EL GLOBO LE GLOBE THE GLOBE O GLOBO
VOTE! RÖSTA! ¡VOTA!
PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT
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PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO
PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA
THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD
# 52–53 • 2010/2011
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WORLD’S CHILDREN’S P SUÉCIA
CANADÁ
REINO UNIDO
MARIEFRED
EUA ISRAEL PALESTINA
GUINÉ-BISSAU
As pessoas dessa edição da The Globe (O Globo) moram nos seguintes países
GANA
PERU
BRASIL
NIGÉRIA
QUÊNIA
REPÚBLICA DO CONGO RD CONGO MOÇAMBIQUE ZIMBABUÉ
ÁFRICA DO SUL
Thanks! Tack! Merci ! ¡Gracias! Obrigado! Principais Parceiros dos Direitos da Criança Loteria Sueca do Código Postal Save the Children Suécia
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(distribuição de fundos da Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento) HM Rainha Silvia Parceiros dos Direitos da Criança Fundação Hugo Stenbeck, Fundação Surve Family, Televisão Sueca-Radiohjälpen, Body Shop da Suécia, Altor,
Ericsson, eWork & Fundação Crown Princess Margareta Memorial Patrocinadores dos Direitos da Criança Bengt Norman & AB Stockmarket, Sweden Thailand Support, Fundação Helge Ax:son Johnson, Sociedade Sueca pela Conservação da Natureza, Academia
Folke Bernadotte, Fundação Dahlströmska, Cordial, Bodman LLP, Olle Remaeus Set & Design e Artn Dito, Centas, Stockholm International Fairs, Mässrestauranger AB, Twitch Health Capital, MISA AB, Floristen i Mariefred, ICA Torghallen Mariefred, Gripsholm Inn, Gripsholmsviken, Adoptionscentrum, Lilla Akademien e todos os indivíduos Patrocinadores dos Direitos da Criança.
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PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO pelos Direitos da Criança Conteúdo O Que é o Prêmio das Crianças do Mundo? ....................................4 O que o Júri Infantil faz? Perfil do Júri ............................................................. 5 Mofat do Quênia ................................................. 8 Nuzhat de Bangladesh .............................. 13 Quais são os direitos da criança? Celebre os direitos da criança! ......... 18 Como estão as crianças no mundo? ............................................................. 20
PAQUISTÃO NEPAL
BANGLADESH
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O que é a Votação Mundial? Crianças da Suécia votam ..................... 22 Crianças da República do Congo votam .............................................. 23 Crianças do Quênia votam .................... 24 Crianças da Índia votam ........................... 30 Crianças da Nigéria votam .................... 44 Crianças de Guiné-Bissau votam........................................................................... 44 Crianças de Gana votam ......................... 45 Crianças da Birmânia votam ................ 56 Crianças do Paquistão votam............. 57 Crianças da RD Congo votam ........... 58 Crianças da África do Sul votam...... 60 Crianças dos EUA votam ........................ 61 Crianças do Brasil votam ........................ 62 Quem são os nomeados?.................. 67 Cecilia Flores-Oebanda, das Filipinas...............................................68–87 Monira Rahman, de Bangladesh ....................................88–105 Murhabazi Namegabe, da RD Congo .....................................106–125 O que é a Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa?......... 126 10°Aniversário do Prêmio das Crianças do Mundo................................. 127
Obrigado também ao: Júri Infantil, a todos os estudantes e professores das escolas Amigas Mundiais, todos os Adultos Honorários, amigos e patronos, Amigos Adultos, coordenadores e parceiros (veja páginas 130-131), aos conselhos administrativo e consultivo da Fundação Prêmio das Crianças do Mundo, ao conselho administrativo da organização Crianças do Mundo e a instituição Prêmio das Crianças do Mundo dos EUA.
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Editor chefe e responsável legal: Magnus Bergmar Colaboradores das edições 52–53: Carmilla Floyd, Kim Naylor, Monica Zak, Andreas Lönn, Bo Öhlen, Johanna Hallin, Tora Mårtens, Christiane Sampaio, Eh Thwa Bor, Britt-Marie Klang, Sofia Marcetic, Lucky Letshwene, Harshit Walia, Jan-Åke Winqvist, Lotta Mellgren Design: Fidelity Tradução: Semantix (inglês e espanhol), Cinzia Gueniat (francês), Glenda Kölbrant (português), Boonyanuj Pongisavaranun (tailandês), Preeti Shankar (hindi), M.A. Jeyaraju (tâmil) Foto da Capa: Ewa Stackelberg Pré-Impressão: Done Impressão: PunaMusta Oy ISSN 1102-8343
The Globe (O Globo) é publicada com o apoio da Sida (Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento) e a Save the Children da Suécia. PO Box 150, SE-647 24 Mariefred, Suécia Tel: +46 (0)159-12900 Fax: +46 (0)159-10860 e-mail: prize@worldschildrensprize.org www.worldschildrensprize.org
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O QUE É O PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO? O desafio do Prêmio das Crianças do Mundo é trabalhar em prol de um mundo mais humano, onde os direitos da criança sejam respeitados por todos. Estudantes de escolas cadastradas como Amigas Mundiais são bem-vindos para participar. Agora, há 53.500 escolas Amigas Mundiais, com 24 milhões de estudantes, em 101 países. Todo ano, as crianças decidem através de uma Votação Mundial quem deve receber o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. 7,1 milhões de crianças aprenderam sobre os direitos da criança e a democracia nas seguintes páginas: 1. Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa (página 126) O programa Prêmio das Crianças do Mundo tem início com a Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa, onde as crianças anunciam os três nomeados selecionados pelo Júri Infantil, e questionam autoridades locais sobre os direitos das crianças. 2. Os direitos da criança em sua vida (páginas 18–19) Você também pode ler o folheto informativo sobre o contexto dos direitos da criança em seu país (disponível também no website). Como estão os direitos da criança em sua vida e na vida de seus amigos? Proponha um debate sobre como as coisas deveriam ser e organize uma apresentação com as suas pro-
postas para pais, professores, políticos e a mídia. 3. Os direitos da criança no mundo (páginas 5–17, 20–21, 67–125) Leia sobre as crianças do Júri Infantil, como estão as crianças no mundo, os nomeados e as crianças pelas quais eles lutam.
Informe o resultado, com o número de votos que cada um dos nomeados recebeu, até o dia 22 de abril de 2011, através da urna disponível no website, ou para o coordenador local do programa em seu país.
4. Organize sua Votação Mundial (páginas 22–66) Leia sobre crianças ao redor do mundo que participam da Votação Mundial, estabeleça a data do seu Dia da Votação Mundial e organize todos os detalhes para a realização de uma eleição democrática. Convide a mídia, seus pais e políticos para vivenciar este dia com você.
6. Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa No mesmo dia, em todo o mundo, chegou a hora de revelar quem foi o homenageado pela votação. Neste dia, convide jornalistas da sua região para a conferência com a imprensa. Aproveite esta oportunidade para debater sobre os progressos que você gostaria de ver em relação aos direitos da criança.
5. Dia da Votação Mundial Celebre com festa e apresentações culturais.
7. Cerimônia do Prêmio (páginas 127–131) O programa Prêmio das
Crianças do Mundo encerra com a cerimônia no Castelo de Gripsholm, em Mariefred, na Suécia. Todos os três nomeados irão receber recursos em dinheiro pelo trabalho que realizam em prol das crianças. Em 2011, o valor total do prêmio é de USD 100.000 (dólares americanos). As crianças do Júri conduzem a cerimônia, e a Rainha Silvia da Suécia ajuda a apresentar os prêmios.
Idade limite para o Prêmio das Crianças do Mundo O programa Prêmio das Crianças do Mundo é aberto a todas as crianças e adolescentes, faixa etária de 10 a 17 anos. A idade limite é estabelecida segundo a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, que diz que você é criança até completar 18 anos. Há outras tantas razões que justificam a idade mínima para participação no programa. Muito assustador Para votar na Votação Mundial, é necessário que você leia atentamente sobre os três nomeados e as crianças pelas quais eles lutam. Algumas vezes, as histórias de vida
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das crianças são horríveis, e podem assustar crianças pequenas. Infelizmente, ainda não temos condições para criar mecanismos e envolver crianças menores de 10 anos. Converse com um adulto Esse ano, as crianças beneficiadas pelas ações dos nomeados foram submetidas a terríveis violações de seus direitos. Mesmo crianças maiores de 10 anos podem se assustar em ler sobre eles. Dessa forma, é fundamental consultar um adulto que possa ajudar você e seus amigos a decidirem se devem participar dessa edição do programa. É importante que, após a leitura das histórias, você possa dialogar com um adulto a respeito.
Rainha Silvia e Mandela são patronos Nelson Mandela, Rainha Silvia da Suécia e Graça Machel são alguns dos patronos e Amigos Adultos Honorários do Prêmio das Crianças do Mundo. Conheça outros patronos no www.worldschildrensprize.org
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Membros do Júri Infantil 2010 e 2011
O QUE FAZ O JÚRI INFANTIL? Os membros do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo são, por suas próprias experiências, especialistas em direitos da criança. As crianças podem fazer parte do júri até completarem 18 anos. Cada membro do júri representa, em primeiro lugar, todas as crianças do mundo com experiências semelhantes às suas. Porém, eles também representam as crianças de seu país e continente. Sempre que possível, o júri inclui crianças de todos os continentes e das principais religiões. • A partir de sua própria experiência de vida, as crianças do júri ensinam milhões de crianças em todo o mundo sobre violações aos direitos infantis, das quais elas próprias tenham sido vítimas ou contra as quais estejam lutando. • Todos os anos, o Júri Infantil seleciona os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo, entre os indicados durante o ano. • O Júri Infantil conduz a cerimônia anual do Prêmio das Crianças do Mundo. • Os membros do júri são embaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e ao redor do mundo. • Durante a semana da cerimônia de premiação, os membros do júri visitam escolas na Suécia e conversam sobre suas experiências de vida e os direitos da criança.
Aqui você conhece os membros do júri. Nas páginas seguintes, você poderá ler sobre Mofat Maninga, do Quênia, e Nuzhat Tabassum, de Bangladesh. Gabatshwane Gumede, 16, ÁFRICA DO SUL Ambos os pais de Gabatshwane morreram de Aids, quando ela era pequena. Muitas pessoas tinham medo de serem infectadas por Gaba. Apesar de ter feito um teste que provou que não era HIV negativo, ela não tinha amigos. Na escola, todos riam dela. Onde Gaba mora, a maioria dos moradores está desempregado. Muitos são HIV positivo e muitas crianças são órfãs. Hoje em dia, ninguém zomba de Gaba. Ela é uma cantora e campeã dos direitos da criança, e muitas crianças a têm como exemplo. Sempre que pode, Gaba compra alimentos para os pobres e doa cestas de alimentos aos colegas de escola que são órfãos. “Eu reivindico aos políticos que trabalhem pelos direitos da criança. Eu já
debati com a ministra da educação a respeito e fiz um discurso de abertura sobre os direitos da criança para o governo da nossa província”. Gabatshwane representa crianças que ficaram órfãs devido à Aids e crianças que lutam pelos direitos de crianças vulneráveis.
Ofek Rafaeli, 16, ISRAEL “Nós conversamos muito sobre o conflito entre Israel e Palestina em casa e na escola. Em Haifa, onde eu moro, árabes e judeus vivem juntos. Conheço muitas pessoas árabes na escola e durante o meu tempo livre. Gosto muito de estar com todos os tipos de pessoas e não vejo nenhuma diferença. Não importa se você é judeu ou muçulmano, israelita ou palestino. Para mim, os direitos da criança significam que todas as crianças devem ser
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livres e ter as mesmas oportunidades. Em Israel, muitos desses direitos são violados. As crianças têm direito à proteção e de viver sem o medo constante de morrer ou perder alguém da sua família. Na escola, muitas pessoas não se importam. Porém, acredito que o mais importante é agirmos. Temos que fazer algo a respeito.” Ofek representa crianças em áreas de conflito e crianças que querem o diálogo pela paz.
Hannah Taylor, 15, CANADÁ Quando Hannah tinha cinco anos, ela viu um homem comendo restos tirados de uma lata de lixo. Desde então, tem conversado com estudantes, políticos, empresários e o primeiro ministro do Canadá para dizer que não deveria haver pessoas sem-teto. Ela criou uma fundação que já arrecadou mais de 1 milhão de dólares americanos para projetos de apoio aos sem-teto, e iniciou um programa educacional para escolas. “Queremos mostrar que todos podem se engajar e fazer a diferença para os semteto e pelos direitos da criança. Todos nós precisamos compartilhar o que temos e devemos sempre nos importar uns com os outros”, diz Hannah. “Quando visitei um
lar para adolescentes semteto em Toronto, abracei todas as crianças. Uma delas, a mais quieta, disse: ‘Até hoje, eu achava que ninguém gostava de mim. Mas agora sei que você gosta de mim’". Hannah representa as crianças que lutam pelos direitos de outras crianças, principalmente as crianças sem-teto. Amar Lal , 14, ÍNDIA Amar Lal nasceu numa família escrava por dívida. Ele tem seis irmãos e toda a família é escrava por dívida numa pedreira no Rajastão. Quando ele tinha seis anos, era responsável por cuidar de todos os seus irmãos mais novos. Depois, começou a ajudar seu pai a quebrar pedras na pedreira. Eles usavam ferramentas que pesavam tanto quanto Amar. Era um trabalho difícil e cansativo. Com a ajuda da BBA (Salve a Infância), Amar foi libertado e passou a frequentar um centro para excrianças escravas por dívida. Agora ele está no nono ano da escola. Deseja se tornar um advogado e lutar pelos direitos das pessoas pobres. “Agora eu sei o que é a liberdade. Posso sonhar com um futuro onde não serei explorado. Aqui temos direito de ser criança, de rir e brincar”. Amar Lal representa crianças trabalhadoras, crianças escravas e crianças que “não existem”, porque nunca foram registradas.
Amy Lloyd, 17, REINO UNIDO “Eu nunca pude realmente contar com minha mãe. Ela costumava me deixar sozinha durante vários dias seguidos. Quando voltava para casa, dizia apenas 'O que você anda fazendo?’, e depois me batia. “Quando eu tinha 10 anos, minha mãe telefonou para o serviço social e disse que minha vida estaria em risco se eu continuasse a viver com ela. Ela poderia me matar. Naquele dia, era hora de eu deixar meu lar. Fui levada para a casa de uma pessoa estranha, onde ficava me perguntando o tempo todo o que eu havia feito de errado. Minha mãe sempre disse que a culpa era toda minha. Durante um período, acreditei nela e me culpei. Depois, percebi que não era culpa minha. A única coisa que sempre desejei é uma família normal, que me ame, independente das minhas atitudes ou aparência; só por eu ser quem sou”. Amy representa crianças que foram separadas de seus pais e que moram em abrigos do governo.
banho e trocar de roupa. A mulher mentiu e disse que eles faziam artesanatos. Quando percebeu que havia sido vendida para um bordel, ela chorou e se recusou a ver os “clientes”. Então bateram nela, e quase a estrangularam. Ela foi submetida a outras torturas até ceder. Era obrigada a estar com cerca de 15 a 20 homens todos os dias. Poonam tinha que usar muita maquiagem e uma saia bem curta. Os homens a obrigavam a consumir bebida alcoólica. Quando a polícia invadiu o bordel, ela pediu ajuda e foi libertada. Hoje, ela está de volta ao Nepal, e a organização Maiti Nepal a ajuda. Poonam representa a luta contra o tráfico de meninas que se tornam escravas em bordéis, e todas as meninas vítimas de abuso. Maria Elena Morales Achahui, 15, PERU Maria Helena deixou sua casa quando tinha 12 anos. Ela abandonou sua vila nas montanhas sem avisar seus parentes. Ela achava que o ensino na escola do vilarejo era fraco,
Poonam Thapa, 16, NEPAL Poonam, que é orfã, trabalhava em um restaurante quando um dos clientes sugeriu que ela a acompanhasse até Mumbai, na Índia. Quando elas chegaram, a dona da casa disse a ela para tomar um
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e também sabia que sua família, com oito crianças, enfrentava muitas dificuldades financeiras. Na cidade de Cuzco, ela se tornou empregada doméstica não remunerada da sua tia, que lhe dava apenas uns trocados. Tinha que trabalhar tanto que não conseguia ir à escola. Quando reclamou, sua tia começou a bater nela. Ela sentia muitas saudades de sua família e foi até sua casa para visitá-los. Quando retornou à casa de sua tia, ela a mandou embora. Hoje Maria Elena mora num abrigo de uma organização chamada Caith. Ela frequenta a escola e integra um grupo que atua em defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas. Maria Elena representa meninas que trabalham como domésticas, muitas vezes em situação de escravidão, e a luta pelos seus direitos.
Bwami Ngandu, 17, R.D. CONGO “Uma manhã a aldeia foi atacada por um grupo armado. Nós fugimos para a floresta, mas eu e outros 170 meninos fomos capturados e forçados a nos tornar soldados. Os rebeldes nos deram drogas que nos faziam pensar em matar e destruir. Após sermos treinados no uso de armas, fomos enviados para a bata-
Hamoodi Mohamad Elsalameen, 13, PALESTINA “Uma noite, os soldados israelenses vieram à nossa aldeia em tanques de guerra. Pelo alto-falante, eles ordenaram que todos acendessem as luzes e então dispararam em todas as direções. Três pessoas foram mortas”, diz Hamoodi, que vive em um vilarejo pobre no sul de Hebron, na Cisjordânia. Quando ele tinha cinco anos e lhe contaram como um garotinho havia sido morto, Hamoodi disse: “Quero uma arma!” Agora ele tem amigos judeus e joga futebol com eles várias vezes por mês em Israel. “Eu gosto de jogar futebol, mas não temos lugar para jogar aqui na aldeia. Costumamos jogar em um campo distante daqui, mas quando os soldados israelenses chegam para prender alguém, eles nos levam para
longe. Isso acaba com a diversão”, diz Hamoodi. Hamoodi representa as crianças em zonas de conflito e crianças que vivem em territórios ocupados. Lisa Bonongwe, 15 ZIMBÁBUE “Quando eu tinha 4 anos, meu pai bebia e batia na minha mãe quase todas as noites. As vezes, ela caía inconsciente no chão. Quando eu chorava e gritava dizendo a ele para parar, ele ficava louco e expulsava eu e meu irmão mais velho de casa. Tínhamos que dormir na varanda, até mesmo no ápice do inverno, quando estava muito frio. Quando eu tinha 7 anos, minha mãe expulsou meu pai de casa. Eu comecei a integrar o clube das meninas Girl Child Network em minha escola. No clube das meninas, conversamos sobre questões importantes para nós. Fora dos clubes, a vida não é segura para as meninas no Zimbábue. Somos abusadas, estupradas e precisamos fazer todo o trabalho doméstico. Se não há dinheiro suficiente, apenas os meninos têm permissão para frequentar a escolar. Eu ajudo a promover encontros e protestos pelos direitos das meninas”. Lisa representa crianças que lutam pelos direitos das meninas.
FOTOS: KIM NAYLOR
Brianna Audinett, 14, EUA Quando Brianna tinha 11 anos, sua mãe abandonou seu violento pai. Brianna e seus três irmãos tornaram-se semteto em Los Angeles. No início, eles ficaram em diferentes motéis. Mas os motéis não permitiam mais de três pessoas em um único quarto, e eles estavam em cinco. Então, eles tinham que se mudar com frequência. Depois sua mãe encontrou um abrigo, onde eles dormiam em beliches num dormitório durante seis meses. Eles tinham que ficar sempre quietos e quase não podiam
brincar. Do lado oposto ao abrigo estava a School on Wheels (Escola sobre Rodas), que ofereceu a Brianna e seus irmãos material escolar e ajuda para fazer as lições de casa. “Quando eu crescer, quero ser uma médica e ajudar as pessoas sem-teto. Elas não tem nenhum dinheiro, mas eu as ajudarei de qualquer forma”, diz Brianna. Hoje, ela não é mais uma sem-teto. Brianna representa todas as crianças sem-teto.
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lha. Eu e outro garoto éramos sentinelas. Íamos na frente e participávamos da matança. Os rebeldes nos obrigavam a capturar outros meninos e transformá-los em soldados. Muitas meninas eram estupradas. Fui atingido por estilhaços no rosto e na parte de trás da cabeça. Depois de três anos, consegui fugir e reencontrar minha mãe. Agora vou à escola e participo de um grupo pelos direitos da criança. Odeio o fato de adultos terem me obrigado a fazer coisas terríveis com outras pessoas”. Bwami representa soldadoscriança, crianças em países devastados pela guerra e crianças que lutam pelos direitos da criança.
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Mofat é corajo – Oi, meu nome é Nkosi Johnson. Eu tenho onze anos e tenho AIDS... O rapaz que declama o famoso discurso de Nkosi se chama Mofat Maninga, ele tem 14 anos e é do Quênia. As crianças de rua da cidade de Kisumu promovem sua Votação Mundial da Década e Mofat representa Nkosi, um dos nomeados. – Na realidade, eu não preciso representar muito. Minha vida e a de Nkosi são muito semelhantes por várias razões – diz Mofat, novo membro do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo. Ele representa as crianças HIV positivas e as crianças que vivem nas ruas.
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ajoso como Nkosi
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ofat cresceu com a família de sua mãe. Ele e seus primos mais velhos costumavam levar as vacas e cabras do avô para pastar. Sua mãe era enfermeira e eles sempre tinham o que comer. A vida era boa. Mas, quando Mofat tinha quatro anos, as coisas começaram a mudar. Primeiro, seu avô morreu. Alguns anos mais tarde, sua irmã mais nova se foi. – E quando eu tinha oito anos, minha mãe morreu. Minha avó cuidava dela e, para me proteger, ela não me contou quão doente minha mãe estava. Aquilo veio como um choque. Eu me sentia tão só. Muitas vezes eu ouvia minha mãe me chamar nos meus sonhos, eu ficava tão feliz ao ouvir sua voz!
Mofat
Quando eu acordava, sentia que a vida era muito injusta. Medo de morrer
Alguns anos mais tarde, Mofat começou a sentir-se mal e fraco. – Peguei uma tosse e um resfriado que simplesmente nunca passavam. No final, minha avó ficou tão preocupada que me levou para o hospital. Ela disse ao médico que a minha mãe teve uma tosse semelhante, e que ela morreu de AIDS. Eu não sabia o que era AIDS, mas fiquei preocupado. O médico fez o teste e descobriu que eu era HIV positivo. Um psicólogo me falou sobre como o HIV pode
levar a uma doença chamada AIDS, e que eu deveria começar a tomar remédios imediatamente. Fiquei apavorado. Tive muito medo de morrer. A avó cuidou de Mofat o melhor que pôde, mas ela estava velha e doente. Logo, Mofat teve que começar a cuidar de todas as tarefas domésticas. Ele lavava roupa, fazia comida e cuidava das vacas, ao mesmo tempo em que tentava ter boas notas na escola e se lembrar de tomar os remédios vitais em horários regulares. – No fim, eu estava tão exausto que caí inconsciente e fiquei no hospital por vários dias. Na verdade, eu deveria ficar mais tempo internado,
Não roubem a liberdade das crianças! – Eu quero falar com o presidente do Quênia e contar a ele como a vida é difícil para as crianças, assim como Nkosi fez quando conversou com o presidente da África do Sul. Quero dizer a ele que sua polícia espanca crianças que vivem na rua e as joga na prisão. Na prisão! Como se pode trancar uma criança só porque ela é obrigada a viver na rua? Como é possível roubar a liberdade de uma criança? Eu diria ao presidente que, em vez disso, ele deveria cuidar das crianças. Dar-lhes um lugar para morar, algo para comer e a chance de ir à escola.
Nkosi Leia mais sobre o ídolo de Mofat, Nkosi Johnson, que em 2002 recebeu uma homenagem póstuma – após sua morte – do Prêmio das Crianças do Mundo, por sua luta pelas crianças afetadas pelo HIV e AIDS, no site www.worlds childrensprize.org
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: KIM NAYLOR
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mas não podíamos pagar. Ao chegar em casa, descobri que minha avó também estava no hospital. Minhas tias me traziam comida de tempos em tempos, mas sempre voltavam para casa o mais rápido possível.
Nós somos uma família
Espancado pela polícia
– Uma tarde, me disseram que minha avó havia morrido e que ninguém da família queria mais cuidar de mim. Eles tinham medo de contrair o HIV. Eu não sabia como conseguiria sobreviver e pedi … e de uniforme escolar.
Com sua roupa preferida…
– Os outros meninos são meus amigos, meus irmãos. Nós somos uma família. Às vezes alguns não querem que eu me sente em suas camas quando contamos histórias uns para os outros à noite, eles acham que eu devo me sentar no chão. Eles têm medo de contrair o HIV, e isso sempre me dói – diz Mofat.
ajuda, mas eles se recusaram. Ao invés de ajudar, eles me forçaram a deixar a casa da minha avó. Eu tinha treze anos de idade. Mofat deixou a aldeia e acabou na rua, em uma pequena cidade nas proximidades. A única coisa que ele conseguiu levar consigo foram as roupas que estava usando: uma bermuda, uma camiseta e um par de sandálias. Ele não tinha um tostão. Para sobreviver,
Os sapatos preferidos dos amigos! O preferido de Mofat…
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começou a roubar galinhas e frangos e vendê-los no mercado. Mas foi pego. – Três policiais me levaram para a delegacia. Amarraram minhas mãos e pés e começaram a me bater. Os policiais me espancavam e gritavam que iriam me ensinar uma lição sobre o que acontece com quem rouba. Tentei explicar que era a única maneira de eu conseguir algo para comer e pedi que parassem, mas eles não me ouviram. Eles não me deixaram ir embora até que eu começasse
… e o de seu amigo Daniel
– Minhas sandálias favoritas são feitas de pneus velhos. Atualmente, as sandálias mais legais são as que apontam para cima na altura dos dedos. “Esse tipo de sandália se chama Akala”, diz Daniel Owino, 14.
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Não à cola!
Mofat no ponto de ônibus onde ele costumava dormir. Ele visita os amigos que ainda moram lá. – Muitos deles cheiram cola para esquecer os problemas e se aquecer, mas eu nunca experimentei. Todos ficam violentos e estranhos quando cheiram cola, então eu não tinha vontade de fazê-lo, diz Mofat.
a tossir tanto que acho que ficaram com medo que eu morresse. Isso aconteceu várias vezes. Uma vez eles até chamaram meu tio, mas ele apenas afirmou que não sabia quem eu era. Tornou-se criança de rua
– Ao final, me ameaçaram e disseram que se eu não parasse de roubar, eles colocariam um pneu encharcado de gasolina em volta do meu corpo e ateariam fogo. Isso me fez sentir muito medo. Decidi me mudar para Kisumu e quem sabe voltar a estudar. As coisas não correram como Mofat esperava. As úni-
cas pessoas na cidade que o aceitaram como amigo foram as crianças que viviam na rua. – Durante o dia, procurávamos comida nos caixotes do lado de fora dos restaurantes e, à noite, mendigávamos na estação de ônibus. À noite, nos deitávamos muito próximos com sacos de papel como cobertores. Éramos sete no meu grupo, e tentávamos proteger uns aos outros. E realmente era preciso, pois quase toda noite a polícia vinha nos acordar. Eles nos espancavam e nós fugíamos. Qualquer um que fosse capturado era levado para a delegacia de polícia, espancado e
depois enviado a uma prisão para jovens. Quanto mais tempo Mofat vivia na rua, pior ficava sua saúde. Ele não tomava nenhum medicamento e ficou com brotoejas por todo o corpo, além de uma tosse constante.
Mofat Maninga, 14 AMA: Jogar Play Station! Alguns de meus amigos têm o aparelho. DETESTA: Ver as pessoas serem maltratadas. O MELHOR QUE JÁ LHE ACONTECEU:
Mora no Centro
Um dia, ele foi com alguns amigos a um centro chamado HOVIC, onde crianças de rua passavam o dia. Lá ele era alimentado e voltou para a escola novamente. – Eu confiava nos líderes, então, depois de uma semana eu lhes disse que tinha HIV. Eles me levaram para o hospital imediatamente e cuidaram para que eu conseguisse os remédios. O médico explicou que eu morreria se continuasse a viver na rua, pois não haveria como eu me ali-
Quando fui para o Parque Impala com a minha escola. Os antílopes Impala são incrivelmente lindos. Eu amo os animais selvagens! O PIOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Todas as vezes que fico muito doente e tenho que ir para o hospital. Tenho medo e não quero morrer. QUER SER: Médico e salvar vidas. SONHO: Que todas as crianças do mundo vivam bem.
Adoramos futebol
– A gente costuma jogar futebol e eu adoro, mas nem sempre tenho energia para participar. Eu tusso e fico tonto quando eu corro muito, diz Mofat.
– Fui eu que fiz essa bola!
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mentar de forma saudável e constante e tomar meu remédio em horários regulares, como era preciso fazer. Assim os líderes dos HOVIC disseram que, se eu quisesse, podia me mudar para o lar que eles mantinham para meninos que viveram na rua. Já estou morando aqui há quase um ano. Esta é a minha casa agora. Toda noite às 19h30 os rapazes se reúnem. Eles leem a revista The Globe (O Globo) juntos. – Nossas reuniões são muito importantes, e aqueles entre nós que falam inglês traduzem para o suaíli para os que não falam. Antes da Votação Mundial, nós trabalhamos bastante com The Globe (O Globo) também durante o dia, lá no centro para todas as crianças de rua da cidade. Dessa forma, aprendemos sobre nossos direitos, sobre a democracia e sobre como funciona uma eleição. Nkosi é um herói!
– Gosto muito de ler The Globe (O Globo). Agora eu sei que até mesmo eu tenho direitos, e que todas as crianças têm direito a uma boa vida. O que mais me inspira é ler sobre Nkosi Johnson, da África do Sul. Ele é meu herói! Nós temos origens semelhantes. Nossas famílias morreram ao nosso redor, e as pessoas ficaram com medo e nos abandonaram. Mas Nkosi foi corajoso e forte quando se atreveu a falar abertamente sobre ter AIDS, e quando exigiu que todas as crianças com HIV e AIDS fossem tratadas tão bem quanto as outras crianças. Ele falou que elas tinham direito à medicação, à educação e direito ao amor e à amizade. Eu quero ser como ele! E Nkosi me deu força para me tornar essa pessoa. Agora eu quero lutar por todas as crianças afetadas pelo HIV e a AIDS, e pelas crianças que vivem na rua. 12
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Mofat lê The Globe (O Globo).
Muitos remédios – Agora eu posso ver um médico sempre que preciso, e aqui eu posso tomar meu remédio e comer com regularidade. Estou muito mais saudável do que eu estava nas ruas. Até consegui voltar a estudar pra valer. O problema é que é uma escola internato, e sempre que fico doente, mesmo que seja algo mínimo, me mandam de volta aqui para o centro. Não querem que eu morra na escola. Então eu perco muitas aulas, conta Mofat. 7h Sete comprimidos
13h Três comprimidos 19h Onze comprimidos
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Nuzhat tem medo de se afogar N uzhat vive na pequena cidade de Barisal, no sul de Bangladesh. Todas as manhãs, ela veste seu uniforme escolar, acena para um bicitáxi e segue na condução até a escola. – Eu adoro ir à escola e aprender. O pior que já me aconteceu na vida foi quando pensei que a nossa escola havia sido destruída pelo megaciclone Sidr. Ciclones – tempestades muito fortes – atingem Bangladesh todos os anos. O país está bem preparado e tem um bom sistema de alerta de ciclone. – Nós sabíamos que um forte ciclone estava a caminho. Por sorte, havíamos nos mudado da aldeia onde nossos parentes vivem e onde tínhamos uma casa. Meus pais alugaram um apartamento na cidade para que eu e
minha irmã pudéssemos frequentar uma boa escola. Quando nascemos, meu pai plantou muitas árvores ao redor de nossa casa na aldeia. Ele havia planejado cortar as árvores e vendê-las pouco a pouco, para poder pagar nossos estudos. Durante toda a minha infância, eu me sentia segura ao pensar naquelas árvores crescendo em volta da nossa casa na aldeia.
– Mas agora havia um terrível ciclone a caminho. Havíamos nos preparado armazenando comida e água em nosso apartamento. À noite eu estava sentada, lendo à luz de velas, quando o ciclone nos atingiu. O telhado de zinco de nosso vizinho foi arrancado e jogado contra a janela onde eu estava sentada. Eu não me machuquei, mas uma menina da vizinhança
– Se o nível do mar elevar, esta parte de Bangladesh ficará debaixo d’água, explica Nuzhat.
TEXTO: MONICA Z AK FOTO: KIM NAYLOR
– Se o nível do mar subir um metro, a região sul de Bangladesh onde eu moro, ficará submersa. Eu sempre penso nisso, conta Nuzhat, 13 anos. O aquecimento global causa o derretimento das calotas de gelo dos pólos Norte e Sul e das geleiras do alto do Himalaia. Dessa forma, somos mais afetados pelos ciclones e inundações. A caminho da escola, no dia seguinte ao megaciclone Sidr, havia mortos e feridos por toda parte. Nuzhat é a nova integrante do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo. Ela representa as crianças cujos direitos são violados em consequência de catástrofes naturais e da destruição do meio ambiente e também as crianças que exigem respeito aos direitos das meninas.
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Nuzhat sempre vai de bicitáxi para a escola, para que nada de ruim ocorra com ela no caminho.
Nuzhat lê o jornal todos os dias para entender o que está acontecendo com o clima.
foi morta por uma árvore que caiu. Fiquei apavorada. Achei que a água do rio iria subir e que nos afogaríamos todos juntos. Durante toda aquela noite horrível, eu orei pedindo a Alá que parasse o ciclone. Por sorte, o nível da água não subiu na nossa cidade, mas o ciclone Sidr matou milhares de pessoas. Como um pesadelo
Pela manhã, a tempestade se abrandou. A única coisa em
que Nuzhat conseguia pensar era se sua escola ainda estava de pé. Ao sair de casa, ela viu cenas horríveis. Casas em ruínas, árvores caídas e escombros por todas as ruas. – Vi centenas de mortos e muitos feridos. Era como um pesadelo, mas segui em frente – eu queria saber se minha escola ainda estava lá. Estava. Mais tarde, Nuzhat soube que sua casa na aldeia havia sido arrasada pelo ciclone e que todas as árvores que seu pai plantara tinham sido destruídas. Foi nesse momento que Nuzhat assumiu um compro-
misso com o meio ambiente, o clima e o futuro. Ela e seu pai visitaram os mais atingidos. Ela jamais poderá se esquecer do desespero em seus rostos. Eles não tinham casa, nem comida, nem água potável ou roupas. Depois do ciclone Sidr e após o ciclone seguinte, ela e sua melhor amiga arrecadaram dinheiro para os mais afetados. – Desde então, procuro entender o que está acontecendo com o clima. Eu leio os jornais todos os dias. Converso com meus pais sobre o que leio. Na escola, nós também falamos sobre o efeito estufa, que está causando o aquecimento da Terra. Ele está fazendo as calotas de gelo em torno dos pólos
Nuzhat Tabassum Promi, 13 GOSTA DE: Ler. LIVRO PREFERIDO: Sherlock Holmes NÃO GOSTA: Quando as meninas
não são valorizadas. ADMIRA: Madre Teresa DETESTA: Meninos que
importunam e jogam ácido AMA: Minha família QUER SER: Médica
Bangladesh afunda com o aquecimento da Terra
O
aquecimento da Terra, devido ao comportamento da humanidade, é uma grande ameaça para todos nós. O aquecimento global faz com que as geleiras do Himalaia, da Groenlândia e do Pólo Sul derretam, o que
causará a elevação do nível do mar, possivelmente alguns metros, em todo o mundo. Os pesquisadores calculam que pelo menos um quarto de Bangladesh desaparecerá sob a água dentro de cem anos. O desmata-
mento torna esta situação ainda pior. Acredita-se que 35 milhões do total de 150 milhões de habitantes de Bangladesh se tornarão refugiados climáticos em menos de 30 anos. Bangladesh é uma das nações que serão
mais fortemente atingidas, embora o país seja responsável por apenas um milésimo das emissões mundiais de gases do efeito estufa. Se a liberação dos chamados gases estufa se mantiver no ritmo atual, o aquecimen-
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Legislação não é suficiente Há uma lei que diz que todas as crianças devem ir à escola até o 9º ano. Atualmente, há quase tantas meninas quanto meninos na escola. Mas há uma escassez de edifícios escolares e professores. Por isso, as turmas são tão grandes. É comum haver 100 alunos em uma única turma. Na classe de Nuzhat há 98 meninas. Do total de 155 milhões de habitantes do país, 4 milhões são crianças entre 5 e 15 anos que trabalham e não estudam.
Norte e Sul e as geleiras do Himalaia derreterem. Se o nível do mar subir um metro, todo o sul de Bangladesh vai acabar debaixo d’água. Para onde os sobreviventes irão, então? Meu país já é um dos mais densamente povoados do mundo! Estou preocupada. Temos que acabar com o aquecimento global. Porém, isso significa que todos os países devem ajudar. Meninas têm o mesmo valor
A coisa que mais irrita to global vai se tornar cada dia pior. O resultado pode ser um aumento entre dois e seis graus na temperatura da Terra. Cada grau a mais traz graves consequências para seres humanos, animais e o meio ambiente. Vários países insulares irão desaparecer totalmente. Em outros lugares, haverá secas severas e o
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Nuzhat é quando as pessoas sentem pena de seus pais por eles terem “apenas” duas meninas e nenhum fi lho. – As meninas têm exatamente o mesmo valor que os meninos. Outro dia eu li sobre um pai que saiu com a filha pequena. Mais tarde, ela foi encontrada afogada. O homem disse à esposa: Por que você deu à luz uma menina? Coisas como essa me deixam furiosa. Mas sinto que meus pais estão felizes e orgulhosos da minha irmã e de mim. surgimento de mais desertos. No site www.worldschildrensprize.org, você pode ler mais sobre o aquecimento global. No site www.worldschildrens prize.org você pode ler mais sobre o aquecimento global.
Nuzhat frequenta uma escola com 2.600 meninas. – Há 98 alunas na minha classe, mas apenas um professor. Por isso, é essencial ter aulas extras. Faço parte de um grupo de meninas que têm aulas extras à tarde, com três professores diferentes. Entendo que é importante para as meninas irem à escola. É a melhor maneira de mudar este país. Agora, há quase tantas meninas na escola quanto meninos. E as meninas tiram notas melho-
Arbusto de maquiagem no quintal
Toda vez que Nuzhat olha para o arbusto de hena do lado de fora de sua casa, ela fica contente. – É meu arbusto de maquiagem. Você tritura as folhas até formar um pó usado para pintar desenhos nas mãos. Ontem pintei minhas unhas e pontas dos dedos. E na palma da mão desenhei um ponto redondo. É o sol. É como o sol da bandeira de Bangladesh. Eu acho a tintura de hena nas mãos mais bonita do que esmalte para pintar unhas. Na minha escola, não podemos usar batom. É contra as regras. Mas podemos enfeitar nossas mãos com hena.
Os direitos da criança e o meio ambiente O aquecimento global causa enchentes e secas, o que resulta na violação dos direitos da criança porque: • crianças não recebem educação, pois as escolas são fechadas. • crianças perdem seus lares e famílias. • crianças são obrigadas a fugir. • crianças adoecem. • crianças morrem.
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O fruto da jaqueira pode pesar até 50 quilogramas.
res que os garotos. Tudo que uma garota precisa é de educação, e ela pode ir muito longe. Em Bangladesh, há muitas mulheres que têm cargos importantes. Nossa primeiraministra é mulher e temos mais três ministras. E a líder da oposição é uma mulher. Isso é ótimo. Mas quem eu mais admiro é Madre Teresa. Eu li sobre ela na escola. Ela trabalhou com os mais pobres. Também quero fazer isso. Meu objetivo é ser médica. Nuzhat sempre vai e volta da escola de bicitáxi. Ela não faz isso apenas por causa da distância. Ela também tem um pouco de medo dos meninos. Ela detesta os meninos que importunam, abusam e gritam com as meninas. Pior são os garotos e homens que jogam ácido em meninas. – É preciso pagar para
O ciclone levou todas as árvores e a casa da família. Aqui, Nuzhat planta sua primeira árvore após o ciclone. É uma jaqueira, a árvore nacional de Bangladesh.
andar de bicitáxi, mas me sinto mais segura assim. Além de ser o meio de transporte mais ecológico que existe. Ciclistas não emitem dióxido de carbono e não contribuem para o aquecimento global. No caminho de volta da escola começa a chover e ela se enrola num plástico para se manter seca. A época das monções, a estação chuvosa, começou.
De volta à vila
É sexta-feira e Nuzhat tem o dia livre. Nuzhat e seu pai vão visitar sua aldeia. Um amigo lhes dá uma carona até lá. No caminho, a chuva começa a cair novamente. A estrada logo fica coberta de água, que também cai jorrando dos telhados das casas. É difícil enxergar pelo pára-brisas. – Eu amo a chuva e, ao mesmo tempo, tenho pavor dela.
De quantos globos você precisa?
T
odo ser humano deixa marcas no planeta. Quanto mais recursos uma pessoa utiliza e quanto mais resíduos produz, maior é sua influência sobre o meio ambiente. O impacto de cada indivíduo sobre o meio ambiente é denominado pegada ecológica. Um planeta é suficiente para sustentar o estilo de vida da maioria das pessoas no mundo. Porém, seriam necessários 5,5 globos para manter o mesmo padrão de vida de um cidadão médio dos EUA, ou 3 globos se todos adotassem o estilo de vida das pessoas da União Européia ou ainda 3,4 globos para viver como a população da Suécia. Quanto maior o número de planetas,
Em junho começa a estação das monções, quando o clima é quente e chove sem parar. Há algo de romântico na chuva. Eu amo o som da chuva caindo sobre um telhado de zinco. Sentamos dentro de casa e ouvimos a chuva. Minha irmã e eu costumamos recitar poemas. Ao mesmo tempo, tenho medo da chuva. Eu temo as enchentes. Ao chegarem à aldeia, eles
maior será o impacto do seu estilo de vida sobre o aquecimento global e a mudança climática.
Os EUA precisam de 5,5 globos A União Européia (UE) precisa de 3 globos
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Chuva torrencial na cidade natal de Nuzhat, Barisal, mas desta vez não há alerta de ciclone.
têm que atravessar com dificuldade a água que está dez centímetros acima do chão. Ela vê a pequena colina onde ficava sua casa. Não restou absolutamente nada dela. Eles se abrigam da chuva numa pequena casa onde vivem alguns familiares. – As tempestades, ciclones e inundações tornaram-se muito piores. Um dos motivos é o desmatamento. Os grandes rios que atravessam Bangladesh nascem no Himalaia, passam pela Índia e pelo meu país até chegarem ao mar, onde eu moro. Ao longo de toda a margem do rio, as florestas foram derrubadas. Isto significa que a água não é retida pela terra, então há mais e mais água nos rios. É desastroso. Principalmente para um país de terras tão baixas como o meu. Mas não podemos apenas sentar e
esperar que tudo piore. Temos que fazer alguma coisa, como plantar árvores. As árvores absorvem o dióxido de carbono do ar. Elas impedem que a terra seja levada pela água e proporcionam
abrigo contra ventos fortes. Quando a chuva para por algum tempo, Nuzhat caminha com dificuldade pelo chão escorregadio e planta algumas mudas de árvores, que ela e seu pai compraram no caminho. A primeira árvore que ela planta é uma jaqueira. Esta é a árvore nacional de Bangladesh. – Os frutos crescem muito e podem pesar até 50 kg. Quando verdes, podem ser usados como legumes e, quando amadurecem, comem-se as frutas. As sementes também são comestíveis. O tronco pode ser usado para a fabricação de móveis e portas. Sonhos para o futuro
O maior sonho de Nuzhat para o futuro é acabar com o
Sacos plásticos são proibidos
O milagre de Bangladesh
Nuzhat com sua irmã mais nova, mãe e pai. Antes, toda mulher costumava dar à luz sete filhos. Hoje, esse número caiu para 2,7 filhos. Esse fenômeno é conhecido como o Milagre de Bangladesh. Como isso aconteceu? Planejamento familiar, boas maternidades, vacinação e uma nova perspectiva sobre a importância das crianças estudarem. Hoje, muitos pais estão orgulhosos de ter apenas dois filhos, e deles frequentarem uma escola.
Descubra suas pegadas!
O mundo todo precisa, em média, de 1,25 globo
aquecimento global, para que seu país não desapareça debaixo d’água. – E ser médica. Vou trabalhar com as mulheres mais pobres de Bangladesh. E, quando ganhar algum dinheiro, vou reconstruir a nossa casa que foi destruída pelo megaciclone Sidr na aldeia.
Aqui você pode descobrir qual é a sua pegada ecológica e calcular quantos planetas seriam necessários se todos os habitantes da Terra vivessem como você: www.myfootprint.org www. footprint.wwf.org.uk www.earthday.net/Footprint
Ripon, 12 anos, encerrou seu dia de trabalho em uma loja de CDs. Antes de ir para casa, ele compra frutas para a mãe. As frutas são embaladas em uma sacola de papel. Em Bangladesh, antigamente, fabricavam-se 129 milhões de sacos plásticos por dia. 100 milhões eram utilizados todos os dias. Isso era ruim para o meio ambiente, e os sacos entupiam os encanamentos de esgoto, provocando inundações. Por isso, a fabricação de sacos plásticos foi proibida. – Antes, havia sacos de plástico espalhados por toda parte. Agora não se vê quase nenhum, diz Ripon.
Sinal de ‘jóia’ é ruim
Não se faz sinal de ‘jóia’ (polegar para cima) em Bangladesh. Lá significa: “Não dou a mínima para você!” e é muito rude.
Sinal de ‘jóia’ é bom
Em muitos outros países as pessoas usam o sinal de ‘jóia’, que significa: “Está bem!”, ou que algo é muito bom. Nesses lugares, o polegar para baixo significa que algo é ruim.
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Celebre os Direitos d A Convenção dos Direitos da Criança da ONU consiste em 54 artigos. Nós apresentamos uma versão resumida aqui. Leia a Convenção na íntegra em: www.worldschildrensprize.org.
iLUSTR AÇÃO: LOT TA meLLgRen/eSTeR
Princípios Básicos da Convenção: • Todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos. • Toda criança tem direito a ter suas necessidades básicas satisfeitas. • Toda criança tem direito a proteção contra abusos e a exploração. • Toda criança tem direito de exprimir suas idéias e ser respeitada. Artigo 1
Artigo 7
Estes direitos se aplicam a todas as crianças menores de 18 anos, no mundo inteiro.
Você tem direito a um nome e a uma nacionalidade.
ção e desenvolvimento. Eles devem sempre pensar no que é melhor para você.
Artigo 9
Artigo 19
Você tem direito a viver com seus pais, desde que isso não seja prejudicial à você. Você tem direito de crescer, se possível, na companhia dos seus pais.
Você tem direito à proteção contra toda forma de violência, contra os maus tratos e os abusos. Você não pode ser explorado por seus pais ou outros responsáveis pela sua tutela.
Artigos 12–15
Artigos 20–21
Toda criança tem direito de dizer o que pensa. As crianças devem ser consultadas e sua opinião deve ser respeitada em todas as decisões que lhe dizem respeito: no lar, na escola, junto às autoridades e nos tribunais.
Você, que foi privado/a do convívio familiar, tem direito a receber proteção especial.
Artigo 2
Todas as crianças são iguais. Todas as crianças têm os mesmos direitos e não deveriam ser discriminadas. Ninguém deveria lhe tratar mal por sua aparência, cor de pele, gênero, idioma, religião e opinião. Artigo 3
Aqueles que tomam decisões que afetam as crianças devem, antes de tudo, pensar no que é melhor para elas. Artigo 6
Você tem o direito à vida e a um desenvolvimento saudável.
Artigo 18
Seus pais têm a responsabilidade conjunta pela sua educa-
Artigo 22
Se você for obrigado/a a fugir do seu país natal, terá os mesmos direitos que as crianças do país que o/a receber. Se tiver fugido sozinho/a, terá direito à ajuda especial. Se possível, você será reunido/a à sua família.
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20 De novembro é um dia de comemoração para todas as crianças do mundo. Em 1989, nesta data, a onu aprovou a convEnção Dos DirEitos Da criança . Ela também é chamada de convEnção Da criança e se destina a você e a todas as crianças menores de 18 anos. todos os países, com exceção da somália e dos eua, ratificaram (se comprometeram a seguir) a convenção da criança. isso significa que eles são obrigados a levar em consideração os direitos da criança e escutar o que as crianças têm a dizer.
Eu exijo respeito aos direitos da criança!
s da criança
. artigo 23
artigo 34
Toda criança tem direito a uma vida digna. Se você é portador de uma deficiência, tem direito a cuidados especiais.
Ninguém deveria sujeitar você ao abuso ou obriga-lo/a a se prostituir. Se você for maltratado/a, tem direito à ajuda e proteção.
artigo 24
Caso fique doente, tem direito a receber a ajuda e o tratamento médico necessários.
artigo 35
artigos 28–29
artigo 37
Você tem direito a ir à escola e aprender conhecimentos importantes, como por exemplo, o respeito pelos direitos humanos e por outras culturas.
Ninguém deveria punir você de forma cruel e humilhante.
artigo 30
As idéias e crenças de todas as crianças devem ser respeitadas. Você, que faz parte de algum grupo minoritário, tem direito à sua língua, cultura e religião. artigo 31
Você tem direito a brincar, a descansar, ao tempo livre e a um meio ambiente saudável.
Ninguém tem direito a raptálo/a ou vendê-lo/a.
tribuna infantil
artigo 38
Você nunca deveria ser recrutado/a como soldado e participar de conflito armado. artigo 42
Toda criança e adulto devem conhecer a Convenção dos Direitos da Criança. Você tem direito a receber informação e a conhecer os seus direitos.
PElos DirEitos Da criança
artigo 32
Você não pode ser forçado/a a realizar trabalhos perigosos e prejudiciais à saúde, ou que prejudiquem seu desempenho escolar. 19 19
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Como estão as cri a Sobrevivência e desenvolvimento
2,2 bilhões de crianças menores de 18 anos 82 milhões destas crianças vivem na Somália e nos Estados Unidos, os dois únicos países que não ratificaram os direitos da criança. Todas as outras nações se comprometeram a cumprir e fazer cumprir os direitos da criança, mas violações a tais direitos são comuns em todos os países.
Nome e nacionalidade Ao nascer, você tem o direito de receber um nome e ser registrado como cidadão do seu país natal. Todos os anos, 136 milhões de crianças nascem no mundo. Porém, cerca de 51 milhões nunca são registradas. Isso significa que não há nenhum documento que prove sua existência!
Toda criança tem direito à vida. Os países que ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança devem se esforçar ao máximo para que as crianças sobrevivam e se desenvolvam. 1 em cada 15 crianças (1 em cada 8 nos países mais pobres) do mundo morre antes de completar cinco anos, na maioria das vezes, devido a doenças que poderiam ser evitadas.
Saúde e atendimento médico Você tem direito a uma alimentação saudável, a ter acesso à água potável e receber atendimento médico. Todos os dias, 24.000 crianças menores de cinco anos morrem (8,7 milhões anualmente) de doenças causadas pela fome, falta de água potável, assistência médica e condições inadequadas de higiene. A vacinação contra as doenças infantis mais comuns salva 2,5 milhões de vidas todo ano. Entretanto, 1 em cada 5 crianças nunca é vacinada. Todos os anos, 2 milhões de crianças morrem de doenças que poderiam ser prevenidas através de vacinas. 4 para cada 10 crianças dos 50 países mais pobres não têm acesso à água limpa. Todos os anos, 1 milhão de pessoas morrem de malária, a maioria são crianças. Apenas três em cada 10 crianças doentes de malária recebem tratamento, e somente duas em cada 10 crianças dormem sob mosquiteiros nos países mais pobres onde a malária existe.
Casa, roupa, comida e segurança Você tem direito à moradia, alimentação, roupas, educação, atendimento médico e segurança. Mais da metade das crianças do mundo vivem na pobreza. Cerca de 700 milhões de crianças contam com menos de 1,25 dólar por dia para viver. Outras 500 milhões de crianças vivem com menos de 2 dólares por dia.
Crianças com necessidades especiais As crianças portadoras de deficiências têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Elas têm o direito de receber apoio e desfrutar de uma vida plena, que possibilite sua participação ativa na comunidade. As crianças portadoras de necessidades especiais estão entre as mais vulneráveis do mundo. Em muitos países, elas não podem frequentar a escola. Muitas são tratadas como se tivessem menos valor e são escondidas. Há 150 milhões de crianças com necessidades especiais no mundo.
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ri anças no mundo? Você tem o direito de viver em um ambiente seguro. Todas as crianças têm direito à educação, à assistência médica e a um padrão de vida decente. 60 milhões de crianças usam a rua como seu local de moradia. Outras 90 milhões trabalham e passam os seus dias nas ruas, retornando à casa de suas famílias ao final do dia.
Trabalho infantil nocivo Você tem direito de receber proteção contra a exploração econômica e contra o trabalho prejudicial à sua saúde e/ou que o impeça de frequentar a escola. O trabalho é proibido para todas as crianças menores de 12 anos. Cerca de 306 milhões de crianças trabalham e, para a maioria delas, o trabalho é diretamente prejudicial à saúde, segurança, moral e educação. Cerca de 10 milhões estão sujeitas às piores formas de trabalho infantil, como por exemplo, a escravidão por dívidas, a prostituição infantil ou as atividades militares. Todo ano, pelo menos 1,2 milhão de crianças são expostas ao ‘tráfico’, que é o comércio de escravos da atualidade.
Crime e punição A prisão de crianças deve ser sempre o último recurso e pelo menor tempo possível. Nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou qualquer outra forma de tratamento cruel. Crianças que cometem crimes devem receber assistência e ajuda. Crianças não devem ser punidas com prisão perpétua ou pena capital. Pelo menos 1 milhão de crianças estão em prisões. Crianças presas são frequentemente maltratadas.
Você tem direito à proteção e assistência humanitária em casos de guerra ou refúgio. Crianças vítimas de conflito e refugiadas têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Nos últimos 10 anos, pelo menos 2 milhões de crianças morreram em guerras. 6 milhões sofreram lesões físicas graves. 10 milhões de crianças sofreram danos psicológicos graves. Um milhão perderam os pais ou foram separadas deles. 300.000 crianças foram usadas como soldados, carregadores ou cavadores de minas (Todos os anos, 10.000 crianças morrem ou são feridas por minas.) Pelo menos 20 milhões de crianças tiveram que fugir de suas casas e países.
Crianças de povos autóctones e minorias Crianças de grupos minoritários ou de povos autóctones têm direito a ter uma língua, cultura e religião próprias. Povos autóctones são, por exemplo, os índios das Américas, os aborígines da Austrália e os lapões do norte da Europa. Os direitos das crianças pertencentes aos povos autóctones e às minorias são frequentemente violados. Seus idiomas não são respeitados, elas são humilhadas e discriminadas. Muitas dessas crianças não têm acesso à assistência médica.
Escola e educação Você tem o direito de frequentar a escola. O ensino básico deve ser gratuito para todos. Mais de 8 entre cada 10 crianças no mundo frequentam a escola. Porém, 93 milhões de crianças nunca puderam iniciar sua vida escolar. Destas, seis em cada 10 são meninas.
Proteção contra a violência
A SUA VOZ DEVE SER OUVIDA!
Você tem direito à proteção contra qualquer forma de violência, negligência, maus-tratos e abusos.
Você tem o direito de dizer o que pensa sobre todas as questões que lhe dizem respeito. Os adultos devem ouvir as opiniões das crianças antes de tomar decisões e sempre considerar o que é melhor para elas.
A cada ano, 40 milhões de crianças são agredidas tão brutalmente que precisam de tratamento médico. 29 países no mundo proibiram qualquer forma de punição física às crianças. Assim, apenas 4 para cada 100 crianças estão protegidas contra a violência pela lei. Muitos países ainda permitem castigos físicos na escola.
É esta a situação no seu país e no mundo hoje? Você e as demais crianças do mundo é que podem responder!
TEXTO: SOFIA KLEMMING ILUSTRAÇÃO: LOT TA MELLGREN/ESTER
Crianças que vivem nas ruas
Proteção na guerra e na fuga
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Murhabazi Namegabe Monira Rahman Cecilia FloresOebanda
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ogo após o debate na escola sobre como os direitos das crianças são respeitados no lugar onde você vive, e depois de ler sobre o júri infantil, as crianças que participam da Votação Mundial, os nomeados ao prêmio e as crianças pelas quais eles lutam, é hora de começar a preparar o seu próprio Dia da Votação Mundial. Convide a mídia Assim que vocês definirem a data de sua Votação Mundial, mobilizem toda a mídia local para fazer a cobertura. Os recortes de jornal apresentados aqui são sobre a Votação Mundial na Suécia e na Índia. Voto secreto Há muitos detalhes para cuidar para garantir que a Votação Mundial seja uma eleição democrática, cujos eleitores tenham segurança de que seus votos serão mantidos secretos. Ninguém deve saber em quem você votou, a menos que você conte. Você precisa organizar: • Lista de eleitores: Todos que têm o direito ao voto devem ser incluídos nessa lista, e seus nomes serão marcados tão logo recebam sua cédula de votação, ou após depositarem o voto na urna. • Cédulas de votação: Use as cédulas que acompanham a revista do Prêmio das Crianças do Mundo, ou crie suas próprias cédulas. • Cabine eleitoral: Pode-se obter uma cabine eleitoral emprestada, daquelas usadas nas eleições dos adultos, ou construir uma. Uma única pessoa deve usar a cabine eleitoral por vez, para que ninguém veja em quem você vota. • Urna eleitoral: Na revista do prêmio você irá ver diversos tipos de urnas. Elas podem ser confeccionadas com papelão, uma grande lata ou folhas de palmeira trançadas, por exemplo. • Tinta contra fraude: Tinta no polegar, unhas pintadas, uma marca na mão ou no rosto, há muitas maneiras de identificar quem já votou. • Escolha dos mesários, fiscais eleitorais e apuradores de votos: Os mesários marcam os nomes na lista de eleitores e distribuem as cédulas de votação. Os fiscais monitoram se a votação, o uso da tinta e a contagem dos votos está sendo realizada corretamente. Os apuradores fazem a contagem dos votos e enviam o resultado da votação.
Crianças do Quênia preparam as urnas e cartazes.
Vamos comemorar!
Ao final da votação, muitos celebram os direitos da criança e seu Dia da Votação Mundial com apresentações culturais, biscoitos, chá com bolo, ou de outras maneiras. Alguns realizam passeatas pelos direitos da criança.
A primeira numa u Para celebrar os 10 anos do Prêmio das Crianças do Mundo, os alunos da primeira escola no mundo a se tornar Amiga Mundial construíram urnas eleitorais feitas de gelo! Afinal, eles são especialistas em fazer coisas com gelo e neve. Sua escola, a Montessori Droppen, fica em Haparanda, bem ao norte da Suécia, onde há neve durante mais da metade do ano. Como a temperatura está acima de zero, a neve está úmida. Assim, o Dia da Votação Mundial começa com a primeira batalha de bolas de neve do ano.
TEXTO: MAGNUS BERGMAR FOTOS: KIM NAYLOR & SOFIA MARCETIC
Votação Mundial 2011 Votação Mundial 2011
Todos os estudantes das escolas Amigas Mundiais têm o direito de participar da Votação Mundial até completarem 18 anos. Na Votação Mundial, vocês decidem quem irá receber o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança 2011. Leia sobre o Dia da Votação Mundial em diferentes países nas páginas 22–66.
L
Cecilia FloresOebanda
THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD
O QUE É A VOTAÇÃO MUNDIAL?
Veja o vídeo da Votação Mundial em www.worldschildrensprize.org
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Jogadores de futebol votam no Congo
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solo está coberto pela primeira neve do ano, quando os alunos da Droppen realizam seu Dia da Votação Mundial. Próximo ao final do ano, a neve irá alcançar mais de um metro de profundidade. As crianças confeccionaram mastros e fincaram na neve, com as bandeiras de todos os países participantes da Votação Mundial. “É incrível pensar que nossa pequena escola foi a primeira a participar do Prêmio das Crianças do Mundo no ano 2000, e que, agora, milhões de crianças participam todos os anos”, comenta Alexandra Nyström. “É bom que os direitos das crianças existam. Eles são importantes para que as crianças de todo o mundo vivam bem. Eles são igualmente importantes para as crianças da Suécia. Muitas crianças vivem situações difíceis aqui também. E é impor-
tante para nós saber como é em outros países”, diz Ambjörn Joki. Brincadeiras na neve
“Nos intervalos, eu jogo futebol na neve. Às vezes faço um boneco de neve, um bicho de neve ou uma cabana de neve”, conta Emma Rönkkö. “É preciso que a neve esteja úmida para fazer batalha de bolas de neve e construir bonecos de neve e lanternas de neve, mas para fazer os anjos, a neve deve estar fofa e a temperatura abaixo de zero, caso contrário, você fica molhado. “Para fazer um anjo na neve, você se deita de costas e move os braços, afastando-os do corpo e trazendo-os de volta, as marcas que ficam na neve são como asas. Depois, abrem-se e fecham-se as pernas na neve, estas marcas formam uma saia”, ensina Jenna Mäntylä.
“Para fazer um boneco de neve, primeiro fazemos uma bola de neve e começamos a rolá-la na neve. Mais e mais neve se acumula, e a bola torna-se maior. Quando a bola chega quase até a altura da cintura, está pronta; ela será a metade inferior do corpo do boneco de neve. Depois, fazemos uma bola um pouco menor que a primeira e a colocamos sobre a outra. Finalmente, fazemos uma terceira bola, um pouco menor que a segunda, para ser a cabeça. Colocamos um lenço no pescoço do boneco e botões de pedra em seu “casaco”. Usamos galhos para fazer os braços e, talvez, uma cenoura para fazer o nariz. Ele também pode ter olhos e boca.
Na República do Congo, as crianças da Escola de Futebol Gothia Cup realizaram seu Dia da Votação Mundial pela quinta vez.
Abusos são comuns “Os direitos da criança são violados com frequência no Congo. Crianças são espancadas e vítimas de abusos, e também são abandonadas e esquecidas. Mas é assim em todo o mundo. Muitos aqui não podem ir à escola e os pais negligenciam seus filhos por razões financeiras”. Taba Ngote Michel, 14
Geralmente violados “A Votação Mundial correu bem aqui no Congo, especialmente na Escola de Futebol Gothia, da qual faço parte. Espero que a situação mude, para que nós, as crianças do Congo, tenhamos nossos direitos respeitados. Os direitos da criança geralmente são violados aqui, e meus direitos também não são plenamente respeitados na minha própria família”. Yannick Baniakina, 14
Crianças negligenciadas Alexandra Nyström recebe, das mãos da Rainha Silvia da Suécia, o globo de vidro do Prêmio das Crianças do Mundo em nome da primeira escola Amiga Mundial, a Montessori Droppen, durante a comemoração do aniversário de 10 anos do Prêmio das Crianças do Mundo, no Stockholm City Hall (Prefeitura de Estocolmo).
“Os direitos da criança não são respeitados aqui. Os pais não cuidam de seus filhos. O governo também não pensa nas crianças que vivem nas ruas. Elas se tornam bandidos e ladrões. Isso precisa mudar”. Ndoba Loïc, 14
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Mary tem o direito de ser respeitada!
TEXTo: ANDRE AS LÖNN foToS: KIM NAYLoR
No gramado entre as urnas e a fila de votação, Mary Akinyi, 15, está sentada em uma cadeira de rodas vermelha. É o dia da Votação Mundial na Escola Especial Joyland para Portadores de Deficiência, em Kisumu, no Quênia. Mary está nervosa. Muitas crianças de outras escolas, que não são deficientes, foram convidadas para participar da Votação Mundial. Mary não está certa se terá coragem para recitar o poema que escreveu. E se eles começarem a rir dela?
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as Mary decide ir em frente. Afinal, esta é sua chance de dizer a todos como é ter seus direitos violados. Qual a sensação de não ser respeitado pelo que se é. Ela começa timidamente, mas sua voz fica mais e mais forte ao dizer: “Não há nenhuma solicitação a ser preenchida para ser deficiente. Se houvesse, eu nunca teria preenchido uma...” Um silêncio paira sobre as
Eles encaram, riem e apontam. É uma sensação horrível. Como se fôssemos alienígenas”, diz Mary. Durante a maior parte de sua vida, ela se sentiu assim. “Meus pais morreram quando eu era pequena, então fui criada por minha tia. Assim como quase todos os
pais de crianças deficientes daqui, ela tinha vergonha de mim, e me manteve escondida. Eu nunca tinha permissão para deixar a casa. Nunca podia sair para brincar. Ir para a escola era totalmente impensável. “Nunca me deixaram comer à mesa com a família
pessoas na fila de votação. Todos escutam Mary. Quando ela termina, há uma explosão de aplausos. Mary olha em volta, corando. Está surpresa. Ela não esperava por isso! Nunca podia brincar
“Eu tinha medo que as crianças que não são deficientes rissem de mim. Afinal, são os ‘saudáveis’ que geralmente tornam a vida difícil para nós.
Na cabine de votação
Mary vota em seu candidato na Votação Mundial.
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A caminho da urna na árvore
“Quero ser tratada como todo mundo. Da forma como vejo, minha cadeira de rodas é apenas um meio de transporte e, para mim, era óbvio que deveria entrar na fila para votar, como qualquer um.
“Quando eu crescer, quero ser advogada e lutar por direitos iguais para todas as crianças. Quero tomar conta de crianças órfãs em minha própria casa”, diz Mary.
de minha tia. Tinha que me sentar no chão e comer sobras. Não me era permitido sequer tomar banho, ou usar roupas como as outras pessoas. Eu usava uma velha blusa rasgada em cima e, da cintura para baixo, ficava nua. Eu não tinha uma cadeira de rodas e, na maioria das vezes, só podia me deitar no chão. Como eu não tinha muita mobilidade e ninguém me ajudava, quase nunca conseguia ir ao banheiro a tempo. Quando eu preci-
sava de conforto e chamava minha tia de ‘mamãe’, ela gritava que nunca seria minha mãe”. Votação Mundial
“Quando um vizinho me viu, ficou furioso com a minha tia. Disse que era óbvio que eu deveria ser tratada como todas as outras crianças! Ele me ajudou a chegar à escola onde eu vivo atualmente. Aqui, recebo ajuda para me lavar e comer uma boa comi-
da. Finalmente, ousei acreditar que a vida poderia ser melhor. E é! Me saio bem na escola, mas a coisa mais importante é que encontrei amigos, uma família. Finalmente sinto que pertenço a algum lugar, como todos devem se sentir na vida. Ninguém precisa ficar sozinho. Foi a mesma sensação agradável que tive hoje, ao ler meu poema. Quando todos ouviram com atenção e depoisaplaudiram, senti que estávamos unidos. Senti que eu importava. O Dia da Votação Mundial é incrivelmente importante para mim, porque foi através da leitura de The Globe (O Globo) e me preparando para a votação que descobri que nós crianças
deficientes realmente temos direitos. Hoje, votei para lutar pelo respeito a todos os direitos da criança. Pelo meu direito de ser respeitada como sou”. Você pode ver Mary lendo seu poema em www.worldschildrensprize.org Atrás da cabine de votação, alguém escreveu: “Deficiência não é incapacidade. Sim, nós podemos (Crianças pela mudança)”.
Não mais sozinha
“Na escola, fiz as melhores amigas do mundo. Elas são minhas irmãs, minha família”. Esta é Mary no dormitório escolar, com Sarah Opiyo, Mercy Atieno e Caroline Atieno, todas com 12 anos.
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A Votação Mundial nos torna um só! “Toda criança tem direito a uma boa vida. Se você é portador de deficiência, tem o direito de receber ajuda e apoio complementares. Isso é o que diz o artigo 23 da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas”, diz Moreen Anyango, 13 anos. Seu discurso é traduzido para a linguagem de sinais, enquanto crianças de 12 escolas a ouvem.
Mandela toca acordeão Enquanto a fila para a votação serpenteia entre os edifícios escolares, as crianças deficientes visuais da banda Kibos garantem o entretenimento. George Mandela toca acordeão.
Batizado em homenagem ao ídolo do pai “Nelson Mandela é o ídolo de meu pai. Nasci em 1994, o ano em que Mandela tornou-se presidente da África do Sul, e por isso fui batizado Mandela! É um bom nome”, diz George.
Contagem de votos na Votação Mundial de 12 escolas.
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: KIM NAYLOR
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“Eu adoro tocar acordeão na banda, e hoje as coisas estão melhores que nunca. É uma sensação muito especial tocar na Votação Mundial, um dia em que celebramos os direitos da criança. É fantástico que crianças portadoras e não portadoras de deficiência estejam juntas, como amigos. Nunca havia presenciado isso antes! Nós, portadores de deficiência, somos discriminados e excluídos. Geralmente nossos pais têm vergonha de
nós e não nos deixam brincar com outras crianças. Às vezes você se pergunta se é um ser humano, afinal. Mas hoje estamos aprendendo sobre nossos direitos junto com crianças que não têm deficiência. Eles veem que somos exatamente como todos os outros”. George Mandela, 15, da Escola Kibos para Deficientes Visuais
“O Artigo 23 diz que crianças com deficiência são crianças como nós. Diz que elas são importantes, e precisam ser cuidadas de um modo especial. Não é assim que as coisas funcionam no Quênia. Mas hoje é um dia fantástico para TODAS as crianças aqui. Precisamos aprender que todas as crianças têm os mesmos direitos e as mesmas necessidades de aprender, brincar, ser ouvidas, e, sobretudo, ser amadas. Este é um dia em que nos tornamos amigos. Tornamo-nos um só! Isso está acontecendo pela primeira vez na Votação Mundial, e é ótimo. Agora espero que possamos passar muito mais tempo juntos, e lutemos por nossos direitos”. Moreen Moreen Anyango, 13, Escola Fundamental Joel Omino
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dos na Votação M a e t un en “A Votação Mundial é um momento de festa. É nossa própria festa, então é mais gostoso ainda estarmos bonitas!”, diz Haleen.
Haleen Akinyi, 11, Escola Fundamental Joel Omino
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Zwena Achieng, 12, Covenant Academy
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Joyce Awuor, 11, Escola Fundamental Aga Khan
Em 2010, Nelson Mandela e Graça Machel foram laureados com o prêmio de Heróis das Crianças da Década, escolhidos por 7,1 milhões de crianças numa Votação Mundial. Leia mais em ww. worldschildrens prize.org
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Veja a manifestação em www.worldschildrens prize.org
“Queremos!” “Nossos direitos!!!” “Queremos!” “Nossos direitos!!!” “Trabalho infantil!” “Chega, chega!!!” “Abuso sexual!” “Chega, chega!!!”
Meninos coloridos
Os gritos cadenciados das crianças chegam longe, quando elas encerram a Votação Mundial com uma manifestação pelos direitos da criança. As garotas na frente lideram a marcha com vozes potentes, e o pó das estradas de terra vermelha se levanta enquanto centenas de crianças passam pelas ruas, a pé ou de cadeira de rodas.
Os amigos Castro, David e Jan preparam-se para a Votação Mundial, escrevendo WCPRC nas faces uns dos outros em cores brilhantes. “Nós escrevemos WCPRC em nossos rostos porque estamos orgulhosos de fazer parte do Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança (World’s Children’s Prize for the Rights of the Child). Votar se revela um ato solene e importante, porque estamos demonstrando nosso apoio às pessoas que lutam pelos direitos da criança. E o ato de votar também é uma forma de lutar por esses direitos”, diz Castro. “Exatamente! É disso que se trata o Prêmio das Crianças do Mundo. Crianças de todo o mundo se juntam para lutar para que todas as crianças tenham uma boa vida”, diz David. “Isso é tão importante que escrevemos WCPRC em nossos rostos. Queremos que todos vejam pelo que estamos lutando”, diz Jan. Castro Jasper, 11, Kenneth David, 13 anos, e Jan Omondi, 12, da Escola Fundamental Joel Omino.
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Crianças de 12 escolas! Crianças da Escola Kibos para Deficientes Visuais, Escola Especial Luterana para Deficientes Mentais, Central das Escolas, Nanga, Joyland, Covenant, Kasagam, Burkna, Kudho, Joel Omino e Agha Khan foram convidadas à Votação Mundial na Escola Especial Joyland para Portadores de Deficiência. 27
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O voto das crianças presas Mercy e Collins estão trancados em uma instituição correcional. Seu único “crime” é não ter nenhum dos pais. Pelo menos podem ler The Globe (O Globo) e participar da Votação Mundial.
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“
uando minha mãe e meu pai morreram, minha avó não teve condições de cuidar de mim. Ela me mandou para a casa de meu tio, em Nairóbi, mas ele não estava lá. Um vizinho disse que ele havia se mudado. Caminhei por toda a cidade procurando, mas como eu ainda não o tinha encontrado às 22 horas, fui à polícia. Eles também não sabiam dele. Então me trancaram em uma instituição correcional – uma prisão”. “Depois de um mês, fui transferida para esta institui-
ção correcional com quatro outras crianças, porque viemos desta região. Estou aqui há um mês. Não entendo porque não posso voltar à casa de minha avó, agora que estou tão perto de casa. Em vez disso, fui trancada aqui. Acho estranho que crianças que não cometeram nenhum crime, não fizeram nada errado, fiquem presas com criminosos. Ninguém explicou porque isso acontece. Sinto que isso vai contra os meus direitos, que os adultos estão violando meus direi-
tos. Por isso é tão importante para mim votar hoje em alguém que luta pelos meus direitos e os de outras crianças. É exatamente como se os candidatos sobre os quais lemos em The Globe (O Globo) lutassem pessoalmente por mim, porque eles querem que crianças por todo o mundo tenham uma boa vida”. “Eu não sei o que vai acontecer comigo. Mas, esta manhã, uma advogada dos direitos da criança foi à
Embora estejam presos, no Dia da Votação Mundial, Mercy e seus amigos da instituição correcional conseguiram ter um dia especial, cheio de brincadeiras e direitos da criança.
Mercy vota na Votação Mundial, trancada na instituição correcional.
Votação Mundial e disse que pode nos ajudar a ir para casa. Eu realmente espero que isso seja verdade. Quando crescer, quero ser como ela. Uma advogada que luta pelos direitos da criança”. Mercy Anyango, 12 anos
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Preso na rodoviária
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u moro aqui, mas definitivamente não é a minha casa. Quando minha mãe morreu, meu pai mudou-se e fiquei com minha tia. Mas ela não me queria. Tenho um tio em Nairóbi que queria cuidar de mim, então tentei ir para lá. Mas não consegui. Assim que eu entrei na rodoviária, a polícia me
prisão. Em vez disso, a polícia e os outros adultos deviam nos ajudar a ir para casa. Crianças não deveriam ser tratadas assim. Esta manhã, votamos na Votação Mundial e foi fantástico. Quando lemos The Globe (O Globo), descobri que existem adultos que
realmente lutam para que as crianças tenham uma boa vida. Isso me deixou feliz. Gostaria que alguém assim pudesse ajudar a todas as crianças cujas vidas são como a minha. Crianças que estão presas”. Collins Oduor, 12 anos
Collins, no meio, aguarda sua vez de votar na Votação Mundial pelos direitos da criança, na instituição correcional.
TEXTo: ANDRE AS LÖNN foToS: KIM NAYLoR
“Pudemos dançar, brincar e ter nossas caras pintadas na Votação Global. Foi um dia tão divertido”, diz Collins.
abordou. Eles me questionaram, e quando ouviram que eu estava sozinho se recusaram a me deixar viajar. Em vez disso, fui detido e levado a uma prisão para adultos, onde me prenderam. Tive que ficar lá por três semanas. Foi horrível, porque eu não sabia o motivo de estar ali. Tentei explicar que o meu tio em Nairóbi queria cuidar de mim, mas os policiais se zangaram e me bateram, dizendo sabiam o que estavam fazendo. Agora estou aqui na instituição correcional há dois meses, e eles dizem que eu poderei ir para a casa de meu tio, mas não sei quando. Não é certo colocar crianças na
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Jetu observa revista O Globo e o professor
A primeira-ministra do Parlamento Infantil veio à escola noturna verificar se o professor realiza um bom trabalho. Hoje, os alunos leem O Globo, preparando-se para a Votação Mundial.
Criança primeira-ministra quer lu
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: PAUL BLOMGREN
É a noite da véspera da Votação Mundial no deserto do Rajastão, Índia. Na aldeia de Paladi, as crianças da escola noturna fazem uma revisão final dos candidatos da revista do prêmio, The Globe (O Globo). De repente, o professor demonstra nervosismo. Ele descobriu que a primeira-ministra do Parlamento Infantil, Jetu Devi, de 14 anos, vai participar da aula. E ele sabe o que isso pode significar…
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le agora precisa mostrar que realmente leva a sério sua responsabilidade como professor. Três exprofessores da escola noturna da aldeia foram demitidos após uma inspeção de Jetu ou de um dos outros ministros do Parlamento Infantil. A escola noturna integra uma organização chamada Barefoot College (Escola dos Pés Descalços), e os alunos têm grande influência sobre sua direção. – Pode-se dizer que nós, crianças, somos donas das escolas noturnas da Barefoot College. As escolas não existem para os professores e nem para os pais. Existem para nós. E como as escolas noturnas são a única formação que a maioria de nós terá, é
importante que sejam as melhores possíveis. Portanto, professores que não nos levam a sério, chegam atrasados ou faltam não são bons o suficiente. Eles são demitidos imediatamente! – sussurra Jetu, enquanto presta atenção à aula, que hoje trata do Prêmio das Crianças do Mundo. Jetu gosta de ter sido enviada como primeira-ministra para inspecionar uma das escolas noturnas quando a aula é toda dedicada aos direitos da criança e à Votação Mundial. Sabe que ela e as outras crianças não estão apenas aprendendo coisas importantes. Ela também exerce influência sobre sua própria vida e a de seus amigos. Normalmente, o dia a dia é de
A caminho da Votação Mundial...
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As irmãs leem (The Globe) O Globo As irmãs de Jetu, Matura, 13 anos, e Samutra, 11, leem O Globo na escola noturna da vila.
er lutar pelas meninas muito trabalho para Jetu e para os demais alunos da escola noturna, que, em sua maioria, são meninas. As meninas trabalham
– Eu acordo cedo todas as manhãs e a primeira coisa que faço é varrer a casa e o quintal. Depois vou buscar água no poço. No caminho de volta, alimento nossos búfalos e cabras. Então minha mãe e eu preparamos o café da manhã. Depois de comer, minhas duas irmãs e eu vamos para os campos com nossos pais e trabalhamos o dia todo. Nós trabalhamos pelo menos nove horas por dia. Meus dois irmãos nunca nos acompanham. Em vez disso, eles vão à escola. Quando chego em casa, tiro leite de nossos ani-
mais. Depois, eu, minha mãe e minhas irmãs fazemos o jantar para a família. Essa é minha vida. Todos os dias – conta Jetu. A Barefoot College percebeu que as famílias pobres do Rajastão geralmente precisam da ajuda dos fi lhos no trabalho no campo para poderem sobreviver. Por isso criaram as escolas noturnas nas aldeias, para que as crianças que precisam trabalhar durante o dia tenham a chance de ir para a escola à noite. Hoje, existem 159 escolas, com um total de quatro mil alunos. Três mil deles são meninas. A Barefoot College criou o Parlamento Infantil para que as próprias crianças possam participar das decisões refe-
rentes às suas escolas. São os alunos de todas as escolas noturnas que elegem os ministros do Parlamento Infantil através de eleições democráticas a cada três anos. A principal tarefa dos ministros é se certificar que as escolas funcionam bem, que os professores fazem seu trabalho e que as crianças são bem tratadas. Os meninos vão à escola
– Fiquei muito feliz quando fui eleita primeira-ministra, pois quero lutar por nossos direitos! Como primeiraministra, eu inspeciono pelo menos uma escola por semana. E, uma vez por mês, o parlamento se reúne em uma das aldeias onde temos uma escola noturna; eu presido a
Jetu Devi, 14 MORA: Na aldeia de Paladi, no
Rajastão, Índia. AMA: Ir à escola e aprender coisas. DETESTA: Quando as pessoas
acham que meninas têm menos valor do que meninos. O MELHOR QUE JÁ LHE ACONTECEU:
Quando fui eleita primeiraministra do Parlamento Infantil. O PIOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Agora que eu terminei o quinto ano, o último da escola noturna, não posso continuar a estudar em uma escola normal. QUER SER: Professora em uma das nossas escolas noturnas. SONHO: Que os políticos pensem no que é melhor para as crianças ao tomar todas as decisões.
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Diferente para meninas e meninos
Primeiro, Jetu trabalha nove horas nos campos, junto com suas irmãs, Matura e Samutra…
reunião. Também convidamos os adultos da aldeia para a reunião. Pais, líderes da aldeia e políticos. Pedimos a todos eles para deixar os filhos irem à escola em vez de trabalhar. Explicamos que é errado bater nas crianças e que é preciso cuidar bem delas. Através da escola noturna e da participação no Parlamento Infantil, aprendemos sobre nossos direitos e sobre a democracia – explica Jetu. Parte do ensino nas escolas noturnas sobre os direitos da criança envolve a leitura da revista The Globe (O Globo) e a participação na Votação Mundial todo ano. – Adoro ler sobre as pessoas que lutam pela liberdade das meninas em diferentes partes do mundo. Isso me inspira e quero ser assim quando eu
… depois ela limpa a casa, busca água e faz o jantar…
Ajuda ou trabalho infantil? – A meu ver, há uma grande diferença entre ajudar os pais na agricultura familiar e os pais que mandam seus filhos para trabalhar nas fábricas para ganhar dinheiro. Isso é trabalho infantil, e é errado. É algo que nós, do Parlamento Infantil, lutamos contra – diz Jetu.
crescer. Realmente precisamos de pessoas que lutem pelas meninas aqui, porque há essa diferença enorme no modo como meninos e meninas são tratados. Nós, meninas, não temos as mesmas oportunidades na vida. – Aqui, são os meninos que
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vão à escola, pois os pais esperam que os filhos homens arrumem um bom emprego e possam sustentar a família no futuro. Eles nem pensam nas fi lhas, porque acabaremos nos casando e faremos parte de outra família. Os pais não veem a menor razão para investir na educação de suas fi lhas. Eu acho isso errado! É injusto meus irmãos irem à escola de manhã e aprenderem coisas importantes, enquanto eu tenho que trabalhar nos campos. No meu mundo ideal, seria natural tanto as meninas quanto os meninos irem à escola. Nesse mundo, homens e mulheres dividem todas as tarefas domésticas, pois isso facilitaria a vida para as meninas. Sei que temos um longo caminho a percorrer, mas acredito que aos poucos, lentamente, have-
rá mais igualdade entre meninos e meninas aqui. Nós, que frequentamos a escola noturna e lemos a revista The Globe (O Globo), sabemos como as coisas realmente devem ser – diz Jetu. Votação Mundial
A aula se aproxima do fim e tanto Jetu como o professor estão satisfeitos, pois a inspeção foi um sucesso. – Neste caso, eu, como criança, tenho mais poder do que um adulto. Minha palavra significa muito. Não é assim fora do Parlamento Infantil e das escolas noturnas. As opiniões de uma criança não têm valor por aqui. Isso é errado e estúpido, porque temos muito a oferecer. Por isso é tão importante votar na Votação Mundial amanhã. É quando temos a
Jetu ajuda seu pai a cuidar do búfalo da família.
chance de mostrar nosso apoio e admiração por aqueles que lutam para que nós, crianças, sejamos bem tratadas e possamos ser ouvidas, independente do lugar do mundo onde moramos!
A caminho da Votação Mundial... … enquanto seus irmãos, Sarvesswar e Balram, brincam com os amigos depois de um dia de aula.
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Um camelo vem carregado… … trazendo crianças para a Votação Mundial no deserto…
Pensem por si mesmos! Está quase na hora da Votação Mundial, e os ministros do Parlamento Infantil trouxeram os alunos das escolas noturnas em pequenos grupos. Jetu está sentada sob uma árvore com seu grupo.
– Namaskar! Oi! – Oi!!! – Vocês sabem quem eu sou? – Sim, sabemos. Você é Jetu, a primeira-ministra! Para muitas crianças, especialmente as meninas, Jetu é um modelo. Alguém que admiram e acham emocionante ter a oportunidade de
Parlamento Infantil dá liberdade
Chegando à Votação Mundial.
– As reuniões do Parlamento Infantil e as aulas da escola noturna muitas vezes são as únicas ocasiões em que as meninas ficam livres do trabalho em casa ou nos campos. Então, podemos finalmente encontrar nossos amigos e, com sorte, até mesmo brincar e dançar um pouco! – diz Jetu.
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…
Barefoot College e o Parlamento Infantil Ministros das crianças reúnem alunos de escolas noturnas, à sombra das poucas árvores que há no deserto. Em seguida, eles realizarão sua Votação Mundial.
conhecer. Quando ela segura um exemplar da revista The Globe (O Globo) e fala sobre o que vai acontecer durante o dia, eles ouvem atentamente. – Esta revista é sobre pessoas que lutam pelos direitos da criança. Alguém sabe o que significam os direitos da criança? – pergunta Jetu. Jhimku, uma menina de dez anos, ergue a mão cautelosa e responde:
– Acho que é poder brincar e cantar! Jetu sorri e acena: – Eu concordo! Mas também acho que é sobre ter comida e água. Ter um lugar para morar, uma família que cuida de você e a chance de ir à escola. E uma coisa muito importante é que nós, crianças, devemos poder expressar nossas opiniões. Os adultos devem nos escutar quando
falamos sobre coisas importantes. Como hoje, quando votaremos na Votação Mundial. Ao votar, é importante que vocês pensem por si mesmos. Não se preocupem em quem seus amigos vão votar ou com o que seus professores dizem. Pensem por si mesmos!
Em 2001, a Barefoot College e o Parlamento Infantil receberam o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo por seu esforço de 30 anos para possibilitar que crianças pobres, especialmente as meninas, frequentem a escola e aprendam sobre seus direitos. Leia mais em www.worlds childrensprize.org
Primeira-ministra Jetu vota na Votação Mundial.
Presidindo reunião do Parlamento
A primeira-ministra Jetu preside a reunião. À sua esquerda estão, nesta ordem, a ministra do interior, Sajana, e a ministra da energia, Pinki.
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É bom votar! – Foi bom votar hoje. De certa forma, parece que podemos ajudar as crianças de todo o mundo que passam por dificuldades, apenas por participar da Votação Mundial – diz Mathara.
Ministra da água vota no deserto As crianças das escolas noturnas realizam sua Votação Mundial no deserto sob uma temperatura de 40 graus à sombra. Uma das votantes é a ministra da água no Parlamento Infantil, Mathara Devi, 14 anos. – Dois meses atrás houve um leve chuvisco. Desde então, não caiu nem uma gota sequer, diz ela.
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qui no Rajastão, um dos maiores problemas para as crianças é a falta de chuva. Ela afeta todos os aspectos de nossas vidas. Sem chuva pode-se facilmente adoecer, pois é difícil encontrar água potável e manter-se limpo. Quando não chove, as lavouras de nossas famílias não crescem e, consequentemente, não há alimento suficiente para nós e nem para nossos animais. As pessoas 36
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são obrigadas a vender seus animais, e muitos vão para longe de nossas vilas pobres para trabalhar em latifúndios irrigados artificialmente. Minha família toda teve que fazer isso no ano passado e foi terrível. Eu não tinha amigos e não podia ir à escola, uma vez que estava tão longe de casa. Mas, como frequento as escolas noturnas da Barefoot College, não tive problema para recomeçar quando eu
Mathara faz a contagem dos votos da Votação Mundial do Parlamento Infantil.
Anel de tecido para não derramar Este lindo anel de tecido é chamado Indoni. Meninas e mulheres o usam na cabeça para tornar o transporte de água mais confortável e estável. – Eu mesma fiz este com roupas velhas e tecidos bonitos. Se eu tiver tecido suficiente, consigo fazer cinco em um dia. É fácil! – diz, Indra, 18 anos, a irmã mais velha de Mathara.
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Precisamos de água
Todas as tardes, Mathara caminha seis vezes até o poço para buscar água. Na parte da manhã é sua irmã Indra que o faz. A água é usada para cozinhar e fazer chá. … lavar a louça… … escovar os dentes…
voltei. Se eu estivesse em uma escola normal, eles nunca teriam aceitado isso. Mas o pior foi quando meu pai foi espancado pelo dono da propriedade e alguns de seus homens. Tenho medo deles e nunca mais quero voltar lá. Na Barefoot College, nós sabemos como as coisas são difíceis nos períodos de seca e tentamos trabalhar juntos e nos ajudar mutuamente. Por exemplo, a pequena quantidade de chuva que cai sobre os telhados das escolas noturnas é recolhida em reservatórios de água e pode ser usada como água potável, em vez de simplesmente evaporar no calor. Nas aldeias onde temos escolas noturnas, cada vez mais as pessoas usam água da chuva o máximo possível. Como ministra da água do Parlamento Infantil, eu visito as escolas semanalmente e verifico se todas as crianças têm quantidade suficiente de água limpa. Se houver escassez de água tanto nos poços quanto nos tanques de água da chuva, eu comunico ao Parlamento Infantil. Neste caso, nós compramos água potável junto com a Barefoot College, para que todos os alunos das aldeias recebam a água de que necessitam. Mas isso custa caro, e todos os alunos das escolas noturnas sempre têm o cuidado de não usar muito.
… tomar banho e se limpar…
… lavar roupas… … beber…
O pai de Mathara tornou-se escravo por dívida – Quando minha família e eu trabalhávamos para um fazendeiro, tive que pedir algum dinheiro a ele para nossa alimentação e sobrevivência. Quase ao final, após termos trabalhado muito duro nos campos por quatro meses, ele disse que minha dívida era tão grande que não iria me dar nenhuma parte da colheita e muito menos pagar pelo meu trabalho. Ele disse que eu seria espancado e que ele pegaria minhas filhas se eu não saísse sem causar problemas. Entrei em desespero, pois não tinha
... e para oferecer às aves que moram na árvore dos fundos da casa, para que elas também tenham algo para beber! – São aves silvestres, mas para nós é como se fossem da família! Meus favoritos são os papagaios, com suas cores fabulosas.
dinheiro para dar à minha mulher e meus filhos, portanto fiquei lá e exigi que ele me pagasse. Então, eu fui atacado por dez homens que me chutaram e me bateram com varas. A vida está muito dura para nós agora. Tenho terra e búfalos, mas não chove. Antigamente, costumávamos ter duas grandes colheitas por ano, agora
não temos nem mesmo uma boa colheita. Algo muito grave aconteceu com a natureza e o clima. Na Barefoot College dizem que isso é causado pelo aquecimento global – diz Sharwan, o pai de Mathara. Aqui, lavam juntos um dos búfalos da família, em um poço que ainda não secou.
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Ministra da energia sob o sol a O sol é escaldante no céu sem nuvens durante todo o dia da Votação Mundial no deserto. – É sempre assim, ensolarado e quente! – diz Pinki Verma, 14 anos, que é a ministra da energia no Parlamento Infantil.
É
–
claro que é um problema o fato de nunca chover e ser sempre assim tão quente. Mas, na realidade, também aprendemos a usar o sol a nosso favor.
A Barefoot College percebeu que o Rajastão é o lugar perfeito para o uso da energia solar! Iluminação, computadores... sim, hoje em dia tudo na Barefoot College é movido
a energia solar.Costumávamos usar lâmpadas de parafina e velas nas escolas noturnas, mas agora cada escola tem uma lâmpada que é carregada durante o dia, utilizando energia solar. É ótimo! Agora conseguimos nos manter sem usar óleo, parafina, fósforos, velas, pilhas e energia elétrica, que custam muito dinheiro a longo prazo. A energia solar também é muito mais
limpa do que as lâmpadas de parafina, cheias de fuligem, e mais segura do que velas e eletricidade. As velas são facilmente apagadas pelo vento, e isso é um problema, já que nas escolas noturnas as aulas muitas vezes são realizadas ao ar livre. Nenhuma de nossas escolas possui eletricidade, mas mesmo se tivessem, não seria muito confiável, pois há blecautes o tempo todo. Além
Meninas se tornam técnicas em energia solar Muitos dos técnicos que instalam painéis solares e reparam lâmpadas de energia solar são mulheres jovens que frequentaram uma das escolas noturnas.
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Painéis solares construídos pela Barefoot College. Eles captam a luz do sol e e possibilitam carregar as novas lâmpadas das escolas noturnas.
– Eu também gostaria de trabalhar com energia solar no futuro – diz Pinki. Atualmente, a Barefoot College não treina apenas as meninas das aldeias no Rajastão e de outras partes da Índia como técnicas em energia solar. Muitas vêm de pequenas vilas de diferentes partes da África.
– Como ministra da energia, explico às pessoas das aldeias onde temos escolas sobre todos os benefícios da energia solar. Explico que é bom para o meio ambiente e que todos na aldeia serão beneficiados a longo prazo – conta Pinki. Lâmpada movida a energia solar.
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TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: PAUL BLOMGREN
Lâmpada movida a energia solar em uma das 159 escolas noturnas administradas pela Barefoot College, no Rajastão.
ol ardente do mais, a energia solar é muito mais ecológica do que as outras opções e a lâmpada de energia solar ilumina muito melhor. E isso é bom, principalmente levando em conta que as crianças das escolas noturnas têm que aprender coisas importantes depois do anoitecer. Portanto, as lâmpadas precisam ser boas! Como ministra da energia é minha a tarefa de visitar escolas diferentes a cada mês e verificar se as lâmpadas de energia solar estão funcionando direito. Se uma lâmpa-
Energia solar e Gandhi da estiver com defeito, a escola recebe uma nova, e eu levo a lâmpada defeituosa aos técnicos da Barefoot College para reparo. Os técnicos muitas vezes são meninas que frequentaram a escola noturna e depois continuaram a formação como técnicas em energia solar. Eu também gostaria de fazer isso no futuro!
A lâmpada de energia solar é ecologicamente correta e mais barata a longo prazo, além disso...
... mais eficaz do que as velas...
... é mais segura e mais limpa do que as lâmpadas de parafina... ... e lâmpadas de óleo... ... e mais confiável do que o fornecimento de energia daqui, quando este funciona...
Com o subsídio do governo, uma lâmpada de energia solar custa 2.800 rúpias indianas. Isso é quase o que uma família gastaria em parafina para uma lâmpada de óleo durante um ano. Portanto, em apenas um ano, já se recuperou o custo da lâmpada solar. Então, pode-se dizer que se é “autossuficiente” em termos de luz. Nas cédulas você pode ver o campeão da liberdade da Índia, Mahatma Gandhi. Assim como Gandhi, a Barefoot College acredita que, sempre que possível, todas as pessoas devem ser autossuficientes – ter condições de prover para si mesmos – e, desta forma, não ser vulneráveis por depender dos outros. Tanto Gandhi como a Barefoot College acreditam que isso é ainda mais importante para as pessoas pobres. Leia mais sobre Gandhi no site www.worldschildrensprize.org
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Se todas as crianças participarem, teremos um mundo com paz e harmonia “Eu sou a ministra dos direitos da criança e a mais nova ministra no Parlamento! É ótimo, porque agora eu tenho o poder de fazer coisas boas por nós, crianças. Minha tarefa é garantir que todas as crianças sejam bem tratadas em nossas escolas noturnas. Antes de tudo, devo certificar que nenhum professor bate em uma criança sequer. Se eu descobrir que há castigo físico na escola, reporto ao Parlamento Infantil e o professor responsável é demitido imediatamente. Na Índia é muito comum as crianças apanharem em casa e na escola. Isso me deixa triste e com raiva. Como pode um professor bater em uma criança que não entende? Para que uma criança consiga aprender, o professor tem de explicar com calma e clareza, no ritmo de criança! Agora estou no 4º ano da escola noturna de minha aldeia, e muitas vezes lemos a revista The Globe (O Globo). Eu me sinto inspirada ao ler a revista e isso me faz querer ser alguém que luta pelos direitos da criança quando crescer. Foi tão bom votar hoje e mostrar meu apoio às pessoas que fazem coisas boas por nós, crianças. Se continuarmos assim, e se todas as crianças do mundo puderem participar da Votação Mundial, teremos um mundo onde as pessoas vivem em paz e harmonia – um lugar sagrado! Mira Devi, 12 anos, ministra dos direitos da criança, Parlamento Infantil
Ministros que v
Votação Mundial mostra q ”Eu sou o ministro da educação no Parlamento Infantil. Minha tarefa mais importante é localizar crianças que não vão à escola nas aldeias onde há escolas noturnas. Eu faço uma lista e a levo comigo para a próxima reunião do Parlamento, depois nos reunimos com os pais e líderes da aldeia e tentamos resolver o problema. Todas as crianças devem ir à escola!
Aqui no Rajastão, há muitas meninas e meninos que não vão à escola e são obrigados a trabalhar. Principalmente aqueles que são pobres e pertencem à casta dos intocáveis, também conhecidos como Dalits. Mesmo quando conseguimos frequentar uma escola normal, geralmente sofremos discriminação. Outras crianças não querem
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“Durante o dia, eu limpo a casa, busco água, lenha e cozinho. Na época da colheita, como agora, também trabalho no campo com a minha família. Quando meu dia de trabalho termina, vou para a escola noturna. Uma vez por mês, o Parlamento Infantil se reúne e, como sou a ministra dos assuntos internos, sou responsável por garantir que todos que vêm até aqui tenham lugar para dormir e o que comer. Como ministra dos assuntos internos também posso presidir a reunião, caso a primeira-ministra não possa estar presente. Pode-se dizer que sou responsável por garantir que tudo funcione bem durante as reuniões do Parlamento Infantil. E o Parlamento é importante, pois oferece às crianças informação, conhecimento e autoconfiança. O Prêmio das Crianças do Mundo e a Votação Mundial fazem o mesmo. Nós aprendemos sobre os direitos da criança e sobre as pessoas que lutam pelos nossos direitos em todo o mundo. Participar da Votação Mundial é importante para nós na Índia, uma vez que temos tantos problemas aqui, como o trabalho infantil, que impede que as crianças consigam ir à escola. A revista The Globe (O Globo) nos ensina que isso é errado. Todo mundo que lê a revista e participa da Votação Mundial é transformado pela experiência. Agora que sabemos como as crianças devem ser tratadas, precisamos garantir que todos os crimes e violações de que as crianças são vítimas hoje deixem de acontecer no futuro”. Sajana Devi, 16, ministra dos assuntos internos, Parlamento Infantil
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: PAUL BLOMGREN
O Globo muda o futuro
e votam
ra que as crianças são importantes se sentar ao nosso lado e esse tipo de coisa. Uma vez houve até mesmo um professor de uma de nossas escolas noturnas que se recusou a ensinar duas garotas Dalits. Como ministro da educação, meu trabalho é enfrentar situações como essa. Eu disse ao professor e a todos os pais que fecharíamos a escola imediatamente se aquelas duas meni-
nas não tivessem exatamente o mesmo ensino que todas as outras crianças da aldeia. Depois disso, as meninas foram bem recebidas, então agora a escola pertence a todas as crianças da aldeia! E é assim que tem que ser. Todas as crianças são igualmente importantes e têm o direito a uma boa vida, inclusive nós que somos pobres. É exatamente disso que se
trata o Prêmio das Crianças do Mundo e a Votação Mundial. Quando votamos, demonstramos nosso apoio àqueles que lutam por uma boa vida para TODAS as crianças. Destacamos tudo o que os candidatos fazem e, ao mesmo tempo, mostramos que as crianças são importantes. Também mostramos que sabemos o quanto as crianças são maltrata-
das em todo o mundo, e que isso é algo que nos recusamos a aceitar ou esquecer! Ashok, 15 anos, ministro da educação, Parlamento Infantil
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Jovens na Índia votam O júri brilha como a lua
Nunca diferencie crianças
“Ao ler The Globe (O Globo), aprendi que existem muitas crianças que são maltratadas, mas que os nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo lutam para colocar um fim a todas as violações dos direitos infantis. Eles mostraram a muitas crianças um novo caminho na vida. O Prêmio das Crianças do Mundo conscientiza muitas crianças no mundo sobre seus direitos, para que possam lutar por eles. O júri do Prêmio das Crianças do Mundo é a lua que ilumina toda a Terra, espalhando a luz do conhecimento”. Apoorva Bansal, 13 anos, escola Gandhinagar, Moradabad
“Eu gosto de como o Prêmio das Crianças do Mundo ajuda muitas crianças vulneráveis a conquistar uma vida nova e feliz. Ao ler a revista, fiquei muito triste com as situações difíceis de muitas crianças. Naquele momento, decidi que daria todo meu apoio à vozes sofridas das crianças vulneráveis. Todos devemos nos unir pelos direitos e necessidades de todas as crianças, e nunca diferenciá-las de nenhuma maneira. O Prêmio das Crianças do Mundo nos proporciona conhecimento suficiente para respeitar todos os direitos de todas as crianças”. Salomi Rosy Ekka, 13 anos, escola Guru Nanak, Rourkela, Orissa
Mostra sonhos de futuro às crianças “A experiência da Votação Mundial foi fantástica. Estamos orgulhosos por participar. Desta forma, contribuímos não apenas para um futuro melhor para as crianças vulneráveis, mas também para o desenvolvimento do nosso país. O Prêmio das Crianças do Mundo salva as crianças das atrocidades do planeta, mostra-lhes lindos sonhos para o futuro do mundo, e faz todo o possível para ajudar a tornar esses sonhos realidade”. Sakshi Singh, 14 anos, escola Gandhinagar, Moradabad
Adultos devem respeitar as opiniões das crianças “O Prêmio das Crianças do Mundo realmente faz uma contribuição incrível ao pensar no que é melhor para as crianças. Eles entendem de verdade que toda criança tem o direito de expressar suas opiniões e ser respeitada. Estou muito contente que nossa escola seja uma das Escolas Amigas Mundiais e acredite nos direitos da criança. Conhecer, através da revista do prêmio, os tipos de opressão a que as crianças são expostas nos enche de empatia. Os adultos devem conhecer os direitos da criança e respeitar seus pensamentos”. Jasmin Surja, 14 anos, escola Guru Nanak, Rourkela, Orissa
Me tornou um cidadão global “Foi através do Prêmio das Crianças do Mundo que aprendemos sobre a existência dos direitos da criança. Todas as crianças de nosso país devem ter acesso à educação e poder ir à escola todos os dias. Todas as crianças devem ser tratadas com igualdade, sem nenhuma discriminação devido ao sistema de castas. Ao ler a revista do prêmio, tive muitas ideias em relação aos direitos da criança, e as apresentei diante de todos. Foi uma oportunidade de ouro para me tornar um cidadão global. A Votação Mundial é uma boa forma de entender a mente de um estudante. Espero que a Votação Mundial ajude as crianças a terem todos os seus direitos respeitados, e a Índia a se tornar o País do Conhecimento”. Marvin John, 13 anos, escola Aditya Birla, Rawan, Raipur
Experiência para toda a vida “O trabalho infantil é um crime que priva a criança de sua infância. O Prêmio das Crianças do Mundo e sua Votação Mundial foram uma experiência maravilhosa para mim. É um grande privilégio fazer parte dessa organização, que tanto se esforça para alcançar a igualdade de direitos para todas as crianças do mundo. Esta foi uma experiência inesquecível para mim, que me fez sentir orgulho por ter participado. O Prêmio das Crianças do Mundo me inspirou a começar a lutar contra males sociais, como o trabalho infantil”. Sidhant Sharma, escola Darbari Lal, Pitampura, Deli
Conheci os direitos da criança “Através do Prêmio das Crianças do Mundo, descobri os direitos da criança. A votação me fez agradecer por tudo que tenho na vida. Os nomeados me ensinaram o valor da coragem e da determinação. Ler a revista do prêmio mudou minha maneira de encarar as crianças pobres do mundo. A organização do Dia da Votação Mundial foi uma experiência muito proveitosa e este foi um dia especial para mim”. Ritika Das Vaishanav, 12 anos, escola Aditya Birla, Rawan, Raipur
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Situação das meninas é pior “Pessoalmente, não sinto que qualquer de meus direitos me seja negado, mas na Índia a menina é a maior vítima. Ela é muitas vezes negligenciada e discriminada devido à preferência por filhos homens. Através do Prêmio das Crianças do Mundo, temos a possibilidade de conhecer e exigir respeito aos nossos direitos. É uma plataforma que podemos usar para ajudar outras crianças a conhecer e compreender os direitos essenciais da criança de forma divertida”. Aanchal, 14 anos, escola Darbari Lal, Pitampura, Deli
Mostra que existe fraternidade “O tráfico de crianças e o trabalho infantil na Índia são uma saga interminável saga de morte e sofrimento para os jovens... É uma verdadeira ‘prilaya’ (catástrofe) na Terra, especialmente para as meninas. Após ter vivenciado o Prêmio das Crianças do Mundo e aprendido sobre aqueles que lutam contra os estigmas sociais no mundo, sinto orgulho de meu voto e faço a minha parte para honrá-los. Eles nos fazem sentir que, apesar de tudo, o mundo não é um lugar tão ruim para se viver... ainda existe fraternidade”. Sanna Chawia, 16 anos, escola BCM Arya Model, Ludhiana
Com 785 turmas e 39.483 alunos, a City Montessori School, em Lucknow, na Índia, é a maior escola do mundo. Anualmente, cerca de metade dos estudantes participam da Votação Mundial.
Maior escola do mundo vota Governo deveria agir como nomeados ao prêmio “O dia do Prêmio das Crianças do Mundo é importante, pois as crianças são importantes. Por meio do prêmio, conhecemos pessoas que lutam pelas crianças. Há muitas crianças pobres na Índia, que não vão à escola. Acho que o governo deveria agir como os nomeados ao prêmio e proporcionar educação às crianças. É um dia importante, porque as crianças menores de 18 anos têm a chance de votar. Ao mesmo tempo, aprendemos coisas importantes para as crianças de hoje e sobre nossos direitos”. Sanskar Maheshwari, 14 anos, City Montessori School, Lucknow
Orgulho da Votação Mundial em nosso país “O Prêmio das Crianças do Mundo prova que ainda existem pessoas no planeta que pensam no bem-estar das crianças. Ele nos mostra que, embora sejamos jovens, temos poder. Isso nos dá esperança de que a situação de todas as crianças melhore e que nenhuma criança seja explorada, nunca mais. Me orgulho por nosso país participar da Votação Mundial sobre pessoas que fazem algo significativo pelas crianças do mundo”. Shivangi Sharma, 16 anos, City Montessori School, Lucknow
Podemos fazer a diferença “O Dia da Votação Mundial em nossa escola fez com que eu me sentisse um cidadão global. Quando li sobre o Prêmio das Crianças do Mundo, percebi que a mudança do mundo pode começar com os esforços de uma única pessoa, e que eu posso ser essa pessoa. O Prêmio das Crianças do Mundo é meu novo exemplo. Agora sinto a necessidade de fazer algo, e estou contente por estar bem informado. Se milhões de pessoas fossem instruídas como nós, acredito que juntos seríamos capazes de fazer a diferença”. Mahak Mehrotra, 15 anos, City Montessori School, Lucknow
Conhecemos opiniões mútuas em O Globo “Participei da Votação Mundial pela primeira vez, e foi incrível. Realmente acredito que o Prêmio das Crianças do Mundo pode nos ajudar a ser ouvidos. Aprendemos como as crianças vivem ao redor do mundo e sobre os nossos direitos. Mas o mais importante é que, através de The Globe (O Globo), crianças do mundo todo podem saber as opiniões umas das outras sobre questões importantes; quando aprendemos uns com os outros, nos desenvolvemos muito”. Indresh Singh, 15 anos, City Montessori School, Lucknow
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Crianças na Nigéria votam Prisão para adultos que violam nossos direitos “Adoro ler sobre os belos trabalhos mostrados no Prêmio das Crianças do Mundo. Eu e meus colegas lemos The Globe (O Globo) todos os dias, como parte de nossos estudos. Todos os alunos da nossa escola são membros do Clube do WCPRC (Clube do Prêmio das Crianças do Mundo). Meu país não cuida bem de nossa educação, as crianças pobres não podem pagar as taxas escolares. Principalmente nós, meninas, vendemos mandioca, amendoim e água potável nas ruas para conseguir dinheiro para as taxas escolares, quando deveríamos estar na escola. Se me tornasse presidente da Nigéria, prenderia todos os adultos que desrespeitam nossos direitos e roubam nosso dinheiro. Colocaria-os na prisão por nos prejudicar. Também criaria uma lei que nos garantisse educação e tratamento médico gratuitos”. Bright Abubakar, 12 anos, Peculiar Children Academy, Ibillo-Edu, Nigéria
Prêmio das Crianças do Mundo deveria ser obrigatório “Eu não sabia o que eram os direitos da criança até minha professora trazer as revistas do Prêmio das Crianças do Mundo à nossa escola para a Votação Mundial. Adoro a revista The Globe (O Globo). Ela me ensinou muito sobre os direitos da criança, e sobre como esses direitos são violados. Se eu fosse presidente da Nigéria, tornaria a educação gratuita para todas as crianças. Daria a elas alimentação na escola e comunicaria a todos os departamentos de educação do país a obrigatoriedade da participação no Prêmio das Crianças do Mundo. Aqui em Edu os direitos da criança não são respeitados, embora o governo tenha aprovado uma lei sobre isso. Nossos direitos sempre são violados e nossos líderes não se preocupam conosco. Mas nossos pais nos amam e fazem o melhor que podem para nos ajudar”. Jubril Abubakar, 14 anos, Peculiar Children Academy, Ibillo-Edu, Nigéria
O voto das crianças pela democracia “O Prêmio das Crianças do Mundo é uma ideia fantástica, que ajuda a divulgar os direitos da criança pelo planeta. Gosto muito de ler The Globe (O Globo). Quando estou lendo a revista, não sinto fome nem preciso dormir. E aprendi a votar; portanto, não terei nenhum problema para votar nas eleições parlamentares e presidenciais quando eu crescer. Sinto-me tocado pela consciência de que crianças de todo o mundo lutam pelos direitos da criança e participam do programa do Prêmio das Crianças do Mundo, que é o voto das crianças pela democracia. Esse programa é muito bem pensado, e apoia bastante os direitos da criança. Depois que lemos The Globe (O Globo), reunimo-nos para nomear uma comissão eleitoral e organizar tudo que é necessário numa eleição. Precisamos de punições severas para impedir que os direitos da criança sejam violados. Se eu fosse presidente, daria a todas as crianças assistência médica gratuita e acabaria com as tendas-escola, construindo e equipando as escolas de forma apropriada”. António José Kress de Carvalho, Bissau, Guiné-Bissau
Crianças em Guiné-Bissau votam Iniciativa mais bem-sucedida do planeta “O Prêmio das Crianças do Mundo é a iniciativa mais bem-sucedida do planeta. Fico muito feliz ao ler a revista, principalmente ao conhecer o trabalho dos nomeados. O prêmio me ensinou que as crianças têm direito a uma vida sem abusos, e o direito de ir à escola. Votar e decidir quem deve ser premiado tem a ver com destacar nossos direitos e fazer com que os adultos os respeitem. Quando crescer, eu lutarei pelos direitos da criança em meu país, para que possa ser nomeada ao prêmio. Os castigos físicos são comuns aqui, mesmo nas escolas. Acho que o governo deveria punir os adultos que violam os direitos da criança. E o ministro precisa pagar os salários dos professores, para que eles não entrem em greve. Se eu fosse presidente de Guiné-Bissau, faria os soldados ararem a terra, em vez de viver em quartéis e guerrearem. Transformaria os quartéis em orfanatos, creches e playgrounds”. Akmoda Cá, 13 anos, Bissau, Guiné-Bissau
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Doris promove duas Votações Mundiais Banco para pensar nos outros
Neste banco, Doris, Phyllis Godwyll, 16, e Gertrude Guamah, 16, decidiram abrir a escola noturna para suas amigas da mesma idade. “Elas não podem frequentar a escola porque precisam ganhar dinheiro e cuidar de seus filhos”, explica Phyllis. “Sua situação é mais difícil do que a nossa, portanto devemos ajudálas”, afirma Gertrude.
Doris Ekua Hansen, de Diabene, em Gana, não tem apenas uma, mas duas Votações Mundiais em que pensar. Primeiro, na escola regular que frequenta, onde ela ajuda a organizar, participa e vota. Depois, a escola noturna que Doris abriu com duas amigas, para meninas que trabalham na pedreira durante o dia. Não obstante, Doris não pode votar na escola noturna. Na Votação Mundial, cada pessoa pode votar apenas uma vez. E a linha pintada na testa significa que Doris já votou...
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tam as mãos. Elas irão abrir uma escola! Doris, Phyllis e Gertrude adoram ir à escola, mas sabem que há muitas meninas da aldeia que já não podem estudar. Muitas delas precisam
parar porque têm filhos, embora mal tenham completado 15 anos. “Temos que ajudá-las”, diz Doris. “Sem educação, elas nunca terão boas condições na vida”.
As amigas visitam a pedreira próxima à aldeia. Lá, muitas jovens mães trabalham durante todo o dia. Primeiro, elas carregam o bloco de pedra da pedreira até outro lugar, é uma subida por um caminho estreito. Em seguida, elas usam um pequeno martelo para quebrar o bloco de pedra em cascalho. As mães ganham cerca de 15 centavos de dólar por hora, que mal basta para comprar comida, roupa e TEXTo: JoHANNA HALLIN FoTos: ToR A MÅRTENs
oris e suas duas melhores amigas estão sentadas num banco atrás da escola. Elas leem a revista The Globe (O Globo) sobre os premiados em anos anteriores Iqbal, Nkosi e Dunga Mothers. “Vejam o que eles fizeram pelos direitos da criança”, diz Doris, “apesar de suas próprias vidas serem tão difíceis. Nós também podemos!” Assim, as três amigas aper-
Na pedreira
Prêmio das Crianças do Mundo em todas as disciplinas…
... inclusive em carpintaria! Na oficina, Christian e Miguel fazem urnas eleitorais.
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Água para a taxa escolar
“Preciso vender água pelas ruas para pagar as taxas escolares e comprar livros”, conta Doris.
medicamentos. Certamente não é suficiente para pagar as taxas escolares. Doris fica triste ao ver os olhos vermelhos e lacrimejantes das crianças pequenas. Todos os dias, as jovens mães e seus bebês respiram o peri-
Amigas do reformatório
Doris e Phyllis plantam no jardim da escola. As amigas do reformatório são a família de Doris.
goso pó de pedra, que lentamente destrói seus pulmões. Agora Doris tem ainda mais certeza de que precisa ajudá-las. “Vamos abrir uma escola para vocês. Será gratuita. Você gostariam de estudar lá?” Sim, as garotas querem. Mas estão cansadas demais para comemorar e se regozijar.
Na prefeitura
Doris e suas amigas vão falar com a prefeita do vilarejo, conhecida como Queen Mother (Rainha Mãe). Elas estão nervosas ao chegar ao palácio, como sua casa cor-derosa é chamada. “Muitos adultos não consideram importante que as meninas frequentem a escola,
mas é nosso direito. Por isso, queremos abrir uma escola noturna para os nossas amigas, você pode nos ajudar?”, pergunta Doris. Rainha Mãe diz que sim! E, já no dia seguinte, ouve-se no sistema de alto-falantes da aldeia: “Todas as mães adolescentes estão convidadas para uma nova escola noturna gratuita, no palácio!” A escola noturna abre toda noite ao pôr-do-sol. À luz de uma única lâmpada incandescente, Doris e suas amigas tentam ensinar as alunas a ler, escrever e contar. Como material de apoio, elas usam, entre outras coisas, revistas The Globe (O Globo) antigas, que ganharam de um professor prestativo. Preocupação com a escola
Doris e suas melhores amigas são muito boas alunas, trabalham duro e conseguem boas notas. Mas não é certo que
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Cabine para votação secreta
A Votação Mundial é uma eleição democrática. Todos se expressam sem que ninguém saiba em quem os outros votam. Aqui é construída a cabine de votação que garantirá o voto secreto na escola Diabene.
Bem-vindos à Votação Mundial!
“Hoje vamos votar e homenagear algumas das pessoas que mais trabalham pelas crianças no mundo”, diz Doris aos colegas da escola Diabene.
Fraude eleitoral impossível
A linha na testa impede que Doris e todos os outros votem duas vezes.
conseguirão concluir seus estudos. Todo semestre é preciso pagar as taxas escolares, e há cada vez menos recursos financeiros para fazê-lo, por isso o diretor conversa sério com cada uma delas. “Eu sempre temo não conseguir voltar”, diz Doris.
“É meu pior pesadelo”. “Apenas faço o que gostaria que alguém fizesse por mim. Eu sempre tento estimular e encorajar as meninas a irem à escola noturna, porque espero que alguém me veja e me ajude se eu precisar”. “Nós, as crianças, temos
Doris ensina jovens mães na escola noturna, que ela abriu com suas amigas.
Votar em Paz
Nas eleições dos adultos em Gana, a polícia garante que todos possam votar em paz. A Votação Mundial da Diabene é monitorada por cadetes da escola. A aeronáutica de Gana adotou a escola e selecionou meninos e meninas para receberem uniformes escolares e apoio para sua educação. Clemente e Ibrahim, de 16 anos, organizaram a fila e vigiam com armas de madeira. Nenhuma intervenção é necessária hoje! Doris faz marcas nos estudantes durante a Votação Mundial da escola noturna, que tem todos os elementos de uma eleição democrática.
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Aprenda sobre os direitos das crianças em O Globo
“Você tem direito à educação, está escrito aqui na The Globe (O Globo), que nos ensina sobre os direitos da criança. Venha para a nossa escola noturna e te ensinaremos para que possa voltar para a escola”, diz Doris aos amigos, na pedreira.
direito à educação. Sem educação, você não é ninguém. A educação é crucial para o sucesso. Quando se tem educação, você pode até mesmo entrar no Parlamento e conversar com o presidente. Quero muito ser enfermeira no futuro e ajudar os outros”. É órfã
Doris é órfã. Sua mãe morreu quando Doris tinha apenas
Quer ser oftalmologista “Eu trabalho na pedreira todos os dias, mas crianças não deveriam trabalhar. Se pudesse escolher, eu estudaria e me tornaria oftalmologista. A pedreira deveria ser apenas para adultos. Os fragmentos de pedra são afiados como facas. Nenhuma criança deveria precisar estar aqui”. Kwame Gyamfi, 11 anos
seis meses de idade e seu pai morreu logo depois. Sua irmã mais velha havia prometido cuidar dela, mas ela não tinha dinheiro suficiente para deixar Doris ir à escola. Em vez disso, ela trabalhava como vendedora ambulante. Todos os dias, ela caminhava pelo acostamento da rodovia carregando 60 sacos com água num cesto sobre a cabeça. Ela ficava exausta devido ao peso
e ao calor, mas não queria voltar para casa. Lá, o marido de sua irmã a aguardava. Bêbado e desagradável. Uma noite, quando Doris tinha 14 anos, o filho da família tentou arrancar sua roupa num canto escuro da casa. Ela gritou e protestou, mas foi com Doris que o pai ficou furioso. “Você perverte a mente do meu filho. É tudo culpa sua!”, gritava ele, ao
Aprendo sobre mim “Eu tenho direito à educação! Nós lemos The Globe (O Globo) na escola noturna, e estou aprendendo sobre nossos direitos, sobre o mundo e sobre mim mesma. Minha filha Christabel tem seis meses e nós passamos o dia todo na pedreira, mas não tenho escolha. Christabel muitas vezes fica doente, pois é perigoso respirar pó de pedra. Então eu uso o dinheiro para pagar o médico, comprar roupas e comida. Porém, sempre fico feliz quando vou à escola noturna com meus amigos. Mesmo quando estou cansada e com fome. Eu quero aprender a ler e escrever. Quero a educação que é meu direito”. Mary Mensah, 16 anos, Gana
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Dança pela democracia
Ao final da Votação Mundial, a escola Diabene comemora com uma dança vigorosa ao som de percussão.
arrastá-la para a cozinha e lhe bater com uma panela. Tarde da noite, Doris recobrou a consciência no chão da cozinha. Ela se levantou, tonta pela batida na cabeça, e fugiu. Muita alegria
Alguns parentes ajudaram Doris a ingressar num colégio interno para órfãos, onde ela vive agora. Sua irmã às vezes
manda dinheiro, mas, para conseguir pagar as taxas escolares, Doris continua vendendo pão e água na beira da estrada todos os finais de semana e feriados. A vida é dura, mas, mesmo assim, Doris está mais feliz que nunca. Ela tem suas amigas e, juntas, dão boas-vindas todas as noites às mães adolescentes da aldeia em sua própria escola.
Rádio megafone
Quatro repórteres do Prêmio das Crianças do Mundo trabalham fazendo a cobertura da Votação Mundial. Mas a escola não tem uma estação de rádio, então eles usam microfone e megafone. “O que você acha da votação?”, pergunta a repórter Mercy. “É importante que todos votemos. Pessoalmente, creio que o maior problema são as crianças que perderam os pais”, responde Nana, no microfone.
Feliz com a escola noturna “São 45 minutos de caminhada até a pedreira. Toda manhã vou para lá com meu filho Ernest nas costas. Primeiro tiramos um grande bloco de pedras da pedreira, depois martelamos até virar cascalho. É difícil, mas preciso trabalhar para comprar comida e roupas para o meu bebê. Recebo 3,5 Cedis (2,4 dólares americanos) por cada quatro carrinhos de mão cheios de cascalho; são dois dias de trabalho. Quero ir para a escola, mas meus pais me expulsaram de casa quando fiquei grávida. Meu sonho é ir para uma boa escola e me tornar contabilista. Por isso, fiquei feliz quando abriram a escola noturna em nossa aldeia. É o primeiro passo”. Regina Ocran, 16 anos, Gana
O Quarto Poder A mídia às vezes é chamada de “O Quarto Poder”. O primeiro e segundo poderes, respectivamente, executivo e legislativo, são eleitos pelos cidadãos adultos; o terceiro é o judiciário. Os meios de comunicação – jornais, revistas, rádio, televisão, internet – deveriam ser como um cão de guarda e proteger o interesse público. Através da mídia, os adultos deveriam tomar conhecimento das ações dos políticos, a fim de poderem tomar decisões bem fundamentadas na próxima eleição. 49
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O guarda-roupa de Doris Roupa de casa
Todas as meninas no colégio usam um desses depois da aula.
Uniforme escolar
“O uniforme escolar comum é azul, mas este tem o emblema da escola e os usamos apenas em ocasiões cerimoniais”. Mochila Escolar
TEXTO: JOHANNA HALLIN FOTOS: TOR A MÅRTENS
Doris Ekua Hansen, 16 SENTE ORGULHO: Da escola noturna que criei com minhas amigas Phyllis e Gertrude. SENTE TRISTEZA: Porque talvez eu precise abandonar a escola. MÚSICA PREFERIDA: Gospel. QUER SER: Enfermeira. APELIDO: Osofo Mame, esposa do pastor, porque eu sempre tento olhar com otimismo para o futuro. ADMIRA: Dunga Mothers, no Quênia, que cuidam de órfãos mesmo sendo muito pobres.
Roupa dos sonhos
Doris não tem nenhuma roupa bonita para usar numa festa. Na pequena loja de roupas que fica no caminho da escola, ela viu a roupa de seus sonhos: uma blusa cor-de-rosa claro, sapato cor-de-rosa e bolsa combinando.
Roupa esportiva
Corrida é o esporte favorito de Doris.
Roupa de ir à igreja
Qual é seu nome em Gana? Em Gana, todas as crianças são batizadas de acordo com o dia da semana em que nasceram. Doris também se chama Ekua, pois nasceu numa quarta-feira. Qual é seu nome? Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Sábado Domingo
Menina Adwoa Abena Ekua Yaa Afia Ama Akosua
Menino Kwadwo Kwabena Kwuku Yaw Kofi Kwame Kwasi
Doris ganhou a Bíblia de capa de couro de sua irmã.
Roupa de sábado
“Aos sábados, usamos blusa branca e saia preta. Quando faz frio, também visto minha blusa de manga comprida”.
Kente
O traje tradicional de Gana é feito com um tecido chamado kente. Ele é usado apenas em ocasiões cerimoniais, como quando Benedicta, 17 anos, vai se apresentar na Votação Mundial!
Objetos preferidos de Doris O livro de matemática e a calculadora são os objetos favoritos de Doris. Ela os mantém sempre ao lado de sua cabeceira. Livros também estão entre as coisas que ela mais gosta.
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Lanches favoritos de Doris Banana-da-terra...
Leite de soja Vital ... que vira chips de banana-da-terra!
Boscoito cream cracker
Nova despesa
O oftalmologista logo confirma que Doris precisa usar óculos e escreve sua prescrição no receituário. “Mas, como vou conseguir pagar os óculos?”, diz Doris.
Enxergando bem com a Votação Mundial Obrigada, O Globo!
“O Prêmio das Crianças do Mundo nos ensinou que todas as crianças têm direito a um bom atendimento médico e medicamentos. Considero isso importante! Obrigada, O Globo”! Benedicte Willberfor, 12 anos
Hoje é o Dia da Votação Mundial na escola Ketan Anglican, em Gana ocidental. Quatro escolas da região uniram-se para depositar os seus votos nas eleições e fazer exame de vista! Um oftalmologista da capital, Accra, faz um exame oftalmológico gratuito em todos os alunos. Muitos têm problemas nos olhos. Alguns enxergam mal e precisam de óculos, mas um número ainda maior tem algum tipo de infecção ocular. As crianças com maior risco de infecções são aquelas que trabalham nas
pedreiras, pois o pó das pedras gruda nos olhos, irritando-os. O oftalmologista faz as prescrições. A maioria dos estudantes precisará economizar durante um bom tempo para poder comprar os óculos de que precisam. Alguns nunca conseguirão adquiri-los. Doris precisa de óculos
“Não, só me faltava essa!”, pensa Doris enquanto está sentada na cadeira do oftalmologista com os estranhos óculos de teste apoiados no nariz. Ela veio aqui só para fazer o exame de vista.
O oftalmologista acaba de dizer que ela é míope e enxerga mal de longe. Não é nenhuma surpresa, pois seus olhos sempre lacrimejam e ela tem dificuldade para ler o que está no quadro quando se senta no fundo da sala. Mesmo assim, ela fica triste. “Mal tenho dinheiro para as taxas escolares, como conseguirei comprar óculos?
Os óculos que eu quero!
O oftalmologista trouxe armações de óculos para os alunos experimentarem. Todos encontram seus favoritos.
Doris prova dois modelos! E um estojo para guardar os óculos.
Linda, 13
Regina, 13
Benard, 13
Millicent, 13
Musah, 13
Ester, 15
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O Dia da Votação Mundial de Philip
Philip Dagadu, 15 FICA FELIZ: Quando ouço música, principalmente Celine Dion. FICA BRAVO: Quando alguém é mau comigo. EXEMPLO DE VIDA: Nkosi Johnson. QUER SER: Arquiteto. SONHO: Cuidar de todos os órfãos e crianças de rua.
Philip é desabrigado. Sua madrasta o expulsou, e agora ele dorme num banco de um bar da aldeia. Ele usa uma camiseta como travesseiro e os insetos o picam à noite. O pior é durante a estação chuvosa, pois chove dentro do bar e Philip tem que se sentar debaixo de uma mesa, esperando a chuva passar. “Minha mãe se foi, e meu pai deixou-me com a minha madrasta. Tudo o que ela faz é me dar algumas moedas para as taxas escolares. O dinheiro não é suficiente, por isso às vezes não posso ir à escola. Entro em pânico toda vez que vejo minha madrasta, pois ela é muito má”. Porém, Philip decidiu lutar. Ele leu The Globe (O Globo) com seus amigos na escola, e sabe que tem direito à educação.
05h15 Começa o dia com limpeza
Philip lava suas roupas e sapatos e toma banho. Ele quer estar limpo e arrumado na escola. Para ele, é importante ter a aparência de um futuro arquiteto, e não a de um menino que dorme num banco.
05h00 Dentes Brancos
Philip se levanta e escova os dentes no bar.
06h30 Longo caminho para a escola
Philip precisa caminhar e tomar um ônibus para chegar à escola, do litoral até a aldeia Diabene. Ele geralmente faz o percurso com um amigo. Philip não gosta de caminhar sozinho, pois sentese triste.
13h30 Meu almoço
Philip não toma café da manhã e alguns dias ele não tem condições de comprar o almoço. Nesses dias, ele se sente fraco e mau-humorado, mas hoje pode comprar uma bebida de chocolate e pão.
TEXTO: JOHANNA HALLIN FOTOS: TOR A MÅRTENS
06h00 Ferro a brasa
Philip coloca algumas brasas no ferro e passa seu uniforme escolar.
09h25 Finalmente, a Votação Mundial!
Philip esperou bastante tempo na fila, mas agora finalmente é a sua vez de votar na Votação Mundial.
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14h00 A escola é importante
Philip é estudioso, pois deseja um futuro melhor.
17h30 Mais água!
Philip busca água para ser usada no bar. Ele paga por balde ao vizinho que é dono da torneira.
19h00 Cantinho do estudo
À noite, o bar fica cheio de adultos que fumam, bebem e, às vezes, assistem ao futebol. Philip leva seus livros escolares para um canto do quintal do vizinho, onde faz seu dever de casa. Ele fica ali até o bar fechar.
22h30 Boa noite!
Philip se deita em seu banco dentro do bar. Ele ouve o mar, mas não gosta do som, que o faz lembrar dos ventos frios que vêm do mar e muitas vezes o mantém acordado.
16h30 Corrida à beira-mar
Philip adora correr. Nos dias em que almoça, ele geralmente fica animado e faz uma corrida à beira-mar. Ele não tem tênis de corrida, mas amarra os pés com ataduras para obter sustentação.
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Flocos de ouro do dia Quando Joseph escorre o perigoso mercúrio no balde, restam apenas os flocos de ouro. Hoje ele conseguiu três gramas de ouro.
Prefere a escola ao ouro Joseph gira repetidamente a gamela com areia. O suor escorre por sua testa e faz seus olhos arderem. A água da pequena lagoa contém mercúrio, o perigoso metal pesado que impede que as feridas de seus pés se curem. Ele garimpa por ouro para pagar as taxas escolares.
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oseph não sonha com colares ou anéis brilhantes, nem com uma coroa feita com o ouro que ele possa encontrar. “Todas as tardes eu vendo o ouro. Só quero o dinheiro para pagar as minhas taxas escolares”. Durante todos os finais de semana, feriados e férias escolares, Joseph trabalha garim-
pando por ouro. Mas esta é uma pequena mina ilegal. Apenas umas poucas minas grandes na região central de Gana têm autorização do governo para funcionar. Aqui no litoral, se extrai ouro sem a devida licença. A polícia geralmente faz vistas grossas, mas nem sempre. Joseph recolhe areia com uma pá, gira a gamela e a
afunda na água. Pequenos flocos de ouro brilham na areia escura. Ele adiciona mercúrio líquido e afunda ainda mais. O metal atrairá os flocos de ouro. Depois, ele coa o mercúrio usando um velho par de shorts. O mercúrio pinga dentro do balde. Quando ele abre o tecido, os grãos de ouro estão ali. Ele os recolhe em um saco plástico pequeno. Quando o sol se põe, ele tem três gramas de ouro para vender. Pai morto numa briga
Joseph vive com seu irmão, que é mais velho, mas está desempregado. Joseph está sempre preocupado com as taxas escolares. Ele teme que
Colegas de Joseph sobre os direitos da criança Direito à saúde
Direito aos pais
“Eu tinha acabado de ser vacinada quando senti uma forte dor nos olhos e desmaiei. Agora não enxergo mais com o olho direito. Meus pais usaram todo nosso dinheiro para pagar o médico, mas não foi suficiente para custear uma cirurgia. Agora é tarde demais, estou cega deste olho para sempre. Desejo que todas as crianças do mundo tenham seu direito a cuidados médicos respeitado”! Anita Cud Joe, 16 anos
“Meus pais me abandonaram quando eu tinha uma semana de idade. Eu nunca os vi. Sou grata ao Prêmio das Crianças do Mundo por nos ensinar sobre nossos direitos. Agora sei que todas as crianças têm direito de serem cuidadas e direito aos seus pais, mas fico triste quando penso que meus pais não cumpriram seus deveres comigo”. Matilda Dadzi, 16 anos
A escola deveria ser gratuita
o diretor o mande para casa, por estar com o pagamento atrasado. Mas as coisas nem sempre foram assim. Quando Joseph era pequeno, ele morava com sua família em uma fazenda. Seu pai colhia dendê, que é usado na fabricação do óleo de dendê. Porém, o pai de Joseph ficou doente e eles foram expulsos da plantação. Pouco tempo depois, o pai se envolveu numa briga e foi espancado com uma pedra até perder a consciência. A família tinha uma TV e uma geladeira, mas precisou vender tudo para levar o pai ao hospital. Mesmo assim, ele morreu. “Eu tinha doze anos e me senti totalmente vazio por
Votação Mundial! Joseph deposita seu voto na Votação Mundial da Mpohor Senior High School. A fila para votar é longa. “Saber votar é importante. Quando formos adultos, participaremos das eleições para escolher o presidente de Gana”, diz Joseph. Se eu me tornar presidente, lutarei pelos direitos da criança. Irei construir escolas para todas as crianças órfãs”.
“Eu vendo água potável depois da aula para ganhar dinheiro e pagar as taxas escolares. Acho que todas as crianças deveriam ter acesso à escola gratuitamente!” Lucy Amoah, 17 anos
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Adora a escola
Desde então, Joseph garimpa por ouro. Ele guarda suas economias e o mercúrio, que é caro, em um saco plástico debaixo da cama. A cada duas semanas, na segunda-feira, ele bate na sala da diretoria
para pagar uma pequena parte da taxa escolar. “Adoro ciências, inglês, matemática e técnicas agrícolas. E gosto de jogar futebol com meus amigos durante os intervalos. Sou atacante e marco muitos gols. É na escola que me sinto mais feliz. “Fui nomeado monitor pela minha professora, portanto tenho as chaves do armário de materiais e dos sanitários. É um bom treinamento, pois quero ser gerente de banco. Para isso, é preciso ser organizado e saber planejar. Deve-se também ser gentil com os clientes. Eu concederia empréstimos a todos os pais e mães, para que pudessem enviar seus filhos à escola.
Cuidado! Mercúrio! O mercúrio é um metal pesado líquido que Joseph usa para separar o ouro da areia. O mercúrio é perigoso para as pessoas e para a natureza. Ele é particularmente perigoso quando em contato com a água, pois pode se converter em metilmercúrio, uma substância tóxica. Um relatório da ONU revela que o mercúrio pode prejudicar o sistema nervoso, causando, por exemplo, dificuldades de aprendizagem.
TEXTO: JOHANNA HALLIN FOTOS: TOR A MÅRTENS
o
dentro, tão vazio quanto a casa. Com meu pai, eu sempre fazia coisas divertidas e emocionantes. Jogávamos futebol e brincávamos. Ele era uma pessoa alegre e inteligente. A vida é dura agora sem ele.
Antiga Costa do Ouro Gana foi uma colônia britânica e, naquela época, chamava-se Costa do Ouro, porque há muito ouro aqui. O ouro continua sendo uma mercadoria muito importante que Gana exporta para outros países.
Laranjas para os alunos No pátio da escola há um laranjal, onde os alunos podem colher e comer quantas laranjas quiserem.
Casa da paz Joseph e seu irmão herdaram a casa de seu pai. Ela se chama “casa da paz”, pois está situada em uma clareira protegida.
Joseph Quanicoe, 16 FICA FELIZ: Quando corro ou jogo
futebol. FICA TRISTE: Quando ouço que o pai de alguém morreu. FICA BRAVO: Quando meu irmão mais velho me bate. PRATO PREFERIDO: Arroz com molho de nkotomire. AMA: Música. Quero me tornar cantor gospel. DETESTA: Pessoas que abusam de crianças. QUER SER: Gerente de banco.
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Longa fila para votar.
Fugindo dos militares birmaneses.
Foto: Free Burma r angers
Da fila de votação para a fuga Crianças nas escolas da aldeia na Birmânia, país que vive sob um regime ditatorial, organizam as suas próprias eleições democráticas. Exemplares da revista The Globe (O Globo) em inglês e livretos, com traduções do texto da revista para o karen e o birmanês, são levados clandestinamente para a Birmânia. As crianças leem com avidez sobre seus direitos. Todavia, logo após participarem da Votação Mundial para a escolha dos Heróis dos Direitos da Criança da Década chega o aviso: o exército birmanês está a caminho! Todos se apressam em pegar tudo o que podem carregar e fogem para a floresta. Porém, a estudante Naw Paw, de 6 anos, que estava visitando seu avô, não fugiu. Ela e seu irmão mais novo foram mortos a tiros por soldados.
As crianças leem o livreto, onde todos os textos da revista The Globe (O Globo) estão traduzidos para o karen, e observam as imagens da versão da revista em inglês.
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As pessoas precisam saber Cabine de votação é confeccionada para a democrática Votação Mundial das crianças na escola de uma aldeia situada em uma área rural da Birmânia.
Quer tomar decisões importantes em prol dos direitos da criança “O Prêmio das Crianças do Mundo nos ensinou que muitas crianças menores de 18 anos, assim como nós, estão sujeitas à opressão e outras dificuldades na vida. Eu me senti encorajada ao aprender tanto sobre os direitos da criança. Todos precisam respeitá-los, e aqueles que os violarem devem ser punidos. A revista The Globe (O Globo) é ótima, pois me ensinou sobre outras crianças e permite que eu ensine às crianças menores sobre seus direitos. Se eu fosse rei ou primeiro-ministro, os direitos da criança seriam prioridade para mim. Quero discutir e participar da tomada de decisões importantes sobre os direitos da criança. Vamos trabalhar para defendê-los e divulgá-los. A educação é a coisa mais importante para nós, crianças”. Naw Eh Blute Paw, 16 anos
“Poucas pessoas aqui conhecem os direitos da criança. Na minha opinião, os problemas mais importantes em matéria de direitos da criança são os soldados-criança, os trabalhos forçados e o tráfico de crianças. Algumas pessoas violam os direitos das crianças por não saberem nada sobre eles. Temos que informar as pessoas, para que elas saibam que temos nossos direitos. Lamento que os direitos da criança sejam violados com tanta frequência no meu país. Prometo que farei tudo que eu puder para melhorar essa situação. Quero lutar pelas crianças que são vítimas de opressão. O Prêmio das Crianças do Mundo me ensinou muito sobre os direitos da criança. Se, no futuro, eu me tornar um líder, ajudarei as crianças que passam por dificuldades. A revista The Globe (O Globo) é ótima, pois ensina a muitas pessoas sobre os direitos da criança, e eu aprendi sobre o que é feito para proteger os direitos das crianças em vários países”. Saw Htoo Htoo Lay, 12 anos
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Crianças no deserto de Thar, Paquistão Representa os nomeados
Tenho orgulho de participar “Se eu fosse rei, primeiro-ministro ou um político, eu trabalharia pelos direitos da criança. Gostaria de tomar decisões e investir recursos financeiros para ajudar as crianças. A opressão e o trabalho forçado são as questões mais relevantes em relação aos direitos da criança aqui. Muitas pessoas vivem uma vida inteira sem saber da existência dos direitos da criança. Temos que trabalhar para divulgá-los. Nossos direitos são importantes para nós, crianças, e eu gosto do Prêmio das Crianças do Mundo e como ele nos apoia. Tenho orgulho de participar do Prêmio das Crianças do Mundo. O Dia da Votação Mundial é uma experiência inesquecível para muitos de nós. É bom que muitas pessoas leiam a revista The Globe (O Globo) e aprendam mais sobre os direitos da criança”. Naw Hser Bwet Wah, 12 anos
“Quando trabalhamos com o Prêmio das Crianças do Mundo, nós tentamos nos colocar no lugar dos nomeados. É muito emocionante. Temos que explicar todas as boas ações empreendidas pelos nomeados. Ganhamos ótimos heróis e exemplos”. Ventee Baj, 13, Escola Apna, Ragho Mengwar
Ensinar aos pais “Os pais não sabem muito sobre os direitos da criança. Precisamos ensiná-los. Nós gostamos de votar, mas primeiro temos que ter conhecimento, por isso, aprendemos sobre os nomeados. É importante pensar por si mesmo. Os direitos da criança valem para todos os menores de 18 anos. É um direito nosso ir à escola. As meninas também têm o direito de frequentar a escola. Ricos e pobres têm direitos iguais”. Ashiq e Sakki, Escola Apna, Mubeen Hajam
Decidir sozinho “Nós aprendemos com o Prêmio das Crianças do Mundo como se vota. Nossa eleição para a diretoria da escola também foi secreta. Todos puderam decidir sozinhos. O prêmio é bom porque aprendemos sobre os direitos da criança. Temos o direito de ser ouvidos e de participar nas decisões”. Nid Lal, 15, Escola Apna, Bhambo Chandio
É preciso persuadir os pais Fila para a urna eleitoral.
A revista me ensinou os direitos da criança
Igualdade de direitos “Prêmio das Crianças do Mundo nos ensina sobre nossos direitos. Sabemos que ninguém pode maltratar as crianças de outros grupos étnicos. Todos têm os mesmos direitos. Meninos e meninas têm direito à educação”. Marvi e Shafi Muhammad, escola Apna, Mubeen Hajam 57
TEXTO & FOTOS: BRIT T-MARIE KL ANG
“O Prêmio das Crianças do Mundo é bom para todas as crianças. Antes, eu não sabia o que eram os direitos da criança. Agora que os conheço bem, quero ensinar aos adultos sobre eles, para que respeitem nossos direitos. Eu aprendi sobre os direitos da criança através da revista The Globe (O Globo). Ela é ótima para todos nós e ensina a muitas pessoas sobre os direitos da criança. Fizemos reuniões para dividir as tarefas para o Dia da Votação Mundial e as executamos juntos. Os adultos muitas vezes obrigam crianças a trabalhar em coisas que não são adequadas para elas. Quando eu crescer, vou dar à criança o direito de decidir”. Saw Wee Htoo, 17 anos
“Aprendemos sobre todos os nomeados. É preciso dominar o assunto sobre o qual se vota. É muito bom saber que existem regras que determinam quais são os direitos da criança. Estamos trabalhando duro para convencer os pais na aldeia de que todas as crianças devem ter permissão para ir à escola. Não é fácil. Muitos pais não estudaram e não sabem que as crianças têm direito à educação. Às vezes temos que visitar a mesma família muitas vezes”. Haresh Kumar, Escola Apna, Dobar
FOTO: STEVE BER ARD
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Soldados-criança e crianças refugia da A guerra na República Democrática do Congo é uma das piores guerras da história da humanidade. Os conflitos perduram, quase sem interrupção, desde 1998, e pelo menos 5,4 milhões de pessoas morreram. Dezenas de milhares de crianças foram forçadas a se tornarem soldados e centenas de milhares de crianças tiveram que fugir. Muitas destas crianças participam da Votação Mundial. Zawadi, Eric e Mateso leem O Globo com Pacifique Cisagara, da organização APEC pelos direitos da criança.
Soldados-criança e Groelândia “Eu gosto de ler sobre as crianças na revista The Globe (O Globo). Mesmo sem nunca termos nos encontrado, sinto como se fôssemos amigos de verdade”, diz Mateso, 15 anos. Ele, Eric e Zawadi foram soldados-criança. Às vezes, eles lutavam uns contra os outros, mas agora são amigos. Eles costumam ler The Globe (O Globo), e hoje aprenderam sobre como a mudança climática afeta as crianças na Groelândia.
M
ateso lê The Globe (O Globo) desde que foi resgatado pela organização APEC e levado a um centro para soldados-criança há alguns anos. “Fui sequestrado e forçado a me tornar soldado quando eu era pequeno, por isso não frequentei a escola. Tenho 15 anos, mas não sei ler. O “O Globo oferece às crianças a chance de contar sobre suas vidas e suas ideias a outras crianças, e isso é importantíssimo”, observa Mateso, 15 anos.
assistente social do centro lê a revista The Globe (O Globo) para nós e nos ensina sobre nossos direitos. Com a revista, aprendi que é errado usar crianças como soldados. Eu fiquei furioso, pois percebi que os adultos abusaram de mim”. Os amigos Eric e Zawadi acenam. “Também gosto da revista The Globe (O Globo). Ela mostra a situação das crianças em diferentes países ao redor do mundo e me ensina como posso exigir ser tratado pelos adultos. A revista
Eric Mateso
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Zawadi
dá sugestões. Aqui na RD Congo, muitas crianças são forçadas a se tornarem soldados. É uma vida horrível”, diz Zawadi, 16 anos. Enterrado vivo
“Eu tinha apenas nove anos de idade, e estava apavorado na minha primeira batalha. Comecei a chorar, joguei minha metralhadora no chão e fugi de volta para a base. Os soldados ficaram furio-
sos; eles cavaram um buraco profundo no chão e me jogaram lá com duas pessoas mortas. Em seguida, eles colocaram galhos e terra sobre o buraco. Odeio os soldados que me bateram e me forçaram a usar drogas e fazer coisas terríveis”, diz Eric, de 14 anos. “Na revista The Globe (O Globo), aprendemos que os adultos devem agir de modo totalmente oposto. Eles devem cuidar das crianças e protegê-las de tudo que possa nos ferir. Não fazer coisas terríveis, como fizeram contra nós. Estou ansioso para participar da Votação Mundial. Quando eu voto, sinto que posso ajudar a fazer com que os adultos parem de explorar crianças”, diz Mateso.
Amizade a distância através de O Globo
Os companheiros da RD Congo sentem que têm amigos na Groelândia... ... apesar de nunca terem se encontrado! Você pode ler os artigos sobre as mudanças climáticas e as histórias das crianças da Groelândia em www.worldschildrensprize.org.
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ia das participam da Votação Mundial Crianças refugiadas votam A guerra na RD Congo matou toda a família de Esther, e os soldados a maltrataram muito. Hoje, ela participa da Votação Mundial.
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Adultos devem ler O Globo! N
“
ós, soldados-criança, éramos espancados o tempo todo, e obrigados a fazer coisas terríveis. Após alguns anos na guerra, fui resgatado; mas, como não sei nada sobre minha família, estou aqui como refugiado abandonado. Trabalho em uma fábrica de farinha de mandioca para sobreviver, mas meu sonho é voltar a estudar. Eu e outras crianças refugiadas abandonadas obtemos alguma ajuda da organização ADECOR. Nós lemos a revista The Globe (O Globo) juntos para aprender sobre nossos direitos. E participamos da Votação Mundial. Eu adoro votar na Votação Mundial! Na verdade, é o único momento em que as crianças no Congo podem expressar suas opiniões sobre coisas importantes. Temos de lutar para que aquilo que aprendemos em The Globe (O Globo) seja
respeitado por nosso governo e por todos os adultos. Aqui, os adultos não cuidam das crianças. Pelo contrário, nós não somos nem um pouco respeitados. Por isso é muito importante que os adultos na RD Congo comecem a ler The Globe (O Globo). Assim, eles aprenderiam que, na verdade, é seu dever cuidar de seus próprios filhos e dos filhos de seus vizinhos”. Bienvenue, 15 anos, RD Congo
roupa e a louça para conseguir um lugar para ficar e algo para comer. Muitas vezes eu era maltratada”. Quer receber visitas
Entretanto, em Bunia também havia adultos que reuniam as crianças que não frequentavam a escola e explicavamlhes sobre os direitos da criança. Eles liam The Globe (O Globo) para nós. Entendi que tudo aquilo que eu havia passado são experiências que as crianças não deveriam ter. É contra nossos direitos. Fico contente por The Globe (O Globo) nos ensinar como as crianças devem ser tratadas e como podemos exigir nossos direitos. Aprendemos sobre adultos que ajudam crianças em dificuldades. Isso me deixa feliz. Eu já participei e votei duas vezes. Defendo a ideia de que as crianças devem ter uma boa vida. Minha vida é difícil porque toda minha família está morta. Meu sonho é que os candidatos em quem votei na Votação Mundial venham até aqui um dia e me ajudem, pois sinto-me muito só”. Esther, 16 anos, RD Congo
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTOS: ANDRE AS LÖNN
uando eu tinha nove anos, acordamos com o barulho de metralhadoras. Cinco soldados armados entraram em nosso quintal. Meu pai, minha mãe e cinco de meus irmãos conseguiram fugir, mas eu e meu irmão mais novo ficamos para trás. Os soldados me espancaram e me derrubaram no chão. Depois, um a um, eles se revezaram e me estupraram. Meu irmãozinho ficou histérico. Ele gritava, chorava e corria em círculos. Ele tinha apenas cinco anos. Os soldados me deixaram inconsciente no chão. Foi meu irmão quem me acordou. Ele me sacudia e gritava. A aldeia inteira estava em chamas”. “Quando as pessoas voltaram para a aldeia, contaramnos que minha família havia sido morta durante a fuga. Um vizinho bondoso nos ajudava, dando-nos o que comer. Mas meu irmãozinho piorava cada vez mais. Ele se sentia mal e remoía muito os acontecimentos, mas não havia ninguém para ajudá-lo. Um ano mais tarde, ele morreu. Eu e outra menina deixamos a aldeia em busca de áreas mais seguras. Caminhamos por três semanas. Dormimos nas aldeias pelo caminho, e sentíamos um medo constante. Na cidade de Bunia, eu limpava as casas das pessoas e lavava a “
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“O Globo é uma caixa de ferramentas para co ns
Mpho e Sello têm seus nomes marcados na lista de eleitores ao receberem suas cédulas.
Sello vota na cabine eleitoral.
Sello Molete lê O Globo há vários anos. Ele gosta muito da revista e de participar da Votação Mundial. Sello, aluno da escola Tsunyane, em Bojanala, na África do Sul, é cadeirante e conta com a ajuda de seu amigo Mho Malatsi para se deslocar entre as seções de votação. “A revista The Globe (O Globo) é como a caixa de ferramentas que o mecânico usa para consertar carros ou a minha cadeira de rodas. Quando leio The Globe (O Globo), eu me inspiro para consertar o mundo. Há tantos problemas no mundo. Eu comparo a minha vida com as vidas de outras crianças. Agora eu as considero amigas, pois The Globe (O Globo) nos ensina sobre amizade. Sinto que preciso aprender mais e fazer mais. Quero guardar todas as revistas The Globe (O Globo) em minha caixa de memórias, a fim de poder usá-las para defender meus direitos. Então poderei falar sobre os direitos da criança. É importante falar e defender nossos direitos, pois, se ficar calado, ninguém vai saber que você está sofrendo”. Sello Molete, 14 anos
Sello deposita seu voto na urna.
A unha do polegar pintada de vermelho evita que Sello possa votar duas vezes.
A caminho da cabine eleitoral.
“Todas as crianças e adultos deveriam poder ler O Globo”
FOTOS: LUCKY LETSHWENE
Mpho Mothupe e Senobe Kgomotsi são amigos. Eles participaram da organização do Dia Votação Mundial na escola Tsunyane. “Toda criança deveria ter sua própria revista The Globe (O Globo). Se todas as crianças pudessem lê-la, todos respeitariam os direitos dos outros e seriam respeitados. Os pais também devem ler The Globe (O Globo)”, diz Senobe.
Os amigos Senobe Kgomotsi e Mpho Mothupe participam da organização do Dia da Votação Mundial.
“As histórias de vida de meus amigos estrangeiros na revista The Globe (O Globo) tocam meu coração. Às vezes sinto que não sei o que fazer, pois os adultos nos maltratam e dificultam muito as coisas para nós, crianças. Acho que os adultos também deveriam ler The Globe (O Globo) para conhecerem os
direitos da criança”, diz Mpho. “Os adultos precisam entender que não queremos sofrer abusos. Eles usam sua força física para abusar de nós. Queremos ser respeita-
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co nsertar o mundo” “Votar para mudar o mundo!” Scotty Carlson, 12, fez um discurso no Dia da Votação Mundial na Skyline School, em Solana Beach, Califórnia, EUA. Depois disso, no dia em que a escola realizou sua Conferência das Crianças do Mundo com a imprensa, Scotty foi entrevistado via Skype pela CNN.
Kebone Nxube ajuda Danny Kgatishwe a colocar setas para orientar a fila.
dos. Nós tomamos posição e lutamos por nossos direitos. Todas as crianças deveriam ter seu próprio exemplar de The Globe (O Globo) para aprender sobre os direitos da criança e usar a revista como guardiã das crianças”, afirma Senobe. “As crianças precisam ter direitos, porque são tão cidadãs do país quanto os adultos. É muito importante que nossos direitos sejam respeitados, pois nós somos o futuro. Quando conhecemos nossos próprios direitos, também respeitamos os direitos dos outros, e o mundo se torna um lugar melhor para todos”, diz Mpho. “Espero que em todo o mundo haja pessoas que dedicam suas vidas às crianças e inspiram outros a fazerem o mesmo. Quando voto, sinto que estou contribuindo para um mundo melhor”, diz Senobe.
“Sinto-me muito feliz durante a organização da Votação Mundial. Antes ouvia as pessoas conversarem sobre eleições e voto, mas, na verdade, não sabia do que se tratava. Agora eu sei. Muitos acham que sou louco quando digo que esta votação das crianças é mais importante que uma eleição adulta, porque é uma votação mundial pelos meus direitos e é a minha escolha”, diz Mpho. “Se pudesse conversar com a ministra da educação, eu lhe diria para usar o Prêmio das Crianças do Mundo em exames, e que os pais devem ler The Globe (O Globo) com seus filhos. Também gosto de Gabatshwane, membro do júri infantil, que é daqui. Gostaria de ser como ela. Ela gosta das outras crianças e as respeita; talvez seja porque ela já lê The Globe (O Globo) há
Logo a urna eleitoral estará pronta.
muito tempo. Se todas as crianças pudessem ler a revista, todos respeitariam os direitos uns dos outros, e seriam respeitados”, explica Senobe.
“O Prêmio das Crianças do Mundo muda o mundo. Ele encoraja as crianças do mundo a fazer a diferença. Pelos quatro cantos do globo, os direitos da criança são desrespeitados. Com a nossa ajuda, o Prêmio das Crianças do Mundo tenta mudar isso. A participação no prêmio abriu meus olhos. Deu-me força. Eu tomei consciência da realidade das crianças no mundo e dos esforços para melhorar essa realidade. O Prêmio das Crianças do Mundo me inspirou. Ele honra as pessoas que arriscam suas vidas e realizam tanto através do amor e do trabalho duro. Quero seguir seus passos. Eu sei que posso ajudar a fazer a diferença. Espero que as pessoas em todo o mundo escutem essa convocação e façam algo à altura do desafio que enfrentamos. Ou seja: Os nossos direitos! A nossa votação! Os nossos heróis! Vamos votar para mudar o mundo!”
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TEXTO: CHRIS SAMPAIO FOTOS: KIM NAYLOR
Ravel Sousa Marinho, 12 anos, pula cedo da rede esta manhã. Hoje é o dia em que sua reportagem sobre os preparativos para o Dia da Votação Mundial na Escola São Jorge irá ser veiculada na Rádio Rural de Santarém. Todos os anos, jovens repórteres geram transmissões em diferentes estações de rádio sobre como as crianças na Amazônia brasileira trabalham com o Prêmio das Crianças do Mundo.
“Eu sou líder da comissão eleitoral e fiscal. Então, eu ajudo a decorar a escola para ficar bonita e toco na banda Os WCPRC. Foi muito legal”, diz Ravel.
Prêmio das Crianças do M
R
avel chega rápido na escola, porque sua casa é vizinha. Ele liga o gerador à diesel e os equipamentos de som para que ele possa transmitir o programa “Para Ouvir e Aprender”. Ele e todas as crianças do turno matutino escutam a voz do colega, Reynan Silva, 11 anos, ao vivo do estúdio da cidade de Santarém. A rede de jovens
repórteres do Rádio pela Educação está estabelecida em lugares diversos ao longo do rio Amazonas. – Olá turma esperta! Hoje, eu e minhas colegas vamos contar para vocês como está sendo organizado o Dia da Votação Mundial nas escolas da minha terra tão querida! Primeiro, vamos até o nosso repórter Ravel
Sousa, em Tapará Grande: “Bom dia aos nossos amigos do estúdio da Rádio Rural!”, diz Ravel. “Este é o quarto ano que minha escola participa do Prêmio das Crianças do Mundo. Este ano, estamos debatendo com maior ênfase o Artigo 28 da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, que é sobre o direito à educação. Muitas crianças aqui na Amazônia tem que sair da escola para trabalhar e sustentar suas famílias, ou para cuidar dos irmãos mais novos.
Urnas a cavalo
O barco chegou ao concurso de urnas eleitorais a cavalo com Isaac Miranda Almeida, 14 anos. E tornou-se uma das urnas da Votação Mundial na escola.
Outras crianças são exploradas pelos pais ou gangues de jovens que usam o dinheiro do trabalho infantil para comprar drogas e álcool. Eu penso que as autoridades deveriam trabalhar duro para assegurar que os direitos das crianças sejam cuidados, porque muitos destes direitos não são respeitados aqui”. Concurso de urnas eleitorais
Ravel continua ao vivo: “Crianças devem ter o direito de fazer ouvir a sua voz. Nós gostaríamos de participar e opinar sobre o direito à educação e sobre a escola que queremos. Uma escola sem maus tratos, onde os professores se preocupam com seus alunos e os respeitam. Uma escola onde o ensino seja de qualidade. Uma escola com biblioteca, onde os alunos podem pesquisar, estudar e ler livros e, dessa forma, terem uma boa profissão no futuro”. “As histórias da revista do
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Barco vazio
A urna de barco foi esvaziada com os votos por Larissa Miranda Adams, 15 anos, que é presidente da Votação Mundial na escola São Jorge.
Irmão mais velho com urna Melck Wandrey Sousa Marinho, 16 anos, irmão mais velho de Ravel, carrega uma urna eleitoral.
o Mundo no ar… Prêmio das Crianças do Mundo nos ensinaram que muitas crianças ao redor do mundo não têm o direito de ir à escola. Nós queremos que todas as pessoas aqui onde vivemos se conscientizem o quão importante é o cumprimento deste direito. Nosso Dia da Votação Mundial é muito especial. Organizamos um concurso de urnas eleitorais aqui no Tapará e nós gostamos muito de desenhar e construir urnas eleitorais. As
melhores serão usadas na votação, para defender o respeito aos direitos das crianças”, noticia Ravel. “Valeu, Ravel! E parabéns à todos vocês no Tapará, que através da sua dedicação e criatividade tornam a Votação Mundial uma ocasião realmente especial, onde você assume sua responsabilidade cívica”, diz Reynam do estúdio em Santarém.
Volta ao mundo com O Globo
Antes da Votação Mundial começar, todos os nomeados são apresentados aos eleitores através da “Dança do Manelinho”. Seu Manelinho é um personagem cômico e tradicional, que divertia a todos com seus relatos de suas grandes aventuras. Na Escola São Jorge, Seu Manelinho “viaja” ao redor do mundo e encontra todos os candidatos ao prêmio pelo caminho. Jandilson Colares Bentes apresenta um nomeado para o restante dos estudantes, que cantam em coro o nome de cada herói dos direitos da criança.
Na cabine de votação...
“Olá turma esperta!” diz o apresentador do programa, Reynan da Silva, 11 anos, no estúdio, e passa a bola para o repórter Ravel, que transmite ao vivo de sua escola.
Tambores para o Prêmio das Crianças do Mundo
Ravel toca na banda da escola, que é comandada pelo seu irmão mais velho, Melck, 16 anos. A banda tem chapéus com o WCPRC (Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança) sobre eles.
Um exemplo para os adultos As crianças da escola São Jorge são exemplo para os adultos sobre como se envolver e assumir a responsabilidade. Os professores convidaram os pais à escola para discutir os direitos da criança. Isso significa que todos entenderam como é importante o programa Prêmio das Crianças do Mundo para ambos, crianças e adultos.
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Enquanto os estudantes do turno matutino da escola São Jorge escutam o programa de rádio com Ravel, crianças do Pucu – que frequentam a mesma escola no período da tarde – estão reunidas na mata para catar bambus. Elas participam do concurso de urnas eleitorais e
Os amigos levam a urna eleitoral para a escola em sua canoa, enquanto Joisiane and Josicleisson remam sua própria canoa.
Cabana de bambu torna-se urna planejam construir uma urna que se assemelhe às casas de madeira em que vivem ao longo do rio Amazonas.
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TexTo: CHRIS SAMPAIo FoToS: KIM NAYLoR
oisiane, 10 anos, e seu irmão, Josicleisson, 11 anos, ajudam a catar bambu para a urna eleitoral. Joisiane está um pouco ansiosa. Ela tem que ir à escola para apresentar o candidato que luta para libertar crianças escravas e que defende os seus direitos. “Coisas como essa acontecem aqui no Brasil também. A situação das crianças preci-
sa melhorar aqui do mesmo modo. As crianças devem ser tratadas bem e com amor”, ela diz. Joisiane e seu irmão tem tempo para brincar e estudar, mas todos tem que ajudar em casa. Joisiane cuida dos bichos: galinhas, carneiros, ovelhas e maritacas. Já o irmão Josicleisson cuida das abelhas. “Tenho que limpar as casas das abelhas, para que as moscas e formigas não sejam atraídas por elas”, ele explica. A remo até a escola
Joisiane e Josicleisson remam
até a escola São Jorge todo dia. Eles o fazem sozinhos desde que têm seis anos de idade. Hoje, o trajeto até a escola está mais divertido do que costuma ser! Todas as crianças do Pucu que vão para a escola remam juntas, levando consigo a urna eleitoral que construíram. Eles têm que andar sobre um tronco de madeira, junto a um terreno molhado, no último trecho do caminho até a escola. Um passo em falso, é lama na certa! Os estudantes do Pucu encontram com alguns de seus colegas do Tapará
Grande no trajeto para a escola. Eles colhem frutos, sementes e galhos quebrados com folhas. “Estamos ajudando a decorar a escola para o Dia da Votação Mundial”, eles dizem. Depois da longa caminhada, as crianças do Pucu finalmente chegam à escola. Eles escutam de longe a banda do Prêmio das Crianças do Mundo ensaiando com seus tambores. Eles irão encerrar o Dia da Votação Mundial na escola junto com um grupo de teatro, que irá ler poemas e dançar.
As crianças do Pucu fazem sua inscrição para o concurso de urnas eleitorais: uma minicabana de bambu.
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Voto depositado na cabana de bambu.
Todos leem a revista O Globo em casa Jocivaldo, pai de Joisiane, é pescador e criador de abelhas. Josicleisson o ajuda com as colmeias. Jocivaldo nos conta como as crianças estão entusiasmadas às vésperas do Dia da Votação Mundial. “É a primeira vez que eles participam e estão na maior expectativa. Eles trouxeram a revista The Globe (O Globo) para casa. Nós lemos a revista juntos após o almoço aos domingos. É interessante para eles aprenderem sobre outras crianças. A revista também ajuda as crianças a compreenderem sobre a democracia. Vivemos numa país democrático e assumir a responsabilidade como cidadão é muito importante. A democracia tem avançado aqui, mas é importante as pessoas exercerem o seu direito de expressar suas opinões. Isso vale para as crianças também”. Vivemos num país democrático e assumir a responsabilidade como cidadão é muito importante. A democracia tem avançado aqui, mas é importante as pessoas exercerem o seu direito de expressar suas opinões. Isso vale para as crianças também”.
A árvore está cheia de colmeias.
A família em frente à sua casa sobre palafitas.
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“Todos devem ser tratados com igualdade”
A escola Mercedes Klein, de São José dos Campos, está envolvida com o Prêmio das Crianças do Mundo há cinco anos. Aqui estão suas cabines e urnas eleitorais para a Votação Mundial.
Líderes, escutem as crianças! ”Todas as pessoas têm direitos, e isso inclui absolutamente as crianças. Como qualquer ser humano, crianças e jovens têm opiniões e direitos que devem ser respeitados. Está mais do que na hora de nossas autoridades e governantes voltarem sua atenção para as crianças, cujas vozes precisam ser ouvidas, para que assim seus destinos possam ser transformados.” Renata dos Santos Loureiro, escola Castro Alves, Cariacica, Espírito Santo
Pâmela Germano Cruz e Priscila Kelly de Carvalho da escola Mercedes Klein, em São José dos Campos, Brasil, escreveram: ”O Prêmio das Crianças do Mundo nos mostra como crianças sofrem não tendo alimento suficiente ou sem possibilidades de ir à escola. Há pessoas que passam perto daqueles que precisam de ajuda e fingem que eles não existem. Todos devem refletir sobre estas atitudes. O Prêmio das Crianças do Mundo mostra que toda criança tem direito de estudar, de brincar, de ter uma boa alimentação, assim como o direito ao carinho, ao amor e atenção. Já que todos temos os mesmos direitos, apesar da raça ou religião, todas as crianças devem ser tratadas com igualdade. Todas as crianças merecem ser felizes!”
Nós nos preocupamos ”A Votação Mundial é uma ideia genial, pois eu não acredito que crianças em algum lugar do mundo tenham liberdade total de expressão no que concerne à defesa dos seus direitos. Adultos pensam que somente porque somos pequenos, e não temos tantos conhecimentos quanto eles, não sabemos o que é melhor para nós. Pelo contrário - NÓS somos as crianças, NÓS convivemos com nossos problemas e NÓS nos preocupamos com o nosso futuro. Como, por exemplo, a questão do aquecimento global. Isso começou quando nem existíamos. Não temos culpa, mas também não podemos ficar de braços cruzados esperando que os adultos resolvam isso!” Stefhani Aparecida Alkin Padilha, escola Paulino Botelho, de São Paulo
Toda criança na escola ”O que se faz agora com as crianças irá determinar o que elas farão depois com a sociedade. Todas as crianças devem ter o direito de ir à escola. Mas para aprender, elas também devem estar bem nutridas e sadias. Se não nos prepararmos como ser humano, não haverá desenvolvimento. A violência é fruto da falta de educação.” Bruno Martins Pereira Lomba, escola Castro Alves, Cariacica, Espírito Santo
TexTo: CHRIS SAMPAIo FoToS: KIM NAYLoR
Voto pelo computador
Tamires Rap da Votação Mundial Tamires Saldanha de Souza, 14 anos, que frequenta a escola Mercedes Klein, em São José dos Campos, Brasil, escreveu um rap:
Meu nome é Tamires Eu não estou de brincadeira O assunto é muito sério Há sentido no que eu digo O Prêmio das Crianças é importante Eu digo a você: é um prêmio impressionante. Crianças precisam de carinho e amor E não serem expostas à fome e à dor. Tem que ter educação Poder, orgulho, potencial Devemos todos ser humildes e tentar refletir Cada candidato que desejamos eleger Por isso eu vou deixar a galera apresentar. As pessoas que oferecem às crianças esperança de transformação!
Na escola Colégio Neo Master, em Ponta Grossa, Paraná, as crianças depositam seus votos da Votação Mundial no computador. Em torno de cada computador, há uma cabine eleitoral para que ninguém possa ver em quem os outros irão votar.
“Participar do Prêmio das Crianças do Mundo foi uma oportunidade para nós aprendermos sobre pessoas que doam suas vidas para ajudar os outros”, diz Clara do Prado Patrício, à esquerda. “Os candidatos lutam por um mundo melhor,” diz Gabriel Pádua Valladão, na cabine eleitoral à direita. “Nós conhecemos grandes heróis do nosso planeta, que defendem os direitos da criança. Organizar uma votação real, com candidatos que realmente lutam por uma boa causa, foi uma das lições mais importantes da minha vida”, disse João Lucas Pareta Degraf. “O Prêmio das Crianças do Mundo nos faz refletir sobre os direitos da criança, e nos faz agir com mais compaixão”, diz Matheus Serenato. 66
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QUEM SÃO
OS NOMEADOS? Anualmente, o júri infantil do Prêmio das Crianças do Mundo escolhe, entre todas as indicações enviadas naquele ano, quem serão os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Para poder fazer uma escolha justa na Votação Mundial, é importante que você conheça igualmente os três nomeados, o que pode ser feito lendo sobre eles nas páginas seguintes. Os dois candidatos não laureados com o prêmio das crianças votantes recebem o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo. Todos os três nomeados receberão quantias em dinheiro a serem usadas em suas atividades em prol das crianças.
Nomeada 1
CECILIA FLORES-OEBANDA Filipinas Páginas 68–87
Nomeada 2
MONIRA RAHMAN Bangladesh Páginas 88–105
Nomeado 3
MURHABAZI NAMEGABE República Democrática do Congo Páginas 106–125
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POr que CeCilia é nOmeada?
TEXTo: CARMILL A FLoYD FoTos: KIM NAYLoR
Cecilia Flores-Oebanda foi nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo 2011 por sua luta de 20 anos contra o trabalho infantil e o tráfico humano. Cecilia começou a trabalhar aos cinco anos de idade, e fez da luta pelos direitos das crianças mais pobres e mais vulneráveis a missão de sua vida. Cecilia fundou a organização Fórum Visayan, que salvou dezenas de milhares de meninas do trabalho escravo e do tráfico humano. Eles realizam trabalho preventivo em áreas rurais e cidades para impedir que crianças sejam exploradas. Cecilia influenciou a legislação nas Filipinas e em todo o mundo para melhorar a proteção à criança. Apesar das constantes ameaças de morte, ela não desiste. Cecilia e o Fórum Visayan administram oito Lares Transitórios para meninas de todo o país, quatro centros de apoio para trabalhadores domésticos e um Lar Seguro, um lar para as maiores vítimas. Desde o ano 2000, Cecilia e o Fórum Visayan ajudaram 60.000 vítimas do tráfico de pessoas e levaram diversos casos ao tribunal. Eles treinaram milhares de parceiros no combate ao tráfico, inclusive juízes, promotores, policiais, agências de viagens e autoridades governamentais.
NOME ADA • Páginas 68–87
Cecilia Flores-Oebanda O telefone toca no meio da noite. Uma voz sibila no escuro: “Saia do caminho do tráfico, ou vamos matar você e seus filhos”. Mas Cecilia Flores-Oebanda não se deixa intimidar. Ela está acostumada às ameaças de morte, depois de tantos anos de luta contra aqueles que compram e vendem meninas para o trabalho escravo. Hoje ela é uma das principais defensoras do fim da escravidão moderna no mundo.
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á em frente”, Cecilia costuma responder. “Pretendo lutar até a minha última gota de sangue”. Nada pode fazê-la desistir de seu sonho: que todas as crianças filipinas tenham direito a uma vida boa e segura, em que possam ir à escola e não precisem trabalhar. O tráfico de seres humanos é o terceiro negócio mais lucrativo do mundo, atrás somente do tráfico de drogas e do comércio de armas. Muitas pessoas estão perdendo dinheiro devido à luta de Cecilia. “Mas agora eles têm medo de mim. Eles sabem que eu nunca vou desistir”, diz ela. Na primeira vez em que Cecilia foi ameaçada, ela temeu, principalmente por
seus filhos. “Porém, todos os meus filhos concordaram que eu tenho que continuar”. Portões trancados
Cecilia está sempre alerta no caminho para o trabalho. Uma guarda de segurança abre os portões de ferro e tem o cuidado de trancar o pesado cadeado novamente. Três garotinhas vêm correndo e abraçam Cecilia. “Tia Dai”, gritam, usando o apelido pelo qual as crianças chamam Cecilia. “Venha brincar conosco!” As meninas são primas vindas de Cebu, no arquipélago
de Visayas, uma das regiões mais pobres das Filipinas. Muitas vítimas do tráfico vêm de lá. Rosalie, 10 anos, e suas primas acabam de ser resgatadas pela organização Cecilia, o Fórum Visayan. Elas logo serão levadas ao Lar Seguro. O lar é uma casa para as meninas que não podem voltar para suas famílias.
Cecilia e as meninas que ela ajuda sofrem ameaças frequentes e precisam de proteção. Porém, Cecilia não tem medo. ela nunca deixará de lutar.
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Rosalie, 10 anos, e suas primas foram resgatadas do trabalho de dançar nuas diante de câmeras num internet café. Agora elas estão protegidas no Lar Seguro de Cecilia.
Não seria seguro manter as crianças que foram vítimas naquela área. Portanto, Rosalie e suas primas ficaram sob a custódia de Cecilia e do Fórum Visayan, em Manila. “Mas agora estou feliz. Sinto saudades da minha família, mas meu avô diz que estou melhor aqui e que devo me dedicar à escola”. A história de Cecilia
A família de Cecilia era das mais miseráveis entre os pobres. “Nós morávamos entre um lixão e um rio”, con-
Uma garota pode ter sido vendida por seus próprios pais e, neste caso, estaria sob risco de ser vendida novamente. “Meu pai morreu, e minha mãe não fez nada para colocar comida na mesa para mim e meus irmãos”, conta Rosalie. “Eu morava com meu avô”. Um dos vizinhos de Rosalie, Archie, sempre dizia que ela e suas primas deveriam deixar a escola e trabalhar para ele. Archie e sua amiga Stella tinham um internet café (lan house) e afirmavam precisar de modelos para fazer filmes. Archie disse: “Vocês podem ganhar muito dinheiro”. “Tive que sair da escola, pois nós não tínhamos nem mesmo o que comer”, conta Rosalie. Foi quando eu e minhas primas começamos a trabalhar para Archie. Archie tinha prometido que apenas os rostos das meninas apareceriam no filme, mas era mentira. “Nós tivemos que dançar nuas diante de uma câmera. Archie disse que homens de outros países pagavam para nos ver”.
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Tudo que Rosalie fazia era filmado com uma webcam. O filme era transmitido ao vivo on-line para homens dos EUA e Austrália. Enquanto observavam as crianças, os homens enviavam mensagens para Archie, dizendo o que queriam que as meninas fizessem diante da câmera. As meninas trabalharam para Archie e Stella por mais de dois anos. Elas entregavam o dinheiro que recebiam a suas famílias. Muitas outras crianças faziam o mesmo. Archie dizia que elas não podiam contar o que faziam a ninguém. Polícia invade
Um dia, o internet café foi cercado por policiais armados. De longe, Rosalie viu Archie e Stella sendo conduzidos por um carro de polícia. Quatro crianças também saíram da casa, e choravam quando os policiais as levaram. “As pessoas diziam que seríamos presas por ter trabalhado para Archie. Ficamos apavoradas e nos escondemos. Levou vários meses até que nos encontrassem.
Quando criança, Cecilia vendia peixe para ajudar na sobrevivência da família. Dessa forma, podia ir à escola.
ta ela. “Comecei a trabalhar aos cinco anos de idade. Minhas irmãs e eu vendíamos os peixes que meu pai pescava no rio. Eu andava naquele calor com o cesto de peixe na cabeça, enquanto água fedorenta e óleo de peixe escorriam pelo meu rosto e cabelo, mas eu sabia que não podia voltar para casa sem antes vender todos os peixes. As pessoas diziam: ‘Dance para nós, garotinha, e compraremos suas mercadorias’. Então, eu dançava e cantava”. Cecilia e seus onze irmãos procuravam no lixão por coisas que pudessem vender. Às vezes, não dava tempo de sair quando o caminhão de lixo chegava. “Uma vez fiquei coberta de lixo fedorento até o queixo!” Adorava a escola
A mãe de Cecilia havia estudado, e fazia questão que seus filhos fossem à escola. Ela
O que é tráfico humano? O tráfico de seres humanos é o terceiro negócio mais lucrativo do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e do comércio de armas. As pessoas podem ser vendidas diversas vezes, enquanto houver alguém disposto a comprá-las. Crianças e adultos são levados a outros países, ou para outras regiões de seu próprio país, para serem explorados em trabalhos forçados. Isso é chamado de escravidão moderna. Muitas pessoas são exploradas como empregadas domésticas ou escravas sexuais. Crianças são raptadas, vendidas, enganadas ou forçadas a fazer coisas contra a vontade. A maioria das vítimas são provenientes de famílias muito pobres. Os traficantes de seres humanos as controlam através da violência, chantagem e da ameaça de prejudicar os pais ou irmãos das vítimas.
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É comum meninas que trabalham como domésticas nas Filipinas serem tratadas como escravas. Muitas pedem ajuda pelo telefone de apoio de Cecilia, que funciona 24 horas.
preferia passar fome a não pagar as taxas escolares das crianças. Cecilia era importunada na escola por causa das sandálias estranhas e porque seu cabelo e roupas gastas sempre cheiravam a peixe e lixo. A pior época foi a adolescência. “Ela é bonita, mas fede”, diziam os meninos, tapando o nariz quando ela passava. “Vocês não conhecem esse novo perfume?” – dizia Cecilia, tentando parecer forte, mas por dentro ela ficava triste e com raiva. Ela percebeu que muitas famílias que não trabalhavam nem de longe tão duro quanto a sua se alimentavam bem. Então decidiu que seus filhos teriam uma vida melhor do que a sua. O pai de Cecilia explicou que ela tinha que ser forte para sobreviver às dificuldades deste mundo. “Ele me ensinou a lutar boxe e aposta-
va em mim como vencedora das lutas! E ele me jogou no rio para que eu aprendesse a nadar. Em pouco tempo, eu nadava como um peixe”. Cecilia venceu várias competições de nado e conquistou uma vaga na equipe de natação da escola. Isso lhe garantiu uma bolsa que pagava suas taxas escolares e seus livros. Luta contra o ditador
Durante a infância de Cecilia, as Filipinas eram governadas pelo ditador Ferdinand Marcos. Ela começou a protestar contra o regime aos 14 anos, apesar daquilo ser muito perigoso. Ela estava furiosa porque Marcos e seus amigos tinham um estilo de vida luxuoso, enquanto os pobres passavam fome. Um dia, alguns anos mais tarde, Cecilia descobriu que os militares planejavam um ataque à sua casa. Ela fugiu para as montanhas e ficou conhecida
por todo o país como Comandante Llway. Poucos sabiam que o temido combatente da liberdade era uma adolescente. Após vários anos lutando na guerrilha, ela foi cercada pelos soldados de Marcos. Ela gritou: “Aqui é o Comandante Llway. Não atirem, estou saindo”. Alguns dos soldados cortaram mechas de seus longos cabelos como prova de que tinham ajudado a capturá-la. Ajuda às crianças pobres
Durante o tempo que passou na montanha e na prisão, Cecilia teve três filhos. As crianças nascidas na prisão foram batizadas com os nomes Dakip (Captura) e Malaya (Liberdade). O ditador Marcos foi enfim derrubado. Milhões de pessoas tomaram as ruas e força-
ram a sua renúncia e a de seu regime. Agora Cecilia queria proporcionar uma vida melhor a seus filhos. Todavia, ela também queria lutar por todas as crianças das Filipinas que vivem em extrema pobreza. Com a ajuda de seus irmãos, começou a construir sua própria organização, em Manila. Nesta época, a região onde Cecilia cresceu foi atingida por um tufão que matou mais de 10.000 pessoas e deixou centenas de milhares de desabrigados. Cecilia descobriu que traficantes impiedosos exploravam a tragédia alheia. Crianças que ficaram órfãs, ou mesmo as desabrigadas pelo tufão, recebiam promessas de emprego e escola, mas eram vendidas como escravas. Conforme o trabalho de Cecilia se tornava mais
Cecilia adora cantar e rir com as meninas resgatadas por sua organização, o Fórum Visayan.
Muitas meninas vendidas por traficantes de pessoas têm a chance voltar a ser crianças nos Lares Transitórios de Cecilia.
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Cecilia ensinou a polícia e seguranças de portos e aeroportos a reconhecer traficantes e meninas vítimas do tráfico humano. Eles agora a ajudam a capturar aqueles que compram e vendem crianças.
conhecido, crianças começaram a procurá-la para pedir ajuda. “Eu conheci meninas que fugiram do trabalho escravo como empregadas domésticas de famílias ricas. Algumas delas tinham cicatrizes de queimaduras de cigarro ou ferro de passar. Uma moça havia sido forçada a beber ácido corrosivo e morreu devido aos ferimentos. Ela chegou até nós quando já era tarde demais. Percebi
que deveria apostar tudo na ajuda a essas crianças. Em 1991, Cecilia liderou a primeira Marcha Global Contra o Trabalho Infantil,
que hoje reúne milhões de crianças e 114 organizações de todo o mundo na luta contra o trabalho infantil e a escravidão. A Marcha Global
Cooperação salva crianças “Todos devem aderir à luta contra o trabalho infantil e o tráfico humano, ou nunca alcançaremos nosso objetivo”, diz Cecilia. Nos portos e aeroportos, ela atua em conjunto com a polícia, seguranças, taxistas e carregadores de bagagens. Eles são treinados por assistentes sociais e por meninas vítimas do tráfico. Aprendem a identificar traficantes de seres humanos e suas jovens vítimas, a vigiar e a fazer perguntas, além de distribuírem panfletos com o número do telefone de apoio de Cecilia. Qualquer pessoa pode telefonar para essa linha para pedir ajuda ou denunciar suspeitos de tráfico.
O que Cecilia e o Fórum Visayan fazem? Cecilia e o Fórum Visayan acreditam que todos devem participar da luta para erradicar o trabalho infantil e o tráfico humano. Eles lutam em todo o território filipino e certificam que os governantes não façam vista grossa para a compra e venda de crianças como mercadorias: • Crianças e adultos das regiões mais pobres das Filipinas, de onde vem a maioria das vítimas do tráfico humano, recebem educação e apoio. Em particular, as mães são treinadas para terem condições de proteger seus filhos. • Nos portos e aeroportos, o Fórum Visayan coopera com funcionários, policiais e outras autoridades, para identificar o tráfico humano e resgatar suas vítimas. • Operações de resgate são conduzidas para libertar crianças exploradas em bordéis ou como empregadas domésticas em residências. • Linhas telefônicas de apoio funcionam 24 horas por dia para crianças e adultos que precisam de ajuda ou desejam denunciar casos suspeitos de
tráfico humano ou trabalho escravo. • As meninas resgatadas são acolhidas em Lares Transitórios em todo o país e recebem ajuda para voltarem para suas famílias e ter confiança e fé no futuro. As meninas que não podem retornar para casa recebem abrigo e educação no Lar Seguro de Cecilia. • Crianças menores de 14 anos que por lei não podem trabalhar nas Filipinas, têm seus estudos pagos. As meninas mais velhas obtêm formação profissional, experiência de trabalho e, às vezes, auxílio financeiro. Ex-trabalhadores infantis são encorajados a fundar Clubes dos Direitos da Criança locais, onde brincam e se divertem, e também conscientizam as pessoas sobre o tráfico humano, a fim de manter seus amigos seguros. • Para vencer a guerra contra o tráfico humano é necessário aprimorar as leis, para que protejam as crianças e facilitem o julgamento dos traficantes e sua condenação à prisão. Cecilia influencia políticos das Filipinas e de todo o mundo a mudarem suas leis e regras.
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Crianças resgatadas do trabalho infantil ajudam Cecilia na luta pelos direitos da criança, protestando contra o tráfico humano.
luta pelas cerca de 250 milhões de crianças trabalhadoras do mundo. Destas, quatro milhões são crianças filipinas. As centenas de milhares de crianças que trabalhavam como domésticas para famílias filipinas não tinham direitos e geralmente eram tratadas como escravas. Por isso, em 1995, Cecilia fundou
o primeiro sindicato de empregados domésticos das Filipinas, o Sumapi. Hoje, o Fórum Visayan, de Cecilia, é uma das organizações mais importantes de todo mundo na luta contra a escravidão moderna e o tráfico humano. Centenas de voluntários e funcionários trabalham com Cecilia em
Manila, em seu Lar Seguro, nos Lares Transitórios de todo o país, e em seu programa de prevenção nas vilas e favelas. Cecilia é conhecida em todo o mundo, mas ela nunca vai esquecer suas raízes. “Ainda posso sentir o cheiro de peixe e lixo no meu corpo”, diz Cecilia.
O Lar Seguro de Cecilia Algumas garotas não podem retornar para as suas famílias e se mudam para o Lar Seguro de Cecilia, o “Center of Hope” (Centro da Esperança), em um endereço secreto de Manila. Geralmente, essas meninas sofreram ameaças de morte das pessoas de quem fugiram. Elas recebem apoio dos “pais do lar”, assistentes sociais, psicólogos, professores e seguranças. “É preciso que elas se sintam como se este fosse o seu verdadeiro lar. Aqui, elas recebem proteção e fé no futuro”, diz Cecilia. O terreno do Lar Seguro foi comprado através de uma doação feita por J.K. Rowling, a autora dos famosos livros de Harry Potter. Há planos de se construir uma escola e um ginásio ali.
Aprenda filipino! Os quase 100 diferentes grupos étnicos que vivem nas 7.107 ilhas das Filipinas falam 170 línguas e dialetos diferentes. O idioma nacional é o filipino. Como as Filipinas pertenceram à Espanha e depois aos EUA por 400 anos, o idioma tem muitas palavras em espanhol e inglês. Oi = Kumusta Hó Tchau = Babay Sim = Ohó Não = Hindi Hó Socorro! = Saklala! Viva! = Mabuhay! Amigo = Kaibigan Grupo de amigos = Barkada
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Samraida vendida como escrava Samraida tinha 14 anos quando foi contrabandeada para fora das Filipinas com um passaporte falso. Ela viajou milhares de quilômetros para trabalhar 20 horas por dia, sete dias por semana, como empregada doméstica de uma família rica do Oriente Médio. “Fui tratada pior que um animal, e fui vendida a um novo empregador contra minha vontade”, conta Samraida.
A
té onde Samraida consegue se lembrar, sua mãe sempre trabalhou no exterior. Sua família mora em Mindanao, uma das regiões mais pobres das Filipinas, a qual foi devastada pela guerra civil há mais de 30 anos. Muitas crianças pobres em Mindanao crescem sem suas mães. Aqui, a maioria das famílias são muçulmanas, portanto as meninas e mulhe-
res são muito procuradas para trabalhar como empregadas domésticas em países muçulmanos ricos, como a Arábia Saudita. “Minha mãe só vinha para casa uma vez a cada dois ou três anos”, diz Samraida. “Quando eu tinha dez anos, pedi que ela ficasse. Eu chorava e me agarrava a ela, mas ela ficou furiosa e gritou que trabalhava feito uma escrava por minha causa.
Naquela noite, decidi parar de sentir saudades de minha mãe. Mal nos conhecíamos, de qualquer forma”. Embora a mãe enviasse dinheiro todo mês, a família muitas vezes ficava à beira da inanição. O pai trabalhava duro na plantação, mas mesmo assim eles quase não tinham o que comer. Quando Samraida tinha doze anos, ela teve que começar a trabalhar como empregada doméstica. TEXTo: CARMILL A FLoYD FoTos: KIM NAYLoR
Jeepney para o transporte de escravas O jeepney é o meio de transporte mais comum nas Filipinas. Eles são sempre decorados com muita criatividade, cores vivas, estampas e ornamentos. Jeepneys frequentemente são utilizados para o transporte de vítimas do tráfico. Eles podem transportar até 15 pessoas, mas a polícia já parou ônibus jeepney onde os traficantes haviam embarcado até 50 jovens. Elas são muitas vezes cobertas com uma lona, e os traficantes dizem à polícia e aos funcionários do porto que o espaço de carga está cheio de legumes ou alguma outra mercadoria.
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Ela também cuidava de seus irmãos e da casa. O trabalho de Samraida era duro e o salário, péssimo. Por isso, ela decidiu ir trabalhar no exterior também, apesar de sua mãe dizer que era horrível. As pessoas que trabalham no exterior ganham mais, e dois salários ajudariam a família. Porém, Samraida era jovem demais para obter um passaporte – de acordo com a lei filipina, é preciso ter pelo menos 23 anos para trabalhar no exterior. Documentos falsos
A jornada de Samraida até seu trabalho no Oriente Médio começa quando ela tem 14 anos. Um homem de Manila vem à sua aldeia. Ele é um agente de recrutamento procurando por meninas que
Samraida Esmael, 18 QUER SER: Assistente social e
trabalhar para Cecilia. ÍDOLOS: As cantoras Celine Dion
e Sarah Geronimo. GOSTA DE: Cantar, principalmente canções tradicionais filipinas. ADMIRA: Cecilia, Erica e todos os outros do Fórum Visayan.
O imenso aeroporto era assustador. Samraida nunca havia voado antes, quando foi contrabandeada para uma vida de trabalho escravo no exterior.
desejam trabalhar no exterior. O homem promete que Samraida obterá um passaporte e um emprego se ela o acompanhar. Samraida agarra a chance. Numa manhã bem cedo, ela embarca para Manila com o agente de recrutamento e duas meninas mais velhas. A viagem leva quase quatro dias, primeiro de jeepney (microônibus típico das Filipinas) e depois de balsa. “Seus vistos ainda não estão prontos”, explica o homem. “Enquanto esperam, podem morar com minha esposa e eu, e cuidar de nossa casa”. Samraida e as outras meninas são mantidas trancadas na casa, sem remuneração. De fato, o agente de recrutamento afirma que elas terão que pagar pela estadia e alimentação.
“Descontaremos essas despesas de seus salários durante seus primeiros sete meses no Oriente Médio”, diz ele. Longa espera
O agente de recrutamento entrega a Samraida um papel onde estão os detalhes de seu passaporte falso. Sua idade foi alterada para 23 anos, e ela ganhou outro nome e local de nascimento. Ela precisa saber de cor todos os detalhes, caso seja interrogada pela polícia no aeroporto. Semanas se passam, e Samraida sente-se assustada e enganada. Será que ela vai ter que ficar aqui, como escrava do agente de recrutamento? A sala escura onde ela dorme com as outras meninas parece uma cela de prisão. Ela quer ir para casa.
“Faça o que quiser”, diz o agente de recrutamento. “Mas primeiro você tem que pagar os sete meses de salários, é o que nos deve pelo alojamento, alimentação e despesas de viagem. E você mesma pagará sua viagem de volta para casa”. Samraida não tem nenhum dinheiro e não sabe para onde ir. Após seis meses, outras meninas chegam à casa, e o agente de recrutamento diz que o visto de Samraida está pronto. Há um emprego esperando por ela no Kuwait. Três dias depois, ela está a caminho do aeroporto, vestida com um véu e uma saia longa. A esposa do agente de recrutamento maquiou Samraida para fazêla parecer mais velha. Um homem encontra Samraida no terminal de embarque e entrega sua passagem e o passaporte falso.
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Samraida foi interrogada pela polícia quando descobriram que ela tinha um passaporte falso.
“Demonstre confiança. Mantenha a coluna ereta e olhe para frente. Escolha o segundo portão ao passar pelo controle de passaporte”, diz o homem, antes de desaparecer na multidão. O coração de Samraida parece estar em sua boca, quando ela se aproxima do controle de passaporte. Suas mãos tremem ao entregar o passaporte falso, mas o oficial de controle de passaporte sequer olha para ela. “Pode passar”, diz ele. Samraida percebe que o oficial de controle de passaporte foi pago para deixá-la passar. A chegada ao Kuwait
Tonta e com náuseas, Samraida cambaleia para fora do avião no Kuwait. Um homem a aguarda no desembarque segurando um cartaz
com o nome falso de Samraida. No entanto, ela não é levada ao seu local de trabalho, mas a uma agência de emprego na Cidade do Kuwait. Samraida é trancada num quarto pequeno e sem janelas, que já está cheio de meninas e jovens mulheres. Algumas são das Filipinas, outras do Sri Lanka, Indonésia e Etiópia. À noite, Samraida e algumas outras meninas têm que formar uma fila e ser inspecionadas por três homens. Samraida fica com medo. Um dos homens diz que tem seis filhos e quer uma menina para cuidar deles e de toda a casa. “Você terá que trabalhar das quatro da manhã até às duas da manhã seguinte, sete dias por semana”, diz ele. Samraida faz um cálculo rápido de cabeça. São 22
horas por dia! “Eu não consigo”, diz ela. O homem fica furioso. “Você é preguiçosa! Por que veio para cá se não quer trabalhar?” Ao longo de duas semanas, Samraida conhece uma série de homens com exigências semelhantes. Ela vai para casa com um deles, para um período de teste. Ela tem que subir numa escada alta para limpar um armário, mas perde o equilíbrio e quase cai. O homem a leva de volta à agência de emprego. “Ela não serve”, diz ele. O proprietário da agência de emprego fica furioso e tenta espancar Samraida, mas ela foge. “Por que você quer me machucar?”, pergunta ela. “Vim aqui para trabalhar, não para ser tratada como um animal”. Quando Samraida é levada de volta ao quarto, ele está mais lotado que nunca. Mais meninas chegam do aeroporto todos os dias, e não há mais espaço nem para deitar. Samraida tem que dormir sentada, mas isso é quase impossível devido ao calor. O quarto não tem nem janelas nem ventilador, e é difícil respirar ali. Samraida entende que terá que aceitar qualquer emprego, só para sair dali.
Exporta pessoas Quase nenhum outro país no mundo tem tantos cidadãos trabalhando no exterior quanto as Filipinas. O país tem uma longa tradição de pessoas que viajam ao exterior para encontrar trabalho, uma tradição desenvolvida e incentivada pelo ex-ditador Marcos. Quase metade das crianças de 10-12 anos de idade do país afirma já ter considerado a possibilidade de trabalhar no exterior. Hoje, o país é uma das principais fontes de trabalhadores migrantes do mundo. Alguns viajam legalmente, mas centenas de milhares são contrabandeados para fora do país e vendidos em países vizinhos como Malásia e Hong Kong, além do Oriente Médio, África, EUA e Europa. “Outros países exportam chá, café ou eletrônicos. As Filipinas exportam pessoas”, diz Cecilia.
Primeiro emprego
Após 18 dias, Samraida é contratada como empregada doméstica de uma família com quatro filhos, três dos quais são adultos, mas ainda vivem com os pais. É uma casa grande, de quatro anda-
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res. Uma mulher filipina um pouco mais velha cuida do preparo das refeições. Samraida deve limpar a casa, lavar e passar. Seu empregador explica as regras da casa: “Você nunca deve deixar a casa – você é jovem demais para sair sozinha. Você deve usar o véu e não pode usar roupas apertadas, curtas ou decotadas. Não perca tempo conversando com a outra empregada, nem telefone para sua casa. E não é permitido ter qualquer contato com as empregadas domésticas dos nossos vizinhos”. Após o primeiro dia de trabalho, Samraida está esgotada. Seu corpo inteiro dói, pois ela esfregou pisos, lavou louça e roupa das quatro da manhã até a meia-noite. A outra empregada trabalha para a família há sete anos. Ela sussurra que Samraida deve tomar cuidado com o filho mais novo. “Ele mente e diz que as empregadas domésticas roubam suas coisas, apenas para chamar a atenção da mãe”. Samraida trabalha sete dias por semana, desde o amanhecer até a meia-noite. Os dias se emendam. A casa é a prisão de Samraida. Ela quer ir pra casa, mas assinou um contrato e prometeu trabalhar para a família por dois anos. Todo mês, ela manda seu salário inteiro para sua família em Mindanao. Eles escrevem contando sobre a casa que estão construindo com seu dinheiro. Isso lhe dá forças para aguentar um pouco mais. Samraida foge
Após dois anos, Samraida
está esgotada, mas feliz. Ela irá para casa. Seu contrato estipula que o empregador deve devolver seu passaporte e lhe dar uma passagem de avião. Mas ela tem um choque: seu patrão se recusa. Ele quer que Samraida fique. “Vá para casa, se quiser”, diz ele. “Mas ficaremos com seu passaporte, e você não vai conseguir a passagem conosco”. A família para de pagar o salário, mas obriga Samraida a continuar trabalhando. Entretanto, depois de quatro meses, eles se cansam de suas lágrimas e seus apelos para ser autorizada a ir para casa. Eles a enviam de volta para a agência de emprego. Lá, eles dizem que Samraida tem de trabalhar para juntar o dinheiro da passagem para casa, e a vendem a outra família. No novo emprego, Samraida cuida de uma garotinha. Quando a menina adoece, Samraida acompanha a família ao hospital, e percebe que esta é sua chance de escapar. Ela pede permissão para ir ao banheiro, mas desce correndo pelas escadas. Chegando à rua, ela chama um táxi. “Leve-me a uma delegacia de polícia!” A polícia ouve Samraida explicar que foi vendida contra sua vontade. “Vamos tentar ajudá-la”, dizem eles. “Enquanto isso, você pode ficar aqui”. Samraida é espremida em uma cela com cerca de 80 meninas e mulheres das Filipinas e de muitos outros países. Todas são empregadas domésticas aguardando julgamento ou esperando para
Samraida recuperou a esperança no futuro através de Cecilia e de sua estadia no Lar Transitório.
serem enviadas para casa. Logo Samraida faz uma boa amiga, Katy. Ela fugiu de seu patrão, que a estuprava. “Ele me atacava toda vez que sua esposa saía de casa”, conta ela. Quando Katy fugiu, seu empregador a denunciou por roubo. Agora ela aguarda o julgamento. Samraida fica com medo. Imagine se a mesma coisa acontecer com ela! Mas depois de oito meses na cela
da prisão, ela finalmente consegue seu passaporte e uma passagem de avião. Quando ela voa para casa, Katy continua presa. Ela foi condenada a vários anos de prisão pelo suposto roubo.
"O trabalho doméstico é digno". Cecilia luta pelos direitos das empregadas domésticas.
Samraida é muçulmana e faz suas orações cinco vezes por dia.
Finalmente em casa
Todavia, quando Samraida chega em Mindanao, outro choque a aguarda. A casa nova, em cuja construção se gastou todo seu dinheiro, se
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O que é o Lar Transitório?
Samraida foi mantida presa como uma escrava durante muitos anos. Hoje, ela está de volta à escola e deseja trabalhar com Cecilia e o Fórum Visayan. Ela já atua no combate ao tráfico humano, divulgando informações e participando de manifestações contra o tráfico.
foi. Houve confrontos entre rebeldes e forças governa mentais em sua aldeia natal. Muitas pessoas morreram, e sua casa foi totalmente des truída num incêndio. Seu pai e seus irmãos estão vivendo em um campo de refugiados. Eles estão felizes pela volta de Samraida, mas choram ao contar a ela sobre o que acon teceu. “Você nem sequer conse guiu ver sua própria casa!”, dizem. Samraida decide ir nova mente para o exterior. “Pretendo ganhar dinheiro suficiente para construir uma casa nova”. “Absolutamente não”, diz o pai, aborrecido. “Neste caso, você terá que caminhar ou nadar até Manila”. Porém, Samraida insiste e o pai acaba concordando. Uma noite, algumas sema nas mais tarde, Samraida está de volta ao aeroporto. Mas, desta vez, o oficial de controle de passaporte do aeroporto
chama a unidade especial de combate ao tráfico humano. Eles foram treinados por Cecilia e pelo Fórum Visayan, e sabem reconhecer vítimas de tráfico. Samraida afirma ter 25 anos, mas o dentista da unidade especial examina seus dentes e descobre que ela tem 18 anos. Então, eles cha mam Erica, uma das assisten tes sociais do Fórum Visayan. Lar Transitório protege
Atrás de muros altos, perto do aeroporto, fica o Lar Tran sitório de Cecilia, onde meni nas que foram resgatadas a caminho do exterior são man tidas em segurança. Passa da meianoite quando um guar da abre o cadeado dos portões pesados. Samraida chora silenciosamente. Ela perdeu a chance de ajudar sua família. E se ela for presa por tentar viajar com um passaporte falso? Erica a leva para um quarto no andar superior. Na escuri dão, tudo que Samraida con
segue ver são fileiras de pequenas camas, e ela entra em pânico. Estará ela de volta à prisão? Mas uma das meni nas acorda e sussurra: “Não se preocupe. Você foi trazida para um lugar bom. Agora durma, e amanhã con versaremos mais”. Na manhã seguinte, todas as meninas se reúnem em vol ta de Samraida. Todas elas foram vítimas do tráfico, mas foram resgatadas pelo Fórum Visayan, uma organização que ajuda as meninas a fre quentar à escola e as reúnem com suas famílias. Uma semana depois, Samraida acorda no meio da noite. Uma menina está sen tada na cama ao lado da sua. Ela acaba de chegar do aero porto, e parece assustada e confusa. “Não tenha medo”, diz Samraida. “Você foi trazida para um lugar bom. Agora durma, e nós conversare mos mais amanhã”.
Cecilia e o Fórum Visayan construíram nove dos chamados lares transitórios próximo ao aeroporto de Manila e dos portos de navegação usados pelos traficantes de pessoas. As meninas resgatadas são levadas diretamente para um lar transitório, onde obtêm proteção e socorro imediato. Nos lares transitórios, há assistentes sociais e trabalhadores de campo disponíveis 24 horas por dia. Há também uma “mãe da casa”, que garante que as meninas tenham tudo que precisam, desde alimento e lugar para dormir até carinho e amor. Dependendo da situação individual de cada menina, elas podem receber ajuda para se reunir com suas famílias, bolsas para as taxas escolares e apoio jurídico e psicológico. Os lares transitórios administram linhas telefônicas de assistência e treinam funcionários do aeroporto e de portos sobre como identificar o tráfico e resgatar as vítimas.
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6h00 Hora de acordar! Às vezes novas meninas chegam do aeroporto durante a noite. Elas geralmente estão tristes e assustadas, portanto precisam de uma recepção calorosa quando as outras acordam.
Um dia no Lar T Perto do aeroporto está um dos lares transitórios de Cecilia, uma casa segura para meninas resgatadas do tráfico para o exterior, onde seriam usadas em trabalhos forçados.
6h20 Ginástica matinal Até as mais dorminhocas despertam. 6h40 Frescas e belas Ducha rápida e escovar os dentes – ninguém quer perder o café da manhã.
7h30 Todas ajudam Todas ajudam a mãe da casa, Alice, a preparar o desjejum e pôr a mesa. 11h00 Construir abrigo! O tufão se aproxima! Na brincadeira Bahay, Bata, Bagyo (Lar, Criança, Catástrofe), as crianças precisam de proteção e de um lar seguro. A brincadeira começa quando alguém grita que um furacão está chegando. Então todos devem se apressar para “construir” casas onde se abrigar.
9h00 Oi Cecilia Hoje Cecilia veio visitar. Ela brinca, joga e conversa com as meninas. Embora muitas delas contem suas experiências tristes, também há muitas risadas. 78
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12h00 Peixe para o almoço Krista, 16 anos, ajudou a fritar peixe para o almoço.
ar Transitório 18h00 Orações cristãs e muçulmanas As meninas católicas usam uma pequena sala no andar de cima como capela, enquanto as muçulmanas costumam usar o dormitório para suas orações.
13h30 Dança das cadeiras com Lady Gaga Lady Gaga ecoa nos alto-falantes, enquanto as meninas brincam de dança das cadeiras. Todas gritam e riem quando a última cadeira se quebra sob a feliz vencedora. Ela foi resgatada apenas alguns dias antes, depois que um membro da família para a qual trabalhava como doméstica tentou estuprá-la.
As garotas mais novas podem desenhar e escrever sobre suas experiências.
22h00 Silêncio no Lar Transitório A luzes se apagam e tudo é paz e sossego. Mas quem sabe quantas meninas novas serão resgatadas esta noite.
TEXTO: CARMILL A FLOYD FOTOS: KIM NAYLOR
20h00 Noite de karaokê e cartas À noite, muitas se reúnem em volta da TV para cantar karaokê. Outras preferem escrever cartas.
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Mary-Ann foi enganad Quando o pai de Mary-Ann adoeceu, ela teve que deixar a escola. A família corria risco de passar fome quando lhe ofereceram um emprego com bom salário num restaurante de Manila. Porém, Mary-Ann foi enganada e forçada a se tornar escrava em um bordel.
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TEXTo: CARMILL A FLoYD FoTos: KIM NAYLoR
ary-Ann cresce em Samar, onde sua família tem uma pequena propriedade rural. Eles moram num casebre de bambu rodeado de prados, montanhas e grandes árvores. A região é bonita, porém muito pobre. A família raramente tem alimento suficiente para uma refeição satisfatória. Quando o pai adoece, Mary-Ann precisa parar de estudar e começa a trabalhar como empregada doméstica.
O salário é ruim e ela chora toda noite até dormir sob a mesa de seu patrão. Após seis meses, ela volta para casa e pede autorização à mãe para voltar para a escola. Mas não é possível. Alguns dias depois, Nena, uma prima de sua mãe, vem visitar. Ela diz que pode conseguir emprego para MaryAnn em um restaurante na capital, Manila. – Ela é jovem demais, dizem os pais inicialmente,
mas acabam cedendo quando Nena promete cuidar de Mary-Ann. A jornada começa na manhã seguinte. Algumas meninas do vilarejo também vão. É a primeira vez que Mary-Ann deixa Samar, e a primeira vez que viaja de balsa. As ondas altas lhe causam enjoo, mas ela está cheia de expectativas. No trajeto do terminal da balsa até Manila, prédios altos e ruas largas passam
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Mary-Ann foi resgatada do trabalho escravo em um bordel e recebeu proteção no lar de Cecilia para meninas.
nada para o bordel rápido pela janela do táxi. Letreiros luminosos e vitrines brilham na escuridão da noite. Todavia, quando o táxi para, Mary-Ann se decepciona. Ela vê uma casa suja caindo aos pedaços atrás do muro alto. – Onde está o restaurante? – pergunta ela. – Primeiro vocês precisam descansar, retruca Nena. Ela leva as meninas para dentro da casa e as deixa sozinhas num quarto pequeno. As outras logo adormecem deitadas no chão. Mas Mary-Ann permanece acordada por muito tempo. Ela sente que Nena se comporta de maneira
estranha, e que algo está errado. Cativas no bordel
Na manhã seguinte, Nena conta a verdade. Não há emprego em restaurante. As meninas devem trabalhar em um bordel e vender seus corpos para homens estranhos. Mary-Ann fica chocada. – Por que você não disse? – grita ela. – Eu nunca teria vindo com você! Minha mãe não teria concordado com isso! Nena simplesmente vai embora. Quando Mary-Ann tenta segui-la, a porta está trancada. Ela e as outras
meninas correm para a janela e veem um vigia do lado de fora dos portões. Elas estão presas no bordel. Após algum tempo, surge um homem que as arrasta para outra sala, que está cheia de garotas de roupas íntimas sentadas no chão. De repente, Mary-Ann reconhece suas primas de Samar. Nena também as enganou e trouxe para cá. Uma delas, Paula, diz que as meninas são mantidas a sete chaves 24 horas por dia, e só podem sair para cuidar de clientes. Os homens que trabalham no bordel são chamados cafetões. Eles vigiam as meninas e as levam aos hotéis
dos clientes. Paula fica com pena de Mary-Ann, que chora e diz que quer ir para casa. – Nena fica com todo o dinheiro que ganhamos, mas às vezes os clientes nos dão um dinheirinho – diz Paula. Eu economizei um pouco, e posso pagar sua passagem para casa. Mas quando Nena volta, ela diz que Mary-Ann tem que ficar. – O dinheiro de Paula não vai te levar longe. Você me deve muito dinheiro, por isso precisa trabalhar para me pagar. Você não tem escolha. Um dos cafetões leva MaryAnn a um consultório médico. 81
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Dezenas de milhares de meninas de famílias pobres são vendidas por traficantes para prostíbulos e bordéis nas Filipinas.
– Não diga uma palavra a ninguém, avisa ele no caminho. Nena quer saber se MaryAnn tem alguma doença e se ela é virgem, nunca teve relação sexual. Mais tarde, MaryAnn descobre que os clientes pagam mais por meninas virgens. Ela é a caçula no bordel e vale muito dinheiro para os traficantes. A médica desconfia. Ela faz muitas perguntas, mas o cafetão está perto e Mary-Ann não se atreve a pedir ajuda. Nena dá um sabonete especial a Mary-Ann e manda que ela tome 3 banhos por dia para que sua pele fique mais clara. Ela também ganha um vestido curto e roupa íntima. As roupas de Mary-Ann são feias e infantis, diz Nena. Mary-Ann embrulha suas roupas num pacote. Quando ninguém está olhando, ela escreve um bilhete para sua mãe e o esconde entre as roupas. Depois ela entrega o pacote a Nena. O primeiro cliente
Logo o cafetão tenta levar Mary-Ann para um cliente, mas ela consegue escapar dele e se recusa a ir. No dia seguinte, o cafetão está furioso. Ele xinga Mary-Ann de coisas terríveis e grita que ela não pode simplesmente comer e dormir, ela tem que trabalhar. O cafetão obriga MaryAnn a ir com ele e a deixa num quarto de hotel. O cliente, um empresário chinês, está irritado porque teve que esperar dois dias por sua virgem. Ele diz para ela tirar a
roupa e tomar um banho. Ela começa a chorar, se ajoelha e implora que ele a deixe em paz. – É a primeira vez que faço isso, eles me obrigaram. No fim, o homem também começa a chorar. – Não vou tocar em você. Mas não conte ao seu cafetão, diz ele. – Deite-se e descanse. Mas Mary-Ann não ousa se deitar, ela teme que o homem a ataque. – Não tenha medo. Eu
tenho filhas da sua idade, é por isso que eu estou te deixando em paz, diz ele. Poucas horas depois, MaryAnn encontra o cafetão no lobby do hotel. – Doeu? – pergunta ele. Mary-Ann olha para baixo e sacode a cabeça. Mary-Ann tenta fugir
No dia seguinte, Mary-Ann é arrastada para outro quarto de hotel. O cliente usa uma
túnica verde de hospital, como as que médicos costumam usar. Ele não se comove com as lágrimas de Mary-Ann. – Eu paguei. Agora, tire a roupa e faça seu trabalho, diz ele, forçando Mary-Ann para a cama. Ela tenta se desvencilhar, mas ele é muito pesado. Ela sente que vai sufocar. O homem estupra MaryAnn. Em seguida, ele a joga para fora do quarto. Ela desce as escadas, determinada a
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Mary-Ann, 17 GOSTA DE: Escrever poesia e ler. FAMÍLIA: Mãe e seis irmãos
– meu pai morreu. QUER SER: Assistente social. ÍDOLOS: As estrelas da TV
Kris Bernal e Aljur Abrenica. ADMIRA: Cecilia e as outras pessoas do Fórum Visayan.
Há uma pequena capela católica no Lar Transitório para meninas.
fugir antes do retorno do cafetão. Mas, quando ela corre para saída, os funcionários do hotel a impedem e chamam Nena. Naquela noite, Mary-Ann se curva no chão do quarto abafado e sem janelas, e chora de dor e exaustão. Esta é sua vida, agora? Chega o resgate
Enquanto isso, na aldeia de Samar, a mãe de Mary-Ann encontra seu bilhete no pacote de roupas. Ela vai direto à delegacia, que entra em contato com a polícia em Manila. No dia seguinte, batem à porta do bordel. Há policiais e assistentes sociais lá fora. – Não temos uma MaryAnn aqui, diz o cafetão. Mas Mary-Ann ouve seu nome e grita pedindo socorro. No carro, a caminho da delegacia, o cafetão sussurra que é melhor ela ficar calada. – Caso contrário, você e sua família estarão em apuros. Mary-Ann fica com medo. E se Nena mandar matar seus pais e irmãos? Ela se recusa a responder às perguntas da polícia, e o cafetão é liberado
para voltar ao bordel. Mary-Ann é levada para um lar transitório do Fórum Visayan. Outras meninas resgatadas do tráfico humano vêm recebê-la, e Cecilia lhe diz para não temer, pois ela está segura aqui. Então, Mary-Ann começa a contar sua história. Isso significa que a polícia e o Fórum Visayan podem fazer outra operação de resgate e libertar todas as meninas que estão presas naquele bordel. Feliz e livre
Com o apoio de Cecilia e do Fórum Visayan, Mary-Ann tem coragem de testemunhar contra os traficantes no tribunal. – Quero me vingar, ela diz a Cecilia. Eles roubaram minha infância. Antes e durante o julgamento, Mary-Ann e sua família recebem ameaças de morte. Mas Mary-Ann não se deixa intimidar e sua família a apoia. Finalmente, Nena é condenada à prisão. Entretanto, Mary-Ann sabe que outras pessoas já assumiram seu pos-
to e estão recrutando meninas para um novo bordel. Por isso ela continua a trabalhar com Cecilia e o Fórum Visayan, para conscientizar as pessoas sobre o tráfico humano e denunciar casos suspeitos. – Quase todas as famílias da minha aldeia foram afetadas de alguma forma, diz ela. Muitas crianças e mulheres foram aliciadas e exploradas. Alerto minhas irmãs e todas as meninas da aldeia para não falar com estranhos. Eu digo: “Não dê ouvidos a promessas empolgantes de bons empregos bem remunerados, nem mesmo de pessoas que você conhece”. Afinal, eu fui vendida por minha própria parente!
Muitas vezes, Mary-Ann ainda acorda no meio da noite com pesadelos, suando frio e o coração disparado. Mas ela se sente feliz por estar livre e por ter voltado para a escola. – Vou me formar assistente social e trabalhar para Cecilia, diz Mary-Ann. Quero ser como ela e salvar as meninas da escravidão e dos abusos.
Mary-Ann e suas novas amigas lutam juntas para combater o tráfico humano.
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Ruby venceu traficante Ruby nunca se esquece do dia em que seu traficante foi condenado à prisão perpétua. Ela e Cecilia choraram quando o veredito foi anunciado. Foi uma vitória histórica.
TEXTO: CARMILL A FLOYD FOTOS: KIM NAYLOR
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uby tinha 14 anos quando foi enganada por um traficante. Ela era a fi lha mais velha e vivia com sua família no bairro pobre de Mandaluyo. “Eu tive que abandonar a escola e começar a trabalhar aos doze anos. Meu padrasto estava desempregado e gastava todo nosso dinheiro em bebida. Ele me batia e minha mãe gritava comigo o tempo todo. Um dia, uma amiga me disse que sua tia Nellie podia conseguir emprego para nós duas em um restaurante no litoral. Achei que era uma boa oportunidade de me livrar do meu padrasto e da ladainha
de minha mãe. Além disso, com um bom salário, eu poderia enviar dinheiro para a família”. Ruby e cinco outras meninas se encontraram na casa da tia de sua amiga. “Nellie mostrou nossos uniformes: tops curtos e minissaias. Ela também perguntou se éramos virgens. Aquilo me deixou nervosa, mas minhas amigas não pareciam preocupadas, então eu não disse nada. Nellie disse que passaríamos aquela noite em sua casa e seguiríamos para o litoral no dia seguinte. Portanto, eu não tive tempo de falar com minha mãe. Na
manhã seguinte, viajamos quatro horas de ônibus até o terminal da balsa, em Batangas”. Interrogada pela polícia
Quando Nellie e as meninas estavam prestes a embarcar na balsa, um guarda as parou. Ele suspeitou que Nellie fosse traficante de pessoas e chamou a polícia. “O policial perguntou
O mercadinho do bairro de Ruby tem que se proteger contra roubos.
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Os prêmios e o diploma da escola de Ruby. Garotas resgatadas usam máscaras na inauguração do Lar Seguro de Cecilia.
quantos anos eu tinha”, diz Ruby. “Primeiro, eu respondi 18, como Nellie havia me instruído. Depois, disse 16. ‘Você parece ter doze anos”, disse o policial. Ele era um homem grande e sua voz parecia irritada. Fiquei apavorada e acabei
contando a verdade”. Na delegacia Ruby também conheceu Chris, uma assistente social da organização de Cecilia, o Fórum Visayan. “Chris me fez sentir segura. Ela explicou que nós estávamos prestes a ser vendidas para um bordel”, diz Ruby. “Falou que havíamos sido salvas no último minuto, e que Nellie seria presa, se aceitássemos testemunhar contra ela. Porém não me atrevi a responder mais nenhuma pergunta”. Ruby e suas amigas foram levadas para o lar transitório de Cecilia. As meninas mais velhas estavam furiosas e queriam ir embora de lá. “Na verdade, eu queria ficar, mas não ousei me opor às minhas amigas. Acabamos conseguindo escapar, mas a polícia nos pegou. Depois disso, fiz novas amigas no lar transitório. Aprendi mais sobre o tráfico humano, e conheci meninas que tinham sido escravas sexuais em bordéis. Eu percebi que tive muita sorte por ter sido salva em cima da hora. Agora, queria que aqueles que me enganaram fossem punidos. Não só por mim, mas também por minhas amigas”.
feliz por minha mãe me considerar mais importante que o dinheiro”. Veredito histórico
Nellie foi condenada à prisão perpétua. Pela primeira vez nas Filipinas, um traficante de pessoas foi condenado após ser capturado durante o transporte de suas vítimas. “Fiquei muito contente, mas também lamentei por Nellie. Eu descobri que ela também havia sido vítima do tráfico, e que acabara de ter um fi lho. O empresário, dono do bar para onde seríamos levadas, a convencera a recrutar mais meninas. Agora Nellie está na prisão, mas o empresário continua livre. Isso não parece justo”. Hoje, Ruby mora com sua família novamente. O tempo que passou no lar transitório
a fez acreditar no futuro e fortaleceu sua autoestima. Ela agora consegue se fazer ouvir quando seus pais brigam. Ela geralmente fala sobre o tráfico humano nas reuniões de protesto e apoia outras meninas. “Agora estou estudando serviço social. Meu sonho é um dia ter meu próprio lar e uma família, e trabalhar para o Fórum Visayan. Esta é minha maneira de retribuir tudo que fizeram por mim. Tia Cecil me inspirou. Ela possibilitou que milhares de meninas recuperassem suas vidas, e nunca deixa de lutar por nós”.
A casa de Ruby – toda a família divide um único cômodo!
Ameaças de morte
Robileen ”Ruby” Acebo, 20 QUER SER: Assistente social e trabalhar para Cecilia e o Fórum Visayan. GOSTA DE: Dançar, mas eu sou muito tímida! Escrever poesia. NÃO GOSTA: Gritos e injustiça. O fato de que meninas são exploradas e abusadas. ADMIRA: Cecilia. Ela me salvou e me inspirou a salvar outros.
Quando Ruby e outra menina concordaram em testemunhar no tribunal, elas e suas famílias receberam ameaças de morte. “Às vezes me sentia desesperada e queria desistir”, lembra Ruby. “Mas Cecilia e o Fórum Visayan me deram o apoio que eu precisava para continuar. Na primeira vez que testemunhei, eu estava apavorada. A família e os amigos de Nellie estavam lá, me olhando de forma ameaçadora. Mais tarde, descobri que haviam oferecido muito dinheiro à minha mãe para que ela me impedisse de testemunhar. Mas ela recusou. Aquilo me surpreendeu, mas também me senti orgulhosa e 85
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O teatro de rua das crianças alerta as pessoas sobre o tráfico humano.
Crianças contra o tráfico humano Quando um incêndio atingiu o bairro pobre de Pandacan, mais de 50 famílias tiveram suas casas destruídas. Muitas crianças tiveram que abandonar a escola e começar a trabalhar para sobreviver. Uma delas foi Dane Padel, de 12 anos. Agora Dane está de volta à escola, graças a uma bolsa de estudo do Clube dos Direitos da Criança de Cecilia, em Pandacan. Dane e outras crianças que foram salvas do trabalho infantil agora lutam pelos direitos das crianças! – Fazemos teatro de rua para alertar crianças e adultos sobre os traficantes de pessoas, conta Dane. Ele e seus amigos também criaram sua própria camiseta como parte da campanha contra o tráfico. Dane escreveu “Não ao abuso!” em sua camiseta. Dane Padel
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Victor Reyes, 11 GOSTA DE: Escola, principalmente matemática. ATIVIDADE NO CLUBE DOS DIREITOS DA CRIANÇA: Teatro.
Gosta de atuar e nunca fica nervoso. QUER SER: Policial. Quero colocar todos os traficantes de pessoas e de drogas atrás das grades para proteger as crianças. A polícia nunca vem ao nosso bairro. ADMIRA: Minha avó. Ela é uma das líderes do Fórum Visayan no nosso bairro. GOSTA DE: Quando tivemos uma festa de Dia das Bruxas. NÃO GOSTA DE: Incêndios. Quando eu soube que o Fórum Visayan ajudou as pessoas afetadas pelo incêndio, entrei para o Clube dos Direitos da Criança.
Geronimo Garcia, 13 ATIVIDADE NO CLUBE DOS DIREITOS DA CRIANÇA: Encontro meus amigos, faço teatro, canto e danço. Sou um bom ator. Também obtive ajuda para pagar as taxas escolares. GOSTA DE: Minha avó. Minha mãe me deixou com ela há sete anos e nunca mais voltou. Minha avó é cega, então eu a ajudo em tudo. Nós não temos quase nenhum dinheiro, os vizinhos nos dão comida. NÃO GOSTA DE: Quando as pessoas bebem, brigam e gritam. Aqui há gangues que lutam entre si. Eu tento evitá-los. QUER SER: Designer de moda e artista. O que mais quero criar são vestidos de baile. SONHO: Acabar com a violência na minha vizinhança e no meu país. MELHOR EXPERIÊNCIA: Quando visitamos o parque temático O Reino Encantado. PIOR: O grande incêndio. Ele destruiu a vida de muitas pessoas.
Esteja alerta! Kert Quiambo, 12 Não estou à venda! Renamae Timoteo, 10
Não fale com estranhos! Charlie Fernando, 11
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A atriz Maricar
O guarda-roupa de Maricar
Maricar, 13 anos, adora o Clube dos Direitos da Criança de Cecilia. Todo dia depois da aula, ela encontra seus amigos para ensaiar a peça infantil contra o tráfico humano.
Maricar mantém suas roupas em um armário num beco. Sua família guarda todos os seus pertences aqui, pois eles não têm casa própria.
Maricar e sua família não têm casa própria, apenas um banco estreito e um armário em uma dos becos apertados do bairro pobre de Pandacan. Seus pais dormem no banco. Maricar e seu irmão geralmente dormem no chão da casa de parentes. – Espero que um dia nós tenhamos nossa própria casa, diz ela. Eu queria ter uma casinha bonita de quatro cômodos. Antes, Maricar trabalhava para ajudar sua família, mas agora o Clube dos Direitos da Criança a ajuda a pagar as taxas escolares. – O que mais gosto é do grupo de teatro. Também aprendemos a dançar. Interpretamos cenas sobre o tráfico humano. Em uma cena, eu interpreto uma empregada doméstica que é abusada por seu patrão e vai à polícia.
Roupas de brincar – Essas são minhas roupas de brincar. São confortáveis e dão liberdade de movimento. Minhas sandálias de plástico são práticas e baratas. Principalmente durante a época das monções, quando geralmente há inundações em Pandacan. Eu queria ter sapatos de salto e sapatilhas de bailarina quadriculadas, mas são muito caros.
que conhece: família, vizinhos e colegas de escola. – Eu digo: “Não seja cego, olhe à sua volta. Se você ver algo suspeito, não seja passivo, faça alguma coisa!” Minha mãe ficou chocada com muitas coisas que contei a ela. Por exemplo, que existe crime organizado e que pessoas compram e vendem crianças. Se os traficantes humanos tentarem me recrutar, vou denunciálos à polícia. Se tentarem me sequestrar, eu fugirei. Eu sou boa de briga!” Quando Maricar ouve que um traficante foi condenado à prisão, ela fica feliz. “Mas isso não acontece com frequência”, diz ela.
Uniforme escolar – Temos que usar camisa branca e calças cor de rosa na escola. Compramos de segunda mão, de crianças mais velhas para quem não servem mais porque cresceram. Agora estou em férias de verão, sinto falta da escola e de meus amigos de lá. Roupas de festa – Posso pegar emprestados vestidos do Clube dos Direitos da Criança quando vou dançar danças filipinas, como Tatarin e Buling-Buling. Adoro festas, principalmente o Festival de Santo Niño. Nessa ocasião, nós brincamos e dançamos nas ruas Santo Niño, o menino Jesus, é o santo padroeiro de Pandacan. Segundo a lenda, a área foi atacada pelo exército espanhol no século XIX. Mas os soldados interromperam o ataque quando viram um garotinho brincando em frente aos seus canhões. Os habitantes de Pandacan dizem que deve ter sido o menino Jesus que os salvou. Desde então, todos os anos, há uma festa em memória de Santo Niño no mês de janeiro.
Conscientiza
TEXTO: CARMILL A FLOYD FOTOS: KIM NAYLOR
Maricar aprendeu muito sobre o tráfico humano e os direitos da criança. Ela conscientiza todas as pessoas
Maricar com sua família. O banco estreito e o armário no beco são sua “casa”.
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PoR que MoniRa é noMeada?
TEXTo: MoNICA Z AK FoTos: KIM NAYLoR
Monira Rahman é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo 2011 por sua corajosa luta para colocar um fim na violência com ácido e gasolina em Bangladesh. A maioria das vítimas são garotas. Mas mulheres, garotos e homens também são atacados. O motivo dos ataques geralmente é ciúme, e, contra os homens, a razão mais comum é a disputa por terra. Os ataques com ácido eram comuns durante um período, entretanto, ninguém sabia disso antes, a imprensa não mostrava. Monira mudou tudo isso. Ela fundou a ASF (Acid Survivors Foundation – Fundação dos Sobreviventes do Ácido) para todos os sobreviventes de ataques com ácido e gasolina. A organização começou a funcionar em 1999. No início, havia mais de um ataque com ácido por dia em Bangladesh. Hoje, esse número caiu pela metade. Mas o objetivo é zerar isso, para que ninguém, nem crianças, garotas, mulheres e homens sejam atacados até 2015. ASF ajuda os sobreviventes a terem uma vida ativa, com dignidade. Eles geralmente oferecem cirurgia plástica. Os próprios sobreviventes se tornam os maiores ativistas da causa contra esse tipo de violência.
NOME ADA • Páginas 88–105
Monira Rahman Na primeira vez que viu o rosto de uma garota deformado porque um homem jogou ácido, Monira Rahman ficou chocada. Ela não fazia a menor ideia de que homens em seu país, Bangladesh, faziam isso para destruir a beleza das garotas pelo resto de suas vidas. Geralmente, a causa era o ciúme. Da segunda vez, Monira desmaiou. Desde então, ela e sua organização, ASF, têm lutado incansavelmente para salvar meninas e meninos vítimas de ataques com ácido e gasolina. Monira e a ASF reduziram pela metade o número de ataques com ácido em Bangladesh.
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onira Rahman é uma mulher feliz e dinâmica. Ela sempre foi
assim. “Quando nasci, meu país pertencia ao Paquistão e era chamado de Paquistão Leste”, explica Monira. “Quando eu tinha seis anos, uma guerra civil começou. Nossa casa foi queimada, tivemos que fugir, meu pai morreu de cólera e nós éramos extremamente pobres. Mas nosso país conquistou a independência e, a
partir daquele momento, passou a se chamar Bangladesh. Quando eu estava com sete anos, minha mãe se mudou para a capital, Daca, comigo e mais seis filhos. “Meu irmão mais velho
ficou responsável pela família. Ele entrou no mundo dos negócios e foi bem-sucedido. Portanto, nós conseguimos melhorar nosso padrão de vida. Eu fui para a escola, mas sempre que se aproximava a
Monira protesta com sobreviventes de ataques com ácido e gasolina. Milhares de homens também protestam.
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“Nós temos vários sobreviventes que fazem parte da luta contra ataques com ácido e gasolina. Eles protestam, se encontram com políticos e cobram punição para os culpados”, diz Monira.
hora do meu irmão mais velho voltar para casa, eu sentia medo. Ele gritava comigo e com minhas irmãs. Ele zombava de nós. Éramos punidas por coisas insignificantes. Ele costumava nos bater. Eu tinha pavor do meu irmão. Foi então que decidi nunca me casar”. Professora especial
No sétimo ano, Monira teve uma professora que gostava e acreditava nela. “Ela dizia que eu era inteligente. Ela me encorajou a encarar a vida. Ela me estimulava a participar de grupos de debates e expressar minha opinião. Ela fez minha autoconfiança crescer. Hoje em dia, quando encontro pessoas que foram feridas com ácido, busco fazer o mesmo. Eu demonstro que me importo com elas e tento lhes oferecer confiança”. Depois de encontrar essa professora, Monira se tornou líder estudantil e militou nas ruas. Ela e seus amigos foram atacados. Muitos foram
espancados e machucados. “Cheguei à conclusão de que temos que mudar a sociedade, mas que nós não podemos trazer a mudança através da violência. A única forma de encontrar soluções é discutir os problemas juntos”. Durante um período de fome devido à passagem de um ciclone que causou uma grande inundação, Monira e outros alunos cozinhavam para as vítimas. Monira viu coisas horríveis. Por isso, assim que se formou na universidade, ela começou a trabalhar como assistente social em uma organização que ajudava mulheres e crianças desabrigadas. Naquela época, as mulheres e crianças que viviam nas ruas costumavam ser presas e trancafiadas em condições desumanas.
da, e me peguei observando um grupo de crianças do lado de fora. Eu pensei que eles estavam brincando, e que tinham jogado uma bola pela janela que estava aberta, mas não era uma bola – era um papel enrolado. Peguei o papel e li: ‘Vá até o banheiro dos meninos’. A porta estava trancada, mas dei um jeito de abrir. Dentro da sala, havia um garoto de 5 ou 6 anos deitado no chão. Ele estava amarrado, tinha febre alta e uma de suas pernas estava
Garoto abusado
“Certa vez, fui visitar um orfanato bem longe, na zona rural. Me apresentaram o lugar e não conseguia ver nada de errado. Mais tarde, eu estava no escritório senta-
Até mesmo o governo de Bangladesh ouve Monira e a ASF.
quebrada. Os funcionários tinham abusado dele e quebrado a sua perna porque ele tinha urinado na roupa. Naquele momento, foi bom ser capaz de intervir”. Durante um bom tempo, Monira trabalhou com mulheres e garotas desabrigadas que foram trancafiadas. “Elas moravam num grande e precário prédio vermelho. Ficavam presas em grandes salas, e muitas dessas salas não tinham janelas. Podia haver mais de cem pessoas na mesma sala. No primeiro dia, notei uma mulher que estava deitada com as mãos e os pés encolhidos, amarrados. Eu soltei a corda. Então, fui chamada no escritório do diretor, que gritou comigo. Eu respondi simplesmente que ele não podia tratar as pessoas daquela maneira. Ele não disse nada, mas acho que concordou comigo, pois não fui punida. “Essas garotas viviam com medo. Todas as noites, os funcionários pegavam algumas delas e as estupravam. Muitas 89
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Monira brinca com Sweety, encorajando-a para a cirurgia plástica que irá fazer.
já nem sabiam seus nomes e de onde tinham vindo. Não tinham nenhum documento. Eu comecei a descobrir quem era quem e a procurar suas famílias. Uma mulher ficou trancada por 21 anos. Eu a ajudei a voltar a falar, e encontrei sua família. Eu a vi voltar para casa. Foi uma cena maravilhosa! E eu a vi deixar aquele prédio vermelho e ir para casa, com sua família. “Durante aqueles anos, aprendi que não se pode ter medo de enfrentar nenhuma situação difícil, e que primeiro é preciso encontrar forças em si mesmo, antes de apoiar aos outros”.
Primeira vítima de ácido
Há treze anos, ela encontrou duas garotas que sobreviveram a ataques de ácido. “Homens jogaram ácido para destruir a beleza delas para sempre. Eu nem sabia que aquele tipo de coisa acontecia no meu país. Ninguém falava ou escrevia sobre isso. Só uma vez eu li um pequeno artigo sobre um ataque com ácido. Agora, tinha uma menina de 17 anos na minha frente, com o rosto totalmente deformado por causa do ácido. Toda a sua face parecia ter derretido e um de seus olhos estava destruído. Fiquei chocada. Quando uma das
garotas começou a falar, percebi sua força. Ela falava, ria e sorria – ela estava viva, mesmo depois das terríveis marcas. Ao invés de ver um rosto desfigurado, comecei a ver uma menina, um ser humano. “Mas, à noite, tive pesadelos. Eu sonhei que jogavam ácido, eu via carne viva, ossos, rostos desfigurados, ouvia gritos. Toda vez que acordava eu pensava: como pode acontecer algo desse tipo no meu país? E como essas garotas conseguem ser fortes o bastante para se mostrarem e contarem porque foram atacadas?”
Eu desmaiei
“A mídia não se importava com essas duas garotas. Mas elas despertaram o meu interesse. Eu queria saber mais sobre este assunto. Então comecei a ir a hospitais e descobri que as alas de queimaduras estavam cheias de vítimas de ataques com ácido. Todos os dias, novos pacientes chegavam. Havia crianças, garotas, mulheres, garotos e homens, mas a grande maioria era de meninas. Todos choravam, não havia leitos suficientes para todos e também não havia médicos. As condições eram péssimas. Desmaiei duas vezes. “Recordo-me da segunda vez que desmaiei. Uma garota chegou com mais de cinquenta por cento do seu corpo queimado. Suas costas eram uma grande ferida aberta. Lembro-me de pensar que não havia como ela sobreviver. Nós a levamos para um hospital particular. Mas as A operação acabou e Monira parabeniza Sweety – foi um sucesso!
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Crianças afetadas pelos ataques de gasolina na ASF, convivendo e pintando juntas.
ma de extravasarmos nossos sentimentos. Nós conversávamos sobre nossas experiências e nos sentíamos melhores e mais fortes. Hoje, temos psicólogos na ASF. Eles ajudam os sobreviventes, e também a equipe que trabalha com eles”. Monira também tinha medo de ser atacada. Nos primeiros anos, ela carregava uma garrafa de água consigo. Ela aprendeu com o cirurgião que a melhor coisa a se fazer depois de um ataque era derramar água sobre o ferimento. Agora, a maioria das pessoas em Bangladesh sabem que devem jogar vários baldes de água sobre a vítima. Isso pode reduzir o dano. E todos sabem que se uma vítima chegar ao hospital da ASF em 48 horas, ela tem grande chance de sobreviver e o estrago pode ser limitado. Agora as pessoas sabem
condições lá também eram ruins. O cheiro era a pior coisa, e aquela ferida estava cheia de pus. Eu desmaiei. Uma enfermeira me levou para uma sala. Quando estava me sentindo melhor, eu voltei. A garota sobreviveu. E eu nunca mais desmaiei”. Fundada a ASF
mado John Morrison. Eles decidiram fundar uma organização para ajudar os sobreviventes. Eles chamaram a organização de ASF, the Acid Survivors Foundation (Fundação dos Sobreviventes do Ácido). Hoje, Monira é diretora da ASF. “Fundamos a organização em 1999, onze anos atrás. Não tínhamos um centavo. Mas sabíamos que precisávamos fazer aquilo. Naquela época, havia um ataque com ácido por dia. Esse número caiu pela metade – e agora, há um ataque a cada dois dias, em média. Mas nosso objetivo é zerar esse número, para que nenhuma criança, garota, mulher ou homem jamais sejam atacados novamente. Nós também começamos a cuidar daqueles que foram feridos com gasolina, jogada sobre as vítimas e ateada com fogo”.
Até então, Monira havia percebido que os ataques eram comuns. O motivo era quase sempre ciúme. Quando uma garota se recusava a se casar com um homem, ele jogava ácido nela como punição. E havia ácido por toda parte – era usado na indústria têxtil, na indústria de joias, em baterias de carros, em todo lugar. Todos os dias, alguém era atacado com ácido. A maioria eram garotas menores de 18 anos. Mas homens e mulheres mais velhos também eram atacados. Geralmente, os ataques aos homens eram motiva- Medo de ser atacada dos por disputas de terra. As coisas eram difíceis no Monira percebeu que tinha que começo. fazer alguma coisa. Mas o quê? Monira conheceu um cirur- Monira tranquiliza uma gião plástico canadense, cha- mulher depois da operação.
“Demorou um ano até que eu conseguisse olhar para as vítimas sem me arrepiar ou chorar. Eu precisava superar aquilo para conseguir dar força às vítimas. Claro, é muito difícil para os sobreviventes. Ser atacado por ácido ou gasolina é uma experiência emocional traumatizante. De um dia para o outro, sua vida muda completamente. Ninguém mais te reconhece. Você nem ousa se olhar no espelho. Também era complicado para nós, que trabalhávamos com as vítimas. No início, costumávamos ir para o escritório e lamentar uns com os outros. Era uma for-
“Eu nunca fui atacada, e hoje parei de carregar a garrafinha de água comigo. Hoje as pessoas conhecem esse tipo de violência. Temos centenas de sobreviventes que se tornaram ativistas. Eles protestam. Conversam com políticos. Eles cobram penas para aqueles que cometem os ataques. Eles encontram vítimas e explicam que, mesmo que suas feridas sejam antigas, a ASF pode ajudá-las. Ministram palestras para milhares de homens sobre violência contra a mulher, no Dia Internacional da Mulher. Nós conseguimos também criar nosso primeiro Centro,
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com uma clínica cirúrgica. Oferecemos tratamento gratuito. Já enviamos várias vítimas para se tratarem em outros países. Alguns já receberam um novo nariz e até a maior parte da face. Temos advogados que tentam nos ajudar a condenar os culpados. Temos uma equipe com 80 colaboradores, 20 deles são sobreviventes de ataques”. A ASF conseguiu que o governo fizesse várias alterações na legislação. A organização também convida celebridades para eventos de gala e ajudou a escrever o roteiro de um filme sobre uma garota em idade escolar que foi atacada com ácido. A recompensa: um sorriso
Monira não gosta de receber todos os louros pelo sucesso de seu trabalho. Ela tem convicção de que os créditos devem ser dados aos sobreviventes, que conquistam tudo. “Aqueles de nós que trabalham com sobreviventes, tentamos ensiná-los a serem fortes. Tentamos encorajá-los a
não se esconderem, mas terem coragem de sair e mostrar o dano causado. Tentamos mostrar que eles são importantes, que eles podem estudar, se casar, ter filhos. Para mim, a melhor coisa é ver um deles voltar a sorrir. Aquela garota de 17 anos, que primeiro me sensibilizou para lutar pela causa, hoje mora nos EUA. Em breve, ela se formará enfermeira”. “O que me traz mais alegria é encontrar com essas pessoas que tiveram suas vidas transformadas. Eu me lembro da pequena Bubly. Ela tinha sete meses, e ninguém imaginou que ela sobreviveria. Seu pai jogou ácido na sua boca, pois queria ter tido um menino. Ela já passou por várias cirurgias e hoje ela está com dez anos, todos aqui a adoram. Muitos sobreviventes hoje estão estudando. A ASF paga por sua educação pelo tempo que eles quiserem estudar”. Casada, apesar de tudo
Monira conta sua história em seu pequeno escritório. Daqui
a pouco, ela irá para uma reunião com uma organização internacional, para tentar conseguir fundos para a ASF. Ela tenta constantemente conseguir dinheiro, para que a ASF possa continuar seu trabalho. “Quando volto de uma reunião, eu vou ver alguma criança que está machucada. Algumas foram trazidas para serem operadas e outras só para obter apoio. Tentamos pintar juntos uma vez por semana. Depois disso, passo pelas alas e converso com as pessoas que acabaram de ser operadas. Então vou para casa, com minha família”. Quando ela era pequena, Monira decidiu que nunca se casaria. “Mas então conheci um homem que era como eu. Ele também tinha decidido que não se casaria. Ele era operador de câmera na TV, e dedicava sua vida a realizar reportagens sobre os problemas sociais e tentar fazer a diferença. Ele coloca muita energia no seu trabalho. Somos
“A maior recompensa é ver alguém voltar a sorrir”, diz Monira.
muito parecidos. Nós nos apaixonamos e nos casamos. Hoje moramos em um pequeno apartamento. Temos dois meninos, um de 8 e o outro de 12 anos. Geralmente, eles vêm trabalhar comigo. Meus filhos não enxergam cicatrizes, feridas, mas sim amigos. Eles geralmente celebram seus aniversários aqui”.
Quando Monira e a ASF iniciaram seus trabalhos, a média de ataques era de um por dia. Como resultado das manifestações da ASF e da conscientização, o índice caiu pela metade.
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Sweety quer ser detetive
Sweety, uma garota de 14 anos, se trancou por um ano na casa da sua irmã. Ela nunca saia, só ficava sentada em um canto chorando. Ela sempre usava um lenço em volta do seu rosto. “Nunca tive coragem de mostrar meu rosto”. Quando descobriu que a ASF, a organização de Monira, podia ajudá-la a fazer uma cirurgia plástica, Sweety voltou a sentir interesse pela vida. Ela quer se tornar detetive e colocar atrás das grades todos os homens que machucaram a ela e a outras garotas.
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te apaixonada por mim e iremos nos casar”. Ele dizia inclusive a data do casamento! “Quando seu pai, meu tio, veio à nossa casa para conversar sobre o casamento, expliquei que, na verdade, eu não amava seu filho. E que, na realidade, ele estava me perturbando com aquela história”. “Mas aí meu primo começou a dizer por aí que ele tomaria veneno se eu não me casasse com ele”.
“Eu tentei conversar com calma com o pai dele – ele é policial. Mas então ele disse: ‘Se meu fi lho tirar a própria vida por sua causa, você trará vergonha sobre nossa família. Você deve casar com ele’”.
me casar com ele. Depois do casamento, meu marido disse: ‘Me casei com você para te punir. De agora em diante, você viverá no inferno’”. A vida de Sweety realmente se tornou insuportável. Ela Vivendo no inferno parou de ir à escola. Foi abuO pai de Sweety morava lon- sada. Depois de algum temge. Sweety e sua mãe foram po, ela se mudou com o mariobrigadas a aceitar aquilo. do para outra cidade, onde “Eu sabia que ele não era ambos conseguiram um bom – ele bebia e fumava emprego na indústria têxtil. maconha – mas fui obrigada a “Nós trabalhávamos em
TEXTO: MONICA Z AK FOTOS: KIM NAYLOR
oi isso que aconteceu: Sweety morava em um vilarejo. Ela sempre foi feliz, ria bastante e adorava dançar. Ela se saía bem na escola. “Um dia, quando eu tinha treze anos, um primo de 17 anos me abordou no caminho da escola. Ele disse: ‘Eu te amo. Quero me casar com você’. Eu respondi: ‘Primeiro, eu não quero me casar porque sou muito nova. Segundo, não sinto nada por você. Nós brincamos juntos, e sinto como se fosse sua irmã mais nova. De qualquer forma, primos não devem se casar’”. Sweety pensou que seu primo esqueceria o ocorrido e a deixaria em paz. Mas ele começou a espalhar no vilarejo: “Sweety está perdidamen-
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Sweety aguarda a cirurgia que fará com que sua boca não fique aberta.
Sweety será anestesiada antes da operação.
departamentos diferentes. Eu descobri por outra garota que ele estava tendo um caso com uma menina do seu departamento. Naquela noite, perguntei se aquilo era verdade. Ele sacou uma faca, cortou meu braço, jogou sal no corte e disse: ‘Se você gritar eu te mato’. Eu não gritei, apenas chorava baixo. Alá me deu força”. Ameaçada com estrangulamento
Outro dia, o marido de Sweety lhe pediu dinheiro para levar sua nova namorada
ao cinema. Sweety se recusou a dar, então ele tentou enforcá-la com uma corda. Quando o proprietário do imóvel chegou correndo, o marido disse: ‘Não é nada, apenas um problema de família’. “Ele tinha uma tara por me bater. Numa outra ocasião, ele queria dinheiro para levar sua namorada a um restaurante chinês. Eu recusei, mas ele pegou o dinheiro da minha bolsa e saiu. Eu sabia a qual restaurante ele tinha ido. Então, fui até lá e disse: ‘Eu me recuso a passar por isso. Estou te deixando. Estou vol-
Nervosa, aguardando a cirurgia.
Em breve a cirurgia terá início.
tando para casa da minha mãe’. Ele respondeu dizendo que poderia ter quantas namoradas quisesse. Ele teria mais cinco namoradas e que ficaria com elas na minha frente”. Fogo ateado
“Ao voltar para casa, naquela noite, ele me amarrou e começou a me bater com uma vara. Acho que desmaiei. De repente acordei – eu estava pegando fogo. Meu cabelo, minha pele, minha roupa, estava tudo pegando fogo. Ele jogou gasolina em mim.
Felizmente, o dono da casa viu a fumaça e veio correndo. Por sorte, havia um balde com água perto da porta e ele jogou sobre mim”. Sweety sobreviveu e foi levada ao hospital. Ela teve que pagar pelas injeções e pelo tratamento. Seu pai vendeu suas terras para custear o tratamento médico. “Foi um período horrível. Os médicos pareciam açougueiros. Estava convencida de que eles queriam me matar”. Ela se trancafiou
Três meses depois, Sweety vol-
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Sweety está sedada, e é hora de começar a cirurgia.
tou para casa. Sua boca não fechava e era difícil para ela falar. Ela mal conseguia mexer a cabeça, e havia cicatrizes horríveis por todo o seu corpo. “Eu só me sentava e chorava. Não saía. Porém, depois de um ano, minha irmã me disse: ‘Você é um peso. Precisa tentar ganhar dinheiro e ajudar nossa mãe e nosso irmão menor’. Então fui obrigada a sair. Era difícil ver como as pessoas viravam o rosto quando viam o meu”. Sweety aprendeu a bordar. Alguns trabalhos como professora apareceram, mas ela
não conseguiu. “Eu era muito feia. A única coisa que consegui foi ministrar algumas aulas particulares para alunos do ensino fundamental em casa. Eu os ensinava a dançar também. Então voltei para a escola. Também comecei a cuidar de uma pequena biblioteca. Comecei a ler livros, principalmente com histórias de detetives”. Um dia, a irmã de Sweety conheceu uma mulher que fazia parte da ASF e que havia sido atacada com ácido. Ela falou com a mulher sobre a
sua irmã, Sweety. “Foi uma coincidência”, explica Sweety, radiante. “Aquela mulher me encontrou e falou sobre a ASF. Nunca tinha ouvido falar da ASF. Ela me disse que se fosse ao Centro da ASF em Daca, eu encontraria cirurgiões plásticos qualificados que me operariam”. Medo da operação
Sweety estava muito nervosa durante a viagem à capital para ir até a ASF. Ela tinha medo dos hospitais e médicos. Os médicos a haviam tra-
tado muito mal depois do ataque. Mas Monira e o resto de sua equipe conversaram bastante com ela e a acalmaram. ‘Todo o tratamento é gratuito aqui na ASF, você tomará um sedativo. Nossos cirurgiões brilhantes irão operar sua boca, para que não fique aberta. E, se tudo correr bem, você voltará a movimentar o pescoço’. “Encontrei tantas outras pessoas que haviam sido atacadas com ácido ou gasolina, e foram operadas e que agora tinham uma vida normal. Elas me encorajaram. 95
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Os médicos retiram tecidos de sua coxa e enxertam no rosto.
Por vários dias após a operação, ela tem curativos em toda a sua cabeça.
Sweety está muito curiosa e nervosa, quando os médicos começam a retirar os curativos. O que a espera por baixo?
Também conheci crianças que haviam se ferido. Eu dancei com elas. Rimos muito. Mas, por dentro, eu estava muito nervosa. Estava com medo da cirurgia”. O sorriso de Sweety
Alguns dias depois, Sweety passou pela cirurgia. Os médicos disseram que tudo tinha corrido bem. Eles pegaram tecido da sua coxa e colocaram na face. Ela ficou coberta com ataduras por vários dias. Então, os médicos e sua equipe de enfermei-
ros a rodearam e começaram a retirar os curativos. Eles seguravam um espelho. Sweety mira o espelho. Sua boca não está mais aberta! Ela consegue falar facilmente! Devagar, ela move sua cabeça – sem nenhuma dificuldade. Então, Sweety sorri! E o sorriso de Sweety contagia todos à sua volta. Sweety diz: “Eu só quero chorar. Quero chorar porque estou muito feliz”.
As enfermeiras retiram o último curativo. Sweety ainda não sabe como foi a cirurgia…
Quer ser detetive
Sweety denunciou seu exmarido à polícia por seu terrível crime contra ela. Há um mandado de prisão expedido contra ele. Mas nada aconteceu. Vira e mexe, ele aparece no vilarejo para visitar, mas nunca é pego. Sweety acredita que ele subornou a polícia. Sweety também sabe que ele mora em algum lugar ao sul e tem uma nova esposa. “Mas agora eu sei exatamente o que fazer. Vou realizar uma nova cirurgia, e meu rosto ficará melhor. E, com a ajuda da ASF, eu vou estudar.
Vou me tornar detetive. Serei uma detetive que localiza os homens que fogem para não serem presos, e então eles serão condenados. Vou fundar a Agência de Detetives Sweety’”.
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Sweety mal consegue acreditar em seus olhos. Sua boca não está mais aberta. Vem o sorriso! Ela está tão feliz!
Monira sonha com um grande hospital para sobreviventes
ar o r n i um a o s t e e a u m er liz ara Vo ive. S loca m p tão ue ge e n . tet de tive q ue fo os, e ados q es n te ia de ens m pr onde ênc ’”. m g y c e h o s e r r ão r a A e et w e o a nã l e s s f und e s S e ou etiv V D et de
“O ácido também é usado como arma em outros países”, diz Monira. “No Paquistão, Uganda, Índia, Cambódia… mas agora a ASF tem organizações associadas em outros países também. Meu sonho é construir um hospital enorme e moderno em Bangladesh. Poderíamos receber sobreviventes de outros países também, e ministrar vários tipos de cursos. Temos muito que aprender uns com os outros. Todos temos o mesmo objetivo – acabar com o uso de ácido e gasolina como armas”. 97
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Um dia na vida de B Bubly, 10 anos, passou bastante tempo no hospital da ASF. Seu pai queria um menino e quando viu que o bebê era menina, ele tentou matá-la jogando ácido em sua boca e nos seus pés.
7h05 Sozinha com o ursinho Minha mãe foi trabalhar. Eu abraço meu ursinho favorito, assim não me sinto sozinha. Ele me faz feliz.
Quando aquilo aconteceu, a mãe de Bubly, que tinha apenas 16 anos na época, a levou ao hospital. Ela estava gravemente ferida – seus dentes, boca, garganta e língua estavam destruídos. Desde então, Bubly tem sido cuidada pela ASF e já passou por várias cirurgias. Agora ela consegue comer, falar e frequentar uma escola regular. Ela mora com a mãe. Uma vez por semana, ela visita o Centro da ASF para encontrar outras crianças que também foram feridas com ácido.
7h30 Não posso sair
8h00 Meu vestido favorito Quando não tenho o que fazer, fico experimentando roupas. Este é o meu vestido favorito.
Meu pai quer que eu vá morar com ele. Eu não quero. Ele tem uma nova família. Ele acha que, se eu for morar com ele, ele não precisará enfrentar a justiça e ir para a cadeia. Quando me recusei, ele disse que me sequestraria. Então eu não posso sair se minha mãe não estiver comigo. Eu posso ver as crianças brincando do lado de fora, mas não tenho permissão para ficar com elas.
9h30 Para a escola Para garantir que eu não seja sequestrada, sempre vou para a escola junto com minha vizinha e sua filha.
15h00 Hora da lição de casa De volta para casa. Primeiro eu faço a lição de casa. Eu adoro inglês!
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e Bubly 16h00 Um abraço da mamãe! Finalmente, minha mãe chega em casa.
16h30 Hora de se divertir Minha amiga Sadi e eu brincamos com bichos de pelúcia, bonecas Barbie e também jogos de tabuleiro.
18h00 Hora de dançar Mamãe me ensina novos passos também.
17h00 Música com mamãe Depois do jantar, minha mãe me ensina novas músicas e como tocar acordeão.
18h30 Por favor, mamãe... Não posso sair e brincar com as outras crianças? Não sozinha, diz mamãe.
18h35 Uhuuu! Mamãe sai comigo.
Eu engatinho por baixo do mosquiteiro para dormir. “Boa noite, mamãe. Agora eu sei o que vou ser”, eu digo. “O quê?”, pergunta mamãe. “Cirurgiã plástica”. “Boa ideia. Boa noite, Bubly”. 99
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TEXTo: MoNICA Z AK FoTos: KIM NAYLoR
19h30 Boa noite!
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Neela queria ser atriz O rosto e o corpo de Neela estão cobertos por cicatrizes horríveis. Há alguns anos, ela era uma linda menina de 15 anos, que frequentava a escola, e foi obrigada a se casar com um homem 20 anos mais velho. Quando lhe perguntam se ela quer realizar outras intervenções cirúrgicas, Neela sacode a cabeça. “Já me acostumei com minhas cicatrizes, e é esta a aparência que quero ter no futuro”, ela diz. Hoje, Neela dedica muito tempo lutando pelas vítimas de violência com ácido. Ela quer ajudar Monira e a ASF, depois de todo o apoio que ela já recebeu.
E
“
u sempre quis ser atriz”, diz Neela. “Cresci em Daca, a capital. Frequentei uma escola padrão, mas meu pai também me matriculou em uma escola de artes, que eu frequentava na parte da tarde. Eu estudava, cantava, dançava e atuava lá. Eu adorava estar nos palcos, sentindo a conexão com o público. Eu tinha tomado uma decisão – queria ser atriz e trabalhar no teatro, representando personagens com sérios problemas e sentimentos fortes”.
TEXTo: MoNICA Z AK FoTos: KIM NAYLoR
Forçada a se casar
Fotos antigas de Neela mostram uma jovem garota que tem o glamour de uma estrela de cinema. Um homem que trabalhava no exterior voltou ao seu país para arrumar uma esposa e, por acaso, viu uma dessas fotos. “Meu tio me disse que um homem havia visto uma foto minha, e que aquilo tinha sido suficiente. Ele queria se casar comigo, e mais ninguém serviria. Eu tinha 15 anos, e definitivamente não queria me casar. Eu disse não. Meus pais me apoiaram. Mas meu tio e outras pessoas da
família tentaram convencer a mim e a meus pais. Sim, ele tinha 35 anos, se chamava Akbar, tinha dinheiro e trabalhava no exterior. Acabei concordando em me encontrar com ele. Não gostei, nem um pouco sequer. Eu tinha certeza de que não queria me casar com ele. A única coisa que eu queria era continuar meus estudos e me tornar atriz. “Depois de me encontrar com o homem, fui me deitar. Na manhã seguinte, meu pai disse que ele havia concordado com o casamento e assinado os papéis. Seu irmão mais velho e alguns parentes o pressionaram. O casamento aconteceria imediatamente. Depois, Akbar voltaria para o exterior, e eu poderia ficar lá e continuar meus estudos. Ele prometeu que eu poderia continuar morando na casa de meus pais. Akbar disse, ‘Você pode fazer o que quiser, desde que esteja casada. Você pode continuar a frequentar a escola, eu gosto de garotas modernas’”. Vida aos pedaços
“Nada aconteceu como ele havia prometido. Minha vida
havia se despedaçado. Ele não me deixou ficar com minha família – me obrigou a ir para o vilarejo onde seus pais moravam. Na noite do casamento, eu estava apavorada. Fui levada a um quarto com uma cama. Chorei sem parar. Ele tentou abusar de mim. Mas eu só chorava e chorava. No final, ele desistiu. “No dia seguinte, ele partiu para seu trabalho em outro país, mas eu devia permanecer com seus pais. Eles tinham uma fazenda.
Trancaram-me dentro de casa e não me deixavam ir à escola. Pelo contrário, eu tinha que ajudar com os afazeres da fazenda. Minha sogra achava defeitos em mim o tempo todo. Eu não sabia cozinhar, fazia tudo errado, não conseguia cuidar dos animais nem da colheita. Afinal de contas, eu só tinha frequentado a escola e aprendido sobre dança, música e teatro. E agora era obrigada a saber tudo sobre fazendas! “Meu pai pagou algum
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riz “Eu queria ser atriz – eu adorava estar nos palcos. No início, recusava a me olhar no espelho, logo depois da minha primeira cirurgia. Mas você me encorajou a olhar, e eu não desmaiei”, diz Neela para Monira.
dinheiro à família para que eles fossem generosos comigo. Mas isso não ajudou. Depois de alguns meses, o dia que eu estava temendo chegou – meu marido voltou. Ainda não tínhamos nos relacionado sexualmente, e ele tentou novamente. Eu tinha muito medo dele, mas também estava brava. Eu disse a ele que havia sido enganada. ‘Você disse que eu poderia ficar em casa e continuar meus estudos’. Ele me bateu e eu gritei. As pessoas do lado
de fora perguntaram o que estava acontecendo, mas ele gritou: ‘Está tudo bem’”. Copo de ácido
“Depois de algum tempo, ele saiu. Me deitei na cama, tremendo, mas finalmente consegui dormir. De repente, acordei com ele parado na porta com um copo de vidro na mão. Ele disse que tinha trazido um copo com água, caso eu estivesse com sede. Percebi que ele estava nervoso, mas não tinha ideia do que ele
planejava. Não havia água no copo – era ácido. Ele veio até a cama e jogou o ácido no meu rosto. A dor era terrível. Eu me lembro de ouvir uma voz gritando: ‘Este é o seu castigo’. “Eu gritava: ‘Mãe! Pai! Me ajudem!’ Os vizinhos vieram correndo e me levaram para o hospital. Um parente me levou do hospital para a ASF. Eu tive sorte – cheguei lá em menos de 48 horas. A clínica tem um serviço disponível 24 horas, então fui operada imediatamente”.
Neela se recusava a olhar no espelho depois disso. A garota que atraía tantos olhares por sua beleza sabia que agora seu rosto estava preto e desfigurado. Ela ouviu que muitas vítimas desmaiam após se verem pela primeira vez depois de um ataque com ácido. “Finalmente, reuni coragem. Monira e outras pessoas com cicatrizes conversaram comigo. Eles me encorajaram a olhar. Eu não desmaiei”.
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Monira está vindo! É um grande dia para Neela. Monira vai visitá-la. Depois de dirigir por muitas horas, ela chega. E recebe um abraço de boas-vindas.
A visita de Monira
Hoje é um grande dia. A família acaba de se mudar para uma casa nova na cidade de Sirajganj, onde o pai de Neela trabalha como policial. A grande notícia é que Monira está indo visitá-los. Ela dirigiu muitas horas até chegar lá. Neela a encontra com um grande sorriso. Elas se abraçam e caminham de mãos dadas pela calçada. Quando chegam em casa, elas se deitam na cama e conversam durante horas.
“Eu me lembro quando você veio até nós”, diz Monira, abraçando Neela. “Você estava em péssimo estado. Sua pele havia sido queimada pelo ácido, estava escura e parecia couro. Nós transplantamos tecidos de outras partes do seu corpo imediatamente, mas, para ser sincera, não pensei que você sobreviveria”. “Um mês depois, entrei em nossa unidade de fisioterapia. Vi uma garota coberta por curativos, mas ela estava de
pé, se exercitando. Eu perguntei: ‘Quem é essa?’ e, quando ouvi alguém dizer que era Neela, eu me senti nas nuvens. Foi um milagre você ter sobrevivido. Depois de três meses e várias cirurgias, você finalmente estava pronta para ir para casa”. “Ainda podemos trabalhar no seu rosto”, diz Monira. “Posso conseguir outra cirurgia para você”. Neela sacode a cabeça. “Você não precisa fazer isso. Não estou interessada em mais cirurgias plásticas. Já me acostumei com as cicatrizes, e é esta aparência que quero ter no futuro”.
Ex-marido na cadeia
Com ajuda de seu pai e da ASF, Neela levou seu ex-marido à justiça. Agora ele está na prisão. “Não preciso ter mais medo dele. E agora tenho coragem de mostrar meu rosto sem vergonha. Tenho coragem de falar em grupos, e faço isso bastante. Sou uma verdadeira ativista da causa contra a violência. Eu lidero manifestações. Acompanho as decisões e cobro justiça. Visito escolas e me certifico de que nenhum daqueles alunos jamais irá jogar ácido em alguém. Isso é importante. Aqui na minha cidade, somos 160 ativistas, e todos somos vítimas de ata-
Quando Monira diz que pode conseguir uma nova cirurgia para Neela, caso ela queira, Neela sacode a cabeça. “Agora estou acostumada com minhas cicatrizes, e é assim que quero ser vista no futuro”.
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Quando suas amigas vêm visitá-la, Neela mostra o sari que usou em seu casamento. Ela até faz piada sobre seu terrível casamento.
ques com ácido ou gasolina. Fazemos barulho e protestamos. Nós nos ajudamos. Temos contatos e nos mantemos informados sobre novas vítimas. Se acontece, nos mobilizamos para ajudar. Hoje, a maioria das pessoas em Bangladesh sabe que se alguém tiver ácido na pele, deve-se jogar vários baldes de água sobre a vítima. Às vezes encontramos pessoas com ferimentos antigos. Na semana passada encontramos duas. Nós dissemos que elas
obteriam ajuda gratuita na ASF, e que nós conseguiríamos transporte até o hospital”. Neela voltou para a escola. “Você pode obter um auxílio financeiro da ASF pelo período que quiser estudar”, diz Monira. “Se quiser ir para a universidade, nós pagaremos por isso também”. Rindo novamente
Neela tem várias amigas. Elas fazem lição juntas, ouvem música pop no rádio e dan-
çam juntas em seu quarto. Hoje, Luna, Rita e Putui vieram para conhecer a nova casa. Neela ri bastante e conta piadas. Ela até faz piada sobre seu desastroso casamento. Ela traz o sari que usou no casamento para mostrar a suas amigas. “Não consigo entender como você pode ser tão feliz e ter tanta confiança para conhecer pessoas novas”, diz uma delas. “Mas eu não mudei. Tenho minhas cicatrizes; elas nunca me deixarão. Mas, por dentro, continuo a mesma Neela que sempre fui”.
Neela perdoou seus pais por terem arranjado o casamento, e seu pai ajudou a colocar seu ex-marido na cadeia. “Meus pais foram enganados”, diz Neela.
Pais perdoados
Uma de suas amigas pergunta se ela ainda está brava com seus pais. Afinal de contas, foram eles que a obrigaram a se casar com aquele homem terrível. “Não, eu consigo entender o que houve. Eles foram enganados. Eles não imaginavam que algo ruim poderia ocorrer. Eu os perdoei”. O pai de Neela aparece e diz que é ótimo que ela esteja estudando. Ele afirma que ela é muito inteligente e lógica. “Acho que ela seria uma ótima advogada”, ele diz. “Porém, estou mais interessada em estudar administração na universidade. Quero trabalhar em um banco”. “Você é quem sabe”, diz seu pai, rindo. “Nunca faremos nada contra a sua vontade. Eu e sua mãe nos orgulhamos de você”. 103
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“Bons mulçumanos não jogam ácido” Quando a irmã de Mohammed, Asma, se recusou a casar com o filho de uma das famílias mais poderosas do vilarejo, ele se vingou jogando ácido nela. “Conseguimos colocá-lo na cadeia para sempre, mas sua família vive nos perseguindo. Pessoalmente, quero ensinar às pessoas que nossa religião é totalmente contra a violência. Bons mulçumanos não jogam ácido”, diz Mohammed. “Quando eu era pequeno,
tínhamos uma fazenda”, diz Mohammed, 14 anos. “Nós tínhamos uma vida confortável. Mas o filho de uma das mais ricas e poderosas famílias do vilarejo queria se casar com a minha irmã Asma. Ela não quis. Ele disse que se ela não se casasse com ele, algo terrível lhe aconteceria. Ela continuou recusando. Certo dia pela manhã, meu pai saiu para suas orações matinais e deixou a porta aberta, o rapaz entrou e jogou ácido na minha irmã, Asma”. “Caiu um pouco em mim também, e acordei com os gritos de dor da minha irmã. Meu irmão mais velho acendeu uma tocha e viu quem jogou o ácido. Ele e meu pai levaram minha irmã Asma ao hospital – ela perdeu a visão de um dos olhos, mas sobreviveu”. Prisão perpétua
“Minha família denunciou a pessoa que tinha jogado ácido para a polícia. Tivemos que vender nossa propriedade para conseguir colocá-lo na cadeia. Agora estamos pobres, mas ele foi condenado à prisão perpétua. Então a família dele, que é rica e poderosa, começou a nos perseguir. Meu pai arrenda terra de outras pessoas. Na época da colheita, a família leva
suas vacas à nossa plantação, para destruí-la. Eles ameaçam atingir nosso ponto mais fraco se não formos ao tribunal dizer que mentimos, o que encerraria o caso”. “Eu tinha sete anos quando Asma foi atacada e a saga da minha família começou. Hoje tenho 14 anos. Sintome pequeno e assustado. A única coisa que me traz segurança é saber que Alá está comigo. Ele é forte. Estou no primeiro ano da escola Qur’an. Quero ser professor de educação religiosa ou líder espiritual. Ensinarei às pessoas que nossa religião é contra todo tipo de violência. Bons mulçumanos não jogam ácido”. Casada e feliz
A irmã de Mohammed, Asma, é hoje casada com o homem que ela ama. Eles tiveram uma pequena menina, e Asma trabalha no Centro da ASF, na capital. Nos feriados, seu irmão Mohammed a visita em Daca. “Posso relaxar e me sentir seguro lá”, diz Mohammed.
Mohammed e sua irmã Asma.
: p o P lo “Homens de o d Í ,o i m Ru Há cinco anos, ele estava no Ídolo Pop, na TV. Desde então, todos em Bangladesh sabem quem é o “Ídolo Pop Rumi”. Ele é o cantor mais popular do país e também protesta contra aqueles que jogam ácido. “Homens de verdade não jogam ácido”, diz Rumi.
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“Me chamavam de cara de macaco” Quando Mamun era recém-nascido, um parente jogou ácido nele. Ao ingressar na escola, ele era importunado pelos colegas, que o apelidaram de cara de macaco. Ele acaba de se submeter à décima cirurgia, e ninguém mais o chama de cara de macaco. “Minha valente mãe pôs um
fim aos constrangimentos na escola e no vilarejo”, diz Mamun, 9 anos. “Todas as crianças me importunavam. Quando entrei na escola, eles me rodeavam e gritavam ‘cara de macaco’ e ‘macaco marrom’. Eu ia pra casa chorando e não queria voltar à escola. Então minha mãe foi até lá. Ela conversou com os professores e com as outras crianças. Aquilo me deu coragem para voltar à escola e a chateação terminou. Hoje, ninguém mais me chama de ‘cara de macaco’ ou de ‘macaco marrom’”.
Foi isso que aconteceu: a família de Mamun era pobre. Um parente lhes deu um pedaço de terra para que pudessem plantar. Um dia, o parente pediu a terra de volta. O pai de Mamun se recusou a devolver. Naquela noite, o parente voltou e jogou ácido em Mamun, que era bebê, e nos seus pais. “Uma dor horrível me fez acordar”, diz sua mãe, Mageda. Quando olhei para meu pequeno bebê, vi as terríveis queimaduras. Eu o peguei e corri para o médico do vilarejo. Ele conhecia a ASF e sabia que se as vítimas
A mãe de Mamun coloca um fim aos constrangimentos na escola; ela também foi atingida pelo ácido nos braços.
chegassem ao hospital em 48 horas, poderiam ser salvas e os danos limitados. Meu menino estava terrivelmente queimado – a maior parte do ácido havia atingido a ele, mais do que a mim ou meu marido. Pensamos que o bebê morreria. Seu rosto estava completamente desfigurado.
ns de verdade não jogam ácido!” Rumi participa de manifesta-
no exterior, antes de voltar para casa. Dois anos mais tarde, ele reparou em uma garota. Uma parte do seu rosto era linda e a outra estava totalmente destruída por ácido. “Ele se apaixonou profundamente. Hoje eles formam um casal feliz. Desde então, criei uma empatia pelas vítimas de violência com ácido. Eu sinto isso na minha alma, e quero lutar contra isso pelo resto de minha vida. Sempre digo aos homens que estão na plateia que eles devem respeitar a vontade das garotas e mulheres. É errado se vingar jogando ácido. Digo que qualquer homem que destrói
a aparência de uma mulher, será desprezado para sempre”. “Creio que é importante usar sua posição para fazer a diferença”.
Ouça o Ídolo Pop Rumi no YouTube: Rumi.Bangladesh
Rumi com amigos da ASF, vítimas de ácido.
TEXTO: MONICA Z AK FOTOS: KIM NAYLOR
ções ao lado das vítimas de ataques com ácido; ele fala sobre o assunto em seus shows, entre uma canção e outra. “Eu geralmente canto em shows e programas de rádio e TV. Sempre foco nos homens que estão na multidão. E digo que homens de verdade não jogam ácido. Homens de verdade não enxergam as cicatrizes e marcas daqueles que foram atacados. Um homem de verdade não olha as aparências – todas as pessoas são bonitas”. O cantor Rumi abriu seus olhos para o que acontecia em seu país através de seu tio. Ele trabalhou por oito anos
Ele acaba de passar pela décima cirurgia”. “Hoje sou um garoto normal do segundo ano”, diz Mamun. “Eu tenho vários amigos e jogo críquete. Eu torço para o Royal Bengal Tigers”.
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Por que Murhabazi é NoMeado?
TexTo: ANDRe AS LÖNN FoTo: Bo ÖHLÉN
Murhabazi Namegabe é nomeado ao Prêmio das Crianças do Mundo 2011 por sua longa e perigosa luta de mais de 20 anos em prol das crianças da República Democrática do Congo, país devastado pela guerra. Desde 1989, Murhabazi, através de sua organização BVES, libertou mais de 4.000 soldados-criança e mais de 4.500 meninas abusadas sexualmente por grupos armados, e cuidaram de 4.600 crianças refugiadas abandonadas. Seus 35 lares e escolas oferecem comida, roupas, um lar, cuidados médicos, terapia, oportunidade de ir à escola, segurança e amor a crianças que estão entre as mais vulneráveis do mundo. A maioria das crianças é reunida às suas famílias. Graças a Murhabazi, 60.000 já passaram pelos diferentes centros do BVES e conquistaram uma vida melhor. Murhabazi e o BVES representam as crianças da República Democrática do Congo ao exigirem constantemente que o governo, todos os grupos armados, organizações e todos os demais membros da sociedade cuidem das crianças do país. Muitos são contra a luta de Murhabazi. Ele já foi preso, espancado e recebe ameaças de morte constantes. Sete de seus companheiros de trabalho já foram mortos.
NOME ADO • Páginas 106–125
Murhabazi Namegabe “Você vai morrer esta noite. Faça sua última refeição!” Murhabazi leu a curta mensagem em seu celular. Ele estava no meio de uma reunião importante da ONU sobre crianças forçadas a se tornarem soldados na República Democrática do Congo. Olhou cuidadosamente à sua volta. Teria alguém ali enviado aquela ameaça de morte? A luta de Murhabazi pelas dezenas de milhares de crianças exploradas e torturadas na guerra da República Democrática do Congo lhe rendeu muitos inimigos. “Aqui, a luta pelos direitos da criança é uma questão de vida ou morte. E eu estou preparado para morrer nesta luta, todos os dias”, diz Murhabazi Namegabe.
M
urhabazi nem era nascido quando enfrentou sua primeira ameaça de morte. Em 1964, a guerra sangrenta assolava Bukavu, na região oriental da República Democrática do Congo, e sua mãe, Julienne, grávida, fugiu correndo pelas ruas estreitas para escapar da guerra. Ela só notou o posto de controle dos soldados quando já era tarde demais. Um dos soldados apontou o cano do rifle contra sua barriga, mas justo quando ele ia atirar, um dos líderes gritou: “Não a mate!Deixe-a ir!” Duas semanas depois,
Julienne deu à luz seu filho. Ela o chamou de Murhabazi, que no idioma Mashi significa tanto ‘aquele que nasceu na guerra’, como ‘aquele que ajuda os outros’. “Minha mãe sempre diz que nós sobrevivemos, porque havia uma razão para eu nascer. E que eu estava predestinado a dedicar minha vida para proteger os mais vulneráveis”. Todos devem ter comida!
Murhabazi cresceu em um dos bairros mais pobres de Bukavu. Porém, como seu pai tinha emprego, a família sem-
pre teve o que comer e as crianças podiam ir à escola. Depois que faziam o dever de casa, eles podiam brincar com os amigos. Logo no primeiro ano da escola, Murhabazi percebeu que nem todos tinham a mesma sorte que a dele. “Muitos dos meus amigos estavam sempre com fome, e não tinham condições de ir à escola. Eu achava aquilo injusto. Todos os dias, crianças famintas se amontoavam em frente à nossa casa na hora das refeições. Minha mãe colocava pequenos punhados de comida diretamente em
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Protegido pela ONU Murhabazi conversa com um soldado-criança em frente a um jipe da ONU. Apesar da batalha pelos direitos da criança na República Democrática do Congo ser difícil, algumas coisas tornaram-se mais fáceis para ele. “No início, tínhamos que ir a pé, e eu geralmente fazia as missões de resgate dos soldados-criança sozinho. Hoje, conto com a proteção da ONU quando viajo até os acampamentos de grupos armados. Na realidade, eu nem tenho permissão para viajar sozinho atualmente!”, ri Murhabazi.
É difícil resgatar crianças “Toda vez que um soldadocriança é libertado, é uma grande vitória. Mas é difícil negociar com os grupos armados. Eles ameaçam nos matar, quando lhes pedimos para libertar as crianças. Depois é difícil lidar com as crianças, pois elas já foram tão abusadas, maltratadas por adultos. E, muitas vezes, é complicado conseguir que suas famílias, vizinhos, vilarejos e escolas as aceitem de volta”, diz Murhabazi.
suas mãos, antes de mandálas embora. Eu achava que aquelas crianças deveriam se sentar à mesa e comer conosco até ficarem satisfeitas. Eu disse à minha mãe que me recusava a comer sua comida enquanto não fizéssemos assim!” Murhabazi conversou com alguns amigos da escola e jun-
tos começaram a promover uma campanha para que nenhuma criança do bairro passasse fome. Todas as tardes eles saíam cantando canções sobre como os adultos deveriam cuidar de todas as crianças. As crianças explicaram às suas mães que entrariam em greve de fome, enquanto as crianças mais pobres não fossem bem-vindas para partilhar as refeições. “No início, éramos apenas eu e mais uns poucos, mas logo havia mais de setenta crianças se reunindo todos os dias após a escola! “Afinal, os adultos decidiram que as crianças famintas eram responsabilidade de todos, e que elas podiam jantar com as famílias que tinham comida suficiente!” Convenção dos Direitos da Criança
Murhabazi e as outras crianças continuaram a protestar, desta vez para que pais e professores deixassem de bater nas crianças, e para que todas as crianças pudessem ir à escola. Conforme Murhabazi crescia, mais ele percebia os problemas das crianças na República Democrática do
Congo. Ele sentia que as crianças precisavam de que lutassem por elas e que ele precisaria de mais conhecimento se realmente quisesse ajudá-las. Por isso, ele estudou Desenvolvimento e Saúde da Criança na universidade. Após se formar, ele continuou como professor. Em 20 de Novembro de 1989, ele escutou o noticiário pelo rádio, como costumava fazer depois do trabalho. Naquele dia em particular, o locutor anunciou que a ONU havia decidido adotar o que chamou de Convenção dos Direitos da Criança. A Convenção dizia que todas as crianças, no mundo todo, tinham direito a uma vida digna. O locutor também disse que todo país que ratificasse aquela Convenção, deveria considerar o que era melhor para as crianças em todas as suas decisões. “Fiquei radiante e organizei uma reunião na minha casa com um grupo de professores, alunos e juristas, e contei a eles aquela notícia fantástica. Decidimos fazer tudo que pudéssemos para conseguir que o governo da República Democrática do Congo ratifi-
casse a Convenção dos Direitos da Criança”. BVES como organização
O grupo de Murhabazi se autodenominou BVES (sigla em francês para – Instituto de Serviço Voluntário para a Criança e a Saúde). Eles começaram a examinar a real situação em que as crianças da República Democrática do Congo se encontravam. Os resultados seriam então apresentados ao governo, com foco naquilo que o país precisava fazer para cumprir a Convenção dos Direitos da Criança.
Programa de rádio pelos direitos da criança Murhabazi fala no rádio sobre os direitos da criança, uma vez por semana, há mais de 20 anos.
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Ensina aos soldados sobre os direitos da criança Quando Murhabazi visita um grupo armado, ele ensina aos soldados sobre os direitos da criança e negocia com eles para libertarem as crianças.
“Não tínhamos dinheiro nem meio de transporte, então muitas vezes caminhávamos pela floresta vários dias para chegar a vilarejos distantes. À noite, tínhamos que dormir em árvores para não sermos atacados por leopardos ou outros animais selvagens. Algumas vezes nos ofereciam comida nas vilas, outras comíamos frutas silvestres, mas geralmente ficávamos com fome”.
Murhabazi e o BVES não desistiram, e reuniram dados sobre a situação das crianças nos vilarejos da República Democrática do Congo. Informações terríveis. “Quando mostramos os resultados ao governo, eles não gostaram nada. Naquela época, a RD Congo era uma ditadura. Se alguém dissesse algo ruim sobre o país, como as crianças que estavam sofrendo, era interpretado
como um ataque ao governo. Recebemos um alerta. Se não parássemos, iríamos para a prisão”. Crianças de rua
Murhabazi e o BVES não pararam. Eles começaram a falar toda semana no rádio, para que todos conhecessem a Convenção dos Direitos da Criança e fossem informados sobre a situação em que as crianças da República
Democrática do Congo viviam. Toda vez, Murhabazi exigia que o governo ratificasse a Convenção. E, toda vez, o governo ameaçava prendê-lo por semear a discórdia pelo país com seu discurso. Apesar das ameaças contra Murhabazi, o país ratificou a Convenção em 1990, mas sem nenhum esforço real do governo para cumpri-la. “As ruas de Bukavu estavam lotadas de crianças que
Celulares e videogames promovem a guerra Há muitas riquezas no Congo. Por exemplo, ouro, diamantes, tungstênio e coltan (columbita-tantalita). Esses minérios são usados para fabricar celulares, computadores, videogames e MP3 players em todo o mundo. “Hoje a guerra é para saber quem controlará todas as minas e riquezas naturais da República Democrática do Congo. Eu fui obrigada pelo meu comandante a garimpar ouro e diamantes”, diz Isaya, 15 anos, uma exsoldada-criança resgatada por Murhabazi. O conflito atual começou após o genocídio no país vizinho, Ruanda, em 1994, onde quase um milhão de pessoas do grupo étnico Tutsi foram
assassinadas. Milhares de perpetradores fugiram para as florestas da República Democrática do Congo, onde permanecem até hoje. A desconfiança e a disputa pelo poder se instalaram entre Ruanda e a República Democrática do Congo, e logo havia sete países envolvidos em uma das guerras mais brutais da história da humanidade. Por volta de 2001, a ONU acusou Ruanda, Uganda e Zimbábue de encorajar a guerra apenas para conseguir o maior número de riquezas possível. Em 2008, a ONU acusou novamente Ruanda de perpetuar a guerra. Em 2009, a organização Global Witness revelou que a guerra na RD Congo era agora liderada por
empresas europeias e asiáticas que fabricam celulares, computadores, videogames e MP3 players. Empresas da Bélgica, Reino Unido, Rússia, Malásia, China e Índia foram apontadas como compradoras de minérios de vários grupos que violavam brutalmente os direitos da criança. As empresas financiavam a guerra através da compra de minério desses grupos. O fato de que políticos, empresários e soldados na África, Ásia e Ocidente ganham muito dinheiro com a guerra na República Democrática do Congo, dificulta o processo para acabar com a guerra.
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Crianças na guerra têm os mesmos direitos “Nossas crianças, que vivem em meio à guerra, também têm o direito à vida, a uma família, a cuidados médicos, à educação e de brincar. Elas também têm o direito de se desenvolver e de serem ouvidas e respeitadas”, diz Murhabazi.
não tinham quem cuidasse delas. Seus pais eram muito pobres ou tinham morrido de AIDS. Todas aquelas crianças famintas e sujas tentavam sobreviver sozinhas. Muitas pessoas se referiam a elas como “cães”, mas nós dizíamos que elas precisavam de proteção e amor como qualquer outra criança”. Em 1994, o BVES abriu seu primeiro lar para crianças de rua e 260 crianças foram morar lá. Após alguns meses, muitas delas haviam voltado para suas casas. Mas sempre apareciam novos moradores. Soldados-criança
“Acreditávamos ter visto o pior durante nosso trabalho com crianças abandonadas, mas então veio a guerra e a vida de todas as crianças se tornou um verdadeiro inferno aqui”, conta Murhabazi. Em 1996, Bukavu foi invadida por diversos exércitos rebeldes congoleses com apoio de Ruanda. Na guerra que se seguiu, as crianças foram diretamente atingidas. “Nós cuidávamos de crianças refugiadas, que pertenciam a grupos étnicos considerados pelos guerrilheiros como inimigos. Por isso, eles destruíram nossos três lares
para crianças refugiadas. Por sorte, consegui esconder as crianças a tempo, então todas sobreviveram. Porém, meu amigo e primeiro colega de trabalho foi morto”. Todos os grupos que lutavam, inclusive o exército da República Democrática do Congo, sequestravam meninos e os obrigavam a se tornarem soldados e capturavam meninas para usar como escravas sexuais. Crianças eram forçadas a abandonar a escola e fugir e geralmente acabavam sozinhas nas ruas de Bukavu ou outras cidades. “É claro que eu tinha experiência com garotos ‘durões’, que tinham vivido nas ruas, mas os soldados-criança eram
diferentes. Meninos muito jovens, com cerca de dez anos de idade, eram drogados, usavam uniformes e carregavam armamentos pesados. Eles haviam sido completamente destruídos pelos adultos. Eu queria fazer o máximo possível para salvar quantos eu pudesse”, conta Murhabazi. Primeira missão de resgate
“Um dia, encontrei um grupo de mães em total desespero. Elas me contaram que 67 crianças tinham sido raptadas em seu vilarejo”. Murhabazi embrulhou um cacho de bananas e livros sobre os direitos da criança e saiu. Sozinho. “Tomei um mototáxi sem
dizer exatamente para onde íamos. Se eu dissesse, nunca me levariam!” Quando Murhabazi chegou ao acampamento do exército rebelde na floresta, ele foi capturado. Mais de cem soldados armados o rodearam. Os guardas levaram Murhabazi ao líder, que perguntou o que ele queria ali. “Eu disse que, em nossa cultura, os adultos sempre cuidam das crianças, mas que eu tinha ouvido que esse grupo havia raptado crianças e as forçava a lutar, em vez de irem para a escola. Falei que estava lá para levar as crianças de volta para seus pais. O líder ficou furioso! Ele pensou que eu era um inimigo que queria enfraquecer seu exército levando seus soldados-criança. Ele ordenou que seus soldados rasgassem meus livros sobre os direitos da criança. E então começou o espancamento”. Libertou as crianças
Murhabazi foi coberto de coronhadas. Quando ele estava gravemente ferido, o prenderam. Eles explicaram que ele tinha que escolher: tornar-se soldado de seu exército ou ser executado. Na manhã seguinte, um dos líderes
Queimaremos os uniformes Murhabazi com meninos que foram soldados resgatados por ele. Na foto,eles podem estar com uniformes trocados, para evitar que se identifique a qual grupo armado cada um pertencia. Agora eles queimarão os uniformes juntos.
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Combatentes pelos direitos da criança “Estou convencido de que teremos sucesso no final. Um dia, todos os soldados-criança do Congo serão libertados. Todo dia minhas energias se renovam quando vejo ex-soldadoscriança lutando pelos direitos da criança dentro de suas casas, escolas e vilarejos!”
impediu que o matassem. No dia anterior, o líder estava muito bêbado para reconhecer Murhabazi. Então ele disse: “Ele não é soldado inimigo. Eu sei que esse homem ajuda crianças de rua em Bukavu”. Quando as crianças sequestradas ouviram aquilo, o caos se instalou. “As crianças choravam e gritavam que eu também deveria salvá-las, assim como fazia com as crianças de rua. Elas queriam ir para casa! Eu disse aos soldados que eles tinham que soltar as crianças. Falei que era uma péssima idéia usar crianças como soldados se eles realmente desejavam derrubar o governo para criar um país melhor. As crianças deveriam voltar para a escola! Quem construiria esse país novo e melhor que eles queriam, se todos os jovens fossem soldados drogados ao invés de receberem uma boa educação?” Houve uma discussão calorosa entre os líderes. Alguns concordavam com Murhabazi, outros não. Porém, Murhabazi afinal conseguiu persuadi-los. Os soldados permitiram que as crianças deixassem a floresta. Os primeiros 67 soldadoscriança correram para a liberdade! Preparado para morrer
Isso foi há treze anos. Murhabazi já libertou 4.000 soldados-criança. Sessenta mil crianças vítimas da guerra – meninas abusadas sexualmente, crianças órfãs refugiadas, soldados-criança e crianças de rua – receberam uma vida melhor graças aMurhabazi e ao BVES. Atualmente,
há 209 pessoas trabalhando no BVES, que administra 35 casas e escolas e oferece às crianças um lar, cuidados médicos, terapia, oportunidade de ir à escola, segurança e amor. A maioria das crianças volta para suas famílias. Murhabazi conquistou muitos inimigos. Ele recebe ameaças por telefone e mensagem, e raramente dorme no mesmo lugar por duas noites seguidas. Sete de seus companheiros de trabalho foram mortos por lutar pelos direitos da criança, e ele já foi espancado e preso. “Há muitos militares, políticos e empresários, tanto na República Democrática do Congo como em outros países, que ganham muito dinheiro com a guerra. Quanto mais conflitos houver no país, mais barato eles conseguem nossas riquezas naturais, como ouro e diamantes. Na busca pelas riquezas, todos os grupos armados, até mesmo os exércitos de outros países, usam soldados-criança e todos estupram meninas. Ao lutar contra isso, eu conquisto muitos inimigos poderosos, pois atrapalho seus negócios. Eles também têm
medo de ser denunciados ao Tribunal Criminal Internacional (ICC) da ONU em Haia”. Apesar de um acordo de paz ter sido firmado em 2003, as batalhas e a violência contra as crianças na República Democrática do Congo continuam. Murhabazi não vai parar de lutar pelos direitos das crianças. “Precisamos continuar. Enquanto eu souber que existem crianças fazendo parte de grupos armados, nada irá me impedir. Nem ameaças de morte, nem acidentes.
Quando souberam que foram soldados que enviaram a mensagem durante a reunião na ONU, todos queriam que eu parasse e deixasse o país. A ONU e a Anistia Internacional concordaram que estava muito perigoso eu ficar aqui. Eles estão certos. Mas como eu poderia partir? Eu tenho uma responsabilidade com todas as crianças vulneráveis de quem eu e o BVES cuidamos. As crianças confiam em mim. Não posso desapontá-las. Todos os dias eu estou preparado para morrer por elas”.
Murhabazi ajuda os meninos a tirarem os uniformes vestidos para uma cerimônia onde estes serão queimados. Eles podem estar usando uniformes diferentes, para que ninguém identifique a qual grupo pertenciam.
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Crianças devem brincar! “Meus pais sempre me deixaram brincar bastante quando eu era criança. Contanto que eu tivesse feito meu dever de casa, eu podia sair para jogar futebol e brincar com meus amigos. Isso exerceu uma grande influência sobre a forma como eu vejo a infância. Crianças devem brincar! É de extrema importância que todas as meninas e meninos que estão aqui conosco no BVES possam brincar o máximo possível”, diz Murhabazi. Aqui, os amigos Kasereka e Mupenzi Dame brincam no lar de Murhabazi para exsoldados-criança.
Uma das piores guerras da história
A organização de Murhabazi funciona assim: • Visita grupos armados para informálos sobre os direitos da criança, para que todos os envolvidos na guerra saibam como as crianças devem ser tratadas, de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU e com as leis congolesas. Por exemplo, é proibido recrutar crianças como soldados. • Durante as visitas, liberta soldadoscriança e meninas exploradas como escravas sexuais pelos grupos armados. • Visita campos de refugiados e cuida das crianças refugiadas abandonadas e das crianças de rua. • Oferece aos soldados-criança e às meninas abusadas que são libertados, assim como às crianças refugiadas e de rua: proteção, um lar, comida, roupas, cuidados médicos, ajuda psicológica e a oportunidade de voltarem à escola, além de oficinas de costura e carpintaria. • Localiza as famílias das crianças e as ajuda a retornarem para casa. Eles sempre preparam as famílias das
crianças, assim como os vizinhos, políticos, líderes religiosos e professores dos vilarejos antes do retorno, para que as crianças sejam acolhidas e aceitas de forma adequada. Caso não seja possível voltar para a família, o BVES tenta encontrar uma família adotiva. A criança nunca deixa o lar de Murhabazi até que se tenha certeza de que ela estará em um ambiente seguro. • Geralmente oferece suporte financeiro às famílias, para que tenham condições de permitir que as crianças voltem à escola e tenham boa alimentação. Eles podem ajudar um dos pais ou um irmão mais velho a conseguir emprego para ajudar a sustentar a família. • Geralmente ajuda as crianças libertadas com as taxas escolares e uniformes mesmo por um bom tempo após terem saído do lar Murhabazi, algumas vezes esse apoio continua até a universidade. • Informa toda a sociedade sobre os direitos da criança. Uma das formas que Murhabazi usa para fazê-lo é através de um programa de rádio regular.
• A guerra na República Democrática do Congo é uma das maiores e mais brutais da história da humanidade. Ela perdura desde 1998. Um acordo de paz foi firmado em 2003, mas a luta ainda continua na região oriental do país, onde vivem as crianças sobre as quais você lê na revista The Globe (O Globo). • Aproximadamente 5,4 milhões de pessoas morreram, tanto nas batalhas como devido à fome e às doenças que são resultado direto da guerra. • Na pior das hipóteses, estimase que houve 30.000 soldados-criança servindo no país. Milhares deles ainda precisam retornar para suas famílias. A ONU informou que 848 crianças foram forçadas a se tornarem soldados em 2009. Cerca de 200.000 estupros de meninas e mulheres foram denunciados desde que a guerra começou, mas acreditase que um número muito maior tenha ocorrido. Em 2009, metade das vítimas foram crianças. • Mais de 1,5 milhão de pessoas na República Democrática do Congo são refugiadas. • Mais de 5 milhões de crianças na República Democrática do Congo não vão à escola.
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TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
Faida foi soldada Faida, 15 ADORA: Paz. Este é o primeiro ano em muito tempo que eu não estou envolvida em guerras. DETESTA: Guerra e morte. PIOR COISA QUE LHE ACONTECEU:
Ter sido sequestrada e usada como escrava sexual e soldada. MELHOR COISA QUE LHE ACONTECEU:
Quando Murhabazi me resgatou e eu voltei para a escola. ADMIRA: Murhabazi, claro! Ele salvou minha vida. QUER SER: Alguém que luta para assegurar que as crianças tenham uma boa vida. SONHO: Que todas as crianças do mundo vivam em paz e sejam amadas.
Quando Faida tinha onze anos de idade, ela foi sequestrada por um dos muitos grupos armados que atuam na República Democrática do Congo. Foi o início de um pesadelo que durou quatro anos, durante os quais ela foi forçada a ser escrava sexual e soldada. “Não acho que teria sobrevivido se Murhabazi não tivesse me resgatado. Ele arriscou sua própria vida por mim. Ele é como um pai para mim”, diz Faida.
A
coronha do rifle atingiu o rosto de Faida com violência. Ela tentou escapar, mas caiu de costas no mato alto e ficou presa. Um soldado segurou seus braços e outro suas pernas. Então seis soldados se revezaram para estuprá-la. Faida podia ouvir os gritos de suas amigas
próximo dali. Elas estavam tendo o mesmo destino. Os gritos de suas amigas pareciam vir de muito longe, como num sonho. Mas não era um sonho. Faida e suas amigas haviam trabalhado nas plantações de mandioca de suas famílias, como sem-
pre faziam nos feriados escolares. Ninguém notou os soldados até que fosse tarde demais. Agora duas das amigas de Faida estavam mortas. Quando um dos soldados ergueu o facão para matar Faida, o comandante gritou:
Meus direitos “No Congo, as crianças sempre têm que obedecer aos adultos. Quando os adultos nos tratam de certa maneira, você pensa que é assim que as coisas realmente devem ser, mesmo que não pareça certo. É muito fácil ser explorado quando você não conhece seus direitos. Antes de conhecer Murhabazi, eu sequer sabia que as crianças tinham direitos. Agora sei que tudo o que passei na guerra estava errado e que meus direitos foram violados”, explica Faida.
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da e escrava “Não a mate! Ela será minha esposa!” Soldados armados vigiaram enquanto Faida e sua amiga Aciza caminhavam completamente nuas pelo campo. “Tínhamos dificuldade para andar porque estávamos feridas, mas eles nos obrigaram”. Finalmente, chegaram à estrada onde o caminhão dos soldados estava estacionado. As meninas foram colocadas na caçamba, onde havia mais sessenta soldados sentados esperando. “Eu estava aterrorizada, seria estuprada novamente”, diz Faida.
Murhabazi nos ajuda
Minha Família! “O dia em que me chamaram no BVES para ver se uma menina que estava lá era a minha Faida, foi o dia mais feliz da minha vida! Hoje ela é minha filha e pertence à minha família”, conta a irmã mais velha de Faida, Donia.
“Murhabazi me ajudou a abrir uma tenda no mercado. Às vezes, ele nos ajuda com dinheiro para comprarmos roupas e comida. Se alguém na família adoece, ele se certifica que tenhamos ajuda médica. Não sei como lidaríamos com tudo isso sem a ajuda dele, pois meu pai morreu na guerra e minha mãe se recusa a se envolver com qualquer coisa relacionada a Faida”, lamenta Donia, enquanto as irmãs lavam roupas juntas.
Vizinhos com medo são desagradáveis A foto grande mostra onde Faida vive com sua irmã, Donia. “Nem sempre é fácil para mim aqui. Muitos vizinhos ficam com medo e gritam coisas para mim: ‘Você é soldada! Volte para a floresta, que lá é o seu lugar! ‘Não queremos você aqui! Prostituta!’ e coisas do tipo. Isso machuca. Mas nem todo mundo faz isso. Minha melhor amiga se chama Neema, e ela me aceita do jeito que eu sou”, diz Faida.
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Minha amiga Neema “Nós fazemos tranças nos cabelos uma da outra, Neema e eu”, conta Faida. “Eu geralmente cobro 3 dólares americanos para trançar o cabelo das pessoas”, diz Neema. “Mas Faida nunca precisa pagar, nós somos amigas! Nos encontramos todos os dias e podemos conversar sobre tudo, até mesmo segredos, porque confiamos uma na outra”.
Escrava de todos
As meninas foram deixadas em paz no longo trajeto até o acampamento dos soldados. Mas então tudo começou novamente. “O comandante me arrastou para dentro de sua casa. Ele abusou de mim a noite inteira, embora eu estivesse gravemente ferida”. No dia seguinte, o comandante saiu com alguns soldados para saquear. “Assim que ele saiu, os soldados que ficaram começaram a abusar de mim. Havia mais de vinte meninas e mulheres no campo, mas ninguém podia me ajudar, pois estavam na mesma situação que eu, e havia guardas armados nos vigiando o tempo todo”. Quando o comandante retornava, Faida era somente dele. Porém, assim que ele saia para lutar ou saquear, ela era abusada por todos. Dia após dia. Dia e noite. Na vila, a família de Faida ficava cada
vez mais preocupada. Por que ela não voltava pra casa? Eles foram de vila em vila perguntando se alguém a havia visto. Todavia, como ninguém na vila nunca havia sido sequestrado por soldados antes, não se cogitou essa possibilidade. Após um mês, todos estavam convencidos de que Faida havia sido morta na guerra. Eles disseram adeus a Faida com um período de luto e um culto memorial, como quando alguém morria. Vida de soldada
Depois de seis meses com os soldados, Faida se sentia terrível. “Eu estava enlouquecendo. Não aguentava mais ser escrava, apesar das drogas que me forçavam a usar”. Algumas das garotas do campo eram soldadas, e Faida havia percebido que elas nunca eram estupradas. Um dia, ela perguntou ao comandante se podia tornar-se soldada tam-
bém. “Ele concordou e, após dois meses de treinamento sobre como usar armas de fogo, facas e arco e flecha, passei a integrar seu exército”. Os estupros terminaram, mas a violência não. Certa manhã, chegou o momento de Faida ir para sua primeira batalha. “Eu estava apavorada, mas nos deram drogas antes de deixarmos a base. Todos os meus medos desapareceram e fiquei muito agressiva. Os soldados disseram que as drogas nos tornavam invisíveis”. Trinta soldados adultos e setenta soldados-criança escalaram as montanhas cobertas de árvores, carregando suas pesadas armas. As crianças eram obrigadas a andar na frente. Após algumas horas de caminhada, eles avistaram o campo do inimigo na clareira da floresta. Era um
campo exatamente como o deles, com soldados, mulheres e crianças. “Meu grupo começou a atirar e se instalou o caos completo. Pessoas gritavam e
Tarefas domésticas Faida cozinha um tipo de mingau de milho chamado ugali para a família. Ugali é o prato mais comum na região oriental da República Democrática doCongo.
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Faida e Neema ajudam-se mutuamente em muitas coisas, como buscar água. “Eu seria muito solitária se não tivesse uma amiga como Faida”, confessa Neema, 16.
Amada irmã “É terrível que nossa mãe se recuse a receber Faida. Ela ficou tão triste quando Faida desapareceu! E como os vizinhos podem gritar coisas tão horríveis para minha irmã tão amada? Todas as crianças que foram exploradas na guerra são tratadas de forma pavorosa. Temos que dar a elas muito amor. Faida frequentemente tem pesadelos e fica depressiva, eu tento confortá-la. Eu daria minha vida para protegêla”, afirma a irmã mais velha, Donia.
balas voavam por todos os lados. Uma saraivada de balas chovia sobre nós, com estilhaços de balas e lascas de árvores voando por toda parte. De repente, minha amiga Aciza, que estava mais próxima de mim, foi baleada nas costas. Ela morreu”. Quando a batalha terminou, Faida e as outras crianças foram enviadas ao campo do inimigo. “Devíamos revistar os corpos, recolhendo dinheiro, celulares e armas entre eles. Foi uma sensação estranha, pois era a primeira vez que eu fazia aquilo”. Houve muitas outras batalhas para Faida. Murhabazi
Faida sentia tantas saudades de sua família que chegava a doer. Ela pensava constante-
mente em fugir, mas não era possível. “Um garotinho tentou escapar uma vez. Atiraram nele imediatamente. Depois disso, eu não ousei tentar. Também estava envergonhada. Quem iria querer cuidar de mim, depois de tudo que passei? Quem poderia me amar? Ninguém”. Mas havia alguém que queria cuidar de Faida. Alguém que fez tudo o que estava ao seu alcance para salvá-la e às outras crianças. Era Murhabazi. “Da primeira vez que ele foi ao acampamento, eu estava acabando de lavar roupa. Alguns jipes entraram no acampamento. Um homem desarmado pulou do jipe com os braços para cima e disse: ‘Amani Leo!’, ‘Paz agora!’. Era Murhabazi. Ele podia facilmente ser morto, mas não estava com medo”, lembra Faida. Murhabazi foi até o comandante e disse que estava lá para levar as crianças para casa. Ele disse que crianças não deviam ser soldados. Que deveriam estudar. “Quando os soldados ouviram isso, eles rapidamente nos esconderam. Eu tentei
gritar socorro, mas eles me jogaram dentro de uma das casas”. O comandante se recusou a liberar as crianças, então Murhabazi foi embora de mãos vazias. Mas ele não desistiu. Alguns anos depois ele voltou, mas o desfecho foi igual ao de sua primeira tentativa. Sorte na terceira vez
Quando Faida já estava no acampamento há quatro anos, Murhabazi voltou. E desta vez foi diferente. “Não pude acreditar quando Murhabazi me abraçou e disse: ‘Esta é a sua chance! Tudo ficará bem!’” No início, tudo correu bem. No lar de Murhabazi para meninas vulneráveis, Faida pode voltar para a escola. Havia muitas crianças com quem brincar e conversar. E adultos nos quais ela podia confiar e que estavam sempre por perto. Ela sentiu-se segura. As coisas foram tão bem para Faida na escola do BVES, que ela logo ingressou em uma escola regular. Lá tudo também funcionou bem no começo. Porém, Faida tinha problemas de concentração e mudanças repentinas 115
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de humor. “Eu ficava furiosa com meus colegas de classe quando achava que eles não me entendiam”. Ela acabou não conseguindo mais lidar com aquilo, e abandonou a escola. Nessa mesma época, Murhabazi conseguiu encontrar a mãe de Faida. Faida ficou radiante, mas, assim como na escola, as coisas não foram como ela esperava. “Minha mãe nem olhou para mim. Ela estava com medo e não quis saber de mim. Como se tudo que aconteceu fosse culpa minha. Nem consigo explicar o quanto aquilo doeu”. Por sorte, Murhabazi também havia localizado a irmã mais velha de Faida, Donia, que a recebeu de braços abertos. Faida agora é parte da família dela. “E ainda tenho Murhabazi. Mesmo que as coisas não estejam fáceis agora, eu sei que tudo ficará bem, porque ele faz parte da minha vida. Ele é como um pai para mim. Mesmo arriscando a própria vida, ele tentou me salvar não uma, mas TRÊS vezes! Ele é completamente diferente do comandante e dos outros adultos que conheci, que apenas usam as crianças. Murhabazi está do nosso lado. Sempre!”
Escola ou curso de costura? “Murhabazi quer que eu aprenda a costurar até eu me recuperar um pouco e poder voltar à escola. Assim, posso aprender um ofício e ocupar minha mente, a fim de não pensar mais nas coisas terríveis pelas quais passei. E também estarei perto dele e dos psicólogos do BVES. Mas não tenho certeza. Seria melhor se eu conseguisse ir para uma escola regular. Uma boa educação te dá mais oportunidades na vida. E eu sei que posso ter sucesso, sei que sou inteligente!”
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Guerra contra as meninas Meninas e mulheres geralmente são quem mais sofrem na guerra. Cerca de 200.000 estupros foram registrados em 2009, mas acredita-se que um número muito maior de mulheres e meninas sofreram abusos. Em 2009, metade das vítimas era criança. Aquelas que sobrevivem aos estupros frequentemente encontram dificuldades na sociedade, que as consideram “impuras”. A solidariedade e o amor estão destruídos nas famílias e nas vilas. Muitas das vítimas estão com AIDS. “Murhabazi logo me levou ao hospital para que eu fizesse o exame de HIV. Tive muita sorte, pois não fui infectada enquanto estava com os soldados. Mas muitas meninas do lar são HIV positivas”, lembra Faida. No momento, 13 das 68 garotas que vivem no lar de Murhabazi, em Bukavu, para meninas abusadas são HIV positivas. Desde 2002, 176 meninas que receberam ajuda do BVES morreram de AIDS. “Tentamos oferecer às garotas que são HIV positivas toda a ajuda que podemos, e garantimos que elas recebam medicamentos gratuitamente”, diz Murhabazi.
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Mutiya queima seu uniforme No abrigo de Murhabazi em Bukavu para meninos que foram soldados-crianças, um grupo de garotos se prepara para voltar para suas famílias e começar uma nova vida. Mas primeiro eles irão queimar seus antigos uniformes de soldados. “Será simplesmente fantástico trocar o uniforme de soldado pelo uniforme escolar novamente”, diz Mutiya, 15 anos.
N
“
que precisávamos continuar na escola, mas eles riram e disseram: “O que tem de tão especial na escola? Não importa, vocês vêm conosco agora mesmo!”. Depois, arrancaram nossos uniformes escolares, os rasgaram e jogaram na lama. Pegaram nossas mochilas e rasgaram nossos livros. Após três dias sendo espancados em uma de suas prisões, recebemos uniformes de soldados. Poucos dias depois, fui mandado para a batalha pela primeira vez. Servi por dois anos. Eu sobrevivi, mas cinco de meus amigos foram mortos. Vi muitas mortes e sangue.
Naquela época, eu nunca poderia imaginar que trocaria o uniforme de soldado por um uniforme escolar novamente. Eu havia perdido as esperanças quando Murhabazi me resgatou. Ele foi ao acampamento militar e disse às crianças que haviam sido forçadas a tornarem-se soldados: “Vocês não deveriam estar aqui. Vocês vão voltar para a escola. Venham comigo”. Parecia mentira, mas Murhabazi honrou sua palavra! Voltei a estudar aqui no BVES. Agora voltarei para casa, para meus irmãos mais velhos e minha escola na vila. Nem tenho palavras para expressar minha felicidade!
Sim ao uniforme escolar! Antes de queimar os uniformes, os garotos os vestem. Mutiya escreve: “Sim ao uniforme escolar” no seu.
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Murhabazi reúne os garotos antes de irem juntos para o pátio onde será realizada a cerimônia de queima dos uniformes. Eles usam uniformes diferentes, pois todas as guerrilhas do Congo usam soldadoscrianças. Os meninos do abrigo pertenciam a diferentes grupos armados. Porém, nessas fotos – para a própria segurança dos garotos – eles NÃO estão necessariamente vestindo o uniforme que usavam quando eram soldados. Eles podem estar vestindo o uniforme de uma guerrilha diferente daquela à qual cada um pertenceu.
Porém, antes de partir, vamos queimar nossos uniformes de soldados. O uniforme só me faz lembrar de coisas ruins: morte, sangue, guerra, pilhagem... Será uma ótima sensação queimar esse lixo, finalmente me sentirei livre. Quando eu voltar para a vila, vou colocar meu uniforme escolar. No futuro, quero salvar crianças dos grupos armados, assim como Murhabazi me salvou”. Mutiya, 15 anos, foi soldadocriança por 2 anos
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
ossa última aula acabava de terminar numa sexta-feira. Meu amigo Mweusi e eu estávamos a caminho de casa. Contávamos histórias enquanto caminhávamos. De repente, três soldados pararam na nossa frente e apontaram suas armas para nós. Eles disseram: “Vocês não podem passar! Se tentarem correr, não hesitaremos em atirar!”. Meus pais foram mortos por soldados, então tive muito medo. Começamos a chorar e meu amigo molhou as calças. Imploramos que nos deixassem ir, e argumentamos
Uniformes diferentes
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Uniforme de soldado nunca mais! “Agora, olhem atentamente para a placa. Ela diz: “Uniforme de soldado nunca mais”. Vocês nunca mais usarão uniformes de soldado, vocês terão uniformes escolares, nunca se esqueçam disso! Vamos queimar os uniformes!”, conclama Murhabazi. Entre aplausos e muita vibração, Mutiya e os outros meninos tiram as roupas militares e as colocam numa pilha no pátio.
! a s a c a r a p s Vamo Chegou o grande dia. Murhabazi e o BVES conseguiram localizar as famílias de Mutiya e de mais quinze meninos. Agora, eles finalmente vão para casa, depois de anos na guerra. “Estou tão feliz pelos garotos. É por isso que lutamos o tempo todo. Toda vez que uma criança é salva e pode voltar a ter uma boa vida, é uma grande vitória para nós”, diz Murhabazi, rindo.
Boa sorte! “Mutiya, você quer voltar a estudar e começar uma nova vida. Sei que você está bem preparado e te desejo toda felicidade no futuro!”, Murhabazi diz, e abraça Mutiya. “Obrigado pai, obrigado! Vou rezar por você, para que tenha forças para continuar lutando”, responde Mutiya.
A bolsa de Murhabazi Todas as crianças que passam por um dos abrigos de Murhabazi ganham uma bolsa com itens que tornarão sua vida mais fácil ao retornarem para suas famílias. A bolsa contém: Sabonete Escova de dente
Cobertor
Um par de sapatos
Roupas novas Rádio
O rádio é importante “Estou dando estes rádios para que vocês saibam o que acontece em nosso país e no mundo. Isso é importante. Ouçam estações que têm noticiários e que falem sobre os direitos da criança. Caso sintonizem estações que pregam o ódio, a violência e a guerra, mudem a frequência! O rádio funciona com energia solar para que vocês não precisem comprar pilhas”.
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Toalha
Creme dental
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Novos sonhos “Eu havia perdido a esperança. Mas no BVES tive a chance de voltar para a escola. Fiquei muito feliz, mas não parava de pensar em todo o tempo que havia perdido. Dois anos! Imagine o quanto eu poderia ter aprendido enquanto eu era soldado. Agora vou começar a estudar na vila e, quando crescer, quero ser como Murhabazi!”
Uniformes viram fumaça Mutiya e seus amigos cantam e celebram enquanto os uniformes são destruídos pelo fogo.
Tchau! Vamos para casa!
Adeus, amigo! Os garotos se despedem uns dos outros e de Murhabazi. Eles se tornaram bons amigos e se ajudaram nos momentos difíceis. Portanto, apesar de estarem ansiosos para ir para casa, não é fácil se separar.
Bolas no lugar de bombas! “Este é um momento de muita alegria! Minha única preocupação é que novas batalhas se iniciem nas áreas para onde os garotos estão voltando, e que eles sejam forçados a ser soldados de novo. Isso acontece, e me deixa louco da vida. É extremamente difícil, mas recomeçamos toda vez que isso ocorre. Um menino foi pego três vezes, por três grupos armados diferentes. Nós o libertamos todas as vezes. Nunca abandonaremos as crianças, e não desistiremos até que todas estejam livres”, afirma Murhabazi.
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
“Os soldados pegaram os uniformes escolares dos meninos e lhes deram uniformes militares. E armas no lugar de canetas. Bombas no lugar de bolas. Mas nós damos bolas de futebol para os meninos levarem para casa. Aqueles que moram perto uns dos outros podem montar um time de futebol e continuar se encontrando e se apoiando mutuamente. Porém, o mais importante é que eles se divirtam!”, diz Murhabazi.
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Vamos para c asa!
“Sinto muita falta de meus amigos lá em casa. Não nos vemos há mais de quatro anos, e realmente espero que eles se lembrem de mim. Também espero que eles não tenham medo de mim porque fui soldado. Estou meio preocupado com isso. Porque eu realmente senti falta de meus amigos. Só quero poder conversar, jogar futebol e brincar. Não havia espaço para risadas e brincadeiras quando eu era soldado.
Sonhava com a escola
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
“O que eu mais sentia falta era da escola. Quando eu era soldado, sentia o tempo todo que estava no lugar errado, que deveria estar na escola, e não ali. Agora Murhabazi vai me ajudar a voltar para a escola quando eu chegar em casa, e isso é incrivelmente
Sentia falta de paz
Tem saudade da mãe
“Quando eu era soldado, havia guerra todos os dias. Nunca paz. Exceto por minha mãe e meu pai, o que eu mais sentia falta era de paz. Eu sofri todo o tempo. Foi terrível. Estou feliz por finalmente ir para casa. Espero que minha vida seja boa. Que eu possa ir à escola e fazer muitos amigos. Porém, meus pais estão velhos e meio doentes. Temo o que acontecerá comigo quando eles morrerem. Quando isso acontecer, entrarei em contato com Murhabazi, pois sei que ele me dará bons conselhos. Eu o amo, ele salvou minha vida. Sentirei saudades dele”. Amani, 15 anos, foi soldadocriança por 2 anos
“Tenho muitas saudades de minha mãe! Durante a guerra, eu pensava nela o tempo todo. Antes de me obrigarem a ser soldado, eu a ajudava no campo e buscava água. Como meu pai morreu quando eu era pequeno, me preocupava se ela conseguiria se virar sozinha enquanto eu estava fora. Eu converso muito com minha mãe e a amo. Sinto-me seguro e calmo quando estou com ela. Agora só quero ir para casa e ficar perto dela novamente. O que me preocupa é deixar meus amigos aqui. Pudemos conversar uns com os outros sobre nossas terríveis experiências, e isso foi ótimo. Em casa não será assim. Os garotos da vila que nunca foram soldados, nunca poderão entender o que eu passei”. Obedi, 15 anos, foi soldadocriança por 2 anos
Uniforme militar, nunca mais!
bom. Eu adoro estudar! Adoro a escola! A escola é importante. Quem vai à escola tem muitas oportunidades na vida. Eu gostaria de ser presidente quando crescer. A primeira coisa que faria seria libertar todas as crianças que são forçadas a ser soldados. Eu as ajudaria a reencontrar suas famílias e deixaria que voltassem para a escola. Meu maior medo agora é ser pego por soldados e forçado a lutar novamente. Eu ficaria devastado se isso acontecesse”. Assumani, 15 anos, foi soldado-criança por 2 anos
Quer rir e brincar
Estou feliz por poder ir para casa. Não importa o que aconteça, se meus amigos tiverem medo de mim ou algo assim, nada mais me assusta. Nada pode ser pior do que aquilo que vivenciei como soldado. Nada.” Aksanti, 15 anos, foi soldadocriança por 4 anos
Escola – sim! Acampamento militar – NUNCA MAIS!
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Murhabazi não desampara ninguém A ideia é que as crianças resgatadas por Murhabazi permaneçam no abrigo por três meses. Porém, às vezes leva mais tempo para localizar suas famílias e ajudar as crianças a começarem uma nova vida. Foi assim com Bahati.
Sonha com boas pedras “O grupo armado que me pegou me forçava a procurar ouro, diamantes e outros minerais. Eu era obrigado a entregar todas as pedras que encontrava a meus líderes. Eu era escravo deles. Nós que procurávamos tentávamos esconder um pouco, bem pouquinho, mas era difícil. Quem era pego apanhava muito. Podia até ser morto. Quando nosso grupo não estava garimpando, saqueava outros que trabalhavam nas minas. Não sei quantas pessoas morreram. Eles usavam o ouro e outros minérios para comprar armas dos ricos contrabandistas de armas que apareciam na floresta. Acho que, no fim das contas, a guerra se tratava de grupos diferentes, tanto congoleses como estrangeiros, que lutavam pelo controle das minas do Congo. Se não tivéssemos esses minérios, haveria paz há muito tempo. Talvez nunca tivesse havido guerra. Agora, todas as riquezas naturais são ruins para nós. Mas, na verdade, elas deveriam ser boas. Se o governo do Congo pudesse vender os minérios de forma apropriada, poderíamos construir escolas, estradas e hospitais. Tudo o que as pessoas precisam. Eu sonho com esse dia. Também sonho em me tornar alfaiate e ter um boa vida. E acredito que isso seja possível, porque Murhabazi e o BVES estão comigo.” Isaya, 15 anos, foi soldado-criança por 4 anos
“Embora Murhabazi não tenha encontrado meus pais após três meses, ele não me mandou para fora do abrigo. Ele cuidou de mim por mais de um ano, como se eu fosse seu próprio filho. Eu ainda o vejo como um pai. Após frequentar a escola do BVES, ele me ajudou a ingressar em uma escola regular. Ele pagou as taxas escolares e tudo mais que precisei. Eu contei a Murhabazi sobre o meu sonho de ser jornalista. Então ele me ajudou e tive a chance de fazer um teste para um curso de jornalismo para jovens na organização Search for Commom Ground (Em Busca de um Denominador Comum). Eu passei no teste e concluí o curso, e hoje sou um jovem repórter em seu programa de rádio ‘Sisi Watoto – Nós Crianças’! É, provavelmente, o melhor programa do mundo, pois tratamos do assunto mais importante que existe, os direitos da criança. Muitas crianças nos telefonam, e a intenção do programa é dar voz às crianças do Congo. Algo incomum por aqui. Os adultos daqui quase nunca escutam as crianças. No futuro, espero poder ajudar o BVES a salvar mais crianças, exatamente como Murhabazi fez comigo. Ele salvou minha vida.” Bahati, 17 anos, foi soldadocriança por 3 anos “Todo sábado e domingo às 17h30 eu falo sobre os direitos da criança no rádio, principalmente sobre a violência com que as garotas são exploradas na guerra do Congo”, finaliza Bahati.
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TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
“Murhabazi é como um pai para mim!” “Num domingo, há um ano, minhas duas irmãs e eu estávamos na igreja quando nossa vila tornou-se um campo de batalha entre dois grupos militares. Os soldados disparavam suas metralhadoras e jogavam bombas na direção da igreja, portanto não conseguíamos sair. Meu corpo inteiro tremia de medo. O que eu não sabia é que, naquele momento, nossos pais fugiam para a floresta para tentar se salvar. Alguns dias depois, quando o tiroteio cessou, a Cruz Vermelha e a ONU vieram à igreja e nos levaram para um campo de refugiados. Morei lá por cinco meses. Foi difícil. A comida era diluída e os colchonetes ficavam no chão. Nós não podíamos ir à escola. Um dia, Murhabazi veio e perguntou se eu queria morar em seu lar para meninas. Fiquei imensamente feliz, pois havia ouvido muitas coisas boas a seu respeito. Fomos com ele, 29 crianças ao todo. Estou feliz por estar aqui, agora sinto como se estivesse em casa. Murhabazi cuida de mim como um pai. Porém, todas as noites, sonho que mamãe e papai estão vivos e que posso voltar para casa. Murhabazi continua procurando meus pais. Valentina, 12 anos
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O dia de Valentina no la O lar de Murhabazi para meninas vulneráveis fica numa das colinas da cidade de Bukavu. Muitas das garotas foram capturadas por diferentes grupos armados. 47 das 68 garotas que vivem lá sofreram abusos sexuais. “Estou feliz por estar aqui, agora sinto como se estivesse em casa. Murhabazi tornou-se um pai para mim”, diz Valentina, 12.
6h00 Hora de Levantar
7h00 Café da manhã
“Escovamos os dentes e tomamos banho. Aqui nos dão sabonete, creme dental, óleo para o corpo e para o cabelo. Eu perdi minha escova de dente e ainda não deu tempo de arrumar outra, por isso estou usando o dedo. Na verdade, funciona muito bem!”, brinca Valentina, rindo.
8h00 Aulas “Eu não ia para a escola quando morava no campo de refugiados. Sei que ter a chance de frequentar a escola é direito de toda criança, mesmo nós que vivemos na guerra e somos refugiadas. De repente, eu não podia mais ir à escola e isso me fazia sentir mal. Como se eu estivesse perdendo tempo de aprender coisas importantes. Fiquei tão feliz no primeiro dia em que fui à escola aqui na casa de Murhabazi! É preciso ir à escola se você quer aprender as coisas e, assim, ser capaz de tomar boas decisões na vida e conseguir um bom emprego para sustentar sua família”. “Quando for mais velha, quero aprender a costurar aqui no BVES e ser costureira. Mas o que eu mais quero é ser professora. Minha professora, Ndamuso, não é apenas professora, ela é muito carinhosa e cuida de mim. Ela me aconselha, como uma mãe. Quero ser como ela quando eu crescer. As meninas muito novas para ir à escola vão para a creche”.
O café da manhã é um tipo de mingau de milho, Buyi.
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12h00 Almoço Hoje temos arroz e feijão.
13h30
Descanso
“É bom descansar um pouco no período mais quente do dia”. A garota que divide a cama com Valentina se chama Noella e tem 10 anos de idade. “Geralmente, muitas crianças dividem a cama. Às vezes fica um pouco apertado. Ao mesmo tempo, é bom não ficar sozinha”, comenta Valentina
o lar de Murhabazi para meninas 15h30 Lavar a roupa Valentina divide uma bacia com Donatella.
14h30 Brincar “Adoro brincar com minhas amigas. Você se sente feliz e espanta os maus pensamentos. Além disso, você se movimenta, desenvolve seus músculos e fica em forma! Nós brincamos de salto à distância, criamos brincadeiras com canto e dança e diversos tipos de jogos de bola.
16h30 Dever de casa “Geralmente fazemos nosso dever de casa juntas, assim podemos ajudar umas às outras”, conta Valentina.
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O guarda-roupa de Valentina
18h00 Jantar Arroz e feijão também.
“Todas as minhas roupas estão em uma mala, no quarto.” “Este lindo vestido branco eu uso para ir à igreja, todo domingo.”
“O colar com a Virgem Maria é o acessório mais bonito que tenho. Sintome segura quando o uso. Como se eu estivesse protegida.”
19h00 Reunião noturna
“Essa blusa amarela macia é minha favorita!”
“Todas as noites sentamos e conversamos sobre nosso dia. Cantamos e contamos histórias. As reuniões são muito importantes para mim, pois ajudam a me acalmar. Por alguns momentos, me esqueço da minha constante preocupação sobre o paradeiro de meus pais. Durante as reuniões, parece que somos uma família de verdade. Cuidamos umas das outras, e as mais velhas cuidam das mais novas. Os adultos daqui realmente se importam conosco. Sempre tenho alguém para me ouvir quando não estou me sentindo bem. Nesses momentos, converso com Murhabazi, minha professora, a enfermeira ou com a psicóloga. É assim que deveria ser em todas as famílias.
20h00 Hora de dormir Depois de escovarem os dentes, as garotas vão para a cama, ficam bem juntinhas nas camas e adormecem.
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“Eu consegui trazer minhas roupas comigo, quando fui para um campo de refugiados. Isso me deixa muito feliz, pois foi minha mãe quem me deu as roupas. Adoro minhas roupas. Elas são lindas e me fazem lembrar a mamãe.”
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Quem é Murhabazi?
Três garotas do lar para meninas vulneráveis descrevem Murhabazi assim:
Ele protege as meninas “Eu fui prisioneira dos soldados e Murhabazi salvou minha vida. É ele que cuida para que possamos viver em segurança, sãs e salvas aqui. Ele nos dá tudo. A situação das mulheres e meninas em nosso país é terrível. Nós sofremos. Muitas são abusadas e estupradas por soldados e outros homens. Murhabazi cuida de nós como se fôssemos suas próprias filhas ou irmãs. Se não fosse por Murhabazi, as vidas de muitas garotas na República Democrática do Congo seriam muito piores. Ele nos protege” Donatella, 13 anos
Eu o amo! Ele é meu pai! “Murhabazi cuida de mim. Ele me proporciona um lugar para dormir, sabonete para o banho, comida para me alimentar e a oportunidade de ir à escola. Se eu adoeço, ele me leva ao médico. Murhabazi é como todo pai e mãe deveriam ser. Ele é como meu pai! Sem ele, minha vida seria difícil demais. Eu o amo!” Josepha, 10 anos
“Minha família se dividiu durante a guerra, pois nos separamos ao fugir. Murhabazi e a Cruz Vermelha ainda estão procurando meus pais. Eu não sei nem se eles ainda estão vivos. Mas por enquanto, Murhabazi é meu pai. Eu o amo e sei que ele me ama, porque ele me ajuda em tudo. Eu penso na minha mamãe, no meu pai e nos meus irmãos e irmãs o tempo todo. Coisas horríveis aconteceram. Apesar de tudo, a vida está um pouco mais fácil agora que Murhabazi toma conta de mim.” Vestine, 15 anos
Crianças nos lares e escolas de Murhabazi
As irmãs Benon, Vestine e Valentina vivem juntas em um dos lares de Murhabazi.
TEXTO: ANDRE AS LÖNN FOTO: BO ÖHLÉN
Há 68 garotas morando no lar de Murhabazi para meninas vulneráveis em Bukavu. Durante o dia, mais 297 garotas vêm ao lar para ir à escola do BVES. Elas já viveram no lar, mas agora retornaram para suas famílias. “As famílias geralmente são tão pobres, que não têm condições de mandar seus filhos para escolas regulares. Nossa escola é gratuita, e as crianças podem permanecer o tempo que precisarem”, diz Murhabazi. Atualmente, 71 meninos moram no lar de Murhabazi em Bukavu para meninos que foram soldados-criança. Murhabazi tem 35 lares e escolas por toda a República Democrática do Congo. Atualmente, há um total de 15.284 crianças que recebem algum tipo de apoio do BVES. Por exemplo, 8.138 crianças recebem auxílio para frequentar escolas regulares e 37 jovens têm apoio para cursar uma universidade.
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Na Índia, crianças realizaram conferências de imprensa em cerca de 20 cidades para revelar os Heróis dos Direitos da Criança da Década. A conferência da cidade de Nova Deli foi realizada no Raj Ghat, onde Mahatma Gandhi foi cremado após seu assassinato. A conferência de imprensa foi aberta com uma apresentação de dança.
O QUE É A
Crianças suecas promoveram Conferências com a Imprensa em 56 cidades do país, que resultaram em 270 histórias veiculadas em muitos meios de comunicação. Em Estocolmo, Rickard Jansson anunciou que Nelson Mandela e Graça Machel foram eleitos Heróis dos Direitos da Criança da Década. Majid Benachenhou e Louise Rosengren pronunciaram sobre as violações aos direitos da criança na Suécia.
FOTOS: HARSHIT WALIA
CONFERÊNCIA DAS CRIANÇAS DO MUNDO COM A IMPRENSA? Duas vezes ao ano, você e seus colegas de escola podem organizar sua Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa: uma, para apresentar os nomeados, e outra, para divulgar o resultado da Votação Mundial. Nestas ocasiões, somente as crianças podem se pronunciar! Ninguém maior de 18 anos tem permissão para estar na tribuna. Abaixo, dicas sobre como fazer:
• Convidem todos os meios de comunicação e ofereçam informações em abundância. Enviem um convite, mas também façam visitas e telefonem para os editores das redações dos jornais. Um dia antes da conferência com a imprensa, relembrem a todos sobre o evento! • Se possível, iniciem e encerrem a conferência de imprensa com músicas, canto e dança. • Logo na abertura, informem aos jornalistas fatos relevan• Promovam a sua conferêntes sobre os direitos da criancia de imprensa na escola ou, ça em seu país, e expliquem ainda melhor, no principal quais melhorias vocês acham edifício da sua cidade, para que deveria haver com relamostrar como as crianças ção ao respeito aos direitos e suas opiniões são da criança. Vocês também importantes. podem enviar, antecipadamente, aos políticos locais perguntas relativas aos direitos da criança e apresentar as respostas durante a conferência de imprensa.
• Se possível, mostrem o vídeo, que pode ser solicitado através do nosso site. • Anunciem quem são os três nomeados ao prêmio, ou o resultado da Votação Mundial. • Para encerrar, distribuam o comunicado à imprensa do Prêmio das Crianças do Mundo. Vocês também podem entregar aos jornalistas o folheto informativo com dados sobre os direitos da criança em seu país. • Compartilhem, com a central do Prêmio das Crianças do Mundo na Suécia, nomes de TVs e rádios e recortes de jornais que realizaram a cobertura da sua conferência de imprensa.
Dança na Conferência de Imprensa.
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“Lamento dizer que a nossa sociedade valoriza mais filhos do que filhas, que são muitas vezes vistas como um ônus econômico. Os direitos da criança são respeitados na Índia? Nós, as crianças, somos quem melhor pode dizer!”
No site www.worlds childrensprize.org você encontra: Sugestões de convite à imprensa, questões a serem abordadas com os políticos, o folheto informativo com dados sobre os direitos da criança, dicas de roteiros e um formulário para solicitar o vídeo. No site há também fotos, que os jornalistas podem usar e fazer o download. Se houver diversas escolas Amigas Mundiais do Prêmio das Crianças do Mundo atuando para alcançar os mesmos meios de comunicação, sugerimos realizar uma conferência de imprensa única e em conjunto. Neste caso, um representante de cada escola integra a tribuna das crianças.
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Bem-Vindo à Cerimônia do 10º Aniversário
Lisa Bonongwe do Zimbábue é uma das crianças do júri do Prêmio das Crianças do Mundo. Ela é uma das “Mestres de Cerimônia” e dá boas-vindas a todos na Cerimônia do 10º Aniversário, realizada no Stockholm City Hall, na Suécia.
Shobhna Jha apresenta uma dança folclórica indiana.
Herói dos Direitos da Criança da Década “Ser reverenciado pelas crianças é uma homenagem muito especial, pois vocês, as crianças do mundo, são a razão do nosso trabalho. Vocês demonstram uma coragem extraordinária, visão, paixão e compromisso em construir um mundo melhor. Madiba (Mandela) e eu nos comprometemos aqui e agora a trabalhar com vocês, crianças do mundo, para construir um mundo que valoriza as crianças, que respeita e promove seus direitos em todos os lugares. Mandiba diz a todos vocês, as crianças: Eu amo vocês”. Alguns dos maiores heróis dos direitos da criança do mundo e anteriormente laureados com o Prêmio das Crianças do Mundo vieram à cerimônia do 10º aniversário, acompanhados de alguns jovens beneficiados por suas ações. Nós prestamos home-
nagem a eles, da esquerda para a direita: Graça Machel e Déborah Macaringue, de Moçambique, Asfaw Yemiru e Sosena Alemayehu, da Etiópia, Gail Johnson e Zintle Mqwayo, da África do Sul, Anuradha Koirala e Poonam Thapa, do Nepal, Maggy Barankitse e Lydia Akimana, do Burundi, James Aguer e Abuk Deng Garang, do Sudão, Piromya Sathathai e Prateep Ungsongtham Hata, da Tailândia, Mofat Maninga e Judith Kondiek, do Quênia, Betty Makoni e Alice Shuvai, do Zimbábue, Somaly Mam, Daly Ly e Srey Pov Chan, do Camboja, Josefina Condori Quispe e Maria Elena Achahui, do Peru.
FOTOS: SOFIA MARCETIC, KIM NAYLOR & EWA STACKELBERG
Graça Machel, Heroína dos Direitos da Criança da Década, com Nelson Mandela, recebe seu prêmio da Rainha Silvia da Suécia.
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Kasm Kathakaar, companhia de dança da Índia.
Ama Ambush Abantwana, da África do Sul, abriu a cerimônia com uma apresentação de marimba e percussão.
Piromya Sathathai e Prateep Ungsongtham Hata, da Tailândia.
O Hanoi Theatre College, do Vietnã, dançou e tocou instrumentos de bambu.
Maggy Barankitse e Lydia Akimana recebem suas medalhas.
James Aguer e Abuk Deng Garang são homenageados pela rainha.
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A membro do Júri, Gabatshwane Gumede, da África do Sul, canta uma canção para os Heróis dos Direitos da Criança da Década, Nelson Mandela e Graça Machel.
O garoto do júri, Mofat Maninga, também representa as crianças que recebem auxílio das Mães Dunga do Quênia. Ele foi presenteado com uma medalha pela Rainha Silvia.
Tommy Rutten, dos Estados Unidos, conduz a cerimônia com Lisa, do Zimbábue. Tommy representa as crianças votantes.
Judith Kondiek, Betty Makoni, Alice Shuvai, Somaly Mam, Daly Ly, Sreypao Chan, Josefina Condori Quispe e Maria Elena Achahue foram presenteadas com medalhas e flores pela Rainha Silvia.
A garota do Júri Poonam Thapa também representa as crianças que recebem apoio da Maiti Nepal, fundada por Anuradha Koirala (à esquerda).
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Uma dança tradicional brasileira com pequenas sombrinhas.
Ama Ambush Abantwana é uma banda de marimba da Cidade do Cabo, na África do Sul.
A Orquestra de Câmara, Lilla Akademien, se apresenta na cerimônia do 10º aniversário. Todos os anos, o júri infantil do Prêmio das Crianças do Mundo participa da organização da cerimônia de premiação.
Thanks! Tack! Merci ! ¡Gracias! Obrigado! Em Bangladesh: The Swallows, SASUS, RedwanE-Jannat Benin: Juriste Echos Consult – Jeacques Bonou, Oumarou Tikada Brasil: Grupo Positivo (Portal Positivo, Portal Educacional and Portal Aprende Brasil), SEMEDSantarém (PA), 5a Unidade Regional de Educação/ SEDUC-PA, SME-Monte
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Alegre (PA), SME-Juruti (PA), Projeto Rádio pela Educação/ Rádio Rural de Santarém, SMESão José dos Campos (SP), ONG Circo de Todo Mundo, Samuel Lago, Gilson Schwartz, Christiane Sampaio Burkina Faso: Art Consult et Developpment, Malachie Dakuyo Birmânia: BMWEC, Community Schools Program, Eh Thwa Bor Burundi: Maison Shalom, Maggy Barankitse Camarões: SOS Villages
d'Enfants Cameroun, Caroll Mikoly Gâmbia: Child Protection Alliance (CPA), Bakary Badjie Gana: Ministry of Education, ATWWAR, Ekua Ansah Eshon, Ghana NGO Coalition on the Rights of the Child, Unicef, VRA Schools Guiné-Conacri: Ministère de l’Education, CAMUE Guinée, Oumar Kourouma, Unicef, Parlement des Enfants de Guinée Guiné-Bissau: Ministério da Educação, AMIC,
Laudolino Medina, Fernando Cá Filipinas: Lowel Bisenio Índia: City Montessori School Lucknow, Shishir Srivastava, Times of India’s Newspaper in Education, Peace Trust, Paul Baskar, Barefoot College, Tibetan Children’s Villages, CREATE, Hand in Hand Quênia: Ministry of Education, Provincial Director of Education for both Western and Nyanza Provinces, CSO Network for Western and Nyanza Province,
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Corpos e Tambores do Movimento Pró-Criança, do Brasil.
“Queridas crianças,
Na última canção, ‘Um Mundo de Amigos’, o coro Spektrum Teens é auxiliado pelos membros do júri e todas as crianças durante sua apresentação na cerimônia.
Betty Okero República do Congo: ASUDH/Gothia Cup República Democrática do Congo Kinshasa: FORDESK, Tuzza Alonda, APEC, Damien Kwabene, APROJEDE, Amisi Musebengi Mauritânia: Association des Enfants et Jeunes Travailleurs de la Mauritanie, Amadou Diallo México: Secretaría de Desarollo Humano Gobierno de Jalisco, Gloria Lazcano Moçambique: Ministério da Educação e Cultura, SANTAC (Southern African Network Against Trafficking and Abuse of Children), Margarida Guitunga, Malica de Melo, FDC (Fundação
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para o Desenvolvimento da Comunidade), Graça Machel Nepal: Maiti Nepal, Janeit Gurung Nigéria: Federal Ministry of Education, The Ministries of Education in Kogi State, Lagos State, Ogun State, and Oyo State, Unicef, Royaltimi Talents Network, Rotimi Samuel Aladetu, CHRINET, Children’s Rights Network, Moses Adedeji Paquistão: BLLFS, Mir Sarfraz, BRIC, PCDP Ruanda: AOCM, Bonaventure Senegal: Ministère de l’Education, Ministère de la Femme, de la Famille et du Développement Social, EDEN, Save the Children Sweden, Unicef Reino
Do fundo do meu coração, eu gostaria de agradecer a vocês. Os direitos da criança são tão importantes! Eu partilho da sua reivindicação para que estes sejam respeitados. Durante seus primeiros dez anos, o Prêmio das Crianças do Mundo educou milhões de crianças sobre os seus direitos e as fortaleceu, possibilitando que expressem suas opiniões sobre a forma como tais direitos devem ser respeitados. Devo dizer que o Prêmio das Crianças do Mundo realiza um excelente trabalho pela promoção dos direitos da criança”. Rainha Silvia da Suécia
Unido: The Children’s Rights Director for England, Roger Morgan, Oasis School of Human Relations, Zena Bernacca África do Sul: Ministry of Education, National Department of Education, Eastern, North West Department of Education and Department of Social Development, Bojanala Platinum District Municipality and Department of Education, Marlene Winberg, Nadia Kamies, Vusi Setuke Tailândia: Ministry of Education, Sunida Dechsen, Duang Prateep Foundation, República Tcheca: Vzajemne Souziti
Uganda: Uganda Local Governments Association, Gertrude Rose Gamwera, Wakiso District, BODCO, Nason Ndaireho, GUSCO, Louis Okello EUA: World’s Children’s Prize US Inc, Margareta Anden Vietnã: Vietnam Committee for Population, Family and Children – CPFC, Voice of Vietnam – VOV Children’s Programme, Nguyen Thi Ngoc Ly Zimbábue: Girl Child Network, Nyasha Mazango
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the 2011 world’s children’s prize jury IG O L M A A N DI MU R . D. DO
Bwami Ngandu CON G O
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I G O L Hamoodi M A A N DI Elsalameen MU PALESTINA
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Maria Elena Achahui
Po o n a m Thapa
I G A L Gabatshwane M A N DI A Gumede MUÁ F R I C A D O S U L
I G A L Hannah M A A N DI Taylor MU CANADÁ
IG O L M A A N DI MU
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IG O L Mofat M A A N DI M a ninga U M QUÊNIA
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the world’s children’s prize for the rights of the child
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