Sílvio
Marcus de Souza Correa África e suas relações internacionais
Entre dependência e desconexão
Série Relações Internacionais
Sílvio Marcus de Souza Correa ÁFRICA
E SUAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Entre dependência e desconexão
SÉRIE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Coordenador Prof. Agripa Faria Alexandre
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
África e suas relações internacionais: entre dependência e desconexão
© 2025 Sílvio Marcus de Souza Correa
Editora Edgard Blücher Ltda.
Série Relações Internacionais
Coordenador Agripa Faria Alexandre
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenador editorial Rafael Fulanetti
Coordenação de produção Andressa Lira
Produção editorial Ariana Corrêa
Preparação de texto Ana Maria Fiorini
Diagramação Guilherme Salvador
Revisão de texto Elaine Cristina Nicolodelli
Capa Laércio Flenic
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Heytor Diniz Teixeira, CRB-8/10570
C824a Correa, Sílvio Marcus de Souza África e suas relações internacionais : entre dependência e desconexão / Sílvio Marcus de Souza Correa. – São Paulo : Blucher, 2025.
176 p. – (Série Relações Internacionais / coordenado por Agripa Faria Alexandre).
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2595-9 (impresso)
1. Relações internacionais. 2. Relações internacionais – África. 3. História da África.
I. Alexandre, Agripa Faria. II.Título. III. Série
CDU 327
Índices para catálogo sistemático: 1. Relações Internacionais CDU 327
Capítulo 1
Entre dependência e desconexão
Em meados do século XX, o discurso colonial adotou o desenvolvimento como uma panaceia para a África. Segundo o historiador Frederick Cooper (2016, p. 211-212), a impossibilidade política de um Estado europeu continuar a exercer funções de tutela sobre um território africano legitimou um novo conjunto de intervenções do mundo “ desenvolvido” para acelerar a evolução econômica e social do mundo “subdesenvolvido”.
Mas o propalado otimismo desenvolvimentista se dissipava diante da brutal exploração dos trabalhadores no sistema colonial.
Desenvolvimento na ordem colonial ou modernização do colonialismo pode ser visto como um oximoro. Apesar de algumas reformas implementadas pelas administrações coloniais na África durante as décadas de 1930 e 1940,
as reivindicações dos africanos foram se multiplicando. Não tardou para que as críticas ao sistema colonial fossem medrando no campo dos protestos por mais autonomia e, por conseguinte, das lutas pela independência. Mas o sol das independências não queimou a árvore alienígena do desenvolvimento em solo africano. Ao contrário, os primeiros regimes africanos do pós-independência seguiram rezando pela cartilha desenvolvimentista. Aliás, o jargão desenvolvimentista já era usado pelos africanos em seus sindicatos, partidos políticos e associações durante o domínio colonial. Em meados do século XX, os sindicalistas e líderes políticos africanos também se apropriavam do discurso desenvolvimentista (Cooper, 2016, p. 168). O modelo do Estado nacional foi, inclusive, quase um consenso entre as lideranças africanas para a descolonização do continente.1
A imaginação política africana era tributária, em parte, da ideologia da modernização, e o nacionalismo africano se serviu dela para justificar os planos de modernização da economia dos novos Estados nacionais no continente africano a partir dos anos 1960. 2 Se a modernização encantava os
1 Para um balanço crítico dos Estados africanos nas primeiras décadas da África pós-colonial, ver o livro do cientista político Jean-François Bayart (1989a) e a coletânea organizada por Jean-François Medard (1991).
2 Frantz Fanon (1968, p. 274) foi uma voz quase solitária ao conclamar seus “camaradas” a não pagar tributo à Europa “criando Estados, instituições e sociedades que nela se inspirem”.
Capítulo 2
A África pós-colonial
A partir dos meados do século XX, o continente africano viu raiar o sol das independências por toda parte. Uma resolução das Nações Unidas abriu o caminho para a independência da Líbia em 1951. Entre 1956 e 1958, tornam-se independentes Marrocos, Tunísia, Gana e Guiné-Conacri. Outros quinze países africanos tiveram a sua independência reconhecida pelas Nações Unidas em 1960. O mapa político do continente africano não cessou de ganhar novos países nas décadas seguintes. Alguns países surgiram do desmembramento de um território nacional, como o Estado da Eritreia, que se tornou independente da Etiópia em 1993, e a República do Sudão do Sul, em 2011. Outros trocaram apenas de nome, como a Swazilândia, atual Essuatíni, ou a República Democrática do Congo, outrora Zaire. Algumas tentativas de secessão levaram a uma intervenção externa, como na região do Katanga em 1960, onde o
declarado presidente, Moïse Tshombe, teve que renunciar em 1963, ou redundaram em guerra civil, como no caso do Biafra, na Nigéria, entre 1967 e 1970. Outras guerras civis tiveram motivos mais obscuros e foram mais longas, como em Angola e Moçambique. Desde as primeiras independências africanas, não tardou para pulular os primeiros golpes de Estado. Deposto por um golpe militar em 1966, o ex-presidente do Gana, Kwame Nkrumah, acreditava que a maioria desses golpes era resultado de forças reacionárias a serviço do neocolonialismo.
Entre 1963 e 1970, a maioria dos golpes militares teve como líderes antigos soldados das tropas coloniais, como Mobutu, Bokassa, Kotoka, Moussa Traoré e Idi Amin Dada. Dois dos últimos remanescentes dessa geração são os chefes de Estado das repúblicas do Congo e da Guiné Equatorial. O coronel Denis Sassou-Nguesso ingressou nas forças armadas ainda durante o período colonial. Foi presidente do seu país entre 1979-1992 e voltou à presidência desde 1997. Já Teodoro Obiang Nguema Mbasogo passou pela Academia Militar da Espanha durante a ditadura de Franco. Em 1979, esteve a frente do golpe militar na Guiné Equatorial que depôs o seu tio. Desde então, ele governa um dos países mais pobres da África, sendo detentor de uma das maiores fortunas do continente.
De modo geral, pode-se dizer que o Estado pós-colonial no continente africano manteve uma relação umbilical com
Capítulo 3
Os regimes longevos africanos
As independências africanas favoreceram o acesso ao poder político de elites africanas. Contudo, a margem de manobra dessas elites variava pouco no contexto da chamada Guerra Fria. Somente alguns líderes políticos africanos lograram vantagens em acordos internacionais, não para si ou para os seus, mas para a economia e a sociedade de seus respectivos países.
Com o colapso da União Soviética e a queda do Muro de Berlim em 1989, aumentou a pressão externa e interna sob vários regimes africanos. Em vários países da África, desde então, adotou-se o multipartidarismo. O multipartidarismo favoreceu acesso a fundos de investimentos e a novos empréstimos de agências internacionais. Muito desse capital estrangeiro financiou indiretamente a perpetuação de regimes africanos. Depois de alguns anos, viu-se que o
multipartidarismo não foi suficiente para uma efetiva democratização das sociedades africanas. Além disso, a África subsaariana conheceu uma grande recessão econômica. O descrédito com as eleições multipartidárias e a crise econômica foram alguns dos fatores que levaram milhões de pessoas às ruas em vários países africanos. Entre 2011 e 2021, vários presidentes foram depostos após enorme mobilização popular e protestos. Em alguns países, a deposição do presidente foi decorrência de conflito armado e da vitória dos rebeldes como na República Centro-Africana em 2013. Diante da ocupação de Bangui pelas forças rebeldes, François Bozizé abandona o país depois de uma década no poder. No Zimbábue, a deposição de Robert Mugabe, depois de 37 anos no poder, foi negociada com representantes do exército e do seu próprio partido em 2017. Em outros países, os militares assumiram o poder no vácuo criado pela deposição de dirigentes como Omar al-Bashir no Sudão, em 2019, e Ibrahim Boubacar Keïta no Mali, em 2020.
Uma retrospectiva dos regimes longevos africanos permite constatar o mimetismo de alguns líderes africanos que lograram transcorrer as últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI quase incólumes no poder. Ao chegar ao fim do século XX, a maioria dos países africanos se encontrava sob regimes longevos, com quase nenhuma alternância em termos políticos por décadas. Na Zâmbia, o
Capítulo 4
A globalização da África
O fim da chamada Guerra Fria coincidiu com um discurso assaz otimista em torno das democracias liberais. Ao final do século XX, o fenômeno da globalização foi visto por muitos como uma expansão inexorável do capitalismo mundial. Com o colapso da União Soviética e a conversão da China para uma economia de mercado, parecia que o futuro mundial seria a sua ocidentalização, cujo eufemismo se traduzia por globalização.
Pela cartilha liberal, o modelo democrático era imprescindível para a economia de mercado. Os principais grupos da mídia ocidental anteviram a nova fase da ordem mundial se desenvolver em sintonia com a expansão da economia de mercado e da democracia liberal. Não tardou muito para que alguns economistas apontassem obstáculos a essa expansão da economia e a outros efeitos inusitados da chamada globalização.
Em seu artigo intitulado “Para que serve o conceito de globalização?”, o historiador Frederick Cooper (2001) reconheceu que o paradigma da globalização teve um impacto na nova historiografia africana. Para os estudos africanos, a globalização parecia ser uma chave de leitura para compreender o lugar da África na nova ordem mundial. Em 1998, o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (Codesria) realizou em Johanesburgo, na África do Sul, um evento internacional sob o título Social Sciences and the Challenges of Globalization in Africa. Alguns anos depois, a Associação dos Historiadores Africanos (AHA) organizou o seu terceiro congresso em Bamako (Mali) em torno do tema “historiadores africanos e globalização”. Havia um certo fatalismo entre os historiadores africanos diante de uma globalização apresentada por eles próprios como “um fato onipresente e incontornável”.1
De forma um tanto heterodoxa, alguns historiadores esticaram o conceito de globalização para análises de casos africanos numa escala temporal de longa duração. Desse modo, alguns viram uma África já “globalizada” desde o século XVI. A elasticidade do conceito não resistiu ao menor
1 Os diferentes aportes em torno do paradigma da globalização e seus limites epistemológicos para o estudo da história da África foram tratados por Frederick Cooper (2001).
Capítulo 5
O multilateralismo
africano
Em dezembro de 2023, um colóquio internacional em Cotonou (Benim) teve por tema o futuro do multilateralismo africano. Além de buscar soluções made in Africa para os desafios africanos, a organização do evento tinha por objetivo contribuir ao debate sobre o papel das organizações internacionais africanas, o lugar da África no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a prevenção e a gestão de crises e conflitos no continente africano e as chances e os riscos para a África na soleira do segundo quartel do século XXI. Realizou-se o certame, igualmente, nos quadros das comemorações dos sessenta anos da criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em Adis-Abeba em 1963, e dos vinte anos da desde então União Africana.
As relações internacionais que predominaram até o final do século XX foram sendo reconfiguradas ao passo que a nova ordem mundial se apresentava por meio da propalada
globalização. Após a queda do Muro de Berlim em 1989, a Áf rica passou a chamar mais a atenção dos especialistas em relações internacionais (Smouts, 1991). Para Luc Sindjoun (2002), a África foi tratada como um “objeto exótico” por certos especialistas das relações internacionais. Nos estudos das relações internacionais, o multilateralismo tem sido visto como uma forma suprema de ação internacional (Badie; Devin, 2007). Contudo, alguns especialistas apontaram para a crise do multilateralismo a partir da segunda década do século XXI (Guehenno, 2014; Parthenay, 2022; Handy; Djilo, 2023).
Com a invasão russa à parte oriental da Ucrânia em fevereiro de 2022, a Organização das Nações Unidas deu prova, mais uma vez, de suas limitações e contradições para atuar eficazmente nos tempos hodiernos. Essa guerra teve consequências imediatas para o continente africano. Poucos meses depois da invasão russa, o então presidente da União Africana, Macky Sall, encontrou o presidente russo Vladimir Putin para tratar da segurança alimentar no continente africano. Putin aproveitou a ocasião para exaltar e renovar as relações entre o seu país e os países africanos.
Mas a segurança alimentar não era o único problema direto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia com consequências para o continente africano. Desde a ocupação russa da Crimeia em 2014, um grupo paramilitar de origem russa,
Capítulo 6
Os novos desafios africanos no século XXI
Apesar da euforia liberal após a queda do muro de Berlim, alguns pensadores como Robert Kurz (1991) já apontavam para o colapso da modernização. Diante das crises na periferia do mundo capitalista que levaram à derrocada do “socialismo de caserna”, para usar um termo de Kurz, o continente africano teve o seu horizonte de perspectivas futuras impactado pela nova ordem mundial que tinha como o seu corolário a globalização.
Mas a África ainda estava grávida de independências no final do século XX. Para ficar em dois exemplos, a Namíbia logrou a sua independência em 1990 e a Eritreia conquistou a sua em 1993, depois de trinta anos de guerra. A emergência de Estados nacionais não significou por si mesma ganhos reais para as populações africanas. A última década do século XX traria para o continente africano mais incertezas do que garantias de uma nova e promissora era.
Se, por um lado, a África do Sul teve a sua primeira eleição em moldes democráticos em abril de 1994, por outro, Ruanda foi cenário do último genocídio do século XX. Mais uma vez, a representação da África no imaginário ocidental era ambivalente. A esperança no balbuciar da democracia sul-africana vinha de par com o horror daquilo que foi apresentado pela imprensa internacional como mais um “conflito étnico” que redundava em guerra fratricida, tribal e bárbara, no jargão jornalístico. Para Frederick Cooper (2002), ambos os acontecimentos mostravam, mais uma vez, que a história não conduz inelutavelmente todas as sociedades para um mesmo fim. Apreender esses acontecimentos numa perspectiva histórica pode evitar as distorções causadas por visões estáticas sobre sociedades dinâmicas.
O primeiro quartel do século XXI foi marcado por um recuo das chamadas democracias liberais. Apesar dessa constatação insofismável, cabe investigar os seus impactos num mundo desigualmente “globalizado” e de relações multilaterais assimétricas. Dito de outra maneira, qual relação pode ter a “retirada do liberalismo ocidental” – para usar a expressão de Edward Luce (2017) – com os desafios para o continente africano?
Sem ordem de importância, pode-se elencar os seguintes desafios africanos no tempo presente: garantir o ensino fundamental às crianças, gerar oportunidades aos jovens,
Este livro da Série Relações Internacionais versa sobre a história recente da África a partir de uma abordagem nova, na qual o continente africano não é apenas considerado o grande teatro para ações decisivas ao nosso futuro, mas também a gênese de um contingente humano com papel protagonista no drama atual da humanidade. Trata-se de um livro de leitura ligeira e aprazível para quem deseja se inteirar dos desafios africanos. Professores têm neste livro um recurso paradidático sobre a África e suas relações internacionais. Estudantes do ensino médio ou universitários encontram em suas páginas muita informação sobre a África do tempo presente. Ao público leitor da diáspora africana, este livro pode ser lido como um retorno.
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