15 edição Revista Atualidade

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Comportamento

Como julgar

os caprichos de uma mãe? Antônio Carlos Félix das Neves Psicólogo-Psicanalista. Analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória (ELPV). Mestre em Psicologia (UFES) e Doutorando em Psicanálise (UERJ) antoniocarlosfn@terra.com.br

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e menina a mulher, cantada nos versos de Chico Buarque, o caderno é seu maior confidente: Sou eu que vou ser seu amigo / Vou lhe dar abrigo / Se você quiser / Quando surgirem seus primeiros raios de mulher... Apesar do apelo para não ser esquecido num canto qualquer, o caderno encerra, em si mesmo, um ciclo de vida para a menina que, agora mulher, passaria a escrever cartas; cartas de amor. E se uma carta de amor causar o desejo de um homem, filhos com ele, num futuro, terá. O desejo, quando afeta homem e mulher, faz nascer uma criança. A criança bem- vinda é consequência do erotismo dos amantes, ali onde o casal não se completa. O filho, então, dependerá dos cuidados dos pais por um longo período.

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A mãe oferece o corpo, que alimenta e abriga a criança. Conversa com ela mesmo que ainda não tenha chegado ao mundo, tecendo palavras em torno do nome escolhido. A voz da mãe a acaricia em torno da barriga, e ela responde. Portanto, de tanta intimidade antecipada, a mãe vai dando vida ao ser, apresentando o filho ao pai, tornando o parto mera formalidade biológica. Mas pode ser também que, nessa intimidade, com o passar do tempo, a mãe se perca entre ela e o filho, não sabendo mais delimitar o espaço entre os dois. Tamanha proximidade, às vezes, leva à loucura – as loucuras das mães – manifestada em crises de raiva ou agressividade descontrolada. Os caprichos de uma mãe pode não ter limite, e, quando isso

acontece, prevalece sua vontade, sua lei, a lei da mãe. Ela pode determinar tudo, fazendo do filho sua razão de viver. A criança, para se defender de tais caprichos, convoca, através dos seus sintomas, outra lei, a lei do pai, aquela que poderá fazer uma mediação frente aos caprichos de uma mãe, já que um verdadeiro capricho não admite interferências, não escuta terceiros, é surdo! Se, no privado da família, ainda assim prevalecer o capricho, pode ser que se apele em outro lugar: nos tribunais de justiça, na escola, na rua. Sempre haverá um apelo, encenado em algum lugar, quando a criança ficar capturada no capricho. Daí a importância de se escutar um apelo para além da cena, ao invés da punição imediata. Assim, como julgar uma mãe tomada em seu próprio capricho? Quem vai protegê-la de si mesma, da sua própria loucura? Uma mãe, nessas condições, não se julga: limita-se e barra-se. Ela mesma pede isso, sem saber. Pode ser que, no encontro com esse limite, uma mãe possa tomar distância de seu capricho e pensar sobre ele. Podem ainda lhe ocorrer lembranças de infância, da relação com sua mãe, percebendo que aquela menina ainda está ali, se perguntando como uma menina se torna uma mulher, num resto sempre esquecido, num canto qualquer.


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