Miolo 20 villa da feira

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anos na altura), sua irmã, Maria Gomes de Jesus (92 anos) e uma companheira da comunhão desta última, Ana Pereira dos Santos ou Ana da Quebrada (91 anos), que diziam recordarse perfeitamente do acontecimento. Ti Emília do Pedro era a mais interveniente e vivaça, na sua linguagem de sabor popular, mas muito expressiva, e as companheiras limitavamse a assentir: Fomos de branco, com os vestidos da comunhão, botarlhe [ao rei] flores. Quando o comboio chegou, começámos logo por atirá-las à máquina. O Rei era um rapaz como tu, só era mais delgadinho, mais baixo e também mais novo. Tinha 18 anos. Vinha com uma luva calçada e outra tirada, muito bonito e cheio de medalhas. O povo dava-lhe vivas – “Viva D. Manuel II!” – e ele agradecia com a mão. Além disso, arrebolava coisas para fora, deviam ser moedas que a canalha mais velha apanhava. Ia muito amarelinho – cheiinho de medo. Ele até nem ia no vagão que o senhor abade tinha dito! Vinha na plataforma de uma carruagem de 1.ª. As almofadas vinham lá, mas ele não! É que ele viu morrer, pouco tempo antes, o pai e o irmão. Havia muita gente, como na Senhora da Saúde. Muitos foguetes, O sítio é que era feio. Só havia lá umas casitas baixitas. Estava lá o nosso P.e José de Almeida. Pegou, tirou a capa de asperges e botou-a nas escadas do comboio. Ajoelhou-se e ele e mais três padres que estavam com ele beijaram a mão ao rei e embarcaram no comboio, onde também ia o sr. Sá Couto.4

caso, um de manhã e outro de tarde. De Espinho partiam composições às 8.30 e às 17 horas e chegavam a Oleiros 18 a 20 minutos depois. No sentido descendente, paravam aqui um comboio às 7.12 e outro às 14.55 horas. Um bilhete Oleiros-Espinho (ou vice-versa) custava 150 réis em 1.ª, 120 em 2.ª e 80 em 3.ª classe. Vieram depois múltiplas alterações e Oleiros haveria ainda de conseguir um apeadeiro na Lapa5, como aconteceu com os do Cavaco-Feira, Sanfins e Escapães, para referir apenas os do concelho. Apesar do sucesso que foi esta linha, durante um século ao serviço desta região, não lhe faltaram, nem faltam hoje, as dificuldades e os percalços. Eles começaram logo nesse primeiro dia de exploração: a máquina do comboio descendente da tarde descarrilou em Oliveira de Azeméis, quando invertia o sentido, e à máquina que vinha de Espinho para a substituir aconteceu-lhe o mesmo em Cucujães. A passagem da linha para a gerência da CP, a má administração desta empresa e o seu aparelho extremamente pesado, as acusações de incendiário por volta de 1973, de que foi vítima o comboio, o desprezo a que foi votada esta linha com materiais sempre re-usados, a opção de privilégio concedida às estradas e auto-estradas e aos veículos motorizados, tudo isso e muitos outros factores terão contribuído para a decadência do Vale do Vouga, que teima, contudo e felizmente, em vingar. BIBLIOGRAFIA:

Seriam treze horas e pouco. O comboio real retomou a marcha, porque até Oliveira de Azeméis, haveria várias estações onde se repetiria o mesmo cenário de euforia e, só na Vila da Feira, esperavam-no 20.000 pessoas, segundo estima o Correio da Feira. O início da exploração efectiva daquela secção do Vale do Vouga, com “serviço de passageiros, bagagens e cães”, ocorreria em 21 do mês seguinte, a segunda-feira anterior ao Natal de 1908. Nos horários da altura apenas constam as seguintes estações: Espinho-Praia, Espinho-Vouga, Oleiros, Paços de Brandão, S. João de Ver, Villa da Feira, Arrifana, S. João da Madeira, Cucujães, Oliveira de Azeméis. Eram quatro os comboios diários: dois no sentido EspinhoOliveira de Azeméis, dois no sentido inverso e, em cada 4 - Referência certamente a José de Sá Couto Moreira.

- A Gazeta de Espinho de 16 e 23/12/1906, 12 e 26/7, 8, 15 e 29/11/1908; - «Caminhos de Ferro Novos – A Linha do Valle Vouga», in Illustração Portuguesa, de 4/01/1909; - Correio da Feira n.º 154 de 17/3/1900 e 213 de 4/5/1901; - Guias-Dicionários Regionais, Vol. I, Edições GEDER, Espinho 1933; - MONTEIRO, Anthero, «Inauguração e Abertura da Linha do Vale do Vouga», in Diálogo n.º 8, Novembro/Dezembro 1988. - VINHAS, Joaquim Moreira (direcção), Monografia do Vale do Vouga, Edição da Comissão Organizadora do 75.º Aniversário da Linha do V.V., número único, Novembro de 1983;

5 - O apeadeiro da Lapa consta de um mapa das estações e apeadeiros da Linha do Vouga inserto no vol. I dos Guias-Dicionários Regionais, datado de 1933.

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