O reconhecimento da Responsabilidade Civil do Estado ante a violação dos Direitos Fundamentais

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O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ANTE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DETENTOS NO RE 580.252/MS E O "ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL" NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

ANDREZA BARBOSA ASSIS 1ª EDIÇÃO

REVISTA CIENTÍFICA


O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ANTE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DETENTOS NO RE 580.252/MS E O “ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL” NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

1ª Edição


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editor-chefe da Associação da Revista Eletrônica a Barriguda - AREPB

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO EDITORIAL Adilson Rodrigues Pires André Karam Trindade Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Dyego da Costa Santos Elionora Nazaré Cardoso Fabiana Faxina Gisela Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto, Universidad de Granada José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmila Albuquerque Douettes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrasio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo Maurício Freire Soares Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Vincenzo Carbone



ANDREZA BARBOSA ASSIS (Autor)

O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ANTE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DETENTOS NO RE 580.252/MS E O “ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL” NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

1ª Edição

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2021


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Organização do Livro ANDREZA BARBOSA ASSIS Capa ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editoração ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Diagramação ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 19-11-2021 Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

A572o

Assis, Andreza Barbosa. O reconhecimento da Responsabilidade Civil do Estado ante a Violação dos Direitos Fundamentais dos detentos no RE 580.252/MS e o “Estado de Coisas Inconstitucional” no Sistema Carcerário Brasileiro. 1ed. / Autor, Andreza Barbosa Assis. – Campina Grande: AREPB, 2021. 74 f. ISBN 978-65-87070-20-9 1. Responsabilidade Civil. 2. Direitos Fundamentais. 3. Sistema Carcerário. I. Assis, Andreza Barbosa. II. Título. CDU 342.7

Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 7 1 POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE JURISDICIONAL ....................................................... 9 2 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL ........................................................................... 22 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO ...................... 37 4 RECURSO EXTRAORDINÁRIO 580.252/MS: RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE SUPERPOPULAÇÃO CARCERÁRIA .................................... 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................. 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 67


Introdução |7 INTRODUÇÃO

O presente trabalho examina o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 580.252/MS, no qual restou caracterizada a responsabilidade civil do Estado ante a violação dos direitos fundamentais dos detentos, analisando-o sob um ponto de vista crítico, bem como o relacionando ao reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no Sistema Carcerário brasileiro, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Federal nº 347. Fixado o objeto de estudo, o trabalho é dividido em quatro partes. A primeira traz considerações a respeito do Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, remontando ao desenvolvimento teórico sobre a divisão funcional do Estado, bem como abordando a temática das políticas públicas a partir do advento do Estado Democrático de Direito e relacionando-a, posteriormente, à ampliação da atuação do Poder Judiciário, tratando, por fim, do ativismo judicial contemporâneo no STF. Num segundo momento, examina-se o instituto do “Estado de Coisas Inconstitucional”, importado da Corte Constitucional Colombiana, discorrendo sobre sua origem e pressupostos, e abordando a sua “estreia” no Brasil através da ADPF nº 347. A partir daí, analisa-se pontos como o atual quadro do sistema penitenciário brasileiro, o posicionamento do STF e as perspectivas geradas a partir da declaração do ECI quando do julgamento da medida cautelar na referida ADPF. Posteriormente,

no terceiro capítulo,

será abordada a temática

da

responsabilidade civil extracontratual do Estado, desde sua evolução histórica até os pressupostos necessários para a sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio, tendo por base o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, abordando ainda, O recurso paradigma e as propostas de reparação ante o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado serão pontuados no quarto capítulo, mediante a exposição do voto do Ministro Relator Teori Zavascki e do voto-vista divergente do Ministro Luís Roberto Barroso, perpassando as propostas de indenizações por estes apresentadas, mediante uma análise crítica, e apontando, ao fim, possíveis alternativas no enfrentamento à superlotação carcerária. Neste artigo foi utilizado o método indutivo, mediante a realização de pesquisas bibliográficas e documentais. A justificativa para a elaboração deste trabalho dar-se em virtude das graves violações aos direitos fundamentais dos presos, que maculam o sistema penitenciário brasileiro, e ao fim e ao cabo, deram ensejo ao


Introdução |8 reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional e da responsabilidade civil do Estado. Não se busca, através do presente trabalho, esgotar o tema, que se afigura amplo e complexo. O que se pretende é, a partir de uma análise crítica do RE 580.252/MS, refletir quais as possíveis alternativas na superação da crise que assola o sistema carcerário brasileiro.


Políticas Públicas e Controle Jurisd icional |9 1 POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE JURISDICIONAL 1.1 A teoria da Divisão das Funções do Estado e as Políticas Públicas

A ideia da divisão funcional do poder do Estado, com antecedentes em Aristóteles e Locke, consagrou-se e difundiu-se na formulação de Montesquieu: Muito embora alguns apontem Locke como o responsável pela formulação inicial da teoria da separação de poderes, pode-se afirmar que foi em Montesquieu que tal teoria ganhou a sua sistematização devida, com o reconhecimento da existência dos Poderes Legislativo, Executivo das coisas que dependem do direito das gentes (Executivo) e o Executivo das coisas que dependem do direito civil (Judiciário)1

Como bem ressalta Ada Pellegrini2, ao iniciar seus estudos sobre o Controle Jurisdicional de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário, Montesquieu “condicionara a liberdade à separação entre as funções judicial, legislativa e executiva, criando a teoria da separação dos poderes”3, enfatizando que “a reunião de poderes permite o surgimento de leis tirânicas, igualmente exequíveis de forma tirânica” 4. No século XVIII, essa teoria, orientada pelo rigoroso combate ao Absolutismo, visava à institucionalização de garantias para a preservação da liberdade individual contra abusos dos governantes. Ada Pellegrini, ao citar Dalmo Dallari5, discorre que a ideia foi consagrada em um momento histórico – o período Liberal– em que se objetivava o enfraquecimento do Estado e a restrição de sua atuação na esfera da liberdade individual. Era o período da primeira geração de direitos fundamentais, em que o Estado tinha o dever de abster-se para o que o cidadão fosse livre para fruir de sua liberdade. Ocorre que, com o advento do Estado Liberal, não obstante a libertação do Estado das mãos do poder autocrático absolutista, houve uma supervalorização do

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COURA, Alexandre de Castro; SOUSA, Pedro Ivo de. Controle Judicial de Políticas Públicas. Revista CONDEPI – 28ª ed. – Salvador, 2008. p. 4051/4070. 2 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista de Processo, ano 33, n. 164. São Paulo: RT, 2008. p. 1. 3 MONTESQUIEU. Do espírito das leis, Livro V, Cap. II, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p.1. 4 MONTESQUIEU. Do espírito das leis, Livro XI, Cap. V, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p.1. 5 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2007 apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 1/3.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 10 Poder Legislativo6. A supremacia da lei corroborava a definição da figura do juiz como “la bouche de la loi”7, o que revelava a sujeição do juiz ao império da lei. O Estado legalista era reativo e deixava ao Poder Judiciário uma esfera muito fraca de intervenção – ao Judiciário era imputada apenas a fatia corretiva, ou seja, a justiça distributiva e a defesa dos direitos individuais dos cidadãos. O Direito de matriz romano-germânica, dominado pelas codificações (Era dos Códigos), adotava o modelo do sistema fechado e completo, com pouco espaço para a atividade interpretativa8. A doutrina pregava, nessa senda, uma divisão estanque das funções do Estado, garantindo a cada função uma autonomia quase absoluta em sua atividadefim, como forma de reagir aos excessos do período absolutista anterior, em que todo o poder era concentrado nas mãos do soberano. Nesse caminho histórico, com a grave crise mundial gerada pela conjuntura das duas grandes guerras, houve uma concentração de esforços para reafirmar, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os valores fundamentais de justiça e da dignidade humana, internalizando os ditames do novo documento nos ordenamentos positivos através de normas jurídicas com eficácia vinculativa. Prenunciava-se o advento da “Era das Constituições” 9. Reportando-se novamente aos estudos de Dalmo Dallari10, Ada brilhantemente discorre: A transição entre o Estado liberal e o Estado social promove alteração substancial na concepção do Estado e de suas finalidades. Nesse quadro, o Estado existe para atender ao bem comum e, consequentemente, satisfazer direitos fundamentais e, em última análise, garantir a igualdade material entre os componentes do corpo social. Surge a segunda geração de direitos fundamentais – a dos direitos econômico-sociais –, complementar à dos direitos de liberdade. Agora, ao dever de abstenção do Estado substitui-se seu dever a um dare, facere, praestare, por intermédio de uma atuação positiva, que realmente permita a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim como dos novos direitos. E a função de controle do Poder Judiciário se amplia. É aí que o Estado Social de Direito transforma-se em Estado Democrático de Direito.

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COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 737, ano 86, p. 16-19, p. 16, mar. 1997. 7 “A boca da lei”, em tradução livre. 8 ZANETI JR., Hermes. A teoria da separação de poderes e o estado democrático constitucional: funções de governo e funções de garantia. In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 38. 9 ZANETI JUNIOR, Hermes. Op. cit. p. 40/41. 10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. Apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 1/3.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 11 Tudo sopesado, pode-se dizer que o Estado Pós-Social pode e deve ser analisado na perspectiva positiva da superação do Estado Liberal e do Estado Social, agregando desses as dimensões dos Direitos Fundamentais de liberdade e igualdade, acrescendo a participação e a força normativa da Constituição rígida como elementos característicos do Estado Democrático Constitucional 11. No Estado Democrático de Direito, supera-se a teoria de que as funções do Estado são independentes, estanques, corroborando o surgimento da ideia de que o poder estatal é uno, objeto de um dever jurídico de atingir finalidades de interesse coletivo, na medida em que o poder é manejado exclusivamente para alcançar as finalidades públicas, sendo, portanto, instrumental. Com efeito, o Estado contemporâneo atua constantemente por meio de políticas públicas, realizadas de forma satisfatória ou não, que segundo Mancuso 12 podem ser conceituadas como: (...) conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional, ou legal, sujeitando-se ao controle judicial amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.

Assim, percebe-se que a atual divisão das funções do Estado coloca em xeque a tradicional concepção de que as políticas públicas são apenas formulações de governo, cabendo ao Executivo a execução das políticas públicas previamente aprovadas pelo Legislativo13. Voltadas ao bem comum14, não se resumindo a fins em si mesmos, as Políticas Públicas15

se

revelam,

nesse

contexto,

como

uma

atividade

complexa,

compreendendo o exercício de todas as funções estatais para sua formulação e implementação. 11

ZANETI JUNIOR, Hermes. Op. cit. p. 40/41. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 753. 13 MURDA, Paula Fernanda Vasconcelos Navarro. Políticas Públicas – o controle judicial e o papel das funções essenciais à justiça – 1. ed. – Curitiba: Editora Prismas, 2015, p. 43. 14 Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, bem comum “é conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.” DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 1/3. 15 De acordo com Maria Paula Dallari Bucci, políticas públicas são “programas de ação governamental que resulta de um processo ou um conjunto de processos juridicamente regulados (...) visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.” O conceito de política pública em Direito. In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 39. 12


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 12 A grande pressão para que o Estado assuma maior papel na prestação de serviços públicos, ampliando o número de Políticas Públicas complexas – que envolvem a atuação de todas as esferas estatais – aliada à ampliação do acesso ao Judiciário, corrobora o aumento da participação deste Poder no âmbito das Políticas Públicas, mormente ao obrigar o Estado a prestações positivas, seja em decorrência de omissão dos demais poderes, seja em atenção aos ditames constitucionais. Nesse sentido, em se tratando de Políticas Públicas, mais do que “independentes”, as funções estatais tem de ser “harmônicas” entre si. 1.2 Constituição Brasileira de 1988 – Estado Democrático de Direito e Políticas Públicas

A Constituição Brasileira de 1988 afirma constituir-se a República Federativa do Brasil em “Estado Democrático de Direito”, cujos fundamentos são: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V – o pluralismo político” (art. 1º, CF). E, em seu art. 3º, fixa os seus objetivos fundamentais, que consistem em: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Analisando o dispositivo acima transcrito, Fábio Konder Comparato assevera que “a organização do Estado contemporâneo, tal como expressa em alguns documentos constitucionais mais recentes, é claramente teleológica”, razão pela qual “aos poderes públicos são, cada vez mais, assinados objetivos fundamentais, que devem nortear a sua ação”. E prossegue anotando que: em decorrência dessa orientação marcadamente teleológica do direito público contemporâneo, a função primordial do Estado já não é apenas a edição de leis, ou seja, a fixação de balizas de conduta, como pensaram os autores clássicos, mas também, e sobretudo, a realização de políticas públicas ou programas de ação governamental em todos os níveis e setores.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 13 E no desempenho dessa função, como sublinhamos, o povo deve assumir papel relevante.16

O Estado Democrático de Direito, ao reconhecer o papel preponderante da força normativa da Constituição, reconhece, igualmente, como essencial, a prevalência e efetivação dos direitos fundamentais, sua relação com os fins e objetivos da sociedade plural. “Mas como operacionalizar o atingimento dos objetivos fundamentais no Estado brasileiro?” Aludindo aos estudos de Oswaldo Canela Junior 17, Ada Pellegrini responde: Para o Estado social atingir esses objetivos, faz-se necessária a realização de metas, ou programas, que implicam o estabelecimento de funções específicas aos Poderes Públicos, para a consecução dos objetivos predeterminados pelas Constituições e pelas leis.

E segue ponderando que as formas de expressão do poder estatal, no Estado Democrático de Direito, não podem ser considerados por si sós, visto serem apenas instrumentos para a consecução dos fins do Estado. Desse modo, a teoria da divisão das funções do Estado (art. 2º CF)18, no contexto contemporâneo, muda de feição, tendo como premissa a ideia de que o Estado é uno e uno é o seu poder. Logo, as três funções devem harmonizar-se para que os objetivos fundamentais do Estado sejam alcançados. Sobre o assunto, Grinover finaliza fazendo referências elogiosas a Oswaldo Canela Junior19, que traz a seguinte observação a respeito de política estatal, a que todos os órgãos do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário – estão constitucionalmente vinculados: Por política estatal – ou políticas públicas – entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado.

16

COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. Apud WATANABE, Kazuo. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 214. 17 CANELA JUNIOR, Oswaldo. A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: um novo modelo de jurisdição. Orientador Kazuo Watanabe. Texto apresentado à USP para qualificação de doutorado, no prelo. p. 17-19, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 128. 18 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 19 CANELA JUNIOR, Oswaldo. Op. cit., apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 129.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 14 Segundo Ronald Dworking20, “(...)a ação do Estado por políticas se faz vinculada a direitos previamente estabelecidos ou a metas compatíveis com os princípios e objetivos constitucionais”. Com efeito, é por meio das políticas públicas que os direitos fundamentais são efetivados, atestando que “pouco vale o mero reconhecimento formal de direitos se ele não vem acompanhado de instrumentos para efetivá-los”21. Logo, para a materialização de todos os direitos fundamentais, sejam eles individuais ou supraindividuais, o acesso à justiça é requisito fundamental22. Em outras palavras, o direito de acesso à justiça é o direito sem o qual nenhum dos demais se concretiza. Característica marcante do Estado Democrático de Direito, que importa, neste ponto, gizar é a de que, quando a Constituição menciona um direito/dever fundamental, este é justicializável23. Para Alexy, “direitos fundamentais são posições que são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples”24. A fruição dos direitos fundamentais previstos na Constituição – e que, segundo a própria Carta Magna, tem eficácia imediata – depende da organização do Estado, que fixa e implementa políticas públicas, por intermédio da função legislativa e da função administrativa (planejamento e ações de implementação). Contudo, na prática, os poderes políticos (e principalmente a Administração) frequentemente se omitem, permanecendo inertes, ou executam Políticas Públicas inadequadas para satisfazer a previsão constitucional (art. 6º da Constituição brasileira) ou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da Constituição).

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DWORKING, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 36. apudMURDA, Paula Fernanda Vasconcelos Navarro. Op. cit. p. 36. 21 FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 48. apud MURDA, Paula Fernanda Vasconcelos Navarro. Op. cit. p. 51 22 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 67. 23 Assim, “se um direito existe, ele é justicializável”. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 514.Nesse ponto, é necessário esclarecer a acepção do vocábulo “justicializável”. O que se quer explicitar com ele é a efetiva existência do direito fundamental social tutelável jurisdicionalmente. Em outras palavras, os direitos fundamentais sociais teriam aplicabilidade imediata e, por via de consequência, a tutelabilidade jurisdicional, independentemente de prévia aprovação de política pública pelo Legislativo ou Executivo. WATANABE, Kazuo. Op. cit. p. 217. 24 ALEXY, Robert. Op. cit. p. 582-583.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 15 É nesse momento, ou seja, sempre a posteriori, que a função jurisdicional, desde que provocada,

pode entrar em ação,

exercendo o controle da

constitucionalidade da Política Pública e até intervindo, para implementá-la ou corrigila. É o que se convencionou chamar de judicialização da política. Sobre a judicialização da política, pontua Oswaldo Canela Junior25: Diante dessa nova ordem, denominada de judicialização da política, contando com o juiz como coautor das políticas públicas, fica claro que sempre que os demais poderes comprometerem a integridade e a eficácia dos fins do Estado – incluindo as dos direitos fundamentais, individuais ou coletivos – o Poder Judiciário deve atuar na sua função de controle.

Assim, o juiz ganha, em nossos dias, um papel preponderante no controle das políticas públicas, razão pela qual não há falar em judicialização da política, sem igualmente falar sobre o protagonismo do Poder Judiciário na arena pública.

1.3 Poder Judiciário e Políticas Públicas O primeiro grande êxito do Judiciário na direção de ocupar espaço na arena pública, preenchendo o papel de guardião da Constituição, se deu em 1803, no caso Marbury versus Madison26. Neste, a Suprema Corte dos Estados Unidos afirmou a supremacia da Constituição, a ser aferida em relação às leis, que poderiam assim ser fulminadas. Desde então, a participação de juízes na vida pública, que outrora não passava de uma possibilidade, converteu-se, cada vez mais, em fenômeno concreto. A partir daí, desde os anos 1950, uma importante área de estudos e pesquisas se consolidou caracterizada por interpretações que acentuam o papel político do Judiciário, e consequentemente sua atuação na arena pública. Essa literatura é em grande parte marcada pelo debate entre os favoráveis e os contrários ao ativismo judicial. A rigor, pode-se dizer que, a partir do século XX, a polêmica a respeito dos limites da atuação judicial e da necessidade de se velar pela Constituição, inicialmente discutida nos Estados Unidos da América, expandiu-se. Para além das Cortes

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CANELA JUNIOR, Oswaldo. Op. cit.., apud ANTONIO, Nilva M. Leonardi. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas como Controle de Constitucionalidade e seus limites. In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 192. 26 5 U.S. (1 Cranch) 137 (1803). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/5/137/case.html.> Acesso em: 08/03/2019.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 16 Constitucionais, especialmente depois da 2ª Guerra Mundial, e de seus distintos formatos e atribuições, ocorreram importantes alterações no que se refere ao Judiciário e ao papel dos juízes. Magistrados alcançaram maior espaço público, à medida que houve um significativo fortalecimento do papel por eles desempenhado 27. Tércio Sampaio Ferraz Junior lembra que, no Estado Democrático de Direito, o Judiciário, como forma de expressão do poder estatal, deve estar alinhado com os escopos do próprio Estado, encontrando-se, assim, constitucionalmente vinculado à política estatal.28 Hoje, o papel do Poder Judiciário é o de guardião da ordem constitucional, e exercendo o controle sobre políticas públicas, também exerce o controle de constitucionalidade. Nesse senso, ao citar Ada Pellegrini, Hermes Zaneti Jr.29 pondera: Disso tudo surge uma inarredável conclusão: qualquer tipo de ação – coletiva, individual com efeitos coletivos ou meramente individual – pode ser utilizada para provocar o Poder Judiciário a exercer o controle e a possível intervenção em políticas públicas.

O fortalecimento do protagonismo judicial permite afirmar que a concepção estrita sobre a identidade do juiz, outrora caracterizada como “boca da lei”, perdeu força e espaço. No século XXI, a Justiça tende a ter um papel de protagonismo no funcionamento do Estado. De aplicador das leis e dos códigos, o Poder Judiciário, ante a constitucionalização de ampla gama de direitos individuais e supraindividuais e imbuído da responsabilidade de resguardá-los, foi alçado a uma posição de primeira grandeza30. Com efeito, o Poder Judiciário tornou-se responsável não apenas por proferir decisões sobre conflitos e ameaças a direitos fundamentais, mas também por exercer o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, funcionando, assim, como uma força contramajoritária, salvaguardando a Constituição. Nesse sentido, não há decisão, quer proferida pelo Executivo, quer aprovada pelo Legislativo, que não seja passível de apreciação judicial. 27

SADEK, Maria Tereza. Judiciário e Arena Pública: Um olhar a partir da Ciência Política. In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 14. 28 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência. In: Revista USP, n. 21, p. 14, mar./abr./maio de 1994, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de Políticas Públicas. In: In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 129. 29 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., apud ZANETI JR., Hermes. Op. cit. p. 65. 30 SADEK, Maria Tereza. Op. cit. p. 15.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 17 Assim, o controle jurisdicional de políticas públicas, exercido posteriormente e sempre mediante provocação, não fere o princípio da divisão das funções do Estado, apenas assegurando ao Judiciário o poder-dever de analisar a existência e a compatibilidade das políticas públicas criadas e implementadas pelo Legislativo e pelo Executivo31. Appio32, ao estudar a intervenção do Poder Judiciário, afirma que esta: (...) não pode ser conceituada como uma invasão da atividade legislativa ou administrativa, nos casos em que não exista a reserva absoluta da lei ou ainda quando a Constituição não houver reservado ao administrador (Executivo) a margem de discricionariedade necessária ao exercício da função. Não havendo reserva da lei, a intervenção judicial na própria formulação das políticas públicas se mostra compatível com a democracia, desde que observados mecanismos de comunicação entre a instância judicial e a sociedade, através das instâncias de democracia participativa.

Segundo o Ministro Ricardo Lewandowski33 chegamos àquilo que Norberto Bobbio chamou de “era dos direitos” 34, um contexto em que o papel do Judiciário cresce enormemente, trazendo consigo uma responsabilidade muito grande aos juízes. E continua: segundo Bobbio, essa era dos direitos corresponde a um avanço moral da humanidade. Mas não se trata mais agora de estudar os direitos humanos e fundamentais, nem de escrevê-los em tratados e nas constituições, porque já são fartamente conhecidos. Trata-se agora de concretizá-los. E é dever dos magistrados e das magistradas levar a cabo essa função.

Conclui-se, portanto, que fenômenos institucionais e históricos vêm propiciando fortes incentivos para uma atuação do Poder Judiciário na arena pública e especialmente no que diz respeito às políticas públicas. Há, no caso brasileiro, a confluência de uma série de mudanças apontando que o Judiciário vive um processo de construção institucional, redefinindo parâmetros. A combinação da engenharia institucional presidencialista e a ampla constitucionalização de direitos operaram no sentido de gerar, no cenário pátrio, um quadro altamente favorável ao protagonismo

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Essa é uma das conclusões apontadas quanto à análise do Projeto de Lei nº 8.058/2014, preparado pelo Cebepej – Centro Brasileiro de Pesquisas e Estudos Judiciais, criado por Kazuo Watanabe e atualmente presidido por Ada Pellegrini Grinover, submetido a debates e apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Paulo Teixeira. 32 APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas do Brasil. Curitiba: Editora Juruá, 2008. Apud ANTONIO, Nilva M. Leonardi. Op. cit. 193. 33 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=280306>. Acesso em 08/03/2019. 34 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elvesier, 2004. p. 45.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 18 judicial, sobretudo no âmbito do Supremo Tribunal Federal. O juiz inanimado cedeu espaço para o magistrado ator político de expressão 35.

1.4 O ativismo judicial contemporâneo no Supremo Tribunal Federal

O século XXI foi marcado pela alteração quantitativa e qualitativa do espaço ocupado pelo Supremo Tribunal Federal no cenário sociopolítico brasileiro. Percebese que a Corte foi reinventada em diferentes aspectos.

Da

abrangência

dos

temas que decide ao tipo de argumento que usa, passando pelo alcance das decisões e pela identidade institucional que expressa nas manifestações públicas de seus ministros, o Supremo Tribunal Federal alcançou, de forma gradual, sobretudo por meio do controle de constitucionalidade das leis, patamar de relevância e autoridade política e normativa inédita na história 36. Não é à toa que o cenário atual foi recentemente descrito como “supremocracia” – um termo cujo emprego não teria sido levado a sério há pouco menos de uma década37. O STF passou a cumprir um papel político central 38. Contudo, nem sempre foi assim. No Brasil, durante muito tempo os tribunais, inclusive o STF, autolimitaram-se, entendendo não poder adentrar o mérito do ato administrativo. 39 No entanto, como bem discorre Ada Pellegrini40, a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) abriu ao Judiciário brasileiro essa possibilidade; a verdadeira guinada, porém, foi dada pela Constituição Federal, que introduziu a redação do art. 5º, inc. LXXIII 41, e que fixou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil em seu art. 3º, a serem atingidos mediante a realização de políticas públicas. 35

SADEK, Maria Tereza. Op. cit. p. 18. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O Ativismo Judicial Contemporâneo no Supremo Tribunal Federal e nas Cortes Estrangeiras. Paper preparado para a X Semana de Direito da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 15/05/2015. 37 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, 2008. p. 441/463. 38 ARGUELHES, Diego Werneck. O Supremo na política: a construção da supremacia judicial no Brasil. Revista de Direito Administrativo. Vol. 250, Rio de Janeiro FGV, 2009, p. 5. 39 O STF, na década de 60, aprovou em Sessão Plenária a Súmula n. 399, com o seguinte anunciado: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores sob o fundamento da isonomia”. 40 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 127. 41 Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; 36


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 19 Américo Bedê Freire Júnior42 pontua que, com a promulgação da Constituição de 1988, “nunca houve tanta preocupação com a efetivação da Constituição como em nossos dias”. Afirma, ainda, que o juiz é intérprete constitucional qualificado, devendo o Judiciário, portanto, nesse novo momento, atuar diretamente na preservação da supremacia da Constituição, uma vez que esta confere ao Supremo a sua guarda, devendo, independentemente de alegação da parte, fazer prevalecer os seus preceitos43. A Constituição Federal, sem dúvida alguma, reconhece ao Poder Judiciário a possibilidade de decidir sobre políticas públicas. Com efeito, foi a própria Carta Magna que traçou o atual perfil do Supremo Tribunal Federal. Ocorre que, por mais que o texto constitucional consagre o STF como guardião da Constituição, o protagonismo do Supremo na órbita do que se convencionou chamar de Ativismo Judicial 44 é um fenômeno relativamente recente, ainda que o papel formal de “guardião” retroceda à criação do Tribunal. O posicionamento mais representativo a favor da intervenção do Poder Judiciário no controle de políticas públicas foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, em 2004, por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº45. Em decisão monocrática, o Ministro Celso de Mello reconheceu que o processo é instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando “previstas no texto da Carta Política (...) venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República” 45. O Ministro entende que a possibilidade de decisão, pelo STF, de questões envolvendo políticas públicas: põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa 42

FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. Apud ANTONIO, Nilva M. Leonardi. Op. cit. p. 190. FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. Apud ANTONIO, etc. Idem. pp. 195. 44 Para CAMPOS, ativismo judicial seria o avanço das decisões do Supremo sobre os outros poderes, o que se tornou realidade incontestável de nosso arranjo político-institucional. 45 COSTA, Susana Henriques da. O Poder Judiciário no controle de políticas públicas: uma breve análise de alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal. In: O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas/ coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. – 2. ed. – Rio de janeiro: Forense, 2013. p. 456. 43


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 20 da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional (ADPF n. 45/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.05.2004, p. 12).

Nesse julgado, não obstante ultrapassados os argumentos contrários à judicialização das políticas públicas – a violação à teoria da separação dos poderes, o dogma da discricionariedade administrativa e a reserva do possível – foi consignado que o Controle Jurisdicional de políticas públicas não é ilimitado. Com efeito, faz-se mister a observância de alguns requisitos para que o Judiciário possa intervir em sua implementação, quais sejam: “(1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas”46. Assim, não se pode ignorar haver limites à intervenção, mas, de outro lado, é lícito supor que, presentes as condições necessárias, o Judiciário deve decidir de acordo com os mandamentos constitucionais, ainda que para tanto interfira direta – ou mesmo indiretamente – na consecução dessas políticas. Não se trata mais de discutir sobre a conveniência ou não da existência de um órgão de controle da constitucionalidade, mas sobre os limites e a legitimidade de sua interferência, a extensão de suas atribuições e seus valores 47. No atual contexto institucional, portanto, a atuação do STF tem destaque na transformação social, dando concreção a comandos constitucionais. O Poder Judiciário como um todo e o STF, em especial, passam a ter uma responsabilidade finalística e prospectiva e se transformam em atores corresponsáveis pela consecução das finalidades maiores do Estado, previstas na Constituição Federal 48. Não é à toa que o STF vem cada vez mais assumindo a função de decidir demandas de cunho político, com repercussão relevante nos destinos do Estado. São diversos os temas tratados dizendo respeito a questões que interferem no dia a dia e no desenvolvimento das mais diversas áreas. Cite-se, a título exemplificativo, os casos de fornecimento de medicamentos, concessão de vagas em escolas e creches, saneamento urbano, proteção ambiental, deveres constitucionais muitas vezes inobservados pelo Estado. A lista além de extensa é repleta de temas 46 47 48

GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit. p. 132. SADEK, Maria Tereza. Op. cit. 14. COSTA, Susana Henriques da. Op. cit. p. 456/457.


P o l í t i c a s P ú b l i c a s e C o n t r o l e J u r i s d i c i o n a l | 21 sensíveis e polêmicos. Porém, é sobre o Estado de Coisas Inconstitucional, temática debatida no STF, que se analisará no capítulo seguinte.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 22 2 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

2.1 Breves considerações Foi na Sentencia de Unificación (SU) – 559, de 199749, que a Corte Constitucional Colombiana (CCC) declarou, em primeira oportunidade, o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI). Ao constatar que professores de dois municípios colombianos tiveram os seus direitos previdenciários recusados pelas autoridades locais, a Corte verificou que o descumprimento da obrigação era generalizado, alcançando um número amplo e indeterminado de professores além dos que instauraram a demanda, e que a falha não poderia ser atribuível a um único órgão, por se tratar de uma questão estrutural. Não obstante a Sentencia de Unificación nº 559 ter sido a primeira a declarar o ECI, ela não foi a única. A Corte Constitucional Colombiana passou a desenvolver e aperfeiçoar a categoria em uma série de decisões similares. A título exemplificativo, cite-se: Sentencia T-068, de 5 de março de 199850; Sentencia SU – 250, de 26/5/199851; Sentencia T-590, de 20/10/199852; Sentencia T – 525, de 23/7/199953. Sem embargo, são dois os casos mais significativos de declaração do ECI: o do sistema carcerário e o do deslocamento forçado de pessoas em razão da violência. Isso porque, no primeiro, a declaração do ECI não surtiu os efeitos esperados, e no segundo, superados os erros presentes no primeiro, obtiveram-se bons resultados práticos.

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Sentencia nº SU-559, de 6/11/1997. Disponível em:<http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1997/SU559-97.htm>. Acesso em: 10/03/2019; 50 Declarou o ECI para reduzir mora da Caixa Nacional de Previdência em responder petições de aposentados e pensionistas dirigidas a obter recálculos e pagamentos de diferenças das verbas previdenciárias. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/t-068-98.htm>. Acesso em: 10/03/2019. 51 Declarou o ECI para determinar a realização, em âmbito nacional, de concurso público para notário ante a omissão do Estado em organizar o certame. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/SU250-98.htm>. Acesso em 10/03/2019. 52 Declarou o ECI para ordenar a confecção de políticas públicas eficientes de proteção dos defensores de direitos humanos no país. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/T-590-98.htm>. Acesso em 10/03/2019. 53 Declarou o ECI para remediar o atraso sistemático no pagamento, por entidades territoriais, das verbas de aposentadoria. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1999/t525-99.htm>. Acesso em: 10/03/2019.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 23 Na Sentencia de Tutela (T) – 153, de 199854, foi constatado o quadro de violação massiva dos direitos dos presos à dignidade humana e aos direitos fundamentais, em decorrência da superlotação e das condições desumanas das penitenciárias nacionais. Ante a mais absoluta ausência de políticas públicas, a CCC declarou o ECI e expediu várias ordens55, que, todavia, não alcançaram sucesso, em virtude da falta de monitoramento, pela própria CCC, na fase de implementação da decisão. Na Sentencia T – 025, de 200456, a CCC examinou o caso do deslocamento forçado de pessoas em decorrência do contexto de violência na Colômbia e constatou que os núcleos familiares deslocados careciam de moradia, saúde, educação, trabalho, do mínimo para sobreviver. Diante desse contexto, a Corte declarou o ECI e expediu ordens diversas, no sentido de serem formuladas novas políticas públicas. Dirigidas a um número elevado de autoridades públicas, as ordens, desta vez, surtiram bons efeitos práticos, principalmente, porque a CCC monitorou a fase de implementação, o que fez toda diferença. Diferentemente do ocorrido com o caso do sistema carcerário, desta vez as ordens foram flexíveis, dirigidas a um número elevado de autoridades públicas, além de ter havido intenso diálogo da Corte com os outros Poderes e com a sociedade sobre a adequação das medidas judiciais determinadas durante a fase de sua implementação. A descrição dessas sentenças revela haver três pressupostos principais do ECI, brilhantemente elencados pelo professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos57: (a) A constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo de pessoas; (b) A falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, verdadeira “falha estatal estrutural”, que gera

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Sentencia T-153, de 28 de abril de 1998. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/t-153-98.htm> Acesso em: 10/03/2019. 55 Ordenou a elaboração de um plano de construção e reparação das unidades carcerárias; determinou que o Governo nacional providenciasse os recursos orçamentários necessários; exigiu aos Governadores que criassem e mantivessem presídios próprios; e requereu ao Presidente da República medidas necessárias para assegurar o respeito dos direitos dos internos nos presídios do país. 56 Sentencia T – 025, de 22/1/2004. Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2004/t-025-04.htm>. Acesso em 10/03/2019. 57 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisasinconstitucional-litigioestrutural#_ftn7> Acesso em 15/03/2019.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 24 tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e agravamento da situação; (c) A superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes – são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos, etc.

Ainda segundo os ensinamentos do professor da UERJ, uma vez reconhecida a complexidade da situação, a Corte se encontra diante da figura do “litígio estrutural”, caracterizado pelo alcance a um número amplo de pessoas, a várias entidades e por implicar ordens de execução complexa58. Para enfrentar tal litígio, os juízes constitucionais acabam fixando “remédios estruturais”, devendo interferir nas escolhas orçamentárias e nos ciclos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, lançando mão de ordens flexíveis, que serão objeto de monitoramento contínuo. Apesar de os juízes declararem o ECI, no entanto, deixam margens de escolha aos outros poderes acerca da forma adequada para a superação desse estado. Ao agir assim o Judiciário preza pela harmonia e coordenação e, com isso, atua não como um “elaborador” de políticas públicas, e sim como um “coordenador institucional” 59. Ao adotar tais remédios, as cortes cumprem dois objetivos principais: superar bloqueios políticos e institucionais, e aumentar a deliberação e o diálogo sobre causas e soluções do estado de coisas inconstitucional. Ou seja, engajam-se em uma espécie de ativismo judicial estrutural legítimo 60. Adotadas ordens flexíveis e sob monitoramento, mantêm-se a participação e as margens decisórias dos diferentes atores políticos e sociais sobre como superar os problemas estruturais. Com isso, ao invés da supremacia judicial, as cortes fomentam o diálogo entre as instituições e a sociedade, promovendo ganhos de efetividade prática em suas decisões. Esse foi o diferencial na Sentencia T – 025, de 2004, que partindo de um diálogo institucional, contribuiu realmente para a melhoria da situação.

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GARAVITO, César Rodríguez; FRANCO, Diana Rodríguez. Cortes y Cambio Social: cómo la Corte Constitucional transformó el desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, De justicia, 2010. p. 16. Apud CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estadode-coisas-inconstitucional>. Acesso em 15/03/2019. 59 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. O Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional>. Acesso em 15/03/2019. 60 Sobre o conceito de “ativismo judicial estrutural”, cf. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do Ativismo Judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 314-322: O ativismo estrutural alcança a postura de o juiz não enxergar espaços de decisão ou questões relevantes imunes à sua interferência, seja por tratar-se de questões políticas, seja porque ele acredita não possuir a capacidade cognitiva específica.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 25 O sucesso na atuação da Corte Colombiana e do instrumento “Estado de Coisas Inconstitucional” na Sentencia T – 025, de 2004, fez nascer a esperança de que a crise no sistema carcerário brasileiro ainda tem solução, surgindo como alternativa para atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) ante situações de violação massiva e contínua de direitos.

2.2 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347 e a crise do sistema penitenciário brasileiro O “Estado de Coisas Inconstitucional” ganhou notoriedade no Brasil a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Nessa ação, a agremiação partidária pugna seja reconhecido o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro, e em razão disso, determinada a adoção de providências estruturais tendentes a sanar as gravíssimas lesões a preceitos fundamentais dos presos, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal. A superlotação e as condições degradantes do sistema prisional são expostas de forma a retratar o cenário fático incompatível com a Constituição Federal, ante a presença de diversas ofensas a preceitos fundamentais. Por meio da ADPF61, a parte autora argumenta serem as prisões “verdadeiros infernos dantescos”. E para ilustrar destaca as seguintes situações: celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos, homicídios frequentes, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos praticadas tanto por outros detentos quanto por agentes do Estado, ausência de assistência judiciária adequada, bem como de acesso à educação, à saúde e ao trabalho. Enfatiza estarem as instituições prisionais dominadas por facções criminosas, transformando os estabelecimentos prisionais em verdadeiras “escolas do crime”. Ressalta que essas mazelas comprometem a segurança da sociedade, uma vez que

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Inteiro teor da ADPF 347. Disponível <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso 17/03/2019.

em: em:


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 26 as taxas de reincidência chegam a 70%. Explicita estar se agravando o drama descrito, em virtude do crescimento significativo da população carcerária, que, hoje, deve ultrapassar os 600.000 presos. Sustenta ainda que o cenário implica a violação de diversos preceitos fundamentais da Constituição de 198862, decorrente de falhas estruturais públicas, de modo que a solução do problema depende da adoção de providências por parte dos diferentes órgãos legislativos, administrativos e judiciais da União, dos Estados e do Distrito Federal. Por fim, conclui que o quadro configura o que a Corte Constitucional da Colômbia denominou de “Estado de Coisas Inconstitucional”, sendo, ante a gravidade da situação, indispensável a intervenção do Supremo, no exercício do papel contramajoritário próprio das cortes constitucionais, em proteção da dignidade de grupos vulneráveis. É inegável que no Brasil existem diversos setores sociais nos quais se pode apontar violações sistemáticas de direitos fundamentais decorrentes de falhas estruturais63. No entanto, talvez seja o sistema carcerário brasileiro o que produz maior grau de violação generalizada de direitos humanos. E é sobre essa realidade que se abordará a seguir. 2.3 “A situação vexaminosa do sistema penitenciário brasileiro” 64 “Infernos dantescos’’ e “masmorras medievais” 65 são algumas das expressões utilizadas para definir o atual sistema carcerário brasileiro. E não poderia ser diferente, 62

Cite-se: princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), a proibição da tortura, do tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III) e das sanções cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”), assim como o dispositivo que impõe o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII), o que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX) e o que prevê a presunção de não culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII), os direitos fundamentais à saúde, educação, alimentação apropriada e acesso à Justiça. 63 Podemos citar como exemplo a saúde pública, saneamento básico, segurança pública, consumo de crack, entre outros. 64 Expressão utilizada pelo Ministro Marco Aurélio em voto proferido no julgamento da MC na ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>.Acesso em: 17/03/2019. 65 O Ministro da Justiça do Brasil em 2012, José Eduardo Cardozo, admitiu publicamente que as prisões brasileiras são verdadeiras “masmorras medievais”, confessando que preferia até morrer a ser preso numa delas. O Globo. “Ministro diz que prefere morrer a passar anos em cadeias brasileiras”. Nov. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/ministro-diz-que-prefere-morrer-passaranos-em-cadeias-brasileiras-6718740>. Acesso em: 18/03/2019.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 27 já que abundam nesse sistema problemas como a superlotação carcerária, instalações prisionais insalubres, tortura policial, falta de segurança interna, inexistência de medidas de divisão de presos, ausência de direitos básicos como saúde, alimentação adequada, educação e trabalho, número excessivo de prisões provisórias, assistência judiciária precária, dentre outros. Todas essas situações – que são regra, e não exceção, frise-se – revelam o tratamento desumano e as condições indignas a que estão submetidos os presos no país. Dados da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (2007-2009)66, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos, apontam que a maior parte dos presos está sujeita às seguintes condições: “superlotação, tortura, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos, corrupção, deficiência no acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle estatal sobre o cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual”. Talvez o mais grave problema do sistema prisional seja a superlotação 67. Nos presídios e delegacias espalhados por todo o país, as celas são abarrotadas de presos, que convivem espremidos, dormem sem camas ou colchões, em redes suspensas no teto, “dentro” das paredes, em pé, em banheiros, corredores, pátios, barracos ou contêineres. O encarceramento em celas superlotadas viola a dignidade humana, consistindo em tratamento cruel e degradante, que atinge gravemente a integridade física e psíquica dos detentos. O ambiente das prisões superlotadas, ademais, frustra o objetivo de ressocialização da pena, e contribui para a instauração de um ambiente

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A Câmara dos Deputados promoveu a CPI do Sistema Carcerário, cujo relatório final foi publicado em julho de 2008. Câmara dos Deputados. Relatório da CPI do Sistema Carcerário, 2009. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2701>. Acesso em: 18/03/2019. 67 O Brasil é hoje o terceiro país com a maior população carcerária do planeta (aproximadamente 800 mil presos), atrás apenas dos Estados Unidos e China. G1. “CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação”. Jul. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-nopais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml>. Acesso em 20/06/2019.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 28 extremamente violento nas instituições prisionais, que fatalmente transborda para as ruas, comprometendo a segurança de toda a sociedade. Segundo Ana Paula de Barcellos, “o tratamento desumano conferido aos presos não é um problema apenas dos presos: a sociedade livre recebe os reflexos dessa política sob a forma de mais violência” 68. Já o Ministro Marco Aurélio sintetiza a situação da seguinte forma: “dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social” 69. Ademais disso, os presídios não oferecem condições salubres mínimas. O que se vislumbra são estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias, celas imundas, áreas de banho e sol próximas a esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso à água para banho e hidratação, ou à alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos 70. Igualmente, não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo. A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual. Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. O que se vislumbra é gigantesco abismo existente entre o que prescrevem as normas 71 e a nefasta realidade carcerária do país. Por esse motivo, vejamos o que o Supremo Tribunal Federal decidiu em sede de julgamento da Medida Cautelar na ADPF nº 347.

68

BARCELLOS, Ana Paula de. Violência urbana, condições das prisões e dignidade humana. Revista de Direito Administrativo, nº 254, 2010. 69 Voto do Ministro Relator Marco Aurélio no julgamento da MC da ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 18/03/2019. 70 Não se pode olvidar que esse quadro descrito não é exclusivo desse ou daquele presídio. A situação mostra-se similar em todas as unidades da Federação. Inteiro teor da ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 18/03/2019. 71 Esse cenário é flagrantemente incompatível com a Constituição Federal, com os diversos tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo país, ofendendo, ainda, a Lei nº 7.210/84, chamada “Lei de Execução Penal” (LEP), e a Lei Complementar nº 79/94, por meio da qual foi criado o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 29 2.4 Posicionamento do STF no julgamento da MC na ADPF 347 Importa ressaltar, inicialmente, que não foi a primeira vez que o pleno do STF se deparou com a temática pertinente à implementação de políticas públicas e à alocação de recursos orçamentários no tocante à situação carcerária do país. Em 13 de agosto de 2015, o Plenário do STF decidiu que o Poder Judiciário pode determinar que a administração pública realize obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos presos, como sua integridade física e moral. A decisão foi tomada no julgamento do RE nº 592.581 72, com repercussão geral, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), com relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ/RS). Posteriormente, em 09 de setembro de 2015, essa posição foi reforçada no julgamento da Medida Cautelar na ADPF nº 347, oportunidade na qual a Corte Suprema, ao deferir parcialmente o pedido, reconheceu expressamente a existência do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, ante as graves, generalizadas e sistemáticas violações de direitos fundamentais da população carcerária. Conforme bem explicitado no Informativo nº 79873 do STF “Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental”, o Plenário, ao analisar os pedidos, assim o concluiu: I) No sistema prisional brasileiro ocorreria violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica; II) As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas, transgredindo-se, por conseguinte,

72

diversos

dispositivos

constitucionais 74,

normas

internacionais

Por unanimidade, no julgamento do referido recurso extraordinário, o Tribunal assentou a seguinte tese: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.” Inteiro teor da decisão disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/592581.pdf>. Acesso em 18/03/2019. 73 Informativo nº 798 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo798.htm>. Acesso em 18/03/2019. 74 Artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 30 reconhecedoras dos direitos dos presos75 e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o FUNPEN76; III) Os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentariam o aumento da criminalidade, pois transformariam pequenos delinquentes em “monstros do crime”; IV) Consignou que a situação seria assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social; V) Registrou que a responsabilidade por essa situação não poderia ser atribuída a um único e exclusivo poder, mas aos três — Legislativo77, Executivo78 e Judiciário79 —, e não só os da União, como também os dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Ponderou que haveria problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal. Além disso, faltaria coordenação institucional; VI) A violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial e justificaria a atuação mais assertiva do STF, cabendo à Corte o papel de retirar os demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados80; VII) Contudo, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Executivo na consecução de tarefas próprias 81. Em vez de desprezar

75

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos. 76 Em relação ao FUNPEN, destacaram que os recursos estariam sendo contingenciados pela União, o que impediria a formulação de novas políticas públicas ou a melhoria das existentes e contribuiria para o agravamento do quadro. Inteiro teor da ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 18/03/2019. 77 Influenciado pela mídia e pela opinião pública, o Poder Legislativo vem estabelecendo políticas criminais insensíveis ao cenário carcerário, contribuindo para a superlotação dos presídios e para a falta de segurança na sociedade. Faz referência à produção de “legislação simbólica”, expressão de populismo penal. 78 O mesmo ocorre no Executivo: a falta de vontade política impede a execução efetiva de políticas públicas voltadas a melhoria das condições dos presídios, os órgãos administrativos olvidam preceitos constitucionais e legais ao não criarem o número de vagas prisionais suficiente ao tamanho da população carcerária, de modo a viabilizar condições adequadas ao encarceramento. 79 O Poder Judiciário, por sua vez, ao implementar número excessivo de prisões provisórias (41% dos presos atuais estão sob custódia provisória) potencializa a chamada “cultura do encarceramento”. Ademais, verifica-se a manutenção de elevado número de presos para além do tempo de pena fixado, evidenciada a inadequada assistência judiciária. 80 A Corte deverá monitorar e avaliar os resultados sobre as práticas adotadas, por meio, principalmente, de audiências públicas, com a participação dos órgãos estatais envolvidos e parcelas interessadas da sociedade civil. Inteiro teor da ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em: 18/03/2019. 81 A Corte não desenhará as políticas públicas, e sim afirmará a necessidade urgente que o Congresso e Executivo estabeleçam essas políticas, inclusive de natureza orçamentária. Inteiro teor da ADPF 347. Disponível em:


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 31 as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e deficiência estatal permanente. Não se trataria de substituição aos demais poderes, e sim de oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações institucionais reveladas. Ante o exposto, o Plenário concluiu que a responsabilidade do Poder Público era sistêmica, revelado amplo espectro de deficiência nas ações estatais, acarretando, por conseguinte, a denominada “falha estatal estrutural”. Em síntese, assiste-se ao mau funcionamento estrutural e histórico do Estado, considerados os três poderes, como fator da violação de direitos fundamentais dos presos e da própria insegurança da sociedade. Por fim, o Colegiado, por decisão majoritária, deferiu a medida cautelar para: I) a realização de audiências de custódia, em até 90 dias; II) a determinação para que a União liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional; e III) a determinação para que União e Estados encaminhassem relatórios com informações sobre a situação prisional. Eis o extrato da decisão do STF no julgamento da ADPF nº 347, relator o Ministro Marco Aurélio: Decisão: O Tribunal, apreciando os pedidos de medida cautelar formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), deferiu a cautelar em relação à alínea “b”, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a ressalva do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Relator, mas com a observância dos prazos fixados pelo CNJ, vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo da realização das audiências de custódia; em relação à alínea “h”, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferiu a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos, vencidos, em menor extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que fixavam prazo de até 60 (sessenta) dias, a contar da publicação desta decisão, para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que determinado; indeferiu as cautelares em relação às alíneas “a”, “c” e “d”, vencidos os Ministros Relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o Presidente, que a deferiam; indeferiu em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. 18/03/2019.

Acesso

em:


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 32 relação à alínea “e”, vencido, em menor extensão, o Ministro Gilmar Mendes; e, por unanimidade, indeferiu a cautelar em relação à alínea “f”; em relação à alínea “g”, por maioria e nos termos do voto do Relator, o Tribunal julgou prejudicada a cautelar, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que a deferiam nos termos de seus votos. O Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do Ministro Roberto Barroso, ora reajustada, de concessão de cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), que reajustou seu voto, e os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 09.09.2015. (grifos nossos)

Feitas essas considerações, importante refletir qual papel o Supremo está legitimado a desempenhar para viabilizar esse novo arranjo e quais as perspectivas ante a declaração do ECI pela Corte Suprema no cenário jurídico-político brasileiro.

2.5 Perspectivas e expectativas geradas a partir do julgamento da MC na ADPF 347

Uma vez declarado o Estado de Coisas Inconstitucional, importa esclarecer quais implicações, presentes os limites de atuação do Supremo, surgem ante o reconhecimento de se encontrarem satisfeitos os pressupostos próprios desse estado. Pergunta-se: qual papel o Supremo está legitimado a desempenhar ante o estágio elevadíssimo de inconstitucionalidades? Num primeiro momento, deve-se ressaltar que há controvérsias quanto à necessidade de o Supremo exercer função atípica, qual seja, interferir em políticas públicas e escolhas orçamentárias. No entanto, a forte violação de direitos humanos, infringindo a própria dignidade humana e o mínimo existencial, justificam a atuação mais assertiva do Tribunal, corroborando a possibilidade deste tomar parte, na adequada medida, em decisões primariamente políticas sem que se possa cogitar de afronta ao princípio democrático e da divisão das funções do Estado. Outrossim, conforme pontua Campos 82, a intervenção judicial estrutural, típica da declaração do ECI, faz-se inevitável no caso do sistema carcerário brasileiro, ante a improbabilidade de os poderes políticos, por si sós, tomarem a iniciativa de enfrentar tema de tão pouco prestígio popular.

82

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao Estado de Coisas Inconstitucional. (Tese de Doutorado, UERJ, 2015).


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 33 Os propósitos de superar bloqueios políticos e institucionais, e de aumentar a deliberação pública sobre os temas, em um cenário de ampla violação de direitos fundamentais, legitimam material e procedimentalmente o papel do Supremo em nossa democracia83. Com efeito, os argumentos constitucionais, políticos e econômicos sintetizados nos princípios da divisão das funções do Estado, da soberania popular e dos limites do

financeiramente

possível

não

podem

ser

utilizados,

ilimitada

e

indiscriminadamente, como pretexto para a omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na concretização dos direitos fundamentais. Há que se buscar a ponderação e o equilíbrio84. Isso não implica dizer, contudo, que a Corte Suprema intervirá irrestritamente. Em verdade, é imprescindível o estabelecimento de parâmetros normativos às decisões do STF no reconhecimento do “Estado de Coisas Inconstitucional” para impedir a violação essencial aos princípios implícitos da segurança jurídica e da reserva do possível nas ações estatais, além da mitigação ao princípio constitucional da divisão das funções do Estado e de seus principais corolários constitucionais 85. Diante da excepcionalidade da medida é que os requisitos para a declaração do ECI são extremamente rígidos: I) omissão que resulte na grave violação dos direitos humanos; II) inércia deliberada dos poderes públicos; III) atuação dialógicoestruturante para sanar o estado de inconstitucionalidade, de modo que, somente quando estes forem devidamente atendidos, o STF poderá intervir. Com efeito, ante a situação descrita de flagrante e generalizada violação de direitos fundamentais, impende ao Guardião da Constituição “o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados” 86. No tocante à divisão das funções do Estado, não há falar em afronta a tal princípio, posto que, evitando a supremacia judicial, o Tribunal, em vez de ordens 83

Idem, ibidem. VIEIRA JUNIOR, R. J. A. Separação de Poderes, Estado de Coisas Inconstitucional e Compromisso Significativo: novas balizas à atuação do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2015 (Texto para Discussão nº 186). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em: 23/03/2019. 85 FILHO, Nicola Patel. O Estado de Coisas Inconstitucional sob a Perspectiva da Omissão Parcial. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/tag/estado-de-coisas-inconstitucional/> Acesso em: 23/03/2019. 86 Voto do Ministro Marco Aurélio na ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 23/03/2019. 84


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 34 detalhadas, deve estabelecer ordens flexíveis, traçando parâmetros e objetivos a serem alcançados, reservando aos órgãos do Executivo e do Legislativo o campo democrático e técnico de escolhas sobre a definição de meios e execução das medidas, combinando, assim, o ativismo judicial estrutural com a ideia de diálogos institucionais. O que não se pode admitir é que o Supremo fique de braços atados ou se comporte como mero espectador de graves violações a direitos fundamentais, sobretudo ante o estado de inércia dos demais Poderes. Ele não só pode – como deve –

impor

“remédios

estruturais”

que

visem

à

superação

de

estados

de

inconstitucionalidade. Isso não significa fazer do Supremo uma instância hegemônica de poder, mas sim esperar que a Corte não seja pacífica diante de clara violação e fraude ao Texto Constitucional de 198887. Nas sábias palavras do Eminente Ministro Marco Aurélio, eis o papel que deve desempenhar a Corte Suprema

em favor da superação do quadro de

inconstitucionalidades do sistema prisional: retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das providências escolhidas, assegurando, assim, a efetividade prática das soluções propostas. Ordens flexíveis sob monitoramento previnem a supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração institucional cogitada pelo ministro Gilmar Mendes, formuladas que são no marco de um constitucionalismo cooperativo.88

Em síntese, a intervenção judicial mostra-se legítima, presente padrão elevado de omissão estatal frente a situação de violação generalizada de direitos fundamentais, como é o caso do sistema penitenciário brasileiro, não podendo sofrer qualquer objeção de natureza democrática. Após a análise da decisão da Suprema Corte em sede de medida cautelar, observa-se que o julgamento do mérito da ADPF 347 trará à tona o pleito de medidas ainda mais ousadas e complexas89, que giram em torno da elaboração de planos

87

CAMPOS, Carlos de Azevedo. Atualidades do Controle Judicial da Omissão Legislativa Inconstitucional. Disponível em: <http://www.academia.edu/12094028/Atualidades_do_Controle_Judicial_da_Omiss%C3%A3o_Legisl ativa_Inconstitucional>. Acesso em: 23/03/2019. 88 Voto do Ministro Marco Aurélio na ADPF 347. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 23/03/2019. 89 Como acertadamente pontua o autor Lucas Pessoa Moreira, as providências pleiteadas vão além dos objetivos tradicionalmente almejados em demandas que tratam de questões semelhantes.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 35 contendo propostas e metas específicas para a superação do estado de coisas inconstitucional, tratando, inclusive, da previsão dos recursos para sua efetivação e da elaboração de um cronograma para sua execução. Com o julgamento do mérito, não obstante as medidas postuladas aparentemente impactarem de maneira diversa a relação entre as funções do Executivo, Legislativo e Judiciário, especialmente considerando os papéis que eles desempenham ante as políticas públicas 90, o modelo de Estado Democrático de Direito brasileiro, requer, mais do que suporta, um modelo de jurisdição constitucional mais ativista e menos autorrestritiva ante o vazio de políticas públicas eficientes, sob pena de frustração dos direitos fundamentais e inefetividade da Carta Magna. Essa postura mais ativista do Poder Judiciário nada mais é do que reflexo da consolidação da supremacia da Constituição, a partir da qual juízes e tribunais passaram a interferir ativamente na guarda dos direitos fundamentais, agindo em prol de sua defesa e realização. Assim, desde 2004, no julgamento da ADPF nº 4591, foram lançadas as bases hermenêuticas do que veio a se materializar com o julgamento da cautelar da ADPF nº 347, no que concerne à evolução da atuação do STF no controle da constitucionalidade das normas e, mais especificamente, no controle jurisdicional das políticas públicas92. Ao reconhecer o “Estado de Coisas Inconstitucional”, e esse reconhecimento ser considerado o lastro para uma ação jurisdicional mais efetiva, a Corte Suprema consolidou o entendimento de que, ainda que não seja função típica do Poder Judiciário, pode este vir eventualmente a intervir nas políticas públicas na omissão

Em caso de provimento, a Corte interferiria no orçamento e nas políticas públicas de maneiras até então inéditas. MOREIRA, Lucas Pessoa. In: O Estado de Coisas Inconstitucional e seus perigos. Disponível em: <http://www.apesp.org.br/comunicados/images/tese_lucaspessoa051015.pdf>. Acesso em 25/03/2019. 90 Idem, ibidem. 91 No julgamento da referida ADPF, ficou consignado que o Poder Judiciário, excepcionalmente, poderia assumir a formulação de políticas públicas, quando os Poderes competentes da República tivessem se demitido da função de tornar efetivos direitos constitucionais, ainda que contidos em normas de conteúdo programático, observadas as limitações – efetivamente demonstradas pelo Poder Público – da “reserva do financeiramente possível”. ADPF nº 45. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/343_204%20ADPF%202045.pdf>. Acesso em 23/03/2019. 92 VIEIRA JUNIOR, R. J. A. Separação de Poderes, Estado de Coisas Inconstitucional e Compromisso Significativo: novas balizas à atuação do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2015 (Texto para Discussão nº 186). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em 23/03/2019.


E s t a d o d e C o i s a s I n c o n s t i t u c i o n a l | 36 dos órgãos competentes, sem que haja, entretanto, violação ao princípio da divisão das funções do Estado. Ademais, reconhecido o ECI, a Corte não desenhará as políticas públicas. Ao exarar ordens flexíveis, que deixem espaço decisório ao aparato político e administrativo dos Poderes Executivo e Legislativo, a Corte busca promover a colaboração harmônica e deliberativa entre os poderes em torno de um objetivo comum: superar o quadro de inconstitucionalidades. Portanto, não há supremacia, subjetivismo ou arbítrio judiciais, e sim diálogos e cooperação institucionais 93. Ao agir assim, a Suprema Corte respeita as credenciais democráticas e as capacidades institucionais dos outros poderes, mantendo de pé as fronteiras entre Direito e Política, além de diminuir a distância entre o garantismo textual e a realidade desigual e contribuir para tornar o país mais inclusivo e atento à dignidade humana como bem intrínseco de todo e qualquer indivíduo 94. O Brasil tem seus “Estados de Coisas Inconstitucionais”, e não são poucos. Porém, a declaração do ECI surge como uma alternativa para que o nosso Tribunal Maior possa lidar com essas falhas estruturais prejudiciais à efetividade dos direitos fundamentais e, por fim, proteger as minorias vulneráveis, que por assim serem definidas, não podem ser relegadas ao esquecimento nem tratadas como “coisa”, sobretudo quando se vive em uma sociedade cuja Carta Constitucional tem como núcleo rígido a dignidade da pessoa humana.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Devemos temer o “Estado de Coisas Inconstitucional”? Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-15/carlos-campos-devemostemer-estado-coisas-inconstitucional>. Acesso em 25/03/2019. 94 Idem, ibidem. 93


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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO

3.1 Breve histórico da responsabilidade civil do Estado

Inicialmente, antes de proceder à análise do Recurso Extraordinário 580.252/MS, convém abordar sucintamente acerca da evolução da responsabilidade civil do Estado. A primeira teoria adotada, conhecida como “Teoria da Irresponsabilidade”, remonta à época dos Estados absolutistas, na qual a figura do Monarca confundia-se com o próprio Estado, bem como o poder estatal era encarado como divino, ideias que deram origem ao postulado de que o rei não podia errar (“the king can do no wrong”)95. Para esta tese, não seria possível responsabilizar o Estado pelos atos de seus agentes, sob pena de colocá-lo no mesmo nível dos seus súditos, pondo em xeque a ideia de soberania. A partir do século XIX, sobretudo com o advento das Revoluções Liberais e o surgimento do Estado de Direito, a tese da irresponsabilidade foi superada, iniciandose a fase da responsabilidade civil do Estado com fundamento na culpa dos agentes públicos, baseada nos princípios do Direito Civil. Esta, inicialmente, procurou distinguir os atos praticados pelo Estado em atos de império e atos de gestão. Os primeiros seriam aqueles impostos unilateral e coercitivamente aos administrados, regidos por um direito especial, que, em virtude da posição de supremacia do Estado, não possibilitavam a responsabilização deste. Os últimos, por sua vez, seriam os praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, cuja responsabilização seria possível, acaso comprovados a conduta oficial, o dano, o nexo de causalidade e a culpa do agente público96. Posteriormente,

ganhou

destaque

a

teoria

da

culpa

civil

ou

da

responsabilidade subjetiva, a qual buscou equiparar a responsabilidade do Estado à dos particulares, de modo que aquele só indenizaria os prejudicados, uma vez

95

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. 96 Alexandre, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo. 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.


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provado que o agente público agiu com dolo (intenção) ou culpa (imprudência, negligência ou imperícia)97. No âmbito das teorias publicistas, segundo a qual a responsabilidade estatal não poderia ser regida pelos princípios do Código Civil, surgem as seguintes: teoria da culpa do serviço98 e teoria do risco, esta subdivida nas modalidades risco administrativo e risco integral. Segundo a primeira, que procurou afastar a ideia de culpa do agente público, para que houvesse a responsabilidade civil do Estado, bastaria à vítima comprovar que o serviço público não funcionou, funcionou atrasado ou funcionou mal. Sendo assim, ao invés de provar que o agente público agiu com dolo ou culpa, bastaria comprovar a culpa da Administração Pública, a qual é presumida diante destas três hipóteses. Por fim, formulou-se a teoria do risco, lastreada na ideia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente, em virtude de suas numerosas e variadas atividades. Ademais, em virtude de sua posição de supremacia, que lhe assegura poderes e prerrogativas, o ente estatal naturalmente gera riscos aos particulares, não obstante realize suas atividades a fim de atender os anseios destes. Desse modo, se todos se beneficiam das atividades administrativas, eventuais danos causados devem ser igualmente compartilhados entre a coletividade 99. Para essa teoria, abandona-se a ideia de culpa, invocando-se o chamado nexo causal ou nexo de causalidade entre a ação/omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima. Em outras palavras, demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir100. Conforme mencionado, a teoria do risco se apresenta nas modalidades risco administrativo e risco integral. No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada, na medida em que encontra limites101. Com efeito, admite as chamadas causas excludentes de responsabilidade do Estado, quais sejam: culpa da vítima, culpa de terceiro e caso fortuito/força maior.

97

Alexandre, Ricardo; DEUS, João de. Op. cit. Também conhecida por teoria da culpa administrativa, teoria do acidente administrativo ou teoria da culpa anônima do serviço público. 99 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21. ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2018. 100 MEDAUAR, Odete. Op cit. 101 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo - 11. ed., rev. e atual. - São Paulo, Saraiva, 2006. apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 32. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018. 98


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No risco integral, por sua vez, estas não são admitidas, atribuindo-se ao Estado o papel de “segurador universal”, o qual deverá responder pelos danos eventualmente causados, independentemente da ocorrência das circunstâncias que normalmente seriam consideradas excludentes de responsabilidade, cuja aplicação é restrita a situações excepcionais. Hodiernamente, contudo, prevalece a fase da responsabilidade civil objetiva do Estado, dispensando a vítima de comprovar a culpa (individual ou anônima) para receber a reparação pelos prejuízos sofridos, bastando que comprove certos requisitos, os quais serão delineados mais adiante.

3.2 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988 disciplina a Responsabilidade Civil do Estado em seu artigo 37, §6º, o qual diz: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Pelo teor do dispositivo constitucional supra depreende-se que o ordenamento jurídico pátrio adota, como regra, a teoria da responsabilidade objetiva em relação às pessoas jurídicas de direitos públicos e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos, bem como a responsabilidade pessoal e subjetiva dos seus agentes públicos. Conforme pondera Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a responsabilidade civil do Estado apoia-se em dois fundamentos importantes: teoria do risco administrativo e repartição dos encargos sociais102. A teoria do risco administrativo, conforme explicitado anteriormente, pressupõe que a atuação estatal envolve um risco que lhe é inerente, logo atribui-se ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa, tendo por base os princípios da equidade e da igualdade.

102

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 562/563; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 504-507, apud OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit.


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Ainda segundo a doutrina de Rafael Oliveira, tomando como base o princípio da isonomia, a adoção do princípio da repartição dos encargos sociais relaciona-se ao fato de que a coletividade, verdadeira beneficiária da atividade administrativa, tem o ônus de ressarcir aqueles que sofreram danos em razão dessa mesma atividade 103. Causado o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo104. Sobre a temática, Carvalho Filho, citando os ensinamentos de Cavalieri Filho, acrescenta: “Em tempos atuais, tem-se desenvolvido a teoria do risco social, segundo a qual o foco da responsabilidade civil é a vítima, e não o autor do dano, de modo que a reparação estaria a cargo de toda a coletividade, dando ensejo ao que se denomina de socialização dos riscos – sempre com o intuito de que o lesado não deixe de merecer a justa reparação pelo dano sofrido”105.

Há, ainda, a teoria do risco integral, igualmente abordado alhures, segundo a qual o Estado assume integralmente o risco oriundo das atividades por ele desenvolvidas ou fiscalizadas, sem que se possa alegar excludentes do nexo de causalidade, característica que a diferencia da teoria do risco administrativo. Ressaltese que tal teoria é aplicada apenas de forma excepcional no âmbito jurídico brasileiro – danos ambientais e nucleares, e.g. –, pois, do contrário, estabelecer-se-ia uma socialização de danos inevitáveis ao Poder Público, ao arrepio da ordem constitucional vigente. Atualmente, portanto, a regra no ordenamento jurídico pátrio é a responsabilidade civil objetiva do Estado, de índole extracontratual 106, prevista no art. 37, § 6º, da CF, informada pela teoria do risco, cujos pressupostos encontram-se abaixo elencados.

3.2.1 Pressupostos

103

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit. CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970, v. 8, apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Ed. 30. Rev. Atual. e Ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. 105 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. Malheiros, 5. ed., 2004. apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. 106 Diferentemente da responsabilidade contratual, que pressupõe um vínculo negocial específico e a inexecução do Estado no bojo deste, a responsabilidade extracontratual está relacionada aos danos causados pelo ente estatal a terceiros, aos cidadãos em geral. 104


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A principal característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade da comprovação do elemento subjetivo, a culpa. Portanto, para que reste configurada a responsabilidade civil do Estado, basta que estejam presentes três elementos: o fato administrativo (conduta), o dano e o nexo causal. Nesse sentido: (...) a responsabilização do Estado requer apenas: conduta oficial, existência de dano (patrimonial, moral ou estético) e nexo causal. Não importa se houve culpa do agente público ou se a Administração Pública praticou um ato lícito ou ilícito. Para a responsabilização civil do Estado é necessária apenas a coexistência dos três elementos citados107.

O primeiro pressuposto é o fato administrativo, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, atribuída ao Poder Público, do qual se depreende que o Estado responde pelos danos que os seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, ainda que atue fora de suas funções, mas em razão dela 108. O segundo deles é o dano, que nada mais é do que uma lesão a determinado bem jurídico da vítima, podendo ser material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial). O primeiro ocorre quando o fato atinge o patrimônio do indivíduo, enquanto o segundo relaciona-se à esfera interna do lesado, causando-lhe sofrimento. Logo, o sujeito é civilmente

responsável

quando

sua

conduta

provocar

dano

a

terceiro,

independentemente se material, moral ou estético. Di Pietro acrescenta que somente se pode aceitar como pressuposto da responsabilidade objetiva a prática de ato antijurídico se este, mesmo sendo lícito, for entendido como ato causador de dano anormal e específico a determinadas pessoas, rompendo o princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais. Por outras palavras, ato antijurídico, para fins de responsabilidade objetiva do Estado, é o ato ilícito e o ato lícito que cause dano anormal e específico 109. O terceiro e último pressuposto é o nexo causal, que pode ser conceituado como a relação de causa e efeito entre a conduta estatal e o dano. Nesse sentido, é preciso demonstrar que o prejuízo sofrido originou-se de um fato administrativo imputável ao Estado.

107

ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito administrativo. Op. cit. Saliente-se, por oportuno, que, diferentemente da responsabilidade do ente estatal que é objetiva, a responsabilidade dos agentes públicos é pessoal e subjetiva, sendo imprescindível a comprovação da culpa. 109 DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. cit. 108


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No tocante a este último pressuposto, cumpre elucidar que a responsabilidade civil objetiva informada pela teoria do risco administrativo, adotada como regra em nosso ordenamento jurídico, admite a existência das chamadas causas excludentes do nexo de causalidade. São elas: fato exclusivo da vítima, fato de terceiro e caso fortuito ou força maior. Por meio destas, o Estado pode eximir-se da responsabilidade nas ações indenizatórias, acaso demonstre o rompimento do nexo causal. Nessas situações, rompido o nexo de causalidade, não há ato ou fato administrativo imputável ao Poder Público, não se podendo responsabilizá-lo, desta forma, por eventos exclusivamente atribuídos à vítima, ao terceiro, ou à natureza, bem como por aqueles imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências inevitáveis. Por fim, preenchidos os pressupostos supramencionados, quais sejam: conduta, dano e nexo causal, patente a caracterização da responsabilidade da Administração, que deverá indenizar o lesado pelos danos sofridos, não havendo necessidade de investigar se a conduta administrativa foi, ou não, permeada pelo elemento culpa110.

3.3 Responsabilidade Civil por Omissão: responsabilidade objetiva ou subjetiva?

O Estado poderá ser responsabilizado civilmente em razão de danos causados a particulares decorrentes de ação ou omissão. Quando a conduta é comissiva, a responsabilidade é objetiva e regida, como regra, pela Teoria do Risco Administrativo, restando configurada quando presentes os pressupostos acima delineados, quais sejam: a conduta, o dano e nexo causal. Todavia, em casos de atuação omissiva estatal, faz-se mister distinguir se a conduta omissiva constitui fato gerador da responsabilidade civil, uma vez que somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano, é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos 111. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência divergem sobre a natureza da responsabilidade civil. Há 3 entendimentos. A primeira posição entende tratar-se de

110

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo, Malheiros, 17. ed., 2004. p. 447. apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. 111


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responsabilidade objetiva, na medida em que o art. 37, §6º, da Constituição Federal não faz distinção entre ação e omissão, conforme defende Hely Lopes Meirelles 112. Para a massiva doutrina brasileira, entretanto, a responsabilidade Civil nesses casos será a subjetiva, com a necessidade de alegação e demonstração do elemento subjetivo culpa lato sensu (culpa ou dolo). Para os defensores desta posição, o Estado responde desde que o serviço público não funcione, quando deveria funcionar; funcione atrasado; ou funcione mal, aduzindo ainda que o art. 37, §6º, da CF teve o objetivo de restringir a sua aplicação às condutas comissivas. Nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, Lúcia Valle Figueiredo e Rui Stoco 113. Por fim, a terceira corrente diferencia a omissão genérica da omissão específica, afirmando ser subjetiva a responsabilidade no primeiro caso, e objetiva no segundo. Nesse sentido: Guilherme Couto de Castro e Sergio Cavalieri Filho 114. Imperioso destacar que o Supremo Tribunal Federal, atualmente, adota esta última posição, fazendo distinção entre omissão genérica e específica. Vejamos: “Diante de tal indefinição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se orientando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência – quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo – surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa, consoante os seguintes precedentes: […] Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.”115. (g.n.)

112

MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. II, p. 487; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 966-971; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 652; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 990; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 176; STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 963. apud OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit. 114 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 37; CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231. 115 RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 30/03/2016, Repercussão geral. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=310025651&ext=.pdf>. Acesso em: 15/06/2019. 113


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Em se tratando de omissões genéricas, a responsabilidade extracontratual segue, em regra, a teoria da culpa administrativa (subjetiva). Nas palavras do mestre Bandeira de Mello: “A responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por ato ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que constituía em dada obrigação”116.

Nesse contexto, imprescindível a demonstração da denominada culpa anônima. Isto porque não se pode atribuir à Poder Público responsabilidade por todo e qualquer ilícito ocorrido em seu território, sob pena de torná-lo um garantidor universal, e adotar a teoria do risco integral, afinal os recursos públicos são voltados para atender a necessidade de toda a coletividade. Assim, o Estado apenas responderá – subjetivamente – quando demonstrada a culpa genérica relativa à ausência de medidas para evitar o dano e tal omissão se revele a causa direta e imediata do dano sofrido. Logo, a omissão genérica reside nas hipóteses em que não se pode exigir uma atuação específica da Administração. Diferente é a situação em que o Estado se encontra na posição de garante, o que ocorre nos casos em que a pessoa/bem estiver sob sua guarda direta, havendo o dever específico e individualizado de agir. Nesse sentido, a omissão específica equivale, em verdade, a uma ação, em virtude do dever específico de agir numa dada situação, atraindo a incidência do parágrafo 6º do art. 37 da Constituição da República, e, por conseguinte, a aplicação da responsabilidade objetiva. A omissão específica se dá quando o Estado se encontra na condição de garante (guardião) e, por omissão, cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação que tem o dever de agir para impedir o dano àquele que se encontra sob sua custódia. Ou seja, estando o Estado na posição de garante, sua omissão passa a erigir-se como verdadeira causa do dano, já que há o dever específico de cuidado para evitá-lo. Ademais, somente será possível responsabilizar o Estado nos casos de omissão específica, quando demonstradas a previsibilidade e a evitabilidade do dano.

116

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit.


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Em outras palavras, a responsabilidade restará configurada nas hipóteses em que o Estado tem a possibilidade de prever e de evitar o dano, mas permanece omisso 117. Exemplos clássicos de omissão específica são os relativos a alunos nas dependências das escolas públicas, pacientes internados em hospitais públicos e presidiários sob a custódia estatal em estabelecimentos prisionais, respondendo o Estado sempre que restar demonstrada sua omissão específica em virtude de um dever individualizado de agir. É exatamente sobre a responsabilidade civil que envolve os presidiários e a superpopulação carcerária, tendo como base o Recurso Extraordinário 580.252/MS, que iremos tratar no capítulo seguinte. Contudo, por sua importância no que pertine à temática em análise, antes de adentrá-la, faz-se mister tecer comentários acerca do dano moral.

3.4 Dano Moral

Como é notório, para que haja reparação, é necessário comprovar o dano sofrido por alguém. Em regra, não há responsabilidade civil sem dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial. Sendo o dano extrapatrimonial, sua tutela compensatória se concretiza através da indenização por dano moral, o qual ganhou notoriedade, sobretudo, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que prevê em seu art. 5º, incisos V e X, o seguinte: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Dano moral, segundo a melhor doutrina, nada mais é do que a violação a direitos da personalidade. Em última análise, é a violação da própria dignidade humana. Pode ser conceituado, ainda, como uma lesão a interesse existencial

117

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit.


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concretamente merecedor de tutela. Qualquer ofensa a um bem jurídico de personalidade é séria e, se objetivamente constatada, caracterizará o dano moral 118. Diversamente do dano material que é ressarcido, o dano moral é reparado. Enquanto no ressarcimento é possível o retorno ao estado anterior, ao status quo, na reparação, essa volta ao estágio anterior é absolutamente impossível. Com efeito, para a reparação do dano moral, não há que se estabelecer um valor para a dor ou sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial. Não há, portanto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados 119. A reparação, nesses casos, será compensatória, não ressarcitória. Atualmente, vem ganhando destaque no ordenamento pátrio e estrangeiro a ideia de “desmonetarizar” a responsabilidade civil. Em outras palavras, busca-se outros meios e modos para reparar da vítima, além do pagamento em pecúnia, os quais, na maior parte dos casos, satisfazem de forma mais plena os anseios daquela120. Na doutrina pátria a ideia da compensação in natura foi evidenciada nos termos do Enunciado n. 589, aprovado na VII Jornada de Direito Civil (2015): “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retração pública ou outro meio”. Quanto à natureza jurídica da indenização por danos morais, a doutrina e jurisprudência divergem, não existindo unanimidade a respeito, surgindo três correntes na atualidade, esposadas na doutrina de Tartuce da seguinte maneira121: 

1.ª Corrente: A indenização por danos morais tem o mero intuito

reparatório ou compensatório, sem qualquer caráter disciplinador ou pedagógico. Essa tese encontra-se superada na jurisprudência, pois a indenização deve ser encarada como mais do que uma mera reparação.

118

FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil – Volume Único. – 2. ed. rev, atual. e ampl. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. 119 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. 120 SCHREIBER, Andersom. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: São Paulo: Atlas, 2007. apud FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Op. cit. 121 TARTUCE, Flávio. Op. cit.


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2.ª Corrente: A indenização tem um caráter punitivo ou disciplinador,

tese adotada nos Estados Unidos da América, com o conceito de punitive damages. Essa corrente não vinha sendo bem aceita pela nossa jurisprudência, que identificava perigos na sua aplicação. Entretanto, nos últimos tempos, tem crescido o número de adeptos a essa teoria. 

3.ª Corrente: A indenização por dano moral está revestida de um caráter

principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando a coibir novas condutas. Mas esse caráter acessório somente existirá se estiver acompanhado do principal. Essa tese ainda tem prevalecido na jurisprudência nacional. Independentemente da natureza jurídica, certo é que o intuito reparatório deve estar sempre presente, sendo o caráter disciplinador de natureza meramente acessória. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça entende que, nos casos de lesão a valores fundamentais protegidos pela Constituição Federal, o dano moral dispensa a prova (in re ipsa), presumindo-se o prejuízo. Vejamos: “sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral. Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela CF, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta”122.

O dano moral caminha atrelado à dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela da pessoa humana, esculpida no art. 1º, inciso III, da CRFB, corolário de todos os direitos da personalidade. Sendo assim, violada a integridade física e psíquica daqueles que estão sob a custódia do Estado, e por conseguinte, reconhecida a lesão aos direitos fundamentais 122

REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270513%27>. Acesso em: 20/05/2019.


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do preso, patente a obrigação do ente estatal de ressarcir os danos causados, inclusive, morais.


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4 RECURSO EXTRAORDINÁRIO 580.252/MS123: RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE SUPERPOPULAÇÃO CARCERÁRIA

4.1 Caso concreto

Trata-se de ação postulada pela Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul, em defesa de detento condenado a 20 (vinte) anos de reclusão, requerendo o acolhimento de pedido de indenização por dano moral, em decorrência do cumprimento de pena em estabelecimento prisional superlotado e desprovido de condições mínimas de saúde e higiene, no município de Corumbá/MS. O juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, com fundamento na Reserva do Possível. A parte autora, contudo, interpôs recurso de apelação, o qual fora provido por maioria, condenando o réu ao pagamento de indenização no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), cuja ementa segue abaixo transcrita: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DANO MORAL CARACTERIZADO. TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. CONJUNGADA COM O MÍNIMO EXISTENCIAL. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA SUFICIENTEMENTE DEBATIDA E DISCUTIDA PELO ÓRGÃO COLEGIADO. RECURSO PROVIDO. O Estado será responsabilizado a indenizar quando, por atoomissivo, tenha causadi dani à particular, desde que comprovada a conduta culposa ou dolosa do ente federativo. Demonstrado que os problemas de superlotação e de falta de condições mínimas da saúde e higiene do estabelecimento penal (presídio) não foram sanadas, após decurso de um lapso temporal quando da formalização do laudo de vigilância sanitária, violando, por conseguinte, as disposições da Lei de Execução Penal, bem como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, está devidamente comprovada a conduta omissiva culposa do Estado (culpa administrativa). Não sendo assegurado o mínimo existencial, não há falar de aplicação da teoria da reserva do possível. Recurso provido”.

Por ocasião do julgamento dos embargos infringentes opostos, o Tribunal deulhe provimento, no sentido de restabelecer o juízo de improcedência, consoante a seguinte ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. ATO OMISSIVO DO ESTADO EM GARANTIR A DIGNIDADE HUMANA DO PRESO. RESPONSABILIDADE. 123

RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/2/2017. Repercussão geral. Inteiro teor disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019.


O R e c u r s o E x t r a o r d i n á r i o 5 8 0 . 2 5 2 / M S | 50 APLICAÇÃO DA TEORIA DA DA RESERVA DO POSSÍVEL. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA RECURSO PROVIDO.

Diante da improcedência, a Defensoria Pública interpôs recurso extraordinário (RE 580.252/MS), apontando ofensa aos artigos 5º, III, X, XLIX; e 37, §6º, da Constituição Federal e ao artigo 5º do Pacto de São José da Costa Rica, tendo a repercussão geral sido reconhecida em fevereiro de 2011, cuja ementa abaixo colaciona: LIMITES ORÇAMENTÁRIOS DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXCESSIVA POPULAÇÃO CARCERÁRIA. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL. Possui repercussão geral a questão constitucional atinente à contraposição entre a chamada cláusula da reserva financeira do possível e a pretensão de obter indenização por dano moral decorrente da excessiva população carcerária. 124

A União, na condição de amicus curiae, representada pela Advocacia-Geral da União, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, aduzindo, em síntese, que: (a) há de ser aplicada ao caso concreto a teoria de responsabilidade subjetiva, com base na culpa administrativa, só cabendo a responsabilidade do Estado caso esteja ele obrigado a impedir o dano, se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo; (b) é de conhecimento público e notório que todos os presídios do país, não só os do Estado do Mato Grosso Sul, estão em situação de superlotação, o que só vem crescendo ao longo dos anos, conforme demonstram os dados; (c) a construção de unidades prisionais adequadas encontra óbice no princípio da reserva do possível, pois os direitos de segunda geração, que impõem ao Poder Público a implementação de políticas públicas para que os presos possam usufruir de uma prisão digna, são sempre onerosos e dependem da disponibilidade financeira do Estado; (d) não há dano moral a ser indenizado, tendo em vista que “inexiste direito do recorrente a que o Estado promova melhorias no sistema carcerário, sem que haja disposição orçamentária específica e não há norma na Constituição que determine a priorização da construção de presídios”; (e) “não é pelo fato de o Poder Judiciário condenar o Estado ao pagamento de um determinado valor a um dos presos, por danos morais, que a alegada situação danosa se extinguirá”; na verdade, isso agravará a situação, pois o valor da indenização deixará de ser utilizado em prol do sistema penitenciário, havendo prejuízo para os demais detentos e para a sociedade; (f) caso haja a multiplicação de ações nesse sentido, poderá haver um sério comprometimento das políticas públicas carcerárias dos Estados; (g) diversos convênios têm sido firmados entre a União e Estados da federação, o que denota que não há omissão do Poder Público e demonstra sua preocupação em solucionar o problema. Aduz que entre 1995 e 2011 foram celebrados 1.456 instrumentos celebrados com Unidades Federativas, 124

Tema 365 - Responsabilidade do Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E +580252%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EPRCR%2E+ADJ2+580252%2EPRCR%2E%29&base =baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/ahmcrul> Acesso em 25/05/2019.


O R e c u r s o E x t r a o r d i n á r i o 5 8 0 . 2 5 2 / M S | 51 o que resultou num repasse de aproximadamente 1,9 bilhão de reais do FUNPEN para financiar e apoiar as ações de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário brasileiro, e, no Estado do Mato Grosso do Sul, foram firmados 19 convênios “resultando num valor elevadíssimo de repasse”125

A Procuradoria-Geral da República, em consonância com a Advocacia-Geral da União, opinou fosse julgado improcedente o recurso, ao fundamento de ausência do nexo de causalidade, alegando que o descumprimento do dever constitucional de manter a integridade física e moral do preso, não implica em responsabilidade objetiva do Estado.

4.2 Voto do Relator Ministro Teori Zavascki

O Ministro Relator Teori Zavascki iniciou seu voto ponderando que os fatos da causa objeto do referido recurso são incontroversos, na medida em que o próprio Tribunal recorrido reconhece a situação calamitosa que aflige o sistema penitenciário do Estado sul-mato-grossense e a absoluta precariedade das condições carcerárias do estabelecimento penal em comento, violando direitos fundamentais, tais quais a dignidade, intimidade higidez física e integridade psíquica. Ressalte-se que as condições subumanas retratadas no caso concreto englobam todos – senão a maioria – dos estabelecimentos prisionais do país, afinal, não foi por outra razão que foi reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário do Brasil. Sendo incontroversos os fatos, o dilema jurídico em análise recai sobre a existência ou não da responsabilidade civil do Estado em ressarcir os danos morais eventualmente verificados no caso concreto. Nesse sentido, o Ministro Relator pontua que a matéria jurídica se situa no âmbito da Responsabilidade Civil do Estado, prevista no art. 37, §6º, da Constituição da República. Em se tratando de preceito normativo autoaplicável, ocorrendo o dano como consequência de uma atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce o dever de indenizar126. 125

Trecho extraído do RE 580.252/MS. Disponível <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso 25/05/2019. 126 Parâmetros extraídos do voto do Ministro Teori Zavascki no RE 580.252/MS. Disponível <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso 25/05/2019.

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Acrescenta que o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto nele permanecerem detidas – adotando, nesse sentido, a teoria da responsabilidade objetiva (omissão específica) – sendo igualmente dever do Estado mantê-las em celas com mínimos padrões de humanidade, em obediência ao que prevê diversos diplomas legislativos. Afasta a aplicação da reserva do possível, argumentando que tal princípio se restringe às situações de concretização de direitos fundamentais a determinada prestação, sobretudo os de natureza social, no âmbito das políticas públicas, não sendo o caso dos autos, posto que a matéria está inserta no âmbito da responsabilidade civil do Estado. Rechaça o argumento de que a indenização não tem o alcance de eliminar o problema prisional do país, na medida em que uma vez admitido, geraria uma “perpetuação da desumana situação que se constata em presídios” 127 que, conforme retratado anteriormente, são palco de violação massiva e sistemática de direitos fundamentais, caracterizado como uma falha estrutural que demanda uma ação coordenada e específica de implantação de políticas públicas. Acrescenta que não se pode negar ao preso o direito de obter judicialmente, aquilo que se convencionou chamar de “mínimo existencial”, sob pena de ofender o sentido e o alcance do princípio da jurisdição, deixando-o à mingua de qualquer proteção estatal. Pontua que a criação e a invocação de subterfúgios teóricos pelo Estado, tais como a separação de poderes, a reserva do possível, a natureza coletiva dos danos, não apenas viola, como também acarreta o esvaziamento de inúmeras cláusulas constitucionais, convencionais e legais128 que visam resguardar a segurança pessoal, física e psíquica dos detentos, o que, saliente-se, é dever estatal.

127

Expressão utilizada pelo Ministro Teori Zavascki no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019. 128 Apenas a título exemplificativo, o Ministro cita, no ordenamento nacional: Constituição Federal, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/1984 - LEP, arts. 10, 11, 12, 40, 85, 87, 88; Lei 9.455/1997 crime de tortura; Lei 12.874/2013 - Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e no âmbito das fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da Organização das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes.


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Por fim, propõe a seguinte tese de repercussão geral: “considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”.

4.3 Voto divergente do Ministro Luís Roberto Barroso

Inicialmente, o Eminente Ministro Luís Roberto Barroso concorda integralmente com as premissas teóricas e filosóficas adotadas no voto do Ministro Relator, no sentido de que o Estado tem o dever de indenizar os danos morais causados pela superlotação prisional e pelo encarceramento em condições desumanas ou degradantes, bem como que não se deve recorrer à teoria da reserva do possível ou a outras justificativas teóricas a fim de afastar a responsabilidade civil estatal, sob pena de ofensa à Constituição da República129. Entretanto, dissente da tese de repercussão geral fixada no que pertine à indenização pecuniária. Argumenta que esta não compensa efetivamente os danos morais suportados pelos presos, na medida em que estes continuarão submetidos às mesmas condições degradantes que deram ensejo à responsabilização estatal. Ademais, pondera que tal resposta acarretaria a multiplicação de demandas idênticas e de condenações dos Estados, com grandes chances de agravar a situação precária ora existente, em razão da escassez dos recursos estatais, que ao invés de serem manejados para eventuais melhorias no sistema carcerário, estariam sendo repassados para as reparações individuais. Nesse sentido, considerando a situação atual do sistema penitenciário brasileiro, no qual foi detectada a existência de uma falha de natureza estrutural e sistêmica, sustenta que haveria um aumento exponencial no número de demandas de detentos por danos morais, o que inevitavelmente repercutiria na questão financeira e orçamentária do Estado, em virtude de não haver perspectiva de solução imediata para a crise prisional.

129

Parâmetros extraídos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019.


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Partindo dessas premissas, conclui que, não obstante seja imperioso reconhecer a responsabilidade do Estado, com o fito de garantir que os direitos dos presos sejam respeitados, defende que a disponibilidade de recursos é crucial para que os Estados possam reverter o atual quadro de crise do sistema, razão pela qual propõe uma solução alternativa, que acredita ser mais eficaz do que a mera reparação em pecúnia.

4.3.1 Proposta de reparação não pecuniária do dano moral Considerando o “Estado de Coisas Inconstitucional” verificado no sistema prisional brasileiro, o ilustre ministro Barroso pontua que a fixação de uma compensação estritamente pecuniária se afigura como uma resposta pouco efetiva aos danos sofridos pelos presos. Problematiza a questão das consequências negativas advindas da “indústria do dano moral”, voltada exclusivamente à obtenção de lucro, e aponta a crescente tendência

de

novas

formas

não

pecuniárias

de

reparação

de

danos

extrapatrimoniais130, através do ressarcimento in natura ou outra forma específica, cujo objetivo é reparar a própria lesão, e não simplesmente compensar monetariamente. Segundo o eminente ministro, essa ideia de despatrimonialização da reparação dos danos morais é uma alternativa a ser aplicada no caso concreto. Nessa linha, propõe que a reparação se dê, preferencialmente, pelo mecanismo da remição de parte do tempo de execução da pena, em analogia ao art. 126 da Lei de Execução Penal131. Nas palavras do eminente ministro: “Vale dizer: a cada “x” dias de cumprimento de pena em condições desumanas e degradantes, o detento terá direito à redução de 1 dia de sua pena. Como a “indenização mede-se pela extensão do dano”, a variável “x”, isto é, a razão entre dias cumpridos em condições adversas e dias remidos, será fixada pelo juiz, de forma individualizada, de acordo com os danos morais comprovadamente sofridos pelo detento”132.

130

A respeito, o eminente Ministro cita: Anderson Schreiber, Novas tendências da responsabilidade civil brasileira, In Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 22, pp. 45-69. 131 Art. 126 da LEP. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011). 132 Trecho extraído do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019.


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Pondera que nos casos em que não for possível aplicar referida solução, como por exemplo, nas hipóteses em que os detentos já tivessem cumprido integralmente a pena ou de preso provisório, a indenização pecuniária teria aplicabilidade, conferindo-lhe um caráter subsidiário. Segue afirmando que a solução proposta efetivamente minora às violações aos direitos fundamentais dos presos, porquanto permite que o detento se submeta a um menor tempo de prisão, diminuindo o dano moral que sofre diariamente. Como consequência, a remição da pena reduziria a superlotação, combatendo uma das principais, senão a principal causa do problema. Ademais, não haveria o comprometimento da capacidade dos Estados de investir na melhoria do sistema prisional, ocasionando a diminuição dos gastos públicos, sem negar aos detentos o direito à reparação. Resumidamente, o ministro defende que ao invés de receber uma indenização pecuniária, o preso que, comprovadamente, sofra dano moral em decorrência do cumprimento de pena em condições degradantes nos presídios, teria direito ao “abatimento” de dias de penas – à razão de um dia de remição para cada 3 a 7 dias cumpridos sob essas condições insalubres, a critério do juiz da Vara de Execução Penal competente. Assim, conclui que ganha o preso – com a diminuição do cumprimento da pena – e ganha o Estado – sem o gasto de recursos públicos –, montante este que poderá ser, inclusive, aplicado na melhoria do sistema. Em arremate, propõe a seguinte tese de repercussão geral: “O Estado é civilmente responsável pelos danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos presos em decorrência de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo encarceramento em condições desumanas ou degradantes. Em razão da natureza estrutural e sistêmica das disfunções verificadas no sistema prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada preferencialmente por meio não pecuniário, consistente na remição de 1 dia de pena por cada 3 a 7 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o Juízo da Execução Penal. Subsidiariamente, caso o detento já tenha cumprido integralmente a pena ou não seja possível aplicar-lhe a remição, a ação para ressarcimento dos danos morais será fixada em pecúnia pelo juízo cível competente”133.

133

Trecho extraído do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019.


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Não obstante o belíssimo voto do ministro Barroso, este foi acompanhado apenas por Luiz Fux e Celso de Mello, sendo, portanto, vencido. A maioria do Supremo – Teoria Zavascki, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Edson Fachin, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Cármen Lúcia – decidiu pela indenização paga em pecúnia, prevalecendo, portanto, a tese de repercussão geral proposta pelo Ministro Relator 134.

4.4 Análise crítica do RE 580.252/MS

Inicialmente, a primeira conclusão que se pode extrair a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 580.252/MS é que o Supremo Tribunal Federal como um todo, além de reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional do país, ante o flagrante quadro de violação dos direitos fundamentais dos presos, considerou que é dever do Estado manter condições mínimas de salubridade em seus presídios, determinando a responsabilidade civil do Estado por danos morais, comprovado o nexo causal entre o dano e a atuação da administração pública. Não obstante todos os ministros convergirem no sentido de atribuir ao Estado a obrigação de ressarcir os danos morais comprovadamente sofridos pelos detentos, em razão das condições degradantes a que submetidos, houve divergência quanto à forma de indenização, se em pecúnia, nos termos da tese proposta pelo Relator, ou se “in natura”, por meio de remição de parte do tempo de execução da pena, conforme tese defendida no voto-vista divergente do Ministro Barroso. Quanto à reparação em pecúnia, e considerando que há milhares de detentos presos em celas com condições desumanas, pelo que fora decretado o Estado de Coisas Inconstitucional, tal solução é temerária do ponto de vista financeiroorçamentário, tendo em vista que acarretaria um gasto exorbitante, gerando um déficit ainda maior nas contas públicas. Desta forma, os recursos públicos, ao invés de serem manejados para investimentos em melhorias no sistema prisional atual, seriam destinados para o pagamento das referidas indenizações, priorizando o individual em detrimento do

134

Informativo nº 854 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo854.htm#Responsabilidade%20civil% 20do%20Estado:%20superpopula%C3%A7%C3%A3o%20carcer%C3%A1ria%20e%20dever%20de %20indenizar%20-%204>. Acesso em 25/05/2019.


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coletivo, contribuindo para o enfraquecimento das políticas públicas voltadas para o complexo penitenciário do país. Sendo assim, é uma solução pouco efetiva. Primeiro, porque o preso recebe uma indenização módica, e ainda assim continua submetido às mesmas condições degradantes. Segundo, e do ponto de vista fiscal, o ônus recairia sobre os Estados que, na maioria dos casos, não tem recursos para satisfazer tais indenizações, desequilibrando ainda mais as contas públicas. Por outro lado, a proposta da remição da pena, embora atraente, não esgota a complexidade do problema, afinal, até que ponto seria razoável compensar a violação da dignidade da pessoa humana, com a saída antecipada do cárcere. O cerne da responsabilidade civil é reparar o dano, entretanto, “encurtar” o tempo de sofrimento, não necessariamente significa repará-lo. Tal proposta tende a confundir a dignidade do preso com a sua liberdade. Todavia, tratam-se de bens jurídicos distintos, razão pela qual a promessa de reparação ao estado anterior, na prática, não ocorre. Outrossim, tem-se que pelo dano causado ao detento, em virtude de conduta estatal, a despeito de se reconhecer a responsabilidade civil, ao Estado não seria imputada nenhuma consequência. O que por um lado parece temerário, porquanto poderá provocar o aumento do descaso e a perpetuação das condições subumanas de encarceramento, diminuindo a preocupação com a adoção de políticas públicas nesta área. Por fim, tem-se que tal proposta não encontra previsão em lei, porquanto estaria o Poder Judiciário “inovando”, ao criar uma nova hipótese de remição de pena, que o legislador não o fez. Analisando as duas propostas apresentadas, tem-se que nenhuma delas, em verdade, soluciona o problema posto em debate no caso em epígrafe. Afinal, trata-se de um tema complexo e desafiador. Não por outro motivo, foi decretado o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema penitenciário pátrio. Sendo assim, levando em consideração o Estado de Coisas Inconstitucional e os seus pressupostos que caracterizam o atual sistema penitenciário pátrio, verificase que as propostas apresentadas não são aptas a solucionar a situação dos presídios brasileiros, uma vez que a real solução demanda a realização de investimentos vultosos na área, com a instituição de políticas públicas efetivas, mediante uma ação coordenada e integrada dos três Poderes, em todas as esferas federativas.


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4.5 Possíveis alternativas à melhoria do sistema prisional

Antes de apontar possíveis alternativas, é preciso, inicialmente, destacar que o problema mais imediato a ser enfrentado é a superlotação135, notadamente em razão das violações de direitos humanos dos presos que enseja, conforme incansavelmente abordado ao longo deste trabalho. Dentro dessa temática, vale ressaltar o voto do Ministro Barroso, o qual sugere providências que possibilitariam a superação desse entrave, por meio de uma revisão de posturas e de uma ação articulada dos Poderes do Estado, tais como: a) a construção de presídios, com preferência para o regime semiaberto, o fim do uso excessivo e desproporcional da prisão provisória, b) o estímulo à aplicação mais ampla de penas alternativas à prisão, c) o aumento da celeridade e da eficiência da Justiça criminal, pela ampliação do número de Varas de Execução Penal e reestruturação das VEPs já existentes, d) a melhoria do acesso à Justiça pelos presos, por meio do fortalecimento e da garantia da autonomia financeira às Defensorias Públicas e da ampliação do número de defensores públicos com atuação na esfera criminal136. Em seguida, para combater a lógica do hiperencarceramento e reforçar o caráter subsidiário da prisão, o Eminente Ministro destaca, dentre outras medidas, a ampliação das espécies de penas alternativas à prisão e das hipóteses de cabimento de prisão domiciliar monitorada e a revisão da política de encarceramento em crimes sem violência ou ameaça contra a pessoa, primando por medidas de indenização da vítima e de serviços à comunidade137. Com efeito, é fato que o problema não será resolvido “da noite para o dia”, e que tais propostas são custosas, entretanto, é preciso, com urgência, começar a formular – e pôr em prática – medidas que amenizem o atual quadro, bem como elaborar políticas públicas voltadas ao enfrentamento da superlotação.

Como afirmou a CPI da Câmara dos Deputados, ela é “a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário”. 136 Parâmetros extraídos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019. 137 Trecho extraído do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 580.252/MS. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312692053&ext=.pdf>. Acesso em 25/05/2019. 135


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Nesse contexto, considerando os dados divulgados pelo CNJ e pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça - DEPEN/MJ, que apontam o aumento vertiginoso da taxa de encarceramento no país e revelam que o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo; bem como levando em consideração o que fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, que reconheceu que o sistema penitenciário nacional se encontra em "estado de coisas inconstitucional", foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº 288, de 25 de junho de 2019, a qual “define a política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação de alternativas penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade”138. O texto aprovado, que substituiu a Resolução CNJ nº 101, de 2009, na esteira do que decidido quando do julgamento da ADPF 347, no sentido de que a superação do “estado de coisas inconstitucional”139 exige a cooperação entre os Poderes do Estado e a adoção de medidas de natureza normativa, administrativa e orçamentária, prevê a construção de parcerias do Poder Judiciário com o Poder Executivo, para a estruturação de serviços de acompanhamento das alternativas penais140. Para tanto, a Resolução estabelece como alternativas diversas da prisão, cuja medida deve ser aplicada excepcionalmente e somente nos casos previstos em lei, as seguintes: “Art. 2º. (...) I - penas restritivas de direitos; II - transação penal e suspensão condicional do processo; III - suspensão condicional da pena privativa de liberdade; IV - conciliação, mediação e técnicas de justiça restaurativa; V - medidas cautelares diversas da prisão; e VI - medidas protetivas de urgência.”141

138

Resolução CNJ nº 288, de 25 de junho de 2019. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_288_25062019_0807201916473 0.pdf>. Acesso em 03/07/2019. 139 Caracterizado pelo “quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas”. 140 “CNJ edita resolução para atualizar política do Judiciário para alternativas penais”. Jun 2019. Disponível em: <https://juristas.com.br/2019/06/26/cnj-resolucao-atualizar-judiciario/>. Acesso em 03/07/2019. 141 Resolução CNJ nº 288, de 25 de junho de 2019. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_288_25062019_0807201916473 0.pdf>. Acesso em: 03/07/2019.


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Nas palavras do Presidente do CNJ, Ministro Dias Toffoli, as pessoas podem “ser responsabilizadas de maneira mais inteligente, mais eficiente, menos custosa. Investir em alternativas penais é uma das saídas para o dramático contexto em que se acha o nosso sistema prisional”142. Sendo assim, o cerne do diploma legislativo é priorizar uma atuação restaurativa, ao invés da privação de liberdade, a fim de superar a cultura do encarceramento excessivo e desproporcional, além de concretizar os objetivos do programa Justiça Presente, assinado em outubro de 2018, por meio de parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para enfrentar a crise penal. Dentre as propostas da resolução, cite-se a construção de parcerias entre Poder Judiciário e Poder Executivo para estruturar serviços de acompanhamento das alternativas penais e para garantir o acesso dos condenados a serviços e políticas públicas de proteção social e acompanhamento médico143. Os tribunais, por sua vez, deverão criar varas especializadas em execução de penas e medidas alternativas, além de fomentar a promoção destas por meio de inclusão da temáticas nas grades curriculares nas escolas de formação e capacitação de magistrados e servidores, e do desenvolvimento de projetos e ações de conscientização destes nas unidades judiciárias voltadas à área criminal e execução penal, dentre outros144. Ademais, deverá ser desenvolvido um sistema informatizado, no qual conste as informações atualizadas sobre aplicação e execução de alternativas penais, com garantia de acesso aos vários atores envolvidos, como Ministério Público e defesa 145.

“Nova resolução atualiza política do Judiciário para alternativas penais”. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/89150-nova-resolucao-atualiza-politica-do-judiciario-paraalternativas-penais>. Acesso em: 03/07/2019. 143 Art. 4º Os órgãos do Poder Judiciário deverão firmar meios de cooperação com o Poder Executivo para a estruturação de serviços de acompanhamento das alternativas penais, a fim de constituir fluxos e metodologias para aplicação e execução das medidas, contribuir para sua efetividade e possibilitar a inclusão social dos cumpridores, a partir das especificidades de cada caso. 144 Art. 6º A criação de varas especializadas em execução de penas e medidas alternativas deverá contemplar as seguintes competências e atribuições: (...). 145 Art. 8º As informações sobre aplicação e execução das alternativas penais serão mantidas e atualizadas em sistema informatizado, pelos magistrados e servidores do Poder Judiciário, garantido o acesso ao cumpridor das medidas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao serviço de acompanhamento das alternativas penais instituído no âmbito do Poder Executivo. 142


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Por fim, a resolução ainda prevê a instituição do Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), vinculado ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, e terá entre suas atribuições o papel de definir diretrizes para a política pública do Judiciário sobre o tema, propor medidas voltadas à promoção de sua aplicação, promover e identificar boas práticas no campo das alternativas penais, com análise de dados, resultados e metodologias 146. Em arremate, enfatizando a necessidade de uma atuação integrada e conjunta dos Poderes e órgãos envolvidos na superação da cultura do hiperencarceramento e no combate à superlotação dos presídios, a Resolução assim dispõe: Art. 11. O CNJ e os tribunais articular-se-ão com o Poder Executivo, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, com a Ordem dos Advogados do Brasil e com os demais órgãos e entidades envolvidas com execução penal e política de alternativas penais, incluída a sociedade civil, com o objetivo de assegurar a ação integrada no fomento à aplicação das alternativas penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade.

Ainda sobre a temática das políticas públicas, outra medida que pode ser adotada no combate à atual crise no sistema carcerário, é a criação de novas vagas nos estabelecimentos penitenciários. Nessa seara, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima que, em 2019, serão criadas 22.616 vagas no sistema penitenciário do país, utilizando-se recursos federais e estaduais. São 45 obras em execução nas unidades prisionais dos estados. Foram disponibilizados cerca de R$ 1,1 bilhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para construção, ampliação, aprimoramento e reforma das instalações147. A fim de acelerar e concretizar a disponibilização de novas vagas, em junho de 2019, foi editada Medida Provisória pelo Governo Federal que autoriza a contratação provisória de engenheiros para dar andamento nos projetos de reforma e construção de penitenciária, cuja ação é resultado de um esforço do Departamento Penitenciário

146

Art. 9º Fica instituído o Fórum Nacional de Alternativas Penais - Fonape, vinculado ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas -DMF, com as seguintes atribuições: (...). “Depen prevê criação de mais de 20 mil vagas no sistema penitenciário em 2019”. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1562165394.62>. Acesso em 07/07/2019. 147


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Nacional (Depen) para garantir a ampliação de vagas no sistema prisional por meio da execução dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Nesse panorama, com a mão de obra reforçada, o Depen prevê 20 mil novas vagas para o ano de 2019 e mais 30 mil para 2020, com intuito de sanar um déficit de aproximadamente 350 mil vagas148. Vê-se, portanto, o importante papel desempenhado pelo Depen no sentido de melhorar a realidade do sistema prisional nos estados, a partir de investimentos para a ampliação de vagas nas penitenciárias. Outra estratégia adotada foi a criação, em 2016, de um Sistema Eletrônico de Execução Unificado (Seeu). A plataforma permite o controle informatizado da execução penal e das informações relacionadas ao sistema carcerário brasileiro em todo território nacional149. De acordo com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) 150, as ferramentas do sistema podem evitar, por exemplo, que pessoas fiquem presas além do tempo previsto. Por outro lado, no âmbito do Poder Legislativo, não obstante a legislação em si priorize os direitos fundamentais dos sentenciados, a verdade é que a realidade encontra-se distante do plano legislativo, cuja concretização no momento atual revelase praticamente impossível. Por ocasião do julgamento do RE 641320/RS, de relatoria do Eminente Ministro Gilmar Mendes, foi feito um apelo ao legislador, nos seguintes termos: Apelo ao legislador para que avalie a possibilidade de reformular a execução penal e a legislação correlata, para: (i) reformular a legislação de execução penal, adequando-a à realidade, sem abrir mão de parâmetros rígidos de respeito aos direitos fundamentais; (ii) compatibilizar os estabelecimentos penais à atual realidade; (iii) impedir o contingenciamento do FUNPEN; (iv) facilitar a construção de unidades funcionalmente adequadas – pequenas, capilarizadas; (v) permitir o aproveitamento da mão-de-obra dos presos nas obras de civis em estabelecimentos penais; (vi) limitar o número máximo de presos por habitante, em cada unidade da federação, e revisar a escala penal, especialmente para o tráfico de pequenas quantidades de droga, para “Engenheiros serão contratados para dar celeridade às obras de novas vagas no sistema prisional”. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1560875707.87>. Acesso em 07/07/2019. 149 CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-no-pais415percent-nao-tem-condenacao.ghtml>. Acesso em 07/07/2019. 150 Inclusive um dos objetivos do DMF é: “acompanhar e monitorar projetos relativos à abertura de novas vagas e ao cumprimento da legislação pertinente em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas;” (art. 1º, § 1º, V, da Lei nº 12.106/2009). 148


O R e c u r s o E x t r a o r d i n á r i o 5 8 0 . 2 5 2 / M S | 63 permitir o planejamento da gestão da massa carcerária e a destinação dos recursos necessários e suficientes para tanto, sob pena de responsabilidade dos administradores públicos; (vii) fomentar o trabalho e estudo do preso, mediante envolvimento de entidades que recebem recursos públicos, notadamente os serviços sociais autônomos; (viii) destinar as verbas decorrentes da prestação pecuniária para criação de postos de trabalho e estudo no sistema prisional151.

Feitas tais ponderações, tem-se que a resolução da questão constitucional posta requer mais do que uma simples declaração do direito aplicável. Demanda, como sistematicamente exposado neste trabalho, uma atuação coordenada e integrada de todos os poderes, mediante a adoção de medidas transformativas no âmbito do Legislativo, Executivo e Judiciário. Não se revela aceitável, portanto, que, por deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por incapacidade de o Estado prover recursos materiais que viabilizem a implementação de medidas transformativas no âmbito da execução penal, venha a ser frustrado o exercício de direitos subjetivos que são conferidos aos detentos pelo ordenamento positivo. Assim, em consonância com o princípio da vedação à proteção ineficiente, desdobramento do princípio da proporcionalidade, não basta que o Estado se abstenha de ofender os direitos fundamentais (mandamento de proibição do excesso). Mais que isso, deve adotar uma postura ativa na defesa destes, a fim de evitar que sejam ameaçados ou violados.

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RE 641.320/RS, Relator Ministro Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 11/05/2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11436372. Acesso em: 10/07/2019.


C o n s i d e r a ç õ e s F i n a i s | 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS A teoria da divisão das funções do Estado, consagrada por Montesquieu, visava combater fortemente o Absolutismo, no qual todo o poder era concentrado na mão do soberano, mediante a separação entre as funções judicial, legislativa e executiva, almejando a institucionalização de garantias para a preservação da liberdade individual contra os abusos do Estado. Com o advento do Estado Democrático de Direito, notadamente após a 2ª Guerra Mundial, supera-se a teoria de que as funções do Estado são absolutamente independentes, estanques, corroborando o surgimento da ideia de que o poder estatal é uno, objeto de um dever jurídico de atingir finalidades de interesse coletivo, na medida em que o poder é manejado exclusivamente para alcançar as finalidades públicas, sendo, portanto, instrumental. Ademais disso, no Estado Democrático de Direito, reconhece-se a preponderância da Constituição, bem como a prevalência e a efetivação dos direitos fundamentais nela previstos. Assim, para que os objetivos fundamentais da sociedade sejam atingidos, é necessária a realização de metas ou programas – políticas públicas –voltados à consecução daqueles, cuja responsabilidade recai sobre todos os órgãos do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário. Dessa forma, a teoria da divisão das funções do Estado, no contexto contemporâneo, muda de feição, tendo como premissa a ideia de que o Estado é uno e uno é o seu poder, razão pela qual as três funções devem harmonizar-se para que os objetivos fundamentais – por intermédio das políticas públicas – sejam alcançados. Outra característica marcante do Estado Democrático de Direito é a de que, quando a Constituição menciona um direito/dever fundamental, este é justicializável. Portanto, uma vez responsáveis por garantir os objetivos fundamentais, o Executivo e o Legislativo, ao omitirem-se de cumprir tal encargo, dão ensejo à ampliação da participação do Poder Judiciário no âmbito das Políticas Públicas. Este, ao exercer o controle de sua constitucionalidade, poderá intervir para implementá-las ou corrigi-las, se inadequadas. De aplicador das leis e dos códigos, o Poder Judiciário, ante a constitucionalização de ampla gama de direitos fundamentais e imbuído da responsabilidade de resguardá-los, foi alçado a uma posição de primeira grandeza, atuando como protagonista no funcionamento do Estado. Vislumbrou-se, no cenário


C o n s i d e r a ç õ e s F i n a i s | 65 brasileiro, um quadro altamente favorável ao protagonismo judicial, sobretudo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que, por sua vez, alcançou, de forma gradual, patamar de relevância e autoridade política e normativa inédita na história. O avanço das decisões da Corte Suprema sobre os outros poderes deu azo ao que se convencionou chamar de ativismo judicial. Nessa senda, a evolução do STF no que concerne ao controle jurisdicional de políticas públicas atingiu seu clímax com o julgamento da medida cautelar na ADPF 347, ao se reconhecer o “Estado de Coisas Inconstitucional” no atual sistema carcerário brasileiro. A forte violação de direitos humanos, infringindo a própria dignidade humana e o mínimo existencial justificam a atuação mais assertiva da Suprema Corte, legitimando a possibilidade desta tomar parte, na adequada medida, em decisões primariamente políticas sem que se possa cogitar de afronta ao princípio democrático e à divisão das funções do Estado. Nesse contexto, tendo como parâmetro as premissas estabelecidas por ocasião do julgamento da ADPF 347, e constatado o quadro de graves violações a direitos fundamentais dos detentos, o Supremo reconheceu, no bojo do RE 580.252/MS, a obrigação do Estado de ressarcir os danos, inclusive morais, causados àqueles, considerando que é dever deste manter em seus presídios os padrões mínimo de humanidade previstos no ordenamento jurídico. Contudo, não obstante a unanimidade da Suprema Corte quanto ao reconhecimento da responsabilidade civil extracontratual do Estado, houve divergência quanto à reparação, se em pecúnia ou se por meio de remição da pena. Feitas as devidas ponderações no desenvolvimento do estudo, conclui-se que nenhuma delas, em verdade, soluciona o problema ora analisado, uma vez que a superação da crise do sistema prisional brasileiro, para além de uma indenização pecuniária ou remição de pena, demanda uma atuação coordenada e integrada dos três Poderes, combinando, assim, o ativismo judicial estrutural com a ideia de diálogos institucionais. Com efeito, tem-se que a superação do estado de coisas inconstitucional exige a cooperação entre os poderes do Estado, a adoção de medidas de natureza normativa, administrativa e orçamentária, e formulação de políticas públicas viáveis e verdadeiramente efetivas. Outrossim, é fato que o problema não será resolvido “da noite para o dia”, e que tais propostas são custosas, entretanto, é preciso, com urgência, começar a


C o n s i d e r a ç õ e s F i n a i s | 66 formular – e pôr em prática – medidas que amenizem o atual quadro, bem como elaborar políticas públicas voltadas ao enfrentamento da superlotação. Tais medidas, por sua vez, requerem urgência, comprometimento e seriedade, sob pena de transformar nossa Carta Maior em letra morta, o que não se pode admitir. O reconhecimento da responsabilidade civil do Estado ante a violação dos direitos fundamentais nos detentos no RE 580.252/MS surge como uma vitória, tímida, porém, significante, diante do estado de coisas inconstitucional. Contudo, tal decisão, sem ação, torna-se mera folha de papel. É preciso, com urgência, proteger as minorias vulneráveis – neste caso, os detentos –, cujos direitos fundamentais são constantemente violados, tornando, assim, o país mais inclusivo e atento à dignidade humana como bem intrínseco de todo e qualquer indivíduo, bem esse a ser incessantemente protegido no seio de um Estado Democrático de Direito.


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