NOVA em Folha | Dezembro-Janeiro 2023/2024

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Jornal

Dezembro / Janeiro

2023/24

NOVA em Folha

FIM DO MUNDO ANO O QUE FOI O ANO DE 2023? FOI RUSSA-UCRÂNIA, FOI ISRAEL-PALESTINA, FOI COSTA, LUTAS CLIMÁTICAS, LUTAS POR JUSTIÇA SOCIAL. FOI TAMBÉM MÚSICA, CINEMA, LITERATURA. NESTA EDIÇÃO, VAIS ENCONTRAR NOTÍCIAS, CRÓNICAS E POEMAS DOS TEMAS QUE DEFINIRAM ESTE ANO E RETROSPETIVAS DO DESPORTO À MÚSICA. ENCONTRARÁS TAMBÉM UMA AGENDA CULTURAL - ESPECIAL MERCADOS DE NATAL - E MUITO MAIS!

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Este jornal é impresso em papel 100% reciclado.


Dez/Jan. 2023 Direção

Beatriz Gomes Martins Clara Figueiredo Guilherme Machado

Edição Gráfica

Redação

Beatriz Batista Beatriz Gomes Martins Clara Figueiredo Carolina Ramos Constança Pereira Diogo D’Alessandro Eunice Gomes Emmanuel Walcher Filho de Xangô Guilherme Machado

Inês Fonseca Ines Moreira Jéssica Marques João Pinhal João Strecht Leonor Moreira Lucas Berenguer Madalena Andaluz Margarida Calado Mariana Aleixo

Revisão

Beatriz Gomes Martins Clara Figueiredo Guilherme Machado Leonor Moreira Mariana Furtado

Colaboradores

Beatriz Gomes Martins Madalena Grilo Teles Margarida Calado

Marta Afonso Alves Manuel Gorjão Pedro Lázaro Pedro Taveira Pietra Blasi Raffaella Tomaiuolo Sofia Diniz Tália Moniz

AEFCSH Beatriz Isabel Beatriz Gomes Catarina Maia Rodrigues Daniela Felício Gürkh Laura Tuck Lourenço Rosa Mariana Teixeira Margarida Caldeirinha Miguel Jorge Francisco Almeida Amaral Núcleo de Antropologia Núcleo de História Raquel Francisco Rafaela Lopes Tiago Freitas Victoria Leite

Ficha Técnica 02


Índice 04 AE em Folha

29 Errar é humano, persistir também

05 Mais um ano a terminar

30 A minha garrafa de água de sessenta cêntimos

07 Comunicado NEANTRO

31 A primeira e última forma de resistência

08 Vencedores concurso Poesia

32 A resistência sou eu.; O Dia

09 Nuno em Folha: Crónica

33 Fim do ano mundo

10 Ecos do Presente: Nós em 2023

34 Guarda este meu segredo

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Menino Costa, ai ai tamanha vaidade

35 O mundo está a acabar e eu estou a ler

12 O 25 de Novembro e a Memória Distorcida 13 O movimento Fim ao Fóssil volta a Ocupar a FCSH

Orgulho e Preconceito 36 2023 em livros 37 Próxima paragem: a realidade

14 Puta de Esquerda

38 The dreamers e a reivindicação da cultura

15 The Final Jam no Campus de Berna

39 Os assassinos da lua das flores de Martin

16 Quando a “censura” não é notícia numa democracia

Scorsese 40 Io Capitano (2023) e a apatia ocidental -

17 A História que se Repete

41 Miyazaki's Enchanting Final Return: The Boy

18 Jornalistas e/ou mártires

and the Heron

19 A linguagem da guerra

42 O que ver este Natal

20 Normalização do ódio

43 As cinquenta lascas de bacalhau

21 Equipa FSFCT prepara regresso à competição

44 Mercados de Natal

da Formula Student Portugal

47 Escapadinhas de Natal

22 Temporada 2023 de Fórmula 1 em Análise

48 “Ano passado eu morri mas esse ano eu não

23 Retrospectiva esportiva 24 Futebol retrospetiva

49 Um milhão de fins do mundo à espreita

25 2023 sob o olhar da moda

50 Um brinde às 365 insónias; Our Dance

26 A minha avó não fugiu do casamento para isto

51 Se alguma vez as tive; sem título

27 Interseccionalidade no feminismo

52 Retrospetiva: Álbuns 2023

28 Opinião sobre a liberdade de expressão:

53 Homenagem Mortes 2023

Limites do humor

novaemfolha.ae@fcsh.unl.pt

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morro”; desabafo de ano novo

54 Receita de Natal

@novaemfolha.ae

@novaemfolha.aefcsh


Jornal AE

Dezembro / Janeiro

AE EM FOLHA

2.12.2023

Nos meses de Outubro e Novembro, a AEFCSH mostrou mais uma vez o seu contínuo trabalho no que concerne à proximidade aos estudantes e à dinamização da vida na faculdade. Foi no mês de outubro, a dia 31, que se realizou o (tão ansiado pela comunidade estudantil) churrasco da AEFCSH. Com o lema -Isto era para apanhar uma boo-badeira, o churrasco arrancou ao final da tarde do dia de Halloween, onde teve lugar um momento de luta, onde se reivindicou o fim das barreiras de entrada e permanência no ensino superior, um concurso de máscaras alusivo ao dia e muita música. Embora a chuva teimasse em cair, o Churrasco de 31 de Outubro mostrou-se um grande momento de afirmação do direito à faculdade e ao lazer dos estudantes. Também nestes meses a AEFCSH recuperou a iniciativa - “AE à solta”, que em anos anteriores já havia sido dinamizada. Nesta iniciativa membros da associação de estudantes rumaram à esplanada e outros locais de convívio da faculdade, e procuraram ouvir os estudantes- os seus problemas assim como sugestões e críticas acerca do trabalho da AEFCSH. Deste contacto com os estudantes resultou a abertura do balcão da AEFCSH no campus de Campolide, de forma aos estudantes deixarem de ser obrigados a deslocar-se à Avenida de Berna apenas para comprar folhas de teste. Em colaboração com a direção do jornal Nova em Folha, foi também possível distribuir pela faculdade o jornal dos meses em questão, de forma a mais estudantes o puderem ler e aceder a ele, com o intuito de dar ao NeF o devido reconhecimento pela comunidade. Ao décimo sexto dia de Novembro os estudantes reuniram-se com a mesa da RGA, onde foi apresentado o relatório de contas do presente mandato e convocadas as eleições para o próximo mandato, que se realizarão dias 4 e 5 de Dezembro, em Campolide e Berna, respetivamente. Ao dia 22 de novembro teve lugar uma grande iniciativa em solidariedade com a Palestina. Com o título “Os estudantes querem a paz! Paz no Médio Oriente, Palestina independente!”, a iniciativa contou com a presença de associações como o MPPM e o CPPC e ainda com o chefe da missão diplomática da Palestina em PortugalNabil Abuznaid. Foi plantada uma oliveira em defesa da Paz no campus de Berna e seguiu-se uma conversa acerca dos desenvolvimentos da situação no Médio Oriente. Da parte da AEFCSH, resta deixar a todos os estudantes votos de um Feliz Natal e boas entradas no ano que se avizinha.

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Mais um ano a terminar Dez/Jan.

Leonor Moreira

Editorial

O que mudou, que tradições se mantêm e o que nos reserva 2024? ro servem - acaba por desviar o nosso pelo grupo terrorista Hamas veio relembrar o intelecto daquilo que realmente interessa: mundo das proporções de violência que o fim do mundo.­ A ideia hobbesiana da marcam as relações Israel-Palestina há guerra de todos contra todos nunca se décadas. azáfama de reunir membros familiares que aplicou tão bem como agora. É difícil Este fim do mundo é, de facto, iminente. passam o resto do ano sem sequer uma identificar uma parte do mundo onde não Não falo de um fim do mundo como o mensagem enviar, mas que, na época haja guerras, conflitos e mortes. Em Mianmar, relatado por Orson Welles que, numa natalícia, lá aparecem nas nossas casas com desde 2021, milhares vidas foram perdidas emissão do programa de rádio “Guerra dos um bom vinho, um bolo-rei, uns quantos devido ao estopim que resultou da repressão Mundos”, em Outubro de 1938, convenceu a embrulhos e umas palavras de apreço pelo violenta aos protestos da oposição. Em população norte-americana de que o mundo Quando pensamos no fim do ano, vêm-senos à cabeça ideias e planos relacionados com as festividades, como o Natal, a passagem de ano, o Dia de Reis e toda a

meio dos abraços que sucedem aquele Burkina Faso, na África Ocidental, as forças ia acabar devido a uma invasão momento em que entram, tiram o casaco e armadas do governo enfrentam grupos extraterrestre. Sessenta anos depois, a constatam o que nunca é novidade: “Está islâmicos insurgentes como Ansarul Islam, Antena 3 fez o mesmo: um momento que tanto frio lá fora”. São, inclusive, os ensejos ligado à Al-Qaeda, e o Estado Islâmico no certamente marcou a história radiofónica em em frente à lareira que trazem à conversa Sahel. No Iémen, a guerra civil, desencadeada Portugal. Não falo de um fim do mundo questões sobre o trabalho dos tios, a escola em 2014, entre o grupo de rebeldes Houthi, como a comunicação social o tem retratado, dos primos mais novos, a faculdade, a carta apoiado pelo Irão, e as forças do governo, de forma banal. Falo, sim, de um fim do de condução e as aspirações futuras dos apoiadas pela Arábia Saudita e pelos EUA, mundo que perpetua uma crise de valores, estudantes que só conseguem pensar no assiste a uma pausa, sendo, contudo, uma uma desvalorização pela vida humana. Já há quão stressados estão com os exames. E não guerra sem fim. No Sudão, quase seis milhões imensas décadas que não se vê um pingo de podia faltar, claro, as guerrilhas entre cada de pessoas tiveram que deixar as suas casas compaixão. Não se vê sequer onde ficou o membro familiar que, sendo pai ou mãe, desde abril deste ano, quando um grupo legado de Gandhi e da resolução de aproveita sempre para comparar os seus paramilitar iniciou uma guerra contra as conflitos sem recurso à violência. O que se filhos aos dos outros. Momentos lindos e forças militares do país, para tomar o poder. vê com o genocídio em Gaza, onde a cada pacíficos, portanto. Então quando o velho avô Na Somália, os conflitos entre as forças do 10 minutos morre uma criança, em muito se percebe que as crianças não gostam do bolo- governo e o grupo islâmico Al-Shabaab, assemelha aos massacres do IRA aquando rei, aí é que a reunião familiar ganha aliado à Al-Qaeda, recrudesceram desde o da independência da Irlanda. E para quê? contornos tão pacíficos como o cenário início do novo milénio e a violência aumentou Tendo em conta o passado histórico entre o desde 2022, fazendo subir o número de Estado de Israel e a Palestina, tal como o do mundial atual. Na verdade, esta alienação da vida adulta - mortos. Na Ucrânia, a invasão russa tem Reino Unido com a Irlanda do Norte, não porque, efetivamente, é para isso que o causado, desde 2022, milhares de perdas vale a pena legitimar qualquer ato de fim do ano e a transição Dezembro/Janei- humanas. Em Gaza, o genocídio empreendido terrorismo ou de violência de nenhuma das

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Dez/Jan.

Leonor Moreira

Editorial

partes, porque o preço acaba sempre por ser o mesmo - vidas de pessoas inocentes, cujo único azar foi ter nascido onde nasceram. Como se a propagação desmedida de conflitos armados pelo mundo não bastasse, um olhar sobre o nosso próprio país também não se revela muito animador. Recentemente, ocorreram atentados à democracia que não se viam desde início desta, com o 25 de Abril. Nas vésperas do ano que irá marcar cinco décadas de democracia pacífica e do exercício pleno de um Estado de Direito, Portugal vê a sua Constituição em desrespeito, algo que conquistou terreno com a existência de um partido de extrema-direita que ameaça, abertamente, os valores democráticos e condena liberdades fundamentais, como a de expressão. Soa familiar, não soa? Pois, mas não é Salazar a erguer-se do túmulo; é, sim, algo mais invasivo, um movimento liderado por alguém mais xenófobo, racista, conservador e antidemocrático. Alguém que não merece sequer o seu nome aqui escrito. Alguém cuja falta de valores impregna a cabeça de gente que invade espaços públicos em nome de sabe-se lá o quê, em nome de tudo o que seja antítese da democracia e da liberdade. É por ameaças como esta que os estudantes portugueses se unem contra o discurso de ódio, defendem ideários climáticos de forma pacífica e reivindicam justiça em espaços que seriam, à partida, seguros para tal. O que tem acontecido na FCSH repugna qualquer pessoa. É inaceitável a entrada de forças policiais para travar os Ocupas. É inaceitável a necessidade de expulsar militantes de forças de extrema-direita, pois esta nunca terá espaço no meio de estudantes que pensam e agem em nome dos valores da democracia. É inaceitável a forma como a Direção da FCSH coaduna o seu discurso com as ações das forças policiais, contra jovens que nada mais fazem do que exigir o Fim ao Fóssil e a Palestina Livre através da ocupação do recinto da faculdade com tendas, grafitis e cartazes, tudo isto sem qualquer recurso à violência. É, por isso, um atentado à democracia a forma como esta situação se está a desenvolver, com uma escalada revoltante, desnecessária, indecente e asquerosa por parte das autoridades que reprimem causas climáticas, nacionais e internacionais. Tão ou mais repulsiva é a crise política que Portugal enfrenta, com a demissão de António Costa, a demissão tardia de João Galamba, os sucessivos casos de corrupção, o facto de estar um governo corrompido ainda em funções e a posição da extrema-direita nas sondagens prematuras sobre as eleições legislativas antecipadas para março de 2024 . Como pode alguém sequer parar por cinco minutos e aproveitar o que quer que seja nesta vida? Perante este contexto tragicómico, dificilmente podemos esquecer-nos de outras coisas importantes a ter em conta: sobremesas e doçarias, jogos de tabuleiro e rivalidades amigáveis, discussões e escolhas de um canal televisivo ou de uma playlist muito clichê alusiva às festividades, abertura de presentes e surpresas, metas e resoluções para o novo ano, e todas essas trivialidades que trazem conforto nesta altura do ano. Afinal o que são as discussões familiares, por sinal já previsíveis, comparadas com tudo o que se passa fora das nossas casas? Finalmente, enquanto Humanidade, será importante começar 2024 com um cessar-fogo dos conflitos, não só armados, como também ideológicos, uma vez que, dê por onde der, este é um planeta partilhado por todos e, como tal, deve por todos ser preservado.conflitos, não só armados, como também ideológicos, uma vez que, dê por onde der, este é um planeta por todos partilhado e, como tal, deve por todos ser preservado.

Votos deum bom Natal e um feliz Ano Novo a todos os leitores, como não podia deixar de dar!

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Jornal AE

Dezembro / Janeiro

Núcleo de Antropologia

COMUNICADO NÚCLEO DE ANTROPOLOGIA Como entender a questão da Palestina? Isto é, o que fazer? Nas últimas semanas são estas as questões que têm movido o Núcleo de Estudantes de Antropologia da FCSH. A campanha genocida posta em curso depois do passado dia 7 de Outubro, impeliu-nos a tomar consciência sobre a situação, denunciar o projeto de extermínio israelita e colocar no centro da nossa análise movimentos de solidariedade e a resistência histórica da Palestina. Apesar de se verificarem por todo o país grandes demonstrações de solidariedade para com a Palestina, o movimento estudantil encontra-se pouco capaz de se envolver e mobilizar nesse sentido. Acreditamos que o clima de normalidade nas faculdades não pode continuar e que, para tal, é preciso um movimento estudantil eficaz na resposta a esta situação. Uma solidariedade sem o entendimento do contexto histórico torna-se vazia, a informação e a formação de consciência é a génese para uma solidariedade genuína. O projeto de extermínio e apartheid não começou em Outubro e tem que ser entendido no seu caráter histórico que remonta às expulsões e ocupações da Nabka, em 1948. Perto de 80% da população de Gaza são refugiados, expulsos das suas terras ao longo de 75 anos. É neste enquadramento que situamos a resistência palestiniana e as ações do dia 7. É também o apagamento desta história, levado a cabo pelos meios de comunicação social e representantes políticos que cria a legitimidade para o massacre. Num momento em que o chefe da diplomacia Norte-Americana, o embaixador Israelita em Lisboa e o Parlamento Europeu se unem no “direito de Israel se defender”; é fulcral combater esta narrativa e expor os crimes humanitários cometidos por Israel ao longo da sua história. Desde o dia 7 de Outubro, Israel reduziu a escombros as duas maiores universidades em Gaza. O movimento estudantil tem o dever de ouvir os apelos do povo palestiniano e fazê-los ecoar nos corredores das nossas faculdades. A Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI) urge todas as universidades, faculdades, estudantes, grupos estudantis e associações a se manifestarem por um cessar-fogo prolongado e a entrada de ajuda humanitária em Gaza. As instituições palestinianas de ensino superior clamam também pelo corte com as universidades israelitas, diretamente envolvidas na perpetuação da ocupação e do massacre. Tomamos como fulcral a articulação do movimento estudantil com estes apelos, com as ações e movimento de boicote ao Estado de Israel e instituições que o suportam. Fica então a questão: como fazê-lo de forma eficaz e consequente? Para tal podemos olhar para as experiências de luta no movimento estudantil. Após a ofensiva de Israel no inverno de 2008-2009, estudantes no Reino Unido reagiram ocupando os campus das faculdades, exercendo pressão para que as suas universidades condenassem o ataque e criando espaços de debate, discussão e organização. Nas últimas semanas, estudantes italianos têm se manifestado dentro e fora dos espaços das faculdades exigindo que as direções cortem relações com universidades israelitas e condenem o massacre por estas apoiado. Depois da direção da NOVA FCSH retirar faixas que denunciavam o genocídio com o pretexto de “conterem mensagens políticas que não têm lugar no campus”; não deveriamos fazer das palavras dos estudantes de Bolonha as nossas? “Exigimos que a nossa universidade defenda um cessar-fogo imediato e contra o genocídio em curso. Esconder-se atrás da neutralidade académica e não tomar posição neste momento significa ser cúmplice do regime sionista e do massacre que está a ocorrer nos territórios palestinianos.”

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Concurso de Poesia Dezembro/ Janeiro

NOVA em folha com a AEFCSH

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Maria Faria

Gürkh

Inexistir conscientemente

PEQUENO-ALMOÇO

Aos animais incompreendidos, julgados e perdidos. Aos leões hierarquizados, ricos e mal amados. À prisão deste teatro, preenchida por figurinos,

3 Da sereia hipnotizam os doces cantares, Perfeição da voz espelhada. Me fazem perdido os longínquos mares,

Fria chegada ao campus,

Culpa da figura esbelta exaltada.

Um cigarro vou fumar. Bons auriculares pus,

Dos lábios frágeis surgem as lembranças.

Alice in Chains vou escutar.

-Oh água nunca antes navegada! Não me guies em mágicas esperanças,

que já têm a sentença definida

Que assim Atlântida se viu afundada.

desde o dia que para cá vieram.

Café, esse com moeda,

Numa constante vida teatral,

Sabe a água suja (merda),

Ao leme treme o experiente marinheiro.

onde os verdadeiros artistas se perdem,

Mais um dia p'ra lixar.

Reage a embarcação em todas as direções.

Da máquina vou tirar.

ao tentar decifrar o seu personagem nesta imensa e injusta Peça. Injustiças seguidas de falsas premissas.

Pequenos mortais na proa de um cruzeiro,

27-9-2023 Causa do infortúnio das tripulações.

Aos porquês sem respostas,

Silhueta frágil em mar traiçoeiro,

e às respostas sem porquês.

Assassina de pobres corações.

À perda de mim nas perguntas, e às perguntas que se perdem em mim. Farta do Ser, farta de não ser. Farta de procurar ser e farta de não saber. Querer viver 100 vidas, “Sentir tudo, de todas as maneiras”, Conhecer-me para me desconhecer, sentir tudo até não me sentir. Uma vida inconformada, mas conformadamente à espera da mudança. Sinto-me e sou, mas não quero ser o que me sinto. Quero sim poder sentir e não ser, nas 100 vidas inconformadas.

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Dez/Jan.

Pedro Lázaro

Crónica

As Descobertas de Nuno Folha

CONHECE O NUNO FOLHA Tem 17 anos; Aniversário: 26 fevereiro 2006; Vive na Covilhã; Hobbies: jardinagem, ler, natação, puzzles monocromáticos; Estuda Línguas e Humanidades; Os cantores preferidos são o Lil Nas X e o Mac Demarco.

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@ivileg7

É mais uma manhã na vida de Nuno Folha. Como é habitual, prepara o seu pequeno-almoço depois de se levantar: uma torrada aparada, com pouca manteiga, e uma meia de leite. Quando estava a terminar de comer, a mãe de Nuno chegou a casa. - Então, filho, como estás? – perguntou um tanto cansada. - Estou bem. E tu? Como correu o trabalho? - Oh, já sabes como é. Estes biscates não dão muito, mas sempre ajuda um pouco nas despesas. Nuno Folha desvia o olhar da sua mãe e ficam em silêncio uns instantes. - E olha lá, meu menino, o que andaste a fazer acordado até tão tarde? - Estive a pesquisar coisas sobre a universidade. Sabes, o normal... faculdades, quartos, condições... – diz Nuno Folha de forma pausada e num tom decrescente. - A sério, filho?! Isso é ótimo! E chegaste a alguma escolha? Com as notas que tens, qualquer faculdade é uma possibilidade. - O problema não é esse... Está tudo muito caro, são imensas despesas a suportar, não sabemos o que vai ser de nós... - Como assim “não sabemos o que vai ser de nós”? - Não se fala de outra coisa. Inflação, guerras, crise política. Valerá mesmo a pena licenciar-me, sequer? Vou queimar neurónios e milhares de euros para acabar desempregado ou a fazer algo que não ambiciono. A mãe nota que Nuno Folha está a ficar ansioso e sentase ao seu lado, acariciando o seu encaracolado e suave cabelo castanho. - Meu amor, eu sei que esta situação pode parecer um pouco... caótica, mas tu não podes baixar os braços. Trabalhaste imenso até aqui, tens um longo caminho a percorrer ainda. Lembra-te, não são os outros que fazem o teu futuro, tu terás sempre a última palavra a dizer. E tanto Portugal como o resto do mundo parecem estar em chamas, mas tu podes sempre fazer algo para o apagar. - Como, mãe? - Ora, tens uma voz, não tens? Usa-a, então! Faz-te ouvir. Há tantas formas de podermos lutar pelos nossos direitos e por aquilo que acreditamos e queremos reivindicar. Só tens de encontrar o teu método. Nuno Folha mexe os lábios para dizer algo, mas a mãe continua. - E acho que a faculdade te faria muito bem nesse aspeto. Terias contacto com outras realidades, farias novas amizades... todo um horizonte de novas possibilidades. - A tua experiência na faculdade foi assim, mãe? Por isso é que és tão sábia. - A idade traz-nos muita coisa para além de rugas – a mãe de Nuno ri-se. – Mas sim, pode-se dizer que muito do que sei se deve à minha experiência na faculdade. - Muito obrigado pela ajuda, mãe. Sabes sempre o que dizer! – Nuno abraça a mãe. – Agora tenho de me despachar que combinei ir a casa dos tios. Nuno coloca a loiça no lava-loiça e lava-a. A mãe permanece sentada à mesa, a escrever num caderno quadriculado enquanto introduz somas na calculadora. A sua expressão é um pouco desesperada, mas, ao olhar para o filho, a felicidade traduzida no seu sorriso toma lugar ao desalento.


Dez/Jan.

Tiago Freitas

Ecos do presente: Nós em 2023 Apelidados de geração “falhada”, 2023 foi o ano de mais uma prova de que estamos vivendo num mundo cada vez mais complexo e desafiante. Somos conscientes, adaptáveis e determinados. Muitas vezes, nós, jovens, somos encarados como inúteis, fúteis e materialistas. Esquecem-se de que a cada dia que passa, estamos lutando por um emprego e estabilidade financeira; por uma educação acessível e qualitativa; pela justiça social e direitos humanos; por vastíssimas causas ambientais e sustentabilidade. Fomos e continuaremos a ser bombardeados com acontecimentos que nos preocupam severamente. Somos a geração mais qualificada de sempre. Temos a possibilidade de estar a estudar, mas sentimos na pele que nada nos está garantido. Vivemos, infelizmente, num país em que ser licenciado não nos traz seguramente um caminho promissor. Este ano, foram muitos os jovens que disseram adeus às suas raízes para abraçarem um futuro que lhes conceda tudo aquilo que merecem. É injusto. Perdemos génios. Perdemos cidadãos que poderiam edificar um futuro melhor. Os anos passam, e esta será sempre a nossa dura realidade. Teremos um diploma na mão, mas um caminho muito inseguro e injusto pela frente. Não nos sentiremos totalmente felizes. Quem disser o contrário, certamente não encara a realidade. Os nossos pais e avós, que, muitas vezes, dão tudo aquilo que têm para nos proporcionar um caminho aberto ao estudo, poderão nunca ver-nos realizados e com um emprego estável. Ainda assim, há quem ache que somos uns “falhados”. Mas nós estamos a lutar! Muitos de nós gritaram, ao longo deste ano, pelo fim das propinas e por melhorias no acesso à habitação. Na prática, por um ensino que seja acessível a todos. Não há dúvidas sobre a quantidade avassaladora de jovens que não conseguem aceder ou concluir os cursos desejados. Muitas famílias não conseguem suportar os encargos que ser estudante exige. Já para não falar dos estudantes deslocados, oriundos das ilhas, a quem nem um ordenado chega para sustentar a vida aqui em Lisboa. Desistimos? Não. Ainda não foi este o ano em que conseguimos ter um ensino equitativo em Portugal. Dos quase já 365 dias que vivemos, muitas vozes ecoaram pela justiça social e pelos direitos humanos. A comunidade LGBTQIA+ viu, com muito orgulho, muitos países a alterarem legislações que proibiam, por exemplo, casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou acesso a certos cargos profissionais. Foram acionadas muitas medidas protetivas, ou seja, “armas” contra a discriminação, contra todo o ódio e preconceito que prolifera, ainda, infelizmente, na nossa sociedade. Não obstante, outros tantos que regrediram ou que continuaram “parados” no século passado. Espero, esperemos, mais avanços no próximo ano! As televisões deram-nos conta das muitas vidas que se perderam na guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Ainda não foi este o ano em que a paz proliferou entre estes dois territórios. Mostrou-nos, mais uma vez, que o mundo é, de facto, injusto, e teremos de ser nós, o futuro deste complexo globo, a fazer cumprir cada linha que compõe a Constituição e a Carta das Nações Unidas.

Crónica

Muitas mulheres, ainda hoje, neste país que se diz ser democrático e igualitário, experienciam ainda uma discrepância acentuada no que toca aos salários que lhes são pagos. Ao longo de 2023, não só no nosso país, como também no mundo, as mulheres continuaram a ganhar menos que um homem! Pergunto-vos, mulheres estudantes, é este o futuro que querem? Teremos de continuar a lutar! Muitas mulheres foram vítimas de violência doméstica. Muitas de vós, viram-se reduzidas, pois só este ano, em Portugal, foram assassinadas 25 mulheres! Temos de continuar a lutar por uma alteração na legislação em vigor, que tem, de facto, revelado não ser eficaz. Deveremos, no próximo ano, criar mais associações que apoiem esta causa tão complexa. A inteligência artificial colocou em causa muitas profissões. Quem sabe se daqui a alguns anos, não existam lojistas, ou, até, advogados. Quem sabe se o curso que estamos a efetuar seja inútil num futuro próximo. A luta para travar as alterações climáticas continuou em cena. Centenas de corajosos ativistas invadiram locais de todo o país e mundo, para lutarem por um planeta saudável. Muitos cantos do globo enfrentaram condições extremas. Muitas inundações, temperaturas recorde e o sismo que ocorreu na Turquia, serão, certamente, mais comuns. Felizmente, temos verificado uma menor utilização do plástico, por exemplo, mas não é suficiente. Nós, jovens, teremos de continuar a gritar pela salvação do nosso planeta! Enquanto estudante, devo afirmar que esta nossa sociedade me preocupa. Ainda há quem nos ache, jovens, uns “falhados”. 2023 foi a prova de que nós temos garra e estamos de olhos bem abertos. Estamos prontos para fazer face a todas as complicações inerentes enquanto estudantes. Estaremos preparados para lutar pelas causas sociais e por um planeta saudável.

“Somos um vulcão em erupção, Chamas ardentes de determinação, Pura combustão. Em cada passo, um fogo que não se apaga, mais um ano nos aguarda.”

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Dez/Jan.

Leonor Moreira

Poema

Menino Costa, ai ai tamanha vaidade Figura intocável, imaculada, etérea Achava-se invicta, desígnio de promessas Apertou o cerco, expôs-se a verdade Menino Costa, ai ai tamanha vaidade Num palco de poder um ato se desenha O político, outrora estrela, corrompido A demissão, um capítulo a encerrar O seu ego, uma história que se desvirtua Um vulto do cargo, um eco ao nosso ouvido Surdos de saber que puro vício já era de esperar Que o vazio do cargo seja preenchido Com prudência, cautela, tino e sensatez É o que o povo quer, não mais um incêndio À espera de falhas para começar a arder Não mais um percalço que deixe o país sem rumo Quando nem rumo havia antes de se o perder Menino Costa, ai ai tamanha vaidade Quem te sucede neste trajeto de renúncia Que renuncie antes de incontáveis desvios Antes de preços e rendas incomportáveis Antes de salários lastimáveis e, sobretudo, Antes de se ver este país em estado verecundo Escapa-se-me o tempo, o fôlego, o ânimo Faltam-me palavras, não se descreve tal cena É o fundo do poço, um país com novo esboço Figura intocável, imaculada, etérea Achava-se invicta, desígnio de promessas Apertou o cerco, expôs-se a verdade

Menino Costa, ai ai tamanha vaidade

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HenryCartoon-Sapo


Dez/Jan.

Pedro Taveira

Política/História

O 25 de Novembro e a Memória Distorcida Hoje em dia, como nos últimos (quase) 50 anos, os portugueses juntam-se anualmente no dia 25 de abril para comemorar a revolução dos cravos, que simboliza a conquista da democracia num país que viveu 48 anos privado das mais elementares liberdades coletivas e individuais, sob domínio de um estado fascista (desde 1933) que muito atrasou o país em relação aos seus pares europeus. Contudo, este ano, a Câmara Municipal de Lisboa liderada por Carlos Moedas, lembrou-se pela primeira vez na história da democracia portuguesa de celebrar o 25 de novembro, elevando esta data a uma importância que nunca em 49 anos de experiência democrática tinha gozado. Efetivamente, é importante olhar para as motivações de um político ambicioso como Carlos Moedas, e de que forma a escolha desta data para ser celebrada pela CML nos demonstra que existe um esforço de revisionismo histórico em curso pela direita portuguesa. Ao contrário do que defende Moedas no seu discurso proferido no dia em questão, comemorar abril não é um exercício incompleto: antes pelo contrário, abril continua a simbolizar um ímpeto, hoje em dia enfraquecido por sucessivos governos PSD/PS, de modernizar um país para que consiga dar resposta efetiva às necessidades das suas populações, sendo por isso um processo que, iniciado em 1974, hoje em dia ainda se encontra incompleto. O que Moedas pretende dizer, no entanto, é outra coisa. Para este, o 25 de novembro é o momento fundador da democracia em Portugal, narrativa histórica errónea e distorcida, pois é o golpe militar de 25 de abril, seguido por um levantamento popular sem precedentes na história de Portugal que conquista as liberdades democráticas que hoje damos por garantidas. A tentati-

-va de equiparar o 25 de novembro ao 25 de abril apenas demonstra um fraco entendimento das dinâmicas históricas que a conquista da democracia inaugurou em Portugal. O 25 de novembro, como explica o professor Fernando Rosas, “está para a contrarrevolução como o movimento militar do 25 de abril está para a revolução”, fechando um período excecional na história portuguesa, conhecido como PREC (Período Revolucionário em Curso). Deste modo, o

25 NOV

25 de novembro é o derradeiro golpe, após várias tentativas sem sucesso (como o 11 de março e o 28 de setembro), que derruba o projeto socialista corporizado na Constituição de 1976, cujo texto tem a “marca genética” das conquistas de abril. As eleições para a Assembleia Constituinte, e o início da elaboração do texto constitucional data de antes do 25 de novembro de 1975, pelo que é errado afirmar que a democracia portuguesa não nasce com o 25 de abril. Deste modo, o 25 de novembro simboliza a “limpeza” dos elementos considerados mais radicais das forças armadas, como os paraquedistas e o COPCON, tendo em vista a reposição da hierarquia tradicional das forças armadas.

Este foi um momento-chave na mudança da relação de forças entre a esquerda mais radical e o “Grupo dos 9”, apoiado pelo PS de Mário Soares com o financiamento de partidos sociaisdemocratas europeus, bem como dos EUA. Contrariamente ao que é transmitido nesta narrativa revisionista de Moedas, não foi a extrema esquerda portuguesa que tentou um “derradeiro golpe” que revertesse as conquistas democráticas de abril, mas sim oficiais ligados ao PS e ao “Grupos dos 9”, como o general Costa Gomes e o ex-PR Ramalho Eanes, que declaram estado de sítio e avançam para neutralizar elementos do exército nãoalinhados com a política do VI Governo Provisório, os quais não ofereceram resistência notável, que seria expectável num cenário de golpe comunista. É por isso importante sublinhar a intenção

por

detrás

destas

comemorações promovidas por Carlos Moedas, que procura encabeçar a direita portuguesa um dia, e para tal promove um discurso divisivo e populista, sem preocupação para com a realidade histórica, que procura incentivar o contínuo desmantelamento das conquistas populares e sociais do 25 de abril. Este perigoso discurso poderá servir de preâmbulo a um mais amplo movimento reacionário que procura diminuir a importância do 25 de abril no Portugal de hoje em dia, tendo por objetivo a construção de um outro país, menos democrático e menos justo. É por causa destas tendências revisionistas que se torna necessária, hoje como nunca, a defesa cerrada do espírito de abril 50 anos depois dessa viragem histórica que tanto continua a inspirar a sociedade portuguesa na sua procura de um futuro melhor para o país.

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Dez/Jan.

Beatriz Gomes Martins

Notícia

O MOVIMENTO “FIM AO FÓSSIL” VOLTA A OCUPAR A FCSH Tendas de acampamento e faixas com palavras que exigem justiça climática voltaram a fazer parte da paisagem do Campus da

Por fim, conclui que “esgotadas todas as opções de diálogo” e sem terem consentido a permanência dos alunos, que não pediram

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa na semana de 13 a 17 de novembro. Há cerca de um ano, no dia sete de novembro de 2022, a FCSH e outras faculdades e escolas por toda a Europa confrontaram-se pela primeira vez com o Movimento “Fim ao Fóssil, Ocupa!”. Seis dias

autorização para permanecer no Campus, a Direção da NOVA FCSH recorreu à PSP para encerrar as instalações.

depois do seu início, a Ocupa na FCSH havia chegado ao fim e o grupo de estudantes prometeu na sua conta de Instagram (@fim.ao.fossil.fcsh): “Voltaremos em grande no próximo semestre (…) Até à Primavera!” Este até já estendeu-se até ao outono de 2023 e os estudantes regressaram para ocupar a universidade um ano depois.

chegaram à faculdade, o Diretor de Comunicação e o segurança com quem tinham estado a falar até ao momento desapareceram e que

Ao mesmo tempo que este e-mail chega aos nossos dispositivos tecnológicos, a polícia está na FCSH a deter as seis estudantes que pernoitavam no Bloco C. Nina conta que quando os polícias

ficaram sozinhas com os polícias, que as algemaram e levaram para a esquadra da Penha de França. Ainda na Avenida de Berna, o carro da PSP onde Nina era levada passou um sinal vermelho e embateu num carro civil. A justificação do polícia para não respeitar a sinalização, conta a estudante ao Nova em Folha, era por ir em marcha de emergência. O embate do carro provocou uma lesão no pulso direito de Nina. Em Portugal, os protestos pelo clima mais recentes têm sido marcados por ação policial. Segundo dados apresentados pelo Expresso, desde 2022 até ao dia 24 de novembro de 2023, a polícia deteve 46 ativistas climáticos, além das detenções preventivas. “Apenas queremos que a FCSH seja um espaço de luta climática”, explica Nina, “E por isso não vemos o ponto em falar com a Direção. A nossa luta não é com eles”. Sobre o pedido de autorização para Ocupar a faculdade, a ativista responde: “pergunto-me se o Salgueiro de Maia ou os estudantes do Maio de 68’ também pediram autorização”. Ainda no dia 14, já à noite, depois de uma reunião, a Direção autoriza a permanência dos ativistas no pátio exterior depois do horário de encerramento do Campus (23:00). Nina revela-nos que à noite todos os edifícios foram encerrados e que, por isso, só tinham acesso às casas-de-banho quando a faculdade reabria, às sete da

As alunas no pátio da FCSH a pintarem as faixas que pendurariam na esplanada. Foto: @fim.ao.fossil.fcsh

“Não há paz até ao último inverno de gás” - é a palavra de ordem desta nova vaga de Ocupas. A reivindicação consiste na exigência do fim à economia fóssil até 2030 e do uso de eletricidade 100% renovável e acessível até 2025. É com esse ideal na cabeça e na ponta da língua que, segunda-feira, alunas instalaramse com tendas na entrada da faculdade, prontas para pernoitar. Pouco antes das 10:30, ouve-se o alarme de incêndio soar na Torre A. Foram estas estudantes que o acionaram – tinham tentado antes na Torre B, mas esse não estava a funcionar. “É uma ação simbólica”, explica Nina Van Dijk, estudante de 2ª ano de Ciências da Comunicação e membro do movimento Ocupa, “para passar a ideia de que se uma casa está a arder, não se pode ignorar”. E a Terra é a casa que está a arder, reiteram os ativistas climáticos. Às 10:30 Daniel Cardoso, docente da FCSH, leva a sua turma para a esplanada, como combinado com as Ocupas, e dá uma aula sobre o Antropoceno. O grupo organizou ainda uma conversa com o Coletivo pela Libertação da Palestina. Mais tarde, a faculdade exigiu a retirada da bandeira palestiniana, por ser “demasiado político.” Na madrugada do dia 14, à 1:14, a comunidade da FCSH recebe um e-mail de esclarecimento do Gabinete de Comunicação e Imagem da faculdade, que afirma que a NOVA FCSH “manteve o espírito de diálogo, possibilitando a manifestação pacífica” dos ativistas climáticos, mas que “foram destruídos equipamentos do sistema de deteção de incêndio, o que coloca gravemente em causa a segurança de quem utiliza as instalações”.

130

manhã. Na quinta-feira, 16, o Movimento anuncia uma concentração à frente da Torre B, não só pelo fim ao fóssil, mas também contra a repressão ao movimento estudantil. Antes das 13:00, hora marcada para a concentração, chegavam à faculdade membros da Juventude CHEGA, entre eles Rita Matias, aluna de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na FCSH, para uma ação contra a causa climática e “climarxista”. A polícia voltou à faculdade uma vez mais, agora chamados pela deputada da Assembleia da República. Rita Matias e a restante juventude do partido de extrema-direita foram cercados pelos alunos, que entoavam “25 de abril sempre. Fascismo nunca mais!” e, por meio da pressão da multidão e alguns empurrões, expulsaram o CHEGA do perímetro da faculdade.

Alunas e ativistas no dia 16 de novembro. Fotos: Margarida Calado


Dez/Jan.

Beatriz Gomes Martins / Laura Tuck

Notícia

Puta de Esquerda Cala a puta da boca! Mongolóide de merda! Mereces um par de estalos, Puta loura de esquerda. No dia seguinte, sexta-feira, os ativistas barricaram-se no Bloco C. No seu Instagram, anunciaram: “passadas mais de 3 horas barricadas, os seguranças a mandato da direção arrombaram uma das portas do edifício.” “Mas não desmobilizámos”, advertem. Dirigiram-se à Torre B e pintaram as portas, as paredes e o chão do lado de fora do edifício com frases que exigem o fim ao fóssil. Helena Garrido, jornalista na área de economia e finanças, com formação em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, explica que este ser o último inverno de gás não é possível, pelo facto de que os “impactos sociais seriam brutais e cairiam sobre as pessoas mais desfavorecidas”. Exemplo disso foi a muito discutida medida do OE24 que previa o aumento do pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) para viaturas anteriores a julho de 2007 – o PS revogou a medida antes de aprovar o OE sem Costa. Com esta medida seriam penalizadas as pessoas que não têm os recursos para comprar um carro mais recente. Helena reconhece a importância de ações como as das Ocupas, “para alertar para a possibilidade de se acelerar o passo” na direção de justiça climática. “Mas”, adverte, “se o fizéssemos [acabar com o uso fóssil agora] haveria uma revolta geral das pessoas. E é importante fazer com que as pessoas percebam que o problema é grave, mas não as colocar contra a causa.” A especialista em economia defende que o mais urgente agora “é promover seriamente os transportes públicos. Na cidade de Lisboa e depois as pessoas que vivem nos subúrbios estão mal servidas de transportes. O principal combate é através dos transportes públicos, também descarbonizando-os.” A Greve Climática Estudantil defende, para atingir o objetivo do fim da economia fóssil, um serviço público de energias renováveis, “de modo a garantir que a energia não seja vista como uma mercadoria para gerar lucro mas sim como um bem essencial garantido pelo estado”. Ao longo da semana, os estudantes receberam o apoio de professores e estudantes, que inclusive lhes levaram mantas, comida e outros bens. Segundo o Diretor Luís Baptista, num e-mail assinado pelo mesmo, novamente de “Esclarecimento à Comunidade NOVA FCSH”, os custos associados à presença dos ativistas no Campus e à reparação dos danos causados durante este período ascendem a mais de 26 mil euros. Declara também que a Direção não apresentou queixa contra as ativistas.

Obrigada, amo_v3ntur41_23457 Pela bela opinião! Por favor, pede desculpa à deputada! ( carne pa canhão )

Ups! Estive mal! Arrependo-me tanto! Queria não ter feito nada! Só chupar o cu do chega num canto.

Gosto tanto de falar Sem saber a puta do enquadramento. Histéricos do caralho! Trabalhem na puta do temperamento!

Ups! Estive mal de novo! Perdão, por favor! Perdão! Não quis parecer intolerante! Alguém dê a miséria da educação!

Apesar de tudo, nunca estive sozinha. Sempre na multidão, Mesmo quando os meus irmãos me falharam, Meu povo me deu a mão.

Laura Tuck

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Dez/Jan.

Pedro Lázaro

Crónica

Imagem: Nova em Folha

The Final Jam no Campus de Berna

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No passado dia 16 de novembro de 2023, dois grupos musicais

A FCSH é um local onde o pensamento crítico é estimulado e o

confrontaram-se em pleno campus da Nova FCSH, sendo que,

debate é promovido. Onde não há lugar para totalitarismos ou

desta vez, o resultado não surpreendeu ninguém.

censura. Aqui não se trata de estudantes alienados, que passam a

Esta começou quando, de uma forma um tanto desafinada, os

vida na esplanada sem fazer nada, que não sabem nada da vida.

elementos da Juventude do CHEGA e a deputada Rita Matias

Não são jovens antidemocráticos, delinquentes, de extrema-

começaram a cantar num tom provocatório, com uma letra vil. E,

esquerda que recorrem à violência para oprimir seja quem for. São

sejamos honestos, tais aspetos nunca permitiram compor uma

jovens que têm uma voz e que a usam para expressar o medo que

excelente canção. Tendo sido este o momento que desencadeou

sentem perante o cenário que se está a viver e que se avizinha.

aquela que foi uma das maiores batalhas musicais na história do

A História está a repetir-se e poucos conseguem ver isso; já foi (e

ensino superior, seguidamente, e contrariamente ao primeiro

é) claro que os extremismos não são as soluções para os

grupo, as vozes dos estudantes da FCSH agregaram-se em

problemas. Para que haja espaço para um debate moderado e para

uníssono, numa tonalidade forte, entoando versos sobre liberdade,

que exista uma gestão adequada da política é necessário haver um

uma vez que era esse o tema principal sobre o qual estes

equilíbrio entre as partes e não uma acentuação de polarização

concorrentes queriam cantar e dançar.

política. Curiosamente, já dizia o povo que com papas e bolos se

Os participantes do outro grupo decidiram chamar o júri do

enganam os tolos. Denunciar o que está errado e prometer

concurso, acusando os estudantes de estarem, claramente, a

mundos e fundos qualquer um pode fazê-lo, a questão aqui é se o

infringir as regras da competição e a agredi-los com os seus, e

faz efetivamente ou, pior ainda, como é que o faz. O ódio, a raiva e a

passo a citar, “versos acutilantes e passos de dança ousados”. A

repulsa nada resolverão; porém, estar devidamente informado e

direção do local onde a batalha ocorria apenas observou o

consciente dos possíveis cenários que poderão advir de cada ação

desenrolar de toda a situação, nunca intervindo para promover a

já é mais prudente. Há que conseguir olhar em redor, perceber o

harmonia e a estabilidade do duelo.

que está bem, o que está mal e saber pensar sobre isso.

Ainda que não tenha sido eleito um grupo vencedor, visto que o

Ia ser só mais um dia normal, na faculdade, em que um

júri desclassificou a equipa estudantil, estes últimos sentiram-se

grupo de manifestantes iria expor os seus pontos de vista e

orgulhosos da sua prestação, já que, no final de contas, they

propor as suas medidas, a fim de a sua principal premissa ser

showed them what they got.

ouvida e compreendida. Tornou-se em algo maior, porque,

Sabemos que não foi isto que aconteceu, se bem que alguns de

independentemente do tema, a liberdade e a democracia

nós, seguramente, estavam preparados para lançar um It’s On à

acabam sempre por falar (ou cantar) mais alto. E é só isso que

moda de Demi Lovato. Ainda assim, não poderia deixar de fazer

importa!

uma consideração final e, desta vez, há que adotar uma postura

Um agradecimento à @carolindaxuxus, cujo post na plataforma X

mais séria, porque o assunto assim o pede.

serviu de inspiração para a elaboração deste texto.


Dez/Jan.

João Pinhal

Quando a “censura” não é notícia numa democracia O movimento pela justiça climática voltou às ruas na última semana de setembro e na primeira de outubro. As ações criaram grande disrupção por terem cortado vias de circulação, pintado entradas de eventos, atirado tinta contra ministros... Nessas duas semanas mais intensas, os protestos abriram, pelo menos, 7 jornais das televisões generalistas, além da enorme visibilidade nos órgãos de comunicação social (OCS) digitais. Já em novembro, a Greve Climática Estudantil inaugurou uma nova onda de contestação pelo “fim ao fóssil até 2030”. Um dos acontecimentos mais graves a que assistimos foi a 16 de novembro, dia em que três estudantes foram detidas na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, quando duas estavam a dar uma palestra sobre a crise climática e uma outra a filmar o momento. Nesse mesmo dia, analisei os blocos noticiosos de horário nobre das 3 principais televisões em canal aberto: a detenção das estudantes nem abriu jornais, nem houve sequer espaço para uma única notícia sobre a repressão policial. Os noticiários portugueses têm entre 1 hora (no caso da RTP) e 1 hora e 45 minutos (na SIC e TVI), não obstante, nenhum canal decidiu mostrar ao país e ao mundo aquilo que as ativistas climáticas sofreram. Houve, claro, tempo para uma peça sobre a participação de Cristina Ferreira na Web Summit, para uma reportagem em direto sobre um jogo de futebol, contudo, descartaram o facto de estudantes terem sido detidas no exercício da sua liberdade de expressão (afinal, falar de política, de alterações climáticas, já é crime e ninguém me avisou!).

Artigo de Opinião

Fui também escrutinar os sites do Público, Expresso, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Renascença, Correio da Manhã, SIC Notícias e RTP Notícias: em nenhum deles a detenção destas estudantes mereceu um lugar de destaque na “primeira secção” da sua versão online. Nalguns casos, nem fazendo imenso scroll consegui encontrar uma única referência. Quando as notícias foram geradoras de mais críticas ao movimento climático, os órgãos de OCS mainstream estiveram em cima do acontecimento. Quando foi o movimento climático a ser vítima de repressão policial, o jornalismo baixou o tom de voz, isto para não dizer que fechou os olhos a um dos momentos mais vergonhosos dos últimos anos nas universidades portuguesas. Teun van Dijk teorizou a ideia de um quadrado ideológico que pode explicar o que aconteceu. De acordo com este especialista em análise do discurso, é frequente a divisão no sistema mediático entre um “nós” (metaforizado, neste caso, pelos admiradores do capitalismo, nos quais se incluem os proprietários dos OCS) e um “eles” (o grupo ativista anticapitalista que procura denunciar o destino catastrófico a que este sistema nos está a conduzir), sendo que os media tendem, por norma, a enfatizar as coisas más “deles” e a desvalorizar as “nossas” coisas más. Os OCS não hesitaram em dar palco a momentos que prejudicaram a imagem do movimento climático, recusando-se a fazer a mesma cobertura quando foram as instituições do sistema capitalista a terem uma atitude inadmissível num contexto democrático e universitário. A injusta atribuição de descrédito aos jovens desta luta graças também à sua faixa etária constitui outro dos fatores que podem esclarecer estas decisões editoriais absurdas que, a poucos meses dos 50 anos do 25 de Abril, desprezam casos que fazem lembrar nitidamente o tempo da PIDE. A falta de visibilidade dada à repressão policial sobre estudantes encerra em si um diagnóstico grave do jornalismo em Portugal: continua demasiado alinhado com os interesses dos mais poderosos, enquanto invisibiliza os mais jovens que não desistem do seu futuro.

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Dez/Jan.

Raquel Francisco

Poema

A HISTÓRIA QUE SE REPETE Guerra? Sim. Neste mundo moderno que a maioria conhece E que muitos não têm oportunidade de conhecer Terras saturadas de lágrimas, gritos e voz rouca de súplica e rebelião - em vão! Dizemos saber Compreendemos e suspiramos o ocasional “é tão triste...” Mas não percebemos - a maioria não, e nunca irá Ainda bem para nós Erga-se o champanhe Que andamos cheios de vida, privilégios e oportunidades Dizemos que tivemos um dia mau Enquanto outros questionam quando virá o bom É a ignorância e inocência dos que têm o que todos deviam ter Mostramos apoio Dizemos “estou aqui e daqui não saio” Mas no final saímos sempre. E os outros? Os outros não podem Guerra? Sim. Hoje e sempre porque este Ser é assim Humano? Não! Incapaz de assentar, De escolher Paz, de escolher Vida Guerra? Sim. Mas não devia!

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Dez/Jan.

Madalena Andaluz

Crónica

JORNALISTAS E/OU MÁRTIRES? Plestia Alaqad é uma jornalista palestiniana

Plestia Alaqad

licenciada em Comunicação e Estudos Mediáticos pela Universidade do Mediterrâneo Oriental, no Chipre. Ela, como nós, participou vivamente no jornal da sua faculdade. A 10 de dezembro completa os seus tenros 22 anos, e apenas pouco mais de um ano após concluir a universidade, não lhe é dada outra opção senão sobreviver

e

ser

jornalista

sob

ameaça

de

bombardeamentos constantes. Plestia, como Bisan Owda ou Motaz Azaiza, é uma jovem que foi obrigada a abandonar a sua juventude: mesmo enquanto jornalista em Gaza, depara-se com situações que transformam o próprio papel dessa mesma profissão; Motaz é visto, no seu colete de imprensa, a salvar uma criança presa debaixo de ruínas. É importante lembrar o quão alteradas foram as vidas destas pessoas, tendo muitas delas passado de licenciados da faculdade para mártires de guerra e resistência, e, se não mortos pelo exército israelita, viram a sua situação profissional a transformar-se de forma cruel. Segundo a Casa de Imprensa Palestiniana (Press House Palestine) já se contam, em menos de dois meses, mais de 60 ‘mártires da imprensa’ mortos por Israel, com armas norte-americanas. Isto deve ser interpretado como uma afronta aos que testemunham a desumanização do povo palestiniano e a tentativa de dominação total da narrativa por parte do governo israelita, assim como representa uma clara violação da lei internacional que protege os jornalistas, e que aliás não é de agora: o caso mais proeminente é o do assassinato, pelas forças militares israelitas, da jornalista americano-palestiniana Shireen Abu Akleh em 2022, mas a sua visibilidade deveu-se em parte à sua dupla nacionalidade, porque para além dela contamos com, por exemplo, os jornalistas Mohammad Matar Abdo e Suleiman Abdul-Rahim al-Ashi, espancados e mortos em 2007 pelas mesmas forças, segundo o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Este comité dedicou uma investigação à violência israelita contra a imprensa e registou mais de 20 jornalistas mortos desde 2001. Para além disto, em 2021, as Forças de Defesa Israelitas (IDF) bombardearam vários edifícios em Gaza, entre os quais dezenas de escritórios de grupos de comunicação social, incluindo espaços do AlJazeera e do Associated Press. Hoje a história repete-se, sendo que, desde 7 de outubro, de acordo com o Sindicato de Jornalistas Palestinianos (PJS), 61 estúdios de jornais já foram bombardeados em Gaza. A isto somam-se as ameaças de morte aos jornalistas e contra as suas famílias que, tanto o sindicato como os próprios, ativos nas redes sociais, nos reportam no dia-a-dia. Ademais, a morte dos respeitados Belal Jadallah e Salam Mesma – respetivamente o diretor geral da Casa de Imprensa Palestiniana e a líder do Comité de Mulheres Jornalistas – reforça a noção de uma luta premeditada contra a narrativa alternativa, pró-palestiniana, que estes jornalistas representam e difundem. É nesta mesma lógica que, segundo o Al-Jazeera, Israel fez colapsar o Ministério de Saúde Palestiniano em Gaza e, desde então, a atualização do número de baixas da guerra é cada vez mais dominada pelas autoridades israelitas: ao combate pela hegemonia do discurso junta-se a inevitável pretensão ao controlo do número de mortos e feridos. Estamos perante uma situação que, a somar com o contínuo massacre de crianças, mulheres, profissionais de saúde, idosos e jovens, representa uma barbárie levada a cabo por Israel sobre o povo palestiniano em Gaza. É preciso que as organizações internacionais levem a sério a lei internacional e assumam o seu compromisso com a liberdade e proteção dos jornalistas, dos médicos e dos civis. A chacina de trabalhadores da comunicação social é, como tenho dito, uma clara agressão à sua memória – à sua verdade e narrativa – e ao direito da sociedade ser informada.

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Dez/Jan.

Clara Figueiredo

Artigo de Opinião

A LINGUAGEM DA GUERRA No passado dia 26 de novembro, a Agência Lusa lançou uma notícia acerca da morte de sete palestinianos na Cisjordânia, por forças militares israelitas. Seria de esperar que o título desta mesma notícia fosse tão objetivo e explícito como as palavras acabadas de proferir. Contudo, e na escassez de vocabulário que não tenha ainda sido usado para relatar a morte dos crescentes milhares de civis que, todos os dias, são vítimas da agressividade deste conflito, a Lusa optou por um verbo singular: “abatem”. Sendo esta agência a maior fonte noticiosa em Portugal, à qual recorrem particularmente os diversos jornais portugueses, não é de espantar que este título não tenha sido o único que incluiu a horrenda expressão. Também o Diário de Notícias, o Notícias ao Minuto e o Dnotícias.pt publicaram online, no mesmo dia, a mesma notícia, mantendo a expressão escolhida pela Lusa, causando agitação perante os leitores mais atentos e cientes das implicações do verbo escolhido. Ora, é verdade que, segundo os dicionários de língua portuguesa, a palavra “abater”, para além de utilizada em contexto técnico veterinário, ou até no âmbito da destruição de veículos, significa, de

Manchete da notícia da Agência Lusa.

facto, uma “morte violenta”. Em relação à fidelidade ao léxico português, estes jornais não podem, certamente, ser questionados. Todavia, torna-se imediatamente insensível qualquer reação a estas manchetes se não a de desconforto, ou até de revolta. Aliás, não foi por mero acaso que o TSF e a SIC Notícias optaram por substituir a expressão da sua fonte, utilizando ao invés as expressões “mataram” e “causam várias vítimas mortais”. Seja a escolha da degradante palavra uma mera

O evento como noticiado pelo Diário de Notícias, na rede social “X”.

tentativa de fugir à repetição das expressões “morte” e “assassínio” (ações que, ironicamente, não têm quaisquer alternativas no Médio Oriente desde o início do século passado), ou tenha a mesma sido escolhida pela violência com que as sete pessoas perderam a sua vida, a verdade é que os media e meios de comunicação por toda a Europa têm uma facilidade excecional em desumanizar as vítimas de conflitos e guerras que não tomem parte neste mesmo continente, e a Palestina tem sido um alvo particular desta insensibilidade. Os israelitas são “reféns”, mas os palestinianos são “prisioneiros”. Os israelitas são “mortos”, os palestinianos apenas “morrem”. Israel “defende-se”, enquanto o Hamas “ataca”. São inúmeros os exemplos do constante roubo de identidade às vítimas palestinianas que, impressionantemente, enquanto tentam resistir há décadas à ocupação violentíssima do seu território, têm simultaneamente de lidar com a constante desumanização da sua população pelo mundo ocidental, que já normaliza tanto a situação ao ponto de mais um palestiniano morto ser só mais um número, mais um dado para as estatísticas, mais um corpo numa campa que, na fugacidade e asfixia desta ocupação, nem terá direito a uma lápide. É crucial e urgente que os meios de informação permaneçam fiéis aos factos, à verdade dos acontecimentos, que não tomem lados em situações que precisam de ser somente relatadas, e não comentadas, e que os jornalistas cumpram a imparcialidade requerida da sua profissão, para depois, então, serem levados a cabo os debates, as discussões e o desenvolvimento da opinião pessoal de cada um em relação ao conflito, sem esta opinião ser previamente formatada para a animalização de um lado e a heroificação do outro.

19


Eunice Gomes e Emmanuel Walcher

Dez/Jan.

Artigo de Opinião

A NORMALIZAÇÃO DO ÓDIO Os

imigrantes,

que

devido

às

complexidades das suas vidas vieram residir na Europa, sempre enfrentaram variadas formas

de

preconceito

Canto de Revolta pelos ares

direcionado

diretamente a eles e aos seus descendentes,

Guaraná, café, milho e aipim

aliados e parceiras/os. Essa verdadeira Hidra

Grandes armazéns de paredes amarelas

de dez mil cabeças que é o preconceito às

À beira mar, à beira rio

vezes aparece velado, mas na maior parte

Separados para o Norte comprar

dos casos surge mesmo escancarado na cara de gente oprimida pela vida e que só vem

atrás

de

um

futuro

Cacau, babosa, maracujá e tomate

melhor.

Gastos navios já enlaçados pr’o mar

Recentemente, no arrasto das inúmeras

Hordas de guardas, medo implícito

crises deste século XXI, assistimos a um

Arrancados para o Norte conquistar

recrudescer dessas atitudes xenófobas e racistas, agora amplificadas por grupos de

Roubar, matar e destruir para reinar

extrema-direita que começam a apoiar ou a

Povos e terras, vender e violar

formar governos Europa fora. Portugal não é

Vencer em desumanidade, escravizar

exceção, como dolorosamente sabemos.

Devastar, corromper e doutrinar

Nas conversas do dia a dia e nos "Operários" da Tarsila do Amaral

pequenos atos consegue-se aperceber as pessoas que são racistas, xenófobos e que discriminam. Mas, ninguém se vê como racista. Isso se explica pela falta de consciência que é tão importante, mas nem todos conseguem entender os seus atos. Dentro de uma instituição em que existem pessoas de várias nacionalidades, é preciso haver abertura para todas essas pessoas e haver espaço sobretudo para o diálogo. O que implica ser diferente daqueles que existem em maior número. A partir do momento que não há espaço para esse diálogo, abre-se espaço para discursos de ódio contra as minorias como se tem assistido em grande escala. Esses discursos são baseados nas ideologias sagradas do nacionalismo. Desnecessário será dizer que essas ideias baseadas na identidade fixa é o ponto fraco das sociedades modernas, onde supostamente somos livres e vivemos num mundo global. Desde o final da década passada um certo partido de extrema direita tem vindo a aumentar sua presença parlamentar. Esse crescimento

é

acompanhado

pelo

mencionado recrudescer do preconceito contra imigrantes e minorias, com especial enfoque nas comunidades das antigas colônias de Portugal. O medo é a fonte que incentiva violência contra as minorias e alimenta esse crescimento.

A atual crise política apresenta a oportunidade perfeita para esse partido conseguir obter poder suficiente

para

influenciar

de

maneira

institucional os imigrantes. Munidos de um discurso que normaliza a esdrúxula teoria conspiratória da substituição, encontram na sociedade terreno fertil para seus propósitos. Isto aliado a confusão do fim do SEF, criação de outra agência

para

imigrantes

migrações,

lista

enorme

espera

por

regularização,

em

de

precariedade laboral e o preconceito de cada dia gera nos imigrantes um medo do que sairá das urnas em Março. Porque se sob a égide socialista a

situação

dos

imigrantes

verdadeiro

limbo,

com

pobres

pessoas

é

um

que

expressaram o desejo de nos deportar todos no comando

do

Ministério

da

Administração

Interna……. As fronteiras não deviam ser definidoras daquilo que somos: é importante olharmos para as pessoas pela forma que gostaríamos de ser vistos. É uma máxima simples, mas que não é bem compreendida devido ao barulho da desinformação. É a história repetida de sempre: o

Ó demiurgo dos imperialistas Ó deus trovão dos perseguidos Os cafezais, os navios, os guetos Tua Sião em alto mar Ó vigário das chaves cruzadas Ó senhor das narrativas invertidas Viva a igualdade do Bonfim em ouro? Viva a igualdade do Pelô em lama? Apagar, inverter e demonizar para colonizar Mentes e almas, prender e pacificar Ganhar por genocídio, exterminar Afastar, culpar e alienar Quimbundo, Gê, Nagô e Tapuia Gastos navios arrastados no mar Hostes de atalaias, mal explícito Sequestrados para o Norte enriquecer Guarani, Jeje, Tupiniquim e Haúça Grandes mercados criados a esperar Chicotes, pelouros, senzalas e reservas Dizimados para o Norte satisfazer

pobre manipulado pelo rico para odiar o outro pobre. Enquanto pudermos lutaremos com a verdade contra o ódio: o imigrante não vem

Filho de Xangô

roubar, o imigrante vem somar e construir. Aquilo que é ensinado hoje é cada um por si, mas a vida não faz sentido sem o outro. Se assim não fosse, não seríamos humanidade.

20


Margarida Caldeirinha

Dez/Jan.

Notícia Desporto

Equipa FSFCT prepara regresso à competição da Formula Student Portugal A equipa FSFCT da Faculdade de

monstração ao vivo do veículo na zona de

Ciências e Tecnologia da Universidade

Após conquistar o primeiro lugar no

NOVA (FCT-NOVA) volta a marcar

Business Plan Presentation na edição

Tal como acontece nas grandes

presença no projeto Formula Student

de 2018, a FSFCT viu o trabalho que

competições de automobilismo mundial, à

Portugal,

desenvolvia desde 2016 ser perdido nos

apresentação seguir-se-á um período de

na

anos letivos que se seguiram, por efeito da

testes fechado ao público que irá preparar

criação de um veículo de corridas

pandemia de Covid-19. A chegada do

a equipa para a fase final do projeto: a

Fórmula.

confinamento

nas

competição em circuito. O Campeonato

universitárias

que para

junta

equipas

competirem

trouxe

dificuldades

estacionamento da faculdade.

Com um novo presidente, Ricardo

relações entre os estudantes, o que

de Portugal irá realizar-se entre 3 e 7 de

Cutileiro, a assumir a liderança no passado

resultou na perda total dos conhecimentos

setembro de 2024 no Kartódromo de

mês de setembro, a equipa formada por 31

adquiridos sobre o projeto e a competição

Castelo Branco, onde todas as equipas

estudantes, com estimativa para aumentar

dos anos anteriores.

registadas porão à prova o trabalho que

para 46 até ao fim do primeiro semestre,

“Em 2022 voltámos a pegar no projeto, começando

do

estão a desenvolver neste momento.

completou a fase de conceptualização e

essencialmente

zero

“Temos a noção de que, para chegarmos

desenho do carro e arranca agora para o

porque ninguém tinha experiência, e

ao topo dos resultados em qualquer prova,

momento de fabricação do seu primeiro

começámos a desenvolver o FS Fénix, que

teremos muito trabalho, e isso demorará o

veículo Classe 1, o FS Fénix.

levámos à competição de Classe 2 este

seu tempo”, refere Ricardo Cutileiro. “No

ano”, explica o responsável.

entanto, queremos construir uma boa base

“As expectativas são altas, mas ao mesmo

21

está a fazer pela primeira vez”.

tempo conservadoras, se é que posso dizer

Cutileiro revelou que a apresentação

isso”, revela o presidente da equipa. “Nós

oficial deste FS Fénix se irá realizar em

conseguirmos aprender e melhorar nos

queremos construir um carro, que é um

junho de 2024 num auditório da FCT-

próximos anos.”

desafio gigante para uma equipa que o

NOVA, com a possibilidade de uma de-

este

ano

com

este

carro

para


Dez/Jan.

Constança Pereira

Desporto

Temporada 2023 de Fórmula 1 em Análise Com a última paragem em Abu Dhabi, a temporada de 2023 de Fórmula Sargeant foi forçado a abandonar, afirmando que não se estava a sentir 1 chega ao fim. Um fim que pouco chocou a audiência com o seu vencedor bem, e inúmeros outros pilotos comentaram a fadiga, exaustão e – pela terceira vez consecutiva, Max Verstappen sagra-se campeão – mas repentinas perdas de energia e visão. Hamilton teve, como resposta, um que mostrou a força de novos participantes e de alguns nomes lendários.

comentário infeliz: “é um desporto extremo. Não vemos corredores de Começo por salientar o que mais se destacou este ano: dois pódios maratona a pedir para que a façam mais pequena porque desmaiaram.” Já brilhantes de Oscar Piastri, o que o afirma como um rookie de enorme existiram casos de maratonas adiadas devido às condições desfavoráveis talento, com um futuro promissor(que até 2026 será aos braços da Mclaren. e perigosas para a saúde dos participantes e outros envolvidos. Mais do Uma equipa sólida, que se encontra de momento a investir em jovens que isto, o desporto é extremo pelas velocidades, não propriamente pelo pilotos de enorme talento: como Lando Norris, e com uma equipa de calor ou frio experienciado. Ter pilotos a desmaiar durante corridas não faz engenheiros capaz de bater o recorde de pit stop, fazendo-o em apenas 1.8 parte do espetáculo de adrenalina, nem deveria fazer em caso algum. segundos). O contraste que este faz com o outro rookie no paddock, Logan

No entanto, esta não foi a única vez que a FIA foi questionada em Sargeant, é enormíssimo, visto que o norte-americano fez apenas 1 ponto ao relação às questões de segurança. O Grande Prémio de Las Vegas longo de todas as corridas efetuadas. revelou-se catastrófico no primeiro treino livre para Carlos Sainz, o único Ainda é relevante salientar a consistência de Charles Leclerc, que ao piloto de uma equipa que não a Red Bull a ganhar um Grand Prix, cujo longo das 22 qualificações, conseguiu conquistar 4 pole positions e carro passou por cima de uma tampa de esgoto. Com anos de preparação, ultrapassar Fernando Alonso em número das mesmas conquistado na sua a falta de atenção a um ‘detalhe’ destes é imperdoável, especialmente carreira, com menos 255 corridas efetuadas que o bi-campeão mundial. quando põe em risco a vida dos pilotos. Carlos Sainz afirmou não ter Infelizmente, Charles não conseguiu transformar nenhuma dessas pole sentido as pernas por vários momentos, e revelou-se extremamente positions numa vitória. No entanto, é extremamente impressionante verificar irritado ao longo de todo o fim de semana. Isto não só pela falta de a consistência do piloto ao conquistar essa quantidade de pole positions, e cuidado por parte da FIA, mas também por adicionar uma penalização de de possuir lugar em 6 pódios nas 22 corridas. Mais impressionante se torna 10 lugares ao piloto da Ferrari por arranjar o carro de modo a poder esta estatística quando verificamos que Leclerc não terminou 3 dos Grand competir. Apesar de inúmeros dos seus colegas terem demonstrado o seu Prix, foi desqualificado num, e não pode começar noutro. Levanta-se, assim, descontentamento face a uma situação destas, a penalização persistiu, e a questão: onde reside o problema? A resposta está à vista: Scuderia Ferrari. Sainz, após ter qualificado em segundo, atrás apenas do seu colega de Esta época foi complicada não só para a equipa italiana, mas também equipa, viu-se forçado a ir parar para 12º lugar. No entanto, subiu com para a Mercedes, outrora dominante no Campeonato de Construtores. A impressionante destreza pela qual é conhecido, terminando num fabuloso luta pelo segundo lugar foi disputada por ambas até literalmente ao último sexto lugar. Resta a resposta à pergunta: o que teria acontecido com uma segundo do último Grand Prix, onde a Mercedes saiu em segundo lugar, linha da frente Ferrari? com apenas 3 pontos de avanço face a Scuderia Ferrari. Não só foram os É importante destacar a brilhante disputa entre Fernando Alonso e carros significativamente inferiores aos da Red Bull, a estratégia de ambas Sergio Pérez no Grand Prix de São Paulo, onde o melhor da Fórmula 1 foi as equipas deixou muito a desejar aos seus pilotos, fazendo com que o demonstrado em voltas incríveis. Fernando Alonso relembra-nos a beleza heptacampeão Hamilton fosse vocal em relação ao seu descontentamento.

do desporto, e claro, do seu inegável talento.

Mas nem sempre esta vocalização por parte do Britânico foi positiva: os

Uma temporada que pecou por entusiasmo e elemento surpresa, com seus comentários em relação à corrida do Qatar, sendo que o mesmo nem a uma dominância Red Bull, mas que revelou promessas para o futuro. terminou, revelaram uma falta de empatia para com os seus colegas e Esperemos que as equipas consigam, nesta pausa, preparar carros que adversários. As temperaturas extremas foram sentidas de tal forma que um façam jus aos seus pilotos, e que possam competir com o monstruoso dos pilotos, Esteban Ocon, da Alpine, vomitou no próprio capacete. Logan RB19.

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Dez/Jan.

Diogo D’Alessandro

RETROSPECTIVA ESPORTIVA

Desporto

2023 foi, e continua a ser, um ano bem interessante para quem gosta de esporte, inúmeras histórias que merecem ser contadas. Aqui passaremos juntos por algumas dessas histórias enquanto fazemos um “resumão” de tudo que aconteceu de interessante no mundo do desporto esse ano. Esse ano aconteceram os jogos Pan americanos, no Chile, e os EUA mais uma vez ficaram no topo do quadro de medalhas, conquistando 286 medalhas no total, tendo 124 dessas sido de ouro. O Brasil ficou em segundo com 205 medalhas, 66 de ouro, mas a história mais legal sobre esse momento foi, na verdade, os jogos ParaPan americanos onde o Brasil se isolou na liderança do quadro de medalhas, arrecadando 343 medalhas no total, sendo 156 de ouro, fechando assim a melhor campanha da história do país nos jogos. Os EUA chegaram em segundo com 166 idas ao pódio, 55 vezes no lugar mais alto, e o top 3 se encerra com a Colômbia com 161 medalhas, 50 de ouro. No basquete, a Alemanha se sagrou campeã do mundial da FIBA, desbancando a estrelada seleção norte-americana, e a poderosa Sérvia na final. O Canadá terminou em terceiro lugar, vencendo os EUA na disputa pelo bronze. Na NBA, o fortíssimo time do Denver Nuggets venceu seu primeiro título liderado pelo MVP da última temporada, Nikola Jokic, vencendo o Miami Heat que chegou desacreditado nas finais, se consagrando como o primeiro time a chegar tão longe passando pelo torneio de play-in (uma espécie de repescagem na NBA). O time da Florida teve um caminho conturbado nos playoffs, vencendo o forte time do Milwaukee Bucks, e passando em 7 jogos do Boston Celtics após abrir uma vantagem de 3x0. Na área do automobilismo, Max Verstappen conquistou seu terceiro título, na temporada com mais corridas na história da competição. Além do título do holandês, um destaque do ano foi a corrida de Las Vegas, infelizmente por motivos não tão agradáveis assim. A corrida ficou marcada por problemas na pista, e falhas de infraestrutura. A cidade foi tomada pela corrida, atrapalhando muito a vida de turistas que estavam lá apenas de férias e não pela competição e a pista apresentou alguns problemas, o mais grave sendo uma tampa de bueiro solta que danificou o carro do piloto da Ferrari Carlos Sainz e atrasou em algumas horas o primeiro treino na pista. Esse ano é impossível falar de futebol sem falar da quebra de “tabus” que ocorreu durante o ano: tivemos o São Paulo campeão pela primeira vez da Copa do Brasil, o Fluminense venceu o título inédito da Libertadores e o Manchester City ganhou a Champions League pela primeira vez na sua história. No campeonato português, o Benfica se sagrou campeão conquistando seu trigésimo oitavo título da liga e, já no Brasileirão, a disputa segue viva e muito viva: o Botafogo, após abrir quatorze pontos de vantagem na liderança, viu a diferença sumir e agora o alvinegro está fora da briga pelo título. A disputa vai seguir viva até a última rodada, que acontece na madrugada do dia 7 de dezembro, já que o líder Palmeiras está com apenas três pontos de vantagem para o Galo, segundo colocado. O time alviverde é o único que depende apenas de si mesmo para se sagrar campeão, precisando somente de um empate na última rodada para conquistar o título. Galo e Flamengo torcem para um tropeço do time paulista para ainda terem uma chance de conquistarem o troféu.

Créditos para a arte: Rafaela Lopes

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Dez/Jan.

Lourenço Rosa

Desporto

Futebol em retrospetiva: 2023 O ano de 2023 chega lentamente ao fim, e no futebol isso não é exceção, ficando na retina um ano marcado por estreias e revoluções dentro e fora das 4 linhas.O momento mais bonito do ano foi, sem dúvida, a conquista do campeonato italiano por parte do SSC Napoli, que voltou a ganhar o “Scudetto” 33 anos depois da mítica equipa liderada por Diego Maradona. Spaletti transformou o conjunto do sul de Itália numa máquina de jogar bom futebol, nas competições domésticas e na Europa, atingindo, pela primeira vez na história, os quartos de final da Champions. A consistência defensiva assegurada por Kim-Min-jae e o equilíbrio do meio-campo personificado em Zielinski, permitiram tanto o brilho do melhor marcador da Serie A - Osimhen, como do melhor jogador da liga - Khvicha Kvaratshkelia. Esta equipa Napolitana ficou para a

regime e de tudo o que anda à volta deste. O problema da Arábia Saudita ainda não tem fim à vista, e temo que só piore nos próximos anos. Muito similares à Arábia Saudita são os donos do clube mais bemsucedido em 2023: o Manchester City. Os donos provenientes dos Emirados Árabes Unidos, que têm vindo a injetar dinheiro quase infinito de modo a conquistar a Europa, tiveram o seu objetivo alcançado este ano. Dentro das quatro linhas, os Citizens conquistaram a tripla que consiste em Taça de Inglaterra, Premier League e a tão sonhada Champions, amassando todos os adversários nas diversas competições, numa equipa sublime e de autor de Pep Guardiola. O auge desta equipa foi alcançado na noite de 10 de Junho, quando o golo de Rodri levou o City a conquistar a sua

coisa semelhante nos próximos anos - é talvez por isso que a cidade

primeira Liga dos Campeões da história. A equipa do catalão, vencedora de cinco campeonatos, quatro Taças da liga, duas Taças de Inglaterra e duas Supertaças, rematava

de Nápoles e o seu clube são tão especiais e já mereciam este

sempre à barra na Europa, perdendo, inclusive, a final em 2021, até à

momento há tanto tempo.

glória final. Vencer a Champions significa que a equipa ficará marcada na história e jogadores como o polivalente John Stones, o mágico Bernardo Silva e o maestro Kevin De Bruyne, terão o seu lugar na

história, batendo quase todos os recordes, e será muito difícil repetir

O mar de rosas acaba aqui, pois em 2023 vimos entrar em grande no panorama futebolístico a Arábia Saudita, um país com fraca tradição futebolística e sobretudo com um regime ditatorial lastimável e com uma história de total menosprezo pelos direitos humanos. Lentamente, e através de uma manobra chamada "Sports Washing" (que consiste em focalizar a atenção nos grandes craques e nas grandes competições, desviando-a da violação dos direitos humanos e dos problemas adjacentes à mesma), os sauditas vão conseguindo mostrar aos mais “distraídos” uma imagem “boa” do país. Este problema veio para ficar, visto que o órgão máximo de soberania no futebol, a FIFA, até já lhes entregou a organização do campeonato do mundo de 2034, ignorando por completo os problemas já referidos. Além do mega-investimento em infraestruturas para acolher diversas competições em variadas modalidades, o campeonato saudita de futebol também foi alvo de injeção de dinheiro, “roubando” alguns jogadores à Europa, o que não tornou necessariamente mais competitivo o campeonato local. Neymar Júnior, Karim Benzema e Cristiano Ronaldo são os expoentes máximos de todo este plano, tornando-os “cúmplices” do

restrita galeria de craques dos Skyblues. O City ganhou, pelo dinheiro, mas sobretudo por ter uma mente tão brilhante como Guardiola no banco. Para finalizar, uma palavra para os melhores jogadores do ano: o espanhol Rodri, peça fulcral na manobra defensiva e ofensiva do Manchester City e de Espanha; Kevin de Bruyne, o melhor médio do mundo no ano, batendo o seu recorde pessoal de assistências numa época; o sempre competitivo e decisivo K. Mbappé e Lionel Messi que, apesar de ter ido jogar para os Estados Unidos, e ainda que jogando a passo, continua a ser um dos melhores do mundo. Não podia deixar de mencionar Erling Haaland, o melhor jogador em 2023. Seja pelos golos, pelas conquistas, pelos prémios individuais e, sobretudo, por ter tido a sorte em ser a peça que faltava numa equipa tão bem oleada. 2024 trará novas emoções, uma geração nova e sedenta de conquistas e um aclamado campeonato europeu no verão, que será, para os craques mais velhos, como Cristiano Ronaldo e Luka Módric, a derradeira hipótese de deixarem as últimas pinceladas de magia em carreiras tão brilhantes.

Equipa Napolitana

24


Pietra Blasi

Dez/Jan.

Artigo de Opinião

2023 SOB O OLHAR DA INDÚSTRIA DA MODA 2023 foi um furacão em vários sentidos, provocando mudanças muitas vezes forçadas — e é claro que na indústria da moda não foi diferente. O ano anterior já havia terminado num misto de incerteza e surpresas, tal qual foi o caso da saída de Alessandro Michele da direção criativa da Gucci; bem como um certo ar de luto, após a morte da lendária Vivienne Westwood. Então, a pergunta que ficou foi a seguinte: como iria 2023 lidar com esse caos que — observando agora — parece ser mesmo intrínseco ao ano?

Despedidas, transições e sucessões

Agora, 12 meses depois, temos a resposta. O resultado

foi

um

ano

inerentemente

Este

ano

também

foi

marcado

por

excêntrico — para a alegria de todos,

despedidas de diretores criativos e pela

obviamente. Foi como se nunca faltasse

introdução de novas figuras – estas na sua

assunto, uma vez que todos os meses eram

maior

ilustrados por (várias) polémicas, novas

chegadas à indústria. Demos adeus a nomes

trends surgindo na velocidade da luz, e uma

consagrados, como Gabriela Hearst (Chloé),

inegável sede por atenção vinda de todos os

Ludovic

lados (marcas, celebridades, influencers etc.

Demeulemeester), Sarah Burton (Alexander

— você escolhe). Em outras palavras, 2023

McQueen), Tom Ford (que curiosamente

rendeu.

deixou a moda para focar na sua carreira no

O que levamos das tantas fashion

parte

desconhecidas

de

Saint

e

Sernin

recém

(Ann

cinema) e Jeremy Scott (Moschino). Como

weeks?

substituição temos, respectivamente, os

Inovação? Temos. E é óbvio que o primeiro

seguintes nomes: Chemena Kamali, Stefano

show mencionado será o da coleção

Gallici, Seán McGirr, Peter Hawkings e

outono/inverno da Coperni. Neste ano, a

Davide Renne – no entanto, o último

novidade da vez foi um robô. Parece até

infelizmente faleceu dez dias após assumir o

coisa de filme, não? “Robôs invadem a

cargo. Ainda, essas novas contratações

passarela”. Mas estes eram até simpáticos. A

despertaram discussões e questionamentos

performance foi inspirada na fábula “O Lobo

nas redes sociais acerca da falta de

e o Cordeiro” – um robô amarelo (lobo)

diversidade, uma vez que a maioria dos

puxou a jaqueta da modelo (cordeiro), o que

novos contratados são homens europeus. Fenómenos das microtrends

acabou por revelar um vestido preto. Depois devolveu a jaqueta, e a modelo seguiu com o

Arrisco-me a dizer que nunca foram vistas

desfile. Já na temporada primavera/verão, o

tantas microtrends e novas “aesthetics”

destaque ficou com a Undercover que, ao

como neste ano de 2023. Foi quase como se

final do show, trouxe terrários (alguns com

a

borboletas vivas – escolha obviamente

aparecesse (sim, estou falando com você,

polémica e duvidosa) dentro das saias e

TikTok!). Entretanto, duas “modinhas” que

vestidos.

vêm sobrevivendo já há vários meses são,

Beyoncé e a Renaissance Tour

cada

15

dias

uma

nova

modinha

curiosamente, bem opostas. A primeira, quiet

Impossível não mencionar nossa estimada

luxury,

Queen Bey e sua grandiosa e tão esperada

elegância e qualidade das peças. Já a

Renaissance Tour. A superstar apresentou

segunda, blokette, tem como marca principal

um figurino assinado por alguns dos nomes

a

mais ilustres da indústria (Mugler, Iris van

elementos hiper-femininos.

Herpen, Vera Wang, Alexander McQueen e Gucci são alguns exemplos) e trouxe-nos looks repletos de referências ao período renascentista. E, claro, todas as roupas conversavam com os conceitos do álbum e com as apresentações. Não esperávamos menos da Mrs. Carter.

25

é

marcada

amálgama

de

pelo

peças

minimalismo,

desportivas

e


Dez/Jan.

Inês Alfaiate e Margarida Nogueira

Crónica

A minha avó não fugiu do casamento para isto Era uma vez, durante a época da Primeira Guerra Mundial, Rosa Florentina Preto, um ícone de mulher, que vivia uma vida modesta numa aldeia fronteiriça. Face aos seus 18 anos, Rosa viu-se obrigada a casar com um senhor, cujo nome não se sabe, de 30 anos, para garantir mais terras para a sua família. Rosita, não tinha direitos, muito menos espaço para dar a sua opinião sobre este acontecimento. No dia do seu casamento, com um vestido predileto, todos os convidados dentro da igreja e os sinos a tocar, ela decide fugir para outra aldeia onde vivia a sua madrinha. Montada num Burro Mirandês, e deixam não só o seu futuro-marido, como também a sua familia. Este ícone, que eu tenho orgulho de chamar a minha trisavó, escolhe viver uma vida com objetivos, do que casar só porque dá jeito e neste caso, traz dinheiro. Durante os seguintes anos, Rosa viveu com a sua Madrinha, tal como na sua aldeia, com base no que as terras lhes traziam. Acreditamos que por volta de 1915, Rosita (não a cantora) apaixonou-se pelo grande Luís Afonso e casou-se, regressando depois à sua casa na fronteira. Na sua aldeia de nascença encontrava-se a sua família chateada, mas rapidamente este sentimento é substituído por alegria e amor, pois neste regresso Rosita e Luís estavam grávidos e tiveram uma menina. Para compreender esta história é necessário relembrar que as mulheres tinham poucos direitos e que após o casamento, as mulheres tornavam-se um bem do homem. Também neste caso, a aldeia era maioritariamente composta por agricultores que viviam do campo e do gado. No fundo, Rosa ter fugido por não gostar do seu noivo e não ter cumprido o acordo de terras para a sua família, na nossa opinião, torna-a num ícone do feminismo. Atualmente não precisas de fugir do casamento, podes só fugir para Setúbal. Todas nós já aceitamos o mínimo, mas aceita apenas num One Night Stand, não aceites numa relação. Não aceites alguém te dizer “dama, foste a única que eu amei”, corre! Pensa que estás no corta-mato da escola, que só foste para ter aquele 5. Trazemos esta história para refletir em tudo o que nos foi dito este 2023, e tudo o que não queremos levar para 2024. Não aceites que um gajo comece a falar sobre margaridas serem as flores favoritas da ex, ou quando ele diz que ela é louca… simplificando, se ele diz algo no seguimento de “desculpa não gostar de ti como precisas”, “podes denunciar-me à polícia”, “tu só foste um pico de adrenalina”, “só te comia com um saco na cabeça” e “ eu sei que traí a minha namorada contigo, mas a culpa não foi minha, eu tenho uma condição médica que me obriga a trair”, acreditamos ser melhor deixar este cagalhão de 20 anos, em 2023, porque ele sem dúvida não é o homem da tua vida.

La Fiancée Hésitante", de 1866 do artista francês Auguste Toulmouche

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Dez/Jan.

Crónica

Beatriz Gomes / Mariana Teixiera

Interseccionalidade no feminismo Beatriz Gomes

Núcleo Feminista da FCSH realizou, a 10 e 17 de outubro, mesas redondas de discussão sobre a interseccionalidade no feminismo Em Interseccionalidade, Carla Akotirene conduz-nos pelo legado do feminismo negro, no berço do qual o termo que intitula o livro nasceu, resultante da exclusão da mulher negra tanto do movimento feminista mainstream branco, como do movimento negro, marcadamente masculino. A mulher negra vê-se no meio de uma ‘encruzilhada’, no meio de “avenidas identitárias do racismo, cisheteropatriarcado e capitalismo”. Assim, pioneiras como Sojouner Truth, com o seu discurso Ain’t I a Woman? de 1851, reclamam o seu direito de se tornarem sujeito do feminismo. Com este legado em mente, o Núcleo Feminista da FCSH realizou, a 10 e 17 de outubro, mesas redondas de discussão sobre a interseccionalidade no feminismo. Começámos por contrapor a perspetiva interseccional presente em bells hooks e Angela Davis com a Feminine Mystique de Betty Friedan, na qual a autora vê a experiência feminina como limitada pelo fardo do trabalho doméstico e pela exclusão social daí advinda, pintando uma imagem de ‘mulheres’ muito diferente daquelas que foram escravizadas e obrigadas a trabalhar para outrem, daquelas que viviam fora do centro do capitalismo e desempenhavam tarefas em prole da comunidade, e daquelas que, mesmo no centro do capitalismo, não tinham outra opção se não trabalhar para outros mais ricos. Focámo-nos, inicialmente, no trabalho doméstico, refletindo sobre o que temos observado à nossa volta, uns vindos de zonas mais rurais e tradicionais, outros vindos de cidades onde existe uma maior discussão sobre a distribuição de tarefas. A partilha de testemunhos aproxima-nos daquilo que Djamila Ribeiro chamou de “lugar de fala”. A autora expressa, alinhando-se com Gayatri Spivak, existir uma violência epistémica histórica por parte de autores ocidentais que estudam a subalternidade e interseccionalidade tomando o ocidente como ponto de referência. Termos noção da forma como o nosso locus social difere do dos outros, leva-nos a não tomar a nossa realidade como ponto de referência único. Para uma teoria e prática feministas realmente emancipatórias, devemos procurar conciliar a interseccionalidade e o lugar de fala, referenciando vozes e contributos teóricos de quem incorporam estas encruzilhadas. Outro instrumento importantíssimo contra as visões universalistas e místicas do feminino é o conhecer da forma como, historicamente, diversas opressões se cruzam. Silvia Federici, em Calibã e a Bruxa, fala-nos do processo de controlo reprodutivo e político das mulheres durante a acumulação primitiva capitalista, berço da biopolítica que criminalizou práticas homossexuais e reforçou estereótipos de género, e dum mercado de mão de obra forçada racializada. Atualmente, nota-se um esvaziamento do termo ‘interseccionalidade’. Várias vertentes feministas usam o termo para se descreverem, mas não desejam um futuro anticapitalista, antirracista e anti-cisheteropatriarcal, concluindo-se, ser visto, principalmente, como uma metodologia de análise atenta às interações entre estruturas de género, classe e raça

Opinião sobre a liberdade de expressão: Limites do humor. Mariana Teixiera

Colocar um limite no humor é, de facto, uma solução? Deixar o humor sem limites tem um problema não apenas jurídico, mas também um problema social e filosófico. Quando não colocamos arestas no humor, ele tende a ressaltar antigos preconceitos, como piadas tradicionais com visões estereotipadas de minorias que foram alvo de preconceitos a um nível histórico. Muitas pessoas são da opinião que fomentar piadas deste tipo servirá como uma válvula de manutenção de preconceitos. Mas será que colocar limites na comédia é solução? Colocar limites no humor é complicado, mais complicado do que um humor sem limites. Mas porquê? O primeiro problema que se vai impor aqui é: Quem terá a autonomia de delinear esses limites? Uma responsabilidade deste género não pode ser empregue a qualquer um, ainda mais quando cada individuo tem uma opinião diferente. Calar o humor não é um caminho que possa ser seguido, visto que, ao tentarmos impor limites na comédia surgem cada vez mais problemas éticos impossíveis de resolver. É inviável delimitar o humor de um modo lógico e ético. O termo “politicamente correto” na sua génese é usado para descrever ações ou expressões que devemos evitar quando carregam um teor ofensivo/opressor, mas é realmente esta conotação positiva que carrega nos dias de hoje? Vivemos numa Era em que as pessoas se ofendem facilmente e pensam ter a autoridade de impor limites no próximo. A partir de que factos é que este modelo define aquilo que é correto? O politicamente correto é a morte lenta da liberdade de expressão. Se todos defendemos a liberdade de expressão, não devíamos querer impor limites no humor, caso contrário, estaríamos a entrar numa contradição. Aliás, se fizermos uma análise profunda sobre esta questão, concluímos que nos lugares onde o humor tem limites, as liberdades individuais também têm. Portanto, até que ponto vale a pena circunscrever o humor para salvaguardar minorias, se implicará toda uma censura social e política? Todos nós temos o direito de ficarmos ofendidos, porém não podemos acabar com o direito à ofensa. Além de criticarem o teor das piadas, criticam o humorista por errar no timing da piada. Se eu fizer uma piada sobre alguém que já morreu há cinquenta anos é diferente se fizer uma piada sobre alguém que morreu na semana passada, mas será que isto faz sentido? Ambas as mortes resultaram em sofrimentos incomensuráveis da família e amigos da vítima. É hipócrita onde numa tentativa de aliviarem a própria consciência tentam censurar uma piada por ter sido feita “demasiado cedo”, ou seja, daqui a uns anos já será eticamente aceitável. Não faz sentido. Isto leva-nos a pensar noutro ponto: A comédia tem a capacidade de aumentar uma tragédia? Se pensarmos que o humorista tem uma influência assim tão grande nas tragédias de cada um, estamos a atribuir-lhe uma responsabilidade moral injustificável. Cada um tem uma vulnerabilidade diferente, um limite diferente, mas esse limite é intransmissível. Ninguém é obrigado a achar graça, mas também ninguém é obrigado a filtrar o que diz. O cómico deve funcionar como uma anestesia momentânea no coração e não como uma verdade absoluta. É importante que saibamos distinguir as coisas para alcançarmos a felicidade e a plenitude.

Se rir é, de facto, o melhor remédio, que nos mediquemos a todos.

27


Dez/Jan.

Francisco Almeida Amaral

Crónica

Errar é humano, persistir também

1

A revolução cognitiva que se iniciou com a criação da linguagem

-quena característica tem, porém, extensas consequências. Sendo do

plantou a semente que deu início às raízes da árvore do conhecimento e

senso comum a utilidade da consciência na nossa espécie e civilização,

à evolução que a partir daí se originou. Sendo o momento da criação

remete-se para a capacidade criativa de cada um a revolução por aí

linguística um dos problemas mais complexos daquela ciência, é incerto

ocorrida. Sendo extensa esta discussão, adia-se-lha para um futuro,

quando surgiu esta revolução e, por isso, quão compridas são as raízes da

relembrando, porém, que, afinal, o ser humano – ser frágil e de fácil

nossa civilização.

extinção – apenas consegue ser a espécie dominante neste planeta

O que seríamos senão poeira se não fosse a linguagem que

por causa das suas capacidades sociais impressionantes.

criámos? Esta ferramenta é elementar na construção da nossa civilização e da sobrevivência humana neste planeta. Só assim pode este sensível ser escapar à sua morte natural pela sobrevivência, revertendo o jogo da cruel vida interespécies. A elementaridade desta característica nota-se na ocorrência (ou tentativa) destes fenómenos noutras espécies – como os 2

macacos Sabaeus – não tendo, porém, um sucesso tão extenso, ainda. Recordando Freud, “O primeiro humano que insultou o seu inimigo, em vez de atirar-lhe uma pedra, inaugurou a civilização”, levando, indubitavelmente, a concluir que o primeiro humano que, em vez de insultar, atirou uma pedra, suprimindo qualquer tipo de comunicação, inaugurou a decadência da civilização. Numa sociedade em que se atiram arbitrárias pedras àqueles que dissonam com as ideias tidas por dogmáticas, levando a um puritanismo idealista da individualidade em que se decide não falar, falar disfarçado (pela máscara que são as representações dessa realidade), deixar que os outros falem por si, ouvir apenas aqueles com quem concordam, entre outros, está a decidir-se pôr fim (ou pôr-se de fora dela) à sociedade construída (esquecendo-se eles) que a comunicação e a sociedade são aquilo que nos escapa da inevitável morte (de um modo real e metafórico). Filme Lo Capitano (2023)

Um ser verdadeiramente consciente reconheceria logo a fragilidade desta vantagem face aos outros animais, não fosse o ego natural dele cegar a clara evidência perante seus olhos. Levando-o, orgulhosamente, ao precipício da sua espécie, à inevitável queda – orgulhosa, sempre – daquele que se disse consciente, acabando com o que tem (e com aquilo que conseguiu começar). Errar é humano. Persistir, aparentemente, também o é, ao contrário do que dizem.

Foto de Sigmund Freud

Notou já Aristóteles que “o Homem é um animal social”. Tinha razão; porém, esqueceu-se de referir que a sociabilidade deste animal salvou-o da sua fraqueza natural. Ser, que é humano, apenas existe hoje porque sabe que o é e tem consciência disso. Poder-se-ia dizer que, a existir, seria a única vantagem – grande vantagem – que tem perante

“o ser humano – ser frágil e de fácil extinção – apenas consegue ser a espécie dominante neste planeta por causa das suas capacidades sociais impressionantes.”

um qualquer deus, sendo ele qual for: a de ter consciência de si. Esta pe1 Brochado latim “errar é humano, persistir é diabólico 2

Investigadores identificaram um som que significa: ‘Cuidado! Uma águia!’. Um som ligeiramente diferente significa: ‘Cuidado! Um leão!’. Quando os investigadores reproduziram uma gravação do primeiro som a um grupo de macacos, estes pararam o que estavam a fazer e olharam para cima, com medo. Quando o mesmo grupo ouviu uma gravação do segundo som, o aviso do leão, rapidamente subiram a árvore.”

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Dez/Jan.

Guilherme Machado

Crónica

A Minha Garrafa de Água de Sessenta Cêntimos Toda a gente tem aquelas garrafas de água. Na Faculdade.

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Sabes quais são. As garrafas de água de sessenta cêntimos, as que se compram na máquina quando uma mente a mil esquece-se de si mesma por entre cantis coloridos deixados em casa, apontamentos por ler e até, quiçá, o passe do autocarro. Todas as semanas tenho uma nova garrafa de água de sessenta cêntimos que trago comigo na minha bolsinha ou na mão enquanto me

-ximo aterro, ao mais longínquo oceano, troçando de mim que fico aqui, entre uma Igreja e um Hospital, entre um canudo e um museu, entre a inocência e o cinismo. Os espaços importam tanto para mim. Importam como é de valor extremo o mais sisudo dos céus aos mais encarcerados dos assassinos. Nunca me sinto como sal da terra nem pedra da calçada, nunca me sinto como ocupante de faculdades nem

-to-me verdadeiramente sempre que escolho entre a reclusão da casa de banho do pavilhão C ou a casa de banho principal do átrio da Torre B. Talvez com a garrafa na mão! Ao menos esperando que ela volte. Que depois de me expor ao panóptico da grande torre que todos os investigadores tem, me sinta tão constrangido a voltar a dançar com ela, a voltar a vê-la. A refletir em cadeiras

sirvo de um café cuja suprema disponibilidade soube acostumar-me ao seu sabor ingénuo e amargo.

revolucionário implacável, não sou nem observador nem observado. Não sou mais

vermelhas as pichações de um mundo melhor e as memórias já tão gastas pelo vento e pela chuva. E depois (já com a

Todas as semanas perco uma nova garrafa de água, nunca nova no sentido em que tê-la é um ruído novo na imensa

garrafa na mão) contento-me em ouvir a hagiografia dissonante de murais tão renovados que nem a chuva nem vinte

cacofonia de Berna, mas sim pela forma como o seu plástico é a mesma recriação da apropriação da água e dos seus

seis mil contos de euros podem envergonhar ao ponto de cair na sua própria ironia. E ao meu redor sinto-me

minerais, da colocação metódica da seiva da vida ao lado de um chocolate da Nestlé. A novidade nunca reside em

abraçado pela sinergia eletrificante do desbunde total e do otimismo de saber aguardar tão bem vestidos, tão bem

perdê-la. Deixá-la numa mesa amplo largo de sociabilidades flanqueado por mesas onde a azáfama estudantil deixase levar por um soslaio da observação atenta, deixá-la numa sala de aula onde os parcos segundos da minha atenção são disputados por um professor doutorado antes de eu sequer nascer, andar com ela, seguro de que se deixará ficar em mim, como meu pendente fiel, meu Sancho Panza, vicário da minha sanidade e do sentido que tenho de pessoa que pode agarrar com as mãos as coisas e as pessoas… Mas o que fazer quando perco a mesma garrafa pela quinta vez num mês? Que posso dizer sobre mim? Eu ganho uma garrafa de plástico com água dentro todas as semanas. E todas as semanas perco-a. A este ponto não sei se é a mesma garrafa, com as mesmas gotas de condensação e os mesmos amassos à sua pele, não sei se a garrafa cai num bueiro e nada livremente até ao mais pró-

maquilhados e tão sarcasticamente invulgares, o retorno da garrafa de água. Quem sabe um dia a garrafa de água será abolida. E no átrio da Torre B escavarão uma fonte de juventude de um fulgor tão eterno que nem Ponce de León nem o Luís Severo terão coragem de nela banhar-se, aturdidos pela estrondosa eternidade das mortalhas castanhas, das casas de banho e das garrafas de água. A garrafa de água, quando volta, vem a pingar de otimismo e excitação. Ela afoga em mim o desafogo prensado do relaxamento de um fármaco, e pergunta-me: vais ter aulas agora? E então eu digo-lhe: não, eu não vou às aulas desde 2017. E assim sentamo-nos na selva, os dois, um à espera de perder o outro, com medo de que a chuva venha e nos leve, ansiando que ao menos ainda sejamos, senão, humanos, espetros naquele antigo quartel a que chamamos de FCSH.

do que a reprodução constante de pesadelos e ansiedades, de garrafas de água e opiniões mirabolantes, estou sempre na Faculdade, estou sempre a lutar! E grito com os punhos cerrados as palavras que me deixam o mais longe possível de uma crise de choro, e em casa sinto-me feliz e sinto-me incompleto por sentir que estou a perder mais um dia em que possa voltar a ver a garrafa de água. E flaneio (flanêur) e contemplo e exci-


Dez/Jan.

João Strecht

Crónica / Texto livre

A primeira e última forma de resistência Deitei-me sobre a cama feita. Os lençóis frescos, colocados de lavado – perfumados com lavanda, eram o único sítio que me convidava a descansar. “Anda… deita-te aqui… pousa o teu corpo sobre nós e dar-te-emos o descanso que tanto anseias” diziam-me com cantos de sereia – irresistíveis. Estava cansado, exausto mesmo, de nada específico, de tudo em geral. “Tudo me cansava, mesmo o que não me cansa”. Cansado da vida; a vida não tinha tido qualquer compaixão comigo nesse dia. Tinha-me agredido incessantemente. O pior de ser agredido pela vida é o facto de não se poder apresentar queixa na polícia. Enquanto olhava o teto branco e pouco iluminado do meu quarto, pensava nisso – apresentar queixa da vida. Não tinha testemunhas, nem eu tinha visto as várias agressões, nem o seu autor- não podia apresentar uma descrição segura de nada. Mas tinha sentido os efeitos, tinha em mim as marcas que corroboravam a minha história, carregava-as. Não bastava para indiciar alguém? Mostrar provas incontestáveis? «Mas quem foi?» perguntava o agente, «a vida» respondi. Mandou-me embora antes de parecer querer deter-me a mim. A MIM?! Agora percebo aqueles que dizem quanto a nossa justiça é injusta. Tentativa frustrada, não valia as poucas forças que me restavam do dia. O melhor a fazer era mesmo entrar no meu quarto e fechar a porta, deixar-me pousar sobre os lençóis e contemplar a uniformidade do branco do teto. Pensava agora como poderia levar a melhor sobre a vida. Subitamente apercebi-me que enquanto permanecesse vivo, a pensar nela e sobre ela, estava a ganhar. Hoje tinha perdido uma batalha, a guerra continuava a ganhá-la. Estava destinado a perder, pensei. Mas por enquanto tinha de resistir, prosseguir, não morrer. A vida é combate de David contra Golias sem surpresa no resultado, ganha sempre Golias – não temos hipótese. A morte sempre triunfará, a vida ultrapassa-nos, por muita resistência que lhe façamos. Porém, como num combate de boxe, é muito diferente levar a vida até ao final do combate ou ser derrotado logo nos seus primórdios – questão de orgulho, decência. Coisa estranha esta forma de resistência. Só podia resistir à vida na medida em que pensasse sobre o seu oposto – na morte. O que seria eu quando deixasse de ser? O que serei eu quando se der o fim de todo o tempo – quando morrer? Quando partir para outro plano de temporalidade que é a eternidade, só concebemos o que isto é, na medida em que a pensamos como negação – como ausência de tempo. Porém, surpreendia-me. Ao fazer este movimento de pensamento estava realmente a viver na totalidade – na medida em que resistia, com tudo, com todas as minhas forças, ao ultraje da morte exatamente porque nela pensava, fazia-lhe frente. Só pensando na morte, não como acontecimento geral – impessoal –, mas como acontecimento meu, como a minha morte, a morte de tudo o que fui, de tudo o que fiz. Comigo todas as minhas experiências pessoais, tão ricas e dignas de serem partilhadas, se eclipsavam. Mas descobri que esta era a única maneira de viver, pensando na ausência de mim. Era este o conflito, era esta a primeira e última resistência: sobreviver, viver, mas só na condição de pensar no seu contrário, na minha não existência. Pensar na minha não existência era então o maior ato de resistência. A única maneira de ir até à última ronda do combate com a vida era pensar no desfecho inevitável – no final, morreria de qualquer das formas. Mesmo que a vida se revelasse tantas vezes intolerável, agressora, o seu contrário era a desgraça. A morte era a tragédia – a derrota completa. Enquanto permanecesse deitado na cama de olhos fixos no esbranquiçado teto a pensar sobre o vazio, o nada, a morte, vivia – essa era a contradição ou condição necessária. Assim, sem mexer dedo ou músculo algum, para além daqueles que eram involuntários, tornava-me Hércules ou Aquiles e realizava o inimaginável – uma tarefa inconcebível. Mais que sobreviver, viver perante a consciência da minha finitude. Resistia ao meu fim resistindo-me a mim – esse era o meu feito, digno de constar no meu epitáfio: “Viveu perante a morte até deixar de viver.” Tal não é para todos.

30 The Death of Chatterton' by Henry Wallis, 1856.


Dez/Jan.

Rita São João / Daniela Felício

Crónica

A resistência sou eu. Eu resisto à escuridão, a ela que me suga a cara e que me rói os ossos duros de roer Eu resisto à opressão, ela que me prende e puxa os cabelos fio a fio, Ela que me prende e me tranca em mim. Resisto a Deuses que me guiem, não os deixo levarem-me como uma rajada de vento nos meus cabelos frios. Resisto ao que me dita, como pássaro que foge depois do som de uma pistola Resisto à violência, deixo que o amor me preencha e esvazie como maré. Deixo que o amor me agarre os cabelos, deixo-me ser consumida, membro a membro, tendão a tendão.

O Dia Tinha apenas nove anos, mas esperava a vida inteira por aquele dia. A ansiedade de saber a alegria que sentiria fê-la acordar de uma noite mal dormida. Correu

A vida toda é resistência, é a luta contra ela mesma, é nunca pôr o pé em falso, é atirar cada tijolo contra cada janela fechada A própria vida é resistência à morte, é luz que se auto sustenta, é chama que suga cada gota de oxigénio A resistência é sangue que se sua, é lágrima que penetra e não sai. A resistência é a tua mão na minha, o teu beijo nos meus lábios secos, os teus olhos em dia cinzento ou ensolarado É o comboio que passa em cada 10 minutos, é o cigarro que se fuma ao acordar e café que se bebe à tarde A resistência sou eu, somos nós, juntas contra o mundo.

Resistance Painting by Sylvia Solovyeva

à sala para petiscar, sabia que a mesa se estava a compor, e provou um sonho da avó, mesmo não adorando o sabor. O aroma natalício depressa invadiu a casa, as luzes piscavam à medida que entardecia. Finalmente era hora, chegaram os tios e a tia. Juntou as crianças à volta da árvore para fazerem o seu jogo favorito: “qual a primeira prenda que vamos abanar no meio de tanto embrulho bonito?”. Por mais que pareça estranho, não era uma brincadeira de adivinhar, não importava o que lhe iam dar. Para aquela menina de nove anos a graça do Natal eram as gargalhadas à mesa de jantar, ouvir todos a conversar, ler os nomes nos presentes e ser ela a entregar. Os mimos dos avós, as cócegas dos primos e o sorriso dos pais traziam magia ao seu mundo, e, mesmo deixando os seus embrulhos para o fim, durante toda a noite não parava de rir por um segundo. O Natal não perdeu o significado, mas esses momentos ficaram no passado. Aquela menina envelheceu, já nada tem o mesmo valor, pois o tempo passou e foi cruel, tirou-lhe um pouco desse amor. Agora vive na nostalgia das memórias daquele que era o melhor dia da sua vida. "Família Reunida" - Almeida Júnior Pintor brasileiro (1850-1899)

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Dez/Jan.

Manuel Gorjão

Crónica

FIM DO ANO MUNDO Mais mundo menos mundo o ano vai acabar, tudo o que é fim tem um bom e os outros não são mais que o mundo. Quando esse fim chegar cá estaremos nós a beber uma dança da televisão ao som de champagne. Todos os mundos são assim, parece até que o acontecimento gira em torno deste ano. É certo como um mais dois ser igual a um e as doze serem passas. Não o sei se mundo do fim corresponde ao fim do ano ou ao ano do fim ou ao fim do mundo ou a junto tudo e mais umas botas de par, não sou adivinho nem divino o adivinho ou seja for o que lá ou por quem de alma que aconteça. Vejamos: eu clareza com trabalho, nome é o meu claro do meio, e não há maior mundo que o facto da incerteza. Isto posto, não sei se não ou cá estarei para ver o fim do ano, mas menos pelo ao fim do mundo conto assistir, não muito é pedir. Cá ou não estando, estando ou cá não, importa ao calendário pouco. O relógio do ponteiro não pára, pára a terra tampouco para o sol rodar deixar, nem aquilo acontece que faria acabar o ano que não eu sei o é quê. Posso nada só contra do fim do mundo as coisas. Nem pessoas se juntasse a mim muitas porque iguais nas contas do fim somos. O ano pronto e acaba, sem comigo ou mim, comigo ou mim sem. Aliás, acabar o vai o ano ou mundo e aqui eu nas prosas palavras das belas e nas artes. A verdade que é: podes não se vencê-los, te eles a junta. Para lado o assobia e a andar toca que amanhã é (ou não) dia outro. Último um aspecto: Em ano dois o mil se acabar o ano dizia, coincidência grande de finais entre mundo – início e milénio de fim - e ano. Bocado um pensando e facilmente se semelhanças encontram, se exemplos seguem: decrescente há contagem para acontecimento um; há gritando pessoas por nada e por tudo; materiais há demais e foguetes pirotécnicos (o direcção e a sentido consoante de lançamento variam de caso em outro para um); do notícias as dia falam inevitavelmente isso sobre e aí além por. Só ainda não consegui descortinar um paralelismo com as cuecas azuis.

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Dez/Jan.

Marta Afonso Alves

Guarda este meu segredo Permite-me desabafar. Permite-me desabafar. Consultas de psicologia são, cada vez mais, um luxo para a maioria dos portugueses, por isso, permite-me desabafar. Estou a passar por aquela fase a que ainda ninguém deu nome. A fase em que, sem aviso prévio, nos dizem que a adolescência terminou e somos despejados dentro da caixinha temerosa que é ser adulto. Bom, sinto que nesta fase permanece ainda uma certa imaturidade e rebeldia contra normas sociais, e cresce uma presunção e vaidade ostensiva de quem já se considera senhor de si mesmo. Assim, do mesmo modo que dou por mim a treinar exaustivamente o meu discurso antes de ter a coragem para encomendar uma pizza, desprezo, por me achar superior, todas as superstições e crenças injustificáveis da Humanidade que teimam em perdurar. Pronto, aqui entre nós, talvez não dispense o uso de uma cueca de cor azul na passagem de ano... Juro, de mindinho, que não acredito em nada dessas coisas! Mas já imaginaste o que seria ter um ano terrível devido à aparente inofensiva cor de uma cueca? Parece-me sensato agir segundo a “Aposta de Pascal” e não arriscar. O término de um ano e o começo de outro, assim como as horas que cercam esse acontecimento, fascinam-me. O frio de inverno parece acolhedor, as cores avivam, as pessoas na cidade trocam tão raras palavras e atenção, a esperança paira no ar. Um mundo repleto de oportunidades está para vir. Tocam as badaladas, os miúdos comem as passas com grande esforço, brinda-se efusivamente à vida, as pessoas abraçam-se e beijam-se sob o fogo de artifício, trocam calorosas palavras de amor e promessas de eternidade. Passado pouco tempo, um sentimento de apatia recai violentamente sobre mim e sinto-o igualmente em tudo o que me rodeia. As realizações que, com tanta certeza, disse para mim enquanto comia religiosamente cada pequena passa parecem-me, de repente, tão distantes e, até mesmo, inconcebíveis. O frio torna-se desconfortável e o céu muito cinzento. Algumas relações que jurei serem para sempre, vão-se desvanecendo com o tempo e sendo esquecidas pela impiedosa rotina. Na cidade, todos se tratam com indiferença. Este ano já não me deixo enganar. Tenho em mim a perfeita consciência da efemeridade do entusiasmo inerente a este momento e serei modesta nas minhas realizações de Ano Novo: fazer o meu próprio IRS; reduzir a quantidade de vezes que digo a palavra “tipo”; não sentir uma tremenda vontade de escavar um buraco bem fundo e, logo de seguida, esconderme nele, sempre que não obtenho qualquer resposta num grupo de WhatsApp; arranjar uma planta, manter a planta viva; não assumir que tenho de preencher todo e qualquer silêncio em convívios de grupo e desistir de colocar “comer menos chocolate” nos objetivos (cheguei à conclusão que não vale a pena). Parece-me um leque de objetivos razoável, mas simultaneamente desafiante, na medida certa para me manter entretida. No entanto, e já que me permitiste desabafar, assumo que, fruto de alguma ingenuidade, continuo, ano após ano, a acreditar que a atmosfera que se cria nesse dia tão ímpar perdurará, que o ano que se avizinha será sempre melhor. Usarei novamente as cuecas azuis, convicta e esperançosa que estas tragam ao mundo um ano de paz, de felicidade e de mudança. Mas peço-te que, como um/a competente psicólogo/a, guardes este meu segredo.

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Crónica


Dez/Jan.

Beatriz Isabel

Crónica

O mundo está a acabar e eu estou a ler Orgulho e Preconceito Sim, o título parece um exagero, mas é só uma questão de tempo, no meu ver. Quase não temos inverno este ano, o outono muito menos, é um ano de verões infindáveis, para não falar das guerras existentes. Palestina e Israel, Ucrânia e Rússia, a natureza e as ações do homem. As pessoas chamam a atenção para as situações nas redes sociais, através de manifestações, outras fazem o melhor que podem silenciosamente. Eu sento-me num banco por baixo de uma árvore a ler Orgulho e Preconceito, porque me prometi a mim mesma que o leria este ano. Enquanto isto, os meus colegas estão a fazer ocupas para salvar o nosso planeta e muitas das pessoas que eu admiro falam das guerras nas redes sociais, tentando o melhor que podem chamar a atenção para os problemas iminentes que nos rodeiam. Eu apenas observo o caos à minha volta, faço o melhor que posso para ajudar a minimizar estes problemas, mas silenciosamente. Não porque eu não tenha nada para dizer ou coragem para o fazer, mas porque, ao fazer o meu melhor, na minha individualidade, tenho tempo para aproveitar o que ainda nos resta da vida, para cometer os meus erros, para criar memórias que servirão de tópico de conversa nostálgica, num futuro que acredito ainda ter. Não olho diferentemente para quem luta por estas causas, usando a sua voz e tudo o que têm a seu dispor, do que para quem as lutas são mais discretas e silenciosas. Apenas condeno quem só faz para piorar. Assim, sento-me em casa, no jardim, no banco com o meu chá a ler Orgulho e Preconceito, tentando o meu melhor para me abster parcialmente do caos que se espalha à minha volta.

The Novel, A Lady in a Garden reading a book - Frank Dicey

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Dez/Jan.

Mariana Aleixo e Pedro Lázaro

Leitura

2023 em Livros Também um ano é feito em função daquilo que lemos e, ao longo de 2023, alguns livros destacaram-se. Dos mais variados géneros, estes livros ganharam bastante destaque nas redes sociais, tornando-se, por isso, motivo de grande conversa. Alguns dos livros mencionados já tinham sido publicados, porém, como apenas foram traduzidos e lançados este ano em Portugal, o seu sucesso somente se deu em 2023. Deste modo, estes são alguns dos livros que contribuíram para que as vendas neste setor aumentassem no nosso país, principalmente junto da população mais jovem.

Ainda Bem que a Minha Mãe Morreu Ainda Bem que a Minha Mãe Morreu é uma autobiografia, onde Jennette McCurdy nos conta a sua história de vida a partir do momento em que entra no mundo da interpretação até à morte da mãe. A relação tóxica que desenvolve com a mãe acaba por se traduzir em muitos outros problemas, como os distúrbios alimentares e os vícios. Este é mais um exemplo de que a fama e o sucesso, por vezes, não são tudo. Através do humor negro e de uma escrita cativante, conhecemos melhor a história de vida da atriz que interpretou Sam em iCarly.

A Criada Ferida McFadden, autora consagrada de imensos thrillers psicológicos, traz-nos um novo livro: A Criada. Este é um livro que nos conta a história de Millie, uma ex-prisioneira, que procura um emprego estável. Esta acaba por se tornar empregada doméstica de Nina Winchester, uma mulher da alta sociedade, e, a partir do momento em que entra na elegante casa, a vida de Millie muda para nunca mais voltar ao que era. Dividido em três partes, esta é uma história bastante imprevisível que nos prende do inicio ao fim.

Lugar Feliz Lugar Feliz é o último romance de Emily Henry, umas das autoras atualmente mais adoradas de livros românticos contemporâneos. Este livro conta-nos a história de Harriet e Wyn, um casal perfeito, mas que se separou há 5 meses e que nada contou aos amigos mais próximos. Quando obrigados a passar uma semana enquanto casal, estes tentam esconder dos amigos a separação, fingindo ser ainda o par romântico que sempre foram. Tal como os outros romances da autora, esta é uma história muito real e madura, em que mesmo sem grandes reviravoltas, se torna uma leitura muito agradável e comovente.

Fourth Wing Apesar de apenas ter sido traduzido já no último trimestre do ano, a versão original de Fourt Wing foi um dos sucessos do Tik Tok, tornando este um dos livros mais falados em 2023. Enquadrando-se na literatura fantástica, este livro traz-nos Violet, uma jovem que se tenta tornar cavaleira de dragões. Ao longo do primeiro ano de aprendizagem, esta tem de ultrapassar vários obstáculos utilizando toda a sua inteligência, procurando sobreviver enquanto o vai fazendo. Com um pouco de romance, esta é uma história bastante surpreendente e viciante. Este é o primeiro livro de uma série de fantasia que se procura afirmar como uma das favoritas de muitos leitores.

No Meu Bairro No Meu Bairro, publicado em setembro deste ano, da autoria de Lúcia Vicente, com ilustração de Tiago M., é um livro sobre inclusão e diversidade, mostrando que são as diferenças que nos unem. Com recurso à poesia e a questões colocadas pelas doze crianças protagonistas da história, em No Meu Bairro abordamse questões de género, familiares, raciais e religiosas, desmistificando certos estereótipos. É um livro sobre todos, cujo público-alvo é tanto os pequenos, como os graúdos. Sendo de cariz educativo, que recorre a uma linguagem que represente todas as pessoas; inclusive, é o primeiro livro em Portugal a recorrer ao sistema gramatical neutro ELU.

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Dez/Jan.

Tália Moniz

Literatura

Próxima paragem: a realidade “2023 acabou e eu não consigo decidir se é bom ou mau, se deveria ter deixado o comboio antes, se devia continuar. Parece mórbido acabar o ano desta maneira, acabar um texto assim, mas acredito que todos nós estamos a tentar decidir em que paragem sair, se fazemos a viagem pela diversão de a fazer, como quem faz as linhas de metro completas para ver o que há no seu fim, ou quem apenas o utiliza para chegar a um sítio a uma hora.” O início de dezembro e o final do ano despertam em nós uma urgência de categorizar o melhor do ano. O melhor livro, o melhor filme, a melhor série, o melhor álbum. Ao rever as leituras de 2023, deparei-me com uma das minhas primeiras leituras: “Mary Ventura and The Ninth Kingdom”, um conto de Sylvia Plath, escrito quando tinha 20 anos e publicado apenas 56 anos após a sua morte. Rapidamente se tornou um favorito meu, pois embora fosse escrito ainda no início da carreira de Plath, enquanto tentava consolidar a sua escrita, foi daqueles textos em que me fez ficar meia hora a olhar para o nada em silêncio enquanto tentava perceber o que tinha acabado de ler.

Livro Mary Ventura and Ninth Kingdom

de tudo o que se passa. Se no caminho para o “nono reino”, algo imaterial, estamos centrados na paisagem, na vista, o que passa e o que vemos, tal também acontece quando se materializa para a realidade, estamos sempre atentos a cada pequeno detalhe do mundo.

Foto de Sylvia Plath

O conto segue Mary Ventura, uma jovem a caminho da faculdade, no comboio para o “nono reino”. Ao despedir-se dos pais confessa o seu medo de embarcar na jornada sozinha com medo de sair na estação errada. Ao entrar no comboio, uma senhora, já familiarizada com a viagem, senta-se ao seu lado iniciando um diálogo sobre o caminho e o que seria o “nono reino”. À primeira vista, parece um simples relato de viagem, uma narração de algo tão simples quanto a ida para uma nova fase, em que existe todo um cenário idílico de apenas mais uma viagem. Dá-se, porém, um momento de transição, em que rapidamente a narrativa acelera, quando, de repente, uma passageira entra em pânico e solicita desesperadamente a saída do comboio, o que deixa Mary cada vez mais ansiosa ao perceber o que a viagem realmente simboliza. Ela não está preparada, ela não sabe o que fazer com a vida ou porque está a seguir o rumo que segue, ou porque entrou naquele comboio. Decide então sair, muito antes do que era suposto, o que altera completamente o curso da viagem e a coloca num ponto final. A viagem torna-se uma alegoria à vida e à transição para algo, algum momento, uma nova fase, um momento de rutura. Tenho sempre uma certa dificuldade a ler contos, acho-os sempre curtos demais, simples de mais, mas talvez por perceber tão rapidamente a intenção de Plath, foi uma leitura que imediatamente me marcou, deixando em mim tanto um grande preenchimento de sentir cada palavra atravessar-me, de me ver nos olhos de Mary Ventura, de passar tantas mudanças simultâneas durante o ano, e um vazio ainda maior ao entender o que cada palavra simbolizava. Perceber a mudança do tempo e aceitá-la são conceitos completamente distintos e embora o conto não se centre nisso, fez-me refletir. O tempo passa, entramos no comboio, um que nunca para, que não nos deixa parar e ao mesmo tempo que nos mantém vivos, exige de nós uma constante atenção

Fotografia de Elliott Erwitt retirada de Pinterest

Esta ideia é especialmente relevante nos tempos de hoje e a necessidade de estar constantemente consciente da viagem, tudo para nós é sempre tão sensível, tão perto de nós, seja algo que aconteça no nosso bairro ou do outro lado do mundo. A consciência da viagem de Mary Ventura leva-a a sentir um pânico crescente dentro de si que a obriga a sair do comboio… estar presente a cada segundo, estar atenta a cada minuto. Embora o conto se centre na saúde mental da protagonista, há tantos detalhes nele que me fazem refletir perpetuamente o que sinto e o que vejo. O fim da viagem, a saída de Mary antes do destino final e como isso simboliza a sua própria rendição à vida e a aceitação de que ela não consegue continuar o caminho, deixou-me a pensar. 2023 acabou e eu não consigo decidir se é bom ou mau, se deveria ter deixado o comboio antes, se devia continuar. Parece mórbido acabar o ano desta maneira, acabar um texto assim, mas acredito que todos nós estamos a tentar decidir em que paragem sair, se fazemos a viagem pela diversão de a fazer, como quem faz as linhas de metro completas para ver o que há no seu fim, ou quem apenas o utiliza para chegar a um sítio a uma hora. Penso que no fim, todos queremos fazer a viagem por fazer, sem um grande propósito, sem uma determinada meta, só lá estar; porque no fundo, embora exista um pressuposto de que tudo tem de significar algo, que tudo tem que valer a pena, muitas das vezes é só mais uma viagem.

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Dez/Jan.

Jéssica Marques

Recensão

THE DREAMERS E A REIVINDICAÇÃO DA CULTURA Era maio de 2004 quando Gildert Adair, ao representar as

As partículas de um pequeno mundo pacificamente idealizado são

manifestaçãoes estudantis de 1968, ferozmente afirmava: “Books, not

estilhaçadas pelos ecos revoltados de milhares de estudantes que

guns. Culture, not violence.”.

contraditam a polícia. Entre sonhos despedaçados e cocktails

The dreamers leva-nos pelas ruas turbulentas de Paris até aos

molotov, Théo e Isabelle juntam-se à revolução, enquanto Matthew,

portões da Cinémathèque Française, onde o decorrer de um protesto

ao

contra o despedimento de um dos principais pioneiros do movimento

aparentemente perdedor, do local.

French New Wave, Henri Langlois, junta os três jovens protagonistas: os gémeos Théo e Isabelle, e o americano em intercâmbio, Matthew.

concordar

com

o

recorrer

à

violência,

afasta-se,

Sobre este final o conceituado crítico de cinema Roger Ebert escreveu “It is clear now that Godard and sexual liberation were

O amor pelo cinema que os une concede ao espetador várias

never going to change the world. It only seemed that way, for a time.“

montagens noir recheadas de uma multitude de referências a filmes

É uma das verdades mais cruéis que podemos enfrentar enquanto

franceses que marcam muitas das obras contemporâneas. Um dos

jovens. A noção de que todo o esforço, entusiasmo e sensibilidade

meus momentos preferidos ocorre quando os três, ao testarem todos

direcionados a uma causa podem culminar em meros esqueletos

limites, tentam ultrapassar um recorde estipulado em uma das mais

empoeirados que desvanecem num piscar de olhos. Nós queremos a

reconhecidas cenas do cinema francês: o percorrer do Louvre

mudança. Queremos acreditar que vamos ser parte dela.

durante 9 minutos e 43 segundos, como retratado em Bande à Part de Godard. Outro instante remonta para uma noite embrulhada em vinho

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não

Acredito que está na nossa natureza desafiar o imposto, é quase como se existisse uma pré-disposição humana para se tentar superar a si mesma.

tinto, onde a cintilante luz das velas ilumina as páginas de um

A verdade é que não sabemos em concreto o desfecho de

pequeno ensaio político. Théo lê: “A revolution isn't a gala dinner. It

Matthew e dos gêmeos; somos deixados com mil e uma perguntas a

cannot be created like a book, a drawing or a tapestry. It cannot

pairar pelo ar. Contudo, de algo podemos ter a certeza: as nossas

unfold with such elegance, tranquility and delicacy. Or such

ideias interessam e ações, independentemente do quão minúsculas

sweetness, affability. Courtesy, restraint and generosity. A revolution

possam aparentar ser, hão de impactar alguém. Afinal como o querido

is an uprising, a violent act by which one class overthrows another.”

Robin Williams professava: “Words and ideas can change the world.”.


Inês Moreira

Dez/Jan.

Cinema

Os assassinos da lua das flores de Martin Scorsese “No final de um ano em que assistimos, mais uma vez, a uma violência terrífica sobre um povo dominado, neste caso a Palestina, o lançamento desta obra cinematográfica nunca teve tanto significado, já que a exploração sistémica e a desapropriação de terras e recursos são temas nunca ausentes na História”.

Numa retrospetiva de final de ano, não se pode deixar de lado o grande ecrã e, nesse sentido, foi com grande prazer que, já no último trimestre de 2023, pudemos presenciar o regresso de um dos mais ilustres realizadores da contemporaneidade, Martin Scorsese, com o belíssimo “Os assassinos da lua das flores”. O realizador italo-americano conta-nos a história do genocídio do povo nativo Osage, narrada inicialmente por David Grann, em 2017, na sua obra homónima. Nela expõe uma onda de assassinatos sobre o povo nativo de Oklahoma, nos Estados Unidos da América, durante a década de 1920, perpetrada por cidadãos brancos americanos – aquando da descoberta de petróleo na terra que a esta comunidade tinha sido atribuída por direito, e à consequente riqueza proveniente da matériaprima nela inserida – e como a intervenção sobre este genocídio levou anos a decorrer, tendo sido a primeira grande investigação do Federal Bureau of Investigation no país. A história dos Osage ilustra vividamente como as comunidades indígenas foram despojadas das suas terras e recursos por meio de práticas coloniais. A apropriação das ricas reservas de petróleo dos Osage por interesses brancos é um claro exemplo de como o colonialismo não é apenas uma narrativa do passado, mas também um processo contínuo de desapropriação e ex-

-ploração. Ademais, a investigação sobre os assassinatos revela a perpetuação de estruturas de poder coloniais – mesmo quando os Osage foram considerados "ricos", a intervenção do governo e de alguns empresários brancos visou, em todo o momento, controlar e manipular essa riqueza para beneficiar predominantemente os próprios colonizadores. Transpondo esta realidade para o cinema, Scorsese abordou audaciosamente estas dinâmicas de poder, personificando a ganância sem escrúpulos em William Hale, interpretado por Robert DeNiro, e uma alienação completa pela riqueza através de Ernest Burkhart, interpretado por Leonardo DiCaprio, o seu sobrinho camponês, que acaba por se casar com Mollie, uma mulher nativa interpretada magistralmente por Lily Gladstone. É, logo no início da obra, deixado claro o interesse financeiro que motiva Ernest a criar uma família com sangue Osage, apesar de ser possível constatar a existência de duas facetas distintas perante o tio e a esposa, aludindo a um conflito interno entre a razão e a emoção, já que Ernest é um dos principais responsáveis pela morte da família da sua mulher, com quem dorme, come e cuida dos filhos todos os dias, ao mesmo tempo que a enferma, envenenando-a discretamente através da insulina que lhe administra. Num filme de 3h26m, Scorsese percorre vários elementos culturais e sociais do povo Osage, que minuciosamente estudou desde 2019, estando em constante contacto com este povo a quem faz uma homenagem tão bela através de um retrato da sua história, numa invocação por justiça e igualdade, (temas também já explorados em obras anteriores). Durante esta longa – mas compensadora – viagem, são carregados uma imensa agonia e um forte aperto por um povo que, perante o seu genocídio, nenhum poder tem para descobrir quem por ele é responsável. Para além disso, vemos a manutenção de uma relação cobiçosa entre um dos principais responsáveis desse genocídio e o próprio povo Osage, que o julga seu amigo e defensor, o que confere um caráter ainda mais maquiavélico e cruel à história. No final de um ano em que assistimos, mais uma vez, a uma violência terrífica sobre um

povo dominado, neste caso a Palestina, o lançamento desta obra cinematográfica nunca teve tanto significado, já que a exploração sistémica e a desapropriação de terras e recursos são temas nunca ausentes na História. Mesmo após a intervenção policial em Oklahoma, os responsáveis pelos seus crimes acabaram ou por ter penas curtas, ou por serem libertados antes do tempo, denotandose uma benevolência derivada do seu poder. É imperioso que seja dada voz aos povos massacrados – e muitas vezes eliminados dos mapas e dos livros – e é urgente a luta com estes e por estes, no passado, no presente e no futuro, sem cessar; e que bonita e marcante forma encontraram Martin Scorsese e a sua extensa equipa de o fazer em “Os assassinos da lua das flores”, onde tão bem contam a história de um povo ostracizado, os Osage, cujos antepassados resistiram tão forte e dignamente à opressão colonial.

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Dez/Jan.

Raffaella Tomaiuolo

Cinema

Io Capitano (2023) e a apatia ocidental Durante o LEFFest (Lisbon Film Festival), assisti ao filme Io Capitano do realizador italiano Matteo Garrone, que recebeu reconhecimento no

Por que é que ignoramos, esquecemos e desprezamos todo o trauma pelo qual estas pessoas passam até chegarem à nossa porta,

Festival de Veneza deste ano. O filme aborda uma história nada desconhecida ao público europeu: a dos migrantes que percorrem quilómetros de terra e de mar e chegam, em condições deploráveis, à Europa.

e por que é que a fechamos, sabendo muito bem que os deixamos sem qualquer auxílio, sem qualquer abrigo, destinados a sucumbir à crueldade da nossa sociedade? Somos realmente seres assim tão frios? Tão indiferentes ao sofrimento humano? Porque mobilizamos

O enredo concentra-se na travessia de Seydou, um adolescente senegalês, juntamente com o seu primo, pelo continente africano até à costa siciliana. Acompanhamo-lo desde os dias que antecipam a sua partida em segredo, uma vez que a família desaprova totalmente esta ideia, tentando persuadi-los a desistir mencionando os riscos que essa travessia comportaria. Vemos como, porém, aos olhos destes jovens, a Europa parece um oásis, uma utopia, um paraíso de oportunidades. Passamos com eles pelo hostil deserto do Sahara, onde são separados por autoridades militares, e entramos com Seydou nas prisões clandestinas da Líbia, onde são torturados todos aqueles incapazes de

tão fácil e velozmente forças e recursos para socorrer os nossos vizinhos do Leste e não os nossos vizinhos do Sul? Não serão as vidas de ambos igualmente valiosas? Os problemas que os motivam a fugir igualmente válidos? Não foram os valores fundadores da União Europeia a cooperação entre povos e o respeito pela dignidade humana?

pagar pela sua libertação. Novamente reunidos em Tripoli, meses depois, acompanhamo-los pelo Mediterrâneo, transportados num barco extremamente velho e pequeno para as pessoas que transportava.

Filme Io Capitano (2023)

Filme Io Capitano (2023)

Na breve intervenção de uma convidada (cuja identidade não fui capaz de confirmar), após a exibição do filme, foi repetida diversas vezes a acusação de que a Europa, a União Europeia sobretudo, estava a falhar, e que, inclusive, era culpada pelo estado das coisas: desde a falta de apoio no resgate das embarcações que se aventuram pelo Mediterrâneo, à utilização de obstáculos burocráticos como forma de tentar libertar-se dos que necessitam de asilo, aos acordos com o questionável estado da Líbia para reter ou atrasar os migrantes que lá passam. Todos temos conhecimento de que esta travessia é árdua e encontra fortes obstáculos da parte de todas as autoridades e fronteiras que cruzavam, mas a autêntica desumanização destes homens e mulheres que apenas buscam uma melhor vida, por vezes como última alternativa ao seu regime opressor, é monumentalmente maior do que alguma vez tivesse considerado. Nunca testemunhei tamanha apatia como aquela daqueles que lidam com pessoas no seu estado mais vulnerável. Que o uso da burocracia como escudo contra pedidos de asilo e a desigualdade dessas políticas de país em país seja suficiente para apaziguar e limpar as mãos daqueles que têm poder.

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Entre a frustração causada por esta situação e a urgência que senti na necessidade de que algo, qualquer coisa que seja, mudasse, fui compelida a levantar-me, a informar-me, e a tentar participar na mudança. Deixo aqui então uma lista de algumas ONGs e projetos nacionais que atuam diariamente nesta frente, para que, se como eu, também se tiverem fartado da própria sensação de impotência e da alienação de quem nos representa, saibam por onde começar: Cruz Vermelha Portuguesa – Apoio a Grupos Vulneráveis – Migrantes e Refugiados: https://www.cruzvermelha.pt PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados https://www.refugiados.pt/ Apirp - Associação de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal: https://apirp.pt/ Conselho Português para os Refugiados https://cpr.pt/ JRS Portugal – Serviço Jesuíta aos Refugiados https://www.jrsportugal.pt/ A Fundação Portugal com ACNUR, parceiro nacional da Agência das Nações Unidas para os Refugiados: https://pacnur.org/pt Humans Before Borders: https://www.humansbeforeborders.org/


Dez/Jan.

Beatriz Batista

Cinema / Inglês

Miyazaki's Enchanting Final Return: The Boy and the Heron “In an era where 3D animations are dominant, Miyazaki and the studio remain committed to the art of 2D animation, which brings a whole other level of emotion and cinematic quality to every frame. Each scene feels like a hand-painted canvas filled with so much beauty which continues to leave me absolutely stunned.”. The iconic Studio Ghibli filmmaker Hayao Miyazaki returns once again at age 82 to deliver yet another masterpiece. The Boy and the Heron, released this summer, follows a young boy named Mahito who has recently moved to the home of his late mother’s sister in the Japanese countryside. Almost instantly upon arrival, Mahito notices a heron flying around and soon they start having strange encounters. One day, the young boy ventures into the woods and comes across an entrance to an old, abandoned tower on the property. Once he crosses into it, Mahito is immediately transported into a parallel world full of magic and multiverses. There's an undeniable similarity to Miyazaki’s life story to the point where sometimes this film feels almost autobiographical. Themes such as grief, mortality, and the afterlife are recurring motifs in Miyazaki’s body of work, and The Boy and the Heron is no exception. This story presents an intricate web of complex topics that bring tension and suspense. Yet, it also seamlessly weaves moments of comic relief and, true to Studio Ghibli style, effortlessly incorporates heartwarming instances of endearing charm.

In an era where 3D animations are dominant, Miyazaki and the studio remain committed to the art of 2D animation, which brings a whole other level of emotion and cinematic quality to every frame. Each scene feels like a hand-painted canvas filled with so much beauty which continues to leave me absolutely stunned. Even though this film has become one of my favourites by Miyazaki, it's essential to acknowledge that its intricate plot may pose a challenge for some viewers, demanding attention, patience, and perhaps even multiple viewings. Due to the complexity of the narrative and the multitude of things that happened, when the film ended, the first thing I said to my friends was, ‘This was a huge mental trip’—a sentiment I still wholeheartedly stand by. After spending a few contemplative hours digesting everything that had happened and developing a solid opinion, one realization surfaced the moment the credits rolled – I unquestionably loved it. This is the fourth time Hayao Miyazaki has shared that he will be retiring, and this film marks his return after a decade-long hiatus. Considering his past declarations about retirement, I’m unsure if we can fully believe he won’t return. However, there is a specific scene in the film that gives The Boy and the Heron a sense of finality like this one is truly supposed to be his last masterpiece.

In The Boy and the Heron, there are no definitive answers found within its real or dream worlds, nor in the cosmic and apocalyptic themes that emerge. However, a character imparts wisdom to the young boy with a powerful line of dialogue: "Create a world without malice, and full of beauty." This encapsulates Hayao Miyazaki's career and serves as a remarkable testament to his work. Whether or not this proves to be Miyazaki's final masterpiece, it undeniably marks a profound conclusion to the animator's illustrious career.

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Dez/Jan.

Mariana Aleixo

O QUE VER ESTE NATAL?

25 FILMES PARA VERES ESTE NATAL Com o período das festas a chegar, a vontade em deitarmo-nos no sofá a ver um bom filme, com uma manta e uma bebida quente, aumenta. Parece que o frio e esta altura festiva nos traz uma outra disposição para o fazermos. Mas, por vezes, perdemo-nos e demoramos imenso tempo a decidir o que ver, que quando damos por nós já passou uma tarde inteira e apenas ficámos a tentar escolher entre uma imensidão de opções. Para que neste ano não tenhas este problema, encontras aqui uma lista de 25 filmes, dos mais variados géneros, que te poderão acompanhar desde o inicio do mês até ao dia de Natal. Fica descansado que não te vou recomendar o Sozinho em Casa, porque todos nós sabemos que no dia 25 de dezembro lá estará o Kevin à nossa espera na televisão. Grinch (2000), Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) Frozen (2013) Elf (2003) Little Women (2019) The Nightmare Before Christmas (1993) Santa Buddies: The Legend of Santa Paws (2009) A Idade do Gelo (2002) The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe (2005) Die Hard (1988) Arthur Christmas (2011) The Princess Switch (2018) Carol (2015)

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Last Christmas (2019) The Christmas Chronicles (2018) Polar Express (2004) Mary Poppins (1964) It's A Wonderful Life (1946) Klaus (2019) Jingle Jangle: A Christmas Journey (2020) A Christmas Story (1983) Batman Returns (1992) A Boy Called Christmas (2021) Violent Night (2022) Edward Scissorhands (1990)

Cultural


Dez/Jan.

Gürkh

Crónica Natalícia

As cinquenta lascas de bacalhau Na noite de Natal, o bacalhau não é apenas um prato, é quase uma experiência sensual. Começa quando ele repousa na água, como se estivesse a preparar-se para um mergulho erótico. A ansiedade paira no ar, algo mais intenso do que os grãos de sal que lentamente se desprendem. Existe um certo mistério, como se estivesse a antecipar um encontro apaixonado. Quando o bacalhau finalmente é cozinhado e desfiado, é como se estivéssemos a testemunhar um striptease culinário! As lascas de bacalhau separam-se suavemente, revelando uma carne suculenta e convidativa. Ah, a tensão de cada pedaço desfiado é quase como aguardar por um desfecho excitante! E não podemos ignorar os outros ingredientes que acompanham o bacalhau. As batatas, as hortaliças e os ovos, todos dispostos de forma estratégica, muitas vezes ensopados em azeite, brilham de forma sedutora. O azeite dourado escorre delicadamente sobre o prato, conferindo-lhe uma textura irresistível. À mesa, enquanto todos se deliciam com o bacalhau, olhares são trocados, sorrisos sugestivos são partilhados. Há algo intrigante e, quem sabe, até mesmo sensual, na forma como cada um mergulha neste prato tão tradicional. Enquanto apreciamos este manjar, é melhor não mencionar o quão estimulante pode ser este prato durante a ceia de Natal. Afinal, o bacalhau pode despertar sensações inesperadas. Quem imaginaria que um prato tão clássico poderia ter um toque tão... picante, durante esta época festiva?

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Mercados de Natal em Lisboa e arredores Nesta edição que antecede o Natal trazemos uma seleção de mercados de Natal, com entrada gratuita, em Lisboa e arredores, para que possas comprar prendas sustentáveis e apoiar pequenos negócios. Ao comprar a estes negócios não só estás a ajudá-los, como também a garantir que compras prendas muitas vezes únicas e, por isso, mais especiais!

Se tens/conheces um pequeno negócio que queiras ver promovido na próxima edição da Nova em Folha envia-nos email ou mensagem pelo Instagram!


As nossas sugestões… Mercado de Natal Campo Pequeno 7 a 10 dezembro 11h-21h Campo Pequeno

Anjos70 Flea Market em Marvila 9 a 10 dezembro 11h-19h Praça David Leandro da Silva 8 (8 Marvila)

Rossio Christmas Market Até 23 dezembro, 10h-22h/23h Sexta a sábado e feriados Praça Dom Pedro IV (Rossio)

Santa Clara Mercado de Natal

Mercado XXXmas

19 a 23 dezembro Terça a Sexta 10h-21h Sábado 9h-16h Mercado de Santa Clara

8 dezembro 14h-22h Rua do Centro Cultural 11 (A11 Galleries)

Mercado de Natal El Corte Inglês Até 24 dezembro, vários horários El Corte Inglês entrada lateral (Av. António Augusto Aguiar) Piso 1.

Mercado de Natal de Alvalade 6 a 17 dezembro 10h-20h Avenida da Igreja, Alvalade

Bairro de Natal 6 a 17 dezembro, vários horários Jardim do Mercado de Benfica


Com entretenimento e uma programação cultural associada… Mercado de Natal de Carnide

Jardim de Natal nos Olivais

14 a 17 dezembro, vários horários Largo das Pimenteiras, Carnide

8 dezembro a 7 janeiro 2024 Segunda a domingo 15.00-22.30 Igreja de Santo Eugénio, Encarnação

Natal Consciente no Lx Factory Até 10 dezembro, vários horários LX Factory, Alcântara

Mercado de Natal Amigo da Terra (Feliz Almada) 8 a 24 de dezembro, vários horários Praça São João Baptista e Praça da Liberdade, Almada

Natal no Palácio Encantado Oeiras 8 a 10 dezembro 10h – 21h Palácio Marquês de Pombal (Oeiras)

Wonderland Lisboa Até 1 janeiro 2024, vários horários Parque Eduardo VII

Mercado de Natal Sintra (Reino de Natal) Até 30 dezembro 10h-19h Terreiro Rainha Dona Amélia Margarida Calado


Dez/Jan.

Sofia Diniz

Viagens

Escapadinhas de inverno em Portugal O inverno não deve ser necessariamente sinónimo de permanecer em casa. As férias de Natal constituem a oportunidade perfeita para a realização de uma escapadinha em Portugal. O nosso país consiste numa fonte de riquezas naturais, culturais e históricas, que esperam por ti para as desvendar. Como tal, encontrarás aqui quatro sugestões de destinos portugueses low-cost, para visitar durante as férias de Natal ou no inverno.

Marvão A deslumbrante vila de Marvão ergue-se no âmago do Parque Natural da Serra de São Mamede, a mais de 800 metros de altitude. Como típica vila alentejana, as suas casas caiadas de branco espalham-se pelas ruas ancestrais, contrastando com a aspereza da rocha e das imponentes muralhas que a ladeiam. A sua história remonta ao período de ocupação romana, sendo a antiga cidade de Ammaia prova. No sopé da serra, estas ruínas podem ser visitadas, bem como diversos objetos utilizados por este povo. Não deves deixar de conhecer também Castelo de Vide e a Praia Fluvial de Portagem. As nuances da paisagem desenrolam-se sob o olhar maravilhado do visitante, especialmente se o realizar a partir do Castelo ao pôr-dosol. Afinal, Saramago não estava enganado quando afirmou que “de Marvão vê-se a Terra toda”.

Tomar

A cidade templária de Tomar, no distrito de Santarém, constitui o lar da emblemática Festa dos Tabuleiros, que decorre quadrienalmente. É também símbolo da Ordem dos Templários, uma vez que foi a sua sede durante séculos, preservando alguns dos seus mais importantes segredos no Convento de Cristo e no Castelo, que contém a célebre Janela do Capítulo. No extremo da Rua Serpa Pinto (ou Corredoura para os locais) encontrarás as Estrelas de Tomar, onde podes saborear um Beija-me depressa, um bolo típico da cidade confecionado com doce de ovos. Para além disto, a Mata dos Sete Montes, a Praça da República, o Mouchão, o Açude de Pedra e o Aqueduto dos Pegões demonstram que Tomar é uma cidade de variados encantos, que merece certamente a tua visita. Dica: Não deixes de explorar o Museu dos Fósforos.

Monsanto Esta aldeia situa-se no distrito de Castelo Branco, concelho de Idanha-a-Nova, tendo sido distinguida com o título de “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”. Visitar Monsanto é deambular pelas ruas desta aldeia tão sui generis, observando as "casas de uma só telha" (casas integralmente cobertas por colossais penedos) e descortinando a sua aura mística. A aldeia parece um cenário de um filme, tendo sido palco para as gravações da prequela de “Game of Thrones”, de facto. Tudo se encontra em perfeito equilíbrio com a natureza, sendo o Castelo o local indicado para admirar a paisagem beirã. Monsanto integra a rede das Aldeias Históricas de Portugal, logo, aproveita a viagem para conhecer também outras, como Sortelha ou Idanha-a-Velha. Assim, Monsanto garante um bilhete numa viagem no tempo, e cabe ao visitante desvendar os segredos que as ruas ancestrais contam.

Ponte de Lima

A vila medieval de Ponte de Lima em Portugal ergue-se sobre o rio que lhe dá o nome, na região do Alto Minho. As suas raízes são profundas, remontando ao século XII, sendo que a sua história exala de cada recanto. Ponte de Lima é constituída por beleza aliada a autenticidade, nas margens de uma água cintilante, imbuída de lendas e mitos. Caminha pelas suas pitorescas ruas enquanto observas as marcas deixadas pelo tempo, passando pela Torre da Cadeia Velha, a Igreja de Santa Maria dos Anjos, a Avenida dos Plátanos, as estátuas à beira-rio, o marco miliário e finalmente, a icónica Ponte Velha, que confere o nome à vila. Dica: Descobre também as vilas raianas de Ponte da Barca e de Arcos de Valdevez, nas imediações de Ponte de Lima.

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Carolina Ramos / Lucas Berenguer

Dez/Jan.

Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro

Crónicas

desabafo de ano novo:

Carolina Ramos

Lucas Berenguer 01.01.23/01.12.23

“Resistir é um ato de força incalculável, do qual depende o comprometimento do ser como um todo - corpo, alma, cabeça e coração - a resistência faz-se com cada pedaço de nós.”

Ano novo, vida nova? não. o ano novo não nos devia fazer esquecer todo o horror e pecado do presente ano só por termos música, luz e cor num só dia, não nos devia aliviar a alma com

Todos os anos há um período entre dezembro e janeiro em que essa célebre frase, eternizada por Belchior na música “Sujeito de Sorte”, e com origem num poema de Zé Limeira, passa a estar, como é costume dizer, na boca do povo. Na sequência de anos indescritivelmente difíceis, cheios de momentos conturbados e de dias sem fim, manifesta-se a esperança de que o futuro assuma outra roupagem. Se não podemos “sofrer no ano passado”, o que nos resta é sorrir no que virá. A morte figurada de Belchior, e de todos aqueles que revisitam as suas palavras, é a morte que só sente quem luta, porque apenas no espaço da luta se torna possível encontrar a esperança de não redescobrir a mesma morte no futuro. Apenas no interior de quem conhece a resistência é que os versos “Tenho sangrado demais/ Tenho chorado pra cachorro” não representam o lamento da dor do presente, mas a possibilidade de não voltar a senti-la. O mundo em que vivemos apresenta-nos todos os dias uma nova razão para lutar, ao mesmo tempo que apresenta tantas outras para desistir. De facto, para seguir na luta, é preciso ser impetuoso. Resistir é um ato de força incalculável, do qual depende o comprometimento do ser como um todo - corpo, alma, cabeça e coração - a resistência faz-se com cada pedaço de nós. Quando tudo está ameaçado, é necessário beber a esperança em todas as fontes possíveis. Que possamos manter-nos sãos, salvos e fortes para enfrentar as lutas que virão e honrar todas as mortes passadas.

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falsos pretextos de perdão do universo e de novas chances que vamos deitar na fogueira, não devia coser de volta dois lados de uma família apenas por uma vista semidecente de fogo de artifício. foram rasgos feitos por uma razão. somos uma espécie de merda. somos castelos em mares de nuvens: parecemos formas definidas quando nos vemos ao longe, nas nossas travessias diárias de uma ponta do céu à outra, mas de perto somos incertos, não temos forma, passamos dias e dias a fingir que não somos vapor. somos uma família de 5, num aeroporto nos confins do mundo, à espera de um avião que nunca virá. pensamos que estamos longe de ser um céu nublado, mas somos as gotas de chuva. uma vez contaram-me uma história, sobre um tal de Noé, um batel de madeira, e um deus cansado que inunda a terra onde as almas, apodrecidas, sonhavam. uma parte ridícula de mim pensa nisso todos os invernos quando chove. talvez “Ele” se farte de nós outra vez. esta noite, enquanto Dezembro se transforma em Janeiro, iremos forçar pólvora a desabrochar no céu em vez de estrelas, mas ainda assim, diremos que somos apenas humanos, e que os deuses são eles. sim, os deuses são eles, são as histórias e os mitos, são os fios com os quais cosemos os rasgos do mundo, nele e em nós, são os fios em volta dos nossos braços, em volta dos nossos pulmões. os deuses são eles, e não nós, mas quem desfiou o mundo fomos nós. e porque num mundo antes do nosso que se afogou nas águas do que tecemos, os deuses nos perdoaram com um arco-íris, agora, quando um ano escoa para o outro, pintamos o céu com todas as cores que conhecemos, forçamos o céu a desabrochar e os deuses a mostrar perdão por coisas imperdoáveis, e tudo porque dizemos que estamos dispostos a mudar, conseguimos mudar, vamos mudar. e mais um ano passa. não mudámos. não mudaste. somos uma espécie de merda. mas haja esperança. ano novo, vida nova. conta-me lá todas as tuas expectativas, os sítios onde queres ir, as coisas perecíveis que queres tanto comprar. vou tentar perceber-te. conta-me todas as tuas trinta e sete resoluções. queres ouvir a minha? epílogo: porque é que as lojas fecham no primeiro dia de Janeiro? o objetivo não é precisamente assinalar que um novo ano começou, que a vida continua? a minha, infelizmente, ainda não acabou. vaite *****, Lisboa. abram os supermercados. tenho fome.


Bela Cadima

Dez/Jan.

Crónica

Um milhão de fins do mundo à espreita Acho que carregamos dentro de nós mesmos um milhão de fins do mundo diferentes. Esta natureza desesperada (e conformada, claro!) aponta para os nossos pedaços unidos às pressas, com super cola.

Engraçado, é o improviso que

acalma tantas mentes racionalizadas. Por outro lado, o improviso arremessa todas essas mentes para bem longe. Tão longe que só reparam tardiamente que se meteram no meio de um furacão! Se soubessem dos danos Ferdinand e Marianne, em Pierrot Le Fou (1965)

de um furacão, não teriam de guardar tantas caixas de super cola num armário velho e mofado: sim, o cérebro. Mas, veja bem, não acumulamos tantos fins do mundo porque sim. Não nos recordamos deles por puro masoquismo. Trata-se, aliás, da seguinte verdade: os nossos fins do mundo estão em toda a parte! Não é à toa que Bento Santiago sorve a alcunha ácida de Dom Casmurro: ele vive atormentado pela suposta traição de Capitu e Escobar, que sentenciou a vida de Bentinho à desgraça de contentar-se com a solidão. Sem uma razão confirmada para a sua cólera, assistimos à decadência de um homem que arruinou os laços frágeis que o uniam à Capitu. A imagem de mulher amada sucumbe, na sua mente nublada, à de mulher “oblíqua e dissimulada”. E aí surgem os caquinhos afiados, que embora Bento Santiago tente colar, sempre vai se lembrar de quando se rendeu aos ditames da sociedade burguesa de Oitocentos. Virou um homem estilhaçado, o Bentinho. Simples assim.

Fins do mundo como o de Marianne e Ferdinand também despertam o nosso senso libertário, de dar um grito exasperado, exprimindo o desejo secreto de viver uma aventura que, literalmente, pede por um fim do mundo. Os exemplos que dei ilustram a ambiguidade dos fins do mundo acoplados dentro (e fora, porque não?) de nós. Machucam? Claro que sim! Mudam-nos? Certamente. Mudanças dão rumos inesperados à multiplicidade de vivências que são empatadas por fatores que amordaçam o objetivo da vida: ser vivida, por mais redundante que soe. Os fins do mundo pintam-nos, mas mancham-nos. Bordam linhas novas, mas desbordam outras. Fazem dezenas de nós, mas desamarram centenas deles. São os fins do mundo, até, que nos concedem uma sensação única, irrepetível: amar, deixar-se levar pelo amor, entregando-se a ele. Não tem fim de mundo mais bonito e bagunçado do que esse, responsável pela união de Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas em um plano onde os dois se unem junto das estrelas. Expresso aqui, neste final desajeitado, a posição de que ter um milhão de fins do mundo é bom, porque altera, num movimento extasiado, cada coisa que faz parte de nós. Provocar e apropriar-se dos fins do mundo é um ato de coragem. Uma verdadeira revolução! Ter esta visão faz de mim uma pessoa teimosa, hipócrita ou implicante. Talvez. Nunca se sabe o que o fim do mundo pode causar

Bentinho e Capitu, em Capitu (2008)

na cabeça de alguém.

Não é à toa que Ferdinand e Marianne vão atrás de um fim de mundo arrebatador, transpondo a realidade de Bonnie e Clyde para os seus próprios caminhos, numa inversão perspicaz dos valores morais que inegavelmente os aprisionam (e isso sem discorrer sobre a crítica de Godard ao imperialismo estadunidense, que até hoje mata. E mata muito).

Capitolina Santiago, em Capitu (2008)

Marianne em Pierrot, Le Fou (1965)

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Inês Fonseca / Laura Tuck

Dez/Jan.

Um Brinde às 365 insónias Inês Fonseca

Poemas

Our Dance Laura Tuck

My soul dances intertwined with yours. Chaos, passion, creation, meets peace. There, we find each other. Mid-dance. Simply a time of being, seeing, sharing. The little peace we cultivated during our little dance is infinite. Only infinite for us. We no longer love each other, we no longer dance. However, our peace is timeless, during our dance we shall always love, and everytime I do, I fall in love once more.

Não foi meu, mas na ponta do meu nariz tocou Deixei o perfume me embeber Não foi nosso, mas os nossos braços entrelaçou Deixámos o ano nos dissolver Na minha boca prevalece O sabor do teu olhar O caramelo que me enfraquece O chocolate que me faz vibrar Ao som dos fogos de artifício que prevejo Para lá das janelas e para cá do carnal Deixo a sala de espera do desejo Entregando a outro par de mãos a senha do irreal Nego o toque amargo da tua sinestesia A laranja descascada te ofereço Troco a musa da poesia E com beijos nas têmporas me despeço

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Miguel Jorge / Catarina Maia Rodrigues

Dez/Jan.

Se Alguma Vez As Tive Miguel Jorge - 12.10.2023

Poemas

De quantos dias nos lembramos de verdade, Estarão os dias para depois Numa sequência de dias esquecidos, A vida é longa, mas não há dias de sobra.. Catarina Maia Rodrigues

Se alguma vez as tive, perdi-as, dúvidas sobre a inércia dos meus dias. Comboio a alta velocidade sem travão, apenas com o facto da sua existência como carvão. Ou carro escorregando numa descida sem freio, mirando lá fora sem poder escapar o meio. Antecipando o que está para vir e o que já veio. Recordando pouco, confundindo as várias lembranças do futuro. Escutando cinicamente os que guiam a existência pelo ideal puro. Num corpo simultaneamente entorpecido e duro, combato com vincos e riscos de grafite no papel o inexorável tempo que, quando a ele não me resigno, me desperta um profundo e amargo fel.

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NOVA EM EMBRULHO Departamento cultural

RETROSPETIVA - OS ÁLBUNS DE 2023 POP ALTERNATIVO

INDIE ROCK

RAP TUGA

MATURIDADE

CULTURA

TRANSFORMAÇÃO

CRÍTICA

CRESCIMENTO

POVO

AMBICIOSO ESOTÉRICO EUFÓRICO

DESIRE, I WANT TO TURN INTO YOU

CUTS & BRUISES

AFRO FADO

INHALER

SLOW J

CAROLINE POLACHEK

INDIE

POP ALTERNATIVO

MELANCOLIA

SOLENE

GUITARRA

APAIXONADO

CHUVA

SINCERO

ROCK ALTERNATIVO REVOLTA CRISE DE IDENTIDADE DORES DO CRESCIMENTO

HORTELÃ

DID YOU KNOW THAT THERE'S A TUNNEL UNDER OCEAN BLVD

MARO

PIGGY

PETER MCPLAND

LANA DEL REY

INDIE/ ALTERNATIVA

ALTERNATIVA/INDE PENDENTE

PHOEBE

MÍTICO

LUCY

DESASSOSSEGO

JULIEN

TERRENO

R&B CONTEMPORANEO /NEO SOUL LUA FEMINILIDADE AMOR

THE RECORD

UNREAL UNEARTH

RED MOON IN VENUS

BOYGENIUS

HOZIER

KALI UCHIS

ALTERNATIVA/POP /HIP-HOP

ALTERNATIVA; ORCHESTRAL POP

FUTEBOL

ENTREGA

FADO

DOR

PREÇO CERTO

HIPOCONDRIA

JAZZ/POP CONFORTO ENFEITIÇANTE

ESTAVA NO ABISMO MAS DEI UM PASSO EM FRENTE PEDRO MAFAMA

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THE LAND IS INHOSPITABLE AND SO ARE WE MITSKI

COLDPLAY

BEWITCHED LAUFEY

ROMANCE


NOVA em Folha

Dez/Jan.

Homenagem

HOMENAGEM 2023

Nestas páginas, o Nova em Folha recorda alguns portugueses que nos deixaram em 2023.

01. JANEIRO

Alfredo Campos Matos

António Cartaxo

Mário Teixeira da Silva

(n.1928) – Historiador de literatura, autor de o Dicionário de Eça de Queirós (1993).

(n.1934) – Locutor de rádio. Trabalhou no serviço Português da BBC em Londres, da RDP – Radiodifusão Portuguesa e foi também docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, durante 20 anos. Em 1987 recebeu o Prémio Gazeta de Jornalismo por um programa dedicado a Fernando LopesGraça.

(n.1947) – Colecionador de arte. Dirigiu desde 1975 e até à data da sua morte o Módulo – Centro Difusor de Arte, uma das mais importantes galerias de arte em território nacional, reunindo uma importante coleção.

03. MARÇO

Ruy Castelar

Rui Nabeiro

(n.1932) – Ator e locutor de rádio. Iniciou a sua atividade na rádio no Rádio Club de Angra, em Angra do Heroísmo e trabalhou na Rádio Clube Português, Rádio Comercial, entre outras. Como ator, participou em cinema, teatro e telenovelas.

(n.1931) – Empresário, fundador do Grupo Delta, e reconhecido pelo seu dinamismo empresarial e por ser um exemplo de um bom patrão.

04. ABRIL

João de Sousa Araújo (n.1929) – arquiteto, escultor e pinto, que se destacou na arte sacra. Algumas das suas obras mais conhecidas são o retábulo da capela-mor da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, os painéis sobre santos portugueses no Santuário do Cristo Rei, em Almada, e o hotel Savoy, na Madeira. Em 2014, foi condecorado pelo Vaticano com a Ordem de São Gregório Magno.

José Duarte (n.1938) – Locutor de Rádio e crítico. Foi um dos maiores divulgadores de jazz em Portugal, tendo criado o programa de rádio 5 Minutos de Jazz, que em 2023 era o programa mais antigo da rádio portuguesa.

05. MAIO

Agostinho Ferreira Barrias

Joaquim Pessoa

Elísio Dona

Luís Aleluia

(n.1937)- Empresário.

(n.1948) – Poeta.

(n.1974) – Músico e produtor musical, mais conhecido por ser fundador e teclista dos Ornatos Violeta, banda fundada em 1991. Integrou também a banda Per7ume até 2008. Antes da sua morte, criou o coletivo artístico Gato Morto.

(n.1960) – Ator, encenador e estudante de Ciências da Comunicação na NOVA FCSH, mais conhecido pelo seu papel de Menino Tonecas na série As Lições do Tonecas, emitida na RTP1 entre 1996 e 2000. O seu último trabalhado na televisão da série Golpe de Sorte, interpretando o "padre Alexandre Bento".

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NOVA em Folha

Dez/Jan.

Homenagem

HOMENAGEM 2023

Nestas páginas, o Nova em Folha recorda alguns portugueses que nos deixaram em 2023.

07. JULHO

09. SETEMBRO

José Mattoso

Teodora Cardoso

Avelino Tavares

(n.1933) – Historiador, medievalista e professor universitário. Foi autor de uma extensa obra especializada em História Medieval Portuguesa, que influenciou profundamente a investigação e a receção da história medieval em Portugal. Foi coordenador de uma “História de Portugal” com oito volumes que vive nas estantes de muitas casas protuguesas até aos dias de hoje.

(n.1942) – Economista; Foi a primeira mulher a fazer parte da administração do Banco de Portugal. Entre 2012 e 2019 foi presidente do Conselho de Finanças Públicas, organismo responsável pela fiscalização do cumprimento das regras orçamentais em Portugal​.

(n.1938) - Editor e produtor de espetáculos, fundou a revista “Mundo da Canção” e a partir da década de 80 foi responsável pela organização de concertos de vários artistas nacionais e internacionais, como B. B. King, Fausto, Miles Davis e Milton Nascimento.

10. OUTUBRO

Margarida Amaral

Teresa Magalhães

Bobi

Margarida Tengarrinha

(n.1928) – Cantora. A lisboeta foi a primeira artista a cantar nas emissões experimentais da RTP, na Feira Popular, em 1956. Além da sua carreira como cantora na Emissora Nacional e na RTP, gravou vários discos e cantigas de homenagem a localidades portuguesas, como são exemplo Caldas da Rainha, Sesimbra, Estoril e São Pedro de Moel.

(n.1944) – Pintora, agraciada pela Presidência da República com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 2004.

(n.1992) – Cão de maior longevidade da história, certificado pelo Guinesss World Record. Cão da raça Rafeiro do Alentejo, da família Costa, da vila de Conqueiros, Leiria, Portugal.

(n.1928) – Professora, escritora, deputada da Assembleia da República Portuguesa, militante e dirigente do Partido Comunista Português, com um papel importante na redação do jornal Avante! e na falsificação de documentos durante a clandestinidade.

11. NOVEMBRO

Manuel Gusmão

João Lima

Sara Tavares

Estrela Alves

Carlos Avilez

(n.1945) – Professor universitário, poeta e ensaísta português. Publicou oito obras de poesia e especializou-se, ao longo da sua vida, em Literatura Portuguesa. Foi deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Comunista Português depois do 25 de abril.

(n.1961) – Atleta de barreiras português, nascido em Luanda, Moçambique. Competiu nos 110 metros com barreiras nos Jogos Olímpicos de Verão de 1988

(n.1978) – Cantora e compositora de ascendência cabo-verdiana. Representou Portugal na Eurovisão de 1994, alcançando a 8ª posição. A maior parte da sua música é definida como world music.

(n.1930) – Fadista. Intérprete de "Eu canto p'ra Toda a Gente" fez parte do elenco de várias casas de fado, designadamente da Adega Mesquita, onde atuou nas décadas de 1950 e 1960, e participou em diversos programas de rádio e televisão.

(n.1939) – Ator e encenador. Foi também Presidente do Instituto de Artes Cénicas, Diretor do Teatro Nacional S. João e Diretor do Teatro Nacional D. Maria II. Fundou a Escola Profissional de Teatro de Cascais, a cuja Direção pertenceu, integrando, também, o corpo docente.

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Dez/Jan.

NOVA em Folha

Receitas

Arroz Doce Vegan Como os nossos excelsos seguidores de Instagram devem saber, abrimos, recentemente, uma votação nos stories para a melhor sobremesa de natal portuguesa. Quem acompanhou o notável evento deve já ter reparado que o arroz doce não foi o vencedor do concurso, mas, de facto, o pastel de nata. Sim, o pastel de nata, entre todas as sobremesas de natal na votação! Ora, não querendo o NOVA em Folha sucumbir ao estereótipo do “custard tart” como único doce português merecível de atenção, decidimos selecionar o arroz doce como vencedor honroso e digno de uma página no jornal (mas deixamos-vos a receita vegan, porque achamos que todos merecem e devem comer arroz doce este Natal). Que assim se veja a força do pastel de nata, magnífico dono dos paladares dos portugueses!

Para esta deliciosa receita de arroz doce vegan vais precisar de: 1 chávena de arroz carolino 1 L de leite de soja 1 pau de canela 2 cascas de limão uma pitada de sal 1 chávena de açúcar mascavado canela q.b.

Modo de preparação: Lava bem o arroz. Ferve o leite de soja com o pau de canela, a raspa de limão e o sal. Quando o leite ferver, deite o arroz. Deixa cozinhar em lume brando até o arroz cozer, mexendo frequentemente. Quando o arroz estiver cozido, junta o açúcar e envolve. Deixa cozinhar mais 5 a 7 minutos em lume brando, mexendo frequentemente para não agarrar. Retira para tacinhas ou para um prato bonito. No momento de servir decora com canela (não confundas com noz moscada!).

NOTA: Se quiseres um arroz mais mole e extra cremoso, coze primeiro o arroz em água e só depois coloca no leite de soja a ferver. A partir daí é só continuar a receita.

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PARA PASSARES O TEMPO...

Vertical 1. Italiano dos filmes muito baixinho 3. Ilha Italiana onde a UE falha à Humanidade 4. A Doja Cat a mandar a dica 5. Tipo de autora que se lê com chá

Horizontal 2. A pedra do Harry Estuda Filosofia 6. Teve beef com a Ariana Grande? 7. Todos já tiveram um primeiro encontro aqui

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