Edição 249

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10 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira

Celas: é mas foi-se! O bairro de Celas foi um dos espaços de música alternativa na cidade. O espírito de comunidade juntava-se gerações em concertos peculiares. Por António Cardoso, Ana Duarte e João Gaspar

C

havalos, calças de ganga justas, com Doc Martens nos pés, uns com brincos, casacos de cabedal, uns de cabelinho com brilhantina, outros góticos. Cabia tudo no Centro de Trabalhadores de Celas. Concertos por 300 escudos, muito fumo, sala à pinha, há quem espreite pela janela, há quem vá fumar umas ganzas para os pátios detrás do centro, há quem beba tinto com os velhos do bairro. Durante pouco mais de três anos foi

mundo”, explica Luís Martins, antigo baterista dos DK Hard Jazz. José Mota, ex-vocalista dos Toomates Noise, também foi na onda: “foi aquela coisa da rebeldia. Mas depois acaba por ser um marco”. José Mota sobressaía na altura com a crista: “começa-se com um piercing, corta-se o cabelo, depois compram-se umas botas”. E lá em casa a relação com os pais tornava-se complicada. “Com as botas não me punham problemas, com tudo o resto

lhadores”, lembra Cláudia Abreu, frequentadora dos concertos. De Celas, passava-se para o States, e daí ainda se parava na Cave das Químicas, “onde já estava tudo a gregar”. Depois, ainda se esgueiravam às traseiras das padarias, para o belo do pequeno-almoço. “Procurou-se o sítio, não sei se aquele foi o primeiro”, afirma Francisco Correia, na altura dos Fetos Enlatados. Mas foi o que ficou. “Passou de 40 a 50 pessoas por lá para 150 e com um visual terrível”, conta Bráulio Alexandre, antigo membro dos Toomates Noise. Dum momento para o outro, Coimbra tinha um espaço alternativo para concertos – isto, num centro recreativo, com uma pequena sala onde se destacava um mural com uma imagem-postal de Coimbra, e um bar onde a malta mais velha jogava (e ainda joga) sueca e dominó.

“era uma guerra que se tinha em casa”. “Quando íamos a qualquer sítio pensavam logo ‘lá vêm estes que só causam problemas’, quando na realidade isso não acontecia”, afirma Luís Martins. O aparecimento de bandas de garagem foi repentino – especialmente no seio da José Falcão, com Mansons manhosas e combos de 20 watts. “Uma das grandes dificuldades era arranjar sítio para tocar. Mas ainda demos um concerto na José Falcão, com bandas que foram aparecendo”, diz André Leitão. “Foi assim que surgiu o Centro de Trabalhadores de Celas”. Carlos Dias, membro dos Subway Riders, conta que este sítio

“foi a necessidade de arranjarmos alguma coisa” onde pudessem tocar. Mas o ponto de partida foi nos Pirilampos – Centro Desportivo de Celas. Os Tédio Boys foram lá tocar, que antes, por falta de espaço, desenrascavam concertos ao lado do sítio onde ensaiavam. Também no centro desportivo tocaram os Foragidos da Placenta. Despertaram o interesse de Carlos Dias: “faziam um hardcore bem feito”. Já conhecia André Leitão, das suas idas à loja de música A Fuga, onde trabalhava, e sugeriu ser manager da banda. Aceitaram e começaram a procurar um espaço para tocar. Surgiu o bairro de Celas. “Os concertos eram nos sítios mais pobres e populares. O centro de trabalhadores de Celas era um lugar de gente humilde, e os Pirilampos era praticamente a mesma coisa”, explica Carlos Dias. Os Foragidos da Placenta deram lá um concerto em 93, sem muita gente, mas “as pessoas gostaram do espírito”, d i z

André Leitão. Chegou o verão, e o guitarrista dos Foragidos foi tra-

s ERa a l e C e d dores sim”. André Leitão, a h l a b a r o de t a s s i m . antigo guitarrista dos Foragidos “O centr“Íamos até à praça, ao Moçam- da Placenta, recorda que bique, mas depois batíamos todos p a r a s Dias o l r a C no centro de traba, ” e umild h e u s a r t n e g e d r a umas Doc Martens na altura g u um l

“Era uma festa um bocado particular”, Ávila

O punk em Coimbra Putos na José Falcão. O movimento punk surgia em força. Dead Kennedys, Ramones, Clash, X-Ray Spex trocavam-se em cassetes, rodavam-se fanzines e mandavam-se vir vídeos do estrangeiro. “A idade era propícia – achávamos que p o d í a m o s mudar o

balhar para Aveiro. Lá, conheceu os Inkisição, banda punk, e teve o primeiro contacto com as zines anarco-sindicalistas e metaleiras. Quando voltou para Coimbra, chegou a um ensaio da banda e sugeriu que se devia organizar um concerto e trazer bandas de fora. Sérgio Cardoso, que também era dos Foragidos, dá umas ideias a André Leitão e decidem criar uma promotora – a Arame Farpado para divulgar bandas de garagem. Decidido a andar com o projeto para a frente, vai até ao bairro de Celas e fala com a direção: “lembra-se de mim? Somos daquela malta que esteve aqui há uns meses a tocar, podem fazer um preço porreiro?”. Aceitaram e vie-


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