EURP 2011 (1) Jan-Mar

Page 1

ISSN 2175-2338

www.eurp.edu.br

Volume 3 n. 1 – Jan/Mar 2011


EURP

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Editor Científico Wellington de Paula Martins Editor Executivo Francisco Mauad Filho

Conselho Editorial Adilson Cunha Ferreira

João Francisco Jordão

Augusto César Garcia Saab Benedeti

Jorge Garcia

Carlos César Montesino Nogueira

Jorge Renê Arévalo

Carolina Oliveira Nastri

José Eduardo Chúfalo

Daniela de Abreu Barra

Luis Guilherme Nicolau

Fernando Marum Mauad

Procópio de Freitas

Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta

Simone Helena Caixe

Gerson Cláudio Crott

Secretária Executiva Amanda Aparecida Vieira Fernandes

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011


Expediente Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives – EURP

ISSN 2175-2338

Publicação oficial da EURP Escola de Ultra-Sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto

Diretor Presidente

Diretor Administrativo

Francisco Mauad Filho

Francisco Mauad Neto

Diretor de Pesquisa

Presidente do Departamento Científico

Fernando Marum Mauad

Wellington de Paula Martins

Secretária Geral

Bibliotecária

Janete Cristina Parreira de Freitas

Amanda Aparecida Vieira Fernandes

Responsável pelo Setor Gráfico

Responsável pelo Setor de Multimídia

Michel da Silva

Ricardo Tostes

Professores Adilson Cunha Ferreira

José Augusto Sisson de Castro

Augusto César Garcia Saab Benedeti

José Eduardo Chúfalo

Carlos César Montesino Nogueira

Heitor Ricardo Cosiski Marana

Daniela de Abreu Barra

Luiz Alberto Manetta

Fernando Marum Mauad

Luis Guilherme Carvalho Nicolau

Francisco Mauad Filho

Márcia Regina Ferreira Patton

Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta

Procópio de Freitas

Gerson Claudio Crott

Simone Helena Caixe

Jorge Garcia

Wellington de Paula Martins

Jorge Renê Garcia Arévalo


SUMÁRIO EURP v. 3, n. 1, p 1-37 – Jan/Mar 2011

ISSN 2175-2338

O sistema BI-RADS na ultrassonografia 1

The BI-RADS system in ultrassonography Valéria de O Dias, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Diagnóstico ecocardiográfico da miocardiopatia hipertrófica

7

Echocardiographic diagnosis of hypertrophic cardiomyopathy Marcos Christensen, Wellington P Martins

Diagnóstico pré-natal da hérnia diafragmática congênita

11

Prenatal diagnosis of congenital diafragmatic hernia Josilene de M Lobato, Carolina O Nastri, Francisco Mauad Filho, Wellington P Martins

A utilização da ecocardiografia na unidade de terapia intensiva 16

para avaliação de hipovolemia The use of echocardiography in the intensive care unit for evaluation of hypovolemia John P Taves, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Ictiose Harlequim - relato de caso

21

Harlequim ichthyosis - case report Bernardo TL Soares, Gisele G B Carvalho, Karen B de Vasconcelos, Carolina O Nastri, Francisco Mauad Filho, Wellington P Martins

Incontinência urinária de esforço: o papel da ultrassonografia

24

Stress urinary incontinence: the role of ultrasonography Chayra B Gusmão, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011


Síndrome da transfusão feto-fetal: uma visão geral Twin-twin transfusion syndrome: an overview

Andréa M de Oliveira , Carolina O Nastri, Francisco Mauad Filho, Wellington P Martins Ultrassonografia no trauma agudo Acute trauma ultrassonography

Cristiane Chame, Wellington P Martins

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

27

32

EURP 2011


Artigo de Revisão O sistema BI-RADS na ultrassonografia The BI-RADS system in ultrassonography Valéria de O Dias1, Carolina O Nastri1, 2, Wellington P Martins 1, 2

O câncer de mama é o câncer mais comum e a segunda causa mais freqüente de óbito por neoplasias em mulheres, representando elevada mortalidade também no Brasil. O emprego da ultrassonografia mamária requer uma metodologia correta, experiência adequada e respeito rigoroso aos parâmetros técnicos. A não observação desses pressupostos pode condicionar negativamente a informação ecográfica ou mesmo ser causa de erro, tendo em vista a grande variabilidade inter e intra-observador na caracterização de imagens. O objetivo deste trabalho é a revisão da literatura quanto à validade e reprodutibilidade do sistema BI-RADS ultrassonográfico como ferramenta de auxílio no diagnóstico de lesões benignas e malignas. Palavras-chave: Ultrassonografia Mamária; Câncer de Mama; Reprodutibilidade dos Testes.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 01/03/2011, aceito para publicação em 17/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Breast cancer is the most common cancer and the second most frequent cause of death from cancer in women, also accounting for high mortality in Brazil. Breast ultrassonography requires the use of a correct methodology, appropriate examinor’s experience and strict adherence to technical parameters. Failure to observe these steps can mislead the information retrieved by ultrasonography and be the cause of bias considering the wide variability inter and intraobserver in the characterization of images. The aim of this study is to do a literature review of BI-RADS in ultrasound as a tool in the diagnosis of benign and malignant lesions. Keywords: Ultrasonography, Mammary; Breast Neoplasm; Reproducibility of Results.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011; 3(1): 1-6


2

Dias et al – BI-RADS ultrassonográfico Introdução O câncer de mama é o câncer feminino mais prevalente no mundo sendo responsável por 22% de todos os casos novos CE câncer mundialmente. No Brasil, estima-se que em 2010 ocorreram 49.240 novos casos e que, em 2008, 11.735 mulheres e 125 morreram em conseqüência do câncer de mama 1. Em geral, considera-se o câncer de mama como sendo de bom prognóstico com sobrevida média mundial chegando a 61% em cinco anos. No Brasil a taxa de morte por este câncer continua elevada, possivelmente em razão do diagnóstico em estágios mais avançados 1. A mamografia é a única técnica diagnóstica que comprovadamente contribui para a detecção precoce e redução da mortalidade por câncer de mama, contudo, a acurácia deste exame depende da composição do parênquima mamário e das características do tecido tumoral 2. Na busca do diagnóstico cada vez mais precoce desta afecção, a associação de métodos diagnósticos tem sido utilizada com muito êxito. A ultrassonografia mamária diagnóstica e intervencionista tem grande participação como exame complementar à mamografia e à clínica, tornando-se um método valioso e bem estabelecido no diagnóstico das doenças mamárias 2. Embora a ultrassonografia mamária tenha sido usada historicamente para diferenciar lesões sólidas de líquidas, é crescente o interesse para a diferenciação de massas benignas de malignas 3. Também se tornou ferramenta valiosa na caracterização de nódulos encontrados na mamografia, evitando, dessa forma, a realização de biópsia desnecessária e eliminando a necessidade de mamografia de controle 4. A sensibilidade da ultrassonografia mamária tem sido referida como sendo superior à da mamografia em mamas prémenopausal e, recentemente, o rastreamento ultrassonográfico tem sido também recomendado para mamas densas 5. Léxico Um léxico padronizado para ultrassonografia foi desenvolvida em 2003 pelo Colégio Americano de Radiologia (ACR) em função da crescente utilização da ultra-sonografia na prática clínica6. Como sua contraparte de mamografia, o léxico BI-RADS sonográfico foi concebido para proporcionar uma linguagem unificada de comunicação ultrassonográfica e de investigação além de evitar ambigüidade na comunicação e no ensino da interpretação ultrassonográfica. Uma descrição mais completa pode ser encontrada na Tabela 1. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Na diferenciação de nódulos malignos e benignos, o sistema BI-RADS ainda é controverso, já que o ultrassom não tem a função de distinguir lesão maligna de benigna, devido à grande sobreposição dos achados. O seu papel, nesse cenário, seria selecionar casos de lesões provavelmente benignas (BI-RADS categoria 3) que não necessitariam de biópsia, mas apenas de seguimento em 6 meses 7, 8. Os exames (e não as lesões) são então classificadas de 0 a 6 (Tabela 2). Segundo o American College of Radiology 9, a categoria 3 do BI-RADS ultrassonográfico é preconizada para nódulos provavelmente benignos, com forma arredondada ou oval, margens circunscritas e de orientação paralela com uma possibilidade de menos de 2% de malignidade. Para este grupo, recomenda-se seguimento em menor intervalo de tempo. Estão incluídos nesta categoria os cistos complicados e nãopalpáveis e conglomerado de microcistos. Os nódulos classificados como BI-RADS 3 que apresentarem aumento significativo ou surgimento de outra característica suspeita, passam para a categoria 4. Valores preditivos Um estudo avaliou os valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) dos recursos descritos pelo léxico ultrassonográfico BI-RADS em massas sólidas com diagnóstico histológico conhecido 7. Foram analisadas 403 lesões sólidas por um radiologista experiente e destas, 141 (35%) tinham o diagnóstico definitivo de malignidade. Dentre os descritores utilizados para diferenciação ultrassonográfica das massas sólidas entre benignas e malignas, verificou-se que: 84% dos 237 nódulos com superfície oval eram benignos e 62% dos nódulos com superfície irregular eram malignos; 90% dos 178 nódulos com margem circunscrita eram benignos e 67% dos nódulos com superfície angular ou espiculada eram malignos; dos 294 nódulos com orientação paralela, 78% eram benignos e dos 109 nódulos com orientação nãoparalela, 69% eram malignos; quanto à presença de reforço acústico posterior, esta característica foi encontrada em 85 nódulos, sendo que 67% deles foi comprovada benignidade; já a presença de sombra acústica posterior foi mais prevalente nos nódulos malignos; 342 nódulos não tiveram limites precisos e 71% deles eram benignos e 29% malignos, já a presença de halo ecogênico delimitando a massa, encontrado em 61 nódulos, foi fortemente associado a malignidade (70%); 100% dos 06 nódulos hiperecogênicos eram benignos, porém, 60% dos 324 nódulos hipoecogênicos também eram benignos, contra 40% malignos. EURP 2011; 3(1): 1-6


3

Dias et al – BI-RADS ultrassonográfico Em outro estudo foi descrito VPP de 51% para as lesões classificadas como categoria 4 e de 96% para as

lesões classificadas na categoria 5 10.

Tabela 1. Léxico ultrassonográfico completo conforme publicação do Colégio Americano de Radiologia em 2003 6. Critério Característica Descrição Massas

Oval

Orientação

Redonda Irregular Paralela Não paralela Circunscrita

Margem

NC: Indistinta NC: Angular NC: Micro-lobulada NC: Espiculada Limites

Interface abrupta Halo ecogênico

Padrão dos ecos

Características acústicas posteriores

Tecido adjacente

Calcificações (se presentes)

Anecóico Hiperecóico Complexo Hipoecóico Isoecogênico Sem características acústicas posteriores Reforço Sombra Padrão combinado Alterações ductais Alterações nos ligamentos de Cooper Edema Distorção arquitetural Espessamento de pele Retração ou irregularidade da pele Macro-calcificações Micro-calcificações fora da massa Micro-calcificações dentro da massa

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Em forma elíptica, pode conter 1 ou 2 lobulações (macrolobulada) Esférica De forma que não seja oval ou redonda Eixo longo da lesão paralelo à pele Eixo longo não orientado com a linha da pele Bem definida e regular, com transição abrupta entre a lesão e o tecido ao redor. Sem demarcação clara entre a lesão e o tecido ao redor. Alguma ou todas as margens possuem formato de um ângulo agudo. Ondulações cíclicas curtas nas margens conferindo aparência recortada. A margem é caracterizada por linhas cortantes que se projetam para fora da massa. A demarcação abrupta entre a lesão e o tecido adjacente pode ser imperceptível ou vista como um halo ecogênico bem definido de qualquer espessura. Não há demarcação abrupta, a lesão é cercada por uma zona de transição ecogênica mal-delimitada. Sem ecos internos Ecogenicidade maior que a gordura ou similar ao tecido fibroglandular Contém componentes anecóicos e ecogênicos Menos ecogênico que a gordura Mesma ecogenicidade que a gordura Aumento dos ecos posteriormente à lesão Diminuição dos ecos posteriores, excluem-se as sombras dos limites da lesão Sombra e reforço Calibre anormal e/ou ramificações Endireitamento ou espessamento Ecogenicidade aumentada Ruptura dos planos anatômicos normais Focal ou difuso; maior que 2mm exceto pelas áreas periareolares e na proximidade do sulco mamário A superfície da pele encontra-se côncava ou retraída > 0,5mm Foco ecogênico que não ocupa todo o feixe sonoro e não provoca sombra posterior (< 0,5mm) Foco pontual e hiperecogênico em uma massa hipoecóica EURP 2011; 3(1): 1-6


4

Dias et al – BI-RADS ultrassonográfico Casos especiais

Micro-cistos agrupados Cistos complicados Corpo estranho

Vascularização

Massa localizada na pele Linfonodos intramamários Linfonodos axilares Ausente ou não investigada Presente na lesão Presente imediatamente adjacente à lesão Aumentada difusamente nas adjacências da lesão

Grupamento de focos anecóicos <2-3mm de diâmetro separados por septações delgadas (<0,5mm) sem um componente sólido distinto. Presença de ecos internos de baixo grau; podem conter níveis correspondente a fluído-flúido ou fluído-bebris que mudam conforme a posição do paciente Clipes de marcação, fios, pedaços de cateteres, silicone, metal/vidro decorrente de trauma Cistos de inclusão epidérmicos, quelóides, neurofibromas Forma de rim com hilo ecogênico e córtex hipoecogênico Forma de rim com hilo ecogênico e córtex hipoecogênico

NC= não circunscrita

Acurácia A acurácia da classificação BI-RADS atribuída aos achados ultrassonográficos estudada através da análise retrospectiva de 2.462 ultrassonografias 11. Destas, 24% foram realizadas devido à presença de massa palpável, 22% como forma de rastreamento, 21% para seguimento de achados ultrassonográficos prévios, 15% para seguimento após tratamento de câncer de mama, 11% para complementar avaliação mamográfica e 6% em razão de história familiar de câncer. A evolução foi avaliada pelos exames subseqüentes e por biópsias, quando indicado. Os autores obtiveram acurácia semelhante à da mamografia Seus resultados demonstraram que 19,9% dos pacientes tiveram categorização ultrassonográfica BI-RADS 3 e destes, 17,1% tiveram estudo histológico viável, sendo que apenas 1,2% dos nódulos eram malignos. Neste estudo nenhum caso de câncer foi observado para as categorias 0, 1 e 2. Dentre as lesões classificadas como 3, 17% foram submetidas à biópsia sendo que câncer foi identificado e 1,2% do total desta categoria. Das lesões classificadas como 4, 43,1% foram submetidas à biópsia e câncer foi identificado em 17% dos pacientes desta categoria. Dos exames classificados como 5, 75,2% foram investigado com biópsia e malignidade foi diagnosticada em 94% do total desta categoria. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Reprodutibilidade O estudo da reprodutibilidade de um método diagnóstico mostra o quanto de variação inerente ao método pode ser esperado. Através do estudo da reprodutibilidade intra-observador da ultrassonografia mamária avalia-se o quanto de variação pode ocorrer quando um mesmo paciente é examinado pelo mesmo operador em momentos distintos. Já através do estudo da variabilidade interobservador estima-se o quanto a descrição de um exame ultrassonográfico pode variar quando feito no mesmo paciente e nas mesmas condições, mas realizada por dois examinadores diferentes. Em um estudo 10 que avaliou a concordância entre quatro examinadores ao analisar retrospectivamente e classificar no sistema BI-RADS a documentação de ultrassonografias de 150 lesões mamárias, observouse que a maior concordância entre esses dois examinadores se deu quando da classificação da categoria 5 (kappa 0,71). Para a classificação nas categorias 3 e 4 a concordância foi menor (kappa 0,62). Quando avaliadas as características das massas a concordância encontrada varia de fraca a substancial, diferindo muito entre os estudos 2, 10. Indicação de biópsias na classificação BI-RADS 3 A capacidade da ultrassonografia em descartar a realização de procedimentos desnecessários está entre as maiores vantagens da ultrassonografia 10. O EURP 2011; 3(1): 1-6


5

Dias et al – BI-RADS ultrassonográfico VPN da categoria 3 - ou seja, a chance de uma lesão desta categoria ser benigna - varia entre 95% e 100% 10, 12 . Apesar de uma baixa probabilidade de malignidade, existe a possibilidade de indicação de biópsia para lesões classificadas como BI-RADS 3. Isto

geralmente ocorre em razão de ansiedade de médicos e pacientes, além da possibilidade de discordância entre laudos ultrassonográficos.

Tabela 2. Classificação em categorias dos exames de ultrassonografia mamária conforme publicação do Colégio Americano de Radiologia em 2003 9. Classificação Comentário 0 - Incompleta Necessária avaliação adicional de imagem antes da categorização final Classificação final Comentário 1 - Negativa Nenhuma lesão encontrada; seguimento rotineiro 2 - Achado benigno Nenhuma característica maligna; seguimento rotineiro (conforme idade e características clínicas) 3 - Achado provavelmente benigno Malignidade é altamente improvável (seguimento em curto prazo) 4 - Anormalidade suspeita Baixa a moderada probabilidade de câncer; considerar realização de biópsia 5 - Altamente sugestivo de malignidade Altíssima probabilidade de câncer; considerar ação apropriada ao caso 6 - Câncer conhecido Biópsia anterior com diagnóstico de malignidade

Considerações finais Ultrassonografia mamária é uma modalidade de imagem complementar à mamografia indispensável, e que tem feito progressos significativos. Entretanto, não há técnica que possa garantir um desempenho de 100% em qualquer diagnóstico. Devido à freqüência da sobreposição dos sinais radiológicos e ecográficos, lesões mamárias indicativas de malignidade detectadas na ultrassonografia têm sido examinadas com biópsia. Grande número de biópsias ainda é realizado para lesões benignas e provavelmente benignas (BI-RADS 3) devido a vários fatores. Dentre eles, é possível citar o temor dos pacientes, da incerteza dos médicos ou devido a protocolos padrões. Melhorias no diagnóstico ultrassonográfico foram obtidas com a introdução, pelo ACR, da classificação BI-RADS, que auxilia o radiologista na descrição das características sonográficas e definem a avaliação final em categorias associadas ao melhor manejo clínico dos casos. A avaliação ultrassonográfica das mamas utilizando a classificação BI-RADS é um método que ganha espaço na diferenciação de lesões benignas de malignas e, espera-se com isso, a redução no número de procedimentos mamários invasivos. Referências

http://www1.inca.gov.br/estimativa/2010/index.asp?link=conteu do_view.asp&ID=1. Accessed 04/03/2011, 2011. 2. Lazarus E, Mainiero MB, Schepps B, Koelliker SL, Livingston LS. BI-RADS lexicon for US and mammography: interobserver variability and positive predictive value. Radiology 2006;239:(2):385-391. 3. Schroeder RJ, Bostanjoglo M, Rademaker J, Maeurer J, Felix R. Role of power Doppler techniques and ultrasound contrast enhancement in the differential diagnosis of focal breast lesions. Eur Radiol 2003;13:(1):68-79. 4. Leconte I, Feger C, Galant C, Berliere M, Berg BV, D'Hoore W, et al. Mammography and subsequent whole-breast sonography of nonpalpable breast cancers: the importance of radiologic breast density. AJR Am J Roentgenol 2003;180:(6):1675-1679. 5. Athanasiou A, Tardivon A, Ollivier L, Thibault F, El Khoury C, Neuenschwander S. How to optimize breast ultrasound. Eur J Radiol 2009;69:(1):6-13. 6. ACR ACoR. ACR BI-RADS®–US Lexicon Classification Form. Available at: http://www.acr.org/SecondaryMainMenuCategories/quality_safet y/BIRADSAtlas/BIRADSAtlasexcerptedtext/BIRADSUltrasoundFirstE dition/ACRBIRADSUSLexiconClassificationFormDoc1.aspx. Accessed 04/03/2011. 7. Hong AS, Rosen EL, Soo MS, Baker JA. BI-RADS for sonography: positive and negative predictive values of sonographic features. AJR Am J Roentgenol 2005;184:(4):1260-1265. 8. Kelly KM, Dean J, Lee SJ, Comulada WS. Breast cancer detection: radiologists' performance using mammography with and without automated whole-breast ultrasound. Eur Radiol 2010;20:(11):2557-2564. 9. ACR ACoR. Assessment categories - BI-RADS® – US. Available at: http://www.acr.org/SecondaryMainMenuCategories/quality_safet y/BIRADSAtlas/BIRADSAtlasexcerptedtext/BIRADSUltrasoundFirstE dition/AssessmentCategoriesDoc2.aspx. Accessed 04/03/2011.

1. INCA MdS. Estimativas 2010: Incidência de Câncer no Brasil. Available at:

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011; 3(1): 1-6


6

Dias et al – BI-RADS ultrassonogråfico 10. Lee HJ, Kim EK, Kim MJ, Youk JH, Lee JY, Kang DR, et al. Observer variability of Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) for breast ultrasound. Eur J Radiol 2008;65:(2):293-298. 11. Heinig J, Witteler R, Schmitz R, Kiesel L, Steinhard J. Accuracy of classification of breast ultrasound findings based on criteria used for BI-RADS. Ultrasound Obstet Gynecol 2008;32:(4):573-578.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

12. Graf O, Helbich TH, Fuchsjaeger MH, Hopf G, Morgun M, Graf C, et al. Follow-up of palpable circumscribed noncalcified solid breast masses at mammography and US: can biopsy be averted? Radiology 2004;233:(3):850-856.

EURP 2011; 3(1): 1-6


Artigo de Revisão Diagnóstico ecocardiográfico da miocardiopatia hipertrófica Echocardiographic diagnosis of hypertrophic cardiomyopathy Marcos Christensen 1, Wellington P Martins 1, 2

A miocardiopatia hipertrófica é uma doença do músculo cardíaco de origem genética. Apresenta uma herança autossômica dominante com penetração variável na população atingida. A incidência é estimada em 1:500 pessoas, sendo a causa mais comum de morte súbita de origem cardiovascular em adultos jovens. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da literatura e apresentar os critérios ecocardiográficos utilizados para estabelecer um diagnóstico mais preciso. Palavras-chave: : Miocardiopatia hipertrófica; Ecocardiograma.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 10/03/2011, aceito para publicação em 20/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Hypertrophic cardiomiopathy is a genetic disease of the heart muscle. This condition follows an autosomic dominant heritage with variable penetrance in the affected population. The estimated incidence is 1:500. Hypertrophic cardiomiopathy is the most common cause of sudden cardiac death in young adults. This paper proposes to review the pertinent literature on the subject and shows the echocardiographics criteria for its diagnosis. Keywords: Cardiomyopathy, Echocardiography.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Hypertrophic;

EURP 2011; 3(1): 7-10


8

Christensen & Martins – Miocardiopatia hipertrófica Introdução A miocardiopatia hipertrófica (MH) caracteriza-se pela hipertrofia simétrica ou assimétrica do miocárdio ventricular, geralmente com predomínio no septo interventricular (SIV). Oocorre na ausência de hipertensão ou doença valvular e pode estar associada à obstrução dinâmica da via de saída 1. Estima-se que a ocorrência de hipertrofia ventricular esquerda sem causa cardiovascular seja de 1:500 na população geral 2. Embora esta incidência refira-se a todas as causas de hipertrofia ventricular esquerda e não somente miocardiopatia hipertrófica. É uma doença genética, com padrão de transmissão autossômico dominante3, poligênica, com diversas mutações reconhecidas. É a principal causa de morte súbita em atletas e jovens, sendo de grande relevância clínica4. Embora a miocardiopatia hipertrófica seja uma doença crônica e sem cura, com o uso de diversos recursos terapêuticos é possível a convivência com a doença. Entre os exames disponíveis, o método diagnóstico de eleição na miocardiopatia hipertrofia é o ecocardiograma, por ser acessível em razão do custo baixo e de não ser um exame invasivo. Além de um importante papel no diagnóstico desta patologia, o ecocardiograma é essencial ao acompanhamento clínico e avaliação do efeito do tratamento nos pacientes acometidos. Diagnóstico ecocardiográfico Os primeiros critérios ecocardiográficos de miocardiopatia hipertrófica foram usando o modo-M e incluem, além da hipertrofia septal assimétrica, o movimento anterior sistólico da valva mitral, a imobilidade do septo interventricular, a diminuição da cavidade do VE e o fechamento prematuro da valva aórtica 5. Atualmente, o diagnóstico é estabelecido de forma fácil e confiável com ecocardiografia bidimensional (2D) na presença do ventrículo esquerdo hipertrofiado e sem dilatação de sua cavidade; e na ausência de outras doenças que justifiquem tal quadro6. Em pacientes de risco aumentado para esta afecção (famílias com histórico de miocardiopatia hipertrófica) é atualmente recomendado que se realize o ecocardiograma anualmente, dos 12 aos 18 anos e, posteriormente em intervalos de 05 anos 5. A seguir estão descritos detalhadamente os critérios utilizados para o diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica. Hipertrofia de ventriculo esquerdo A espessura anormal do septo ou da parede posterior é definida como maior de 15mm ou, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

quando a relação entre septo e parede posterior for maior que 1,3. Em alguns pacientes, a hipertrofia não se manifesta até o inicio da adolescência e, pode aumentar de forma acelerada até o fim da fase de crescimento 7. O uso de ecocardiografia em 600 pacientes demonstrou variações nas dimensões de 15 até 52 mm, em média 22mm. O septo interventricular anterior esteve envolvido em 96% dos casos, seguido pelo septo interventricular posterior (66%) e parede lateral livre de VE (42%)8. Em somente 5% dos pacientes notou-se apresentação simétrica da hipertrofia isto é, proporcional em todos os segmentos de VE 9. A forma apical da miocardiopatia hipertrófica é relativamente rara em nosso meio, atingindo menos de 10% dos pacientes10. Vários fatores técnicos são responsáveis por pequena variação nas medidas realizadas, devendo esta variação inerente ao exame ser considerada na avaliação clínica 11. Obstrução ao fluxo de saída do ventrículo esquerdo e movimentação sistólica anterior da valva mitral. A obstrução dinâmica de via de saída de ventrículo esquerdo está presente em aproximadamente 25% dos casos. A obstrução ocorre anteriormente devido à hipertrofia do septo interventricular na via de saída de VE e posteriormente pela cúspide anterior da valva mitral. Em alguns paciente a obstrução se dá após manobras provocativas (valsalva, nitratos, atividades físicas)12. A cúspide anterior da valva mitral em muitos casos encontra-se aumentada e alongada, levando a alterações na geometria da via de saída de VE 12. Nesta situação, pode haver a movimentação anterior da cúspide da mitral. Esta movimentação pode ser graduada em leve (a cúspide se move anteriormente, porém não toca o septo interventricular), moderado (leve contato da cúspide no septo) ou acentuado (contato por mais de 30% do tempo da sístole ventricular)13. Insuficiência mitral A miocardiopatia hipertrófica leva à regurgitação mitral em 45 a 75% dos casos, tanto na forma obstrutiva como na não obstrutiva. Este refluxo aparece tardiamente na sístole e é explicado por alterações na coaptação da valva e também por modificações na anatomia e funcionamento dos músculos papilares 14. Cavidade ventricular esquerda A cavidade ventricular esquerda está quase sempre normal ou diminuída. Podendo estar aumentada nos estágios finais da patologia, quando a disfunção sistólica esta quase sempre associada. EURP 2011; 3(1): 7-10


9

Christensen & Martins – Miocardiopatia hipertrófica Comum também é o achado de alterações diastólicas, sendo a padrão de relaxamento alterado o mais freqüentemente encontrado, porém nas formas mais graves pode ser encontrado o padrão pseudo-normal ou, até o restritivo. Freqüente também, é o achado de aumento de átrio esquerdo, devido ás alterações diastólicas e ao refluxo mitral15. O Doppler tecidual é uma ferramenta diagnóstica para avaliação destes pacientes. O índice da velocidade de enchimento transmitral (E/Ea septal), demonstrou-se capaz de predizer a possibilidade de uma evolução clínica adversa16.

pode afetar o miocárdio de forma mais difusa do que a doença isquêmica do coração. Esta informação permite a detecção e tratamento da disfunção miocárdica em um estágio inicial, que é de importância clínica elevada. Remodelamento hipertrófico fisiológicos observados em atletas difere da hipertrofia patológica do miocárdio, que pode ser causada por hipertrofia compensatória reativa devido à sobrecarga de pressão em pacientes com alguma patologia de base.

Diminuição mobilidade septal Na sua forma idiopática, a miocardiopatia hipertrófica é responsável pela vasta maioria dos casos. Porém, existem algumas doenças que levam à miocardiopatia hipertrófica, como as endócrinas (hipotireoidismo, acromegalia, feocromocitoma), os erros inatos do metabolismo (Pompe e Fabry) e as neuromusculares (neurofibromatose, síndrome de Leopard). As formas secundárias são geralmente acompanhadas de disfunção sistólica 17.

Referências

Diagnóstico diferencial Existem patologias como a hipertensão arterial sistêmica e a estenose aórtica que podem, devido à sobrecarga pressórica imposta ao ventrículo esquerdo, apresentar hipertrofia septal assimétrica com ou sem movimento anterior da cúspide mitral. Algumas condições fisiológicas podem simular a miocardiopatia hipertrófica, como a hipertrofia encontrada em atletas de alto desempenho. Embora a parede septal de VE, esteja quase sempre envolvida, pode haver um acometimento nos demais segmentos e a diferenciação clínica é feita quando o diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo é maior que 55mm na presença de função diastólica normal 9. Entretanto, a espessura septal maior de 16 mm é altamente sugestiva de miocardiopatia hipertrófica 18. Em pacientes idosos pode haver o aumento da angulação do septo ventricular havendo projeção do mesmo para a via de saída de ventrículo esquerdo (septo sigmóide) podendo haver, em alguns casos, turbulência no fluxo e dificuldade em esvaziamento do VE 19. Considerações finais A ecocardiografia desempenha um papel importante na avaliação de rotina e diagnóstico dos ventrículos hipertróficos. Tradicionalmente, considera-se a função sistólica preservada em pacientes com miopatia hipertrófica até as fases tardias da doença. No entanto, a miopatia hipertrófica Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

1. Williams LK, Frenneaux MP, Steeds RP. Echocardiography in hypertrophic cardiomyopathy diagnosis, prognosis, and role in management. Eur J Echocardiogr 2009;10:(8):iii9-14. 2. Elliott P, Andersson B, Arbustini E, Bilinska Z, Cecchi F, Charron P, et al. Classification of the cardiomyopathies: a position statement from the European Society Of Cardiology Working Group on Myocardial and Pericardial Diseases. Eur Heart J 2008;29:(2):270-276. 3. Davies MJ, McKenna WJ. Hypertrophic cardiomyopathy: an introduction to pathology and pathogenesis. Br Heart J 1994;72:(6 Suppl):S2-3. 4. Maron BJ. Sudden death in young athletes. N Engl J Med 2003;349:(11):1064-1075. 5. Maron BJ, McKenna WJ, Danielson GK, Kappenberger LJ, Kuhn HJ, Seidman CE, et al. American College of Cardiology/European Society of Cardiology clinical expert consensus document on hypertrophic cardiomyopathy. A report of the American College of Cardiology Foundation Task Force on Clinical Expert Consensus Documents and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol 2003;42:(9):1687-1713. 6. Maron BJ. Hypertrophic cardiomyopathy: a systematic review. JAMA 2002;287:(10):1308-1320. 7. Maron BJ. Barry Joel Maron, MD: a conversation with the Editor. Interview by William Clifford Roberts. Am J Cardiol 2007;99:(9):1334-1349. 8. Klues HG, Roberts WC, Maron BJ. Morphological determinants of echocardiographic patterns of mitral valve systolic anterior motion in obstructive hypertrophic cardiomyopathy. Circulation 1993;87:(5):1570-1579. 9. Maron BJ, Gardin JM, Flack JM, Gidding SS, Kurosaki TT, Bild DE. Prevalence of hypertrophic cardiomyopathy in a general population of young adults. Echocardiographic analysis of 4111 subjects in the CARDIA Study. Coronary Artery Risk Development in (Young) Adults. Circulation 1995;92:(4):785-789. 10. Albanesi Filho FM, Castier MB, Diamant JD, Lopes JS, Lopes AS, Ginefra P. [Apical hypertrophic cardiomyopathy with right ventricular involvement]. Arq Bras Cardiol 1997;68:(2):119-124. 11. Maron BJ. Cardiology patient pages. Hypertrophic cardiomyopathy. Circulation 2002;106:(19):2419-2421. 12. Wigle ED, Sasson Z, Henderson MA, Ruddy TD, Fulop J, Rakowski H, et al. Hypertrophic cardiomyopathy. The importance of the site and the extent of hypertrophy. A review. Prog Cardiovasc Dis 1985;28:(1):1-83. 13. Henry WL, Clark CE, Griffith JM, Epstein SE. Mechanism of left ventricular outlfow obstruction in patients with obstructive asymmetric septal hypertrophy (idiopathic hypertrophic subaortic stenosis). Am J Cardiol 1975;35:(3):337-345. 14. Kinoshita N, Nimura Y, Okamoto M, Miyatake K, Nagata S, Sakakibara H. Mitral regurgitation in hypertrophic

EURP 2011; 3(1): 7-10


10

Christensen & Martins – Miocardiopatia hipertrófica cardiomyopathy. Non-invasive study by two dimensional Doppler echocardiography. Br Heart J 1983;49:(6):574-583. 15. Maron BJ, Pelliccia A, Spirito P. Cardiac disease in young trained athletes. Insights into methods for distinguishing athlete's heart from structural heart disease, with particular emphasis on hypertrophic cardiomyopathy. Circulation 1995;91:(5):1596-1601. 16. McMahon CJ, Nagueh SF, Pignatelli RH, Denfield SW, Dreyer WJ, Price JF, et al. Characterization of left ventricular diastolic function by tissue Doppler imaging and clinical status in children with hypertrophic cardiomyopathy. Circulation 2004;109:(14):1756-1762. 17. Cheitlin MD, Alpert JS, Armstrong WF, Aurigemma GP, Beller GA, Bierman FZ, et al. ACC/AHA Guidelines for the Clinical

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Application of Echocardiography. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee on Clinical Application of Echocardiography). Developed in collaboration with the American Society of Echocardiography. Circulation 1997;95:(6):1686-1744. 18. Maron BJ. Structural features of the athlete heart as defined by echocardiography. J Am Coll Cardiol 1986;7:(1):190-203. 19. Topol EJ, Traill TA, Fortuin NJ. Hypertensive hypertrophic cardiomyopathy of the elderly. N Engl J Med 1985;312:(5):277283.

EURP 2011; 3(1): 7-10


Artigo de Revisão Diagnóstico pré-natal da hérnia diafragmática congênita Prenatal diagnosis of congenital diafragmatic hernia Josilene de M Lobato1, Carolina O Nastri1,2 , Francisco Mauad Filho1, 2, Wellington P Martins 1, 2

A hérnia diafragmática congênita (HDC) ocorre por um defeito do diafragma, músculo que separa o tórax da cavidade abdominal, estando frequentemente associado à hipoplasia pulmonar. Pode estar combinada a outras anomalias genéticas e ainda apresenta alta taxa de mortalidade. O diagnóstico é feito no período pré-natal, principalmente em países com política de rastreamento. A visualização de órgãos abdominais no tórax pela ultrasonografia dá o diagnóstico. Os progressos deste método no campo da obstetrícia, com o desenvolvimento de equipamentos de alta resolução e aprimoramento técnico dos ultrasonografistas, fizeram com que as taxas de detecção pré-natal melhoraram de forma significativa passando de 15% na década de 1980 para 60% no final dos anos 90. O diagnóstico pré-natal é essencial tanto para a programação do nascimento em um centro terceário, como para a possibilidade de indicação de cirurgia intra-útero. Palavras-chave: Hérnia Diafragmática; Ultrasonografia; Imagem por Ressonância Magnética; Cuidado Pré-Natal.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 18/02/2011, aceito para publicação em 01/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Congenital diaphragmatic hernia (CDH) occurs through a defect in the diaphragm, a muscle that separates the chest from the abdominal cavity; it is usually associated with pulmonary hypoplasia. May be combined with other genetic abnormalities and still has a high mortality rate. The diagnosis is confirmed prenatally, especially in countries with a screening policy. The visualization of abdominal organs in the chest by ultrasonography gives the diagnosis. The progress of this method in the field of obstetrics, with the development of high-resolution equipment and technical improvement of ultrasound, made the rates of prenatal detection improve significantly from 15% in the 80’s to 60% in late 90’s. The prenatal diagnosis is essential both to program the birth in a tertiary medical center, as to the possibility of indication of in utero surgery. Keywords: Ultrasonography; Prenatal Care.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Hernia, Diaphragmatic; Magnetic Resonance Imaging;

EURP 2011; 3(1): 11-15


12

Lobato et al – Hérnia diafragmática congênita Introdução A hérnia diafragmática congênita (HDC) resulta de um defeito do músculo entre o abdome e a caixa torácica (diafragma), levando à herniação das vísceras abdominais no tórax. Cerca de 84% das lesões são à esquerda, 13% do lado direito e são 2% bilaterais. Em cerca de 40% dos casos existem outras anomalias associadas que podem ser cardíacas, gastrintestinais, genitourinárias, ósseas ou neurais e ainda trissomias. A estenose congênita da traquéia ou outras malformações traqueais também podem estar presentes. Quando as anomalias associadas são graves a taxa de mortalidade pode chegar a 90%. Stege et al (2003) mostraram que os dois fatores que influenciam na mortalidade pós-natal constituem o momento de interrupção da gravidez e a presença de anomalias adicionais. Ele mostrou ainda que a taxa de sobrevivência dos recém-nascidos com diagnóstico de HDC não melhorou nos últimos dez anos apesar da instituição de novos tratamentos e que metade dos casos não foi diagnosticada no pré-natal levando ao nascimento de crianças em centros não preparados para tal patologia. A sobrevivência dos neonatos depende do grau de hipoplasia pulmonar e da localização do fígado. Incidência e Etiologia A HDC ocorre numa frequência de 1/ 2.500 ou 2/ 5.000 nascidos vivos 1. Em humanos ainda não se identificou um gene causal específico, no entanto algumas drogas como a piridoxina, talidomida, quinino, e antiepilépticos têm sido implicados na sua ocorrência. A sua verdadeira incidência é provavelmente maior, pois alguns fetos com HDC grave morrem intra-útero e são abortados espontaneamente 1, 2. Fisiopatologia A HDC aponta para um defeito no diafragma, entretanto o desenvolvimento pulmonar anormal que acompanha essa condição é que lhe confere relevância clínica. As mudanças no pulmão são geralmente vistas como uma consequência direta da herniação de vísceras abdominais para a cavidade torácica durante a gravidez. Essencialmente os fetos com HDC apresentam alterações estruturais nos pulmões como número reduzido de alvéolos, espessamento das paredes alveolares, espessamento da parede medial e adventícia das artérias pulmonares, trama vascular mal desenvolvida aumento anormal das fibras musculares das arteríolas pré-acinares e intra-acinares levando à hipertensão pulmonar persistente que provoca a morte intra-útero ou após o nascimento 3, 4. A probabilidade de Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

sobrevida em crianças nascidas com HDC é determinada pela gravidade da hipoplasia pulmonar e presença de hipertensão pulmonar associada causando complacência pulmonar anormal, hipoxemia, acidose progressiva e insuficiência cardíaca 5, 6. Morbiletalidade A HDC pode estar associada a outras malformações e quando graves a taxa de mortalidade pode ser tão alta quanto 90% 1. Os dois fatores que influenciam claramente na mortalidade pós-natal é o momento de interrupção da gravidez e a presença de anomalias associadas 7. A taxa de sobrevivência de recémnascidos com HDC não melhorou nos últimos dez anos mesmo com a instituição de novas terapias. Um grave fator contribuinte para a elevada morbiletalidade é o fato de cerca de metade dos casos não ser detectada no pré-natal, levando ao nascimento de crianças graves em unidades obstétricas não preparadas para tal evento 8, 9. Diagnóstico: achados ultrasonográficos Normalmente o primeiro sinal evidenciado pela ultrassonografia (US) é a presença de alças intestinais com fluidos no tórax. Os achados mais relevantes encontrados são: deslocamento do mediastino (71%), aumento de volume do líquido amniótico por compressão do esôfago (86%) e impossibilidade de demonstrar a anatomia de abdome superior (100%) 10, 11 . O diagnóstico se baseia na visualização de vísceras abdominais no interior do tórax. O intestino delgado e o estômago estão envolvidos em 90% dos casos. Outro parâmetro importante a ser analisado é a visualização das quatro câmaras cardíacas pelo risco de hipoplasia cardíaca 10. Nas US subsequentes deve ser avaliado o conteúdo da hérnia, avaliar as malformações associadas e medir a taxa coraçãopulmão. É importante saber a posição do fígado, a herniação hepática piora o prognóstico. A US com Doppler pode ser feita para verificar a posição da veia umbilical e da vascularização da veia porta 12. O grau de hipoplasia pulmonar é um fator prognóstico essencial a ser avaliado intra-útero. A ultrassonografia tridimensional (US3D) parece ser promissora para o cálculo mais apurado do volume pulmonar. O cálculo do volume pulmonar através da técnica rotacional (VOCAL) mostrou-se útil na predição da capacidade respiratória neonatal 13, entretanto mais estudos são necessários para a aplicação rotineira deste método.

EURP 2011; 3(1): 11-15


13

Lobato et al – Hérnia diafragmática congênita Ressonância Magnética Embora a US seja a modalidade de imagem de escolha na gravidez, a RM é cada vez mais usada quando o diagnóstico é incerto. A imagem da ressonância magnética (RM) fetal foi introduzida em 1983, no entanto, suas indicações estavam relacionadas às anormalidades placentárias e maternas. Só foi possível uma visualização precisa da anatomia e um sistema mais rotineiro do exame para indicações fetais, depois do advento das sequências rápidas, que podem ser obtidas em 300 a 400ms, de forma a inimizar possíveis movimentos fetais. A RM não é prejudicada por fatores técnicos que muitas vezes limitam a avaliação através da US, como obesidade materna, posição fetal, pela reverberação óssea, ou pela diminuição do líquido amniótico. Como tal, a RM pode demonstrar a anatomia fetal com extraordinário pormenor, permitindo a avaliação das anormalidades envolvendo o sistema nervoso central, tórax, abdômen, pélvis e placenta. A RM permite facilmente a distinção entre fígado, pulmão e intestino, facilitando a diferenciação de massas intra-torácicas, a determinação da posição do fígado e a estimativa do volume pulmonar restante. O uso de RM durante a gravidez é considerado seguro atualmente e pode ser realizada durante todos os trimester. Deve-se notar no entanto, que há muito poucos dados para apoiar essa observação e todos os dados disponíveis são limitados a RM de 1,5 T 14. A segurança na gravidez com sistemas 3T permanecem não estudados. Geralmente não são utilizados contrastes durante a gravidez, estes atravessam a barreira placentária e aparece aparecendo na bexiga fetal. De lá, ele é excretado no líquido amniótico e engolido, onde é potencialmente absorvida pelo trato gastrointestinal fetal. Devido a isso, meia-vida do gadolíneo no feto permanece desconhecida, sendo considerada como um substância da categoria C para uso durante a gravidez 14. As indicações do uso da ressonância magnética compreendem suspeitas de anormalidades que não têm um diagnóstico conclusivo somente através do método de rastreamento. É usado também para fazer uma avaliação prognóstica da anomalia, planejar o tratamento, além de possibilitar o seguimento da doença. Técnica e achados Algumas medidas devem ser tomadas para a realização do exame: 1) A gestante deve estar bem alimentada; 2) De bexiga vazia; 3) Hidratada; 4) Posicionada de decúbito lateral esquerdo; Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

5) Todas as sequências devem ser feitas com uma inspiração profunda da mãe. Além da RM permitir uma melhor diferenciação entre o fígado e o pulmão, ela também permite visualização direta da posição do fígado em relação ao diafragma 15. Em imagens sequenciais em T1 o fígado é hiperintenso comparado com as outras estruturas do feto. Em T2 o fígado é hipointenso em comparação com o músculo fetal. Com a avaliação conjunta das duas sequências a vascularização hepática pode ser vista no parênquima hepático e nas porções íntegras do diafragma anterior. A posição do estômago pode ser visualizada com certa facilidade, considerando que o estômago está cheio de líquido amniótico, este aparece com sinal hiperintenso nas imagens em HASTE ponderadas em T2. Esta informação pode ser a grande vantagem da ressonância magnética em comparação à US. Em T1, o mecônio também é hiperintenso e consequentemente a posição do intestino distal é visualizada 16. Maturação pulmonar O determinante mais importante de sobrevida pósnatal é um adequado desenvolvimento pulmonar. O volume pulmonar pode ser estimado através da US2D, US3D e RM. A hipoplasia pulmonar é caracterizada como uma falha no desenvolvimento alveolar e dos vasos pulmonares e está relacionada a um volume pulmonar fetal reduzido e um prognóstico reservado 17, 18 . Alguns parâmetros de RM têm sido estudados para avaliação pulmonar durante o desenvolvimento prénatal: estudo de intensidade de sinal que fornece informações sobre a maturação pulmonar, a medida de volumetria pulmonar que identifica restrição e insuficiência pulmonar e o contraste com alta resolução dos tecidos que permite avaliação de estruturas do pulmão fetal, fornecendo detalhes e diagnósticos de patologias pulmonares 5, 19. Uma redução acentuada da intensidade de sinal e da medida de volume pulmonar são parâmetros que devem ser combinados para atingir uma maior sensibilidade e especificidade na detecção de fetos com risco de complicações respiratórias ao nascer 11, 18 . A associação entre medidas do volume corpóreo fetal e a volumetria pulmonar pela RM tem uma sensibilidade de 89% na detecção da hipoplasia pulmonar 19. Diagnóstico Diferencial A RM é capaz de determinar a anatomia das malformações torácicas, diferenciando a HDC de EURP 2011; 3(1): 11-15


14

Lobato et al – Hérnia diafragmática congênita outros comprometimentos pulmonares como a malformação cística adenomatose, sequestro pulmonar e enfisema lobar congênito (MAKSOUD et al, 1998; Coakley et al, 2004). Estas são as malformações torácicas mais frequentes e devido ao seu potencial de gravidade necessitam de um diagnóstico mais precoce. Indicadores Prognósticos Com a realização do diagnóstico de HDC o próximo passo é predizer o prognóstico. Os principais achados que indicam prognóstico são: a associação com outras anormalidades e o grau de hipoplasia pulmonar e cardíaca secundários à herniação 12. Estudos têm sido realizados para identificar indicadores prognósticos de sobrevida, para um melhor planejamento em relação ao parto. Os resultados de estudos sobre evolução e prognóstico são variados e algumas vezes contraditórios 1, 11, 12, 20. Os indicadores de boa evolução, após o nascimento em fetos com HDC, incluem o diagnóstico após 25 semanas de gestação, fígado não herniado para o tórax e alto grau de área “lung to head ratio” 11. Dos indicadores prognósticos analisados, a RM pode detectar com maior precisão a herniação hepática, que está associada à maior mortalidade, e o grau de hipoplasia pulmonar medindo volume pulmonar relativo 16. Outra relação usada com sucesso para avaliação do volume pulmonar e prognóstico fetal é a relação volume pulmonar/peso corporal fetal, porém foi testada apenas em situações de pesquisa e falta validação 20. Em uma meta-análise publicada em 2000 foi observado que os fatores que mais influenciaram na taxa de mortalidade em fetos diagnosticados com HDC foram a realização de diagnóstico pré-natal e presença de malformações maiores associadas 21. Malformações associadas fatais, não pulmonares, foram encontradas em 95% dos natimortos e mais de 60% nos neonatos que faleceram até as primeiras 24h de vida. Deve-se considerar também que nenhum fator isoladamente se mostrou ideal para prever a sobrevida em paciente com HDC. Tratamento A HDC caracteriza-se clinicamente pela disfunção respiratória grave logo após o nascimento. Os cuidados neonatais imediatos baseiam-se na tentativa de prevenir a distensão gástrica na tentativa de diminuir a compressão pulmonar 22. Em meados da década de 90, diversos tratamentos foram introduzidos como a utilização de óxido nítrico (NO), a administração de surfactante, e o manejo circulatório Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

com administração de prostaglandina E1 que de certa forma aumentou a sobrevida desses pacientes 12. Algumas opções de tratamento são disponíveis no período pré-natal, após a identificação anatômica fetal ter sido estabelecida 23. A cirurgia fetal é um tratamento contemporâneo que pode ser realizado com histerotomia ou por técnicas minimamente invasivas 15. Os critérios de seleção utilizados para a indicação de cirurgia intra-útero são: presença de hérnia isolada, idade gestacional menor que 26 semanas, herniação he´pática e LHR 1,0 15. Uma alternativa de cirurgia fetal menor agressiva está sendo estudada baseada no fato de que a oclusão da traquéia fetal poderia aumentar o crescimento pulmonar e com isso melhorar os resultados após o nascimento. Entretanto os estudos iniciais não mostraram melhora no desfecho neonatal 24 e as cirurgias fetais ainda são consideradas como sendo de custos proibitivos e vantagens questionáveis 25 . Considerações Finais Os progressos da US no campo da obstetrícia têm contribuído para o aumento da detecção de fetos com anomalias estruturais em populações de baixo e alto risco. Com o grande potencial de rastreio das alterações morfológicas em todos os trimestres da gravidez, a utilização da US na paciente obstétrica vem fazendo parte da rotina dos cuidados pré-natais. Com isso, aumentou o número de casos de HDC diagnosticados ainda intra-útero, o que tende a melhorar a sobrevida destas crianças. A RM é um método complementar que está indicado quando houver suspeita de HDC à US. Não é utilizado como método de rastreamento devido ao alto custo e à segurança do método que ainda está em discussão. A RM apresenta papel importante na avaliação do prognóstico fetal, por facilitar a indivualização do fígado na imagem e permitir uma boa avaliação da morfologia fetal em busca de malformações associadas. Referências

1. Langham MR, Jr., Kays DW, Ledbetter DJ, Frentzen B, Sanford LL, Richards DS. Congenital diaphragmatic hernia. Epidemiology and outcome. Clin Perinatol 1996;23:(4):671-688. 2. Neville HL, Jaksic T, Wilson JM, Lally PA, Hardin WD, Jr., Hirschl RB, et al. Bilateral congenital diaphragmatic hernia. J Pediatr Surg 2003;38:(3):522-524. 3. Schachtner SK, Wang Y, Scott Baldwin H. Qualitative and quantitative analysis of embryonic pulmonary vessel formation. Am J Respir Cell Mol Biol 2000;22:(2):157-165. 4. Yamataka T, Puri P. Pulmonary artery structural changes in pulmonary hypertension complicating congenital diaphragmatic hernia. J Pediatr Surg 1997;32:(3):387-390.

EURP 2011; 3(1): 11-15


15

Lobato et al – Hérnia diafragmática congênita 5. Hubbard AM. Imaging of congenital lower respiratory tract malformations: prenatal diagnosis by magnetic resonance imaging. Pediatr Pulmonol 2001;Suppl 23:118-119. 6. Mohseni-Bod H, Bohn D. Pulmonary hypertension in congenital diaphragmatic hernia. Semin Pediatr Surg 2007;16:(2):126-133. 7. Stege G, Fenton A, Jaffray B. Nihilism in the 1990s: the true mortality of congenital diaphragmatic hernia. Pediatrics 2003;112:(3 Pt 1):532-535. 8. Greer JJ, Cote D, Allan DW, Zhang W, Babiuk RP, Ly L, et al. Structure of the primordial diaphragm and defects associated with nitrofen-induced CDH. J Appl Physiol 2000;89:(6):2123-2129. 9. Kluth D, Keijzer R, Hertl M, Tibboel D. Embryology of congenital diaphragmatic hernia. Semin Pediatr Surg 1996;5:(4):224-233. 10. Skari H, Bjornland K, Haugen G, Egeland T, Emblem R. Congenital diaphragmatic hernia: a meta-analysis of mortality factors. J Pediatr Surg 2000;35:(8):1187-1197. 11. Paek BW, Coakley FV, Lu Y, Filly RA, Lopoo JB, Qayyum A, et al. Congenital diaphragmatic hernia: prenatal evaluation with MR lung volumetry--preliminary experience. Radiology 2001;220:(1):63-67. 12. de Buys Roessingh AS, Dinh-Xuan AT. Congenital diaphragmatic hernia: current status and review of the literature. Eur J Pediatr 2009;168:(4):393-406. 13. Prendergast M, Rafferty G, Davenport M, Persico N, Jani J, Nicolaides K, et al. Three-dimensional ultrasound fetal lung volumes and infant respiratory outcome: a prospective observational study. BJOG 2011;118:(5):608-614. 14. Gauden AJ, Phal PM, Drummond KJ. MRI safety: nephrogenic systemic fibrosis and other risks. J Clin Neurosci 2010;17:(9):10971104. 15. Trop I, Levine D. Normal fetal anatomy as visualized with fast magnetic resonance imaging. Top Magn Reson Imaging 2001;12:(1):3-17.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

16. Coakley FV, Glenn OA, Qayyum A, Barkovich AJ, Goldstein R, Filly RA. Fetal MRI: a developing technique for the developing patient. AJR Am J Roentgenol 2004;182:(1):243-252. 17. Quinn TM, Hubbard AM, Adzick NS. Prenatal magnetic resonance imaging enhances fetal diagnosis. J Pediatr Surg 1998;33:(4):553-558. 18. Williams G, Coakley FV, Qayyum A, Farmer DL, Joe BN, Filly RA. Fetal relative lung volume: quantification by using prenatal MR imaging lung volumetry. Radiology 2004;233:(2):457-462. 19. Suita S, Taguchi T, Yamanouchi T, Masumoto K, Ogita K, Nakamura M, et al. Fetal stabilization for antenatally diagnosed diaphragmatic hernia. J Pediatr Surg 1999;34:(11):1652-1657. 20. Tanigaki S, Miyakoshi K, Tanaka M, Hattori Y, Matsumoto T, Ueno K, et al. Pulmonary hypoplasia: prediction with use of ratio of MR imaging-measured fetal lung volume to US-estimated fetal body weight. Radiology 2004;232:(3):767-772. 21. Skari H, Bjornland K, Haugen G, Egeland T, Emblem R. Congenital diaphragmatic hernia: a meta-analysis of mortality factors. Journal of pediatric surgery 2000;35:(8):1187-1197. 22. Cortes RA, Farmer DL. Recent advances in fetal surgery. Semin Perinatol 2004;28:(3):199-211. 23. Flake AW, Crombleholme TM, Johnson MP, Howell LJ, Adzick NS. Treatment of severe congenital diaphragmatic hernia by fetal tracheal occlusion: clinical experience with fifteen cases. Am J Obstet Gynecol 2000;183:(5):1059-1066. 24. Harrison MR, Keller RL, Hawgood SB, Kitterman JA, Sandberg PL, Farmer DL, et al. A randomized trial of fetal endoscopic tracheal occlusion for severe fetal congenital diaphragmatic hernia. N Engl J Med 2003;349:(20):1916-1924. 25. Menon P, Rao KL. Current status of fetal surgery. Indian J Pediatr 2005;72:(5):433-436.

EURP 2011; 3(1): 11-15


Artigo de Revisão A utilização da ecocardiografia na unidade de terapia intensiva para avaliação de hipovolemia The use of echocardiography in the intensive care unit for evaluation of hypovolemia John P Taves1, Carolina O Nastri1,2 , Wellington P Martins 1, 2

A hipotensão arterial é um problema comum em pacientes críticos. O diagnóstico rápido e a intervenção precoce pode evitar uma maior deterioração e melhorar o prognóstico. A ecocardiografia pode fazer diferença fundamental no diagnóstico rápido de causas comuns e incomuns de hipotensão arterial, tal como tamponamento pericárdico. O diagnóstico diferencial da hipotensão é diferente nos pacientes em uma primeira na sala de emergência ou em pacientes internados na unidade de terapia intensiva a mais tempo. A melhor abordagem para a avaliação do paciente é a realização de uma avaliação abrangente, de forma a evitar-se que se perca um diagnóstico inesperado. Com a prática, um exame completo pode ser realizado em poucos minutos. A pré-carga, a contratilidade, a função sistólica (global e focal), e a avaliação da disfunção diastólica (causa comum de insuficiência cardíaca congestiva) podem ser realizadas rapidamente. Situações específicas, como tamponamento pericárdico, embolia pulmonar, obstrução de saída do ventrículo, hipoxemia inexplicável, e dissecção da aorta, entre outras, podem ser melhor aavaliadas através da ecocardiografia transesofágica. Palavras-chave: Ecocardiografia; Hipovolemia; Cuidados Intensivos.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 07/02/2011, aceito para publicação em 05/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Abstract Hypotension is a common problem in critically ill patients. Rapid diagnosis and early intervention may prevent further deterioration and improve prognosis. Echocardiography can make fundamental difference in the rapid diagnosis of common and uncommon causes of hypotension such as pericardial tamponade. The differential diagnosis of hypotension is different in patients on a first evaluation in the emergency room or in hospitalized patients in the intensive care unit. The best approach to the patient evaluation is to perform a comprehensive evaluation in order to avoid the loss of an unexpected diagnosis. Along with practice, a thorough examination can be accomplished in minutes. The preload, contractility, systolic function (global and focal), and assessment of diastolic dysfunction (a common cause of congestive heart failure) can be performed quickly. Specific situations such as pericardial tamponade, pulmonary embolism, ventricular outflow tract obstruction, unexplained hypoxemia, and aortic dissection, among EURP 2011; 3(1): 16-20


17

Taves et al – Ecocardiografia na avaliação de hipovolemia others, may be better assessed by transesophageal echocardiography. Keywords: Echocardiography; Hypovolemia ; Intensive Care. Introdução Hipotensão é um problema relativamente comum em pacientes críticos e que, quando prolongada, pode levar à isquemia de órgãos e aumento da morbiletalidade em geral 1. O diagnóstico rápido e a intervenção precoce podem evitar esses problemas. Entretanto, o exame clínico isoladamente pode não ser suficiente para tomar essas decisões terapêuticas imediatas. Enquanto que a suspeita clínica é a chave para a construção de um diagnóstico diferencial e aplicação inteligente de tecnologia no auxílio da tomada de decisão terapêutica. A ecocardiografia é uma tecnologia relativamente simples e que pode fazer uma diferença fundamental no diagnóstico rápido de causas comuns e incomuns de hipotensão arterial, como tamponamento pericárdico. Desta forma, a ecocardiografia pode ser responsável pela mudança no tratamento de, pelo menos, 25% dos pacientes mais graves 2. Indicação Ecocardiografia trans-torácico O diagnóstico diferencial para a hipotensão aguda difere entre pacientes com afecções agudas, como sépse ou trauma, ou internados a mais tempo em uma unidade de terapia intensiva. No paciente em estado crítico, com instabilidade hemodinâmica e no paciente com suspeita de dissecção aórtica, não há dúvida na indicação da realização do exame ecocardiográfico. Também quando há dúvida em casos de: a) trauma torácico fechado ou penetrante grave; b) em um paciente ventilado mecanicamente trauma múltiplo ou de tórax; c) suspeita de doença valvular ou do miocárdio preexistentes no paciente com trauma; d) instabilidade hemodinâmica em um paciente com múltiplas lesões sem trauma de tórax óbvio, mas com um mecanismo de lesão sugestiva de lesão cardíaca ou da aorta potencial (desaceleração ou queda); e) aumento da área do mediastino, com suspeita de lesão da aorta; e f) risco potencial de lesão por cateter, fio-guia, eletrodo de marcapasso, pericardiocentese com agulha com ou sem sinais de tamponamento 3. Ecocardiografia trans-esofágica A ecocardiografia transesofágica (ETE) é geralmente considerada superior ao ecocardiograma transtorácico por fornever melhor qualidade de Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

imagem. Na unidade de tratamento intensivo a via transtorácica frequentemente fornece má qualidade de imagem devido a alumas condições comumente encontradas: ventilação mecânica (pressão positiva de 15cm H 2 O), impossibilidade de posicionamento adequado do paciente, a falta de cooperação do paciente, edema da parede torácica e acesso obstruído devido a feridas cirúrgicas, curativos e drenos. Na unidade de terapia intensiva, a tentativa de realização do ecocardiograma transtorácico é bem sucedida em 50% das vezes 4, 5, enquanto que a via trans-esofágica é bem sucedida em 90% das vezes 6. Hipovolemia O choque hipovolêmico é uma condição de emergência em que a grave perda de sangue e/ou bfluidos faz com que o coração não consiga bombear sangue suficiente para o corpo; fazendo com que muitos órgãos parem de funcionar. Ao avaliar-se um paciente pós-trauma, é útil fazer a diferenciação entre trauma torácico ou não torácico. Em pacientes com trauma de tórax, procura-se por tamponamento cardíaco, dissecção aórtica, lesão valvar, e lesão ventricular ou atrial é importante a realização do ETE 7. Em pacientes com trauma não torácico, a área do ventrículo esquerdo reduzida no final da diástole (VEFD) pode indicar perdas ocultas de sangue. Os sinais indiretos de embolia pulmonar precisam ser descartados. Na avaliação do paciente após cirúrgia, a diminuição da área VEFD também pode indicar hemorragia oculta, ou no caso de avaliação após cirurgia cardíaca, deve-se procurar por sinais de derrame pericárdico septado causando instabilidade hemodinâmica, além da avaliação póscirúrgica das válvulas e do movimento das paredes 8. Idealmente, deve-se proceder uma avaliação abranjante, em um exame amplo é menos provável que perca um diagnóstico inesperado. Com a prática, um exame completo pode ser realizado em poucos minutos. Um exame ecocardiográfico rápido e completo pode ser feito seguindo-se alguns pasos padronizados 9, outras abordagens podem ser feitas, desde que todas os planos padronizados sejam obtidas. Pré-carga Usualmente os cateteres de artéria pulmonar são usados para avaliar o volume do VE através de medições de pressão. No entanto, esta relação entre as pressões de enchimento e volumes pode não ser precisa, especialmente no paciente ventilado. Certo número de métodos tem sido proposto para avaliar o volume e as pressões do VE pela ecocardiografia; tais parâmetros são utilizados tanto para a avaliação EURP 2011; 3(1): 16-20


18

Taves et al – Ecocardiografia na avaliação de hipovolemia inicial da hipovolemia, quanto para o 9 acompanhamento da resposta aos fluidos . Os critérios para o diagnóstico da hipovolemia incluem: diâmetro diastólico final < 25 mm, obliteração sistólica da cavidade do VE e área VEFD de 55 cm2 10. Estas medidas são facilmente obtidas a partir do plano transgástrico médio-papilar no eixo curto. Entretanto, em vez de basear as decisões em medições individuais, o ideal seria a relaização de uma série de medidas de volume VEFD. De fato, isto consumiria muito tempo e seria difícil de implementar na prática. As medições da área VEFD foram validadas para acompanhar as mudanças de status de líquido e são calculados a partir de traçados do VE realizados nos quadros parados do VE no final da diástole no plano mencionado acima. Este processo pode ser simplificado utilizando sistemas automatizados de detecção de bordas 11. Contratilidade Avaliação da função sistólica do ventrículo esquerdo e da direito e suas mudanças ao longo do tempo é de enorme ajuda para as decisões terapêutica no paciente hipotenso. Piora ou surgimento de novas anormalidades no movimento das paredes ventriculares pode indicar piora da isquemia aguda e lesão causal. Avaliação global da função ventricular sistólica é também importante, pois muitas doenças do paciente crítico, em particular a sepse, podem levar à disfunção sistólica global (e não focal) do ventrículo esquerdo 9. A função ventricular depende da pré-carga e póscarga. Estimativas da função sistólica devem ser feitas em diferentes pré- e pós-cargas para que se possa determinar a sua verdadeira função. Mais uma vez, isso demonstra a importância de se obter avaliações seriadas em vez de avaliações únicas. A relação área/pressão é uma forma de se determinar a contratilidade do VE, independentemente das condições de carga 9. Os métodos qualitativos utilizados para avaliação da função sistólica global do VE pela ecocardiografia são a fração de ejeção, fração de encurtamento, variação de área fracional, o método de Simpson de avaliação da função do VE, o movimento do anel mitral, dP / dt usando o jato de regurgitação mitral e avaliação de anormalidades segmentares do movimento das paredes utilizando strain-rate. Avaliação do ventrículo direito (VD) A ejeção do VD resultada mais do movimento para dentro da parede livre e muito pouco da descida da base do coração. Isto pode ser descrito em termos de movimentos ao longo dos eixos maior e menor e pode Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

ajudar a calcular os índices de função do VD. A função do VD desempenha um papel fundamental na evolução de pacientes criticamente enfermos. A movimento do anel tricúspide pode ser usado para estimar a função sistólica do VD 12. O tamanho do VD é avaliado em relação ao tamanho do coração. O ápice do VD deve ocupar até dois terços da distância até o ápice. Se o VD contribui para o ápice, então ele pode ser considerado dilatado. Uma estimativa quantitativa do volume de VD pode ser feito usando o método de Simpson, a FAC, as detecções de volume e pressão no final da sístole, e ecocardiografia tridimensional. Devido à forma original do VD, essas estimativas, quando usadas para calcular o volume, são muitas vezes imprecisas e raramente são usadas na prática clínica. O exame do movimento do septo ventricular é útil na diferenciação da sobrecarga de volume e da sobrecarga de pressão do VD. Em situações de sobrecarga de volume, a distorção máxima do septo ocorre no final da diástole, quando a sua ocorrência no final da sístole e início da diástole corresponde à situação de sobrecarga de pressão 13. As anormalidades do movimento da parede do VD podem também serem avaliadas. As paredes podem estar acinéticos ou discinéticos. Outros sinais de infarto do VD incluem dilatação do VD, insuficiência tricúspide e movimento paradoxal do septo ventricular. O diagnóstico da hipertrofia de VD é feita quando a espessura da parede do septo é > 5 mm ao final da diástole. Presença de padrão intracavitário trabecular proeminentes é um outro indício para a hipertrofia significativa do VD. Pós-carga Pós-carga é considerada baixa quando houver MAP baixa, diâmetro normal do VEFD, e o colapso VE no final da sístole. É mais precisamente determinado pelo estresse sistólica da parede ventricular, que é calculado pela combinação de hemodinâmica com ecocardiografia. Essa relação é expressa pela fórmula de Laplace: Estresse da parede = (P) (diâmetro VEFD / 2) / (espessura da parede), onde P é a pressão. Tamponamento cardíaco Tamponamento varia com a rapidez com que o líquido é coletado no saco pericárdico e da sua quantidade. O colapso das câmaras ocorre quando a pressão pericárdica excede a pressão da câmara, tendendo a acontecer primeiramente nos átrios devido a sua menor pressão. Ocorre na diástole, antes da sístole e do lado direit antes do lado esquerdo. A hipertensão pulmonar, a expansão de EURP 2011; 3(1): 16-20


19

Taves et al – Ecocardiografia na avaliação de hipovolemia volume rápido e hipertrofia do VD podem ser protetoresa, e as suas características típicas ecocardiográficas podem não serem vistas 14. O achado mais sensível na ultrassonografia bidimensional é o colapso do VD na diástole, em um paciente com derrame pericárdico. Invaginação atrial direita que ocorre no final da diástole também pode ser vista. A ecocardiografia com Doppler é útil para auxiliar o diagnóstico de derrame pericárdico. Em um paciente respirando espontaneamente, a variação do fluxo de entrada do VD com a respiração (50 mmHg de variação da pressão) e do fluxo de entrada do VE com a respiração (25 mmHg de pressão) são considerados diagnósticos para o tamponamento cardíaco. Em um paciente ventilado, o inverso pode ser visto. É fundamental reconhecer que a presença de um coxim de gordura anterior pode ser facilmente confundido com uma efusão pericardial. Estas bolsas de gordura podem ser tão > 1 cm. No pericárdio inferior contudo, não há gordura, e qualquer achado provavel que seja fluido. No pós-operatório de cirurgia cardíaca, o acúmulo de líquido pode não ser circunferencial, e derrame pericárdico septado pode ser visualizado, causando diferentes graus de perturbação hemodinâmica, dependendo da localização e quantidade de líquido. É fundamental reconhecer que tamponamento cardíaco é uma síndrome clínica e requer a suspeita clínica e avaliação na beira do leito. A confirmação ecocardiográfica não deve atrasar o tratamento 15. Embolia Pulmonar Em um paciente com um aumento do gradiente de oxigênio alveolar arterial, instabilidade hemodinâmica, e nenhuma outra explicação óbvia, embolia pulmonar deve ser considerada. Um paciente que após uma grande cirurgia ortopédica, grande trauma pélvico, ou com história de hipercoagulabilidade está em maior risco de desenvolverem complicações tromboembólicas. O padrão ouro para o diagnóstico de embolia pulmonar é a angiografia pulmonar e, atualmente, a tomografia computadorizada espiral. Ambas as modalidades de diagnóstico necessitam de transporte de doentes hemodinamicamente instáveis, consumindo tempo, exigindo experiência e sendo, muitas vezes, perigoso para o paciente. Nenhum dos testes de diagnóstico não invasivos disponíveisl para embolia pulmonar é a ideal, no entanto, no paciente instável, que não podem ser transportados, a ETE é uma alternativa razoável. Apresenta sensibilidade de 70% e especificidade de 81% para confirmação de embolia pulmonar 16. É muito raro para visualizar o trombo per Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

se, quando visualizado, pode ser encontrado tronco pulmonar ou na artéria pulmonar direita. A artéria pulmonar esquerda geralmente não é bem visualizada. O diagnóstico ecocardiográfico de embolia pulmonar é, portanto, indireta. Presença de embolia pulmonar diminui o fluxo sanguíneo pulmonar e pode levar a pressões crescentes no lado direito do coração. Esta fisiopatologia leva à achados típicos ecocardiográficos de aumento do tamanho das artérias pulmonares, disfunção do VD em graus variados, achatamento do septo interventricular indicando sobrecargas de pressão e volume, regurgitação tricúspide, átrio direito dilatado, e aumento do tamanho da veia cava inferior . Na ausência desses achados, o diagnóstico de embolia pulmonar é improvável 17. Se o diagnóstico for considerada improvável, o transporte difícil e potencialmente arriscado do doente pode ser evitado e um diagnóstico alternativo procurado. Se o diagnóstico de embolia pulmonar é sugerida pela ETE, a iniciação da terapia trombolítica deve ser iniciada e o acompanhamento da sua eficácia acompanhado através de ETE. Considerações finais A ecocardiografia é uma ferramenta valiosa para o diagnóstico não-invasivo que pode auxiliar nas decisões diagnósticas e terapêuticas em torno do cuidado do paciente hipotenso em estado crítico. Como todo teste diagnóstico, sua utilidade depende da correlação clínica, e não é um substituto para a perspicácia clínica. Uso seguro requer treinamento, certificação e manutenção de habilidades. Quando usado adequadamente nas condições clínicas corretas, pode fazer uma grande diferença no manejo dos pacientes criticamente enfermos. Referências

1. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2001;345:(19):1368-1377. 2. Mandila C, Saranteas T, Karabinis A. Transesophageal Echocardiography in the Diagnosis of Hypoxia in the Intensive Care Unit. J Cardiothorac Vasc Anesth 2010; 3. Cheitlin MD, Armstrong WF, Aurigemma GP, Beller GA, Bierman FZ, Davis JL, et al. ACC/AHA/ASE 2003 Guideline Update for the Clinical Application of Echocardiography: summary article. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (ACC/AHA/ASE Committee to Update the 1997 Guidelines for the Clinical Application of Echocardiography). J Am Soc Echocardiogr 2003;16:(10):1091-1110. 4. Pearson AC. Noninvasive evaluation of the hemodynamically unstable patient: the advantages of seeing clearly. Mayo Clin Proc 1995;70:(10):1012-1014.

EURP 2011; 3(1): 16-20


20

Taves et al – Ecocardiografia na avaliação de hipovolemia 5. Cook CH, Praba AC, Beery PR, Martin LC. Transthoracic echocardiography is not cost-effective in critically ill surgical patients. J Trauma 2002;52:(2):280-284. 6. Porembka DT. Importance of transesophageal echocardiography in the critically ill and injured patient. Crit Care Med 2007;35:(8 Suppl):S414-430. 7. Brown JM. Use of echocardiography for hemodynamic monitoring. Crit Care Med 2002;30:(6):1361-1364. 8. Saranteas T, Matiatou S, Kouni S, Kyritsa M, Kostopanagiotou G. Transthoracic Echocardiography in the Intensive Care Unit for the Diagnosis of Right-Ventricle Endocarditis. J Cardiothorac Vasc Anesth 2010; 9. Subramaniam B, Talmor D. Echocardiography for management of hypotension in the intensive care unit. Crit Care Med 2007;35:(8 Suppl):S401-407. 10. Sohn DW, Shin GJ, Oh JK, Tajik AJ, Click RL, Miller FA, Jr., et al. Role of transesophageal echocardiography in hemodynamically unstable patients. Mayo Clin Proc 1995;70:(10):925-931. 11. Perrino AC, Jr., Luther MA, O'Connor TZ, Cohen IS. Automated echocardiographic analysis. Examination of serial intraoperative measurements. Anesthesiology 1995;83:(2):285-292.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

12. Hammarstrom E, Wranne B, Pinto FJ, Puryear J, Popp RL. Tricuspid annular motion. J Am Soc Echocardiogr 1991;4:(2):131139. 13. Louie EK, Rich S, Levitsky S, Brundage BH. Doppler echocardiographic demonstration of the differential effects of right ventricular pressure and volume overload on left ventricular geometry and filling. J Am Coll Cardiol 1992;19:(1):84-90. 14. Tsang TS, Oh JK, Seward JB. Diagnosis and management of cardiac tamponade in the era of echocardiography. Clin Cardiol 1999;22:(7):446-452. 15. Merce J, Sagrista-Sauleda J, Permanyer-Miralda G, Evangelista A, Soler-Soler J. Correlation between clinical and Doppler echocardiographic findings in patients with moderate and large pericardial effusion: implications for the diagnosis of cardiac tamponade. Am Heart J 1999;138:(4 Pt 1):759-764. 16. Royal HD. New diagnostic tests for pulmonary embolism. Ann Emerg Med 2000;36:(3):280-281. 17. Pruszczyk P, Torbicki A, Kuch-Wocial A, Szulc M, Pacho R. Diagnostic value of transoesophageal echocardiography in suspected haemodynamically significant pulmonary embolism. Heart 2001;85:(6):628-634.

EURP 2011; 3(1): 16-20


Artigo de Revisão Ictiose Harlequim - relato de caso Harlequim ichthyosis - case report Bernardo TL Soares1, Gisele G B Carvalho1, Karen B de Vasconcelos1, Carolina O Nastri1,2 , Francisco Mauad Filho1,2, Wellington P Martins 1, 2

A Ictiose Fetal é um raro distúrbio genético da queratinização da pele, a forma mais severa de ictiose é a chamada ictiose Arlequim (IH). A sua característica principal é o acentuado espessamento da pele, o que leva a formação de placas córneas em todo corpo, desfigurando as características faciais e causando limitação dos movimentos fetais, dos membros e tórax. Os recém-nascidos afetados geralmente nascem prematuros e apresentam dificuldade respiratória, sugam mal e ficam sujeitos a infecção cutânea grave. Sua evolução geralmente é fatal. A suspeita durante o pré-natal é de importante para a confirmação diagnóstica e conseqüentemente para o tratamento adequado deste severo defeito congênito. Palavras-chave: Ictiose Lamelar; Ultrassonografia.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 01/03/2011, aceito para publicação em 18/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Fetal ichthyosis is a rare genetic disorder of keratinization of the skin, the most severe form is called Harlequin ichthyosis (HI). Its main feature is the marked thickening of the skin, which leads to the formation of plaques throughout the body, disfiguring the facial features and causing limitation of fetal movements, limbs and chest. The affected infants are often born prematurely and have difficulty breathing, suck badly and are proned to severe skin infection. Its evolution is usually fatal. The suspicion during prenatal care is important for diagnosis and, therefore, for the appropriate treatment of such severe congenital defect. Keywords: Ichthyosis, Lamellar; Ultrasonography.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011; 3(1): 21-23


22

Soares et al – Ictiose harlequim Introdução A incontinência urinária de esforço (IUE) pode ser definida, segundo a Sociedade Internacional de Continência, como um sintoma de perda urinária aos esforços 1. Os fatores de risco para incontinência urinária podem ser classificados em predisponentes, obstétricos e ginecológicos e promotores. Dentre os fatores predisponentes destaca-se a raça, já que a patologia é mais comum em mulheres de origem caucasiana e menos frequente entre as mulheres negras e amarelas 2. Entre os fatores obstétricos podemos citar a paridade, a via de parto, a gestação e o prolapso dos órgãos pélvicos. Os fatores promotores incluem a idade da paciente, a presença de comorbidades, a obesidade, os fatores associados a incremento da pressão intra-abdominal e a infecção do trato urinário dentre outras 3. A etiologia da IUE não é completamente compreendida, acredita-se que seja entidade de causa multifatorial, envolvendo a combinação de afecções do colo vesical, da uretra e dos músculos do assoalho pélvico 4. O diagnóstico correto da incontinência urinária de esforço é complexo e composto por anamnese minuciosa, exame físico detalhado e exame complementar, geralmente composto pela urinálise e pelo estudo urodinâmico – padrão ouro para o seu diagnóstico 5. A ultrassonografia ainda ocupa papel limitado na propedêutica diagnóstica da incontinência urinária de esforço. Todavia este quadro poderia ser diferente, já que a ultrassonografia é exame de maior acessibilidade e rotineiramente solicitada. A análise ultrassonográfica da mobilidade uretral apresenta alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da incontinência urinária de esforço e novas análises, mais complexas e esclarecedoras, são sugeridas na literatura e descritas a seguir. Diagnóstico O diagnóstico correto da incontinência urinária de esforço é complexo, entretanto de profunda importância para o sucesso do seu tratamento, evitando terapias desnecessárias ou incorretas, que podem piorar o quadro da paciente. A investigação diagnóstica deve-se iniciar com uma anamnese minuciosa quando um questionário amplo com o intuito de se caracterizar o tipo de perda urinária pode ser aplicado. O tempo de sintomatologia e a história de tratamentos pregressos também devem ser explorados. Atenção também deve ser dada para as comorbidades apresentadas pela paciente e os medicamentos que faz uso 3. Em seguida um completo exame físico deve ser realizado, incluindo atenta avaliação neurológica, abdominal, pélvica e retal. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Todavia, o diagnóstico baseado apenas a partir da anamnese e do exame físico pode levar a erro em um quarto dos casos de incontinência urinária 5. Sendo assim, a avaliação diagnóstica complementar constitui passo fundamental em sua propedêutica diagnóstica. O estudo complementar deve se iniciar com a urinálise e a urocultura, haja vista que a infecção do trato urinário pode simular e/ou piorar quadros de incontinência urinária e não raramente depara-se, com a análise destes simples exames, com quadros suspeitos para neoplasia do sistema urinário ou urolitíase 6. Após essa avaliação inicial é fundamental a realização do estudo urodinâmico, o método padrão-ouro para o diagnóstico de incontinência urinária. Este exame avalia de forma invasiva as relações entre as pressões abdominal, vesical e uretral nas fases de enchimento e esvaziamento vesical. Permite desta forma, a análise da complacência vesical, da presença de incontinência urinária de esforço ou hiperatividade do detrusor e da possível presença de fator obstrutivo, desencadeador de incontinência por transbordamento ou urgeincontinência 3.Trata-se, entretanto, de método invasivo, de demorada execução e, em nosso meio, ainda de difícil acesso para grande parte dos pacientes. Ultrassonografia no diagnóstico de IUE A avaliação da mobilidade do colo vesical através ultrassonografia (US) é controversa para o diagnóstico IUE. Em um estudo 7, cinco especialistas analisaram exames ultrassonograficos de 31 mulheres com diagnóstico de IUE e 42 mulheres continentes. Os examinadores não foram capazes de classificar corretamente as pacientes e nenhum padrão de movimentação do colo vesical característico de IUE foi identificado. Já em outro estudo 4 que avaliou através de US tridimensional trans-labial 198 mulheres com queixa de disfunção do trato urinário inferior ou prolapso. Todas os sujeitos foram submetidos ao estudo urodinâmico posteriormente. A mobilidade da uretra segmentar foi descrita por vetores de movimento desde a posição de repouso até o ponto máximo da manobra de Valsalva; em relação à margem postero-inferior da sínfise púbica. A mobilidade de seis pontos eqüidistantes, localizados ao longo do comprimento da uretra, do colo da bexiga ao meato uretral externo foi descrita. Neste estudo observou-se que a IUE e a incontinência urodinâmica de estresse, mas não a urge-incontinência, a hiperatividade do detrusor ou a disfunção miccional, foram fortemente associadas à mobilidade da uretra média. Concluiu-se que a fixação da uretra média e EURP 2011; 3(1): 21-23


23

Soares et al – Ictiose harlequim não do colo vesical parece ser mais importante para que haja continência. Durante um exame de US bidimensional em tempo real, é difícil a avaliação de todos os movimentos e direções em que estes ocorrem durante a realização de uma maonobra de Valsalva. A direção e sincronização do movimento dos tecidos perineais podem ser mais importantes do que as amplitudes em si, para o mecanismo de continência urinária feminina. A US bidimensional pode apenas informar a posição de repouso da uretra e do deslocamento no final durante uma manobra de Valsalva ou de uma contração voluntária do assoalho pélvico. e tosse 8. As dificuldades em determinar com precisão o ponto de chegada de qualquer manobra rápida, são numerosas e são uma fonte potencial de erro. O operador tem que fazer várias medições na tela, ou determinar o momento exato de pico, ou a posição final da manobra, congelá-lo visualmente na tela, e então medir a mudança de posição manualmente na tela. Sem corrigir o movimento da sonda em relação à sínfise púbica os erros percentuais variam entre 18% e 87% 9. Claramente, a fim de se definir a função normal da assoalho pélvico é essencial para capturar e visualizar a seqüência de mudanças dinâmicas que a movimentação produz na uretra, na vagina e no reto utilizando métodos digitais de processamento de imagem. Para determinar o desvio de função normal, é útil para direcionar a avaliação dos voluntários assintomáticos e desenvolver uma série de parâmetros funcionais da normalidade para então podermos realizar a comparação com aquelas com IUE 8.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Considerações finais Espera-se que através da melhor compreensão dos processos e os mecanismos envolvidos no funcionamento do assoalho pélvico, possamos identificar melhor os parâmetros mais sensíveis e adequados para o diagnóstico apropriado e conseqüente tratamento direcionado. Atualmente a aplicação da US na avaliação diagnóstica da mulher com queixa de incontinência ainda está aquém do necessário para seu uso clínico rotineiro. Referências

1. Zapalowicz K, Wygledowska G, Roszkowski T, Bednarowska A. Harlequin ichthyosis--difficulties in prenatal diagnosis. J Appl Genet 2006;47:(2):195-197. 2. Yanagi T, Akiyama M, Sakai K, Nagasaki A, Ozawa N, Kosaki R, et al. DNA-based prenatal exclusion of harlequin ichthyosis. J Am Acad Dermatol 2008;58:(4):653-656. 3. Kelsell DP, Norgett EE, Unsworth H, Teh MT, Cullup T, Mein CA, et al. Mutations in ABCA12 underlie the severe congenital skin disease harlequin ichthyosis. Am J Hum Genet 2005;76:(5):794803. 4. Belengeanu V, Stoicanescu D, Stoian M, Andreescu N, Budisan C. Ichthyosis congenita, harlequin fetus type: a case report. Adv Med Sci 2009;54:(1):113-115. 5. Akiyama M, Sugiyama-Nakagiri Y, Sakai K, McMillan JR, Goto M, Arita K, et al. Mutations in lipid transporter ABCA12 in harlequin ichthyosis and functional recovery by corrective gene transfer. J Clin Invest 2005;115:(7):1777-1784. 6. Diaz-Diaz RM. [The first article in the Journal Actas DermoSifiliograficas published with photographs: malignant keratosis diffusa fetalis (Fetal ichthyosis, congenital maligna keratoma, etc.)]. Actas Dermosifiliogr 2009;100:(4):287-290. 7. Kudla MJ, Timmerman D. Prenatal diagnosis of harlequin ichthyosis using 3- and 4-dimensional sonography. J Ultrasound Med 2010;29:(2):317-319. 8. Diukman R, Goldberg JD. Prenatal diagnosis of inherited metabolic diseases. West J Med 1993;159:(3):374-381.

EURP 2011; 3(1): 21-23


Artigo de Revisão Incontinência urinária de esforço: o papel da ultrassonografia Stress urinary incontinence: the role of ultrasonography Chayra B Gusmão 1, Carolina O Nastri1,2, Wellington P Martins 1, 2

A incontinência urinária de esforço é definida como a perda clínica de urina aos esforços. Vários fatores de risco conhecidos, entretanto a sua etiologia não é completamente compreendida sendo considerada de causa multifatorial, envolvendo a combinação de afecções do colo vesical, da uretra e dos músculos do assoalho pélvico. O diagnóstico correto da incontinência urinária de esforço é complexo e em geral concluído pelo estudo urodinâmico – padrão ouro para o seu diagnóstico. A ultrassonografia ainda ocupa papel limitado na propedêutica diagnóstica da incontinência urinária de esforço e esforços estão sendo focados na padronização de parâmetros de normalidade e daqueles que possam ser correlacionados com a incontinência urinária de esforço. Palavras-chave: Incontinência Urinária por Estresse; Ultrassonografia; Diagnóstico.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 04/03/2011, aceito para publicação em 18/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Stress urinary incontinence is defined as the clinical loss of urine upon effort. There several known risk factors, however, its etiology is not fully understood and considered as being multifactorial, involving a combination of disorders of the bladder neck, urethra and pelvic floor muscles. The correct diagnosis of stress urinary incontinence is complex and usually completed by urodynamic study - the gold standard for the diagnosis. Ultrasonography is still of limited role in the diagnostic of urinary incontinence and efforts are being focused on standardizing the normal parameters and those that may correlate with stress urinary incontinence. Keywords: Urinary Incontinence, Ultrasonography; Diagnosis.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Stress;

EURP 2011; 3(1): 24-26


25

Gusmão et al – Incontinência urinária de esforço Introdução A incontinência urinária de esforço (IUE) pode ser definida, segundo a Sociedade Internacional de Continência, como um sintoma de perda urinária aos esforços 1. Os fatores de risco para incontinência urinária podem ser classificados em predisponentes, obstétricos e ginecológicos e promotores. Dentre os fatores predisponentes destaca-se a raça, já que a patologia é mais comum em mulheres de origem caucasiana e menos frequente entre as mulheres negras e amarelas 2. Entre os fatores obstétricos podemos citar a paridade, a via de parto, a gestação e o prolapso dos órgãos pélvicos. Os fatores promotores incluem a idade da paciente, a presença de comorbidades, a obesidade, os fatores associados a incremento da pressão intra-abdominal e a infecção do trato urinário dentre outras 3. A etiologia da IUE não é completamente compreendida, acredita-se que seja entidade de causa multifatorial, envolvendo a combinação de afecções do colo vesical, da uretra e dos músculos do assoalho pélvico 4. O diagnóstico correto da incontinência urinária de esforço é complexo e composto por anamnese minuciosa, exame físico detalhado e exame complementar, geralmente composto pela urinálise e pelo estudo urodinâmico – padrão ouro para o seu diagnóstico 5. A ultrassonografia ainda ocupa papel limitado na propedêutica diagnóstica da incontinência urinária de esforço. Todavia este quadro poderia ser diferente, já que a ultrassonografia é exame de maior acessibilidade e rotineiramente solicitada. A análise ultrassonográfica da mobilidade uretral apresenta alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da incontinência urinária de esforço e novas análises, mais complexas e esclarecedoras, são sugeridas na literatura e descritas a seguir. Diagnóstico O diagnóstico correto da incontinência urinária de esforço é complexo, entretanto de profunda importância para o sucesso do seu tratamento, evitando terapias desnecessárias ou incorretas, que podem piorar o quadro da paciente. A investigação diagnóstica deve-se iniciar com uma anamnese minuciosa quando um questionário amplo com o intuito de se caracterizar o tipo de perda urinária pode ser aplicado. O tempo de sintomatologia e a história de tratamentos pregressos também devem ser explorados. Atenção também deve ser dada para as comorbidades apresentadas pela paciente e os medicamentos que faz uso 3. Em seguida um completo exame físico deve ser realizado, incluindo atenta avaliação neurológica, abdominal, pélvica e retal. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Todavia, o diagnóstico baseado apenas a partir da anamnese e do exame físico pode levar a erro em um quarto dos casos de incontinência urinária 5. Sendo assim, a avaliação diagnóstica complementar constitui passo fundamental em sua propedêutica diagnóstica. O estudo complementar deve se iniciar com a urinálise e a urocultura, haja vista que a infecção do trato urinário pode simular e/ou piorar quadros de incontinência urinária e não raramente depara-se, com a análise destes simples exames, com quadros suspeitos para neoplasia do sistema urinário ou urolitíase 6. Após essa avaliação inicial é fundamental a realização do estudo urodinâmico, o método padrãoouro para o diagnóstico de incontinência urinária. Este exame avalia de forma invasiva as relações entre as pressões abdominal, vesical e uretral nas fases de enchimento e esvaziamento vesical. Permite desta forma, a análise da complacência vesical, da presença de incontinência urinária de esforço ou hiperatividade do detrusor e da possível presença de fator obstrutivo, desencadeador de incontinência por transbordamento ou urgeincontinência 3.Trata-se, entretanto, de método invasivo, de demorada execução e, em nosso meio, ainda de difícil acesso para grande parte dos pacientes. Ultrassonografia no diagnóstico de IUE A avaliação da mobilidade do colo vesical através ultrassonografia (US) é controversa para o diagnóstico IUE. Em um estudo 7, cinco especialistas analisaram exames ultrassonograficos de 31 mulheres com diagnóstico de IUE e 42 mulheres continentes. Os examinadores não foram capazes de classificar corretamente as pacientes e nenhum padrão de movimentação do colo vesical característico de IUE foi identificado. Já em outro estudo 4 que avaliou através de US tridimensional trans-labial 198 mulheres com queixa de disfunção do trato urinário inferior ou prolapso. Todas os sujeitos foram submetidos ao estudo urodinâmico posteriormente. A mobilidade da uretra segmentar foi descrita por vetores de movimento desde a posição de repouso até o ponto máximo da manobra de Valsalva; em relação à margem postero-inferior da sínfise púbica. A mobilidade de seis pontos eqüidistantes, localizados ao longo do comprimento da uretra, do colo da bexiga ao meato uretral externo foi descrita. Neste estudo observou-se que a IUE e a incontinência urodinâmica de estresse, mas não a urge-incontinência, a hiperatividade do detrusor ou a disfunção miccional, foram fortemente associadas à mobilidade da uretra média. Concluiu-se que a fixação da uretra média e EURP 2011; 3(1): 24-26


26

Gusmão et al – Incontinência urinária de esforço não do colo vesical parece ser mais importante para que haja continência. Durante um exame de US bidimensional em tempo real, é difícil a avaliação de todos os movimentos e direções em que estes ocorrem durante a realização de uma maonobra de Valsalva. A direção e sincronização do movimento dos tecidos perineais podem ser mais importantes do que as amplitudes em si, para o mecanismo de continência urinária feminina. A US bidimensional pode apenas informar a posição de repouso da uretra e do deslocamento no final durante uma manobra de Valsalva ou de uma contração voluntária do assoalho pélvico. e tosse 8. As dificuldades em determinar com precisão o ponto de chegada de qualquer manobra rápida, são numerosas e são uma fonte potencial de erro. O operador tem que fazer várias medições na tela, ou determinar o momento exato de pico, ou a posição final da manobra, congelá-lo visualmente na tela, e então medir a mudança de posição manualmente na tela. Sem corrigir o movimento da sonda em relação à sínfise púbica os erros percentuais variam entre 18% e 87% 9. Claramente, a fim de se definir a função normal da assoalho pélvico é essencial para capturar e visualizar a seqüência de mudanças dinâmicas que a movimentação produz na uretra, na vagina e no reto utilizando métodos digitais de processamento de imagem. Para determinar o desvio de função normal, é útil para direcionar a avaliação dos voluntários assintomáticos e desenvolver uma série de parâmetros funcionais da normalidade para então podermos realizar a comparação com aquelas com IUE 8. Considerações finais Espera-se que através da melhor compreensão dos processos e os mecanismos envolvidos no

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

funcionamento do assoalho pélvico, possamos identificar melhor os parâmetros mais sensíveis e adequados para o diagnóstico apropriado e conseqüente tratamento direcionado. Atualmente a aplicação da US na avaliação diagnóstica da mulher com queixa de incontinência ainda está aquém do necessário para seu uso clínico rotineiro. Referências

1. Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U, et al. The standardisation of terminology of lower urinary tract function: report from the Standardisation Sub-committee of the International Continence Society. Am J Obstet Gynecol 2002;187:(1):116-126. 2. Thom DH, van den Eeden SK, Ragins AI, Wassel-Fyr C, Vittinghof E, Subak LL, et al. Differences in prevalence of urinary incontinence by race/ethnicity. J Urol 2006;175:(1):259-264. 3. Deng DY. Urinary incontinence in women. Med Clin North Am 2011;95:(1):101-109. 4. Pirpiris A, Shek KL, Dietz HP. Urethral mobility and urinary incontinence. Ultrasound Obstet Gynecol 2010;36:(4):507-511. 5. Fritel X, Fauconnier A, Bader G, Cosson M, Debodinance P, Deffieux X, et al. Diagnosis and management of adult female stress urinary incontinence: guidelines for clinical practice from the French College of Gynaecologists and Obstetricians. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2010;151:(1):14-19. 6. Luber KM. The definition, prevalence, and risk factors for stress urinary incontinence. Rev Urol 2004;6 Suppl 3:S3-9. 7. Lewicky-Gaupp C, Blaivas J, Clark A, McGuire EJ, Schaer G, Tumbarello J, et al. "The cough game": are there characteristic urethrovesical movement patterns associated with stress incontinence? Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2009;20:(2):171-175. 8. Constantinou CE. Dynamics of female pelvic floor function using urodynamics, ultrasound and Magnetic Resonance Imaging (MRI). Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2009;144 Suppl 1:S159165. 9. Reddy AP, DeLancey JO, Zwica LM, Ashton-Miller JA. On-screen vector-based ultrasound assessment of vesical neck movement. Am J Obstet Gynecol 2001;185:(1):65-70.

EURP 2011; 3(1): 24-26


Artigo de Revisão Síndrome da transfusão feto-fetal: uma visão geral Twin-twin transfusion syndrome: an overview Andréa M de Oliveira 1, Carolina O Nastri1,2, Francisco Mauad Filho1,2, Wellington P Martins 1, 2

A síndrome da transfusão feto-fetal (STFF) se desenvolve tipicamente entre 15 e 26 semanas de gestação, em gestações monocoriônicas. As anastomoses vasculares placentárias são características das gestações monocoriônicas e a principal causa das complicações perinatais, quando ocorre a passagem desbalanceada de sangue de um feto (doador) para outro (receptor), por meio destas, resultando numa discordância do volume do líquido amniótico. Outras características importantes encontradas nessas gestações são alterações no estudo Doppler, alterações da função cardíaca, danos neurológicos, até a morte de um ou ambos os fetos. Dentre o arsenal terapêutico, a ablação a laser das anastomoses se tornou a única terapia fetal invasiva comprovada por estudos randomizados e controlados a melhorar a sobrevida perinatal. Este artigo pretende apresentar uma visão geral acerca das modalidades diagnósticas disponíveis na síndrome da transfusão feto-fetal e seus resultados, e avaliar criticamente a importância do arsenal terapêutico para essa condição. Palavras-chave: Transfusão feto-fetal; Gêmeos monozigóticos, Terapia à laser.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 26/01/2011, aceito para publicação em 01/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Twin-twin transfusion syndrome typically develops at between 15 and 26 weeks of gestation in monochorionic pregnancies. The placental vascular anastomoses are landmarks of monochorionic pregnancies and are the main cause of perinatal complications, when an unbalanced passage of blood from the donor to the receiver occurs, resulting in a discrepancy in the volume of amniotic fluid. Other key features found in these pregnancies are changes in the Doppler study, changes in cardiac function, brain damage, until the death of one or both fetuses. Among the therapeutic arsenal, laser ablation of the anastomoses became the only confirmed invasive fetal therapy proven by randomized controlled trials to improve perinatal survival. This article aims to present an overview of possible modalities of the twin-twin transfusion syndrome diagnostic and their results, and to evaluate critically the importance of the therapeutic arsenal for this condition. Keywords: Fetofetal Monozygotic; Laser therapy.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

transfusion;

Twins,

EURP 2011; 3(1): 27-31


28

Oliveira et al – Síndrome da transfusão feto-fetal Introdução A síndrome da transfusão feto-fetal (STFF) ocorre entre 5,5% e 17,5% de todas as gestações monocoriônicas e tipicamente se desenvolve entre 15 e 26 semanas de gestação. É definida sonograficamente pela presença combinada de polidrâmnia em um saco e oligoidrâmnia no outro, em gestações monocoriônicas diamnióticas 1. Quando o diagnóstico é feito antes da 26ª semana, está associada com risco de mortalidade entre 79% e 100% de um ou ambos os fetos, além de lesão neurológica nos sobrevivente 2. Nessas ocasiões, danos neurológicos ocorrem em 25 a 35% dos sobreviventes, resultando de distúrbios hemodinâmicos e/ou da prematuridade. Sabe-se que gestações gemelares estão associadas a um risco aumentado de morbidade e mortalidade perinatal em comparação à gestações únicas 3; esses riscos são 3 a 10 vezes maiores em gêmeos monocoriônicas. As anastomoses vasculares placentárias são características das gestações monocoriônicas e são a principal causa das complicações perinatais 4, 5. A passagem desbalanceada de sangue de um feto (doador) para outro (receptor) por meio destas anastomoses, pode resultar numa discordância do volume do líquido amniótico, com hipovolemia, oligúria e oligodrâmnia no doador e hipervolemia, poliúria e polidrâmnia no receptor. Se grave, o doador pode manifestar restrição de crescimento intra-uterino, hipoxemia e artéria umbilical com fluxo diastólico ausente ou reverso, enquanto o receptor pode progredir com cardiomegalia, fluxo diastólico ausente ou reverso no ducto venoso e hidropsia 6. Fisiologia da placenta Dados da literatura especializada demonstram que a maioria das placentas de gêmeos monocoriônicos possuem anastomoses entre as duas circulações fetais. As anatomoses são classificadas em dois tipos: anastomoses superficiais na placa coriônica, entre pares de artérias (AA) ou veias (VV) das duas diferentes circulações e conexões mais profundas entre artérias da placa coriônica e veias do outro gemelar, conhecidas como anastomoses artériovenosas (AV) 6. Todos os ramos das anastomoses correm sobre a superfície e podem ser identificados sob visão direta. Anastomoses AV permitem fluxo unidirecional entre as duas circulações, enquanto as anastomoses AA ou VV são bidirecionais, com a direção e volume do fluxo determinado pela diferença de pressão entre as duas circulações. A síndrome da transfusão feto-fetal ocorre predominantemente na presença de anastomoses AV quando não Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

compensadas pelas anastomoses AA. Normalmente, as anastomoses AV são encontradas em 90-95% e as anastomoses AA em 85-90% de placentas monocoriônicas, enquanto as anastomoses VV são raras (15-22%) e associadas a sobrevida perinatal pequena, porém não com a síndrome da transfusão feto-fetal. Na ausência de anastomoses AA, 43-78% dos casos desenvolvem a síndrome, comparado com 14% quando a anastomose está presente 6. Diagnóstico O conhecimento da corionicidade e amnionicidade pode ajudar a diferenciar entre a gravidez complicada pela síndrome de transfusão feto-fetal da complicada pela restrição de crescimento, além de apresentar implicações na condução da gravidez 7. O diagnóstico precoce da corionicidade antes de 15 semanas é crucial, sendo auxiliado pela determinação do sexo dos fetos, da visibilização da placenta e caracterização da membrana divisória. A presença de fetos do mesmo sexo, de uma placenta única e de uma fina membrana em forma de “T” sugere gestação monocoriônica diamniótica8. Preditores A avaliação das gestações gemelares no começo do segundo trimestre pode contribuir para a detecção precoce e eventual tratamento da síndrome da transfusão feto-fetal em estágios iniciais. Três marcadores foram propostos para predizer a síndrome da transfusão feto-fetal: translucência nucal aumentada, “dobra da membrana” e ausência de anastomoses AA. A presença de edema nucal no feto receptor é uma manifestação precoce de comprometimento hemodinâmico, porém com baixa sensibilidade (33%) e valor preditivo positivo também baixo para o diagnóstico da síndrome (28%) 9, 10. A “dobra” na membrana inter-gemelar entre 15 e 17 semanas é visto em 32% das gestações monocoriônicas diamnióticas, refletindo diminuição do líquido amniótico em um dos gêmeos. É capaz de identificar 91% dos casos de síndrome da transfusão feto-fetal e apresenta valor preditivo positivo de 43% 10, 11 . Anastomoses AA podem ser identificadas por estudo Doppler precocemente (em torno de 10 semanas), porém a detecção depende do tamanho, com a maioria sendo detectada somente após 18 semanas. Taylor et al confrontaram os resultados das imagens obtidas com o estudo Doppler e achados patológicos da placenta em 105 gêmeos monocoriônicos, onde anastomoses AA foram identificados com ultrassom em 56% dos casos e em EURP 2011; 3(1): 27-31


29

Oliveira et al – Síndrome da transfusão feto-fetal 65% no exame patológico. A ausência de anastomose AA apresenta melhor sensibilidade (64) e valor preditivo positivo (71%) do que a translucência nucal para o diagnóstico da síndrome 6. Porém, a dúvida fica se realmente ocorre ausência da anastomose AA ou simplesmente a não detecção até o terceiro trimestre. Outros marcadores associados ao diagnóstico da síndrome também foram identificados. A disparidade no tamanho dos fetos (medida através do comprimento cabeça-nádega) foi associada a um aumento do risco de desenvolver a síndrome e, quanto mais cedo a discordância, mais cedo o desenvolvimento da síndrome 12. No entanto em outro estudo13, a disparidade de tamanho não se mostrou um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome, mas a espessura da TN acima do percentil 95 em pelo menos um dos gêmeos foi 11. A discordância entre o volume de líquido amniótico na 16º semana tem sensibilidade de 67% e valor preditivo positivo de 40% 14. Estadiamento Uma classificação de 5 estágios 15 para os casos de síndrome da transfusão feto-fetal foi proposta com a esperança de definir o prognóstico pelos parâmetros ultra-sonográficos e clínicos, que poderiam ser usados para prever quais casos iriam evoluir com hidropisia fetal ou morte. No estágio I, há uma discrepância entre os tamanhos das bexigas fetais e entre a quantidade de líquido amniótico nas duas câmaras âmnicas (doador com maior bolsão de líquido amniótico menor do que 2 cm; receptor com maior bolsão de líquido amniótico maior do que 8 cm). No estágio II, o feto doador fica com a bexiga permanentemente vazia e em anâmnio (stuck twin), enquanto o receptor apresenta bexiga distendida e polidrâmnio. No estágio III, começam as alterações doplervelocimétricas em um ou ambos os fetos (aumento de resistência da artéria umbilical do doador; aumento no índice de pulsatilidade/ausência ou inversão de fluxo durante a contração atrial no ducto venoso do receptor). No estágio IV, o receptor desenvolve hidropisia. No estágio V, há óbito de um ou ambos os fetos. São considerados casos graves de STFF aqueles em estágios II, III, IV e V. O sistema atual de estadiamento da doença não está refletindo a sua progressão, mas sim as diferentes apresentações clínicas 16. Observa-se que a morte de ambos os fetos pode ocorrer no estágio I ou II, sem que tenham passado pelo estágio III ou IV, enquanto alteração do fluxo diastólico no doador pode ocorrer antes da variação de índice de líquido amniótico. O estadiamento também auxilia a predizer resultados, com os estágios I e II com melhores Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

resultados prognósticos que o III e IV, independente do tipo de tratamento 6. Em 2009 um sistema de estadiamento alternativo foi proposto 16, considerando doadores e receptores separadamente. O estadiamento proposto para os fetos doadores é assim classificado: estágio I quando a estimativa do peso fetal está abaixo do percentil 20, estágio II quando a velocidade na artéria umbilical ou ducto venoso está reduzida, estágio III quando o feto demonstrar sinais de anemia, baseado no pico da velocidade sistólica da artéria cerebral média, e estágio IV, morte fetal. Já no estadiamento proposto para os receptores, no estágio I observa-se redução na velocidade da artéria umbilical, no estágio II, alteração do Índice de desempenho miocárdico, no estágio III ocorre a hidropisia fetal e no IV a morte. Infelizmente esse modelo de estadiamento não foi avaliado ou validado em um adequado estudo de coorte. No entanto, vários outros parâmetros fisiológicos que incluem índices cardíacos e marcadores de alterações hemodinâmicas sistêmicas parecem ser promissores para a melhor previsão da progressão da doença e dos resultados perinatais ou pediátricos, mas devem ser comparados e validados em estudos de coorte antes de implementálos como padrão 17. Os achados anormais no Doppler exercem um maior valor preditivo para morte perinatal quando comparados a não visibilizização de bexiga fetal, sugerindo que os casos classificados no estágio II de Quintero devem ser avaliados com cuidado para outros parâmetros, sobretudo quando alterações na artéria umbilical e no ducto venoso estão presentes 18. Uma proposta interessante 19, recentemente apresentada por Stamilio et al., porém também ainda não validada, seria a realização de algumas adequações no estadiamento de Quintero: no estágio I de Quintero a definição de polidrâmnio como a presença de um bolsão maior que 8 cm em gestações com 20 semanas ou menos ou 10 cm em gestaçãoes acima de 20 semanas, a junção do estágio I e II, combinar o estágio I e II com subclassificações baseadas nas taxas de fluxo urinário, subclassificações do estágio I baseados na presença ou ausência de anastomoses AA e no Índice de desempenho miocárdico. Monitorização fetal A ultrassonografia seriada, a cada 2 semanas, é recomendada para avaliar crescimento, Doppler e volume de líquido amniótico 6. Cada caso deve ser individualizado. EURP 2011; 3(1): 27-31


30

Oliveira et al – Síndrome da transfusão feto-fetal Medida do colo No momento do diagnóstico da STFF, a medida do comprimento do colo do útero pode auxiliar na predição de parto pré-termo. Na avaliação de 137 gestantes 20 quando do diagnóstico de STFF, o achado de comprimento do colo < 30mm mostrou um valor preditivo positivo de 74% para parto com menos de 34 semanas e a medida do colo < 20mm mostrou valor preditivo positivo de 74% para parto antes de 28 semanas. Ecocardiografia fetal Na presenca de STFF o exame é essencial principalmente devido a lesões na via de saída do ventrículo direito, comuns na era do laser, além de informações mais completas da função cardiovascular fetal que o estudo Doppler. Além disso o indice TEI, para avaliação global da função sistólica e diastólica, correlaciona bem o grau de disfunção e pode detectar mudanças no miocárdio em estágios iniciais no receptor, porém estudos mostram que seu uso não muda a sobrevida 6. Tei, em 1995, desenvolveu uma medida combinada de função ventricular (agora chamado de Índice de desempenho miocárdico [MPI]) com avaliação ultra-sonográfica do ciclo cardíaco: MPI (TIC IRT)/ ET, onde o TIC corresponde ao tempo de contração isovolumétrica, IRT é tempo de relaxamento isovolumétrico, e ET é o tempo de ejeção. Enquanto a função cardíaca no doador é similar a de um gêmeo monocoriônico não afetado pela STFF, o receptor mostra uma sequência progressiva de anormalidades como: aumento das velocidades da artéria pulmonar e da aorta, hipertrofia ventricular, regurgitação na válvula átrio- ventricular 21, 22. Rychik et al. 23 realizaram uma avaliação da função cardíaca em receptores e concluiram que a avaliação de parâmetros cardiovasculares na STFF, especialmente em fases iniciais, pode fornecer informações importantes e úteis para discriminar gêmeos com maior morbidade. Imagem Cerebral A ultrassonografia e a ressonância nuclear magnética são métodos complementares para avaliar a integridade cerebral fetal, principalmente após a morte de um gêmeo, quando o outro gêmeo fica exposto a um risco de 18% de desenvolver anormalidades neurológicas 24. A ultrassonografia requer até duas semanas e a ressonância de 1 a 2 dias para detectar tais alterações 25. A STFF está associada a uma variedade de lesões intracranianas 26, que incluem leucomalácia periventricular, leucoencefalopatia multicística, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

hemorragia intraventricula, hidrocefalia e outras. Ainda 5% a 27% de gêmeos sobreviventes apresentaram evidência de sequelas no sistema nervoso central em imagens de ressonância magnética ou ultrassonografia no período pósnatal.As alterações vasculares que ocorrem após a morte de um gêmeo podem levar a uma hemorragia feto-fetal num período de horas. Tratamento As opções terapêuticas para os casos de STFF grave são a amniodrenagem seriada, a septostomia e a ablação vascular a laser. A amniodrenagem seriada foi, por muito tempo, o tratamento de escolha para a doença e ainda é bastante utilizada na maioria dos centros de referência para a terapêutica fetal em nosso país. Utilizando-se de um procedimento técnico mais simples, quando comparado aos outros tipos de tratamento, proporciona alívio do polidrâmnio e prolongamento da gestação, porém não elimina a causa da STFF. A sobrevida de pelo menos um dos fetos após tal tratamento é descrita variando de 47% a 91%, mas a ocorrência de danos neurológicos em 22% a 55% dos sobreviventes 27. A septostomia tem sido abandonada em decorrência de suas possíveis complicações, como a banda amniótica e o aprisionamento do cordão umbilical por entre as lâminas de um âmnio. A ablação endoscópica das anastomoses se tornou a única terapia fetal invasiva comprovada por estudos randomizados e controlados a melhorar a sobrevida perinatal 28. É importante ressaltar que apesar do avanço da técnica, os riscos de morbidade e mortalidade permanecem. A fotocoagulação a laser de vasos da placenta pode levar à rotura prematura de membranas dentro de 1 e 3 semanas do procedimento 29. Outras complicações menos freqüentes incluem amniorrexe na cavidade peritoneal materna (7%), sangramento vaginal (4%), descolamento de placenta (2%), e corioamnionite (2%). A seleção criteriosa dos casos para o tratamento invasivo é essencial, especialmente se considerarmos que até dois terços dos casos permanecem estáveis ou regridem sem terapia 30. Considerações finais A STFF é uma complicação das gestações múltiplas monocoriônicas e é definida pela ultra-sonografia como a presença combinada de polidramnia em uma das bolsas e oligodramnia na outra, em gestações monocoriônicas e diamnióticas. O seguimento dessas gestantes deve ser individualizado, com exames ultrassonográficos seriados, para o diagnóstico mais precoce da síndrome e seu tratamento oportuno, em EURP 2011; 3(1): 27-31


31

Oliveira et al – Síndrome da transfusão feto-fetal centros especializados. A proposta de estadiamento tem valor prognóstico, porém a doença pode ou não progredir seguindo o padrão. Mais estudos são necessários para o conhecimento da evolução natural dessa condição. O aspecto mais controverso da STFF é, sem dúvida, o tratamento. Apesar do avanço das técnicas, os riscos de morbidade e mortalidade permanecem. A busca por melhores preditores no primeiro trimestre para o desenvolvimento da síndrome e o uso racional das modalidades terapêuticas contribuirão para o desenvolvimento de protocolos para uma melhor conduta da síndrome. Referências

1. Quintero RA. Twin-twin transfusion syndrome. Clin Perinatol 2003;30:(3):591-600. 2. Duncombe GJ, Dickinson JE, Evans SF. Perinatal characteristics and outcomes of pregnancies complicated by twin-twin transfusion syndrome. Obstet Gynecol 2003;101:(6):1190-1196. 3. Martin JA, Hamilton BE, Sutton PD, Ventura SJ, Menacker F, Munson ML. Births: final data for 2002. Natl Vital Stat Rep 2003;52:(10):1-113. 4. Sebire NJ, Snijders RJ, Hughes K, Sepulveda W, Nicolaides KH. The hidden mortality of monochorionic twin pregnancies. Br J Obstet Gynaecol 1997;104:(10):1203-1207. 5. Snijder MJ, Wladimiroff JW. Fetal biometry and outcome in monochorionic vs. dichorionic twin pregnancies; a retrospective cross-sectional matched-control study. Ultrasound Med Biol 1998;24:(2):197-201. 6. Fisk NM, Duncombe GJ, Sullivan MH. The basic and clinical science of twin-twin transfusion syndrome. Placenta 2009;30:(5):379-390. 7. Gallarreta FM, Martins WP, Nastri CO, Mauad Filho F, Nicolau LG, Barra DA, et al. Evaluation of ductus venosus and inferior vena cava by using multiple Doppler ultrasound parameters in healthy fetuses. Arch Gynecol Obstet 2010; 8. Egan JF, Borgida AF. Multiple gestations: the importance of ultrasound. Obstet Gynecol Clin North Am 2004;31:(1):141-158. 9. Kagan KO, Gazzoni A, Sepulveda-Gonzalez G, Sotiriadis A, Nicolaides KH. Discordance in nuchal translucency thickness in the prediction of severe twin-to-twin transfusion syndrome. Ultrasound Obstet Gynecol 2007;29:(5):527-532. 10. Sebire NJ, D'Ercole C, Carvelho M, Sepulveda W, Nicolaides KH. Inter-twin membrane folding in monochorionic pregnancies. Ultrasound Obstet Gynecol 1998;11:(5):324-327. 11. Sebire NJ, Souka A, Skentou H, Geerts L, Nicolaides KH. Early prediction of severe twin-to-twin transfusion syndrome. Hum Reprod 2000;15:(9):2008-2010. 12. El Kateb A, Nasr B, Nassar M, Bernard JP, Ville Y. Firsttrimester ultrasound examination and the outcome of monochorionic twin pregnancies. Prenat Diagn 2007;27:(10):922925. 13. Sebire NJ, D'Ercole C, Soares W, Nayar R, Nicolaides KH. Intertwin disparity in fetal size in monochorionic and dichorionic pregnancies. Obstet Gynecol 1998;91:(1):82-85. 14. Lewi L, Lewi P, Diemert A, Jani J, Gucciardo L, Van Mieghem T, et al. The role of ultrasound examination in the first trimester and at 16 weeks' gestation to predict fetal complications in monochorionic diamniotic twin pregnancies. Am J Obstet Gynecol 2008;199:(5):493 e491-497.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

15. Quintero RA, Morales WJ, Allen MH, Bornick PW, Johnson PK, Kruger M. Staging of twin-twin transfusion syndrome. J Perinatol 1999;19:(8 Pt 1):550-555. 16. Rossi AC, D'Addario V. The efficacy of Quintero staging system to assess severity of twin-twin transfusion syndrome treated with laser therapy: a systematic review with meta-analysis. Am J Perinatol 2009;26:(7):537-544. 17. Habli M, Lim FY, Crombleholme T. Twin-to-twin transfusion syndrome: a comprehensive update. Clin Perinatol 2009;36:(2):391-416, x. 18. Murakoshi T, Ishii K, Nakata M, Sago H, Hayashi S, Takahashi Y, et al. Validation of Quintero stage III sub-classification for twintwin transfusion syndrome based on visibility of donor bladder: characteristic differences in pathophysiology and prognosis. Ultrasound Obstet Gynecol 2008;32:(6):813-818. 19. Stamilio DM, Fraser WD, Moore TR. Twin-twin transfusion syndrome: an ethics-based and evidence-based argument for clinical research. Am J Obstet Gynecol 2010;203:(1):3-16. 20. Robyr R, Boulvain M, Lewi L, Huber A, Hecher K, Deprest J, et al. Cervical length as a prognostic factor for preterm delivery in twin-to-twin transfusion syndrome treated by fetoscopic laser coagulation of chorionic plate anastomoses. Ultrasound Obstet Gynecol 2005;25:(1):37-41. 21. Karatza AA, Wolfenden JL, Taylor MJ, Wee L, Fisk NM, Gardiner HM. Influence of twin-twin transfusion syndrome on fetal cardiovascular structure and function: prospective case-control study of 136 monochorionic twin pregnancies. Heart 2002;88:(3):271-277. 22. Michelfelder E, Gottliebson W, Border W, Kinsel M, Polzin W, Livingston J, et al. Early manifestations and spectrum of recipient twin cardiomyopathy in twin-twin transfusion syndrome: relation to Quintero stage. Ultrasound Obstet Gynecol 2007;30:(7):965971. 23. Rychik J, Tian Z, Bebbington M, Xu F, McCann M, Mann S, et al. The twin-twin transfusion syndrome: spectrum of cardiovascular abnormality and development of a cardiovascular score to assess severity of disease. Am J Obstet Gynecol 2007;197:(4):392 e391398. 24. Ong SS, Zamora J, Khan KS, Kilby MD. Prognosis for the cotwin following single-twin death: a systematic review. BJOG 2006;113:(9):992-998. 25. Simonazzi G, Segata M, Ghi T, Sandri F, Ancora G, Bernardi B, et al. Accurate neurosonographic prediction of brain injury in the surviving fetus after the death of a monochorionic cotwin. Ultrasound Obstet Gynecol 2006;27:(5):517-521. 26. Quarello E, Molho M, Ville Y. Incidence, mechanisms, and patterns of fetal cerebral lesions in twin-to-twin transfusion syndrome. J Matern Fetal Neonatal Med 2007;20:(8):589-597. 27. Peralta CF, Ishikawa LE, Bennini JR, Braga Ade F, Rosa IR, Biondi MC. [Laser ablation of placental vessels for treatment of severe twin-twin transfusion syndrome--experience from an university center in Brazil]. Rev Bras Ginecol Obstet 32:(5):214221. 28. Senat MV, Deprest J, Boulvain M, Paupe A, Winer N, Ville Y. Endoscopic laser surgery versus serial amnioreduction for severe twin-to-twin transfusion syndrome. N Engl J Med 2004;351:(2):136-144. 29. Hack KE, Nikkels PG, Koopman-Esseboom C, Derks JB, Elias SG, van Gemert MJ, et al. Placental characteristics of monochorionic diamniotic twin pregnancies in relation to perinatal outcome. Placenta 2008;29:(11):976-981. 30. Dickinson JE, Evans SF. The progression of disease stage in twin-twin transfusion syndrome. J Matern Fetal Neonatal Med 2004;16:(2):95-101.

EURP 2011; 3(1): 27-31


Artigo de Revisão Ultrassonografia no trauma agudo Acute trauma ultrassonography Cristiane Chame 1, Wellington P Martins 1, 2

O FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) é um protocolo ultrassonográfico limitado, desenhado para o diagnóstico de hemoperitôneo e hemopericárdio nas vítimas de trauma abdominal. Atualmente, o método é considerado parte da avaliação primária do trauma, sendo realizado simultaneamente às manobras de ressuscitação cardiopulmonar nos pacientes hemodinamicamente instáveis. Suas características, indicações, vantagens, limitações e as novas perspectivas da ultrassonografia nas unidades de emergência serão discutidas neste trabalho Palavras-chave: Técnicas e Procedimentos Diagnósticos; Ultrassonografia; Traumatismo Múltiplo

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 31/03/2011, aceito para publicação em 31/03/2011. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) is a restricted ultrasound protocol, designed for the diagnosis of hemopericardium and hemoperitoneum in abdominal trauma victims. Currently, the method is regarded as part of the primary survey of trauma, carried out simultaneously with cardiopulmonary resuscitation in hemodynamically unstable patients. Features, indications, advantages, limitations and new perspectives for ultrasound in emergency units will be discussed in this work. Keywords: Diagnostic Techniques and Procedures; Ultrasonography; Multiple Trauma.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011; 3(1): 32-37


33

Chame & Martins – Ultrassonografia no trauma Introdução Na avaliação inicial do trauma abdominal, a história e o exame físico são limitados pela variabilidade de apresentação das lesões, o comprometimento do estado de consciência, a dor e a condição crítica do paciente. De modo geral, há necessidade de complementação da investigação com exames de apoio, sendo tradicionalmente utilizados o lavado peritoneal diagnóstico (LPD), a tomografia computadorizada (TC) e, mais recentemente, a ecografia. Dentre as aplicações da ultrassonografia nos serviços de emergência, a mais bem descrita e universalmente aceita refere-se ao trauma abdominal fechado conhecido ou presumível, com a finalidade de identificar líquido livre como sinal indireto de hemorragia aguda e lesão de órgãos 1. O protocolo

FAST – Focused Assesment with Sonography for Trauma estabelece um guia para a avaliação ultrassonográfica rápida do abdome. Muitos serviços e alguns autores consideram-no mesmo indispensável 2 . O exame é objetivo, limitado e busca a presença de hemoperitoneo e tamponamento cardíaco. A rápida execução do método, sem interferir nas manobras de reanimação, vem contribuindo para a crescente utilização do FAST entre os médicos que fazem o atendimento primário ao politraumatizado, sendo hoje considerado extensão da avaliação inicial, incorporado pelo Advanced Trauma Life Support (ATLS®) e suportado pelo nível I de evidência (ACS 2008). O baixo custo e a portabilidade dos equipamentos contribuem para a popularização também no atendimento pré-hospitalar 3, 4.

Figura 1. Imagens do exame FAST em voluntária saudável, mostrando em [a] lobo direito do fígado (F-LD), rim direito, e o recesso hepatorrenal; em [b] a janela cardíaca subxifóide, apresentando os ventrículos (VD e VE) e os átrios (AD e AE); em [c] o baço, o rim esquerdo e o recesso esplenorrenal; e em [d] a aquisição pélvica longitudinal, visualizando-se bexiga, útero e vagina. Adaptado de Smith et al. 2010 5.

Técnica No abdome superior, o sítio mais rapidamente preenchido por líquido livre é o espaço de Morison, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

pois a goteira parietocólica direita, em posição supina, localiza-se mais baixa que a contralateral e não apresenta resistência à invasão do recesso EURP 2011; 3(1): 32-37


34

Chame & Martins – Ultrassonografia no trauma hepatorrenal pelo líquido livre. À esquerda, o líquido tende a fluir para a área subfrênica antes de preencher o recesso esplenorrenal. Isto é importante ao exame ecográfico, uma vez que as alças costumam dificultar a avaliação da área abaixo do diafragma. Na região pélvica o líquido flui para o espaço retrovesical nos homens e para o fundo de saco de Douglas nas pacientes femininas 6. O paciente deve ser examinado em decúbito dorsal, se possível, usando-se uma sonda convexa com frequência habitual para abdome, normalmente 3,5 a 5,0 MHz. Devem-se obter quatro aquisições: (a) janela cardíaca subxifóide, para buscar derrame

pericárdico; (b) quadrante superior direito, longitudinal, na linha hemiaxilar direita na altura da 11ª a 12ª costelas, visualizando o lobo direito do fígado, o rim direito e o espaço de Morison; (c) quadrante superior esquerdo, longitudinal, na linha hemiaxilar posterior entre o 10º e o 11º arcos costais, para visualizar o baço, o rim esquerdo e o espaço entre estes; e (d) suprapúbica, com o transdutor longitudinal acima da sínfise púbica, devendo o exame ser realizado antes da inserção do cateter para esvaziamento vesical (Figura 1) 7.

Figura 2. Algoritmo padrão mostrando o papel central do FAST na decisão de conduta cirúrgica.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2011; 3(1): 32-37


35

Chame & Martins – Ultrassonografia no trauma Indicações O protocolo FAST foi desenvolvido para investigação de pacientes com trauma de abdome, fechado, conhecido ou suspeito. Pela frequência e gravidade das lesões viscerais associadas a outros traumas, todo paciente politraumatizado, especialmente se instável, deve ser assumido como vítima de trauma abdominal 8. Apesar do seu desenho inicialmente voltado para o trauma fechado, o método FAST vem sendo utilizado também para feridas penetrantes, com taxas variáveis de sensibilidade, entretanto um resultado positivo nesta situação mostrou-se bom preditor de lesão visceral 9. Atualmente, o ATLS® (Advanced Trauma Life Suport), programa desenvolvido pelo ACS (American College of Surgeons) para padronização universal do atendimento ao trauma, inclui o exame na rotina de atendimento do trauma fechado de abdome onde ocupa papel central na decisão sobre o encaminhamento urgente do paciente ao centro cirúrgico para exploração da cavidade ou ao exame de imagem considerado como padrão ouro, a TC (Figura 2) 10. Vantagens e limitações O método FAST, beneficiado pela tecnologia crescente em ultrassonografia e por aparelhos cada vez menores e mais acessíveis, apresenta a vantagem de ser rápido, portátil, não invasivo, seguro, reprodutível e bem aceito pelo paciente consciente. Integra-se às manobras de ressuscitação cardiopulmonar sem prolongar o tempo do atendimento e pode ser repetido para acompanhar a evolução do quadro, pois é isento de radiação. A avaliação costuma ser finalizada em menos de 3 minutos, frequentemente cerca de 30 segundos, e a duração depende da experiência do examinador e da existência ou não de hemoperitôneo, dado que o exame é considerado positivo quando identificado líquido livre em qualquer uma das aquisições 11, 12. Os poucos estudos sobre o impacto financeiro da utilização da ultrassonografia nos serviços de emergência, acenam favoravelmente ao investimento. Carece também de comprovação definitiva, seu descrito impacto na redução de exames mais complexos, na sobrevida e no tempo de hospitalização. 13, 14 A acurácia do exame tem sido amplamente investigada a fim de determinar sua utilidade como ferramenta de triagem. De modo geral, a literatura exibe alta especificidade e sensibilidade muito variável, de 42% a 95% 5, 10, 15-18. Sendo um exame que Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

depende da experiência do examinador, a divergência dos resultados não é surpreendente. Melhores taxas de sensibilidade são descritas entre os pacientes hemodinamicamente instáveis, que necessitam de uma decisão rápida quanto à necessidade de laparotomia imediata 1, 19, 20. Na identificação das lesões nos órgãos, importante colaboração para a intervenção cirúrgica, a acurácia é variável, apresentando taxas de 44% e 95% para sensibilidade e de 84 a 100% para especificidade. Também varia com o órgão lesado, não tendo valor na exclusão de lesões de vísceras ocas, por limitações próprias da técnica e pelo desenho do método, que avalia apenas segmentos do abdome, privilegiando o tempo. Outras limitações do FAST referem-se a pacientes obesos, enfisema subcutâneo e a escassez ou ausência de líquido livre 7, 21. Mesmo não sendo assunto de consenso, na prática, o FAST vem sendo utilizado no trauma perfurante de abdome. Nestes casos, o LPD se mantém como exame de triagem para a TC ou a laparotomia pelo protocolo ATLS® (ACS 2008). A maior contribuição da avaliação ecográfica para traumas abertos é a avaliação pericárdica, apresentando 100% de sensibilidade e 97% de especificidade 11. FAST e lavagem peritoneal diagnóstica Apesar do custo baixo e ótima sensibilidade do lavado peritoneal diagnóstico (LPD), este método vem sendo largamente substituído nos serviços que dispõe de ultrassonografia pela praticidade, segurança e rapidez do resultado que o FAST oferece. Além disso, o LPD é insensível para lesões de vísceras ocas e retroperitoneais. Apesar do baixo índice de complicações, este risco não pode ser desprezado e a presença de intervenções cirúrgicas prévias no abdome, a gestação e a existência de coagulopatia são contra-indicações relativas 22. FAST e tomografia A tomografia helicoidal permanece como exame de escolha na avaliação do abdome traumatizado pela capacidade de revelar lesões em órgãos sólidos e vísceras ocas, avaliando todo o abdome, incluindo pelve e retroperitôneo, além de outros segmentos e ossos. Na prática, entretanto, o método é dificilmente usado na abordagem primária por não ser viável em pacientes hemodinamicamente instáveis. Suas limitações incluem o alto custo, a exposição à radiação ionizante, necessidade de contraste e, especialmente, o tempo gasto com transporte, ex ecução e resultado final 5. Soma-se a isto a pouca disponibilidade do método em grande parte dos EURP 2011; 3(1): 32-37


36

Chame & Martins – Ultrassonografia no trauma serviços de emergência. A comparação do FAST com os outros exames disponíveis é mostrada na tabela 1. Tabela 1. Comparação das vantagens e desvantagens da realização de lavado peritoneal diagnóstico (LPD), ultrassonografia (FAST) e tomografia (TC) no trauma abdominal. Vantagens LPP Diagnóstico precoce

FAST Diagnóstico precoce

CT Especificidade alta

Rápida Sensibilidade alta Detecta lesões de intestino

Rápido Especificidade alta Pode ser repetido Sensibilidade alta nos pacientes instáveis (volume a ser detectado > 500ml) Limitações

Sensibilidade alta Detecta lesões em outros segmentos

Invasivo

LPP

FAST Depende do operador

Custo

Baixa especificidade

Gás (intestino e subcutâneo) e obesidade dificultam o exame.

Tempo

Insensível para lesões de diafragma e

Pouco sensível para lesões de

Disponibilidade

retroperitônio

diafragma, intestino ou pâncreas

CT

Sensibilidade apenas moderada para lesões de diafragma, intestino e algumas lesões de pâncreas Necessita de transporte Perspectivas As novas propostas de padronização do exame ecográfico no trauma assumem o FAST como base para adicionar-lhe aquisições e funções, tais como o diagnóstico de pneumotórax e derrame pleural (EFAST – Extended FAST ou FAST plus) 11, 23. O grupo WINFOCUS 24 criou um protocolo mais complexo de avaliação, totalmente integrada ao ABCDE do trauma consagrado pelo ATLS ®, que sugere, além da avaliação pulmonar e abdominal, sua utilidade em outras fases da rotina, tais como: o uso como guia em procedimentos invasivos e no manejo de vias aéreas, na estimativa da volemia pela avaliação da veia cava inferior, na medida da espessura total do nervo ótico como preditor de hipertensão craniana, entre outras aplicações na avaliação primária e secundária. O grupo sugere o nome FAST-ABCDE e uma rotina de treinamento modular, o USTLS (UltraSound in Trauma Life Support) 25 . Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Considerações finais Há certa concordância na literatura de que o papel do FAST no atendimento ao trauma abdominal carece de estudos mais robustos para conhecer o impacto do exame na sobrevida dos pacientes, no custo do atendimento e no treinamento do médico executor. Por outro lado, o exame já é realidade no atendimento primário nos países desenvolvidos e grandes centros e vem se difundindo rapidamente em todo o mundo. Na prática, sua utilização de fato em indicações não formais é consequência dessa popularização. Percebe-se uma tendência atual à valorização de protocolos alargados, deslocando o foco da discussão científica acerca da utilidade do FAST, agora consagrado pelo uso, para as suas variantes. À medida que práticas e propostas aumentam os limites do método, criam-se novos horizontes e novos desafios para a ultrassonografia nos setores de emergência.

EURP 2011; 3(1): 32-37


37

Chame & Martins – Ultrassonografia no trauma Referências

1. Gillman LM, Ball CG, Panebianco N, Al-Kadi A, Kirkpatrick AW. Clinician performed resuscitative ultrasonography for the initial evaluation and resuscitation of trauma. Scand J Trauma Resusc Emerg Med 2009;17:34. 2. Kirkpatrick AW, Ball CG, D'Amours SK, Zygun D. Acute resuscitation of the unstable adult trauma patient: bedside diagnosis and therapy. Can J Surg 2008;51:(1):57-69. 3. Nelson BP, Chason K. Use of ultrasound by emergency medical services: a review. Int J Emerg Med 2008;1:(4):253-259. 4. Walcher F, Weinlich M, Conrad G, Schweigkofler U, Breitkreutz R, Kirschning T, et al. Prehospital ultrasound imaging improves management of abdominal trauma. Br J Surg 2006;93:(2):238-242. 5. Smith J. Focused assessment with sonography in trauma (FAST): should its role be reconsidered? Postgrad Med J 2010;86:(1015):285-291. 6. Rose JS. Ultrasound in abdominal trauma. Emerg Med Clin North Am 2004;22:(3):581-599, vii. 7. Korner M, Krotz MM, Degenhart C, Pfeifer KJ, Reiser MF, Linsenmaier U. Current Role of Emergency US in Patients with Major Trauma. Radiographics 2008;28:(1):225-242. 8. Isenhour JL, Marx J. Advances in abdominal trauma. Emerg Med Clin North Am 2007;25:(3):713-733, ix. 9. Brooks A, Davies B, Smethhurst M, Connolly J. Prospective evaluation of non-radiologist performed emergency abdominal ultrasound for haemoperitoneum. Emerg Med J 2004;21:(5):e5. 10. Schnuriger B, Kilz J, Inderbitzin D, Schafer M, Kickuth R, Luginbuhl M, et al. The accuracy of FAST in relation to grade of solid organ injuries: a retrospective analysis of 226 trauma patients with liver or splenic lesion. BMC Med Imaging 2009;9:3. 11. Rippey JC, Royse AG. Ultrasound in trauma. Best Pract Res Clin Anaesthesiol 2009;23:(3):343-362. 12. Flato UAP, Guimarães HP, Lopes RD, Valiatti JL, Flato EMS, Lorenzo RG. Utilização do FAST-Estendido (EFAST-Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma) em terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva 2010;22:291-299. 13. Kirkpatrick AW. Clinician-performed focused sonography for the resuscitation of trauma. Crit Care Med 2007;35:(5 Suppl):S162172. 14. Soremekun OA, Noble VE, Liteplo AS, Brown DF, Zane RD. Financial impact of emergency department ultrasound. Acad Emerg Med 2009;16:(7):674-680. 15. Gaarder C, Kroepelien CF, Loekke R, Hestnes M, Dormage JB, Naess PA. Ultrasound performed by radiologists-confirming the

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

truth about FAST in trauma. J Trauma 2009;67:(2):323-327; discussion 328-329. 16. Tsui CL, Fung HT, Chung KL, Kam CW. Focused abdominal sonography for trauma in the emergency department for blunt abdominal trauma. Int J Emerg Med 2008;1:(3):183-187. 17. Nural MS, Yardan T, Guven H, Baydin A, Bayrak IK, Kati C. Diagnostic value of ultrasonography in the evaluation of blunt abdominal trauma. Diagn Interv Radiol 2005;11:(1):41-44. 18. van der Vlies CH, van Delden OM, Punt BJ, Ponsen KJ, Reekers JA, Goslings JC. Literature review of the role of ultrasound, computed tomography, and transcatheter arterial embolization for the treatment of traumatic splenic injuries. Cardiovasc Intervent Radiol 2010;33:(6):1079-1087. 19. Farahmand N, Sirlin CB, Brown MA, Shragg GP, Fortlage D, Hoyt DB, et al. Hypotensive patients with blunt abdominal trauma: performance of screening US. Radiology 2005;235:(2):436-443. 20. Lee BC, Ormsby EL, McGahan JP, Melendres GM, Richards JR. The utility of sonography for the triage of blunt abdominal trauma patients to exploratory laparotomy. AJR Am J Roentgenol 2007;188:(2):415-421. 21. Kendall JL, Faragher J, Hewitt GJ, Burcham G, Haukoos JS. Emergency Department Ultrasound Is not a Sensitive Detector of Solid Organ Injury. West J Emerg Med 2009;10:(1):1-5. 22. Whitehouse JS, Weigelt JA. Diagnostic peritoneal lavage: a review of indications, technique, and interpretation. Scand J Trauma Resusc Emerg Med 2009;17:13. 23. Kirkpatrick AW, Sirois M, Laupland KB, Liu D, Rowan K, Ball CG, et al. Hand-held thoracic sonography for detecting post-traumatic pneumothoraces: the Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma (EFAST). J Trauma 2004;57:(2):288-295. 24. WINFOCUS. Ultrasound for life support. Available at: https://4406967617956499430-a-winfocus-org-ssites.googlegroups.com/a/winfocus.org/world/uscme/uscmc/certi fication/USLS_WINFOCUS_Diagram.jpg?attachauth=ANoY7coEWd nEFOkTKqk6VyJorjiM_zT7AMygTx7Iye1S54OsF4Qw2Zno00G5a94n v7tJ0memrWyqeRKJRmxvHDlKswo9yJYZq3yUr_FN4HS0NVenORsF Bmk6THzfXrVNgNc46Ova2P2qJ4tyJhhH2BjxdHIXclbvounmuL8qoO YNNx-cHrF9TRgRjKmj4g3mEtdCYa7utXNng_wkaXddRnen2ZxwZvNQWJWDfdAQbHbhcyfyczlRORNsq A5dNvEV5DY8t1N2QkT&attredirects=0. 25. Neri L, Storti E, Lichtenstein D. Toward an ultrasound curriculum for critical care medicine. Crit Care Med 2007;35:(5 Suppl):S290-304.

EURP 2011; 3(1): 32-37


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.