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Homenagem a António Sérgio (2ªparte

taria em desuso e que eu desconhecia. Acordei para a existência da prisão, que na gíria colegial daquele tempo era designada por «choça», penso que no ano seguinte, num dia em que o Batalhão todo foi convocado para um treino para uma cerimónia. O treino realizou-se no local habitual das cerimónias, nos claustros, onde entrámos a marchar, vindos do Pátio da Infia, sob o olhar atento e severo do Subdirector da altura, que nos incitava a marchar com «panache», como na época se dizia, embora já se tivesse passado século e meio sobre as invasões francesas. Enquanto alguns correspondiam ao incitamento, havia outros que nem tanto o faziam, devido ao quadro mental depressivo em que se encontravam, resultante do facto de lhes ter sido subtraída a sempre apetecida hora de recreio, substituída por uma sessão de Infia. O treino lá ia seguindo da forma habitual com o Comandante de Batalhão a dar as vozes, a que a malta correspondia com um manejo de armas mais ou menos esforçado, até que o olhar atento do Subdirector cai sobre o Aluno X, que estaria ostensivamente a esforçar-se abaixo dos mínimos expectáveis. Este Aluno X, como se verá de seguida, era de um tipo muito especial: inteligente, corajoso e frontal como poucos e também rebelde como poucos. O Subdirector, que em serviço não era homem para graças, interpelou de imediato o Aluno em causa, perguntando-lhe:

- Sr. X. Está a fazer um frete?

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Ainda a pergunta pairava no ar, quando se ouve, distintamente, no silêncio dos claustros, a resposta imediata à mesma:

- Estou sim, meu Tenente-Coronel.

Suponho que todo o Batalhão terá então pensado como eu, «temos o caldo entornado». O Subdirector mandou o Aluno X sair de imediato da formatura e presumo que apresentar-se no seu gabinete após conclusão do treino. Tal como seria de esperar o Aluno X, já terá passado essa noite na «choça», onde se manteve por alguns dias, sem que no entanto o facto o tivesse aparentemente afectado. Passou a ser mais conhecido do que já o era no Batalhão e passou a ser olhado com admiração pela malta mais nova, «aquele é que chegou para o Sub». Foi preciso activar então a prisão, usando-se para tal um pequeno quarto que existia no piso intermédio do edifício dos claustros, na sua ala Leste, do lado do Pátio dos Fâmulos, para o qual dava a janela do mesmo quarto. Foi necessário dotar a janela de grades, o que foi feito de forma expedita pelo carpinteiro, que pregou na moldura da janela umas quantas ripas na posição vertical, que, à boa maneira portuguesa, constituíam uma solução provisória, que passou a definitiva. Só conheço um testemunho fotográfico da existência desta «choça». Como seria de esperar, fui encontra-lo na «História do Colégio Militar», da autoria do historiador colegial José Alberto da Costa Matos (96/1950). Com a sua licença reproduzimos essa foto neste artigo. Nos dias de hoje não é mais possível ver esta «choça», pois a ala Leste do edifício dos Claustros sofreu uma ampliação, para o lado do pátio dos fâmulos, na década de 60 do século passado, deixando de haver janelas de um andar intermédio. Lembro-me ainda de um episódio caricato que vivi na «choça», numa altura em que nesta se hospedava um cliente do meu curso. Este Aluno tinha decidido reencarnar, dentro do Colégio, a figura lendária de Arséne Lupin, famoso fora de lei francês, dos finais do século XIX, especialista em abrir tudo o que fossem fechaduras de portas e cofres forte, por mais complexas e sofisticadas que elas fossem. O nosso «Arséne Lupin» colegial foi constituindo, aos poucos, uma considerável colecção de chaves e gazuas. Com aquela ferramenta, poucas eram as portas no Colégio que ele não conseguia ultrapassar. Dizia-se até, que ele se introduzia no gabinete do Subdirector, de onde surripiava as participações nas quais era o sujeito visado. Penso que este toque de mestre ainda hoje não está oficialmente confirmado e como ele não é do género de se gabar, penso que irá levar consigo o segredo para a tumba. Um dia, ou melhor, uma noite, as coisas não correram de feição ao nosso «Arsene Lupin», que foi apanhado nas suas deambulações por locais que teoricamente lhe eram vedados, o que acabou por o levar a ser cliente da «choça» por alguns dias. Condoído com a sua sorte, um desses dias, à hora do recreio, resolvi ir levar-lhe umas revistas que tinha conseguido arranjar. Lá me dirigi à «choça», que não tinha ninguém de guarda à mesma, bati à porta e disse lá para dentro que ia meter as revistas por baixo da porta. Estava eu agachado, a tentar introduzir as revistas, quando o «Arsene Lupin» me abre a porta calmamente e me convida a entrar. Pelos vistos, ninguém se tinha lembrado de lhe subtrair a sua panóplia de chaves e gazuas, às quais ele naturalmente continuou a dar uso. Desconheço se ele ainda hoje as guarda como recordação, ou como reserva para a resolução de qualquer eventual emergência. Depois do «Arsene Lupin» houve ainda no meu tempo outros utilizadores da «choça», incluindo um graduado que lá passou uns dias durante o período dos 5 estudos, antecedente do seu exame do sétimo ano. Tenho uma vaga ideia de ter havido uma tentativa, mal sucedida, de assalto à despensa, que terá levado o seu autor a um período de repouso forçado, de observação do Pátio dos Fâmulos através das ripas da janela. Este é um facto que eu só poderia comprovar através da consulta das ordens de serviço do Colégio. Finalmente, no meu 7º ano, houve dois alunos do 6º ano que foram também fazer umas estadias na «choça», o que acabou por dar origem ao que ficou conhecido como a greve da fome, que já tive oportunidade de descrever nas páginas de um número anterior desta nossa revista. Refiro que no meu tempo no Colégio a cama que se usava na «choça» era normal e a alimentação também não era sujeita a qualquer redução, o que já era um progres-

Pátio dos Fâmulos. Janela da «choça» assinalada por seta.

so assinalável em relação ao século XIX. Depois da minha saída do Colégio, foi publicado, em 1964, novo regulamento disciplinar, que no Artigo 40º, do Capítulo VI – PENAS DISCIPLINARES, rezava o seguinte: «As penas disciplinares aplicáveis aos alunos são, por ordem de gravidade, as seguintes:

1ª Admoestação. 2ª Corte de cabelo rente. 3ª Repreensão. 4ª Estudos suplementares. 5ª Privação de saída ou de férias até dez dias. 6ª Ordem de saída da aula ou instrução. 7ª Baixa de graduação. 8ª Reclusão até dez dias. 9ª Suspensão de frequência (mínima dez dias e máxima até final do ano). 10ª Expulsão. »

Como se pode observar, a pena de prisão continuava a ser prevista, agora com o nome de reclusão, desconhecendo eu se voltou a ser aplicada. Desconheço também, até quando a pena de prisão continuou a ser prevista no regulamento disciplinar. Se algum dos meus leitores tiver informação sobre esta matéria, que se chegue à frente e nos comunique o que sabe. Estranho na lista das penas de 1964 apresentada, a «Ordem de saída da aula ou instrução» na 6ª posição. A expulsão de uma aula não tinha em si nenhum problema, o aluno expulso até aproveitava para ir passear e apanhar sol. O pior era o que vinha a seguir, ou seja, uma participação do professor para a Direcção e a resultante pena de uns quantos fins-de-semana privado de saída. O legislador de 1964 devia estar distraído no dia em que compôs a lista. Para terminar, não resisto a informar que o citado regulamento de 1964 previa, em casos especiais, o recurso à força física para a imposição da disciplina. De facto, o Artigo 39º. do já citado Capitulo VI do mesmo regulamento rezava assim: «A formação dos alunos do Colégio Militar é orientada no sentido de obter a mais perfeita disciplina através de meios suasórios, de educação do caracter e de noção de responsabilidade. São banidos os castigos corporais, que

só em casos disciplinares de extrema urgên-

cia e gravidade poderão justificar-se.» Esta disposição, naquele tempo, não era uma coisa especialmente de estranhar, pois era uma regra assente e aceite, que um oficial, quando dava uma ordem, tinha de se fazer obedecer, fosse como fosse, nem que para tal tivesse de recorrer a «meios extremos», deixando-se à imaginação de cada um o conceito de «meios extremos». Hoje em dia, ninguém se atreveria a escrever o Artigo 39º do regulamento de 1964. Se o fizesse, as mentes «politicamente correctas» encarregar-se-iam de o crucificar. No entanto, de vez em quando, em situações mais graves de indisciplina e também de falta de educação, continua a haver gente que está mesmo a «pedi-las», como se diz na gíria.

Recordo-me que no meu tempo no Colégio tive um oficial comandante de companhia, que volta e meia, recorria à pedagogia do «estaladão», fulminante, oportuno e certeiro. Que eu me recorde, não fez um inimigo com isso. Mas isso é outra história, para contar numa próxima oportunidade.

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Homenagem a António Sérgio

José Mário Fidalgo dos Santos

253/1951

Homenagem a António Sérgio 178/1894 (2ª Parte)

ANTÓNIO SÉRGIO E O COLÉGIO MILITAR

Quando alguém como nós, Antigo Aluno do Colégio Militar, se propõe ler a obra de António Sérgio, especialmente a vasta e riquíssima obra dedicada à pedagogia, não consegue deixar de ver nela reflectida a sua própria vivência na escola que também foi a de Sérgio. Nessa obra estão presentes os mesmos valores éticos, morais e cívicos cultivados no Colégio Militar ao longo das gerações que passaram por aquela escola durante os seus 215 anos de existência.

Na Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar ficou escrito que, para além da «família de António Sérgio, os locais onde decorreu a sua infância e os estabelecimentos de ensino em que fez os seus estudos influíram no seu temperamento e no seu carácter, marcando a sua formação científica e humanística…» 1. Também a sua obra, designadamente a “Educação Cívica”, que «preconizou o Governo democrático da escola pelos próprios estudantes» 2 […] talvez pudesse ter tido por base a sua própria experiencia como Aluno do Colégio Militar e o reconhecimento das características próprias da formação que ali recebeu. Sendo certo que António Sérgio retirou o conceito de «self-government» de alguma tradição pedagógica anglo-saxónica, não é impossível que também tenha constituído importante contributo para esta sua doutrina a própria experiência de Sérgio enquanto aluno do Colégio Militar. Com efeito, é de todos conhecido o facto de os alunos do último ano do Colégio serem graduados nas respectivas companhias ficando, a partir daí, responsáveis pelos alunos mais novos.

António Sérgio manteve sempre uma relação afectiva com o Colégio Militar, de tal modo que ao desligar-se da Marinha em 2015 considerou de imediato a possibilidade de vir a tornar-se professor do Colégio, tendo para isso realizado diversas diligências que infelizmente não se vieram a concretizar.

É também essa forte relação com o Colégio Militar que se nota na correspondência que manteve ao longo de vários meses com a sua noiva, com recurso a notas e a comentários em que utiliza claramente referências ao Colégio, quer no período em que procurava ser admitido como professor, quer noutras circunstâncias mais pessoais, como nos poderemos aperceber pelos exemplos que se apresentam abaixo.

Além das muitas referências de vária ordem à sua vida enquanto oficial da marinha, António Sérgio vai fazendo nessas cartas observações sobre o seu dia-a-dia, em que aparece amiúde a presença do Colégio Militar.

Homenagem a António Sérgio

Nessa correspondência, António Sérgio abria o coração para falar das suas angústias e desilusões, confessando que «passava então a primeira crise da minha vida.». Nessas alturas, a memória da adolescência trazia-lhe recordações que o levavam a lamentar que dos «amigos do Colégio Militar tinha-me separado inteiramente, porque nenhum viera para a marinha» 3

Estas recordações, tão caras a António Sérgio, levavam-no a lembrar numa carta que do «… Colégio e da Politécnica vinha acostumado a que os professores me enchessem de homenagens, impondo-me a admiração dos condiscípulos. Lembro-me ainda que depois do meu exame de matemática na Politécnica todos que tinham sido do Colégio me fizeram uma manifestação como uma glória para eles.»

Noutro passo confessa à noiva que «era no Colégio muito vivo, revolucionário, excêntrico; deixei lenda. Os oficiais repreendiam-me muito, e castigavam-me pouco por ser o estudante que fui. Era sublimemente idealista, ingénuo e puro, absolutamente alheio a todas as realidades da vida.» Ainda noutra das cartas é revelada a sua ainda muito forte ligação á escola onde tinha sido educado – António Sérgio tinha por essa altura 26 anos – quando faz este estranho pedido a sua noiva: «Venha pois na sexta-feira, e lembre-se que vamos ficar depois muito tempo sem nos vermos. […] Adeus. Procure sempre as minhas cartas na pág. 178 dos livros (Meu antigo número do Colégio Militar)» António Sérgio viveu a certa altura uma grande angústia, fruto da sua muito referida inaptidão como militar e a necessidade premente de auferir rendimentos suficientes que lhe permitissem casar. Uma das hipóteses que se lhe colocou foi concorrer a um lugar de professor do Colégio Militar, para o que terá feito diligências junto de funcionários do Colégio. Este assunto é igualmente abordado numa carta à noiva, em que diz: «Parece-me que me decido pela geografia e história. […] Tenho que falar a um homem que chega do Bussaco nesse dia, o qual só à noite me poderá dar umas informações de que careço com urgência. É um tal Senhor Fernandes, secretário do Colégio Militar.» Noutra carta informa que irá falar com um conhecido sobre o concurso para professor: «a fim de ele me informar o que se passou no conselho escolar do Colégio Militar, que reunirá nesse dia.» Ainda quanto ao concurso de professor, continua António Sérgio a dar notícias nas suas cartas. Desta vez trata-se da escolha das disciplinas a leccionar, em que Sérgio está indeciso, informando que «no Colégio o estudo da geografia, segundo ele me disse (tem lá um filho) está desorganizado completamente, sem decidirem entre a orientação moderna e a orientação antiga, que me impingiram em menino.» Todas as possibilidades foram consideradas por António Sérgio para conseguir concretizar a colocação no Colégio Militar que lhe poderia aumentar os rendimentos com vista ao casamento. É isso mesmo que se entende neste texto de uma carta à sua jovem noiva: «Ainda bem que o teu Pai já gosta da ideia do Colégio [Militar]. Como tenho pouca esperança de ficar, receio que ele me passe a medir o valor pelo insucesso.» Não saíam do pensamento do autor as diligências para conseguir a sua colocação no Colégio: «Encontrei hoje pela primeira vez desde o Colégio um condiscípulo que me disse ser impossível que me preferissem outro, mas que eu fazia mal em me meter no professorado: achava que o meu destino era ser … “o Pierre Loti português”!!» 17

Como Antigo Aluno, António Sérgio continuava a ter uma relação próxima com o Colégio Militar, de tal forma que se decidiu a apresentar, numa carta dirigida à revista “O Colégio Militar”, uma proposta para que fosse criada uma associação de Antigos Alunos, aproveitando-se a «prática de camaradagem entre os alunos do Colégio Militar», reconhecendo que o facto de terem sido seus alunos «estabelece sempre entre dois homens (por muito grandes que possam ser as diferenças de idade e situação social) um laço de simpatia e de solidariedade, uma certa corrente de entendimento mútuo.». Acrescentava Sérgio que «essa solidariedade, creio eu, é uma reserva de força moral que tem sido sempre desaproveitada, e que poderia, com uma organização conveniente, prestar serviços grandes ao país. Organizassem-se os antigos alunos numa activa associação, com objectivos cívicos bem definidos, bem concretos, e algo belo se poderiam fazer.». E a Associação criou-se, sempre com o «interesse e a simpatia de Sérgio», como mais tarde os ex-alunos seus contemporâneos tiveram oportunidade de reconhecer.

ANTÓNIO SÉRGIO PEDAGOGO

«A reflexão sobre as questões educacionais e pedagógicas tem desde cedo um lugar central na vida e na obra de António Sérgio» António Sérgio não chegou a exercer quaisquer actividades docentes de forma permanente e oficial, a não ser por curtos períodos, embora a partir da sua demissão da Marinha de Guerra, tenha procurado concorrer a um lugar de professor de Geografia no Colégio Militar, o que acabou por não se concretizar porque, entretanto, o respectivo concurso foi anulado. Mesmo não tendo experiência directa como professor, António Sérgio nunca deixou de se envolver em discussões teóricas sobre questões educacionais, o que o levou a frequentar na Universidade de Genebra na Suíça, o Institut Jean-Jacques Rousseau, cujas lições com o psicólogo e pedagogo Claparède, de quem ficou amigo, o levaram a tornar-se um intransigente defensor das correntes pedagógicas da escola activa. Como defendia António Sérgio, apoiando-se na importância que os problemas educacionais tinham para si, seria através da educação que se deveria operar a transformação da sociedade portuguesa numa

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Homenagem a António Sérgio

verdadeira democracia, por oposição ao regime sócio-económico que vinha da primeira república. Segundo Sérgio, uma ideia fundamental aplicada à educação cívica seria «o de habituar as crianças à acção municipal, à própria vida da cidade, à exerção dos seus futuros direitos de soberania, de self-government». Para isso era necessário que a escola «formasse um verdadeiro município, sob a assistência, o conselho, a colaboração discreta dos professores. Desta maneira a participação dos estudantes no governo da escola será bem maior…»

Este método de educação, a que Sérgio dedicou grande parte da sua tarefa como pedagogo, parte da «ideia de que se não pode adestrar uma criança para o dever social sem a fazer quinhoeira de uma vida de sociedade». Deve por isso ser a escola a fornecer-lhe «condições para genuínos actos sociais, aos que depois, adulto, encontrará. É necessário «que o aluno se habitue a cooperar pelo bem de uma comunidade e que a escola reproduza, o mais possível, a estrutura da vida social adulta.» Tal como foi sendo esclarecido por Sérgio, tendo o jovem de obedecer a uma «governação de que […] não participa, amolda um futuro cidadão que aguentará apaticamente todas as bandalheiras, todos os abusos, todas as traficâncias dos políticos de profissão» O objectivo do sistema defendido por António Sérgio seria portanto o de levar a «rapaziada (sic) às responsabilidades do civismo, à faculdade de legislar, à obediência das leis, votadas, a obrigar os outros a cumpri-las, a tomar parceria nos problemas judiciários, e à consciência dos seus deveres para com os outros cidadãos» Desta forma, diz Sérgio, irá o «”município-escola” instalar os estudantes nas reais condições da existência social, para os fazer à benevolência, à generosidade, à honradez, à clara consciência dos deveres do cidadão; ao mesmo passo que se propõe desenvolver o altruísmo, almeja criar reformadores (personalidades que saiam da escola para a vida animadas a combater pela acção todos os maus costumes sociais e todas as formas de corrupção política)». Irá servir também este sistema para «convencer os jovens de que a quem ataca um vício ou um delito o não devemos classificar como um “espião” ou um “denunciante”, mas como um membro leal da sociedade, executor do seu dever para com ela e corajoso defensor do seu bem-estar.» Ao contrário da escola passiva, com o self-government os alunos passam a ser «responsáveis pelo exemplo que dão aos camaradas – influxo mais fecundo que o do mestre, o desse exemplo, por serem as crianças mais influenciadas pelos condiscípulos que pelo mestre.» Após a instalação do método do município-escola, «segue-se a vida, com as suas necessidades, suas adaptações, suas contingências, e o estabelecimento das regras não escritas mas vividas de uma comunidade que quanto mais reproduzir a realidade adulta mais será educativa.» Num texto recente sobre o futuro do Colégio Militar, um ex-aluno exprimiu deste modo o que António Sérgio também entendia dever ser a escola: «Aquilo que eu, à falta de outro nome mais adequado, chamarei de “experiência precoce de cidadania”, decorre do facto de o Batalhão ser comandado pelos alunos mais velhos, o que induz o sentimento de “pertença ao grupo” e a interiorização das obrigações e dos direitos daí decorrentes.» Finalmente, o Guia do Aluno estabelece com toda a clareza que o Aluno do Colégio Militar está integrado numa «cultura de cidadania capaz de fomentar os valores da dignidade da pessoa humana, da democracia, do exercício responsável da liberdade individual e da identidade nacional»

Tendo procedido a esta leitura do que foi o pensamento do pedagogo António Sérgio, podemos então agora enquadrar os valores e princípios do Colégio Militar, tal como estão expressos no seu Guia do Aluno, à luz do sistema educacional defendido pelo nosso autor:

VALORES E PRINCÍPIOS DO COLÉGIO MILITAR

«São vetores principais da educação no Colégio Militar, o culto e o desenvolvimento nos alunos do respeito pelos outros e os atributos da solidariedade, autoestima, autonomia, coragem, lealdade e responsabilidade que, aliados a uma boa preparação intelectual, física e moral, permitem

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