NOVA em Folha | Abril-Maio 2023

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LIBERDADE LIBERDADE DE

A AMANHÃ

ONTEM
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PROTEGER O AMANHÃ
DE ONTEM PARA PROTEGER O AMANHÃ NOVÍSSIMAS CARTAS PORTUGUESAS NOVÍSSIMAS CARTAS PORTUGUESAS E AINDA ...CRÓNICAS, POEMAS, CRÍTICAS, JOGOS! E AINDA ...CRÓNICAS, POEMAS, CRÍTICAS, JOGOS! UM JORNAL D@S ESTUDANTES PARA @S ESTUDANTES! UM JORNAL D@S ESTUDANTES PARA @S ESTUDANTES!

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NOTAS

A ado(p)ção do acordo ortográfico em vigor é uma decisão individual d@s membr@s da equipa de reda(c)ção e colaborador@s Após a revisão completa do material recolhido pela equipa editorial, o seu conteúdo e versão final são da responsabilidade e exprimem somente o ponto de vista d@s respectiv@s autor@s

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V A e m F o l h a
Foto da capa: Manifestação dos estudantes a 24 de Março de 2022

direção redação

ficha técnica

Ana Catarina Tiago

Madalena Craveiro

Margarida Mendes Ribeiro

Ana Catarina Tiago

Beatriz Batista

Beatriz Gomes Martins

Catarina Aires

Clara Figueiredo

Diogo Nunes

Diogo Ribeiro

Francisca Leal

Francisco M Barata

Guilherme Machado

Jéssica Marques

Jorge Tabuada

Madalena Craveiro

Maria Camões

Maria Inês Mendes

Manuel Gorjão

Margarida Mendes Ribeiro

Rita Mota

Sofia Fernandes

Tânia Pereira

Yelyzaveta Basysta

edição gráfica

colaboradores

Tânia Pereira

AEFCSH

Alexandre Correia

Bela Cadima

C L

David Letras Gaspar

Danichi Marques

Guilherme Vaz

Hefesto de Oliveira

Inês de Barros Miranda

Yelyzaveta Basysta

Margarida Calado

Margarida Pena

Maria Linhares

NECCOM

Rafael Lopes

Raquel Francisco

Rosa Garcia

Tomás Girão

revisão

Ana Catarina Tiago

Catarina Aires

Clara Figueiredo

Sofia Fernandes

Tânia Pereira

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índice

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AE EM FOLHA

Autor

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NOVÍSSIMAS CARTAS PORTUGUESAS

NECCOM (Ana Catarina Tiago e Carolina Coelho)

EXEMPLOS DE ONTEM PARA PROTEGER O AMANHÃ

Inês de Barros Miranda

#NÃOPODIAS

Clara Figueiredo

#QUEROMAISMÚSICAPORTUGUESA

Jorge Tabuada

A AUTODETERMINAÇÃO DE GÉNERO NA

FCSH

Danichi Marques

SÓ DESTRATA ABRIL QUEM NÃO O PERCEBE

Guilherme Vaz

PLAYBOY AND THE SEXUAL FREEDOM PARADOX

Jéssica Marques

REVIEW DO FILME PORCO ROSSO

Beatriz Batista

MEMENTO MORI E A BELEZA DA TRAGÉDIA

Tânia Pereira

O MEU FUTURO EM SLIDES DO PASSADO

Margarida Pena

HÁ 65 ANOS, CAZUZA ENSINAVA A CONTAR SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR

Bela Cadima

E ASSIM, ELA DISSE: “AMAI-VOS!”

O PODER DAS HISTÓRIAS REPETIDAS

Sofia Fernandes

O MEU CORPO | DE ESTÔMAGO VAZIO | Sofia Fernandes | C I

CEMENTERIO CLUB

Guilherme Machado

SEM TÍTULO | SEM TÍTULO | Tomás Girão | Raquel Francisco

COMES HOW FAR SUN'S ECLIPSE? |

ÁLVARO DE CAMPOS (RE)ADAPTADO | Rosa Garcia | Bela Cadima

PEDEM DEMASIADO DE MIM | NAS MONTANHAS DA AUVÉRNIA | Catarina Aires | Hefesto de Oliveira

SEM TÍTULO | SEM TÍTULO | RÉPLICAS DE PAPEL | Clara Figueiredo | Manuel Gorjão | C I

EH LÁ (COSTA VERSION)

Guilherme Machado Consulta a versão online do Jornal a cores! Dispnível no link da BIO do nosso instagram

@novaemfolha.aefcsh

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É UM QUÊ?

Alexandre Correia

Margarida Calado A MENTIRA

Rafael Lopes

ODE AO PIMBA

David Letras Gaspar

A TOUCH OF PAINT

Beatriz Batista

AOS QUE VÃO: QUE FIQUEM

Manuel Gorjão

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A NOSSA A NOSSA NEWSLETTER NEWSLETTER

Os dois meses passados foram meses que, como habitual, se traduziram numa enorme actividade da AEFCSH em diversos prismas da vida da nossa faculdade e de todos os estudantes

Terminadas as férias de semestre no final do mês de fevereiro, intensificou-se a actividade da nossa Associação, como se pôde comprovar com tudo aquilo que fizemos durante o mês de março Ainda no final de fevereiro, realizámos a Feira de Núcleos, que foi bastante participada e contou com a presença de grande parte dos Núcleos, Grupos e Colectivos de Estudantes da nossa faculdade No início do mês de março, mais concretamente dia 2, realizámos a nossa Tomada de Posse no campus da Avenida de Berna, seguindo depois em desfile até ao Campus de Campolide onde se realizou o nosso Churrasco “Isto Era Para Ser Uma Inauguração”, Churrasco que contou com uma adesão muito significativa dos estudantes, não só da nossa faculdade, bem como com a participação dos Núcleos

As semanas que se seguiram foram de grande actividade, tendo sido realizada a Semana Feminista com algumas actividades e tendo sido lançada a Campanha de Luta “Aqui Foi Cometido Um Crime” onde denunciámos a existência de diversos “crimes” (e por crimes entenda-se ataques e entraves) que dificultam a frequência no Ensino Superior, ligando os problemas mais específicos da nossa faculdade à realidade que se verifica a nível nacional no que ao Ensino Superior Essa campanha deu o mote para a semana que se seguiu, A Semana de Estudante, semana em que, no dia 23 de março, milhares de estudantes saíram às ruas em vários pontos do país seguindo o Apelo “Fim Às Barreiras No Ensino Superior - Até Quando Vai o Muro Aumentar?” (subscrito por várias Associações de Estudantes pelo país), concretizando grandes momentos de luta por um Ensino Superior Público, Gratuito, Democrático e de Qualidade e assinalando o Dia Nacional de Estudante como ele deve ser assinalado - nas ruas, em luta Desde há muito assumindo papel de destaque nas frentes da luta estudantil, a AEFCSH orgulha-se da presença de imensos estudantes (em particular) na manifestação realizada em Lisboa, tendo ficado provado (mais provas faltassem!) que a luta por um Ensino Superior Público, Gratuito, Democrático e de Qualidade não cai do céu nem é produto da imaginação da cabeça de ninguém - é anseio (e direito!) dos estudantes do nosso país

Dinamizámos também a Semana de Abril, assinalando o dia 25 de abril e afirmando todas as conquistas que Abril representa, não só para todo o povo português - para quem Abril representou uma abertura de diversos horizontes de liberdade e democracia - como também para os Estudantes, e em particular para os Estudantes do Ensino Superior Além disto, entre os meses de março e abril procedemos à realização de diversas actividades - Participação na Feira de Artigos Usados, assinalando o Dia da Sustentabilidade, a 21 de março; Convívios de transmissão dos jogos do SL Benfica e do Sporting CP nas competições europeias nos dias 11 e 13 de abril; realização de dois debates relativos à situação Palestiniana: um com o Movimento Pelos Direitos do Povo Palestino e Pela Paz no Médio Oriente (MPPM) sob o nome “Palestina: Ocupação e Resistência”, outro com o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e com a presença do embaixador da Palestina em Portugal sob o nome “Palestina - defesa da Paz e da Soberania”; Participação no Dia aberto da Faculdade e Karaoke Party, no dia 21 de abril

Realizou-se também uma Reunião Geral de Alunos para apresentação e votação consultiva do Plano de Actividades para o presente ano, momento de discussão democrática fundamental à vida da comunidade estudantil, bem como de esclarecimento a dúvidas relativas ao Plano de Actividades.

Face a estes dois meses muito intensos, repletos de actividade, de luta e de alegria e entusiasmo, prosseguimos com perspectiva à realização de mais actividades e sempre, com o foco que nos é característico, nos problemas dos estudantes e na concretização da luta que lhes possa dar solução. A nossa atenção e conhecimento da realidade permite-nos intervir rapidamente acerca de novos problemas que surgem, como o prova o nosso posicionamento acerca da situação dos estudantes com propinas em dívida. Realizaremos a Queima das Fitas, no final do mês de maio, bem como dinamizaremos outras actividades naquilo que ainda nos resta deste semestre.

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AE EM FOLHA AE EM FOLHA

NOVÍSSIMAS CARTAS PORTUGUESAS

EQUIPA DE COMUNICAÇÃO CULTURA E ARTE DO NECCOM

No passado dia 28 de março, o Auditório 1 da Torre B foi palco da exibição do filme “Novíssimas Cartas Portuguesas”, com a presença da produtora Irina Pampim Silva, numa iniciativa do Departamento de Sociologia. A equipa de Comunicação, Cultura e Arte do NECCOM esteve na plateia da sessão.

O livro, que reúne cartas, poemas, ensaios e fragmentos, foi proibido pela censura e as suas autoras foram levadas a tribunal, pela natureza “pornográfica” e “imoral” dos textos que questionavamaposiçãodamulhernasociedade,o regime e o status quo O julgamento das Três Marias, como viriam a ser conhecidas as escritoras, é considerado o primeiro grande movimento feminista em Portugal, tendo também em conta a sua visibilidade no panorama internacional, e chocou os defensores do Estado Novocomasuaousadiaemnãomaisobedecer.

Foi em 2021 que primeiro ouvi falar das Novas Cartas Portuguesas, com alguma estranheza e longedeascompreendernatotalidade.Tendoem conta o descrito acima, pergunto apenas: como?

Não frequentei eu a escola pública durante 12 anos? Não estudei eu as obras da literatura portuguesa mais importantes do século passado?

Terei eu prestado fraca atenção ao assunto?

NECCOM

ANA CATARINA TIAGO

Em 1972, as escritoras portuguesas Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno publicaram conjuntamente Novas Cartas Portuguesas, aquela que viria a ser uma das obras mais relevantes da literatura nacional do séc XX, pela sua importância na luta feminista, a nível internacional, e pelo seu papel na queda do regime ditatorial que assolava o país há quarenta anos

Parece-me que as Três Marias não se deixaram silenciar nos anos 70, mas tiveram dificuldade em sobrevivernaeradetodaainformação Questiono osresponsáveispeloseuapagamentoepergunto porque é que, mesmo 51 anos depois da sua publicação, continuamos a não saber bem o que trataaobraeanãoquererampliarasuainfluência

O filme “Novíssimas Cartas Portuguesas” inclui entrevistas à própria Maria Teresa Horta, a Sara Barros Leitão e a Rita Rato e dá uma plataforma à voz que as mulheres trans, negras e jovens frequentementevêemcalada Odocumentário,da produtora Irina Pampim e da professora Cecília Honório, fala do livro através das pessoas que o leram e traz de volta (porque elas voltam sempre, de uma maneira ou de outra) as autoras que questionarammaisaltoquetodaagenteporqueé que elas não tinham um lugar Elas e as pessoas comoelas

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N O V A F C S H

A frutífera discussão que se seguiu à exibição do filme pôs na minha cabeça uma pergunta que não consigocalar:quantoslivrosescritospormulheres tenho nas estantes do meu quarto? E quantos livrosescritospormulheresportuguesas?Éincrível pensar que, enquanto mulher que escreve e que lê, nunca tinha pensado sobre este assunto e nunca me tinha confrontado com o facto de, em resposta à última pergunta, serem provavelmente menos de 10 Eu tenho o privilégio de ter muitos livros e faço gala em dizer que se calhar mais de metade são de autoras mulheres - nunca fiz de propósito para chegar a esse fim, simplesmente aconteceu eu perceber que, pessoalmente, as mulherestêmmuitomaisparamedizerdoqueos homens que não me vêem como uma pessoa inteira Mas e as mulheres portuguesas, onde estão? Fiz o exercício de as tentar nomear e aí percebiquetambémnãoeramemgrandenúmero Antes fosse este problema fruto da minha ignorância,masparece-mequepassamaisporum apagamento generalizado das mentes e das vozes.Fiqueiinquietacomestaconstataçãoeaté agoraaindanãoaultrapassei

Peças como o filme “Novíssimas Cartas Portuguesas” não deixam que obras como as Novas Cartas Portuguesas caiam no esquecimento, como tantos se esforçam por fazer, e provocam as questões a que ninguém quer ter que responder O silêncio é muito confortável, mas pode ser perigoso Que se faça antesumescarcéu

Para além do trabalho de levar a obra das Três Mariasaquempoucodelasconhece,feitodeuma formabrilhanteatravésdetestemunhosrelevantes eatuais,tambémparapessoasfamiliarizadascom a obra é especial ver e sentir a obra documental “Novíssimas Cartas Portuguesas”, relembrando o quão importante é valorizar e respeitar o trabalho de luta das que nos antecederam assim como manter uma memória coletiva que, mesmo não sendo assim tão distante, muitas vezes não relembramosnemfazemoscumprir

A conversa que sucedeu a visualização foi a perfeita adição, acrescentando uma nova dimensão ao que tínhamos acabado de ver A produtora Irina Pampim apresentou-se tal e qual a obra que co-criou: atenta, interessada e pronta para ouvir e ajudar todos os que tivessem questões numa conversa que começou a ser sobreasobrasemsieevoluiuorganicamentepara o que estas retratam: a mulher na sociedade e a lutaquesefazianopré25deabril(quenaverdade nãoqueremosnempodemosdeixaresquecer)ea quesemantématéaosdiasdehoje,quaissãoas suassemelhançaseoporquêdeassimsemanter Entre agradecimentos e palavras emocionadas sobre a inspiração que ver o documentário nos trouxe, Irina aborda o tema da noção da masculinidade e como esta é também útil e urgenteàlutafeminista Estaconversafoitambém muito especial, com vista à criação de uma visão proativa comum através da partilha de experiênciasedequestões.

O que mais me marcou nessa tarde foi a emoção quesentiavoltarparacasa Senti-mecomosintoa regressar das manifestações do dia 8 de março, ano após ano: arrepios a pensar no quão especial é poder ver e fazer parte de mulheres a trabalharemunidasparasimesmas,masquesabor agridocedeixaqueaindaotenhamosdefazer

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CAROLINA COELHO

EXEMPLOS DE ONTEM PARA

PROTEGER O AMANHÃ

INÊS DE BARROS MIRANDA

ESTA DATA É UM MISTO DE EMOÇÕES: ORGULHO, FELICIDADE E ESPERANÇA

A família é o nosso primeiro exemplo para vários aspetos da nossa vida e a minha não é uma exceção Todos nós carregamos uma bagagem de memórias e histórias que norteiam as nossas decisões, mesmo quando não nos apercebemos disso Abril, para mim, é sempre um mês nostálgico Lembro-me especialmente dos meus avós: um homem e uma mulher extraordinários, que, com as poucas ferramentas que tinham, conseguiram resistir ao regime autoritário que nos governou por 41 anos

Deus, Pátria e Família foi a trilogia de inspiração fascista que norteou o Estado Português até ao 25 de Abril de 1974 O Estado fazia da família sua refém, cultivando o medo, quer por força da polícia política, quer por intermédio da censura Contudo, a minha família não se deixou vergar

A minha avó, professora primária, quando dava aulas, tinha – em casa – outros livros para além do único manual escolar obrigatório para a instrução durante o Estado Novo Por considerá-lo muito redutor, socorria-se doutros, tendo, porém, o do Estado sempre à mão para não ser apanhada de surpresa aquando das muitas inspeções a que podia ser sujeita

Durante o Estado Novo, a censura proibiu mais de 10 000 obras de autores portugueses e estrangeiros em território nacional Acusadas de serem imorais, pornográficos, comunistas, ou subversivos, as obras examinadas pela Censura compreenderam temas desde arte, música, filosofia, ciências, política, literatura, entre outros Autores como Miguel Torga, Karl Marx, Alves Redol, André Malraux, Natália Correia, Lev Tolstoi, Herberto Hélder, Simone Weil, Aquilino Ribeiro, Jorge Amado, Vergílio Ferreira ou Eça de Queiroz viram as suas obras proibidas

Eça de Queiroz, autor realista do século XIX, com a sua crítica acutilante à sociedade portuguesa não deixaria, naturalmente, de ter as suas obras censuradas. Eram precisamente os seus livros que a minha avó emprestava, livros esses que mostravam que Portugal não se tinha desenvolvido muito desde o século passado, que continuávamos a ser uma nação periférica e atrasada, com instituições político-legais corruptas e inoperantes e com uma pesada e pecadora Igreja Católica. A atuação da censura teve um impacto descomunal no desenvolvimento das mentalidades e na vida intelectual do país, impedindo o pensamento e o espírito crítico.

O meu avô, funcionário dos CTT, aliciado a colaborar com a PIDE para violar correspondência, recusou-se a fazê-lo, bem ciente das consequências desta decisão no seu percurso de vida Esta decisão valeu-lhe a recusa contínua da emissão de um passaporte e uma visita da polícia política na sua residência Além disso, foi submetido a uma vigilância apertada por parte da polícia política, que teimava em acusá-lo de pertencer a um partido no qual nunca foi filiado nem pelo qual nutriu qualquer simpatia

Estas histórias foram contadas através das gerações e um dos ensinamentos que mais retiro destas recordações é que, apesar dos constrangimentos e dos perigos, é sempre pela Liberdade e pela Justiça Social que vale a pena lutar Por mais pequenas que possam parecer as nossas ações, elas terão um impacto positivo nas nossas comunidades Abril não tem um dono, seja ele um indivíduo, um grupo, ou um partido Abril somos nós, as nossas histórias e vivências Abril é coletivo

o jornal da aefcsh.
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NOVA em Folha

#NÃOPODIAS

CLARA FIGUEIREDO

Quantas vezes os nossos avós, tios e até pais, nos lembraram da sorte que temos por podermos hoje fazer coisas que eles, e todos, antes da revolução de abril, estavam proibidos de fazer? A Comissão Comemorativa do cinquentenário da queda da ditadura de 1974, que se celebra em 2024, está a desenvolver um movimento que junta todos estes tópicos, outrora proibidos, condenáveis e censuráveis pela ditadura, partilhando-os através do hashtag #nãpodias

O intuito desta campanha é não só o de consciencializar aqueles que nasceram depois da revolução da importância que esta teve para a libertação do país, como também de aproximar as gerações mais velhas das mais novas, por meio das redes socias Maria Inácia Rezola, comissária executiva desta Comissão, acredita que esta é uma boa forma de levar o espírito da revolução aos jovens: "Ao contrário de alguns mais pessimistas, penso que há uma grande curiosidade e um grande interesse em perceber o que se passou e as consequências do que se passou", afirma O trabalho desta comissão não ficará por aqui: irão ainda ser desenvolvidos alguns programas para as crianças, adolescentes e jovens, que incluem a criação de “clubes da democracia”, de campanhas escolares, entre muitos mais

No site dos 50 anos do 25 de abril, podem já ler-se algumas das impedições levadas a cabo pelo Estado de ditadura durante 41 anos ininterruptos em Portugal, como o #nãopodias votar, #nãopodias viajar livremente, #nãopodias sonhar com um curso, #nãopodias ter férias pagas, entre muitos mais A adesão da população a este hashtag já é notável, e cada vez mais proibições são relembradas

Antes da revolução dos cravos, #nãopodias usar um fato de banho que não tivesse as medidas determinadas pelo Ministério do Interior; #nãopodias beijar alguém na rua ou publicamente, pois era considerado “exibicionista”; #nãopodias estar no recreio, ou nas aulas, com os teus amigos do sexo oposto; #nãopodias reunir-te com amigos para discutir ideias; #nãopodias fazer tanto, que hoje podes

Nunca é demais recordar que, mais do que ter abolido uma ditadura extremamente agressiva e opressora, o 25 de abril é o momento de inauguração do Portugal moderno, democrático e livre que temos hoje Muitas das proibições, na altura, seriam inconcebíveis aos nossos olhos jovens e livres O #nãopodias chama-nos a todos à política, à reivindicação dos nossos direitos, ao reconhecimento da importância do voto Por mais que pareça longe, o 25 de abril não foi assim há tantos anos Há que relembrá-lo, celebrá-lo e continuar a fazer o caminho que esse dia nos permite ter

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#QUEROMAISMÚSICAPORTUGUESA

JORGE TABUADA

Chegámos a abril, mês especial não só para a democracia portuguesa, mas também para a sua música, que tem uma relação ímpar com a revolução: desde Zeca Afonso a Sérgio Godinho, passando por António Variações e José Mário Branco

Foi há algumas semanas que nos chegou a notícia de que o governo decidira descer a quota de música portuguesa nas rádios de 30% para 25% A principal razão apresentada para esta decisão foi o facto de os artistas portugueses já não estarem privados de dar concertos depois de ultrapassada a pandemia, e, portanto, a “substancial perda de receitas” que sofreram deixou de se verificar, assim como a “produção suficiente [de música portuguesa] para assegurar esses valores”.

A subida para os 30% foi decretada nos tempos da pandemia, como medida para ajudar os artistas portugueses que estavam a sentir dificuldades financeiras durante este período. Na altura, esta já não foi a decisão mais acertada. O problema não se resolve assim, porque as músicas que passam na rádio estão entregues à lógica do mercado. Se a música começar a passar e não estiver a ter sucesso, é num instante que vai deixar de passar. Já para não falar que não basta passar imensas vezes a mesma música. É necessária a presença de repertório de artistas diferentes assegurando uma maior representatividade.

É preciso ir ao problema onde ele está. Uma brilhante reportagem da Comunidade Cultura e Arte ilustra claramente as dificuldades que os músicos sentiram em tempos de pandemia e ainda hoje continuam a sentir E aqui percebemos que muitas das dificuldades dos músicos se aliam ao problema da habitação Os músicos portugueses, por norma, vêm para Lisboa porque, como sabemos, a indústria musical é uma área que, tal como muitas outras, se encontra centralizada na capital Constatamos as dificuldades sentidas em encontrar salas de ensaio, dado que são caras, não esquecendo o preço ainda maior dos estúdios de gravação, ainda para mais tendo de conciliar com o pagamento exorbitante da renda das casas São poucos os músicos que conseguem viver apenas da música que produzem; têm de arranjar segundos empregos para conseguir sustentar-se ou então dar aulas As plataformas de streaming e as redes sociais têm funcionado como um novo método para artistas independentes angariarem algum dinheiro e ganharem mais promoção A maior parte dos apoios à música vem por parte da Direção Geral das Artes (DGA), pertencente ao Ministério da Cultura É muito difícil conseguir apoios, e ainda mais é conseguir apoios que não sejam da DGA Não esquecer que o Orçamento para a Cultura representa cerca de 0,5% do Orçamento de Estado em Portugal, e já aqui estão incluídas a RTP e a Agência Lusa

Resumindo, muitos deles acabam por desistir da música ou emigrar Todos estes artistas que podiam estar a fazer música, mas não o fazem por falta de apoios, são menos contributos para a cultura que poderiam estar a ser feitos E esta descida para 25% só vem agravar o problema Este mês de abril mostra-se uma excelente ocasião para o povo sair à rua e protestar contra esta situação

O que podemos fazer? Assinar a petição pública para o aumento da quota de música portuguesa nas rádios, ouvir mais música portuguesa, ir a concertos de músicos portugueses Se vamos a um concerto de uma banda independente de música portuguesa numa pequena sala de espetáculos e o bilhete custa 10€ (um preço que ao início pode parecer caro), muito provavelmente metade desse valor vai para a sala e só os restantes 5€ são distribuídos por toda a equipa de músicos, técnicos de som e luz, etc Se um espetáculo tiver 100 pessoas, um músico no final do espetáculo recebe 10€ E é com esses 10€ que o músico sobrevive

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A AUTODETERMINAÇÃO DE GÉNERO NA FCSH

Com a aprovação parlamentar, na generalidade, dos novos projetos de lei referentes à implementação da Lei da Autodeterminação da Identidade de Género em ambiente escolar, estamosàportadasuarespetivaimplementaçãoe vinculação legal Apesar de ainda estarem neste momentoemanálisenaespecialidade,ébastante provável que o debate e elaboração de revisões sejam bastante rápidos e o voto na especialidade aconteçajánestemêsdemaio Masentãooqueé que estas alterações à lei representam em concreto e o que poderemos esperar que mude efetivamente com os serviços administrativos e o restodoambientenanossafaculdade?

O projeto de lei em que focarei a minha análise será aquele apresentado pelo PS, referenciado como Projeto de Lei nº 332/XV Estabelece o quadro para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitosdaimplementaçãodaLein.º38/2018,de7 de agosto Por um lado, por ser o que mais concretamente estabelece uma alteração de regime de funcionamento no âmbito escolar; por outro, por considerar que é o melhor projeto aprovado neste âmbito na votação do dia 22 de abril Como tal, irei começar por referir o que, em geral,esteprojetopretendealterar

Comafuturaentradaemvigordalei,serádefinida a necessidade de serem estabelecidas pelas escolas novas medidas administrativas que previnamadiscriminaçãodegénero,daexpressão de género e das caraterísticas sexuais de cada um; mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco; condições adequadas para a proteção da autodeterminação de género e formação dirigida a docentes e demais profissionais

No caso concreto da nossa faculdade, isto significará que será necessário, pelo menos, perante o projeto, o estabelecimento de certas medidas explicitadas no documento (estando já, de alguma forma, estabelecidas o estar assegurado a autonomia, privacidade e a autodeterminação de qualquer pessoa que realize transição social de identidade e expressão de género; a comunicação à direção de qualquer ato que apresente risco à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade pessoal de cada estudante; a promoção de ambientes que, na prática de atividades com diferenciação por sexo, seja considerado o género autoatribuído, garantindo a escolha do estudante; o respeito à utilização de roupa de livre escolha dos estudantes em conformidade com a que mais se identificam; e a garantia ao acesso a quaisquer casas de banho ou balneário conforme a sua vontadeexpressa)

Em falha estão, por exemplo, a inexistência de formaçõesaopessoaldocenteenãodocenteque impulsionem o respeito pela diversidade da identidade e expressão de género, que permitam ultrapassar estereótipos e comportamentos discriminatórios; o respeito pelo nome e identidade autoatribuídos pelo membro da comunidade da faculdade, em qualquer ambiente e em práticas administrativas, sendo necessária a alteração dos requerimentos para a alteração de informação pessoal, para a permanente possibilidade de poderem ser emitidos e da obrigatoriedade do uso do nome legal para a inscrição no sistema (o que resulta na obrigação deoestudanteassinaresertratadeporumnome diferente daquele com que se identifica); o estabelecimento de alguém responsável ou de canais que comuniquem e detetem situações de não conformidade de género e assegurem a proteção dos indivíduos e dos seus direitos e a criação de mecanismos de disponibilização de informação que incluam situações de descriminação, de forma que contribuam para o respeitodaautodeterminaçãoedaprivacidadede cadaum

Com a futura implementação da lei, será isto que pelo menos teremos que esperar da parte da administraçãodanossafaculdade.Serãoestasas garantiasqueteremosenquantopessoasqueer O seu incumprimento qualificar-se-á crime contra a autodeterminaçãodegénerodecadaum-e,para atos criminosos, já basta obrigarem-nos a pagar propinas.

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ANO DA LICENCIATURA DE ARQUEOLOGIA
DANICHI MARQUES 1º

SÓ DESTRATA ABRIL QUEM NÃO O PERCEBE

GUILHERME VAZ

LICENCIATURA EM CPRI

Tem que ser ponto bem assente - só maltrata Abril e o seu legado verdadeiramente transformador e progressista quem não o percebe (ou quem não o quer perceber) Abril é (sempre) um mês bonito É mês de memória do processo revolucionário em que o povo português, pelas suas mãos, decidiu trilhar caminho na construção de um projecto de democracia e liberdade. Muito mais que isso, Abril é mês de lembrar que muito daquilo que temos consagrado como nosso direito por lei (mas que, muita vez, falta efectivar em vida) é fruto da luta do povo português no seu esforço de emancipação e libertaçãodojugofascista

Aquilo que hoje é nosso direito com peso Constitucional - a saúde, a educação (nomeadamente, e não sejamos alheios a isso, o Ensino Superior), a habitação, a paz, a cultura e a fruição cultural e recreativa, o lazer, o pão - só o é porque a Constituição é a expressão do desejo do povo português no período revolucionário vertido sob a forma de lei - porque do céu só cai chuva e tudoorestovemcomluta

Muitos têm feito muitos esforços para atacar (direta ou indiretamente) abril e os seus inegáveis valores - porque abril não foi oco, por muito que isso a muita gente custe Os ataques a abril dividem-se,paramim,emtrêsgrandescampos

O primeiro é o campo político que, dizendo defender os valores de Abril, tem feito muito nos últimos anos para os desvirtuar e para consolidar um projeto de sociedade bem distante daquele que esses valores preconizam É esse campo político que é responsável pelas sucessivas revisões constitucionais e pela constante deturpação do seu ideário e do seu peso histórico inigualável, construído pelo povo e pelos trabalhadores portugueses. É esse campo que tem destruído muitos traços característicos deste projecto que o povo português desenhou, também no Ensino Superior (como o provam os sucessivos ataquesaumdireitoqueAbrilconsagrou)

O segundo é o campo político fascizante e da extrema-direita que, com alguma naturalidade, não gostadeAbriledoseuprojecto

O terceiro, o menos relevante destes três, é o que, sendo portador de uma visão incrivelmente anti-dialéctica da realidade e da história, ignora a importância história e actual de Abril e seu projecto, insistindo na patética e profana ideia de que não é precisa a sua defesa (não lhes pergunteméoqueéqueseprecisaemvezdisso). A necessidade que se coloca não é seguir nenhum destes três campos políticos (sendo que muitas vezes são mais que isso). É preciso defender Abril em toda a sua plenitude, nomeadamente o texto constitucional que dele proveio É preciso defender e reavivar aspectos que dele foram removidoseatacados-odireitoaoassociativismo, a extensão da democracia a todos os aspectos da vida em sociedade, nomeadamente na vida económica do país, o pleno direito ao acesso aos serviçospúblicosedequalidade,entreoutros Não é preciso outro 25 de Abril nem é preciso modificar aquele que se fez É preciso é que se cumpra e defenda aquele que existiu Se assim fosse, Portugal seria com toda a certeza um lugar maisfelizparatodos.

Acima de tudo - é preciso sublinhar que Abril não é um conceito bonito e abstracto, mas sim um produtodalutadopovoportuguês

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PLAYBOY AND THE SEXUAL FREEDOM PARADOX

JÉSSICA MARQUES

Eve Babitz wrote: “Women are prepared to suffer for love; it's written into their birth certificates. Women are not prepared to have "everything," not success-type "everything " I mean, not when the "everything" isn't about living happily ever after with the prince (where even if it falls through and the prince runs away with the baby-sitter, there’s at least a precedent). There's no precedent for women getting their own "everything" and learning that it's not the answer “

Journalist Gloria Steinem, in an exposé in 1963, admitted how draining and forced everything was From the moment she walked through the door at the Playboy mansion she found herself surrounded by younger girls (after being told that at 24 she was too old, even though that was not her real age, she was 28 at the time) wearing leopard bikinis, lavender high heels and waiting, sometimes hours, to have their picture taken Once she was given the opportunity to wear the iconic bunny costume she wrote: “It was so tight that the zipper caught my skin as she fastened the back ( ) She told me to inhale as she zipped again, this time without mishap and stood back to look at me critically The bottom was cut up so high that it left my hip bone exposed as well as a good five inches of my untanned derriere ” Hugh Hefner’s deplorable rules confined the bunnies to a high beauty standard

In a detailed article, Inside Gloria Steinem’s Month as an Undercover Playboy Bunny, Rachel Wang provides, step by step, a resume on Steinem’s discoveries

Besides mentioning the way the bunnies had to pose, talk and speak; she also elaborates on the expense of becoming one They were paid $ 50 per week (around $ 430 today), but often they weren’t able to keep the money themselves; “The Club takes 50 percent of the first $30 worth of those that are charged, 25 percent of amounts up to $60 and 5 percent after that for drink orders( ) We may keep all cash tips that are given to us in case, but if we indicate any preference for cash tips, we will be fired ” (Steinem, 1963)

A Bunny was entirely responsible for her costume as well They had to buy their three inch heels (less was unthinkable), pay around $ 2 50 ( $ 21 today) a day for their costume to be well fit and $5 for a pair of tights they were only able to wear once

In her new documentary, Pamela: A love story, Pamela Anderson revealed that posing nude for Playboy was a statement; after tiring years of abuse she was finally taking control over her body, she had recovered her confidence The same newly found confidence was shattered years after, when the Pam and Tom scandal broke out

The media, the court and the public furiously lashed out on Pamela for reclaiming the rights over a stolen sex tape, condemning her for already having shown the world her body

"The lawyers basically said, 'You're in Playboy, you have no right to privacy ’ ( ) They would ask about my sex life and I kept on thinking, 'How am I getting questioned about my sexuality and my preferences and my body parts and where I like to make love when it's stolen property?’ “ (Anderson, 2023)

While Pamela was left feeling like a terrible woman and “just a piece of meat”, Tom never received the same treatment

Seligman’s feature debut Shiva baby tackles the problem with so many young women falling into the trap of turning into a sugar baby, often without realising the consequences Danielle (Rachel Sennot), while attending a shiva, discovers that Max (Danny Deferrari), who was paying her for a sexual relationship, was, in fact, married, and with a newborn Feeling guilty for her involvement Danielle reflects on the reason why she became a sugar baby in the first place; the same reason Pamela started to pose for the magazine: the need to feel empowered, valued

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REVIEW DO FILME PORCO ROSSO

BEATRIZ BATISTA LICENCIATURA EM LLC

Porco Rosso é um filme de animação japonês, lançado em 1992, realizado por Hayao Miyazaki e pertencente ao Studio Ghibli Baseado no mangá Hikōtei Jidai, este filme tem como cenário o Mar Adriático durante a década de 1930 e segue as aventuras de um ex-piloto da Força Aérea Italiana, Marco Pigot, que é transformado num porco e adquire o nome ‘Porco Rosso’

A narrativa gira em torno da personagem principal, um herói de guerra que agora ganha a vida como caçador de recompensas. Apesar da sua reputação, Porco é assombrado pelo seu passado e luta para redescobrir o seu propósito de vida Durante o filme, nunca há uma explicação concreta para a transformação de Marco Pagot num porco, mas durante uma entrevista, Miyazaki esclareceu que esta transformação é uma maldição e ocorre porque Marco perdeu a fé na humanidade depois de ter sido o único sobrevivente de um ataque aéreo, o qual matou os seus colegas e amigos

Apesar deste filme abordar tópicos como amor, perda e redenção, constitui-se como um verdadeiro manifesto antiguerra e antifascismo O filme passa-se durante a ditadura de Mussolini em Itália e isso transparece para a narrativa de maneira subtil, pois não é o tema principal da narrativa, mas é algo que está sempre presente ao longo do filme Quando Ferrarin, um ex-colega de Porco, se encontra com ele clandestinamente num cinema, este diz-lhe que a Força Aérea o quer de volta e que não aceitarão um “Não” como resposta e é durante esta cena que a icónica fala “Better a pig than a fascist” (em português, “Melhor um porco do que fascista”) aparece, representando a recusa de Porco a trabalhar e a lutar a favor de um regime fascista

Tópicos como estes estão presentes em mais filmes do Studio Ghibli do que inicialmente possamos pensar, mas a resistência a um regime opressivo é um tema recorrente nos filmes deste estúdio Talvez esteja mais presente neste filme, pois o único elemento de fantasia é a transformação de um homem num porco, mas a resistência de Porco é clara, pois apesar de ser perseguido pela Força Aérea e pelos detetives do regime, o protagonista não cede, mantendo-se firme às suas convicções

Juntamente com a sua incrível animação, típica do Studio Ghibli, Porco Rosso leva-nos numa viagem de autodescoberta e aceitação, juntamente com uma subtil história de amor e uma não tão subtil resistência a um regime opressivo

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MEMENTO MORI E A BELEZA DA TRAGÉDIA

TÂNIA PEREIRA

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

E porque os britânicos continuam a construir álbuns à moda antiga, com lados como nos vinis, Soul With Me marca uma nova fase do álbum, constituindo a interpretação mais exímia de Gore (que ocasionalmente também empresta a sua voz às músicas da banda) desdeHome(1997),numregistomaissoul,mas semprecomaidentidade“àlamode”

Os Depeche Mode são invariavelmente uma das bandas mais influentes do mundo. Após a morte prematura e inesperada de Andrew “Fletch” Fletcher, Dave Gahan e Martin Gore decidiram continuar o processo criativo do álbum. Ironicamente,MementoMori(2023),produzidopor James Ford e Marta Salogni, dá vida a memento mori, expressão em latim, que significa, literalmente, “lembra-te que és mortal” – uma noção tanto sombria como revigorante (não estivéssemosnósafalardeDepecheMode!)

O álbum começa estrondosamente com My Cosmos Is Mine, num conjunto de sons industriais quetomamlugarnumaatmosferaáurea Segue-se Wagging Tongue, um tema que marca o regresso àsorigenseinspiraçõesdabanda,numestilobem “kraftwerkiano” Em Ghosts Again, que Gahan, frontband da banda, encara como uma “melancholicjoy”,abandarecuperaassuasraízes eletrónicas com uma sonoridade fresca e alegre, do mais pop que têm feito nos últimos anos – um temaque,comoovocalistaafirma,deixariaFletch bastanteorgulhoso

Como já é habitual no reportório da banda, Don’t SayYouLoveMeconstitui-secomoamúsicamais cinemáticadoálbum,chamandoparasiinfluências comoLeonardCohenouScottWalker.MyFavorite Stranger,porsuavez,enfrentaatemáticadoduplo (“Myfavouritestranger/Standsinmymirror/Puts words in my mouth / All broke and bitter”), com a voz de Gahan a aparecer ocasionalmente distorcida,emsegundoplano,comoespetrodesi mesmo

Caroline’s Monkey, uma das várias colaborações de Gore com Richard Butler (The Psychadelic Furs) neste álbum, deixa-nos a questionarseaCarolinequeestáalutarcontra os seus demónios é a mesma de Pretty In Pink (1981).PeopleAreGoodrecuperaatemáticade People Are People (1984), notando que pouco mudouemváriasdécadas Eseotítulocarrega, aparentemente, uma mensagem positiva, logo sevêquearecorrenteironiadeGorenãopodia estar mais à tona (“People are good / Keep foolingyourself”)

Enquanto Before We Drown mostra que Gahan é um compositor cada vez melhor, Always You refleteagenialidadeatribuídahámuitotempoa Gore,numacartadeamoreesperançaperante o caos Já Never Let Me Go encontra um postpunk recheado por um riff de guitarra eletrificante.

Memento Mori termina com Speak To Me, cuja atmosferamusicalfoiconstruídaatravésdeuma produção exímia, algo que vinha a falhar nos álbuns mais recentes da banda Ouvindo o álbumemloop,épossívelperceberqueSpeak To Me acaba exatamente como começa My CosmosIsMine Assiméavida

Seja como for, os Depeche Mode, mais de 40 anosapósasuaformação,continuamaproduzir o melhor synthpop da atualidade, entregando aquele que é o melhor álbum da banda após Ultra (1997) Em Memento Mori, a banda britânica transforma a tragédia em algo absolutamentebelo–eseabandaéconhecida peloseuladomaissombrio,averdadeéqueo 15º álbum dos britânicos é, à maneira peculiar dos Depeche Mode, um hino à vida e ao amor, lembrando que temos de aproveitar enquanto cá andamos Saibamos desfrutar a beleza da tragédia.SaibamosdesfrutarDepecheMode.

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O MEU FUTURO EM SLIDES DO PASSADO

A minha avó usa um vestido curto e uns óculos escurosmodernosedáamãoaomeupai,nocimo de umas escadas que levam a um campanário de igreja O céu está carregado e o cenário mostra uma ruína. Mas aqueles braços esticados, em 1975, ou 1976, recortados contra o céu, trazemmeaqui

Eu vejo este passado em contra-luz, nestes quadradinhos mágicos que o meu pai guarda em caixas de plástico duro de uma marca distante “Agfacolor” E olho para eles tentando que a luz do sol me devolva a imagem muito gasta do passado Aqui,comodiriaCaetanoVeloso,emque aquilo que ainda parece construção já é ruína, homenageio o tempo em que tudo parecia ruína e estavaaserconstruído

A minha avó parece feliz nas fotos Nesta e nas outras, em que agarra o meu pai ao colo, quando eletinhapoucosmeseseo25deAbrilde1974os apanhou de fraldas por mudar e biberões por dar Omeuavôsaiudecasaefoiveroscravosnarua Fotografou muito, o meu avô E por isso quase nunca aparece nas fotos que eu agora vejo Estava sempre atrás, a ver os braços recortados no céu, osorrisodaminhaavónapraia

Eu também fotografo muito, de forma diferente Não faço como o meu avô, que imaginava a olhar para um quadradinho minúsculo da máquina pesada que o meu pai guarda num estojo (Nikon F) o que seria a fotografia, alguns dias depois, quandoarevelasse-quebonitapalavra,“revelar”e a visse em papel brilhante Às vezes, muitas vezes, a fotografia imaginada seria melhor do que areal.

As fotografias para mim têm um uso mais banal e prático. São a nossa forma de mostrar que estávamos ali, onde os outros nos aplaudem nas redes sociais Mas, para mim, a verdadeira essência de uma imagem está nas fotografias do meuavô

É nelas que vejo como o tempo passou, e como essapassagemdotempomefazfeliz

Talvez não tanto como a minha avó, que sorri, mesmo ausente daquela festa que foi a democraciainaugural(o“diainicialinteiroelimpo”)

O céu azul luminoso e infinito destas fotografias, numa época de esperança e liberdade, mostra a alegria que só a esperança traz. A esperança é a memóriaheróicaquequeroguardar

A minha geração está a habituar-se a um futuro incerto, egoísta, competitivo e frio Não me entendam mal Eu guardo destas memórias familiares o mesmo sorriso que a minha avó mostra Guardo a mesma esperança Aquele tempo, em que os meus avós sabiam, com toda a certeza, que o futuro do meu pai seria melhor que o deles Não importa se foi, ou não, mesmo assim Seguramente que foi, por um lado, porque a minha avóaindasorri,orgulhosa,hoje

Tudo isso, graças àquela esperança que vejo nestas imagens à contraluz A esperança que devo guardar,quandoomundoprecisadela.

Essa é a liberdade que me passaram, em testemunho, e eu agradeço e espero manter nas fotosdigitaisquetirodespreocupada,paraqueum dia alguém nelas veja um bocadinho do orgulho que eu tenho daquela construção que os meus avósfizeramdeumaruína

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MARGARIDA PENA LICENCIATURA EM CPRI

HÁ 65 ANOS, CAZUZA ENSINAVA A CONTAR SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR

BELA CADIMA

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

A 4 de abril de 1958, nascia Agenor de Miranda Araújo Neto, eternizado na história da Música Popular Brasileira pelo nome de Cazuza A titânica alcunha até hoje faz tremer os seus ouvintes com sensações descarregadas por um amor ardente que outrora tinha servido de mote para a geração do Mal do Século.

Filho do executivo da gravadora Som Livre, João Araújo, Cazuza desde cedo teve contacto com a produção musical de grandes artistas da MPB, o que incentivou a sua prolífica composição no Barão Vermelho, banda de rock da qual começou a fazer parte como vocalista no ano de 1981, que contava com a participação de Roberto Frejat, Guto Goffi, Maurício Barros e Dé Palmeira

Com três álbuns de estúdio feitos com o Cazuza, Barão Vermelho (1982), Barão Vermelho 2 (1983) e Maior Abandonado (1984), o grupo carioca foi um dos responsáveis pela disseminação do género de rock em pleno solo brasileiro, integrando o chamado Quarteto Sagrado do rock ao lado da Legião Urbana, das Paralamas do Sucesso e dos Titãs

A banda conquistou uma posição de destaque em 1985, ano em que o Barão Vermelho marcou presença na primeira edição do Rock in Rio, exatamente no dia em que o país assistiu ao fim do implacável governo dos militares Entretanto, a decolagem ininterrupta da banda não foi suficiente para manter o seu vocalista preso a ela: ainda em 1985, Cazuza decidiu seguir com a carreira solo, que rendeu ao artista álbuns tão agraciados pela crítica como os do Barão Vermelho Entre eles, cabe citar o álbum Exagerado (1985), onde são sentidas as fortes influências do blues e do rock que guiavam o Barão, com hits como "Exagerado", uma ode aos apaixonados e à exacerbação das suas mais profundas emoções, e "Codinome Beija-Flor", faixa dolorosa que, movida pelos toques ásperos das teclas do piano, intensifica a dor de um amor sem chance de regresso; Só Se For A Dois (1987), no qual o artista optou por experimentar sonoridades diferentes do rock 'n roll; e Ideologia (1988), tido por muitos críticos como o maior álbum do Cazuza, que explora a bissexualidade do cantor, a sua relação com a morte e com a SIDA, razão pela qual Cazuza veio a falecer no ano de 1990

A variedade estilística de Ideologia alcança o seu pináculo em faixas como "Faz Parte do Meu Show", onde Cazuza resgata a fresca melodia da Bossa nova Numa corda bamba que sustenta, de um lado, a arte, e do outro, a necessidade de ativismo, Ideologia ataca as estruturas sociais de um país que esteve inundado na ditadura militar por mais de duas décadas, ao passo que questiona a heteronormatividade tutelada por muitos cidadãos No fundo, é neste trabalho que reconhecemos a real faceta de Cazuza, tecida por versos crus que formam a realidade do Brasil nos fins dos anos 1980

Passados mais de trinta anos do seu falecimento, é inegável a marca deixada por Cazuza na música brasileira. Porque Cazuza é isto: um poeta exagerado, um carioca apaixonado pelo seu país, um artista ávido por mudanças no quadro sociopolítico brasileiro e alguém que ensina que o amor é a força que move as coisas, matando flores por amor e, ao mesmo tempo, confessando que mil rosas roubadas são um caminho fiável para desculpas sinceras

Só resta esperar que o dia nasça lindo para todo o mundo amanhã, em um lugar onde, sem sombra de dúvida, o poeta estará mais vivo do que nunca

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MARGARIDA CALADO

Se este se trata de um espaço sem limites à expressão, isto é, dentro do aceitável por uma faculdade orgulhosa e maioritariamente de esquerda, proponho-me a falar dessapartilhadeespaçoentreoamoreoódio.

Lembro-me na minha adolescência de viver sempre nesse limbo, nessa vontade de amartudomasdenuncaopoderfazerpeladordenãosercompreendida Porquem? Peles que considerava outres e, sobretudo, por mim Para além de feies - vamos admitir,nenhumdenóscom13anoserabonite–esadolescentespadecemsempre desse desconforto constante, que eu procuro sempre reconhecer para justificar as suasdecisões,quetantasvezesfazemcomoódionasmãos Diga-sedepassagem quetalreconhecimentodaminhapartetorna-sedifícilsobretudoquandosejuntamno autocarroaosberroseaouvirmúsicaquenemelesdaquia3anosvãogostar Hádias falavacomalgunsamiguessobrecomoessapresençacoletivadeumajuventudetão poucodistantedenósjánosassustar,comotememosainfidelidadedassuasações Isto para dizer que, para amar precisamos de nos amar, de nos compreender e de sermos compreendidos, algo que temo que seja muito difícil na adolescência, salvo certoscasosdematuridadeemocionaloutalvezingenuidadeeenquadramentosocial quenãorequeremrespostasdeisolamentoemrelaçãoespares Esobretudoporque nós, enquanto sociedade, não damos espaço suficiente para aquilo que não compreendemosequeàpartidaéinofensivo

Masenajovemmaturidade?Nos“loucosanos20”?Éverdadequeabelezachegaà maioria, mas é essa a fase em que aprendemos a amar? Depois da experiência da adolescência, o início da fase adulta chega, pelo menos para mim, com o reconhecimento do que realmente é o mundo do amor. Abandonamos o ódio da incompreensão do mundo mas parece que, por essa falta do espaço, que já acusei, para o compreendermos ao nosso tempo e maneira própria, o substituímos pela frustração de, compreendendo o mínimo que nos é requerido, não sabermos onde estarecomquemestar Naadolescênciaapesardaindefinição,aaçãonomeiosocial parecesermaisleveporqueninguémpensaaos15anos“bem,istotemdeseruma amizade para a vida senão não estou para aqui a fazer nada, vou acabar sozinhe e com30gatos” Atenção!Nuncameouvirãoaopor-meaumlarcompostoporfelinos Masaverdadeéquenosesquecemosmuitasvezesqueavidanãoacabaaos20ou 30 A maternidade/paternidade não pode, nem é definitivamente, o fim da juventude do espírito, erro que a maioria comete Mas não vou aqui dar um passo maior que a perna,pretendorefletirapenassobreodespertarparaoamor.Entramosentãonessa fase em que alguns de nós conseguem definir-se rapidamente e por isso logo aprendemaamar,outrestentamfazê-lodeformaprecipitada,eoutresexperienciam desmedidamente,estesdoisaprendendomaislentamenteaamar Eoutres,talvezsó nuncavenhamasaberoqueéamam,ficandopresesnumódiodefinitivo,porqueamar seletivamentenãoéamor,amortemdeseruniversal Masseoamoréuniversal,não significa que seja contínuo Acredito que a nossa capacidade de amar depende do nossoestadoespiritual,eporisso,senãoestamosbemconnoscoeomundonunca nosvamosconseguirrelacionarcomeledemodopositivo.

E ASSIM, ELA
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DISSE: “AMAI-VOS!”

É UM QUÊ?

ALEXANDRE CORREIA

Nem sabes, o Correia, o marido da Ana, sim, morreu. Não me digas uma coisa dessas, e ela, como fica? Disse-me a Jaquenita que vai voltar para Setúbal, com os filhos e o neto, já é crescidinho ele.

Imagino que seja como as tuas outrora amigas de mercearia falem dos últimos dois meses, exatamente o que disseste a minha vida toda sobre enviuvados em Mourão Uma das poucas coisas que deixaste de dizer Exceção porque a força do hábito pesa, mas se Atlas nos ensinou algo, é que quando te cai o mundo, são terríveis as dores de costas Mas isto não te diz nada, enciclopédias não se perdem como na memória do avô, sabes de mais que nomes de rios

Num desses dias em que usaste “procurar” em vez de “perguntar” como fizeste a tua vida toda, a tresandar a espírito adolescente envolto em como “ninguém me entendia”, foi quando o percebi, talvez também nunca te vá entender a ti Esquecida a hora de tomar cápsulas para a memória, com ela vai o tempo em que te via como uma fada do lar que, como coadjuvante de outros contos, faz crianças grandes e homens pequenos acreditar que as coisas aparecem feitas, que o pó é mágico porque nunca fica Descrente de feitiços, lembro-me de tentar ajudar com loiça, de trovejares na tosse, dos dias em que não insisti Tento agora transcrever o teu gaguejar até chegar algures Rodeado de pessoas que não sabem do teu sotaque, confessei “a minha avó é um pantoum” Levantei questões com o tapete em que faziam sala, como seria de esperar; mas pude luzir com os teus olhos, descoser-me sobre como, de Malásia a França, e agora naquela mesa em Berna, se rabiscam quadras em que todas as linhas decididas como segunda e quarta eram forçadas, de uma maneira ou de outra, a ser a primeira e terceira da quadra seguinte, por algo maior que elas, um pantoum Rememorações desfiguradas, sentidos clandestinos, nomes que se revelam e pronúncias que faíscam afeições, num pantoum como nas tuas histórias, chamamos detalhes à beleza Obcecado com algo mais que isto, sem saber o quê, isolando de modo laboratorial adjetivos redundantes, foi preciso um pantoum para aprender a pedir para repetires; precisei de um pantoum para aprender a língua em que abraças Um dia, escrevi: “amo tudo o que repito, tudo o que repito” É que prometo que é a última vez que finjo que sei escrever como falas Invejável, tropeças como se palavras pedissem bis nos gerúndios viajantes de quem migrou para chamar a uma rotina paz, que buscou o marido preso até o fim da liberdade para poder repetir o olhar dele quando acordam Repetes-te com o tremer de mãos demasiado experientes num tear, a síncope lembra os filhos esventrados que mal tocaste, hoje cicatrizes ensanguentadas de lágrimas que fizeram de embalar a minha mãe a única resistência possível

Descubro pela terceira vez hoje que há imensos carros lá fora, que quando aqui chegaste eram “só os do Ivo da padaria e outro rapaz” e que, em Mourão, já não há nada Implícitos os parênteses de que não há nada “para ti”, pelo menos não desde que ele se foi Mais que repetir o que amas, sabes que o momento é âmbar, mesmo que nunca o dissesses assim Entre ditados e diminutivos, engoles-te como as ondas, voltas a se “está bom o comer?” e ao Max que “não quer o comer dele”, mas nunca a infâncias e a médicos, trauma elegante, discreto

Entretanto só falamos à mesa, mal passo em casa e receio fazer-te sentir que vieste do Sul para acabar aqui a dobrar calças que não entendes Para te ser sincero, tem sido difícil Difícil notar que confundes panelas e queimas o arroz sem perceber Difícil não pensar que, algures, há escolas onde ensinam miúdos que a maneira como falas é errada Difícil escrever isto sem enxaguar o papel Difícil saber que já não repetes o nome dele É difícil não o ver quando olho para ti Presumo que, nos tempos que correm, seja difícil ver os teus filhos orgulharem-se de ti como os ensinaste ao orgulhares-te deles; um telejornal que “só passa desgraças”, todos os teus amigos mortos, há cada vez menos coisas que valham a pena repetir Mas, se te serve de algum consolo, hei de contar a tua história, bem mais que uma vez

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Se tudo o que dissesse fosse sentido, poderia submeter-me a uma posição muito frágil da vida, porque ela mesmo necessita disto, que a mentira seja utilizada de forma obscura, mas que não deixe de transportar o seu verdadeiro significado Permitam-me que vos diga que vos minto Não sou capaz de mentir-vos ao dizer-vos isto, seria uma promíscua desonra dizer-vos que não vos mentiria simplesmente para transparecer uma imagem daquilo que não sou Irremediavelmente, sou sincero quando tenho de o ser, porque, para evitar discussões sou mentiroso, para debater formal e ordenadamente sou conciso e inteligente.Sereieumaisinteligentequandomintoouquandodigoaverdade?

Vejo pessoas na rua que têm conversas simplesmente por poder produzir palavras e sons e perturba-me ouvir o que dizem umas às outras : “Olá, está tudo bem?” , mas que tipo de cortesia fora esta que nós próprios inventámos? Na maior parte das vezes, pouco nos importa se a outra pessoa está bem ou não sabemossemprequalseráaresposta “Sim,econsigo?” eissorevelaotraçomaisvincadoda nossasociedade oegoísmo Talvezsejaumpoucoegoístaestavisãodoegoísmo,porquetantoeunão quero saber destes modos de simpatia fantasma como quem me pergunta se eu estou bem ou não, não quer minimamente saber se eu me encontro feliz, ou, pelo menos, bem Tão mentiroso é aquele que pergunta como aquele que responde, provocando um mau estar social, logo, isto faz com que vivamos, perpetuamente, numa sociedade pouco equitativa e disfuncional. Hodiernamente, estereótipos preconizados pelas massas são ignorados pela homogeneização de produtos excessivamente comercializamoseaspalavrastêm,gradualmente,maissignificado

Se fosse sempre sincero a cada vez que escrevo, escreveria menos vezes do que aquelas que realmente escrevo, isto porque, na maioria das vezes, só escrevo quando estou a mentir, que é quando tenho mais possibilidades de me enganar a mim mesmo e ao próprio leitor Não me interpretem de modo errónio, mas, embora vos pareça que ser sincero é mais genuíno, eu discordo totalmente Minto-vos para criar sensações, para proporcionar momentos, para inventar histórias que se fossem verdade nunca seriam de tão fictícias que são Por vezes, preciso de mentir para me colocar no lugar de outra pessoa onde nunca estive Nemtudooqueescrevoéfalso,atenção,masnãosepodelerumtextodemodoliteral,eissoéo belodaescrita,asváriasinterpretaçõesquesedeterminamatravésdasmesmaspalavras

Faço um apelo futuro Se caso as minhas obras forem publicadas e estudadas, principalmente pelo ensino,cuidadocomoqueensinamaosmaisnovos Ainterpretaçãonãodevenempodeserliteral,dêemlhesasasparamostraroporquêdassuasdivergentesinterpretaçõese,maisimportantequeisso,deixemnosfundamentá-las.Aconfiguraçãouniformedosistemadeensinoportuguêsdeixa-medesolado.

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A MENTIRA
RAFAEL LOPES LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

ODE AO PIMBA

DAVID LETRAS GASPAR

Aproximamo-nos a passos largos de uma das minhas épocas favoritas do ano, o mês de junho, o único no qual é socialmente aceitável o nosso combustívelsersardinhas,cervejaemúsicapimba. No entanto, parece-me ser um período temporal demasiado curto para se viver à base de metáforas, analogias e trocadilhos tipicamente acompanhados de um acordeão Constato, entre devaneios e desvarios, que a felicidade dos meus congéneres concidadãos aumenta bastante nesta época única e exclusivamente devido à magia da analogia com que a música pimba nos dadiva, não metentemrefutar,istoinfere-seaoandarnasruas, nãoempiricamente.

Entre terras da ocidental praia lusitana, em estabelecimentos mais main stream, ouve -se a mesma temática que o pimba aborda cantada de forma muito mais transparente Estas melodias, na sua maioria importadas do Brasil, desvelam as temáticas socialmente ditas promíscuas de forma bastante cristalina, como se pode testemunhar citando a música “Agudo Mágico 3”: “Me dá o cu como se fosse sua buceta Então vem, mulher, quero ver se tu aguenta” Por cá fazemo-lo de uma forma diferente através das mais variadas analogias e trocadilhos, que o fazem com tremenda classe São tais recursos expressivos quenoscapacitamdetornaraobradeartedistinta das demais e incitar o pensamento sobre o que poderá estar a ser referido e, quiçá, tornar as próprias peças musicais nossas, devido à sua interpretação singular. Além de uma questão de beleza e profundidade artística, julgo que seja também a elegância e graciosidade inerentes a esta música que a tornam tão bela É evidente que dizer que pomos e tiramos o carro da garagem da vizinha nos transporta para um nível superior, diria atémágicodaarte

Custa-me a crer que no passado tenhamos encontrado formas tão belas de transmitir as nossas ideias que agora se transformam no apogeu da clareza lírica A utilização de metáforas, analogias e trocadilhos dá algo mais às obras musicais. Não é todos os dias que se ouve que o melhor dia para casar é o 31 de julho porque depois entra agosto, são estes detalhes minuciosos da linguística que elevam a música pimba O famoso trocadilho brinda o ouvinte com uma delicadeza desmesurada, pode fazer com que se sinta simultaneamente um espetador de umadasfeirasdeprodutosregionaisdedomingoà tarde ou o James Bond num casino rodeado da high-life, devido, precisamente, à ambiguidade lírica.

Não digo isto com a índole crítica do velho do Restelo, sou um fervoroso adepto da multiculturalidade e da democratização da cultura, no entanto, a minha desilusão recai sobre o decrescente interesse por este tipo de música tão típico, ainda mais havendo uma correlação direta entre a nossa felicidade e a prevalência desta música nas ruas Creio genuinamente que os índices de felicidade deste estado-nação iriam aumentar exponencialmente se ouvíssemos música pimba o ano todo Sem dúvida que considero que pode e deve haver uma existência concomitante entre ambos os géneros musicais, apenas exalto o valor, a classe e a magia do pimba.

É neste mesmo mês de abril que se celebra a liberdade que deu ao Quim Barreiros a possibilidade de conceber e partilhar a Garagem da Vizinha Devido à revolução de abril temos agora, adaptando à melodia em questão, a liberdade de escrever sobre garagens, cantar sobre automóveis, estacionar o nosso veículo onde quisermos e a possibilidade de afirmar que o lápis azul é produto da garagem do fundo Viva à liberdadeevivaamúsicapimba!

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1º ANO DA
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

A TOUCH OF PAINT BEATRIZ

The room was dark, it almost looked… abandoned? The absolute chaos present in the room must mean that no one is living here. However, the lump in the middle of the bed tells us otherwise. The body slowly moving up and down with calm breaths could fool us into thinking that it’s peacefully sleeping but paying close attention to it, we can hear soft sniffles. The body starts moving ever so slowly like it’s drunk on sleep but when it sits up, the pale skin is tinted with red blotchy spots and the tears look like small pearls running down its face. The deep dark circles almost take away all the attention from those beautiful sad eyes filled with pain.

Observing the body closely it seems like it’s not really moving on its own but rather like someone else is coordinating it, resembling a marionette. With slow exhausted movements, the body rubs its face with its hands and sighs deeply while doing so. Weakly, the body gets out of bed and stands in the same spot for a few minutes looking around the room. It sighs again. Wearily, it starts picking up some things out of the floor and placing everything in the same pile only so to create a decent-sized space where it could fit an easel With a canvas on the easel and paint next to it, the body sits on the floor and stares at the blank canvas The spectrum of emotions all melting and fighting each other in those unreadable eyes

With a sudden surge of life, the body grabs a tube of paint and squeezes it directly on its bare hands and swiftly throws it at the canvas With rapid breaths, the body looks at its hands and feels the cold creamy paint that stains them One, two, three, four, five times it repeats this action with different colours and after using all the different tubes, it starts mixing everything with its hands The unkempt shoulder-length hair is visibly bothersome and the body, without a care in the world about further dirtying the hair, grabs a claw clip and messily clips the hair at the back of its head Going back to the canvas, the body keeps working with its hands, squirting and splashing more paint and mixing it in with all the other colours In the middle of this havoc, the body starts crying and heart-wrenching sobs fill the room, adding to the heavy atmosphere

The body stops The hands fall lifelessly to the side of its body like the energy had completely run out and it stares at the canvas It's blue Entirely blue The body runs a shaky finger through the wet paint and somehow reveals other shades of blue With empty eyes, the body sits down on the floor hugging its knees and stares at what was just created Stares at what it has just written “I have never known colour other than the saddest of blues”

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AOS QUE VÃO: QUE FIQUEM

MANUEL GORJÃO

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

Se há coisa que não gosto que as pessoas façam na minha ausência é pensar em mim Temo que ao fazê-lo acabem por chegar à conclusão de que o meu contributo para as suas vidas é practicamente nulo Umas cervejas bebidas, umas palavras trocadas e pouco mais Minto, nenhuma conclusão seria mais errada Pois que fiquem sabendo que a cada imperial que bebemos ficámos uma imperial mais perto de salvar o mundo E que cada uma das conversas que tivemos me embriagarão a memória até esta as dissolver em longínquas recordações felizes Portanto, patrióticos e memoráveis momentos era tudo o que tinha para dar e não dei menos que isso aos meus amigos Um agradecimento à minha pessoa é o mínimo Minto outra vez: o mínimo são duas imperiais e um dedo de conversa Adiante

Do futuro nada sei Do futuro e de crónicas, bem vistas as coisas, mas o ponto é que tenho medo dele Enquanto que eu vou continuar com a minha vida universitária – que, por sinal, me assenta que nem uma luva – outros há que a acabam agora Tenho um pedido para esses que vão: que fiquem Fiquem por aí, digam coisas Vocês sabem onde me encontrar, digam-me, por favor, a vossa nova morada A verdade é que preciso do conforto do passado para aceitar a imprevisibilidade do futuro Eu pago a primeira imperial, porra! Minto outra vez: não vou pagar a primeira imperial Já agora: todas as crónicas de amor são ridículas, não seriam crónicas de Também não se enganem ao ponto de pensar que vos quero manter na minha vida por interesse Quer dizer, não é só por interesse Mas é muito por interesse Mas não só Mas também Adiante

Bem sei que estou a colocar nos outros toda a responsabilidade do nosso encontro, mas quem me conhece sabe que o máximo que consigo fazer é a irresponsabilidade do nosso desencontro A bola está do vosso lado Eu também Adiante

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O PODER DAS

HISTÓRIAS REPETIDAS

SOFIA FERNANDES LICENCIATURA EM LLC

Costumam ler o mesmo livro várias vezes? Quando passam pela vossa estante param por vezes a olhar para aquelas folhas que leram?Recordam-sedealgosobreessaleitura?

Gosto de reler livros Há quem pense que é uma atitude repetitiva Para quê perder o meu tempo a ler algo novamente quando há tanto de novo à minha espera? Eu, no entanto, nunca li o mesmo livro duas vezes Ou seja, nunca consegui repetir a leitura que tinha feito de uma história No espaço de dois anos li um livro três vezes e todas elas foram como se lesse um livro diferente. Com as leituras repetidas acrescentam-se sorrisos de antecipação, ligações que antes não tinham sido feitas e uma nova opinião relativa às palavras que nos são apresentadas. Temo o dia em que reler um livro me fará gostar menos dele, mas a minha experiência até agora foi sempre de encontrar novos pontos de apreço, novas justificaçõesparacontinuaravoltaràquelashistórias

Olhando para trás, este sempre foi um traço da minha personalidade Quando era criança não ia dormir sem que os meus pais me contassem uma história Fui e sou privilegiada Estou rodeada de livros e também de narrativas não escritas, contidas nas vivências dos que me são próximos (procurem também estas últimas, poderão ser as melhores histórias que encontram). No entanto, tinha uma grande tendência a pedir que repetissem histórias À minha mãe associo uma série de livros e ao meu pai um autor e conto específicos. Penso que, por vezes, o conforto do que conhecia e já sabia gostar se sobrepunha à vontade de ouvir coisas novas Essas noites ensinaram-me o poder da linguagem e das histórias. Mostraram-me a liberdade que uma história pode trazer Permitiram-me sonhar acordada Talvez tenham ajudado a trazer-meatéquemsoueondeestou

Mas essas histórias repetidas deram-me, acima de tudo, memória Um sentimento puro de estar em casa quando olho para aqueles livros ou releio aquele conto Tenho preservadas naquelas páginas avoz comquemecontavamashistórias, asmãosqueestenderam paramelevaraaprendereasonhar Enfim,tenhonaquelaspáginas oseuamor Ashistóriassãotambémissomesmo

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O MEU CORPO

SOFIA FERNANDES LICENCIATURA EM LLC

Levanto-me e olho ao espelho Reparo que hoje as olheiras estão mais intensas e a pele está baça

Preparo-me para o dia e forço um sorriso Conforme caminho pela cidade vou-me esquecendo O dia vai ser bom, que importa o negrume debaixo dos meus olhos?

Avanço mais um pouco e o sorriso é já sincero quando esbarro com o que devia saber que ia surgir

Anúncios de produtos para mudar uma parte à escolha, cremes que tudo conseguem retirar: as marcas, as cicatrizes, as provas do que o meu corpo consegue aguentar

O meu corpo é uma prisão?

A primeira coisa que de mim veem e o primeiro fator de avaliação, sem dúvida É também uma casa que a minha alma guarda

O meu corpo é uma prisão?

Talvez, mas as barras não foram por mim colocadas

O meu corpo é uma prisão?

Enfrenta o que de mau vem e protege o que no interior se esconde

O meu corpo é uma prisão?

Se sim, então eu aprendi a gostar dela

O meu corpo não me aprisiona, é aliás o que me leva por aí É, na verdade, o mundo que o pressiona e prende com tudo o que tem de mudar para ser feliz Parada no meio da rua a olhar o cartaz, penso:

O meu corpo é uma prisão ou está aprisionado em ideias?

Não me interessa Passo ao lado do anúncio e de outros tais O tal sorriso sincero volta com mais força enquanto continuo o meu caminho, levando as olheiras como companhia.

Se querem que o meu corpo seja uma prisão é com ele que me ergo e canto:

Liberdade de existir

Liberdade de simplesmente ser Liberdade por este meu corpo Que afinal me é tão querido

DE ESTÔMAGO VAZIO

A ninguém o peço Não sei como tê-lo, Sem o devorar por completo. De mim não saem gritos nem sussurros, Apenas um rosnar esfomeado Obrigo-me a não pensar na fome, A recusar até as pequenas migalhas Sustentar-me sabe a pecado, Eu nunca sei como dar a segunda dentada, Cuspo-me todo com a pressa de que fuja Não sei se ensinarem-me é sequer possível Se o for, a ninguém quero dar esse castigo Não posso comer, não devo sequer trincar Amo de boca fechada, de estômago vazio

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C.L.

CEMENTERIO CLUB

GUILHERME MACHADO

Pouco sentido têm as coisas quando deitado te observo, pois afinal tampouco há matéria que te conceba, porque as coisas são sempre feitas da matéria e sem ti, a matéria não existe

As frases perdem a sua sintaxe quando falo e tento descrever-te em palavra como um pregador afogo-me em culpa cristã carrego-a como ferida de estimação porque sem ti, apenas Deus é tangível

E internado num quartinho à beira dos precipícios consigo sentir a maresia e distingui-la do esgoto e imagino gritos de paixão que te movam e mãos enrugadas que me mudem, pois sem ti, apenas a loucura existe

Vivendo de madrugada e contando os teus batimentos como se aqui estivesses é a única forma de te conceber sem engano desafinado profiro o teu nome, palavra proibida e ensurdeço ao andar pelas ruas onde outrora te via porque sem ti, o som não existe

Toco-te apenas quando se fecham os meus olhos e inerte sou levado aos cumes da inocência perdida sinto assim, a tua presença quase samaritana guiando-me por um vale sombrio e obscuro ensinando-me novos verbos para te amar porque sem ti, a ação não existe

E por mais que te perdoe vezes e vezes sem conta as memórias que lentamente vou vendo se dissolverem como açúcar na água, a tua presença é imutável e sem metafísica, ela consome-me na sua promessa perfídia porque sem ti, a saudade não existe

o que resta?

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TOMÁS GIRÃO MESTRADO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

Bom dia, mãe.

Bom dia, flor composta de amor Amiga dos sonhos que escrevo e componho

Bom dia, princesa da terra prometida, no mar inscrita com a minha certeza

Bom dia, alegria Festeja em harmonia pelos primeiros passos no jardim dados

Bom dia, guerreira das batalhas verdadeiras, onde não choras e aguentas inteira

Bom dia, eternidade Em abril conjurada pela chegada da liberdade Bom dia, mulher amada

Que eras tudo o que sempre quis e podia desejar

Que estiveste lá para mim sempre com algum conselho a dar

Que disseste que ficarias para sempre, mas quando te dei a mão levaste-me por inteiro

Que sabias todos os meus segredos, mas eras caixa fechada e eras o chaveiro

Que me prendeste e não me deixaste viver devido às tuas inseguranças e medos

Que enganaste toda a gente e me fizeste parecer a assassina perante o conselho

Que sempre foste vítima e sempre sofreste às minhas mãos Para

Que nunca fui o suficiente e nunca consegui dizer que não Desmarco-me agora Sinto-me limpa, nova e livre

Que talvez um dia te apercebas

Talvez um dia compreendas De como Tu és

E de tudo o que Eu fui por ti

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Tu
Tu
Tu
Tu
Tu
Tu
Tu
De
ti
ti
RAQUEL FRANCISCO LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

COMES HOW FAR SUN'S ECLIPSE?

Comes how far sun's eclipse, Narrowed down's river drain, For my son's quietly asleep, While outside muddy rains

I forsake memory's blessing, And nevermore asks alas! The voices leaving scrapping, Mind's mad of whom to ask

About the light's vision deep! How come one lives matter, To one, only one and one least, Henceforth master one's ladder

I can rhyme two or three, Stanzas no practice ashore; Ladder's is mine's to flee,

From this land and nevermore

Can I seek oath on post?

From that shore i once dreamt, Can I scrap for pieces asleep?

Take and reap its body sang The Blues I long and said leap

Oh such a leap I remember, No voices escape other content, For my rhymes elude pretender, Of my summer's kiss on cheek, Alas! Alas comes killed september, For Work's mind doesn't keep Never so I remember!

1 de Abril de 2023

DE CAMPOS (RE)ADAPTADO

as cartas de amor só são ridículas porque quem as escreve são ridículos por ridiculamente insistirem em ser ridículos

e ridículos são por amar uma rosa que penetra os seus espinhos na carne flácida de um milhão de ridículos

e como ridículos se comportam quando usam as próprias lágrimas para limpar as feridas deixadas pelos espinhos da maldita flor pútrida que colheram coisa de ridículos e são tão ridículos que amassam a tal rosa ao verem que a dor já não para; as feridas dos espinhos nem sequer saram

como bons ridículos, livram-se até das cartas ridículas, ainda que secretamente sejam mais ridículos do que essas coisas todas juntas

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ROSA GARCIA BELA CADIMA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ÁLVARO

PEDEM DEMASIADO DE MIM

CATARINA AIRES

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM

Devagarnão tenho pressa de chegar não tenho pressa de ver o dia acabar e eu sem avançar

Devagaro mundo vai depressa demais e eu tenho menos em que pensar tenho medo de existir de ser em demasia de me ver e sentir vazia de me entender e descobrir perdida.

Devagaros passos já eu dei mas o corpo não avança

A vida é uma balança o coração pende de um lado e tudo o que não é o querer está à espera da derrota e eu já estou morta porque os passos já eu dei mas nunca foi minha a vontade

Devagaro mundo não espera que ganhes coragem de agarrar o destino sem o grito sem a dor sem o frio e o terror porque a vida não é a liberdade na palma da tua mão a vida é a responsabilidade que nos teus ombros balança

E a vida não é uma miragem nem o despertar do pesadelo o virar da esquina não espera o tempo atropela até tudo alimentar a guerra que levas no coração

Devagarnão tenhas pressa tudo é tão sombrio e viver é já o fim do pavio Pousa o corpo que pesa no sofá da tua sala eu não tenho pressa preciso de respirar preciso de amar preciso de fazer mais do que roubar segundos

NAS MONTANHAS DA AUVÉRNIA

HEFESTO DE OLIVEIRA LICENCIATURA EM CPRI

O amor cheira a flores do pinho, Pinho alto plantado ao pé Dum ribeiro de águas geladas, Encontrado numa encosta de serra Onde domina o pensamento o cheiro

O amor sabe a carne de caça Dum animal assado por inteiro, Temperado com alecrim, sal e azeite d’oliva Sua gordura atiça o fogo e mela os dedos, Sabendo gostosa num bocado de pão

O amor sabe ao crepitar da lareira Num dia de neve onde só apetece estar na cama Deitado, sossegado, ledo contigo ao lado Ouvindo os filhos da madeira e do fogo Quebrarem o monótono silêncio

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CLARA FIGUEIREDO

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

“Uma gaivota voava, voava asas de vento coração de mar

como ela, somos livres somos li-”

vem, filha vem para dentro sabe-se lá o vento não tenha ouvidos não tenha amigos que a casa venham levar-te a voz e a idade que de teus lábios buscam liberdade

RÉPLICAS DE PAPEL

Nunca aprendi a saber amar, Não sei onde nem como parar O meu coração é bicho que come, Como se estivesse sempre com fome Talvez por isso dobre réplicas de papel, Que por vezes tomam a forma de anel Só assim consigo ser mais do meu ser, E de tudo o que sinto ou quero dizer Deixo estas partes de mim aqui e ali, Só assim me convenço de que vivi É a ideia de ter por aí um pedaço de mim, Que alguém o recolha e guarde para si, Encontrei-te, até que enfim

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LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO C. L. NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM 28
MANUEL GORJÃO

EH LÁ (COSTA VERSION)

GUILHERME MACHADO

aprendi a derramar água sobre flores mortas aprendi a desculpar os meus valentes ócios aprendi a soçobrar sobre a ordem dos dias dois cafés cheios e um cinzeiro de plástico

mergulhei sobre o vermelho imortal do passado desesperei levado pela corrente de um rio seco perdi o meu fôlego entre margens de barro e castelos andantes afoguei-me em mares de cerveja e sobejantes despedidas entre tanto tiritar e muito inventar, naufraguei no Cais do Sodré dois pratos de Ravioli e sumo de laranja

escalei com mãos calejadas montes de merda e valas comuns entalei-me entre os detritos de barricadas desesperadas experimentei os similares remédios da heroína e de Jesus arranhei as minhas próprias costas sem dar o braço a torcer três opiniões em três minutos, uma nova personalidade

com as lágrimas que derramaste covarde pintei-te num canvas de marfim rasguei os nossos lençóis molhados e cobri-me pecador em tecido podre droguei-me com benzedrina e chocolates de licor nas Portas de Brandemburgo adormeci no último comboio da noite para despertar no apeadeiro de Chelas um cartão de faculdade, sessenta cêntimos em moedas pretas

adormeci em 1964 soberbo e fatal, acordei em 1968, para voltar a desmaiar fui iconoclasta para que nunca a minha face sobrevivesse ao tempo contratei assassinos e traidores para nunca me evadir aos holofotes narcisistas fui eu que matei Getúlio Vargas, fui eu que dei os preservativos ao Valete não há nem ai, nem ui, apenas caraças

encontraram o meu diário escrito a sangue nos escombros do Avião encontraram os meus amigos na Esquadra da GNR da Golegã encontraram o meu relicário num alfarrabista da Almirante Reis encontraram-me de joelhos a mamar o Almeida Garret nunca escrevi poesia, sempre vomitei judiarias despersonalizei-me para nada dever à semântica ergui-me ao panteão imemorial para não dever nada à insignificância esqueci-me do sol e esfaqueei a lua para não dever nada à esperança ensurdeci os meus desígnios efémeros para cair sempre na tua dança um cartão de cidadão queimado

sou apenas um sedimento feliz num aqueduto em Segóvia sou um mero gemido, puro êxtase juvenil numa noite de discórdia sou apenas um rascunho abandonado na gaveta de um pintor suicida sou a totalidade esquecida dos erros, a universalidade memorável da vergonha antes eu sonhava, agora já não durmo

sempre estrangulei e decapitei flores para dar vida a amores de verão e de manhã cedinho um homem bom salvava-me sempre de um sono mau sempre matei o silêncio para renegar o meu ermitério e de tarde bem escura o homem bom segurava-me na berma do prédio foi por amor! o assassinato da flor

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PARA PASSARES O TEMPO...

Vertical

1 Cartas Portuguesas é o nome do filme em exibição no passado dia 28/03 na faculdade

3 O último churrasco realizado deu pelo nome de 'Isto era para ser uma '

5 Flor utilizada no 25 de abril

7 'Memento Mori' é o nome do novo álbum dos Mode

8 Agenor de Miranda Araújo Neto dá pelo nome de

Horizontal

2 Apelido do autor de 'Os Maias'

4. ..... das Fitas é a cerimónia que homenageia o término da licenciatura dos estudantes

6 Dia 1 de maio celebra-se o Dia do

9 Rosso é o nome do filme de animação japonês, lançado em 1992 e realizado por Hayao Miyazaki

10 Álvaro de é um dos heterónimos de Fernando Pessoa

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