NOVA em Folha Edição Abril

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DA MADRUGADA AO ANOITECER

Nesta edição, recordamos as diferentes faces de Abril. A história do dia que mudou para sempre o nosso país e a história de quem lá esteve e traz Abril até aos dias de hoje. Falamos de fado, de futebol e de fascismo. Falamos dos cravos que o banimento da censura fez crescer e dos espinhos que ameaçam a democracia. Trazemos, orgulhosamente, poemas apaixonantes e uma agenda cultural pensada até ao último ponto final para todos os leitores do NeF. Da madrugada ao anoitecer, sejamos cultura, mudança e liberdade.

Um jornal d@s estudantes para @s estudantes!

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2024 Jornal Abril
N O V A e m F o l h a

Conteúdos

32

15 09

06 Editorial

No Editorial, Guilherme Machado reflete sobre a importância de celebrar o 25 de abril como um evento em constante evolução, destacando as diversas interpretações da liberdade e os desafios da democracia

09 Notassoltassobreo25deAbril

O capitão de Abril Mário Simões Teles deixa-nos o seu testemunho sobre o 25 de abril e a importância do mesmo no futuro da democracia em Portugal

10 Boicotaraguerrapordentro

Nesta entrevista, o ex-combatente na Guerra Colonial, Fernando Teixeira, reflete sobre a sua experiência na mesma e retrata os desafios pessoais e éticos enfrentados durante o conflito

15 Ofadoenquantofenómenosocial

Gil Silveira, do Núcleo de Estudantes de Sociologia, traznos uma reflexão sobre o fado e a sociedade portuguesa

24 Opapeldacomunicaçãosocial namemóriahistórica,50anos depoisdo25deAbril

Pedro Taveira argumenta sobre o papel da comunicação social tem na memória coletiva da Revolução e do processo que se seguiu

26 Especial Cartadeumamãeao filho,soldadona GuerraColonial

32 Democraciarepresentativa, narrativassub-representativas

Neste texto, Madalena Andaluz leva-nos refletir sobre o a memória e História que permanece associada ao Processo Revolucionário que seguiu o 25 de abril

34 Poemas

Poemas sobre Abril, liberdade, aprisionamento, de Sofia Fernandes, Raquel Francisco, Lívia e Bela Cadima

Ofadoenquanto
fenómenosocial NotasSoltasSobre o25deAbril

Foto da capa

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Todas as edições, aceitamos propostas de textos, poemas, críticas, receitas, crónicas, bitaites, artigos desportivos, notícias e destaques, reportagens, peças humorísticas,... de qualquer alun@ ou docente da FCSH, os quais são posteriormente revistos pela nossa equipa editorial

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02

Abril2024

Direção Beatriz Gomes Martins

Clara Figueiredo

Guilherme Machado

Redação Afonso Noronha

Beatriz Ferreira

Beatriz I.N. Martins

Carolina Ramos

Diogo D’alessandro

Guilherme Machado

Inês Fonseca

Isabel Bentes

Lara Duarte

Revisão Beatriz Gomes Martins

Clara Figueiredo

Guilherme Machado

Inês Fonseca

Leonor Moreira

Sofia Fernandes

EdiçãoGráfica Beatriz Gomes Martins

Clara Figueiredo

Madalena Grilo Teles

Leonor Vieira

Lívia Martinho

Lourenço Salgueiro

Madalena Andaluz

Maria Linhares

Mariana Ribeiro

Marta Afonso Alves

Martin

Margarida Calado

Margarida Runa

Pedro Lázaro

Pedro Taveira

Raquel Francisco

Ricardo Cruz Reis

Sofia Fernandes

Vicente Mongruel

Victoria Leite

Colaboradores AEFCSH

Anónimo

Bela Cadima

Gil Siveira (NES NOVA)

Mariana Vital Ferreira

Ficha Técnica

03

Índice

AE em Folha

Um 25 de abril múltiplo

Notas soltas sobre o 25 de Abril

Boicotar a guerra por dentro

Cinquenta tons de Abril

O fado enquanto fenómeno social

Futebol português e o salazarismo

Memorial dos pugnadores // Amor em tempos de guerra

Para

fascista

A censura económica do jornalismo da periferia

O papel da comunicação social na memória histórica, 50 anos depois do 25 de Abril

50 anos de Abril, e a História repete-se?

Correspondência durante a Guerra Colonial Agenda Cultural de Abril

Camaradas somos todes

Democracia representativa, narrativas subrepresentativas

Homilia

Há um milhão de fascistas? O mito de abril

25 de Abril, 50 anos depois

João Tilly está no parlamento

Deve a Constituição Impor Limites à Sua

Alteração?

É possível que uma “revanche eleitoral” parecida com a de Trump e Biden, em 2024, ocorra no Brasil em suas próximas eleições?

Adrianne Lenker, você me paga!

As crianças aprendem a cantar

Domingo

Uma Visita ao Cinema de Animação na Casa da Cerca com o Festival MONSTRA

Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963) e a democracia a chegar à meia idade

As Descobertas de Nuno Folha: DIA DA LIBERDADE

Mais Abril

Passatempo

novaemfolha.ae@fcsh.unl.pt @novaemfolha.ae @novaemfolha.aefcsh 04 33 34 35 36 39 40 41 42 43 44 45 46 48 49 50 51 Audição Muda Poesia
Independente
da liberdade
5 dias, 5
além do mar de cravos Rostos
do domínio colonial
noites Última vítima da censura
05 06 09 10 13 15 16 17 18 19 21 22 23 24 25 26 27 31 32

FOLHAAEEM 2024

Abril e a Luta Estudantil

(ou mais um texto sobre porque é que temos que defender Abril)

É curioso e o português tem destas coisas, mas de facto as duas expressões colocadas no título - “Abril” e “Luta Estudantil” - rimam Neste caso é mera coincidência Mas a proximidade entre estes dois elementos é tanta e tão necessária que o podia não ser

Neste Nova em Folha apontamos a Abril e ao seu legado As fronteiras que aí se abrem assumem uma dimensão assustadoramente grande, não só pelo legado que Abril construiu e constrói todos os dias, e que muitos e de muitos lados tentam destruir, mas acima de tudo pelos horizontes de futuro que esta Revolução, das mais bonitas do século XX, constitui

Hoje, Abril é atacado É alvo da mais grosseira mentira e mistificação Só isso justifica que se tenha normalizado no discurso dominante, a quem interessa que o povo se sinta incapaz de transformar a realidade, a ideia de que foi um mero golpe militar, escondendo-se o apoio popular no próprio dia 25 de Abril, as mobilizações de massas, a dinâmica popular construída, a luta e vontade do povo e dos trabalhadores portugueses em construir um país diferente, bem diferente Dentro dessa luta inclui-se naturalmente a luta dos estudantes portugueses pelo fim da guerra colonial e por um Ensino mais justo e acessível a todos

Os estudantes portugueses têm-no sabido ao longo da história, mas é preciso insistir nesta ideia - são as grandes mobilizações de massas e o seu processo de construção, é a unidade em torno das questões concretas e a sua expressão em forma de luta e reivindicação que move a realidade e nos aproxima de um futuro diferente, e diferente para melhor

Hoje, essa luta continua e as expressões concretas disso são muitas ao longo das décadas, a mais recente dada no passado dia 21 de Março, dia em que milhares de estudantes encheram as ruas de Lisboa por uma Reivindicação, que se multiplica naturalmente em muitas mais - Mais Abril no Ensino Superior Português.

Mais Abril como? Mais Abril Porquê?

Em resposta à primeira questão, através daquilo que o projecto de Abril pressupõe e vincula - um Ensino Justo, em que ninguém fique para trás, em que a educação seja vista como um pilar para o desenvolvimento do País e para o desenvolvimento integral do indivíduo A primeira versão da Constituição de 1976 chegava a indicar que o Ensino Superior devia ser acessível aos “filhos das classes trabalhadoras” (e essa é mais uma das mil e uma provas de que Abril tem um pendor, tem uma cor, e essa é a cor de quem sempre defendeu a democracia e o seu aprofundamento)

Respondendo à segunda, porque a realidade nos tem dado provas de que não é preciso (nem sequer viável) seguirmos o caminho que temos seguido, de privatização e elitização do Ensino Superior Precisam os estudantes e precisa o País de um caminho diferente, de um caminho que combata esse processo, que combata as forças reaccionárias, que não permita que a roda da história ande para trás

Foi o lema da manifestação do Dia Nacional do Estudante de há dois anos - Lutaram no Passado, Lutamos no Presente Esse lema é de uma brevidade que não corresponde à sua assertividade extraordinária. Os esforços que fizeram no passado são os esforços que temos que fazer hoje, em unidade, construindo cada avanço a pulso e em luta. Digam o que disserem, a realidade comprova que este é o caminho, e os estudantes vão continuar a fazer duas coisas que são essenciais - a levar Abril pela mão e a lembrar Abril em todos os outros meses do ano.

3
JornalAE Abril 05

Um25deabrilmúltiplo

GuilhermeMachado

Eu vou começar por supor que as ilustres leitoras do NOVA em Folha já conhecem, na sua maioria, o que é o 25 de abril Se

não for este o caso, pedir-vos-ei que leiam as primeiras linhas da página da Wikipédia sobre o assunto:

“A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como a Revolução dos Cravos, Revolução de Abril ou apenas por 25 de abril, refere-se a um evento da história de Portugal resultante do movimento político e social, ocorrido a 25 de abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo (...)”

PÉDIA, Wiki, “Revolução de 25 de Abril de 1974”, Google, 2024

Agora que sabeis todos ao que me refiro, posso avançar para o ponto que desejo abordar O derradeiro cinquentenário pelo qual mal consigo esperar que chegue Falo, obviamente, do cinquentenário do primeiro aniversário do 25 de abril de 1974 (celebrado no dia 25 de abril de 1975) De facto, temos ainda de esperar mais doze meses para que esta efeméride se torne a ordem do nosso dia, motivo pelo qual teremos então de nos contentar com a celebração do feito original Mas esperar? Esperar não me faz mossa E nunca fez mossa a ninguém neste país Esperaram pelo fim da guerra, esperaram pelo comboio de alta velocidade, esperaram pelo Costa, esperaram pelos homens emigrados no Brasil Enfim, em Portugal somos todos eucaliptos pacientes, esperando o próximo incêndio e prontos para dizer adeus

“Que grande parvoíce Não tens mesmo nada de jeito para escrever pois não?”

Pois explico-me então Não deixando que a rambóia assuma proporções que emudeçam a verdadeira data de libertação de um regime fascista, não consigo deixar de apresentar os meus argumentos pela crença de que os aniversários do 25 de abril - ou o ato de celebrar o 25 de abril - são tão importantes como a data original

Como qualquer feriado nacional, o dia 25 de abril tem de ser cultivado e apresentado como um momento de celebração em que não sejam colocados em causa certos princípios fundamentais do sistema político que o celebra Entre eles consta a ideia de um Estado e de um regime parlamentar cimentado em 1976, mas vitorioso em novembro de 1975 Assim, como outros feriados e outras celebrações atravessados por estes laivos de civismo e de unidade nacional (o 1º de dezembro, o 5 de outubro), não se pode permitir que constem desta celebração quaisquer elementos de uma memória dividida Mas a verdade é que o 25 de abril é o exemplo por excelência de uma data carregada destas tensões entre memórias tendencialmente antagónicas sobre o seu significado, mas mais crucialmente - sobre o que a ela se seguiu. Idealmente, é a data fundacional da nossa democracia parlamentar. Efetivamente, foi o despoletar de uma crise revolucionária onde se disputou o caminho que seguiria Portugal E no que toca a disputas, nós não estamos sempre todos na mesma equipa

E tal como o biénio de 74-75 foi o reflexo das lutas que inevitavelmente se levaram a cabo no seio de um movimento que derrubou um odiado regime, também a celebração do dia 25 de abril reflete os antagonismos tão presentes num povo que anseia por Liberdade - mas cujas interpretações da mes-

Editorial
Abril
06

ma não são sempre partilhadas Existe liberdade de explorar e a liberdade de tomar conta de locais de trabalho Existe a liberdade de especular com habitação e deixar gente na rua e depois a liberdade de ter habitação condigna Existe a liberdade de ser legalmente livre e depois existe a derradeira liberdade: em que o valor de alguém não se mede pelo que produz nem pelo trabalho Diferentes, distintas e por vezes antagónicas Múltiplas liberdades (e opressões), e portanto, múltiplos dias 25 de abril! Não é preciso constatar o óbvio quando afirmamos que o 25 de abril não se fez para todos Já o general Carlos Galvão de Melo, na sua célebre frase que aqui não reproduzo, o tinha deixado bem claro Não só não se fez para todos, como também o regime democrático que eventualmente inaugurou também não é de todos

E por isso, celebramos Temos de celebrar o 25 de abril e fazê-lo cientes de que consiste num campo de ação e de potencial para mudança social, para imaginar novos horizontes de libertação e crer que uma Revolução é possível. Fazer o que fizeram camaradas mais antigos em 1975, que independentemente da precocidade, não hesitaram em celebrar o aniversário da data fundadora de uma luta que não termina

Isto porque a celebração, ano após ano, é a única realidade que ainda podemos transformar em libertação coletiva

Foto: Eduardo Gageiro

Abril GuilhermeMachado Editorial 07

Rádio Alfabeta [24 de abril de 1974]

“Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. O Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74, E Depois do Adeus.”

João Paulo Dinis , locutor de rádio

ABRIL 2024

CapitãodeAbrilMárioSimõesTeles

Notas soltas sobre o 25 de Abril

Se comemoramos o 25 de Abril é porque acreditamos que nos pode inspirar para actuar no presente Escolhemos duas das singularidades do 25 de Abril, na expectativa que consigamos ir nessa direcção:

Primeira - No 25 de Abril convergiram duas acções independentes, mas praticamente simultâneas: uma dirigida contra a superestrutura do regime vigente, outra desenvolvida na base da sociedade, mobilizando-a

Segunda - Com o 25 de Abril, o País abriu-se ao mundo inteiro em conexão estreita com o anseio e a busca da Paz

A Ditadura não foi derrubada por um grupo armado emanado de uma insurreição popular, ao contrário da maior parte das revoluções Foi derrubada pela convergência da acção profissional de um grupode jovens militares – ie, de uma sub-componente do Estado – e da acção popular que arrancou no próprio dia e se generalizou, multiplicando-se em muitas acções Não houve nenhuma combinação entre as duas componentes: o MFA actuou com total autonomia; os movimentos populares também, desde logo ao nível local, em seguida ao nível nacional

A actuação na superestrutura

O MFA conduziu a acção na superestrutura munido de um Programa claro e conciso, tornado constitucional através da lei nº 03/74 de 14 de Julho, que estabeleceu (resumidamente):

O Fim da Guerra

A solução do problema da guerra em África é política e não militar

É através de uma política de paz que será possível alcançar o progresso e o bem-estar para a nação;

A Instauração da Democracia

Só por via de processos democráticos é possível criar as instiutições e encontrar as soluções políticas necessárias à

resolução dos problemas da sociedade portuguesa;

Apelo à participação de todos os portugueses na vida pública nacional, de forma pacífica, para a definição de uma política visando a solução dos graves problemas nacionais;

Os militares entregarão o Poder aos representantes do povo logo que estejam constituídos e eleitos democraticamente os órgãos de soberania;

Os militares constituirão desde o início um Governo Provisório composto por civis;

Uma política de Paz e de cooperação entre os povos Ruptura do isolamento internacional

No interregno que se viveu até à promulgação da Constituição da República, em 2 de Abril de 1976, o MFA garantiu o exercício das liberdades recém conquistadas, assegurou o recenseamento eleitoral e organizou as eleições para a Constituinte, liderou as negociações da Paz, assegurou a retirada em segurança das nossas forças dos teatros de operações da guerra colonial a par do regresso seguro dos retornados – os altos comissários na Guiné, em Angola e em Moçambique foram militares do MFA ou nomeados por ele - e ainda atendeu milhares de pedidos para dirimir conflitos no País inteiro (podemos aperceber-nos da magnitude dessas contribuições em trabalho do coronel Delgado da Fonseca publicado na revista da Associação 25 de Abril mais recente)

Por seu lado, praticamente em simultâneo com a tomada do poder pelo MFA, a grande maioria dos cidadãos invadiu as ruas, aderiu ao Programa, pôs-se do seu lado e desencadeou por sua conta as imensas transformações que conhecemos: saneou as autarquias e ocupouas com comissões administrativas, constituiu comissões de moradores nos bairros e comissões de trabalhadores nas empresas, descorporativisou os sindicatos, fundou associações desportivas e culturais, criou cooperativas de produção, constituiu partidos políticos, impediu fugas de capitais através da banca, etc, etc, etc! E compareceu massivamente nas eleições para a Constituinte, as primeiras eleições universais e livres que houve em Portugal

Testemunho Abril
Foto do Capitão Mário Simões Teles
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Mário Júlio Teles foi condecorado com a Ordem da Liberdade (Foto: Presidência da República)

Boicotar a guerra por dentro

Entrevista a um ex-combatente na Guerra Colonial

O golpe de estado de 25 de abril de 1974 teve como uma das consequências mais imediatas o fim da Guerra de Independência das ex-colónias portuguesas Guerra esta que durou mais de uma década, com várias frentes, e que implicou o recrutamento, de um lado e de outro, de vários jovens que se confrontaram sem se odiarem Uns em exigência do que lhes pertencia, outros ou na crença de uma posse a ser-lhes negada, ou na mera obrigação

Este artigo procura dar voz a Fernando Manuel Menezes Teixeira, que foi mobilizado para o teatro de guerra na Guiné como Oficial miliciano, e que se inclui, nas suas palavras, na categoria dos “revoltados, os que estavam a boicotar a guerra por dentro”

O medo de ter de ir para um sítio qualquer desagradável

Fernando Teixeira nasceu em 1945 em Arroios, Lisboa Foi estudante de Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico Começou a namorar a sua atual esposa em 1968, como lembra, “no ano da Revolução Estudantil Francesa cujo lema era «Il est interdit d'interdire!» (É proibido proibir)” Conta que a vida universitária possibilitava o adiamento da convocação para a guerra, mas que tal não seria um dado adquirido Que de três em três meses “tinha um filme de terror” quando se apresentava na Junta de Freguesia para saber quando seria mobilizado para a guerra

Seagentechumbasseumano,noanoseguinte,láestávamosnós numsítioqualquerdesagradável.Ouseja,agentevivia permanentementecomocuteloemcimadacabeça Houvesseum professorqueerasacanadava-noscabodavida.Istoémuito importanteporqueamaltahojenãotemesseproblema,aCarmo [neta]cumpriuoserviçomilitar vãolápassarodia

Acabaria por ser chamado para o serviço militar e em virtude da licenciatura que frequentava teve formação para a especialidade de Oficial de Transmissões de Artilharia, que “era uma boa especialidade, não era uma daquelas que implicavam uma ida automática para a frente de guerra” Porém, por se tratar do primeiro classificado do seu curso, quis o destino que fosse recrutado para instrutor, contra a sua vontade Para agravar a sua relação com as Forças Armadas Portuguesas, uma requalificação da que chama “dark net”, a PIDE, levou a que fosse qualificado como perigoso revolucionário sobre o qual é preciso manter permanente vigilância Passaria a Oficial de Artilharia, agora com especialidade de “Atirador”, cargo que implicava um envolvimento mais intenso na guerra “[Tive] uma informação negativa da PIDE E eu que nunca me tinha metido em barulhos fiquei ultra espantado Aquilo era um dado adquirido, não se podia alterar”

Em junho de 1973, casou-se perante a possibilidade de ser mobilizado para o teatro da Guerra Colonial Após três meses de casamento, nos quais via a esposa Helena Teixeira apenas aos fins de semana por conta da nova formação militar que estava a ter, foi em outubro de 1973 “convocado para fazer uma viagem até à Guiné”

MargaridaCalado Entrevista Abril
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Companhia em Nova Sintra, Guiné Combatentes portugueses (à esquerda Fernando Teixeira) junto a combatentes do PAIGC no pós-guerra

MargaridaCalado

Nãoimaginasoqueéouvirestanotícia.Casadohátrêsmeseseouço estanotícia( )enãoseisetensideiamasaGuinéeraoteatro operacionalmaiscomplicado.(…)Deixeiaminhamulhergrávida.Não adeixei,estávamoscasados,aminhamulherestavagrávida Voute dizeroutracoisa,queéumpequenopormenor,porcausadas históriasdaPIDEeufuicolocadonumacompanhia,nomeiodomato, emqueosoficiaisjátinhammorridotodos Foiumatentativademe matar ( )Portanto,eudisse:Vouterdeaguentar18mesesdeguerra, aprobabilidadedevoltarinteiroerarelativamentepequena (pausa longa)Éindescritível

Quando recordou a madrugada em que se despediu da mulher foi um dos momentos mais emotivos e dolorosos do seu discurso 50 anos depois, as feridas mantêm-se abertas, mesmo já sabendo o desfecho “menos infeliz” dessa despedida, em comparação com os destinos de outros camaradas

Nova Sintra, Guiné-Bissau

Quando chegou à Guiné, Fernando foi levado para Nova Sintra que “não era uma vila, não era uma cidade, não era nada Era um retângulo de arame farpado de 190 por 240 metros E a gente vivia lá dentro, quando a gente vinha cá para fora era para a batalha” Nesta companhia viveu cerca de um ano, dormindo debaixo do chão num abrigo feito de palmeiras para se proteger de uma eventual granada

Apesar desta Companhia ser composta por 162 homens - 4 grupos de combate cada um com 40 homens - a capacidade real de combate era muito reduzida Dos 40 que devia levar consigo em operação chegou a levar apenas 15 soldados, por conta das várias baixas causadas pela malária, a má alimentação e a própria exaustão motivada pelo excesso de tempo de mobilização A mobilização para a guerra na Guiné, legalmente, não deveria exceder os 18 meses, mas os homens daquela Companhia permaneceram nesta zona operacional por 28 meses A má alimentação era justificada pela falta de abastecimentos, que só poderiam ser aéreos ou por barco, e pela atribuição a cada combatente de uma ração de combate que não estava feita para o tipo de alimentação portuguesa

NãoqueirassaberoqueeramalárianaGuiné Osfulanosestão avomitarodiainteiro,comacabeçaarebentardedores,com febrea40etalgraus,emuitosdesteshomensiamatrásdemime nãodiziam«ai!Estoupróximodeumstress» Nãopodiam ( )A minhatropanãotocavanaração,levavaumbocadodepãoe estavam24hcompouquíssimodaraçãodecombateecomum litrodeáguacomtemperaturasde40etalgrausehumidadesde 90etal.(…)Elesestavammalucoseiamficandocadavezmais malucos,masnãoeralinearafunção,erapelomenos exponencial

Fernando defende que boicotou a guerra por dentro, de várias maneiras, como por exemplo, ao não completar todas as operações que tinha de fazer Fê-lo também em salvaguarda dos seus soldados da exaustão Como Oficial de Artilharia, recorda algumas histórias em que a responsabilidade de comandar um grupo de combate era avassaladora dada a vulnerabilidade às vicissitudes da guerra

Umaveznumamissão,encontramosumadatademinas,eu fiqueicom6homensdesfeitos Imaginaroqueéoshomens rebentarem…eagenteficaraassistiraistotudo.(…)Osgajos todosdesfeitospá easeguirencontrarmaisminaseeudigo:o queéqueeufaço? Desmontoasminasoucorroriscodeelesse mataremmaisunsquantos?(…)Eunãosabiacomoerauma mina ( )Sabesumacoisa?

Oexércitoeratãorepugnanteporqueseeuentregasseapeça fundamentaldaminaaoexército,oexércitodava-medinheiro, compravaaminhavida.Eeudesativei2minas,tireiosdetonadores, meti-osnaalgibeiraeentregueiaumsoldadoqueeraumdesgraçado «tomalá,recebetuodinheiro».(…)Oexércitopodiadizerassim«dás umtironessaporcariaefazesissoexplodir» Não Cobiçavaas pessoascomodinheiro Esefossemarmaseramaisdinheiroetal… masistomostraovalorqueagentetinha ( )Noaquartelamento haviadetetoresdeminas,masnãoseutilizavamporqueseamina explodisseaquilorebentavae“aquilo”valiaumadatadedinheiro»

As saudades de casa, acentuadas pela perda do seu primeiro filho, a angústia da permanente tensão de guerra, e sobretudo a frustração de participar num conflito do qual não se é convicto, foram agravadas pela convivência com soldados que nele participavam por vontade própria Fernando conta a história de um homem português, que veio do Canadá, onde vivia, para combater na Guiné Fê-lo para comprovar a sua “macheza”, mas que esta lhe saiu cara quando uma mina explodiu e lhe arrancou os olhos e testículos

Resta questionarmo-nos como é que uma pessoa se aguentava nestas condições A resposta imediata foi “havia as falências e aguentávamos” Ajudava-o a correspondência com Portugal, com a mulher a quem escrevia todos os dias, e vice-versa Fernando lembra uma situação inesperada que lhe trouxe algum ânimo no Natal de 1973, em que diz terse sucedido um milagre Nessa noite tinha-lhe sido atribuída uma missão Já no mato, recebeu uma mensagem secreta do Comandante da Companhia com ordem para que voltasse imediatamente para o aquartelamento Alarmado com a mensagem volta rapidamente para ser recebido com a frase “Hoje é dia de Natal, não é dia de andar a fazer guerra Acabou pá, vamos embora, vamos comer, cear todos juntos”

EutinhaouvidoumhelicópteroquetinhaaterradolánaCompanhia, masnósestávamosprevenidosquenãoiahavercorreio,entãooqueé queaquelehelicópterotinhaidoláfazer?...Aquelehelicópterotinha sidochamadoparafazerumaevacuaçãoasul Enesteespectoeles erambestiais [Perguntam]«háparaaíumsacodecorrespondência paraNovaSintra?Há?»,ogajopega,paraohelicóptero[na Companhia],pousaasacadecorreioecontinuouparafazera evacuação Edisse-meosoldadoqueeraencarreguedocorreio «alferestemaíumcorreioparasi» [Eurespondi]«tá’bem,voucomer ejámedás».Etinhasabesoquê?TinhaumascartasdaHelena,e tinhaumpacotinho Entãotinhasidoumamigomeu,omeu companheirodeaeromodelismo(…)quesetinhalembradodoamigo queestavanaguerraemandou-meumlivro,umprémioNobel,«A MontanhaMágica»…(pausalonga)foiaúnicaprendaqueeutive nesseNatalde73’

Um professor primário informal ou o diabo na terra

Em Nova Sintra, Fernando Teixeira com 27 anos e estudante universitário deparou-se com um elevado grau de analfabetização entre os seus soldados Jovens com 20 e poucos anos pediam-lhe para que escrevesse ou lesse as suas cartas pessoais, causando-lhe uma sensação de intrusão tremenda

Vivia-se,naquelaaltura,asgrandescampanhaspublicitariasdo governodalutacontraaanalfabetização Apartirdaquela altura“eramtodosdoutores”,masos50homensdaminha companhianãosabiamlernemescrever,nuncatinhamvistouma escola EramtodosládecimadeTrás-os-Montes

Entrevista Abril
11

Num ato de maluquice, como afirma, o Oficial miliciano decidiu reunir um conjunto de sargentos e começar a dar aulas aos soldados analfabetos, com o objetivo de os ensinar a ler, escrever e contar Para que mais tarde fossem formalmente avaliados por um professor e receberem o diploma da quarta classe

Asordensmilitaressãobestiais,temcoisasmuitointeressantesmas outrassãoumadesgraça [Diziamque]nãosepodiasairdatropasem fazeraquartaclasse.MashaviaumacondiçãoespecialparaaGuiné, dadaatividademilitarnãoerapossívelensiná-losnemalernema escrever.Eeudisse«istonãopodeserpá!Entãoestesgajosamaior partedelesficamcompletamenteavariadosenemsequersabemler nemescrever Voumontaraquiumasescolaseensiná-los (…)elesvão verqueméomaiorchatodomundo!»

Esta escola regimental que improvisou deu-lhe alguma motivação, dado que também o ocupava com a preparação de cadernos e livros de leitura Um dia decidiu exceder as metas do que se tinha proposto a ensinar e explicou aos seus soldados o que era o perímetro No dia seguinte foi interpelado por um deles que lhe disse: “Oh meu Alferes! Agora é que eu percebi tudo! O perímetro Meu Alferes, eu andava há uma data de tempo a pensar em construir um galinheiro quando chegasse da guerra, mas não sabia quanta rede havia de comprar Agora já sei, vou à casa das ferragens e digo: oh sô fulano, eu quero o perímetro daquilo!”

Este empreendimento teve um resultado extremamente positivo Apesar de ter “uma honra louca nisto”, Fernando sente alguma tristeza pela falta de “reconhecimento” desses mesmos soldados

Eueraumchato( )nãoteesqueçasquedurante24horaseles estavamemoperaçãodebatalha,e24horasestavamnasmais diversasfunçõesdentrodoquartel Portanto,euiaaindatiraraparte descansodeles,tirarparaelesiremaprenderaescrever…afazeras contas epá,eurepresenteiodiaboparaeles

Não obstante, em julho de 1974 foi reconhecido com um louvor militar Neste lê-se: «Louvo o Senhor Alferes Miliciano Fernando Manuel Menezes Teixeira porque durante perto de oito meses que prestou serviço nesta unidade sempre demonstrou ser muito dedicado ao serviço, disciplinado e disciplinador Para além de outros serviços prestados o interesse posto por este oficial nos problemas das escolas regimentares, de que era diretor, influenciou decisivamente os cinquenta diplomas da quarta classe obtidos pelos nossos camaradas que agora regressam à metrópole»

Istoéqualquercoisaquebateaquidentro,foidasgrandescoisasque fiznavida,foiaminhavitóriadaguerra Mastiveoutras Mastive derrotas Perdi12homensemcombate

«Vocês vieram de lá todos malucos»

Exatamente seis meses depois da partida de Fernando Teixeira para a Guiné a 25 de outubro de 1973, em Portugal, a 25 de abril de 1974 dá-se a Revolução dos Cravos Golpe de Estado que derrubou o regime fascista e com ele a viabilidade de uma guerra que Portugal não queria ter Fernando recorda a felicidade que foi receber a notícia num dia calmo na Companhia, através da rádio Conacri de propaganda do PAIGC, e mais tarde confirmada pela BBC “Não imaginas eu desatei a correr para fora, agarrei-me ao Comandante da Companhia e a gente rebolou-se no chão pá! Eu disse «João, acabou a guerra pá!»”

Permaneceu na Guiné ainda seis meses, num período de transferência de territórios para o anterior adversário, com o qual passou a conviver pacificamente “[O PAIGC] era o nosso adversário, não o quero chamar inimigo Ainda hoje não o chamo inimigo, era adversário mas não era meu inimigo Eu percebi que eles nunca foram meus inimigos”

Tunãoqueressaberoqueéqueéasensaçãodetuandaresafazer guerracomumgrupodepessoas,eelesandaremafazerguerra contigo,enodiaemquesefizeramestasfotografias-eeudetesto jogaràscartas-(…)deipormimsabesafazeroque?Ajogaràsueca comoditoinimigo Comooficialdeartilharia[doPAIGC] Ajogaràs cartas…digoassim,masistoéaguerradoSolnadoouquê?Sóamim morreram-me12homenspá! eoutrosficaramtodosestrambalhados pá!…eagoraestoueuaquiajogar…

O regresso a Portugal foi, naturalmente, de grande felicidade Recorda a rapidez da partida: “eu nunca vi encher um avião tão depressa, deve ter demorado cerca de 5 minutos, 180 homens Aquilo foi tudo em passo de corrida Nem se olhava para trás” Porém, a chegada a Portugal foi acompanhada da sensação de ser descartado pelas FAP, que o deixaram num cruzamento, a um domingo, sem disponibilizarem qualquer meio de comunicação com a família Teve a sorte de ser auxiliado por um taxista, enviado de Bragança para levar outro soldado para casa, que compreendeu o seu desamparo

Sabesumacoisa?Équeseoscomandantesdaguerrafossemàfrente dabatalha,aguerranãoduravanemumquartodehora.Os comandantesdaguerraestãoamilharesdequilômetrosdedistância, podemqueimaracarnetoda,acarneparacanhão (…)AsForças ArmadasPortuguesasserviram-sedemimenodiaquenão precisarammaisdemimdeixaram-me nemperguntaram«tens algumacoisaparajantar?Amanhãoqueéquevaiscomer?Tens dinheiroparatelefonarparacasa?»,nada,absolutamentenada

MargaridaCalado Entrevista Abril
Ex-combatente na Guerra Colonial- Rogério Figueiredo, Guiné, 1963

CinquentatonsdeAbril: APortugalidadedaLiberdade

“A 25 de abril de 1974, caiu o Estado Novo e inaugurou-se a democracia em Portugal” Esta frase não traz qualquer novidade: este ano celebram-se os 50 anos da tomada da antiga Rádio Clube Português (onde hoje é a Rádio Comercial) e da RTP e dos tanques pacíficos estacionados à porta do Quartel do Carmo, a pedir a demissão de Marcello Caetano O nome de Salgueiro Maia havia ficado para a eternidade Três anos depois, Os Amigos levaram à Eurovisão Portugal no Coração, música que refletia o estado de espírito de um povo esperançoso, onde se ouviu “Portugal já tem idade para o povo entender liberdade”. Mas de onde vêm as raízes desta noção tão vaga mas tão expressiva? Na Filosofia, nomes como Aristóteles, Hegel e Sartre são considerados teóricos incontornáveis A História traz-nos a liberdade como uma conquista social e política, tipicamente conseguida por revoluções e revoltas, guiadas pelo apetite soberano por autonomia e igualdade e alteração do status quo Este empate aos olhos a lei e de quem governa é o principal mote dos valores políticos da democracia e do respeito pelos direitos humanos, ainda que esta esta seja hoje uma frase cada vez mais inacabada A liberdade não deixa de ser, evidentemente, uma construção cultural, elástica: a Antropologia mostra-nos que a liberdade individual está sempre inserida em contextos sociais e culturais mais amplos, influenciados por fatores como sexo, classe social e etnia Não obstante, as palavras carregam um dos encargos mais importantes: a transmissão de ideias, idoneidade tão perigosa e plástica, capaz de instigar a emoção e a consciência ou cortá-las completamente Já a Arte tem por hábito cantá-la, pintá-la e refleti-la, materializando a memória e o anseio

50 anos depois, temos uma população mais escolarizada e alfabetizada e há cinco vezes mais alunos no ensino superior Temos Serviço Nacional de Saúde que, mesmo estando a passar pelas dificuldades que está, não perde a relevância no que toca à acessibilidade da saúde para todos (e não só para quem pode) Temos um país ligado por autoestradas Temos eleições livres e mais mulheres no parlamento (ainda que haja muito por fazer) Reaproveitamos metade do lixo que produzimos. À semelhança do turismo, a nossa população é cada vez mais internacional e multicultural

Conquistámos direitos sociais, sexuais e reprodutivos Eman-

cipámo-nos. Falamos tudo. Pensamos tudo. Escrevemos tudo, sem receio de lápis azul ou PIDE

Contudo, somos agora um país mais envelhecido e que se abstém mais nas urnas Somos um país diferente

A igualdade e a liberdade andam de mão dada. Ainda que a primeira esteja consagrada na nossa Constituição (os mínimos olímpicos), ainda existe muita discriminação A liberdade de um, que devia acabar quando começa a do outro, já ultrapassa essa barreira (mas já há muito que os provérbios populares deixaram de ter a essa quase-autoridade que tinham): ser português devia ser aquilo que cada um quisesse ser, sem moldes nem formatações - independentemente de cá ter nascido, ser lusodescendente ou ter escolhido aqui para viver; de ter curso superior ou só a quarta classe; de ser gay, hétero, cisgénero, transgénero, não-binárie ou outro

Ao celebrarmos o cinquentenário da Revolução dos Cravos, somos convidados a não só festejar esta conquista, como também a refletir sobre as suas muitas nuances Afinal, a liberdade nunca foi uma coisa simples, mas sim um caleidoscópio de pareceres e traquejos

É complicado conciliar as diferentes interpretações que cada um tem sobre o que é ser livre Para alguns, a liberdade significa poder manifestar as suas opiniões livremente, mesmo que estas possam soar controversas Para outros, esta está intrinsecamente ligada à segurança e à estabilidade económica No entanto, essa pluralidade não é apenas uma característica da liberdade, mas também um desafio para a sociedade Qual será a melhor forma de conciliar as diferentes visões de liberdade sem comprometer os direitos e a dignidade de cada um? Como é que se garante que a liberdade de um não oprimirá a do outro?

No entanto, é precisamente essa diversidade e diálogo contínuo que fazem com que a nossa liberdade seja tão preciosa Como uma obra de arte em permanente construção, a liberdade portuguesa é moldada pelas mãos de todos aqueles que a defendem e valorizam

Enquanto celebramos esta data, é importante lembrar que esta jornada está longe de terminar Mas, como se diz, mais vale rir do que chorar E é assim, com um sorriso no rosto e um cravo ao peito, que continuaremos a lutar por uma liberdade que seja verdadeiramente digna do nome

MargaridaRuna Crónica 13 Abril
Foto: Beatriz Gomes Martins

-Estou ?

-Boa noite excelentíssimo senhor Marcelo Caetano, é o Silva Pais.

-O que se passa homem? Já estou na cama!

-O que se passa é que a Revolução está na rua. E é grave.

ABRIL 2024
Lisboa. Noite de 24 de abril.

GilSilveira(NúcleodeEstudantesdeSociologia)

OFADOENQUANTOFENÓMENO

SOCIAL

O fado nasce em contexto oitocentista nas ruas populares de Lisboa e expressava-se de forma espontânea enquadrando-se no característico contexto urbano da cidade no que se trata dos hábitos de socialização das pessoas de determinados moradores de um bairro, resultante do contexto social vivido pelos grupos que criaram o fado português, as suas rimas baseavam-se também na sua rotina padronizada, hábitos, estado de espírito específico Desta forma é percetível o melancolismo tradicional do fado

O fado na sua origem enquanto fenómeno social foi marginalizado e considerado “pouco intelectual” Foi apenas a partir do início do século XX que as elites começaram a incluir o fado como parte dos seus hábitos de lazer e a atribuir-lhe um certo nível de intelectualidade Isto levou com que começasse a constar de peças de teatro e outros eventos, e assim, com o decorrer do tempo, passa a ser considerado como um forte elemento de representação da cultura portuguesa Não menos relevante para o caráter distinto do fado é também a guitarra portuguesa que, graças à sua afinidade tímbrica única, acompanha o canto intenso que tão singularmente define o fado

Dando continuidade ao contexto histórico, fundamental para compreender a evolução do fado, é com a instauração da Primeira República em 1910 e depois com o Golpe de 1926 que se dá continuidade a estas regras e formas padronizadas de conceber o fado, e como consequência, a contextos específicos em que se devia atuar o fado Evidentemente o caráter autoritário do Estado Novo legitimado pela Constituição de 1933 agravou a supressão da liberdade de expressão e o condicionamento dos hábitos sociais Como consequência destas moralidades, assim como pelo controlo prévio dos poemas e restrições nos espaços de apre-

sentação, surgiram, ironicamente, as casas de fado Também o aparecimento de Amália Rodrigues como figura famosa do fado português e a dimensão a que certa altura alcançou possibilitaram a expansão do fado a nível mundial

Com o final do Estado Novo, o fado assume uma nova dimensão central na cultura portuguesa, passando então a ser considerado algo caracteristicamente português,, importante e talvez até um símbolo nacionalista Em 2011 o fado passa a ser considerado como Património Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO Apesar do seu passado e da tradição, o fado mantém a capacidade de inovação com novas gerações de artistas que apresentam novas maneiras de se expressar no fado e de apresentar a sua arte, fenómeno no qual a tecnologia tem também um papel fundamental

OFado deJoséMalhoa,1910

“(…)éumestadoda relaçãodeforçaentreos agentesouasinstituições engajadasnalutaou,se preferirmos,da distribuiçãodecapital específico”.

Bourdieu,2003

De acordo com a perspetiva de Bourdieu em relação ao campo social, este trata-se de um espaço que tem características específicas em que os atores sociais ocupam posições que ganham uma forma e significado particulares, isto com base nas motivações subjetivas dos atores que manifestam de forma objetiva a vontade de possuir uma identidade social: A partir desta ideia conseguimos compreender que o fado é uma prática que se insere num campo social específico, e que a sua estrutura e funcionamento estão sujeitos- apesar de em qualquer campo social a historicidade e naturalização terem um caráter importante no desenvolvimento dos fenómenos sociais - aos interesses dos atores participantes e dos moldes que neles se encontram inculcados que procuram a obtenção de capitais alocados no campo social e com a sua maximização a capacidade de manipulação O autor em relação ao campo que incorpora a arte identifica três categorias em disputa, de acordo com a articulação entre o campo literário, o campo po-

lítico e o campo económico: a dos que produzem para o mercado, a da literatura ou arte social e da “arte pela arte” O facto do consumo em massa de artistas que apresentam uma estética, valores morais e expressão de ideias específicas resulta numa descaracterização do fado Logo o rompimento com o tradicionalismo é também um fenómeno que explica e possibilita a diminuição do consumo e o interesse por fado A globalização e mercantilização da arte como consequência do contínuo desenvolvimento do capitalismo industrial, tecnologia e padronização de hábitos consumistas são possivelmente também fenómenos estruturantes na sociedade contemporânea ocidental que explicam o certo rompimento de certas regras, normas, valores em troca de outros influenciados pela globalização atual:

“No cenário de mercantilização generalizada que caracteriza o capitalismo global, os setores culturais estão cada vez mais imersos na busca indiscriminada de lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a todos os campos de atividades Zygmunt Bauman é preciso ao ressaltar que a cultura se torna um “armazém de produtos para consumo, uma espécie de seção da loja de departamentos ( ) na qual se transformou o mundo habitado por consumidores” (Dênis Moraes, Boitempo, 2013) A arte e a cultura fazem parte de um circuito de produção e comercialização que integra a rede do consumismo, o sistema tecnológico é responsável pela interligação das economias e expande os meios técnicos para a assimilação social das tendências e valores que difunde

História Abril
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AmáliaRodrigues,Foto:Caras

DiogoD’Alessandro

FUTEBOLPORTUGUÊSEO SALAZARISMO

Não existem dúvidas de que o futebol, ao redor do mundo, foi utilizado como arma política, exemplos claros são a relação do Real Madrid com o franquismo e do Bayern de Munique com o nazismo Em Portugal ainda existe alguma discussão se Salazar influenciou diretamente o futebol ou não Aqui iremos continuar esse debate e tentar torná-lo um pouco mais claro, abordando as perspectivas e argumentos vindos de todos os lados.

Alguns times rivais costumam defender que o Benfica era o time “queridinho” de Salazar, afirmando que o ditador influenciava diretamente o clube Um dos argumentos é de que a contratação de Eusébio teria, de alguma maneira, passado pelas mãos do Estado Além disso, alguns torcedores alegam que o auge do Benfica coincidiu com o auge da ditadura, mesmo não sendo bem assim Os argumentos de defesa do lado vermelho são mais consistentes e se iniciam nas cores do clube, alegando que Salazar jamais apoiaria um time que vestia vermelho, a cor da tão, por ele, odiada União Soviética A mídia inclusive chegou a usar o termo “encarnado” para não utilizar “vermelho” quando se referia ao clube Outro ponto sustentado pelos águias é exatamente o contraponto com a afirmação de que os auges tanto do clube, quanto do Estado Novo coincidiram. A ditadura deu-se início em 1926 e começou a sua decadência no início dos anos 60, coincidentemente no começo da era Eusébio no clube, que viveu seu auge durante a pior fase do Estado Novo

O discurso benfiquista continua com a afirmação de que o clube foi quase sempre comandado por opositores políticos, colocando no cargo de presidente pessoas como Félix Bermudes e Júlio Ribeiro da Costa, os quais foram perseguidos pelo governo, e um deles até forçado a demitir-se do cargo para evitar punições ao clube

mo que o campeão da época anterior tivesse sido o Benfica

Além disso, o lado vermelho afirma que o Porto utilizava um estádio construído pelo regime salazarista, o Estádio das Antas, que foi a casa do clube até 2003, quando se mudou para o Estádio do Dragão Mais um ponto mantido por benfiquistas é o beneficiamento do Porto por “erros” de arbitragem durante a “era de ouro” da ditadura, como na final do campeonato nacional de 1939, quando um gol do Benfica mal anulado nos últimos instantes de jogo deu o título aos dragões

Invertendo os papéis, também existem argumentos utilizados pelos águias para alegar que os outros clubes, nomeadamente o Porto e o Sporting, recebiam algum tipo de “ajuda” ou de favorecimento vindo por parte do Estado Novo Dentre essas alegações estão a ida do Sporting para a primeira edição da taça dos campeões europeus O time foi representar o país como convidado, mes-

Com tudo isso colocado, vemos que essa discussão provavelmente nunca terá um fim de fato, já que nenhum torcedor que se preze gostaria de admitir que seu time foi ajudado pela ditadura, e é comum que insistam que os rivais eram, na tentativa de colocar seu clube como o maior.

Mas é fato que o futebol era, sim, utilizado como ferramenta política na época Talvez a imagem mais simbólica disso seja Salazar recebendo o Benfica campeão da taça dos campeões europeus e usando aquilo como propaganda para a ditadura, e chegou a até mesmo impedir a saída de Eusébio para clubes fora do país, alegando que o jogador era “propriedadade” do Estado

O futebol foi, é e sempre será utilizado como arma política, não há como fugir disso, por isso é importante entendermos histórias como essa, para que possamos perceber e, se necessário, reagir a casos assim no futuro

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Desporto Abril
Ilustração:RafaelaLopeseGabrielApprobato

Memorialdospugnadores

A história que vos vou contar já tem quase uma década Para uma daquelas glamorosas apresentações de Português, eis que o Pedro versão 6º ano, aconselhado por uma grande amiga sua, decide ler e apresentar a obra Felizmente há luar! da autoria de Luís de Sttau Monteiro

Caso não tenham conhecimento, este livro estava inserido no conjunto de obras a ler para a disciplina de Português no ensino secundário e, consequentemente, poderia ser alvo de avaliação no Exame Nacional No entanto, este texto dramático não teve um início muito feliz Publicado em 1961, “Felizmente há luar!” denunciava, justamente, a injustiça, a repressão e as perseguições políticas ordenadas pelo Estado Novo; espantem-se, por isso, quando vos digo que a obra esteve proibida e censurada durante alguns anos Só mais tarde, em 1978, foi levada a cena, pela primeira vez, no Teatro Nacional sob encena-

ção do próprio autor

Contudo, este texto não é sobre esta obra, mas sim sobre o que ela representa para mim Aquando dessa apresentação, há uns largos anos, relacionei o conteúdo da história com a do meu bisavô; não estando tão informado sobre esta última na altura, não passou de um mero apontamento, porém, creio que seja a altura certa para a contar

Não vos consigo situar no ano exato em que isto ocorreu, mas foi algures entre o final dos anos 50 e início dos 60 O meu bisavô chamava-se João e não era a favor do regime, como, aliás, muitos naquela época Contudo, ele não tinha problemas em demonstrá-lo, até ao dia em que foi intercetado pela PIDE e foi preso Esta prisão acabou por lhe custar a vida, se bem que não há um exato registo da causa da sua morte como deverão calcular; há quem, por um lado, diga que foi assassinado, por outro, que se suicidara

No fundo, o que tiramos daqui é o retrato daquilo que era a realidade de pessoas que denunciavam e lutavam contra a opressão e a tirania deste regime Acabavam por morrer, fosse de que forma fosse, somente por expressarem os seus pensamentos e ideais O 25 de abril não celebra somente a liberdade conquistada e o fim da ditadura em Portugal, é simultaneamente uma forma de honrar a memória de todos os pais, avôs, bisavôs e de todas as mães, avós e bisavós que deram a vida a pugnar por aquilo que hoje damos como adquirido e não tememos perder

Acredito que herdei esta minha veia reivindicativa de inquietação do meu bisavô, mas quero acreditar, acima de tudo, que a sua morte prematura e abrupta não foi em vão Que venham mais 50 anos para celebrar a sua luta, que, oxalá, não tenha sido em vão

Amoremtemposdeguerra

Ao mesmo tempo que cresciam as atrocidades do Fascismo em Portugal, crescia, paralelamente, uma réstia de esperança no coração do povo português Entre a ânsia de libertação do jugo fascista e a sua concretização tardia em setenta e quatro, houve espaço para se viverem histórias de Amor, que, embora semeadas nos anos negros da ditadura, chegaram a ver a flor da Revolução

A história que trago data de 1967, quando Augusto se encontrava por sua conta na guerra, em Angola Para trás tinha deixado amores da adolescência Jovem e solteiro, vêse obrigado a enviar uma carta à sua Mãe, Ricardina, que esperava ansiosamente o regresso do filho a Portugal Na carta lia-se algo como “de momento estou solteiro e pro-

curo uma mulher de boa família para casar” e “com muitas saudades, do teu filho Augusto”

Na pequena vila perto do Mondego, com ajuda da madrinha, Ricardina arranjou acordo com a família da jovem Lucinda, com quem Augusto viria a casar em Agosto de 1967 Sem nunca antes se conhecerem, casam por procuração, ele em Angola, ela em Portugal

Nesse mesmo ano Lucinda parte para Angola para viver com Augusto Somente um ano depois trazem ao mundo o primeiro filho, que passa os primeiros anos da infância em terras angolanas

Quando descobrem que esperam o segundo filho, em 1973, o casal faz as malas de regresso a Portugal 7 duros anos sem ver a mãe: o reencontro de filho e mãe é bonito, o encontro de neto e avó ainda mais

Em abril de 1974 Augusto e Lucinda conhecem o segundo filho e somente 19 dias depois, ao vigésimo quinto dia de abril, brota a mais bonita revolução de todas: não mais tinham de voltar para a guerra; os filhos podiam crescer na vila, em liberdade, com a avó e pais ao lado

Esta é a historia de companheirismo dos meus avós que, mesmo nos mais negros anos enfrentados por Portugal, conseguiram juntarse e formar a família que hoje tanto acarinho 57 anos depois os meus avós continuam companheiros e enfrentam juntos as dificuldades que o passar do tempo implica Esta é a historia dos meus avós e de muitos outros portugueses a quem o fascismo varreu tudo, menos a esperança

PedroLázaroeAnónimo Histórias Abril 17
Foto Expresso Foto:MedioTejo

Paraalémdomardecravos

“MasAbrilfoieéurgente,necessárioerecomenda-se. Queomereçamoseocumpramos.Hojeesempre.”

de e, na ra a”, do ês m, do de o as m fe na o e, me ue lo ril io m m e o, e”, ar se sa a ia de p q , p ç p sseasse descontraidamente pelas ruas de Lourenço Marques sem que lhe oferecessem, tanto a ele como a todas as pessoas de tez branca, amavelmente, sob gestos,olharesepalavras,amorte

Foto: Foto da Casa Afonso em Lourenço Marques. Foto da escritora.

Ao passar o oceano Atlântico com pouco mais para além das roupas que traziam no corpo, Artur benzeu-se Ficaram para trás portugueses que foram mortos e outrosque,aoficaremsemnadaesemrumo,decidiram,numatodedesespero,pôrtérminoàvida Arturchegousemnadaàterraondenascera,nointeriordopaís,a35kmdacidadedeCasteloBrancoea6kmafastadadomundointeiro Prontamentearregaçou asmangas,tirouasmãosdosbolsos,ecomelasconstruiusozinhoaprópriacasa

Anos mais tarde, os caminhos destes dois homens cruzaram-se, fruto do amor que se deu entre, a agora não tão pequena, Ema, e Pedro, o menino que sonhou paraalémdapadaria Ashistóriasdestessenhoresaquemchamoporavôsforam,vezessemconta,contadasàmesadejantar,ehojetomo-ascomominhas

Abril foi a porta que se abriu de arrombo para um Portugal melhor, para um Portugal que, só de imaginar um dia ter de o deixar, dá-me um forte aperto no peito Abril não foi amável, numa primeira instância, para os meus avôs, porque as revoluções não se fazem oferecendo uma taça de morangos com mel em troca de mudança MasAbrilfoieéurgente,necessárioerecomenda-se

Queomereçamoseocumpramos Hojeesempre

MartaAfonsoAlves Memórias Abril
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Rostosdaliberdadedodomíniocolonial

Em1961,Angola,Guiné-BissaueMoçambique,àdatacolóniasdePortugal,tornaram-secamposdebatalhanocombateàpresençaportuguesa Porsuavez,paraSalazare Marcelo Caetano Portugal é Uno e Indivisível – exceto quando da História se trata, aí a africana já não entra para as enciclopédias e os portugueses mantêm-se na negação dessepassado,ouaténaglorificaçãodessahistóriacolonial Domesmomodo,asestóriasdeafricanoseafrodescendentessãofacilmentemantidasnaperiferiadanarrativado 25 de Abril e do que se seguiu à revolução Este abril, o Padrão dos Descobrimentos contraria essa tendência, com a inauguração a 28 de abril de uma exposição que reúne fotografias que os portugueses afrodescendentes e os africanos registaram de si próprios e das suas comunidades na diáspora africana em Portugal, desde 1975 (data das independênciasdospaísesafricanosdecolonização) Localizadanummonumentoquehomenageiaasfigurasenvolvidasnasviagensqueresultaramnacolonizaçãodeoutros países, a exposição com imagens de famílias africanas coloca em confronto no mesmo espaço duas narrativas, a hegemónica dos “descobrimentos” e a periférica, de exploraçãoemarginalizaçãodeumpovo

Na edição de Abril do Nova em Folha, o jornal decidiu usar este espaço para relembrar figuras fundamentais dos movimentos africanos de luta pela independência do domíniocolonialportuguês

MÁRIO PINTO DE ANDRADE (1928-1990)

Foi um dos membros-fundadores do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) É considerado o patrono da sociologia angolana

HOLDEN ROBERTO (1934-2002)

Politólogo, economista e dirigente nacionalista angolano Iniciou a sua atividade política em 1954 dentro da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA)

JONAS SAVIMBI (1934-2002)

Foi líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) durante mais de 30 anos Passou grande parte de sua vida a lutar primeiro contra a ocupação colonial portuguesa e depois da independência de Angola, contra o governo angolano

AMÍLCAR CABRAL (1924-1973)

Em 1959 juntamente com Aristides Pereira o seu irmão Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin, funda o partido clandestino Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) Em 3 de agosto de 1959, o partido teve participação na greve de trabalhadores do porto de Pidjiguiti, fortemente reprimida pelo governo colonial, resultando na morte de 50 manifestantes e no ferimento de outras centenas Em 20 de janeiro de 1973 Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, por dois membros de seu próprio partido

EDUARDO CHIVAMBO

MONDLANE (1920-1969)

Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) No dia 3 de fevereiro de 1969 é assassinado ao abrir uma encomenda que continha uma bomba Deixou o livro "Lutar por Moçambique", publicado alguns meses depois da sua morte, onde detalha como funcionava o sistema colonial em Moçambique e o que seria necessário para desenvolver o país

AGOSTINHO NETO (1922-1979)

Médico, escritor e político angolano Foi preso pela (PIDE) e deportado para o Tarrafal (Cabo Verde) onde assumiu a direção do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), do qual já era presidente honorário desde 1960 Em paralelo desenvolveu uma notável atividade literária, escrevendo nomeadamente poemas Em 1975 tornou-se o primeiro Presidente de Angola até 1979 Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o Prémio Lenine da Paz

FILIPE SAMUEL MAGAIA (1937-1966)

Foi um político moçambicano líder de guerrilha e Secretário da Defesa de Moçambique da FRELIMO durante a Guerra da Independência de Moçambique De acordo com a versão oficial, Magaia foi assassinado por um soldado da FRELIMO ao serviço dos portugueses, embora existam sobre este cenário

SAMORA MOISÉS MACHEL (1933-1986)

Foi um militar moçambicano líder revolucionário de inspiração socialista, que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e foi o primeiro presidente após a independência, de 1975 até à sua morte

Abril
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História
BeatrizGomesMartins

5dias,5noites

Umanarrativapassadanosalazarismoealgumasobras censuradasduranteoEstadoNovo.

Desde música, a filmes, a estações de rádio e até conversas, tudo era controlado pelo Estado Novo antes do dia em que a nossa nação conheceu a liberdade

Como num tempo de opressão, ler era um dos maiores gestos de luta que se podia fazer, a literatura foi posta sob rigoroso controlo, através da censura, pois um povo em que a taxa de analfabetismo atinge números elevadíssimos e em que os que podem ler veem as suas opções condicionadas a favor da ditadura, é mais fácil de controlar e manipular

Muitos foram os autores que lutaram contra o sistema e foram perseguidos pela PIDE, foram também muitas as obras que foram censuradas por irem contra os ideais da ditadura em que vivíamos e até criticarem a mesma

Fazem este ano 50 anos que se deu o 25 de abril e vale a pena recordar e até ler algumas obras que foram censuradas durante o Estado Novo e até que retratam a vida durante este mesmo regime como é o caso da obra “5 dias, 5 noites” publicada sob o nome de Manuel Tiago em 1975 um ano depois do 25 de abril

A obra de Manuel Tiago (pseudónimo de Álvaro Cunhal) conta a história de André de dezanove anos que devido ao regime salazarista se vê obrigado a emigrar para Espanha A narrativa conta todas as dificuldades por que passa até finalmente passar a fronteira, de passar dias inteiros sem comer, a dormir ao relento e a pôr a passagem da fronteira nas mãos de alguém em que toda a gente o avisou para não confiar, André faz de tudo para passar a fronteira para Espanha e escapar da ditadura em que Portugal vivia

Esta obra retrata com realismo como a vida era em Portugal neste tempo abordando não só a jornada do personagem principal, mas também temas como a pobreza, a miséria, o medo que se sentia e até a prostituição como forma de arranjar solução para a escassez que se sentia diariamente

Álvaro Cunhal, o autor desta obra, foi perseguido pela polícia política salazarista e foi preso pelo menos 4 vezes pelas suas ligações com o Partido Comunista Português e as suas posições políticas, estando ainda foragido de Portugal durante algum tempo

No entanto, não foi apenas este autor a ver-se perseguido pelo regime ditatorial que se viveu no país

As três Marias (Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa) viram a sua obra “Novas Cartas Portuguesas” em que expunham a situação das mulheres, a discriminação e a opressão ditatorial vivida em Portugal, censurada e um processo dirigido às mesmas

Miguel Torga foi um dos autores mais castigados pelo lápis azul vendo obras como “Bichos”,” Pátria”, “Montanha” e mais 13 censuradas por ser apelidado de comunista Forte crítico do regime, Torga teve a coragem de enviar a Salazar a prova de que não era comunista

Através da sua escrita estes autores lutaram pela sua liberdade e a do país e, por não deixar cair em esquecimento algo que tanto marcou a nossa história, sendo por isso importante recordar as suas obras e a sua luta no 50º aniversário do 25 de abril

Beatriz I.N.Martins Cultural Abril
Imagem: Capa do Livro “5 Dias, 5 Noites” Imagem: Manuel Tiago [Álvaro Cunhal]
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Imagem: As Três Marias

Últimavítimadacensura fascista

“Nitidamentealheiaàdemagogiadopaternalismopitoresco,estaproduçãofílmicaemergiucomoumsímbolo poderosodelutapelaliberdadeartística.Iniciadaem1972,somentechegouaopúblicoa3deMaiode1974no

Durante quase duas décadas, as telas eram moldadas não apenas pela criatividade, mas também pelas sombras de poder Dependente do apoio financeiro do Estado, o cinema português respirava ao ritmo dos ventos estatais Os produtores e realizadores, ávidos por sobreviver, viam-se obrigados a dançar ao som das diretivas sociais, políticas e morais emanadas pelo Estado Novo

“O Mal-Amado” , estreia cinematográfica de Fernando Matos Silva, produzida pelo Centro Português de Cinema, ergue-se como um monumento da censura opressiva do regime facista, tendo sido proibido integralmente em 1973

À procura de respostas, João abandona os estudos e começa a trabalhar num escritório Colocado numa secção de mulheres, todas elas símbolos de diferentes traços de um país em mudança, cedo chama a atenção da sua chefe, Inês, uma mulher solitária que vive assombrada pela morte do irmão na guerra colonial, cuja paixão frustrada se volta para João No entanto, ele acaba por escolher a sua colega Leonor, uma mulher de convicções mais tradicionais A obsessão, ciúme e não aceitação do fim da relação levam Inês à loucura, culminando numa tragédia que silencia os corações e encerra uma história de amor e desespero, opressão e liberdade

“O Mal-Amado”, corrente moderna e esteticamente renovadora do cinema português, comporta uma intensa crítica que desnuda as entranhas da sociedade portuguesa nas vésperas do 25 de abril, refletindo e desafiando as diretrizes políticas, ideológicas, sociais e culturais impostas pelo regime. É uma cápsula no tempo que nos transporta aos dias de um país dominado pela ditadura. É o registo de uma sociedade estagnada e ordenada, tão passada e, ainda assim, tão palpável nos dias de hoje

CinemaSatélite,emLisboa”.

“O Mal-Amado” e Fernando Matos Silva foram as últimas vítimas artísticas do regime fascista em Portugal, testemunhando uma sociedade em mutação Que esta história ressoe como um eco constante, um lembrete solene gravado no tempo: que, ao contemplarmos o passado, encontremos inspiração para moldar um futuro onde nunca mais se permita que as correntes da censura reprimam a voz do povo português Que jamais nos esqueçamos do preço pago por aqueles que lutaram com determinação pela liberdade e que o brado dessa liberdade seja eterno Que a arte seja sempre um refúgio sagrado, onde as mentes livres possam dançar nas asas da imaginação, sem medo da opressão e da censura

Durante 97 minutos a preto e branco, o argumento elaborado por Álvaro Guerra, Fernando e João Matos Silva, relata a vida de João, filho de uma família da pequena burguesia lisboeta simpatizante do regime, os Soares, em tempos anteriores a Abril de 1974 Inconformado, desajustado e “mal amado”, aos seus vinte e cinco anos, não se integra no padrão da família, procurando romper com a sua classe social, mas a ela voltando sempre.

Nitidamente alheia à demagogia do paternalismo pitoresco, esta produção fílmica emergiu como um símbolo poderoso de luta pela liberdade artística Iniciada em 1972, somente chegou ao público a 3 de Maio de 1974 no Cinema Satélite, em Lisboa Este marco não apenas assinalou o fim da era da censura fascista ao ser a última obra proibida, mas também marcou o renascimento da expressão em Portugal ao ser o primeiro filme exibido após a sua queda, acompanhado por um slogan incisivo: “O último filme português vítima da censura fascista”

MarianaRibeiro Cultural Abril
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Imagem: Cartaz “O Mal Amado” Imagem: Personagem Inês no filme “O Mal Amado”

A CENSURA ECONÓMICA DO JORNALISMO DA PERIFERIA

Foi a 6 de dezembro de 2023 que a Comissão Executiva do Global Media Group anunciou uma reestruturação na holding que inclui o Jornal de Notícias, a TSF, entre outros, que incluía rescisões de contratos de 150 a 200 trabalhadores, alegando razões financeiras Na sequência disto, as direções dos media supracitados apresentaram a sua demissão, entrando em greve contra as decisões, agravada pelo não-pagamento dos salários do mês de dezembro Esta situação colocou em alerta o estado do jornalismo, revelando a sua excessiva dependência em relação aos grandes grupos de media para sobreviverem

No entanto, apesar de preocupante, outra crise atinge o jornalismo, de forma mais silenciosa: a crise na imprensa regional e local que, de acordo com uma notícia do Expresso de 15 de janeiro, de ano para ano, fecham jornais e as rádios são convertidas em “retransmissores de estações nacionais” Isto traduz-se em 61 concelhos sem jornais nem rádios locais Como se já não bastasse a pandemia da desinformação e as agressões a jornalistas em Portugal a um nível preocupante, um dos pilares da democracia está a ser posto cada vez mais em causa, com o excessivo centralismo que ainda insiste em persistir no nosso país, e a considerada falta de viabilidade económica na manutenção destes meios de comunicação

Esta situação é preocupante, pois estamos a assistir a um apagamento daquilo que são os acontecimentos locais e regionais, praticamente condenando estas populações ao esquecimento, juntando esta crise na informação às crises demográfica e económica já existentes nestas regiões Desta forma, se a situação não for revertida, teremos, no médio a longo prazo, a informação local baseada em duas fontes de informação: os jornais de propaganda das Câmaras Municipais, e as redes sociais Os primeiros, preocupados em exaltar os executivos muni-

cipais, remetem ao silêncio as vozes descontentes pelos rumos seguidos nas autarquias, bem como histórias de vida, importantes para denunciar as injustiças socioeconómicas Mesmo que a voz da oposição continue a ser ouvida nas Câmaras e nas Assembleias Municipais, e mesmo que se continue a publicitar os eventos culturais, a verdade é que essa informação será, sempre, institucional, ou seja, será sempre informação permitida pela autarquia, barrando assuntos considerados de menor relevo ou banalizados, como pobreza, maus-tratos, entre outros Isto para não falar quando há controlo direto ou indireto dos media locais por parte das autarquias ou, até, das Regiões Autónomas (sim, estou a olhar para o Albuquerque)

Os segundos, através da divulgação de informação através de plataformas como o Facebook, o Whatsapp, entre outros, cria uma ilusão de jornalismo cívico No entanto, o facto de estarmos perante fontes de informação que não se regem pelo código deontológico do jornalismo, nem pelas regras máximas de isenção e rigor, fazem com que seja um terreno fértil para a desinformação. A importância dos assuntos de interesse humano prende-se pelo facto de, normalmente, não merecerem atenção dos media nacionais, ou por serem considerados de menor importância, ou por serem considerados desnecessários de noticiar, ou, até, demasiado banalizados Devido a isso, a única forma de publicitar este tipo de assuntos é através dos media regionais e locais A partir do momento em que estes não existem ou são parcos, é como não tivessem acontecido Em suma, a crise do jornalismo é um grito de alerta, pois não só coloca em causa aquele que sempre foi o seu poder de informar e de fiscalizar os poderes, como atinge de forma mais intensa os media locais e regionais que, sem meios para continuarem, fecham portas, calando as populações e impedindo que conheça a si própria

RicardoReis Política Abril
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Imagem: Expresso

Foto: Museu dos Transportes e Comunicações

Opapelda comunicação socialnamemória histórica,50anos depoisdo25de Abril

Foto: Observador; Jornal dos Anarcas

O 25 de Abril de 1974 marca uma viragem histórica em Portugal, reconhecida amplamente por largos setores da sociedade portuguesa, em torno de uma memória “oficial” que veio a ser produzida e trabalhada já em democracia pelos “especialistas” e figuras que, por uma razão ou outra, conquistaram uma certa autoridade discursiva consagrada nos meios de comunicação ao longo dos últimos 50 anos Estas vozes mediáticas, empurradas pelas TVs e jornais de maior audiência em Portugal, vieram a construir uma narrativa acerca dos acontecimentos antes e depois do 25 de abril, exaltando os seus verdadeiros heróis e denunciando os seus falsos ídolos As suas ideias acerca da revolução, moderadas e digeríveis, são hoje o consenso básico em torno do qual se move o discurso acerca da memória do 25 de Abril e do processo revolucionário que se seguiu: a conquista da “liberdade”, aqui esvaziada de qualquer significado realmente emancipatório, e da “democracia”, que apesar da ampla participação política de massas durante o PREC, o que prevalece na nossa memória coletiva é apenas o seu significado liberal, sob forma da democracia liberal representativa Assim, é importante virar a página nos 50 anos do 25 de Abril, e começar a disputar a narrativa hegemónica que enche os nossos livros de his-

tória, construindo uma memória de Abril que ao invés de “arrumar” e organizar a revolução no seu período histórico, possa também trazer Abril ao nosso presente e futuro, a bem da liberdade e democracia que hoje se encontram sob ameaça Assim, é notável a importância do PREC para a comunicação social portuguesa A revolução do 25 de Abril inaugura uma nova fase na história de Portugal, e é aqui que nasce o sistema mediático português que vigora até aos dias de hoje Para além da sua fundação legal, com diplomas como a Lei de Imprensa e a Constituição de 1976, o PREC inicia os leitores portugueses numa prática pouco comum antes da revolução: o debate descentralizado e totalmente (ou quase) livre entre as mais diversas posições políticas, o qual é um fator crucial para uma cultura democrática e pluralista, a herança da revolução de abril

Retomando este legado e revendo-o, é importante reconstruir essa discussão no seio da sociedade portuguesa, valorizando a pluralidade nos meios de comunicação portugueses que hoje é escassa, povoada por vozes do sistema político vigente, o que muitas vezes aliena a própria audiência e fomenta a desconfiança nos meios de comunicação que é marca dos nossos tempos (as famosas “fake news”)

Para tal, é preciso um olhar atento sobre o passado, para melhor entendermos o nosso futuro: com o agudizar da polarização política em

Portugal no decorrer do PREC, em que se jogava o futuro político do país, a posição de jornalista deixou de ser a de pretensa imparcialidade para com a realidade social envolvente Os jornalistas tornaram-se efetivamente protagonistas políticos, a par dos militares e dos políticos, pois num momento histórico de profundas transformações societais não poderia deixar de assim ser A subjetividade e as crenças políticas inundaram os ciclos mediáticos com tomadas de posições, exigências e críticas aos acontecimentos que se desenrolaram na arena política portuguesa, em especial no seio da recém-legalizada imprensa marxista, que nunca tomara enquanto ideal a objetividade jornalística, ao contrário dos meios de comunicação liberais Entendendo o verdadeiro legado de Abril para os nossos dias, é preciso força para escrever e disputar a narrativa “oficial”, com confiança na nova geração de vozes que têm o dever histórico de rejeitar as visões estabelecidas sobre a nossa história e construir novas narrativas que empurrem Abril para os dias de hoje, inspirando-se na nossa revolução e trazendo-a para as ruas e instituições, empresas e faculdades Só assim poderemos ter esperança no futuro do país, sem os constrangimentos que a nossa própria memória histórica hoje mesmo nos impinge, e com a força e vontade de agir em coletivo que foram o verdadeiro motor da nossa revolução e das suas conquistas

Política Abril
PedroTaveira
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50anosdeabril,eaHistóriaRepete-se?!

Após a apresentação de demissão do Ex Primeiro-ministro, António Costa, as tão aclamadas eleições chegaram O dia 10 de março, fica marcado pela ânsia da mudança, tal sentimento reflete-se na redução da percentagem de abstenções, sendo a mais baixa desde 1995, com o recorde de 6,1 milhões de votantes

De uma forma geral, pode-se confirmar um aumento positivo no número de eleitores, mas de que maneira esse aumento influenciado pela ânsia de uma mudança, pela frustração de não sentir uma boa prestação governativa, não veio dar uma reviravolta à modernidade que nos é familiar!? Assim, no dia 10 de março, acontece o que já não acontecia desde 2005, a maioria absoluta é condicionada, não só pelo número insuficiente de deputados para a formação de um governo, como também a recusa tanto do PSD em se coligar com o partido Chega como a recusa do PS em se juntar à sua oposição Também, dá-se a ascendência ao radicalismo Portanto, temos a AD com 80 assentos, PS com 78 assentos, Chega com 50 assentos, e os restantes divididos pela IL com 8, o BE com 5, o PCP-PEV com 4, Livre com 4 e o PAN com 1

Como já mencionado, houve a ascendência de partidos radicalistas, sejam eles à direita ou à esquerda, mas a subida que a poucos surpreendeu, e a muitos preocupou foi a do partido Chega, com um súbito aumento de 16 deputados na Assembleia para 50 deputados, o que para muitos veio confirmar o que já desconfiavam, uma crise democrática, ou uma possível ameaça à democracia Pode-se ler em vários comentários sobre este feito, “50 anos de democracia,com50deputadosfascistas”

Contudo, é de salientar as diferentes tendências políticas, extrema-direita; direita radical; populismo e fascismo, e as suas efetivas conceções ExtremaDireita, caracteriza-se pelo nacionalismo, racismo, xenofobia, pela ideia de um estado forte e autoritário, e antidemocrática, ou seja, recusa a ideia de democracia enquanto vontade do povo, este ponto em concreto é o que distingue a extrema do radicalismo, em que este aceita a democracia enquanto vontade da maioria, mas recusa a separação de poderes, direitos de minorias, igualdade, e por vezes acompanhados com ideais de um passado autoritário O populismo, que tem por base a divisão, por parte dos políticos, em dois grupos, o povo que é puro, e a elite que é corrupta, o fascismo fica pelo uso da força como meio de alcançaropoder

Foto: Visão; Militantes de extrema-direita na marcha anti-imigração em Lisboa

Além do mais, a confirmação do 1 Milhão de eleitores que votaram neste partido e a constatação das idades entre os 20 e os 30 anos causou uma maior revolta, que pôde ser constatada nas redes sociais, mas também bastante comentada nos noticiários

Com tudo, e não havendo maioria absoluta, já há previsão para outras eleições legislativas, mas estas já com uma possível noção dos resultados eleitorais, que pode ser visto, neste momento, e por muitos, com bons olhos, mas num futuro próximo um possível retroceder da história E com isto constata-se que, atualmente, a moda é o do político e não as políticas que Hoje, as pessoas deixam-se ficar pelo muito persuasivo dos políticos e deixam autodidatas em relação à procura de ção dos factos Esta perda de interesse, sinformação, mas também é de constar a nização e o pouco/nenhum respeito que resente nos debates Esta condicionante unicação em nada favorece a parte va que o espetador espera receber a linguagem específica e, por vezes, a da política, o pouco ou nenhum pelo tempo de fala do partido em ncia, a sobreposição de ideias, tos, contra-argumentos ao longo dos torna o objeto de debate eensível ao espetador Em vez de ser um larecedor, torna-se um meio conflituoso osso intelecto Portanto, como concluído udo, é normal que a maioria dos votantes a confiança no seu governo, quando o eio de informação a que recorrem um grande conflito cognitivo, perante as es em que a informação está a ser da, o que, consequentemente, leva a o, reação do povo em relação ao que erecido

estes 50 anos de abril, ainda há/deve de perança de que a democracia veio para que foi conquistado em momento algum ado com tanta facilidade Continuemos la nossa democracia!

LeonorVieira Crónica Abril
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26 CartasdaGuerradoUltramar MarianaRibeiro Abril
De Margarida Lima Alves Ribeiro para João Emílio Lima Alves Ribeiro, 1971

Agenda cultural abril.

BeatrizGomesMartins
27

Concertos/Teatro

17-25abril

Teatro

Namedidadoimpossível

Culturgest, TER a SAB 10€ (desconto menores 30 anos)

22 abril

22maio a

Teatro

OMQUANTASPALAVRAS

SEFAZUMPOETA?-ARY

DOSSANTOS

Boutique da Cultura, 21h 10€

24-26abril

Concertos

SonsdaLiberdade-Músicase Memóriasdo25deAbril

Teatro Tivoli BBVA, 21h Entre 15 e 25€

26abril

11-27abril

Teatro

O25deabrilnunca aconteceu

Teatro Carlos Alberto, Porto 5€ (Cartão Jovem)

27 abril

CorodaAchadaaoAr Livre Concertos

Casa da Achada - Centro Mário Dionísio, 17h30

Entrada Livre

28abril

MAQUINA. Concertos Concertos

Musicbox, 22h 12€

Requiempelasvítimasdo fascismoemPortugal

CCB, 17h 12,50 a 25€

28

Cinema/Exposições

11 abril

Cinema-Estreia

Revolução(sem)Sangue

Rui Pedro Sousa

Salas de Cinema

27 abril

Cinema

Cravos,masnãosó

Pedro Vieira

RTP 2, 20h45

25 abril

Cinema-Estreia

PrimeiraObra

Rui Simões

Salas de Cinema

27abril

Exposições

ÁlbunsdeFamília. Fotografiasdadiáspora africananaGrande Lisboa(1975-hoje)

Padrão dos Descobrimentos 2,50€ (desconto menores 25 anos)

30nov. a

26 atémaio

Os10diasqueabalaram Portugal

Mercado do Forno do Tijolo , Arroios

Terça a domingo, das 11h às 19h Entrada Livre

26atémaio

Otomdopomar [INVASORABSTRACTO #7]”,OSSOcolectivo+ JúlioPomar

Atelier-Museu Júlio Pomar 2€

23atéjunho

ExposiçãodeAlfredo Cunha"25deAbrilde 1974,quinta-feira"

Galeria Municipal Artur Bual | Casa Aprígio Gomes, Amadora Entrada Gratuita

AgendaCultural
29
“Irmãos

na humilhação, somos irmãos no combate e seremos irmãos na liberdade. Pátria ou morte, venceremos!”

Otelo Saraiva de Carvalho

"Ospolíticosburguesesdão-

nostraiçõesedesastrestão naturalmentecomoa pereiradápêras."

José Mário Branco

"Sóatomadadepoder pelostrabalhadores permiteestabeleceruma sociedadesocialista."

Vasco Gonçalves

...VerãoQuentede1975

ABRIL 2024

Camaradassomostodes

Camaradas, abril não pode ser uma visita à casa da avó em que abrimos o álbum de fotos e pensamos “Como cresceu o João”, sentindo-nos à vontade para substituir João por Democracia, e seguir a andar para maio, como se nada fosse

As condições imploram para que pensemos em abril agora Pensemos que abril não pode ser polícia de ninguém O abril dos camaradas é o mesmo abril dos amigos, das amigas e dos amigues, é o abril das bichas, das travestis, dos transgêneros e das sapatões, dos pretos, dos pobres, dos imigrantes e das putas

O abril dos camaradas é o mesmo abril de todos aqueles que passaram anos a ouvir um nome que não era seu, a viver uma vida que não era sua, a adequar-se a um espaço onde não cabiam, e depois tiveram de ouvir dos camaradas que não eram prioridade da luta A prioridade da luta é viver com dignidade, camaradas, isso implica reconhecer algumas coisas que vão além do capital, camaradas Não nos falem em prioridade da luta, camaradas, por favor não nos falem mais uma única vez em prioridade da luta

Meus caros camaradas, vocês já receberam olhares pela rua? Daqueles que magoam? Estavam a fazer o que? A andar de mãos dadas com alguém que amam? Pois é, camaradas, entendem onde eu quero chegar?

Que lindo andar na rua de cravo na mão, a cantar a Grândola a plenos pulmões, camaradas, mas para carregar o símbolo, camaradas, é preciso pensar no que ele simboliza Querem fazer a revolução camaradas? Vamos a isso, mas vamos a isso de verdade

Ninguém quer cisão, camaradas, mas isso não significa fazer o que vocês acham certo, camaradas, para lutarmos de mãos dadas é preciso que vocês estejam dispostos a soltar a mão das instituições, e reconhecer, camaradas, que camaradas, camaradas mesmo, somos todes

CarolinaRamos Opinião Abril
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25 de abril de 2020 Foto: Diogo Coelho

Democraciarepresentativa,narrativas sub-representativas

Para entender e descrever o 25 de abril de 1974 e o Processo Revolucionário que lhe seguiu é necessário um certo esforço no intuito de nos distanciarmos daquilo que são as estruturas sociais e políticas implantadas pelo 25 de novembro de 1975: o modelo representativo de democracia liberal

Ricardo Noronha e Luís Trindade (1) vão definir o PREC enquanto ‘um estado de permanente politização amplamente participado’, e com isto afirmam que é nesta ampla participação política que reside a dificuldade historiográfica de representar o PREC na sua ‘essência’ Esta barreira é, como já disse, fruto do sistema político que o 25 de novembro inaugura: ‘a política entra na ordem da representação’ Para a democracia liberal em que vivemos não é fácil entender a abrangência da participação popular direta na política nacional, assim como se viu no PREC Fala-se de ‘uma deslocação da política da rua [, das fábricas, dos campos] para o Parlamento’

Sendo assim, as narrativas adotadas no processo pós-revolucionário vão ver a história destes anos em Portugal com a vitória da democracia representativa à cabeça, com uma visão ‘totalitária’ do PREC, reduzindo-o a mais um período de ‘totalitarismo’ ao qual o ‘mundo livre’ venceu. Esta narrativa é, aliás, coerente com as linhas da academia internacional ocidental em tempos de Guerra Fria: o ‘mundo livre’ versus a ameaça do comunismo Exemplo disto é a abordagem do historiador Rui Ramos, que propõe entender o 25 de Abril ‘libertandoo da apropriação esquerdista’, e assim lendo o PREC enquanto um combate entre ‘moderados’ e ‘radicais’: os partidos do ‘mundo livre’ (PS, CDS e PPD) e os seus inimigos (PCP)

Esta apropriação narrativa do PREC é perigosa, no sentido de que ao definir o período revolucionário – que pôs fim à ditadura – como um combate entre liberdade e totalitarismo pretende-se que essa mesma ditadura fascista nunca tenha existido, revendo a memória e o peso do Estado Novo nestes anos A verdade é que os autores que adotam estas narrativas são os mesmos que muitas vezes rejeitam assumidamente a noção de ter existido, de facto, fascismo em Portugal –posição historiográfica que só serve a direita e a extrema-direita portuguesas

Neste sentido, é comum nestas abordagens falar de Mário Soares e do ‘socialismo moderado’ como os grandes protagonistas da luta pela democracia em Portugal Ora, esta posição, no geral, parece-me injusta: PS (fundado em 1973) e Mário Soares, em linha com a social-democracia europeia, vão beneficiar de apoios políticos e financeiros que determinavam, à partida, o seu papel contrarrevolucionário no contexto português de 74-75

Para além disto, é impensável que o anticomunismo intrínseco em várias destas linhas historiográficas retire ao PCP (fundado em 1921) o seu compromisso histórico com valores antifascistas e democráticos, assim como o seu essencial contributo para o projeto de Abril, tanto na clandestinidade, como fora dela

Dito isto, parece que a historiografia está ‘bem mais preparada para narrar histórias lineares, pontuadas por datas marcantes e protagonistas reconhecíveis’ O PREC desafia estas convenções narrativas por ser um processo político de enorme complexidade social que põe em causa as próprias linhas-base da democracia representativa liberal e parlamentar, fruto do fim deste processo revolucionário. Ou seja, Ricardo Noronha e Luís Trindade vão, e bem, defender que o problema narrativo parte de um problema mais vasto: a ‘impossibilidade de representar politicamente a multidão militante num parlamento e num governo’ Esta ‘impossibilidade’ limita (in)conscientemente as lentes da historiografia, que mostra uma certa falta de vontade em representar politicamente essa multidão, acabando por ser muito comum descrever-se o PREC usando termos como ‘confusão’, ‘excesso’, ‘desvario coletivo’, etc

Assim, o 25 de Abril e processo revolucionário são objetos de difícil compreensão política e historiográfica face aos limites da nossa democracia, e é então necessário um esforço para contrariar os preconceitos associados ao PREC, conferindo a este período o sentido e o valor históricos que tem: a sublevação política e necessária das forças armadas, do povo, do operariado, dos camponeses, de forças políticas feitas clandestinas durante décadas (o PCP), e das mulheres, face a 48 anos de um regime fascista e opressor – o Estado Novo –, ao qual o 25 de Abril pôs fim

MadalenaAndaluz Política/História Abril 32
1 -Todas as citações são retiradas do capítulo ‘1974’ da obraPortugal,UmaRetrospectiva(dir RuiTavares)

Audição Muda

Ferve a água para o chá O silêncio destas quatro paredes é ensurdecedor Ouve-se o lume aceso; ouve-se a pequena aranha a descer pela sua teia, no canto da divisão; ouve-se a força das pernas das cadeiras contra o chão; ouve-se o pestanejar da minha querida amiga, compatriota, degustadora de chá e bolachas Ouço os meus pensamentos, a minha vontade de gritar, de me tornar eco nesta terra muda Foco o olhar nas bolhas de ar que começam a surgir dentro da chaleira Também eu gostava de me evadir De explodir, soltar o que retenho O meu âmago sufoca-me, implora por que lhe conte a verdade, por que lhe diga que talvez sinta algo estranho por ela Que talvez, além de uma bolha de ar, eu gostava de ser a caneca que ela levará à boca

As noites mal dormidas vêm-me à mente Os pesadelos, o não ver luz ao fundo desta cepa torta O ter de falar por código ou não falar de todo O ato de censura de um toque, só por si, devia ser prenúncio de morte Antes a morte, a não te poder dar a mão, no nosso jardim favorito Este impasse de não saber se arrisco ou se prefiro manter o risco dentro de mim, atormenta-me, mastiga-me, engole-me e cospe-me para a borda do prato

Os meus olhos pesados fecham-se, por um instante Só os meus ouvidos é que não se fecham Dançam com a tua respiração, mesmo estando ainda de costas para ti Que as partículas que respiramos se entrelacem, ao menos elas

O chá fica pronto, levo-o e sirvo-nos Muito nos corre pela cabeça, mas nada pela alma Ambas murchámos Tu, a outrora pintora de renome, posta a um canto por extinção de chama livre em ti, de criação liberta (por ser mulher, primordialmente); eu, a escritora que nem isto pode escrever Nós, que nem uma palavra entre sopros de chá trocamos

Hoje, na praça, vi como passos acelerados camuflam rostos fechados Como já um “Bom dia, como está?” sai a medo Como os únicos sentados nos bancos são homens Ouvi uma conversa de dois deles, em que trocavam cigarros e isqueiro, acomodando-se cada vez mais nos bancos Também eu queria derreter naquelas tábuas de madeira, com um cigarro entre os dedos.

As palavras não saem de mim, ainda que sejam desde logo tuas Esta história pertence-te, guardei-a para te contar Estas paredes parecem aproximar-se, querem abraçar-se, sufocar-nos nos seus males Também ouves os seus sussurros?

Tento bebericar o que nos servi, porém, queimo a língua Eis o castigo de tudo o que penso Quando não há quem adivinhe, uma força superior fá-lo Sinto o teu olhar sobre mim, mas não consigo. Não consigo, perdoa-me. Não sei se o meu castigo máximo seria esta casa desabar em mim, em nós, ou tu seres levada. Quero muito que proves as bolachas, e pareces adivinhar, ao levares uma aos lábios Consinto o teu rosto de surpresa e fascínio, que me conforta por dentro, e traz a mais mínima cor ao que (desde que me lembro) estava cinza Não precisamos de mais Ainda aguardamos o arrefecimento do chá, ao som do silêncio em que vivemos

Caralho Mal sabia eu que a nossa esperança viria em formato de cravo, ao invés de cigarro

InêsFonseca Crónica Abril 33
Woman in a Kitchen, Leandro Ramón Garrido (1868–1909) Arte

Abramos os braços

Estendamos as mãos

Corramos nos campos com os nossos corpos opacos

Abramos os braços

Estendamos as mãos

Somos o que vivemos e o que nos falta viver Somos o tempo a correr

A vontade de o acompanhar

O ar

Somos também o ar que levita tão leve e nos faz acreditar naquilo que o destino escreve

Abramos os braços

Estendamos as mãos Do Destino fazemos livre-arbítrio, Da vontade os frutos virão

Abramos os braços

Estendamos as mãos

Vejamos as flores florir e, a sorrir, não lhe diremos que não Sejamos pessoas do sim, atentas e claras

Sejamos pessoas do sim e mergulhemos na Natureza brava

Sou os ramos que sobem pelo betão, Combatendo as tuas demonstrações de poder Sou as plantas que nascem no chão Sem precisar da tua mão

Arrancas as minhas ervas daninhas

E queimas os meus troncos

Das minhas flores fazes beleza efémera, Que fora deitas quando vês que definha

Mas sou eu o chão que pisas

É dos meus frutos que te alimentas

Sou Mãe e estas provações aguento Maltratada, o colo aberto mantenho

Voltarás a mim para a ti regressares Voltas a mim para a liberdade encontrar

Retorna a casa de quando em quando

E no dia a dia não te esqueças de me ir amando

palavras d es c on ex as e l e t r a s s o l t a s me constroem e me fuzilam no topo de um forte que eu mesma murei pela minha segurança e que adiantou de nada

porque viver sem esperança jamais será doce como amar e me arrepender de ter amado com toda a força que me toma

e para essa força, sim, eu aplaudiria a demolição do meu forte pernicioso

34
LíviaMartinho BelaCadima Muralha (sobrea autoproteção) PROJECTO (INTERVENTIVO/PARTICIPATIVO) DE ESCRITA POÉTICA Vamos acrescentar versos aos 50 anos da Revolução de Abril?
escrevei e enviai-os (identificados com V/nome+curso/especialização) para eduardabarata@fcsh unl pt até ao dia 24 de Abril Todos serão expostos na FCSH, mas somente alguns mencionados na próxima edição do NOVA em Folha
SofiaFernandes Sou Poemas Abril Poesia
Ousai

Homilia Independente

“Tristes os que percebem que isto não é religião.

Tristes os que já arriscaram ser alguém.

Tristes os que permitem ser.”

Felizes os que se contentam na graça do senhor todopoderoso, mestre da escrita Os que deixam a folha em branco, por consideração de dicionários e gramáticas celestiais que já tudo têm exposto

Felizes os surdos de espírito preenchidos pelo eco do senhor todo-poderoso Os que se deixam ir na sua lengalenga e usurpam o conforto de uma história de embalar, seguindo as notas do violino de quem muito tem para tocar

Felizes os que se reveem nos olhos do senhor todopoderoso, escultor dos longos olhares cansados Os que se deixam inundar por esgares e piscares, de faróis de automóveis desligados

Felizes os que se encolhem para a atmosfera do senhor todo-poderoso pesar menos Os que se fazem deslizar para a ponta, a modos de o central no centro ficar

Felizes os que se abrigam no carisma grandioso do senhor todo-poderoso Os que se deixam beliscar e deixam ir dedos entrelaçados em prol de presença palmatória na missa de domingo

Felizes os convidados para a ceia do senhor todopoderoso Os que possuem as intenções dele, abandonando as suas, permitindo uma homogeneidade caloricamente degradada e uma translucidez assustadora de corpos humanos

Felizes as ovelhas do rebanho do senhor todopoderoso As que sabem que nunca serão o cordeiro de deus e gostam do estatuto de ovelha futuramente degolada e esquecida

Felizes os que acreditam no senhor todo-poderoso

Os que não distinguem fé de crença e os que não distinguem tigeladas de tartes de nata

Tristes tristes estamos todos, sem telas brancas para pintar e com olheiras mais fundas que a alma do senhor todo-poderoso, padroeiro dos delinquentes de viver

Tristes os que conseguem evitar que o rato siga o queijo da ratoeira

Tristes os que já provaram laranjas de laranjeiras à sombra

Tristes os que sabem que o Evaristo não tem cá disto

Tristes os que percebem que isto não é religião

Tristes os que já arriscaram ser alguém

Tristes os que permitem ser

InêsFonseca Crónica/Sátira Abril
Adão/ Miguel- Ângelo Arte
A Criação de
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Háummilhão defascistas?O mitodeabril

Sim E ao mesmo tempo que há um milhão de fascistas pode haver outros nove milhões antifascistas Pouco tempo depois os números podem até inverter O que diz esta aritmética da barbárie política sobre nós? Pouca coisa, tendo em conta que se há algo que a História dos humanos a viver em sítios todos juntos nos ensinou é que esses mesmos humanos são capazes de se adaptar de forma muito célere às circunstâncias mais desoladoras Seremos um país de vira-casacas? Não iria tão longe Mas também não apostaria na pureza ideológica do povo português

Nas eleições de dia 10 de março, o partido Chega elegeu 48 deputados (com mais dois dos círculos internacionais) e o país foi ao rubro Houve quem celebrasse: grandes democratas, herdeiros de Sá Carneiro (e do Cavaco) a dançar como sobreviventes da maior vitória pírrica da história da política portuguesa, felizes por terem tido uma vantagem marginal perante o rombo que o partido fascista fez na política portuguesa

“falharedondamentenagrande conclusãoquepretendeatingir:de queasverdadeirasmudançaspodem ocorrernummomentoemquea criseétãoprofundaqueos eleitoresvotampordesespero,que oobjetivodaesquerdaeda mobilizaçãosocialdeveresidirno princípiodegestãodeumacrise profunda.”

Outros exasperararam-se: fichas de militância do Livre foram preenchidas, alívios exalados pela manutenção de quartetos parlamentares, e grandes chamadas a favor da organização do proletariado fora do controleirismo dos partidos da burguesia! No dia seguinte os ânimos tinham aterrado, e nas ruas o espírito era de consolo pelas mesmas palavras e regeneração pelo trabalho mal pago Portugal ardeu mas as cinzas voaram ao vento antes mesmo de que as pudéssemos atirar da montanha

Portugal já teve momentos similares ao que acabámos de presenciar Em 1979 o PCP “meteu” 47 deputados na AR, e seis anos depois uma proeza similar foi alcançada pelo PRD, encantando os portugueses com um bonapartismo de segunda à volta da figura do Ramalho Eanes Até um exemplo mais recentedas eleições de 2015 - mostra-nos o Bloco e o PCP a elegerem entre si 36 deputados a uma AR onde nos anos anteriores se tinha cozinhado uma política económica de austeridade, pobreza e morte Entre os quatro atos da mesma peça de eleitorados amovíveis, a continuidade do dispositivo insatisfação-voto é evidente e é seguramente a constatação preguiçosa favorita do “comentariado” político da CNN-RTP-SIC Certamente não está errada como fenómeno real e consequente, mas falha redondamente na grande conclusão que pretende atingir: de que as verdadeiras mudanças podem ocorrer num momento em que a crise é tão profunda que os eleitores votam por desespero, que o objetivo da esquerda e da mobilização social deve residir no princípio de gestão de uma crise profunda Estas conclusões sem o minímo de noção do que acontece logo a seguir: a canibalização dos partidos eleitos na plataforma do “contra a coisa atual” pela prossecução das mesmas políticas classicidas de antes, mas agora com o selo vermelho da esquerda parlamentar e as respectivas assinaturas dos honráveis dignitários de esquerda

Agora, o que podem estes momentos da história curta do regime democrático de abril dizer-nos sobre o que se passou no passado dia 10 de março? O Chega é profundamente diferente na sua essência dos partidos que nos outros casos tiveram “vitórias” eleitorais Mas partilha de uma coisa: o Chega quer gerir a crise no sentido de reconfigurar e reorganizar as políticas de preservação da acumulação capitalista e do seu avanço sobre quaisquer resquícios de direitos, de democracia e de humanidade O Chega quer fazer aquilo que o PS-PSD tentaram fazer nos últimos anos perante o “susto” da mobilização popular que vimos entre 2010 e 2015 O Chega quer assumir um papel de relevo no papel principal dos partidos da burguesia Será o Chega também canibalizado? Pouco nos interessa esta questão, porque pouco ou nada nos interessa as reorganizações internas no seio dos partidos do capital - ganhe o PSD maioria absoluta nas próximas eleições ou seja Portugal governado por um triunvirato de liberaisfascistas como em Itália, a realidade mantém-se A verdadeira questão reside realmente no que nos vai acontecer

É importante compreender que o desprezo pelo drama da política parlamentar não pode partir de uma dissonância entre nós e quem elegeu os deputados Mas sim de uma constatação de que a história nos últimos cinquenta anos em Portugal não foi a de que partido lidera o Parlamento na luta pelo socialis-

GuilhermeMachado Opinião
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Abril
Fotografia de Diogo Coelho

mo, mas sim de que forma o consenso parlamentar ajudou a fazer avançar a política liberal e de direita A situação verdadeira não é a aritmética de deputados, mas sim a própria existência do Parlamento como simulacro de democracia perante o controlo cerrado do país por uma oligarquia endogâmica, entrevista, herdeira do fascismo e pintada de azul pela integração na União Europeia

“Abrilcomofenómenoé real.Comoideologiaé fraturante.”

Os últimos anos, com a desilusão com o bipartidarismo, a ascensão da esquerda na AR, a desilusão com essa mesma “esquerda”, a derrota final do bipartidarismo oligárquico, e a eleição de cinquenta delinquentes para o Parlamento, foram as réquias do fim do “consenso de abril” Um consenso que pelas suas implicações permitia a estabilização de Portugal como economia liberal e periférica do capitalismo europeu, e que pela sua natureza significou a limitação dos horizontes de luta à mesma crença enganosa de que os portugueses, na sua mais ínfima consciência, são democratas “de abril” ou marxistas em busca de

direção e de representação É um consenso que permite à esquerda subtrair-se do trabalho de traçar caminhos e objetivos sérios para o derrube da situação de exploração e de violência fascista, porque acredita plenamente que se formos todos simpáticos uns com os outros o povo terá “serenidade” Este consenso sempre nos fez acreditar piamente numa condição de “exceção” do povo português, que os avanços da direita acontecem na mesma medida que as “vitórias” da esquerda E este consenso é oficialmente enterrado quando a sociedade bem-educada se depara com a dura realidade de que não é uma surpresa nenhuma que num país que colonizou, matou e escravizou milhões de pessoas, as pessoas não tenham reservas em votar com base no seu ódio por imigrantes Talvez noutros tempos estes votos seriam elementos simpaticamente esquecidos da votação no CDS-PSD-PS, mas num momento em que nunca foi tão óbvio o fracasso do regime de abril, traduzem-se em altifalantes daquilo que há de pior na cultura portuguesa

Para muitos é desgraçadamente poético este tipo de coisas acontecer no cinquentenário do 25 de abril Como se Constantinopla tivesse caído no centenário do Império Romano Mas esta ideia de que “não estamos a cumprir abril” falha na sua premissa de que “abril” é algo mais do que o mínimo de direitos civis e de hegemonia da política e da violência para permitir a consolidação de uma sociedade capitalista liberal Em abril, de acordo com as sensibilidades de cada um, pode residir o que quer que seja, mas à prova dos factos, parece cada vez mais que a projeção de um “sonho adiado” não corresponde à capacidade da população de muito facilmente se congregar à volta de um projeto eminentemente fascista Não há um milhão de fascistas (suponho) porque também não há grandes quantidades de muita coisa em Portugal que não sejam votos anónimos e quadrienais Não há nada de muita coisa que não sejam veículos da transformação capitalista e do avanço da sua opressão cada vez mais violenta e autoritária E este choque de consciência para os abrilistasque se apercebem cada vez mais que a nossa ideia de “abril” decidiu esquecer-se da imposição à ponta de espingardas da nossa “democracia liberal” - é da mesma substância do choque que lhes dá medo dos fascistas, mas que depois parece ter dado ainda mais medo de jovens a ocupar faculdades e a atirar tinta, e ainda mais dissonância do facto da polícia ter entrado em Faculdades para prender estudantes pela primeira vez desde as mobilizações estudantis contra o fascismo no final dos anos 60 E no final, um milhão de pessoas (com muito mais agência e capacidade

de leitura do que muitos lisboetas preferem admitir) votaram no Chega Os monopólios capitalistas e os grupos económicos afiam as espadas, o capital coloniza cada espaço autónomo existente e Portugal aproxima-se cada vez mais de ser um resort ensolarado com gente a dormir na rua e uma indústria de produção de cravos e chaimites cada vez mais produtiva E a nossa solução consistiu em dar mais três deputados ao Livre Ainda bem que o Rui Tavares vai destruir o fascismo com factos e lógica

A esquerda e outros órgãos institucionais de “representação” dos trabalhadores enquadramse neste quadro de submissão tácita a um regime capitalista pela forma como até o seu projeto de gestão de crise consiste em procurar granjear o máximo de votos possíveis a cada quatro anos, como se os eleitores fossem uma brisa de vento e a esquerda parlamentar um parque eólico Não há projetos transformadores que ultrapassem o economicismo vulgar, as instâncias de organização autónoma e desobediente são geridas e esmagadas de acordo com o interesse dos partidos, e toda a cultura contestatária adapta-se aos moldes conciliatórios do PCP-BE, à espera de que nas próximas eleições seja diferente Aguardando desesperadamente por mais uma crise que inflacione os números temporariamente! Há motivos por detrás desta estratégia que procura pintar de vermelho um edifício que temos de destruir: para nos sentarmos à mesa grande temos de ser respeitáveis E a única forma de ser respeitável é andar na corda bamba entre a mobilização popular e a manutenção da hegemonia burguesa Assim, não é de todo bem-educado promover estratégias de tensão e de mobilização que perturbem o funcionamento normal do capitalismo: não é bem-educado e tampouco elege deputados à AR qualquer fenómeno de confrontação A mais pequena constatação de clivagens de classe como combustível para lutas reais corre o perigo de ser demasiado radical

Perceber que 10 milhões de portugueses não têm todos os mesmos interesses, que eleger 229 deputados à AR não consiste numa vitória dos trabalhadores e que lutar consiste também em não procurar negociar com quem nos quer matar não é radicalismo pequeno-burguês (ou então é, não li o livro), mas é a única posição honesta num momento em que urge romper com a ilusão de uma democracia abrilesca e criar novos horizontes de luta e de mobilização - por mais parvos que possam parecer inicialmente perante os olhares atónitos de 1 milhão de fascistas e de 9 milhões de “nãofascistas”

GuilhermeMachado Opinião Abril
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Lisboa,5deoutubro,1960,Foto:EduardoGageiro
ABRIL 2024 ERA UMA VEZ O DIA 25 DE ABRIL DE 1974... 5 0 A N O S D E D E M O C R A C I A

25deAbril,50anosdepois

Os 50 anos da Revolução dos Cravos assinalam-se já este mês. Para esta data, já estão agendadas várias comemorações, desde espetáculos culturais a inaugurações de memoriais por todo o país, deixando-se a promessa de dar ênfase ao que é, para muitos, um dos dias mais importantes da história política portuguesa.

Contudo, a data é assinalada num panorama oposto ao que se procurou criar naquele dia Poucos dias antes do aniversário da Revolução, entraram em funções novos deputados e um novo governo O governo é formado por uma aliança de partidos vistos como fundadores da democracia Mas a esquerda, na qual teve raízes o movimento revolucionário, não atinge uma centena entre os 230 deputados que compõem a Assembleia da República, levando muitos eleitores a considerar que os valores da Revolução não ficarão bem representados Além da situação da esquerda parlamentar, também entraram em funções 50 deputados do partido de extrema-direita Chega, cujo apareci-

-mento na Assembleia se deu há apenas cinco anos Este número elevado traduz-se na quebra do bipartidarismo que marcou todo o período democrático, mas também na representação de uma facção que se opõe ao acontecimento que se celebra Havendo apenas alguns militantes abertamente defensores do salazarismo, a verdade é que o partido tem assumido símbolos associados a este regime: por exemplo, acrescentando o termo “Trabalho” ao slogan “Deus, Pátria, Família”, do Estado Novo, para o assumir como seu

É a primeira vez em democracia que a extrema-direita tem representação parlamentar, e é já a terceira força política Mas, ao mesmo

tempo, estas ideologias vão ganhando força no resto do mundo Celebra-se o aniversário da liberdade em Portugal enquanto se assiste ao genocídio na Palestina, cometido por uma força colonial Por outro lado, em países como a Argentina, os direitos de uma população empobrecida são cortados em nome de um crescimento económico que ainda não se verificou Mesmo na Europa, em estados como a Itália, a extrema-direita recupera espaço

O país e o mundo afastam-se do que se procurou construir com o 25 de Abril, afundando em diferentes tipos de crises As celebrações já marcadas mantêm-se, mas o que se ouve nas ruas é que é preciso mais

Política
Abril BeatrizFerreira
39
Foto:Expresso

JoãoTillyestáno parlamento

Culpem os que votaram em contramão; culpem os que ficaram em casa e não apareceram; culpem os avós; culpem os netos; culpem as demografias; culpem as sondagens; culpem a televisão; culpem a internet.

Votem pelo Diogo Faro, Votem pelo Diogo Sena, votem pelos vossos heróis do Twitter, votem sem ler

Não se justifiquem ao vilanizar as listras amarelas da vossa camisola, outrora listrada, agora manchada Afastem o tribalismo e saúdem o pragmatismo És liberal? Socialista? Social-democrata? Democrático? És dos meus! Deixem de descer no escorrega das ideologias quando há fogos maiores que a mera discórdia a enfrentar A vossa utopia não é a minha, a minha utopia é a nossa, a vossa é só tua, que estás a ler isto. Deixem de ser robôs formatados pelas ondas sonoras dos vossos comícios Sejam humanos

Culpem as despolitização; culpem os media; culpem o privilégio (e a falta dele); culpem os médicos; culpem os professores; culpem os outros; culpem o espelho; culpem-se a vocês Levantem-se!

Enfim, chega de hipocrisia

Política
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Abril Martin
IlustraçãodeNunoSaraiva

Devea Constituição ImporLimitesà SuaAlteração?

No dia 10 de março, o panorama político português sofreu uma mudança abrupta e radical André Ventura, por quanto que me custe escrever isto, disse algo inegável no discurso pós-eleitoral que proferiu – o Chega tornou-se numa peça central do sistema político, naquilo que foi uma vitória sem precedentes para a direita radical desde a Revolução dos Cravos

O novo “Conde D’Abranhos” (chamo-lhe tal pela axiomática parecença no discurso de ambos) promete que trará consigo uma IV República, um sistema presidencialista, e, o foco deste artigo, uma reforma da Constituição Com este pano de fundo, tenho trabalhado numa análise ao programa eleitoral do partido suprarreferido, procurando, primordialmente, ver as vertentes de continuidade e de rutura dentro do mesmo e o que isso significaria para Portugal Isto passa, inerentemente, pela leitura do plano de revisão constitucional que por eles foi apresentado no ano passado, no qual notei algo interessante e, a meu ver, abordado parcamente pelos canais de comunicação habituais

Refiro-me à revogação do artigo 288º da Constituição

Antes de mostrar o que este artigo indica, é importante mencionar alguns dos tipos de limites formais à revisão Constitucional que existem Como, por exemplo:

Limites circunstanciais, que estabelecem circunstâncias em que a revisão está vedada (como o estado de sítio ou emergência);

Limites temporais, que estabelecem um lapso temporal entre revisões; Limites procedimentais, onde se inseriria, entre outros, a necessidade de um referendo para a revisão (não aplicável ao caso português, no entanto)

Ora, Portugal está entre os 28% dos Estados que também estabelecem limites materiais à Constituição Ou seja, a revisão constitucional nunca pode ser total, apenas parcial Há assuntos onde “não se deve tocar”, diga-se assim

A lista de limites materiais à Constituição da República Portuguesa é, por falta de melhor palavra, enorme São 14 cláusulas Estas são:

a) A independência nacional e a unidade do Estado;

b) A forma republicana de governo;

c) A separação das Igrejas do Estado;

d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;

e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;

f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;

g) A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;

h) O sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional;

i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática;

j) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;

l) A fiscalização da constitucionalidade por ação ou por omissão de normas jurídicas;

m) A independência dos tribunais;

n) A autonomia das autarquias locais;

o) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira

Sabendo isto, o debate que o Chega traz para a mesa (e a IL, que na sua própria revisão constitucional, pretende revogar os artigos e; f; g; e alterar o h), é bastante interessante Será que é possível que a inexistência de limites materiais possa levar à degeneração de valores que nós, atualmente, vemos como inamovíveis? Deve a vontade dos criadores da Constituição de 1976 sobrepor-se à vontade popular, quando estes mesmos criadores já não estiverem entre nós? Será legítima a remoção de algumas cláusulas, mantendo o princípio da existência de limites materiais?

Todas estas perguntas, mesmo admitindo que a resposta possa ser variada e politizada, merecem a existência de um debate, nem que seja para corroborar a necessidade de tais cláusulas Apesar deste tema ter gerado grande celeuma nos anos 80, parece ter estado adormecido

É indubitavelmente desonesto, contudo, ignorar este tema É importante mencionar que, no momento em que escrevo e tomando como base as últimas propostas de revisão constitucional dos partidos com assento parlamentar, ¼ da Assembleia da República pertence a um partido que promove a alteração do artigo 288º

Contudo, seria simultaneamente ilógico circunscrever o debate da Constituição a tecnocratas, aos meios de comunicação social, e à esfera da política tradicional Se o poder emana do povo, também é da sua responsabilidade participar ativamente na construção destes artigos fulcrais que servem de pedra basilar ao funcionamento da nossa democracia Deixo um apelo, portanto, a todos os que estejam a ler: Mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão

Seopoderemanadopovo,tambémédasua responsabilidadeparticiparativamentena construçãodestesartigosfulcraisqueservem depedrabasilaraofuncionamentodanossa democracia

Política
41 “ Abril
AfonsoNoronha

Épossívelqueuma“revancheeleitoral”parecidacom adeTrumpeBiden,em2024,ocorranoBrasilemsuas próximaseleições?

A forte polarização política nas eleições de diversas democracias é um fenómeno crescente e assustador, e este ano assistiremos a uma repetição de um dos embates mais representativos deste cenário O Brasil acaba de passar por eleições disputadíssimas, à semelhança das americanas de 2020, e os Estados Unidos se aproximam de uma segunda ronda, ainda este ano Portanto, haverá a possibilidade de que Jair Bolsonaro e Lula da Silva voltem a se enfrentar? Este artigo busca responder esta dúvida sucintamente

No ano de 2024, assistiremos novamente a um embate entre Joe Biden e Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos Após quatro anos de um mandato extremamente controverso, Trump concorreu à reeleição nas eleições americanas de 2020 contra o seu opositor do Partido Democrata, Joe Biden Após uma disputa acirradíssima, Biden foi declarado vitorioso, apesar dos inúmeros protestos e alegações (pouco fundamentadas) de manipulação eleitoral vindas de Trump

Inspirados pelas alegações de fraude, se seguiram os ataques de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, nos EUA , em que apoiantes de Trump vandalizaram o centro legislativo do país após terem sido convocados a protestar, em Washington DC, contra a vitória de Biden Em dezembro de 2023, a justiça do estado do Colorado, por julgar que houve envolvimento direto de Trump nestes eventos, o declarou impedido de concorrer às próximas eleições presidenciais Porém, numa decisão da Suprema Corte, com maioria conservadora e favorável a Trump, esta decisão foi revertida, alegando que não era competência dos estados da federação tomar esta decisão, consequentemente cimentando sua presença nas urnas em 2024

É um fenômeno que parece se alastrar pelo mundo: um candidato surge com um discurso chocante que divide fortemente os eleitores entre apoiantes e opositores, vence eleições em meio a esta polarização extrema (da qual beneficia), tem um mandato caricatamente polêmico e por fim perde a reeleição Esta “quase-profecia” de eventos políticos parece se repetir intencional-

Justamente por esta proximidade com a cronologia de eventos que ocorrem nos EUA, é natural questionar se haverá uma nova disputa entre Lula e Bolsonaro no Brasil, e se isto poderia acontecer já nas próximas eleições presidenciais, marcadas para 2026

A resposta imediata é que não: à semelhança do que havia acontecido com Trump, Bolsonaro é

mente a diferentes velocidades, com países em passos mais iniciais, como a Argentina e a presidência de Javier Milei, ou passos mais avançados, como o Brasil e a derrota de Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição A nova etapa que surge nos EUA, porém, parece sugerir um novo capítulo de “revanche”

Muito à semelhança de Trump, Bolsonaro foi eleito em 2018, liderando um estridente movimento político de direita e derrotando o maior opositor à época, Fernando Haddad Teve um dos mandatos mais contestados da história da política brasileira e, por fim, foi derrotado nas urnas em 2022 face ao retorno de Lula da Silva, uma das poucas figuras no país com força política suficiente para o rivalizar

Justamente por esta proximidade com a cronologia de eventos que ocorrem nos EUA, é

atualmente considerado inelegível pela justiça até 2030 O que há de diferente neste caso, e que torna mais improvável que Bolsonaro concorra em 2026, é que a decisão parte do Tribunal Superior Eleitoral, a maior autoridade nacional responsável pelas eleições, e que são dois processos diferentes que o condenam Ou seja, a decisão parte da esfera federal e, portanto, não há aqui o problema de jurisdição estadual que há no caso de Trump Além disso, não só há duas sentenças separadas a combater, como sua reversão depende de recursos que só podem ser feitos ou à corte que o condenou, ou ao Supremo Tribunal Federal, que não é nada favorável a ele Portanto, dificilmente veremos um retorno de Bolsonaro às urnas tão cedo: pelo menos atualmente, é difícil que os fatores que o afastam sejam ultrapassados

Política Abril VicenteMongruel
GettyImages GettyImages

AdrianneLenker, vocêmepaga!

No refrão da música Steamboat, a Adrianne Lenker diz: “Oh, I wish I was more than my skin and my bones”; sinto que é isso que tenho dito a mim mesma, a minha vida toda Quem me dera ser mais que meus ossos e minha pele. Na verdade, em mim há uma convicção de ser mais que meu corpo, e ainda sim, a simples ideia de não o ser me assombra. Penso em todas essas coisas enquanto passo frio, à espera de um autocarro na Avenida da República

Talvez todos nós sejamos loucos por criar sentidos

Talvez esse seja o motivo das solenidades de abril que dão tema a esta edição

Talvez as festas sejam meras calendarizações do desejo por significado

Talvez isso diga algo sobre o que somos

Talvez haja mesmo um significado

A Adrienne continua “Oh, I wish I was better at being alone Still, every night, I call you on the phone” Talvez se eu fosse boa em estar só, não pensasse em tudo isso Enfim, Adrianne Lenker, você me paga!

Prosa
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Abril VictoriaLeite

Ascriançasaprendema cantar

“naqueles meses eu aprendia cantando o que era a tolerância, a união e força popular e a democracia”

O meu pai é músico De profissão é técnico de som, mas, intrinsecamente e acima de tudo, ele é músico

Todos os anos, desde que eu era muito pequena, no início do ano a nossa casa transforma-se num entra e sai de músicos, carregados de guitarras, baterias, teclados, tubas, trompas e flautas transversais, e outros pouco carregados com a sua garganta (mas aqui nem se exclui os que têm talento para os ferrinhos) A minha música de embalar, que partia da cave, subia pelas escadas e passava pela cozinha até chegar ao meu quarto, era música de intervenção

O meu pai junta(va) alguns dos seus amigos músicos, uns anos mais e outros menos, angariados nas décadas preenchidas com o seu trabalho, e juntos acumulavam e arranjavam um reportório de música associada à Revolução de Abril Têm o nome de Tribut’Abril e mesmo que o nome possa ser questionado pela sua (pouca) criatividade, nunca será questionado o respeito eminente aos autores silenciados pelo regime Dia 24 de abril lá estávamos num pequeno auditório, sempre lotado, no centro de Portugal a dar voz e público à cultura em tempos censurada

O último concerto foi diferente O Pedrinho, descrito pelo meu pai como o maior músico que ele conhece e por mim como um jovem apaixonado pela música e pela vida, morreu entre o concerto anterior e aquele ano

Em cada música ouvíamos a voz dele por cima da nossa trémula de quem o relembrava Ouvíamos a voz de quem presenciou a Revolução de 74 e que cantava esplendorosamente (e roucamente, patrocinado pelo tabaco) cada palavra.

Não se falava e não se fala de política em minha casa, mas naqueles meses eu aprendia cantando o que era a tolerância, a união e força popular e a democracia. Não se fala de política em minha casa, porque os meus pais acreditam que é sozinhos que aprendemos a pensar pela nossa cabeça e a tomar as nossas próprias decisões, mas aquele feriado (e respetiva preparação) ensinou-me o que deveriam ser os valores base de qualquer que fosse essa decisão

Foi assim que aprendi o que era o 25 de abril Todos aqueles músicos solitários, amadores, de bandas de garagem e professores formados tornavam-se camaradas pela arte que outrora era proibida Foi assim que aprendi o que era a camaradagem da Revolução, à luz da atualidade Foi também assim que aprendi o que era a censura Com a música, percebi o que poderia significar a falta dela

LaraDuarte Crónica Abril 44
Fotografiasdaautora

Domingo

Sempre quis ouvir da minha avó onde é que ela estava nesse dia de abril Nunca soube Ela foi embora comia ainda eu só o miolo do pão Ela foi embora antes que eu tivesse sequer idade e tamanho para lhe perguntar Mas ao menos estava lá, no canto da cozinha ao cadeirão, para me ver, de cotovelos postos sobre o plástico da mesa, mergulhar os biscoitos no café com leite Ao menos ela estava lá para tirar-me a marmelada do frigorífico A minha avó não me falou da revolução, mas em todos os meiosdias tinha almoço para mim Não é isto já a beleza herdada desses dias?

Não sei como viveu esses tempos, ela não me contou e os olhos da minha mãe eram demasiado novos para saberem e memorizarem Fui ver: a abril de 74, o dia esperado era quintafeira Ora, o que é que a minha avó estaria a fazer a uma quintafeira? Sei que um ano antes tinha acabado de fazer nascer a minha mãe, a última de seis Sei que os filhos mais velhos, todos os dias, saíam de casa para a terra A minha avó ficava nas lides por casa Imagino-a de um lado para o outro Apesar de a ter conhecido já fraca, nunca a imaginei quieta de mãos a abanar (a minha mãe tem a energia dela, parece-me) Sei que nesse dia o sol não se perdeu, como tantas vezes gritava à minha mãe e à minha tia, pelas seis da manhã, para correrem a lavar a roupa no tanque e a estendê-la nas cordas do varal Sei que nesses tempos era costume dividir-se o almoço por todos: ora o pão molhado na gema do ovo, ora o bolo feito na sertã, ora os chicharros repartidos Nunca foram uma casa de bens, sempre foram uma casa de gente Mas ao domingo era dia santo Havia vinho para o meu avô Manuel As meninas da casa não lavavam roupa e iam todos à missa A minha mãe diz-me que aos domingos parecia até que a minha avó ficava mais doce Acho que a quinta-feira de 25 de abril foi um domingo naquela casa Apesar de isolados do centro da grande revolução e só ligados pelo rádio e pelo desejo dela, tenho a certeza que foi domingo Sei que a minha avó não estava com a multidão no Quartel do Carmo, mas não é por isso que ela não é a revolução Para mim é A minha avó é a mais bonita revolução A minha avó é a mais bonita revolução por ter tido a minha mãe, por ter tido e criado os seus seis filhos em casa A minha avó é a mais bonita revolução por ter vivido em um tempo em que não se imaginava sem ser em casa A minha avó é a mais bonita revolução por ter de ver seis filhos a molhar o pão no único ovo em casa A minha avó é a mais bonita revolução por nem sequer chegar a meter na sua boca para dar a outras A minha avó é a minha mais bonita revolução por ter sido mulher quando não a deixavam ser A minha avó é a minha mais bonita revolução por ter dado à minha mãe o seu nome e o brilho dos seus olhos

É a minha avó Maria Lúcia É a minha mãe Lúcia Maria Penso nelas quando penso neste dia de liberdade, por não a terem naquele tempo como hoje tenho e porque mesmo assim, agora, as três não a termos ainda toda

A minha avó morreu há nove anos Hoje ela poderia ter ido à praia, deixado o avental e saído de casa, hoje teria mais gemas onde molhar o pão Hoje poderia fazer coisas que nunca imaginou Hoje, ela podia ter sido um pouco mais Avó, hoje, depois da revolução, o sol nunca mais se perdeu Se depender de mim, o sol nunca mais será de pouca dura A minha avó ia gostar muito de viver hoje

" A minha avó morreu há nove anos. Hoje ela poderia ter ido à praia, deixado o avental e saído de casa, hoje teria mais gemas onde molhar o pão. Hoje poderia fazer coisas que nunca imaginou. Hoje, ela podia ter sido um pouco mais. Avó, hoje, depois da revolução, o sol nunca mais se perdeu. Se depender de mim, o sol nunca mais será de pouca dura. A minha avó ia gostar muito de viver hoje. '"

MariaLinhares Crónica Abril
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Grandmother by Libby Rudolf

UMAVISITAAO CINEMADE ANIMAÇÃONA CASADACERCA COMOFESTIVAL MONSTRA

A uma semana do festival MONSTRA, visitei a associação cultural Casa da Cerca, onde foi realizada a curta metragem “ESTA É A NOSSA HISTÓRIA”, que será apresentada durante o festival, no dia 7 de março.

“Espiados por Pides, os namorados arriscam a prisão num pequeno gesto, mas decisivo: ajudar a soltar a revolução com um mural com uma canção”, é assim que começa a curta-metragem realizada na Residência Artística de Animação O verde das árvores sobrepõem-se à sensação de tranquilidade que invade os jardins da Casa da Cerca, longe da azáfama, recolhida por entre os detalhes da natureza, na serenidade necessária para se dar asas à criatividade Foi

do cinema da animação e à volta de duas temáticas: O aniversário dos 50 anos da cidade de Almada e os 50 anos do 25 de abril”

tivo da Casa da Cerca, conta que estes alunos fazem parte de uma equipa de 20 jovens

“Porentreaanimação,osrecortes,a pintura,eporvezesa imprevisibilidade,osjovens encontraramnaCasadaCercaas ferramentasnecessáriasparaque, atravésdocinemadeanimação,sejam capazesdeexpressaremasualiberdade artística,pormeiodeumprojeto intergeracional,queospôsapensar sobreumtemponoqualaindanão eramnascidos”

aqui que jovens dos 17 aos 23 anos se juntaram para criar um filme sobre as memórias da resistência portuguesa contra o Estado Novo Fernando Galrito, responsável pela direção artística e programação do festival de animação MONSTRA, fala um pouco sobre como nasceu o projeto na associação cultural de Almada– “A ideia era fazer aqui um projeto que fosse um espaço de encontro e de aprendizagem à volta

Este curso surge em sinergia com outro projeto, tal como refere Américo Jones, professor de multimédia no Agrupamento de Escolas Francisco Simões A convite da Câmara Municipal de Almada, foi-lhe proposta a produção de uma longa-metragem colaborativa, que tivesse como temática central as duas datas comemorativas –50 anos da cidade de Almada e 50 anos do 25 de abril Assim, incentivou seis jovens realizadores a participarem no filme “Um tempo de todos”, cuja data de estreia para o público geral é dia 20 de abril, no Fórum Municipal Romeu Correia Este, será composto por 7 curtas-metragens, uma delas produzida durante a Residência Artística de Animação da Casa da Cerca Durante 9 sessões, duas das quais realizadas em período extraordinário, desenvolveu-se um seminário participativo entre jovens de formações variadas

A convite do seu antigo professor de multimédia, Ana Carolina Cravo, Margarida Pereira e Tomás Laranjeira começaram a pensar na história que mais tarde seria o protoargumento do filme “ESTA É A NOSSA HISTÓRIA”

Ana Carolina Cravo comenta como começaram o workshop sem saberem o que é que iria acontecer – “Tivemos a sorte de trabalhar com um ótimo grupo de jovens artistas e com profissionais que nos ajudaram bastante” Enquanto me mostra os cantos à casa, Mário Rainha Campos, um dos responsáveis pela organização do projeto através do serviço educa-

Ao chegar a uma pequena arrecadação de madeira, é possível encontrar o “cérebro” da operação, a sala onde todos se reuniram para discutirem os detalhes desta história “É um lugar de expressão livre para a criação Ainda tens vestígios fósseis de anotações para organizar o trabalho”, refere o mediador cultural Nas paredes estão estendidas longas folhas de papel A5, com descrições dos cenários, nomes das personagens, planos pormenorizados das paisagens e adereços necessários para cada cena do filme, desde o “céu noturno”, à “rua da casa”, até à “janela do quarto”

O responsável pelo serviço educativo da Casa da Cerca explica como todo o processo foi desenvolvido com a ajuda de “capacitadores”, isto é, profissionais na área responsáveis por ajudarem os jovens na realização do filme – “Ao mesmo tempo que estão a criar, estão também a beneficiar de uma partilha de sensibilidade com pessoas com mais experiência” Deste modo, descreve a curta-metragem como um trabalho coletivo, sem a existência de papéis formalmente atribuídos ao título de realizador, argumentista, ou produtor

Mário Rainha Campos conta como numa primeira fase os participantes reuniram-se para discutir o proto-argumento A redação do guião foi feita com o apoio do argumentista Virgílio Almeida - “Fez-se uma tempestade coletiva de ideias, todos disseram o que é que lhes incomodava para se decidir qual é que seria a trama à qual todos se iam comprometer”, refere

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Foto:MarianaVital

Mário Rainha Campos, “Houve uma preocupação em tornar o argumento aberto, mais poético Quando eles começavam a fechar a problemática o Virgílio Almeida abria Quando eles apresentavam ideias muito vagas, ele pedia para que concretizassem”

Depois do guião escrito e de organizadas as imagens sequenciais do filme (storyboard), começaram a construir personagens, cenários e a preparar o set O acompanhamento na área da direção de arte foi feito por Joana Imaginário, artista visual e realizadora Na escuridão da sala de filmagens, conta como procurou que houvesse uma consistência visual–“Ninguém pode estar a olhar só para o seu trabalho, porque senão não encaixa A animação é isto É um puzzle onde as peças têm que encaixar todas muito bem”

Foi nas caixas de papéis amarelos, verdes e azuis, utilizados em vários projetos artísticos na Casa da Cerca, que se encontraram os materiais necessários para a construção de personagens e cenários Por entre as texturas e desenhos arrumados nas prateleiras daquela arrecadação de madeira, fizeram-se os recortes necessários e encontrou-se a homogeneidade estética que tanto procuravam, uma “unidade na diversidade”, como referem Joana Imaginário e Mário Rainha Campos

Montadas as mesas de trabalho, os jovens pegam nos telemóveis, computadores, câmaras e tablets, prontos para começarem a captar as imagens para o filme A chegada à sala, onde foi construído o set de filmagens temporário, equipara-se à entrada numa gruta Envoltos na escuridão cortada pela luz incandescente dos holofotes apontados às mesas de trabalho, os alunos não perdem o foco na minuciosidade do processo de animar

A partir daí coube a Fernando Galrito, realizador de filmes de animação e diretor artístico do festival MONSTRA, e a Francisco Lança, realizador de animação, partilhar conhecimentos técnicos com os jovens - “O nosso trabalho foi dar às equipas apoio para criarem expressividade através do movimento Apesar de serem recortes, trabalhamos para que possam ter uma força narrativa que crie emoções e sensações, como se estivéssemos a trabalhar com atores de imagem real”, refere Fernando Galrito

Bárbara Freitas, uma das participantes no projeto, move com uma pinça a personagem Tiago Fotografia a fotografia, a jovem explica como teve que refazer algu-

mas das imagens - “Estão a acontecer várias animações em simultâneo, é preciso verificar se está tudo a bater certo, às vezes é um bocado a olho” A utilização da técnica stop motion requer uma atenção redobrada, já que as personagens que os jovens construíram têm que ser movidas aos poucos para que, quando as fotografias captadas são vistas em sequência, o seu movimento seja consistente e faça sentido

Do outro lado da sala, Rafael Farinha, outro participante no seminário, chama Fernando Galrito para que lhe dê indicações em relação ao posicionamento dos lábios de papel da personagem Maria É neste vai e vêm que o diretor artístico do festival MONSTRA dá voltas à sala e inspeciona os vários postos de trabalho, oferecendo sugestões e apoio aos jovens animadores: “Este enquadramento está bom?”, questiona Quase de imediato ouve-se em coro um não Então, Ema San Payo, uma das integrantes no projeto, verifica a inclinação do caderno que a personagem tem na mão e, com cuidado, vai colocando fita cola nos pedaços da

animação que devem ficar estáticos

Apesar do processo de animação ter que ser visionado com meticulosidade, há sempre pontas soltas que requerem “uma grande dose de improviso”, tal como refere Joana Imaginário “Nós fazemos muito aproveitamento de personagens de uns planos para os outros De repente uma personagem está demasiado grande para aquele enquadramento, então é preciso fazer um novo”, é assim que Joana Imaginário conta como todos fazem tudo neste projeto, e que perante os imprevistos é necessário haver uma capacidade de resolução de problemas

Por entre a animação, os recortes, a pintura, e por vezes a imprevisibilidade, os jovens encontraram na Casa da Cerca as ferramentas necessárias para que, através do cinema de animação, sejam capazes de expressarem a sua liberdade artística, por meio de um projeto intergeracional, que os pôs a pensar sobre um tempo no qual ainda não eram nascidos

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Foto:MarianaVital

OsVerdesAnos(PauloRocha,1963)ea democraciaachegaràmeiaidade

“Esteéumfilmequenosfazpensarnajuventudedefamiliaresqueconhecemosequenãoconhecemos,numa LisboaforçosamentesilenciosaeclaustrofóbicadoEstadoNovo.”

Um filme sobre o desencanto urbano A Canção verdes anos (Fernando Alvim, Carlos Paredes) conduz a ação ritmadamente e faz com que acertemos o passo com as personagens A procura por melhores condições de vida e de trabalho continua a ser um mote da vida na cidade; n' Os Verdes Anos, desmistifica-se a noção de que, depois dessa exaustiva procura, vem algum tipo de recompensa, um final cómodo e estável E isso é algo que não é novo para nós, que permite estabelecer desde logo um laço forte com as representações da vida quotidiana do Júlio, da Ilda e do tio do Júlio

OsVerdesAnosdePauloRocha

Este é um filme que nos faz pensar na juventude de familiares que conhecemos e que não conhecemos, numa Lisboa forçosamente silenciosa e claustrofóbica do Estado Novo. Com efeito, o desfecho da história dá-se com frieza, desmascara qualquer saudosismo e ilustra as consequências violentas de uma repressão que atacou em várias frentes

A comodidade, o “assentar” de que se fala tanto, mais que nas várias tipologias do sucesso, reside talvez na vida partilhada - essa parece ser a filosofia que Júlio ingenuamente transporta consigo e com o decorrer da narrativa A personagem é portadora de uma esperança que rapidamente se transforma numa mágoa cristalizada perigosa, indício de tragédia. A transformação dá-se à medida que Ilda se demarca dos objetivos de Júlio - o pragmatismo dos seus olhares coloca em cima da mesa novas direções, novos caminhos. Júlio, no entanto, parece estar focado na busca do que é familiar A tradição surge como um porto seguro

O futuro, espaço imponente que produz expectativas e riscos, é o fator decisivo que cria uma rutura na relação entre os dois Ambos estão prestes a iniciá-lo, com uma responsabilidade que é proporcional ao medo que sentem A ida para a cidade é a perseguição por um pertencer, por um poder fazer ou estar melhor Porém, é também, na mesma medida, o contacto com uma escada difícil de subir, com um tropeçar constante - com uma frustração material e cultural que interfere de forma invasiva na sua experiência

O pensamento livre e ágil de Ilda é uma afronta para Júlio, porque ameaça desestruturar a sua noção de identidade, põe em causa o campo de possibilidades muito restrito que projeta para a sua sobrevivência na cidade

A tensão entre o indivíduo e o espaço urbano sofreu mutações, mas persistiu no tempo Comemorar abril é pensar no que foi reprimido e também no que está em vias de o ser É pensar e repensar os moldes da democracia de hoje Como n’Os Verdes Anos, os pontos de luz na cidade contemporânea parecem armazenar vestígios do culto do poder, do controlo desenfreado Ilumina-se o visível e mantém-se pequenino o invisível

IsabelBentes Cultura
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MomentodofilmeOsVerdesAnos-Mn 1:19:50 Cançãoverdesanos(FernandoAlvim CarosParedes) MomentodofilmeOsVerdesAnos-Min 1:20:02

DIA DA LIBERDADE PedroLázaro

As Descobertas

de

Nuno

Folha:

Nuno Folha regressa a casa após mais um dia de aulas A sua mãe está na sala, a ver uma série enquanto faz a bainha de umas calças, e o seu pai a preparar o jantar, na cozinha

- Mãe, achas que podemos ir visitar os avós no fim-de-semana?

- Claro que sim, filho Por alguma razão em especial?

- Na escola, estamos a preparar as comemorações do 25 de abril E o nosso professor de História diz que este ano é mais importante celebrá-lo do que nunca Então, pensei que eles poderiam contar-me como foi e como era

A mãe assente com a cabeça e sorri:

- Acho que vais gostar muito

***

Nuno chega a casa dos avós É uma casa modesta, com um quintal à entrada onde estão plantadas algumas frutas e hortícolas Já em casa, Nuno e os avós sentam-se em volta da camilha

- Este mês, na escola, estamos a comemorar os 50 anos do 25 de abril e queria falar convosco, já que viveram os períodos pré e pós-revolução, para me darem algum contexto daquela época

- Claro que sim, meu querido Tudo o que quiseres saber – diz a avó segurando-lhe na mão com ternura – Sabes que esse dia foi muito importante e histórico para o nosso país e é importante que nunca o esqueçamos e que o celebremos todos os dias

- Tens razão! Fala-se muito do próprio dia em si, mas e então nomes principais, que foram relevantes para a revolução?

- Ora, tens o Salgueiro Maia, que é possivelmente o nome mais conhecido e associado ao 25 de abril Ramalho Eanes, que foi Presidente da República, e Otelo Saraiva de Carvalho

- Também podes mencionar o general Melo Antunes, que não é tão lembrado, mas foi o autor do programa do Movimento das Forças Armadas –acrescenta o avô de Nuno Folha

- Certo Em termos de música, E depois do adeus do Paulo de Carvalho, evidentemente – declara Nuno Folha enquanto escreve no seu caderno

- Sim, mas não só Também podes ver algumas músicas do Zeca Afonso, muitas delas têm uma forte componente política Grândola, Vila Morena é a mais conhecida, mas terás outras seguramente – adiciona a avó do jovem Nuno Folha ouve os avós com muita atenção, que lhes vão explicando como tudo aconteceu na madrugada de 25 de abril de 1974 É notável o brilho no olhar do seu avô, que fala de como os tempos eram difíceis e da coragem que foi necessária para derrubar um estado totalitário como o que se viveu durante quatro décadas

- Queria fazer uma última pergunta Vocês pensam como tudo seria se a revolução não tivesse acontecido?

Os avós de Nuno Folha entreolham-se e ficam, momentaneamente, pensativos

- Sabes, filho, eu quero acreditar que seria algo inevitável As pessoas não estavam felizes com o clima de instabilidade e medo que pairava, havia muita pobreza, perseguição e desigualdade – conta a avó com tristeza na voz

- Eu tive de deixar a tua avó sozinha quando fui obrigado a ir para a guerra Eu não tinha estudos para além da 4ª classe e não tínhamos filhos Fico feliz pelo facto de a tua mãe ter nascido depois de 74, tornou-se uma mulher forte e independente e teve a oportunidade de ir para a faculdade estudar o queria, depois de tanto ter batalhado para tal Tu e a tua geração, meu rapaz, têm o dever de dar continuidade àquilo que foi conquistado com muito sacrifício

Nuno Folha despede-se dos avós Já à porta de casa, para e olha para uma pequena mesa: tem uma foto dos avós, cada um com um cravo na mão, e atrás uma multidão com cartazes e cravos Ao longe, ouve-se E depois do adeus

Crónica 49 Abril Victoria Leite

Abril Mais

Que bom ser a nata da nata

Quando nem em castelo fico

Vermelho corre

Vermelho escorre

Corro grito sem sentido

Não consigo

Respirar

Mais

Não aguento a pressão

A loucura a ilusão

Que é viver num mundo assim

Dizem para sonhar alto

Mas que sonho sempre demais

Fecham portas e janelas

Presos animais

Meu Deus!

Quero sonhar

Ser feliz

E poder andar ao sol

Sem olhar por cima do ombro

Ou em passo apressado

Estou farta de viver isolada

Porque a realidade não é para mim

Quero sair de casa descalça

Como eles andam

Porque acham que podem

Rir de cigarro na mão

Sem preocupação

Que sonho, amor

Eu só queria respeito Igualdade

Viver a liberdade

Enquanto o mundo não acaba

Porque acaba

E vai acabar

[respiro enquanto posso]

Tragam bolo

Façam das velas cravos

E deem-me uma razão para viver

Estou cansada Quero mais Abril

RaquelFrancisco Poema
Abril
50

2 Cortar tudo a azul

3. Estacionado ali ao lado.

5. Venceram a guerra da independência, Amílcar Cabral. Vertical

Horizontal

1 Confissão de, obra do Sá Carneiro

3 Grande resistente antifascista de quatro pernas.

4. Poeta português com a fanbase mais diversa, desassossego.

5 Tipo de coisas que o NOVA em Folha publica

6 O 25 de Abril começou em

OTEMPO...
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