Villa da feira22

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Ficha Técnica Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ® Director: Celestino Portela Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia Colectivo Editorial - Fundadores LAF: Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro Processamento de Texto: Carla Maria Costa Ferreira Coordenação Científica: J. M. Costa e Silva Supervisão Editorial e Gráfica: Anthero Monteiro Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende Periodicidade: Quadrimestral Assinatura anual: 30 euros Assinatura auxiliar: 50 euros Este número: 15 euros Pagamentos por: Transferência bancária NIB 007900001127152910124 Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira Capa: Prof. Dr. Francisco Ribeiro da Silva - Foto Óscar Maia. Fotografias: Óscar Maia, Miguel Costa, J. M. Costa e Silva, Arquivos particulares, LAF e Fotos Web por José Correia Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604 Fax: 256 379 607 Tiragem: 500 exemplares Edição: N.º 22 - Junho de 2009 Pré-impressão, Impressão e Acabamento: Empresa Gráfica Feirense, S. A. Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da Feira Sede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da Feira Email: villadafeira@gmail.com Email: villadafeira@portugalmail.pt Depósito Legal: 180748/02 ISSN: 1645-4480 Reg. ICS: 124038 Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da Feira Apoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. Zoo Lourosa - Parque Ornitológico E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A.


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Pórtico

É com uma muito agradável sensação de felicidade que apresentamos o primeiro número do oitavo ano de publicação da Villa da Feira. Ao olharmos o caminho percorrido, ao folhearmos a revista, ao quedarmo-nos um pouco sobre os índices, uma palavra nos vem aos lábios e ciciamos: Obrigado. E o pensamento exalta os distintos colaboradores, os dedicados apoiantes e os interessados assinantes e leitores. Evocamos hoje, com muita honra, a Jornada de Convívio com o Senhor Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva, vivificante manifestação de amor Santamariano só possível com o entusiasmo das associações que a organizaram.

E o 20°. Aniversário da morte de um Querido Amigo, o Dr. Rogério Martins Fernando e, com ele, mais um aniversário do nascimento de Fernando Pessoa (13-06-1888) e de Miguel Torga (12-08-1907) e da morte de Luís de Camões ( 10-061580). Registamos também o regozijo que todos sentimos com a atribuição ao Dr. Manuel Lima Bastos do Prémio Literário Ordem dos Advogados 2009, pelo seu trabalho À Sombra de Mestre Aquilino - Crónicas de um Almocreve do Direito que é a consagração de um Devoto Aquiliniano e nosso distinto colaborador. Inserimos as palavras que proferiu na cerimónia da entrega do Diploma que teve lugar no dia 19 de Maio, Dia do Advogado, em Portalegre, no Salão Nobre da Câmara Municipal. O Director,


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Fotografia de Flávia Pedrosa Reis*

É natural de S. João de Ver, mas reside em Santa Maria da Feira (Avenida Sá Carneiro). É estudante na Escola Secundária Artística Soares dos Reis, no Porto. Tem 6 anos de Formação Musical incluindo aulas de piano. Também tem estudos em Pintura e Desenho. Mas uma grande paixão sua é a fotografia. Participou na exposição de fotografia na galeria Servartes. Já viu publicada uma fotografia sua na revista Super Foto Prática. Tem colaborado em alguns trabalhos de montagem de montras.


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Mensagem Anthero Monteiro* Desta vez, por beneplácito dos deuses, é concedido este espaço de mensagem ao mais humilde dos colaboradores desta revista. Mercê das funções que nela me são cometidas, tenho o privilégio de ler antecipadamente todas as suas linhas e páginas. É verdade que, de cada vez, se trata de um verdadeiro murro nos olhos de quem já os foi gastando nos milhares de volumes que devorou, na catadupa de palavras que alinhou e alinhavou, a maior parte para «a leitura sôfrega das labaredas», como diz num dos seus poemas, ou na lixa dos aparentemente lisos e hoje incontornáveis monitores. O que estes olhos, já meio comidos (ainda não pela terra) têm podido encontrar nas páginas de Villa da Feira constitui, no entanto, uma série de enormes recompensas para alguns dos sacrifícios a que eles são obrigados, a maior das quais é, sem dúvida, o constante ensejo de útil aprendizagem. Desfilam na revista, número após número, os mais interessantes e aturados estudos sobre as mais diversificadas matérias, numa dimensão e alcance que em muito excedem os parâmetros locais e com um selo de qualidade que é garantia plena de que vale a pena essa aprendizagem.

É por isso que esta saudação é simultaneamente mensagem de regozijo e de felicitações para quem tão proficientemente dirige esta revista, para os que nela colaboram, para os que, de alguma forma, a idealizam, tornam possível e concretizam. E é também palavra de incentivo para que se prossiga esta nobre missão e não se deixe morrer (o que nem sequer se coloca como hipótese nos seus horizontes) o que constitui para o nosso concelho, mas, afinal, para o panorama cultural nacional, aquilo que hoje se designa comummente por uma “mais-valia”. Como, porém, estas palavras, por tão exíguas e pobres, nada lhe acrescentam, mais valia… era estar calado.

* Escritor e poeta natural de S. Paio de Oleiros. É autor, de múltiplas obras poéticas, didácticas e ensaísticas. A última que editou intitula-se “A Canção de Guerra Contra a Guerra”, Vila Nova de Gaia, Corpos Editora, 2008. Saiu também recentemente a 2.ª edição do seu livro “Desesperância”, com prefácio de Manuel Poppe. Organizador de várias tertúlias poéticas, coordena as “Quartas Mal - ditas” do Clube Literário do Porto.


SUMÁRIO

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Pórtico Celestino Portela Fotografia Flávia Pedrosa Reis Mensagem Anthero Monteiro Homenagem Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva António Barros Cardoso Poesia Ilda Maria Homenagem Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva Alfredo de Oliveira Henriques Poesia Henrique Veiga de Macedo Intervenção de: Francisco Ribeiro da Silva Poesia Conceição Paulino Festa em Honra de S. Sebastião e das Fogaças D. João Lavrador Festa das Fogaceiras em Caracas Amadeu Albergaria O Dr. Crispim Manuel Leão Vila da Feira no século XVII: um percurso José António Martin Moreno Afonso Exaltação da Pátria em Camões, Pessoa e Torga Rogério Martins Fernando Torga: Escultura de Aureliano Lima Itinerário da vida de um homem comum Capítulo Terceiro: O Abade das Levadas Manuel de Lima Bastos Capítulo Quarto: D. Moisés Alves de Pinho Poesia Gilberto Pereira A Igreja de Fajões: do ano de 1068 ao século XX Samuel Oliveira Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco Azevedo Brandão Domitilla de Carvalho (1871-1966) – Percursora na Educação e na Política Margarida Carvalho Poesia Sérgio Pereira O Alargamento do Concelho de Espinho Francisco Azevedo Brandão Poesia Anthero Monteiro Evocação de Carlos de Moraes Celestino Portela Cancioneiro de Sanfins das Terras da Feira Óscar Fangueiro Antologia Prática de um Devocionário Popular Domingos Azevedo Moreira Gungunhana a Caminho do Exílio Maria da Conceição Vilhena Poesia Edgar Carneiro Antecedentes Onomásticos do Topónimo Luriz Domingos Azevedo Moreira Poesia João Pedro Mésseder Brasil: Descobrimento ou Achamento? Tiago Santos Adultério Jorge Augusto Pais de Amaral Poesia Manuela Correia Intervenção no dia do Advogado a Propósito da Entrega do Prémio Literário da Ordem dos Advogados Manuel de Lima Bastos A Bomba Joaquim Máximo A Primeira Colecção de Postais Ilustrados de Ovar Manuel Fernando Bernardo Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo Poesia Maria Fernanda Calheiros Lobo

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PROFESSOR DOUTOR FRANCISCO RIBEIRO DA SILVA

Foto Óscar Maia


Convite

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O Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, a Junta de Freguesia de Argoncilhe e as Associações têm o prazer de convidar V. Ex.cia a participar no Jantar Convívio com o Ex.mo Senhor Prof. Doutor Francisco Ribeiro da Silva, no dia 10 de Outubro de 2007, pelas 19,30 horas, no “Restaurante Cruzeiro”, em Fornos, Santa Maria da Feira. O Senhor Prof. Doutor António Barros Cardoso proferirá uma palestra. Seguir-se-á um momento Cultural pelas Associações.

Instituto Superior de Entre o Douro e Vouga

Instituto Superior de Paços de Brandão


Homenagem ao Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva 10-10-2007

António Barros Cardoso*

Gostava, antes de mais, de agradecer o convite que me foi dirigido para estar aqui hoje entre muitos amigos do Professor Francisco Ribeiro da Silva, um grande amigo para além de professor e bom conselheiro em muitos momentos da minha vida profissional e pessoal. Sinto-me muito honrado por ter sido escolhido para dizer nesta sessão algumas palavras sobre a sua obra, Senhor Professor. Ao fazê-lo nestas circunstâncias, é evidente que corro sempre o risco de cair num estilo apologético, deixando de lado a objectividade que normalmente caracteriza as pessoas ligadas ao mundo académico e à ciência. Mas, afinal, repito, estou entre amigos do Professor Francisco Ribeiro da Silva, permito-me por isso correr esse risco, saberão compreender-me e saberão perdoarme por essa tentação. Embora ciente de que esta sessão de homenagem ao Professor, ao homem, ao amigo a isso me obrigava, não pretendo através de sentidas considerações a esse propósito Professor Auxiliar do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Coordenador Científico do GEHVID -. Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do Vinho do Porto. Palavras proferidas na Sessão de Homenagem ao Prof. Francisco Ribeiro da Silva. *

despertar sentimentos que poderiam fazer lacrimejar os nossos olhos. Prefiro reservar as demonstrações da elevada estima e consideração que sabe que tenho por si para continuar a nortear os meus gestos e atitudes decorrentes da nossa vivência comum quase quotidiana. Antes mesmo de me referir ao professor e ao historiador, tenho obviamente de falar no homem e faço-o porque, sempre que falamos do Professor Ribeiro da Silva – e aqui refiro-me às conversas de corredor da faculdade e noutros patamares onde temos a oportunidade de falar da personalidade hoje aqui homenageada –, fala-se, sem excepção, da sua afabilidade no trato, fala-se das suas qualidades humanas excepcionais, fala-se do seu sentido de justiça, fala-se da sua faceta de bom conselheiro, como de resto já referi. Em suma, fala-se da grandeza dos seus valores éticos, sempre moldados por um excepcional sentido de tolerância para com os outros, que, num mundo complexo como aquele em que vivemos, permito-me a ousadia, parece ganhar por vezes uma certa ingenuidade. Mas confesso, e penso poder falar em nome de muitos, prefiro essa ingenuidade aparente à lição dos que se acham insuperáveis, incapazes de falhar. Numa palavra, aos despojados dos valores humanistas pelos quais o Professor Francisco Ribeiro da Silva pauta a sua conduta. Quanto ao Professor – já foi aqui dito – passou por vários patamares ao longo da sua também longa carreira. Cursou

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O orador no uso da palavra.

Teologia, licenciou-se em Ciências Históricas pela Faculdade de Letras da Universidade da qual foi professor até há bem pouco tempo, doutorou-se, pela mesma universidade, na especialidade de História Moderna e Contemporânea e desenvolveu na mesma Faculdade uma actividade pedagógica invejável e sobejamente conhecida. Na sua actividade científica, destaco sobretudo a participação em dezenas de congressos e reuniões científicas em Portugal e no estrangeiro. Proferiu simultaneamente dezenas de conferências dentro e fora do país. Tem feito parte de numerosos júris de provas académicas de mestrado, doutoramento e agregação em várias universidades portuguesas e estrangeiras. No plano das actividades administrativas que desempenhou, permito-me relevar o seu papel como Vice-Reitor

da Universidade do Porto (2001-2006), funções que desempenhou com altíssima qualidade, reconhecida pela academia portuense em várias ocasiões. Foi o primeiro Provedor do estudante da Universidade do Porto, foi também o primeiro Presidente do departamento de História (2000/2001), hoje aqui representado pela minha colega Professora Amélia Polónia; foi Presidente do Conselho Directivo da Faculdade Letras (19921994); foi Vice-Presidente do Conselho Científico da mesma Faculdade (1987-1990). Em suma, passou por todos os órgãos de gestão da universidade e neles deixou as marcas do homem rigoroso, mas simultaneamente do homem afável, da personalidade em quem alunos e professores encontram sempre uma palavra certa de atenção e conforto espiritual. O termo pode parecer um pouco forte, mas, de facto, as conversas que por vezes, quer eu quer outros colegas, têm


com o Professor Ribeiro da Silva são apaziguadoras, nunca conversas em que, como se diz vulgarmente, se lançam “achas para a fogueira”. Ao contrário, procura sempre, ajudar a gerir da melhor forma eventuais desencontros e conflitos que a vida a todos reserva. Participou também em associações científicas e culturais, nomeadamente foi sócio-fundador da Sociedade Portuguesa de Estudos do século XVIII, sócio correspondente da Academia Portuguesa da História, sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, no Brasil, membro da Associação de Historiadores Latino-americanoeuropeus, coordenador do Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense do Vinho do Porto, membro do Instituto de Documentação Histórica da Universidade do Porto, membro do Instituto de História Moderna da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, membro da mesa da Assembleia Geral da Liga dos Amigos do Museu Militar e penso que não serão apenas estas as organizações que o Professor Francisco Ribeiro da Silva integra. Citei apenas as mais significativas. Quanto ao Professor, começo por dizer que as qualidades do Homem se reflectem na função do Professor. Fui seu aluno, como se recorda, em várias cadeiras. Aprendi consigo História Institucional e Política da Época Moderna, ensinoume a gostar do Porto através da sua História. De resto, foi quando frequentava a sua cadeira de História da Cidade do Porto que tomei pela primeira vez a palavra numa aula da faculdade. Pediu-me então, não sei se está recordado, que falasse das fontes para a história da cidade. Eu, na altura, era aluno do Professor Ribeiro da Silva e fiquei surpreendido com o pedido a um aluno para falar das fontes para a história da cidade existentes no Arquivo Distrital, onde eu então desempenhava funções de natureza administrativa. Reconheci que o Professor Ribeiro da Silva me quis dar a oportunidade de poder falar – no entender dele, melhor do que ele próprio – do arquivo que afinal ele conhecia tão bem. Devo dizer-vos que o Professor Ribeiro da Silva e apesar de eu o conhecer bem do Arquivo Distrital, sabia muito mais do que eu de fontes para a história da cidade. Simplesmente quis ouvir-me de viva voz, se calhar quis testar-me também, para saber afinal o que é que eu sabia sobre a matéria. Bom, fiquei satisfeito porque respondi ao desafio e percebi, de facto, que estava perante um professor que muito provavelmente iria acompanhar-me algum tempo. Aqui estamos, passados alguns anos.

Senti também – estou a falar de uma experiência muito pessoal – que entre os meus colegas alunos e o Professor Ribeiro da Silva, sempre houve as melhores relações. Mais tarde, em 1991, já como seu assistente na cadeira de História da Cidade do Porto, não me recordo de ter havido entre nós divergências assinaláveis ou rivalidades de qualquer natureza. Nessa altura habituei-me a admirar a sua conduta, o seu percurso de professor auxiliar a professor catedrático da faculdade, percebendo as suas lições sobre as técnicas e métodos de prosseguir a investigação científica em História, percurso marcado pela complexidade, só vencida por uma grande perseverança e muito trabalho. Habituei-me, nesses anos, a admirar o Investigador, não apenas o Professor. É que, neste percurso, o Professor Ribeiro da Silva não abandonava os arquivos e as bibliotecas. Foram poucos os professores que eu tive oportunidade de encontrar nas minhas deambulações pelos arquivos e pelas bibliotecas quando preparava o meu doutoramento, refiro-me naturalmente a professores doutorados. Quanto ao Professor Ribeiro da Silva, a participação num congresso implicava sempre a entrega à investigação fundamental. Dizia-me ele muitas vezes: é preciso apresentar coisas novas. É uma frase de que eu não me esqueço. E este percurso materializou-se aliás nos mais de 166 títulos que integram a sua vasta obra, que leva hoje longe, não apenas o seu nome, mas também o nome da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. À história da cidade do Porto – já foi dito – dedicou a maior parte do seu labor. Contamos na sua bibliografia 44 títulos especificamente sobre a História do Porto. Contudo, foi igualmente importante a atenção que o Professor Ribeiro da Silva dedicou à História política de Portugal, à História dos concelhos e do municipalismo, à História do ensino e da alfabetização, à História da assistência e, em menor expressão, dedicou-se ainda à História militar, à História religiosa, à biografia de grandes personalidades e ainda à divulgação de fontes, métodos e problemáticas da investigação histórica na Época Moderna. Permitam-me tecer ainda algumas considerações sobre uma pequena parte da sua extensa obra que, por razões de afinidade com o meu próprio trabalho de investigação histórica, me habituei a valorizar mais. Refiro-me aos grandes contributos que o Professor Ribeiro da Silva nos deu e continua a dar para a história do Douro e do vinho que aquela região produz, comercializado há três séculos sob a denominação

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Porto. Trata-se afinal de um vinho que levou longe o nome da cidade, que o Professor Ribeiro da Silva, vimo-lo, escolheu como objecto principal dos seus estudos: o Porto. No seu percurso de investigação histórica, o nosso homenageado aproximou-se da história da vinha e do vinho em 1986, ano em que, como bolseiro, permaneceu no pólo III da Universidade de Bordéus – Michel Montaigne, com o apoio da Embaixada Francesa em Portugal. Era então seu objectivo ensaiar e comparar vias metodológicas de abordagem do tema «vinhas e vinhateiros», que procurou aplicar aos estudos sobre o Alto Douro. Nessa altura, escolheu como objecto de estudo uma das mais afamadas regiões francesas produtoras de vinho – a região de Bordéus. Fê-lo, estamos certos, não apenas por esta razão, mas sobretudo, cuidadoso como é na preparação dos seus trabalhos, depois de ter lido bibliografia vasta2 que lhe proporcionou a percepção de que aquelas terras, a forma como nelas se produziu vinho, como se organizava a vitivinicultura e o comércio de vinhos, apresentavam semelhanças com a região vinhateira do AltoDouro onde ainda hoje se produzem os vinhos que, ao longo da primeira metade do século XVIII, derrubaram o gosto inglês pelos “claret” bordaleses e conquistaram definitivamente um lugar destacado nos mercados ingleses, ao mesmo tempo que construíam reputado nome no mundo dos vinhos. Mais tarde, mesmo antes da publicação da sua tese de doutoramento, Francisco Ribeiro da Silva voltou a mostrar interesse por esta temática ao abordar no congresso Pombal Revisitado os Motins do Porto de 1757, apresentando este acontecimento de que a cidade foi palco há 250 anos numa perspectiva analítica nova, assente na melhor bibliografia actualizada sobre os motins e revoltas populares na Época Moderna. De resto, este trabalho deu base ao seu livro Absolutismo Esclarecido e Intervenção Popular – Os motins do Porto de 1757, publicado pela Imprensa Nacional em 1990. Aí, de forma mais desenvolvida e como é seu timbre, à luz de documentos inéditos sobre o tema, analisou de forma mais profunda o acontecimento que Arnaldo Gama romanceou. A história científica que cultiva, levou-o a equacionar a relação governantes e governados em Portugal no 3º quartel do século

XVIII, a passar em revista as principais linhas de força do poder pombalino e a analisar o relacionamento entre o poder municipal e o povo. Depois, não se limitou a fazer uma descrição factual dos tumultos, antes procurou saber das pré-condições que lhe estiveram subjacentes, demorando-se na narrativa histórica relativa à crise que então assolou o sector do vinho do Porto. Indagou sobre as circunstâncias precipitantes da revolta, sobre quem foram os seus mentores e líderes da acção, para depois se deter nas formas de repressão que o poder central usou contra os protagonistas da revolta e mesmo contra a cidade do Porto. Para tanto, percorreu os Livros da Contribuição Militar (1757), o Livro dos Cutelos dos Mercadores de Vinhos, o Livro das Fianças, os Livros da Imposição dos Vinhos, os Livros de Próprias e do Registo Geral, das Sentenças, do Sobejo das Sisas, vários Livros de Vereações, bem como o Traslado do Agravo que veio da Cidade do Porto, documentação guardada no Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante3. A sua pesquisa documental estendeu-se igualmente aos Livros Secção D – Banco do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Porto, aos fundos do Ministério do Reino no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, bem como aos manuscritos alusivos ao acontecimento existentes nas Bibliotecas Públicas de Évora e do Porto.4 Em suma, acrescentou autenticidade a um episódio marcante da história dos vinhos no Porto, ao mesmo tempo que nos legou o método para, com a objectividade que deve nortear o labor construtivo do conhecimento histórico, hoje podermos abordar acontecimentos similares. Senhor Professor, esta obra continua a ser de leitura obrigatória para os alunos da cadeira de “História da Cidade do Porto” que fundou e cujo funcionamento hoje asseguro. A sua tese de doutoramento O Porto e o seu Termo Os homens, as instituições e o Poder, publicada pela Câmara do Porto em 1988, embora não se reporte directamente à história do vinho, é uma obra sobre uma das “Cidades do Vinho”. Por isso, o assunto foi necessariamente abordado. No capítulo referente à economia da urbe, o Professor Ribeiro da Silva, dedicou ao vinho 45 páginas. Para além da indicação de fontes para estudar o vinho no Porto, usou algumas delas retirando conclusões valiosas sobre a quantidade de vinhos

2 ORTIZ, António Dominguez – Alteraciones Andaluzas, Madrid, 1973. MOUSNIER, Roland – La Plume, La Faucille et le Marteau, Paris, 1970; BERCÉ, Ives-Marie – Révoltes et révolutions dans l’Europe Modene (XVIIe – XVIIIe siècles): Paris, 1980.

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SILVA, Francisco Ribeiro da: Absolutismo Esclarecido e Intervenção Popular – Os Motins do Porto de 1757: Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, p. 167. 4 Idem, Ibidem.


entrados na urbe, a quantidade de vinhos exportados, sobre os mais importantes mercadores de vinho no Porto da primeira metade do século XVII, ao mesmo tempo que levantou questões pertinentes para a história do vinho do Douro como as da beneficiação e mistura dos vinhos. Procurou saber dos preços então praticados e da forma como a Câmara interveio no processo de comercialização, destrinçando as qualidades de vinho que se vendiam nas tabernas da urbe. De facto, boa parte das suas preocupações foram ponto de partida para o desenvolvimento de projectos de investigação científica que continua a orientar, deixou-nos por isso uma preciosa utensilagem de trabalho. É que as fontes que usou no Arquivo Municipal do Porto, são as mesmas que podemos encontrar noutros arquivos municipais de cidades nas quais o vinho teve, a vários níveis, um papel estruturante. Ou seja, a metodologia que desenvolveu permite-nos hoje fazer investigação em rede. A Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho, cuja recente criação o Professor Ribeiro da Silva também impulsionou e à qual, estou certo, aceitará brevemente presidir, tem como um dos seus propósitos aplicar a outras regiões vinícolas nacionais esta como outras metodologias de trabalho. Os frutos daí resultantes farão progredir de forma decisiva os estudos sobre a viticultura nacional e seus reflexos na organização sócioeconómica com consequências positivas nos progressos da vida patrimonial das diversas regiões visadas. A utilidade social da História passa pela capacidade de o produto do trabalho historiográfico servir o progresso e o desenvolvimento do espaço ou dos espaços que abrange. Ambos sabemos que um suficiente conhecimento da dimensão “tempo” dado pela História, é hoje fundamental aos vários patamares do nível decisório, sejam eles políticos, económicos ou outros. Mas voltemos à obra do Professor Ribeiro da Silva sobre o Douro e o Vinho do Porto. Em 1991, sob o título Porto et le Ribadouro au XVII.e siècle: la complementarité imposée par la Nature publicado no volume L’Identité Régionale. L’idée de région dans l’Europe du Sud-Ouest relativo às actas das segundas Jornadas de Estudos Nord du Portugal-Aquitaine, editado pelo CNRS de Paris5, que sairia também em versão portuguesa na «Revista da Faculdade de Letras - História»6, 5 SILVA, Francisco Ribeiro da - O Porto et le Ribadouro au XVII.e siècle: la complementarité imposée par la Nature in L’Identité Régionale. L’idée de région dans l’Europe du Sud-Ouest. Actes des Deuxièmes Journées d’Études Nord du Portugal-Aquitaine, Paris, CNRS, 1991. 6

o Professor Ribeiro da Silva deu a conhecer as profundas relações existentes entre a região vinhateira e a cidade que viria a servir de porta de saída para o mundo, primeiro dos vinhos designados de Lamego e depois dos vinhos que lhe tomaram o nome – os vinhos do Porto. Nesse texto, abriu pistas de estudo para se explorar uma complementaridade que estava muito para além dos vinhos e se estendia a outros produtos que a via fluvial fazia correr num e noutro sentido. Mais uma vez o nosso homenageado abriu o caminho da investigação histórica para pistas que outros continuam a percorrer. Refirome ao projecto científico actualmente em curso designado Porto e Douro - A complementaridade Intemporal que a Fundação para a Ciência e Tecnologia financia desde 2002 e no qual se perseguem algumas dessas pistas, envolvendo sobretudo jovens investigadores. Ao fazer estas referências estou a falar já do Professor Ribeiro da Silva enquanto director de pesquisa científica. Bem sabemos que as muitas teses de doutoramento que orientou não se circunscrevem à história do vinho do Porto, mas a sua sábia orientação no GEHVID – Grupo de Estudos de História da Viticultura e do Vinho do Porto, primeiro enquanto coordenador científico da área de História Moderna (1994-2001) e depois como Coordenador Científico Geral daquela Unidade de Investigação (2001-2006), contribuíram decisivamente para a afirmação da instituição no país e no estrangeiro. Sim, já podemos falar do GEHVID como instituição face a um historial de 12 anos ininterruptos de actividade, graças também ao seu empenhamento na manutenção e desenvolvimento daquela estrutura de investigação. De facto, na primeira fase, foi a vontade do Professor Ribeiro da Silva que muito contribuiu para a internacionalização do GEHVID. Em 1995, já Professor Catedrático da Faculdade de Letras não se inibiu de integrar um grupo, então de jovens investigadores, a quem, denodadamente ajudou, ora participando em cursos de verão (Universidade Internacional da Andaluzia – 1995) estabelecendo os contactos que nos permitem amiúde ter a companhia do Professor Javier Maldonado Rosso, ilustre historiador da Vinha e do Vinho e Presidente da Associação Internacional – História e Civilização da Vinha e do Vinho, ou deslocando-se aos arquivos e bibliotecas londrinas em busca de documentos inéditos sobre a saga dos vinhos do Douro nos mercados do Norte da Europa. Em ambos os casos, coube-me a honra de o acompanhar e posso dar aqui testemunho público do entusiasmo que

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quotidianamente depositava nos documentos que anotava. Em 1996 fez publicar no volume II da revista Douro – Estudos & Documentos um extenso texto que intitulou Do Douro ao Porto7. Pelo conhecimento que vou tendo de boa parte do que se publica em Portugal e no estrangeiro sobre a História do Vinho do Porto, atrevo-me a dizer que é dos textos portugueses mais citados. Aí, o Professor Ribeiro da Silva fez um balanço daquilo que a história científica tinha apurado sobre os vinhos do Douro, apontando sempre caminhos futuros de investigação, alguns deles trilhados por mim próprio na minha tese de doutoramento (2002) e outros seguidos através de projectos de investigação ainda em curso no GEHVID. Nesse artigo salienta a importância do mercado britânico para os vinhos do Porto ao longo da época Moderna, referindose aos mercados alternativos. Sintetiza as circunstâncias da criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a sua importância para a estruturação da Agroindústria dos vinhos do Porto. Interroga-se também sobre a reacção inglesa à instituição pombalina, assunto que o tem ocupado desde essa altura. No sentido de melhor perceber o funcionamento da Companhia pombalina e de se fazer juízo seguro da sua eficácia, publicou em 2001, na mesma revista Vinhos do Douro: loteamentos clandestinos que desafiaram o Marquês (1771-1775)8. Aí explora o texto da Devassa que o Desembargador António de Mesquita e Moura fez no Douro por ordem do Marquês de Pombal, não se ficando por superficiais referências ao importante documento histórico que manuseou para saber do território devassado, das pessoas inquiridas, do resultado das inquirições no sentido de pesquisar mais sobre as ligações do Porto ao Douro e do Douro ao Porto através dos nomes dos proprietários e feitores das quintas, bem como dos comissários dos mercadores nacionais e estrangeiros. De grande importância é a documentação inédita que tem vindo a publicar sobre esta matéria, sempre de forma crítica como é seu timbre, em boa parte oriunda do Public

Reccord Office de Londres. Refiro-me aos títulos A Companhia do Alto Douro e os negociantes ingleses (1756-1761) ou o difícil combate contra a tutela britânica, publicado em Os Vinhos Licorosos e a História. Funchal, 19989; Pombal e os Ingleses (Incidências económicas e relações internacionais) Cidade de Pombal, 2002. A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a crise da secular aliança lusobritânica10 publicado nas Actas do III Simpósio da Associação Internacional de História e da Civilização da Vinha e do Vinho, Funchal, 2004 e os Os ingleses e as circunstâncias políticas do negócio dos vinhos do Douro e Porto (1756-1800) na revista «Douro. Estudos & Documentos» n.º 2005. Outro dos interesses do Professor Ribeiro da Silva, declarado nas muitas conversas que temos tido sobre as temáticas Douro e Vinho do Porto é o conhecimento da região produtora a partir não apenas dos Arquivos do Porto, mas tendo por base a documentação produzida pela própria região do Douro – tal propósito enformou mesmo o último projecto de investigação que apresentou à FCT em Agosto passado sob o título O Porto dos Vinhos. Esta intenção já havia sido declarada na comunicação que proferiu em 1996 no 2º Congresso Internacional sobre o Rio Douro em Vila Nova de Gaia no texto A importância do vinho nas Memórias Paroquiais da Região Demarcada do Douro11, assunto que retomou em 2003 em As Memórias Paroquiais: uma microfonte para a macro história do vinho do Douro, nas actas do seminário Os Arquivos da Vinha e do Vinho no Douro. A preocupação do Professor Ribeiro da Silva com as fontes históricas sobre o Douro e a história do vinho do Porto, levou-o a publicar juntamente comigo As potencialidades dos fundos do Arquivo Histórico Municipal do Porto para a história do vinho na revista População e Sociedade editada pelo CEPESE – Centro de Estudos da População, Família e Sociedade, em 200212. Senhor Professor, estou certo de que não vão ficar por aqui SILVA, Francisco Ribeiro da - A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a crise da secular aliança luso-britânica in Actas do III Simpósio da Associação Internacional de História e da Civilização da Vinha e do Vinho, Funchal, 2004, p. 129-136. 11 SILVA, Francisco Ribeiro da - A importância do vinho nas Memórias Paroquiais da Região Demarcada do Douro - Actas do 2º Congresso Internacional sobre o Rio Douro -Vila Nova de Gaia, Abril 1996. 12 SILVA, Francisco Ribeiro da - As potencialidades dos fundos do Arquivo Histórico Municipal do Porto para a história do vinho (em colaboração com António M. de Barros Cardoso) in Revista «População e Sociedade», CEPESE, Porto, nº 9, 2002, p. 29-46. 10

SILVA, Francisco Ribeiro da - Do Douro ao Porto. O protagonismo do vinho na época moderna in «Douro. Estudos e Documentos», nº 2, Porto, 1996, pp. 93-118. 8 SILVA, Francisco Ribeiro da - Vinhos do Douro: loteamentos clandestinos que desafiaram o Marquês (1771-1775) in «Douro. Estudos & Documentos», nº 11, Porto, 2001, p. 161-180. 9 SILVA, Francisco Ribeiro da - A Companhia do Alto Douro e os negociantes ingleses (1756-1761) ou o difícil combate contra a tutela britânica in Os Vinhos Licorosos e a História. Seminário Internacional. 19-24 de Abril de 1998, Região Autónoma da Madeira, 1998, p. 239-265. 7


os importantes contributos que tem dado à história do vinho do Porto, à história do Douro e à história do relacionamento entre o Douro e o Porto. Foi sob a sua coordenação que a primeira História do Douro e do Vinho do Porto foi organizada. Hoje mesmo é dado a conhecer o primeiro volume daquela obra – o primeiro dos cinco volumes que o GEHVID e as Edições Afrontamento editam. A direcção de projectos de investigação que continuará a assegurar no âmbito seja daquela unidade de investigação, seja da Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho, trará, estou certo, novos contributos para o avanço dos estudos nesta área. De resto, o Professor Ribeiro da Silva, apesar de se ter retirado da Universidade, apesar de, enfim, nos reunirmos aqui por ter passado à idade tranquila, como eu costumo dizer, pelo convívio quotidiano que tenho tido com ele nos últimos meses, posso assegurar que de tranquila esta idade tem tido pouco. Por uma razão simples: é que o Professor Ribeiro da Silva continua a produzir e a produzir muito e bem. Eu julgo que, no próximo mês, todos terão a oportunidade de ver nos escaparates das livrarias do país mais um fruto desta

dedicação à história da vinha e do vinho, à história do vinho do Porto. Estou a referir-me a um livro que, em conjunto, preparamos nos últimos meses e que tem por título O Porto do Vinho. É, estou em crer, mais um importantíssimo contributo para a História do Porto e das regiões vinhateiras do Norte de Portugal. Minhas Senhoras e meus Senhores, Senhor Professor, termino com um muito obrigado pela amizade, pelo exemplo, pelo estímulo, pela bondade, pela solidariedade, pela honestidade, pelo exemplo de perseverança e de ponderação com que me tem presenteado ao longo destes anos. Penso poder falar em nome de todos os seus amigos aqui presentes para lhe dizer que é nosso desejo vê-lo por aqui, com saúde e com muito entusiasmo, por muitos anos, a produzir obra científica. Este é também um desejo, tenho a certeza, partilhado por todos os seus discípulos que, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, têm a nobre missão de continuar a estudar e a ensinar, honrando o seu exemplo.

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Liberdade 5-5-1972 Ilda Maria* Vou com destino ao meu destino certo Nesta viagem através do mundo. Assim veloz, o longe se faz perto. Assim percorro a vida até ao fundo. É sempre igual esta rotina minha Que às vezes me traz sonhos, sonho louca! E vejo pela calçada pobrezinha Demasiada coisa por tão pouca!... Ainda hoje fui e, pl’o caminho, Me sorriam as coisas que conheço, Até mereci acenos de carinho, Ternuras que afinal eu não mereço. Corri veloz por entre os arvoredos Cortados por lençóis de malmequeres Amarelos, gritando-me segredos Como bocas raivosas de mulheres. E alva, do arame ao sol pendendo A roupa leve de suave cheiro Peça por peça, ia-me parecendo

Que me acenava, até o camiseiro! Em trejeitos do sonho que eu sonhava Num adeus longamente festejado A roupa me parecia, perguntava: “Olá amiga, como tens passado?” Eu sorri e cantei a tarde inteira, Abençoei a vida e a deidade Que me deixou viver desta maneira Que aos longes me levou da liberdade.

*Poeta Faleceu em 20/07/1981


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Homenagem ao Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva 10/10/2007 Alfredo de Oliveira Henriques* Senhor Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva, entidades que se associaram a esta homenagem, minhas senhoras e meus senhores: Quero aproveitar para felicitar, em nome pessoal e em representação do Município de Santa Maria da Feira, o Professor Ribeiro da Silva por esta homenagem, pelo seu percurso académico, por tudo aquilo que fez na sua vida e por aquilo que construiu e que levou a que nos juntássemos aqui hoje, à sua volta, para lhe prestar esta homenagem. Naturalmente que aproveito para lhe dar os parabéns por mais um aniversário. Não vou falar do percurso académico do Professor Ribeiro da Silva, nem daquilo que fez durante a sua vida, porque não seria próprio fazê-lo, nem estaria à vontade para o fazer, sobretudo depois da apresentação do Professor Barros Cardoso. Mas não poderia deixar de relevar aqui um aspecto: o amor que o Professor Ribeiro da Silva continua a ter à nossa terra, à sua terra.

*Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

Para além de todo o trabalho que tem desenvolvido, com grande produção de escritos, como nos foi aqui apresentado pelo Professor Barros Cardoso, o nosso homenageado nunca deixou de ter um especial interesse pela nossa terra, fazendo pesquisas e editando publicações e estudos sobre Santa Maria da Feira. Porque o Professor Ribeiro da Silva guarda a sua terra no coração. É esse aspecto, essencialmente esse, que queria destacar e dizer ao Professor Ribeiro da Silva que nos sentimos muito satisfeitos e orgulhosos de o ter como conterrâneo, de o sentir como feirense e como uma pessoa que gosta e sempre gostou muito de Santa Maria da Feira. Para terminar, queria dizer que feliz é a terra que tais filhos tem. Nós estamos felizes, Santa Maria da Feira sentese, naturalmente, feliz e orgulhosa por ter o Professor Doutor Ribeiro da Silva como seu filho, natural do nosso Município, e que continua a trabalhar em prol das suas e das nossas terras.


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Os clarões da noite H. Veiga de Macedo* Quando me ponho a ver o Sol poente Na linha cinza ou roxa do horizonte, - Ali no mar, ou na planura ou monte -, Não me entristeço; fico até contente. Eu sei que nesse instante comovente A natureza inteira inclina a fronte, E antes que em tudo a escuridão desponte, Sobre si se recolhe tristemente. E sei de almas medrosas que estremecem Quando vêem que as coisas anoitecem E se sentem também anoitecer. Mas tu, noite, andas sempre em meu querer, Porque acendes clarões no firmamento, E me acendes o sonho e o pensamento.

Foz do Douro, 17 de Novembro de 1984

* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005


Intervenção de Francisco Ribeiro da Silva* As únicas palavras que, neste momento, eu poderei e deverei pronunciar são de agradecimento. De agradecimento, sim. É certo que este acto é, antes de mais, uma manifestação de amizade e a amizade não se agradece, retribui-se. Mas a amizade engendra gentilezas, produz efeitos, realiza coisas que quem delas beneficia, não pode deixar de agradecer. Não gostaria de usar o termo «homenagem» para caracterizar este encontro, porque não fiz nada de especial por que mereça ser homenageado. Aos heróis, a esses sim, basta uma acção de grande valor para justificarem a homenagem dos seus contemporâneos. No caso presente, trata-se não de qualquer acção heróica mas, de alguma forma, de uma manifestação de satisfação colectiva porque alguém da terra levou a cabo a realização de uma carreira na Universidade, não se poupando a esforços e a sacrifícios para que ela corresse bem. Mas isso não dá direito a qualquer homenagem, porque, embora aposentado e afastado da leccionação corrente, não cheguei ainda ao fim das tarefas de investigação histórica que me vou impondo a mim mesmo. De resto, mesmo como autor, digase de passagem, não sou tão idoso que justifique qualquer tipo de consagração. Perdoem-me então que sublinhe uma vez mais a força da amizade e faça aqui, a propósito deste evento, o elogio

da amizade. A amizade é generosa, é compreensiva, é indulgente, é tolerante, não é invejosa, não é interesseira, alegra-se com os êxitos dos próximos e amigos, é solidária nos seus momentos menos luminosos. A amizade, tal como neste evento acontece, é propensa a exagerar as virtudes do amigo e a minimizar os seus defeitos. Que felizes seríamos se a vida de cada um de nós, na sua relação com os outros, fosse ritmada e conduzida pela amizade. Nós sabemos que a vida dos homens em sociedade nem sempre é afinada e aferida por estes valores, mas antes pelo interesse, pela mesquinhez, pela inveja, pela curteza de vistas. Por isso, por culpa dos nossos egoísmos, quantas vezes transformamos a nossa própria vida e a dos outros num inferno. Que pena! Não é verdade que seria bem melhor viver em ambiente de concórdia, de cumplicidade, de interajuda, numa palavra num ambiente de paraíso? Por que não? Apesar de ser cultor da História e, como tal, ter obrigação de saber que grande parte do tempo de vida das sociedades humanas foi passada em guerras bárbaras e fratricidas, não creio que o homem tenha fatalmente de ser agressivo, egoísta ou selvagem para sobreviver. Portanto, não me parece que possa pronunciar aqui outra palavra senão um obrigado muito sincero. Para além disso, e para demonstrar que nada faço de extraordinário, gostaria de sublinhar que não há ninguém nesta sala que não goste de fazer bem as coisas de que é incumbido, sejam as actividades

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Discurso do Homenageado.

puramente profissionais sejam outras de voluntariado ou de divertimento. Por outras palavras, é normal que coloquemos nas nossas actividades diárias o brio que brota da autoestima e até de algum espírito de serviço, porque, no fundo, todos precisamos uns dos outros. Por isso é que há ofícios diferentes na sociedade, cada um desempenhando o seu com a maior competência que for capaz. Ou seja, aquilo que eu procurei fazer, nos diversos estádios da minha actividade que foram variados, foi, efectivamente, tentar fazer bem o que fazia, e fazendo-o bem, os outros iriam forçosamente beneficiar do meu trabalho. Isso bastavame, embora ficasse satisfeito sempre que surgiu qualquer reconhecimento público da valia desse trabalho. Ainda hoje, fico muito satisfeito quando, viajando pelo país, reencontro

antigos alunos que se me dirigem espontaneamente com simpatia e com palavras de apreço. Na verdade quando se fazem bem as coisas, ou quando se tenta fazer bem as coisas, os outros reconhecem-no. Esta reunião festiva é mais uma clara demonstração disso mesmo. Do reconhecimento mas sobretudo da amizade sem a qual o reconhecimento pode não passar de mera formalidade. Ao olhar para as mesas, verifico que tenho, de facto, muitos amigos. Que bom que isso é! Permitam-me que agradeça a todos mas que distinga alguns em especial. Em primeiro lugar os amigos da LAF, sobretudo o Dr. Celestino Portela que foi quem teve a ideia deste encontro. Poderia eu recusá-lo? Bem me apeteceu mas há coisas que, por razões de cortesia e de boa educação, não se podem recusar. A insistência dele tirou-me argumentos. Por outro lado, para que um evento como este aconteça, muita gente se preocupou, se esforçou, gastou energias e bens. Reunir tanta gente foi uma tarefa árdua, que exigiu esforço, que obrigou a sacrifícios, que partiu da dedicação e da amizade. Acresce que hoje nem sequer é véspera de Domingo, nem de feriado, amanhã é dia normal de trabalho. Mais uma razão para agradecer às pessoas pelo facto de se terem deslocado aqui, pelo facto de estarem aqui connosco neste convívio. Os agradecimentos estendem-se evidentemente ao meu colega Professor Barros Cardoso, que, para além de amigo, é um homem muito sério, muito dedicado à sua profissão de professor e aos alunos, e é um historiador competente. Mas hoje foi menos rigoroso exactamente porque se deixou levar mais pela amizade do que pela frieza da análise. De qualquer modo agradeço as sãs palavras mas sobretudo a amizade que delas fluiu. Quero saudar todos os presentes. Permitam-me que saúde a minha Faculdade de Letras e o meu Departamento de História aqui tão altamente representados pela Professora Amélia Polónia da Silva! Permitam-me que saúde a Câmara Municipal, representada pelo senhor Alfredo Henriques, Presidente da Câmara, uma pessoa que eu estimo. Aliás, julgo que tenho demonstrado essa estima há muitos anos e de diversas formas. Quero saudar a Drª Maria José Santos, ilustre directora do Museu do Papel, que é minha colega de curso muito querida. De resto, aqui, nesta sala, encontro pessoas que estiveram ao meu lado, em todos os momentos da minha vida. Até um colega de escola primária teve a amabilidade


de me fazer chegar os seus cumprimentos, lamentando não poder comparecer porque hoje celebra com a família o seu aniversário de casamento. É particularmente grato para mim ver aqui as autoridades e os meus amigos de Argoncilhe, porque foi naquela terra que eu cresci, foi ali que eu aprendi as primeiras palavras, foi ali que eu criei os meus amigos, foi ali que eu senti necessidade de estudar, de me desenvolver, foi ali que eu compreendi o que é a amizade e a compreensão humana, foi ali que eu aprendi alguma coisa do que é a solidariedade. Infelizmente, não foi a freguesia de nascimento, mas como para lá fui transplantado com poucos meses de vida, aquela é a minha terra, por ela cultivo o amor que se dedica ao torrão natal, e esse amor é uma coisa que se vai manter pela vida fora. Amor a Argoncilhe e, sem dúvida, ao concelho de Santa Maria da Feira, de que sempre falo onde quer que esteja, a propósito e a despropósito. Reconheço-me à sombra do nosso antiquíssimo e elegantíssimo Castelo, cujas recordações vivas remontam à minha infância. Pelo menos, desde o dia do exame da antiga 4ª classe perante o Senhor Professor Leão, aquelas ameias e aquelas torres esguias imprimiram-se-me na memória como algo que passou a fazer parte de mim mesmo. Assumo-me como feirense, preterindo esse título ao de santamariano, não porque tenha qualquer preconceito contra esta designação, mas porque me habituei desde miúdo ao rótulo «feirense». Mas também é evidente e claro para todos que a outra metade de mim está no Porto. Vivendo no Porto, praticamente desde os 10 anos, com as excepções do tempo de férias em Argoncilhe e os dois anos e pouco que fiz de tropa em Angola, a cidade do Porto é a minha terra de adopção. Por isso, também posso dizer de mim mesmo que sou portuense e portista. E quanto aos temas da minha pesquisa em História, é verdade que dediquei grande parte dos meus estudos ao Porto e seu termo, a começar pela dissertação de doutoramento. Mas, repito, as minhas recordações mais remotas, aquelas a que podemos chamar «recordações telúricas», estão exactamente nesta terra, uma terra pequena que é hoje a vila de Argoncilhe e nesta terra maior que é a cidade e o concelho de Santa Maria da Feira. Por isso, sinto-me em casa, ouvi coisas bonitas a meu respeito e naturalmente o meu ego sente-se lisonjeado, pelas palavras, pelas prendas e pelo que elas significam. Provavelmente nunca recebi tantas prendas de uma só vez e isto é, de facto, extraordinário. Mas muito mais extraordinário que as palavras e as coisas,

são os sentimentos que estão por detrás disso tudo a que eu devo corresponder à minha maneira, como historiador. Aliás, confesso que, tendo feito alguns estudos – não muitos – sobre Santa Maria da Feira, sobre o concelho da Feira, saio daqui com a obrigação de trabalhar mais pela terra no domínio em que eu posso trabalhar que é de facto a investigação histórica. De resto, isso está nos meus planos. O Dr. Celestino Portela vai-me espicaçando amigavelmente e com enorme delicadeza nesse sentido e tentarei corresponder. Eu gostaria de agradecer finalmente - e lamentavelmente estava a esquecer-me disso e não posso deixar de o fazer – a todas as entidades que se comprometeram e assumiram a organização desta festa: à Câmara, à Junta de Argoncilhe, ao ISVOUGA, ao ISPAB, à Universidade Sénior, à Confraria da Fogaça e à LAF, aos presentes e aos ausentes, (houve vários ausentes que manifestaram a sua simpatia e a sua amizade, não puderam estar cá, mas fizeram-me saber isso). E não me vou demorar mais, porque este é um compromisso meu, foi um acto generosíssimo da vossa parte, foi uma atitude generosíssima das pessoas que estão aqui comigo na mesa, desde o Senhor Presidente ao meu colega que falou, à minha colega da Faculdade de Letras, às minhas colegas de curso, aos meus colegas de outras andanças, aos meus amigos - e estou a ver ali uma senhora, a Drª Maria Adelaide, que foi minha colega na antiga Escola Comercial e Industrial de Espinho, que já não via há muitos anos e aos meus alunos, entre os quais distingo de modo especial o Dr. Roberto Carlos que se mostrou incansável na organização e na condução deste encontro. Tudo isto é fantástico e é a demonstração de um mundo que, apesar de tudo, apesar do pessimismo e da descrença que grassam por aí, ainda é um mundo com fogachos de optimismo, que nos faz manter a esperança. Pessoalmente sempre fui um optimista, às vezes talvez excessivamente optimista. Mas nunca me arrependi. Saibamos aproveitar as coisas boas da vida e, entre elas, a maior que é a amizade naquele sentido que acima defini.

Muito obrigado.

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TRABALHOS PUBLICADOS 2.1 -LIVROS

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2.1.10 – Forais Manuelinos do Porto e do seu Termo (em colaboração com José Manuel Garcia), Lisboa, INAPA, 2001 (Colecção Portucale).

2.1.1 - O Porto e o seu Termo (1580-1640). Os Homens, as Instituições e o Poder, 2 vol.s, Porto, Arquivo Histórico Municipal, 1988. Trata-se da dissertação de Doutoramento, publicada na colecção «Documentos e Memórias para a História do Porto», nº XLVI.

2.1.11 – O Hospital da Irmandade da Lapa 1904-2004. Apontamentos Históricos, Porto, 2004. ( 2ª edição, 2005).

2.1.2 - Absolutismo Esclarecido e intervenção popular. Os motins do Porto de 1757, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990.

2.1.13 – Foral de Santa Cruz de Riba Tâmega, estudo introdutório e transcrição, Amarante, Câmara Municipal, 2008.

2.1.3 - A criação das Paróquias de S. Nicolau e de Nossa Senhora da Vitória (1583). Aspectos sócio-económicos e religiosos da época, Porto, 1984.

2.1.14 – Quinhentos/Oitocentos (Ensaios de História), Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009,

2.1.4 - O Foral dado por D.Manuel I à Vila da Feira e Terra de Santa Maria a 10 de Fevereiro de 1514, ed. facsimilada do original, introdução e estudo de Francisco Ribeiro da Silva, Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, 1989. 2.1.5 - Coronel Helder Ribeiro. Correspondência recebida (1902-1931) e notas autobiográficas, Porto, Universidade Portucalense, Liga dos Amigos do Museu Militar, Porto, 1997. 2.1.6 - Maçons, Católicos e Autarcas (A Loja «União Portucalense» de Vila Nova de Gaia), Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal, 1997. 2.1.7 - Os Forais manuelinos da Terra de Ovar e do Concelho de Pereira Jusã, estudo comparado e leitura, Ovar, Câmara Municipal, 2000. 2.1.8 - Filipe II de Espanha, Rei de Portugal, (colectânea de documentos filipinos guardados em Arquivos Portugueses), estudo introdutório e coordenação, 2 vol.s, Zamora, Fundación Rei Afonso Henriques, 2000. 2.1.9 - O Porto das Luzes ao Liberalismo, Lisboa, INAPA, 2001 (Colecção Portucale).

2.1.12 – Porto do Vinho. Porto of Wine, Porto, Civilização Editora, 2007 (coautoria de António Barros Cardoso).

2.2- COLABORAÇÃO EM OBRAS COLECTIVAS

2.2.1 - Tempos Modernos in História do Porto, dir. de Luís A. de Oliveira Ramos, Porto, Porto Editora, 1994. (3ª edição corrigida e actualizada em Dezembro de 2000). 2.2.2 - Paços de Ferreira na época moderna in Paços de Ferreira – Estudos Monográficos, 2 vol.s., Paços de Ferreira, 1986. 2.2.3 - A diplomacia secreta de Filipe II em Portugal e os Mesteirais de Lisboa (1579-1580) in Estudos de homenagem a Jorge Borges de Macedo, Lisboa, INIC, 1992. 2.2.4 - A fundação da Relação do Porto ou a administração da Justiça como obrigação primordial do Estado in Casa da Relação do Porto. 400 Anos, Porto, Fundação Engº António de Almeida, 1995. 2.2.5 - Decadencia y Reconstrucción (1640-1789) Portugal in España y Portugal. Siglos IX-XX. Vivencias históricas, Madrid, Editorial Sintesis, 1998, pp. 121-138. 2.2.6 - Coordenou e dirigiu a «Colecção Portucale» publicada pela INAPA em Abril de 2001, constituída por 11


volumes. 2.2.7 - Os motins de 1757, os mercadores do Brasil e Pombal in Diálogos Oceânicos. Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português, organização de Júnia Ferreira FURTADO, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001, pp. 281-306.

série, vol. III, Porto, 1986, pp. 101-163. 2.3.2 - Temores do Homem portuense do primeiro quartel do século XVII. I - A doença e a peste. Aspectos sanitários in «Revista de História», vol. I, Porto, 1978 - republicado em Sociedade e Cultura Portuguesa , coordenação de Maria José Ferro Tavares, vol. I, Lisboa, Universidade Aberta, 1990.

2.2.8 – A restauração de Portugal em 1640. Precedentes e desenlace in Calderón de la Barca y la España del Barroco, 2 vol.s, coord.s José Alcalá-Zamora e Ernest Belenguer, Madrid, Centro de Estudios Poíticos y Constitucionales, 2001, pp.913-935 do I vol.)

2.3.3 - Os Deputados pelo Distrito de Aveiro às Constituintes de 1911 in «Aveiro e o seu Distrito», Aveiro, 1980.

2.2.9 – A Misericórdia do Porto na Centúria de Quinhentos in A Santa Casa da Misericórdia do Porto e o Voluntariado em Saúde, Porto, Santa Casa da Misericórdia, 2002, pp. 29-42. 2.2.10 – A Companhia e os Ingleses in A Real Companhia Velha Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-2006), dir. de Fernando de Sousa, Porto, 2006. 2.2.11 – «Tribunal da Relação do Porto. Origem, estrutura institucional e funcionamento» in O Tribunal da Relação do Porto. O Palácio da Justiça do Porto, Porto, Tribunal da Relação do Porto, 2008, p. 19-60. 2.2.12 – «A cidade do Porto nos finais de Setecentos e as circunstâncias da segunda invasão francesa» in O Porto e as Invasões Francesas 1809-2009, II vol., Porto, Publico – Câmara Municipal, 2009, p. 121-153 2.2.13 – «As repercussões, a reconstrução e a retoma no Porto a seguir às invasões francesas» in O Porto e as Invasões Francesas 1809-2009, II vol., Porto, Publico – Câmara Municipal, 2009, p. 237-273.

2.3- ARTIGOS DE REVISTA E COMUNICAÇÕES EM CONGRESSOS

2.3.1- A Alfabetização no Antigo Regime (1580-1650). O caso do Porto e da sua região- tese complementar de doutoramento in «Revista da Faculdade de Letras. História», II

2.3.4 - Níveis de Alfabetização dos Oficiais Administrativos e Judiciais do Concelho de Refojos de Riba d´Ave e da Maia na primeira metade do século XVII in Actas do Colóquio de História Local e Regional, Santo Tirso, 1981. 2.3.5 - Pirataria e Corso sobre o Porto. Aspectos seiscentistas in «Revista de História», vol. II, Porto, 1979. 2.3.6 - O Bispo do Porto e os sucessos politico-militares de 1580 in «Humanidades», Revista da AEFLUP, nº 2, Porto, 1982. 2.3.7 - Os motins do Porto de 1757. (Novas perspectivas) in Pombal Revisitado, vol. I, Lisboa, 1984. 2.3.8 - A participação do Porto nas Cortes de Lisboa de 1619 in «Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto», 2ª série, vol. I, Porto, 1983. 2.3.9 - O Concelho de Gaia na primeira metade do século XVII: instituições e níveis de alfabetização dos funcionários in «Gaya», vol. II, Vila Nova de Gaia, 1984. 2.3.10 - Porto e Galiza: embarcações galegas no transporte do vinho do Douro (1622 a 1626) in «Lucerna», Porto, 1984. 2.3.11 - O Corso inglês e as populações do litoral lusitano (1580-1640) in Actas do Colóquio Santos Graça de Etnografia Marítima, Póvoa de Varzim, 1985. 2.3.12 - O Castelo de São João da Foz nas encruzilhadas da independência nacional: 1640 e 1808 in «Boletim da Liga

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dos Amigos do Museu Militar do Porto», nº 1, Porto, 1987. 2.3.13 - A respeitável Loja «União Portucalense» sita ao Oriente de Vila Nova de Gaia e os Exportadores de vinho do Porto in «Gaya», vol. V, 1987. 2.3.14- Autonomia Municipal e centralização do Poder no período da união ibérica in «Revista da Faculdade de Letras. História», 2ª série, vol. IV, Porto, 1987. 2.3.15 - A individualidade do Porto sob o domínio filipino in «Os Portugueses e o Mundo. Conferência Internacional», vol. II, Porto, 1988. 2.3.16 - A viagem de Filipe III a Portugal: itinerários e problemática in «Revista de Ciências Históricas», nº 2, Porto, 1987. 26

2.3.17 - Instituições de protecção cívica na época moderna in «Revista de Ciências Históricas» nº 3, Porto, 1988. 2.3.18 - Porto, Noroeste de Portugal e Galiza: achegas para o estudo dos intercâmbios e influências (1580-1640) in «Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto», 2ª série, vol. s 3-4, Porto, 1988. 2.3.19- O ensino público em Portugal no século XVII: avanços e recuos in 1º Encontro de História da Educação em Portugal. Comunicações, Lisboa, 1988. 2.3.20 - Les «cidadãos» de Porto au XVII. ème siècle: caractérisation sociale et voies d` accès in Hidalgos y Hidalguía dans l’Espagne des XVI.e -XVIII.e siècles, Paris, CNRS, 1989. 2.3.21 - Venalidade e hereditariedade dos ofícios públicos em Portugal no século XVII. Alguns aspectos in «Revista de História», vol. VIII, Porto, 1988.

in «O Tripeiro», série nova, ano IX, Porto, Março, 1990. 2.3.24 - A Alfândega do Porto: os diplomas legais que marcaram a sua evolução secular in A Alfândega do Porto e o Despacho aduaneiro, Exposição organizada pelo Arquivo Histórico Municipal do Porto, Porto, 1990. 2.3.25- O Despachante Oficial: uma profissão moderna, um serviço antigo in A Alfândega do Porto e o Despacho aduaneiro, Exposição organizada pelo Arquivo Histórico Municipal do Porto, Porto, 1990. 2.3.26 - O Foral de Cambra e a Reforma manuelina dos forais in «Revista da Faculdade de Letras. História», II série, vol. VI, Porto, 1989. 2.3.27- Senhorio e municipalismo em Braga ao tempo de D. Frei Bartolomeu dos Mártires in IX Centenário da dedicação da Sé de Braga. Congresso Internacional. Actas, vol. II/2, Braga, 1990. 2.3.28 - Os pilotos da barra do Douro (séculos XVI-XVIII) in «O Tripeiro», série nova, ano IX, nº 10, Porto, Outubro, 1990. 2.3.29 - A Reforma judicial de Filipe II e a fundação da Relação do Porto in «O Tripeiro», série nova, ano IX, nº 11, Porto, Novembro, 1990. 2.3.30 - A estrutura administrativa do Condado da Feira no século XVII in «Revista de Ciências Históricas», nº 4, Porto, 1989. 2.3.31 - A revolta do 31 de Janeiro vista da Câmara do Porto in «O Tripeiro», série nova, ano X, nº 1, Porto, Janeiro, 1991. 2.3.32 - O Concelho de Campanhã (1834-1837) - passos de uma vida efémera in «O Tripeiro», série nova, ano X, nº 3, Porto, Março, 1991.

2.3.22- Portugal e o corso no Atlântico Norte na 2ª metade do século XV. Alguns aspectos in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua época. Actas, vol. III, Porto, 1989.

2.3.33 - O Entre Douro e Minho e a Restauração in «Estudos Regionais», Revista de Cultura do Alto Minho, Viana do Castelo, Julho, 1991.

2.3.23 - A casa da Moeda do Porto durante a Restauração

2.3.34 - Barroco e Escolarização: taxas de alfabetização


no Porto nos inícios do século XVIII in I Congresso Internacional do Barroco. Actas, II vol, Porto, 1991. 2.3.35 - O Porto et le Ribadouro au XVII.e siècle: la complementarité imposée par la Nature in L’Identité Régionale. L’idée de région dans l’Europe du Sud-Ouest. Actes des Deuxièmes Journées d’Études Nord du Portugal-Aquitaine, Paris, CNRS, 1991. Uma versão deste trabalho em língua portuguesa foi publicada com o título: Porto e Ribadouro no século XVII: a complementaridade imposta pela Natureza in «Revista da Faculdade de Letras - História», II série, vol. VII, Porto, 1990. 2.3.36 - Inquisição e Maçonaria (1790-1810) in Inquisição. Comunicações apresentadas ao 1º Congresso Luso-Brasileiro sobre Inquisição realizado em Lisboa de 17 a 20 de Fevereiro de 1987, coord. de Maria Helena Carvalho dos Santos, vol. III, Lisboa, 1990. 2.3.37 - A intervenção do Povo no governo municipal do Porto durante o Antigo Regime in «O Tripeiro», 7ª série, ano XI/ nº 2, Porto, 19922. 2.3.38 - Jornais e Revistas do Porto no tempo de Camilo in «Bibliotheca Portucalensis», II série,nº 5, Porto, 1990. 2.3.39 - Tradição e inovação na administração da Justiça em Portugal nos primeiros tempos da união ibérica in «Revista de História», vol. X, Porto, CHUP, 1990. 2.3.40 - O Foral manuelino da Feira e Terra de Santa Maria in «Revista de História», vol. XI, Porto, CHUP, 1991.

XIX. ( Alguns dados) in Poligrafia» nº1, Arouca, 1992. 2.3.44 - História da Alfabetização em Portugal. Fontes, Métodos, Resultados in História da Alfabetização em Espanha e em Portugal. Investigações e actividades, coord. de A. Nóvoa e J. Ruiz Berrio, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 1993. 2.3.45 - Timor nos relatórios dos missionários dos séculos XVI e XVII in Congresso Internacional de História da Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas. Actas, vol. II, Braga, Universidade Católica, 1993. 2.3.46 - Espaços de lazer na sociedade portuense do Antigo Regime in «O Tripeiro», 7ª série, ano XII/ nº 8, Porto, 1993. 2.3.47- A cidade do Porto e a Restauração in «O Tripeiro», 7ª série, ano XII/ nº 12, Porto, 1993. 2.3.48 - O Porto e as Cortes do século XVII ou os Concelhos e o Poder Central em tempos de Absolutismo in «Revista da Faculdade de Letras. História», II série, vol. X, Porto, 1993. 2.3.49 - Do Concelho de Canaveses ao Concelho do Marco de Canaveses (Estruturas Administrativas) in «Revista de História», vol. XII, Porto, CHUP, 1993. 2.3.50- A investigação em História Moderna. Temas e problemas in « O Estudo e a História», Boletim da Associação dos Professores de História, nºs 12-15, II série, 1990-1993, Lisboa, 1994.

2.3 .41 - O Bispo do Porto, o Prior e o General in «O Tripeiro», 7ª série, ano XI/nº 10, Porto, 1992.

2.3.51 - Magalhães Basto: o Historiador da Cidade do Porto in «O Tripeiro», 7ª série, ano XIII/ nº s 3-4, Porto, 1994.

2.3.42 - Lignes de force de la Legislation portugaise d’outremer au XVII.e siècle (1640-1699) in «Mare Liberum» nº 4, Lisboa, Dezembro de 1992. Existe uma versão portuguesa intitulada Linhas de força da legislação ultramarina portuguesa do século XVII in «Revista de Ciências Históricas», vol. VI, Porto, Universidade Portucalense, 1991.

2.3.52- As Cortes seiscentistas e o seu significado nas relações entre os Concelhos e o Poder central in Anais - I Colóquio de Estudos Históricos Brasil e Portugal, Belo Horizonte, 1994.

2.3.43 - A Alfabetização em Arouca nos meados do século

2.3.53 - O Foral manuelino de Felgueiras: um marco histórico da identidade da Terra e das Gentes in « Felgueiras-

27


Cidade», Felgueiras, ano 2, nº 6, Dezembro 1994. 2.3.54 - A Geografia do Comércio Portuense nos Finais do século XVIII . I - Movimento de navios e rumos da «marinha mercante» in «O Tripeiro», 7ª série, ano XIV, nº 3, Porto, Março, 1995. 2.3.55 - A Geografia do Comércio Portuense nos Finais do século XVIII . II- Parceiros, produtos e capitais in «O Tripeiro», 7ª série, ano XIV, nºs 6-7, Porto, Junho-Julho 1995. 2.3.56 - A Geografia do Comércio Portuense nos Finais do século XVIII . III- Fiscalidade e contrabando in «O Tripeiro», 7ª série, ano XIV, nº 12, Porto, Dezembro1995. 2.3.57 - A cidade do Porto e a Restauração in «Revista da Faculdade de Letras- História», II série, vol. XI. Porto, 1994 28

2.3.58 - O Foral manuelino da Terra de Paiva - uma preciosidade patrimonial in «Poligrafia», nº 3, Arouca, 1994. 2.3.59- Vila Nova de Fozcoa na época moderna in «Boletim da Universidade do Porto», Ano V, nº 25, Porto, Junho 1995. 2.3.60- A Maçonaria e o Liberalismo no Porto in Maçonaria/Igreja, Liberalismo/ Masonería, Coord. de Pedro Alvarez Lázaro, Porto, 1996. 2.3.61 - O comércio de vinhos do Douro com o Brasil ao longo do século XVIII (em colaboração com António M. de Barros Cardoso) in «Douro. Estudos e Documentos», nº 1, Porto, 1996.

2.3.65 - Revolução Liberal e Municipalismo in «Revista de Guimarães», vol. 103, Guimarães, 1993 (saiu em 1996). 2.3.66 - Marginais e marginados à luz das Ordenações Filipinas in Actas do II Encontro Luso-Brasileiro sobre «Pobreza, Marginalidade, Marginação social» in «Revista de Ciências Históricas», vol. XI, Porto, 1996, pp. 69-76. 2.3.67 - Do Douro ao Porto. O protagonismo do vinho na época moderna in «Douro. Estudos e Documentos», nº 2, Porto, 1996, pp. 93-118. 2.3.68 - A Restauração: uma ideia-força assumida pela sociedade portuguesa in «Boletim da Liga dos Amigos do Museu Militar do Porto», nº 3, Porto, 1997, pp. 20-31. 2.3.69 - O Governador da Relação do Porto: um magistrado judicial ou um delegado do poder régio? in III Jornadas de Estudo Norte de Portugal Aquitania. Actas, Porto, 1996, (saiu em 1997), pp. 393- 401. 2.3.70 - O Porto Património Mundial: ponto de chegada e ponto de partida in «O Tripeiro», 7ª série, ano XV, nºs 1112, Porto, 1996, pp. 336-340. Este texto foi publicado com ligeiras alterações em «Arquivos de Medicina», Revista de Ciência e Arte Médicas, Porto, vol 11, nº 4, Julho - Agosto, 1997, p. 253. Publicado em versão inglesa sob o título A Historical consideration concerning this event in Centro Histórico do Porto.. Património Mundial The Historic Centre of Oporto. World Heritage, Porto, 1997.

2.3.62 - Silva Porto: um portuense em África in «O Tripeiro», 7ª série, ano XV, nº 3, Porto, Março 1996.

2.3.71 - O direito de voto na época moderna in «Encontros de Divulgação e Debate em Estudos Sociais» nº 2,V. N. de Gaia, 1997, pp. 13- 17.

2.3.63 - A Misericórdia de Santa Maria da Feira. Breve notícia Histórica in «Revista da Faculdade de Letras. História», II série, vol. XII, Porto, 1995 (saiu em 1996)

2.3.72 - Rodrigues de Freitas e a questão do Douro in Rodrigues de Freitas. A obra e o contexto. Actas do Colóquio, Porto, CLC - FLUP, 1997, pp. 99-108.

2.3.64- O Prior do Crato, símbolo da independência de Portugal in Figuras Ilustres do Alto Minho, Viana do Castelo, 1996.

2.3.73 - Espaços Públicos de convívio e de lazer no urbanisno portuense ( séculos XVII-XVIII) in Environment and Sport. An international Overview - Meio ambiente e Desporto. Uma perspectiva internacional, ed. de Lamartine P. da Costa,


Porto, 1997, pp. 157-165. 2.3.74 - Porto: trajectória de uma cidade livre in «O Tripeiro», 7ª série, ano XVI, nºs 6-7, Porto, 1997, pp. 176182. 2.3.75 - Intercâmbios comerciais entre o norte de Portugal e a Galiza na viragem do século XVII para o século XVIII (em colaboração com António M. de Barros Cardoso) in «Douro. Estudos e Documentos», nº 4, Porto, 1997, pp. 173-213. 2.3.76 - Os primórdios da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa in «O Tripeiro», 7ª série, ano XVII, nºs 5, Porto, 1998, pp. 130-138. 2.3.77 - A formação profissional no Antigo Regime (em colaboração com Maria José Lagoá) in A indústria portuense em perspectiva histórica. Actas do Colóquio, coord. de Jorge Fernandes Alves, Porto, 1998, pp. 63-79. 2.3.78 - O Porto ao tempo da fundação do Mosteiro de São Bento da Vitória in Comemorações do 4º Centenário da Fundação do Mosteiro de S. Bento da Vitória. Actas do ciclo de conferências, Porto, 1998, pp. 59-74. 2.3.79 - A Companhia do Alto Douro e os negociantes ingleses (1756-1761) ou o difícil combate contra a tutela britânica in Os Vinhos Licorosos e a História. Seminário Internacional. 19-24 de Abril de 1998, Região Autónoma da Madeira, 1998, pp. 239-265. 2.3.80 - Intervenção e educação: notas a propósito de «O Padre num Mundo em transformação» in Ensaios em homenagem a Joaquim Ferreira Gomes, Coimbra, 1998, pp. 75-81. 2.3.81- Festas urbanas e representação do poder municipal (Braga e Porto na época moderna) in «Theologica» II Série, vol. XXXIII, Fasc.2, Braga, 1998, pp. 417-432, (Actas do Colóquio «VI Centenário da morte do Arcebispo D. Lourenço Vicente (1374-1397)». 2.3.82 – A exploração do sertão brasileiro no período colonial: caminhos e motivações na perspectiva de José Barbosa de Sá in Viagens e Viajantes, Almocreves, Bandeirantes,

Tropeiros e Navegantes, III Colóquio Luso-Brasileiro, Niterói, Rio de Janeiro, Foz do Igaçu, 1996, p. 197-207. 2.3.83 – As entradas no sertão brasileiro em busca de índios à luz da legislação portuguesa in Viagens e Viajantes, Almocreves, Bandeirantes, Tropeiros e Navegantes, III Colóquio Luso-Brasileiro, Niterói, Rio de Janeiro, Foz do Igaçu, 1996, p. 209-219. 2.3.82 - Os Concelhos e as Cortes seiscentistas portuguesas: representação e intervenção dos Concelhos (O caso do Porto) in O Município no Mundo Português. Seminário Internacional, Funchal, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1998, pp. 63-77. (saiu em 1999). 2.3.83 - Historiografia Municipal Portuguesa in O Município Português na História na Cultura e no Desenvolvimento Regional, Actas, Braga, Universidade do Minho,1999, pp. 5770. 2.3.84 - Vintismo e Municipalismo: (reflexos e vivências da Câmara do Porto) in Estudos em Homenagem a Joaquim M. da Silva Cunha, Porto, Universidade Portucalense, 1999, pp. 749-765. 2.3.85 - D. Pedro IV e a Venerável Irmandade da Lapa da Cidade do Porto in «O Tripeiro», 7ª série, ano XVIII, nºs 7-8, Porto, 1999, pp. 203-210. 2.3.86 - O comércio de vinhos do Douro e o mercado brasileiro ao longo do século XVIII (em colaboração com António M. de Barros Cardoso) in El comercio de vinos y aguardientes andaluces com América (siglos XVI-XX), Universidad de Cádiz, 1998, pp. 297- 325. 2.3.87 A apreensão de mercadorias proibidas nos finais de Setecentos: um exemplo - in «Revista da Faculdade de Letras. História», II série, vol. XIV, Porto, 1997, pp.555-561. Texto publicado de novo em O Contrabando e outras histórias, Porto, CENPA/FLUP, 2000, pp. 17-23. 2.3.88 - História Local: objectivos, métodos e fontes in Carlos Alberto Ferreira de Almeida. In Memoriam , II vol.,

29


Porto, 1999, Faculdade de Letras, pp. 383-395.

Colecção

2.3.89 - A fluidez das fronteiras internas no antigo regime: conflitos quinhentistas entre as Câmaras do Porto e de Barcelos (em colaboração com Maria de Fátima Pereira Machado) in Barcelos Terra Condal - Congresso Histórico e Cultural, Actas, Barcelos, 1999.

2.3.97 – A Terra de Ovar e os seus forais manuelinos in «Dunas - temas & perspectivas», Câmara Municipal de Ovar, ano, 1, nº 1, Julho de 2001, pp.3-10.

2.3.90 - O Colégio da Irmandade da Lapa - um elo histórico da ligação portuense ao Brasil in «O Tripeiro», 7ª série, ano XIX, nº 4, Porto, 2000, pp. 118-126.

2.3.98 - D. Pedro IV e a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa da cidade do Porto in D. Pedro, Imperador do Brasil, Rei de Portugal. Do Absolutismo ao Liberalismo, Actas do Congresso Internacional, Porto, 2001, pp. 253-282 (saiu em 2002).

2.3.91 – Brasil, Brasileiros e Irmandades/Ordens Terceiras Portuenses in Os Brasileiros de Torna-Viagem, Lisboa, CNCDP, 2000, pp. 135-147.

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Universidade Moderna, 2001, 23 pp. (nº 1 da Registos da História).

2.3.92 - Portos secos: marcos de fronteira política ou de despacho de mercadorias? O Regimento de 1668 in La frontera hispano-portuguesa: nuevo espacio de atracción y cooperacion, coord. de Lorenzo Lopez Trigal y François Guichard, Zamora, Fundación Rei Afonso Henriques, 2000, pp. 25-38. 2.3.93 - A exploração do sertão brasileiro no período colonial: caminhos e motivações à luz de um manuscrito setecentista in III Colóquio de Estudos Históricos BrasilPortugal. Anais, Belo Horizonte (Brasil), PUC, 1997, pp.138150 (saiu apenas em 2000). 2.3.94 - Mecanismos do poder e articulações institucionais entre Centro e Periferia no Portugal dos fins do Antigo Regime in Articulation des Territoires dans la Péninsule Ibérique (textes réunis et presentés par François Guichard, Bordeaux, Maison des Pays Ibériques, 2001, pp. 181-192 (IV.es Journées d’Études Nord du Portugal- Aquitaine (CENPA), Talence, 1921 de Novembro de 1998). 2.3.95 - O Foral manuelino da Terra e Concelho de Gouveia: um exemplo insólito de contratação colectiva entre enfiteutas e senhorio in Amarante - Congresso Histórico 98», Amarante, Actas, vol. IV, Amarante, 2001, pp. 125- 138. 2.3.96 – As Elites portuenses no século XVII, Porto,

2.3.99 - Os Índios do Brasil à luz das leis portuguesas (séc.s XVII-XVIII) – in Estudos em homenagem a João Francisco Marques, II vol., Porto, Faculdade de Letras, 2001, pp. 419438 (saiu em 2002). 2.3.100 – A pesca e os pescadores na rede dos forais manuelinos in «Oceanos», nº 47/48, Lisboa, Julho-Dezembro 2001, pp. 8-28 (saiu em 2002). 2.3.101 – Pombal e os Ingleses (Incidências económicas e relações internacionais) in Actas. Congresso o Marquês de Pombal e a sua época.10-12 de Novembro de 1999. Auditório Municipal de Pombal. Colóquio O século XVIII e o Marquês de Pombal 17-20 Novembro 1999. Auditório da Biblioteca Municipal de Oeiras, Oeiras e Pombal, Câmaras Municipais, (2001) pp. 137-157 (saiu em 2002). 2.3.102 - O Seminário-Colégio da Irmandade da Lapa e as ideias pedagógicas dos inícios de Oitocentos in «Revista da Faculdade de Letras - História», III série, vol. 1, Porto, 2000, pp. 53-66 (saiu em 2002). 2.3.103 - As potencialidades dos fundos do Arquivo Histórico Municipal do Porto para a história do vinho (em colaboração com António M. de Barros Cardoso) in Revista «População e Sociedade», CEPESE, Porto, nº 9, 2002, pp. 29-46. 2.3.104 Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, um historiador aristocrático e ecléctico de pendor regionalista in «Boletim da Santa Casa da Misericórdia do Porto», ano VII, nº


28, Abril de 2002, pp. 21- 26. 2.3.105 – Vinhos do Douro: loteamentos clandestinos que desafiaram o Marquês (1771-1775) in «Douro. Estudos & Documentos», nº 11, Porto, 2001, pp. 161-180. 2.3.106 – A Igreja da Lapa. Arte, Culto e História in «O Tripeiro», 7 ª série, ano XXI, nº 9, Porto, Setembro 2002, pp. 264-268 2.3.107 – Os Frades Lóios, a Câmara Municipal e o Ensino in «Villa da Feira. Terra de Santa Maria», Santa Maria da Feira, ano, 1, nº 2, Outubro 2002, pp. 57-59. 2.3.108 – Alfândegas lusas em finais de Setecentos: fiscalidade e funcionalismo in O Litoral em perspectiva histórica séc.s XVI a XVIII. Um ponto da situação historiográfica, Porto, FLUP, 2002, p.207-216. 2.3.109 - O Bispado do Porto à luz das Constituições Sinodais da época moderna. Valores clericais e normas de comportamento in I Congresso sobre a Diocese do Porto. Tempos e lugares de Memória. Actas, Porto/Arouca, 2002, I vol., pp.57-81. 2.3.110 - Vila do Conde no contexto das reformas administrativas de D. Manuel I in A igreja nova que hora mamdamos fazer…» 500 anos da Igreja Matriz de Vila do Conde, Vila do Conde, Câmara Municipal, 2002, pp. 40- 59. 2.3.111 – Pensar a Universidade (Algumas notas a propósito do Reitorado de Oliveira Ramos – 1982-1985) in «Revista da Faculdade de Letras – História», III série, vol. 2, Porto, 2001, (saiu em 2002) pp. 189-210. 2.3.112 - A Misericórdia do Porto no século XVI. Notas de investigação in «O Tripeiro», 7 ª série, ano XXII, nº 2, Porto, Fevereiro de 2003, pp. 36-38. 2.3.113 – As Memórias Paroquiais: uma microfonte para a macro história do vinho do Douro in Os Arquivos da Vinha e do Vinho no Douro. Seminário, Porto, CEPESE, 2003, pp. 5969.

2.3.114 - A Assistência em Portugal na época moderna. Algumas notas e subsídios in Os Reinos ibéricos na Idade Média. Livro de Homenagem ao Professor Doutor Humberto Baquero Moreno, III vol., Porto, 2003, pp.1415-1422. 2.3.115 – A Academia Real da Marinha e Comércio da Cidade do Porto e a Universidade in «O Tripeiro», 7 ª série, ano XXII, nº 11, Porto, Setembro 2003, pp. 324-327. 2.3.116 – Os espaços urbanos que construíram a modernidade – Porto in Arquitectando espaços: da natureza à metapolis, coord. de Vítor Oliveira Jorge, Porto-Coimbra, 2003, pp. 207-216. 2.3.117 – História Local e Globalização in «Revista de Letras», série II, nº 2, Dezembro de 2003,UTAD, Vila Real, p.3-12. 2.3.118 – Oliveira Ramos, historiador e universitário in Estudos de homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, Porto, 2004, pp. 2.3.119 – A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a crise da secular aliança luso-britânica in Actas do III Simpósio da Associação Internacional de História e da Civilização da Vinha e do Vinho, Funchal, 2004, pp. 129136. 2.3.120 – O Hospital da Lapa ou a utilidade social das Irmandades in «O Tripeiro», Porto, 7ª série, ano XXIII, nº 12, Dezembro de 2004, pp. 360-363. 2.3.121 - O sal – produto tributado e mercadoria foraleira in I Seminário internacional sobre o sal português, Porto, IHM. UP, 2005, p. 63-74. 2.3.122 – A sociedade portuense dos finais do século XVIII: grupos e sinais in «O Tripeiro», Porto, 7ª série, ano XXIV, nº 5, Maio de 2005, pp. 136-138. 2.3.123 – Sucessão dos senhores e Condes da Feira segundo as doações e confirmações régias in «Villa da Feira. Terra de Santa Maria», ano IV, nº 10, Junho de 2005, p. 5558.

31


2.3.124 - A Historiografia dos Municípios Portugueses (séculos XVI e XVII) in Os Municípios no Portugal Moderno. Dos Forais manuelinos às reformas liberais, coord. Mafalda Soares da Cunha e Teresa Fonseca, Lisboa, Edições ColibriCIDEHUS-UE, 2005, p. 9-37.

32

2.3.133 – Corregedores/Ouvidores e correições nos concelhos portugueses (um exemplo setecentista do Condado da Feira) in «Revista da Faculdade de Letras. História», III série, vol. 8, Porto, 2007, p. 421-442.

2.3.125 -Escalas do poder local: das cidades aos campos in O poder local em tempo de globalização, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2005, p. 75-96

2.3.134 - O vinho do Porto e a região demarcada do Douro in X Seminario iberoamericano de viticultura y ciencias sociales De la tierra del Camenère a la tierra del Malbec, 18,19 e 20 de Outubro de 2007, Mendoza, Argentina. Publicado em CD.

2.3.126 – Os ingleses e as circunstâncias políticas do negócio dos vinhos do Douro e Porto (1756-1800) in «Douro. Estudos & Documentos», Actas do «2º Encontro Internacional de História da Vinha e do Vinho no Vale do Douro», nº 18, Porto, 2005, p. 93-111.

2.3.135 – Misericórdias Portuguesas: as Casas Santas da Solidariedade Fraternal in «Misericórdia», Santa Casa da Misericórdia do Porto, nº 44, Dezembro 2008, p. 53-60.

2.3.127 - Instituições municipais no intercâmbio com o Brasil: expressão e reprodução de identidade in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor José Marques, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, p. 99115. 2.3.128 - O foral manuelino da «villa de Meda» in Mêda Cidade Nova. Destruir Barreiras. Alargar Horizontes. Elevação de Mêda a Cidade, Câmara Municipal de Mêda, 2006, p. 4154. 2.3.129 – A preservação da identidade portuguesa à luz das Cortes de 1581 in «Revista Portuguesa de História», tomo XXXVII, Coimbra, 2005, p. 393-409. 2.3.130 – O Porto, a Universidade e a Cultura. A propósito de Álvaro Ribeiro in O Pensamento de Álvaro Ribeiro, Lisboa, FLUP-INCM, 2006, p. 219- 224. 2.3.131 – Correições na Vila da Feira (1745-1766). Aspectos da vida quotidiana in «Villa da Feira.Terra de Santa Maria», ano VI, nº 10, Junho de 2007, p. 29-43. 2.3.132 – O vinho como alimento quotidiano – séculos XVI-XVII. (Regulamentação do seu comércio na cidade do Porto) in As cidades do Vinho, Funchal, CEHA, 2006, p. 129146.

2.3.136 – As políticas de centralização e o municipalismo em Portugal na segunda metade do séc. XVIII in «Revista de História das Ideias» Tradição e Revolução, Homenagem a Luís Reis Torgal, vol. 29, Coimbra, 2008, p. 177-193. 2.3.137 – «Viva el Rei! Viva o Povo! Morra a Companhia» (O lado sombrio da instituição pombalina) in «População e Sociedade». (A Companhia e as relações económicas de Portugal com o Brasil), CEPESE, nº 16, Porto, 2008, p. 5159. Também publicado no livro A Companhia e as relações económicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia, Porto, Cepese, 2008, p. 51-59. 2.3.138 – Os concelhos das “Três Províncias do Norte» e a Contribuição de Guerra de 1808. Papel dos Corregedores e Juízes de Fora in «CEAMA. Centro de estudos de Arquitectura Militar de Almeida», nº3, Almeida, 2009, p. 166- 178.


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A mesa: D.ª Joana Martins, D.ª Maria Elvira Ribeiro da Silva, Alfredo Oliveira Henriques, Francisco Ribeiro da Silva, António Barros Cardoso, D.ª Maria José Santos e D.ª Amélia Polónia (FLUP)


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Universidade Sénior.

Drª Maria Augusta Espassandim entrega lembranças.


LEMBRANÇAS DE

Tuna Musical

Orlando da Silva “Liga de Melhoramentos da Vergada”

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Junta de Freguesia de Argoncilhe.

DIrector do ISPAB. José Manuel Carmo da Silva.

Alfedro Henriques Presidente da Câmara Municipal.


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D.ª Joana Martins, “Confraria da Fogaça”.

Carlos Gomes Maia, “LAF”.


D.ª Maria José Santos.

Conterrâneos de Argoncilhe cumprimentam o homenageado.

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O Director do ISPAB.

Cumprimentos de Carlos Oliveira e esposa.

A Directora da U. Sénior felicita Francisco Ribeiro da Silva.

As tunas animaram o convívio.


Professor Dr. Ribeiro da SIlva S贸cio Hon贸rario da Laf

Dr. Fernando Sampaio Maia l锚 e entrega o Diploma

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Dr. Celestino Augusto Portela entrega as ins铆gnias.


Bolo de Aniversário

e Partilha em conjunto com a Esposa.

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De pé: Alberto Camboa, Celestino Portela, D.ª Maria da Graça Portela, Fernando Sampaio Maia, Celestino Augusto Portela, Joaquim Carneiro, Roberto Carlos, Carlos Gomes Maia e Orlando da Silva, da equipa Villa da Feira.

Actuação das duas tunas... na hora da despedida...


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erga o silêncio a voz Conceição Paulino*

I erga o silêncio a voz e as nossas se calem silenciadas as palavras não ditas. por mal ditas não façam do silêncio nossa fala.

II com o silêncio se mata a falsa voz para que nunca em nós feneça a fala.

*Natural de Beja. Escritora. Publicou As Tarefas Transparentes (1993) -O Luar da Espera (1994) - Falar Mulher (1997) - Salvador o Homem e Textos Inconsequentes (2007).


Festa em Honra de S. Sebastião e das Fogaças Santa Maria da Feira, 20 de Janeiro 2009 João Lavrador* Homilia «Glorificar-vos-ei, ó meu Senhor e Rei, louvar-vos-ei, ó Deus meu Salvador». Com estas palavras o autor sagrado reconhece os prodígios realizados por Deus quando a sua vida corria perigo. Por isso, são palavras apropriadas para também nós, hoje, celebrarmos a memória dos nossos antepassados que se dirigiram a Deus para que os livrasse dos perigos que punham em causa a sua saúde, a sua sobrevivência, numa palavra, a sua vida. Tal como o autor bíblico que se sente vítima dos ultrajes que lhe são infringidos pelos seus contemporâneos, assim olhamos para o nosso padroeiro S. Sebastião, mártir, que encontra a sua consolação na imitação de Cristo e que é para nós modelo de fé profunda que não o deixa vacilar mesmo à custa da própria vida. A Palavra de Deus ilumina a vida do ser humano em qualquer tempo, o exemplo daqueles que nos antecederam é estímulo para não vacilarmos no árduo caminho da coerência *Bispo Titular de Lupercia e Bispo Auxiliar do Porto.

e da verdade, e os grandes gestos de amor são luzeiros a indicarem continuamente onde poderá encontrar a realização profunda a criatura humana. Com este olhar, podemos cantar as maravilhas do Senhor, com as mesmas palavras de BenSirá: «Esperava o auxílio dos homens, mas não apareceu. Lembrei-me, então, das misericórdias do Senhor e das suas graças de sempre, porque livrais os que esperam em vós, e os salvais das mãos das nações». É este caminho de profundidade que se entende apenas quando o ser humano ousadamente aceita o convite a seguir Jesus Cristo que se torna presente no Evangelho e que se oferece como resposta última à pessoa que deseja viver a sua vida na plenitude. Seguir a Jesus Cristo na experiência do Mistério onde a vida se transforma, eis a condição necessária para alcançarmos a chave para o decifrar a questão do sentido da vida. Eis o caminho do Amor, da Comunhão com Deus e com os irmãos, presente nas expressões aparentemente duras, mas suaves e doces no seu resultado: «Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por minha causa, salvá-la-á». A celebração de hoje em honra do mártir S. Sebastião e do gesto da partilha das fogaças, não só é uma recordação do passado ao qual queremos continuar a ser fiéis, mas, a partir das circunstâncias do tempo presente, olhando para o homem actual, queremos projectar luz sobre as situações sociais que nos afectam e sobre a condição humana

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Incensando o Altar.

que nos determina. Se não formos levados por fantasias de momento, reconhecemos que a sociedade sofreu, ao longo da história, tal como hoje, um conjunto de contrariedades que ameaçam a sua estabilidade, o seu bem-estar, os seus valores mais profundos, da justiça, da paz, da comunhão e da dignidade de cada um dos seus membros. O mesmo se diga em relação ao ser humano, marcado pela sua condição de criatura na incessante busca do seu Criador que na Boa Notícia de Jesus Cristo é Pai, cujo desconhecimento ou obscurecimento desta verdade, pode levar o sujeito a usurpar um estatuto de autonomia de tal modo fracturante com as suas origens que o leve a sentir-se «senhor de si mesmo e do mundo» com consequências dramáticas para a vida em sociedade e para o profundo sentido da realização pessoal. Muito oportuna é a palavra do Evangelho: «Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo».

O segredo da vida está no seguimento daquele que possui a plenitude da Vida, Jesus Cristo. Eis o convite que a todos nos é dirigido. O Mistério Pascal de Cristo converte-se na chave de interpretação de toda a história pessoal e universal. Face a todas as pretensões humanas, Jesus traça-nos o seu caminho e convida-nos a segui-lo. Ler a vida à luz do mistério da cruz de Jesus significa escutar a mensagem do reino, adoptar a sua maneira de ser e cumprir, até ao fim, a urgência do seu exemplo: oferecer sempre o perdão num amor sem limites, viver abertos ao Mistério de Deus e olhar para o homem na riqueza da sua comunhão divina, manter-se fiel e livre, mesmo que seja necessário ir até ao martírio. Com este modelo, a Igreja reconhece que a verdadeira lei é Cristo, presente na sua mensagem e no seu amor até à entrega total. Colocamos, hoje, nosso olhar em S. Sebastião e vemos nele o homem de coragem que não abdicou da verdade mesmo à custa da própria vida, contemplamos a presença


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Durante a Liturgia.

de Jesus Cristo em todos aqueles que aceitaram o desafio de serem seus discípulos e que sentiram a protecção do mártir que honramos, reconhecemos que o sentido da vida humana não pode ficar limitado às condicionantes do espaço e do tempo, mas atinge a sua plenitude na comunhão com Deus, valorizamos a fraternidade humana a tal ponto de ver no irmão a imagem do Deus vivo. Tal como os nossos antepassados que vieram junto de S. Sebastião implorar que os livrasse dos males que os atormentavam, também nós, hoje, viemos aqui para, iluminados pela Palavra de Deus e pela vida deste Mártir, nos empenharmos afincadamente na solução dos problemas que afligem os nossos contemporâneos. Ser digno da condição humana, edificar o homem tal como Deus o criou e pelo qual Jesus Cristo entregou a sua vida; empenhar-se numa sociedade onde a dignidade humana

é respeitada sem subterfúgios, nem alienações; promover uma cultura respeitadora da vida e da transcendência do homem; pautar a existência de cada um e de cada família pela verdade, pelo bem, pela justiça, pelo amor, pela generosidade e pela comunhão; reconhecer no pobre e no marginalizado, doente, preso ou migrante, a dignidade a que tem direito, apesar da sua condição e colocar-se ao seu serviço; prestar a cada pessoa o reconhecimento de que o trabalho é factor essencial da sua dignidade inalienável; é tarefa urgente, necessária e da nossa responsabilidade. São muitas as interpelações que nos são lançadas pelas necessidades em que vivem muitos dos nossos irmãos. Para os cristãos acresce ainda o dever oferecer o testemunho evangélico capaz de encaminhar toda a pessoa ao encontro da Fonte onde a ânsia de felicidade humana é saciada. Essa


Fonte é Jesus Cristo. Donde nos virá a coragem e onde apoiaremos a serenidade e a esperança para caminharmos sem vacilar no meio de tantas dificuldades? Sintamos em nós a certeza que nos é dada por S. Paulo: «Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada?... Mas em tudo isto somos mais que vencedores por aquele que nos amou». «Se Deus é por nós quem será contra nós». Nesta certeza e nesta esperança, animados pelo exemplo dos nossos antepassados e pela intercessão de S. Sebastião, lancemo-nos na aventura

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D. João Lavrador na Procissão das Fogaceiras - 2009.

de construir uma sociedade mais humana e, como tal, mais identificada com os valores do Reino de Deus. A Maria Santíssima que soube estar atenta ao apelo de Deus e às necessidades dos homens, que cantou a grandeza e a santidade de Deus que, através da sua humilde serva, transformou a sociedade e elevou o homem à sua dignidade original, peçamos-lhe que atenda as necessidades do nosso mundo e que inspire os nossos trabalhos para que eles sirvam sempre o bem da pessoa e da sociedade.


Festa das Fogaceiras em Caracas Amadeu Albergaria* Acordam cedo as Terras de Santa Maria. Como flocos de neve imaculados chegam pela mão do pai, da mãe, da avó. Os seus rostos iluminam-se numa timidez compenetrada. Sozinhas, caminham em busca de mãos sabedoras. O castelo que as acolhe viu-as nascer. Como as suas mães e as suas avós antes delas, preparam-se para cumprir o voto. Há 504 anos, que na manhã do dia 20 de Janeiro caem pequenos e delicados flocos de neve... são as meninas fogaceiras! Chegam das 31 freguesias irmãs. Começa o rodopio. Cinta vermelha, cinta azul. As mãos sabedoras cintam-nas. As cores simbolizam a alegria do povo: - não esqueçam as luvas brancas. Esses sapatos não estão bem. Não chores que já se resolve. Alinham-se. Das mais pequenas para as maiores. É grande a algazarra. Recebem a Fogaça! Durante toda a noite mãos de mestre amassaram e cozeram o pão doce feito ex-voto. Ovos, açúcar, canela, fermento, manteiga, sal, limão e farinha. A poção mágica que livrou o povo da peste brava e cruel que grassava na terra. A fogaça não é só um doce típico. É alma de uma gente. Amassada, trabalhada, cozida e que finalmente sai da opressão quente do forno para se transformar em promessa cumprida às mãos de meninas impúberes. Vão garbosas as

nossas fogaças coroadas de papel de prata de diferentes cores, recortado com perfis do castelo. Tocam-lhes ao de leve duas mãozitas de donzela que permitem o equilíbrio frágil que as segura nas cabecitas. Estremece a fanfarra dos bombeiros. Ao cimo da Rua Direita perfila-se uma banda filarmónica. No Rossio já toca outra. Na varanda da Câmara Municipal balouça uma gigantesca colcha de croché. Chama-se Donzela e mais de quinhentas mãos de mulheres a teceram durante três meses. Hasteia-se a bandeira nacional. Há cumprimentos e saudações no ar. Junta-se o povo e os políticos. Aguarda-se. Aguardamos todos. E depois, como se o tempo se suspendesse, assistimos. Sai uma, depois outra e outra e mais outra. As meninas de há bocado são agora fogaceiras. Vão silenciosas. Chora a mãe e a avó quando a sua criança desce a escadaria da Câmara. O pai, esse não chora. Mesmo que não aguente as entranhas. Inquientam-se os espíritos. Mas eis que sai o castelo. É indisfarçável o orgulho da senhorita que o transporta. E na inocência da sua idade leva à cabeça tudo o que somos enquanto povo. Lá vai o cortejo cívico. À porta da Igreja Matriz, que hoje recuperou a brancura original da sua fachada, aguarda o Padre. Lá dentro há vozes que cantam hinos de louvores, flores que emprestam a sua beleza ao granito centenário, a Senhora do Castelo e o nosso Santo Mártir. Começa a Missa. Rezam as Terras de Santa Maria.

*Vereador do Pelouro da Educação, Cultura, Desporto e Juventude da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

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À direita do Dr. Amadeu Albergaria, Rodrigo Ferreira, Presidente da Associação Civil das Terras de Santa Maria e Ramiro Volta, feirense do Ano.

Benzem-se as fogaças depositadas no altar pelas mãos das fogaceiras. 504 anos depois o povo devoto renova o voto ao Santo Mártir São Sebastião. Sabe o concelho que 2009 não lhe trará nenhuma peste. Estalam foguetes no ar. Juntam-se as famílias feirenses à roda da mesa. No centro a fogaça comprada na melhor das casas. Partilha-se a fogaça despedaçada à mão. Cortá-la à faca é sacrilégio. Começa então a devoção popular. São milhares os que chegam para ver a procissão. Passam pela feira dos vinte. Compra-se um vaso de orquídeas, apreça-se um funil de lata, os sapatos estão caros e as calças não servem. O petiz chora pelo balão. A mãe suspira por aquele atoalhado azul. O pai

abraça um amigo, camarada de armas na guerra do ultramar. Os mais velhos guardam lugar. A escadaria dos Lóios é a melhor posição, a seguir é a da Misericórdia. Abrem-se as janelas de par em par. São colocadas as melhores colchas. Convida-se o amigo para subir. Da janela sempre se vê melhor. As ruas do velho burgo medieval acotovelam-se numa maravilhosa reunião. Ao fundo da rua, quando todos têm pressa, vem um pai, uma mãe, uma filha e um filho, abraçados e caminhando lentamente. O pai traz os olhos rasos de água e o coração apertado. Este Homem chora. São emigrantes nesse mundo e vieram ver as Fogaceiras. Começa a formar-se a procissão. Bandas, fanfarras, confrarias, bandeiras, presidentes da junta, associações


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Festa das Focaceiras em Caracas.

desportivas, culturais, sociais, de estudantes, assembleia municipal, já cá estão. Chegam os irmãos da Misericórdia e os confrades da fogaça. Os padres do concelho aprontam-se na sacristia. Auxiliam o Bispo. Os homens perfilam-se junto aos andores. A câmara, o governador, o deputado, estão a postos. Faltam os cavalos da GNR. Estão atrasados, como de costume. Mas eis que, procissão e povo estão prontos. Sai a procissão. O Janeiro vai frio mas a tarde é de sol. Só se ouve o silêncio marcado pelas marchas das bandas. São tantas as fogaceiras. E que lindo vai o São Sebastião este ano. Olha o meu cunhado ali de fato e gravata. Até parece outro. Rezam-se baixinho pais nossos e avé marias. Que o Santo nos há-de guardar da doença. Estende-se a procissão. Já não há ruas, só se vê gente, e os nossos flocos de neve que levam à cabeça a fogaça. Cumpre-se o percurso. Quase, quase, que a

procissão cruzava este ano. E então, o São Sebastião satisfeito volta a entrar na igreja. À noitinha com o Santo António, o São Pedro e o São João há-de dizer, em virtuosa vaidade, não há festa como a minha! Que fome! Como pardalitos as fogaceiras depenicam a sua fogaça benzida. Que bem merecida que é! Nem o sacristão se zanga por a igreja ficar cheia de migalhas. Cortam-se os mandados das fogaças grandes – um para o Bispo, outro para o governador civil e outro para o comandante da região militar. As meninas vão pela mão do pai para casa. Cheira a fogaça no ar. Há filas para as comprar no café Castelo, no Trovador e no S. Nicolau. Recolhem-se as colchas. As bandas tocam uma última marcha. Anoitece. Acabaram as Fogaceiras... em Portugal.


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Amanhece cedo em Caracas. E como fenómeno formidável e inesquecível há-de nevar neste dia de 25 de Janeiro de 2009 na Venezuela. São pequenos flocos de neve que chegam pelas mãos dos pais. É grande a alma dos Homens. Maior é a saudade do português. Desconhecedoras disso juntaram-se em concílio as forças do mundo. Separaram famílias, retiraram jovens da terra que é sua, fizeram-nos viajar pelas quatro partidas do mundo e trabalhar, trabalhar, trabalhar. Surgiram novas famílias, novas terras, novos hábitos e costumes. Mas esqueceram-se as forças do mundo que mexiam com portugueses. E durante todo esse tempo trabalhava a saudade, o apelo da terra e da mãe e do pai que ficaram. Nada podem todas as forças do mundo contra o que é ser português. Reuniram-se então a saudade, o São Sebastião e a vontade de alguns Homens Bons desta comunidade e cairam em Caracas pequeninos flocos de neve com uma fogaça à cabeça. Chorou o castelo da Feira. Que longe... que longe, chegaram as Terras de Santa Maria. E houve Missa, Bênção,

Procissão e Devoção. Cheira a fogaça. Há almoço. Juntou-se a família. A fogaça está no centro. Coroam-na duas bandeiras – representam os países e a vida destes Homens. A portuguesa é saudade, a venezuelana o destino. Meus Senhores e minhas Senhoras Também eu e a minha esposa temos um pequenino floco de neve com onze meses de idade. Quando partimos para a Venezuela e a deixamos em Portugal apertou-se o nosso coração. Mas a amizade, alegria e dedicação com que nos acolheram, o que nos mostraram e que nos ensinaram os Homens Bons da minha terra que aqui vivem, fez com que o nosso coração se desapertasse. E por isso não posso deixar de agradecer a forma carinhosa e atenta com que receberam estes vossos dois amigos: Amadeu e Mónica. Obrigado. Caracas, 25 de Janeiro de 2009


O Dr. Crispim Manuel Leão* Quando conheci o Dr. Crispim Teixeira Borges de Castro, já ele era uma figura respeitável pela idade, pelo exercício gratuito da medicina e pelo seu prestígio social. Quando era miúdo, costumava abusar da fruta mal amadurecida, produzida pelas árvores plantadas na parte superior da nossa quinta. Portanto, havia problemas ocasionais de saúde. Lembro-me de o meu pai me ter levado à Mâmoa, onde morava o Dr. Crispim. Na verdade, havia boas relações entre as nossas famílias. O médico não deu importância à situação que verificou, mas receitou um lambedor, uma espécie de xarope, que nem era desagradável, por ser adocicado. Talvez daí lhe tivesse vindo a designação popular de lambedor. Nas datas mais solenes da família, como casamentos e o meu fim de curso, a festa não dispensava a presença do Dr. Crispim, que, em brinde emocionado, manifestava a sua amizade sincera para com os anfitriões. Falei muitas vezes com ele no convívio ocasional, visto que a minha actividade me desviou da terra natal. Em visitas de apreço que lhe fiz na fase final da sua vida, nunca faltava assunto para debater, sem entrar na má-língua. Chegou mesmo a dizer-me que eu poderia ser um bom testamenteiro

seu. Não adiantei nada a esta observação, até por motivo de me ver absorvido quase sempre por muitas tarefas, em Gaia. A posteriori, concluiu-se que faltou dinâmica aos executores testamentários, sabendo-se que os adiamentos podem provocar danos emergentes. A propósito do seu espólio, devia existir correspondência manuscrita com grande interesse histórico tanto para o concelho como para o distrito de Aveiro. Não sabemos como estaria a sua biblioteca, que, embora não fosse grande, devia conter exemplares enriquecidos pelo tempo, como primeiras edições. Lembro-me de ele me ter referido leitura de poetas de fins do século XIX. Conviveu, em Coimbra e Paris, com figuras relevantes quer da Academia quer da política. Admito que haja qualquer parcela da matéria que estou a abordar, mas nada mais posso avançar, porque nunca contactei com os responsáveis directos: testamenteiros e Junta de Freguesia. O Dr. Crispim nasceu numa família aristocrática. O Primeiro Visconde das Devesas era seu familiar. Um dia contou-me que alguém, certamente na mira de alguma recompensa, lhe tinha apresentado a árvore genealógica de sua família. Não sei se ela existirá no espólio documental. António Joaquim Borges de Castro foi nomeado Visconde das Devesas, por decreto de 23 de Julho de 1879. Tinha nascido em 3 de Março de 1814, em Milheirós de Poiares, Santa Maria da Feira. Faleceu em Outubro de 1884, com

* Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profissional de Gaia, a cujas direcções pertence. Tem publicado numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fins culturais e sociocaritativos.

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um longo testamento, no estado de viúvo. O Dr. Crispim foi contemplado no testamento. Ficou com o usufruto de prédios na Bandeira, ficando a raiz para os filhos que viesse a ter. A este respeito, contou-me para afastar rumores infundados que a sua boa figura e abastada fortuna criaram em imaginações alheias, que tinha ficado privado da paternidade por anomalia verificada no epidídimo. As primeiras letras: ler, escrever e contar, foram aprendidas com um conhecido mestre da Presa. Esta família, de que conheci alguns elementos, teve a sua origem no fundo do lugar da Palhaça e princípios do lugar de Milheirós. Era costume que os mestres da aldeia ensinassem também rudimentos de doutrina cristã. O Dr. Crispim contou-me um dia que ainda conservava um canivete que tinha recebido do mestre por ter aprendido a ajudar à missa em pouco tempo. Os estudos secundários devem ter sido feitos no Porto, mas não me lembro de ter ouvido qualquer referência a essa fase da sua vida. Falou-me muitas vezes da sua vida de universitário, tanto dos colegas como dos professores. Sobre familiares seus próximos ou mais distantes, espalhados pelo norte, nomeadamente Viana do Castelo e Gaia, teve ocasião de referir peripécias ocorridas. Na década de 30, houve intervenção sua junto dum sobrinho de Castelo de Neiva, João Luís Monteverde. Procedeu à interdição por prodigalidade, situação que foi ultrapassada, depois que o sobrinho casou com uma senhora de boa família, com espírito prático voltado para a gestão familiar. Conheci o casal, que possuía bens imóveis valiosos no coração de Gaia. Este sobrinho era o proprietário do Castelo de Neiva, que cheguei a visitar. Na fase final da sua vida, Monteverde visitou-me várias vezes, porque estava como vitalício na Ordem do Carmo, no Porto. Esta ligação resultou da minha intervenção na remissão de foros que oneravam os seus prédios de Gaia. As propriedades que ele possuía na Bandeira confinavam com as da Diocese que estavam a meu encargo, enquanto director do Colégio que ocupava estas. Por outro lado, as minhas boas relações com o directo senhor que era o Conde de Campo Belo facilitaram a celebração da respectiva escritura. Ainda trocou impressões comigo sobre o testamento que, suponho, terá deixado. A vida do Dr. Crispim em Coimbra coincidiu com a agitação estudantil que prenunciou a implantação da República. Nunca lhe perguntei como se processou a sua mudança

de curso universitário. Na sua família tanto se encontram médicos, como o cirurgião José Joaquim Borges de Castro, em 1836 (ADP Po 4, 515, 96v e 129), como juristas: o Dr. Crispim José Borges de Castro, em 1873 (Ibid.600, 3v), era juiz de Direito. De qualquer forma, o jovem Crispim inscreveu-se em Direito. Era pessoa de reacções rápidas, explicadas pelo seu temperamento e talvez escudadas no seu estatuto familiar. Encontrou no primeiro ano, em Direito Civil, o seu conterrâneo Doutor Guilherme Moreira. Este lente, embora fosse amigo dos estudantes, como nos refere a história da época, na verdade o seu grau de exigência parecia igualar a sua ímpar formação jurídica. J. Benoliel, na Ilustração Portuguesa, teve a coragem de o classificar como “lente terrível”. Nos papéis deixados por Salazar, publicados nos fins do século XX, ele confessa que os estudantes tinham medo dele. A este propósito, Salazar tinha admiração pelo mestre. Contoume o Dr. António J. Alves Moreira, dermatologista, filho do Dr. Gaspar, portanto, sobrinho do doutor Guilherme, que Salazar, já com cátedra conquistada, foi visitar o seu antigo mestre, já sucumbido a grave doença que o vitimou. Fez alusão a certa questão jurídica. O doente, a breve trecho, desfiou a sua opinião de tal forma que Salazar teria comentado a resposta como definitiva, sem alternativa. O Dr. António Moreira esteve hospedado em casa do tio, em Coimbra. O Dr. Crispim mostrou-se rebelde, uma fase compreensível na época juvenil, e esbofeteou um lente, como ele me contou certo dia, dizendo-me que tinha vindo de Paris para ser julgado. Foi absolvido. Informação de outra origem, contida na história familiar, certifica que o doutor Guilherme teria dito ao jovem Crispim, seu conterrâneo, que nunca passaria a Direito Civil. O certo é que Crispim foi para Paris cursar Medicina e especializou-se em obstetrícia. Lembro-me de ter como visita um condiscípulo francês dos tempos de Paris. Todavia não consta que tivesse havido relações frias com a família Moreira, embora esta família tivesse prestado mais atenção ao conselheiro Costa, que politicamente era progressista. Sei que, para grande parte da família Moreira, o Abade Costa não era politicamente fiável. Quando foi presidente da Câmara, em princípios do século XX, chegou a haver algum desencontro. O Dr. Crispim fez clínica, deslocando-se num corpulento e belo cavalo, estendendo a sua acção clínica ate ao concelho de Arouca, pois ouvi-o contar peripécias dos seus rumos por lá. Deve reconhecer-se a sua dedicação humanitária e desinteressada, acudindo a quem quer que lhe batesse à porta.


O médico da aldeia, antes desta invasão de análises exigidas a torto e a direito, encontrava dificuldade em fazer diagnósticos, porque vinham ao seu encontro as mais variadas circunstâncias que marcavam as doenças. Contava-se a intervenção do Dr. Crispim num caso ligado a ortopedia. Num desastre, dois trabalhadores sofreram fracturas várias nos membros inferiores. Um foi tratado pelo Dr. Crispim e ficou coxeando; o outro, tratado por um endireita de Cesar, o Sr. Isaías, que eu conheci, usando o mesmo meio de transporte que o médico, ficou escorreito. A época agitada da Primeira República atraiu o Dr. Crispim para a luta política no concelho. Chegou a ser Presidente da Câmara. Em eleições, que lembro já no Estado Novo, estavam os votos limitados aos chefes de família. Para os votantes de Milheirós, as urnas eram as de Arrifana. Como se realizavam nos meses frios, o Dr. Crispim mandava colocar aguardente do seu alambique à disposição de quem quisesse escaldiçar a garganta, juntamente com figos secos, na casa da eleição, geralmente a escola. Nessa época, havia desordem nas ruas e nas ideias, criando um desgaste e descrédito das instituições públicas, o que veio a cair no 28 de Maio. Contou-me o reitor do Seminário do Porto, Dr. Ferreira Pinto, que era natural de Guisande e acompanhava a evolução do concelho, que o Dr. Crispim tinha desalinhado numa polémica de jornal, suponho eu. Abordando posição religiosa, afirmou que era tio do Menino Jesus, porque era irmão de Nossa Senhora. Em Milheirós, quase todas as famílias inscreviam-se na Confraria de Nossa Senhora do Carmo, instituição que vem do século XVIII. A propósito da posição religiosa do Dr. Crispim, lembrome de ele ter mandado fazer e colocar na igreja duas cadeiras-genuflexórios, pensando certamente na esposa. Este gesto não devia ter sido tolerado, porque a igreja não deve ter lugares marcados. O Dr. Crispim era muito estimado e ouvido na sua terra natal. Durante a Guerra Civil de Espanha, o Dr. Crispim organizou um comboio de camionetas de carga com bens para acudir aos necessitados. Recordo-me desse esforço humanitário, porque o panorama político europeu estava muito incerto quanto ao seu futuro imediato. O progresso urbanístico de Milheirós ficou a dever muito ao Dr. Crispim. Cortou novas vias, principalmente no seu vasto domínio territorial. A esposa, D. Judite, dizia que ele queria medir

a terra ao cesto. Naquele tempo, ainda não tinham chegado as grandes máquinas para deslocação de terras. A movimentação era feita por mulheres, com pequenos cestos transportados à cabeça. A terra geralmente estava mal compactada para os homens poderem movimentar os carrinhos de mãos. De facto, ele gostava de actividade e, geralmente, vivia com dívidas, porque a sua gestão raras vazes era positiva. Isto levava-o a decisões para as quais não encontrava seguidores. Lembrome de ter feito contrato de resinagem nos seus pinhais, do qual lhe resultou um rendimento apreciável. Os meus avós, detentores de excelentes pinhais, em qualidade e quantidade, não alinharam nessa iniciativa. Promoveu a iluminação pública e a rede eléctrica acessível aos consumidores privados. Em casa, ouvi contar a oposição, apresentada em reuniões preparatórias por um pedreiro, do Pereiro, contestando a iniciativa, defendendo a iluminação a petróleo. O Dr. Crispim, que presidia, respondeu que continuasse sem querer a rede eléctrica. Mais tarde, a rede local foi comprada pelos serviços camarários respectivos. Entre os accionistas estava a casa de meus avós paternos. Um tanto tarde, o Dr. Crispim casou com uma sua prima, D. Judite, de Vila de Punhe, arredores de Viana do Castelo. Alterou o seu estilo de vida, tanto mais que a esposa era abastada. Trouxe de Viana o seu carro com motorista fardado. Até esta fase da sua vida, o Dr. Crispim andava sempre apressado e sempre atrasado, com o relógio na mão, à procura de boleia, visto que era uma figura conhecida e bem apreciada no concelho. Um dia, comentando esta faceta do marido, a esposa disse-me que tinha esperado quinze anos pelo casamento. Era uma pessoa ilustrada, de fino trato e discreta, embora a sua corpulência lhe limitasse a actividade. D. Judite era muito abastada, razão alegada pelo marido para não lhe legar nada a não ser o usufruto vitalício. A gestão do espólio do Dr. Crispim foi lenta, não estando eu apto para ajuizar mais além. É indiscutível a utilidade desta instituição que resultou da aplicação dos seus bens conjugados com o apoio social. O benefício veio abranger crianças e idosos, colmatando uma falha que já tinha sido reconhecida numa iniciava feita com abrangência maior, começando pela eliminação da mendicidade, apoio ao internamento em casos extremos e até providências para uma habitação decente para todos.

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Dr. Crispim: foto de Paris dedicada ao Abade Costa. Abril de 1901.


VILA DA FEIRA NO SÉCULO XVII: UM PERCURSO** José António Martin Moreno Afonso*

1. INTRODUÇÃO

1.1. O presente texto tem como objectivo:

i) apresentar um mapa inédito da vila da Feira, desenhado por José Monteiro Salazar em 1781 (1);

ii) relacionar a dimensão espacial com outras fontes, particularmente as escritas.

(1) Queria deixar o meu penhorado agradecimento aos Drs. Gonçalves Guimarães e Maria da Graça Peixoto pelo apoio e estímulos dados ao presente trabalho. Só esta marca de amizade permitiu a sua concretização. Saliento também as importantes informações prestadas pelo Sr. Anídio Casals d’Azevedo, Dr.ª Maria de Jesus Reis, Sr. Óscar Fangueiro e Dr. Barbosa da Costa. *Professor Auxiliar do Instituto de Educação da Universidade do Minho

**Primeiras Jornadas de Estudo sobre a Terra de Santa Maria. Organização da Câmara Municipal. Secretariado da Biblioteca Municipal. Apoio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 7/9 – Abril – 1988.

1.2. A iconografia, e de forma especial a cartografia, de um local tem sido objecto de estudos importantes e que tentam deslindar a percepção estética dos seus autores; o contraponto informacional em sequências temporais; a lógica a que obedecem os desenhos ou grafismos; a importância dada aos pormenores; o distanciamento (ou não) cultural daquilo que se vê; a relevância de dicotomias, etc. (cf. para uma visão de conjunto: Groshens, 1980). Estas problemáticas são sem dúvida importantes. Analisando gravuras seiscentistas sobre Lisboa, Dias (1988: 126) conclui: “Diga-se, por fim, que não foi apenas Bráunio que teve acesso a esse arquétipo de Lisboa quatrocentista. Outros artistas copiaram a mesma gravura, acrescentando sempre, e só, os novos monumentos do Terreiro do Paço, mas deixando-nos toda a outra realidade, onde a cidade aparece representada com maior longitudinalidade, quer para oriente, quer por vezes para ocidente, e por vezes mais incompletas na decoração do novo Paço em que falta, por exemplo, a construção dos jardins”. Este efeito de trabalhar sobre modelos é paradoxal, mas sintomático de como se enviesa, naturalmente, a realidade ao tentar-se ser objectivo. (Para uma análise a um vasto corpus iconográfico sobre Vila Nova de Gaia, e que abrange dois séculos (XVIII e XIX) em que se detectam situações análogas - cf. Filgueiras, 1984). Estas fontes iconográficas são, por sua vez, indicadoras de todo um conjunto de transformações que se revelam fundamentais para o conhecimento do espaço: alterações

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do território que é pertença, real ou simbólica, de determinado grupo social. As Terras de Santa Maria são um exemplo claro de como o espaço pode ser dominado e afrontado em diversas acepções (guerreiras, administrativas, etc.) e isto apesar de possuir um perfil geográfico peculiar que, dentro das suas oposições é uma unidade específica que se complementa. (Sobre o percurso das Terras de Santa Maria ver: Sousa, 1942 a: 129152; Sousa, 1942 b: 206-221; Cardoso, 1929).

Misericórdia - Igreja de S. Francisco (existiu a ermida de S. Nicolau). 54

arquitecturais, paisagísticas e sociais (tipos sociais que frequentam particulares locais), para além das alterações na importância de zonas que funcionaram ou passaram a ser pólos de crescimento urbano, bem como as alterações no tecido rural, assim como as alterações tecnológicas (transportes, máquinas, iluminação, estradas) e artesanais (mobiliário, janelas, portas, candeeiros...), entre outras. As imagens em confronto com outras fontes coevas permitem aferir os mecanismos que originaram a mudança ou justificaram a inércia. Os hiatos temporais, por se referirem a cortes estruturais, marcam o jogo da pretensão da harmonia de acordo com as mentalidades epocais.

2. APROXIMAÇÕES ÀS TERRAS DE SANTA MARIA 2.1. No território reflectem-se as estratégias humanas. Os traços naturais definem a sua inserção geográfica. Conjuntamente a acção humana e natural moldam os locais a lógicas de dominação em que reciprocamente se entrecruzam os interesses e paixões humanos e a resistência da Natureza. No entanto, os jogos de poder são decisórios na justificação da escolha de particular local (ou região). Para além do factor aleatório, toda uma gama de dinâmicas é contrabalançada no sentido de defesa, e/ou expansão

2.2. As Terras de Santa Maria ao longo do tempo foram pertencendo ou sendo objecto dos mais variegados interesses que pretendiam coadunar este espaço com as matrizes de integração num todo regional e nacional, em consonância com os epigonismos centralistas do momento. (Coelho, 1986; Castro, 1870; Neves, 1955 a: 173-195, especialmente: 177179; Neves, 1956 a: 10-39, especialmente: 23-24; Neves, 1956 b: 139-160). As administrações sempre ponderaram a identidade regional por um esquema de unidade nacional. Esta via de apreender a realidade prende-se a fins diversos (Dias, 1988; Coelho, 1986) e neste particular não é de olvidar as sucessivas inclusões, quer em todos naturais, quer em espaços administrativos, pelas quais a Vila da Feira foi passando (Ferreira, 1941; Ramos, 1944; Ferreira, 1945; Ferreira, 1953). 2.3. “E Declaramos aqui primeiramente os direitos particulares da feira por seer cabeça da terra de santa maria E assy estar nos tombos antijgos tirados da torre do tõbo primeiro que os outros direitos da dita terra Pollos quaaes se mostra aver na dita terra herdades e terras reguemgas com outros direitos particulares a ellas Jmpostos (...)”. Assim começa o Foral de D. Manuel I concedido à Feira (Madahil, 1939 a: 17). “Orilhas de cierto rio, cinco leguas de Porto esta la villa de feyra puesta en vn valle adornada de fuerte Castilho, y vistoso Palacio de sus Dueños; abunda de caças, pesca, fruta, y razonable cosecha de pan. Tiene 150 vezinos, vna Parroquia, y vn Convento de Frayles”.(Rodrigo Mendez Silva, Poblacion General de España, Madrid, 1645, foI. 178 vº:in:


Serrão, 1975: 285). O conjunto das descrições é unânime ao caracterizar fisicamente a Vila da Feira (cf. Sousa, 1690; Cunha, 1740; Costa, 21868; Memórias paroquiais...; Leal, 1873/1890).

Fogos

2.3.1. Em termos de ocupação humana, segundo diferentes fontes e datas, a sua caracterização pode ser configurada do seguinte modo:

Fonte

Data

Vizinhos

Numeramento (Sá1938:141-143),

1527

59

Población… (Serrão,1975)

1645

150

Constituições… (Sousa,1690)

1690

Corografia… (Costa,21868 Catálogo… (Cunha,1740)

1706

Memórias… (ANTT)

1758

297

Censo Pina Manique (Serrão,1970)

1798

294

138

Maiores

Menores

779

67

250

1740

55

542 (comunhão)

Em 1527, descriminando os 59 vizinhos do “corpo da vila”, o escrivão Eitor Lopez dAImeida especifica “sam destes - 10 escudeiros (fidalgos) e 18 viúvas (...)” (Sá, 1938: 142). Cerca de 31% da população eram os designados fogos femininos (cf. Dias, 1988: 113-116). 2.3.2. Os recursos naturais da Vila da Feira (freguesia de São Nicolau) poder-se-ão considerar normais e bastantes para o auto-sustento dos seus habitantes, apesar de, em 1758, ser deficitária em trigo; assim, na comarca da Beira, particularmente na Feira, colhiam-se 4.748 moios e 28 alqueires e consumiam-se 19.003 alqueires e 0 moios, logo havia uma “falta” de 14.235 alqueires (Macedo 2, 1982: 336).

92

“He esta villa abundante de todos os frutos, caça, gado, carne de porco, linho, lenha & regalado peixe “. (Costa 2, 1868:107). Segundo o Pe. Jozé de Pedro Quintella, redactor das Memórias paroquais..., havia: truta; vogas; vaiados; limos; salgueiros; milho; centeio; feijão; trigo, e linho. A vinha era cultivada pelo sistema de cepa (Oliveira, 1973 a: 55). Destes elementos se conclui que a Vila da Feira possuía recursos bastantes, salvando as eventuais quebras originadas por calamidades ou outros imprevistos de origem natural ou humana. A comarca da Feira pagava para o Convento de Arouca os seguintes foros (Madahil, 1940:76):

(2) Relativamente à produção cartográfica de José Monteiro Salazar, e para além da já citada planta (que se pode encontrar referenciada em Livro do 1.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro, V.N. Gaia, 1986, p. 90 e Adolpho Loureiro, Porto e Barra do Douro, Lisboa, 1905) haverá que mencionar o Mappa da Barra e Rio da Cidade do Porto, com todas as suas pedras, bancos de area e palmos que tem o dito Rio na baixa mar in: O Rio e o Mar na Vida da Cidade, Porto; 1966: Plantas topográficas).


Medidas

Pressos

Producto

De milho… Alqres…

72

200

14$400

De Senteio… Dos…

31

200

6$200

99 23

120 360

11$880 8$280 288$330

foros a dinhr.º, e em especie Galinhas Carnr.os… Em dinheiro… Soma o total dos foros desta Com. ca

56

Estas rendas referem-se ao ano de 1808. 0 Mosteiro do Espírito Santo “rende duzentos mil reis” (Cunha, 1740:247) o que atesta a vitalidade deste espaço territorial. A caça era de veados, porcos montezes, lebres, coelhos, perdizes (Melo, 1944; estes elementos referem-se às doações e privilégios que tinha a casa dos Condes da Feira e com as respectivas multas para quem prevaricasse: 213-220;cf. Foral da Feira in: Madahil, 1939 a: 15-32). 2.3.3.” A Vila da Feira está situada num ameno vale e servem-lhe de muralha os levantados montes que a cercam não se descobrindo nenhuma povoação alguma nem ainda todos os lugares da freguesia”. (Pe. José Pedro Quintella, Memórias Paroquiais..., resposta à questão 4ª). “Esta Vila da Feira tem de termo pera a parte da vila da Benposta ate o cabo da Feyra, sam 4 legoas, e pera a parte dAveiro tem 4 legoas de termo. Parte cõ a Vila dAveiro e cõ a vila da Beposta e cõm o mar e tanbe cõm Gryjo que he da d’Antré Douro e Minho”. (Sá, 1938: 142-143). Apesar de algumas fábricas de vidro - como o forno de vidro da Quinta do Covo ( Macedo 2, 1982: 264) - situadas no termo da Feira; da extracção do caulino para fornecer as zonas da Marinha Grande e Vila Nova de Gaia ( cf. Aranha, 1871), a Vila da Feira correspondia à seguinte observação: “Sobre um núcleo agrário trabalhado para a subsistência local, existia um aparelho produtor industrial, assente na oficina ou no trabalho doméstico e, em certos casos mais raros, na manufactura, tudo intimamente ligado ao núcleo agrário e à sua produção.” (Macedo 2, 1982: 123). Em termos de pequena indústria, e na Vila da Feira,

Total

329$090”

conhecem-se mestres e juízes das seguintes profissões: sombreiro, pedreiro, carpinteiro, trolha, alfaiate, ferrador e alveitar, tamanqueiro e cortador de carnes; Também se conhecem os “Rigimentos dos officios”, tabelamentos dos preços em 1723, para as seguintes áreas: sombreireiro, pedreiro, alvenaria, canastreiros e ferreiros. Por parte da Câmara existem minutas de “Cartas de examinação” - licença passada para o exercício de uma profissão: carpinteiro (1769), ferrador (1739), ferrador e alveitar (1750), parteira (1762), surgião (1742), algebrista (1753) e sangrador (1742) (Amorim, 1979/1980: 14:19). Este naipe profissional enquadra-se perfeitamente num tipo de comunidade caracterizada pela produção agrícola, demonstrando-se assim a necessidade que esta actividade tem em ser complementada por um artesanato que tenha em conta o conjunto de alfaias e demais utensílios agrícolas, além de todas as actividades ligadas à construção habitacional, ao vestuário e outros domínios do labutar e das necessidades quotidianas, como por exemplo, os cuidados com a saúde. 2.3.4. “Assistem ao seu governo civil hum Ouvidor Letrado, que apresentavão os Condes desta Villa, tres Vereadores, hum Procurador do Concelho, Escrivão da Camara, hum Juiz dos Orfãos com seu Escryvão & Porteyro, quatro Tabeliaens do Judicial, & Notas, Distribuidor, Enqueredor & Contador, hum Meyrinho, hum Alcayde, & he da Provedoria de Esgueyra. Ao militar hum Capitão mór, & Sargento mór com treze Companhias de Ordenanças da Villa, & seu termo, que he muy dilatado, (...).” (Costa 2, 1868: 108; Memórias paroquiais..., questões 16ª e 17ª: “(...) e Alcayde todos da Aprezentação


dos Condez, e hoje do Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro (... )”). O Convento dos Loios era vigaria (Sousa, 1690) e, em 1740, tinha 4 frades (Cunha, 1740). A Comarca da Feira contribuía com 714 recrutas, que correspondiam a 17.865 fogos (Serrão, 1970: 64-65), e pertencia ao Bispado do Porto. Inquisição estabeleceu nesta região uma malha extremamente apertada (Rodrigues, 1948: 292-317, especialmente no que se refere à Vila da Feira: 306, 307, 308, 310 e 316; Rodrigues, 1949: 60-78, especialmente: 60, 61, 62, 63, 66, 69, 70, 73 e 76). 2.3.5. “Um rio corta pelo Sul a Vila, quase de nascente a poente, nasce em Albergaria de Souto Redondo, a cerca de uma légoa.” Este rio não tem nome, já que toma várias designações consoante as freguesias que atravessa, é, no entanto, por Rio de Ovar que era mais conhecido. Não é navegável pelo escasso caudal, no entanto os campos que o bordejam são férteis. No seu curso tem cinco açudes, e na Vila da Feira existem três pontes: uma no lugar da Lavandeira - baxa, sem guardas, mas segura de pedraria; outra do Convento - de cantaria com hu só arco mas espassozo, e outra do Rossio para Fijô - de cantaria com doiz arcos. Na freguesia encontram-se cinco moinhos de água e um rego (todas estas informações foram retiradas das Memórias Paroquiais…: “Interrogatorios do Ryo”). O terramoto de 1755 provocou alguns estragos no Convento - dormitório o campanário deslocou-se dois palmos (Costa, 1956: 173). No dia 20 de Janeiro realiza-se a procissão de São Sebastião, com a inclusão das fogaceiras, e a 24 de Junho (dia de S. João) realiza-se a chamada “ver a sina” (.cf. Memórias Paroquiais..., resposta à questão 22ª: ver a composição da procissão e da cerimónia “ver a sina”, para esta última, também, Oliveira, 1974 b: 45-48). 3. O MAPA DE JOSÉ MONTEIRO SALLAZAR 3.1. A 47 légoas de Lisboa e a 5 do Porto, a Vila da Feira foi, em 1781, desenhada por José Monteiro Sallazar. O mapa descreve a Vila de Norte para Sul e de este para oeste. Tendo no canto superior esquerdo a seguinte legenda: “Medição que se fés na vila da terra da feira em o dia 30 de Abril segunda feira do Anno de 1781 – por Jozé Monteiro Sallazar a companhado com o Dr. ou vidor, e Juis de fora e

mais officiais dos mesmos Ministros da dita villa. Com corda de 38.b. e ½ de 10 palmos cada brassa e Agulha já com a variação de 20 gr. NO. descontada nos aceiros se medio tudo em 46 lanços principiando do Norte A para Sul B donde se acabou.” Depois indica alguns locais e casas, a saber: “C e D casas do ouvidor e Juis de fora. E igreja da Miziricordia. F. pelourinho – G. Cadeia – H. ponte – I. ComBento dos Loyos. L. Lugar donde se faz a feira todos os vinte mezes – M. Castello da Villa – N. caza da tomadia da pipa – O. Lugar donde se completarão as 724 B. com as terturas dos Caminhos – P. lugar donde a via recta butou as 724 brassas.” No canto inferior direito encontra-se a seguinte Explicação: “Somão athe aqui [ponto B] em 16 lanços que se fizerão com as terturas e voltas do caminho 1013 b ½ Brassas por via recta do primeiro ponto do Norte athe o ultimo ponto donde se tomou a pipa são 804 b destas tirar 724 que faltavam para completar as quatro léguas sobejam 80 b. citas 80 b. se retrocedeu para traz pela mesma linha via recta para a parte Norte, donde se lançou cum Rumo de Leste Oeste, e comfronta com o caminho ou estrada ao Rumo de Oeste 31.B. e comfronta para o Rumo de Leste com o vale da quinta de Fernando Camello, em distancia de 21 B. e 1 palmo.” 3.2. Quem o desenhou era lente da Aula Náutica do Porto. Em 1779 produziu um mapa, com os mesmos recortes de estilo, em que a Barra e o Rio da Cidade do Porto foram o objecto (ver a reprodução, em extra-texto, Peres, 1956) (2) . Do trajecto pessoal deste lente por ora pouco se sabe (3), apesar de Peres (1965: 471, nota 5) afirmar que tem “em dous por 100 por entrada, e por sahida de todas as fazendas que pagam direitos no consulado d’Alfandega da dita cidade [Porto]; feita a avaliação para a referida contribuição pela Pauta do mesmo Consulado: como tambem dous por 100 da importância dos fretes das fazendas que se embarcarem por sahida, nos navios que compozerem as ditas Esquadras: (...)” (Ribeiro, 1871:297-298). A administração estaria a cargo da Junta de Administração da Real Companhia da Agricultura de Vinhos do Alto Douro. A Novembro de 1761, a petição era deferida, ficando salvaguardado que “O quantitativo do artilhamento dos projectados navios, portanto também o seu porte, (...) serem construídos segundo os planos e fiscalização dos técnicos de construção naval do régio arsenal de Lisboa” (Peres, 1965: 470-471).

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No entanto, a 30 de Julho de 1762, reconhece-se que “é justo e necessário que ao mesmo tempo se criem officiaes para aquelle importante serviço, como os sobreditos me representarão: Hei por bem crear doze Tenentes de mar e dezoito Guardas Marinhas para servirem nas referidas fragatas com Aula, e Residencia na mesma cidade do Porto. (…)” (Ribeiro, 1871:301). O primeiro professor da Aula Náutica só veio a ser nomeado em 12 de Maio de 1764 e foi António Rodrigues dos Santos (Basto, 1937: 3, Peres, 1965:470). Segundo Peres (1965), o projecto da Aula de Desenho e Debuxo teria sido ideia de José Monteiro Salazar (471). A 27 de Novembro de 1779 foi então criada essa aula pública. Em Fevereiro de 1780, no dia 15, iniciaram-se as aulas no Seminário dos Meninos Órfãos. As aulas decorreram normalmente até 1802 e, em 4 de Janeiro de 1803, por impositivos de complemento da formação, é criada a Academia Real da Marinha e Comércio. (Sobre as questões da Aula de Desenho e Debuxo ver Peres, 1965: 471-473; Ribeiro, 1872:65-68; para a problemática e contas da Aula Náutica ver Basto, 1937: 1-6; para um visão geral Dionísio, 1971:111-118 e Schneider, 1980: 170-171) Estas são as linhas gerais do processo de José Monteiro Salazar e das instituições a que esteve ligado, nosso único

ponto de referência. 3.3. Pensamos, por correlação de factos, que o mapa da Vila da Feira se inscreve numa lógica territorial de demarcação de terras em consonância com os interesses da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Douro que se propôs aquando da sua criação ser “de grande e notória utilidade para os Meus Vassallos, e para o Commercio e Agricultura das tres Provincias Beira, Minho, e Traz os Montes:” (Estatutos particulares in: Real Companhia Velha, 1967; 44 e 96: aquando do litígio que opôs os Bispos do Porto, Penafiel, Exmº. Colegio Patriarca o Exmº Cabido desta cidade contra a Companhia devido a pagamento dos Direitos devidos às mesmas Igrejas, as resposta da Companhia afirmavam que os direitos dos povos da Beira, Minho e Trás-os -Montes não tinham sido defraudados). Segundo Schneider (1980): “A Companhia do Alto Douro fez no mercado interno o que o tratado de Methuen fez no mercado externo”. (208). Toda uma série de medidas teve efeitos duplos ao serem implementadas, desde a febre da plantação de vinho à imposição do trigo; do proteccionismo à nobreza provinciana ao bem dos povos; dos monopólios aos impostos (inclusive o literário para aumento da instrução) à fobia aos ingleses, e até aos favoritismos familiares, é todo

“Francisco Plácido de Vasconcelos”. (3) Poder-se-á, por ora, completar a trajectória de José Monteiro Salazar com os seguintes elementos fornecidos pelo Sr. Óscar Fangueiro, e que novamente aproveitamos para agradecer: - No registo de 53 embarcações (1774-1778), que demandaram o Douro, encontra-se José Monteiro Salazar, que, em 1777, era piloto duma Corveta e natural da Foz do Douro, segundo elementos colhidos no Arquivo da Real Companhia Velha, em Vila Nova de Gaia. - Em 1782 integrava a Companhia de Ordenanças do Couto de S. João da Foz e seu distrito (in :Arquivo Municipal do Porto). - Segundo informação colhida em S. Oliveira Maia, Onde o rio acaba e a foz do Douro começa (Porto, 1988) diz-se que, em 1835, José Monteiro Salazar fazia parte da Comissão interina eleita para constituição da Câmara Municipal da Vila de S. João Foz do Douro; no entanto em Lima (1955:15) e num inquérito que, segundo o autor, datará de 1792, reproduz-se o seguinte trecho: “1. Há no Porto alguma escola de Pilotagem pública, ou particular? «Não». 2. Pois nem ao menos há algum Piloto mais instruído, que viva de ensinar? «Desde que morreu José Monteiro Salazar, nem isso há»”. Não pude desvendar esta contradição nos diversos termos que encerra, quer quanto a fontes documentais, quer quanto ao homónimo.


Quintas das Ribas. Capela de Nossa Senhora de Monserrate.

um percurso que, de forma grotesca, aqui está traçado. No entanto tal posição induz que a demarcação das zonas vinícolas, a definição dos vinhos de mesa, o monopólio de fabricar e vender água-ardente, a proibição de fertilizar as vinhas, etc., tudo se gizava numa região demarcada, na qual a Beira estava incluída (cf. Schneider, 1980: 42, 75, 206 e 243-245) (4) 4. A VILA DA FEIRA DO MAPA 4.1. Na freguesia de S. Nicolau existem as seguintes capelas e ermidas (Oliveira, 1972:67-68): 4.1.1. Capela de Nossa Senhora de Campos (Oliveira, 1972:70-80) É bastante antiga. Em 1305, já estava integrada na freguesia da “Igreja de S. Nicolau da Feira”. Teve algumas atribulações em 1717 pela ordem de sequestro expedida em nome de D. João V. A zona da capela abrange as seguintes terras: “Casas, Palheiro, quatro currais de gado, pomar, cortinha, Chão de penedo, Chão do Agro, e hua Lavoura do

(4) Para uma descrição da extensão da província da Beira, dos recursos físicos e humanos ver État ... (1797): 12-20, esp. 14.

Reboleiro, da quinta de Rolaens, e mais outra Leira no Reboleiro, da quinta de Rolaens, do Chão do Castanheira de Madre e hua Leira ao Largo do Chão, os Chãos de bayxo do rego”. Havia árvores no adro (cedro, castanheiros, etc.). As visitações de 1746 (10 de Maio) e 1805 (8 de Agosto) dão-na em estado lastimável. 4.1.2. Capela de Nossa Senhora de Encarnação (Oliveira,1972: 80-100; Oliveira, 1973 a: 55-71). Foi reconstruída em 1656 por D. Joana Forjaz Pereira de Meneses. Existem referências no foral de D. Manuel I (1514). A capela e casas - “do capelão” - e outra para norte, são pertenças da Casa dos Condes da Feira. “0 Rocio que fica fora das partes do Castelo, que he onde se faz a feira de Março e principiando a medição da Capela de Santa Luzia que esta no mesmo terreno direito ao norte pelo meio tem oitenta e seis varas e de largo na cabeceira do sul vinte e nove varas e do norte acaba em ponta aguda” (23.Julho.1753). 4.1.3. Ermida de Santa Luzia (Oliveira, 1973 a: 71-72) Desapareceu entre 12 de Junho de 1755 e 4 de Março de 1756, estava implantada defronte da muralha poente do Castelo. 4.1.4. Capela de Nossa Senhora de Monserrate (Oliveira, 1973 a: 73-96; Oliveira, 1973 b: 58-74). “Está implantada na quinta das Ribas, além do Castelo da Feira, no extremo nascente da sua casa de habitação, com a qual alinha: de forma rectangular, tem a sua frente voltada para norte” (1973 a: 73). Só em 1866 é que a casa e a capela foram transformadas. “(...) A quinta das Ribas, que foi pertença da Casa da Feira e depois do Infantado, sucedeu, em posse por emprazamento de vidas, desde José Soares de Albergaria até Fernando José Camelo, com maior ou menor regularidade, isto é - desde os fins do século XVI até ao fim do século XVIII”(1973 a: 89) Pela visitação de 24 de Junho de 1762: “na capela de Monserrate admoesto que se doure por dentro o calix e por cima a patena e tambem se ponhão alguns sanguíneos”. 4.1.5. Capela de S. Miguel (Oliveira, 1973 b: 74-87)

59


Foi propriedade da família Soares de Albergaria que está intimamente ligada ao tecido urbano da Vila da Feira: casas da praça, Quinta de Ribas, Quinta de Pombos da Terra da Feira, casas de Justas e da Velha e à casa de Fijô. Em 1758, era dono do Vínculo da quinta de Fijô e capela Manuel de Gouveia, marido de D. Bernarda Pereira. 4.1.6. Capela de S. Bento e S. José Estava construída no Lugar de Fijô. No livro de Visitações, a 24 de Junho de 1762, afirmase: “Na capela de Manuel de Castro Falcão se reformará o frontal e se caiará por dentro a mesma Capella.” Em Outubro de 1799: “A Capella de S. Bento que e de Francisco Joaquim do Lugar de Fijô, necessita de ser forrada; portanto ordeno que no termo de seis meses seja forrada”. 4.1.7. Ermida do Espírito Santo (Oliveira, 1973 b: 9798)

Foi demolida em 1560. 4.1.8. Capela de Todos os Santos (Oliveira, 1974 a: 5567) “De todo o exposto convenço-me de que a casa de Justas já devia pertencer à família em vida do Gaspar Leitão Coelho (pai) que “vivia na terra da Feira, pelos anos de 1551, como fidalgo” (...) e faleceu em 1598 reunindo, em si, os ramos de Leitões e de Coelhos” . Em 1754 e 1762 mantinha-se em estado lastimável. 4.1.9. Ermida de S. Nicolau (Oliveira, 1974 b: 67-69) Estava no outeiro onde foi construída a Misericórdia. Foi demolida em 1581; reconstruída entre 1581-1591 e reparada em 1638. 4.1.10. Capela de S. Francisco (Oliveira, 1974 b: 6971) “Em 1623 já existia a capela de S. Francisco, que foi

60

Lugar

Capela

Data

Obs.

Campos

N.ª Senhora Campos

1305

Pública

Castelo

N.ª Senhora Encarnação N.ª Senhora Monserrate

Séc. XI ou XII? Ano 1719 - 1736

Ad. particular

S. Miguel S. Bento e S. José

Anterior a 1666 1742 – 1758

Ad. Particular Ad. particular

Fijô

Igreja

Ermida

Data

Sta.ª Luzia

Pública

Justas

Todos os Santos

1690 – 1697

Ad. Particular

Misericórdia

S. Nicolau S. Francisco

(anterior) 1623

Pública

Piedade

N.ª Senhora da Piedade

1697 (anterior)

Pública

Praça Velha

St.º António

1720

Pública

St.º André

St.º André

Pública

Da Velha

S. José

Ad. particular

Não localizada

St.ª Margarida

Pública

Espírito Santo

1559 (anterior)

S. Nicolau

1552 (anterior)


edificada onde existia a antiga igreja de S. Nicolau, talvez demolida, total ou parcialmente, em 1566, quando a sede da freguesia foi transferida para a igreja conventual e é de presumir que a Igreja da Misericórdia chegou a estar instalada na capela que ainda existia em 1797 e já estava demolida ou com outro fim em 1726”. 4.1.11. Capela de N.ª Senhora da Piedade (Oliveira, 1974 b: 71-80) As Visitações impõem uma ordenação e arranjo da capela. 4.1.12. Capela da Santo António (Oliveira, 1974 b: 8093, Oliveira, 1968 b:67-76) Capela da Cadeia para se dar missa aos presos. A 22 de Fevereiro de 1797 foi imposta ao capelão a obrigação de “fazer a festa anual ao Santo António, padroeiro da capela”. 4.1.13. Em termos de invocações, discriminam-se da seguinte forma (Oliveira, 1972:68): i) Espírito Santo ii) Nossa Senhora: Campos Encarnação Monserrate Piedade iii) Santos: Santa Luzia S. Miguel S. Bento e S. José Todos os Santos S. Nicolau S. Francisco S. António S. André S. José S. Margarida 4.2. Em termos de edifícios da designada Praça Velha traça-se brevemente o seu percurso, tendo como base o importante trabalho de Oliveira (1967 et passim): 4.2.1. Casa que pertenceu a D. Victória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira e a seu marido Lourenço Huette Bacelar de Sotto Mayor (poente) Em 1774 o prédio era constituído por parte urbana e parte rústica (1967 a:57-69) 4.2.2. Casa que foi de João Leite de Sousa (1967 a: 6971) Pertencia ao património de Huette Bacelar.

4.2.3. Casa que pertence a Francisco Plácido de Resende (norte) (1967 b: 71-87) Estava situada na Lavandeira. O prédio era constituído por casas e quintal e campo. ”A face norte da praça, em 1745, era formada na direcção poente-nascente: casa da Almotaçaria, de que era enfiteuta o José de Sá Pereira Brandão e, em seguida, as casas pertencentes a este, dízimas a Deus, formadas pelas três salas (...)”. 4.2.4. Casa que foi de Duarte Pinto e hoje pertence ao Dr. Belchior Cardoso da Costa (nascente) (1968 a: 42-51) O Senhorio pertenceu sem interrupções de 1543 a 1729 à mesma família 4.2.5. Casa que hoje pertence aos herdeiros de José Soares de Sá (Sul) (1968 a:51-58) É a história de 3 casas - 1) de Pantaleão Pereira do Lago, 2) de Francisco Botelho de Pinho e 3) da família do Padre de Gestaçó. As casas 1) e 2) pertenceram à família de D. Vitória e seu marido; em 1774 eram seus proprietários, da primeira como senhores do domínio directo e da segunda em plena propriedade. 4.2.6. Casa que hoje pertence a D. Branca Alves de Castro Mendes dos Santos (Sul) (1968 a: 58-60) 4.2.7. Paços do Concelho (1968 b: 54-64) Edifício construído a meados do séc. XVI. Esteve associado à Cadeia. 4.2.8. Casa da Secretaria da Câmara (1968 b: 64-67) Casa que pelo lado norte confrontava com o edifício da Cadeia 4.2.9. Chafariz (1968 b: 76-81) Foi construído em 1628 para o claustro do Convento dos Loios. Só foi transferido para a praça velha em 1848. 4.2. 10. Pelourinho (1968 b: 81-84) Primeira notícia é de 1703. Tem as armas reais e o escudo dos Pereiras. 4.2. 11. Pavimentação (1969: 54) O pavimento da praça era formado por calçada com lajes de pedra. Em 1775 e 1776 procedeu-se a uma grande pavimentação da vila. 4.3. Outros edifícios além dos da Praça 4.3.1. Castelo (ver Ferreira, 1938: 259-276; Ferreira, 1940: 101-134) 4.3.2. Misericórdia (Ferreira, 1946: 171-176)

61


62

Foi fundada em 1654 sendo D. Joana Frojás Pereira de Menezes e Silva a provedora. 4.3.3. Convento (Ferreira: 1949: 129-138; Ferreira, 1950 a: 189-212; Ferreira, 1950 b: 247-270; Ferreira, 1951: 36-66; Pinto, 1938: 81-90). D. Diogo Forjaz Pereira, 4.º conde da casa da Feira, fundou o Convento em 1499. Pertencia à congregação de S. Evangelista ou Loios. A primeira pedra foi lançada em 1560, sexta-feira e dia de S. João. Na doação de D. Diogo Forjaz Pereira é dado ao convento um anel de água “tomada no olho da fonte do castelo”. De 2 de Janeiro de 1780 até 1786 foi reitor o Reverendo Cónego Joaquim José Lopes da Costa do Porto. 4.3.4. Casa dos Camelos (Resende, 1945: 114-122 e ponto 4.1.4. do presente trabalho) “Em 25 de Fevereiro do mesmo ano [1736] faz [João Ferreira da Cruz] testamento instituindo vínculo de Morgado a favor de seu neto Fernando José Camelo, na capela de N. Senhora Monserrate da quinta das Ribas do castelo, da Vila da Feira”. (Resende, 1945: 118) Estes Camelos tiveram a sua origem em Vilar do Paraíso - Vila Nova de Gaia (Santos, 1985: 370) 4.4. A Feira (ver Oliveira, 1969: 53; Oliveira, 1972: 99, Memórias Paroquiais...) “D. João I, a pedido de João Álvares Pereira Cavaleiro, concedeu ao Concelho da Feira uma feira quinzenal, com as liberdades e privilégios que tinha a de Trancoso. Mas antes de marcar o dia exacto em que ela se devia fazer, ordenou o rei a Domingues Anes da Maia, seu contador, que se informasse junto de dois ou três homens bons da Vila, em que dias havia feiras nos arredores, “e trazedes esta em tal dia que nom faça prejuízo a ellas” (Chancelaria de D. João I, liv. III, foI. 132 vº). Foi esta carta de D. João I passada a 27 de Junho de 1407” (Rau, 21983: 139). O seu estatuto era de feira franqueada à imagem de Trancoso. Nas Memórias Paroquiais…, na resposta 19.ª, diz Jozé de Pedro Quintella: “Todos os Mezes no dia vinte ha huma feyra que antigamente se fazia em Santo Andre, e por se modar para o Rocio desta Villa se chama a Feyra nova. He franca e dura hum dia. Todos os annos no dia vinte e cinco de Março ha outra Feyra extra muros do Castello ao pé da Senhora da Encarnação a que nesta terra chama o vulgo a Senhora de Março e por comcorrer a esta Capella Romagem neste dia se faz no

Circuyto ha Feyra por todo o dia franca.”(cf também Oliveira: 1969:53; Oliveira, 1972:99). 4.5. Correio (Memórias Paroquiais…, questão 20.ª; Oliveira, 1969:55). 5. CONCLUSÕES 5.1. Pode concluir-se que a Vila da Feira no século XVIII mostrava uma continuidade bastante significativa dos seus tecidos: rural e urbano, tendo bem delimitados os espaços de sociabilidade e de religiosidade. As estratégias familiares de manutenção das casas funcionaram com uma rigidez extraordinária, não permitindo a delapidação patrimonial. Estas conclusões poderão ainda ser reforçadas com a divisão funcional do espaço em que se jogam nitidamente as diferentes áreas em que a população da Vila da Feira e limítrofes executava as suas estratégias comerciais; negociava o poder; habitava; convivia e praticava o religioso; além do grande equilíbrio ecológico que se mantém entre espaços habitacional e de sociabilidade e as zonas verdes. Apesar das grandes transformações que se estavam a operar, a Vila da Feira soube manter uma estrutura ancestral definida. Em termos gerais subscreve-se a reflexão sobre a região proposta por Justino (1988: 397-398) em que se afirma: “[região] é , antes de mais, um complexo de espaços diversificados que se hierarquizam de forma múltipla, de acordo com as funções que desempenham, as relações que entre si estabelecem, as proporções que, em relação à totalidade, assumem.” É evidente que há aqui uma diferença de escala, mas o centro da problemática mantém-se. 5.2. Particularmente ao mapa, a sua lógica insere-se nos tópicos cartográficos do séc. XVIII, a saber: “Em termos políticos o alinhamento das ruas reflete o poder e a autoridade do município. Demonstrando que o espaço urbano pode ser modelado ao mais alto nível político da vida da cidade, as autoridades podem afirmar que elas regularizam e racionalizam o processo de crescimento urbano. Um bom número de zonas rurais concebidas para um fim particular, é por isso que só ilustram certos aspectos da paisagem campestre”. (Konvitz, 1980: 307 e 309).

Vila Nova de Gaia, 1988.04.06


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65


ANEXO II Censo de 1801 – Comarca da Feira Compreende freguesias nos bispados de Aveiro, Porto, Viseu. [ARQUIVO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA]

66

[fol.1] Comarca da Feira Feira Termo S. Martinho S. Miguel S. André S. Salvador S. Fins S. Martinho S. Miguel S. Maria S. Isidoro S. Jorge S. Silvestre S. Mamede S. Vicente S. Maria S. Pedro S. André S. Mamede S. Tiago S. Eulália S. Maria S. Martinho S. Tiago S. Martinho S. Cristóvão S. João de Ver S. Maria [fol.2] S. Tiago S. Tiago S. Martinho S. Pedro S. d’Anunciação St.º Tirço S. Tiago S. Martinho S. Cipriano S. Pedro S. André

[ortografia actualizada]

Vila

N. 39

M. 16

H. 633

M. 731

Fogos 294

Lamas

31 35 9 14 9 9 27 13 38 10 2 8 7 24 60 20 10 28 23 38 53 25 25 21 37 16

9 16 4 8 4 9 7 11 33 5 4 4 4 27 35 8 16 34 4 14 31 21 7 7 17 2

329 544 201 201 162 193 256 226 549 230 65 178 283 397 779 225 208 668 261 468 696 417 366 336 473 178

317 633 236 250 209 209 310 229 648 235 77 203 313 490 276 265 228 625 301 510 737 421 392 319 492 202

152 2330 182 96 98 89 148 104 350 96 42 110 (?) 192 93 520 129 150 227 174 265 347 224 758 152 (?) 250 85

Rio Meão Espargo Arada Maceda Esmoriz Paramos Silvalde Anta Paços de Brandão Oleiros S. Gião

9 18 36 19 33 8 17 62 17 15 0

11 17 31 19 15 18 14 29 7 8 1

222 225 572 416 539 221 296 653 159 180 202

222 229 543 420 587 258 293 629 189 176 203

123 77 233 240 266 133 163 304 90 108 104

S. Nicolau P.A.P. Travanca Souto Mosteirô Fornos São Fins Escapães Milheirós Pigeiros Romariz S. Jorge Duas Igrejas Guizande Louredo Vale Canedo Lever Vila Maior Lobão Sanguedo Fiães Argoncilhe Lourosa Moselos Nogueira da Regedoura


A Exaltação da Pátria em Camões, Pessoa e Torga* Rogério Martins Fernando**

Dedicatória À memória de minha avó materna, Maria Augusta Martins Para os meus filhos “A Exaltação da pátria em Camões, Fernando Pessoa e Miguel Torga” Prometi falar-vos da pátria, melhor, da exaltação da pátria, em Camões, Fernando Pessoa e Miguel Torga. Isto implica desde já que qualquer deles, porque a exaltou, a sentiu e amou. Mas, em concreto, o que entendo eu por pátria? Pátria é, para mim, muito mais do que o local onde nascemos, pátria não é um espaço geográfico, é bastante mais que isso, é, na definição que lhe deu o padre João Mendes, “o chão da raça”. Isto significa que, para além do chão onde nos encontramos, outros valores se associam a esta ideia.

Quais serão eles? Se procurarmos a sua definição em qualquer dicionário, ele dir-nos-á que é o “país ou Estado em que cada indivíduo nasceu e ao qual pertence como cidadão.” Se fosse apenas isto seria pouco, muito pouco mesmo, quase nada. Claro que nós sentimos que não é bem isso, que apenas isso seria despir tal conceito de sentido. Então o que haverá mais que nos ajude a compreender o conceito de pátria? Para Alexandre Herculano, a língua e a religião serão dois desses valores. Ele o próprio o diz: «A pátria não é a terra (…); é a oração ensinada a balbuciar por nossa mãi, a língua em que pela primeira vez ela nos disse “meu filho”». É ainda, no seu dizer, um conjunto de laços invisíveis que nos une aos nossos antepassados. É um conceito de família alargada a um determinado espaço territorial, isto digo eu. E o que, em meu entender, define exactamente uma família, é, antes que tudo, o amor que liga os seus membros uns aos outros, e nos liga a todos nós aos nossos antepassados. Sem esse amor não há pátria. Claro que esse amor será muito valorizado com a língua, a religião, os hábitos, o viver em comum, os anseios comuns e um objectivo comum também. Portanto, eu sinto-me português por um acto de amor.

* Palestra proferida no Rotary Clube da Feira, em 5 de Setembro de 1986. ** Rogério Martins Fernando (01-07-1930 / 24-05-1989) Natural de Vale de Cambra. Advogado. Foi Presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra e da Junta de Freguesia de Ramalde – Porto. Escreveu muito sobre cinema.

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Estudante de Coimbra.

Amor que tive a meus pais, a meus avós, aos meus parentes mais velhos e que se desenvolve numa linha para trás no tempo, através do amor que meus pais tiveram pelos seus e assim sucessivamente até chegar ao princípio. Amor que eu tenho a minha mulher, a meus filhos e que se há-de prolongar nos netos e filhos dos netos e assim sucessivamente numa projecção de futuro. O que foi, o que é, o que há-de ser. Respeito pelos nossos mortos, vivência com os nossos contemporâneos, desejos de felicidade para os nossos vindouros. Vejamos em que posição se encontram os três nossos poetas perante esta situação.

E tomemos como exemplos, de Camões, Os Lusíadas, de Fernando Pessoa, Mensagem, e de Miguel Torga, Poemas Ibéricos. Em cada um deles há, em certo sentido, a exaltação da pátria. Camões, já ao chamar ao seu poema Os Lusíadas, quis enaltecer um povo; sem dúvida, aquele em que se sentia inserido, aquele a quem ele amava. Por isso o termo “pátria amada” lhe é familiar. Tão amada que se sentiu na obrigação de a cantar, mas canto que é um hino de glorificação. E repare-se que os aspectos fundamentais que eu visei, passado, presente e futuro, ali estão todos. Em relação ao passado, não serão Os Lusíadas a exaltação de todos os valores morais dum povo que o antecedeu? Exaltação e sempre exaltação, pois que cantando espalhará por toda a parte “as armas e os barões assinalados” e “as memórias gloriosas daqueles reis que foram dilatando a Fé, o Império” e mais ainda “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. E assim é que, logo o diz a D. Sebastião, cantará um “Nuno fero”, “um Egas e um Dom Fuas”, “os Doze de Inglaterra e o seu Magriço”, o “ilustre Gama”, “o primeiro Afonso”, “Outro Joane, invicto cavaleiro”, “o quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.” E ainda “um Pacheco fortíssimo e os temidos Almeidas”, o “Albuquerque terríbil, Castro forte e outros em quem poder não teve a morte”. E Vasco da Gama, que é o verdadeiro herói de toda esta epopeia, é exaltado através de todo o poema. E agora, apenas a título meramente exemplificativo, eilo a descrever o nascimento da pátria, através do príncipe Afonso; e, logo de seguida, o acto de fidelidade de Egas Moniz; o ânimo e prudência de D. Sancho I; o filho deste, de todos estimado “segundo Afonso e rei terceiro”; Sancho II, “manso e descuidado”; o conde bolonhês, depois alçado por rei; Afonso o Bravo; D. Dinis estirpe nobre e dina; a seguir, “o filho pouco obediente, Quarto Afonso, mas forte e excelente”; até que do “justo e duro Pedro nasce o brando remisso e sem cuidado algum, Fernando”. Mas, até para este, Camões tem um sentido de compaixão: “Desculpado por certo está Fernando Para quem tem de amor experiência.” E Camões tinha-a de sobejo, a experiência do amor.


No Chiado, Junto à estátua de Pessoa por Lagoa Henriques. Rogério Fernando e Celestino Portela.

E vêm, de seguida, os heróis da segunda dinastia, a começar por “Joane, sempre ilustre, alevantando Por rei…” E aqui intercala “Dom Nuno Álvares digo, verdadeiro Açoute de soberbos Castelhanos…” para continuar com D. Duarte, que “viu ser cativo o santo irmão Fernando”; e D. Afonso V “por certo invicto cavaleiro”, a quem sucede “filho sublime e soberano”, “gentil, forte e mimoso cavaleiro”, “que foi Joane segundo e rei trezeno”; ao qual viria a suceder Manuel, a quem o claro céu guardava esta empresa tão árdua (a viagem do Gama e descoberta do caminho marítimo para a Índia) pelos seus merecimentos. E eis que tem descrita toda a História da Pátria, sempre exaltando os seus heróis, sempre valorizando as suas acções

e sempre desculpando a fraqueza de alguns dos seus governantes. Um acto de amor, puro e simples. Como o é também um acto de amor a descrição de toda a viagem de Vasco da Gama. Glorificação portanto da pátria que ele quer grande no presente e se prolongue no futuro, pois que, dirigindo-se a D. Sebastião, diz: “Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Dareis matéria a nunca ouvido canto.” O que o poeta quer de D. Sebastião e não tem papas na língua para o dizer é que ele reine bem o seu reino, de tal modo que Camões ou outros o possam também enaltecer, mais do que o poeta o havia feito em relação àqueles reis que antecederam D. Sebastião, que, portanto, este venha a ser maior do que todos eles. E necessariamente que o seu desejo de presente é um desejo de futuro também. Aliás, em Os Lusíadas, está por demais vincada esta característica. Vejamos como, em relação à pátria, se comporta Fernando Pessoa. Servimo-nos, para tal, de Mensagem. Mensagem é comunicação, recado, notícia. Partamos, pois, do princípio que Fernando Pessoa nos quis dar um recado. E não através de qualquer dos seus heterónimos: ele próprio, Fernando Pessoa. Se é certo que os heterónimos de Fernando Pessoa constituem, não os fragmentos de um todo, mas um todo fragmentado, qualquer coisa como um vidro estilhaçado, Fernando Pessoa, ele próprio, é o vidro: inteiro, integral, límpido, cristalino. A sua alma, digamos assim, está nele. Iremos, pois, ver como reage Fernando Pessoa em relação à pátria. Há exaltação e a isso não é alheio o ter recebido Mensagem um prémio do Secretariado de Propaganda Nacional. Estamos na época da “política de espírito”, iniciada por António Ferro. Estamos na época da exaltação da pátria por parte das entidades governamentais. Se Pessoa amava a pátria, Mensagem demonstra-o exuberantemente. Mas não só Mensagem. Sabido que Pessoa era um excelente cultor da língua inglesa e sabido também que quase tudo o que escreveu não

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Aniversário.

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era para publicação imediata, possivelmente nunca Pessoa teria pensado em publicar o acervo da obra que lhe foi encontrada, se não amasse a pátria, e, dada a universalidade da língua inglesa, teria escrito necessariamente em inglês. Contudo não o fez e ainda bem que o não fez. Mas vejamos: Pessoa é um poeta difícil, onde cada palavra se encontra revestida de sentido. É, no dizer do nosso povo, um poeta “que não dá ponto sem nó”. Ele próprio o diz, pela voz de Ricardo Reis: “Severo narro. Quanto sinto penso. Palavras são ideias”. E isso demonstra-se logo no poema com que abre Mensagem, pois que, ao descrever a Europa e ao equiparála ao Homem, todos os países do continente europeu são equiparados a membros do corpo humano. Mas Portugal, para além de membro, é mais que isso: “O rosto com que fita é Portugal.” Portugal é o rosto, mas não um rosto inerte, um rosto inexpressivo, é um rosto que fita, que olha, que vê, que perscruta, que alcança. Portugal é a luz: só pelos olhos a luz nos penetra. E a luz é a negação da sombra, da obscuridade, da noite, da treva. Poderia pois já avançar que Portugal é a alma do mundo, e a alma é qualquer coisa que nos transcende, nos eleva, nos glorifica, nos extravasa.

O corpo dispensa-se; a alma não. Pessoa quis fazer de Portugal a Alma do Mundo. Suponho que ninguém sobrevalorizou tanto Portugal como Pessoa, neste simples verso. E avança logo na exaltação dos heróis da pátria, o que significa culto pelo passado. E vem a galeria dos seus heróis: Viriato; o Conde D. Henrique; D. Tareja; D. Afonso Henriques; D. Dinis; D. João o primeiro; D. Filipa de Lencastre; D. Duarte, Rei de Portugal; D. Fernando, Infante de Portugal; D. Pedro, Regente de Portugal; D. João, Infante de Portugal; D. Sebastião, Rei de Portugal; Nun’Álvares Pereira; o Infante D. Henrique; D. João o Segundo; Afonso de Albuquerque; Diogo Cão; Bartolomeu Dias; Fernão de Magalhães; Vasco da Gama; o Bandarra; António Vieira. Citei-os todos para que se veja que ali estão todos os grandes vultos da História de Portugal. O mais recente no tempo é António Vieira, mas tal também tem um sentido. Mais adiante o explicarei e que é a prolongação de Portugal no futuro. Mas o mais impressionante de amor à pátria não nos é dado na exaltação dos seus heróis. Quem faz a pátria é o povo. E isso ele o diz em, para mim, os dois mais belos poemas de Mensagem: “O Mostrengo” e “Mar Português”. É, no primeiro, o homem do leme, e homens do leme houve-os aos milhares na nossa gesta marítima que, apesar de aterrorizado com a visão do Mostrengo, tem a audácia de lhe retorquir: “Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu”. Não são, pois, os nossos reis, os nossos governantes, os nossos heróis que só por si fazem a pátria; é sim o seu povo. Definição precisa daquilo que é a pátria. Um povo. Embora povo impelido por uma vontade que lhe está acima, ele próprio o diz: “Manda a vontade que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!” Povo que, embora precisando de um elemento aglutinador, é ele que define a nação. Em “Mar Português” toma-se de novo este sentido. Quanto do sal do mar são lágrimas de Portugal, não de um rei, não de um governante, não de um herói, mas de Portugal


inteiro, Portugal no seu conjunto. Outra vez o povo a caracterizar a Nação. Pois que, para que fosse possível a nossa epopeia marítima: “…quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar…” Mães, filhos, noivas, milhares de pessoas anónimas constituindo um povo. Sabemos nós, hoje, à distância, duma dessas mães, dum desses filhos, duma dessas noivas? É a família que ali está e que, depois, alargada, nos dá o sentido profundo da pátria. Se é certo que Ricardo Reis nos diz: “Prefiro rosas, meu amor, à pátria, E antes magnólias amo Que a glória e a virtude.”, então por que raio escreveu Pessoa a Mensagem, porque se fartou de enaltecer as glórias e virtude da pátria? Talvez o “todo fragmentado” dos heterónimos de Pessoa nos dê uma explicação para o facto. Todos nós conhecemos aquela história que nos contaram em miúdos, em que os membros do corpo se recusam a trabalhar supondo que tinham autonomia própria e que acabam por destruir o corpo e se destruírem a si próprios, já que, células de um todo, não poderiam sobreviver sozinhas. Parece-me enquadrar-se aqui esta história com todo o seu rigor. Um dos heterónimos reage, mas não consegue destruir o todo que é ele próprio, Fernando pessoa, que se consegue impor-lhe. Deixemos, pois, que Ricardo Reis prefira rosas e permaneçamos nós como Fernando Pessoa, atados ao leme da pátria. Mas avancemos, já que propus para o sentido de pátria três tempos: passado, presente e futuro. Em Pessoa, já tentei esboçar os laços invisíveis que nos ligam aos nossos antepassados, que foram a exaltação dos heróis da pátria. Em relação ao presente, vou um pouco na linha de orientação de João Gaspar Simões: “Um poeta épico de grandezas pretéritas pouco mais pode ser que um poeta arqueológico. Para se produzir uma obra como Os Lusíadas, há que ter sido contemporâneo de um grande acontecimento histórico. Ora a Mensagem é a expressão lírica de um génio épico que o não podia ser de

facto. O espírito que nele se traduz - a exaltação do passado – está muito mais perto da elegia do que da epopeia”. Mas enquanto Camões desabafa: “Não mais, musa, não mais, que a lira tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida, O favor com que mais se acende o engenho, Não no dá a pátria, não, que está metida No gosto da cobiça e da rudeza Dua austera, apagada e vil tristeza.”, Pessoa, ainda eu na esteira de Gaspar Simões, julgava ver sinais de uma transformação no “subconsciente nacional”. E isso o empurra para a profecia. Daí a razão de ser, entre outros, dos poemas “O Bandarra” e “António Vieira”, onde diz do primeiro: “Este, cujo coração foi Não português mas Portugal.” e do segundo: “Foi-nos um céu também.” Assim Pessoa visiona, e julgo ser decisiva nesta tomada de posição, a tal transformação que julgava ver no “subconsciente nacional”, o estabelecimento do Quinto Império, Império ao mesmo tempo de Cristo e de Portugal. Já na sua visão profética, em entrevista concedida, neste momento não recordo onde, destina Portugal a “ser tudo, de todas as maneiras.” Ser tudo é o máximo que se pode atingir, mais ainda de todas as maneiras, isto é, por qualquer modo. … dos seus heterónimos. E quando termina Mensagem: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro… É a hora!”, É toda uma alma que pula, salta, transborda, se extravasa e quer que o destino de Portugal se cumpra aqui, agora e sempre. Iremos, de seguida, revisitar Miguel Torga através de Poemas Ibéricos. Torga que, em prosa, escreveu Portugal, título que Fernando Pessoa achou ambicioso demais para a Mensagem. Torga que, ao considerar sobre a definição de Portugal, chega à conclusão que: “Hoje, sei apenas gostar Duma nesga de terra

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Debruada do mar.”, quer com isto dizer que ama a pátria, pois que gostar é amar, gosta-se quando se ama. Iremos apenas analisar a intensidade de tal amor. Só que, em Torga, o problema é mais complicado e, usando de expressões populares que me são tão gratas, direi que “aqui é que a porca torce o rabo”. É que, aos seus poemas de exaltação, ele lhes chama Poemas Ibéricos. E a Ibéria abrange uma zona territorial muito mais vasta que o solo pátrio. Daí que se possa pensar que está latente em Torga a ideia de iberismo, ideologia que propugna a união de todos os territórios da península ibérica. Que Torga se afirma por um iberismo cultural e até económico-social, estou-me inclinado para tal. Mas nunca por um iberismo político. Se não, vejamos o que nos diz de Nun’Álvares: “Pátria é um palmo de terra defendida. A lança decidida Risca no chão O tamanho do nosso coração…” E o tamanho do nosso coração que Nun’Álvares defendeu com a lança era Portugal. Fica aqui, pois, bem definido o que é para Miguel Torga a pátria; e é-lhe tão comovente este sentido de pátria que um dos seus heróis fulcrais, Nun’Álvares, o é, porque a soube defender com a ponta da lança. E, mesmo se abre os seus poemas com “Ibéria”, que vê como “Terra nua e tamanha… …Que nela cabe Portugal e Espanha…”, faz contudo uma distinção nítida entre estes dois países, embora considere o seu povo oriundo duma raça só. Aliás, no mesmo poema, desdobra os dois povos, onde mais uma vez acredito que o iberismo de Torga tem só o significado que acima lhe atribuo, povo originário duma mesma raça, mas constituindo destinos distintos. Veja-se como Torga os distingue em “Vida”: “povo Vasco, andaluz, Galego, asturiano, Catalão, português.” A Ibéria terra abarca em si povos tão distintos como os atrás referidos. E se, nos seus heróis, Torga canta personalidades ibéricas

que não são portuguesas, Séneca, o Cid, Torquemada, Cortez, Loiola, Santa Tereza, Filipe Segundo, São João da Cruz, Cervantes, Goya, Unamuno, Picasso e Frederico Garcia Lorca, isto apenas significa para mim o tal iberismo cultural. Pois que os grandes heróis da pátria, no espírito de visão em que ele os concebeu, ali estão todos e alguns indiscutíveis em qualquer critério de selecção: Viriato, Nun’Álvares, o Infante, o príncipe perfeito, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, Afonso de Albuquerque, Camões, D. Sebastião e António Vieira. Atente-se que, ao cantar Camões, se interroga: “Quem te pode cantar, depois do Canto Que deste à pátria, que to não merece?”, o que significa que deseja uma pátria à altura de Camões, que reconhece “… cedro desmedido Da pequena floresta portuguesa!” Mas adiantemos, e aqui sim, com António Vieira “… Aluno de Bandarra E mestre de Fernando Pessoa, No Quinto Império que sonhou, sonhava O homem lusitano À medida do Mundo.”, medida que extravasa todas as medidas, o “tudo, de todas as maneiras” de Pessoa, homem sem limites, homem ilimitado. Esta é, para Torga, a medida do “homem lusitano”, não já do Vasco, do andaluz, do galego, do asturiano ou do catalão. Fica, pois, de uma vez por todas, entendido o terrível amor de Torga à pátria, que, em minha opinião, não sofre limitações. Se tem uma visão pessimista e até de angústia perante ela, a verdade é que nela acredita terrivelmente também. Se pode descrer de quem a governa, não descrê do seu povo. Ouçam: “Arde a seara, mas dum simples grão Nasce o trigal de novo. Morrem filhos e filhas da nação, Não morre um povo!” Sim, este povo, quem nós somos, não morre, nem morrerá jamais: há aqui todo um hino de esperança. Por isso, para ele, Fernando Pessoa “Foi o vidente filho universal Dum futuro-presente Portugal, …” Há que acreditar na eternidade da pátria, com destino


À mesa do café/como Pessoa.../ Qual o fim/ para que fui criado?

glorioso. E, tal como em Fernando Pessoa, também em Torga, não apenas os heróis são os alicerces da pátria, o povo anónimo é que é a sua verdadeira seiva. É em “A Largada”: “Cada homem tão firme nos seus pés Que a nau tremesse sem ninguém tremer.” É em “A espera”: “E a expedição partiu. Partiu, e o coração da mãi parou.” De novo, em “A Largada”: “Foram então abraços repetidos À Pátria-Mãi-Viúva que ficava Na areia fria aos gritos e aos gemidos pela morte dos filhos que beijava.” Lá estão os homens anónimos, as mães, as viúvas, os filhos, tal como em Pessoa, verdadeira fusão da pátria com o seu povo. E, para finalizar, em Torga, o tal iberismo que, inicialmente, lhe atribuí, para além do que já concebi, cultural e económico-

social, o que me parece mais frisante ainda é um iberismo que se realiza num acto de amor entre os povos da península. Tenho à minha frente “Inês de Castro”. Esta “Inês de Castro” é uma canção de amor, das mais belas que já li em língua portuguesa, e é simultaneamente preito de amor aos povos peninsulares, já que Torga vai fazer a comparação do amor de Pedro e Inês ao dos grandes amorosos de sempre, ao mito do amor mesmo, Romeu e Julieta: “E pediu-lhes, depois, fidelidade humana Ao mito do poeta, à linda Inês… À Eterna Julieta castelhana Do Romeu português.” Portugal e Espanha, distintos sim, mas unidos por um acto de amor. E disse de Camões, Fernando Pessoa e Miguel Torga aquilo que me sensibilizou, e me pareceu, os sensibilizou a eles também em relação à pátria. Pátria esta tão grande, tão bela, tão pura, tão amada que apetece dizer com António Corrêa d’Oliveira, na opinião do padre João Mendes, o “profeta de Portugal Novo”: “Minha terra, quem me dera Ser um poeta afamado. Ter a sina de Camões, Andar nas naus embarcado: Mostrar às outras nações Portugal alevantado.” Mas cada um canta a pátria conforme sabe e conforme pode. A mais não é obrigado. Por isso, na minha pequenez, também a cantei e exaltei, em poema que chamei de “Epopeia”. E de tal canto vos darei notícia e com ele me despeço de vós que, benevolentes de mais fostes, para me ouvirdes, atentos até ao final.

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Epopeia

1 Caravelas do Infante! Ainda em vós hei-de embarcar. Eu quero descobrir em cada instante Nova porção de Mar. 2 Eu quero navegar no meu veleiro. Encontrar Mundo. Ser marinheiro D’El-Rei João Segundo. 74

3 Sentir voar à roda do navio O Mostrengo três vezes, Vê-lo gemer horrorizado e frio Com medo aos portugueses. 4 Pensar o Mundo todo lusitano, Consegui-lo de novo. E relembrar às gentes o plano E a ambição dum povo. 5 Sacie-se a minh’alma insatisfeita Só com a terra inteira: Colheita Da única semente verdadeira.

6 Germe que D. Dinis lançou no solo E fez britar pinheiros em Leiria. Em cada português um Marco Pólo Se anunciaria.

Miguel Torga. Escultura de Aureliano Lima.

7 Do verde piño da canção d’El-Rei Vou construir um barco, No qual farei A travessia deste humano charco. 8 E vieram as naus lá do pinhal! E novas almas nasceram nos peitos! Portugal, Vão começar teus feitos! 9 E eu vou convosco, meus irmãos de raça. Depois da terra, mais terra há-de haver. E é uma desgraça Não a desvendarmos antes de morrer. 10 E em Sagres, a olhar os céus, A bandeira das Quinas por brasão, Depois do Mundo ainda hei-de encontrar Deus Na mesma tacanhez de embarcação.


ITINERÁRIO DA VIDA DE UM HOMEM COMUM CAPÍTULO TERCEIRO: O ABADE DAS LEVADAS Manuel de Lima Bastos* Manuel António da Silva Júnior nasceu em Fiães aos 15 de Março de 1853, era tio-avô e padrinho de meu pai e de quem este herdou os nomes próprios e lhe pagou os estudos para professor primário. Faleceu na sua Casa das Levadas em 1 de Dezembro de 1923. Era conhecido como o “Abade das Levadas” ou “Abade Velho”. Uma parte dos dados históricos que consegui coligir sobre a sua agitada vida foram obtidos no estudo monográfico do Reverendo Padre Manuel Ferreira de Sá na sua obra “Santa Maria de Fiães de Terras da Feira”(que foi o pároco que lhe sucedeu não sem grande controvérsia e perturbação social como adiante explicarei) e outros são lembranças de conversas de família. Foi ordenado presbítero em 18 de Dezembro de 1875 e encomendado em fins de 1880. Fez exame de concurso de 23 a 25 de Julho de 1881 sendo aprovado com “mérito absoluto” em relação ao seu opositor, Padre Domingos, do lugar da Cerejeira, também de Fiães, que obteve “mérito relativo” no confronto. *Advogado. Devoto Aquiliniano

Foi colado abade da paróquia de Fiães em 24 de Abril de 1886 (sábado de aleluia) na cidade do Porto por “imposição do barrete que sobre a sua cabeça lhe pôs o próprio Cardeal D. Américo, bispo do Porto” (a cuja diocese ainda pertence hoje Fiães) na sua pessoa e o instituiu pároco da freguesia referida “in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti, amen”, relata o conspícuo historiador. A quando da sua colação era Pontífice de Roma o papa Leão XIII (autor da famosa encíclica “Dererum Novarum”) e rei de Portugal D. Luís I. Esteve à frente do destino da paróquia de Fiães, com algumas intermitências, durante trinta e oito anos. Embora comummente se atribua o mesmo significado a “pároco”, “reitor”, “padre”, “encomendado”, “abade”, o certo é que abade, na dignidade eclesiástica, constitui um grau superior. O “Abade das Levadas” foi o primeiro e único abade de Fiães até ao presente e desde que existem registos que remontam a 1288, no reinado de D. Dinis, em que a paróquia foi encabeçada por um tal Martinho Afonso. Durante centenas de anos foram os párocos nomeados pelo Convento dos Lóios de Lamego de que eram tributários através do Mosteiro de Pedroso pertencente à mesma Ordem. Diz o Padre Sá: “Tomou posse da igreja, da qual fora fundador (a matriz nova) a 23 de Maio do dito ano (1886), tendo sido apresentado nela por Carta Régia de D. Luiz I dada no Paço da Ajuda a 18 de Março”. E continua:” Homem de sociedade e pessoa inteligente, o

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O Abade das Levadas, em traje Canonical.

Reverendo Abade Silva Júnior gozou de grande prestígio político e dum notável ascendente sobre o povo, apesar de não ser desmarcado o seu zelo pastoral. Tinha queda para o púlpito mas poucos sermões preparou devidamente, repetindo estes a cada passo. Alguns fianenses sabiam-nos de cor”. Tenho por geralmente exactas estas afirmações mas não há dúvida que nas suas entrelinhas se pode descortinar algum azedume de sucessor que passou o cabo dos trabalhos para lhe ocupar o lugar embora sem a dignidade de abade da paróquia. Com efeito, foi político militante do Partido Regenerador de Fontes Pereira de Melo e Hintze Ribeiro dispondo de grande poder pessoal na região quando aquele partido estava na governação. Funcionava o bipartidismo alternando o Partido

Regenerador com o Partido Progressista e sendo praticamente idênticos os seus programas e actuações. Conta com graça Mestre Aquilino Ribeiro ironizando sobre o tema a propósito da argumentação dum líder dum desses partidos para arrebanhar para as suas fileiras o adversário influente do outro partido: “O programa do meu partido começa assim: Sua Majestade El-Rei... e o do seu começa ElRei Nosso Senhor. O do meu propõe-se encerrar o orçamento com dois vinténs de superávit, o do seu prefere encerrá-lo com o superávit de quarenta reis” (para quem não sabe, dois vinténs são quarenta reis). A monarquia premiou os serviços do Abade das Levadas “guiando-o às alturas de Cónego Honorário da Sé de Cabo Verde” informa o Padre Sá mas o despeito transparece ao omitir que também foi agraciado com o título de “capelão fidalgo da Casa Real de D. Carlos I”. Com o advento da República soube adaptar-se ao novo regime, que passava por anticlerical ao propugnar e instituir a laicidade do Estado e promulgar leis de família acordes com as da Europa mais avançada, mantendo cargos e privilégios. Melifluamente relata o Padre Sá a transição da paróquia para a sua pessoa: “Tornado, pela idade e pela doença, vítima de certas influências o Rev. Abade Silva Júnior incompatibilizouse com a mór parte da freguesia tornando infrutífero o seu ministério o que levou o seu superior hierárquico a aconselharlhe que resignasse”. Esse superior hierárquico era naturalmente o Bispo do Porto, ao tempo D. António Barbosa Leão, e não é difícil congeminar que a Igreja não lhe perdoava estar nas boas graças do novo regime de que recebera agravos. Mas o velho abade não abandonaria a liça sem dar luta encarniçada. Continua no mesmo tom melífluo o Rev. Padre Sá: “Para salvaguardar o prestígio do Rev. Abade das Levadas, o Exmo. Prelado quis, por fim, dar-lhe um coadjutor (que seria ele, Padre Sá!) revestido de plenos poderes, ficando o dito Abade com o título de pároco nas honras e parte dos proventos” Sendo o Abade das Levadas homem rico e grande proprietário não seria a perda de parte dos proventos que o incomodaria mas sim a desautorização que a concessão de plenos poderes ao coadjutor implicava. Na verdade, a própria palavra “coadjutor” significa que é o ajudante de quem manda. Por isso, o abade deu por paus e por pedras e resistiu ao esbulho com unhas e dentes. Relata o Padre Sá: “Porém certas indiscrições e o feitio


difícil do interessado levaram-no para o caminho da resistência ao seu bispo (de saudosa memória, pudera!, diz em nota de rodapé) o qual se viu na dura necessidade de removê-lo canonicamente e substituí-lo. Esta atitude de rebeldia criou sérias dificuldades ao seu sucessor (ele próprio, Padre Sá) mas com a ajuda de Deus e dos homens todas foram vencidas”. Essas “sérias dificuldades” foram nem mais nem menos a impossibilidade de entrar na freguesia de Fiães durante largos meses, o que contradiz de forma rotunda a sua afirmação de que o Abade Velho não gozaria do apoio dos paroquianos. A situação chegou a tal ponto que “não tendo sido acatado o decreto de remoção de 2 de Julho de 1920, aquele (o bispo) aplicou ao sacerdote desobediente as penas canónicas em Provisão de 22 de Julho e na mesma interditou a igreja e capelas da freguesia de Fiães até que o pároco legítimo pudesse exercer livremente as suas funções”. “Os templos de Fiães reabriram ao culto no dia 15 de Agosto, festa da padroeira”. Desfaz-se depois o Padre Sá em ditirambos ao Padre Manuel Alves de Amorim, pároco da vizinha freguesia de Lourosa, que o aboletou na sua residência enquanto não lhe foi permitido entrar em Fiães. E agradece ao Dr. Elísio de Castro, parceiro do Dr. Afonso Costa como atrás se referiu, velho e respeitado republicano, a sua intervenção na resolução do conflito. Também não é difícil supor o que se passou: o Abade das Levadas estava um leão velho e desdentado e, por isso, incapaz de morder. Mas o seu feitio de lutador ainda assim não lhe permitia vergar-se ao ultraje e, por ele, bem podiam limpar o rabo ao decreto de remoção que dali não saía pelo seu pé nem que tivesse de defender a abadia a tiros de bacamarte. Mas é natural que a impossibilidade de celebrar actos de culto fosse enfraquecendo a solidariedade dos seus paroquianos. Por outro lado, o Dr. Elísio de Castro, prestigiado chefe republicano local, nenhum interesse teria em alimentar mais um conflito com a Igreja, tanto mais que o novo pároco, que esperava à porta da terra em postura suplicante, se mostrava dócil e submisso ao novo regime. Por isso, deve ter convencido o leão moribundo a depor as armas. Olhando a fotografia do abade (em traje canonical) que acompanha este capítulo, vê-se que era um homem feio de cara mas as feições inculcam a determinação de lutador batido nos vaivéns da vida e a quem não faziam o ninho atrás da orelha nem levava desaforo para casa. Era uma personalidade.

Com a remoção foi perdendo faculdades mentais, se é que tal já antes não vinha acontecendo, tornando-se presa da influência dum criado e dum tal Joaquim Badolas e outros mais que interesseiramente lhe foram apanhando o importante património imobiliário que possuía através de vendas, doações e legados testamentários. De tal forma que, quando faleceu em 1 de Dezembro de 1923, praticamente nada sobrou para a família. A própria Casa das Levadas e prédios rústicos confinantes ficaram para os meus avós paternos porque eram compropriedade do abade e das duas irmãs solteironas e deles não pode ou não quis dispor. Entre muitos outros bens, doou a esse Badolas uma tapada onerada com o encargo de zelar e conservar, por si e por seus descendentes “saecula saeculorum”, o jazigo perpétuo que mandou construir em 1892 no cemitério de Fiães. A concessão desse jazigo passou do Abade das Levadas para os meus avós paternos e destes para os meus pais. Muitas vezes, falecido já meu pai, minha mãe me obrigava a escrever uma carta de advogado a um descendente do Badolas original que abarbatara a tapada exigindo que cumprisse o encargo. Esse descendente, meu amigo de juventude, nem é mau diabo e a contragosto lá ia, ele próprio, dar uma escovadela às pedras de granito e uma demão de tinta de alumínio ao gradeamento em ferro forjado, tudo feito sumariamente aí de cinco em cinco anos e após muitas insistências. Penso que minha mãe nem dava muita importância ao assunto pois o jazigo foi sempre cuidado e decorado semanalmente com flores por aí estarem inumados meu pai e minha irmã além doutros familiares. Mas devia dar-lhe algum prazer amargar a vida a esse descendente lembrando-lhe periodicamente a sua obrigação. Actualmente o jazigo pertence a meu irmão que aí enterrou a mulher Maria Clara. Eu prescindi do meu direito a metade por essa razão e por ter aposentadoria para a eternidade no cemitério de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, onde resido desde que casei há quase quarenta e cinco anos. O jazigo mandado edificar pelo Abade Velho, não sendo sumptuoso, tem uma certa dignidade arquitectónica. É constituído por uma base quadrada de lajes de granito elevada cerca de meio metro acima do solo e vedada a toda a volta por um gradeamento de ferro forjado. O acesso faz-se por um pequeno portão embutido no gradeamento. Ao fundo tem uma outra pequena base em degraus rematados por um pináculo encimado por uma platibanda de duas voltas sobre a qual

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assenta uma cruz, tudo em cantaria de granito lavrado. A cruz tem uma bonita estatueta em bronze de Cristo Crucificado. Na face do pináculo consta a seguinte inscrição da lavra do abade: ANNO DE 1892 “Jazigo perpétuo mandado construir pelo reverendo abbade de Fiães Manoel António da Silva Júnior para honrar os restos mortaes de seus muito amados paes o Snr. Manoel António da Silva e Snrª Maria Joana da Silva que foram da Casa das Levadas do logar de Chão do Rio d’esta freguezia de Fiães. Este jazigo é propriedade do reverendo abbade e n’elle serão sepultados os cadaveres de suas irmãs solteiras e o seu junto aos dos seus adorados paes”.

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Todas as terras, e Fiães não fugia à regra, tinham os seus dois ou três malucos encartados. Um deles, conhecido como Fernando Chicha, era já homem na meia-idade quando eu era um garoto da escola. Vivia da caridade e vivia mal, comendo quando calhava e vestindo roupa usada que lhe davam já no fio. Era geralmente benquisto porque, na sua insanidade, era duma mansidão bovina. Os garotos da minha idade faziam-lhe surriadas quando não lhe mandavam uma que outra calhoada. Como não era violento limitava-se a responder aos insultos com um :“Filhos dum cão, deixai que as vossas mães vão saber!” E lá seguia o seu caminho sem rumo. Era um fumador inveterado fumando tudo que lhe chegava às mãos, desde o cigarro oferecido às beatas que apanhava do chão. Se outra coisa não houvesse, fumava até barbas de milho ou folhas secas de videira. Costumava passar no consultório do meu pai por saber que não saía nunca de mãos a abanar. Era frequente “brasileiros” a férias na terra o virem cumprimentar e, por via de regra, ofereciam-lhe caixas de charutos, cigarrilhas e cigarros que ele guardava nas gavetas da secretária e que não utilizava por só fumar tabaco de onça (da marca “Francês” e, quando esta acabou, marca “Superior” e que no verão envolvia numa folha de couve para não secar com o calor) enrolado em mortalha fazendo os cigarros quase de olhos fechados. Tinha apenas vício de boca pois não tragava o fumo. Já não me recordo das marcas desse tabaco brasileiro mas lembro-me perfeitamente que era produzido por “Indústrias Souza Cruz”. O presente mais desejado pelo Fernando Chicha eram uns maços de cigarros mas também se contentava com

charutos e cigarrilhas que desfazia para enrolar em mortalhas, a par dos cinco tostões de viático. E lá seguia pelos caminhos a falazar em voz alta as suas proclamações e uma delas era esta: “Manuel António da Silva Júnior, abade de Fiães, bispo honorário da Sé de Cabo Verde e capelão fidalgo do rei D. Carlos”. À parte a promoção indevida de cónego a bispo, correspondia ao texto de uns cartões de visita do Abade das Levadas de que meu pai guardava alguns exemplares. Outras vezes dava-lhe na tineta largar vivas e morras. “Viva o Dr. Alcides Monteiro!”. “Viva o doutor das Levadas!”, incluindo também vultos políticos da I República. Se estava de feitio mais pirrónico intercalava com uns “Abaixo Salazar!”, ou “Morra Salazar!”, ou “Fora com os ladrões do governo!” e desabafos semelhantes. As pessoas divertiam-se com o espectáculo e ninguém, mesmo afectos ao regime, levava a mal ou a bem, conhecida como era por demais a insanidade do Fernando Chicha. Aconteceu que por essa época foi nomeado presidente da Câmara da Feira pessoa natural de Fiães, recentemente falecido, que era feito da massa dos inquisidores do Santo Ofício e tinha, no carácter e na curteza de vistas, o vezo da delação e de se meter onde não era chamado, muitas vezes em violação notória dos seus poderes e competências. Intitulava-se “modesto soldado de Salazar” e rapidamente se fez rodear duma rede de informadores, uns por devoção espontânea à denúncia e à calúnia, outros arregimentados por interesse. Ora não é que denunciou o pobre do Fernando Chicha à PIDE como um perigoso agitador ao serviço do comunismo internacional...? E certo dia lá apareceu uma viatura que o transportou para a sede da polícia política no Porto. Estou a imaginar o pasmo dos agentes da benemérita instituição defensora dos valores da fé e do império ao receberem um maltrapilho com trejeitos e modos de maluco chapado! Parece que ao fim de algum tempo o puseram na rua sem curarem de saber se tinha meios para regressar à terra e dando entre dentes ao diabo o zelota do presidente da câmara que lhes fazia perder tempo para nada. Voltando ao Abade Velho: como na minha meninice dormia frequentemente nas Levadas, nas noites de inverno, longas como a légua da Póvoa, com chuva a cântaros e o vento a ganir lá fora como cão danado, depois de se rezar o terço, o abade e as suas histórias vinham sempre à baila. Penso que nos arcanos mais fundos do meu subconsciente ainda lá estão e determinaram o meu gosto pelo maravilhoso


e pelo sobrenatural. A par de lendas de lobisomens que, em noites de lua cheia, tinham que cumprir o seu fadário de percorrer sete encruzilhadas de sete freguesias, contava-se que as bruxas das redondezas apenas iam à missa celebrada pelo abade velho das Levadas. Isto porque era o único em quem confiavam pois se, dito o “ite missa est”, o oficiante não fechasse o missal as bruxas ficariam aprisionadas no templo não podendo sair enquanto não fosse fechado. Recordava-se que o abade tinha o costume de, com mais três párocos de outras tantas freguesias (se não erro, de Sanguedo, Canedo e Silvalde), se reunirem duas ou três vezes por mês, rotativamente, na residência de cada um deles para, depois do jantarinho no cedo bem comido e regado melhor, jogarem cartas, não sei se a sueca se o voltarete, a dinheiro embora modesto. E aferrados na teima do jogo, por vezes davam as duas e três horas da noite velha e eles a puxarem sem descanso as manilhas e os ases. Ora uma das vezes em que a reunião se realizou em Silvalde e terminou madrugada já adiantada, o abade velho montou na sua égua e empreendeu a viagem de regresso que ainda era um estirão de respeito. O percurso era quase todo através de pinhais e estava uma noite escura com o céu coberto de nuvens. À saída da povoação encontrou um homem que mancava acentuadamente duma perna e lhe pediu se pelas almas o levava na garupa até ao povoado vizinho. O abade compassivemente mandou o homem escarrapachar-se na traseira do animal e lá foram seguindo. A páginas tantas, num sítio onde o pinhal não era tão denso, a lua brilhou por uma aberta entre as nuvens e o abade velho reparou que os pés do homem eram bifurcados como os dos caprídeos. Era o sinal inequívoco de que o abade ia na companhia do diabo. Persignou-se e invocou o nome de Deus. O maligno deu um grande estouro e ficou no ar um insuportável cheiro a enxofre. Conclui a história com uma nota surrealista: o abade olhou por si abaixo e constatou que lhe tinham caído todos os botões das abotoaduras! Finalmente e desta vez parece que facto verdadeiro: tinha o Abade das Levadas um criado que o servia já há muito tempo e era homem na casa entre os quarenta e cinquenta anos. Um certo dia comunicou ao abade que se ia casar com certa fulana conhecida em toda a freguesia por se portar mal

(ou bem, é uma questão de perspectiva). O abade tentou dissuadi-lo mas o criado ficou na sua, andou para a frente e tratou dos papéis. Na missa dominical em que o abade de Fiães devia anunciar os proclamas do casório, no fim da homilia, lá informou os paroquianos da intenção dos nubentes com as palavras da praxe e como era obrigatório. No fim fez uma pausa dramática. Não se ouvia uma mosca na igreja repleta. E rematou: -“As putas são as mesmas. Cornos, mais um”! DR. ÂNGELO ANTÓNIO DA SILVA O Dr. Ângelo António da Silva era irmão de minha avó paterna Rosa e sobrinho do Abade das Levadas e dele não sei muito. Socorro-me das informações exaradas pelo Padre Sá na obra já referida e de algumas recordações de conversas de família. Teve uma vida muito breve pois nasceu em 1887 e faleceu a 24 de Setembro de 1915, com vinte e oito anos de idade. Relata o Padre Sá que frequentou os Seminários Diocesanos como aluno interno pelo que concluo que foi ordenado sacerdote. “Matriculou-se em seguida na Universidade de Coimbra chegando a concluir a formatura”. Em Cânones, acrescento eu. “Não se sentindo com vocação para o estado sacerdotal, teve a delicadeza de consciência e a coragem de o declarar a quem de direito. Fez imensa falta ao tio (Rev. Abade Silva Júnior) a quem era dedicadíssimo e que o ouvia muito. Era, além disso, muito prestável e amigo de fazer bem”. Não o conheci como é óbvio mas tenho a ideia de ter ouvido na família que, depois de Coimbra, vagueou por Salamanca não sei se a aperfeiçoar os seus conhecimentos, se a leccionar ou se, como me parece mais provável, a fazer um estudo sociológico comparativo entre as portuguesas e as castelhanas salmantinas. Porque a púdica referência do Padre Sá à renúncia ao seu estado sacerdotal não pode, em meu entender, deixar de significar que havia negócio de saias pelo meio. Na família a sua memória era venerada como se tivesse subido aos altares e a quem se rezava todas as noites como se fora o infante santo da casa.

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O INSPECTOR ESCOLAR ADELINO BASTOS E SEUS FILHOS

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O inspector escolar Adelino Bastos era irmão de meu avô paterno Quintino e não se chamava Adelino mas sim Avelino, embora, porque detestasse este nome, o convertesse para Adelino. Foi inspector escolar nomeado durante a 1ª República e destituído do cargo pela ditadura nascente em 1926. Tornou-se por ideologia e por ódio ao novo regime uma espécie de conspirador a tempo inteiro mas não disponho de informação quanto a qualquer filiação partidária. Com o Estado Novo passou mais tempo nos cárceres da polícia política do que em liberdade. Pela sua luta libertária ao longo de toda a vida tornou-se um revolucionário admirado pela família e pelos opositores ao salazarismo. Quando não estava preso estava a conspirar embora, conhecendo-se hoje os meandros do oposicionismo, se saiba que a sua actividade terá tido muito de utópica, por carência de meios. Era dono duma bela propriedade em Fiães conhecida pelo nome de “Quinta do Inspector” mais tarde adquirida pelo Instituto das Obras Sociais (IOS) que aí instalou uma creche e outros serviços sociais afins. Antes disso, e na minha juventude, aí organizamos diversas festas dançantes embora nos debatêssemos com a falta crónica do elemento feminino porque só raparigas de ideias um pouco mais avançadas para época aceitavam os inocentes convites. Existia no amplo solar uma sala, conforme pude verificar, cujas paredes estavam forradas por lambris de madeira. Um deles era amovível e dava entrada para um esconderijo equipado com um catre para dormir e mantimentos para vários dias onde o inspector se acoitava quando a cachorrada da polícia política o procurava nas suas batidas regulares. Se os seus feitos e fugas rocambolescas tivessem tido lugar mais tarde e fossem conhecidos do grande público poderia ter hoje a fama dum capitão Henrique Galvão ou de um Che Guevara à escala portuguesa. Era um lutador sem frio nos olhos mas creio que norteado por um ideário mal definido, vagamente anarquista, e que responderia como o espanhol à pergunta: -“Há governo? Então sou contra!” O Padre Sá não lhe faz qualquer referência nas figuras

de Fiães que considera proeminentes embora refira muitas que desapareceram sem deixar rasto e caíram para sempre no poço sem fundo do esquecimento, provavelmente porque, com a sua reputação, não seria agradável aos ouvidos do poder reinante. Deixou dois filhos, o Dr. Joaquim Bastos e a Dra. Alcina Bastos (esta sim, referida pelo Padre Sá como a primeira advogada natural de Fiães) que se licenciaram em Direito na Universidade de Coimbra e exerceram a advocacia em Lisboa. Não conheci o Dr. Joaquim Bastos, meu segundo primo, que faleceu ainda novo, suponho que na casa dos sessenta anos. Mas conheci a irmã, Dra. Alcina Bastos, que encontrei algumas vezes em manifestações políticas e em reuniões do Movimento Democrático Português. Herdou a fibra do pai tendo sido durante toda a vida uma indomável lutadora antifascista. Faleceu em 18 de Agosto de 1993 e os jornais noticiaram com relevo o seu decesso. Diz o “Público”: “O seu primeiro acto antifascista praticou-o aos 12 anos quando um agente da polícia política lhe apontou um revólver à cabeça: queria saber onde se escondera o pai. Alcina, de mão dada com seu irmão Joaquim, recusou revelar o esconderijo. Nunca mais cessou a oposição ao regime ditatorial...até morrer no Hospital da CUF em Lisboa”, com 78 anos. O “Expresso” em notícia de teor idêntico refere que foi dirigente da Associação das Mulheres Juristas, do Conselho Português para a Paz e a Cooperação e da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), colaboradora íntima e da confiança total do General Humberto Delgado tendo participado activamente em todas as campanhas oposicionistas mas nunca se tendo filiado em qualquer partido. Teve uma filha resultante duma ligação com o capitão Agatão Lança com o qual litigou durante anos nos tribunais, e deu brado nos meios forenses, para que fosse declarado judicialmente pai da menina e esta pudesse acrescentar ao seu nome os apelidos paternos. Ganhou o processo mas nada quis para si e para a filha da herança do capitão Agatão Lança.


ABEL LIMA Abel Lima era irmão de meu avô materno António José de Almeida Lima, por alcunha o “Tanoeiro”. Se o irmão recebeu os mesmos apelidos chamar-se-ia Abel José de Almeida Lima e também era conhecido como “Tanoeiro”. Não me dei ao trabalho de averiguar a data de nascimento mas seguramente faleceu depois de eu ser gente embora dele não conserve qualquer memória. Angariou fortuna considerável no negócio das rolhas de cortiça e por outros meios mais aparentados com as malas artes. Foi factotum, homem de confiança política e uma espécie de feitor do, ao tempo, conde de S. João de Ver. Conta-se que, depois dumas eleições vitoriosas, reuniu-se grande cópia de povo diante do solar do conde para festejar o sucesso e abriu-se uma pipa de vinho como era de tradição. Esse meu tio-avô Abel Lima em determinado momento assomou a uma sacada do solar trazendo ao colo o filho do conde, criança de tenríssima idade, exibindo-o ao zé-povinho que o vitoriou. Passados meses, e como era costume, o conde incumbiuo de vender um determinado pinhal consultando vários madeireiros da região para obter o melhor preço. Ao fim de alguns dias esse meu tio-avô comunicou ao conde o melhor preço que obtivera e que era ridiculamente baixo. Parece que um outro madeireiro soube do propósito da venda e, farto de ser preterido em tais negociatas, dirigiu-se directamente ao conde fazendo a sua oferta que era três ou quatro vezes superior à apresentada pelo Abel Lima. De modo que, quando perguntou ao conde se podia fechar o negócio, este provavelmente farto que lhe comessem as papas em cima da cabeça retorquiu-lhe: - “Deixa estar que já ajustei a venda por melhor preço”. O alma de cântaro velho do meu tio-avô, em vez de meter a viola ao saco, saiu-se com esta: “- Adiantou-me muito andar com o seu filho ao colo!” Parece que este Abel Lima deixou vária descendência ilegítima mas que nunca reconheceu, ignorando olimpicamente esses pretensos filhos. Um destes, já na idade adulta, era fisicamente o presuntivo pai escarrado. E sempre reclamou a paternidade recusada não se coibindo de, quando encontrava o meu tio-avô, fosse onde fosse, se lhe dirigir e dizer: “- Deite-me a sua bênção meu pai!”

O Abel Lima fazia que não era nada com ele e seguia o seu caminho. Mas duma das vezes, em pleno adro da igreja de Lourosa repleto de gente após a missa dominical, em que a cena se repetiu não se conteve que não lhe respondesse alto e bom som: “ – Se fosses meu filho não eras tão burro!” Quando faleceu esse meu tio-avô, pessoa considerada e de meios de fortuna, o velório congregou muitas pessoas. Entre elas, o reclamante da paternidade denegada vestido de luto rigoroso que se manteve discretamente afastado, penso eu que por um compreensível amor ao pêlo. Como muitos sabiam da sua prosápia de se julgar filho do defunto também lhe vinham dar os pêsames. Sufocando no peito a grande dor que devia sentir a todos respondia: - “Morreu que se f....!”

CAPÍTULO QUARTO D. MOISÉS ALVES DE PINHO BISPO DE ANGOLA E CONGO PRIMEIRO ARCEBISPO DE LUANDA D. Moisés Alves de Pinho nasceu em Fiães da Feira aos 17 de Julho de 1883 e faleceu em 27 de Junho de 1981 prestes a cumprir 98 anos de idade. Provinha duma família de lavradores modestos da Casa da Cancela situada no lugar do Redondo, paredes meias com a Capela de Nossa Senhora da Conceição e com as ruínas romanas da “civitas” que alguns estudiosos da matéria sustentam ser as da famosa Lancóbriga. Era primo direito de minha avó paterna e portanto meu terceiro primo. Estou em crer que, para além da vocação para a vida sacerdotal, a mão do Abade das Levadas deve ter tido interferência nessa escolha. Socorro-me mais uma vez do estudo monográfico do Padre Manuel Sá sobre Fiães e das referências que faz ao arcebispo (e que este prefaciou) e da revista “Missões de Angola e Congo” de Maio de 1932. Relata esta última citada pelo Padre Sá: “Leituras acerca das Missões levaram-no à Formiga, escolasticado menor da Congregação do Espírito Santo, onde estudou preparatórios e filosofia. De ali passou a Roma, frequentou a Universidade Gregoriana e doutorou-se em Filosofia e Teologia no ano

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de 1910 com distinção nas duas matérias; em Filosofia a menção optime probatus; em Teologia, exame solene, com o remate probatus cum laude. Destes exames solenes naquela universidade só há dois em cada ano com a assistência de todos os professores e alunos”. Continuando: “Em Outubro de 1910 – com 27 anos – ia começar em Carnide o seu curso de Teologia aos alunos do Seminário das Missões quando a revolução nos entrou em casa e levou sob prisão, para Artilharia 1 e para Caxias, os professores e alunos. Com os salvados do naufrágio recolheu a Chevilly, Paris, onde o Seminário Central recebeu os portugueses. Ali ensinou Teologia o Padre Pinho (ordenado em Roma a 19 de Dezembro de 1908) vindo até a ser nomeado director no período da 1ª Grande Guerra”. “E de lá passou outra vez a Portugal em 1919 ainda antes do primeiro decreto de Rodrigues Gaspar, o benfazejo decreto 6322, de 24 de Dezembro de 1919.” Diga-se que foi este diploma legal que permitiu a actividade nas colónias das missões religiosas reconhecendo o papel relevante que poderiam realizar na afirmação da soberania portuguesa e na prestação de serviços sociais. “Em Lisboa trabalhou intensa e fervorosamente estes últimos anos como provincial organizador; e quando tinha diante de si uma organização completa, seminários menores e maior, escola de formação de irmãos auxiliares, etc., vem a voz sagrada de comando chamá-lo para nova liça e mais altos destinos. A 7 de Abril de 1932 o Rev. Dr. Moisés Alves de Pinho foi escolhido pela Santa Sé para Bispo de Angola e Congo sendo sagrado em Viana do Castelo no dia 7 de Julho. Foi bispo sagrante o Superior Geral da Congregação do Espírito Santo o Exmo. Sr. D. Luís Le Hunsec que augurou ao novo prelado, no brinde que fez, um episcopado glorioso e proveitoso para a Igreja e para Portugal.” Esteve presente à cerimónia a mãe do novel bispo, Teresa Ribeiro de Castro, de quem era filho único e órfão do pai António Alves de Pinho desde a idade de dez anos e que falecera no Brasil em 1893. Tomou posse da diocese como Bispo de Angola e Congo em 23 de Outubro de 1932 e durante os primeiros sete anos percorreu por três vezes a vastíssima diocese, cerca de quinze vezes a área de Portugal. “Reorganizou em Luanda o antigo e extinto Seminário Diocesano, fundou seminários de preparatórios, criou o “Boletim da Diocese” e a revista “O Apostolado” nos quais

assiduamente colaborava revelando-se, sempre e em tudo, um grande bispo missionário e um benemérito de Portugal”. Em 16 de Agosto de 1938, a quando da visita do Presidente da República, Marechal Carmona, à colónia de Angola, foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem de Cristo. Relata agora o Padre Sá: “O escudo do Sr. D. Moisés é partido em pala. O campo da direita em fundo azul, o azul celeste de Maria com a pomba simbólica e o Coração atravessado pela espada e coroado de flores, tudo em prata – emblemas da Congregação do Espírito Santo e do Imaculado Coração de Maria. O campo da esquerda é em goles com a serpente de Moisés enrolada na cruz e tudo em oiro. A ponta em chaveirão de prata tem as cinco chagas de Cristo das armas de Portugal”. Como divisa “nos autem in cruce Domini” (nós, porém, na cruz do Senhor). Em 1941, com a divisão da diocese devido à sua vastidão de todo incompatível com o trabalho apostólico, ascendeu à dignidade de primeiro Arcebispo de Luanda acumulando com o título de Bispo de S. Tomé e Príncipe. Desde que tomou posse do cargo de Bispo de Angola e Congo em 1932 até à sua resignação em 1966 desenvolveu um extraordinário trabalho de missionação e de apoio religioso e social às populações indígenas conhecendo como ninguém os seus problemas resultantes dum colonialismo retrógrado e cruel. Promoveu a formação dum clero negro autóctone de que é um dos primeiros exemplos Joaquim Pinto de Andrade, sacerdote que mandou doutorar-se na Universidade Gregoriana de Roma que ele próprio frequentara e que veio a tornar-se o seu braço direito na Sé de Luanda. Este Joaquim Pinto de Andrade, falecido há poucos dias, e seu irmão Mário, foram fundadores do MPLA e, mais tarde, dissidentes desta organização política por discordância com a facção dominante chefiada por Agostinho Neto na sua opção pelo bloco comunista já que entendiam que a posição que melhor servia os interesses angolanos era a de independência e equidistância entre aquele e o bloco ocidental. Leio numa notícia de Quitexe, província do Uíge, a propósito do falecimento de Joaquim Pinto de Andrade e referindo-se à sua actividade no período colonial: “Foi um dos promotores da campanha de apoio aos presos políticos e suas famílias, a qual contara com o apoio discreto do arcebispo D. Moisés Alves de Pinho”. Foi o primeiro bispo das colónias portuguesas a permitir e solicitar a colaboração de elementos femininos – freiras e


A minha Comunhão Solene, presidida por D. Moisés Alves de Pinho. irmãs leigas – nas tarefas de missionação e de apoio social às populações negras no ensino e na saúde. Por isso, apesar de condecorado com a Grã Cruz da Ordem de Cristo pelo governo de Salazar, se não era considerado persona non grata, não gozava das simpatias do regime pelo seu intenso apostolado em favor dos mais carenciados, do seu empenho na formação de sacerdotes negros e de sempre se ter abstido, nos anos da guerra colonial iniciada em 1961 e até à sua resignação em 1966, de apoiar a política colonial portuguesa. Desde muito novo, com quatro ou cinco anos, conheci muito bem o arcebispo durante as visitas que regularmente fazia a nossa casa e noutras circunstâncias que adiante relatarei. Naquele tempo, anos quarenta e cinquenta, creio que era um dever dos prelados deslocarem-se a Roma de dois em dois anos para apresentarem na Cúria relatório das suas actividades nas respectivas dioceses. D. Moisés Alves de Pinho escolhia por via de regra a época da Primavera para cumprir essa obrigação aproveitando, antes ou depois da ida a Roma, para gozar duas ou três semanas de descanso em Portugal, principalmente em Fiães na Casa da Cancela e na companhia da mãe, senhora já de idade avançada. Como prova do desafecto do regime pelo prelado espiritano, as suas visitas regulares à metrópole eram praticamente ignoradas. Vinha acompanhado pelo seu secretário pessoal (seria alguma vez o Padre Joaquim Pinto de Andrade?) e por um

funcionário da diocese que fazia de seu motorista. Duma das vezes recordo-me que também trouxe um rapazinho de cor dos seus dez ou onze anos que suscitou a curiosidade da miudagem da terra e que provavelmente seria um seu protegido destinado à vida eclesiástica. Utilizava um grande automóvel preto duma qualquer marca americana que lhe era cedido pelo Patriarcado de Lisboa durante a estância em Portugal. Vinha sempre fazer uma visita ao meu pai e à minha avó (sua prima) mas mandava primeiro o secretário anunciar a hora que, tanto quanto me recordo, era habitualmente aí pelo meio da tarde. D. Moisés era uma bela figura de homem. Sobre o alto, pele branca um pouco rosada e o cabelo já nevando, tinha uma leve mas proporcionada corpulência. Sempre de aspecto muito limpo, esmerava-se no vestir mas sem qualquer preocupação de janotismo. Suponho (talvez por ter visto qualquer fotografia) que em África vestiria indumentária branca. Mas em Portugal sempre o vi de sotaina preta com a faixa e o solidéu de cor púrpura de arcebispo e calçando sapatos muito lustrosos com fivelas de prata. Ao peito um cordão com uma grande cruz. Os modos e o falar eram revestidos duma grande calma e amenidade. Estávamos na presença dum príncipe da igreja da época do Renascimento. À hora aprazada, quando ouvíamos chegar o automóvel, o meu pai descia as escadas para o receber no portão e cumprimentava-o segurando-lhe a mão com uma ligeira curvatura, como se fosse para beijar o anel de ametista mas sem concretizar o gesto. O arcebispo, com a outra mão, davalhe uma palmadazinha nas costas soerguendo-o. Na saleta de entrada com um sofá e cadeirões de verga com almofadas esperavam-no minha mãe e a prima minha avó e essas sim, ajoelhavam-se e beijavam o anel arquiepiscopal. D. Moisés afectuosamente levantava a prima – eram quase da mesma idade – e dizia-lhe: “ – Então, Rosa, como vais rapariga?” Tomado assento, apenas falavam o arcebispo e meu pai. Passado algum tempo minha mãe servia um chá na melhor louça da casa acompanhado de uns bolinhos de coco que o prelado apreciava. E a cavaqueira prolongava-se por uma hora e tal. Duma das vezes D. Moisés, que já tinha estado em Roma, trouxe de presente ao meu pai um pergaminho com a fotografia do papa de então, Pio XII, com o texto impresso em caracteres góticos mas com o nome do destinatário “DR. MANUEL ANTÓNIO

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DA SILVA BASTOS E FAMÍLIA” manuscrito num belo cursivo e pelo qual o pontífice concedia indulgência plenária se, à hora da morte, se arrependessem dos seus pecados. Era uma espécie de passaporte para a bem-aventurança com eventual estágio no purgatório. Mas do inferno estávamos livres desde que contritos. E eu, apesar dos meus muitos pecados, confio nesse passadiço para o paraíso, seguro que o Justo Juiz não vai desautorizar o seu representante na terra. Algumas vezes, já por finais dos anos cinquenta – teria eu 16 ou 17 anos – ouvi D. Moisés exprimir a sua discordância com a política colonial do governo censurando sobretudo não formar uma elite dirigente negra que fosse pouco a pouco ocupando lugares de chefia nos vários patamares da administração pública à semelhança do que fizera e continuava a fazer com o clero negro. Essa nova classe dirigente, formada nos valores e princípios da civilização ocidental, faria a ponte com o país colonizador e talvez se evitasse a desgraça da guerra de que só um cego não via os sinais à distância. Parece que chegou a escrever neste sentido ao Ministro do Ultramar mas o futuro infelizmente demonstrou que a advertência caiu em saco roto. Mais tarde, prestes a rebentar a sublevação, contou que o Padre Pinto de Andrade fazia habitualmente homilias na Sé de Luanda que concitavam enorme interesse entre a população negra que sistematicamente abarrotava o templo. O pregador não saía das lições do Evangelho mas, nas entrelinhas, a palavra de Cristo falava dos pobres, dos oprimidos, da esperança de libertação que não começa num outro mundo mas neste, transformando-o num mundo melhor e mais justo. O prelado chegou a ser visitado pela Pide que pretendia que impedisse o seu subordinado de continuar com as pregações. D. Moisés retorquiu que, sendo seguro que estavam ao par do conteúdo das homilias do Padre Andrade, lhe demonstrassem em que pontos extravasavam dos Evangelhos e se pudessem considerar intervenções políticas contra o regime. Assim foi contendo a sanha persecutória mas por pouco tempo pois foram presos e quase todos, depois de estâncias mais ou menos prolongadas nos cárceres, foram deportados para Portugal. Duma das vezes que nos visitou contou confidencialmente que, por simples acaso, descobrira um depósito de armas escondido sob o altar-mor da Sé de Luanda. Chamou os sacerdotes negros seus colaboradores e impôs-lhes que retirassem imediatamente essas armas inaceitáveis num templo cristão. Mas não denunciou o facto às autoridades

por demais sabedor que tal equivalia à prisão, à tortura e à deportação para o Campo do Tarrafal em Cabo Verde. Quando se retirava, meu pai voltava a acompanhá-lo ao automóvel que aguardava ao portão de nossa casa rodeado por muita gente que se juntava para ver o arcebispo. Quando em 1950, com dez anos, fiz a comunhão solene tive a sorte de D. Moisés Alves de Pinho estar em Fiães e ter presidido à cerimónia com o pároco da terra, Manuel da Silva Pereira. Finda esta, seguiu-se um almoço na Casa das Levadas e, sendo conviva de honra o arcebispo, minha mãe esmerouse no serviço que foi excelentemente confeccionado por uns cozinheiros de Carregosa, Oliveira de Azeméis. A fotografia que ilustra este capítulo mostra os convidados reunidos no jardim da casa com o arcebispo sentado ao centro. Quando concluí a instrução primária, fui fazer os sete anos do ensino secundário em Braga como aluno do internato anexo ao Liceu Sá de Miranda o qual era dirigido por um sacerdote, Padre Alípio, que também era pároco de Maximinos, uma freguesia da cidade. Um certo dia, a meio da tarde, teria eu uns onze ou doze anos, o Padre Alípio irrompeu pela sala de estudo e chamoume ao corredor. Não estava no seu natural pois normalmente era contido e de poucas palavras. Disse-me: “ – Vai ao dormitório e veste uma roupa melhor que temos de ir agora mesmo ao Paço que o Sr. Arcebispo de Luanda quer ver-te!”. Já ia a subir as escadas e ainda me berrou cá de baixo: “– E passa um pente no cabelo!” Soube depois que D. Moisés Alves de Pinho entretinha relações de amizade com o arcebispo de Braga (cujo nome já não recordo) e, ano sim, ano não, nas suas visitas a Portugal nunca deixava de passar uns breves dias no paço arquiepiscopal da cidade. Lá descemos a pé ligeiro a Rua de Santa Margarida que o paço distava uns duzentos ou trezentos metros do internato. Fomos introduzidos numa sala onde se encontrava o arcebispo de Luanda sentado num cadeirão almofadado a veludo carmesim e rodeado por meia dúzia de eclesiásticos, um ou dois de cor. O padre Alípio, homem alto, sobre o forte e barrigudo, genuflectiu com alguma dificuldade para beijar o anel ao antístite. E eu segui-lhe o exemplo. D. Moisés puxou-me para junto dele e perguntou ao director do internato: – Padre Alípio, como vai o rapaz? – Não vai mal mas podia ir melhor se não fosse um cabeça no


ar e não andasse a pensar noutras coisas. - Padre Alípio, os pais deste menino não o estão a educar para a vida religiosa. E nestas idades também não se querem moscas mortas! Voltou-se para os circunstantes e contou que minha avó era sua prima e que ambos provinham de família de lavradores remediados de Fiães. Remediados mas sem extravagâncias. E que meu pai se formara em medicina com uma alta classificação tendo de vencer dificuldades económicas quase insuperáveis. Eu, para dizer a verdade, sentia-me meio macaco no jardim zoológico, meio Menino Jesus no Templo, rodeado por aqueles vultos negros mas também lisonjeado com a distinção. D. Moisés tornou para o director: “ – Padre Alípio, cuideme do rapaz que a cepa é boa.” Perguntou-me se precisava de alguma coisa, eu agradeci atabalhoadamente e a visita terminou. Regressamos ao internato e a partir de então – não é que antes eu tivesse razões de queixa – parece-me que o Padre Alípio me olhava com outros olhos e era mais benévolo com as minhas asneiras. D. Moisés Alves de Pinho resignou do arcebispado de Luanda em 1966 e passou os últimos anos da sua vida – que ainda foram quinze – num recolhimento da Congregação do Espírito Santo em Portugal como fiel e notável espiritano que sempre foi. Em Angola, com a independência, foram banidos quase todos os nomes portugueses em povoações, escolas, ruas e praças públicas mas o nome de D. Moisés Alves de Pinho foi mantido num claro reconhecimento a um prelado que soube, em meu entender, interpretar e aplicar os verdadeiros valores da lição de Cristo em favor das populações negras, com mansidão, e sem provocações ao regime desumano que então vigorava mas com persistência apesar da desconfiança e má vontade que o seu labor evangélico suscitava. É incontornável que as duas figuras eclesiásticas naturais das Terras de Santa Maria da Feira que maior vulto puseram no século XX foram o Bispo da Beira, D. Sebastião de Resende, e o Arcebispo de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho. Aquele, muito justamente, foi homenageado há pouco tempo e ergueram-lhe uma sumptuosa estátua de corpo inteiro em lugar de destaque. Essa visibilidade vai permitir que os vindouros o recordem e a sua memória permaneça. A D. Moisés, o arcebispo missionário, deram-lhe o

nome à Escola Secundária de Fiães, o que nem grande favor constitui já que, muitos anos antes, várias escolas de Angola ostentavam o seu nome. Na sua terra natal, num pequeno largo escuso perto da casa onde nasceu, ergueram-lhe um pedestal com um pequeno busto que só não é ridículo porque a personagem que representa é grande demais em carácter e obra. Neste pequeno país onde a regra é a gente também ser pequena de grandeza, proliferam as ruas, os monumentos e estátuas a este e àquele que deixaram obra insignificante e quase sempre à custa do erário público, o que não é feito algum pois para isso desempenharam cargos públicos e foram remunerados, não constando que alguém fosse coagido a aceitá-los. Vem a propósito lembrar que um procônsul romano, chefe duma das várias expedições punitivas para subjugar os lusitanos, mais uma vez derrotado, explicou ao Senado de Roma: “ É um povo que se não governa nem deixa que os governem”. Somos os legítimos sucessores dos lusitanos mas a situação alterou-se radicalmente: esse carácter e essa valentia que se não deixava subjugar pelo domínio estrangeiro transformaram-se para bem pior: os governantes, a todos os níveis e quase sem excepções, governam-se – e quando o não fazem permitem que as suas tribos políticas o façam – mas não deixam que o povo se governe. Embora tendo a certeza que a minha voz clama no deserto aqui deixo a provocação a algum dirigente político que não desceu ao nível rasteiro habitual ou a alguma instituição que se preocupe com estas coisas: é imperioso e acto de justiça elementar homenagear o Arcebispo de Luanda e Bispo de S. Tomé com a dignidade que a sua obra de apostolado merece. E deixo a sugestão: erguer-lhe uma estátua de corpo inteiro no local mais nobre da sua terra que é o arraial fronteiro à igreja matriz de Fiães. Nunca é tarde para redimir esquecimentos, para não dizer ingratidões, só compreensíveis no tempo do regime autoritário, mas de todo em todo indignos de um regime democrático que deve prezar e honrar os seus maiores.

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Auto-retrato Gilberto Pereira* A barba de três dias O cabelo curto Desarranjado E nos olhos semi-cerrados e impacientes Uma misteriosa faísca cor-de-mel O entroncado pescoço bem assente Sobre os ombros No tronco alternando Passam camisas e t-shirts de várias cores Caídas sobre a cintura a tapar os bolsos Nas pernas sempre os jeans Em tons de azul como convém E nos pés as sapatilhas Sempre as sapatilhas... Por favor não me tirem as sapatilhas...

* Gilberto José de Sousa Pereira, natural do Porto (1979), reside desde sempre em Argoncilhe. Frequenta vários encontros poéticos pelo país, sobretudo as tertúlias da Onda Poética, de Espinho, onde mantém uma participação activa desde 1998, lendo preferencialmente Al Berto, Herberto Helder, Mário Contumélias, Eugénio de Andrade e António Gedeão. A sua poesia, com tendência para o soturno e o intimista, sofreu, sobretudo de início, algumas influências dos dois primeiros autores mencionados.Editou recentemente o seu primeiro livro de poesia, intitulado Reticências, o qual foi apresentado no dia 20 de Dezembro último, no Instituto Superior de Paços de Brandão, pelo poeta Anthero Monteiro.


A Igreja de Fajões: do ano de 1068 ao século XX Samuel Oliveira*

O documento escrito mais antigo referente à igreja e à “villa fagiones” é uma doação que, no ano de 1068, o presbítero Auderigus fez ao presbítero Vermudus (Bermudo) de todos os bens próprios da “villa fagiones” e de sua “ecclesia sancti martini” (igreja de São Martinho) que herdara de seus avós e de seus pais Braolius e Gualavara, propriedades situadas – como refere o documento – no território Portucal, abaixo (no sopé) do monte Castro Calvo e do “montecello” (pequeno monte, colina), por onde correm os rios Antuã e Ul. Em Fevereiro de 1179, Gontina Guterri, seus filhos, filhas e netos doam às freiras de S. Bento do mosteiro de Rio Tinto (hoje, do concelho de Gondomar) a igreja de “sancti martini de fagionibus”, a igreja de São Martinho de Fajões, pelo que aquelas freiras passaram a ter o padroado desta igreja, com direito a receberem os rendimentos da paróquia e a apresentar o seu pároco. Nas Inquirições de D. Afonso III, de 1251, o pároco da “freiguesia de Faiones”, Martim Anes, e seis jurados disseram de outiva (de ouvir dizer) que desde a pedra de esperão ao canto do paço de Martim Rodelo e à ousia (capela-mor) da *Historiador. Investigador.

igreja e até à Mâmoa de Prazins (imediações da actual EB 2,3 de Fajões), como parte (divide) com César, a terça parte pertence ao rei. E no mesmo termo está a igreja, “Et ecclesia jacet in isto termino”. O texto destas Inquirições permite-nos concluir que a igreja de Fajões se situava na área hoje ocupada pela actual igreja. O manuscrito n.º 179 da Colecção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa refere que o Papa concedeu, em 1320, ao rei D. Dinis, por tempo de três anos, o poder de taxar a igreja de Fajões (e às outras do reino) em 130 libras para subsidiar a guerra contra os mouros: “Ecclesiam de Faiões ad centum et triginta libras”. Em 24 de Junho de 1333 e em 24 de Junho de 1343 da era cristã, há referência ao abade de faioens (Fajões) e implicitamente à igreja, claro. Num conflito entre o Bispo do Porto e o rei D. Afonso IV, que pedia para o Bispo dentre quatro pares de “homens bons” escolher e confirmar um par deles para juízes da cidade do Porto. “Alfonso Giraldez abbade de faioens” aparece no número de “honrados baroens e sabios” que testemunharam a favor do Bispo que se negou a satisfazer o pedido do monarca, alegando que a cidade e a igreja do Porto eram suas e os seus moradores seus vassalos e por isso pertencia ao Bispo (e só a ele) nomear para o Porto juízes, tabeliões, mordomos… O primeiro censo de população do Reino, realizado em

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1527, regista que vivem à volta da sua igreja, na paróquia / freguesia sessenta e um fogos: “Aldea e fregesia de Fagoes, 61” (vizinhos). Para um possível paralelo, refiro que, naquela mesma data, Fiães tinha 16 vizinhos (fogos); Escariz, 45; Aldea e fregesia de Cezar, 34; Aldea de Carregosa, 79; Mãçores, 52; Aldea de Sam Joam da Madeira cõ sua fregesia, 40; Aldea de Duas Igrejas, 26; Aldea d’oliveira d’Azemes, 74, etc. Com o encerramento do mosteiro de Rio Tinto e construção, no Porto, do mosteiro das freiras de S. Bento, a que se reuniu aquele, além de outros da mesma ordem, o Bispo do Porto, D. Frei Baltazar Limpo, em Abril de 1540, uniu as igrejas de S. Martinho de Fajões e de S. Salvador de Mosteiro ao mosteiro de S. Bento da Ave Maria do Porto (catálogo dos Bispos do Porto de D. Rodrigo da Cunha). Em 1623, a paróquia de “Faiões” tinha duas ermidas: a de S. Pedro (=hoje denominada Capela da Senhora da Ribeira, em Paços) e a de S. Marcos. Tinha de comunhão 337 pessoas e 61 menores. Rendia duzentos e cinquenta mil reis e era uma vigararia. A 22 de Abril de 1669, junto da residência do vigário António de Sousa, perante o tabelião, apareceram os maiores proprietários da freguesia (tradicionalmente conhecidos pelos “40 maiores”) que “por sua devoção e acrescentamento do serviço de Deus e do culto divino” se obrigaram a pagar determinada “renda perpétua” sobre os seus bens para ser constituída, na igreja, a confraria do Santíssimo Sacramento e prover aos seus gastos e ao azeite da lâmpada do sacrário. Em 1672, cumprindo o determinado pelas constituições diocesanas e para acautelar os seus direitos, as freiras de S. Bento delimitaram a freguesia da Fajões, com marcos de pedra, que têm gravada a data de 1672 e o báculo que usava a abadessa do convento de S. Bento da Ave Maria do Porto, patrona e senhora da igreja e paróquia de Fajões. Em 1687, Fajões aparece registada como “S. Martinho de Fajoges”, vigairaria, com 131 fogos, 364 pessoas maiores e 89 menores. Em 1706, é registada ainda sob a forma de “São Martinho de Fajoges, vigairaria annexa ao Mosteiro das Freiras de São Bento do Porto; tem cento e quarenta visinhos, hua ermida de São Pedro (actual capela da Senhora da Ribeira, em Paços) e outra de São Marcos” (Pe. António Carvalho da Costa – Corografia Portugueza). A 3 de Agosto de 1736, o Padre Baltazar Pereira de Pina, servindo como pároco de Fajões, de que é natural, com licença do superior da Ordem do Carmo, constitui, na igreja de Fajões,

a Confraria de Nossas Senhora do Carmo (cuja imagem está à direita do arco da igreja) e fica com poderes para benzer e lançar escapulários aos fiéis, “fazendo-os participantes de todas as grassas, indulgencias e todos os bes espirituaes”. Em 10 de Abril de 1758, respondendo ao inquérito do Marquês de Pombal e endereçado pelo Bispo do Porto, o pároco de Fajões escreve que “a freguezia de Fajoens” está na Província da Beira, “pertence ao Bispado do Porto, comarca da Feira, termo da mesma villa da feira”. Diz que a “Parrochia está junto ao lugar da igreija e tem os lugares seguintes o lugar de Sam Mamede o do Coto e Gagim e o do Telhado, subigreija, Cabo de Aldeia, Torre e o de Passos (por Paços) que sam os oito referidos.” Escreve ainda que “o orago he Sam Martinho, a igreija tem cinco altares: o altar mor e o da senhora do rozario e o do senhor dos afligidos e o de sam gonçallo e o de sam Miguel e tem duas irmandades huma da senhora do rosário e outra das almas no altar de sam Miguel e nam he de naves (a igreja). E continua: “ o Parrocho he vigario de aprezentassan da Madre Abbadessa de Sam Bento do Porto que lhe da vinte e dous mil reis para sua congrua sustentassam”. “Tem esta freguezia quatro Ermidas huma de Sam Marcos e outra da Senhora da Ribeira estas sam da freguezia e as outras duas sam particulares; a da senhora da Lapa que he de Francisco Xavier Dias, do lugar do Coto e outra da senhora das dores que he do Reverendo Padre Baltazar Pereira de Pina do lugar de Passos (por Paços, grafia correcta)e nam acode a ellas romagem somente á de sam Marcos no dia vinte e cinco de Abril vam alguns devotos do santo a ella.” O Visitador Diocesano à freguesia de “S. Martinho de Fajoins”, em 1769, anotou o seguinte: a freguesia tem 197 fogos, 498 pessoas maiores, 106 menores e 65 ausentes. A igreja he bastante com 5 altares, suficientemente ornados, com capela mor e sachristia á proporsão e campanario com 2 sinos. As cazas da rezidencia se andão reformando. Os pasais poderão dar um carro de pam e 6 almudes de vinho e alguma fruta. Renderá ao todo esta Reitoria 100$000 rs” É pároco da freguesia “o Rev.do Reitor Antonio Joze de Moraes e Andrade, in minoribus, formado em Canones. Apresentado pela M.e D. Abbadesa de S. Bento do Porto. Tomou posse desta Reitoria em Out.º de 1768. Ainda nam rezidio”. É o Padre Manuel Moreira, natural de Fajões, formado em Canones, de 52 anos, que serve de cura na freguesia, por estar ainda ausente o reitor.


Obras na Igreja de que há memória Em 7 de Junho de 1570, no mosteiro de S. Bento do Porto, perante o tabelião Rui Couros, a Abadessa do referido mosteiro D. Maria de Melo e freiras professas, duma parte, e da outra parte, Jordão Francisco, vigário da “igreja de Sam Martinho de Fajoens” foi assinado um contrato para reedificar a capela-mor da igreja, que estava em ruínas, estabelecendose as condições e responsabilidades para a sua reconstrução até Setembro daquele ano, conforme impusera o Visitador da Diocese. A reconstrução devia ser feita por oficiais competentes de pedraria e de carpintaria e conforme o comprimento e largura da igreja, armada de boa madeira e seca, telhada e segura. O vigário Jordão Francisco obrigou-se a reedificar a capela-mor, dentro do prazo estabelecido, à custa de todos os seus móveis e de raiz havidos e por haver e das suas rendas. A Abadessa e freiras do mosteiro obrigaram-se a dar, para o efeito, ao vigário de Fajões, até ao dia de S. João Baptista desse ano vinte e cinco mil reis. Há memória de obras não especificadas na igreja, em 1703, para as quais a Confraria do Senhor deu 679 reis. A Reedificação da Igreja. Em 1871, a igreja estava em ruínas, não tolerava uma reparação e era urgente reedificá-la. Em sessão de 8 de Setembro de 1871, a Junta da Paróquia, presidida pelo Padre José Gomes de Pinho, deliberou que fosse orçada a despesa para a construção da igreja por peritos e para isso nomeou “Francisco Luiz Correia Gonçalves da freguesia de S. Roque e Bernardo José Correia da de Carregoza e José da Costa Raia do Calvário e António da Costa Raia ambos da Villa d’Olivr. ª d’Azemes”, e que “se promovesse uma derrama legal em harmonia com as forças dos contribuintes a ella sugeitos” e se pedisse “um subsídio superiormente” em vista da necessidade da obra e pobreza “da parochia”. A planta da igreja, tirada em 1871, por 9000 (nove mil réis), por José Ferreira Santinho, colocou a porta principal voltada para o nascente e o altar-mor para o poente, invertendo assim a orientação da igreja anterior, cujo altar-mor estava voltado para o oriente, como todas as igrejas medievais, obedecendo a directrizes da Igreja Católica, para os fiéis, nas suas orações, estarem voltados para o oriente, Terra Santa

onde nasceu Cristo. Em 17 de Setembro de 1871, foi apresentado o orçamento dos peritos para a reedificação da igreja: “obra de pedreiro, 1.200.000 reis; obra de carpinteiro, 655.270 reis e obra de trolha e telhado, 180.000 reis, totalizando 2.035.270 réis. Por portaria de 7 de Janeiro de 1872, a junta obteve para estas obras um conto de réis do Ministério das Obras Públicas. Como as obras a fazer no interior da igreja, como talha, douramento da tribuna e altares não foram orçamentadas pelos peritos nomeados pela junta, porque não eram mestres nessa arte, o orçamento inicial, por estar incompleto, não foi aprovado superiormente. Então, no dia 21 de Março de 1874, a junta de Paróquia apresentou nova planta da igreja e novo orçamento no valor de 2.700.000 reis à aprovação superior das obras públicas. Em 20 de Junho de 1874, a junta dispõe das seguintes verbas para a reedificação da igreja: 200.000 réis do Ministério das Obras Públicas; 150.000 réis do Cofre das Bulas da Cruzada; 1.000.000 réis (um conto de reis) concedidos em 7/1/1872 pelo Ministério das Obras públicas, totalizando 1.350.000 réis, o que corresponde a metade do custo da obra (2.700.000 réis). Em 22 de Junho de 1874, foi aprovado por acórdão do Conselho do Distrito o orçamento de 2.700.000 réis para as obras da igreja de Fajões, a reedificar. A 28 de Novembro de 1874, a junta lançou sobre o povo de Fajões uma derrama, vindo a obter 1.350.000 réis (a metade que faltava para completar os 2.700.000 réis do orçamento da obra). A reedificação da igreja foi arrematada, em 7 de Março de 1875, por António Oliveira Ferramenta, de Oliveira da Azeméis, pela importância de 2.800.000 réis para corresponder a alterações e algumas obras omissas na planta. Em 2 de Setembro de 1875, Manuel José Vieira, natural de Fajões e negociante e proprietário na cidade de Valença, Brasil, ofereceu para a igreja em construção uma tribuna nova e um altar-mor, pagando 450.000 réis ao entalhador António Oliveira Ferramenta por estas duas obras. O mesmo Manuel Vieira mandou fazer a imagem de S. Manuel, que está do lado direito do altar-mor e o comendador Agostinho José Vieira (seu sogro) ofereceu a imagem de Santo Agostinho, que está no altar colateral esquerdo. Até 1875, a igreja só possuía uma cruz paroquial de

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latão. Em 1975, Joaquim Gomes Ferreira, natural de Fajões e emigrante no Brasil, e Manuel José Vieira ofereceram 90.000 réis para uma cruz paroquial de prata que a junta de Paróquia comprara por 140.000 réis. Posteriormente, o mesmo Manuel Vieira e o comendador José Vieira deram os 50.000 réis que faltavam para completar a verba paga pela cruz de prata (140.000 réis). Em 13 de Maio de 1877, a junta de Paróquia, presidida pelo P.e Augusto S. Pais Moreira, refere, na sua sessão, que estão “quase concluídas as obras de reedificação d’esta Igreja”, tendo já sido feitos dois pagamentos ao empreiteiro, no valor de 2.000.000 réis e que falta dar-lhe por acréscimos e obras não previstas (aumentar cambotas, dar às janelas da frente 1,80m de alto, aumentar 0,44m à porta principal, soalhar a capela-mor, lagear a igreja debaixo do coro, etc.) mais 1.500.000 réis, que a junta conseguiu por empréstimo para cumprir o terceiro pagamento. Daqui resulta que pela reedificação da igreja foi paga ao empreiteiro a quantia de 3.500.000 reis. A 6 de Julho de 1878, a junta declara que teve de suportar uma despesa extraordinária com as seguintes obras não contempladas no contrato com o empreiteiro: vidros para as janelas da igreja e sua colocação, no valor de 58.200 réis; construção do arco do coro, por 62.000 réis; ferragem e porcas para os sinos, 14.100 réis, num total de 134.300 réis. Entre fim de Julho / Agosto de 1878, estava concluída a reedificação da igreja de Fajões. Durante os 3 anos da construção da igreja, foi na capela da Senhora da Lapa, no lugar do Coto, que se realizou o culto divino; aí, o pároco rezou missa e administrou os sacramentos. O telhado ameaça ruir Um ano depois da reedificação da igreja, a armação e o telhado da nova igreja ameaçam ruína. Em sessão de 25 de Julho de 1879, a junta da presidência de Francisco Soares Xavier Dias refere que convidara Bernardo José Correia, pedreiro de Carregosa, José de Sousa e Silva, de Oliveira de Azeméis, e Manuel Gomes Teixeira, da freguesia de Fajões, ambos carpinteiros, “como pessoas competentes” para darem parecer quanto ao modo de segurança da igreja, isto é, da armação, cume e telhado. Por estes peritos foi dito que a

igreja se achava em más condições de segurança, precisando urgentemente de oito traves de ferro para prender a armação, levantar a armação e o cume, para que fique no seu lugar, tendo para isso de se levantar toda a telha, calculando o gasto nestes trabalhos em trezentos mil réis. Em 18 de Maio de 1880, os engenheiros distritais João Honorato da Fonseca Regallo e Adolfo Bethezé Nery de Vasconcelos conjuntamente com o empreiteiro da construção da Igreja, António Oliveira Fonseca, vistoriaram as obras e pelos engenheiros foi dito que as obras relativas à empreitada estavam concluídas mas não em condições de serem recebidas (insegurança do telhado) e por isso declararam que era necessário obrigar o empreiteiro a dá-las em condições devidas ou a rescindir o contrato amigavelmente, “de modo que a junta tome conta d’ellas, fazendo-as por sua administração”. Pelo empreiteiro e pela junta foi dito que rescindiam amigavelmente o contrato. Os engenheiros assinalaram que na obra houve aumentos e diminuições autorizados e que feito o devido cálculo consideravam que os aumentos importavam em mais cinquenta mil réis que as diminuições, quantia esta a que o empreiteiro tinha direito além da empreitada (2.800.000 + 50.000 réis). As partes e os engenheiros reconheceram que para a segurança da igreja se impunha o seguinte: 1.º que era necessário apear o telhado e a armação, estabelecer seis linhas de ferro entre as seis pernas d’asnas do corpo da igreja; 2.º tornar a montar a armação do telhado, substituindo algumas peças que se não achem em condições devidas; 3.º fazer rebocos interiores que se acham em grande parte desempenados e 4.º finalmente outras obras acessórias à segurança devida da igreja. Os engenheiros avaliaram estas obras em trezentos e cinquenta mil réis, e abatendo a esta importância (350.000 rs) a quantia de cinquenta mil réis (50.000 rs), a que o empreiteiro tem direito pelos aumentos autorizados, resta a quantia de trezentos mil réis (300.000 rs) que o empreiteiro deve à junta para ela fazer as obras de segurança do telhado da igreja. A junta deliberou mandar fazer estas obras por sua conta, mas só em 19 de Junho de 1880 é que alcança decisão da Comissão Distrital para os peritos orçarem as obras de segurança da igreja e apresentarem o orçamento. A 18 de Julho de 1880, a junta de Paróquia pede autorização à Comissão Distrital das Obras Públicas para “sem perda de tempo, antes da quadra invernoza” fazer as obras


de segurança da armação e telhado da igreja orçadas pelos “competentes peritos” em 324.420 réis. A 4 de Agosto de 1881, o fiador do empreiteiro da edificação da igreja de Fajões, Bernardo Soares de Pinho e Silva entregou à junta os trezentos mil réis (300.000 rs) que o referido empreiteiro António de Oliveira Ferramenta ficara de dar à junta. Aquando da rescisão do contrato, em 18 de Maio de 1880, e que, até àquela data, não satisfizera por estar insolvente, sendo fama que tivera de vender a casa de habitação para posteriormente restituir ao fiador a quantia que por si entregara à junta de Fajões. Nas obras de segurança do telhado e armação da igreja, realizadas em 1880, só se utilizaram seis traves de ferro das oito compradas (por indicação dos peritos em 25/7/1879) como anotou o presidente da junta de Paróquia, Francisco Soares Xavier Dias, na sessão da autarquia, de 6 de Janeiro de 1884. Por isso, Soares Xavier Dias responsabilizou o expresidente Manuel Francisco da Rocha por essas duas traves de ferro sobrantes, avaliadas em 1.800 réis, e ainda pela falta da quantia de 60.000 réis ou documento deles, vindos do cofre da câmara para aplicar no cemitério e também da quantia de 62.000 réis procedentes do cofre das bulas para paramentos da igreja, avisando aquele ex-presidente de que se não restituísse aquelas importâncias, a junta teria de “recorrer aos meios que a lei lhe faculta”. Em 20 de Janeiro de 1884, a junta de Paróquia, presidida por Francisco Soares Xavier Dias, reconhece que é necessário entulhar o pavimento da igreja e decide aplicar a parte indispensável da prestação de trabalho da freguesia nesse trabalho de “entulhamento do pavimento da igreja”. Encontrando-se, em Fevereiro de 1884, os soalhos da igreja e da sacristia “completamente destruídos em virtude do tortulho que os accommeteu”, a junta deliberou, em 24 de Fevereiro desse ano, pavimentar esses espaços a asfalto, por ser o meio mais barato. Para o efeito contratou o fabricante da fábrica de asfalto das Devezas de Vila Nova de Gaia que se encarregou de pavimentar essa área de 200 metros quadrados, pelo preço de 2.200 réis a braça quadrada, que corresponde a 4,84 metros quadrados, pela importância total de 90.909 réis. A terraplanagem e preparação da superfície (200 metros quadrados) a asfaltar, a condução do material a utilizar ficou à conta da junta, e estimou-se esta despesa em 26.100 réis. O custo total desta obra foi de 117.009 réis e estava concluída antes de 8 de Novembro de 1885,

pois, nesta data, a junta diz, em sessão, que há necessidade urgente de proceder à cobrança de finta para aplicação às obras que se fizeram na igreja e sacristia. Desde 16 de Outubro de 1887 que a junta reclama que é urgente reparar a sacristia da igreja e da capela da senhora da Ribeira “em virtude do seu mau estado” e 27 de Junho de 1890, frisa que havendo necessidade de se fazer com urgência, por estarem em estado de ruína, obras na “sacristia paroquial” e na capela da senhora da Ribeira propunha contrair um empréstimo de 80.000 réis para esses melhoramentos. Em 23 de Novembro de 1890, foram arrematadas as obras de reparação da sacristia da igreja e da capela da senhora da Ribeira, e, a 5 de Fevereiro de 1891, estavam quase concluídas. Em 5 de Fevereiro de 1893, a junta de Paróquia refere que “é de urgente necessidade consertar o telhado da igreja que está em mau estado”. O presidente, Padre Augusto Eduardo Pais Moreira, nomeia para orçarem esta obra de reparação os peritos Manuel José Malheiro, de Cabeçais, freguesia de Fermedo, e Luís José de Oliveira, do lugar de Gagim, Fajões, mestres trolha, os quais orçam a obra em 79.780 réis. Na sessão de 29 de Abril de 1894, o presidente da junta insiste que “achando-se os telhados da Igreja e suas dependencias em muito mao estado” era urgente fazer a reparação “antes do Inverno” e pedir autorização à Câmara para lançar uma derrama para o efeito de 25% sobre as contribuições gerais do Estado. O conserto do telhado foi feito durante esse ano de 1894, estando concluído em mês não especificado, mas antes do Inverno (antes de Dezembro de 1894, certamente). Os estragos duma faísca Em 18 de Maio de 1913, a junta decidiu reparar a torre e parte da igreja, que foram “bastante danificadas por uma faísca eléctrica” que as atingiu. A autarquia decidiu pedir à Comissão Concelhia dos Bens da Igreja para ceder à junta os rendimentos do corrente ano do Passal e da residência da freguesia para, juntamente com uma subscrição, que vai iniciar, poder proceder à reparação. Em 1 de Agosto de 1915, começou a substituir-se a telha antiga da igreja por “telha Marselha”, a pedido de Augusto Pais Ferreira, Ricardo Leite da Silva, Avelino Vaz da Silva e José Leite da Rocha à junta de Paróquia.

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Os sinos da Igreja

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Na sessão de 5 de Dezembro de 1880, o presidente da junta, Francisco Soares Xavier Dias, ao apresentar o orçamento para o ano de 1881, disse que tinha 28.275 réis, provenientes da desamortização dos maninhos, quantia esta que devia ser aplicada “na renovação e augmento (aumento) do sino grande, que se achava quebrado e em estado de nada servir.” Só em 1882 é que o sino grande, que pesava 340,640 kg, foi consertado, tendo a junta pago ao sineiro pela refundição do sino da igreja 90.000 réis e gasto 20.000 réis em transporte e outras despesas necessárias. Em 21 de Janeiro de 1883, a junta refere que “por casualidade” se quebrara o sino grande e como só há mais um (sino pequeno) “que pelo seu tamanho mal pode ser ouvido em toda a freguesia” é de grande necessidade mandar refundir o referido sino grande. A junta pagou ao sineiro pela fundição do sino da igreja 110.000 réis mais 50.000 réis por apresentar mais peso depois de fundido e pela colocação na torre, importando a despesa total em 150.000 réis. A 19 de Agosto de 1919, a junta de Fajões resolveu proceder à reparação da “Egreja Paroquial desta freguesia” (não especifica que espécie de reparação) e à colocação dum sino novo (creio que será o sino pequeno), “entrando o que se encontra quebrado para ajuda do mesmo.” Em 1929, seis fajonenses, emigrantes no Brasil, ofereceram o relógio de horas da torre da igreja (que marca as horas e as bate através dum sino que se ouve em toda a freguesia). Foram eles “Manoel Gomes Soares, João G. Soares, Florêncio G. Soares (estes 4 irmãos Gomes Soares), Abílio M. Pinho, José Leite e José Nadães. No tempo do pároco, Padre Manuel Francisco de Oliveira, natural de Milheirós de Poiares, concelho da Feira, durante o ano de 1942, foi soalhada a igreja e, em 1946, instalouse, do lado direito do templo, um altar dedicado ao sagrado Coração de Jesus, comprado em segunda mão e oferecido pelo industrial fajonense Joaquim Ferreira da Silva e foram “realizados aumentos na sacristia e colocados azulejos na capela-mor e junto dos altares.” Em 1953, durante a paroquialidade do Padre José António Martins de Pinho, realizaram-se as obras e melhoramentos seguintes: forro no corpo da igreja com 35 painéis rasgados e moldurados em mogno e macacaúba; cornija interior;

sanefas de mogno; placas no coro; lambrim de azulejo em metade da igreja e três tirantes de ferro, obras na importância de 48.500$00; de 1957 a 1961, gastaram-se 90.000$00 nos seguintes melhoramentos: arranjo exterior das paredes da igreja; placa de suporte do relógio da torre e escada de ferro de acesso ao mesmo; azulejo no cume da torre sineira; forro da capela-mor; arranjo da sacristia; restauro de várias imagens; instalação sonora no templo; mosaico na entrada da igreja; candelabro artístico de madeira para o centro do templo; guarda-vento; portas novas; calejas novas no exterior; no nicho sobre a porta principal, foi colocada uma imagem de S. Martinho em granito feita por 1.000$00 pelo canteiro Inocêncio Coelho, de César. A igreja foi dotada dum sacrário cofre, um jogo de jarras de prata e toalhas, no valor de 1.200$00, oferta do casal Arlindo Leite da Silva e Dr.ª Leonilda Aurora da Silva Matos. Na tribuna do altar-mor foi colocado um painel de S. Martinho, de 3,35 x 2 metros, oferta no valor de 3.200$00 feita por Manuel Gomes da Silva (Leira), emigrante no Brasil e procedeu-se ao arranjo e beneficiação total do baptistério com painel de S. João a baptizar Cristo, pia artística de mármore, azulejo mosaico e portão, a expensas da família Soares. Em 1993, o industrial José da Rocha Gama e Sousa e o cunhado, António Mota de Pinho, natural de Fajões e emigrante no Brasil, ofereceram os azulejos da fábrica Aleluia que revestem a frontaria da igreja e da torre sineira de Fajões.

Igreja de Fajões.


Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco Azevedo Brandão * CARNEIRO, António ( 1900-1968). Nasceu em Vila da Feira em 04 de 1900. Exerceu o cargo durante largos anos de escrivão do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca da Feira. Novo ainda incorporouse voluntariamente na Marinha de Guerra Portuguesa, tendo sido cabo artilheiro e combatente na 1.ª Grande Guerra. Republicano e democrata convicto fez parte do Batalhão que se dirigiu para as margens do rio Vouga onde combateu as hostes monárquicas de Paiva Couceiro. Fez parte também da escolta da marinha que acompanhou o presidente da República Portuguesa, Dr. José de Almeida ao Brasil. Era casado com D. Palmira dos Santos Carneiro, da qual teve três filhos: M. Emília, que casou com o Dr. Manuel Hargreaves, médico no Porto, António Luís e Manuel José Carneiro. Faleceu em 20 de Agosto de 1968. Bibliografia «Correio da Feira», 24.8.1968 CARNEIRO, António Luís dos Santos ( 1930-2004). Nasceu na Vila da Feira em 24 de Janeiro de 1930. Era

filho de António Carneiro Júnior, antigo escrivão de Direito da comarca da Feira, e de Dª Palmira dos Santos Carneiro. Nos princípios da década de 50, embarcou para Angola, tendo-se radicado em Novo Redondo, onde trabalhou no Rádio Clube, no Cine-clube e na organização de exposições filatélicas. Ali casou com Dª Teresa Leitão dos Santos, regressando a Portugal em 1975. Em Santa Maria da Feira, além de ter pertencido à Liga dos Amigos da Feira e da Comissão de Vigilãncia do Castelo, António Carneiro chegou a ser candidato à Assembleia de Freguesia da Vila da Feira, nas eleições autárquicas de 1976. “De espírito activo sempre se dedicou às coisas da Arte, com especial incidência sobre o coleccionismo filatélico e de temática santamariana e angolana”. Faleceu em 30 de Janeiro de 2004. CARNEIRO, José dos Santos (1892-1934). Natural da Vila da Feira, era licenciado em Direito. Participou na 2.ª Grande Guerra como tenente, tendo sido condecorado com a Cruz de Guerra. Tomou parte na revolução do 28 de Maio e por isso «acérrimo defensor da actual situação» (Estado Novo, de Oliveira Salazar). Foi director adjunto da Polícia de Investigação Criminal do Porto, conservador do Registo Civil da Vila da Feira e comandante do Bombeiros Voluntário da Feira. «Era um bairrista inexcedível», tendo arranjado subsídios para

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.

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a construção do quartel dos bombeiros. Faleceu a 22 de Abril de 1934, com 42 anos de idade. Bibliografia Jornal «Tradição», 3.5.1934 CARNEIRO, Manuel ( ? - ?). Era pároco de Fiães em 1723. Nesta data assinou os Estatutos da Irmandade do Santo Nome de Jesus e como sacerdote fianense assinou, em 1750, os Estatutos da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940

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CARVALHO, Alcides Branco de (1927 - 1992). Nasceu na Vila da Feira em 1 de Março de 1927. Foi um importante industrial do Concelho e desempenhou vários cargos associativos: presidente dos Bombeiros Voluntários da Feira e do Clube Desportivo Feirense e membro das Associações Industriais Portuguesas. Foi presidente da Câmara Municipal da Feira de 1971 até 25 de Abril de 1974, onde «deixou uma obra valiosa de serviços à comunidade feirense, que será continuada pelos seus sucessores, com o mesmo afinco, com a mesma vontade, com o mesmo brilho e com a mesma seriedade, honrando assim, a memória do seu varão». Era casado com D. Maria Valente Branco de quem teve três filhos: Alcides Alves Branco, D. Dulce Valente Branco Alves e Dr.ª Branca Valente Branco. Faleceu em 9 de Janeiro de 1992 num acidente de automóvel, na A1, perto de Santarém, conduzido pelo seu funcionário Vítor Manuel R. da Silva, que também ali perdeu a vida. A Câmara Municipal, presidida por Alfredo Henriques publicou um comunicado, no qual dizia: «Interpretando o sentir da comunidade feirense, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira lamenta a perda de uma das suas figuras mais dinâmicas e ilustres.

serração se situava no lugar da Praça, junto ao cruzeiro. Em 1917 os barracões da serração foram demolidos no mandato do presidente da Junta, Joaquim Macedo, deixando António Carvalho a sua actividade de madeireiro por motivos de saúde, aos 36 anos de idade. Mas António Joaquim Carvalho dedicava-se a outra actividade: a música. Recebeu ensino musical, em 1898, de Joaquim Alves da Rocha e de Joaquim Macedo. Pertenceu à Tuna Velha de Paços de Brandão juntamente com seus tios Joaquim Rosas e Manuel Rosas e seu primo José Maria Rosas. Atacado por uma doença óssea, teve de abandonar o violão e o violoncelo de que era mestre e dedicou-se à flauta e à composição de poemas para as marchas de João Alves Tavares, amizade que durou até 1936, com o fim da Tuna Velha. António Joaquim Carvalho compunha para a Tuna Velha e o António dos Jerónimos para a Tuna Nova. Foram dois poetas populares rivais que através das suas letras compostas nas décadas de 10 e 20, deram as melhores marchas daquela época. Em 1938 António Joaquim publica o livro de poemas denominado «O Livro do António», dedicado ao seu amigo Carlos Vieira Pinto. «O nosso poeta dedicaria os últimos anos da sua vida à recolha e composição dos seus poemas e pensamentos, que para um poeta sem grandes conhecimentos, possuía um raro talento e uma veia filosófica». Bibliografia António Joaquim Carvalho, O Livro do António. Edição do autor. Casa Nun’Álvres, 1938, Porto Eduardo Rocha, Recordar É Viver – António Joaquim Carvalho (de Marinheira). «Notícias de Paços de Brandão», 30.10.2005 CARVALHO, Bernardo de Azevedo de ( ? - ‘?). Aires da Amorim em Achegas para a história local» dá o padre Bernardo de Carvalho como sendo natural de Rio Meão.

Bibliografia «Correio da Feira», 17- 01 - 1992

Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001

CARVALHO, António Joaquim (1881 - 1941). Nasceu no lugar da Sobreira, em Paços de Brandão, concelho da Feira em 1881. Foi negociante de madeiras, cuja

CARVALHO, Domitilla Hormizinda Miranda de (18711966). Nasceu em Travanca da Feira, no lugar do Outeiro a 10


de Abril de 1871. Era filha de Manuel Rodrigues de Carvalho e de D. Margarida Rita Miranda de Carvalho. Fez estudos secundários nos liceus de Castelo Branco, Bragança e Leiria, terminando o curso em 1891. Nesta data, matriculou-se nas Faculdades de Matemática e Filosofia, cujos cursos concluiu em 1894 e 1895 respectivamente. Formou-se ainda em Medicina em 1904, obtendo o 1º. Prémio. Em 1906 foi nomeada Directora do Liceu D. Maia Pia, para o sexo feminino e, mais tarde, foi professora do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. Fez parte de várias comissões de ensino nomeada pelo Ministério da Instrução Pública e depois da Educação Nacional. Foi vogal do Conselho Superior de Instrução Pública e recebeu o grau de comendadora da Ordem da Instrução Pública (DG, 11.4.1931). Na vida política, foi deputada à Assembleia Nacional nas legislaturas de 1934 e 1938. Na primeira legislatura, que se iniciou em 1935, na lista da União Nacional constavam três mulheres. Domitilla de Carvalho, Maria Baptista Guardiola e Maria Cândida Parreira, tendo obtido Domitilla de Carvalho o maior número de votos entre as candidatas femininas. Como deputada vem mencionada no «Dicionário Biográfico Parlamentar, 1935-1970, Vol I, (A – L), da direcção de Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto, com verbete assinado por Maria Reynolds de Sousa e que diz o seguinte: «Deputada à Assembleia Nacional na I e II Legislaturas (19351938; 1938-1942), logo a 21 de Fevereiro de 1935 envia para a mesa «um projecto de lei sobre a introdução do ensino de higiene e puericultura nos liceus femininos do País, e em geral, nas escolas secundárias, onde essa disciplina possa ser ensinada» (DS, n.º 17, 22.2.1935, p. 342). Justifica-o com esta simples informação: «o índice de mortalidade infantil relativa aos anos de 1930 a 1934 leva-nos à conclusão de que no Continente do País morre uma criança até aos cinco anos de doze em doze minutos», o que atribui à ignorância das mães, pelo que se impõe «o dever de preparar as futuras mães, de forma a habilitá-las a bem saberem criar os seus filhos». E acrescenta, judiciosamente, que «não envolve aumento de despesa». Esta sua primeira intervenção foi também mais notável, objectiva e cientificamente fundamentada: Daí em diante as suas intervenções são mais vagas, poéticas e politicamente orientadas. Apresentou os seguintes projectos de lei: introdução do ensino de higiene e puericultura nos liceus femininos e nas escolas secundárias, na I Legislatura (DS, n.º 17, 21.2.1935) e, na II, sobre a assistência de menores a espectáculos teatrais e de cinema conjuntamente

com o deputado José Cabral, sendo a sua primeira signatária (DS, n.º 10, 15.2.1938). O projecto foi convertido em lei, mas anos depois ainda clamava pela sua regulamentação. Na I Legislatura interveio ainda assinando, com outros deputados médicos, uma moção pedindo ao Governo que tomasse providências para assegurar às gerações académicas a preparação necessárias para garantir colaboradores ao Estado Novo (DS, n.º 38, 30.3.1935); secundando o projecto de lei sobre a construção duma estátua memória de Sidónio Pais (DS, n.º 41, 4.4.1935); apoiando comovidamente a ratificação do Decreto n.º 26 154 – campanha de auxílio aos pobres no Inverno (DS, n.º 63, 14.1.1936); discutindo a proposta de lei n.º 83 – reforma do Ministério da Instrução (DS, n.º 76, 12.2.1936) e subscrevendo, nesse âmbito, com outros deputados, uma proposta de adopção do livro único (DS, n. 77, 12.2.1936); aplaudindo a criação das Casas dos Pescadores (DS, n.º 107, 21.1.1937); assinando, com as outras duas deputadas, uma proposta de substituição do art. 16.º do regime jurídico do contrato de prestação de serviços (DS, n.º 113, 30.1.1937) que estabelecia a dispensa de trabalho, por um período de 30 dias, põe ocasião do parto, às empregadas ou assalariadas; estas, se houvessem prestado mais de um ano de bom e efectivo serviço, teriam direito a um subsídio, pelo menos, a um terço do ordenado, salvo, entre outras condições, dele não carecerem ou não serem «dignas»; apoiando, com a sua piedade condoída dos presos, a proposta de lei relativa à construção dos Palácios de Justiça de Lisboa e Porto e de outros edifícios do Ministério da Justiça (DS, n.º 191, 28.1.1938). Durante a II Legislatura, além do projecto de lei que apresentou e discutiu na 1.ª sessão, sobre a proibição de entrada de menores nas casas de espectáculos teatrais e de cinema (DS, n.º 16-17, 13.4.1939, pp.102 105 e 119) em que se escuda na sua experiência de médica e professora, interveio na 3.ª sessão acerca da habilitação para o exercício do magistério oficial primário (DS, n.º96, 25.1.1941, pp. 154-155) apoiando as disposições relativas ao recrutamento de professores com determinas qualificações; e, louvando a acção exercida pelo ministro da Educação Nacional (DS, n.º 105, 26.11-1941, pp. 4-8), que resolveu «rápida, simples, humanamente e até caridosamente» diversos problemas relativos ao ensino primário, aos exames de aptidão ao ensino secundário, ao quantitativo das propinas no ensino superior». Escreveu três livros de Poesia: «Versos», F. França Amado, 1909; «Terra de Amores», Coimbra Editora, 1924; «Para o Alto», 1956. Escreveu ainda para «A Voz», «Jornal do Médico»

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e colaborou nas revistas literárias: «Ala Moderna», «Alma Feminina», «A Alvorada», «Beira-Mar», «A Caridade», «A Pátria», «Revista Amarela», «Revista Feminina», «Sociedade Futura», «O Soneto Neo-Latino» e «Terras de Portugal». Vem mencionada na «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», com a nota de que foi a primeira mulher que frequentou a Universidade de Coimbra. Deixou ainda numerosos artigos em jornais e outras publicações. Faleceu, solteira, a 11 de Novembro de 1966, com 95 anos de idade. Bibliografia Celestino Portela, Domitilla de Carvalho. Revista Villa da Feira, Terra de Santa Maria, ano II, nº 5, Outubro 2003; «Correio da Feira», 26.11.1966, Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto, Dicionário Biográfico Parlamentar, 1935-1974, Vol. I (A – L). Edição do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Assembleia da República, 2004 96

CARVALHO, Fernando Augusto de Miranda Martins (1872-1947). Nasceu em Lamego a 1 de Fevereiro de 1872. Era filho de Francisco Augusto Martins de Carvalho e de D. Guilhermina Pinto Martins de Carvalho. Seu avô paterno, Joaquim Martins de Carvalho, foi célebre jornalista, fundador e director de O Conimbricense. Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1886-1887, com prévia autorização, por apenas ter 14 anos de idade, concluindo a sua formatura. Colaborou nos periódicos A Oficina e Alarme, de Coimbra e em A Voz Pública e A Portuguesa, do Porto, em O Instituto e em a Enciclopédia Social, dirigida por Delfim Gomes. Em 1891 é co-fundador da Revista de Coimbra. Nesse tempo assumia-se como «um apóstolo» das propostas sociologistas, atraído pela aplicação ao estudo do direito das teses das ciências antropológicas e pelo neopositivismo. Foi um acérrimo crítico do ensino jurídico do seu tempo, mas tal facto não impediu que a Universidade de Coimbra lhe conferisse o título de doutor Honoris Causa em Direito a 8.5.1942. Exerceu a advocacia em Lisboa por influência de seu avô, Joaquim Martins de Carvalho. Adere em 1901 ao Partido Regenerador, afastando-se do Partido Republicano. Mais tarde adere ao Partido Regenerador Liberal de João Franco. Dentro das hostes franquistas, ascendeu aos Conselhos da Coroa na qualidade de ministro da Fazenda, funções que exerce de

2.5.1907 a 4.2.1908. Aquando dos trágicos acontecimentos que tiraram a vida ao rei D. Carlos e ao Príncipe D. Filipe, D. Manuel no seu Diário do Regicídio assinala a sua indignação pelo comportamento de Fernando Martins, por este ter estado ausente, na altura, do Arsenal. Curiosamente anos mais tarde Fernando Martins foi seu advogado no exílio e encarregado da redacção de testamento que substituiu o que fora ditado por D. Manuel em 1915. Quando se implantou a República, retirou-se para o Brasil, depois foi para a Bélgica e regressou a Portugal em 1915, dedicando-se à advocacia em Lisboa. Aqui funda com António Tavares de Carvalho a Gazeta dos Tribunais e do Notariado e assume pouco depois a presidência do Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 30.12.1929. Em 1935 assume a direcção de O Direito, por morte de António Baptista de Sousa (visconde de Carnaxide). Foi membro titular fundador da restaurada Academia Portuguesa de História. Foi deputado pelos círculos da Feira, Castelo Branco, Viana do Castelo e Arganil. Como deputado pelo Círculo da Feira, foi ele que, juntamente com Abel Andrade apresentou, na sessão de 24 de Abril de 1901 o projecto de lei para eliminar o concelho de Espinho, que um ano antes tinha sido desanexado do da Feira. Como deputado, vem mencionado no Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, Vol.I (A-C), coordenado por Maria Filomena Mónica, com entrada assinada por Luís Bigotte Chorão, nos seguintes termos: «Deputado na legislatura desse ano (1901 e nos de 1905, 1906 e 1908, representando sucessivamente os círculos da Feira, Castelo Branco, Viana do Castelo e Arganil, não tardou a chamar a atenção da Câmara com discursos memoráveis. Na legislatura de 1901, apreciou o chamado bill de indemnidade e a reforma do notariado, publicada em ditadura pelo conselheiro Campos Henriques, da qual Martins de Carvalho fora o principal colaborador. E, com igual repercussão, o fizera já antes, ao discutir-se o projecto de lei do mesmo ministro, apresentado ao Parlamento, sobre as sociedades por quotas, donde resultou a Lei de 11 de Agosto de idêntico ano. Na de 1906-1907, interveio na ruidosa questão política, levantada a pretexto da nacionalidade do ministro da Fazenda Conselheiro Ernesto Driesel Schroeter, de origem austíaca, bem como na discussão do projecto de reforma da Contabilidade Pública, que provocou a Lei de 20 de Março desse ano. Depois no projecto de supressão da chamada garantia administrativa, no projecto de lei de responsabilidade ministerial, no projecto


de lei de reforma da legislação da liberdade de imprensa, na discussão do Orçamento, de que fora relator e no propósito dos sanatórios da Madeira. Participou ainda nos trabalhos da legislatura 1907-1908, os quais interromperia para passar ao exercício de funções ministeriais. Nessa legislatura interviria a respeito da reforma da contabilidade de 1907 e sobre a questão dos adiantamentos à Casa Real. Justifica ainda referência o papel desempenhado por F.M.C. na organização da Fundação da Casa de Bragança, tarefa que cumpriu com o acordo dos herdeiros de D. Manuel e o patrocínio do então presidente do Conselho António de Oliveira Salazar». Bibliografia «Correio da Feira», 1900-1901; Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, Vol. I, (A-C). Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Assembleia da República, 2004 CARVALHO, Joaquim Dias de (1927-2003). Nasceu em Paços de Brandão a 12 de Julho de 1927. Era filho de Joaquim Almeida Carvalho Júnior e de D. Umbelina Dias Pinto Leite. Em 30 de Maio de 1963, casou, no Mosteiro de Grijó, com D. Maria Joana de Moura Ferreira Alves, de que teve dois filhos: Joaquim Ferreira Alves de Carvalho e Maria Joana Ferreira Alves de Carvalho. Especializou-se nos EUA, tomando conhecimento das últimas tecnologias relativas à fabricação de abrasivos (esmeril) e ferramentas diamantadas – nas décadas de 50, 60 e 70. Aí frequentou estágios em vária empresas, ao mesmo tempo que acompanhava as evoluções deste tipo de fabrico, visitando e estagiando em diversos países europeus. Foi o responsável pela grandeza e importância que a firma Dragão Abrasivos, em Paços de Brandão, alcançou, tendo o auge da empresa sido atingido durante a sua actividade de Sócio Gerente-Administrador, da respectiva empresa. Tanto Joaquim Carvalho como sua esposa Joaninha apoiaram, a título particular, financeiramente e não só, todas as instituições, obras e melhoramentos que foram feitos em Paços de Brandão. Deve-se a Joaquim Carvalho a preservação e restauro das pinturas, datadas do século XVIII, na Igreja Matriz de Paços de Brandão, que estavam na eminência de serem destruídas aquando das últimas obras de ampliação da igreja.. Também é o autor do aproveitamento da casa e suas ampliações, mantendo a traça arquitectónica do edifício que na época aí se encontrava, transformando esse espaço na sede da Junta de Freguesia de Paços de Brandão.

Foi presidente da Junta de Freguesia de Paços de Brandão entre 1976 e 1982, data em que foi eleito presidente da Câmara Municipal da Feira. Durante o seu mandato como presidente da Junta de Paços de Brandão foram implantadas diversas estruturas sociais, urbanísticas e culturais que muito contribuíram para o progresso daquela freguesia: aquisição do terreno para a construção da escola CS; criação do ensino pré-primário; aquisição da Quinta do Engenho Novo pela Câmara Municipal da Feira; asfaltamento e pavimentação de inúmeras ruas da freguesia; arranjo urbanístico do largo fronteiro da Junta; ampliação do cemitério; remodelação total da sede da Junta de Freguesia; aquisição de uma ambulância em 1979; início do abastecimento de água e rede de saneamento e iluminação pública em vários lugares da freguesia; e urbanizações diversas com o seu apoio. Bibliografia Paços de Brandão entre 1976-1993 – Factos e Realidades. Edição da Junta de Freguesia de Paços de Brandão, 1993; Informação dada por seu filho Joaquim Ferreira Alves de Carvalho. CARVALHO, José Caetano da Silva ( ?- ?). Vivia em 1767, segundo Provisão de Comissário do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «prior da igreja de S. Miguel de Marmeleiro, Mortágua; natural da freg. de Arrifana de St.ª Maria, Feira; filho de Marcos Francisco, natural da Laje, freg. de S. Salvador de Fornos, Feira, e de Maria da Silva Carvalho, natural da freg. de Salvador de Bente, termo de Barcelos, moradores em Arrifana de St.ª Maria, neto paterno de Francisco Fernandes e de Cecília Gonçalves, naturais e moradores em Laje, e materno de Manuel Lopes, natural da freg. de St.ª Maria de Ribeirão, termo de Barcelos, e de Catarina Carvalho, natural de Salvador de Bente, e aí moradores; irmão do Pe. António da Feira, Qualificador do St.º Ofício, natural de Arrifana de St.ª Maria.» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveio nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 138 (Abril, Maio e Junho), 1969

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CARVALHO, José Pereira Alves (1870-1941). Era natural de Paços de Brandão. Foi durante dezenas de anos secretário da Junta de Freguesia de Paços de Brandão e exerceu o cargo de ajudante do Registo Civil de 1932 a 1935. Era casado com D. Maria Alves Marques Carvalho, de quem teve os seguintes filhos: José Vasco, Manuel, Justina, Eugénia e Maria Mónica. Faleceu em 3 de Abril de 1941, com 71 anos de idade. Bibliografia Jornal «Tradição», 12.4.1941

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CARVALHO, José de Sá ( ? - ? ). Vivia em 1751, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «homem de negócio; natural de Aldeia, freg. de S. Cipriano de Paços de Brandão, Feira, e morador na rua da Candelária da cidade do Rio de Janeiro; filho de João de Sá, natural de Aldeia, e de Maria Carvalho, natural do Fial, freg. de S. Paio de Oleiros, Feira, moradores em Aldeia; neto paterno de Manuel de Sá e de Maria de Crasto, naturais e moradores em Paços de Brandão, e materno de João Alves, natural de Fial, freg. de S. Martinho de Mozelos, Feira, e de Maria Carvalho, natural de S. Paio de Oleiros, e aí moradores; ajustado para casar, em 1752, com Teresa Violante, filha natural do Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, natural e morador na rua do Loureiro, freg. da Sé do Porto, e de Helena Caetano de Melo, natural da Vila da Feira, freg. de S. Nicolau, moradora em Lisboa na rua dos Escudeiros; neta paterna do capitão João Gonçalves Pena, natural da freg. de St.ª Marinha de Ribeira de Pena, e de Luísa de Mesquita Pinta, natural da freg. de S. João de Rios, e materna Francisco Soares da Cunha, boticário, e de Antónia Maria da Silva, naturais da vila da Feira; novamente ajustado para casar, em 1769, com D. Rosa Angélica de Jesus e Sá, natural do Porto, freg. de S. Nicolau, filha de Manuel da Costa Passos, homem de negócio, natural de S. Paio de Oleiros, e de Maria de Jesus, natural do Padrão das Almas, freg. de St.º Ildefonso, extra-muros da cidade do Porto, e aí moradores na rua das Flores, neta paterna de Manuel da Costa e de Catarina Antónia, naturais e moradores em S. Paio de Oleiros, e materna de Manuel de Sousa, natural da Póvoa, freg. de St.º Ildefonso, e de Maria de Barros, natural de Viana, moradores no Padrão das Almas, irmã de Manuel da Costa Passos; Familiar do St.º Ofício.

Carta de Familiar de 16 de Dezembro de 1751. A.N.T.T. – José – M.65, n.º996» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.143 (Julho, Agosto e Setembro), 1970 CARVALHO, Manuel Álvares de ( ? - ?). Vivia em 1743 conforme Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «homem de negócio; natural da freg. de S. Paio de Oleiros, Feira, e morador ao Arco de Inácio Álvares, freg. de Nª. Srª. da Conceição da cidade da Baía; filho de João Álvares, lavrador, natural da freg. de Stª. Maria de Fiães, Feira, e de Maria Carvalha, natural de Fial, Oleiros, Feira, neto paterno de Manuel Álvares, lavrador, natural da freg. de Santiago de Lourosa, Feira e de Maria Fernandes, a «Cerdadeira», natural de Fiães, e materna de António Carvalho, lavrador, natural da freg. de S. Martinho de Mozelos, Feira, e de Maria Domingas, natural da freg. de S. Martinho de Anta, Espinho; ajustado para casar, em 1748, com Maria da Assunção, natural da freg. de Nª. Srª. Do Rosário da Cachoeira, Baía, filha do capitão Bartolomeu da Costa, Familiar do Stº. Ofício, natural de Meiais, termo de Barcelos, e de Antónia de Almeida, natural de Stº. António de Tibiri, Cachoeira, neta paterna de Francisco Pires e de Ana Afonso, naturais de Meiais, e materna de Francisco de Magalhães, natural de Cabeceiras de Basto e de Giralda Correia, natural de Sucebará. Carta de Familiar de 26 de Setembro de 1743. Manuel – m. 125; nº. 2226» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», nº153 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1973 CARVALHO, Manuel de ( ? - 1758) Foi nomeado pároco da Freguesia de Guisande em 1710. Fundou a Confraria de N. S. do Rosário em 1734, com todas as licenças dos Dominicanos e autorizações necessárias, cujos Estatutos foram aprovados em 2 de Setembro de 1734 e modificados em Janeiro de 1794. «O segundo livro do registo paroquial foi rubricado por este zeloso pároco, em virtude da comissão que lhe deu o Provisor, em 24 de Novembro de


1733». Por motivo de doença, resignou em 1752 em favor do seu sucessor Padre Dr. Manuel Rodrigues da Silva. O padre Manuel de Carvalho faleceu a 4 de Fevereiro de 1758 e esteve sepultado na capela-mor da igreja de Guisande e as suas ossadas foram removidas para o cemitério, por ocasião do bicentenário da erecção da confraria, em Dezembro de 1933. Biblografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de freguesia de Guisande, 1999 CARVALHO, Maria Joana de Moura Ferreira Alves de (1925-1997). Nasceu no Porto, no palacete de sua avó Joana Gomes Ferreira Alves, na rua da Rainha, (actual rua Antero de Quental), a 29 de Novembro de 1925. Era filha de Luís Gomes Ferreira Alves e de D. Idalina Alice de Jesus Fernandes Pinto de Carvalho Melo d’Almeida Caetano de Moura Ferreira Alves. Foi baptizada em Paços de Brandão na casa Ferreira Alves da rua da Aldeia. Em 1929, mudou definitivamente para Paços de Brandão, na companhia de seu pai, mãe e avó paterna. Durante vários anos fez, com o maestro Fausto Neves, em Espinho, missas cantadas e muitas das obras do referido maestro foram-lhe dedicadas. Organizou e participou em diversos saraus de arte, a favor da Misericórdia de Espinho para a construção de um novo hospital. Ao saber que os pescadores de Espinho vinham ouvi-la cantar missa do lado de fora da Igreja Matriz de Espinho, tomou a iniciativa de cantar missa também na Capela dos Pescadores. Formou equipas e organizou torneios de andebol em Espinho. Tirou o curso de Ginástica Rítmica em Lisboa. Tinha formação erudita no canto e a sua voz era classificada como «Soprano Ligeiro Absoluto». Em 1948 foi eleita Miss Espinho e em 1949, eleita Miss Atlântico – eleição filmada pela «Tobis Portuguesa de Cinema». Foi ela com seu pai que fundaram, em 1948, o grupo coral que, mais tarde, em 1955, foi completado com danças, passando a chamar-se «Como se Canta e Dança em Paços de Brandão». O objectivo deste grupo foi conservar e ao mesmo tempo manter vivas as antigas canções e danças tradicionais de Paços de Brandão. Para isso, Maria Joana Ferreira Alves, mais conhecida por Joaninha, fez a sua recolha, gravou-as, ficando a constituir o maior acervo de costumes e tradições de Paços de Brandão, pois o número de canções recolhidas ultrapassava o dobro das

que o Grupo Folclórico apresentava em público. O rico acervo passava por formas de vestir e sua razões, hábitos alimentares, mentalidades, pquenos pormenores na maneira de dançar e cantar. Em 1950 participou no Festival Mundial de Coros, em Llangollen, País de Gales, Grã-Bretanha e foi tão apreciado que foi o único coral a reentrar no palco, por insistência do público, apesar de contrariar as normas do festival. Em Londres gravou e actuou ao vivo na BBC e BBC Internacional para todo o mundo. Desta transmissão resultou um pedido ao Grupo, pela Rádio Nacional de Moscovo, para que autorizasse que as suas canções fossem difundidas pela dita rádio para toda a União Soviética. Em 1955, o grupo passou, com se disse, a incluir danças e foi tal o êxito das suas apresentações que passou a ser convidado para Festivais Internacionais a representar Portugal. Assim participou nos seguintes festivais: Festival na Dinamarca (1960); Festhalle Freiburgg/Breisgan, na Alemanha (1961); Festival Internacional de Folclore da cidade de Borsles-Orgues, França (1973); Festival Internacional de Folclore, na cidade de Confolens, França (1975), em que o Grupo e o da União Soviética foram considerados os melhores do festival; Festival Internacional de Folclore de Bayonne, França (1976); Festival Internacional de Folclore de Jaca, Pirenéus espanhóis (1977); Festival de Folclore, no Luxemburgo, com uma exibição e gravação na RTL (1978); Festival Internacional de Angoulême, França (1980); Rencontres Internationales des Chœurs, em Montreux, na Suíça, onde foi seleccionada para fazer um programa de televisão na TV Suisse Romande (1984); Festival de Folclore em Castellon, Espanha; Festival de Folclore de Monterroso, Espanha (1990); Festa da Rua, encenada por Filipe La Feria para a Europália 91 Portugal, que decorreu na Bélgica, com actuações em Bruxelas, Namur, Gand e Antuérpia (1991); Dia de Portugal na Expo/92, em Sevilha, Espanha 1992); Festival Internacional de Folclore da cidade de Ambert, França (1994); Participação no 40.ª aniversário do Grupo Folclórico da Casa da Vila da Feira, no Rio de Janeiro, Brasil, onde actuou também na Casa das Beiras, Casa do Minho, Casa de Arouca, Universidade do Rio de Janeiro para os Departamentos Etnográficos e foi filmado para o Museu do Arquivo de Som e Imagem do Estado do Rio de Janeiro. (2002). Na década de 6º tinha gravado dois discos com orquestra de J. Calvário, com músicas originais dele, não permitindo que as capas dos discos tivessem a sua foto e usou o pseudónimo de «Marianinha do Cruzeiro». Em 1980 deu início aos Festivais Internacionais de Folclore de Paços de Brandão que tem contado com a participação de

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diferentes países ao longo dos anos: México, Itália, Índia, Argentina, Ucrânia, Polónia, Checoslováquia, República Checa, Jugoslávia, França, Espanha, Lituânia, Hungria, Bielorrússia, Roménia, Alemanha, etc. O êxito destas actuações se deveu a Maria Joana Ferreira Alves (a Joaninha) que se dedicou «de alma e coração» a este projecto que tem dignificado não só Paços de Brandão, mas também o concelho da Feira e Portugal. Em Paços de Brandão participou e organizou diversas «consoadas», assim como organizou e pôs em cena diversas peças de teatro musicais), onde foi autora dos textos, músicas e respectivas letras. Idealizou e construiu também grande parte dos cenários. Estes musicais apresentaram-se também em outras localidades, como teatros do Porto, Aveiro, Coimbra, Águeda, etc. D. Maria Joana Ferreira Alves casou, a 30 de Maio de 1963, no Mosteiro de Grijó, com Joaquim Dias de Carvalho, e teve dois filhos: Joaquim Ferreira Alves de Carvalho e Maria Joana Ferreira Alves de Carvalho. D. Maria Joana de Moura Ferreira Alves de Carvalho faleceu em 20 de Novembro de 1997. Bibliografia Colectividades de Paços de Brandão. Trabalho da Assembleia de Freguesia de Paços de Brandão, presidida por Américo Pais Loureiro. Informação de seu filho Joaquim Ferreira Alves de Carvalho CARVALHO, Nuno ( ? - ?). Era pároco de Nogueira da Regedoura e cura de S. Nicolau da Feira, em 1555. O conde da Feira, D. Diogo Forjaz Pereira pediu ao padre Nuno Carvalho que renunciasse à sua igreja de Nogueira da Regedoura, em favor da congregação de S. João Evangelista, para se anexa e in perpetuum ao novo mosteiro, que já estava de posse das igrejas de S. Nicolau da Feira e a de S. Mamede de Travanca. O padre Nuno Carvalho renunciou e depôs nas mãos do Papa Pio IV (1559-1565), unindo esta igreja às outras in perpetuum a 14.6.1560. A 4 de Fevereiro de 1561, o Padre Gonçalo da Cruz, reitor do convento do Porto tomou posse da dita igreja e entregou as chaves da mesma ao cura Diogo Geraldo. Bibliografia Padre Jorge de S. Paulo, O Convento da Feira. Revista

«Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 63 (Julho Agosto e Setembro), 1950 CARVALHO, Rui de ( ? - ?). Era pároco de Nogueira da Regedoura, em 1543, pois a 22 de Setembro desse ano fez-se, a seu pedido, o tombo das propriedades pertencentes à igreja. Bibliografia David Simões Rodrigues, Triângulo Litigioso – Os Lóios da Feira, Nogueira da Regedoura e Malta-Rio Meão. Revista Villa da Feira, n.º 13, 2006 CASTRO, António de ( ? -?) Foi pároco colado da freguesia de Guisande em 6 de Junho de 1600. Este pároco foi colado pelo bispo D. Jerónimo de Menezes que aprovou os Estatutos capitulares de 1596. Neles se exige a pureza de sangue para os benefícios da Sé, isto é, que não fossem apresentados indivíduos com raça de mouro, herege ou cristão - novo.

Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999. CASTRO, António Ferreira de (1899 - ?). Nasceu no lugar de Cimo de Vila, em Duas Igrejas, Romariz em 17 de Novembro de 1899. Era filho de José Ferreira de Castro e de Ana de Oliveira. Recebeu a Ordem de presbítero em 26 de Julho de 1925 e cantou a sua primeira missa em Duas Igrejas a 9 de Agosto desse ano. Foi professor do Preparatório e Prefeito do Seminário até 1934, e foi ainda capelão de Duas Igrejas e de Telões. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Breve Monografia de Duas Igrejas do termo da Feira, Casa Nun’Álvares, Porto, 1936.


Domitilla de Carvalho (1871-1966) – percursora na educação e na política Margarida Carvalho* Introdução O nome de Domitilla de Carvalho ficou para a História colectiva inevitavelmente ligado ao grupo das três primeiras deputadas do Estado Novo. A surpresa e inovação que este facto causou, aplaudido principalmente pelas mulheres feministas, trouxe grande expectativa quanto à participação cívica das mulheres, numa sociedade marcadamente masculina. A presença das deputadas desejava-se limitada pela Governação, mas suficientemente visível para dar um ar renovado e de abertura de mentalidade à Assembleia Nacional. Com agrado, os colegas aceitaram o “concurso galante das senhoras”1, considerando que elas se fixariam nos temas relacionados com a educação ou com a saúde, habitualmente do âmbito das mulheres. Mas a sua actuação não iria passar assim tão despercebida e muito menos se limitariam a intervir

1 Maria REYNOLDS DE SOUSA, «As primeiras deputadas portuguesas», A Mulher na sociedade portuguesa. Visão histórica e perspectivas actuais. Colóquio 2022 de Março de 1985, Actas vol. II, p. 432.

*Mestre em Estudos sobre as Mulheres, Universidade Aberta, Lisboa, e Técnica Superior na Universidade do Algarve, responsável pelo Gabinete de Protocolo.

nessas matérias, assistência e educação. Pela primeira vez haveria uma voz feminina que iria defender questões que diziam respeito às mulheres, com um olhar cúmplice, fruto de outra sensibilidade. Mesmo sem conhecimento de causa, porque todas as deputadas eram solteiras, sem filhos, nada as impediu de requerer mais apoios à maternidade ou à educação. Cumprindo com o que se esperava, Domitilla de Carvalho apresentou, para discussão, dois projectos de lei sobre a educação e instrução das raparigas. Um dos projectos de lei foi a adopção da disciplina de higiene e puericultura no currículo escolar do ensino secundário, uma forma de trazer novos hábitos de higiene às jovens alunas e vir a combater a mortalidade infantil que era muito elevada em Portugal. Fundamentou a sua tese com conhecimentos científicos e profissionais, de quem observa no seu dia a dia as questões alarmantes de saúde pública, fruto de ignorância na falta de higiene O outro projecto de lei, que foi aprovado, tratava do acesso das crianças, a espectáculos. A regulamentação que foi estabelecida propunha seleccionar espectáculos de acordo com as idades, eliminado cenas que não fossem compatíveis com a maturidade e desenvolvimento mental das crianças. Posteriormente definiram-se categorias de acesso: até sete anos, entre os sete e os dezasseis e a partir dessa idade. Como prova de respeito pelo regime que vigorava e, sobretudo, pela pessoa que a convidou para a Assembleia

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Nacional, o Presidente do Conselho, não deixou de enaltecer as obras do Estado Novo. Era esse o papel que se esperava que desempenhasse e cumpriu-o. Baseando-se no humanismo cristão, que considerava subjacente à filosofia de reconstrução nacional do Estado Novo, saudou a Campanha de apoio aos pobres no Inverno e a criação da Casa dos Pescadores. Duas obras que o Governo pôs em prática para minorar as dificuldades dos mais carenciados e combater o desemprego, proporcionar assistência, previdência e educação aos trabalhadores. Igualmente elogiou o projecto de combate ao analfabetismo com legislação sobre a habilitação para o exercício do Magistério oficial primário salientando o facto de se dirigir a pessoas de “ambos os sexos, com necessidade de ganhar a sua vida sem poderem esperar ou aspirar a mais elevadas situações, possam com relativa rapidez, sem grandes dispêndios, preparar-se para um futuro que ambicionavam e que lhe estava vedado” 2. 102

2. Na Educação «Devem dedicar-se ao estudo e tirar dele o máximo aproveitamento para serem respeitadas como seres inteligentes e livres que são. Pelo aperfeiçoamento moral e material, devem ter toda a dedicação, e a energia que despendam, constitua um capital rendoso, de que podem tirar juros valiosíssimos» Domitilla de Carvalho3

Limitar, no entanto, a actuação de Domitilla de Carvalho à vida parlamentar seria reduzir em muito a sua contribuição cívica. A visibilidade no espaço público começou muito antes, nos finais do século XIX, quando iniciou os estudos universitários na Universidade de Coimbra. A morte do pai, quando Domitilla era criança, fê-la deixar Travanca da Feira onde nascera, em Abril de 1871, e seguir a mãe e o irmão mais velho até Alquerubim, no distrito de Aveiro, recolhendo-se a casa de familiares próximos. Ao contrário da

2 Domitilla de CARVALHO, Diário as Sessões, nº. 96, 25 de Janeiro de 1041, p. 155. 3 Domitilla de CARVALHO, Anuário da Escola Maria Pia 1906-1907, p.13.

grande maioria das raparigas do seu grupo social, a classe média, que se preparavam para a vida doméstica e para a família, dependendo do poder masculino, a vida mostrou-lhe muito cedo que os brinquedos deveriam ser trocados pelos livros, porque seria o estudo a única forma de subsistir. Tal como a mãe, que afrontou as normas sociais vigentes quando se preparou para professora régia, como o marido o era, ela percebeu que a independência pela educação e instrução lhe permitiriam sobreviver pelo trabalho e administrar a sua própria vida. Face aos resultados brilhantes nos exames do curso geral dos liceus, não surpreende que se apresentasse como candidata a aluna regular na Universidade de Coimbra. Era a primeira vez que uma mulher se candidatava à Instituição, contrariamente às Escolas Politécnicas de Lisboa e do Porto que já contavam com raparigas e no corpo discente. Depois da reforma de 1772, nenhuma mulher tinha requerido a admissão à matrícula na Universidade de Coimbra a não ser para o curso de parteiras. Desta vez, o próprio Reitor assumiu que era altura de igualar as instituições de ensino superior, tanto nacionais com estrangeiras, argumentando a favor da aceitação de Domitilla, não só pelas provas de excelência intelectuais dadas, como o facto de ser uma jovem carenciada, que não iria sair de Coimbra para estudar 4. Para regular esta primeira situação, no mesmo ofício determinava que, apesar de estar dispensada de usar traje académico, que não era admitido às mulheres, impunha a obrigação de se apresentar “honestamente vestida de preto com traje próprio do seu sexo”5. Não é difícil de imaginar que, se a aluna queria ser aceite e partilhar um espaço, até então, do predomínio dos homens, teria que passar o mais possível despercebida anulando a sua feminilidade. Esta norma social de apresentação marcou definitivamente a sua conduta e Domitilla iria, toda a sua vida, pautar o vestir pelo rigor, apesar de anos mais tarde se permitir alguns adornos

Informa o reitor que a “Universidade de Coimbra é o único estabelecimento scientífico que, entre nós pode conferir os graus de Bacharel, Licenciado e Doutor; mas não acho inconveniente, a não ser para a Faculdade de Theologia em que estas honras e títulos académicos se confiram a mulheres, quando ellas o merecem pelo seu talento, applicação e bons costumes”. Ofício nº. 237 ao Ministério Público, informando o requerimento para a matrícula de Domitilla Hormisinda Miranda de Carvalho, pelo reitor, Dr. António dos Santos Viegas, de 16 de Outubro de 1891, Arquivo da Universidade de Coimbra. Livro de Registos da Reitoria da Universidade (1890-1892), fl.131 v.º a 132 v.º.,p.1 5 Idem. 4


no vestuário6. Não foi de todo impossível ignorar a sua presença. As capacidades intelectuais que demonstrou ao longo dos cursos iriam falar por ela com os muito accessits e prémios importantes que lhe foram concedidos7. Como ela própria afirmou às suas alunas no Liceu Maria Pia, anos mais tarde, as mulheres são inteligentes e têm, como os homens, qualidades e vontade que lhes permite estudar tal como eles o fazem. É um acto de justiça dar-lhes oportunidade de o demonstrarem8. Em 1891, inicia as duas licenciaturas de Filosofia e Matemática aproveitando as disciplinas comuns do primeiro ano. Dos louvores recebidos, num percurso brilhante e excepcional, ficaram as notícias nos jornais que elogiavam a jovem aluna, seguindo uma carreira nas ciências, tão raro nas preocupações das jovens de então. As afirmações do seu colega de curso, Afonso Lopes Vieira, no prefácio do primeiro livro de poesia de Domitilla, intitulado Versos, são um exemplo dessa constatação. Elas dão a entender a surpresa perante a colega com o seu vestido “moderno de estudante”, agindo com toda a normalidade, atitude contrária à que a sociedade masculina imaginava das mulheres que se atreviam a afirmar-se no espaço público. O contacto com as ciências não as masculinizava, antes permaneciam femininas e naturais e Domitilla era o exemplo do que as feministas vinham afirmando. Insistiam na tese de que as mulheres podiam instruir-se sem perder os atributos próprios do seu sexo. Por muito que garantissem que poderiam trabalhar em parceria com os homens na construção de uma nova sociedade sem preconceitos e superstições, não era fácil os homens mudarem a mentalidade estabelecida há muito e partilhar um espaço com aquelas, que até então, estavam sob o seu domínio e não no mesmo pé de igualdade. O facto de as mulheres estarem, na sua grande maioria limitadas ao lar e à família, longe dos olhares públicos, fixava uma divisão

6 Em entrevista a Maria de Lurdes da França, uma aluna sua, recorda a forma austera como a sua professora de Literatura Portuguesa se vestia, comparada com as outras mulheres da sua família. No entanto, notava que Domitilla tentava dar um ar mais leve, ao colocar uma gola de renda ou outro adorno de cor clara mas neutra. Entrevista a Maria de Lurdes da Franca em Outubro de 2002. 7 De acordo com um curriculo escrito por Domitilla de Carvalho, recebeu um prémio e accessists em todas as disciplinas do curso de Filosofia, em Matemática dois prémios e accessits em todas a s cadeiras. Em Medicina recebeu accessits nas cadeiras do 1º. e 2º. Anos e o prémio “Barão de Castelo de Paiva” (trabalhos de Anatomia) e “Prémio Alvarenga” (trabalhos em Matéria Médica). 8 Domitilla de CARVALHO, Anuário da Escola Maria Pia 1906-1907, p.13.

socialmente estabelecida que garantia a efectivação do poder masculino sobre os outros seres, mulheres e crianças. Poucas mulheres tinham habilitações superiores e, sobretudo, eram tão qualificadas como Domitilla. A sociedade não previa mulheres da classe média como profissionais qualificadas, em espaço público. Aceitava que trabalhassem em profissões consideradas como um prolongamento da maternidade, na educação como professoras primárias e na saúde, como enfermeiras ou médicas. Por isso, a sua primeira tentativa de encontrar emprego não resultou. Concorreu ao Observatório Astronómico, em Coimbra, mas ofereciamlhe o lugar de astrónomo aluno com um vencimento muito baixo. Não estava previsto aceitar mulheres a esse concurso, ainda que um artigo na revista feminista Sociedade Futura defendesse a Astronomia como uma ciência mais apropriada para as mulheres.9 Continuou a estudar e acabou o curso de Medicina. Em 1904, vem para Lisboa, e começa a leccionar na Escola Maria Pia ao mesmo tempo que dá consultas nos Dispensário da Assistência aos Tuberculosos. Consciente da oportunidade que tivera de, pela instrução adquirida, providenciar a sua subsistência, Domitilla junta a sua voz aos que defendiam a emancipação das mulheres pela educação. Não se assumindo feminista, ideais que começavam a circular em Portugal no início do século XX, concordava que se devia dar igualdade de oportunidades tanto a rapazes como às raparigas e, assim, providenciar o acesso destas a um ensino com horizontes menos limitativos que os existentes. Até então, não havia Liceu feminino em Portugal e somente a Escola Maria Pia ministrava um ensino primário superior, cujo currículo permitia o acesso ao Magistério Primário. A coeducação não era bem aceite e muitos pais começavam acarinhar a ideia de proporcionar outro futuro à filhas. Como única professora diplomada da Escola Maria Pia, Domitilla desejava que as jovens alunas pudessem seguir os estudos e vir a exercer uma profissão, como ela o tinha feito. Associando-se ao grupo de intelectuais da sua geração e antigos companheiros de Coimbra, empenhou-se em

9 Segundo António Soares MELLO e SIMAS, “A astronomia, e assim devia ser, é das sciencias que maior numero de themas offerece às reflexões de cerebros femininos e das que mais concorrem para a manifestação dos seus dotes de paciencia, espirito, sagacidade e delicadeza”, «A mulher na astronomia», in Sociedade Futura, ano II, n.º. 27 de 1 de Janeiro de 1904, p. 46.

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conseguir a transformação da Escola em Liceu. Movendo influências junto do Governo, o sonho veio a concretizar-se e pôde finalmente dar as boas vindas às primeiras alunas do Novo Liceu Maria Pia, na qualidade de Reitora ou Directora, como se designava então. São poucas palavras as que dirige, mas têm um enorme significado. Hoje, com um século de distância e com a enorme afluência de raparigas ao ensino secundário e superior, este discurso perdeu grande parte da sua carga emocional. No entanto, o sentimento de justiça feita ainda permanece, considerando o enorme triunfo que se obteve ao reconhecer finalmente que ambos os sexos deviam poder usufruir dos conhecimentos e decidir o seu futuro com plena autonomia. Domitilla afirma, às jovens alunas, aquilo que ela tem como certo por experiência própria. É possível vencer pelo seu esforço e cabe a cada uma das alunas fazer render esse bem que são as suas capacidades intelectuais. Tem em mente que educar as raparigas é sinal de progresso económico e de transformação social. Elas são as futuras educadoras dos seus filhos mas também agentes educativos da família e da sociedade. Domitilla sabia que a sociedade não estava preparada ainda para aceitar a independência financeira e profissional das mulheres. No entanto, nunca teve dúvida que a educação era o caminho a seguir, e constantemente aponta o seu exemplo. É pela educação que as mulheres se dignificam e valorizam. Ao exercer uma profissão digna, concorre ao mesmo tempo para o bem comum e para a mudança de mentalidade e de costumes sociais. Era forçoso derrubar os preconceitos que não eram mais do que barreiras impostas pelos homens, presos a séculos de predominância no espaço público. Com a educação e a instrução, as mulheres podiam mostrar que eram seres pensantes, com capacidade de decisão em relação a muitos dos problemas que a sociedade enfrentava, trabalhando em conjunto. A emancipação das mulheres, pela educação e instrução, seria um factor enriquecedor acabando com todas as formas de sujeição e sofrimento, delas e dos que tivessem a seu cargo.

fim, e ao seu meio e à época em que tem de viver. O meu feminismo pretende a mulher ilustrada sem vaidades, que a fariam ridícula, mas sem ignorâncias que a deprimam ou envergonhem. Preparemo-la sempre apta a valorizar o seu esforço e os seus conhecimentos, quando circunstâncias da vida a isso a obriguem.» Domitilla de Carvalho10 A mesma linha de pensamento que a levou a comprometerse na criação do primeiro Liceu feminino e a incentivar a educação e instrução das jovens, fê-la também assinar a lista a favor do divórcio, quando em 1909, o projecto de lei se discutia na Câmara dos Deputados, no Parlamento, e na impresa escrita. O jornal O Mundo na sua página, «O jornal da Mulher», lançava o debate com inúmeros depoimentos a favor do divórcio perante situações de grande sofrimento das mulheres, ou mesmo homens, face ao carácter indissolúvel do matrimónio e às convenções sociais que reprovavam as mulheres de refazer a sua vida sentimental. Domitilla acreditava, como a maioria dos que se declaravam a favor, que era desumano obrigar alguém a viver dentro de um casamento quando os laços afectivos tinham desaparecido. O seu pensamento humanista levou-a a aceitar a separação do casal e privilegiar a independência das mulheres. Como afirmou D. Alberto de Bramão “O divórcio não ataca o matrimónio, antes o dignifica e torna mais sólido”11 porque libertava as mulheres de relações adúlteras ou matrimónios indissolúveis e permitialhes reorganizar honestamente a sua família e dar um nome legítimo aos filhos. Mas concorda, acima de tudo com aqueles que reclamam a educação e a instrução das mulheres porque, só assim, longe da sujeição material do homem, elas são livres para fazer uma escolha consciente e construir uma sociedade mais justa e equilibrada. Como em outros momentos, Domitilla seguiu um caminho paralelo ao das feministas. Ao apoiar o divórcio, como um princípio de liberdade e de justiça, o seu ponto de vista era idêntico. Na prática, os meios seriam diferentes pois, como

Participação cívica «Eu sou feminista apenas no sentido de aspirar para a mulher a instrução e a educação necessárias para fazer dela um ser consciente, bom, perfectível de inteligência, adaptado ao seu

Domitilla de CARVALHO, «A mulher em Portugal», Jornal de Notícias, 12/07/1912, p. 1, col.2. 11 D. Alberto de BRAMÃO, «O divórcio», in Jornal da Mulher, O Mundo de 17 de Junho de 1909, p. 6. 10


António Joaquim. Domitilla de Carvalho. - Óleo s/tela.

católica, acreditava na indissolubilidade do sacramento. Em 1912, já depois da implantação da República, discutiu-se no Parlamento a concessão do voto às mulheres. A Associação de Propaganda Feminista, desde a sua fundação em 1911, considerava que as mulheres deveriam participar na feitura da legislação porque só assim seriam contempladas e satisfeitas as suas aspirações de combater os males sociais que alastravam na sociedade. Conscientes da importância do seu contributo para a implantação da República, as republicanas feministas queriam agora ter voz na construção do país e interferir nas legislação de modo a modificar o panorama social e dar início a uma série de reformas cujos benefícios seriam factor de progresso e desenvolvimento da sociedade, tanto dos homens como das mulheres12. O jornal O Mundo, na sua rubrica feminista, “Jornal da 12

João Esteves, O Sufrágio Feminino, Bizâncio, Lisboa, 1998, p. 52.

Mulher”, noticiava os avanços obtidos em outros países europeus e nos Estados Unidos por Associações de mulheres que já exerciam cargos públicos, contrastando com a apatia que, aparentemente, as mulheres portuguesas mostravam em participar na vida activa do país13. Depois de Carolina Beatriz Ângelo ter votado para a eleição dos deputados da Assembleia Constituinte, em 1911, houve repercussões imensamente entusiasmantes no estrangeiro e esperanças na acção das feministas. A proposta que a Associação de Propaganda Feministas propôs a seguir, defendia a concessão de voto, com algumas restrições mais de ordem cultural e educacional do que económica. No entanto, nem todos os deputados aceitaram a dar o voto às mulheres. No ano seguinte, o Senado voltou a discutir o assunto e vários deputados se opuseram argumentando que esta medida seria muito avançada e ainda desadequada às mulheres portuguesas pelo número muito limitado das que tinham instrução ou curso superior, comparadas com os homens. Mas o que pensariam estas, as que tinham tido o privilégio de estudar e ter uma visão mais alargada das questões sociais? Foi nesta perspectiva que o Jornal de Notícias entrevistou Domitilla no seu consultório particular, na rua do Carmo, em Lisboa. Não foram palavras de grande entusiasmo que lhe ouviram. Numa visão ainda muito conservadora, Domitilla via as mulheres entregues ao lar e à família, mas educadas e instruídas. Separa completamente os dois espaços onde cada um, homem e mulher, têm o seu papel social. Ela, por natureza “esquisita de compleição”14, usando a sua “fina sensibilidade”15 para o bem da família, completando o homem mas com direitos diferentes porque o destino também é diverso. Ele, na política, exercendo os seus deveres de cidadania. Ao contrário de Adelaide Cabete, outra mulher médica e feminista militante, a quem o jornal entrevistou no dia seguinte, que considera a relação mulher/ homem como um equilíbrio natural de dependência mútua e, portanto, o que interessa a um deve interessar ao outro tornando a relação mais saudável e menos uma questão de sobrevivência para a mulher, Domitilla não vê as mulheres na política, onde estariam deslocadas. Pensa que, antes de exercerem o direito de voto, «Movimento feminista», in Jornal da Mulher, O Mundo de 6 de Dezembro de 1908, p.6. 14 Domitilla de CARVALHO, «A mulher em Portugal», Jornal de Notícias, 12/07/1912, p. 1, col.2. 15 Idem. 13

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é importante as mulheres educarem-se e instruírem-se para agirem em consciência sem estarem coagidas por alguma dependência afectiva. Declarou mesmo peremptoriamente: “Não me interessa a política e essa questão do voto para as mulheres também nunca preocupou o meu espírito”16. Cerca de vinte anos depois destas declarações, entrava na Assembleia Nacional como uma das três primeiras deputadas do Estado Novo. O convite que Salazar endereçou a Domitilla de Carvalho, para fazer parte do grupo de deputados da 1ª. Assembleia Nacional, representou uma enorme prova de confiança pessoal e institucional. Ambos se conheciam desde Coimbra. Domitilla era a primeira aluna laureada da Universidade e Salazar foi, anos mais tarde, o jovem Professor de Direito de quem se esperava uma intervenção eficaz de modo a dar novo rumo e estabilidade ao país. Conhecendo-se e respeitando-se mutuamente, foi natural que Domitilla fosse nomeada, tanto mais que, já em outras ocasiões, tinha servido o regime com a maior eficiência e discrição. Sabendo da relação de amizade, cimentada ao longo dos anos, entre a jovem aluna premiada da Universidade de Coimbra e a Rainha D. Amélia, utilizou os seus préstimos, como intermediária, quando quis regularizar a pertença dos bens da família real e transferi-los para o Estado. É assim, que quase no fim da sua vida profissional e sem que tenha manifestado alguma intenção de subir à tribuna, participa nas discussões, numa posição de igualdade de direitos entre homens e mulheres. É um passo com imenso significado político, dizem as mulheres do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, medida com carácter irreversível, mas restritivo, uma vez que o voto concedido não abrangia todas as mulheres17. De qualquer modo a Alma Feminina noticia com alegria a satisfação de uma antiga reivindicação feminista e acredita que, mesmo sem serem feministas militantes irão “pugnar pelos interesses das outras, das que sofrem, as que sem meios lutam para se governar. As leis têm sido elaboradas pelos homens. A intervenção da mulher há-de estabelecer um feliz equilíbrio”18. Idem. O Decreto-lei nº. 24 631, de 6 de Dezembro de 1934, concedia o vota às mulheres maiores de 21 anos, às solteiras com rendimento próprio ou que trabalhassem e às casadas e às chefes de família com diploma secundário ou que pagassem determinada contribuição. 18 «Três deputadas», Alma Feminina, nº. 9 e 10, A.19 (Set./Out.1934), p. 124.

Domitilla tem consciência da responsabilidade da missão que lhe é confiada. Para quem sempre demonstrou independência de acção e pautou a sua conduta pela moral cristã, que seguia escrupulosamente, terá sido difícil servir, a todo o momento, o Estado Novo e defender a filosofia subjacente aos ideais do regime. O que se retira dos seus discursos são a preocupação com a valorização das mulheres porque são o grupo mais desprotegido da sociedade. Pretende que elas tenham acesso à educação e à instrução, as mesmas oportunidades que os homens, porque só assim podem decidir o seu próprio futuro e ser factor de desenvolvimento social. Defende o trabalho das mulheres e não hesita em lembrar, em carta a Salazar, que o trabalho remunerado só veio facilitar o cumprimento dos deveres da mulher porque concorre para melhorar as condições de vida da família e auxiliar materialmente o marido19. Preocupa-se com as crianças e o seu crescimento equilibrado. As consultas no dispensário da Assistência Nacional dos Tuberculosos mostra-lhe quantas crianças poderiam ter sido salvas se as mães tivessem noções de higiene e as soubessem cuidar. Igualmente se inquieta com o desenvolvimento mental das crianças e a sua educação moral. A propósito do cinema, cujos filmes eram acessíveis a qualquer menor, afirma “Envenenar as almas é bem mais cruel do que envenenar o corpo. E a alma de uma criança é qualquer coisa de muito delicado, de muito sagrado, para que seja permitido feri-la na mais criminosa inconsciência, com desprezo absoluto dos mais elementares princípios de humanidade”20. Concluindo Ao contrário das mulheres do seu tempo, muitas das quais tiveram que lutar para sair do anonimato em que as tinham colocado, Domitilla de Carvalho surgiu no panorama nacional com a luz da sua inteligência e do seu trabalho. Apesar desse privilégio, não esqueceu as outras mulheres que não tiveram as mesmas oportunidades e reclamou para elas a valorização e emancipação pela instrução e educação. Ousou ir contra a

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Domitilla de CARVALHO, Arquivo Salazar, Biblioteca Nacional, AOS/ CP.51,2.1.15, fls. 252-253. 20 Domitilla de CARVALHO, Diário as Sessões nº. 16, de 13 de Janeiro de 1935, p. 103. 19


decisão do Estado Novo de não conceder às mulheres o direito ao trabalho assim como levantou a voz quando se discutiu o casamento das telefonistas do Anglo Portuguese Telephone ou o das enfermeiras. Aproveitou a tribuna da Assembleia Nacional para falar em nome dos mais desprotegidos porque o seu humanismo cristão não lhe permitiu distinguir homens, mulheres ou crianças. Impôs-se pela sua independência e actuou conforme a consciência lhe ditava. Assim, monárquica até ao fim da vida, serviu a república porque acreditava na obra de Salazar, na reconstrução do país. Tributou-lhe uma admiração que se foi transformando em devoção e apoio incondicional. Sensibilizava-a a dedicação do ditador à causa pública e nas muitas cartas que lhe enviou, expressou com veneração a sua admiração. Sentia que o dever e a dedicação aos outros, os irmanava. Por isso, em 1952, enviou-lhe um soneto, que um dia escreveu para ela própria:

Renúncia Passo a vida a sentir a dor alheia E tão alto levanto a minha cruz Que não vejo ventura, em que mais creia, Nenhum bem, como este, me seduz. Das visões do Além a alma cheia, Entre sombras só vendo a intensa luz, Vou seguindo no rasto duma ideia Olhos fitos nos olhos de Jesus. Não há repouso algum, que mais conforte, Do que a serena paz interior De quem por amor d’outrem renuncia. Se tinha que ser esta a minha sorte, Seja feita a vontade do Senhor, Bendita seja a Fé que me alumia.21

No palácio da Assembleia Nacional, Domitilla de Carvalho, Engenheiro Pinto da Mota, Maria Cândida Parreira, Maria Baptista Guardiola. As primeiras mulheres deputadas, já durante o Estado Novo. Data 1935-01-10 Domitilla de CARVALHO, Arquivo Salazar, Biblioteca Nacional, AOS/ CP.51,2.1.15, fl 250.

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incêndio da impermanência Sérgio Pereira*

venho por este rio abaixo fendido pela aspereza do sobrevento como na iluminura sentenciosa do forçado contra a dispersão insular da insónia bronze audaz irrompendo das nascentes da cordilheira o glossário do deserto livre de açaimes dança luxuriante da borboleta a saliva do devir engatilhada nos sulcos da transumância deiscência da finitude acenos alcalinos da terra seria legítimo ouvir os fusos do outono nos meandros imprudentes a intriga herbórea dos

insectos retardatários espiando as brechas da colina fragrância das pastagens caules lenhosos brindados com líquenes contagiados pelo incêndio da impermanência novas ligações e rumos continentais para o despique heliotrópico e subversivo das aves

*Nasceu em 1958, na freguesia de S. João de Ver. Publicou seis livros de poesia: As Nove Visões do Xamã, Porto, Agosto Editores, 1996, Técnica do Escalpe, Porto, Agosto Editores, 1996, O Sol é Um Moccasin, Porto, Agosto Editores, 1996, Istmos e Hordas, Porto, edições Tomahawk, 1997, O Absoluto Reverso, edições Tomahawk, Porto, 1998, Convergência dos Ventos, Editora Ausência, 2000, (co-autor: António Teixeira e Castro).


O Alargamento do Concelho de Espinho Francisco Azevedo Brandão* Quando Espinho foi elevado a concelho em 1899, ficou apenas circunscrito à sua freguesia, daí os defensores da integridade da Feira o denominarem de «microscópico concelho». Por isso, desde muito cedo se pensou em alargar o concelho com a anexação de freguesias limítrofes para onde a vila, muito naturalmente, se estendia, mercê do grande desenvolvimento, que a partir da sua autonomia administrativa se verificou. Fizeram-se várias tentativas para esse desiderato, mas os dirigentes de Espinho tiveram sempre a oposição dos políticos da Feira que, à semelhança do que tinha acontecido com a criação do concelho de Espinho, lutaram, mais uma vez, contra a desintegração do seu concelho. O concelho de Espinho só conseguiu o seu alargamento em 1926, em plena ditadura, saída da revolução do 28 de Maio. Este alargamento deveu-se sobretudo ao Almirante Jaime Afreixo, na altura ministro do Interior que, assíduo frequentador da praia de Espinho, conhecia bem as necessidades e aspirações da vila. Nesta conformidade, foi publicado o Decreto n.º 12.457 do Ministério do Interior do seguinte teor: «Direcção Geral de Administração Política e Civil.

Atendendo ao grande desenvolvimento que tem tido a Vila de Espinho, tanto como localidade de praia de banhos e centro de turismo, tanto sob o ponto de vista industrial e comercial, tanto ainda pelo acréscimo constante da povoação e do número dos seus habitantes fixos, sendo ali existentes representam um importante núcleo de riqueza e de vida social; e considerando que o desenvolvimento e progresso da referida Vila mais se acentuará quando sejam satisfeitas as necessidades citadinas da sua população, na qual há a considerar os milhares de banhistas que frequentam, o que somente será possível com o aumento da área do concelho, que é excepcionalmente exígua; e Considerando que, tanto o concelho de Espinho como os concelhos que lhe estão vizinhos tal como se encontram constituídos, não estão conformes com as necessidades das suas populações, prejudicando e até contrariando os interesses de algumas das suas freguesias e opondo-se à expansão das relações económicas e sociais estabelecidas com outra freguesias de concelhos estranhos; Em nome da Nação, o governo da república Portuguesa decreta, para valer como lei, o seguinte: Artigo 1.º – São anexadas ao concelho de Espinho as seguintes freguesias limítrofes, com as suas mesmas áreas actuais: a) – Guetim, do concelho de Vila Nova de Gaia; b) – Anta, Nogueira da Regedoura, Silvalde, Oleiros e

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.

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Paramos, do concelho da Feira; c) – Esmoriz, do concelho de Ovar. Artigo 2.º – É anexada ao concelho de Vila Nova de Gaia a seguinte freguesia limítrofe, com a sua mesma área actual: Lever, do concelho da Vila da Feira. Artigo 3.º – São anexadas ao concelho de Ovar as seguintes freguesias limítrofes, com as suas áreas actuais: A( – Pardilhó, do concelho de Estarreja; b) – Souto, do concelho de Vila da Feira. Artigo 4.º – É elevado à segunda classe o concelho de Espinho, nos termos do Artigo 16.º. de 20 de Junho de 1916. Artigo 5.º – Fica revogada a legislação em contrário. Determina-se, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução do presente decreto com força

de lei pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém. Os ministros de todas as repartições o façam imprimir, publicar e correr. Dado nos Paços do Governo da República, em 11 de Outubro de 1926. – António Óscar de Fragoso Carmona, – Manuel Rodrigues Júnior, – Jaime Afreixo, – António Maria de Bettencourt Henriques, – Abílio Augusto Valdês de Passos e Sousa, – João Belo, – Artur Ricardo Jorge, – Felisberto Alves Pedrosa». Na verdade, no quarto de século que se seguiu à sua autonomia administrativa, Espinho deu um grande salto qualitativo em todos os sectores da sua vida colectiva, no campo económico, social, cultural e político, como segue: Associações culturais e recreativas – «Grupo Recreativo Igualdade (1901); «Grupo Recreativo Espinhense» (1902);


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«Tuna Infantil» (1904); «Grupo Dramático Estrela de Ouro» (1907); «Os Incansáveis de Espinho» (1908); «Grupo Alegre Mocidade de Espinho» (1909); «Grupo União 1.º de Maio» (1910); «Grupo Vitalidade» (1910); «Grémio Imparciais»; (1910); «Orfeão de Espinho» (1911); «Grupo Dramático Beneficente de Espinho» (1914); «Grupo de Estroinas de Espinho Dramático e Recreativo» (1914); «Grupo S. Joanense de Espinho (1921); «Escelsior Club» (1923); «Grupo Estrela do Norte» (1922); «Grupo dos Tesinhos» (1925); «Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Espinho» (1926). Associações Desportivas – «Sociedade de Tiro Civil de Espinho» (1901); «Ginásio de Espinho» (1903); «Sporting Clube de Espinho (1914); Associação Cultura Física de Gaia e Espinho» (1917); «Clube Desportivo dos Empregados do Vale do Vouga» (1925). Associações de Assistência Pública – Associação de Assistência (Santa Casa da Misericórdia de Espinho)» (1917); «Corpo Nacional de Escuteiros» (1925). Associações Patronais – Associação Comercial e Industrial de Espinho» (1915).

Associações Políticas – Partido Republicano Português (1908); «Centro Democrático de Espinho» (1911). Associações Religiosas – «Comissão Cultual« (1910); «Juventudes Monárquicas Conservadoras» (1925). Órgãos de comunicação social – «Gazeta de Espinho» (1901); «O Jornal de Espinho» (1910); «El Banero» (1910); «Beira-mar» 81917); «O Oceano» (1917); «O Vouga» (1917); «Alma Nova» (1919); «Poses de Kating» (1921; «O Trabalhador» (1924); «Alma Nova – Revista» (1924); «Ciência Para Todos» (1925). Ensino – «Colégio de Espinho» (1912); «Escola Conde de Ferreira» (1914); «Colégio Internato dos Carvalhos» (1917). Indústrias – «Fábrica de Rolhas de J. Dias Coelho» (1902); «Fábrica de Licores Néctar de Espinho» (1902); «Fábrica de bebidas Mocho» (1907); «Fábrica de Tapeçarias» (1923); «Fábrica de Botões» (1924); «Fábrica de Artefactos de Cimento» (1924); «Fábrica de Sabões» (1925); «Fábrica de Pincéis» (1925). Comércio – «Estabelecimento de Banhos Quentes» (1905); «Padaria Ferreira» (1907); «Balneário de Banhos Quentes» (1909); «Estabelecimento de Ferragens»


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(1925) «Padaria Quintas e Queirós» (1925; «Padaria Maia, Torres e Irmão» (1925); «Padaria Joaquim» (1925); «Mercarias Duarte e Pinho» (1925). Serviços – Alfândega de Espinho» (1902); «Iluminação Pública» (1902); «Alquilaria» (1907); Abastecimento de água» (1911); «Polícia Cívica» (19119, Banco Popular Português» (1916); «Caixa Geral de Depósitos» (1924); «Campo de Aviação de Espinho» (1925). Companhas de Pesca – Companha Senhora da Boa Nova» (1906); Companha Senhora da Guia» (1906); «Companha Coração de Jesus e Maria» (1906); «Companha da Santíssima Trindade» (1906). Associações de Propaganda – «Comissão de Melhoramentos de Espinho» (1905). Cinema – «Animatógrafo Avenida» (1908). Novas ruas – «Rua do Retiro», «Rua da Graciosa», «Rua de El Rei» e «Rua das Flores» (1901); «rua de Sá Couto» (1902); «Rua da Independência» (1903); «Rua do Teatro», «Rua Bandeira Neiva» e «Rua 24» (1911); «Rua 18» e «Avenida Beira-Mar» (1925).1 A Linha do Vale Vouga foi inaugurada em 23.11.1908 e a nova Igreja Matriz em 1916. O concelho composto por oito freguesias durou apenas quase dois anos, pois em 1928 o Governo, por pressão política da Feira e de Ovar, reduzia o concelho de Espinho retirandolhe as freguesias de Nogueira da Regedoura, Oleiros e Esmoriz, 1 Francisco Azevedo Brandão, «Anais da História de Espinho», 1.º vol., Edição da Junta de Freguesia de Espinho e da Câmara Municipal de Espinho, 1991; e «Vida Associativa de Espinho». Ed. da Junta de Freguesia de Espinho e Câmara M. de Espinho, 1995

através do Decreto n.º 15.395, que rezava assim: «Ministério do Interior. Direcção Geral da Administração Política e Civil. Tendo-se reconhecido que as desanexações das freguesias de Esmoriz, Pardilhó, Souto, Oleiros e Nogueira da Regedoura, a que alude o decreto n.. 12/457, de 11 de Outubro de 1926, causaram com o seu afastamento sensíveis perturbações nos concelhos de onde haviam provindo, e tornando-se necessário providenciar no sentido de que as mencionadas freguesias voltem a fazer parte dos seus antigos concelhos; Hei por bem decretar, para valer como lei, o seguinte: Artigo 1.º – É desanexada do concelho de Espinho e novamente anexada ao concelho de Ovar a freguesia de Esmoriz; Artigo 2.º – É desanexada do concelho de Ovar e novamente anexada ao concelho de Estarreja a freguesia de Pardilhó; Artigo 3.º – São anexadas ao concelho da Vila da Feira as freguesias de Oleiros e Nogueira da Regedoura, que serão desanexadas do concelho de Espinho, e bem assim a freguesia de Souto, que será desanexada do concelho de Ovar; Artigo 4.º – Fica revogada a legislação em contrário. Determina-se portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução ao presente decreto com força de lei pertencer, cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele contém. Os ministros de todas as repartições o façam imprimir, publicar e correr. Paços do Concelho da República, 14 de Abril de 1928, António Óscar de Fragoso Carmona, José Vicente de Freitas, João José Sinal de Cordes, Abílio Augusto Valdês de Passos e Sousa, Ângelo Portela, António Maria de Bettencourt Rodrigues, Alfredo Augusto de Oliveira Machado e Costa, Artur Ivens Ferraz, José Alfredo Mendes de Magalhães, Felisberto Alves Pedrosa». Segundo Benjamim da Costa Dias, «Quando se soube que certo político do distrito trabalhava junto do ministro do Interior de então, Sr. Vicente de Freitas, para mutilar o nosso concelho, obedecendo a compromissos tomados, a Comissão Administrativa da nossa Câmara, à qual dignamente presidia o então tenente Sr. António Pinto das Neves Ferreira, dirigiuse àquele ministério para expor e demonstrar a injustiça que representava a mutilação da obra do Snr. Almirante Afreixo, em relação a Espinho. O ministro, porém, não se dignou aparecer, e quem recebeu a delegação da Câmara foi o aludido político, que


inspirou o decreto de desanexação das aludidas freguesias, o qual declarou que o respectivo decreto não podia deixar de ser publicado, mas que, se a Câmara quisesse, Espinho seria compensado, em parte, com a anexação de S. Félix da Marinha, do concelho de Gaia. Escudado na razão e na justiça que reclamava, o Sr. Neves Ferreira não aceitou a proposta por achar humilhante…»2 A Comarca de Espinho Várias tentativas foram feitas pelos dirigentes do concelho de Espinho para a criação de uma comarca em Espinho, desde que conseguiram a autonomia administrativa em 1889, a primeira das quais logo em 1900, quando, na sessão da Junta de Freguesia de Espinho de 11 de Janeiro, se deliberou pedir ao Governo a criação da Comarca de Espinho. Mas, como era de esperar, esta pretensão teve a oposição dos políticos da Vila da Feira, secundados pelo «Correio da Feira», através dos editoriais do seu director, José Soares de Sá. Logo a 13 de Janeiro de 1900 podia ler-se: «De novo corre o boato, que dia a dia toma maior incremento de que vai ser criada uma comarca em Espinho. Que o boato tem fundamento, atestam-no as canseiras dos separatistas de Espinho, os quais não trepidam ante a insídia dos meios para conseguirem que as Juntas de Paróquia das treze freguesias condenadas a agregarem-se a Espinho representem, por intermédio das respectivas Juntas de Paróquia em favor da passagem da Comarca da Feira para Espinho. Nem todas as tentativas nesse sentido têm tido bom sucesso. É todavia certo que algumas juntas representaram já aos poderes públicos de harmonia com os desejos dos renegados acampados em Espinho. Tudo isto nos leva ao conhecimento de que os separatistas, inimigos de baixa estofa que, noite e dia, sonham a perda desta terra, cuja única desonra consiste em ser pátria de tais vilões, lançam mão deste último saque por verem eminente a perda do concelho de Espinho…»3 Nas duas semanas seguintes, o mesmo jornal volta a falar da suposta usurpação da comarca da Feira: «A campanha

2 Benjamim da Costa Dias, «Narrativas e Documentos». «Defesa de Espinho» a partir de 24.10.1943. Transcrito no «Boletim Cultural de Espinho», n-11/12, vol. III, 1981 3 «Correio da Feira, n.º 145 de 13.1.1900

espinhense contra a integridade da comarca continua com insistência. Importa que não se esqueça que os supostos emancipadores de Espinho, os promotores da autonomia municipal, auxiliados na sombra por supostos neutrais, são actualmente os mesmos que auxiliados às claras por quem rasgou a máscara de neutralidade, tramou contra a Feira. Ao mesmo tempo mostram-se cartas que se inculca serem uma escrita pelo Sr. deputado por Águeda, filho do Sr. Governador Civil de Aveiro, íntimo do Sr. ministro da Justiça, e outra do próprio punho deste, para resolverem os mais tíbios a prestarem apoio ao arranjo de representações das Juntas de Paróquia, pedindo a criação da comarca de Espinho e transferência dessas paróquias para a nova comarca…»4 «Tem antecedentes na história desta terra, a tentativa deliberada da criação de uma comarca em Espinho: É plano que vem de longe, correspondendo a desejos unicamente de certo grupo progressista que assentou quartel de operações, desde há muitos anos, em Paços de Brandão…o grupo tinha o plano de mudar a sede do concelho e comarca, ou da criação de um concelho e comarca à beira-mar….O grupo, manhosamente, escondeu sempre o projecto, sugeriu-o a dependentes que mais por lisonja, por interesse outros, e todos, inconscientemente, acariciavam e propagavam. Paços de Brandão chegou a ser a primeira sede; mais tarde pareceu ao grupo que deveria mudar o quartel de operações para Espinho, como melhor ponto para mascarar as suas baterias contra a Feira. Em 1894 e 1895, correspondências para o «Janeiro» denunciaram o plano. Depois as representações escritas dentro da Assembleia de Espinho, sob ditado de um conhecido conselheiro, que recatadamente se conservava sempre dentro dos bastidores, e levado de porta em porta pelo famigerado Dr. Noronha e Moura, em arranjo de assinaturas, iam denunciando as manobras que se combinaram… Criado o concelho, nesta realização do plano – uma comarca, com sede em Espinho»5 A 20 de Janeiro de 1901 publicava a «Gazeta de Espinho» um editorial a afirmar que Espinho tinha direito a ser comarca, porque estava farto das arbitrariedades e da «ferocidade» da Feira: «Vai em dois anos que Espinho empunhou legitimamente

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«Correio da Feira», n.º146 de 20.1.1900 «Correio da Feira», n.º 147 de 27.1.1900

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a bandeira da sua autonomia, partindo as algemas que o acorrentavam ao município da Feira. Não concluiu ainda a sua nobre missão; alguma coisa mais lhe resta conseguir – libertar-se das justiças da Feira. Espinho tem incontestável direito a ser mais que um concelho: – tem direito a ser comarca. E consegui-lo-á, porque entravar as rodas do progresso, suster o movimento contra a opressão, impedir a marcha de um povo trabalhador e honesto que, dia a dia se vai engrandecendo, não será empresa de fácil realização. As arbitrariedades e a ferocidade da Feira, as perseguições acintosas, por elas movidas contra as freguesias da beiramar e nomeadamente contra Espinho, justificam a aspiração ardente de uma comarca com sede aqui. Um povo como este não pode sofrer uma tutela que tão mal tem procedido, quer em relação às pessoas, quer em relação aos bens, cuja administração, infelizmente, lhe tem estado confiada. A pronta remoção de tão perniciosa tutora é uma necessidade. Não descansaremos enquanto não virmos realizado o nosso ideal, tanto mais que a Feira, por todas as formas, trata de iludir os governos, votando as suas forças, se bem que fracas e desordenadas, contra as legítimas pretensões de Espinho. Não calaremos a voz da consciência; lutaremos com afinco e intemeratamente por sentimento da nossa própria dignidade….Espinho chegou à maioridade; reclama por direito e necessidade a administração completa dos seus interesses. É preciso arrumar por uma vez os tutores que lhe iam dissipando o património e atentam contra as suas imunidades. A Feira por mais esforços que faça, não poderá contestar com sólidas bases os importantíssimos elementos que Espinho tem para com as freguesias que o requereram se constituir comarca. Há razões de sobra em prol da nossa causa. O princípio da justiça alguma coisa deve valer para aqueles que prezam a liberdade de um povo, essencial a todo o progresso. Fomos oprimidos pela Feira, como concelho e somo-lo como comarca; seja-nos permitido levantar a cabeça e esperar

dos poderes públicos a pronta criação aqui de uma comarca, já que a Feira nos torna incompatíveis com ela.6 Mal sabiam os protagonistas de um e de outro lado que, apesar das várias tentativas dos dirigentes de Espinho, apoiados por artigos nos jornais diários do país7 e semanários de Espinho8, na criação de uma comarca, só setenta anos depois do primeiro pedido é que Espinho foi contemplado. Durante todos estes anos teve sempre a oposição dos políticos da Feira. A Comarca de Espinho foi, finalmente criada em 10 de Abril de 1973 com o Decreto-lei n.º 202/23. O jornal «Defesa Espinho» de 14 de Abril relata assim o acontecimento: «À noite fria de 10 de Abril sucedeu o entusiasmo da população de Espinho. Na televisão, o ilustre titular da pasta da Justiça anunciava a criação da Comarca de Espinho. Todos os espinhenses vibraram com a notícia e às ruas desertas sucedeu a animação dos dias grandes. Os carros dos Bombeiros, de rua em rua, levavam o som estridente das suas sirenes, que desta vez não anunciavam desgraça, mas sim a notícia há tantos anos esperada, do maior anseio de Espinho. No dia seguinte, a Câmara Municipal anunciava uma sessão extraordinária para dar conhecimento da feliz nova. Os foguetes estrelejavam no ar e o Grémio do Comércio pedia aos seus associados, o encerramento às 18 horas, que foi unanimemente aceite e acatado. Avisos eram espalhados por iniciativa do «Defesa de Espinho» que deve à gentileza do Aero-club da Costa Verde, o lançamento de alguns milhares. Uma Banda de Música percorria as ruas da Vila e eram 18.30 horas quando o presidente do nosso município anunciou que estava aberta a sessão. Assistia uma grande multidão e os estandartes das agremiações serviam de fundo à mesa. Cá fora, alguns cartazes de agradecimento e uma multidão aclamava os amigos de Espinho. Aberta a sessão, foi pelo presidente explicado o seu motivo, propondo o envio de telegramas ao Senhor presidente do Conselho, Ministro da Justiça, Governador Civil de Aveiro e deputado Manuel Homem Ferreira, que foi um dos grandes obreiros da Comarca. 7

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«Gazeta de Espinho» n.º 3 de 20.1.1901

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«Diário de Notícias», 31.1.1933 «Gazeta de Espinho» e «Defesa de Espinho»,


Congratulou-se o presidente, não só pela criação da Comarca como pela extensão da competência territorial da Polícia Judiciária à mossa Comarca. O envio de telegramas foi aprovado de pé e por unanimidade, a que se seguiram muitos aplausos. Em seguida falaram o Dr. Amadeu Alves Morais, como advogado mais antigo ao serviço do foro e nascido em Espinho, e o Arquitecto Jerónimo Reis, presidente da Comissão Concelhia da União Nacional»9. O Tribunal Judicial de Espinho, provisoriamente instalado no rés-do-chão dos Paços do Concelho, foi inaugurado no dia 1 de Outubro desse ano, e transferido para o novo «Domus Justitiae», inaugurado a 15 de Novembro de 1991, com a presença do Ministro da Justiça. Neste dia tomaram posse como primeiro juiz o Dr. Emídio Teixeira e como delegado do Procurador da República o Dr. José Carlos Vilaça.

Foi feita justiça, e se a justiça não se agradece, reconheçase, e nesta hora jubilar de elevação a cidade, Espinho está reconhecido ao Governo da Nação, como deve estar ciente e consciente da responsabilidade que contraiu com a categoria obtida…».10 A Câmara Municipal de Espinho era constituída pelos seguintes elementos: presidente – Dr. Manuel Ferreira Baião Nunes dos Santos; vice-presidente – Manuel de Oliveira Violas; vereadores – Domingos Fernandes Alves de Oliveira; Domingos Soares Pereira; Higino Ramalho Mendes; Eduardo dos Reis Baptista. O Governador Civil de Aveiro era o Dr. Francisco Vale Guimarães. Hoje Espinho e Santa Maria da Feira são duas grandes e prósperas cidades do Distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto, ambas apostadas no desenvolvimento e progresso dos seus respectivos concelhos.

Espinho – Cidade No mesmo ano, a Vila de Espinho era elevada a cidade. A notícia foi transmitida no dia 12 de Junho. O semanário «Defesa de Espinho» relata assim o acontecimento: «Ondas de júbilo, numa praia-mar de esfusiante satisfação e incontida alegria, espraiaram-se de lés a lés desta nossa querida terra, quando, na pretérita terça-feira, dia 12 de Junho, ribombou a notícia tão ansiada e assaz esperada, de que o Governo da Nação, havia concedido a Cidadania à Vila de Espinho, praia – rainha da Costa Verde. Espinho era cidade! A nossa geométrica e airosa vila, uma das mais evolutivas do rincão português. Entrara em erupção de crescimento há longos anos, projectando todos os sectores vitais, por mérito e com naturalidade, os parâmetros precisos para alcançar o seu desiderato, isto é, a promoção a Cidade, a segunda do Distrito de Aveiro onde se incorpora… Espinho é, pois, a partir do dia 12 de Junho cidade. O Governo da Nação reconheceu que aquele local desértico, inóspito, entre dunas de areia e com alguns casebres a albergarem os bravos vareiros que tinham no mar a razão do seu quotidiano, se soubera transformar, em pouco mais oitenta anos por mérito, num sonho a fazer jus à honra de ser cidade de Espinho.

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«Defesa de Espinho», 14.4.1973

Bibliografia Brandão, Francisco Azevedo – «Anais da História de Espinho», 1.º vol. Ed. da Câmara M. de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1991. «Vida Associativa de Espinho». Ed. da Câmara M. de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1995. Gaio, Carlos Morais – «A Génese de Espinho – Histórias e Postais». Ed. Campo das Letras, 1999, Pereira, Álvaro – «Monografia de Espinho». Ed. do autor, 1970. Quinta, João – «Espinho». Ed. do autor, 1999. Publicações: – «Boletim Cultural de Espinho», 24 vols, 1979-1984 – «Comércio do Porto» – «Correio da Feira» – «Diário de Notícias» – «Gazeta de Espinho» – «Primeiro de Janeiro» – «Villa da Feira – Terra de Santa Maria» 10

«Defesa de Espinho», 14.6.1973

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Vazio Anthero Monteiro* olho o vazio penso no vazio engendro mais vazio e dele me inebrio abstenho-me de mim do tempo e do lugar de tudo o que acontece e está p’ra acontecer

estou longe muito longe onde de mim não sei sou feliz, sou feliz porque já não sou nada e porque ébrio de nada a dor meço Seia, 21/01/04

abro os olhos para trás para nada mais ver pra nada mais sentir

*Escritor e poeta natural de S: Paio de Oleiros. É autor de vários livros de

dentro ou perto de mim

poesia e de ensaio.


Evocação de Carlos de Moraes Celestino Portela* Conheci Carlos de Moraes em Vila da Feira, no velho Convento dos Lóios onde funcionava o Tribunal. Foi-me apresentado pelo Dr. Domingos Trincão, Advogado/ Notário, que patrocinava Moreira da Costa que possuía em Espinho uma oficina gráfica a “Tipografia Moreira”. Carlos de Moraes era o seu contabilista, que o acompanhava nas suas andanças pelos Tribunais. Domingos Trincão era o autor de serviço, escrevendo peças de teatro que eram representadas nas Festas das Fogaceiras, e não só, e fazia versos humorísticos e satíricos a propósito de qualquer facto mais curioso. Uma grande afinidade com Carlos de Moraes, autor de muitas peças de teatro, algumas das quais inspiradas em motivos Espinhenses, o mar e as suas ondas e espuma, os pescadores e a sua faina, e na poesia escreveu também muitos versos satíricos, referindo ele próprio acerca da primeira poesia: «andava na escola, tinha 7 ou 8 anos. Por sinal, apanhei logo meia dúzia de bolos... Versos satíricos, * Advogado

causticavam um companheiro, que chorou...» Encontrei-o várias vezes e sempre conversamos um pouco. Muito aprumado e arrumado, como devia ser a sua contabilidade, dois elementos o caracterizavam: o chapéu e o lenço branco no bolso superior do casaco. Não admirava Fernando Pessoa, nem mesmo o da Mensagem, que conhecia mal. Em entrevista, acerca do panorama actual da poesia portuguesa, refere: «Continuo a acreditar na Poesia, nos Poetas – sem distinção de rótulos. Quando falo em poetas refiro-me, é implícito, aos que na verdade o são. Há poetas vivos, mesmo da geração nova, que fazendo versos arrevesados virão a ser valores em evidência no futuro, quando se encontrarem» E ao falar de vinte nomes para uma antologia, refere Camões, Antero, Nobre, Cesário Verde, Florbela... Pascoais, Laranjeira, António Boto, Torga... e não cita Sá-Carneiro, Pessoa e heterónimos, Régio... De Carlos de Moraes guardo uma preciosidade que muito estimo, o seu livro “Chão Movediço” com simpática dedicatória, na sua caligrafia perfeita, legível, elegante, como a sua alma de Poeta, datada de “Feira, Maio de 1963”.

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Presente comigo a revista “Gente Lusa – Arquivo de Letras e Artes” de que foi director literário, conjuntamente com Zacarias de Oliveira, na primeira série de cinco números, que tinha a redacção e administração na Praia da Granja, e cujo nº. 1 saiu em Janeiro de 1916.

Das suas relações e amizades em Vila da Feira falamnos a assídua colaboração poética no Jornal “Notícias – Semanário das Terras de Santa Maria” e a entrevista realizada por J. Sarabando e publicada no nº. 99 de 5-10-1959, da qual extraí as citações acima feitas.

“A seu pedido deixou de fazer parte da direcção da Gente Lusa o nosso amigo Carlos de Morais” como é referido no primeiro número da segunda série, que terminou com o número duplo 4-5 de Maio de 1917.

São também dessa entrevista as passagens que transcrevo e em que o Poeta fala de si e da sua obra.

Carlos de Moraes nasceu em Serzedo, concelho de Vila Nova de Gaia, em 11 de Agosto de 1887 e faleceu, em Espinho, em 5 de Outubro de 1975, onde vivera sessenta anos. Em Espinho se radicou em 1915, constituiu família, viu nascer filhos e netos, e se apaixonou também pelo Mar.

«Estreei-me em 1912 com um livro de versos, “Rosas desfolhadas”, que teve segunda edição no ano imediato. Só um tanto mais tarde, em 1919, publiquei novo volume, “ A coroa de Rosas”, peça em um acto, em verso. Volvidos tempos, corria já então 1925, surgiu nos escaparates das Livrarias o feixe de sonetos “Aleluias”. Por volta de 1949, “Chão Movediço”, nova colecção de sonetos, e “A Mulher Adúltera”, outra peça em um acto, também em verso”.

“ Mar, meu grande poeta intraduzível Fazem-me pena as queixas quer tu soltas! Eu sei de cor teu drama – o drama horrível De ser vencido em todas as revoltas!...”

Da obra publicada...


Dos inéditos na gaveta «Tenho bastantes. De Teatro. “Volúpia Verde” três actos em verso e prosa; “Coroa de Rosas”, um acto em verso, devidamente refundida; “Saber amar”, comédia em um acto; “ A Criminosa”, um acto, em verso; “No seio das Ondas”, opereta regional, em dois actos com um prólogo, que, aliás, conta para cima de dez representações nos palcos de Lisboa, Porto, Aveiro e Espinho. De poesia: “ O’ Fonte dos Musgos Verdes”, quadras; “ Cachoeiras”; “Rendas de Espuma”; e ainda um outro volume de líricas.» Dos seus mais belos poemas... «A quadra que mais me agrada é esta: Ó fonte de musgos verdes, Quem me dera a tua sina... És velhinha, e nunca perdes O teu palrar de menina!

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Dos sonetos, a preferência vai para um, que nada vale, “Manhã Redentora”, e para “O Estatuário”. Quanto ao poema mais querido... é o meu neto Carlos Afonso!!! Depois... a Laura Maria, minha neta também.» Nesta evocação de Homenagem e Saudade recordo dois poemas publicados no referido “Notícias”:

Ronda da Vila da Feira Burgo de Santa Maria, Onde mora a fidalguia Em graça que jamais finda Numa tocante harmonia… – Vila da Feira! Que linda!...

Há quem diga – e eu acredito – Que aqui nasceu Portugal No seu garboso castelo Tão rendilhado e bonito, Tão altaneiro e tão belo… – Que lindo berço real Para embalar Portugal Quando ele era pequenito! …

Chamam-lhe, alguns, fantasia, Quimera …amor filial … – Porém, de qualquer maneira, Certamente bem podia No alto Castelo da Feira Ter nascido Portugal! Com seu castelo feudal, Sem sombras de fantasia, Terras de Santa Maria São bem um berço real!... E a ternura permanente Da nobre gente da Feira? – Atavismo, certamente, Porém, de qualquer maneira, A gente, em verdade, sente


Que até nos pequenos nadas Cantam virtudes sagradas No coração desta gente!...

Um doce calor divino … Que aqueceu o mundo todo!...

– Por isso, as minhas pegadas Aqui vêm dar, fielmente, Às portas escancaradas Do coração desta gente!...

E desde esse dia, então, São santas as labaredas Das brasas vivas do Amor Que nos trouxe o Deus Menino... – Brasas brandas como as sedas E dum fulgor cristalino... – Brasas de íntimo calor Que aquecem o coração... – Brasas mais vivas que as brasas A arder em vivo tição!...

Burgo de Santa Maria, Terra-Mãe de Portugal!...

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– Nasce o dia... morre o dia… Mas não morre a sinfonia Cheia de infinitas graças Desta terra sem igual, Que até no Pão das Fogaças Nos dá o enlevo e a magia – Dum Pão de mesa real… Carlos de Moraes Novembro de 1958 Publicado no nº. 53 de 17/11/1958

“ BRASAS DE NATAL” (Para os meus Amigos de Terras de Santa Maria, com um abraço de BOAS-FESTAS) Natal de Paz e Alegria! … Foi em Belém, neste dia, Que a Virgem Mãe deu à luz, Numa choupana sombria, O seu Menino Jesus!... Ora a choupana era fria... – Nem lareira, nem fogueira, Nem brasas lá dentro havia!... Mas não sei por que maneira, Mal nasceu o Deus Menino, Como um brando ruflo de asas Logo alastrou de tal modo

São brasas que entram nas casas Em divina combustão, E se transformam em brasas De ternura e de emoção! ... São brasas brandas como rosas, Que levam, alvissareiras, Calor às almas famintas De amparo e consolação, E que acendem, nas lareiras, Sobre fogueiras extintas, As brasas do amor cristão!... Natal de Paz e Alegria!... Ai! ... Que ao menos neste dia, Fuljam vivas, bem acesas Como as estrelas no céu, Nas lareiras, e nas casas, E nas almas portuguesas, - As suavíssimas brasas Que o Deus Menino acendeu! … Carlos de Moraes Natal de 1962 Publicado, no nº. 267 de 24/12/1962.


CANCIONEIRO DE SANFINS DAS TERRAS DA FEIRA Óscar Fangueiro* Sanfins é freguesia de Santa Maria da Feira, foi dedicada inicialmente a S. Félix, donde lhe vem o nome. Mais tarde foi dedicada a S. Pedro. Encontra-se situada a ENE da Feira e a 1.500 m do seu centro, a uma altitude entre 140,5 m e 310 m e a sua área (600 hectares) encontra-se ocupada por terras de cultivo e mato. A freguesia ocupa um vale entre dois ribeiros, cujas margens, no séc. XVIII, eram ocupadas por álamos e salgueiros. Os lavradores utilizavam as suas águas para a rega dos campos ou para fazer mover os seus moinhos. Nesta época, as culturas mais frequentes eram o milho e o centeio, e os frutos mais apreciados: os pipos (peros). No início do séc. XVI (1513), possuía uma quinta e sete casais. Em 1707, possuía quatro quintas e doze casais. Em 1757, possuía 106 fogos e, em 1902, 105 fogos e 463 habitantes. Em 1758, era uma das 76 freguesias do termo da Vila da Feira. *Óscar Moreira Lima Fangueiro. Investigador.

Foram as suas condições naturais: relevo do solo, constituição do mesmo, recursos de água e condições meteorológicas que influenciaram a criação do seu habitat rural. No início deste século dispunha de dezanove lugares. Em 1874, Pinho Leal informa: ser uma freguesia bonita, abundante de água, fértil e saudável. As terras de lavoura, no séc. XIX, estavam divididas em campos, leiras e tapadas, e também cortinhas e quintais. Os terrenos incultos eram ocupados por: matos, devesas, pinhal e soutos. As moradas, nesta época (1854), eram constituídas por casa de sobrado ou casa de lavoura ou casa térrea e casa de tábua do colmado ou de tabuado. Possuía 11 ou 13 moinhos de água nos dois ribeiros da freguesia. Além de agricultores (lavrador e jornaleiro), possuía, no séc. XIX, alguns habitantes com as seguintes profissões: Serralheiro, Alfaiate, Carpinteiro, Serrador, Costureira e Tecedeira. Possui a freguesia abundância de plantas silvestres e pássaros, além de cinco nascentes, quatro fontes, oito presas e seis lavadouros. Alguns dos trabalhos agrícolas eram executados em trabalho comunitário: esfolhadas e sachadas do milho, ripadas de linho, vindimas e colheitas.

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As famílias eram prolíferas e eram numerosos os enjeitados ou expostos, no decorrer dos sécs. XVIII e XIX. Os habitantes utilizavam o traje de domingo e de trabalho. As famílias ou os seus membros (individualmente) eram conhecidos por alcunhas. Utilizavam uma medicina tradicional baseada nas plantas da natureza, com o recurso a responsos (aos Santos) e ensalmos ou talhamentos (de origem pagã). Eram dados a superstições, esboçadas através de proibições, do culto dos mortos ou dos responsos. Utilizavam na comunicação diária todas as fórmulas da paremiologia (refrão, adágio, ditado, sentença, máxima, provérbio, dito, anexim, rifão e aforismo). Os seus habitantes, dotados de grande religiosidade, rezavam orações no seu quotidiano. O seu calendário agrícola, os seus trabalhos comunitários, o seu convívio social em festas e romarias davam origem e eram lugar de um rico cancioneiro, de carácter profano e religioso. Assim, tais acontecimentos ocorriam nas desfolhadas, na festa anual, nos Santos populares, no Natal, nos Reis, etc. … O Cancioneiro trata essencialmente do amor, da alegria de cantar, do trabalho agrícola e das datas festivas. O Cancioneiro, nas ocasiões de baile, era acompanhado pelos instrumentos musicais de alguns tocadores. Também os jogos e danças infantis tinham as suas cantigas. AS FESTAS E ROMARIAS As festas eram vividas sob o aspecto religioso (que lhe estava na origem) e sob o aspecto profano. Este último englobava: os comes e bebes e a parte musical com danças e cantares, acompanhados por tocadores de instrumentos de percussão, essencialmente, assim como alguns jogos característicos. Os pobres iam à romaria com uma saco de côdeas de broa. No regresso, compravam um cartucho de doces. Os habitantes de Sanfins tinham a sua festa anual, que se realizava a 20 de Agosto, na Igreja da paróquia, e que ficou interrompida por volta de 1935. A parte religiosa era constituída de procissão, missa cantada e sermão. A “noitada”, a parte profana, era acompanhada por música vinda d’Arrifana.

A população acorria também às festividades realizadas, quer na Feira (as Fogaceiras, o St.º André e Corpo de Deus), quer nas freguesias do concelho mais próximas: N.ª Sr.ª da Saúde (em Fornos) N.ª Sr.ª das Necessidades (em Nadais) N.ª Sr.ª do Desterro (em Arada) N.ª Sr.ª da Guia (em Souto) N.ª Sr.ª da Piedade (na Piedade) Senhor da Pedra (em Miramar)

AS ESFOLHADAS Para as esfolhadas, realizadas nas eiras ou debaixo dos cobertos onde se guardavam as alfaias agrícolas, vinham dois carros (sebes) de milho. O grupo dos homens juntava-se à porta da loja do Júlio Frade (na Campinha ou no Apeadeiro), antes de partir para a esfolhada, já de noite. As primeiras esfolhadas eram abastadas para os participantes, pois davam bolo quente e vinho. A última do mesmo proprietário era chamada “esfolhada do resto” e, como as espigas já eram poucas, davam apenas castanhas e vinho. Realizavam-se as desfolhadas no mês de Outubro, após a colheita do milho, para as quais eram convidados os vizinhos. Durante a desfolhada, quando alguém encontrava uma espiga de milho-rei (vermelho-escuro), ia abraçar todos os participantes, dizendo: Chi do coração! No final das desfolhadas, realizava-se o baile ao som dos instrumentos dos tocadores e cantando as cantigas que se seguem no Cancioneiro:

AS ESFOLHADAS (cantigas) À noite depois da ceia Ai, principia as esfolhadas, Para brio desta aldeia Só acaba à madrugada. A galinha da papada Pôs-me três ovos ao dia,


Se ela pusesse quatro Melhor conta me fazia. É um regalo na vida À beira d’água morar, Quem tem sede vai beber Quem tem calor vai nadar. Pelo céu vai uma nuvem Todos dizem: - bem na vi, Todos falam e murmuram Ninguém olha para si. Há duas coisas no mundo Que num posso compreender, Os padres ir p’ró inferno E os cirurgiões morrer! A Maria da Fonte Vai a cavalo sem cair, Com uma trombeta na boca A tocar a reunir. Ó Rosa arredonda a saia, Ó Rosa arredonda-a bem, A saia bem arredondada Ai! Ó Rosa fica-te bem. Margarida Moleira Dá-me da tua farinha, Eu vou picar os moinhos Se prometeres ser minha. Foste dizer a meu pai Que eu andava coradinha, Os anjos do céu me levem Se esta cor não era a minha. Às esfolhadas Haja alegria, Moças fardadas Vamos lá p’ra romaria.

À sombra da oliveira É um regalo morar, Quem tem sede vai beber Quem tem calor vai nadar. Quem tem telhados de vidro Não pode atirar pedradas, Eu fui atirar às tuas Achei as minhas quebradas. Lá vai uma, lá vão duas Três pombinhas a voar, Uma é minha e outra é tua Outra de quem a apanhar. A Primavera tem lindas flores E como ela não há igual, A Primavera vai e volta sempre A mocidade vai e não volta mais! Rosa que estás na roseira Deixa-te estar que estás bem, Debaixo ninguém te chega De cima não vai ninguém. As sete estrelas vão alto Mais alto vai o luar, Mais alta vai a fortuna Que Deus tem para me dar. Minha mãe, case-me cedo, Enquanto sou rapariga, O milho sachado tarde, Não dá palha nem espiga. Foste dizer ao meu pai Que eu andava a namorar, O meu pai te respondeu A raiva é que te faz falar.

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Entre os últimos tocadores, distinguimos os seguintes: Manuel Resende (das Regadas) – de viola Manuel do Gulfar (da Carvalhosa) – de violão António Corino – de viola e cavaquinho António Reco (da Campinha) – de viola

Silvina Ferreira Vieira (das Regadas) Isolina Rosa de Jesus (da Campinha) Entre os cantadores: José Campos Carriço (do Casal Matos) António Batuqeiro (da Carvalhosa)

Entre as cantadeiras:

Quando da “festa inteira”, eis o conjunto dos instrumentos: viola e bombo, concertina, cavaquinho e violão. CANÇÕES DE BAILE

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Quando a festa tinha baile, este era acompanhado com o seguinte instrumental: harmónica, violão, cavaquinho, viola, bombo e ferrinhos. Ao “abrir o terreiro”, dançava-se o “Vira”, o de cruz (com dois pares) ou o de roda (com seis ou oito). Seguiam-se as outras danças e fechava com a “Tirana”. As danças eram executadas atendendo a uma ordem pré-estabelecida:

Vira rodado Vira flor Vira de cruz Tirana Moda Nova O regadinho O velho O pai do ladrão

(XVI)

(XIX)

De roda “ “ “ “ “ “

“ “ “ “ “ “

“ “ “ “ “ “

Pastorinha Vira da marinha Cana verde O verde gaio O malhão

(XVI)

“ “ “ “

A rabela A ciranda

(XIX)

“ “

2 pares com instrumentos; ritmo valseado com instrumentos com viola; é uma marcha com pares em fila mais 1 dentro da roda (o ladrão que rouba a rapariga) 2 pares (de frente) 4 pares com instrumentos com instrumentos; pares em fila (frente a frente)

aos pares (com harmónio)


O VIRA Ai! Meninas vamos ao vira Ai! Que o vira é coisa santa, Se não fosse o nosso vira Eu não vinha a esta terra. Moças vamos ao vira Que o vosso vira me alegra, É o vira mais bonito Que há na minha terra. Meninas vamos ao vira Ai! Que o vira é coisa boa, Eu já vi dançar o vira Ai! Às meninas de Lisboa! Ai! Meninas vamos ao vira Ai! Que o vosso vira me alegra, Ai! Se não fosse as voltas do vira Eu não viria a esta terra. Meninas vamos ao vira Que aí vem a viração, Vamos dar vivas ao povo todo E também ao patrão (à comissão).

Vou falar ao meu amor Vou falar à minha amada, Enquanto rega e não rega Vou falar à minha namorada. Ó balancé, balancé Bico de chá miudinho, Quem fala pró meu amor Está muito enganadinho. Água leva ao regadinho Água leva ao regador, Enquanto rega e não rega Vou falar ao meu amor. Vou falar ao meu amor Ao meu amor vou falar, Água leva ao regadinho Água leva o bem regar. Quem fala pró meu amor Fala pró meu enjeitado, Não sei que graça l’achais Ao bocado mastigado. Ó VELHO

Ó vira que vira E torna a virar, As voltas do vira São boas de dar.

Ó velho, ó velho Tu hás-de morrer, Um pau pelas costas Que t’hei-de moer.

Este vira da marinha É um vira traiçoeiro, Era um vira muito lindo Se for dançado inteiro.

Estava uma velha Em cima do muro, Apertar o pé Ó figo maduro.

O REGADINHO

O velho que morreu no lugar E laritum (bis) E vem embora tu.

Água leva ao regadinho Pela minha porta abaixo, Eu escorreguei e caí Quebrei o fundo ao tacho.

Ó velho, ó velho Currucutu, Camisa lavada

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Remendo no cu. Olha ó velho (bis) Olha ó velho, olha-o tu, O diabo do velho Tem carrapatos no cu.

Venho de olhar o meu gado De baixo dos carvalhais. Donde vens ó pastorinha? De baixo dos carvalhais, Venho de saltar (jogar) à cordinha Para jogar os Carnavais.

O PAI DO LADRÃO O pai do ladrão É bom home (era um belo home), Quando vai p’ra missa Se há-de rezar, come!

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O pai do ladrão Quem o mataria? Foram os soldados Da Cavalaria. O pai do ladrão E a mãe da ladra, Foram à minha horta Ó de rum, tum, tum Não me deixaram nada. A PASTORINHA De onde vens ó pastorinha? Aonde vais ó pastorinha? - Venho de olhar o meu gado De baixo dos ramalhais (da ramadinha). Toda a vida fui pastor Toda a vida olhei gado, Trago uma ferida no peito De me encostar ao cajado. Anda comigo pastora Que o gado deixa ficar, Comes onde eu comer E ficas onde eu ficar. Deus te salve ó pastorinha Donde vens p’ra onde vais,

Quem quiser correr que corra Quem quiser fugir que fuja, Eu já vi um morcego Tirar o bico à coruja. Se vens de olhar o teu gado Olha também o meu, Uma vaca e dois touros Lindo gado tenho eu. Deus te salve pastorinha Como tu linda pastora, Tão bonita e tão formosa Tão linda e encantadora. Ando a olhar o meu gado Ouço cantar passarinhos, Não te posso sustentar Só de abraços e beijinhos. A CANA VERDE Se tu visses o que eu vi No buraco da parede, O sardão a mais a bicha A dançar a cana verde. Ó minha caninha verde Verde cana de encanar, É um regalo na vida À beira da água morar. Ó cana verde (Ó minha caninha verde) Verde cana de encanar, Já morreram as velhas todas Já não há quem talhe o ar.


A cana verde do mar Arrebentou ao nascer, Assim arrebentem os olhos A quem não me puder ver. A cana verde no mar Também tem a sua dor, Eu também tenho a minha Seja ela por quem for. Ó cana real das canas Ó cana do carvalhido, Adormeço e acordo Contigo, no meu sentido. O VERDE-GAIO Ó verde gaio Ó do zás-trás-trás, Qu’é do meu amor Qu’é do meu rapaz. As penas do verde gaio São brancas e amarelas, Coitadinho de quem nasce P’ra andar no meio delas.

O MALHÃO Ó malhão, ó malhão Ó malhão assim, Vem pró pé de mim. Ó malhão, triste malhão Ó malhão, triste coitado, Por causa de ti, malhão Ando roto e esfarrapado. Ó malhão, ó malhão Ó malhão, triste coitado, Por tua causa, malhão Ando por ti apaixonado. Ó malhão, ó malhão Quem te deu as meias? Que t’importa a ti São minhas, paguei-as. Ó malhão, ó malhão Quem te deu as botas? Foi o caixeirinho Das pernas tortas.

O verde gaio é meu Que lindas penas tu tens, Assim eram as palavras Quando me querias bem.

Ó malhão, ó malhão Ó malhão da Foz, Se o mundo acabar Que há-de ser de nós.

Ó do verde gaio Ó do zus-trus-trus, Qu’é do meu amor Foi pró Bom Jesus.

Ó malhão, ó malhão Ó Margaridinha, Eras do teu pai E agora és minha.

O verde gaio é meu Que me custou bom dinheiro, Custou-me quatro (ou sete) vinténs Lá pró Rio de Janeiro.

Ó malhão, ó malhão Ó malhão do Porto, Se matar, matei Se morrer, estou morto.

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A RABELA A minha mãe é rabela O meu pai é rabelito, Olha o meu irmão mais novo Embarcou, coitadinho. A minha mãe era rabela E com ela me criei, Vamos dançar a rabela Que outra moda não sei.

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Moda que tão linda é, Moda de andar de roda Ao fim bater o pé. Moda nova (bis) Moda que tão linda és, É moda de andar de roda E o resto, é bater os pés. A tirana (é um vira) é o rei do baile, em terras da Feira, diz Pedro Homem de Melo.

O CORRIDINHO

A TIRANA

O corridinho do Algarve Não tem nada que saber, É dançar com o pé no ar E outro no chão a bater.

A Tirana morreu ontem E foi-se enterrar à cadeia, Os presos disseram todos Que nunca viram velha tão feia.

Quero ir pró Algarve P’ra estar lá mais três dias, Aprender a cantar e a bailar À moda das algarvias.

A tirana morreu ontem Deus a leve ao Paraíso, Deixou-me uma saia velha Não posso chorar com o riso.

A CIRANDA

Ai tirana, senhora tirana Diz que nem come nem bebe, Ai, você serradinha ao meio Não há carro que a leve.

Ó Ciranda (bis), Cirandinha Vamos nós a cirandar (ensarandonar), Vamos dar a meia volta Meia volta vamos dar! Ó Ciranda, Cirandinha Eu hei-de ir ao teu serão, Tirar uma maçaroca Do mais fino algodão. Ó Ciranda, Cirandinha Vamos nos a cirandar, Vamos dar a volta inteira Quem está bem, deixa-se estar. A MODA NOVA Moda nova, moda nova

Tirana morreu ontem Foi-se enterrar à cadeia, Ficou com a mão de fora Para pegar na candeia. Ai! tirana, linda tirana (bis) Ai! tirana, eu vou, eu vou (bis) Ai! dar a vida a quem me deu vida Ai! matar a quem me matou! Eu já vi estar a tirana A arremendar a jaqueta, Com um pedaço de cortiça Julgando que era baeta.


Ó tirana, ó tirana Ó tiraninha d’Oleiros, Se não souberes os caminhos Eu ensino-te os carreiros.

Quem canta seu mal espanta Quem chora seu mal aumenta, Eu por ti tenho chorado Lágrimas mais de setenta.

Já vi estar a tirana No adro a comer uvas, Vai-te embora morte negra Desamparo das viúvas.

Ó MEU AMOR SE TU FORES!

Já vi estar a tirana A mijar num assobio, O diabo da tirana Até no mijar tem brio. Seguem-se algumas cantigas, tendo por temas o Canto e o Amor. HEI-DE CANTAR! Hei-de cantar, hei-de rir Hei-de ser muito alegre, Hei-de mandar a tristeza P’ró diabo que a leve. Quero cantar, ser alegre Que a tristeza não faz bem, Eu nunca vi a tristeza Dar de comer a ninguém. Já comi e já bebi Já reguei minha garganta, Eu sou como o rouxinol, Quando bebe logo canta. Hei-de cantar, hei-de rir (bis) Enquanto vida tiver (bis) Ai, depois que a vida se acabe (bis) Seja o que Deus quiser (bis). A cantar ganhei dinheiro, A cantar se me acabou, E o dinheiro mal ganho, Água o deu, água o levou.

Ó meu amor se tu fores Leva-me, podendo ser, Eu quero ir acabar Onde tu fores morrer. Tenho um amor, tenho dois Tenho três, não quero mais, Eu p’ra que quero (os) amores S’eles não me são leais? Já lá vai o Sol abaixo, Já lá vai a minha alegria, Já lá vai o meu amor Que tanto eu lhe queria. O meu amor ontem à noite Pela vida me jurou, Que s’ia deitar ao mar, Eu atrás dele não vou. Ó oliveira da serra O vento leva a flor, Só a mim ninguém me leva As cartas ao meu amor. É o meu amor Toma lá, toma lá, Um P e E Toma lá, dá cá.

AÍ VEM O LUAR Aí vem o luar Por entre os pinhais, Adeus raparigas (meu amor) P’ra nunca mais.

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Eras bom rapaz Valias dinheiro, Só tens o defeito De seres gaboneiro. O meu amor eras tu Se não te fosses gabar, Pela boca morre o peixe Quem te mandou a ti falar. Eras bom rapaz Ganhavas dinheiro, Defeito que tinhas Ser gaboneiro.

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O meu amor diz que vinha Quando a lua viesse, A lua já acolá vem Meu amor não aparece. RAINHA DO CASTELO Rainha do castelo Anda no seu pinheiral, Apanhando pinhas mansas Lá p’ra noute de Natal. Oh Rainha Santa Da Vila d’Arouca, Dai-me a mim saúde Que em tenho bem pouca.

CANÇÕES DO S. JOÃO E SENHOR DA PEDRA O S. João era festejado no largo do apeadeiro e, à meianoite, os festeiros iam colher o azevinho numa cepa do mato das Mestras e cantavam: Meu rico pé de azevinho Aqui te venho colher, P’ra me dar sorte No comprar e no vender. RUSGAS Ó meu rico S. João Eu bem digo o vosso dia, Com tanta animação Com prazer e alegria. Ó meu rico S. João A tua capela cheira, Cheira a cravo, cheira a rosa Cheira a flor de laranjeira. S. João pra ver as moças Fez uma fonte de vidro, Se as moças lá não vão S. João fica aflito. S. João p’ra ver as moças Fez uma fonte de prata, As moças já lá não vão S. João todo se mata.

CANTIGA Oh minha larica (*) verde Agarradinha ao centeio, Quem tem os amores bonitos Ri-se de quem os tem feios, Ri-se de quem os não tem, De toda a maneira é triste Mais vale não ter ninguém. (*)

Ó meu rico S. João Ó meu Santo marinheiro, Levai-me na vossa barca Para o Rio de Janeiro. Na capela de S. João Tem um vaso de flores, Enjeitado pelas moças Com sentido nos amores.

– caravagem do centeio (arrelique ou cornichó) Até o pastor banha o gado


Na noite de S. João, Se tem mau-olhado sai Se é doente fica são. Ai! o S. João à minha porta Eu não tenho que lhe dar, Dou-lhe uma caninha verde P’ra pôr no seu altar. Alho porro, alho porro Alho, alho, Sr.ª Comadre, Vá levar o alho A quem você sabe.

Ver a pegada do boi. O Sr. da Pedra é meu Eu ganhei-o ao serão, Tem-me dado muita perca Por causa do meu patrão. O Senhor da Pedra é meu Eu ganhei-o ao serão, Em manguinhas de camisa Antes que me leve o Verão.

CANTIGAS AO DESAFIO CANTADAS NAS ROMARIAS Ó meu S. João Trai-lari-ló-lela, Dai-me as flores Da nossa Capela. Na fogueira de S. João Cinco reis hão-de chegar, P’ra dar ao pobrezinho Que primeiro encontrar.

HOMEM: Salve patroa e patrão Salve homens e mulheres, Diz-me agora, ó Isolina O que é que tu me queres. MULHER:

O SENHOR DA PEDRA Meu rico Senhor da Pedra Eu p’ró ano hei-de ir, Ou casada ou solteira Ou criada de servir. Hei-de ir ao Senhor da Pedra Lá buscar as camarinhas, O meu amor é de lá Já mas tem apanhadinhas.

Adeus, ó homens de barba Também os que a não têm, Adeus meninos pequenos Do ventre da sua mãe. Com respeito à salvação Em tudo te faço ver. Salvei os que estão presentes E ainda os que estão p’ra nascer. HOMEM:

Eu hei-de ir ao Sr. da Pedra Antes que me leve o Verão, Em manguinhas de camisa E meu amor pela mão. Hei-de ir ao Sr. da Pedra Que o meu amor já lá foi, Hei-de ir ao Sr. da Pedra

Viste à Sr.ª do Livramento Já sei o que ela fez Nas alminhas das barracas Prometeste a promessa, Tu passaste a correr Mas os Santos não quer[em] pressa.

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MULHER: Vieste aqui de longe Já sei que és bom freguês, Entra lá e agradece O milagre que t’ela fez. Já do casar não me importa Já perdi a esperança toda, Morro, vou p’ra outro mundo Quem cá ficar que vá à poda. HOMEM:

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Anda cá, ó Isolina Nós temos que batalhar, Sei que não tenho mulher P’ra m’ir acompanhar.

Mulher p’ra t’acompanhar sou Só s’eu partir uma perna. MULHER: Já que me dás a escolher Vou-me oferecer ao martírio, Eu fico a ser tua mãe E tu passas a ser meu filho. MULHER: Ó António, tu estás tolo Em ti já não há firmeza, Dormes com eles na cama Comes com eles à mesa. CANÇÕES DE NATAL

HOMEM:

Já nasceu o Menino Jesus Vinde vós pastores, Já nasceu o Menino Deus Se lembrou ao seu lavor, Padre eterno, soberano Pai do meu Jesus amado, Dai-me vós para cantar Se o Natal for suspirado.

Anda cá, ó Isolina Qu’isto como quer vai bem, Eu vou-te dar a escolher Se queres ser filha ou mãe.

Que três senhores são aqueles Que vão à beira do rio, São os três Reis Magos Quem vem visitar o menino.

HOMEM:

Vamos lá pastores Vamos todos a Belém Adorar o Deus Menino Que N.ª Sr.ª tem.

MULHER: Muito boa tarde, Senhores Ó todos qu’à roda estão, Mas em primeiro de tudo A patroa e o patrão.

Anda cá, ó Isolina Estou aqui à tua beira Tu fizeste os teus filhos Fui atrás duma toqueira. MULHER: Tu não queres sair daqui Tu estás perto da taberna,

Este menino que é nascido É mais lindo, lindo é E lá ao pé duma cabana Uma estrela se parou, Ao ver estar lá o menino Logo ali se ajoelhou.


Pastorinhos do deserto Vinde todos a Belém, Adorar o Deus-Menino Que a N. Senhora tem. REIS (ou REISADAS) À meia-noite de 5 para 6 de Janeiro, saía pelas ruas um grupo musical, cantando junto de cada casa os versos que se seguem. As casas que abriam as portas davam algum enchido, pão ou dinheiro. Passada uma ou duas semanas, faziam uma festa com o dinheiro arrecadado. CANTAR OS REIS: (Reisadas) A neve caía na serra Cobriu a folha à nabiça, Viva o Senhor desta casa Se nos dá uma chouriça. Aqui vimos, aqui estamos Meus senhores bem o sabeis, Vimos dar as boas festas E, também, cantar os Reis. Vimos dar as boas festas Boas-Festas vimos dar, A estes nobres senhores Se nos quiser aceitar. Seguia-se a “ramalheira” (dedicada ao dono da casa): Viva lá, Sr. (…), sua senhora e seus filhos. Viva! Viva! Se o dono da casa era “agarrado” e nada oferecia, era premiado de acordo com a sua atitude:

Ou então cantavam: As janeiras não se cantam Nem ao Rei nem aos coroados, Nós vimo-vos cantar hoje Por serem dias diferenciados. Estes Reis que nós cantamos Tornamos a descantar Porque o patrão desta casa Não tem nada p’ra nos dar. O coro celeste Cantar um ditório, Os anjos do céu Cantaram um glório. Na inauguração da Fonte de Talhô, situada entre as Mestras e a Igreja, ocorrida cerca de 1940 e já hoje inexistente, foram cantadas duas quadras, de autoria da Sr.ª D. Maria Branca Azevedo (N. 1890) do Mourejão (nos Moinhos). Raparigas de Sanfins Vamos cantar (bis) São rosmaninhos ou alfazemas, Que andam sempre enfeitiçando Os nossos lindos poemas. Não há vida mais fagueira Cantam lindas raparigas, Como esta vida d’aldeia Onde tudo são cantigas. (Informação da Sr.ª D. Augusta Castro – N. 1922.) OS JOGOS INFANTIS

Esta casa cheira a alho, Aqui mora algum “carvalho”. Esta casa cheira a breu Aqui mora algum judeu. Esta casa cheira a unto Aqui mora algum defunto.

JOGO DA CONDESSA Este jogo começa com uma roda constituída por meninas (as filhas da Condessa), com excepção de uma que se encontra no centro, que toma o lugar de “mãe”. As “filhas” agarravam a beira da saia da “mãe”. Entretanto, há um rapaz que anda do lado exterior da roda e que pede à Condessa uma

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das suas filhas, parando atrás dela e pondo a mão sobre a sua cabeça, pedindo-a à mãe, que concede ou não! No caso de aceite o pedido, levará a filha concedida e continuará o pedido, até que as leve todas. - Aqui lha vimos pedir Para com ela casar. - Minha filha não te dou Nem por ouro nem por prata, Nem por sangue da lagarta Que a criar me custou. DÁ-ME LUME

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Numa roda de crianças, cada uma tem um pauzinho na mão, estando outra no meio, com outro pau. Esta dirige-se a uma que está na roda e diz: - Ó mãezinha, dá-me lume? A da roda responde: - Vai àquela casa que tem fumo! A do meio vai tocar com o seu pau na que fora indicada, antes que esta saia para a casa seguinte, o que todas imitam. Se o conseguir, a que dera a informação passará a pedir lume. A MACHADINHA As crianças formam em roda, ficando uma no meio. Enquanto as da roda circulam e cantam, a do meio escolhia o seu par, que passava a ocupar a sua posição. Ah! Ah! Ah! Minha machadinha, Quem te pôs a mão Sabendo que és minha? Sabendo que és minha Também eu sou tua, Salta machadinha Pró meio da rua. No meio da rua Não hei-de eu ficar, Eu hei-de ir à roda Escolher o meu par Escolher o meu par

Eu bem sei quem é, É um menino Chamado “José”! AS FITINHAS As crianças tomam cada qual o nome de uma cor, atribuído por uma outra. Há duas outras crianças que participam no jogo, indo uma delas ao encontro da que atribuía as cores, dizendo: - Truz, truz! Pergunta a outra: - Quem é? Responde: É o preto que quer café! - Que deseja? Uma fita. - De que cor? Cor tal! Se acerta na cor, leva a respectiva criança, enquanto as crianças cantam! Vem a outra que ficara de fora e repete o diálogo. No final, ganha a que tiver acertado mais vezes e que ficara com mais crianças. Eis a cantiga: Fitinha (azul) A todas fica bem, A menina (Ana) Melhor que a ninguém, Vai de roda em roda, Vai de fita em fita, Ela é tão vaidosa, Escolhe a mais bonita. A ROSINHA (dança de roda) Ó Rosinha Rosinha do meio Vem comigo Regar o centeio


Regar o centeio Regar a cevada Ó Rosinha Minha namorada.

Melhor que a ninguém Por dentro e por fora, O menino (José) É que a namora.

PAPAGAIO LOURO (dança de roda)

É que a namora É que a namorou, Ora, ainda agora Qu’eu ainda aqui estou.

Papagaio louro De bico amarelo, Faz xixi na cama Leva com o chinelo Papagaio louro De bico aloirado, Leva-me esta carta Pró meu namorado. Papagaio louro De bico afranzido, Leva-me esta carta Pró meu marido. JOGO DO PEZINHO (2 fitas paralelas, uma virada para a outra) mista Ora ponha aqui… Ora ponha aqui… O seu pezinho; Ora ponha aqui… Ora ponha aqui… Ao pé do meu; Ao tirar… Ao tirar… O seu pezinho; Um abraço E um abraço Lhe dou eu! O VESTIDINHO BRANCO (dança de roda) Vestidinho branco A todos está bem, À menina (Ana) Melhor que a ninguém

A DONZELA Há uma roda de meninas e outra no meio. Esta escolhe uma da roda para dançar, ficando viradas uma para a outra, a cantar o seguinte (No final trocam de posição): Aquela menina De saia amarela, Já me perguntou Se eu era donzela? Donzela não sou Aquela menina Já me perguntou! Ó bate mariquinhas Mariquinhas já está, Ó bata mariquinhas És um bom rapaz. QUADRAS Fernandinho foi ao vinho Quebrou o copo pelo caminho, Ai do copo, ai do vinho, Ai do cu do Fernandinho Minha mãe tem, tem Tripas a cozer Ao drrim, tintim, (ó de tripalhó,) Que estás a fazer? (o que vou encher?) Pão queimado (Corda queimada) Quem te queimou, Foi um ladrão Que por aqui passou.

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(é um jogo)

FORAM INFORMADORES:

Sardão, pão quente Arreganha o dente, Salta cá p’ra fora A ver quem é mais valente!

Marinha Moreira de Lima (N. 1904) (falecida) do Monte Adelina da Rosa Magalhães (N. 1898) (da Relva) Augusta Castro (N. 1922) (dos Moinhos) Isolina Rosa de Jesus (N. 1901) (da Campinha)

Zé carramé Leva os gatos à maré Enfiados numa linha P’ra tocar a campainha Dlim, Dlim, Dlim. Ó Maria cotovia Fecha a porta, qu’um dia Aí vem o bicho mau Que te vai ao bacalhau. 136

BIBLIOGRAFIA 1 – Dicionário Geográfico (Memórias Paroquiais de 1758), vol. 15, n.º 32; 2 – Foral da Vila da Feira, 1513 (cópia in C.M.V.F.); 3 – (PINHO LEAL, 1874; Dicionário Corográfico);

Lagarto pintado Quem te pintou? Foi uma velha Que por aqui passou. (Jogo da orelha)

Vista da Piedade (Casa e lugar da Gandra - Sanfins)

4 – Livro de Manrique, por António da Rocha Manrique, 1707, fl. 668 e 672 v.; 5 – Cf. N.º 3.


Antologia Prática de um Devocionário Popular Domingos Azevedo Moreira*

Páscoa Orações cantadas de “Aleluia” e “Alvíssaras” na Páscoa: Já apareceu Aleluia, Já ressuscitou Jesus. Já quebraram as algemas Que O prendiam à cruz. (C 171) Aleluia, aleluia, Aleluia com prazer, Ressurgiu Nosso Senhor Para nunca mais morrer Aleluia, aleluia, Aleluia que já é festa. Alegrai-vos, Mãe de Deus, Nossa alegria é esta. (EB, I. 149, 2.ª ed.) *Pároco de Pigeiros

Já o sacrário está aberto, Ele ainda se não fechou. Dêmos alvíssas à Senhora, Que o Senhor ressuscitou. (EB II. 182, 2.º ed.). Bendita e louvada seja A Ressurreição sagrada. Ressuscitou Jesus Cristo Domingo de madrugada. Ressuscitou glorioso Com prazer e alegria. Logo foi a visitar Sua Mãe, Santa Maria. Morreu e ressuscitou Da Sexta para o Domingo. Nesse tempo foi tirar As almas fora do limbo. (Mir 319) Oração popularizada: Ressuscitou Jesus Cristo, Aleluia, Aleluia, Aleluia. Ressuscitou como disse, Aleluia, Aleluia, Aleluia Já ressuscitou o Senhor, Aleluia, Aleluia Já ressuscitou como disse, Aleluia, Aleluia,

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Rainha do Céu, alegrai-vos, Aleluia, Aleluia, Ressuscitou, não está aqui, Aleluia, Aleluia Ressuscitou, subiu ao céu, Aleluia, Aleluia. (CTL 191) Alvíssaras, ó Virgem Santa, Pelas novas que Vos dou. Céus e terra já se alegram, Que Jesus ressuscitou. (CPP 72)

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Ó Estrela da Manhã, Dos pecadores sois guia, Dos anjos alegria, Virgem santa Maria, Rainha do céu e da terra, Virgem da Purificação, Dai-nos limpeza na alma, Mansidão no coração. Oh! Que gozos estarão na terra. (Mir 264)

Orações ao Espírito Santo (Pentecostes): Divino Espírito Santo, Divino Consolador, Consolai as nossas almas, Quando deste mundo forem. (RL 38. 50) Ponde-vos, povos, de joelhos P’ra adorar este Senhor. É o Divino Espírito Santo, O nosso consolador. (RL 38. 50) O Divino Espírito Santo É o senhor da consciência. Antes de me ir embora, Deite-me a sua santa bênção. (RL 38. 52) Dos pobres amante pai, Das graças dispensada,

Clara luz do coração, Vinde a nós, ó santo Amor. (RL 38. 51) Reuni os vossos filhos, Asseai vossa morada, Que o Divino Espírito Santo Lá fará sua morada. (RL 38. 51) Espalhai as vossas bênçãos, Ó Divino Espírito Santo. Acolhei todo este povo Sob esse divino manto. (RL 38. 51) Vinde, Pai dos pobrezinhos, Distribuir os vossos dons. A grandes e pequeninos, Vinde, amor dos corações! (RL 38. 52) Às almas que Vos imploram Escutai as orações. Aos fiéis que Vos adoram Dai os vossos sete dons. (Rl 38. 52) Sigamos todos à uma Com toda a nossa humildade: Esta é a terceira pessoa Da Santíssima Trindade. (RL 38. 52)

Corpo de Deus: Bendito e louvado seja O Santíssimo Sacramento, No céu que estais adorado Cada vez com mais aumento, Na terra sacramentado P’ra nosso belo sustento. Agora minha alma, Agora que estás a tempo,


Vai-me, Senhor, a empazar Neste meu coração duro Com que fizera chorar Lágrimas de sangue puro. Quem se houvera de ocupar A todas as horas do dia, Fazendo um acto de amor À Virgem Santa Maria! (Mon 213) Depois da amargura Vem o nosso Bem. Levai-nos à glória Para sempre, Amén. (RL 38. 49) Deste-Vos aos homens Em pão, em comida. Até o vosso sangue Nos dais em bebida. (RL 38. 48) Cruz que nos abra Do céu a ventura, Qu’o mundo só dá Constante amargura. (RL 38. 49) Tratais com amor, Senhor singular. Queirais para sempre Connosco ficar. (RL 38. 49) Bebida saudosa, O manjar dos anjos, Manjar desejado Dos próprios arcanjos Arcanjos e anjos Que lá no céu vejo. Oh! Sangue precioso Qu’eu tanto desejo. (RL 38. 48)

Convite que logre A minha memória. Abri-nos, Senhor, As portas da glória. (RL 38. 49)

Coração de Jesus e Coração de Maria: Ó Coração de Jesus, Tão amado coração, Ajudai-me nesta vida Sede a minha salvação. (CPMB 126) Ó Coração de Maria, Sois tão doce coração. Quer na vida, quer na morte, Sede a minha salvação. (CPMB 126) Coração de Mãe, Da divina graça, Livrai nossas almas Da eterna desgraça Coração de Virgem Divina de Dores, Rogai a Jesus Por nós, pecadores. (C 156) Orações popularizadas: Coração de Jesus está comigo Abri o Vosso Sagrado Coração. Oh! Jesus, mostrai-me os seus encantos, Uni-me a ele para sempre. Que todos os momentos e palpitações, Mesmo durante o sono, Sejam testemunhas do meu amor. E eu Vos digo sem cessar: Sim, Senhor, eu Vos amo, Aceitai-me o pouco bem que realize. Fazei a mercê de reparar

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O mal que eu tenho cometido, Para que assim eu louve no tempo E durante a eternidade. Ó Divino Coração de Jesus, Eu Vos ofereço Por o Coração Imaculado de Maria As orações, obras e sofrimentos deste dia Em reparações das nossa ofensas E por todas as intenções Que estais embalando Continuadamente neste dia. Pai Nosso, Ave-Maria e Credo. (TP 171)

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Ó Coração santíssimo de Jesus Ó fonte de todo o bem, Adoro-Vos, amo-Vos e Vivamente arrependido de Todos os meus pecados, Vos apresento este meu pobre Coração. Fazei-o humilde, paciente, puro em tudo, conforme o vosso desejo. Fazei, ó bem Jesus, Que eu viva em Vós E para Vós. Protegei-me nos perigos, Consolai-me nas aflições, Concedei-me a saúde do corpo E auxílio nas minhas Necessidades temporais, A vossa bênção em Todas as minhas obras E a graça duma santa morte, Amém. (Mens 96. 8)

Santo Nome de Jesus (outrora festejado em Janeiro): Bendito e louvado seja O santíssimo Nome de Jesus, Louvado na vida e na morte, Consola, conforta, dá graça e luz, Pois não permitais

Qu’eu viva nem morra Em pecados mortais. Em pecado mortal não hei-de morrer, Qu’a Virgem Santíssima me há-de valer Na maior aflição, Chamando eu por Ela do meu coração. Do meu coração Vos hei-de chamar, Gozemos todo o bem, Gozemos da glória para sempre, Amén. (EP 9. 973-974) Quando me deito nesta cama, Faço sempre o sinal da cruz, Para nunca me esquecer Do Santo Nome de Jesus. (TP 164) Santo Nome de Jesus, Alto na cruz! Morra o pecado, Viva Jesus! Verbo Divino, Anjo da luz, Valei-me, Jesus! (TP 147 e FN 8) Valei-me, Senhor, Às minhas Necessidades. O Pai me valha E o Espírito Santo me dê luz. Entregai minha alminha Ao Santo Nome de Jesus. (TP 151) Façamos o sinal da cruz Para afugentar o demónio. Santo Nome de Jesus Que nos guarde e assista Na vida e na morte e sempre. (ES 491) Obs. – No primeiro quartel deste século, havia o mês de Jesus em Loureiro – Oliveira de Azeméis (Rel 317), mas, em Lever, era o mesmo que o mês do Coração de Jesus, em Junho (Rel 193).


Em Válega, o mês de Janeiro era o mês do Santo Nome de Jesus (Rel 335).

Santa Cruz A 3 de Maio A festa de S. Cruz era tradicionalmente a 3 de Maio na antiga liturgia hispânica, substituída, no século XI, pela liturgia romana, que mantém a mesma festa no dia 14 de Setembro, sob o nome de Exaltação de S. Cruz. A Festa Litúrgica de 3 de Maio foi extinta em 1960 pelo Código de Rubricas (p.119). No dia da Vera Cruz Diz-se mil vezes “Jesus, Jesus”. (ES 504) ou seja: Rezavam-se 20 terços, nos quais a Ave-Maria era substituída pela palavra Jesus, e o Glória ao Pai era substituído pelas palavras “Maria, José”. (ES 504) Quando me deito e levanto, Faço o sinal da cruz, Para nunca me esquecer Do Santo Nome “Jesus”. (CPMB 128) Sai-te daqui, Satanás, Que parte do meu corpo, Na minha alma não terás, Que eu em dia de v. cruz Mil vezes disse “Jesus”. (C 161) Santa Cruz do Calvário, Morada de Jesus Cristo, Com a fé me Deus me quero E com as coisas más resisto. (Mens 92. 16) Cruz de Cristo seja sobre nós, Cruz de Cristo responda por nós

E nos livre de todo o perigo Que estiver para nós. (EB 6. 294) É de notar que, na freguesia de Argivai, concelho de Póvoa de Varzim, se encontra escrito no ano de 1756 o seguinte: “Que a festa do Senhor crucificado com o título dos Milagres se celebra em o dia três do mês de Maio, assim por ser já costume antigo como por ser o próprio dia em que a Igreja a soleniza” (A 265) Deus te salve, cruz bendita, Que no Céu estás escrita, No mundo trasladada: Os anjos que te acompanham, Acompanhem a minh’alma. (DL 129) Deus vos salve, cruz sagrada, Quem em ti morreu Me salve a minh’alma. (RL 38. 11) Façamos o sinal da cruz Para afugentar o demónio. Santo Nome de Jesus Que nos guarde e assista Na vida e na morte e sempre. (ES 491) Que a minha alma se não perca. Beijarei a Santa Cruz. Que a minha alma tenha luz Para sempre amén, Jesus. (Pedroso 389) Deus te guarde, Santa Cruz, Porta do Remédio humano. Fazei que não haja engano Quem no céu quiser entrar. Em dia de Santa Cruz Cem vezes me ajoelhei, Cem vezes me perseguinei

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E cem Avé Marias rezei E à Santa Cruz as entreguei. Deus te salve, Cruz Bendita, Que no céu estais inscrita, No caminho assinalada Para que rezemos um Pai Nosso A Jesus Crucificado. (Jorge Ventura, Montemuro, Viseu 2004, pág. 27, 65 e 43)

S. Salvador (transfiguração) 6 de Agosto:

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Salvador do mundo, Que a todos salvais, Salvai a minha alma, Bendito sejais. (ES 498)

Devoção a Nossa Senhora Nome de Maria: Nome de Maria, Que tão lindo é, Salvai a minh’alma, Que ela vossa é. Que ela vossa é E sempre há-de ser. Salvai a minh’alma Quando eu morrer. Quando eu morrer, Quando eu acabar, Levai a minh’alma Para bom lugar. Para bom lugar, Para o paraíso. Salvai a minh’alma No dia de Juízo. No dia de Juízo, Numa boa hora, Levai a minh’alma P’rò Reino da Glória. (F 179 e CPR 67)

Retrato de Nossa Senhora: Eu Vos peço, Senhora, Eu Vos peço com ternura Que me deixeis escrever Toda a Vossa formosura. Vossa cabeça, Senhora, Por Deus foi muito exaltada. Por isso tendes o nome “Virgem Pura, Imaculada” Vossos cabelos, Senhora, São mais finos que retrós, Para fazer ricos laços Para nos unir a Vós. A vossa testa, Senhora, Parece um campo de prata, Onde os anjos se recreiam E o meu coração se exalta Os vossos olhos, Senhora, São ricos e piedosos. Neles se alegram os anjos, Em vos amar venturosos. O vosso nariz, Senhora, É obra do Criador, Feito à vossa vontade P’lo vosso divino amor. A vossa boca, Senhora, Toda cheia de rubis, Onde se alegram os anjos E os mais altos serafins. Vossa garganta, Senhora, Mais alva qu’a neve pura, A que se abraçava Jesus, Senhor de toda a grandura. O vosso braço direito Que perdoa os pecadores, Perdoai-me a mim também Pelas vossas sete dores O vosso braço esquerdo Que nos livra do demónio, Livrai a mim também Pelo vosso matrimónio. O vosso peito direito, Chegadinho à natureza,


Qu’alimentava Jesus, Senhor de toda a grandeza. O vosso peito esquerdo Onde estava o Deus-Menino: Os meus olhos nunca viram Tão belo e tão pequenino. Os vossos braços, Senhora, Eu vou-me abraçar com eles. Quem com eles se abraçar, Grande prémio terá deles. Vossa cintura, Senhora, É decerto a mais delicada. Por isso tendes o nome “Virgem Pura, Imaculada”. Vossos joelhos, Senhora, Nos ensinam a oração. Sois a Rainha da Glória, Senhora da Salvação. Os vossos pés, Senhora, Mais alvos qu’a neve pura, Passaram grandes tormentos Pela Rua d’Amargura. Os vossos passos, Senhora, Quem m’os dera a mim seguir. Porque quem os seguir, Glórias tem p’ra possuir. Já não tenho mais que diga No fim do vosso retrato. Os meus olhos nunca viram Tão pequenino e exacto. Senhora, em vossa presença Em toda sois verdadeira. Venturoso é aquele Qu’em vossa santa fé creia. (RL 38. 55-56) Orações em geral a Nossa Senhora: Ave Maria, Perfeita Senhora, Templo e sacrário Da Santíssima Trindade. O vosso bendito Filho Foi a minha salvação.

Dai-me, Senhora, um comprido perdão De muitos e grandes E feios pecados. (OL 107) Ave Maria, Senhora minha, A Vós me encomendo De noite e de dia. (OL 50) Se eu tivera tantas lágrimas Como o campo tem de flores, Ainda não eram bastantes P’ra cantar vossos louvores. (L 128) Vós sois a arca aberta, Rainha da glória eterna. Ó Virgem, eu ando em guerra No mundo atentador. Virgem, pedi ao Senhor Que me ajude e que me valha A vencer esta batalha Contra o mau pensamento P’ra qu’eu siga o mandamento. Virgem, não queirais qu’eu perca Glórias p’ra qu’eu nasci. Virgem, lembrai-Vos de mim. (CPR 70) Ouvi, ó Senhora, A minha palavra. Minha alma se alegra, Por Vós será salva Ave, Maria puríssima, De Deus o cofre sagrado, Vinde salvar a minha alma, P’ra que Deus seja louvado. Ó estrelinha do Norte, Caminho da Salvação; Venho pedir-vos, Senhora, Que me deis a vossa mão, Se até aqui andei errada. (L 123)

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Que eu bem passe esta noite Melhor do que o dia, Ó Virgem Maria, Na graça de Deus Em vossa companhia. (CPR 65) Ó minha Mãe amorosa, A vossa bênção nos dai. Entregai-nos de corpo e alma, A vosso Eterno Pai. Ó minha Mãe amorosa, A vossos filhos lançai Vossa vista carinhosa E a bênção do Eterno Pai. (L 122 e CPR 65) 144

Deus te salve, clara luz, Contigo anda o bom Jesus. Acaba de nos salvar Pois Jesus morreu na cruz. (CPR 66) O Verbo Divino deu-me uma guia: Que fosse devoto da Virgem Maria. A Virgem Maria deu-me um livrinho: Que fosse devoto do Verbo Divino. Ó meu Deus na cruz, Salvai a minh’alma, Amém, Jesus. (CPR 72) Ó estrela de luz, Que a todos guiais, Guiai nossas almas, Bendita sejais, Mil vezes bendita, Mil vezes e mais, Louvada sejais. (Mens 92. 17) Orações especiais a Nossa Senhora: Ó Senhora do Rosário, Ouvi minha oração. Eu vos entrego a minha alma,

Ponde-a na vossa mão. Toda a vida andei errada Com um grande desatino. A minha alma anda em guerra Com o mundo tentador. Fazei que ela não se perca Quando deste mundo for. (L 126) Arca do Santo Sacrário, Virgem pura do Rosário, Dai-nos, Senhora, a salvação E o tempo necessário. (RE 145) Senhora da Guia, Que a todos guiais, Guiai a minha alma, Bendita sejais. (CR 202) Senhora da Graça, Que na graça estais, De graça Vos peço, Bendita sejais. (CR 286) Fui à Senhora da Graça Com a minha gente toda. Fui em graça, vim em graça, Foi milagre da Senhora. (CP 307) Nossa Senhora do Carmo Me valha Quando deste mundo partir. Lá no tribunal divino Penso que hei-de ser julgada. O anjo da minha guarda Venha comigo a meu lado. Como me apresentarei, Senhor, Diante da Vossa Real Presença? Perdoai-me os meus pecados E dai-me a Vossa bênção. (R 863)


Ficai entre nós, ficai, Senhora da Expectação. Aos de cá dai boa sorte E aos maus a contrição. (1)

Ó Virgem dos Altos Céus, Nossa Mãe, Nossa Madrinha: Dai-nos o Céu por esmola, Já que dele sois Rainha. (2)

Nossa Senhora da Ajuda, Ela nos queira ajudar: A livrar-nos do pecado Para nos podermos salvar. (3)

A Senhora dos Remédios Tem o remédio na mão: Tem o remédio da vida, Também o da salvação. (4)

A Senhora do Amparo Tem o amparo na mão: Amparai minha alma E também meu coração. (5)

Valha-me a Senhora das Dores Juntamente com a Senhora de Baleizão. Deus queira que eu nunca morra Sem ganhar a salvação. (AB 4. 310) Virgem Dolorosa, Que aflita chorais Cheia de mil dores. Bendita sejais. (6)

P.e José do Vale Carvalheira, Nossa Senhora na História e Devoção do Povo Português, Porto, 1989, p. 172. 2) Luís Chaves, Folclore Religioso, Porto, 1944, p. 89. (3) Cónego Manuel de Aguiar Barreiros, Nossa Senhora nas suas imagens e no seu culto na Arquidiocese de Braga, Braga, 1931, p. 88. (4) citado (na nota 2) Folclore..., p. 91. (1)

(5) P.e José Quelhas Bigotte, O culto de Nossa Senhora na Diocese da Guarda, Lisboa, 1948, p. 193. (6) E B, vol. 4, 2.ª ed., Lisboa, 1971, p. 142.

Senhora de ao Pé da Cruz Que vistes vosso Filho morrer, Compadecei-vos desta alma, Não a deixeis perder. (L 129) Nossa Senhora da Guia Tem uma guia na mão Para guiar minha alma, Minha alma e meu coração. (Ob 136) Senhora da Encarnação, Senhora de tanto poder, Tomai posse da minha alma, Não m’a deixeis perder. (OPP 164)

Devoção aos Santos Glorioso Santo António, Ó meu santo protector, Sede meu advogado, Pedi por mim ao Senhor, Protegei-me neste dia E por toda a minha vida. Na hora da minha morte Não me deixeis esquecida. (L 136) Ó meu S. Bartolomeu, A vós me encomendo eu, Que tendes todo o poder De prender e de soltar, Prendei-me o espírito inimigo, Comigo não possa entrar Nem de noite nem de dia Nem ao pino do meio dia. Em vosso santo louvor seja Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. (C 167) A São Caetano Pedimos com fé e reverência

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Que nos dê até à morte A divina Providência. (CPR 81)

Ela foi por Deus ouvida, Por ela veio a salvação. (CPR 147)

Ó Virgem Santa Luzia, Advogada da luz, Meus olhos vejam o dia Mas a minh’alma a Jesus. (EP 9. 465)

Santa Bárbara bendita No céu está escrita, Na terra afigurada. S. Jerónimo e S. Bárbara E quantos anjos há no céu Nos acompanhem nossas almas. (Mens 96. 8)

Senhora Santa Ana, Cobri-me com um véu. Eu sou pequenino, Levai-me p’rò céu. (L 134)

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Ó meu São Sebastião, Ó nosso protector, Dai-me água e misericórdia Pelo vosso amor. (CP 307) Santo Afonso de Ligório, Companhia de Jesus, Acompanhai a minha alma Para sempre, amém, Jesus. Deus Pai me valha, O Filho me benza, O Espírito Santo me aconselhe. (TP 153, FN 13) O Padre São Francisco, Meu divino amparador, Amparai a minha alma, Quando deste mundo for. (OPP 61)

Anexo I – Florilégio sobre a Morte Extraído deste Devocionário na parte já publicada. (Orações da noite e de dia, missa mês de Março, Quaresma)

Nas orações de dia e à noite: Sempre a pecar Sem emenda ter: Ninguém considera Que há-de morrer. Ao dar as horas: Abençoai, Senhor A hora da minha morte. Ao comer (no fim): Graças vos dou, meu Deus, Que me destes de comer. Dai-me o céu Quando eu morrer.

Ao deitar: Santa Ana e S. Joaquim, Na vida e na morte Lembrai-vos de mim. (CPR 80) S. Ana e S. Joaquim, Ensinai-me a vossa oração.

Se a morte vier buscar-me, Os anjos do céu me acudam. Se a morte vier de noite E eu não puder falar, Fale Nossa Senhora por mim.


Senhor, deito o meu corpo nesta cama E vós deitai a minha alma nos vossos braços. Se me deitar neste mundo E acordar na eternidade, Tomai conta da minha alma.

Se a morte me vier buscar, A Virgem me venha acordar.

Quanto à missa:

Três coisas peço ao Senhor Para me salvar: É confissão, Santa Unção E os óleos santos.

Nesta casa de Deus entro Por ser casa de oração Não morra a minha alma Não morra sem a vossa salvação.

Hei-de morrer não sei como, Serei julgado não sei quando [............................................] P’los meus pecados: acto de contrição.

Se morrer por este dia Não morra sem confissão.

Se viver, ajudai-me Se morrer, acompanhai-me.

Dai-me neste mundo a graça E no outro a salvação.

Se a morte vier buscar-me E eu não puder falar, Encosto-me à cruz e Entrego a minha alma Ao meu bom Jesus.

Água benta te recebo Em desconto dos meus pecados P’ra que à hora da minha morte Eles me sejam perdoados. Aqui deito água benta Com a dor no coração Para que na minha morte Me sirva de salvação.

Pra quando deste mundo for, Todos me serem perdoados. Se morrer sem fala [água benta] será minha confissão. À consagração:

No fim da missa: Adeus, santinhos todos, Eu de vós não me despeço. Na hora da minha morte A todos juntos vos convido. Se eu morrer E cá não tornar, Os anjos do céu Me venham buscar. Dai-me fala até à morte Para me poder confessar E um coração sempre forte Para nunca mais pecar.

Aparecei, Senhor, aparecei Nas mãos do sacerdote Para salvar a minha alma Na hora da minha morte. À comunhão: Neste amor quero morrer Neste amor quero viver E nele continuar Por toda a eternidade. Noutros casos: (mês de Maria: Março)

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Estas 100 Ave-Marias que eu rezei, No regaço de Maria as deitei. Se na hora da minha morte eu precisar, Senhora, por elas Vos perguntarei. Eu espero morrer, Na vossa Fé.

Anexo II – Florilégio sobre a cruz, o desprendimento e o pecado Cruz: Ao ver a cruz da igreja:

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Deus te salve, cruz. Por ti me salve Quem [Jesus] em ti me remiu. Deus te salve, cruz bendita [.........................................] Os anjos que te acompanham Acompanham a minha alma. Ao entrar na igreja: Vou beijar a santa cruz Que dê à minha alma luz [.........................................] Com a cruz na dianteira [.........................................] As portas do céu se abrirão E as do inferno se fecharão.

No ofertório: Eu me entrego a Jesus E à flor [Maria] donde nasceu E à hóstia consagrada E à cruz onde morreu. Se eu não puder falar, Eu direi “Jesus, Jesus”. Remi-me, Senhor, salvai-me Na árvore da bela cruz. Pela vossa santa cruz, Dai-me fé, graça e luz Para sempre, amém, Jesus. Façamos o sinal da cruz Para afugentar o demónio. Santo Nome de Jesus Que nos guarde e assista Na vida e na morte: sempre. Quando me deito nesta cama, Faço sempre o sinal da cruz Para nunca me esquecer Do santo Nome de Jesus. Deus te salve, cruz sagrada, Quem [Jesus] em ti morreu Me salve a minh’alma. Desprendimento:

Deus te salve, cruz bendita, Porta do remédio humano. Quem no céu quiser entrar, Tem o caminho bem plano.

Rezemos um Pai Nosso: Este mundo não é nosso. Rezemos uma Ave-Maria: Esta vida é um dia. Rezemos uma Salve-Rainha Em louvor da Virgem Maria.

Santa Cruz do Calvário, Morada de Jesus Cristo: Com a fé em Deus me quero E com as coisas más resisto.

Ó mundo, que foste mundo, Ó mundo, que tudo se acaba. [.........................................] A minha hora está chegada.


Quatro coisas tem Deus, Todas quatro o seu mandado. Uma é este mundo Que nos traz enganados. A outra é o purgatório Aonde se ocupa o pecado. A outra é o inferno Para onde vai o condenado. A outra é o céu Para onde vai o castigado [pela cruz].

Nesta cama me deito, A cama é sepultura, O lençol é a mortalha, A terra é o cobertor. Igreja e o céu: são parecidos

Pecado:

Quando vou para a igreja, Parece que vou para o céu. Vou visitar o Senhor Que está debaixo daquele véu.

[Judas:] Nós faremos como ele Ou talvez ainda pior.

Eu já vejo a casa santa, Parece que vou p’rò céu.

[Jesus] foi vendido por traidor E nós faremos o mesmo, Ainda faremos pior.

Deus te salve, casa santa, Onde Deus tem a morada.

E sempre a pecar Sem emenda ter! Ninguém considera Que há-de morrer! [Judas] vendeu-o por dinheiro, Nós vendemo-Lo por nada.

Anexo III – Comparações entre sono e morte, igreja e céu, pessoa e igreja Sono e morte: são parecidos Na sepultura dos vivos estou deitada. Na sepultura da vida me vou deitar. Nesta sepultura me deito, Com a mortalha me cubro. Se Deus me chamar a contas, Os anjos do céu me acudam.

Quando entro nesta igreja, Eu penso que vou p’rò céu. Quando nesta igreja eu entro, Parece que eu entro no céu. Antigamente, à porta principal da igreja (porta mais linda), o povo chamava a Porta do Paraíso. Também se parecem a pessoa e a igreja: Quando a pessoa está a comungar Da minha boca fizestes porta; Da minha língua, mesa [de comunhão] Da minha garganta, escada; Do meu coração, sacrário. Bendito e louvado seja O Santíssimo Sacramento. Compare-se com esta oração indiana: O templo é o corpo; O coração, o altar; O silêncio, a prece;

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a oferenda, nós mesmos; O Natal, cada segundo das nossas vidas. (1)

Na comunhão, a pessoa, se se imolar em sacrifício para se unir, comungando, a Cristo-Hóstia sacrificada por nós, poderá então dizer: [Senhor,] dá-nos o martírio, Dá-nos paz e amor, Dá-nos tudo isso. Faz-nos pão de Cristo, Faz-nos pão de Deus, Faz-nos pão de bem, Pão da eterna glória, Pão dos pães, Amém. (2)

Conclusão: 150

Antigamente, com a missa em latim, a participação do povo (em voz baixa ou só em pensamento com as orações aqui referidas) era mais interior (mais vivida), um tanto triste (pela lembrança do pecado), mais recolhida, enquanto agora, com a missa em português, com cânticos, a participação é mais exterior (menos vivida na alma), descaindo até em espectáculo e divertimento e sendo muito optimista, porque se crê estar “tudo bem”, pois até não se acredita lá muito nos pecados (não sendo até preciso confessar-se). As orações do povo falam muito dos sacramentos da confissão, santa Unção e Santíssimo sacramento(já não do baptismo, crisma, ordem e matrimónio). Nas orações da noite e ao tomar água benta, o povo lembra-se da necessidade da confissão frequente e até da confissão geral às vezes.

Anexo IV – Primazia da vida interior, reflectida na exterior e vida exterior relacionada com a interior

1) Hermógenes, Yoga – Caminho para Deus, 11.ª ed., Rio de Janeiro, 1992, p. 180. (2) Numa aparição de 16-5-1985, a Virgem Maria disse que a missa devia ser uma experiência de Deus da nossa parte (ver meu livro n.º 2 - Z 60 da caixa 176-V-2, p. 132.

A religião cristã não é propriamente só interior (só espiritual, só íntima, só na alma e só invisível), mas primeiramente deve começar por ser interior para depois passar a ser também exterior como reflexo ou incarnação dessa vida interior originária, ou seja, deve ser uma religião incarnada ou sacramental(1). Religião só espiritual é defeituosa como religião só exterior (aproximando-se da magia), é também grande defeito, pois, a faltar a parte interior básica, praticamente já está a deixar de ser religião. Ora a religião cristã actual está a ser, em muita gente, uma religião decorativa(2), quer dizer, uma religião muito mais exterior que interior, ou seja, uma religião espectacular (mais aparência ou fogo de vista ou fachada do que religião vivida), uma religião de coisas bonitas à vista (não passando disso), ou seja, mais estética que ética (moral vivida), uma religião de fantasia, de lirismos e feitios (incapaz de resolver os problemas fundamentais da vida), uma religião de “símbolos” ou “faz de conta”, mas não sendo nada afinal (não passando dum entretimento bonito, esquecendo o mais importante). Nesta religião decorativa, a pessoa sente-se contente e Deus como que fica esquecido, à margem, porque a parte interior e espiritual está amortecida ou até apagada e até não existe o espírito de sacrifício (a cruz). Numa época em que manda muito o sentimento como a nossa época (chamada, por isso, a época da post-modernidade), a religião decorativa avança mais. A antiga religião popular tinha, em bastantes casos, a primazia da vida interior, como se pode ver dos seguintes exemplos (até as orações da manhã e da noite não eram rezadas apenas num só momento, mas repartiam-se por vários momentos diferentes): Deus Pai, que me guarde, Deus Filho, que me guie, Espírito Santo, me alumie.

Minha alma por Vós suspira, Meu Deus, guiai-me Com o vosso dia.

(1) (2)

Alessandro Pronzato, La Provocación de Dios, Salamanca, 1975, p. 342. Ver bibliografia no meu trabalho H – TA - 300 da minha Biblioteca.


Que o Senhor seja meu pai, Nossa Senhora minha mãe E os 12 apóstolos meus irmãos.

E acordar na eternidade, Tomai conta da minha alma.

Anjo da minha guarda [................................] Entrega a minha alma Ao Senhor.

Se eu morrer, alumiai-me, Se eu dormir, acordai-me, Se eu viver, acompanhai-me.

O Senhor nos abra As portas do Céu E feche as do inferno À hora da nossa morte. Jesus vai comigo E eu vou com Ele. Aqui deito água benta Com a dor no coração Para que na minha morte Me sirva de salvação. Eu me entrego a Jesus [...................................] E à cruz onde morreu. Jesus é meu, Eu sou de Jesus. Jesus está comigo, Eu estou com Jesus.

Eu já vejo a casa santa, Parece que vou p’rò céu. Pecados meus, Ficai cá fora, Que eu [vou] entregar A minha alma Ao Santíssimo Sacramento. Agora chora, suspira, Considera a doutrina, Segue a lei divina, Emenda a tua vida. No fim desta vida, [...] Menino Jesus, Fechai os meus olhos Com suavidade, Tão bom que Vós sois. O Divino Sacramento É Ele o mesmo Senhor Que acompanha a nossa alma Quando deste mundo for.

Chorai, olhinhos, chorai Lágrimas de coração. [Pelos pecados] Senhor, deito o meu corpo Nesta cama E Vós deitai a minha alma Nos vossos braços. Se me deitar neste mundo

Também na antiga religião popular, a vida exterior fazia lembrar a vida interior como se pode ver destes exemplos: Lavo as minhas mãos P’ra que Nossa Senhora me lave o coração. Ó pecador, ama a Deus [....................................] Podes andar no trabalho Com Jesus no pensamento.

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[Ao dar as horas:] Abençoai, Senhor, A hora da minha morte.

[ao cozer o pão:] Faz-nos pão de Cristo, Faz-nos pão de Deus.

Graças vos dou, meu Deus Que me destes de comer sem eu merecer. Dai-me o céu quando eu morrer.

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Gungunhana a Caminho do Exílio Maria da Conceição Vilhena* I - Viagem para os Açores No ministério tinha-se discutido largamente sobre o futuro dos prisioneiros. Mas era segredo absoluto e nada transpirava cá para fora. Tudo o que a imprensa podia referir eram apenas suposições, porque a decisão foi tomada no mais absoluto sigilo. Sabia-se que as opiniões divergiam e era necessário evitar críticas ou comentários. A crise política era grande, os partidos a digladiarem-se, a monarquia a perder o crédito… Na imprensa, era vergonhosa a forma insolente como se insultavam, sem o menor resquício de respeito e boa educação. Portanto foi guardado segredo; e estava-se na esperança de que fosse mantido até ao último momento. Além de em segredo, a resolução havia sido tomada repentinamente. No dia 22 de Junho, o Director Geral da Secretaria de Guerra recebe da Direcção Geral do Ultramar o seguinte ofício, notado de urgentíssimo: “Devendo partir amanhã para os Açores a canhoneira Zambeze, encarrega-me sua Ex.ª o Ministro e secretários de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar de rogar a V. Ex.ª se digne solicitar do Exmo. Sr. Ministro da Guerra a precisa autorização para serem dadas por esse

ministério as ordens convenientes, a fim do Gungunhana e os três indivíduos que com ele vieram de Moçambique (Zixaxa Godide e Molungo) sigam a bordo da mesma canhoneira, convindo que o embarque se realize hoje pelas 8 horas da noite”. A autorização foi, pois, dada com a urgência pedida e as ordens cumpridas com igual urgência. Só o segredo não pôde ser mantido. Os jornais conseguiram a informação nesse mesmo dia 22 e, assim, alguns jornalistas do Diário de Notícias, Diário Ilustrado, Vanguarda, Popular e Século puderam assistir à saída dos quatro prisioneiros, de Monsanto, e ao seu embarque; só quatro a partir, porque as mulheres e o cozinheiro Gó iam ficar ainda no forte, sem saber que futuro lhes estava destinado. Quando se começou a pensar na transferência dos prisioneiros, haviam sido lançadas várias hipóteses: Cabo Verde, S. Tomé, Açores… a escolha recaiu na ilha Terceira, talvez por sugestão de Jacinto Cândido da Silva, então ministro do Ultramar, que era natural de Angra do Heroísmo. Além disso, já havia uma certa tradição de aí alojar soberanos presos: D. Afonso VI, no séc. XVII, havia passado cinco anos de reclusão, entre 1669 e 1674. O segredo guardado sobre a partida dos prisioneiros africanos tinha como fim evitar a aglomeração de curiosos, tanto na serra de Monsanto como nas ruas do trajecto até ao Arsenal; e o resultado foi o desejado, pois o movimento,

* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografia e história. Actualmente é aposentada e Presidente Honorária e Vitalícia da Associação de Solidariedade dos Professores.

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Reinaldo Frederico Gungunhana naquele fim de dia, era apenas o habitual. Só a muito custo e após um árduo trabalho de investigação, a comunicação social conseguiu a procurada informação, a tempo de enviar os seus representantes para os lugares estratégicos; e de tal modo o sigilo tinha sido guardado que, quando, pelas 6h 30 da tarde, chegam ao forte de Monsanto os dois “trens de praça”, para transportar os prisioneiros, o oficial de serviço ainda nem tinha recebido a ordem de entrega. Foi necessário esperar, e só quando o governador do forte, coronel Carlos Augusto Palmeirim, chegou uma hora depois, se pôde preparar os prisioneiros para a partida. Estavam estes estendidos nas suas camas, tranquilos, quase despidos. A notícia causou-lhes uma horrorosa surpresa, convencendo-se o Gungunhana, imediatamente, de que tinha chegado o momento de sua execução. Rolando-se no chão, recusava vestir-se, tremendo e fazendo o gesto de

lhe ser cortada a cabeça. O pavor era geral, sobretudo nas mulheres, gritando e chorando loucamente, sem quererem separar-se dos seus companheiros de infortúnio. O Godide era o mais calmo, certamente porque, como falava português, havia compreendido não se tratar de execuções, mas de um “passeio”, como lhes diziam. Haviam-lhes sido preparados fatos novos para a viagem. Porém, as calças de brim destinadas ao Gungunhana ficavamlhe tão apertadas que, ao chegar ao Arsenal, já a perna esquerda se tinha descosido. Cada prisioneiro preparou uma trouxa com os pertences e lá foram os quatro para fora da fortaleza, onde os dois trens os esperavam. Gungunhana sentou-se então no chão, com a cabeça entre as mãos, e os soldados tiveram de levá-lo a peso para o trem, onde Godide já se instalara. Zixaxa e Molungo ocuparam o segundo trem; e lá seguiram, escoltados por uma força de onze soldados e dois cabos de Cavalaria 4, sob o comando do 1.º sargento Germano Augusto Moreira. Partiram de Monsanto às 20h15, chegaram ao Arsenal às 21h10, onde os esperavam algumas senhoras e cavalheiros, munidos de bilhetes especiais, bem como os repórteres e alguns representantes das autoridades. Com o olhar errante e húmido de lágrimas, Gungunhana repetia obsessivamente a mesma pergunta: - Vai morrer? Ao apear-se, cada prisioneiro foi ladeado por dois marinheiros, armados de espingarda e sabre, que os acompanharam até ao rebocador Voador, para serem conduzidos à canhoneira Zambeze, fundeada a meio do rio. Todos, no limiar do aniquilamento. Molungo vai trôpego, mas ainda consegue caminhar. Não assim Gungunhana que teve de ser levado em braços para o barco. A ansiedade a mutilar-lhe os movimentos fê-lo vacilar diante da escada escorregadia que lhe apontavam. Subida pouco segura, mesmo para quem está no seu estado normal. E depois teria de saltar para um barco em constante oscilação. Gungunhana cambaleante, a gemer que não o matassem. Alguns, talvez, insensíveis à sua desgraça; e ele a tremer descontroladamente, apavorado. Soluça, geme, implora, humilha-se, pede perdão. Os últimos vestígios da sua dignidade decadente. Mas ninguém quer a sua cabeça, afirmam-lhe. Entretanto, na Zambeze, fazem-se os últimos preparativos para a viagem. Tratava-se de uma canhoeira de grande porte para a época, com uma tripulação de 113 membros,


à responsabilidade do capitão-tenente Emídio Augusto de Cáceres Fronteira, seu comandante desde 6-VI-1896, o qual viera para bordo nesse mesmo dia 22, pelas 20h 20, e aí ceara. Às 21h 30 chegaram os quatro prisioneiros africanos, acompanhados por uma força da marinha e um sargento, e seguidos por alguns repórteres. O comandante, que os esperava ao portaló, ordenou ao sargento que apalpasse os prisioneiros, por recear que possuíssem qualquer arma com que pudessem tentar o suicídio; mas nada lhes encontraram de preocupante: o Molungo e o Gungunhana levavam apenas umas caixas com tabaco e rapé; e o Godide, que parecia ser o tesoureiro do grupo, guardava o dinheiro que a todos tinha sido oferecido por aqueles que os haviam visitado no forte de Monsanto. Em seguida, os prisioneiros foram conduzidos aos seus alojamentos pela força de marinheiros, tendo ficado instalados no “bico da proa da coberta de vante”. O comandante mandou então buscar quatro enxergas, que foram colocadas nos beliches, dois a bombordo e dois a estibordo. Tendo-se-lhes repetido que não lhes sucederia qualquer mal, ficaram mais serenos. Gungunhana parecia agora apenas preocupado com as calças descosidas, alvo dos sorrisos trocistas do Zixaxa. Por ordem do comandante, os quatro africanos ficaram guardados por duas sentinelas à vista, tendo sido colocada uma outra na boca da escotilha que dava acesso à coberta onde eles tinham ficado alojados. O comandante deu ainda ordens terminantes à tripulação, para que tratassem os prisioneiros com todas as atenções, evitando-lhes todos os incómodos e dissuadindo-os de que algum mal lhes seria feito. A comida ser-lhes-ia fornecida já cortada, para que não se servissem de facas e assim evitar qualquer tentação de suicídio. Além disso, o comandante da Zambeze disse ainda ao Godide que, quando desejasse alguma coisa para si ou para os companheiros, se lhe dirigisse directamente, pois sempre nele encontraria apoio e protecção. Realmente continuavam a ser muitos os portugueses a discordar da atitude tomada, que consideravam injusta; na imprensa, continua-se a protestar por os presos andarem “à mercê do arbítrio do governo”, em vez de serem julgados por tribunais competentes; e consideravam como “cúmulo da crueldade” a decisão de enviá-los para uma prisão na ilha

Terceira, separados das mulheres. Violência e crueldade que destoam do carácter português, que não têm justificação plausível, e que são devidas à arbitrariedade do poder executivo. No dia 23, pelas sete da manhã, a marinhagem começa as suas habituais operações de limpeza. Arrumam-se as provisões, recebe-se o fornecimento de pão, água e carne fresca, fardam-se os marinheiros de azul, põe-se a máquina a funcionar. Às 11h 30 vem a bordo Jacinto Cândido, ministro da Marinha, acompanhado pelo chefe de gabinete, secretário do almirante e ajudante. Após as honras regulamentares, desceu a comitiva à coberta da proa, a fim de visitar os prisioneiros nos seus beliches. Gungunhana fumava, já então mais calmo. Às 12h 35 largava-se em direcção à barra. E lá vão. Também não conhecemos qualquer relatório sobre esta viagem; mas tivemos acesso ao Diário de bordo, em que colhemos algumas informações. À partida, o céu está nublado, o mar de pequena vaga, o vento torna-se fresco. Nos quatro dias seguintes o tempo vai estar variável, com aguaceiros, que passam, na última noite, a chuva miudinha e persistente. Finalmente avista-se o farol da ponta do Arnel, em S. Miguel; e, pouco depois, a ilha Terceira, tendo a Zambeze fundeado na baía de Angra, no dia 27, pelas 13h 30. Foram quase cinco dias de viagem, durante os quais os prisioneiros haviam sido autorizados a subir à tolda, mas sempre acompanhados por guardas, com receio de que algum se atirasse ao mar. Chegados ao porto de Angra do Heroísmo, o comandante envia dois ofícios a terra: um ao Governador Civil, comunicando trazer a bordo os quatro prisioneiros e esperar o seu acordo para proceder ao desembarque; o outro, ao general comandante da Divisão Central dos Açores, a quem faz igual comunicação, pedindo que sejam os ditos prisioneiros recebidos o mais breve possível no Castelo de S. João Baptista da ilha Terceira. No dia 29, já no porto da Horta, o comandante da Zambeze envia de bordo um ofício, ao secretário do Conselho do Almirantado, a comunicar que a sua missão havia sido cumprida: em Angra, após os cumprimentos às autoridades, havia feito a entrega dos prisioneiros, os quais desembarcaram escoltados por 18 praças da marinhagem e um 2º sargento. Assim terminara a última viagem dos quatro exilados de Gaza.

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II - Chegada a Angra do Heroísmo Pouco passava das 15h, quando os prisioneiros desembarcaram no porto de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira. Era o dia 27-VI-1896, um sábado estival de mornaça, aquele calor abafado e húmido, característico do clima açoriano. O cais da alfândega estava repleto de gente curiosa, vinda expressamente para ver os africanos. Eis como o jornalista de A União descreve a sua chegada:

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“O aspecto de Gungunhana e Molungo era de profundo abatimento. Ainda assim, no cais, o ex-rei de Gaza teve um soberbo e altivo olhar para a multidão que se apinhava na sua passagem. Vinham um pouco trôpegos, principalmente o Molungo. O grande e terrível Gungunhana, caminhando vagarosamente na frente dos seus companheiros de infortúnio, descalço, com a fralda de fora, uma trouxa ao ombro, escorrendo em suor, feito um maltrapilho, comoveunos profundamente. O valente e destemido régulo Zixaxa, rapagão forte e vigoroso, tipo distinto na sua raça, altivo, denotando nos seus movimentos e olhar incisivo a energia dum selvagem audacioso e traiçoeiro, causou-nos admiração. Molungo, verdadeiro tipo de árabe, feições regulares, delgado, alto, bem aprumado, olhar incerto e desconfiado, parece reunir as qualidades de conselheiro dum rei negro. Golide é um rapazola alegre, falador, com pouca experiência mas talvez com grandes esperanças no futuro. Em pequenas trouxas traziam quanto lhes pertencia. Os seus trajes eram ordinaríssimos e mal se compreende a economia do governo não lhes dando vestimentas decentes. Os prisioneiros seguiram pela rua Direita, rua da Sé, até ao castelo, onde chegaram às 4 ½”. Estavam cansados de partidas e chegadas angustiantes. Sempre a mesma dúvida sobre o futuro. A saudade da floresta e da família. O coração apertado, a respiração difícil. E sempre a mesma pergunta ansiosa: “que vão fazer de nós?”. Concentrando-se com humilhação e ódio no rosto do público que o observava, Gungunhana mostrou soberba. Um olhar altivo, mas um olhar ferido, acossado, impressionante. Soberbo, mas vulnerável. Humilhado, mas majestoso. Os açorianos não puderam deixar de condenar a maneira como os prisioneiros iam vestidos; e acusam Lisboa da avareza

que revelou, ao comprar-lhes uns fatos tão miseráveis. Quatro membros da aristocracia africana, despojados de tudo, terras, família, amigos… A multidão que se aglomerava na esplanada do castelo era ainda maior do que a do cais; e até dentro da praça havia algumas centenas de pessoas, que tinham conseguido autorização para aí entrar. Todavia é bem digno de louvor o comportamento correcto de toda essa gente. Apesar de serem alguns milhares, ninguém se atreveu a provocar os prisioneiros com gestos ou palavras insultuosas. O povo açoriano soube receber com hospitalidade os quatro africanos, no que foi ajudado, sem dúvida, pela imprensa, como podemos concluir do artigo publicado em A União, de 30-VI-1896, com o título de “Grandeza decaída”: “Esses quatro homens negros, mal trajados e abatidos que, impelidos pelo destino – bem fatal para eles – há dois dias pisaram a nossa formosa terra, que hoje lhes é a terra do exílio, tem jus ao nosso respeito, porque, ora, só neles deveremos ver a personificação de uma desgraça enorme!... E a desgraça, seja qual for a manifestação sob que se nos apresente, tem jus ao nosso respeito – exige-o mesmo”. E o jornalista continua o seu artigo, de quase três colunas, chamando a atenção para o facto de uma cor de pele diferente nada significar. Esses homens têm um coração que é foco de sentimentos, tal como o é nos brancos. Eram ricos e poderosos, viviam livres, com seus familiares e amigos, no meio de uma natureza pujante; e, de repente, viram-se despojados de tudo, trazidos para uma terra estranha e encerrados numa masmorra. Deve-se, pois, tentar imaginar o desalento que lhes vai na alma. Eles são as vítimas de “uma enorme desdita” e compete aos açorianos amenizar-lhes, quanto possível, a tristeza do seu exílio, tratando-os com o respeito e a consideração que lhes é devida. Assim discorria o articulista. O general Visconde de Vila Nova de Ourém, governador do forte de S. João Baptista, havia preparado as seguintes instruções, destinadas à guarnição do castelo: “Artigo 1.º - Que os quatro prisioneiros de guerra, Gungunhana, Molungo, Zixaxa e Godide, ultimamente removidos para esta praça, sejam alojados nas casas de reclusão n.ºs 177, 178 e 179, e tenham por homenagem o recinto do castelo desde as 8 horas das manhã até ao sol


posto, devendo durante este tempo serem vigiados pelos sargentos da ronda, nomeados para este fim, e pela segurança dos quais ficam responsáveis. Artigo 2.º - Fora das horas da homenagem e portanto durante a reclusão, um 1.º sargento nomeado diariamente no regimento de caçadores n.º 10, para pernoitar na casa da guarda do paiol, fica responsável pela segurança dos referidos prisioneiros, conservando a porta fechada e a chave em seu poder. Artigo 3.º - Que é defesa a entrada na casa da reclusão a qualquer indivíduo desde que não seja em objecto de serviço e ainda mesmo que a porta se ache aberta. Artigo 4.º - Que o Sr. ajudante da praça tome a seu cargo a conservação da sua saúde e limpeza individual”. Nesse mesmo número do dito jornal, faz-se alusão às medidas tomadas pelo governador do castelo, sobre “ a segurança dos seus hóspedes”, as quais não devem, todavia, constrangê-los na sua precária situação, recomendando ainda: “…à guarnição e mais habitantes do Castelo, as considerações devidas a prisioneiros de guerra, para não se ver obrigado a proceder rigorosamente contra quem faltar aos princípios de hospitalidade e caridade”. O jornalista louva “a recomendação altamente humanitária” do governador, e afirma estar certo de que tais determinações não serão infringidas, pois as pessoas manifestam uma grande simpatia pelos prisioneiros e ninguém os maltratará nem por palavras nem por acções. Os quatro africanos são seus hóspedes e não inimigos. III - Acolhimento Islenho Pela forma como a imprensa se refere aos prisioneiros africanos, vemos que Angra do Heroísmo abundou mais em educação e generosidade do que Lisboa. Parece haver um maior respeito pela sua individualidade e o desejo de lhes conceder alguma liberdade. Houve imediatamente uma particular preocupação com o seu conforto físico e o seu bem-estar social; e não faltaram críticas aos insultos e apupos de que haviam sido alvo nas ruas de Lisboa. Além disso, as pessoas apreciam as diferenças, sem qualquer desdém. Citam, por exemplo, a atitude tomada, ao receberem a visita do governador: enquanto que os portugueses se perfilaram, os africanos puseram-se de cócoras.

E o facto foi relatado como observação, naturalmente, sem qualquer intenção de minimizar. Aos açorianos não chocaram as diferenças culturais. Não só se concedia aos prisioneiros uma relativa liberdade, como foram estes equiparados a «2.ºs sargentos adidos a Caçadores n.º 10». Tinham assim direito ao abono de prato diário de 260 réis e ao rancho dos oficiais inferiores. Por precaução, nos primeiros dias, Gungunhana nada tomará, quer alimento quer bebida, que não seja antes provado pelo filho. Foi-lhes dada autorização de irem comer ao refeitório dos sargentos, nas horas das refeições dos oficiais inferiores arranchados. Aí comiam, utilizando os talheres como convinha. Ao chegar, o Gungunhana dirigiu-se ao oficial de serviço, um major, tratando-o por Mousinho, pois julgava ser este nome a designação de um cargo; mas em breve aprendeu o termo próprio, começando a perfilar-se e a fazer a continência sempre que por ele passava. Dizem com licença, sempre que alguém lhes impede a passagem, e muito obrigado, ao receberem qualquer oferta; mais correctos que muitos brancos de alta patente, afirmam os jornalistas. São frequentes as referências aos hábitos de higiene que revelam: não comem sem primeiro lavar as mãos e a boca; e, ao terminar a refeição, voltam novamente a lavar os dentes. Os jornais dos primeiros dias abundam em informações sobre o comportamento dos prisioneiros; pequenos episódios que denotam os seus hábitos, gostos, sentimentos… Comem nozes, mas a Gungunhana repugna-lhe que as quebrem com os dentes. Os dois mais velhos apreciam sobremaneira cheirar rapé; e conta-se como o faziam: «Enquanto detinham a pitada com o polegar e meio do indicador, estendiam sobre a parte posterior deste a maior porção possível de rapé, atiravam-no acto contínuo, com habilidade e numa fracção de segundo para o nariz, aspirandoo sem a mínima perda». Todos os etnólogos que têm escrito sobre os angunes se referem à utilização que faziam de estimulantes e narcóticos, pois era muito disseminado, entre adolescentes e adultos, o hábito de aspirar rapé. Um dos seus outros prazeres era o de fumar a planta cannabis, com fortes efeitos de desvario. No exílio, Zixaxa e Godide manifestaram preferir os cigarros; e

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agora, nos Açores, vão passar a fumar, certamente, o tabaco de produção local. Sempre que os visitantes lhes ofereciam onças de tabaco ou cigarros, colocavam-nos nos rasgos das orelhas, à maneira de brincos; e quando o Gungunhana se dispunha à sua sessão de fumo, era o filho que lhe trazia o rapé, na palma de mão, ficando sentado no chão, a seus pés, com ar submisso e respeitoso, até que o pai acabasse de o aspirar. No dia seguinte ao da chegada, que era domingo, houve a procissão de S. Pedro; e os prisioneiros estiveram na muralha, a vê-la passar, com certo agrado. Causou-lhes, porém, um imenso terror o primeiro foguete que explodiu no ar, mas, ao darem-se conta tratar-se de algo festivo, começaram a achar graça e a rir sempre que algum subia ao ar. Tendo o Zixaxa e o Godide manifestado o desejo de passear, foi-lhes dada autorização. E os primeiros dias não devem ter sido de grande monotonia, em razão das muitas pessoas que vinham visitálos, trazendo-lhes tabaco e outros presentes, entre os quais quatro bengalas, que muito apreciaram. Gungunhana mostrava-se bem disposto, sorria aos visitantes e, a alguns, chegou a abraçá-los e a beijarlhes as mãos. Todavia a sua saúde estava abalada, por um mau funcionamento do fígado. O seu maior pesar era devido, sobretudo, à ausência das esposas. Falava delas frequentemente, com os olhos arrasados de lágrimas e implorando que lhas trouxessem; mas, quando lhe propunham que escolhesse uma, respondia prontamente que não, a todas amava igualmente e não cometeria o que considerava uma afronta contra as seis restantes. Muitas vezes pediu ao Major Joaquim Gonçalves, o oficial com quem estava mais em contacto, que intercedesse em seu favor; porém, nada conseguiu. A moral portuguesa não se compadecia com a poligamia, mas aceitava a prostituição; por isso Gungunhana e os seus companheiros eram levados todas as semanas aos bordéis da cidade. O Zixaxa manifestara-se disponível para aceitar uma só das três mulheres que trouxera; inexplicavelmente nenhuma delas foi levada para a sua companhia. Dos quatro, é Godide o mais popular, o que conquista a simpatia de todos; sempre alegre, faz a delícia dos seus interlocutores, respondendo com precisão às perguntas que lhe dirigem. Quanto ao Zixaxa, impõe-se pelo seu garbo, pelo seu andar marcial. É um belo rapaz. O Godide manifesta o desejo de possuir um chapéu do

coco, o qual lhe é imediatamente oferecido; e também quer umas botas. Na primeira fotografia tirada em Angra, ainda estão todos descalços, mas Godide já traz o seu chapéu. Quanto ao Gungunhana e tio, conservam ainda as suas coroas de cera, tecidas no cabelo, que só muito mais tarde deixarão de usar. Como sabemos, entre os africanos, o chapéu era uma marca social. Os negros da Zambézia chamavam muzungo ao homem branco; e a mesma denominação era utilizada para designar «homem de chapéu», mesmo que fosse um negro. Portanto Godide, ao usar o chapéu, passou a ser um muzungo, mas não um muzungo qualquer, pois o coco não era usado senão pela alta sociedade e só em momentos solenes. Também o Zixaxa exigiu um chapéu; e, aos poucos, começam a europeizar-se: «O Zixaxa apresenta-se de chapéu de palha branca do Faial e gravata encarnada; o Godide, de chapéu de coco e gravata também de cor garrida. O Sr. visconde, de Vila Nova de Ourém, mandou dar a todos camisas de Oxford, de cores alegres». Até então, Gungunhana nunca andara calçado. Quando recebeu de Portugal a sua farda de coronel, desfezse imediatamente das botas, por lhe serem demasiado incómodas. Os seus pés tinham uma intensa prática de marcha e corrida, através da selva africana, por veredas inóspitas. Estavam endurecidos pelo exercício; e só muito dificilmente se terá habituado a duros espartilhos que lhe comprimiam os dedos e o deviam magoar. Mas os sapatos são o fruto de uma evolução e sinal de progresso. Aqueles prisioneiros africanos, que estavam a ser alfabetizados e iam receber o baptismo, tinham de se sujeitar a mais essa marca da civilização; por isso começaram a andar calçados, a usar chapéu, colarinho e gravata; enfim, aprenderam a espartilhar-se. Cheiram rapé, fumam, passeiam, fazem esforços para aprender o português. Recebem visitas que lhes trazem presentes e a vida parece não lhes desagradar, se não fora em forçado exílio. O que mais lhes desagrada é a comida: «Estranham muito a comida; e sendo-lhes fornecido um quarto de cabrito para que o arranjassem a seu modo, Godide, o folgazão e alegre rapaz, por um processo muito simples, a


água e sal, que introduzia em talhos abertos na carne, e um pouco de calor no forno do fogão, em pouco tempo arranjou um manjar delicioso!» Os visitantes vinham não só dos vários lugares da ilha Terceira, como também das demais ilhas do arquipélago. De S. Miguel, por exemplo, partiu a 26-VII-1896 (portanto um mês praticamente após a chegada dos prisioneiros) um barco transportando um grupo de micaelenses, com o fim único de os visitar. A curiosidade de poder vê-los e observálos era sempre acompanhada de palavras simpáticas e gestos de gentileza, presenteando-os com fruta, tabaco, dinheiro e «diversas pieguices». Assim iam decorrendo, tranquilamente, os primeiros tempos de vida insulana dos prisioneiros, e assim decorreriam até terminarem os seus dias nessa ilha tão hospitaleira. Zixaxa e Godide, os mais jovens, saem pelas ruas da cidade, a passear, tentando talvez um relacionamento com aquele lugar e aquele tempo. Não seria fácil aceitar o meio tal como ele era, tão diferente da sua África; e todos eles continuaram presos ao passado, às recordações de infância e juventude. Todos eles seriam presa de um tempo nostálgico arreigado na memória, que lhes manteria viva a revolta, para sempre. A total libertação da sua condição de estrangeiros seria assim impossível. Talvez nem disfarce, nem entrega: apenas uma resignação de duas faces – por dentro revoltada, por fora paciente. Eram habituais as preocupações anti-racistas dos açorianos, como pudemos constatar. Em 1881, havia sido levada à cena, no Teatro Angrense, uma peça intitulada A Mãe dos Escravos. Tratava-se de um drama, inspirado na Cabana do Pai Tomás, e era um apelo ao respeito e estima pelos negros. Em A União, de 8-VII-1902, encontra-se publicado um Diálogo dos Mortos, em que se procura mostrar que não há raças inferiores. A cena passa-se num campo de batalha no Transvaal; e o diálogo trava-se entre um cavalo e os cadáveres de um bóer e um cafre, o qual exclama: «Sim, falemos da vossa civilização, senhores brancos. Haveis começado por tirar-nos as nossas melhores terras, sob o pretexto de que a ignorância não nos deixava amanhálas convenientemente. E depois disto, vimo-nos despojados, embrutecidos, convertidos em escravos dos invasores desta

terra que era nossa, oprimidos pelos senhores de ontem e pelos senhores de amanhã; fuzilados por uns e por outros; pelos ingleses, se apoiamos os bóers; pelos bóers, se ajudamos os ingleses; e assim eis-nos condenados ao extermínio. E, não obstante, nós somos homens, nascemos como vós nasceis, em nome do mesmo direito». O jornalista que a publica faz alguns comentários, declarando estar plenamente de acordo com as palavras do africano; e que, tal como a Inglaterra, Portugal também tem as suas culpas. Os jornais terceirenses, ao referirem-se aos africanos, dizem frequentemente «os nossos prisioneiros»; e neste nossos pressente-se uma carga de ternura e simpatia que não se havia notado na imprensa lisboeta: «Os nossos prisioneiros, a não ser o natural ataque de nostalgia e saudades de suas companheiras, não têm outros cuidados. Constantemente visitados por pessoas que à porfia lhes levam presentes variados e gulosos, com o seu vestuário decente, as suas botas e chinelas de cores variadas, o seu rancho a horas competentes, liberdade relativa, tudo os deve ter feito considerar esta a terra da promissão, onde os sossego e bem-estar são o prémio dos que sofrem». O autor do artigo recorda a seguir as humilhações sofridas no forte de Monsanto, vindas tanto da parte da «soldadesca ignorante», e do Zé Povinho, que aí ia para insultar e ameaçar; como parte do Governo, pelo desprezo que manifestou, ao fazê-los partir ridiculamente vestidos e transportando cobertores sebentos. Agora, aqui em Angra, todos desejam obsequiar os quatro africanos, os quais, com uma política diferente, poderiam ter sido amigos e ter feito, em África, um trabalho de colaboração com os portugueses. Eis um resumo dos factos mais importantes relativos à vida de Gungunhana e seus companheiros, no primeiro mês que passaram no forte de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo.

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IV - O Dia a Dia dos Prisioneiros Falemos agora da forma como os quatro prisioneiros africanos preenchiam os seus dias, dos seus hábitos, da sua arte, do seu tédio.

Um dos seus hábitos de higiene a que mais se referiam os jornais açorianos, era o que dizia respeito aos cuidados com a boca:

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«Tributavam à boca especial e cuidada higiene. Todas as manhãs, com um pincel de nervura de palmeira, na dimensão de dez centímetros, esfregavam os dentes no sentido vertical e enchiam a boca de água para a devida lavagem – projectandoa fora, em seguida, a jeito de esguicho, a ir cair à distância de vários metros. Procediam, ainda, numa operação que durava cerce de vinte minutos, à limpeza da língua, com uma espátula de cana». A respeito da monotonia dos seus dias, escreve Pedro de Merelim: «Ainda para matar as horas de ócio, do dia-a-dia e do ano seguido de outro ano, laboravam com arte, perfeição o originalidade, nos moldes das suas regiões, condessas e outras espécies de cestas de vime e palha. Vendiam esses trabalhos facilmente, sobremaneira apreciados, de concepção e linhas inéditas entre nós. O público adquiria-os a título de recordação, mormente os forasteiros que, em trânsito por Angra, não deixavam de os visitar». Com efeito, os turistas que visitavam a cidade subiam frequentemente ao castelo para uma curta visita aos prisioneiros; e foi um desses visitantes, Tomás de Melo Breyner, já atrás referido, que trouxe o cestinho ainda hoje existente no museu da Sociedade de Geografia de Lisboa. Dentro vinha um rectângulo de papel azulado, com os seguintes dizeres: Feito por mim Reinaldo Frederico Gungunhana Castelo em Angra do Heroísmo aos 13 de Fevereiro de 1900

Documento precioso que se encontra actualmente arquivado, juntamente com as provas caligráficas de Gungunhana, Godide e Zixaxa, nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia (Pasta A, n.º 15). Vestígios dessas visitas encontrámo-los também num álbum da escritora micaelense Alice Moderno; entre endereços, dedicatórias e pensamentos de pessoas amigas, aí figuram os autógrafos de Godide e Zixaxa, numa caligrafia ainda hesitante, o que denuncia terem chegado há pouco tempo. Mais conhecemos o relato de uma outra visita desta escritora, publicada no seu jornal A Folha, de 12-V-1912. Nessa altura, os únicos sobreviventes eram o Zixaxa e o Molungo, a quem a jornalista entrevista. Eis como descreve o Zixaxa: «É um bonito preto, alto e desempenado, e tem um lindo porte e um melancólico orgulho de príncipe exilado. Foi-me apresentado, e trocámos um aperto de mão. Felicitei-o pelo facto de haver tão depressa aprendido a ler e a escrever, e ainda por ser o mais valente e hábil caçador de ratos da ilha. - Mas eu – respondeu-me, encolhendo os ombros – já não caço! Para quê?! – Aludia ao facto de não serem já pagas as caudas pela «Liga Exterminadora de Ratos» de Angra, cujo subsídio finalizara». Em seguida vem a escusada pergunta de saber se gostava mais de estar em África ou nos Açores; e a resposta, dada com «irónica indulgência», é a esperada, queixando-se do pouco que ganha e da comida, não propriamente daquilo que come, mas da maneira diferente de cozinhar. O desenraizamento e a saudade que cada vez mais se agravam. Alice Moderno fala-lhe em seguida da sua arte em cestaria; e pede-lhe para ver: «Zixaxa sorri tristemente, sai e volta com dois ou três cestinhos, muito bem fabricados, e de um feitio original. Pergunto-lhe o preço de um deles. - Meia coroa – responde, como que envergonhado de proferir com os principescos lábios uma tão plebeia quantia. - E vende todos os cestos que fabrica? - Todos; mas de que serve isto?! Um trabalho destes ocupa-me três dias. Três dias – remata amargamente – para ganhar meia coroa! Abro a bolsa e entrego-lhe a moeda, que ele, com um gesto de suprema indiferença, faz desaparecer numa das algibeiras».


Ao encerrar o artigo, a escritora micaelense diz que, segundo informação colhida posteriormente, Zixaxa é um «temível lovelace», apesar de desiludido e da sua «incurável tristeza». Nessa data já o Zixaxa tinha uma companheira com um filho, também chamado Roberto Zixaxa, que iria perpetuar a histórica presença africana na ilha Terceira. Depois da conversa com Zixaxa, Alice Moderno dirige a sua palavra a Molungo, que, se não falava português, pelo menos, compreendia-o. Nesta data, restava ao Molungo muito pouco tempo de vida, pois viria a falecer nesse mesmo ano. Teria então uns 80 anos. Velho e cego, tem contudo, ainda, a lucidez para rir ironicamente, quando ela lhe pergunta se gosta de estar em Angra. Primeiro ri e depois «suspira sugestivamente a sua saudade do torrão natal». Na Revista Insular e de Turismo, de Janeiro de 1928, encontramos, ao lado da notícia da morte do Zixaxa, a última fotografia que este tirara; tem, à sua direita, o marechal Gomes da Costa e esposa; e, à sua esquerda, Madame Pinto Correia e o tenente Aniceto dos Santos. Portanto, o hábito de visitar os prisioneiros prosseguiu, mesmo quando já só existia um dos prisioneiros. O fascínio pelo exótico? O exílio é sempre um lugar de despojamento e, às vezes, até, de purificação, pois que, no desterro, se pode ser acometido de clarividência e encontrar a verdade do passado vivido. De qualquer forma, exílio é nostalgia e degradação. V - Na Monotonia do Quotidiano O governador do castelo de S. João Baptista, Visconde de Vila Nova de Ourém, havia sido simpático com os prisioneiros, concedendo-lhes uma liberdade relativa, que lhes permitia andar livremente apenas nas dependências do castelo; e assim vão permanecer durante o mandato dos seis governadores que lhe sucederam. Até que, em 1901, o governo militar dos Açores começa a ser exercido pelo general Joaquim Pereira Pimenta de Castelo, o qual deu permissão, aos quatro prisioneiros, de saírem do castelo e andarem por onde quisessem. Gungunhana ficou-lhe tão reconhecido que, sempre que ouvia o seu nome, se perfilava imediatamente, em sinal de respeito. Alice Moderno, de visita a Angra, em 1912, publicou no seu jornal A Folha, de 12-V-1912, a seguinte descrição do forte onde os prisioneiros haviam sido alojados:

O castelo de S. João Baptista, situado no Monte Brasil, domina o porto de Angra de uma altura de quase 200 metros. Foi construído em 1591, durante a dominação espanhola, e é fortaleza de 1.ª classe, podendo considerar-se uma pequena povoação, onde residem o governador militar dos Açores e o seu estado-maior, oficiais subalternos e inferiores e praças. Há ali uma igreja, verdadeiros largos, ruas e travessas, como em qualquer povoado, e até, a pouca distância, um hospital militar. Era, pois, um vasto recinto, onde os prisioneiros podiam passear. Datando a sua construção do tempo de Filipe I, tratavase certamente de uma velha fortaleza, com más condições de habitabilidade. Todavia, as suas instalações tinham sido francamente melhoradas, segundo um relatório de 31-VII1869. Para aí havia sido desterrado em 1669, o rei Afonso VI, com 26 anos de idade; e aí ficara preso durante cinco anos. Podemos assim dizer que é um castelo à sombra de cujas paredes de guardam memórias tristes da nossa história. Durante as lutas entre D. Pedro e D. Miguel, novos prisioneiros aí são guardados. Depois são os quatro africanos que se vêm juntar a alguns republicanos encarcerados por ordem da monarquia. Do possível convívio entre brancos e negros, conhecemos apenas fotografias, como uma em que o Gungunhana está ao lado do Dr. Pinto Ribeiro, um dissidente político que aí cumpria a sua pena. Em 1913, uma nova leva de prisioneiros políticos é enviada de Lisboa para o castelo de S. João Baptista. Nesta data, já três dos africanos haviam falecido; restava só Zixaxa. A testemunhar do seu convívio com os camaradas de infortúnio, conhecemos uma fotografia: Zixaxa ao centro, à direita o tenente-coronel Liberato Pinto, à esquerda o capitão Feliciano Costa. E mais outros, muitos outros prisioneiros, de pele branca, de todas as classes sociais, viriam habitar essas masmorras; resistentes antifascistas que ajudaram a consolidar a democracia, a quem o presidente Mário Soares prestaria homenagem, aí descerrando uma lápide em 5 de Junho de 1989. Com mais liberdade, a vida dos africanos não seria propriamente insuportável; mas não deixava de ser, certamente, de uma grande monotonia, comiam, bebiam, passeavam… Eram correctos e tinham a simpatia da população. Godide era, a princípio, o mais alegre e tagarela. Pensava que voltaria um

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Gungunhana, Godide, Molungo e Zixaxa - 1899.

dia ao seu país e até desejava ir casado com uma branca. Mas, à medida que as esperanças iam morrendo e a tuberculose lhe afectava os pulmões, perdera a sua natural exuberância. Passou a ser uma pessoa doente e triste. O Gungunhana nunca pudera consolar-se da perda das esposas e tornara-se taciturno. Caminhava pelo Monte Brasil, caçando coelhos com um pau afiado, fazia cestinhos, que vendia, e embriagava-se frequentemente, passando longas horas deitado. O Molungo manteve-se firme no seu ódio ao branco, recusando-se a aprender a falar o português e a escrevê-lo. Devemos notar, todavia, que não deve ter sido apenas por ódio. Molungo tinha 60 anos e, nesta idade, é muito difícil esse tipo de aprendizagem. Conta-se que conseguiu memorizar apenas o Pai-Nosso; e que, a qualquer pergunta que lhe faziam, respondia sempre com fragmentos desta oração. Como era o único material linguístico que possuía, com ela resolvia todas as situações de comunicação. A letra do Pai-Nosso servia-lhe, pois, não só para exteriorizar sentimentos religiosos, mas também para resolver qualquer caso, com qualquer pessoa e em qualquer momento. Diz-se, porém, que o fazia conscientemente, com intencional ironia.

Zixaxa, o mais belo, mais ousado e mais inteligente, permanecera expansivo; pareceu adaptar-se ao meio, aprendeu a falar correctamente a nossa língua e dava gosto ouvi-lo conversar, discorrendo com argúcia e lógica. Ao chegar a Angra, vendo-o assim esbelto e decidido, os jornalistas auguraram-lhe grandes sucessos no amor, prevendo até uma proliferação de mulatinhos pela ilha; com efeito, foi o único a deixar descendência. Nos Açores, Gungunhana pôde retemperar-se do assédio desagradável daqueles que iam a Monsanto para se divertirem à sua custa. Os pesadelos que o atormentavam terse-ão desvanecido aos poucos. Não o querem matar, não o consideram indesejável. A tranquilidade de que goza tem, porém, as suas contrapartidas dolorosas – o seu isolamento e o esquecimento tanto a nível nacional como internacional. Bem tratado, protegido, imune, mas só. Numa solidão de difícil sobrevivência, mais dura talvez que a rejeição sentida relativamente às suas gentes. É certo que ali não vivia. Asseguravam-lhe uma vida sem turbulências, pacífica, tranquila. Mas Gungunhana não vivia, vegetava. Aquele que andava envolvido em constantes guerras parece estar agora rodeado de paz.. No entanto, perguntamonos: Não terá permanecido, entre ele e Zixaxa, um clima de acrimónia? Terão os Açores tido o dom de domesticar velhos demónios? Gungunhana e Zixaxa haviam passado de cúmplices a adversários. Depois a desgraça os unira por largos anos. E, nos Açores, não se lhes notava quaisquer ressentimentos. Conviviam com uma certa intimidade, conversavam espontaneamente, como se o destino comum que os aproximava tivesse varrido anteriores desavenças e traições. Talvez reconfortando-se mutuamente, consolando-se um ao outro dos azares que a ambos haviam destruído. Gungunhana deixara certamente de se julgar o herói dotado de um poder invencível, com o domínio efectivo sobre os outros régulos vizinhos. Suprimida a sua brutal tirania dinástica militar, sustentada pela imbecilidade servil dos subalternos, a animalidade prepotente do senhor de escravos começou a esvair-se aos poucos e a deixar transparecer aquela ternura que o Dr. Liengme lhe vislumbrava por vezes. Nos Açores, essa ternura vai jorrar, como conta o jornalista: Gungunhana e Molungo mostram uma grande predilecção pelas crianças, a quem costumam afagar carinhosamente; e,


ao fazê-lo, arrasavam-se-lhes os olhos de lágrimas. Estavam certamente a lembrar-se dos filhos deixados em África, de quem não tinham notícias e que não voltariam a ver. Os prisioneiros africanos constituíam, naquela ilha pacata, um motivo de atracção pitoresca. Quando, em 1899, esteve, em Angra, a Companhia Equestre de Ferroni e Hassam, estes dois artistas subiram ao castelo, a fim de apresentar aos prisioneiros alguns dos seus trabalhos; e o sucesso foi enorme. Gungunhana e seus companheiros apreciaram e divertiram-se

imenso, rindo ruidosamente, ao verem os trabalhos com os cães. Outra vez é o artista Manuel Amado, do “Circo Nava”, que aí vai também diverti-los, com um espectáculo agradável e animado, em que exibiu alguns números do seu burro sábio. Não sabemos se terá sido com a mesma intenção de distrair os quatro africanos que um jovem terceirense escreveu uma opereta intitulada O Gungunhana nos Açores, pois o jornal que dá a notícia diz apenas que foi representada no Angrense, a primeira casa de espectáculos da cidade.

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13-03-1896 - Paquete “ África” no Tejo, transportou de Moçambique o prisioneiro “Gungunhana” (Ngungunhane) Foto: Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa.


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O sono Edgar Carneiro*

No sono entramos livres, Não à força do fado Mas a convite lúdico dos sonhos Onde em cenário excêntrico E confuso Há conúbio de amor Tão vivo, tão preciso Que deixa a sensação Maravilhosa De sem chegar a hora Já estarmos subindo Ao Paraíso

11-11-2008

* Nasceu em Chaves em 1913. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra. Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho. Reside há 36 anos em Espinho, foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito. Tem 11 livros de poesia publicados, o último dos quais saiu a lume em 2003 e tem por título «Depois de Amanhã».


ANTECEDENTES ONOMÁSTICOS DO TOPÓNIMO LURIZ - S. MARTINHO DO CAMPO - VALONGO E ALPENDORADA E MATOS - MARCO DE CANAVESES (*) Domingos Azevedo Moreira (**) O topónimo Luriz (S. Martinho do Campo - Valongo), escrito «Luariz» em 1258 1, deve ser idêntico ao topónimo escrito em 1220 «Luriz» e «Luiriz» 2 da freguesia de S. Adrião de Oleiros (hoje do concelho de Ponte da Barca) e idêntico ainda ao topónimo Luriz de Alpendorada e Matos (concelho do Marco de Canaveses). A comparação do topónimo Luriz de Valongo com a riqueza da documentação onomástica do topónimo Luriz de Marco de Canaveses fornece um bom alicerce para a reconstituição etimológica, mediante as formas3 leoderiz em 10804, loderiz em 10865, loiriz em 10906, loeriz em 11237.

1 Portugalie Monumenta Historica, «lnquisitiones», p. 577; Corpus Codicum Latinorum et Portugalensium, I. 344. 2 Citadas (na nota 1) «Inquisitiones», p. 39. 3 Cfr. também Revista Lusitana, voI. 35, Lisboa, 1937, p. 126. 4 Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata e Chartae, p. 355, n.º 590. 5 Citados (na nota 4) Diplomata... p. 390, n.º 654. 6 Citados (na nota 4) Diplomata... p. 438, n.º 734. 7 Documentos medievais portugueses, voI. IV, tomo I, Lisboa, 1980, p. 315, n.º 381. (*) Artigo publicado com muitos erros ortográficos no livro Marco Histórico e Cultural – Actas de Eventos Marcoenses (1988 – 1998), Câmara Municipal de Marco de Canaveses, 1998.

**Pároco de Pigeiros

Assim, uma vez que a forma mais antiga leoderiz de 1080 (do topónimo do Marco de Canaveses) indica a origem num nome pessoal Leodorico que A. A. Cortesão cita já no ano de 10928 e até o referido documento de 1080 indica a pessoa leoderigus prolix leoderiquiz como proprietária (e com toda a verosimilhança a fundadora) dessa aldeia de leoderiz (Marco de Canaveses), cabe muito bem supor idêntico facto originário (embora até com outra pessoa de igual nome) no caso de Luriz (S. Martinho do Campo - Valongo), até porque a forma Luariz de 1258 evoca muito de perto a referida forma loeriz do topónimo do Marco de Canaveses. A relação onomástica dos topónimos Luriz com o nome pessoal Leoderico em 1092 / Leoderigus no século XIll 9, feita por Joseph M. Piel 10 e pela Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira 11, foi anteriormente já apresentada por José Joaquim Nunes em 1925 12.

Onomástico Medieval Português, Lisboa, 1912. Citado (na nota 8). Onomástico... 10 Os nomes germânicos na toponímia portuguesa. Lisboa, 1937 e 1945, p. 197; Joseph M. PieI, Dieter Kremer, Hispano-Gotisches Namenbuch, Heidelberg, 1976, p.192. 11 Apêndice sub voce Alpendurada, p. 177 e voI. 39 p. 211 sub voce Campo (Valongo). 12 Homenaje ofrecido a Menendez Pidal II, 595. 8 9

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Quanto aos antigos topónimos Louriz e Loveriz em 125813, hoje Laboriz em Telões (Amarante), Leoueriz em 109714 e Loveriz em 1258 em Burgães (Santo Tirso)15 e Louriga no século XIV, hoje Loriga em Seia referido por Joaquim da Silveira16, o caso parece ser mais delicado, pois, se a Joseph M. PieI pareceram relacionar-se claramente com nomes pessoais do tipo onomástico liub / leub / leob / leov17 do género de Leobigildo em 976, Leouerigu em 1044. etc.18, a Joaquim da Silveira e à Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira19 pareceram ligar-se ao referido nome pessoal Leo(d)erico (cfr. as formas citadas leoderiz, loderiz e loeriz), pois o desenvolvimento fonético de v a seguir a vogal u (ou o) está documentado nos topónimos Teu(d)ilanes / Tibães (Braga)20 e Sunilani / Sevilhão, Rio Tinto – Gondomar21 sendo este último cognato do topónimo Soalhães (Marco de Canaveses). Já Von Grienberger comparou22, quanto às evoluções fonéticas, os nomes pessoais em Liud e Tiud: Leodemondo e Teoderedu (ambos com eo), Loderigu e Todemondi (com o), Ledegundia e Tedegundia (com e), cfr. ainda (com iu) Liut-bald e Thiutbald23 e assim, havendo a evolução fonética Teu(d)i(l)anes /Tibães, não era de surpreender o mesmo em leo(d)eriz / «Leoueriz» / Laboriz (com a consoante labial b ou v como fruto da consonantização da parte final da vogal labial u ou o). O alcance desta possibilidade interpretativa deverá ser ainda mais bem estudado, nomeadamente a possível colisão dos dois temas onomásticos em causa. Quanto à forma Luariz de 1258 (do topónimo de Valongo), é de supor equivaler (por via evolutiva) à forma loeriz (do topónimo do Marco de Canaveses), pois, sem entrar no assunto da ligação vocálica entre os componentes na onomástica germânica e da passagem a a de qualquer vogal átona seguida de r na linguagem popular segundo o tipo número / popular númaro, americano / popular amaricano,

etc.24, bastará notar que o topónimo Gonteriz (assim escrito em 1110) da freguesia de Estela (Póvoa do Varzim) já aparece escrito Gontariz (com a) em 116125 e assim não é de estranhar que, a par da forma loeriz, apareça também a forma Luariz (em 1258). O primeiro elemento Leod (de Leodo-rico) consta da lexicografia dos diversos grupos linguísticos germânicos26: 1.º - Grupo oriental (afim do nórdico): • gótico liudan «crescer»; • visigótico leodes «nobres», «gente»; • borgúndio leudis «liberdade comum» (para todos); 2.º - Grupo ocidental: sector do alto alemão: • antigo alto alemão liut «povo»; • alemão moderno Leute «povo»; • sector do baixo alemão: antigo franco liod «povo»; • antigo saxónico: liud «povo» e antigo inglês leod «príncipe»; • antigo frísio liod «povo». A diversificação vocálica iu/eo/eu e consonântica d/t é conhecida doutros casos paralelos27: gótico kiusan e thiuda, antigo nórdico kiosa e thiod, anglo-saxónico ceosan e theod, antigo alemão kiusu e diot (novo alto alemão deut-sch); antigo nórdico god, antigo frísio e saxão god, antigo alto alemão got. O conceito de «povo» inspirou a formação de nomes pessoais nas línguas germânicas como se vê do tema fulc «povo» (alemão moderno VolK «povo») e nomes pessoais Fulcradus, Fulc-lindis, etc.28 e do tema thiuda «povo» e nomes pessoais Teodoricus, Teodosindo, etc.29, o que também acontece no antigo helénico com os temas dêmos «povo»

Revista Gaya II (1984), p. 132 Biblos 34 (1958), p. 4. 25 Biblos 34 (1958), p. 4. 26 Citados (na nota 10) nomes germânicos..., p. 197 e Hispano-gotisches..., pp.191-192; M. Schönfeld, Wörterbuch der Altgermanischen Personen – und Völkernamen, Heidelberg, 1911, p. 154 sub voce Leudomarus; Julius Pokorny, Indogermanisches Etymologisches Wörterbuch, I Bern und München, 1959, p. 685; A. Walde, Laiteininisches Etymologisches Wörterbuch, Heidelberg, 1965, sub voce liber; Émile Benveniste, Vocabulário de las Instituciones Indoeuropeas, Madrid, 1983, p. 209. Sobre leodes «nobres» nas Leges Wisigothorum, ver Revista de Filologia Española, 19 (1932), p. 141 e 30 (1946), p. 302; Winfred P. Lehmann, A Gothic Etymological Dctionary Leiden, 1986, p. 234. 27 Hans Krahe, Linguística Germânica, Madrid, 1977, p. 63 e 102 (na p. 36 fala das afinidades do germânico oriental com o nórdico); André Moret, Phonétique Historique de l’Allemand, Paris, 1953, p. 51. 28 Citados (na nota 10) nomes germânicos..., p. 109. 29 Citado (na nota 8) Onomástico... 24 25

Citadas (na nota 1) Inquisitiones, p. 628. Citados (na nota 4) Diplomata... p. 513, n.º 864. 15 Citadas (na nota 1) Inquisitiones, p. 533. 16 Revista Lusitana, vol. 38, Lisboa, 1940-1943, p. 299. 17 Citados (na nota 10) nomes germânicos..., p. 189 e Hispano-gotisches..., p. 194. 18 Citado (na nota 8) Onomástico… 19 voI. 31, p. 162 sub voce Telões (Amarante). 20 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira sub voce Tibães, p. 609; Biblos 34 (1958), p. 85. 21 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 28, p.626 sub voce Sevilhão. 22 Zeitschrift für deutsche Philologie, voI. 37 (1905), p. 547. 23 Breiträge zur Namenforschung, 4.º ano, fasc. 1, Heidelberg 1953, p. 9. 13 14


laós «povo» (donde os nomes pessoais Demócrito, Nicolau, etc.). Quanto aos nomes pessoais formados com (Le(o)d / Liut), Ernst Förstemann,30 citando Wini-liut, Vulfoleud, Adalleod, Heri-leut, etc., enumera ainda Leude-ricus, (nome de um bispo de Urgel, no século VIll) e variantes Leud-ricus, Leod-rich, Leot-ricus, Liuti-ric, liud-ric, etc., acrescentando ter o tema Liut I Liud I Leot I L(e)od colidido na evolução fonética com os temas leuba (a que nos referimos acima a propósito de Laboriz), hloda, leuz e hleud. Entre nós, A. A. Cortesão 31 documenta nomes pessoais L(e)o(d) como Leoderigus séc. XIII e Loderigu em 985, Leodesindo em 967, Leodemaro em 1037, Leodemundo em 915, Leodegildo em 1009, Leodegundie em 990 e Ledegundia em 928. Neste nosso caso peninsular será difícil fazer a destrinça das formas onomásticas dos vândalos e visigodos (grupo oriental) e dos suevos e até francos (grupo ocidental) além do facto de estes nomes pessoais destes vários povos germânicos terem sido depois usados pelos naturais hispanos. Na Catalunha documentam-se nomes pessoais como Leuderico em 913, Lofredo, Lodesindo, Leudomirus, etc.32. Nos lombardos (grupo ocidental) conhecem-se Liudericus, Liodoald, Liutolfus, Liutfrit, etc.33. Nos borgúndios (do grupo oriental) temos por exemplo Leudfred bem como Leudiharjis, Leudiwulfs, etc.34. Entre os francos podemos citar os nomes pessoais Leotsindus, Leotericus, Leuthbertus, etc.35. O segundo elemento rico (de Leodo-rico) é por demais conhecido na onomástica germânica de nomes pessoais como Astericus, Audericus, Amalaric, etc. e consta da lexicografia dos diversos grupos linguísticos germânicos36: 1.º - grupo nórdico: antigo islandês Land-reki «rei»; sueco rike «reino»;

Altdeutsches Namenbuch. Bonn, 1900, colunas 1030-1031, 1047. Citado (na nota 8) Onomástico... 32 Dieter Kremer, Die Germanischen Personennamen in Katalonien, Barcelona, 1969-1972, p. 172. 33 Wilhelm Bruckner, Die Sprache der Langobarden. Strassburg, 1985, p. 279. 34 Ernst Gamillscheg, Romania Germanica I (Berlin und Leipzig, 1934), p. 72, 422,318 e III, 1936, p. 136. 35 Marie-Thérèse Morlet, Les Noms de Personne sur le Territoire de I’Ancienne Gaule du VI.e au XIII.e siècle, vol. II, Paris, 1972, índice, p. 162. 36 Citado (na nota 30) Altdeutsches…, colunas 1253-1254; citado (na nota 26) Indogermanisches..., p. 856; Dicionários (da colecção Berlitz) de suecoportuguês e holandês-português; citado (na nota 26) A Gothic…, p. 283.

2.º - grupo oriental: gótico reiks «rei» e reiki «império». Em gótico ei é uma grafia por i como au por o como se vê por exemplo das palavras Peilatus (Pilatus), Seimon Paitrus (Simon Petrus), praitauria (pretoria), etc. da Bíblia gótica, de Úlfila, do século IV 37. 3.º - grupo ocidental: sector do anglo-saxónico riki «reino»; sector do alto alemão: antigo alemão rihhi «reino»; novo alto alemão Reich «império»; sector do baixo alemão: holandês rijk «reino, império»; antigo frísio rike; antigo inglês rice. O conceito de «rei-chefe» é susceptível de aplicação antroponímica como se vê dos temas germânicos waldan «governar» e nomes pessoais Manualdus, Astrualdus, etc. e frauja (pronunciado froja) «senhor» e nomes pessoais Frojulfus, Frogia, etc.38. Da grande série de nomes pessoais em ric, apenas a título de curiosidade exemplificaremos os nomes ainda actuais de Odorico, Eurico e em tempos antigos nos diversos grupos linguísticos: a) no grupo oriental (muito afim do nórdico): Hildirix rei dos vândalos, Alaricus rei dos visigodos, Geberic rei dos ostrogodos, Ardaricus rei dos gépidas, Hilpericus rei dos borgúndios, Halaricus rei dos hérulos, Fredericus rei dos rúgios, Gadaricu rei dos gutones; b) no grupo ocidental: Ermanaricus rei dos suevos; Agenarichus rei dos alamanos, Ascaricus rei dos francos, Malarix rei dos frísios39. Os elementos germânicos do nome pessoal Leode-rico têm ainda um substrato mais vasto, pois constam das várias línguas indoeuropeias como vamos ver.

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37 António Tovar, Lengua Gótica, cuaderno IX do Manual de Linguística Indoeuropeia, Madrid, 1946, p.42. 38 Enciclopédia Linguística Hispánica I, Madrid, 1960, p. 440. 39 Citado (na nota 26) Wörterbuch der Altgermanischen..., p.137, 9, 104, 34, 138, 289, 286, 291, 3, 32, 159.

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I - Assim o elemento Liut /Leod40 aparece nas: Línguas de tipo «centum» (com a noção de «liberdade» e «plantar, desenvolver», unida à de «povo»): citado germânico liudan «crescer» / leode «povo»; grego eleutherós «livre»; latim liber «livre» e osco luvfreis «livre»; antigo irlandês luid «crescer»; albanês lind «cria, produz»; Línguas do tipo «satem»: antigo eslavo ljudu «povo» e lituano liaudis «povo»; indo-iraniano - sânscrito rudh «crescer» e rodhati «sobe»; - avéstico rud «crescer» (noção de «crescimento, desen-volvimento», unida à de «povo»).

O I inicial está representado (em vários casos) por r nas línguas do grupo indo-iraniano como consta de vários exemplos41 como os seguintes: latim lux clino liber

indo-iraniano rocate srayati rudh e rodhati

Quanto às correspondências das vacilações vocálicas grego eu, latim i, celta u, gótico e eslavo iu, eis alguns casos paralelos deste facto 42:

grego

latim

gótico

eslavo

indiano

liubas liubath liudan

ljubu

lubh

leucós eleutherós

lubet (libet) lux Lib-er

ljud-u

rudh

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Quanto às correspondências consonânticas das dentais t, Ø, dh, d, com a labial (latina) b, notar também alguns casos paralelos43: continua na pág seguinte.

grego

sânscrito

germânico

latim

e-ryth-rós uth-ar

rohit (a) udh-ar rudh rodh-ati

antigo alto alemão rot “ “ “ ut-ar liud-an leode

ru-ber ub-er liber

e-leuth-rós

40 A. Ernout, A. Meillet, Dictionnaire Etymologique de la Langue Latine, 4.º , ed. Paris, 1959, p. 355 sub voce liber; citado (na nota 26) lndogermanisches..., pp.684685; citado (na nota 26) Vocabulário..., p. 209; Oswald Szemerenyi, Introducción a la Linguística Comparativa, Madrid, 1978, p. 118. Pierre Chantraine, Dictionnaire Etymologique de la Langue Grecque, Paris, 1983, p. 337 sub voce ‘eleutherós. Sobre o sufixo de ‘eleutherós vide P. Chantraine, La Formation des Noms en Grec Ancien, Paris, 1933, p. 229. Ver ainda citado (na nota 26) A Gothic..., p. 235. 41 Hans Krabe, Linguística Indoeuropea Madrid, 1953, p. 91. 42 Citada (na nota 40) Introducción..., p. 67. 43 Francisco R. Adrados, Linguística Indoeuropeia I, Madrid, 1975, p. 247; citado (na nota 40) Introducción..., p. 67 e 83; citado (na nota 26) Indogermanisches..., p. 347.


Quanto à adição da vogal inicial e- em grego (e-leuth-erós, e-ryth-ros), notar ainda o caso paralelo de e-reb-os perante o gótico riqis44. II - O segundo elemento Ric de (Leode-rico) aparece, segundo Émile Benveniste, nos extremos (oriental e ocidental) das línguas indo-europeias ou seja46: sânscrito raj «rei»; lituano rykis «rei» tirado do antigo prussiano rikijs «senhor»; latim rex, reg-is «rei»; citado gótico reikis «rei», etc.; celta - antigo irlandês ri, rig «rei»; címbrico rhi «rei»; - gaulês rix «rei» em nomes pessoais como Toutiorix, Caturix, Boiorix, Vercingetorix, etc.

latim fe-ci se-men

mensis

gótico etc. missa-des mana-seths

menoths mers «célebre»

Mas a unir os dois extremos geográficos há uma série de vocábulos um tanto relacionados com a ideia de «rei» (dominador), isto é, tocariano rak «cobrir» (dominar), arménio arcvi «águia» (dominadora das alturas), grego orégo «tendo para» (domino), Reitia (deusa véneta dos nascimentos, dominadora da existência), lituano raza «esticar» (dominar), ruso rok «o destino». Sobre as correspondências vocálicas e (latim, gótico, frísio e em parte anglo-saxão e antigo nórdico), a (restantes falares germânicos e sânscrito) e i (celta), notar alguns casos paralelos47:

restantes falares germânicos antigo alemão tat antigo alemão sa-mo

Citada (na nota 40) Introducción..., p. 93. Citado (na nota 26) Vocabulário.. . p. 243. 46 Citado (na nota 26) Indogermanisches... p. 855-856, Revue Archéologique, troisième série, tome XVlll, Paris, juillet-décembre, 1891, p. 83; citados (na nota 10) nomes germânicos..., p. 238; Whitley Stokes/Adalbert Bezzenberger, Wortschatz der Keltischen Spracheinheit, Göttingen, 1979, p.230; J. Vendryes, Lexique Etymologique de l’Irlandais Ancien, Lettres RS, Paris, 1974, p. R - 25 s. v. ri; citado (na nota 26) A Gothic..., p. 283; Elmer H. Antonsen, A Concise Grammar of the Older Runic Inscriptions, Tübingen, 1975, p. 55. 47 Citada (na nota 41) Linguística Indoeuropea, p. 63 e 86; citada (na nota 40) Introducción..., p. 57; citados (na nota 10) nomes germânicos..., p. 208 e 204; citada (na nota 27) Phonétique..., p. 53; citado (na nota 26) Indogermanisches..., p.731-732, 704; citada (na nota 27) Linguistica germânica, p. 61-62, 68; Alberto Zambom, La Etimologia, Madrid, 1988, pp. 11-12.

celta

sil (ant. irlandês)

médio alto alemão manot antigo alto alemão mar

Ora, não condizendo a identidade de vocalismo de reikis (=rikis) do germânico e do celta (ri, rix) com a variedade vocálica (celta i e gótico e) das correspondências acabadas de apontar, tem-se considerado o termo gótico reikis, segundo a interpretação de Henri Hubert48, H. D’Arbois de Jubainville49 e Hans Krahe50, como adoptado do celta pelos germanos (povos ambos vizinhos), o que também aconteceu com outras palavras do Direito Público e Privado como alemão Erbe «herança» e irlandês orpe, gótico dulgs «dívida» e irlandês dligim «tenho direito a»51.

sânscrito da-dha-mi

ant. irl. mi

Finalmente, cumpre observar que na história e tradição linguística dos dois elementos do nome pessoal Leode-rico, cristalizado no topónimo Luriz, ainda continua vivo o segundo elemento no actual vocábulo rico, mantendo-se o antigo significado de «rei», «nobre» no termo medieval rico-homem52 que era o «nobre com autoridade pública (...) membro da alta nobreza»53.

44 45

Los Celtas y la Expánsion Céltica hasta la ...época de La Téne, l, Barcelona, 1941, p. 89. 49 Citada (na nota 46) Revue Archéologique, tome XVII, janvier-juin, 1891, p. 188. 50 Citada (na nota 41) Linguistica Indoeuropea, p. 34. 51 Citada (na nota 46) Revue Archéologique_, tome XVII, janvier-juin, p. 188. 52 J. Corominas, J. A. Pascual, Diccionário Crítico Etimológico Castellano e Hispânico, voI. V, Madrid, 1980, sub voce rico pp. 10-11; citada (na nota 34) Romania Germânica I, 375; Revista de Filologia Española 19 (1932), p. 230 e 30 (1946), p. 300. 53 José Mattoso, Identificação de um País, voI. l, Lisboa, 1985, pp. 134-135. 48

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Altíssimo Douro João Pedro Mésseder*

O sol é bravo e os cabeços de pedra afrontam o céu. Torneando o verde que escorre dos montes a serpente azul desliza a caminho do mar.

* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou vários livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), múltiplos títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.


Brasil: Descobrimento ou Achamento? Tiago Santos*

Quando a 22 de Abril de 1500 a armada liderada por Pedro Álvares Cabral avista terra, a sua missão inicial foi a de estabelecer uma posição forte dos portugueses no comércio das especiarias na Índia. O contacto foi efectuado, segundo as fontes históricas, devido ao conselho do navegador Vasco da Gama para Pedro Álvares Cabral de realizar uma grande volta para ocidente no Oceano Atlântico, de forma a encontrar, a sul do Equador, os ventos de Sueste para uma passagem tranquila do Cabo da Boa Esperança. A sua missão inicial não ficou comprometida já que, após o envio de uma das embarcações para Portugal, de forma a transmitirem a novidade ao monarca português, a armada prosseguiu viagem rumo à Índia. Este facto mostra fundamentalmente o desinteresse inicial neste novo território. Naquele momento era claramente mais rentável o estabelecimento de uma rota comercial marítima entre Europa e Calecut. A Viagem de Cabral inicia-se a 9 de Março de 1500 com a entrega, pessoalmente, da bandeira de Portugal ao capitão-mor por parte do rei D. Manuel e, pelos documentos históricos que nos chegam desse contacto territorial, a viagem não previa inicialmente essa descoberta. O documento de Pêro Vaz de Caminha não faz referência directa a um conhecimento prévio do território.

Contudo, a polémica historiográfica tem sido intensa neste ponto: se já existia conhecimento prévio da existência deste território ou não. Se por um lado as fontes históricas não referem directamente esta situação, a conjectura histórica anterior a este acontecimento alimenta-a. A 7 de Junho de 1494, Portugal e Castela assinam o célebre tratado de Tordesilhas que dividia o Mundo em dois na vertical. Neste processo é deveras importante a imposição de D. João II em arrastar a linha 270 léguas para ocidente. Este simples facto fez com que a linha que dividia o mundo ficasse depois do actual território brasileiro. A anterior divisão não condicionava o negócio das especiarias orientais e a imposição do monarca português, para além de colocar em causa o tratado com Castela, fez com que alguns territórios sob jurisdição portuguesa passassem para poder castelhano. Certamente foi uma razão extremamente importante para este requisito especial. Outro acontecimento pertinente nesta análise é a da chegada de Cristóvão Colombo em 1498 à actual América Central. O projecto de Colombo era o de chegar à Índia percorrendo o oceano pelo ocidente tendo por base a teoria copérnica de que o Mundo era redondo. Esta proposta foi apresentada por Colombo ao rei português anos antes, que foi peremptoriamente rejeitada. Depois partiu para o rei castelhano que aceitou a proposta. Possivelmente o monarca português sabia que dessa forma era impossível chegar à Índia. Nesta mesma altura, 1498, Duarte Pacheco Pereira alega ter percorrido, por ordem do rei D.Manuel I, a fronteira

* Licenciado em História e pós-graduado em Ensino da História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Curso de Dinamização do Turismo Cultural no EDV pela Agência de Desenvolvimento Regional de Entre Douro e Vouga; mestrando em Cidades e Culturas Urbanas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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da linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, ou seja, na zona do actual Brasil. Este navegador vem mencionado no Tratado de Tordesilhas e possivelmente esteve presente na frota de Álvares Cabral (Garcia, 2000, p. 8). Por último, quando Vasco da Gama completa o percurso marítimo para a Índia, relata, um acontecimento estranho, nas palavras do navegador, por ter avistado a 800 léguas a sul das ilhas de Cabo Verde, em pleno Oceano Atlântico Sul, aves a voar, o que previa a existência de terra firme não identificada. Estes são alguns dos argumentos que colocam a dúvida: os portugueses sabiam da existência de um território na fronteira com o Oceano Atlântico? Para último argumento deixamos o testemunho de Pêro Vaz de Caminha. Este cronista era um cavaleiro do rei no Porto onde redigia actas da Câmara. O cronista foi um dos que prosseguiu viagem para Calecut após o contacto com solo sul-americano. Nesta cidade viria a morrer a 16 de Dezembro de 1500 após ataque muçulmano. Na carta que escreve ao monarca português a relatar o contacto com um novo território, uma das suas frases provoca até hoje muita polémica. “escrevam a vossa alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação achou (...)” (Garcia, 2000, p. 18). A historiografia actual, principalmente a sul-americana, utiliza esta expressão para distinguir o contacto efectuado com o da descoberta, expressão utilizada pela historiografia europeia. Os movimentos civilizacionais pró-americanos escrevem que o Brasil foi achado, já que existiam civilizações e um território previamente estabelecido e anterior à chegada europeia e por isso não se pode usar o termo descoberta, que tem uma conotação do encontro de algo que não existia. Em termos históricos, este termo é extremamente interessante já que era utilizado na Época Medieval e Moderna para referir o encontro com algo que sabiam que existia, mas que não estava relatado e/ou não conseguiam atingir. Aqui encaixa a polémica com a Carta de Pêro Vaz de Caminha na utilização desta expressão. Alguns historiadores referem que todas as razões que enunciei acima no texto e mais a utilização desta expressão provam o conhecimento prévio do monarca português da existência de um território a ocidente do Oceano Atlântico. Não entraremos aqui na polémica historiográfica sobre o termo achamento no contexto em que foi utilizado. Procuraremos discutir e reflectir sobre a outra polémica que citei. Se podemos falar de Descoberta do Brasil, existindo um território formatado com uma civilização organizada de “gente

de cor parda, entre branco e preto, e bem proporcionada, com cabelos compridos e andam nus como nasceram, sem vergonha alguma (...) as pálpebras dos olhos e por cima delas são pintadas com cores brancas, pretas, azuis e vermelhas. Têm o lábio da boca, isto é o de baixo, furado e nos buracos põem um osso grande como um prego. E outros trazem uma pedra comprida azul e verde, dependurada dos ditos buracos. As mulheres andam do mesmo modo sem vergonha e são belas mulheres de corpo, os cabelos compridos” (Garcia, 2000, p. 14-15) nas palavras de Giovanni Matteo Cratico, que copiou o texto possivelmente do escrivão João de Sá, participante na Viagem de Pedro Álvares Cabral. Na consciência portuguesa dos navegadores está a de que estes nativos são seres humanos, mas com uma conotação bastante diferente que a que temos nos dias de hoje. Em primeiro lugar o facto de não serem cristãos. “Parece-me gente de tal inocência que, se os homens entendessem e eles a nós, que seriam logo cristãos, porque não têm, nem entendem em nenhuma crença, segundo parece” (Garcia, 2000, p. 32). Nos séculos anteriores duras batalhas foram travadas entre cristãos e muçulmanos sendo a religião a causa maior. A consciência europeia estava subordinada a um pensamento religioso e Portugal, como reino da periferia, tinha mais enraizado esse pensamento e estava ainda longe dos pensamento humanistas que se estavam a iniciar em Itália e obviamente muito longe dos pensamento da Revolução Francesa que se deu quase três séculos depois. “A Europa, sede da cultura e reduto da Cristandade, assumia a representação do destino imanente e transcendental da humanidade, sendo a história europeia o único devir humano dotado de autêntico significado. Em suma, a Europa assume a história Universal e os valores e crenças dessa civilização se oferecem como paradigma histórico e norma suprema para julgar e apreciar as demais civilizações” (O’Gorman, 1992, p. 195). E a religião cristã para muito contribuiu no pensamento de superioridade europeia. Um imenso território com uma imensidão de seres “ansiosos” de serem cristianizados. Desta forma não é possível descontextualizar a acção dos portugueses. Mesmo assim, o primeiro contacto com estes povos procedeu-se de forma muito interessante. “Quando o batel chegou à boca do Rio, eram ali 18 ou 20 homens pardos (...) traziam arcos nas mãos e suas setas. Vinham todos rijos pero batel e Nicolau Coelho lhe fez sinal que depusessem os arcos e eles os despuseram.(...) Deu-lhes (Nicolau Coelho)


um barrete vermelho e um carapuço de linho, que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe deu um sombreiro de pena de aves compridas, com uma copezinha pequena de penas vermelhas e pardas, como a de papagaio. (...) os vivos de mais perto e mais à nossa vontade, por andarmos todos quase misturados” (Garcia, 2000, p. 18-29). Os primeiros contactos foram de descoberta de parte a parte. Ambos descobriram novas civilizações e estavam fascinados com o contacto. Esta relação está bem distante da que foi estabelecida pelo reino de Castela no centro e Sul Americano. “Y por servicio de vuestra sacra majestad em su muy real ventura, nos dió Dios tanta Victoria que lês matamos mucha gente, sin que los nuestros recibiesen dano”. (...) Y visto, los mandé tomar a todos cincuenta y cortarles lãs manos, y los envié, que dijesen a su senor que de noche y de día y cada cuando él viniese, verían quién éramos” (Cortes, 1975, p. 38). Este é um dos diversos relatos efectuados por um dos generais responsáveis pelos territórios além-mar. No caso português os problemas surgem bastante mais tarde e muito por influência estrangeira, especificamente francesa, espanhola e holandesa. Estas nações patrocinaram a guerrilha contra os portugueses armando as tribos Tupi no Brasil. Para além disso, “ao recorrer à escravidão em massa dos indígenas, colonos e degredados provocaram a insurreição generalizada das tribos Tupi” (Bueno, 2001, p. 15). A escravidão era uma prática corrente no século XV e, como o excerto comprova, não eram apenas os indígenas que eram submetidos a esta prática. Degradados, colonos à força, para além de criminosos e prisioneiros de guerra sofriam com estas práticas culturais. A civilização indígena não estava habituada a trabalhar: “eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha” (Garcia, 2000, p. 32). Uma descrição de 1503 de Valentim Fernandes diz “comem carnes assadas ou cozidas de aves, tal como de todos os animais e também humanas dos inimigos, bem como peixes e crocodilos” (Garcia, 2000, p. 45). Após três anos do contacto, o conhecimento mútuo foi aumentando, crescendo as divergências civilizacionais. “As colónias da Europa, primeiro na América e mais tarde na África, forneceram-lhe mão-deobra, produtos agrícolas e recursos minerais. (...) À medida que a noção espanhola de “pureza de sangue” deu lugar nas Américas a distinções entre raças superiores e inferiores, esta superioridade se plasmou em distinções biológicas que foram fundamentais para a autodefinição dos europeus” (Coronil,

2005, p. 105-132). Como já evidenciamos anteriormente, a monarquia portuguesa não estava ainda interessada neste território e apenas com a expedição de Cristovão Jaques entre 15161519 assumiu o interesse no solo brasileiro. Até então “a coroa portuguesa apostava mais no imperialismo comercial do que no imperialismo colonial” (Guirado, 2001, p. 73). A estratégia de D. João III para o Brasil passou pela constituição de Capitanias entregando cada uma delas a um nobre. Muitos destes nunca tinham estado em solo brasileiro e a gestão futura tornou-se mais complexa e, por arrasto, as relações com os locais. Por isso, “a paz com os indígenas só durou enquanto durou também a paciência deles, porque não houve comércio vil, barbaridade, violência, extorsão e imoralidade que os portugueses não praticassem contra aqueles a quem chamavam selvagens, mas aos quais neste ponto excediam em selvajaria” (Bueno, 2001, p. 258). Este relato foi efectuado pelo padre Simão de Vasconcelos da Companhia de Jesus, destacado para terras de Vera Cruz para cristianizar os indígenas. De tudo o que fomos transmitindo nas páginas anteriores, o colapso civilizacional iria dar-se a qualquer momento. Aliás, mesmo estando pouco tempo em contacto com os indígenas, Pêro Vaz de Caminha já nos deixou algumas pistas do que iria acontecer nos anos seguintes. A diferença cultural pode ser notada nos seguintes aspectos: “acenderam tochas e entraram e não fizeram nenhuma menção de cortesia, nem de falar no capitão, nem a ninguém. (...) mostraram-lhes uma galinha quase havia medo dele. (...) não quiserem comer daquilo quase nada, e alguma coisa, se a provavam, lançavam-na logo fora. (...) não houve mas fala nem entendimento com eles, por a berberia deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia a ninguém” (Garcia, 2000, p. 22-23). Por isso, os contactos seguintes não foram de todo pacíficos. Juntando aos factos enunciados anteriormente à contextualização e cultura histórica e, mais tarde, o interesse no território por parte do monarca português precipitou a guerra pela posse. “Não se pode falar em diálogo de culturas, pois não há nível de igualdade civilizacional para que o processo dialéctico exigido se realize. Há sim, um enfrentamento de culturas, onde prevalece o desejo de poder e de riqueza dos portugueses, que forçam a primeira acção colonizadora” (Guirado, 2001, p. 270). A troca de experiências culturais terminou a partir do momento em que a busca de riqueza e da posse territorial

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ganhou preponderância. Antes de partir para outra discussão importa salientar que nem todas as tribos fizeram guerra aos portugueses. Por exemplo, os Tabajara, que viviam entre a foz do rio Paraíba até aos arredores da ilha de Itamaracá, aliaramse aos portugueses para combater os Potiguar. Por vezes, as guerras tribais anteriores à chegada dos países colonizadores eram mais fortes que as próprias divergências com os países colonizadores. No final do século XIX, os países europeus sentaram-se à mesa para dividir o continente africano com régua e esquadro. Essa divisão separou grupos da mesma tribo e juntou tribos rivais. Essas diferenças e ódios tribais ultrapassavam as que existiam com os países colonizadores. Como analisámos, os portugueses, quando chegaram ao Brasil, estavam a “descobrir” uma cultura de que até então não existiam notícias. À luz do centralismo europeu, este contacto cultural tem de ser chamado de descoberta, já que os povos contactados tinham modus vivendi bem diferentes dos países euro-ocidentais. O mesmo existe nos povos contactados por castelhanos no mesmo continente e dos povos africanos abaixo do Cabo Bojador, de cuja existência não se sabia. O mesmo já não se aplica aos povos orientais dos quais os europeus já tinham notícias e contactos há vários séculos. Mas isso não impediu que, ao contrário do que vimos quando os indígenas brasileiros contactaram com os portugueses, quando Vasco da Gama chega à Índia, tente trocar a bijutaria barata europeia pelas especiarias e em troca recebeu uma risada geral. Como contra-resposta o navegador ordenou uma chuva por parte da artilharia e apenas dessa forma obtivemos o negócio das especiarias. Como nos relatou Pêro Vaz de Caminha, os indígenas trocavam as bijutarias portuguesas por ouro. Os valores europeus de então não permitiam a não distinção social entre portugueses e indígenas. Apenas pontualmente alguns padres da Companhia de Jesus tentavam emancipar os indígenas sem, contudo, esquecer que eles tinham obrigação de se tornarem cristãos. Com a revelação do continente Americano, os quatro grandes continentes estavam unidos pelos mares. Contudo, nestes continentes existe uma hierarquia onde “a Europa ocupa o mais alto degrau, não por razões de riqueza ou abundância nem por nada que a isto se assemelhe, mas porque se considerava a mais perfeita para a vida humana ou, se se quer, para a realização plena dos valores da cultura” (O’Gorman, 1992, p. 193-194). Essa hierarquia foi concebida pela imposição da cultura a maioria das vezes com o uso da força.

“A Europa moderna, desde 1492, usará a conquista da América Latina como trampolim para tirar uma “vantagem comparativa” determinante com relação a suas antigas culturas antagônicas (turco-muçulmana, etc.). A sua superioridade será, em grande medida, fruto da acumulação de riqueza, conhecimentos, experiência, etc., que acumulará desde a conquista da América Latina” (Dussel, 2005, p. 59). Efectivamente, a América Latina espanhola foi conquistada pela força, através do uso das armas de fogo, já que os ameríndios apenas usavam armas de madeira e pedra. No caso do Brasil, numa primeira fase existiu um contacto civilizacional e quando os portugueses se interessaram pelo território e os indígenas se aperceberam dessa situação, apenas pelo poder do fogo foi possível. Outra questão importante nesta discussão é relativa à definição do conceito de “Novo Mundo”. Este conceito é atribuído à chegada de Cristóvão Colombo às Américas em 1498. Contudo, como é do conhecimento geral, Colombo julgava estar a contactar com um território próximo do Japão. Durante vários anos o navegador explorou a costa de forma a perceber qual o trajecto que iria levar à Índia e às suas preciosas especiarias. “O texto mais antigo em que Colombo aparece como descobridor da América é o Sumario de La natural historia de las Indias, de Gonzalo Fernández de Oviedo” (O’Gorman, 1992, p. 31) escrito a 15 de Fevereiro de 1526. Até então, e desde a chegada de Colombo ao novo continente e com a chegada dos portugueses ao Brasil, os países europeus chamavam a estas novas terras de América e Espanha chamava-a de Índias. Poderia entrar neste texto a discussão iniciada por Edmundo O’Gorman em que escreve que não podemos falar em descoberta da América, já que Colombo julgou estar a chegar a outro local e que, só anos mais tarde, existe a percepção de que estão num continente diferente. Apenas gostaria de voltar a discutir o conceito de “Novo Mundo” atribuído a Colombo. Como verificámos, apenas em 1526 a monarquia espanhola assume o contacto com territórios novos. Contudo, o conceito já estava enraizado e foi primeiramente utilizado para definir a chegada dos Portugueses ao Brasil. A 27 de Junho de 1501 numa carta de Giovanni Matteo Cretico para o doge Agostinho Barbarigo de Veneza lê-se “Acima do Cabo da Boa Esperança, para Ocidente, descobriram uma Terra Nova” (Garcia, 2000, p. 40). A expressão Terra Nova pode ainda não revelar o teor que pretendemos transmitir, mas


na carta de Bartolomeu Marchioni para Florença em Julho de 1501 lê-se “este rei tem descoberto nesta (viagem) um novo mundo” (Garcia, 2000, p. 40). Esta descrição não deixa dúvidas acerca da opinião que se começava a gerar nas elites culturais. A 20 de Maio de 1503, Valentim Fernandes no auto notarial escreve “dirigindo-se para a Índia de aquém Ganges revelou-nos, pela Divina Providência, no mar desconhecido, debaixo da linha equinocial, um novo mundo” (Garcia, 2000, p. 45). Certamente esta teoria do “Novo Mundo” já estava completamente enraizada nos meandros culturais e científicos da Europa e só 20 anos depois a monarquia castelhana publica um documento dando conta do contacto com um território novo. O que se discute neste ponto é a legalidade científica da expressão “Novo Mundo”. Os argumentos são os mesmos que no processo anterior. O território já lá estava e já existiam civilizações previamente estabelecidas. Contudo, aos olhos dos europeus, este é um território completamente novo. Para além disso, a evolução da ciência e o inicio dos movimentos renascentistas exigiam uma evolução humana e muitas vezes este território novo surge como “separado do orbis terrarum” (O’Gorman, 1992, p. 146). Existe um velho ditado de que a História foi feita pelos homens. Na historiografia refere-se que a História é escrita pelo lado dos vencedores. Numa perspectiva europeia, a História é feita a partir do centralismo ocidental. Dessa forma existe sempre o “outro lado da História” ou da estória. A história do Brasil não foi feita pelos indígenas, mas sim por Portugal, e os indígenas só surgem na discussão por intervenção portuguesa. Da mesma forma “a Revolução Haitiana foi silenciada pela historiografia ocidental, porque dadas as suas suposições, essa revolução, tal como ocorreu, era impensável (Lander, 2005, p. 21-53). Segundo Trouillot, o silenciamento desta revolução é apenas um dos capítulos da dominação global sobre os povos não europeus, e eu acrescento os Estados Unidos da América. O Eurocentrismo está presente em todos os quadrantes europeus, mas claramente na historiografia. Esta “perspectiva do conhecimento começou na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas das suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas” (Quijano, 2005, p.227-278). Esta divisão já pode ser notada no século XV e XVI na Expansão Portuguesa e no contacto com os povos indígenas e principalmente nos relatos efectuados desses contactos. A historiografia europeia pode ser acusada de um gigante egocentrismo, mas o que

é certo é que as ciências sociais e humanas sul-americanas podem e devem elevar-se para escreverem a suas histórias/ estórias. As ciências sociais e humanas devem estar isentas de movimentos culturais, crenças religiosas ou paradigmas sociais, mas um artigo, um estudo ou uma tese são sempre a visão de um Ser sobre um acontecimento num determinado contexto. Esta realidade é impossível de se deturpar e de se contrariar, por muito que se tente ser o mais isento possível. Bibliografia - Bueno, Eduardo (2001); “Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores”, Pergaminho, Cascais, 2001. - Carvalho, Nuno Vieira de (2006); “Cultura urbana e globalização”, BOCC, s/l.ed., 2006. - Castro-Gómez, Santiago (2005); “Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da “invenção do outro”” in “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org), CLACSO, Buenos Aires, 2005. - Coronil, Fernando (2005); “Natureza do pós-colonialismo: do eurocentrismo ao globocentrismo” in “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Edgardo Lander (org), CLACSO, Buenos Aires, 2005. - Cortes, Hernan (1975); “Cartas de Relación”, Editorial Porrúa, México, 1975. - Couto, Jorge (1995);”A Construção do Brasil”, Edições Cosmos, Lisboa, 1995. - Dussel, Enrique (2005); “Europa, modernismo e eurocentrismo” in “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org), CLACSO, Buenos Aires, 2005. - Escobar, Arturo (2005); “O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-desenvolvimento?” in “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org), CLACSO, Buenos Aires, 2005. - Fausto, Boris (1996); “História do Brasil”, EDESPA, São Paulo, 1996. - Garcia, José (2000); “O Descobrimento do Brasil nos textos de 1500 a 1571”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000. - Guirado, Maria Cecília (2001); “Relatos do Descobrimento

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Mapa da viagem de Pedro Álvares Cabral.

- www.mssanmarino.com


ADULTÉRIO. Jorge Augusto Pais de Amaral* O casamento pressupõe a observância de um certo número de deveres, sem os quais nenhuma sociedade conjugal poderá subsistir. Entre nós, os deveres conjugais encontram-se previstos no artº 1672º do Código Civil. Determina este preceito que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. O adultério é precisamente a violação do dever de fidelidade. Desde tempos imemoriais tem sido objecto de várias referências, das quais ressalta que sempre foi considerado da maior relevância no domínio das relações entre o casal. Até há relativamente pouco tempo, o homicídio da adúltera e do cúmplice, quando apanhados pelo marido em flagrante, era praticamente despenalizado. Aliás, as ofensas corporais perpetradas pelo marido nessas circunstâncias eram mesmo totalmente isentas de pena. Realçava-se a “provocação” que tal acto constituía. Assim, sob a designação de “provocação constituída por adultério”, dispunha o artº 372º do Código Penal que o homem casado que achasse a sua mulher em adultério e nesse acto a matasse “a ela ou ao adúltero, ou a ambos”, seria desterrado para fora da comarca por seis meses. Se as ofensas fossem menores, não sofreria pena alguma. *Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

Parece evidente a importância atribuída ao dever de fidelidade que cabia à mulher casada. Já não era dada a mesma relevância a tal dever quando tocava ao marido. Quando era a mulher que encontrava o marido em flagrante violação do dever de fidelidade, as coisas eram muito diferentes. Aliás, nem sempre as relações sexuais do marido fora do matrimónio eram tidas como adúlteras. Para que de adultério se pudesse falar era necessário que o acto sexual do marido fosse praticado no domicílio conjugal com sua “concubina teúda e manteúda”. Só assim a esposa se poderia sentir verdadeiramente ofendida. Dispunha o preceito referido que as mesmas disposições eram aplicadas à mulher casada que, “no acto declarado neste artigo matar a concubina teúda e manteúda pelo marido na casa conjugal, ou ao marido ou a ambos, ou lhes fizer as referidas ofensas corporais. Não se fique, porém, com a ideia de que tais disposições legais pertencem a um passado muito longínquo. O preceito em causa vigorou até aos nossos dias, tendo sido revogado já depois do 25 de Abril, pelo Decreto-Lei nº 262/75, de 27 de Maio. No domínio das relações conjugais, a violação do dever de fidelidade também era punida. O adultério da mulher de uma forma mais severa, enquanto que o do marido, além das restrições a que fizemos referência (só era adultério quando perpetrado com a concubina teúda e manteúda e no lar conjugal), era punido mais suavemente.

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A pena para o adultério do marido não ia além de uma multa de três meses a três anos, nos termos do disposto no artº 404º do Código Penal. Para o adultério da mulher a punição, por força do artº 401º do mesmo diploma legal, era de prisão maior de dois a oito anos. Esta norma legal foi modificada, e em parte revogada, pelo artº 61º do Decreto de 3 de Novembro de 1910 (Lei do Divórcio). O adultério do marido ou da mulher só seria considerado criminoso quando ocorresse durante a vida dos cônjuges em comum. Por outro lado o adultério do marido passou a ser igualado em carácter e gravidade ao da mulher. Além disso, a pena foi suavizada por forma a não exceder o máximo da prisão correccional. Porém, o cônjuge ofendido teria de optar entre a acção criminal de adultério e a acção civil de divórcio, ou de separação, com base em adultério.

O adultério tem sido considerado uma grave violação dos deveres conjugais por quase todas as civilizações da História. Algumas sociedades puniam severamente o cônjuge adúltero e a pessoa com quem o acto era praticado, sendo ambos passíveis de morte. Podemos encontrar notícia de tal tratamento na Bíblia, no Antigo Testamento. A Lei Mosaica determinava o apedrejamento de quem havia praticado o adultério e essa mesma punição foi adoptada pelos judeus inclusive na época de Jesus Cristo, conforme se pode ler em Levítico, 20, 10. Ainda hoje existem civilizações onde o adultério é punido com semelhante severidade. Há pouco tempo pudemos assistir pela televisão ao espancamento de uma jovem paquistanesa por ter tido relações sexuais. Actualmente, entre nós, o adultério não é punido criminalmente, mas não deixa de constituir violação de um dos deveres basilares da construção do matrimónio. Nos termos do artº 1779º do Código Civil, a violação culposa de qualquer dos deveres conjugais por um dos cônjuges dava ao outro o direito de requerer o divórcio litigioso, desde que essa violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometesse a possibilidade da vida em comum. Como facilmente se depreende do preceito, só o cônjuge que se considerava inocente poderia requerer o divórcio invocando a violação culposa de algum ou alguns deveres conjugais por parte do outro. Para que a acção terminasse com êxito, teria de fazer a prova dessa violação culposa e da sua gravidade ou reiteração. Lembro-me de ter ouvido contar um caso, que era posto a ridículo, de um cônjuge que havia violado o dever de fidelidade e a seguir veio propor acção de divórcio, com fundamento precisamente nessa violação por si levada a cabo, invocando que a gravidade e reiteração desse comportamento comprometiam a possibilidade da vida em comum. É claro, que a acção não tinha condições para prosseguir por falta de legitimidade do autor. Comentava-se então a desfaçatez de quem havia feito o mal e a caramunha. Esta situação que, como disse, foi alvo de chacota, está hoje contemplada na lei. Hoje o cônjuge que violar sistematicamente os deveres conjugais pode pedir o divórcio propondo acção contra o cônjuge inocente. A figura do divórcio litigioso deixou de existir para dar lugar


ao “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”. Os fundamentos desta modalidade de divórcio são, nos termos do artº 1781º do Código Civil, os que se prendem com a ruptura do casamento. São eles: a) A separação de facto por um ano consecutivo; b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum; c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem ruptura definitiva do casamento. No que toca ao primeiro fundamento contemplado na lei, pode dizer-se que o tempo de separação exigido para que se considere haver ruptura do casamento, tem sofrido uma grande redução, pois começou por ser de seis anos consecutivos, passou a três anos e agora é apenas de um ano. A maior alteração situa-se, porém, ao nível da legitimidade para requerer o divórcio. Actualmente pode ser requerido por qualquer dos cônjuges com fundamento nas alíneas a) e d) do artº 1781º. Significa que o próprio cônjuge que violou qualquer dos deveres conjugais pode, de forma unilateral, requerer o divórcio. No entanto, os deveres conjugais foram mantidos na lei. Quer dizer, os cônjuges continuam a estar reciprocamente vinculados ao cumprimento de certos deveres. Se, porém, um deles os violar isso não lhe retira a legitimidade para requerer o divórcio. Pelo contrário, pode até servir de fundamento para que possa requerer o divórcio por que aspirava. Não tivemos a preocupação de fazer um qualquer exame à nova lei do divórcio. Apenas foi nossa preocupação chamar a atenção para o caminho percorrido no domínio das relações conjugais. Se hoje procurarmos olhar para trás, até ao tempo em que o adultério era punido de modo muito severo, concluímos que a distância é tão grande que já quase não conseguimos vislumbrar os sumidos traços do caminho percorrido.

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“Non commettere adulterio”. - www.elboomeran.com


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Rosas Manuela Correia* Conheces a rosa na roda ou na ronda do toque ou da rima na polpa dos dedos Conheces a rosa

ou roxa ou cerácea no rasto ou no rasgo da insónia ou do espasmo O resto o resto é um roseiral interior que não conheces (In As Nuvens Não São Mais de Algodão)

na sombra ou na réstia da ruga ou do riso na linha do rosto Conheces a rosa rosácia ou retinta suspensa ou surpresa na orla do corpo Conheces a rosa

* Nasceu na aldeia de Cabrum, concelho de Vale de Cambra, em 1961. Em Vale de Cambra, durante a frequência do liceu, aprendeu o gosto pela poesia. Iniciou a sua actividade profissional aos 18 anos e aí viveu durante anos. Actualmente exerce a sua actividade profissional no Porto e reside em Santa Maria da Feira, Vila Boa. Tem colaborado em muitas sessões e tertúlias de poesia. Livros publicados: - “As nuvens não são mais de algodão”, de 2000. - “Poemas Tri Angulares”, de 2002. - “Interlúdio d’ Eros”, de 2003. - “Escritos de Areia” de 2005.


Foto Óscar Maia

INTERVENÇÃO NO DIA DO ADVOGADO A PROPÓSITO DA ENTREGA DO PRÉMIO LITERÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS Manuel de Lima Bastos* Quase em cima da hora, encomendaram-me este sermão mas pediram que fosse breve. Trago aqui um pequeno papel onde anotei três ou quatro tópicos que entendo dever aflorar. É aquilo que os pregadores sacros de Setecentos, sobretudo os dominicanos, chamavam recordatorium e tem a vantagem de ajudar a não se perder o fio à meada e a não se cometer o pecado da loquacidade. Mas a recomendação era desnecessária: primeiro, não tenho grandes coisas a dizer; segundo, nós advogados, por deformação profissional, estamos habituados a falar quando nos pagam, o que não é o caso. Uma questão prévia: sobre o meu texto, que mereceu a distinção do júri, não me apanharão uma única palavra. Quem se mete nestas coisas – ou noutras semelhantes – e abre a porta de sua casa para as deixar sair para o público, de certo modo elas já não lhe pertencem. Além de que considero insuportavelmente presunçoso e até redutor, vir o autor discretear sobre a própria obra. Aproveito a presença do Exmo. Colega Bastonário para lhe dirigir duas palavras. Em trinta e tal anos de eleições para * Advogado. Devoto Aquiliniano. ** Portalegre, Salão Nobre da Câmara Municipal, 19 de Maio de 2009.

os diversos cargos da Ordem, julgo que nunca votei em quem tivesse ganho. Aqui há uns anos atrás apresentou-se como candidato a bastonário o nosso colega Dr. Carlos Candal, de Aveiro, por quem tenho a maior estima que suponho que ele faz o favor de retribuir, votei nele e perdeu. A seguir apresentou-se ao sufrágio o Dr. Marinho e Pinto que nunca tinha visto mais gordo nem mais magro. Mas tenho um irmão – médico há quarenta anos ali pela sua zona de Coimbra – que o conhece bem e me deu a informação de que era um colega que exercia o ofício de advogado desligado dos interesses, quantas vezes crepusculares, dos grandes escritórios sumptuosos como palácios de Salomão. Votei nele e perdeu. Voltou a apresentar-se a sufrágio e voltei a votar nele. Ganhou e eu fiquei satisfeito. Mas a verdade é que me fez perder o título em que tinha certo orgulho de perdedor crónico e compulsivo. Sei que a sua acção tem sofrido ataques de todos os quadrantes os quais, no meu entender, não primam pela correcção nem sequer pela simples elegância mas não tenho acompanhado a controvérsia ao pormenor. Tenho tido entre mãos alguns trabalhos de certa importância e complexidade como, por exemplo, ir buscar os netos à escola todos os dias, ir com eles ao café para lhes pagar um gelado ou levá-los a comer uma pizza, que é coisa muito do seu agrado.

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Momento da entrega do Diploma que atribuiu o Prémio Literário Ordem dos Advogados - 2009 pelo Bastonário António Marinho e Pinto a Manuel de Lima Bastos.

Dei-me conta da ferocidade da guerrilha. Mas não se admire, prezado colega Bastonário, que isto de meter ombros a endireitar o que está torto é empreitada de respeito que tem muito que se lhe diga. Embora um pouco céptico quanto ao resultado, não deixarei de me congratular se obtiver algum sucesso. O Sr. Bastonário não precisa de mim para nada. Eu não preciso do Sr. Bastonário para coisa nenhuma. Considero que é uma base sólida para o respeito e a cordialidade. Por isso, sem qualquer espírito de lisonja, que é pecado que não tenho gosto em cometer embora o rol das minhas actividades pecaminosas seja comprido como a légua da Póvoa, quero dizer-lhe, se isso lhe servir de algum consolo, que, sabendo o que sei hoje, poderia contar de novo com o apoio do meu voto.

Faço questão em deixar uma palavra a um Colega que vai ser homenageado com a medalha de ouro, a mais alta distinção da nossa Ordem: o Dr. Mário Brochado Coelho. Conhecemo-nos há quase cinquenta anos dos tempos de Coimbra. Ainda coincidimos algum tempo no CITAC, ele a entrar e eu de saída. Depois fomo-nos encontrando, de longe em longe, por esses tribunais. O Mário Brochado Coelho merece inteiramente a honra-ria. Não por ser um advogado competente, que o é. Mas advogados competentes há por aí muitos. Ganhou o direito a ela por ser um homem de carácter e de consciência, um ser humano afável que ao longo de toda a vida defendeu com coerência as suas convicções e princípios. Convicções e princípios que – nem ele o sabe porque nunca lho disse – eu sinto tão próximos dos meus e por isso aqui quero deixar este


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Manuel de Lima Bastos durante a sua intervenção.

preito de apreço, estima e admiração. Vai esta obrinha sobre Mestre Aquilino dedicada ao nosso colega Augusto Cardoso, falecido há perto de dois anos. Augusto Cardoso não foi um advogado de grande nome. Gostava de cantar o fado de Coimbra mas, apesar do esforço e do sentimento, tenho que reconhecer que não tinha lá grande voz. Mas foi um amigo durante cinquenta anos. Um amigo para o bom e para o mau tempo. Dele posso dizer o que disse Pablo Neruda: conseguiu elevar-se à suprema dignidade dos homens comuns. Também é costume nestas ocasiões trazer a família e os amigos à colação: porque se não tivesse sido o seu apoio não me teria sido possível, etc., etc., etc. É conversa fiada e eu não vou por aí. É claro que faço todo o gosto em associar a

Foto Óscar Maia

família, os amigos e os colegas que vieram de tão longe para me acompanharem neste momento e a todos exprimo o meu agradecimento. Mas a verdade é que quem tem diante de si uma pilha de folhas de papel (ou o ecrãn do computador, que é o seu equivalente actual), ou uma pauta de música virgem ou uma tela em branco, para além do mérito daquilo que produza, está irremediavelmente só e não há ninguém que lhe possa valer. Para concluir: como a minha obrinha anda à volta de Mestre Aquilino Ribeiro como a borboleta anda à volta da luz, não me vou sem citar uma pequena frase que o escritor pôs na boca do Malhadinhas e que aplico ao meu próprio caso: “...quando por aqui me vêem de taverna em taverna a matar o


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Um aspecto da assistência.

bicho ou com ares de andar à sirga, é a safar-me do vespeiro das saudades.” Andar de taverna em taverna a matar o bicho não tenho o hábito mas também nada tenho a opor. Devo até confessar que não me ensaio nada para beber um copo ou dois e até, se a companhia agradar e a prosa estiver boa, três ou quatro sem precisar de meter um requerimento ao bispo a pedir licença. Andar à sirga andamos todos nós nas milhentas encruzilhadas da vida. Agora, de que vespeiro das saudades é que andarei a ver se me safo? Não do tempo em que exerci o ofício de advogado e que estou prestes a terminar. Devo dizer que fui sempre um advogado a contragosto. Venho de um tempo em que um fulano, quando não sabia o que fazer e precisava de

Foto Óscar Maia

uma enxada para cavar na horta da vida, ia para Direito. Era o curso que servia para tudo, como hoje acontece com as economias ou a gestão de empresas. Agora parece que serve para pouco ou nada. Então, de que vespeiro de saudades ando a safar-me...? Talvez do tempo em que julgava que o mundo tinha sido feito para mim e estava lá fora à minha espera. Mas a vida, essa mestra implacável, acaba por ensinar que as coisas não são bem assim e acaba também por colocar, cada um de nós, no seu sítio. Eu estou no meu e daí não passo.


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A BOMBA Joaquim Máximo* Decorria o ano de 1918. O engenheiro electrotécnico Arvid Spohr, natural da Letónia, vivia com a sua mulher, a D. Valentina Ivanovna, natural da Rússia, e com o seu filho de colo, Boris, na cidade então conhecida sob o nome de São Petersburgo, mais tarde Leninegrado. Mas vivia com enormes preocupações. É que os bolcheviques, de Lenine, tinham, pela Revolução de Outubro do ano anterior, expulso Kerensky do poder, e perseguiam agora, até à morte, todos os que tivessem sangue azul, por serem considerados como inimigos do povo. E então resolveram fugir da Rússia, porque o engenheiro Spohr tinha sangue azul. Anos mais tarde a D. Valentina explicava à minha mãe a razão da sua fuga nos seguintes termos: - Sabe, D. Emília, nós fugir de Rússia porque meu marido ser de família “condes”… Não tenho a certeza se, naquele ano de 1918, a família Spohr fugiu da Rússia por mar, ou se fugiu por terra. Mas tenho uma ideia de que foi por terra, começando por atravessar a Estónia. E, depois, os três membros da família Spohr atravessaram a Letónia. E atravessaram a Lituânia. E atravessaram a Prússia Oriental. E atravessaram o corredor de Dantzig, na Polónia. E atravessaram a Alemanha. E

atravessaram a França. E atravessaram a Espanha. E entraram em Portugal, seguindo até Coimbra, onde se estabeleceram depois do engenheiro Spohr ter encontrado emprego, como electrotécnico, nos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal dessa cidade. Os anos decorreram, a família Spohr foi-se adaptando à então pacata vida da cidade de Coimbra, construíram aí uma casa, tiveram um segundo filho em 1926 a quem deram o nome de Wladimiro, e travaram conhecimento com outras famílias e outras pessoas da cidade, entre as quais se situavam os meus pais. Já não sei bem se foi no verão do ano de 1936 ou se foi no verão do ano de 1937 que conheci a família Spohr. Mas sei que foi no ano em que se inaugurou, no rio Mondego, a praia fluvial de Coimbra, com muitos barquinhos a remos, com muitas barracas com tiras coloridas, e muitos mastros pintados de branco onde se desfraldavam muitas bandeirinhas de muitas cores, e também o ano em que se inaugurou uma piscina fluvial, com acessos e bancadas de madeira, e onde começaram a ser realizados festivais de natação. Nem eu, nem nenhum dos meus irmãos, sabia então nadar e os nossos pais entendiam que devíamos aprender quanto antes

* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profissional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.


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A praia fluvial de Coimbra

a fazê-lo. Talvez por isso, levaram-nos, para nos entusiasmar, a ver um desses festivais. E então ficámos maravilhados com as competições, das quais sobressaíam, como estrelas de primeira grandeza, o Boris e o Wladimiro. Acabadas as competições do festival, a minha mãe, que já conhecia a família Spohr, apresentou-nos à D. Valentina Ivanovna e aos seus dois filhos. E foi então que logo ali ficou combinado que o Boris nos ensinaria a nadar a todos. Aprendemos em menos de duas semanas e, logo depois, ingressámos, como infantis, na equipa de natação da Associação Académica de Coimbra. O meu irmão Paulo dedicou-se à natação. Eu dediquei-me, inicialmente, a saltos para a água e, só dois anos depois, à natação. Mas deixemo-nos de natações e de saltos para a água porque isso não importa para a história que queremos agora contar. O que importa é que, depois de ter travado conhecimento com o Wladimiro, me tornei um dos seus melhores amigos. Ele frequentava muito a minha casa e eu frequentava muito a casa dele. E foi na casa dele que ocorreu

o episódio da bomba. Mas antes de relatar esse episódio, convém previamente fazer algumas referências, ainda que breves, às circunstâncias que desencadearam esse episódio. Decorria o ano de 1942. Nesse ano passava grande parte do meu tempo livre em casa do Wladimiro. Isto porque o Boris, então a terminar no Porto o seu curso de Engenharia Química, tinha instalado um pequeno, mas admirável, laboratório químico, numa dependência que dava para um pequeno pátio situado nas traseiras da casa. E, tanto eu como o Wladimiro, gostávamos muito de química, embora, mais tarde, se depreendesse, erradamente, que o Wladimiro não gostava, quando se liam aqueles versos que escreveu para o livro de finalistas do seu curso: No reino dos catiões E mais animalidade Onde ferozes iões Impõem a autoridade Onde meigos aldeídos


Salto na piscina

Em finos tubos de ensaio Às aminas fazem versos Nos meses de Abril e Maio ...................... Nesse reino, eu confesso Que me sinto deslocado! E, naquele pequeno laboratório, chegámos mesmo a repetir todos os trabalhos práticos de química que faziam parte do programa dos liceus daquele tempo. Foi nesse mesmo ano de 1942 que tivemos a ideia de aumentar a potência das balas de uma espingarda de 6 milímetros de que o Wladimiro se socorria para matar, então com cartuchos de chumbo miúdo, passarinhos que depois assávamos nas brasas e comíamos. Essa ideia de aumentar a potência das balas tinha como objectivo melhorar as competições de tiro ao alvo, que fazíamos no quintal da nossa casa, sempre com a supervisão da minha mãe que também entrava nas competições. Depois de muitas pesquisas, averiguámos que a fina camada branca, que se via no fundo de cada cápsula e que depois de percutida explodia, disparando a bala, era uma substância chamada fulminato de mercúrio.

Para satisfazer o nosso objectivo, bastava então fabricar o fulminato e depositar uma pequena porção dele, em cada cápsula, em cima do que já aí existia, para o que teríamos de remover, temporariamente, de cada cápsula, a bala esférica de chumbo. E então procurámos saber como se fabricava. A nossa procura do processo de fabrico do fulminato de mercúrio levou-nos à consulta de uma apreciável quantidade de livros sobre química que o Boris tinha em casa da mãe. E, depois de muita canseira, acabámos por encontrar num dos livros aquilo que queríamos: fazia-se reagir o ácido nítrico com mercúrio e, depois, fazia-se reagir, com álcool etílico, o produto resultante da primeira reacção, com o que se obtinha o fulminato de mercúrio e uma substância química líquida, da qual o fulminato tinha de se separar por decantação. Para o fabrico do fulminato tínhamos o ácido nítrico e o álcool etílico, mas não dispúnhamos do mercúrio suficiente. Mas o Wladimiro arranjou-o, no Colégio Camões, onde estudava, mediante uma transacção ocorrida entre ele e o preparador de química do laboratório desse colégio. Quando dispúnhamos de todos os elementos necessários para o fabrico que tínhamos em vista, iniciámo-lo. Começámos por encher metade de uma proveta com ácido nítrico e, em seguida, vazar para dentro dela a quantidade apropriada de mercúrio. A reacção, cuja natureza conhecíamos porque era a de um ácido com um metal, o que se estudava no liceu, foi violenta. Mas muito mais violenta foi a que se seguiu quando, depois desta terminada, adicionámos, ao produto obtido na primeira reacção, a quantidade apropriada de álcool etílico. Mas que espectáculo! Dava a ideia de que tinham entrado, para dentro do líquido da proveta, milhares de microdemónios numa grande bulha colectiva, que fazia com que o líquido borbulhasse muito e deitasse imensas quantidades de fumaça que assumia sucessivamente as mais variadas formas e cores! Aquilo fazia lembrar aquela cena do filme Branca de Neve e os Sete Anões, em que a Rainha Bruxa preparava as suas poções venenosas. Até nos afastámos para longe com medo que tudo aquilo rebentasse. Quando toda a reacção acalmou aproximámo-nos e vimos, cheios de alegria, que no fundo da proveta, se tinha depositado um pó branco amarelado. Lá estava o fulminato! Então não tardámos a proceder à necessária decantação, à lavagem do fulminato com água e à sua secagem ao sol, em cima de uma folha de cartão, depois do que o guardámos num pequeno frasco de vidro. Fabricado o fulminato, havia que experimentar o seu poder

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explosivo. Foi então que nos lembrámos de fazer uma pequena bomba, que faríamos explodir à distância, utilizando uma corrente eléctrica. Para seu invólucro escolhemos um pequeno tubo de alumínio que tinha servido como embalagem de comprimidos para as dores de cabeça. Como detonador escolhemos um pedacinho de grafite, extraída de um lápis, às extremidades do qual atámos dois finos fios condutores. Vazámos depois para dentro do tubo cerca de um centímetro cúbico de fulminato, colocámos em cima dele o detonador, e, em cima deste mais uma porção de fulminato. Tapámos então o tubo com a sua tampa, da qual saíam os dois fios condutores, aos quais ligámos outros dois, isolados, com mais de dez metros de comprimento. Fabricada a bomba, enfiámo-la num buraco, com mais de meio metro de profundidade, na terra de um canteiro que havia ao fundo do pátio traseiro da casa da D. Valentina. Tapámos depois o buraco com terra (molhada, porque tinha chovido na véspera), da qual saíam os dois fios condutores isolados com mais de 10 metros de comprimento. Estava quase tudo preparado para fazer a experiência. Para isso, pegámos nas extremidades livres dos fios e abrigámo-nos atrás de um pequeno muro que existia ao fundo do pátio, distante da bomba cerca de uma dezena de metros. Então pegámos numa pilha eléctrica de lanterna, de quatro volts e meio, ligámos a ponta de um dos fios a um dos pólos e a ponta do outro ao outro pólo, o que fez passar uma corrente eléctrica pela grafite do detonador. Então a grafite começou a aquecer e, pouco depois, deu-se a explosão da bomba. Foi uma explosão tremenda, com um barulho superior ao da explosão de um foguete de morteiro. Foi tão intensa que, segundo soubemos mais tarde, alguns vizinhos da D. Valentina julgaram que tinha começado alguma revolução contra o Salazar. Quando, depois da explosão, galgámos o muro para entrar no pátio e ver os seus resultados, ficámos alarmados. Quase toda a terra lamacenta do canteiro tinha voado, projectando-se contra toda a linda fachada branca das traseiras da casa da D. Valentina, tornando-a quase preta. Pouco depois apareceu a D. Valentina, com uma vassoura na mão, que, ao ver o que tínhamos feito se dirigiu rapidamente, zangadíssima, na nossa direcção. Eu fugi então imediatamente, a correr, e só parei em casa. Soube depois que o Wladimiro tinha apanhado uma valentíssima sova e que a D. Valentina me proibiu de aparecer lá em casa durante uma larga temporada.

Tudo isto porque, naquele tempo, não havia televisão para entreter os adolescentes. E então não tínhamos oportunidade de ver os filmes violentos que aí se vêm e que tanto mal fazem. Ficávamos então com a imaginação livre para conceber projectos inocentes, como este da bomba e outros. E agora aqui vai um resumo da maneira como fabricar o fulminato: Receita para fazer fulminato Deitar ácido nítrico na proveta, Depois mercúrio em quantidade que baste. E depois é melhor que a gente se afaste, E não remexer com nenhuma vareta. Esperar agora que acabe a reacção, Deitando-se depois álcool no produto. Deve afastar-se então quem for astuto, Porque na proveta gera-se a confusão. Tudo ferve, sendo muita a fumaça. E é melhor fugir, não vá haver desgraça, Até se notar sossego na mistura. Vê-se então que se depositou no fundo Um pó explosivo, que é mau para o mundo Se não for utilizado com lisura.


A PRIMEIRA COLECÇÃO DE POSTAIS ILUSTRADOS DE OVAR Manuel Fernando Bernardo*

Corria o mês de Maio de 1904, quando o semanário vareiro «A Discussão»1 noticiou que iriam ser editados bilhetes postais ilustrados com vistas de Ovar e do Furadouro. Com efeito, alguns meses depois, em Novembro, o mesmo semanário2 anunciava que José Luís da Silva Cerveira tinha acabado de pôr à venda «uma magnifica colecção de postaes ilustrados representando não só os principaes edificios da vila, como os lugares mais pittorescos e os tipos mais caracteristicos do nosso meio». No início do século XX, o bilhete postal ilustrado tinha-se popularizado em todo o território nacional, quer como suporte de correspondência, quer como objecto de colecção e, à data de proclamação da República, já a maioria das localidades de Portugal com interesse turístico estava publicitada pelo postal ilustrado3. 1 2 3

Cfr. «A Discussão, Ano IX, nº 460, de 22 de Maio de 1904, p. 2. «A Discussão», Ano X, nº 487, de 27 de Novembro de 1904, p. 2. V. MARQUES, A. H. de Oliveira, Da Monarquia para a República, p. 670.

*Técnico superior de História da Câmara Municipal de Ovar. N.R. No número anterior o nome e actividade do nosso distinto colaborador saíram com incorreções do que apresentamos desculpas ao autor e aos nossos leitores.

A iniciativa de editar postais ilustrados com vistas de Ovar ficou a dever-se a um homem singular – José Luís da Silva Cerveira4 – que mandou imprimir, na Papelaria e Tipografia Paulo Guedes & Saraiva5, da rua do Ouro, em Lisboa, uma colecção de 17 postais que constituíram as primeiras fotografias da nossa terra a circular pelo País, dando a conhecer aquilo que a generalidade das pessoas só sabia através de relato oral ou escrito. José Luís da Silva Cerveira nasceu no concelho da Mealhada, em 12 de Abril de 1866, e, após uma estada na cidade de Coimbra, onde começou a trabalhar ainda muito novo (como caixeiro da Livraria «Melchiades»), arribou a Ovar, para exercer o ofício de caixeiro de uma mercearia, propriedade da família Barbosa de Quadros. Revelando-se um trabalhador infatigável, Silva Cerveira, teve a capacidade de angariar os créditos necessários para se estabelecer por conta própria e criar, a partir do nada, um património comercial invejável, abrindo sucessivamente mercearias, cafés e hotéis, na então vila de Ovar e na praia do Furadouro. José Luís conseguiu,

Sobre José Luís da Silva Cerveira ver o artº «In Memoriam de José Luís da Silva Cerveira», in: Dunas, nº V, 2005. Sobre o fotógrafo e editor de postais ilustrados Paulo Emílio Guedes v. o Catálogo de Vicente de Sousa e Neto Jacob, «Portugal no 1º Quartel do Século XX Documentado pelo Postal Ilustrado» (p. 34) e o vol. 7 da obra «Lisboa Desaparecida», de Marina Tavares Dias, p. 25. 4

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também, integrar-se rapidamente na sociedade vareira, casando, em 28 de Outubro de 1886, e participando em múltiplas actividades onde pontificaram os melhores e mais progressivos jovens da Vila. Qualquer que seja o campo da actividade social desenvolvida em Ovar, muito dificilmente não chocamos com o nome do homem a que os jornais da terra chamaram «o incansável». Primeiro livreiro de Ovar, fundador do 1º Gabinete de Leitura, membro fundador e dirigente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ovar, entusiasta e dirigente da Associação de Socorros Mútuos, militante do excursionismo, organizador de bailes de Carnaval, fundador do núcleo local do Partido Republicano Português, principal responsável pela construção do coreto na praia e da comissão promotora de actuações de bandas musicais no período estival... Silva Cerveira consumiu a sua curta existência (faleceu em 1909, com apenas 43 anos) num sem número de iniciativas, algumas das quais resultaram em publicidade nacional à sua terra adoptiva e à praia do Furadouro. Entre estas últimas, saliente-se a tradição de ofertar, no início de cada época balnear, um lauto almoço aos agentes da imprensa local e nacional e de ter sido o responsável por duas edições de postais ilustrados com motivos locais (1904 e 1909). As duas colecções de bilhetes postais ilustrados editadas por Silva Cerveira (uma impressa em Lisboa, outra na

Alemanha) rivalizam em qualidade com as suas congéneres, nacionais e estrangeiras, da época. Representaram, então, sem dúvida, uma forma simples de propaganda turística extramuros. A primeira colecção de postais ilustrados de Ovar apresenta vistas de alguns monumentos e edifícios da, então, vila de Ovar e da praia do Furadouro, bem como dos recantos considerados mais pitorescos. Dedica, também, alguns números a pessoas da terra fotografadas em estúdio, envergando os seus trajes tradicionais e a aspectos da faina da pesca. Não deixa de ser interessante verificar que um dos painéis de azulejo que se encontra na estação de Aveiro é uma cópia simplificada do cliché que serviu para fazer o nº 16 da colecção. Estes postais, para além do seu valor afectivo, têm um assinalável valor histórico e documental, são o testemunho do gosto de uma época e traduzem aquilo que, no espírito dos nossos antepassados, era digno de ser destacado. São, também, interessantes testemunhos de um incipiente trabalho de propaganda turística. A colecção foi reunida e reeditada pela Câmara Municipal de Ovar, no ano de 2005, assinalando a passagem do centenário da sua 1ª edição, numa singela homenagem ao «incansável» José Luís da Silva Cerveira.

Ovar - 1 Paços do Concelho PORTUGAL - DL


Ovar - 2 Igreja Matriz PORTUGAL - DL I

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Ovar - 3 Capella de Santo Ant贸nio PORTUGAL - DL II


Ovar - 4 Capella das Almas PORTUGAL - DL III

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Ovar - 5 Capella de S. Jo達o PORTUGAL - DL IV


Ovar - 6 Capella de S. Miguel PORTUGAL - DL V

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Ovar - 7 Moinhos do Palhas PORTUGAL - DL VI


Ovar - 8 Ponte e Antigo Padr達o do Casal PORTUGAL - DL VII

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Ovar - 9 Fonte da Ribeira PORTUGAL - DL VIII


Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo* A – Postais Ilustrados

65 - Caldas de S. Jorge. Pensão do Parque. Edição da Pensão do Parque. Distribuição exclusiva da Casa Plácido - Vila da Feira. Executado por Marinho. Fátima. Postal 5 *Caminheiro por feiras, lojas e mercados.

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65-A - Reverso do mesmo postal. Datado de 2-6-68 para Lisboa (3). “Ao amigo Carlos com um abraço mais um postal para guardar. É a pensão da Terra que rivaliza com alguns hotéis”.

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66 - Termas de S. Jorge. Postal colorido. Uma época. Muitos bancos, vasos de flores, candeeiros de globo.


66-A -Reverso do mesmo postal. Edição do Autor. Foto de Manuel Azevedo. Proibida a reprodução.

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67 - Termas de S. Jorge Postal colorido. Fontenário ao centro da Avenida. Candeeiros ovais. Cestos para papéis. Alguns bancos e vasos.


67-A - Reverso do mesmo postal. 12/18 - Santa Maria da Feira. Termas das Caldas de S. Jorge. S. Jorge. Grafipub-design. Edição: Da C. M. Santa Maria da Feira C. Turismo. Série Cromo.

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68 - Rancho Folclórico “As Florinhas de Caldas de S.Jorge”.


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68-A - Reverso do mesmo postal. O emblema da Associação fundada em 12-06-1958. Associação Cultural e Recreativa. Telefs. 256.911664/917405 Azevedo - 4535 - Caldas de S. Jorge Edição do Rancho Folclórico. Escreva o Código Postal nas zonas sombreadas. Reprodução proibida. Publigrifo - Santa Maria da Feira.


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Sentir o Viajar……. Maria Fernanda Calheiros Lobo* Sentir o Viajar……. No barco de três mil passageiros, aquela sociedade, era pedante e extrovertida, entrelaçada, como filigrana Viajar, poderá ser percorrer milhares de quilómetros, para encontrar uma resposta, olhar paisagens verdes, campos amarelos, castelos e monumentos, obras de arte, águas azuis, conhecer alguém que existe igual, do outro lado do mundo, ou já desapareceu… Diante de uma baía suave e maravilhosa, instintivamente penso que qualquer pessoa ali nascida, deve ser boa por natureza, e ter uma boa disposição de espírito. «Viajar é olhar» mas também é ouvir, os mistérios da retórica, na arte de contar histórias, que sem dúvida, são fruto de talento, e exemplo da arte de as descrever com verdadeira mestria. - Será que podemos considerar a fala, como algo de diferente das vozes dos pássaros; ou talvez não? Perguntas que surgem pertinentes, com o estado de espírito criado pelo sentir, e pelo ver. -A muralha vista do local onde estamos, continua em serpentina até ao infinito, ou apenas para trás das montanhas?... - Pousada no Mar, o barco leva-me e os pensamentos mergulham. O cenário cria duas situações diferentes e complementares. A areia no Mar presente, mas ausente dos meus olhos, do mapa

que tenho comigo, aponto com o dedo e deduzo lugares, planos intenções, sonhos desenhados com o dedo no mapa. Sentada na sala envidraçada do barco que me transporta, a viagem prossegue indefinidamente dentro de mim, e nem são os Portos que me atraem, é a impressão de que em redor estão a acontecer coisas importantes e irrepetíveis, que vale a pena assegurar, num testemunho momentâneo de que tudo o que sinto é o que preciso. Penso na selva, e comparo-a ao mar, um ser fechado único e independente. Sentimo-nos numa catedral celeste, onde o homem se sente pequenino e vê que tudo em redor é maior do que ele. Depois a memória é uma substância frágil, inconstante e volátil, é um ponto minguante. Então, o meu desejo é voltar para rever, sentir que o belo me volta a tocar, e que o momento que passa me dá tudo o que preciso.

*Universidade Sénior - Douro.


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LAF - Liga dos Amigos da Feira


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Fundação Comendador Joaquim de Sá Couto


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Clube Feirense Associação Cultural


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