modo, para esta situação, o atual RJIES, que sufoca a democracia no interior das universidades, diminuindo a representação estudantil junto aos órgãos de gestão e concentrando o poder cada vez mais na figura do reitor e dos diretores – situação, esta, que é agravada nas universidades que assumiram o estatuto de fundações, onde a necessidade de obter 50% do financiamento por conta própria, leva, na prática, à necessidade de recorrer ao investimento privado, cujos representantes participam ativamente na administração das instituições, muitas vezes sem sequer as conhecerem, nem a realidade daqueles que delas usufruem

Podem-se, ainda, referir inúmeros outros fatores que resultam na atual condição do Ensino Superior em Portugal, desde o Processo de Bolonha, à escalada inflacionária, à insuficiência da Ação Social Escolar, ao incumprimento do PNAES, etc. No entanto, o que realmente importa, é a seguinte conclusão – as opções políticas dos sucessivos governos até aos dias de hoje arrastam o nosso Ensino Superior para o buraco A questão que fica, então, é: O que fazer? A resposta é clara

OrganizarosEstudanteseLutar!

Sempre foi a luta que, historicamente, trouxe conquistas à população, como a redução da jornada de trabalho, o aumento de salários e os direitosaminorias,e,porisso,étambémaelaque devemos recorrer se queremos sair da situação em que nos encontramos. É, neste momento, que devemos aprender com a crise estudantil de 1962 – tal como esses estudantes lutaram por melhores condições de vida, cabe-nos também a nós lutar por um Ensino Superior Público, Gratuito, Democrático e de Qualidade Seja através de faixas e murais, tribunas, manifestações, abaixoassinados etc , o que importa é que mostremos a nossa insatisfação e o nosso desejo de melhorar o estadodaeducaçãonacional

Faça-se então o eco da luta daqueles que vieram antesdenós!Sejamosguiadospelassuasaçõese reivindicações e invoque-se o seu espírito nos estudantes! Celebrar o 24 de março não passa apenas por festejar a vida estudantil e recordar uma grande luta – é, também, honrar a memória daqueles que, em 1962, marcaram, para sempre, esta data na nossa História, lutando no presente comoelesofizeramnopassado!

5

LUTA DAS MULHERES

LAURA NUNES

Após um período de instabilidade do poder republicano, em 1926, instaurou-se uma ditadura fascista durante 48 anos, que deixou o país na miséria. Foram anos escuros para as mulheres, no qual o seu espaço se restringia à família e à casa sobolema“Deus,Pátria,Família”

Foiumtempoemquemuitasprofissõesecarreiras foram negadas às mulheres, estando estas sujeitas a uma tremenda exploração por parte do Estado Novo. Mesmo assim, as mulheres resistiram ao fascismo e à opressão do dia-a-dia e lutaram pela democracia e pela paz protagonizando greves, marchas e paralisações. Vemos isto nas greves operárias de descasque de ostras no Seixal e das que trabalhavam nos arrozais da Ribeira de Odiáxere em Lagos exigindo o aumento do salário, na luta das costureiras dos Armazéns do Chiado que se recusavam a compensar os feriados com horas extraordinárias e, ainda, na luta das operárias da Marinha Grande que se recusavam a completar o seu trabalho em casa e a fazer horas extraordinárias sem o pagamentocorrespondente

A Revolução dos Cravos abriu portas a grandes transformações na vida das mulheres e da sociedade A participação popular deu asas à liberdade Surgiram desejos e anseios reprimidos numa onda de reivindicações. Soltaram-se as vozesdasmulheresafavordaigualdadeedapaz Contudo, as últimas décadas geraram uma enorme instabilidade. Desmembraram direitos e quebraram compromissos da época da Revolução de Abril Nos retrocessos no plano económico, social e político sentimos as consequências No regresso das mulheres a casa por força do desemprego e dos baixos salários, na perda da independência económica fundamental para a sua emancipação São levadas a desinteressarem-se pela política, o que leva a que percam o elemento fundamental para poderem opinar sobre qual o rumo de vida a queaspiram.

O dia 8 de Março é o Dia Internacional da Mulher Neste dia, deve-se relembrar tudo pelo qual as mulheres já passaram, a atualidade e o futuro A opressão, embora diferente do que já foi experienciado, continua a existir e é necessário contraestaresistirtodososdias.Astemáticasque nosinquietamnãopodemserdeixadasparatrás,e devemos continuar a persistir e lutar por uma vida justa, digna, sem preconceitos nem desigualdades

O Movimento Democrático de Mulheres nasceu no seio da ditadura fascista É uma organização de mulheres, que visa combater lado-a-lado as injustiças às quais estas estão sujeitas todos os dias É importantes as mulheres lutarem pelos seus direitos em unidade, pois é assim que se consegue ultrapassar obstáculos e reagir Todos os anos, acontece uma marcha pela igualdade, sendo a deste ano no dia 11 de março, fazendo todos ver que as mulheres estão na rua, e que as mulheresestãoemluta.

6
1° ANO DA LICENCIATURA EM ESTUDOS PORTUGUESES

A chegada dum novo ano é popularmente disposta como motivo de celebração, representa esperança e entusiasmo pelo futuro Na hora do brinde, entre piadas costumeiras, surge sempre a habitual frase: “ano novo, vida nova!”, geralmente, no seguimento de novas metas e desejos que traçamos e ambicionamos cumprir durante o respetivo ano. A questão é que a realidade material pode constituir um óbice à concretização destes desejos, especialmente se as condições não favorecerem qualquer melhoria. Em vista disso,analisemoscomoseráavidaem2023

A conjuntura económica internacional está a gerar uma profunda crise que se faz sentir em inúmeras frentes e o custo de vida em Portugal está progressivamente mais incompatível com o que a sua população consegue suportar, especialmente, nas áreas metropolitanas. O “futuro” para um jovem universitário é entendido como uma realidade mais próxima do que aquilo que seria desejado: a preocupação em ingressar no mercado de trabalho, em alcançar a sua independência, em construir o seu espaço, no âmago, a sua vida. Em 2023, nada parece jogar a nosso favor, olhemos assim para a atualidade A taxa de desemprego para recém-graduados no ano passado era de 26% e o salário médio deste grupo era inferior a 900€ A sobrequalificação é outra agravante, a produtividade do país não acompanha o aumento de qualificações há quase duas décadas, uma vez que a população com grau de educação a nível do Ensino Superior ou Técnico Especializado não está a ser conduzida para os setores onde tem efetivamente conhecimento e capacidadeparacontribuir

A taxa de inflação homóloga recuou face a dezembroparaos85%,nãoobstante,opanorama continua enredado, especialmente, para um jovem que ainda nada tem e procura começar a sua vida O valor médio de arrendamento em Lisboa aumentou 48,7% face a 2021 para 1585€, o preço docabazessencialorganizadoemonitorizadopela DECO Proteste, passou de custar 18363€ para 224.95€ no espaço dum ano, um aumento geral de 23% para bens essenciais É inconcebível que numpaísonde72%dapopulaçãoauferemenosde 1000€ por mês, 22.4% dispõe apenas de 553€ mensais e onde o salário mínimo nacional ronda os 760€, onde não existe qualquer investimento de maneira a incrementar serviços públicos, gratuitos e de qualidade; apresente um custo de vida inacessível ao cidadão comum e indevidamente condenando-oàprecariedade

ANO NOVO, MAS, QUE VIDA NOVA?

FRANCISCO MENDES BARATA

A situação, embora constituamos a maioria, não é análoga para todos. Foi verificado na última década, que o 1% da parcela populacional mais ricaconcentroumetadedetodaariquezageradaa nível global. Em 2022, em Portugal, enquanto a classe trabalhadora viu o seu poder de compra decrescer violentamente, latas de atum serem trancadas em caixas de alarme e os preços, desde a eletricidade à alimentação, aumentarem, os grandes grupos económicos conseguiram duplicar os lucros extraordinários, os quais o governoserecusouatributar

A GALP registou 608 milhões de euros de lucro neste mesmo ano, o grupo da Jerónimo Martins registou cerca de 419 milhões de euros, ainda que venhaapraticaralinhamentodepreçodevendaao público em prejuízo do consumidor há mais de 15 anos, segundo investigação da Autoridade da Concorrência Já o Millennium BCP registou um lucro de 2075 milhões de euros, ainda que tenha aumentado as comissões bancárias cerca de 328% a custo do cliente Para o governo, o jovem emigrar também não é solução, seria de estranhar se assim não o apelasse, dado que estaria a perder ainda mais mão-de-obra qualificada, mas apresentar uma solução viável também não me parece ir ao encontro do seu plano Por isso pergunto:anonovo,mas,quevidanova?

A precariedade laboral e contratual, os baixos salários, a instabilidade governativa, o subfinanciamento dos serviços públicos, a crescente polarização ideológica, a ascensão do fascismo e da intolerância e o descontentamento generalizado são os verdadeiros, mas indesejados, pilares deste suposto futuro Existe uma única forma de reconfigurar cientificamente a sociedade e respetiva estrutura, sabemos que a sua concretização é inevitável, cabe-nos questionar se queremos ser nós ou continuar a tardar o que já vem tarde O 25 de abril de 1974 aindanãoseperfez,uni-vos!

7

GUILHERME VAZ LICENCIATURA EM CPRI

Àdatadaescritadestetexto,dia16defevereiro,a implementação do novo modelo de acesso ao EnsinoSuperiorcarecedeconfirmaçãooficial,mas já são suficientes as confirmações oficiosas nomeadamente da Ministra da Ciência, Tecnologia edoEnsinoSuperior(ElviraFortunato)edoMinistro da Educação (João Costa) - para que a possamos tomarcomocerta

As alterações fundamentais relativamente ao actual modelo circunscrevem-se ao incremento do peso dos Exames Nacionais na média de candidatura ao Ensino Superior (ES) - os exames nacionais passarão a ter um peso mínimo de 45% no cálculo da média de candidatura enquanto que a média de conclusão do secundário, apesar de ter de ser obrigatoriamente superior a 40%, nunca poderá exceder o peso dos Exames; serão sempre exigidas, no mínimo, duas provas de ingresso em qualquer curso; o cálculo da média interna de secundário será alterado, na medida em que o peso das disciplinas trienais será maior que o das bienais e que este, por sua vez, será maior queodasdisciplinasanuais

Estas alterações são, em grande medida, absolutamente prejudiciais aos estudantes e contrariam a tendência que deveria ser seguida, assim como as reinvindicações dos próprios estudantes Aquando da implementação dos Exames Nacionais, o pretexto utilizado foi o da necessidade de nivelar, de alguma forma, os alunos de diferentes contextos socioeconómicos Se, passados alguns anos, decide-se aumentar o peso dos exames, então admite-se desde logo, implicitamente,queessedesnívelnãofoiesbatido, bempelocontrário

E é obvio que esse desnível não foi esbatido

Porque só se esbate esse desnível pelo real investimento na escola pública (na contratação de mais professores e na valorização das suas carreiras, na contratação de mais funcionários, na contratação de mais psicólogos, na melhoria das condiçõesmateriaisdasescolas,etc)

Os Exames acentuam desigualdades porque as condicionantes socioeconómicas que se verificam em contexto de avaliação contínua também se verificam em momentos de avaliação como os Exames - é escabroso, asqueroso, vil falar em nivelamento quando, para o mesmo exame, um aluno pode ter acesso a explicações e apoios externos para preparação e outro, eventualmente, nem sequer terá muito tempo útil para estudar porque tem de trabalhar em part-time para ajudar a família Isto não é fantasia - é o real, é a vida de todos os dias. Há inflação de notas em certas escolas, particularmente em escolas privadas? Pois que se fiscalizam essas escolas e que não se jogue para cima de todos os estudantes um fardo quenãotêmde,nempodem,carregar

Não é isto que os estudantes querem Os estudantes querem e exigem um Ensino que lhes proporcione um desenvolvimento nas mais variadas vertentes, não querem competição ou disputapseudomeritocrática de algo que é público e que é um direito de todos, consagrado constitucionalmente

Depois cá estaremos, muito tristes, porque os "nossos jovens" - que veem poucas horas a valerem tanto quanto o trabalho contínuo e a evolução de três anos - não sabem pensar criticamente, construir opiniões, pensar fora dos ditamesquelhessãoimpostosequebaseiam,(váse lá saber porquê!) o seu estudo e a sua preparação para momentos de avaliação em decorar e não em entender e perceber com clarezaaquiloquelecionam

De facto, promover uma visão anti-dialética da vida e da história desde tenra idade é a forma mais fácil de conter eventuais ameaças futuras ao status quo Os Exames Nacionais são (mais) uma barreira socioeconómica no acesso ao Ensino Superior, uma das muitas com que os Estudantes se deparam Sabemos que são muitas, mas prova a história que só caem pela nossa luta, que terá no dia24/03ummarcoimportante.

8

QUEM ENSINA A VOAR

NÃO PODE RASTEJAR

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Ser professor é ter uma profissão de “casa às costas”: de ano para ano, as colocações obrigam os professores a percorrer grandes distâncias, desde o seu local de residência à escola onde trabalham As despesas de deslocação tornam-se gigantes e retiram grande parte do salário Quanto terão de pagar por um quarto? Como pode uma pessoa ter o direito à habitação se não consegue pagar um quarto perto da sua escola? Para garantir o direito à educação, é preciso garantir o direito àhabitação

2. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve aintimidadepessoaleaprivacidadefamiliar**.

1 Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso eêxitoescolar*.

Nunca é demais referir que, se estamos todos aqui, é graças à escola pública Se pudemos aprender a ler, escrever e contar independentemente da nossa condição financeira, social, racial ou de género, foi graças a uma escola que tem como princípio aceitar todas as pessoas Daí que a escola pública seja hoje mais do que nunca um autêntico pilar da nossa democracia Acabar com a escola pública seria degradaranossademocracia

Desde janeiro que assistimos a inúmeras manifestações que mobilizaram não só professores, como toda a comunidade escolar, para a rua, reivindicar por direitos e condições que lhes pertencem Estes protestos já juntaram milhares de pessoas em cidades como Lisboa, Porto,Viseu,GuardaeBraga

Sabemos bem as dificuldades que esta profissão acarreta A maior penalização remete para os 9 anos, 4 meses e 2 dias de contagem de tempo de serviço que foram congelados Desses, apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias foram repostos, por insistência dos sindicatos ao governo em 2019 Atualmente, o trabalho docente é afogado em trabalho burocrático fazendo os professores perderem imenso tempo e paciência em preencher grelhas e papéis, muitas delas desnecessárias e que tiram lugar àquilo que realmente importa: ensinar Dos milhares de professores que concorrem cada ano letivo, são poucos os que ficam efetivos, sendo que os restantes continuam a contrato, eaauferirpeloescalãomaisbaixo

Não há falta de professores qualificados, há falta de condições para fixar professores qualificados É mais do que sabido que esta profissão é tudo menos atrativa, daí que a classe docente se encontre cada vez mais envelhecida Há até escolas cujas verbas não chegam paraaquecerassalas

Cabe-nos também a nós, estudantes, expressar solidariedade com os professores, pois estes são direitos que nos irão ser fundamentais como futuros profissionais Não são apenas direitos dos professores, sãodireitosdetodaasociedade

A verdade é que as sucessivas manifestações que levaram inúmeros professores para as ruas resultaram num número incontável de alunos sem aulas Os professores, ao manifestarem-se, também estão a ensinar Os alunos, ao verem todos estes professores na rua, estão a ter a maior aula das suas vidas A greve dos professores levou também a que os encarregados de educação preferissem pôr os seus educandos em escolas privadas, onde as manifestações não se fazem sentir tanto, abandonando assim o ensino público A educação é um direito, não um negócio E como pode um país concretizar o seu direito à educação com a existênciadaspropinas?

Os professores não irão deixar as ruas enquanto não houver vontade por parte do governo para resolver todos estes problemas A comunidade escolar mantémseinconformadaehá-decontinuaralutar,porque“quem ensinaavoarnãopoderastejar”.

*ConstituiçãodaRepúblicaPortuguesade1976–Artigo74º(Ensino) ** Constituição da República Portuguesa de 1976 – Artigo 65º(Habitaçãoeurbanismo)

JORGE TABUADA
9

EUTANÁSIA

Oqueéaeutanásia?

Eutanásiaoumortemedicamenteassistidaéoato que leva à morte de um doente por sua vontade, através do ato de um profissional de saúde A palavra eutanásia foi criada no século XVIII por filósofos enciclopedistas e tem origem no grego"eu", que significa “boa”, e "tanathos", que quer dizer"morte",ouseja,"boamorte",remetendopara o ato de tirar a vida a alguém por solicitação, de modoaacabarcomoseusofrimento

Oqueésuicídiomedicamenteassistido?

Osuicídioassistidoédiferentedaeutanásia,dado que é o próprio doente, tomando os fármacos letais,apôrfimàsuavida,comacolaboraçãode umprofissionaldesaúde

Oqueéadistanásia?

A distanásia distingue-se de eutanásia e define-se comooadiamento,deformaartificial,damortede umdoentequeseencontraemfaseterminalcom o recurso a tratamentos médicos considerados desproporcionados

Ondeéqueaeutanásiaélegal?

A eutanásia é legal em quatro países europeus: Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Espanha Na Suíça,épermitidoosuicídioassistido.NosEUA,há cinco Estados onde a eutanásia está regulamentadaetambémnoCanadá,noUruguaie na Colômbia a eutanásia é legal Na Austrália, a eutanásiaépossívelapenasnumEstado.

EutanásiaemPortugal

Em 2018, ainda com maioria de direita no parlamento, o projeto de lei da eutanásia foi reprovado por 5 votos. Em fevereiro de 2020, a eutanásia é aprovada pela primeira vez em parlamento, com maioria de esquerda O presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou a lei para o Tribunal Constitucional alegando a existência de "conceitos excessivamente indeterminados" Assim, algumas normas foram declaradas “inconstitucionais” pelo TC Em novembro de 2021, a eutanásia volta a ser aprovadaemparlamento.Marcelooptouporvetar alei,exigindoaclarificaçãodaexpressão“doença fatal”

JORGE TABUADA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Emdezembrode2022,oParlamentoaprovoupela terceira vez a lei com votos a favor do Bloco de Esquerda, da IL, do PAN, do Livre, da maioria da bancada do PS, e de seis deputados do PSD e com os votos contra do Chega, do PCP e de grande parte dos deputados do PSD De 2009 a 2020, pelo menos oito portugueses pediram para ir morrer à Suíça, apoiados por uma associação sem fins lucrativos, a Dignitas, que "ajuda pessoas amorrercomdignidade"

Quempodepediraeutanásia?

O texto final da eutanásia diz que a "morte medicamente assistida não punível" ocorre "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudadaporprofissionaisdesaúde"

Oquedizodiplomafinal?

O diploma da eutanásia estabelece que todos os profissionais de saúde têm direito à objeção de consciência e, após um parecer positivo de um médico orientador e uma confirmação feita por um médico especialista na patologia que afeta o doente, pode ser feita uma confirmação por um psiquiatra.

Porque é que o TC considerou a lei inconstitucional?

Por sete juízes contra seis, o TC declarou inconstitucionais algumas normas da lei que regula a morte medicamente assistida Numa alínea da lei que caracteriza a tipologia de sofrimento, incluemse "três características («físico, psicológico e espiritual») ligados pela conjunção "e" O TC considera inconstitucional esta formulação uma vez que levanta a dúvida "sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)" Desta forma, concluiu, foi criada "uma intolerável indefinição quantoaoexatoâmbitodeaplicaçãodanovalei".

10

TESTEMUNHOS DE VOLUNTÁRIOS DA REFOOD

ANA CATARINA CARDOSO

MESTRANDA EM ENSINO DA HISTÓRIA NO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

VOLUNTÁRIA NO NÚCLEO REFOOD ALMADA

Em junho de 2021, juntei-me à equipa de voluntários da Refood de Almada e posso dizer que tem sido uma experiência que me mudou muito enquanto pessoa Passei por vários turnos, contactei com diferentes equipas e formas de trabalho e também com diversos beneficiários Passei a ter uma nova percepção da realidade, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas de diferentes idades, áreas e interesses, fiz boas amizades e inteirei-me de outros projetos e iniciativas Por mais cansativo que seja o dia, as 2 horas na Refood tornam-se um escape onde recarrego energias e me sinto mais gratificada e interventiva, com umimpactorealepositivonacomunidade

Há sempre momentos mais fáceis que outros e realidades por vezes mais cruéis que fazem parte do trabalho e que não devemos ignorar Este tipo de voluntariado permite não só atuar na sociedade mas também no meio ambiente, pelo desperdício que se consegue evitar e pelo destino que estes géneros tomam ao chegarem aos beneficiários que tanto precisam Mais do que um ato voluntário, deve estar o dever cívico e o retorno que sentimos ao realizar estas ações Mais do que dinheiro e doações, que não deixam de ser importantes, vale o nosso tempo e o que concretizamoscomele

FILIPA CAETANO

MESTRANDA EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA NA

NOVA FCSH

VOLUNTÁRIA NO NÚCLEO REFOOD BARREIRO

A experiência da minha amiga e colega de curso, Ana Catarina Cardoso, na Refood suscitou o meu interesse em participar, por isso tornei-me voluntária no Núcleo Refood Barreiro em julho de 2021, integrando o turno de sábado Tem sido, desde então, uma experiência incrível e muito enriquecedora Ao despender duas horas do meu dia, tenho desenvolvido as competências de trabalho em equipa, como também tenho conhecido pessoas novas, já que as iniciativas de voluntariado de apoio comunitário são tão abrangentes ao ponto de poderem solicitar, por exemplo, a participação de escuteiros Fazer voluntariado na Refood tem sido, para mim, verdadeiramente enriquecedor, porque me permite estabelecer contacto com a realidade humana, saindo da minha zona de conforto, ainda que esse contacto possa provocar lágrimas ou um aperto no coração... De facto, fazer voluntariado dá muito trabalho e o mais importante não é ganhar um certificado e, com ele, embelezar o currículo

O facto de se contribuir, no fundo, para uma boa causa, isto é, ajudar as pessoas mais desfavorecidas e ver sorrisos a desenharem-se nos seus rostos, é, por si só, profundamente gratificante Recomendo vivamente a qualquer estudante a participar neste tipo de voluntariado Há vários núcleos Refood espalhados pelo território nacional, por isso sai da tua zona de conforto e desenvolve o teu sentido cívico!

PEDRO ARAÚJO

MESTRANDO EM PATRIMÓNIO (A REALIZAR DISSERTAÇÃO) NA NOVA FCSH

GESTOR DE TURNO NO NÚCLEO REFOOD LUMIAR

A minha experiência de voluntariado com a instituição Refood teve início em agosto de 2022 Foi uma mudança necessária na minha vida, não só pela questão ambiental, evitando desperdício alimentar, como também pela comunidade, ajudando quem mais necessita em tempos onde a fome será um problema cada vez maior na sociedade Posto isto, ao longo destes últimos meses tive a oportunidade de crescer individualmente e coletivamente na Refood, dedicando ao mesmo cerca de duas horas semanais presenciais Além do desafio de trabalhar com diversas pessoas, com ideias amplamente opostas, mas com uma missão em comum – ajudar o próximo - permitiu, também, a oportunidade de, juntamente com a minha colega Mariana, liderar uma equipa composta por pessoas com idadeseorigensdiferentes

Em relação à experiência como gestor, apresenta algumas diferenças comparativamente ao voluntário De grosso modo, a responsabilidade com o núcleo é maior, exigindo trabalho à distância organizando os turnos e maior disponibilidade de horário presencial; é preciso algumas características como saber liderar, ouvir e trabalhar em equipa, ser pragmático e dedicado À medida que lidero, denoto a necessidade de mais voluntários para o do núcleo do Lumiar com disponibilidade, dedicação e prontos a ajudar os beneficiários sem qualquer bandeira política atrelada Por último, reforço que voluntariado não serve para “enfeitar” o currículo, mas sim ajudar realmente a comunidade, colocando de lado valores individuais/pessoais, abraçando valores comunitários e interajuda

Esta mensagem, para a comunidade estudantil da FCSH, temoobjetivodechamarvoluntáriosparainstituiçõesde voluntariado como é o caso da Refood Nossa Senhora de Fátima, em frente à nossa faculdade e relativamente perto do Campus de Campolide, ou para a Refood do Lumiar ou qualquer outra que se encontre nas redondezasdeondevivem/passemmaistempo

11

TIAGO GOMES

MESTRANDO EM QUÍMICA (A CONCLUIR A DISSERTAÇÃO) NA FCUL

COORDENADOR NO NÚCLEO REFOOD LUMIAR

Fiz parte do Núcleo Refood Lumiar, uma ligação que durou 6 anos, entre 2017 e 2023 Nesse período, além daligaçãoestabelecidaenquantovoluntário–atravésdo programa de Voluntariado Curricular organizado na FCUL, atestando à importância dos projetos em faculdades envolvendo este tipo de instituições – exerci funções variadas na equipa de gestão, iniciando pela supervisão de turnos de funcionamento, passando pela gestão de áreas funcionais até, nos últimos 3 anos, chegaraopostodeCoordenadordeNúcleo

Entre todos os momentos, positivos e menos positivos, que surgem com a participação ativa numa instituição que lida com situações de menor ou mais elevada carência, neste caso, a nível alimentar, a opinião geral é de que, caso não tivesse passado por tal lugar, não me tornaria na pessoa que hoje sou, quer a nível da interação interpessoal, quer pela aquisição de uma consciência social que só entidades do género conseguemconferir

É através do processamento de todos estes bens alimentares que a primeira quebra de realidade surge, para com qualquer voluntário que entre na instituição, por ficar com a noção inicial sobre a quantidade de géneros alimentares que cada um de nós, no seu dia-adia, acaba a desperdiçar e que poderia ser de consumo próprio para quem mais necessite E, no que toca às famílias ou pessoas a título individual que procuram o auxílio da instituição, é aí que surge a segunda quebra de realidade Da minha experiência, não é cliché, nem exagero, dizer que qualquer um de nós está mais que suscetível a se ver forçado a procurar a ajuda de instituições com a Refood 4 Good Desde estudantes universitários a idosos que sozinhos vivem, possuindo também algum tipo de dificuldade locomotora, já contactei com toda uma panóplia de pessoas – que atesta, também, ao facto de um modelo socioeconómico desequilibrado e desajustado gerar um desequilíbrio entre os diferentes estratos clarividente Porém, entrando na reta final do testemunho, é exatamente perante este quadro que a Refood 4 Good e, principal e fundamentalmente, os seus voluntários, entram em ação Numa perspetiva em espelho, também aqui todo o tipo de pessoas é encontrado, vindas dos mais distintos locais de trabalho, estudo ou proveniência socialouderesidência

O sentimento de gratidão Dos nossos beneficiários e dos meus colegas A motivação e, por falta de vocabulário mais adequado, bom ambiente entre a equipa movida pelo único objetivo de ajudar o próximo e combater desigualdades – em sua grande parte A interação muito positiva e o acolhimento que, além da equipa com quem trabalhei – e mais importante ainda

os beneficiários com quem contactámos me deram, por muito “difíceis” que pudessem ser, ao longo de todos estes anos Tudo isto faz mais que valer a pena a experiência numa instituição como a Refood 4 Good, seja de um dia, seja de múltiplos anos Seja enquanto membro fundador, seja como voluntário recém-chegado a um centro de operações já de longa data, no que concerne ao seu funcionamento

Não é um voluntariado como qualquer outro Não é um local só para receber certificado Não é fácil, nem é para todos Mas é a instituição qualquer um que perceba a necessidade e recompensa que vêm com a ajuda e sacrifício pelo próximo, em prol da melhoria comum Convido qualquer um de vós, que acabe a ler este texto, a fazê-lo muito atentamente e esperando que, no final, a instituição que deles tanto precisa tenha ganho uma nova coisa: um Voluntário

12

EM MEMÓRIA DE VIVIENNE WESTWOOD

FRANCISCA LEAL LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Quase a terminar 2022, Vivienne Westwood deixa-nos aos 81 anos, mas não nos esquecemos dos contributos que deu à indústria da moda. A designer britânica foi a cara do punk dos anos 70 e 80.

I just use fashion as an excuse to talk about politics Because I'm a fashion designer, it gives me a voice, which is really good

Westwood, antes de ser a designer revolucionária que viraria o mundo da moda do avesso, foi professora primária. “Eu era uma professora muito boa”, disse Westwood ao The Guardian em 2007. “Tirando o facto de ter uma predileção pelas crianças que toda a gente achava insuportáveis. Os pequenos rebeldes”.

Cabelo ruivo e cara pálida, o seu nome é Malcom McLaren- segundo marido de Westwood. Rebelde e inconformado com as regras da sociedade, McLaren foi um despertar cultural para a designer. Juntos abriram uma boutique“Let it Rock” - onde vendiam roupa em segunda mão e designs de Westwood

Vivienne inspirava-se em prostitutas e fetichistast-shirts rasgadas com slogans e grafismos anarquistas; correntes e lâminas como acessórios - transformando BDSM e fetiches sexuais em moda Ao longo dos anos, o casal reinventou a loja e mudou-lhe o nome várias vezes No entanto, a carga erótica das suas roupas mantinha-se como imagem de marca, enraivecendo a direita britânica que chegou a processar o casal por atos obscenos

O movimento punk era tudo para Vivienne Era um movimento profundo, uma contracultura contra a corrupção da antiga ordem mundial; puramente político, excedendo os limites da moda Era revolução Mas a revolução acabou por nunca acontecer

Em 1981, Westwood e McLaren separaram-se não antes de lançarem uma coleção icónica na sua primeira passarela “New Romantic Pirate” , que incluía blusas com folhos e calças jacquard

A designer invadiu as passarelas londrinas e parisienses com as suas ideias subversivas O editor do Women’s Wear Daily, John Fairchild, no seu livro de 1989 “Chic Savages” apresenta Vivienne na lista dos 6 designers de topo no mundo, acompanhada por nomes como Armani e Saint Laurent Para acentuar ainda mais o seu prestígio, em 1992, recebeu a OBE da Rainha Isabel II Sem cuecas “Eu queria mostrar a minha roupa rodando a saia”, disse ela “Não me ocorreu que, como os fotógrafos estavam praticamente de joelhos, o resultado seria mais glamoroso do que eu esperava Ouvi dizer que a foto divertiu a Rainha ”

13
- Vivienne Westwood

A moda nunca deixou de ser uma arma Em 2005, Jean Charles de Menezes, um eletricista brasileiro, foi injustamente assassinado pela Polícia Metropolitana de Londres, que afirma tê-lo confundido com um terrorista fugitivo Insatisfeita com a legislação antiterrorista proposta pelo governo britânico no seguimento deste acontecimento, Westwood lançou uma das suas tshirts mais icónicas, na qual se lia “I AM NOT A TERRORRIST, please don’t arrest me” Todos os lucros foram para a caridade

O seu nome está ainda ligado a alguns dos momentos mais icónicos da moda, entre eles a queda de Naomi Campbell em 1993 e Kate Moss a comer gelado na passarela, vestindo apenas uma minissaia, chapéu e saltos altos na primavera de 95.

Não foi fácil Westwood esteve perto de ir à falência, mas o mundo adorou-a, transcendendo gerações e tendências A geração Z desenvolveu uma admiração especial pela designer O colar com o logo da esfera viralizou no Pinterest e no TikTok e os espartilhos tiveram o seu renascimento À sua maneira, a GenZ incorpora o espírito do símbolo da esfera na moda, combinando inspirações da sua infância com a sua criatividade, dando um novo uso e uma nova vida às peças Esta geração pegou no conceito de altacostura e tornou-o mais acessível através da popularização de plataformas de revenda de roupa e da prática de thrifting Haverá algo mais punk do que tornar a moda democrática? Este foi um último ato de amor a Vivienne Westwood

Fontes: CRFashionBook, VOGUE Portugal, Vivienne Westwood’s website, BBC, Dazed Digital

Imagens: Pinterest

14

HEROIN CHIC AND THINNESS

JÉSSICA MARQUES

Fashionisnothingifnottherecyclingoftrends

It was 2009 when Kate Moss made headlines stating“Nothingtastesasgoodasthinfeels”Long before that, she was one of the faces you would look up to in order to achieve the heroin chic aesthetic In the early 90’s, her “anti-model” lifestyle invaded magazines, with front pages exclaiming “She snorted cocaine in Nelson Mandela’shouse”Thisiswhatsooninfluencedthe runaways

Smudged eyeliner, messy hair, visible fatigue and exhaustion. The side effects of heroin, the most popular and consumed drug, were seen in the pale skins and in the alarmingly thin bodies that most modelsdisplayed

In 2020, the brazilian blog “Não me kahlo” ran an article on the capitalistic take of heroin During the 80’s, the drug was mainly used by a low social class. However, because of the rise of AIDS, the drug, used through syringes, had now a version in dust This change made the drug seem cool, as it was rapidly adopted by rich, white people as a main part of their lifestyle The glamorization of this rampage became immortalized by popular movies, such as Pulp Fiction and Trainspotting, as well as by certain celebrities known for going against the norm (Kurt Cobain, Courtney Love, Chloe Sevigny) Soon, magazines were trading Cindy Crawford’s glamorous blowout for a new sense of melancholy and rupture The backgrounds for the photos were trashy motels with bad lighting and wine stained carpets. It was a hate letter to a capitalistic and seeminglyperfectsociety

The downfall of this aesthetic relied on its hypocrisy: fighting the elitist fashion world with a newmainstreamsetoftrends

In 1997 the aesthetic suffered a major backlash when the young photographer, Davide Sorrenti, died after health complications induced by a heroin overdose Following the death of her beloved son, Sorrenti’s mother started a public campaign bashing the romanticization of drugs The campaign ended up being so successful that it got the attention of the president of the United States, Bill Clinton, who harshly criticized the fashion industry

Later in 2022, Youtuber Mina Le elaborates a video essay titled “is 90s thinness coming back?” where she calls out a lot of brands for ditching their plussize lines Others, such as Gwyneth Paltrow’s goop and Kim Kardashian’s skims, promote thinness

Furthermore, diet culture has influenced young women to go to the extreme in order to fit in with the aesthetic Le notes that Ozempic, a prescription drug used for treating type II diabetes that has weight loss listed as one of its side effects, “has many people who don’t have diabetes convinced to get the medication specifically to shed a couple of pounds ” Not only is this making it difficult for people who are actually diabetic to obtain this medication, but there is also the risk of those who take it without medical guidance to develop a myriad of health problems, such as kidney failure

In an article for the New York Times, writer Jessica Gross states “It’s clear to me- and to anyone who’s been studying teen and tween girls over the past few decades- that the super thin never really went away, no matter the rise of the jeans the Hadid sisters happen to be wearing And the insidious nature of that ideal has been pretty constant since the 90s,or has possibly become worse : A review of studies published from 2000 to 2018 found that the prevalence of eating disorders increased over the study period from 3 5 percent for the 2000/2006 period to 7 8 percent for the 2013/2018 period ” Vogue has also released a statement commenting on how detrimental it is for anyone who has suffered from eating disorders to have this sort of aesthetic on the rise

15

JÉSSICA MARQUES

Brenna Twohy said “Peach pits are poisonous This is not a mistake Girlhood is growing fruit around cyanide It will never be yours for swallowing ”

The concept of beauty has been around since the very beginning of Humankind As the famous Youtuber Shanspeare explains in her video essay “how hollywood demonizes ultra-femininity”, Helen of Troy was the most beautiful woman to ever exist Her beauty was so powerful that it contained the force to move a thousand ships But “beauty is terror” (Tartt, 1992), and its concept, the one intrinsic in Ancient Greek, does not seem to align with the one that permeates the tik-tok era

In one of her thrilling novels, Gillian Flynn writes “Men always say that as the defining compliment, don’t they? She’s a cool girl Being the Cool Girl means I am a hot, brilliant, funny woman who adores football, poker, dirty jokes and burping, who plays video games, drinks cheap beer, loves threesomes and anal sex, and jams hot dogs and hamburgers into her mouth like she’s hosting the world’s biggest culinary gang bang while somehow maintaining a size 2, because Cool Girls are above all hot ”

This tendency to disregard anything girly seems to have infiltrated the cinematographic industry, where ultrafemininity is reduced to four roles

The first is presented by Megan Fox’s character in the horror-comedy Jennifer’s Body (2009) Jennifer is your typical bombshell, a popular cheerleader who seemingly has it all; it is not until she is the object of a sacrifice that she turns into a demoness who eats boys The writer Diablo Cody took inspiration from 80’s cult classics such as The Lost Boys (1987) to subvert the horror genre, giving it a feminist approach. The first line, “Hell is a teenage girl”, sets Diablo’s tone and is a way to reflect on the horrors of puberty Unfortunately, Diablo’s intention was taken the wrong way, with the movie flopping in the box office due to not being sexy enough

In second place, we have the “airhead”, the one placed in scene to make you laugh An example would generate Marilyn Monroe’s character in Gentlemen prefer Blondes

The third is the background noise, a character put in scene to counter-interact with the tomboy-ish one, as seen by Anna Kendrick’s brief role in the Twilight saga

The last one takes the form of Regina George (Rachel Mcadams) in the popular film Mean Girls Our protagonist, Cady Heron (Lindsay Lohan) is a freshly out of Africa newcomer who turns into a Plastic As commented by Alice Hanke “When it comes to these sorts of movies, the idea is that feminine short skirts, colorful wardrobes, and an emphasis on hair and makeup make a girl evil.”

While transiting into a cold, shiny Plastic, Cady loses her essence; it isn’t until she trades the bubblegum pink for earthy tones that she returns to her roots and, consequently, stops being evil

Sofia Coppola, who made her debut acting in The Godfather: Part III, has been excessively criticized for making movies look too feminine The ups and downs of girlhood are displayed through indie pop soundtracks and pastel pink scenarios Her 1999 film The Virgin Suicides follows the hollow lives of the Lisbon sisters There is a scene where Lux Lisbon wakes at the crack of dawn and finds herself alone on an empty football field She has been discarded by the boy who has won her heart, the same one who left as soon as he got what he wanted: her body Lux goes home, only to be slapped by her mother for breaking the strictly defined rules

This is what girlhood feels like

16

"É PECADO QUERER?"

LOBO E CÃO - UM HINO À LIBERTAÇÃO INDIVIDUAL

ANÓNIMO

“É pecado querer?”

“Querer o quê?”

“Só… querer.”

É no ambiente poético da ilha de S Miguel que Ana, jovem ambiciosa e faminta por tudo o que a vida fora da ilha oferece, protagoniza um filme repleto de sonhos, uma riqueza natural, e muita vontade de mudar Onde o céu não acaba e do mar soam melodias de baleias que louvam a liberdade, há pouco espaço para jovens queer como Ana se sentirem realizados Não são poucas as vezes em que a tradição, de mãos dadas com a religião, enclausuram aqueles que são diferentes numa comunidade muitas vezes conservadora, e resistente à mudança

Lobo e Cão constitui o retrato de todos aqueles cujos sonhos são demasiado grandes para caberem na ilha Cláudia Varejão, realizadora desta belíssima longa-metragem, exprime no ecrã todas as formas em que as pessoas pertencentes à comunidade LGBTQ+ são constantemente desacreditadas, perseguidas e discriminadas quando inseridas num ambiente conservador, ao qual as ilhas são acostumadas. O enredo desenha-se à volta de Ana, interpretada por Ana Cabral, e do seu melhor amigo Luís, interpretado por Rúben Pimenta, um par de amigos inseparáveis, que, sentindo toda a pressão social de familiares e colegas, começam a sentir mais, e mais, e maior, e demasiado, até precisarem de fugir, para poderem respirar O isolamento emocional de ambas as personagens é realmente marcante, durante todo o filme, e é uma resposta ao enclausuramento a que são submetidos, de modo a não comprometerem as suas relações com aqueles que os rodeiam no seu dia a dia na ilha Ana passa os seus dias entre o carinho do seu irmão mais novo e o seu pequeno trabalho na alfândega de S Miguel, tentando sobreviver à intensidade emocional do seu irmão mais velho irresponsável, de uma mãe que não a compreende e de um quotidiano asfixiante

O que é mais marcante neste filme é, sem dúvida, a forma como é retratada a passividade do dia a dia Naquela ilha, onde nada está parado, há, no entanto, uma estagnação constante daqueles que se sentem diferentes, que são vistos como diferentes A forte tradição religiosa, elemento presente durante toda a obra, choca com a liberdade de Luís de uma forma assustadora O jovem rapaz é permeável aos comentários e ao assédio constante da comunidade que o rodeia e, mesmo assim, cede às tradições, mudo, ao ponto de ser submetido a um círculo de oração formado a fim de retirar de dentro desta personagem aquilo que o faz ser diferente, considerado um “demónio” pela comunidade religiosa

Felizmente, nem tudo é cinzento, e Ana e Luís encontram naquele manto verde do Atlântico um refúgio pintado com todas as cores do arco-íris, onde podem existir em liberdade, entre os amigos que os aceitam e lhes dão a voz que eles tanto procuram

Nomeado para prémios em festivais de cinema por todo o mundo, desde Veneza ao Reino Unido, o filme de Cláudia Varejão emociona todos aqueles que, tal como Ana, desejam mais, ao ponto de recearem que o seu desejo se manifeste em pecado O trabalho da realizadora, neste e em todos os seus outros projetos, é realmente venerável Cláudia Varejão é devota a retratar, da forma mais íntima possível, as suas personagens, como se de pessoas reais se tratassem Para isso, trabalha sempre com pessoas inseridas nos ambientes que retrata Em Lobo e Cão, o elenco é, na sua totalidade, natural dos Açores, tendo sido dada uma oportunidade a jovens da ilha que, como é visível, brilharam completamente no ecrã

Esta é uma verdadeira obra de arte, uma sequência inacabável de poesia visual que emociona qualquer um sensível a estes temas Um retrato das vidas insulares que, não tendo como escapar ao isolamento físico e emocional, colidem umas nas outras, resultando num filme absolutamente maravilhoso, um verdadeiro hino à liberdade individual

17

VELOCIDADE FURIOSA 7

MIGUEL PLÁCIDO

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Nesta crítica debruçar-me-ei sobre o filme “VelocidadeFuriosa7”,realizadoporJamesWane lançado em 2015 Esta obra, muito bem conseguida, trata as aventuras de um grupo que se autoproclama de “família”, que terá de conseguir apoderar-se de um dispositivo de localização chamado “O Olho de Deus”, com o qual conseguiráencontraroantagonista

Primeiramente,umdospontospositivosdestaobra cinematográfica reside na sua produção, do ponto de vista dos efeitos especiais Ao longo dos anos, desde o filme inaugural da saga, que remonta ao ano de 2001, tem existido um investimento no sentidodeumatentativadesofisticaçãodosfilmes da saga, pautada pela progressiva e sucessiva evolução das cenas de ação Assim, recorrendo a tecnologia avançada, deparamo-nos com um filme de ação cujas cenas se encontram estética e visualmentebemtrabalhadas,constituindoumbelo espetáculo visual, que muito se deve também à aposta em grandes, espetaculares e imponentes paisagens Em matéria de efeitos especiais, é importante acrescentar à esfera do visual a vertente da interatividade Tal deve-se ao facto de estes terem a capacidade de nos fazer quase que sentir que vivemos a história que nos é apresentada, já que há alturas em que ficamos com o coração nas mãos naquele que parece um angustiante e, simultaneamente, tão prazeroso e intrigante sufoco, na expectativa daquilo que poderáestarporvir

No que ao plano das personagens diz respeito, o filme é constituído por um sólido e coeso elenco, que se compromete a levar as suas habilidades físicas ao limite Destaco nomes como os de Vin Diesel, Dwayne Johnson e Jason Statham, que desempenham exemplarmente os confrontos físicos dos quais estão encarregues Torna-se aqui inevitável destacar o facto de a realização conseguir imprimir uma grande intensidade e veracidade a estas sequências de luta corpo a corpo de modo a empolgar o público Além do mais, algo louvável é a qualidade de gestão das personagens, já que, na minha ótica, foram atribuídos aos atores papéis que estes desempenham na perfeição Refiro-me a Dwayne Johnson, incumbido de entreter os espectadoresatravésdohumorsarcástico,uma propriedade que domina como ninguém; Tyrese Gibson, o principal responsável pelo caráter cómico presente no filme; e Paul Walker, que se encontra na posse de uma condição fundamental no universo da representação, o transporte da sua paixão por carros e pela velocidadeparaasaga

De seguida, é pertinente abordar dois momentosdofinaldofilme.Nãopoderiaabsterme de salientar a perspicácia do autor ao perceber qual o desfecho ideal, aguçando a sede do público por mais uma refrescante e promissora aventura no oitavo filme Finalmente, é imperativo mencionar o momento que marcou o filme, a homenagem a Paul Walker Este revelou-seumfinalextremamenteemocionante, que apelou à sensibilidade da grande maioria dos espectadores e ao qual é impossível ficar indiferente. Não me ocorre melhor forma de anunciarofimdapersonagemBrianO’Connere, acima de tudo, do próprio ator, do que com este tributo a alguém que tanto dedicou à saga e com quem os fãs tanto se conectaram aquando do acompanhamento do seu crescimento.

Concluindo, este é um filme cujo enredo não é complexo, mas bastante acessível e que, empregando uma simbiose entre algum drama, comédia e ação, acaba por corresponder quer ao intuito da realização quer às nossas expectativas enquanto público, entre as quais secoloca,essencialmente,oentretenimento.

18

SEMANA DE 1922, QUANDO O BRAZIL SE TORNOU BRASIL

Brazil, 1922 A data marcava exatos cem anos desde a independência do território, mas pouca coisa havia mudado: herdámos da metrópole portuguesa a dependência estrangeira, quadro que começou a modificar-se subtilmente apenas no fim da Grande Guerra, diante do caos que fez fervilhar a subversão resultantedaanomiasocialdopós-guerra

O caos abriu as portas do Brazil para o Modernismo que se espalhava no continente europeu, ruindo as estruturas da arte académica A propósito do centenário da Independência, urge a necessidade de resgatar as raízes brasileiras, a fim de afirmar e contemplar a unicidade do país, bem como a diversidade depovosquecolorecadacantodele

Em 1922, foi na chamada Semana de Arte Moderna que foi possível ver os primeiros resquícios do Brasil, e o declínio do Brazil Organizado no Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 13, 15 e 17 de fevereiro, o evento contou com a presença de inúmeros artistas, que, em sua maioria, tiveram contacto comaamálgamadevanguardaseuropeias:desdeovigordofauvismoaoímpetononsensedodadaísmo, romperam com os cânones artísticos, banhando a sua arte de liberdade criativa, marcadamente coloquial.

A manifestação irreverente dos jovens artistas desagradou muitos, sobretudo a parcela mais conservadora da população, sendo Monteiro Lobato, crítico do jornal Estado de São Paulo, uma das figurasquedespoletoupublicamenteasuaaversãoànovapropostadeartequehaviasidoexposta Apesar do despreparo da população para receber a arte moderna, a exposição do Theatro Municipal de São Paulo foi apenas o início. Pouco tempo depois, inúmeros movimentos visaram proliferar este modelo: Movimento Antropofágico, Bossa Nova, Tropicália A Semana de 1922, no seu centésimo primeiro aniversário, tem uma inegável força na história cultural do Brasil, uma ode às marcas traçadas pelo seu povo

Como sugere Tarsila do Amaral em uma das suas obras mais marcantes, resgato a palavra "abaporu": expressão tupi-guarani, língua avidamente sufocada por Marquês de Pombal nos tempos em que o Brazil não passava de uma colónia portuguesa Uma pena que ele não previu que a antropofagia seria responsável por devorar o Brazil, elocução ordinária da cultura estrangeira, ao passo que expectorava o Brasil,epítomevivazetropicanadeumaculturarepresentativadoqueéserbrasileiro

Efoiassim,semtirarnempôr,queoBrazilsetornouBrasil

19
BELA CADIMA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

EU NÃO SOU EU

No século XX, o famoso psicanalista e intelectual francês Jacques Lacan retomou uma questão primeiramente abordada, nestes termos, por Freud - a formação do ego A formação do eu (ou ego) tem sido um dos temas centrais do pensamento e reflexão desde os primórdios da humanidade Como tal, não é inesperado que seja possível encontrar semelhanças entre a análise feita pelo psicanalista francês e uma das obras mais influentes no mundo greco-romano como é A RepúblicadePlatão

No décimo e último livro desta, é abordado o problema da mimética. Logo nos primórdios desse livro, é-nos introduzida uma pessoa, caracterizada imediatamente pelos interlocutores como “habilidosa e espantosa”, capaz de produzir tudo, até ela própria De seguida, lê-se que qualquer um pode ser essa pessoa, bastando “pegar num espelho e andar com ele por todo o lado” Contudo, torna-se óbvio que tal pessoa só conseguiria produzir “a aparência dos objetos, mas nãoasuarealidade”

Lacan, grande admirador e leitor de filosofia, reconhece o mesmo problema abordado nesta obra, na formulação freudiana do ego - o ego não pode passar, ele também, de uma representação de algo Este sugere uma tripartição do mundo psicológico em: o real, o simbólico, o imaginário No campo do imaginário, o autor vai formular a teoria do estádio do espelho e da formação do ego enquanto entidade externa ao moi A formulação do ego é realizada, segundo o autor, através da articulação do discurso dos outros com a criação de narrativas e encorajamento externo para que a criança se reconheça na imagem que estárefletidanoespelho.

JOÃO STRETCH LICENCIATURA

EM FILOSOFIA

No fundo, a criança é influenciada pelo discurso, postura, gestos, expressões faciais, de agentes externos que espelham uma imagemdeumeuunificado,sendoestefrutoda construção subjetiva dos outros Lacan prova, então, que o ego é, apesar de tudo, um objeto solidificado e influenciável que tem como origem a receção dos desejos e fantasias de outros Reconhecer o ego enquanto um moi genuíno, único e autêntico trata-se de uma méconnaissance Como tal, o ego é um objeto estrangeiro que nos seduz e submete através e pelos desejos conscientes e inconscientes dos outros, alienando-nos, assim, do nosso verdadeiroeu

Tal como Lacan escreve no seu décimo primeiro seminário, “há algo em mim que é mais do que o eu em si”, na medida em que este eu é apenas uma conjunção da inter e trans subjetividadedeinfluênciasalheias

Consequentemente, a noção que temos do nosso eu nunca poderá corresponder ao eu em si. Lembrando a famosa frase da pintura de Magritte “Ceci n’est pas une pipe”; de facto, o que nós observamos nunca poderá passar de uma mera representação e nunca será a coisa em si, corresponderá sempre àquilo que Kant definiu como fenómenos; os númenos permanecerão sempre na sombra do inacessível à experiência humana, porque até esse eu é representado e construído primeiramente sobre a influência de outros e, posteriormente, pela deturpação própria Posto isto, existirá sempre um conflito entre aquilo que realmente somos e a apresentação do eu, e é nesse constante conflito entre “ser”, “querer ser” e “esperam que seja” que habitamos

Concluindo, com Platão e Lacan recordamos que até aquilo que consideramos ser-nos mais próximo, a nossa imagem, aquilo que julgamos ser, nunca será mais superficial e subjetiva do que uma mera reflexão de diversos espelhos Nunca conseguiremos reivindicar o eu para nós, nunca nos conheceremos (e talvez ainda bem) genuinamente.

20

OS VELHOS TAMBÉM DORMEM

MANUEL GORJÃO

Os recém-progenitores têm o costume de verificar a respiração dos filhos durante o sono, que é como quemdiz,gostamdeconferirseosfilhosnãomorreramnoentretanto Namaioriadasvezesnão.

Não tendo eu filhos, tenho a tentação de fazer o mesmo com os velhos Sempre que vejo um velho a dormir começo a pensar na possibilidade de este estar na realidade morto e, então, detenho-me a olhálo até lhe achar sinais de vida Diga-se que não é assim tão incomum um velho morrer, esteja ou não esteja a dormir Quem nunca morreu que atire a primeira pedra, digo, quem nunca ouviu falar de um velho que morreu que atire a primeira pedra Note-se que a maioria dos velhos também costuma não estar mortaquandolhesprocuropelarespiração.

A todos os velhos que conheci enquanto velhos coloquei um cenário de morte inesperada na minha presença Se estávamos a comer num restaurante, o velho engasgar-se-ia e acabaria por morrer Se estávamos a caminhar na rua, as pernas do velho cederiam à velhice e este acabaria por morrer. Já quando estávamos em casa, a minha cabeça costumava ter de dar mais voltas à imaginação, mas lá acabaria por morrer o velho No entanto, a perspectiva de um velho poder morrer durante o sono é sem dúvida aquela que mais me veio fascinando Se calhar por não conseguir estabelecer uma causa para o efeito(in)desejado

Pergunto-me qual seria a minha reacção se numa dessas vezes o velho por mim auscultado estivesse efectivamente morto Talvez me sentisse recompensado pelos anos e anos passados a ver velhos a dormir pro bono. Ou talvez sentisse alívio por não ter mais a preocupação de o fazer que isto um velho morto por pessoa foi a conta que deus fez, está visto, está visto, não há cá mais velhos mortos per capita que o estritamente necessário Falando a sério, o mais provável seria ficar triste A tristeza fica semprebemnumaocasiãodessas.

21
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

TESTEMUNHO

NA OUTRA MARGEM

RICARDO LOBARINHAS LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Nodiadoamor,acaixadememóriasdanossavidaamorosa,cobertadecicatrizesduraseopacas,sentenciosamente se abre com a nostálgica chave da memória No eixo íntimo dessa mesma caixa, encontramos o nosso primeiro amor, que descorrenta a sanguinária gota que infusa com a nossa inocência transparente As cinzas de uma inocência e ingenuidade que não podemos voltar a tocar, ou que nem sequer chegamos a tocar A ideia de um romance aventureiro e ingénuo, típico da juventude, era inalcançável para mim e muitas pessoas LGBT+ Tivemos de crescer rapidamente e ironicamente; essa precocidade foi acompanhada por um síndrome de Peter Pan, onde nunca crescemosenuncadeixamosdeladoodesejodanossaadolescência Quandopensoemti,primeiroamor,pensoem saudade,medo,humilhaçãoesuicídiosocial Aúnicacoisaquenãotentámosfoiumpoucodeternura

É inverno E o vento mais frio sopra cruelmente na madrugada congelada, que chegando ao topo da montanha mais alta, enterra o meu coração partido na neve Sinais profundos de saudade e desejo mergulhados na escuridão Não havia sol Não havia lua, mas um caminho espinhoso e coberto de feridas antigas iluminava-se, despertando o meu olhar, e levou-me até ao lugar onde crescemos e quase acontecemos. Quem sabe, se tivéssemos acendido uma chama, a geada de inverno dava lugar a um belo jardim, como se fosse primavera Estou sentado no banco em frente à nossa escola Ouço o “toque” a tocar Por momentos, ouvi a tua voz a chamar por mim, e eu a sorrir tenramente de volta para ti Às vezes, gostaria de poder voltar atrás no tempo e poder chegar à secundária com o entusiasmo detevertodososdias,outravez

Quandomeapaixoneiporti,euaindanãocompreendiao que sentia Era primavera, o sol brilhava, as flores cresciam e o vermelho do mais profundo vermelho começara a fluir lentamente nas minhas veias A ambivalência de uma rosa com espinhos venenosos e pétalas com sabor a mel começava a nascer no meu coração Atrevo-me a dizer que foi a rosa mais linda que alguma vez os meus olhos deslumbraram Ela era germinada com os pedaços de emoções que foram infinitamente semeadas sem o nosso consentimento Carmesim brilhante do meu coração, nascia dentro de mim uma paixão furiosa, cada vez mais profunda, não sabia onde ia me levar, mas tinha medo da sombra esmagadora O meu desejo era mortal e a flor crescia a um ritmo proporcional da minha vontade de amar e matar Não tinha a coragem de dizer quem eu era, nem aquilo que verdadeiramente sentia Acho que se tentasse, um mar de lágrimas derramar-se-ia sobre a minha face antes que tentasse dizer alguma coisa, por isso, num reflexo desesperado, acendi uma chama capaz de queimar o sol Poder forte na adversidade, tratei a nossa rosa como erva daninha e acidifiquei-a comherbicida

Essa sombra opressiva, essa força que me levava para um labirinto opaco difícil de sair Cada vez que julgava que estava próximo da saída, via olhares de pessoas cuja existência havia sido negada Elas eram cinzentas, julgo que as conhecia, a certo ponto cheguei a ver o olhar de desapontamento da minha mãe, e, até mesmo, o cinto do meu pai Em cada esquina via pessoas como eu, a tentar sair do labirinto, e em cada extremidade, uma humilhação, um envergonhamento e atos de suicídio social Na altura, não me apercebia de que as pessoas cinzentas preferiam ficar na monotonia de 0’s e 1’s em vez de abrirem o espectro entre esse 0 e 1 talvezfossemmaiscoloridas

Assim fiquei lá Preso E como consequência, perdi-te Tinha medo que a rosa florescesse sobre a fronteira do normal “Porquê a mim?”- perguntava eu - “Porquê um rapaz?Porquêaquieagora,nestaterrapequena?”

Gosto de acreditar que não me arrependo de nada na vida, mas mesmo assim, gostava de te ter conhecido mais tarde. Porém, cada um tem o direito de escolher como amar o amor da sua vida E se não posso ser eu a acompanhar-te até ao fim da tua vida, deixa-me pelo menos, no horizonte que não consigo ver, abrir as tuas asas e levar-te à mão de alguém que te faz feliz Tenho acertezaqueelaseráafortunada

Não digo que seremos para sempre Não gosto dessa palavra, porque não existe “para sempre” se não estivermos juntos “Na próxima vida” parece melhor, soa como uma promessa E prometo guardar a minha próxima vida para ti E tu, meu amor, guardar a tua próximavidaparamim,quenestanãodemoscerto.

22

Uma vez, dei-me ao trabalho de contar Acho que foram à volta de 18 dias os que pude passar na faculdade, no meu primeiro ano de licenciatura Estávamos em 2020 e o meu ano de caloira resumiu-se a aulas online Como, nessa altura, o tédio me ocupava a maioria dos pensamentos, juntei-me a tudo o que era núcleo e grupo de alunos, como estratégia para conhecer pessoas, ter coisas para fazer e contribuir para uma vida académica minimamente activa dentro das circunstâncias Foi assim que vim parar ao jornal, porexemplo.

Escrevo agora a poucos dias de começar o meu último semestre Guardo destes três anos memórias boas e levo comigo uma mão cheia de amigos e colegas que me mostraram, cada um, a sua pequena parte do mundo, com as quais planeio construir a minha Dentro e fora dos currículos, aprendi muito. Tomei conhecimento de centenas de autores e artistas, de como fazer as mais variadas coisas, do que fazer em determinadas situações. Ganhei mundo, cresci, vi, fiz, tentei, falhei e consegui No entanto, o ensinamento mais valioso que tiro destes anos é o dadisponibilidade

Foi um professor que mo disse Que nós não vamos ter 20 anos para sempre Que nós não vamostertantotempolivreemmãosetãopoucas responsabilidades às costas como temos agora. Que todos os dias daqui para a frente serão um passo mais longínquo da nossa juventude, imaturidade e liberdade. Não querendo soar catastrófica, porque sei que também não era esse o objectivo do discurso original, é importante que tenhamos noção de que, de facto, ter 20 anos é muito bom, mas passa depressa Ainda não acabei a minha licenciatura e sinto que já nem penso muito nela, pois tenho a mente atabalhoada com mestrados, saídas profissionais, objectivos e responsabilidades Não tarda nada, começo a pensar na reforma Sinto que há certas alturas (as de transição, como a que atravesso de momento) em que não conseguimos aproveitar o presente, ou dar-lhe a devida atenção, porque o futuro carece que pensemos mais nele. Sinto o peso da falta de disponibilidade quando ainda a posso aproveitar em pleno, pelo que, se posso deixar alguma sabedoria anciã de quem já viveu e aprendeu muito (sou finalista), que fique claro que o tempo é para se aproveitar como se estivesse a escassearaolhosvivos

DISPONIBILIDADE

ANA CATARINA TIAGO

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

A faculdade, esta faculdade, dá-nos muitas oportunidades para crescermos e irmos à procura daquilo de que gostamos A melhor delas todas: dá-nos tempo Saímos das aulas e vamos direitinhos ao museu mais próximo, à sessão de cinema que nos apetecer, às esplanadas desta vida pôr a conversa ou a leitura em dia Podemos agarrartudooquequisermos,saberLisboadecor E porque sabemos que Lisboa não é o mundo, podemos ir de Erasmus e deixar o coração noutro canto do mundo E porque a vida não é só festa (e, se fosse, também cansava), fazemos estágios e temos acesso privilegiado a uma pequena amostra domundoreal

A faculdade deu-me as ferramentas para que eu descobrisse sozinha tudo o que posso ser Hoje, sinto-me na obrigação de fazer um apelo, depois de ter vivido quase três anos de absoluta plenitude e inquietude: é preciso termos a disponibilidade para abraçarmos as oportunidades É de sublinhar a importância de nos darmos às coisas, de nos atirarmos de cabeça, de experimentarmos Se nunca sairmos do sítio, nunca vamos conhecer Até podemos não gostar, mas ao menos sabe-loemos. A disponibilidade nunca será em demasia e fará milagres por todos nós A moral da história é que devemos estar atentos, fazer por estarmos presentesenãotermosmedodeiremfrente.

DA
23

KAFKA À BEIRA D’PANELA

acerca das nossas escolhas de vida? Aturar o colega eprimir devido à faculdade, o senhorio com os seus e a célebre frase “Somos uma família!”, o professor temos aquela cadeira ah e a SOGRA afka possuiria todos estes problemas, como um típico critor fosse estudante em Lisboa, pertenceria à NOVA raram para imaginar se “A Metamorfose” fosse escrita Tornar-se-ia a Bíblia da FCSH quer dizer “O Manifesto Comunista”. e um estudante que acordou como uma barata, num , na Linha de Sintra, quem sou eu para deixar de me -natal da FCSH? Este acontecimento dos bichos, fazprato social Aumentou pela inflação ou, somente, comprar produtos anti baratas? m comunicado sobre o “EnCeRaMeNtO por mUtIvO de ê-lo-iam ter anunciado, de antemão, que o alemão veio e mais barato país da Europa”! (É impressão minha, ou ugal é barato para todxs menos para os portugueses?) ecimentos destas duas semanas “pós-férias de Natal” férias), mas ninguém iria ler, principalmente se ficar a edição digital...OPS! an, Tamanho 12, Espaçamento 1,5 é o hábito desta ca incrível do semestre

Crónicas D’FCSH, Janeiro 23 RFF

24

Estou demasiado perturbado com os meus próprios pensamentos para ter de conviver com outros O problema é que eu os tenho em mim e não os consigo tirar O problema é que eles vivem em mim e comigo e não os consigo expulsar, não que eu queira, mas talvez, única e exclusivamente, porque precise O problema é que, muito provavelmente, nunca me vou conseguir distanciar deles, e/ou quando o conseguir, talvez já esteja decidida a minha sentença Talvez seja cedo demais para os querer expulsar, mas adiantar só causará mais litígios, talvez um dia será tarde demais Penso, sou feito de racionalidade e sonhos, e que sou projeto de tantos engenhos quanto aqueles que a arte constituiu, mas sou somente fruto de um equilíbrio entre pensamentos idílicos e descrentes Não sou jamais um génio literário e nunca o serei Não sou jamais um inventor e criativo literário Não sou jamais um produtor descritivo da realidade Detesto refletir acerca das minhas imperfeições, sobre a minha preguiça Detesto saber que sou perfeitamente imperfeito e nada faço para o reverter Detesto pensar em pensar, em como pensar, no que pensar e porque pensar Detesto pensar que penso Não me recuso a pensar, porque pensar faz-me crescer, faz-me ver, faz-me crer, faz-me falecer pensar é, ao mesmo tempo, e afirmo com severidade, das sensações mais belas e repulsas da consciência humana

25

O AMOR NOS DIAS

BONS

CATARINA AIRES @ROMANCEEADA

Estouapaixonada

Perdi-medeamorespelomomento enelemeencontrei finalmenteempaz

Estouapaixonada pelasestrelasquelevas nosteusolhos,pelalua quebrilhanatuapele, peloamorqueme acaricia

Estouapaixonada pelotoquee pelosopro, pelatuafaltadefôlego; pelasurpresaqueéamar eseramada

Estouapaixonada ejánãoperguntoaotempo quantotempovaioamordurar, porqueomomentovive e t e r n o emcadadiaquepassa

Desejoapaixonar-me todososdiasda minhavida,edeitar-me todasasnoites comesteamorseguro nosmeusbraços

Estesdias,aconchego-me àtuamemória eadormeço desorrisonorosto

Estouperdidamente, absolutamente apaixonada porestaimpossibilidadequeera amar

O QUE MELHOR SEI FAZER

O que melhor sei fazer é esperar, Então vou esperar até dares o passo em frente Religião não é para mim, nunca fui de rezar, Então vou esperar até fazeres de mim crente Porque não me importo de aqui ficar, Como quem espera que decidas o que vestir Então vou esperar até já não precisar, De contar piadas para te fazer sorrir E se nisso o tempo não me quiser acompanhar, Então vou esperar até ser só eu Porque não sei outra forma de te mostrar, Então vou esperar até ser só teu

26
C.L. S I L Ê N C I O S I L Ê N C I S I L Ê N C S I L Ê N S I L Ê S I L S I S
GORJÃO
MANUEL

I WRITE TO YOU TODAY

DÁRIA ROSA

I write to you today

Remember when Jenny asked, “how is this fair?”

I told her that we weren’t there yet

She cried and screamed crazy “how do you dare”

I told her “babe you and I haven’t even met”, She looked bewitched, her eyes in full spring bloom

The flowers dancing on yesterday’s moon

Somehow, she looked at all of April’s dawns

Remembering all the times we haven’t yet lain on the lawn

Once perplexed twice deranged

I couldn’t stand all the noise and I whispered quietly,

“You’re driving me mad” I know you can tell She just stood there

“Just please let me go” and then came the old “I’m not holding you back”

Well, it wasn’t just her you see, it was also Jack

Jack was afraid and so I told him I’d cut him a slack

I once gave him a ride, down at the intersection

Near the county where he lacked direction

He thanked me miserably, I could not stand his apathy

I was angry and when I was about to leave

He looked through the window while shaking his sleeve

“I got you your letters you know”

He looked a bit older than I remembered

He handed me the letters, they were all tendered

Like things are when kept for long

The dust cleaned more than once, and more than twice

The paper yellow, reeking from the moth’s aging device

So you see, when Jenny told me her truth

I told her soundly that I wanted my life back

She glazed through the pastel-blue memory

As if it had never happened

She wasn’t one to be meddled with

The pastel was blue, but her mind wasn’t of any colour

She apologized for leaving

But couldn’t do more, her being was about dreaming

Furiously whispering while crying hot tears

“I forgive myself but can I forgive you?”

“I don’t feel guilty baby”

This is when I told my truth

escorrem-me pela cara, destemidas e emancipadas as lágrimas que são tuas e por ti tornadas ser, para que me possas tocar e escorrer-me pelo corpo

ao peito vem-me o fulgor de ti, que não cabe, nem sequer por tentativas, nesta matéria que anda que só corpo se chama quando no teu se vê e pelo teu o é

embora não acredite nem preciso o seja reencarnar, este corpo, meu amor, é o teu

27
MARIA LINHARES LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMINICAÇÃO

OS OLHOS DO ALAFIM DE OYÓ

HEFESTO DE OLIVEIRA LICENCIATURA EM CPRI

São duplos sóis, são duros sóis, São vulcões sanguineamente tingidos, São trovões irascivelmente quarados: Os viscerais olhos do Alafim de Oyó

São duplos machados em fúria forjados, São a vingança em cobre escarpada, São a justiça em pedra relampejada: Os resolutos olhos do Alafim de Oyó

São duplos braseiros, ígneos braseiros, São saiotes opulentamente juncados, São cravos fecundamente semeados: Os lascivos olhos do Alafim de Oyó

Kaô Kabesilé!

Ó entre as tempestades apaixonado! Opanixé Kaô!

Ó em amores três vezes coroado!

28

PARANOIA OU MISTIFICAÇÃO?

BELA CADIMA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Era crítico no jornal Estado de São Paulo, o senhor Monteiro Lobato.

(Paranoia ou mistificação?)

Mal sabia ele que o seu artigo tiraria Malfatti do anonimato

(Paranoia ou mistificação?)

O senhor Monteiro Lobato, de extremo mau gosto, Teve a coragem de humilhar a artista na frente de muitos outros!

(Paranoia ou mistificação?)

Que desgosto, senhor Lobato!

(Paranoia ou mistificação?)

Não era você que tinha um conhecimento cultural tão vasto?

(Paranoia ou mistificação?)

Agora vejo que era tudo um trato (Paranoia ou mistificação?)

Trato para pagar de bom homem, Quando tudo o que habitava em si era o que de pior existe no mundo **

(Paranoia ou mistificação?)

Explorando fundo, Os cinco foram aos factos *** (Paranoia ou mistificação?)

Viram que Malfatti precisava, na verdade, ser ouvida pelo mundo

(Paranoia ou mistificação?)

E, vejam só: agora é você, senhor Lobato, o que está com os dias contados! (Paranoia ou mistificação?)

Digo mais: rio do que o destino te deixou reservado!

Diga-nos, senhor Lobato: paranoia ou mistificação?

Sabemos agora que Malfatti é artista, E o que ela expôs em 1917 não foi de todo em vão!

(*) - “Paranoia ou Mistificação” foi como ficou conhecido o artigo de Monteiro Lobato do jornal Estado de São Paulo, no qual duramente criticava a exposição da artista Anita Malfatti Tamanho foi o furdunço que a pintora passou anos sem pintar

(**) – O verso refere-se ao caráter do Monteiro Lobato, que além de ter dirigido comentários ofensivos à pintora, era racista nas suas obras, como estudos apontam Além disso, Monteiro Lobato foi um dos grandes nomes da eugenia no Brasil Até elogiava a KKK

(***) – Menção ao Grupo dos Cinco, composto pelos artistas Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Menotti Del Pichia Foram os grandes “líderes” da Semana de Arte Moderna de 1922

29

Para passares o tempo...

Vertical

1 O filme 'Velocidade Furiosa 7' reserva uma homenagem especial a Paul

2 Dia 24 de março celebra-se o dia do

3 No dia de fevereiro celebrou-se o dia dos namorados

6 Organização que pretende combater o desperdício alimentar

7 Murakami é o autor do romace 'Kafka à beira- mar'

Horizontal

1. Deixou-nos no fim de 2022 a designer de moda Vivienne

4 Ato que leva à morte de um doente por sua vontade por via de um profissional de saúde

5 Estação do ano que começa no mês de março

8 Cláudia Varejão é a realizadora de 'Lobo e '

9 Uma das mais famosas obras de Platão

Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.