Busca por padrões silábicos não

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RUBENS MARQUES DE LUCENA

BUSCA POR PADRÕES SILÁBICOS NÃO MARCADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM BASEADA EM RESTRIÇÕES

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Lingüística. Curso de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal da Paraíba. Orientador: Prof. Dr. Dermeval da Hora.

JOÃO PESSOA 2007


RUBENS MARQUES DE LUCENA

BUSCA POR PADRÕES SILÁBICOS NÃO MARCADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM BASEADA EM RESTRIÇÕES

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Lingüística. Curso de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal da Paraíba. Orientador: Prof. Dr. Dermeval da Hora.

JOÃO PESSOA 2007


RUBENS MARQUES DE LUCENA

BUSCA POR PADRÕES SILÁBICOS NÃO MARCADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM BASEADA EM RESTRIÇÕES

Tese de doutorado aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Lingüística no Curso de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal da Paraíba, pela Comissão formada pelos professores:

Orientador:

Prof. Dr. Dermeval da Hora Universidade Federal da Paraíba

Membros:

Profa. Dra. Gisela Collischonn Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Profa. Dra. Maria Elizabeth Affonso Christiano Universidade Federal da Paraíba Profa. Dra. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante Universidade Federal da Paraíba Prof. Dr. Walcir Cardoso Concordia University of Canada

João Pessoa, 30 de abril de 2007


AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, antes de mais nada, ao meu orientador, Prof. Dr. Dermeval da Hora, não apenas pela orientação paciente e dedicada, mas por incentivar, incansavelmente, minha carreira acadêmica, nos quase oito anos ininterruptos sob sua orientação como bolsista de iniciação científica e aluno de Mestrado e Doutorado. É impossível pormenorizar aqui os detalhes de sua ajuda no caminho que trilhei para culminar nesta tese de doutoramento. Agradeço imensamente, também, sua prontidão em emprestar-me seus livros e textos pessoais e sua gentileza em me liberar, durante um período do curso deste doutorado, para obrigações acadêmicas junto à Universidade de Salamanca. Por fim, não posso deixar de mencionar o quanto admiro a obstinação e o espírito empreendedor com que conduz todos os atos de sua vida.

À Profa. Dra. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante e à Profa. Dra. Maria Elizabeth Affonso Christiano, pelas valiosas contribuições, por ocasião do exame de qualificação desta tese.

À Profa. Dra. Thaïs Cristófaro Silva e ao Prof. Dr. Walcir Cardoso, pelas sugestões para melhoria deste trabalho.

À Profa. Dra. Elisa Battisti, por ter tido a paciência de ler os originais e pelas preciosas observações.


À Profa. Dra. Otília Maia (in memoriam), pelos primeiros incentivos acadêmicos.

Ao Prof. Dr. José Javier Laso Pérez, por entender meus prazos e obrigações junto ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística e pela paciência com que trata minhas limitações de tempo.

À Universidade Federal da Paraíba, em especial ao Programa de PósGraduação em Lingüística, pelas facilidades que me foram oferecidas.

Aos funcionários do PROLING e do VALPB, em especial a Veralucia Lima da Silva e Maria Aparecida Silva, pela costumaz gentileza com que me tratam.

À Universidade Estadual da Paraíba, em especial à Diretora do Centro de Humanidades, Profa. Dra. Joedna Reis de Meneses, e à Chefe do Departamento de Letras e Educação, Profa. Dra. Rosilda Alves Bezerra, pelo pronto atendimento ao meu pedido de redução de carga horária, durante os últimos meses de minha pesquisa.

Aos meus colegas do curso de Doutorado em Lingüística, em especial a Julienne Pedrosa, Eliza Batista, André Pedro Silva e Débora Neves, pelas construtivas discussões sobre Fonologia.

À minha família e meus amigos, pelo apoio e incentivo constantes.

Apesar de receber sugestões e contribuições de várias pessoas, todas as falhas e inconsistências apresentadas aqui são de minha autoria.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 1 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................ 6 Introdução ........................................................................................................... 6 A conspiração ..................................................................................................... 7 A sílaba .............................................................................................................. 12 2 O PADRÃO SILÁBICO NAS LÍNGUAS ROMÂNICAS ......................... 21 Introdução ......................................................................................................... 21 Breve histórico das línguas românicas ......................................................... 22 O francês ............................................................................................................ 26 O castelhano ..................................................................................................... 32 O catalão ............................................................................................................ 36 O italiano ........................................................................................................... 44 O romeno ............................................................................................................ 47 O português ...................................................................................................... 52 3 TEORIA DA OTIMALIDADE ..................................................................... 53 Introdução e contexto da TO .......................................................................... 53 Arquitetura básica da TO ................................................................................ 63


Propriedades do modelo da TO ................................................................... 73 Procedimentos de análise na TO................................................................... 76 Restrições utilizadas ....................................................................................... 80 Vantagens e limitações ................................................................................... 84 4 EVIDÊNCIAS DIACRÔNICAS DA CONSPIRAÇÃO ........................... 86 Introdução ........................................................................................................ 86 Desaparecimento de consoantes geminadas .............................................. 88 Maior restrição à coda silábica ...................................................................... 103 Redução de grupos consonantais ................................................................. 111 Conclusão ......................................................................................................... 118 5 EVIDÊNCIAS SINCRÔNICAS DA CONSPIRAÇÃO ............................ 120 Introdução ........................................................................................................ 120 Redução dos ditongos nasais átonos ............................................................ 121 Monotongação de ditongos decrescentes orais .......................................... 138 Apagamento da vibrante pós-vocálica em posição de coda ..................... 145 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 150 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 156


RESUMO

Um problema que a fonologia gerativa clássica nunca foi capaz de resolver de forma satisfatória diz respeito à tendência de fenômenos aparentemente distintos conspirarem em busca de uma direção ou objetivo comum. No caso da Língua Portuguesa falada no Brasil, parece possível propor a existência de uma conspiração (KISSEBERTH, 1970) de determinados fenômenos nesta língua (nomeadamente a queda das geminadas, maior restrição à coda silábica, simplificação de grupos consonantais, a redução dos ditongos nasais átonos, a monotongação e o apagamento da vibrante em posição de coda) na direção de padrões silábicos não marcados. Esta hipótese torna-se viável, nesta tese, ao se lançar mão da Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1993, 1995), tomando por base a hipótese de que as mudanças históricas são vistas como uma modificação na hierarquia de restrições. Observou-se que, em todos os fenômenos analisados, houve uma demoção da restrição de fidelidade MAX-IO na hierarquia de restrições, ocasionando uma reestruturação da língua e simplificando certas estruturas silábicas.


ABSTRACT

Standard generative phonology has never been able to solve, in a satisfactory way, problems concerning the tendency of apparently distinct phenomena to conspire towards a common goal or direction. As for Brazilian Portuguese, it seems plausible to propose the existence of a conspiracy (KISSEBERTH, 1970) of some phenomena (namely the deletion of geminates, coda restriction, cluster simplification, reduction of unstressed nasal diphthongs, monothongation and deletion of vibrants in coda position) towards unmarked syllable patterns. This hypothesis can be raised, in this thesis, if Optimality Theory is taken into account (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1993, 1995), assuming that historical changes are seen as a re-ranking of constrains. It has been observed that, throughout the analyzed phenomena, there has been a demotion of MAX-IO, a faithfullness constraint, causing a re-arranging of the language and, as a result, the simplification of certain syllable structures.


RÉSUMÉ

La théorie générative classique n’a jamais réussi à expliquer, de manière satisfaisante, les problèmes concernant la tendance de certains phénomènes apparemmment distincts à conspirer vers une direction ou objectif commun. En ce qui concerne le portugais brésilien, il paraît possible de proposer l’existence d’une conspiration (KISSEBERTH, 1970) de certains phénomènes (surtout la suppression des géminées, la restriction des codas, la simplification des groupes consonantiques, la réduction des diphtongues nasales atones, la réduction des diphtongues orales et la suppression des vibrantes en position de coda) vers structures syllabiques non marquées. Cette hypothèse peut être levée, dans ce travail, si la Théorie de l’Optimalité est considerée (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1993, 1995), et si on accepte que les changements historiques sont le résultat d’une réhiérarchisation des contraintes. Il a été constaté, à travers les phénomènes analysés, la démotion de MAX-IO, une contrainte de fidélité, qui produit un réarrangement de la langue et, par conséquence, la simplification de certaines structures syllabiques.



INTRODUÇÃO

Gilberto Freyre (1990, p. 331), talvez o maior antropólogo brasileiro, escreveu, certa vez, que o português do Brasil tem uma das falas mais doces do mundo. Sem RR ou SS, escreve ele, e com as sílabas finais moles, as palavras só faltam se desmanchar na boca. Essa visão poética de Freyre a respeito do português brasileiro parece ser o resultado da percepção de uma língua que evita as sílabas travadas e que prima por padrões silábicos menos marcados, muitas vezes mais melódicos. Neste trabalho de doutoramento, é aventada a hipótese de que existe um processo na língua portuguesa falada no Brasil que a direciona para a simplificação de estruturas silábicas, possibilitando um falar mais doce, como bem colocou Gilberto Freyre. Como se verá mais adiante, alguns fenômenos históricos que ocorreram na língua portuguesa e certos fenômenos sincrônicos

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característicos de sua variante brasileira parecem atestar uma conspiração (cf. KISSEBERTH, 1970; CRIST, 2001) de fenômenos na direção de sua simplificação silábica ou uma aversão desta língua por sílabas travadas. Evidências históricas surgem em transformações como poenna > pena; pluvia > uva; dat > dá. A supressão de segmentos foi um fenômeno bastante freqüente na transição do latim para o português, o que produziu, na maior parte dos casos, sílabas abertas. Alguns argumentos sincrônicos também parecem suficientes para que se proponha a idéia da conspiração por estruturas silábicas menos marcadas, como em peixe > pexe; jovem > jóvi; comer > comê. Câmara Jr. (1997, p. 26) já afirmava que a língua portuguesa se caracteriza por uma grande predominância de sílabas livres ou abertas: “sílabas travadas ou fechadas são muito menos freqüentes e com uma limitação muito grande das consoantes que podem figurar no aclive, isto é, como decrescentes”. É justamente este o objeto de estudo desta tese: a tendência do português brasileiro em primar por estruturas silábicas menos marcadas. O propósito deste trabalho também é o de contribuir para a atual pesquisa em lingüística teórica produzida no Brasil, principalmente no que diz respeito à fonologia e, ao mesmo tempo, fornecer maiores informações para o entendimento do padrão silábico do português

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brasileiro. Até a presente data, não há muita pesquisa sobre a fonologia do português brasileiro que utilize o modelo da Teoria da Otimalidade (a teoria adotada neste trabalho), principalmente na região Nordeste do Brasil. Esta tese também visa preencher esta lacuna, contribuindo, dessa maneira, para o desenvolvimento da teoria fonológica e à emergente Teoria da Otimalidade. Neste trabalho, será mostrado que várias mudanças ocorridas na língua portuguesa (e outras que estão por acontecer) podem ser atribuídas às diferentes hierarquias de um número limitado de restrições. Observarse-á que a história do português pode ser vista como uma série de estágios, exibindo, cada um deles, uma hierarquia de restrições diferenciada. Leves rearranjos destas restrições provocariam variação na estrutura silábica e nas formas fonéticas e fonológicas do português. A próxima sessão será dedicada às considerações iniciais deste trabalho. São conceitos primordiais, como a idéia de conspiração e de estrutura silábica, para compreender os capítulos seguintes. O capítulo 2 é inteiramente dedicado ao estudo do padrão silábico nas principais línguas românicas. Para esta análise, foram levados em consideração o comportamento silábico do português, do castelhano, do catalão, do francês, do italiano e do romeno. Alguns estudos a respeito do assunto são citados, para um melhor entendimento do que acontece à

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estrutura silábica em cada uma das línguas. Também é feita uma contextualização histórica e geográfica de todas elas. No capítulo 3, será apresentada a teoria em que se baseia esta tese para explicar os fenômenos fonológicos aqui expostos. Para esta análise, serão utilizados os pressupostos teóricos da Teoria da Otimalidade (TO) (cf. PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1993; 1995). Serão mostradas as principais restrições propostas pela teoria, sobretudo aquelas que servirão de apoio para a presente análise. As evidências diacrônicas da tendência que o português brasileiro tem por estruturas silábicas menos marcadas são mostradas no capítulo 4. Através do estudo da evolução fonético-fonológica do latim para o português, fica demonstrado que esta tendência acompanha a história do português há bastante tempo. Serão abordados três fenômenos distintos: o apagamento das consoantes geminadas, a maior restrição à coda silábica e a redução de alguns grupos consonantais latinos. O capítulo 5 versa sobre as evidências sincrônicas da tendência apresentada no capítulo anterior. Os fenômenos sincrônicos abordados são: a redução dos ditongos nasais átonos, a monotongação e o apagamento da vibrante em posição de coda. São utilizados os seguintes dialetos do português brasileiro: o do sul do país (baseado em estudos de MENEGHINI, 1983; BISOL, 1989; CABREIRA, 1996; BATTISTI, 1997, 2000 e MONARETTO, 2000, 2002; todos com base no Projeto VARSUL); o do

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Rio de Janeiro (CALLOU, 1987; PAIVA, 1996 e SILVA, 1997); o falado na Paraíba (SOUZA SILVA, 1997 e HORA, D.; PEDROSA, J., 2001) ; e o falado no Amapá (HORA, D.; SANTIAGO, S., 2006). Todas as evidências estão respaldadas por estudos sociolingüísticos, feitos especificamente com o português brasileiro. Por fim, serão esboçadas algumas considerações finais a respeito dos fenômenos abordados nesta tese. Espera-se, ao fazer este recorte lingüístico do português brasileiro, contribuir para um melhor entendimento da fonotática da língua, assim como colaborar com um aporte teórico a mais para fenômenos de conspiração, ainda tão pouco discutidos.

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CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

INTRODUÇÃO

A tese defendida neste trabalho é a de que alguns fenômenos diacrônicos e sincrônicos da língua portuguesa parecem caminhar na direção da simplificação da estrutura silábica da língua. Estes fenômenos, aparentemente diferentes entre si, demonstram possuir, no entanto, um traço em comum: em todos eles, a simplificação é resultado de um mesmo processo: a demoção da restrição de fidelidade MAX-IO. Para entender esta hipótese, porém, faz-se necessário um repasse do que vem a ser a idéia de conspiração e um entendimento de como a sílaba está estruturada nas línguas naturais.

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A CONSPIRAÇÃO

A idéia de conspiração não é nova dentro da ciência lingüística. De fato, ela já surge nos primeiros escritos de Jakobson (1929), já no final da década de 1920, que discutia a conspiração pela sílaba aberta no eslavônio. Jakobson acreditava que algumas regras diacrônicas, aplicadas ao longo dos séculos, tinham uma aparente direcionalidade ou objetivo; no caso em questão, a eliminação das codas silábicas. No entanto, o entendimento mais sistemático do fenômeno conspiratório se dá com o texto de Kisseberth (1970). Nesse trabalho, Kisseberth observou que várias regras fonológicas em yawelmani, uma língua extinta falada por índios da Califórnia, possuem um propósito semelhante: elas eliminam ou deixam de criar seqüências de três consoantes adjacentes (do tipo CCC). Na época em que foi escrito o texto de Kisseberth, no auge da Guerra Fria, a palavra “conspiração” foi a escolha natural para descrever este processo lingüístico. Kisseberth (op. cit., p. 291) afirmava que para a teoria gerativa padrão, a conspiração era um sério problema, pois não havia um mecanismo para fazer conexões entre as diversas regras que coexistiam na gramática das línguas. O Teoria da Otimalidade (TO) (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, McCARTHY & PRINCE, 1993; 1995), como se verá mais adiante, em virtude de seu caráter inerentemente interativo, dá conta mais

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satisfatoriamente desse aspecto particular da conspiração. McCarthy (2002, p. 93) afirma que a mesma configuração do output pode ser alcançada de diferentes maneiras entre as diferentes línguas e até mesmo dentro de uma mesma língua. O autor chama esta propriedade da TO de homonegeidade do alvo/heterogeneidade do processo, isto é, ele defende que existem diversas maneiras de se atingir o mesmo objetivo dentro das línguas. Dentro da Teoria da Otimalidade, o conjunto da gramática – no caso em questão, o conjunto da fonologia da língua – consiste de uma hierarquização das restrições (cf. capítulo 3 deste trabalho). Isto significa que não existem processos isolados; todos os processos interagem potencialmente entre si. A situação na TO, desta forma, é diferente da teoria gerativa padrão, onde cada regra é completamente autônoma das demais. Crist (2001), em sua tese de doutorado Conspiracy in Historical Phonology, defende a idéia de conspiração na fonologia histórica através de três línguas distintas: o grego, o germânico ocidental e o eslavônio. Para o grego, Crist (op. cit. p. 34) apresenta as seguintes regras que culminaram na eliminação do /j/:

(1) *-anj- > -ain- (através de metátese) *-onj- > -oin- (através de metátese)

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*-unj-

>

-u:n-

(através

de

apagamento

e

alongamento

-e:n-

(através

de

apagamento

e

alongamento

compensatório) *-enj-

>

compensatório) *-inj- > -i:n- (através de metátese ou apagamento e alongamento compensatório) *-lj- > -ll- (através de geminação)

Através das regras em (1), o autor acredita que diferentes processos (metátese, apagamento

e alongamento

compensatório, geminação)

resultaram em um objetivo comum: a eliminação de /j/. Para o germânico ocidental, Crist (op. cit., p. 88-144) se utiliza de algumas regras que culminaram com o desaparecimento de fricativas sonoras naquela língua. Assim:

(2) */z/ > Ø (através do apagamento total) *zw, *dw > *ww (através de assimilação) */β/, /γ/ > /x/ (através de assimilação)

Em (2), a heterogeneidade do processo (apagamento e assimilação) desembocaram em uma homogeneidade do alvo (eliminação de fricativas

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sonoras na língua), o que corrobora a hipótese de conspiraçãosustentada pelo autor. Por fim, Crist ainda traz evidências do eslavônio em que diferentes regras conspiram na direção de sílabas abertas. Segundo o autor (op. cit. p. 149), a partir de um determinado ponto na história, o eslavônio sofreu uma série de mudanças sonoras cujo efeito cumulativo foi essencialmente eliminar codas silábicas. Este processo foi o resultado de apagamentos, metáteses e coalescências. Em (3) estão mostradas as regras utilizadas na análise de Crist (op. cit., p. 150):

(3) Apagamento de nasais em posição final de palavra e após vogais curtas; Apagamento de *-t, *-d em posição final de palavra; Apagamento da primeira consoante nos grupos obstruinte + fricativa e obstruinte + obstruinte; Apagamento de *s, *x finais Monotongação dos ditongos *Vj e *Vw, tais como: *ai > ĕ, *ei > ī, *au > u; eu > u; Apagamento de codas nasais; Eliminação dos grupos *tl, *dl;

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O autor novamente atesta, através de dados históricos, a hipótese de que existe uma conspiração, no eslovênio, para reduzir a estrutura silábica para o padrão menos marcado, isto é, com sílaba aberta. Partindo da idéia de conspiração exposta acima, e baseado nos textos de Kisseberth (1970), Kiparsky (1995) e Crist (2001), a hipótese defendida neste trabalho é a de que fenômenos diacrônicos e sincrônicos na língua portuguesa conspiram para a formação de estruturas silábicas menos marcadas. Os processos analisados nesta tese são: o apagamento das consoantes geminadas na evolução do latim para o português; a maior restrição à coda silábica; e redução de alguns grupos consonantais latinos (tratados no capítulo 4 deste trabalho); e a redução dos ditongos nasais átonos; a monotongação; e o apagamento da vibrante pós-vocálica em posição de coda (tratados no capítulo 5). Em todos os processos do português mencionados acima, existe um denominador comum: todos produzem uma simplificação da estrutura silábicas e todos eles vêm à tona como o resultado da demoção de uma restrição de marcação denominada MAX-IO. Esta hipótese está explicitada nos capítulos 4 e 5 deste trabalho.

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A SÍLABA

Para entender a simplificação da estrutura silábica e os processos fonotáticos do português brasileiro que serão apresentados nos próximos capítulos, no entanto, faz-se necessário explicitar o conceito de sílaba adotado neste trabalho. Não existe, de fato, um conceito definido para a sílaba, visto que os critérios utilizados em sua definição podem ser os mais variados. No entanto, é possível afirmar que a sílaba é uma unidade que é maior do que um segmento e menor do que uma palavra. Muitos teóricos (cf. PIKE, 1967; SELKIRK, 1982; HARRIS, 1983; KENSTOWICZ, 2004) parecem concordar com a teoria da proeminência. Segundo essa linha de pensamento, a proeminência tem um papel importante na identificação do número de sílabas de uma palavra. Como é sabido, as vogais são os elementos mais sonoros que a linguagem humana pode produzir e, ao contar o número de sílabas de determinada palavra, conta-se, ao mesmo tempo, o número de segmentos vocálicos que tal seqüência sonora possui. A presença de uma vogal ou de um som com alto grau de sonoridade, portanto, será um elemento obrigatório na configuração daquilo que se chama por sílaba. A teoria da estrutura silábica na fonologia gerativa padrão é atribuída normalmente a Kahn (1976), baseada em uma visão minimalista.

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Nesta abordagem, o nó σ domina de forma imediata seus constituintes, tal como está representado em (4):

(4)

σ

p

o

r

Apesar da simplicidade do modelo, Kahn (1976) demonstrou, de modo incisivo, que era possível fazer mais generalizações partindo da estrutura silábica do que partindo dos próprios segmentos. Outra abordagem minimalista da estrutura silábica é a proposta por Clements & Keiser (1983), que sugere que a relação entre σ e os segmentos tem que estar mediada por uma camada CV, como em (2):

σ

(5)

C

V

C

p

o

r

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A camada CV é aceita, hoje em dia, pela maior parte dos fonólogos é considerada como um componente indispensável da representação fonológica. Uma outra teoria a respeito da estrutura interna da sílaba é chamada de teoria métrica e é baseada em propostas elaboradas por Pike & Pike (1947) e Fudge (1969) e mais consistentemente por Selkirk (1982). Segundo essa teoria, visto que a vogal, ou qualquer outro som com alto grau de sonoridade, está no centro da sílaba, ela é chamada de núcleo silábico. Os sons que precedem a vogal e os sons que a seguem são, necessariamente, menos sonoros do que as vogais e, diferentemente do núcleo, eles são elementos optativos do molde silábico. A parte da sílaba que precede o núcleo é chamada de ataque ou onset da sílaba. O elemento que segue o núcleo é chamado de coda. O núcleo e a coda juntos constituem a rima da sílaba. Os elementos constitutivos das sílabas são organizados, nesta teoria, em forma de árvore e a partir deste padrão, estruturas mais complexas ou mais simples são formadas. O molde silábico tem a seguinte estrutura:

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(6)

σ

onset (ataque)

rima

núcleo

coda

A estrutura da sílaba por na palavra porta teria uma representação como em (7):

(7)

σ

O

R

p

N

C

o

r

Como se pode observar, esta última teoria silábica prevê um relacionamento muito mais estreito entre a vogal do núcleo e a consoante

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da coda do que entre esta vogal e a consoante do ataque. Selkirk (1982, p. 341) apresenta argumentos fortes para comprovar a existência da rima1. As sílabas que têm um segmento ligado à coda são chamadas de sílabas travadas ou fechadas, como se observa no exemplo da palavra porta, em (7). Todo segmento tem um lugar no molde silábico. No entanto, alguns podem se desligar temporariamente, como é o caso da coda na sílaba ca na palavra casa, que está representada em (8):

(8)

σ

O

R

c

N

C

a

Ø

Uma sílaba que não possui coda e, conseqüentemente, termina no núcleo vocálico é chamado de sílaba aberta.

Cf. Selkirk (1982) para uma argumentação exaustiva sobre a existência da rima e sobre a estrutura silábica de maneira geral. 1

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As sílabas podem também não apresentar onset, como no caso da sílaba ar em arma, representada em (9):

(9)

σ

O

R

Ø

N

C

a

r

Uma distinção entre vogais curtas e breves também é relevante para o entendimento do molde silábico. Uma sílaba aberta que termina em vogal curta é chamada de sílaba leve. Seu molde é do tipo CV. Se a sílaba é aberta, mas a vogal de seu núcleo é longa ou um ditongo, ela é chamada de sílaba pesada. Sua representação é CV: (os dois pontos são utilizados para marcar vogais longas) ou CVV (no caso do ditongo). Qualquer sílaba fechada, não importando quantas consoantes tenha na coda, também é considerada sílaba pesada. A representação dos segmentos longos é particularmente importante no caso do português, para se entender certos processos diacrônicos que alteraram a pronúncia de várias vogais

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portuguesas (cf. capítulo 4 deste trabalho, para um maior detalhamento sobre vogais longas, consoantes geminadas e teoria da mora). Como a teoria silábica adotada neste trabalho é baseada nas idéias de Selkirk (1982), uma sílaba pesada do tipo CVV, como pei de peixe, é representada como em (10):

(10)

σ

O

R

N

p

e

C

i

Ø

As línguas diferem quanto ao número de segmentos permitido em cada constituinte silábico. Os tipos de moldes silábicos utilizados pelas línguas são os mais diversos e é sempre curioso compará-los (cf. capítulo 2 deste trabalho para uma visão panorâmica da estrutura silábica nas línguas românicas). Algumas línguas utilizam apenas moldes silábicos do tipo V ou CV, como o havaiano (cf. CRYSTAL, 2000, p. 166); outras usam várias consoantes antes e depois da vogal, como o inglês (em uma palavra como strenghts, é possível observar um molde silábico bastante complexo

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CCCVCCCC). O tipo de sílaba que é preponderante em determinada língua deixa sua marca em suas características acústicas. Assim, o alto grau de musicalidade das línguas românicas é em parte pelo fato de que, estatisticamente, as sílabas abertas são mais numerosas nestas línguas do que nas línguas germânicas, como o inglês e o alemão, em que o número de sílabas travadas é dominante. As línguas diferem entre si não só pelos fonemas consonantais e vocálicos particulares, mas também pela forma como estes fonemas são combinados para formar sílabas. Estudos

lingüísticos

conduzidos

em

diversas línguas do mundo (cf. KISSEBERTH, 1970, p. 298; KAGER, 1999, p. 92; CRYSTAL, 2000, p. 84; CRIST, 2001, p. 166) mostram que a estrutura silábica menos marcada é a CV – nenhuma língua a exclui. Será demonstrado nos próximos capítulos como o português brasileiro parece ter uma tendência (ou uma conspiração, como será explicado mais adiante) a um movimento para adequar sua estrutura silábica a padrões menos marcados. Os seis fenômenos de reestruturação silábica analisados neste trabalho são:

a) CC > C ou C: > C  no caso da eliminação das consoantes geminadas do latim para o português, como em anno > ano;

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b) CVC > CV  no caso da maior restrição à coda silábica do português. O português eliminou quase todas as possibilidades de ocorrência de coda silábica, como em caput > cabo. Também é possível observar em fenômenos sincrônicos como brincar > brincá.

c) CCV > CV  no caso da eliminação de vários grupos consonantais latinos que desapareceram no português, como em clave > ave;

d) VV > V  no caso da redução de ditongos nasais átonos e da monotongação, como em órfão > órfu e caixa > caxa.

No próximo capítulo, observar-se-á como as sílabas se estruturam nas principais línguas românicas.

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CAPÍTULO 2 O PADRÃO SILÁBICO NAS LÍNGUAS ROMÂNICAS

INTRODUÇÃO

Antes de analisar alguns fenômenos diacrônicos e sincrônicos da língua portuguesa que parecem conspirar à simplificação de estruturas silábicas, é importante que se trace um panorama de como as outras línguas românicas organizam a sílaba. A

estrutura

silábica

é,

muitas

vezes,

responsável

pelas

características acústicas de determinada língua. A musicalidade tão reconhecida das línguas românicas se deve, em parte, pela preferência deste grupo lingüístico por sílabas mais simples. Isto não significa que a estrutura seja a mesma para todas as línguas que provieram do latim, mas que as sílabas abertas são mais numerosas nestas línguas do que nas línguas germânicas, como o inglês e o alemão.

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BREVE HISTÓRICO DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS

As línguas românicas, ou línguas neolatinas, formam parte do grupo itálico da família das línguas indo-européias. A principal língua deste grupo é o latim – a língua de Roma e suas províncias – preservada em inscrições a partir do século VI a. C. Outras línguas do grupo itálico são o osco e o úmbrio, já extintos, falados no nordeste do atual território italiano. A partir do latim falado pelo povo (sermo vulgaris, ‘língua do povo’), utilizado em todo o império, desenvolveram-se as línguas românicas. O surgimento das línguas românicas aconteceu a partir do momento em que o latim (e até mesmo o latim vulgar) já não era mais compreendido pela população (cf. LAUSBERG, 1981, p. 26). É difícil precisar datas para a formação destas línguas, mas é possível chegar a uma

aproximação,

baseada,

sobretudo,

em documentos

escritos.

Documentos como o Placito de Capua (960 d.C., primeiro texto reconhecido como italiano arcaico), os Serments de Strasbourg (842 d.C., em língua francesa arcaica), as Glosas Emilianenses (964 d.C., em língua castelhana), o Auto de Partilhas (1192 d.C., em galego-português), as Homilies de Organyà (século XIII, em catalão) e a carta de Neacşu Câmpulung (1521, primeiro texto escrito em romeno) fornecem datas aproximadas do nascimento de cada língua. Obviamente, há que se considerar que a língua falada sempre

22


precede a língua escrita e que, em algumas regiões, por diversas razões, houve um retardamento no processo de escrita; no entanto, é consenso, entre os filólogos que a consolidação das línguas românicas tenha ocorrido entre os séculos VI e VIII (cf. WILLIAMS, 1961; LAUSBERG, 1981; TEYSSIER, 2001). Precisamente nesta época, a fala regional penetra, pouco a pouco, nos textos literários (francês, século IX; italiano, século X; espanhol e português, século XII; catalão, século XIII; romeno, século XVI). É difícil também precisar o número de línguas surgidas a partir do latim vulgar. Lausberg (1981, p. 28) aponta dez: o português, o castelhano, o catalão, o provençal, o francês, o reto-romano, o italiano, o dálmata, o romeno e o sardo. No entanto, essa classificação esquece o galego, hoje em dia considerada uma das línguas oficiais da Espanha, e outros dialetos importantes, ainda falados na Europa, como o ladino, o friulano e o aragonês. Além disso, o conceito de dialeto e língua ainda é bastante impreciso entre os lingüistas. Assim, visto que esta classificação não é o objeto de estudo deste trabalho e tendo em vista a necessidade de se adotar um critério para a abordagem das principais línguas românicas aqui, optou-se pela apreciação tão-somente daquelas faladas por mais de 5 milhões de pessoas. Serão abordadas, então, o português (falado por 210

23


milhões de pessoas), o castelhano2 (417 milhões), o catalão (10 milhões), o francês (128 milhões), o italiano (62 milhões) e o romeno (26 milhões)3. As línguas românicas possuem certas características em comum, como o fato de possuírem dois gêneros (masculino e feminino; o romeno, excepcionalmente, ainda preserva o gênero neutro), dois números (singular e plural) e de haverem preservado o sistema de conjugação verbal do latim (com marcas de pessoa, número, tempo e modo). Na verdade, as principais diferenças das línguas românicas em relação ao latim são, essencialmente, analíticas, como o uso de artigos e preposições, em lugar de declinações (exceto para os pronomes pessoais, que ainda preservam um pouco da declinação latina) e o uso de verbos auxiliares para verbos compostos. No que diz respeito à fonologia (o foco desta tese), é sabido que o latim vulgar tinha uma tendência de evitar consoantes em final de palavras, preferindo uma sonorização vocálica em final de palavras, apesar de ainda permitir diversas possibilidades de coda silábicas (isto será melhor abordado no capítulo 4 deste trabalho). Essa tendência conservou-se, com mais ou menos força, nas atuais línguas românicas: com mais força em italiano, espanhol e português; com menos força, em

2

Será adotado aqui o nome ‘castelhano’ para o idioma popularmente conhecido como ‘espanhol’, para evitar confusão com outras línguas faladas no território espanhol (ditas línguas espanholas), como o basco, o galego, o aragonês e o catalão. 3 Dados baseados no Ethnologue: Languages of the World. 15 ed. www.ethnologue.com.

24


romeno, catalão e provençal. No que concerne às vogais, Mario Pei (1949) realizou um estudo bastante interessante sobre o grau de evolução das diversas línguas românicas com relação ao latim. Segundo os seus dados, considerando apenas as vogais tônicas, as línguas que mais conservaram a fonologia vocálica latina foram o sardo (com uma divergência de 8%) e o italiano (12%). Em um meio termo, encontram-se o castelhano (20%), o romeno (23,5%) e o provençal (25%). As que mais divergem quanto às vogais tônicas latinas são o português (31%) e o francês (44%). Outro ponto interessante a ser observado é a prosódia. O acento na penúltima sílaba tornou-se norma nas línguas românicas ibéricas (principalmente no português e no castelhano). O francês, por outro lado, tendeu para uma acentuação oxítona (como, por exemplo, ‘vrai ‘verdadeiro’ < latim ‘verum), e o italiano e o romeno conservaram grande parte dos proparoxítonos latinos, perdidos nas outras línguas românicas. Lausberg (1981, p. 159) afirma que os proparoxítonos recebem tratamento diferente nas várias línguas românicas: o sardo, o italiano e o romeno conservam, em grande parte, os proparoxítonos do latim. Na România ocidental, eles estão sujeitos à redução: o português ainda é um pouco conservador; em castelhano, no entanto, a redução alcança já proporções consideráveis; em catalão e francês, há uma redução radical. Nas próximas páginas, será mostrado como se comporta o padrão silábico nas principais línguas românicas. Na maior parte das vezes, a

25


análise fonológica é precedida de uma contextualização histórica e geográfica da língua em questão, para fins de melhor compreensão.

O FRANCÊS

A língua francesa atual tem origem no dialeto falado na região de Paris (dialeto da Ilha-de-França4) que, a partir do século XV, conquistou definitivamente a supremacia sobre o território, conquistando o sul da França. Antes deste período, o atual território francês estava dividido em duas zonas lingüísticas relativamente diferentes: a zona d’oïl e a zona d’oc. A zona d’oïl (antiga forma do atual oui = sim) compreendia o conjunto de dialetos romanos falados na metade norte da França (o picardo, o valão, o normando, o dialeto da Campanha5, dentre outros); a zona d’oc (do antigo occitano oc, que significava sim) abarcava os dialetos romanos falados na metade sul da França (o occitano, o gascão, o languedociano, dentre outros). Observa-se que a divisão lingüística estava estabelecida a partir da diferença de como os dialetos denominavam o sim, se oïl ou oc. Uma das grandes diferenças entre esses dois grupos de dialetos está no grau de germanização. Partes da zona d’oc (sul da França) já haviam Do francês Ile-de-France, região administrativa da França, cuja capital é Paris. Do francês Champagne, região geográfica da França, correspondente à maior parte da região administrativa Champagne-Ardenne. 4 5

26


sido conquistadas muito antes do resto da Gália (atual França), e, como conseqüência, foram fortemente romanizadas. A zona d’oïl (centro-norte da França), em contrapartida, foi menos romanizada e continha uma concentração mais significativa de habitantes germânicos. A partir da subida ao trono de Luís IX, a unificação lingüística começou a ganhar terreno e a preponderância do francês arcaico (que era uma das línguas d’oïl) foi definitivamente assegurada. Após inúmeras vitórias militares, o francês arcaico substituiu progressivamente as outras línguas d’oïl e se infiltrou nas principais cidades do sul, fazendo desaparecer, pouco a pouco, as línguas d’oc (cf. LAUSBERG, 1981, p. 29). O que interessa, no entanto, para esta seção, é ter uma perspectiva da estrutura silábica do francês. O francês do século XIII, por exemplo, era constituído por um sistema extremamente complexo, notadamente no que se refere às vogais: nove vogais orais e cinco nasais (cf. LECLERC, 2002, p. 13). Naquela época, a escrita era mais fonética: todas as letras eram pronunciadas. O francês arcaico se assemelhava um pouco mais com a pronúncia latina e com as demais línguas românicas faladas hoje. Hoje em dia, por circunstâncias históricas, o francês tem uma escrita menos fonética, em virtude das inúmeras modificações de pronúncia e a tendência a um maior conservadorismo na língua escrita. Segundo Féry (2001, p. 12), as sílabas em francês podem apresentar ataque vazio, o que significa que esta posição silábica é opcional. O ataque

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pode ter, no máximo, três segmentos, sempre com uma sonoridade crescente (de acordo com a escala de sonoridade de Clements (1990)). A autora apresenta os seguintes ataques possíveis na língua francesa:

(11) Ataques silábicos da língua francesa (Féry, 2001, p. 9)

/pr/ près

‘perto’

/dj/

diable

‘diabo’

/br/ bras

‘braço’

/grw/

groin

‘focinho’

/gl/ glace ‘gelo’

/brЧ/

bruit

‘barulho’

/pw/ pois

/fr/

frère

‘irmão’

/kЧ/ cuire ‘cozinhar’

/vr/

vrai

‘verdade’

/bЧ/ buisson

/fl/

fleur

‘flor’

‘ervilha’

‘arbusto’

/sw/ soie

‘seda’

/zw/

zouave

‘zuavo’

/ʒw/ joie

‘alegria’

/fЧ/

fuite

‘fuga’

/j/ chien ‘cachorro’

/lw/

loi

‘lei’

/nЧ/ nuit

‘noite’

/rЧ/

ruine

‘ruína’

/mj/ miel

‘mel’

/rj/

rien

‘nada’

28


Já para a posição de coda silábica, é possível observar em (12) que o francês é uma língua bastante permissiva, segundo dados coletados em Féry (2001, p. 10):

(12) Codas silábicas da língua francesa (Féry, 2001, p. 10)

/lp/ Alpes ‘Alpes’

/pʀ/

âpre

‘áspero’

/lb/ Elbe

/ʀb/

Serbe

‘sérvio’

moulte ‘muitos’

/tʀ/

quatre

‘quatro’

/ʀd/ garde ‘guarda’

/ʀk/

orque

‘orca’

/kʀ/ ocre

/kl/

siècle

‘século’

/ʀg/ orgue ‘órgão’

/gʀ/

aigre

‘acre’

/gl/ aigle

‘águia’

/lg/

algue

‘alga’

/ps/ lapse ‘lapso’

/sk/

risque

‘risco’

/pt/ apte

‘apto’

/kt/

acte

‘ato’

/ʀs/ ours

‘urso’

/fʀ/

offre

‘oferecer’

/lt/

‘Elba’

‘ocre’

A autora também afirma (op. cit., p. 11) que o núcleo da sílaba francesa é sempre uma vogal, já que a língua não permite consoantes

29


silábicas. A sílaba teórica máxima em francês seria CCCVCCCC, porém o ataque e a coda completos não podem acontecer simultaneamente, o que impossibilita a existência completa de tal sílaba. Assim, o ataque máximo seria do tipo CCCVCC, como em strict (‘severo’) [stʀikt], e a coda máxima seria do tipo CVCCCC, como em dextre (‘mão direita’) [dεkstʀ]. Embora a percepção das estruturas silábicas do francês ainda não tenha sido estudada mais a fundo, Wioland (1998) tentou definir a freqüência das diferentes estruturas silábicas francesas a partir da sonoridade, analisando entrevistas radiofônicas. Os resultados deste estudo sugerem que o padrão silábico mais freqüente, na língua francesa, é o CV (com mais de 55%), seguido do padrão CCV e CVC (com 14% cada um), do padrão V (com 10% das ocorrências) e CCVC (em torno de 3% das ocorrências). As outras estruturas silábicas ocorrem em menos de 2% das ocorrências. Léon (1992) também realizou um estudo sobre os tipos silábicos mais freqüentes no francês, no castelhano, no inglês e no alemão. Os resultados demonstram que há uma tendência maior nas línguas românicas de uma aproximação ao padrão silábico CV (59% em francês; 55% em castelhano); em contrapartida, nas línguas germânicas, o percentual deste tipo de padrão é bem menor:

30


(13) francês

castelhano

inglês

alemão

CV

59,9%

55,6%

27,6%

28,7%

CVC

17,1%

19,8%

31,8%

38,1%

CCV

14,2%

10,2%

4,0%

3,3%

VC

1,9%

3,1%

11,9%

9,8%

Como é possível observar em (13), o inglês apresenta tão-somente 27,6% das suas sílabas com padrão CV; o alemão tem um quadro parecido: 28,7%. Nas duas línguas românicas analisadas, o percentual passa de 50%. Nas línguas germânicas, o padrão mais freqüente é o CVC: 31,8% em inglês e 38,1% em alemão; este tipo de padrão é relativamente pouco produtivo nas línguas românicas: 17,1% em francês e 19,8% em espanhol. Pelo exposto aqui, é possível perceber que o francês, embora tenha uma clara tendência ao padrão CV (59,9%), é uma língua que admite vários tipos de coda silábica (/ʀ/, /l/, /t/, /p/, /s/, /m/, /d/, dentre outras) e que não se sente desconfortável com sílabas travadas.

31


O CASTELHANO

O castelhano se baseia no dialeto falado em Castilha6, daí sua denominação oficial. Segundo Walter (2001, p. 146), a Espanha tinha pouco contato com as outras colônias romanas, o que explica o fato de não ter conhecido inovações posteriores vindas de Roma e de seu latim ter conservado formas antigas. Em contrapartida, pelo fato de se encontrar isolada, a península foi terra de inovações lingüísticas que não repercutiram em outras partes do Império. Vários povos germânicos passaram pela península, mas as contribuições lingüísticas ficaram restritas a certas áreas particulares. Entre os povos bárbaros que invadiram a península ibérica, destacam-se os vândalos, os godos e os suevos. A grande influência externa no léxico espanhol, no entanto, aconteceu com a conquista árabe, deixando marcas profundas e duráveis e conferindo ao castelhano seu aspecto mais original. O primeiro período de fixação e ordenamento do castelhano vai desde a aparição das Glosas Emilianenses (século X) até os escritos de Alfonso X, o sábio (século XIII). Muito tempo depois, três acontecimentos quase simultâneos colaboraram para a unificação completa do castelhano

Região do centro da península ibérica, na atual Espanha, correspondente às atuais comunidades autônomas de Castilla-León e Castilla-La Mancha. 6

32


como língua daquela parte da península: a união das coroas espanholas, com os reis católicos Fernando e Isabel; a culminação da reconquista (com expulsão dos árabes e judeus) e a era dos descobrimentos (cf. LAUSBERG, 1981, p. 35). Com

relação

à

fonologia

do

castelhano,

cabem

algumas

considerações. Em primeiro lugar, a sílaba deve ter, obrigatoriamente, uma vogal. Junto a ela, podem ocorrer consoantes. Segundo Conde (2001, p. 24), no ataque só cabem duas consoantes se uma delas, concretamente a segunda, for uma líquida ou uma vibrante junto a uma oclusiva. Em posição de coda, duas consoantes podem co-existir sempre que se tratar da combinação [ns] (e algum outro caso). Estas são as principais estruturas silábicas do castelhano (exemplos retirados de Señas (2000)):

a) sílabas abertas: (14) padrão silábico

palavra

pronúncia

V

a-ho-ra (‘agora)

[aora]

dí-a (‘dia’)

[dia]

pa-sa (‘uva passa’)

[pasa]

tra-je (‘traje’)

[traxe]

pre-sa (‘represa’)

[presa]

gra-sas (‘gorduras’)

[grasas]

CV

CCV

33


b) sílabas fechadas:

(15) padrão silábico

palavra

pronúncia

VC

áb-si-de (‘ábside’)

[aβside]

al-to (‘alto’)

[alto]

dos (‘dois’)

[dos]

sín-te-sis (‘síntese’)

[sintesis]

ins-truc-ción

[instrukθion]

CVC

VCC

(‘instrução’) abs-ten-ción

[aβstenθion]

(‘abstenção’) CVCC

cons-ti-tu-ción

[konstituθion]

(‘constituição’)

CCVC

CCVCC

bí-ceps (‘bíceps’)

[biθeps]

pren-sas (‘prensas’)

[prensas]

gran-de (‘grande’)

[grande]

trans-por-te

[transporte]

(‘transporte’)

O que diferencia o castelhano do português é o fato de aquela língua permitir um maior número de fonemas consonantais em posição de coda. Ainda segundo Conde (2001, p. 24), o castelhano admite em posição explosiva final o /d/ (actitud

‘atitute’), o /x/ (reloj

‘relógio’) e os

arquifonemas /N/ (pan ‘pão’), /L/ (sol ‘sol’), /R/ (sur ‘sul’) e /S/ (dos

34


‘dois’). Em grupos ocultos (caso em que consoantes se encontram em fronteiras silábicas), são ainda encontrados em posição de coda os arquifonemas /G/ (pragmatica ´pragmática’), /D/ (admisión ‘admissão’ e /B/ (abdomen ‘abdômen’). Como já foi observado acima, no trabalho desenvolvido por Léon (1992), o castelhano também é uma língua que tende mais ao padrão CV (55,6% das ocorrências), seguido de CVC (19,8%), CCV (10,2%) e VC (3,1%). Outro fator que atesta o fato de o castelhano ser uma língua que se inclina ao padrão CV é o fato da tardia aquisição de codas por crianças nativas desta língua. Demuth (2003, p. 52) afirma, em seu trabalho sobre a aquisição dos pés silábicos pela criança, que o fato de a coda ser adquirida mais tardiamente no castelhano do que no inglês se deve à baixa freqüência de codas naquela língua. Tanto a baixa freqüência de codas, quanto a aquisição tardia (mais tarde que em outras línguas como o inglês, o alemão, e até mesmo o catalão, como se verá mais adiante) são indícios de que o padrão CV seja o mais confortável para a língua castelhana.

O CATALÃO

O catalão é a língua da Catalunha7, ou melhor, dos Països Catalans, faixa lingüística que compreende a própria Catalunha, a comunidade 7

Comunidade autônoma do nordeste da Espanha. Em catalão, Catalunya.

35


Valenciana8, o principado de Andorra, as ilhas Baleares e um pequeno trecho da França, o Roussillon9 (na fronteira com a Espanha). Segundo Lausberg (1981, p. 34), é impossível precisar em que momento começa a história da língua catalã: as mudanças mais radicais ocorridas entre o latim e o catalão se produziram entre os séculos VII e VIII. Já no século IX, e ainda mais nos séculos X e XI, a aparição de palavras e de frases inteiras em catalão puro, em meio aos textos em latim, era tão freqüente que não é difícil supor que a linguagem falada naquele tempo era necessariamente o que se conhece hoje em dia como catalão. O primeiro texto escrito nesta língua, conhecido como as Homilies d’Organyà, correspondem a seis sermões com comentários de diversos evangelhos e epístolas e remonta ao final do século XII e início do século XIII. Segundo Walter (2001, p. 163), o texto catalão mais antigo data de 1171, mas foi principalmente no século XIII, com a monumental obra de Ramon Llull (1233-131), que o catalão se impôs como língua literária. Durante os séculos XIII e XIV, o catalão alcançou sua maior expansão política e geográfica (com a conquista dos reinos de Valência, Múrcia, Maiorca, Sicília, Sardenha e Nápoles), chegando a ser, durante o século XIV, uma das línguas mais difundidas da Europa. Hoje em dia, o catalão é o idioma oficial de dois países europeus: a Espanha e Andorra. Comunidade autônoma do sudoeste da Espanha. Parte oriental e mais povoada do département Pyrénées-Orientales, região administrativa francesa. 8 9

36


No que se refere à sua fonologia, Maura (1990), em seu trabalho L’estructura sil.làbica del català central pesquisou a fundo a freqüência dos diversos tipos de sílabas em catalão. Em sua tese de doutoramento, ele dividiu as sílabas em dois grupos: a) as explosões V, CV e CVV; e b) as implosões V, VC, VCC e VCCC. Os resultados a que chegou, para determinar os padrões silábicos mais comuns do idioma, foram os seguintes:

(16) padrão silábico

porcentagem

V

16,23 %

CV

77,27%

CCV

6,48%

padrão silábico

porcentagem

V

59,36%

VC

37,77%

VCC

2,63%

VCCC

0,22%

(17)

37


A percentagem permite detectar mais facilmente onde se concentra a maioria das sílabas: entre CV e CVC se acumulam três quartos da amostra; acrescentando-se V e VC, o índice supera 90% da freqüência silábica. Percebe-se, claramente, que a sílaba mais comum em catalão também é a CV. Eis alguns exemplos de estruturas silábicas do catalão (exemplos retirados de Vox (2001):

a) sílabas abertas:

(18) padrão silábico

palavra

pronúncia

V

ha (‘há’)

[a]

i (‘e’)

[i]

bé (‘bem’)

[be]

so (‘som’)

[so]

pla (‘plano’)

[pla]

pre-coç (‘precoce’)

[prəkɔs]

CV

CCV

38


b) sílabas fechadas:

(19) padrão silábico

palavra

pronúncia

VC

ús (‘uso’)

[us]

el (‘o’)

[əl]

tot (‘todo’)

[tɔt]

poc (‘pouco’)

[pɔk]

alt (‘alto’)

[alt]

abs-ten-ció (‘abstenção’)

[abstənsiɔ]

molt (‘muito’)

[mɔlt]

casc (‘capacete’)

[kask]

brut (‘bruto’)

[brut]

prop (‘perto’)

[prɔp]

CVC

VCC

CVCC

CCVC

Rovira (2001, p. 13), em seu artigo A syllabic parser in Prolog, afirma que, em catalão, o núcleo silábico deve ser sempre preenchido com uma vogal, enquanto que o ataque e a coda podem ser formados por elementos que tenham o traço [+consonantal]. Tanto o ataque quanto a coda são opcionais nesta língua, podendo ser simples ou complexos; a presença do núcleo, no entanto, é compulsória, para que a sílaba fique bem formada.

39


Os ataques silábicos em catalão, como já mencionado (e observado nas tabelas acima), podem ser simples ou complexos. Os ataques complexos podem conter um máximo de dois segmentos: a primeira consoante pode ser uma oclusiva ou /f/, enquanto a segunda consoante deve ser /l/ ou /r/. A princípio, qualquer consoante pode ser parte de um ataque simples. Com relação à coda, o catalão também permite serem elas simples ou complexas. As codas complexas podem conter o máximo de três segmentos consonantais em uma seqüência que, a princípio, obedeceria à escala de sonoridade (cf. CLEMENTS, 1990). No que se refere a codas simples, não há restrições a consoantes. O catalão é uma língua muito rica em sílabas com coda. Assim: ric /rik/ ‘rico’; brut /brut/ ‘bruto’; nebot /nεbɔt/ ‘sobrinho’. De longe, a estrutura silábica mais comum do catalão é a CV, seguido de CVC. Embora as consoantes mais comuns na coda sejam as alveolares (principalmente a nasal /n/, a fricativa /s/, o rótico /r/ e a lateral /l/), outras consoantes também são possíveis (especialmente em final de palavras), como as oclusivas /p, t, k, b, d, g/ e as africadas. Esta característica merece uma atenção especial, visto que é o ponto que se distingue mais em relação ao português, pois no português são poucas as possibilidades de consoantes em posição de coda.

40


Alguns exemplos de palavras em catalão (VOX, 2001) com consoantes em posição de coda são mostrados em (20):

(20) text /’tεkst/ ‘texto’ (CVCCC) bruscs /’bɾusks/ ‘bruscos’ (CCVCCC) part /’part/ ‘parte’ (CVCC) trens /’tɾεns/ ‘trens’ (CCVCC) arcs /’arks/ ‘arcos’ (VCCC)

Um outro ponto importante a ser mencionado a respeito do catalão é em relação à aquisição da coda pela criança. Certamente, o fato de as crianças catalãs adquirirem mais precocemente a coda silábica é uma característica

a

ser

observada.

Bosch-Baliarda

&

Prieto

(2005)

desenvolveram um estudo bastante interessante a respeito da aquisição das consoantes em posição de coda por crianças catalãs. Neste estudo, as autoras relatam que uma exposição mais freqüente a consoantes em posição de coda proporcionará uma aquisição mais precoce de tais segmentos. Assim, enquanto em línguas como o inglês e o alemão as codas aparecem em um estágio inicial da produção da palavra; em línguas como o castelhano e o japonês, as crianças tendem a adquirir as consoantes em

41


posição de coda mais tardiamente. O catalão fornece uma interessante base de comparação no que diz respeito à aquisição de codas com relação a outras línguas. Segundo Bosch-Baliarda & Prieto (2005, p. 6), as codas em catalão são adquiridas relativamente tarde, se comparadas ao inglês ou ao alemão, porém relativamente cedo, se comparadas ao espanhol ou o japonês. Como é sabido, o inglês e o alemão são línguas que possuem uma grande quantidade de monossílabos, geralmente contendo uma coda, e que podem funcionar como um facilitador para a precoce aquisição da coda. Em catalão, a maior parte dos monossílabos tônicos são formados por uma sílaba travada (63% do tipo CVC e 37% do tipo CV). Assim, pode-se concluir que a aquisição precoce da coda em catalão comparada ao castelhano se deve às seguintes características daquela língua: (1) uma freqüência maior de monossílabos com consoantes em posição de coda; (2) uma freqüência maior de codas complexas em posição final de palavra.

O ITALIANO

Como já foi observado no início do capítulo, o italiano é uma das línguas românicas que mais conservou traços latinos. No entanto, está longe de ser uma língua que se manteve a parte de influências externas: sofreu influência árabe, etrusca, grega e germânica, dentre outras.

42


Segundo Walter (2001, p. 113), o latim falado na península itálica já havia sofrido várias influências germânicas desde os primeiros séculos depois de Cristo. Dentre estes povos germânicos, os longobardos (ou lombardos) foram os que deixaram mais marcas no vocabulário italiano. No entanto foi necessário esperar o fim do século XII para começar a encontrar traços dos dialetos italianos nos textos escritos. Na verdade, o uso escrito da língua vulgar aparece mais tarde na Itália do que em outros países: apenas em 960 d.C., com o Placito de Capua (primeiro texto reconhecido como italiano arcaico). Conforme o autor, (op. cit., p. 114), o dialeto utilizado neste primeiro texto vulgar era o utilizado pelos ducados de Capua e Beneveto, territórios de onde provinha o documento. Dentre as hipóteses aventadas para o atraso no uso do vulgar estão a maior penetração da língua latina na Itália, ao se comparar com outros países europeus; e a falta, durante muito tempo, de organismos políticos centralizados que favorecessem a difusão de um idioma comum. Foi apenas no século XIII que o dialeto falado em Florença (o florentino) adquiriu um papel preponderante no mapa lingüístico da península. Apesar de fatores geográficos (posição central da Toscana, região cuja capital era Florença), políticos e econômicos (a Toscana era a região mais rica e poderosa da Itália) serem levados em consideração para a predominância do florentino, não resta dúvidas de que os escritos de Dante Alighieri também tiveram grande influência.

43

Dante escreveu o


maior marco literário da língua vulgar A Divina Comédia, “criando” uma língua preciosa e dando uma prova irrefutável das possibilidades da nova língua que nascia. A forma canônica da sílaba em italiano é a CV. O núcleo silábico em italiano é sempre constituído por uma vogal, e as consoantes do ataque e da coda se agrupam em torno ao núcleo, seguindo uma escala de intensidade sonora e força consonântica. Eis alguns exemplos de estruturas silábicas do italiano (retirados de PARLAGRECO (1995)):

a) sílabas abertas:

(21) padrão silábico

palavra

pronúncia

V

è (‘é’)

[ε]

ha (‘tem’)

[a]

sì (‘sim’)

[si]

di-re (‘dizer’)

[dire]

fra (‘entre’)

[fra]

tre (‘três)

[ter]

strano (‘estranho’)

[strano]

CV

CCV

CCCV

44


b) sílabas fechadas:

(22) padrão silábico

palavra

pronúncia

VC

al (‘ao’)

[al]

sul (‘sobre o’)

[sul]

nel (‘no’)

[nel]

des-tra (‘direita’)

[destra]

ins-pi-ra-re (‘inspirar’)

[inspirare]

ins-ta-re (‘instar’)

[instare]

pron-to (‘logo’)

[pronto]

stan-co (‘cansado’)

[stanko]

CVC

VCC

CCVC

O ROMENO

De acordo com Lausberg (1981, p. 42), o romeno procede do latim vulgar falado na parte oriental do Império, principalmente na Dácia (atual Transilvânia). A Dácia ficou sob o jugo de Roma até 275 d. C. e, mesmo após a retirada dos funcionários romanos daquela região, boa parte da população românica permaneceu no país. Lausberg (op. cit., p. 43) afirma ainda que, desde o século VI, os romenos passaram a conviver com mais freqüência com outros povos. De fato, o intervalo compreendido entre 271 d. C. e meados do século VII se

45


caracteriza pela passagem de povos migratórios: godos, hunos, avaros e eslavos. De meados do século VII ao X, deu-se o assentamento constante de eslavos no território dácio e sua assimilação pela população romanizada. Desde então, muitos elementos lingüísticos eslavos foram aderidos a esta língua românica. Somente em 1757 é que se tem notícia da primeira gramática romena, escrita por Dimitrie Eustatievici. É importante mencionar também que, enquanto as outras línguas românicas tinham um contato permanente com o latim (através da Igreja Católica Romana), o romeno permaneceu sob a influência da cultura eslavo-bizantina do Império Romano do Oriente, cuja língua oficial e religiosa era, inicialmente, o grego e, posteriormente, o eslavo antigo ou eslavo eclesiástico. Por esta razão, o romeno foi, no início, escrito em caracteres cirílicos. Até 15% do vocabulário romeno é de origem eslava, incluindo palavras como iubi = amar; glas = voz; nevoie = precisar; prieten = amigo. Por volta do século XVIII, houve um processo de “relatinização” do romeno. No século seguinte, a administração húngara levou o latim para a Transilvânia e, com a conversão de parte da Igreja romena ao catolicismo, o processo acelerou-se. Segundo Walter (2001, p. 104), tentaram também substituir o alfabeto cirílico pelo latino, esforço que culminou com a adoção oficial definitiva do alfabeto latino, em 1860. Hoje em dia, muitas palavras de origem eslava são arcaísmos e estima-se que apenas 15% das

46


palavras usuais do romeno tem origem eslava. O romeno é, hoje em dia, por assim dizer, uma língua de vocabulário extremamente diversificado, com contribuições turcas e helênicas, húngaras e sobretudo francesas. Por todas estas razões históricas, o romeno é uma língua muito particular dentre todos os idiomas que têm origem no latim. Na morfologia, por exemplo, o romeno é a única língua românica que conservou o gênero neutro. Além disso, o romeno é ainda a única língua românica que declina os nomes, embora seja uma declinação simplificada, cujas flexões são empregadas apenas em nomes: o nominativo e o acusativo têm a mesma forma, como também o genitivo e o dativo, e um vocativo. Quanto aos verbos, a língua romena conservou as quatro conjugações latinas bem distintas, com algumas variantes principalmente na quarta, diferentemente do português e do castelhano, que dispõem de apenas três. Desse modo, lat. cantare > rom. cînta; debere > debea; mergere > merge; dormire > dormi, melhor caracterizadas na primeira pessoa do plural do presente do indicativo: lat. cantamus > rom. noi cîntám; debemus > noi debém; mergimus > noi mérgem; audimus > noi auzím (cf. LAUSBERG, 1981, p. 377-444). O acento agudo é utilizado aqui tão-somente para caracterizar a sílaba mais forte, visto que eles não existem em romeno. Iscrulescu (2003, p. 1-14) afirma que a fonologia do romeno se desenvolveu em uma direção diferente das outras línguas românicas, devido ao relativo isolamento da língua e seu forte contato com línguas

47


eslavas e com o húngaro. O romeno é uma língua que permite codas com diversas consoantes, como em deget (‘dedo’), frig (‘frio’), acvatic (‘água’), rog (‘pedir’). Ao contrário das línguas românicas do Ocidente, que tinham sete, o romeno dispunha inicialmente de apenas seis fonemas vocálicos, fato comum nas línguas balcânicas. Não houve distinção fonológica entre o /ɔ/ aberto e /o/ fechado. Também se perdeu a distinção entre o // aberto e o /e/ fechado. O romeno moderno possui sete vogais e três ditongos. Os fonemas vocálicos são os seguintes: /a/, /ə/, /e/, /i/, /o/, /u/ e /Ɯ/. Este último fonema apareceu devido à influência eslava. A acentuação silábica pode ocorrer em qualquer sílaba e a sua variação pode ocasionar mudança de significado, como em outras línguas românicas. As vogais átonas são ligeiramente reduzidas na língua falada e, devido à influência eslava, o /e/ inicial é freqüentemente iodizado: /e/ > /je/. Eis

alguns

exemplos

de

estruturas

(ISCRULESCU, 2003):

48

silábicas

do

romeno


(23) a) sílabas abertas:

padrão silábico

palavra

pronúncia

V

a-fa-ce-ri (‘negócios’)

[afateri]

a-pă (‘água’)

[apə]

tu (‘tu’)

[tu]

la (‘em’)

[la]

fra-te (‘irmão’)

[frate]

pen-tru (‘para’)

[pentru]

stra-dă (‘avenida’)

[stradə]

padrão silábico

palavra

pronúncia

VC

os (‘osso’)

[os]

om (‘homem’)

[om]

lap-te (‘leite’)

[lapte]

rog (‘peço’)

[rog]

opt (‘oito’)

[opt]

apt (‘apto’)

[apt]

frig (‘frio’)

[frig]

drag (‘caro’)

[drag]

CV

CCV

CCCV

(24) b) sílabas fechadas:

CVC

VCC

CCVC

49


Como se pode observar em (23) e (24), o romeno é uma língua que se sente bastante confortável com a presença de coda silábica, o que o torna bastante diferente do português, principalmente em sua variante brasileira.

O PORTUGUÊS

Por fim, cabe analisar um pouco o molde silábico do português brasileiro (para um breve histórico da língua portuguesa, q. v. capítulo 4 desta tese). Segundo Collischonn (1999, p. 117), os padrões silábicos do português são os seguintes:

(25) V

é

VC

ar

VCC

instante

CV

CVC

lar

CVCC

monstro

CCV

tri

CCVC

três

CCVCC

transporte

50


VV

aula

CVV

lei

CCVV

grau

CCVVCC

claustro

É possível perceber em (25) que o português admite diversos tipos de padrões silábicos, embora, como se verá mais abaixo, algumas posição sejam bastante restritas. Como foi visto no capítulo anterior, a sílaba é formada por um aclive, um ápice e um declive: o ataque, o núcleo e a coda. A sílaba do português requer que a posição de núcleo seja sempre preenchida por uma vogal e, como observado em (25), as posições de ataque e coda são opcionais.

No caso da posição de ataque com apenas uma única

consoante, a maior parte das consoantes é permitida, tanto em início como no meio de palavra. No caso de haver duas consoantes, é obrigatório que a segunda posição seja ocupada por uma líquida. No caso da posição de coda, apenas são permitidos os arquifonemas /N/, /R/, /S/, a lateral /l/ e os glides. Isto é, a sílaba em português só admite codas [-vocálico, +soante] ou [-soante, +contínuo, +coronal]. Caso ocorra duas consoantes em posição de coda, a última delas será obrigatoriamente /S/.

51


O próximo capítulo será uma descrição da Teoria da Otimalidade, o modelo teórico que norteia este trabalho e que permite uma análise de fenômenos fonológicos através de restrições e não de regras.

52


CAPÍTULO 3 TEORIA DA OTIMALIDADE

CONTEXTO DA TO

Durante muito tempo, a teoria padrão da fonologia gerativa foi a desenvolvida em The Sound Pattern of English (SPE) (CHOMSKY & HALLE, 1968). O modelo teórico do SPE apresenta três características centrais, que o diferenciam de outras teorias gerativas que serão abordadas mais adiante: é segmental, é baseado em regras e é derivacional. É segmental, porque o principal elemento da representação fonológica é o segmento de som de fala, constituído de traços distintivos universais. O SPE também é baseado em regras, que são operações transformacionais que descrevem as generalizações fonológicas entre o input (forma subjacente) e o output (forma de superfície). Por fim, estas regras são aplicadas através de uma derivação seqüencial. Desta forma,

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para derivar a representação fonética da representação fonológica, todas as regras são aplicadas sucessivamente, em uma ordem linear. Toda a pesquisa em fonologia realizada durante as duas décadas seguintes ao SPE reteve a idéia de derivação seqüencial e a presença de regras fonológicas. Tão somente a partir dos anos 1990, a fonologia gerativa viu surgirem abordagens cujos elementos centrais eram as restrições, em oposição aos modelos anteriores, que tinham as regras fonológicas como foco de atenção. As restrições, no entanto, não eram um dado novo na fonologia. De fato, já nos primeiros trabalhos do modelo gerativo, as generalizações fonológicas eram obtidas a partir de dois mecanismos distintos: as regras fonológicas propriamente ditas – que desempenhavam o papel de tratar das alternâncias na forma do radical e dos afixos – e as restrições – que davam conta de aspectos referentes à combinação fonotática de sons em seqüências (cf. KENSTOWICZ, 2004, p. 524). Desta forma, alguns trabalhos dentro do arcabouço teórico do modelo gerativo clássico já prenunciavam, antes mesmo dos anos 1990, a necessidade de fornecer uma nova atribuição às restrições, na busca de uma maior conformidade com padrões lingüísticos universais. Assim, não é possível negar a influência de Halle (1959), Stanley (1967), Chomsky &

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Halle (1968), Kisseberth (1970) e Goldsmith (1976) nesse sentido10. No entanto, foi apenas a partir dos anos 1990 que surgiram abordagens estritamente centradas no papel desempenhado pelas restrições. Dentre as mais relevantes, destacaram-se a Fonologia Declarativa (KAYE, 1990), a Fonologia Harmônica (GOLDSMITH, 1993) a Teoria das Restrições e das Estratégias de Reparo (PARADIS, 1990; 1993) e a Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, McCARTHY & PRINCE, 1993; 1995). Essas teorias compartilham pressupostos teóricos comuns, porém diferenciam-se entre si o suficiente para merecerem aprofundamentos epistemológicos particularizados. Diferenciá-las aqui foge ao propósito deste trabalho, por isto serão feitas apenas considerações gerais a respeito de seus diferenciais mais relevantes. A Fonologia Harmônica, por exemplo, adota a fonotática como componente central da teoria fonológica; como conseqüência, as regras se aplicam em virtude da satisfação de regras fonotáticas de uma língua particular. A Fonologia Harmônica trabalha com redes conexionistas, permitindo que estas sejam entendidas como restrições leves e proporcionando um elo com as ciências cognitivas. Para a teoria (cf. McCARTHY, 2002, p. 60), cada conexão na rede neural é uma restrição: se o input é “x”, então o output deverá ser “y”. O valor absoluto do peso na conexão é uma indicação da importância de uma restrição em relação a 10

Para um relato mais abrangente, cf. LaCharité & Paradis (1993).

55


outras. É possível observar, portanto, que a otimização (harmonia) numérica é a principal diferença entre este modelo conexionista e a TO (como será possível observar mais adiante). De qualquer forma, a Fonologia Harmônica pode ser considerada uma teoria precursora da TO. As outras teorias mencionadas acima têm uma semelhança maior com a TO. Em primeiro lugar, cabe mencionar que a Fonologia Declarativa se diferencia da Teoria das Restrições e das Estratégias de Reparo (TRER) e da TO principalmente por se utilizar de restrições específicas para cada língua. Por esta razão, as restrições do modelo da Fonologia Declarativa não estão formalmente ligadas à Gramática Universal. Elas também não podem ser infringidas, o que vai de encontro à violabilidade das restrições dos pressupostos teóricos da TRER e da TO. Embora sejam violáveis, as restrições na TRER tanto podem ser universais, como específicas de uma língua (na TO, elas são unicamente universais); dessa forma, a teoria, assim como a Fonologia Declarativa, considera que as línguas se diferenciam entre si em virtude de seus distintos repertórios de restrições (adiante, será possível observar que a TO oferece uma visão diferente a este respeito). Apesar disto, as restrições na TRER têm um caráter mais universal, diretamente ligadas à Gramática Universal (cf. LaCHARITÉ & PARADIS, 1993, p. 137). É possível observar em (26) as diferentes formas de tratar as restrições nestas três teorias gerativas:

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(26) Fonologia

TRER

TO

Restrições específicas

Restrições

Restrições

para cada língua

universais e

universais

Declarativa Especificidade

específicas GU

Restrições não ligadas

Restrições

Restrições

à Gramática

ligadas à GU

ligadas à GU

Restrições não

Restrições

Restrições

violáveis

violáveis

violáveis

Universal Violabilidade

Além do problema de considerar apenas as regras fonológicas e colocar as restrições em segundo plano, os modelos fonológicos de antes dos anos 1990 pecavam por se utilizarem apenas de seqüências derivacionais. As regras eram ordenadas em uma lista exclusiva de uma língua particular: a partir do input, a primeira regra emite um output, que é submetido à regra seguinte. A derivação termina quando a última regra teve oportunidade de ser aplicada. A única exceção a esta estrita ordem acontece quando existem regras cíclicas. Neste caso, as regras cíclicas permitem que haja reaplicação até constituintes morfossintáticos maiores (cf. McCARTHY, 2002, p. 49). A partir dos anos 1990, as teorias fonológicas mencionadas acima romperam com a idéia de derivação seqüencial,

57


eliminando o alto grau de abstração e o distanciamento da realidade empírica a que chegaram as derivações passo a passo, produzidas antes daquele período. Das teorias apresentadas acima, a TO foi a que ganhou mais adeptos; em parte, devido ao fato de que sua abordagem, baseada unicamente em restrições, parece propor hipóteses mais consistentes; e, em parte, pela interrelação entre as línguas através da hierarquia de restrições. O ineditismo dessa teoria, no entanto, não reside no trabalho com restrições ou com o tratamento paralelista que ela fornece (que não é exclusivo da TO), mas na idéia de que é da interação das restrições que se origina toda e qualquer manisfestação lingüística, antes concebida como o resultado exclusivo da aplicação de regras. Ademais, a TO advoga que a diferença entre as diversas línguas está na forma como elas resolvem os conflitos destas restrições (que são universais), isto é, das diferentes maneiras como elas ordenam estas restrições. A TO (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, McCARTHY & PRINCE, 1993; 1995) foi primeiramente apresentada com o trabalho de Prince & Smolensky (1993, Optimality theory: constraint interaction in generative grammar). Desde então, a teoria tem despertado um grande interesse, o que produziu um número considerável de trabalhos científicos e uma robusta literatura. A TO se propõe a analisar a relação entre forma subjacente (input) e forma de superfície (output) e entender a atuação das

58


restrições no mapeamento entre input e output. A TO é um modelo paralelista; assim, em vez de transformar a forma subjacente, passo a passo, até chegar à forma de superfície correspondente, a teoria trabalha com a comparação entre candidatos gerados a partir da forma subjacente. A comparação é feita com base em um grupo de restrições violáveis. As restrições avaliam a forma dos candidatos a output e sua relação com o input. O candidato mais harmônico é o que melhor satisfaz a restrição hierarquicamente mais importante. Embora a TO tenha, junto com o modelo gerativo clássico (estabelecido a partir do SPE), o objetivo de desenvolver uma teoria explícita de competência lingüística, os modelos principais de análise e explicação dos dois arcabouços teóricos têm pouco em comum. O modelo gerativo clássico é mais focado em propriedades formais de regras de línguas particulares. A TO é mais focada em propriedades interacionais de restrições universais simples, através de um ranqueamento de uma língua particular. O procedimento empregado pela TO é mais comparativo (ao invés de transformacional) e consideravelmente mais simples. Visto que a TO é o principal modelo fonológico utilizado nesta tese, as seções que seguem consistirão na explicitação de seus princípios teóricos e de seus procedimentos de análise.

59


ARQUITETURA BÁSICA DA TO

A TO parte, inicialmente, da idéia de que a gramática de uma língua é um conjunto de restrições universais (presentes em todas as línguas naturais), hierarquizadas de forma específica. Como já foi mencionado acima, a diferença entre as diversas línguas estaria na forma como elas resolveriam os conflitos entre estas restrições, isto é, das diferentes maneiras como as línguas hieraquizam essas restrições. Desta forma, na TO, as restrições são universais, mas a sua hierarquia não é (varia de língua para língua). Todas as restrições são violáveis, desde que da violação resulte uma forma mais satisfatória, mais harmônica, uma forma ótima; como conseqüência, todo output irá necessariamente violar, pelo menos, uma restrição. A violação, portanto, não seria uma causa direta de agramaticalidade, nem a satisfação absoluta de todas as restrições seria essencial para os outputs da gramática (cf. KAGER, 1999, p. 3). Como

visto

anteriormente,

nas

visões

derivacionais

(transformacionais), predominantes antes dos anos 1990, o input é o ponto de partida. Em seguida, uma série de operações são aplicadas a ele, e o resultado destas operações é o output. Assim, se uma transformação modifica o input, a forma modificada serve como input para a operação

60


seguinte. Interessante observar o seguinte exemplo, adaptado de Russell (1997, p. 105):

(27) Representação subjacente de [cats]:

/kæt//z/ 

Representação subjacente de concatenação: (concatenação dos morfemas) Representação subjacente de regra fonológica: (z s / t_ )

/kæt-z/  /kæt-s/ 

Representação subjacente de regra fonológica:

/khæt-s/

(regra de aspiração das oclusivas)

Como é possível observar em (27), o input inicial vai sofrendo uma série de modificações, de acordo com a regra a ser aplicada, o que produzirá um output final. As regras são aplicadas de maneira serial, uma após a outra, e não permite interação entre elas. Na TO, a transformação do input em output é feita de maneira paralela, em um único passo. Para realizar esta operação, a TO propõe uma divisão do trabalho entre um componente denominado GEN, que gera um conjunto infinito de formas para output, e outro componente,

61


EVAL, que é encarregado de avaliar este conjunto infinito de formas e selecionar o output ótimo dentre eles. GEN, abreviação do termo em inglês para “gerador” (generator), é, de acordo com Prince & Smolensky (1993, p. 4), uma parte fixa da gramática, responsável pela criação de objetos lingüísticos a partir do input, a estrutura da língua na sua forma mais básica. A partir desse input, vários candidatos a output são produzidos. GEN é universal e as suas formas geradas a partir do input, as mais variadas possíveis, são as mesmas para todas as línguas. Esta propriedade de GEN é denominada pelos teóricos de inclusividade ou liberdade de análise (cf. McCARTHY & PRINCE, 1993, p. 21; KAGER, 1999, p. 20; McCARTHY, 2002, p. 8). Exatamente pelo fato de GEN ser universal, ele deve produzir candidatos variados, para que os outputs possam se ajustar a todas as formas existentes nas mais diversas línguas. Visto que GEN gera todos os possíveis candidatos, a gramática da TO não necessita de regras de reescritura. Todas as mudanças estruturais são aplicadas em um único procedimento, em paralelo. Além destas propriedades, é também importante mencionar que GEN é dependente do input. Por essa razão, os candidatos emitidos por GEN trazem uma relação (de alguma forma) com a forma do input. EVAL, abreviação do termo em inglês para “avaliador” (evaluator), é uma função baseada em restrições universais de boa-formação. EVAL

62


determina a harmonia relativa dos candidatos a output, impondo uma ordem ao conjunto de formas gerado por GEN. O candidato ótimo ao output será aquele que melhor satisfizer a hierarquia de restrições (cf. PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 5). Assim, embora GEN tenha um papel importante a ser desempenhado, a parte mais importante da explicação na TO recai sobre a função EVAL. Os papéis de GEN e EVAL estão ilustrados no esquema (28), que representa a forma como a TO avalia o candidato ótimo, a partir dos exemplos em (27):

63


(28) Input:

/kæt//z/ 

GEN

Conjunto de candidatos:

/kæt-z/

/kæt-s/

/khæt-s/

 EVAL (restrições)  /khæt-s/

Candidato ótimo:

(adaptado de ARCHANGELI, D., LANGENDOEN, D. T., 1997, p. 14)

Como é possível observar acima, a TO abandona as operações no input em favor de uma avaliação e seleção do candidato ótimo. Os candidatos são analisados paralelamente, abandonando as transformações seriais. Dentro do arcabouço teórico da TO, a relação entre input e output é fundamentalmente alterada; assim, o output não é o resultado de uma operação realizada no input. O output, na verdade, é a melhor análise realizada a partir do input. Em sua forma mais clássica, a TO entende que uma forma subjacente é mapeada até sua forma de superfície através de um único passo e não através de uma série de estágios intermediários para

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chegar a sua forma final. Em suma, a avaliação, e não a derivação, é a idéia central contida na teoria. Além de GEN e EVAL, é importante mencionar dois outros componentes presentes na arquitetura básica da TO: LEXICON11 e CON. LEXICON armazena as representações lexicais (ou formas subjacentes) de morfemas (radicais e afixos), incluindo propriedades fonológicas, morfológicas, sintáticas e pragmáticas, que formam o input para o GEN e EVAL. O LEXICON fornece especificações para o input, que serão submetidas a GEN. Segundo Prince & Smolensky (1993, p. 215), uma das propriedades mais marcantes de LEXICON é a de não poder haver nenhuma restrição no nível das formas subjacentes, isto é, todos os inputs são possíveis em todas as línguas e as generalizações gramaticais são expressas no nível do output e nunca do input. Esta propriedade de LEXICON é denominado por Prince & Smolensky de riqueza da base12 (RB). Assim, para a teoria, tanto faz se o input for /kæt//z/, /kæt-z/, /kæt-s/ ou /khæt-s/, pois o output, em inglês, será sempre /khæt-s/. RB é uma conseqüência natural de uma das idéias centrais na TO – a de que as línguas diferem entre si apenas na hierarquia de restrições. De

Seguindo o exemplo de Schwindt (2005, p. 257), foi conservado o termo LEXICON, para manter o paralelismo com os demais componentes da gramática da TO, ainda que o termo LÉXICO, em português, seja fiel ao seu significado. 12 Under the thesis that might be dubbed Richness of the Base, which holds that all inputs are possible in all languages, distributional and inventory regularities follow from the way the universal input set is mapped onto an output set by the grammar, a languageparticular ranking of the constraints (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 215). 11

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acordo com RB, todas as línguas têm o mesmo conjunto de inputs potenciais. Isso não significa dizer que todas as línguas têm o mesmo léxico, e, sim, que uma língua que não possui consoantes em posição de coda irá mapear infielmente um input do tipo [club]. Como conseqüência, nenhuma regularidade lingüisticamente relevante tem origem no léxico: será sempre uma questão de hierarquização. Por essa razão, todas as análises baseadas na TO necessitam ser testadas com uma gama de inputs que não tenha sido artificialmente restringida. No entanto, ainda fica uma pergunta: se a forma do input é indiferente para a escolha do output, qual das estruturas deverá ser escolhida para representar a forma subjacente? Prince & Smolensky (1993, p. 191) propõem que, diante da existência de formas subjacentes alternativas para um mesmo output, a forma escolhida pelo falante será sempre a mais semelhante ao output. Este princípio de LEXICON é denominado pelos autores como otimização do léxico13. Segundo McCarthy (2002, p. 34), o princípio da otimização do léxico não contradiz a hipótese da RB (embora possa dar margem a um léxico mais empobrecido), visto que a parte mais significativa da explicação para as

This principle, Lexicon Optimization, asserts that when a learner must choose among candidate underlying forms which are equivalent in that they all produce the same phonetic output and in that they all subserve the morphophonemic relations of the language equally well, the underlying form chosen is the one whose output parse is most harmonic (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 191). 13

66


generalizações gramaticais reside na interação entre marcação e fidelidade (melhor explicitada mais adiante). Por fim, CON, abreviação do termo em inglês para “restrição” (constraint), é um componente da teoria que diz respeito ao conjunto de restrições violáveis. Para a teoria, a gramática de uma língua é uma hierarquização específica das restrições. A hierarquia das restrições é o mais importante e talvez o único método na TO para explicar como e por que as línguas se diferenciam umas das outras. No entanto, como afirma McCarthy (2002, p. 6), na prática, não é possível descobrir a hierarquia total, então o analista deve se satisfazer com um recorte parcial. As restrições universais e a hierarquia de uma língua particular produzem uma tipologia fatorial, outra noção chave de Prince & Smolensky (1993, p. 33)14. A idéia é que a Gramática Universal forneça um conjunto de restrições violáveis e que as gramáticas individuais fixem uma hierarquia relativa destas restrições. A tipologia das possíveis línguas é, então, dada pelo conjunto de todas as hierarquias possíveis. Cada permuta na hierarquia de restrições poderá, assim, produzir uma possível língua humana.

This gives us a different type of language, but still a natural language, and shows that re-ranking of constraints yields a typology of admissible systems. The set of all possible rankings generates what we can call a factorial typology of the domain to which the constraints are relevant (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 33). 14

67


McCarthy (2002, p. 12) faz uma analogia bastante interessante para explicar a noção de tipologia fatorial. O autor propõe uma metáfora baseada na hipótese de que cada tipo de personalidade humana refletiria uma prioridade diferente de 4 desejos universais (p. ex. amor, riqueza, filhos e poder). Visto que estes desejos são universais e que existem 4 deles, seria possível pensar em 24 diferentes tipos de combinações, resultando em 24 personalidades distintas. A hierarquia destes desejos produziria um cenário que envolveria diferentes escolhas, maximizando um desejo em detrimento de outro. Assim, existiriam pessoas que abdicariam de empregos bem-pagos para cuidar dos filhos, como também outras pessoas que desistiriam de formar família, para concorrer a cargos eletivos importantes que signifiquem poder. As restrições são, dentro do modelo teórico da TO, basicamente de dois tipos: restrições de marcação e restrições de fidelidade. As restrições de fidelidade propõem uma correspondência ou uma identidade entre o input e o output. Por exemplo, no mapeamento /club/  clube, o candidato clube inclui as informações “c”, “l”, “u”, “b”, que correspondem a segmentos no input, mas inclui “e”, que não pertence à forma subjacente. Isto é uma violação à restrição DEP (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 12415), que afirma que cada elemento do output tem um

DEP: Every element of S2 has a correspondent in S1 (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 124). 15

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correspondente no input. Em outras palavras, o output DEPende do input. Da mesma forma, uma outra restrição de fidelidade, MAX, milita contra o apagamento, que requer que cada elemento do input esteja em correspondência com o output (o input é expresso MAXimamente no output)16. Estas restrições serão melhor explicitadas mais adiante. As restrições de marcação, por outro lado, avaliam a forma do candidato de output, favorecendo certas configurações estruturais (sílabas com ataques, sílabas sem coda etc.) em detrimento de outras (sílabas sem ataques, sílabas com coda etc). As restrições de marcação avaliam tãosomente as estruturas do output. ONSET (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 17)17 é um exemplo de restrição de marcação proposta pela TO. ONSET atribui uma marca de violação para cada sílaba que começa com vogal; exigindo, portanto, que sílabas comecem com consoante, isto é, com ataque silábico. As restrições de ambos os tipos são necessárias, visto que a interação entre fidelidade e marcação em um ranqueamento de uma língua particular é um elemento chave de qualquer análise pela TO. Como conseqüência da relação de dominância entre marcação e fidelidade, os mapeamentos podem ser fiéis ou infiéis. Seguindo o

MAX: Every element of S1 has a correspondent in S2 (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 124). 17 ONSET: Syllables must have onsets (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 17). 16

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exemplo de McCarthy (2002, p. 66), um mapeamento do tipo /abc/  [abc] é fiel, visto que cada elemento do input é mapeado no output, e viceversa, sem adições, alterações, transposições, ou subtrações. Um mapeamento do tipo /abc/  [adc] é infiel, pois o candidato [adc] incorre em uma violação de alguma restrição de fidelidade. O fato de a gramática de uma língua particular mapear o input /abc/ em um output fiel [abc] ou em um output infiel [adc] dependerá dos detalhes das restrições e de como elas estão hierarquizadas na gramática da língua. Uma condição necessária para um mapeamento infiel é o ranqueamento [[M>>F]], onde marcação domina fidelidade18.

Isto é, um candidato não-marcado é

preferível a um candidato fiel. A infidelidade nunca é gratuita; é sempre o preço pago pela concomitante melhoria na marcação. Assim, a única razão para um mapeamento infiel ser considerado ótimo é se ele estiver melhor ranqueado pelas restrições de marcação do que um candidato fiel. Um mapeamento infiel não pode ser ótimo se ele produz uma performance pior nas restrições de marcação. Suponha-se, por exemplo, que marcação seja uma restrição do tipo ONSET, que proíbe sílabas com vogais no início, e que fidelidade é DEP, que proíbe epêntese. Em uma língua com ranqueamento [DEP>>ONSET], e assumindo que não existem, por ora, outras restrições ou candidatos, todos os inputs serão mapeados outputs fiéis. No caso do português, uma língua em que, geralmente, marcação 18

“>>” significa “domina”.

70


domina fidelidade, acontece justamente o contrário [ONSET >> DEP]19. Assim, o empréstimo lingüístico “ski” será sempre mapeado “[i]ski”.

PROPRIEDADES DO MODELO DA TO

Embora a TO compartilhe com os modelos gerativos que a precederam algumas características importantes, ela se diferencia em alguns aspectos fundamentais, que são suas marcas particulares, assim consideradas por McCarthy & Prince (1993, p. 6)20. Dentre elas, é possível destacar:

a) violabilidade;

b) hieraquização;

c)

inclusividade; d)

paralelismo. A TO substitui os princípios universais invioláveis das outras teorias gerativas por restrições universais violáveis, embora esta violabilidade deva ser sempre mínima. Como assevera Kager (1999, p. 9), a violação deve ser sempre mantida em um patamar mínimo, visto que existe o requisito de máxima harmonia. O candidato ótimo será, portanto, aquele que incorrer em um menor número de violações ao conjunto de restrições, levando em consideração sua hierarquia. Nesse ponto, há que se mencionar um conceito presente no modelo teórico da TO: a falácia da

Em relação ao exemplo em questão, não se está levando em consideração outros candidatos a output, nem outras restrições que, certamente, alterariam o resultado mostrado. 20 We can distinguish four hallmark properties of Optimality Theory: violability, ranking, inclusiveness, parallelism (McCARTHY & PRINCE, 1993, p. 6). 19

71


perfeição (cf. KAGER, p.16). De acordo com este preceito, nenhuma forma de output poderá satisfazer todas as restrições. Desta maneira, não existe um output perfeito, visto que todos eles violam pelo menos alguma restrição. Na TO, o que importa é ser a melhor das opções e não ser a forma perfeita. Não se pode falar em formas perfeitas, pode-se falar de formas não marcadas, que são aquelas que infringem unicamente as restrições ordenadas mais abaixo na hierarquia. A violabilidade de restrições é uma propriedade essencial do modelo teórico da otimalidade, e representa uma quebra radical com os modelos derivacionais. Como visto, na TO, as restrições são hierarquizadas com base em uma língua particular e a noção de violação mínima é definida nos termos desta hierarquia. Para a TO, portanto, a noção de gramática apresenta dois níveis: um universal, formado pelo conjunto de restrições presentes em todas as línguas e definido como CON; e outro particular, representado pelo ranqueamento destas restrições universais nas diferentes línguas. Dentro da proposta da TO, não existe uma avaliação global dos candidatos, baseada em sua performance geral. De fato, o candidato ótimo pode até violar mais restrições que outros candidatos, só que apenas restrições não dominadas, isto é, em posição inferior na hierarquia. Este conceito da TO é denominado por Prince & Smolensky (1993, p. 136) de

72


dominância estrita21. No entender de Kager (1999, p. 22), a dominância estrita não permite que um número menor de violações possa ser compensado pela violação de restrições posicionadas mais acima na hierarquia. De maneira mais simples, isto significa que qualquer candidato que incorrer em uma violação de alguma restrição de dominância será excluído da análise, apesar de sua relativa boa-formação em relação a restrições mais abaixo na hieraquia. A terceira marca da TO a ser considerada aqui é a inclusividade. McCarthy & Prince (1993, p. 6) afirmam que a análise dos candidatos a output é definida por considerações gerais de boa-formação estrutural, porém não há regras específicas com descrições estruturais para a geração de candidatos. Isto significa que qualquer estrutura poderá ser postulada. Este conceito da TO é denominado por McCarthy & Prince (1993, p. 21) de liberdade de análise22. Por fim, há que se tecer algumas considerações a respeito do paralelismo, embora já se tenha falado a respeito nas páginas anteriores. Conforme mencionado, um dos pontos de inovação da TO foi o fato de não mais conceber o derivacionismo. Assim, a escolha do candidato ótimo é feita por uma avaliação que considera, em paralelo, toda a hierarquia e

Nas palavras de Prince & Smolensky (1993, p. 136), strictness of strict domination. Freedom of analysis: any amount of structure may be posited (McCARTHY & PRINCE, 1993, p. 21). 21 22

73


todo o conjunto de candidatos. Desta forma, não há, na TO, níveis intermediários ou ciclos derivacionais.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE NA TO

Depois de tecer comentários a respeito das premissas da teoria que norteia este trabalho, faz-se necessária uma explicação sobre como a TO funciona na prática. A TO adota um procedimento gráfico muito particular para expor a análise da gramática, denominado de “tableau”. O tableau (29) abaixo ilustra como a gramática da TO funciona:

(29) /input/

RESTRIÇÃO 1

a. [output 1]

*!

b.  [output 2]

RESTRIÇÃO 2

**

A forma subjacente é mostrada na célula superior esquerda do tableau e os candidatos a output são listados na primeira coluna. Na parte superior do tableau, podem ser vistas as restrições utilizadas na análise. Elas são apresentadas, em geral, de forma abreviada e em língua inglesa. É

74


comum também utilizar caixa alta como destaque gráfico. A ordem de disposição das restrições no tableau, da esquerda para a direita, reflete a dominância na hierarquia, isto é, quanto mais à esquerda estiver a restrição, maior dominância ela terá. As restrições separadas por uma linha sólida têm hierarquia estrita (existe um grau de dominância entre elas); as restrições separadas por uma linha tracejada (cf. tableau (31)) não possuem grau de dominância, isto é, não há evidência para indicar que uma das restrições domina a outra. O símbolo  é utilizado para indicar a forma ótima. Um asterisco (*) marca cada violação cometida pelos candidatos, e o ponto de exclamação (!) ao lado do asterisco salienta qual dentre as violações cometidas foi a responsável pela real eliminação do candidato, denominada, na teoria, de “violação fatal”. Em (29), o candidato [output 1] viola RESTRIÇÃO 1 e, devido ao fato de que [output 2] não viola RESTRIÇÃO 1, o primeiro candidato é eliminado. Para o tableau (4), portanto, o segundo candidato [output 2] é a forma ótima, embora ele viole duas vezes uma restrição posicionada mais abaixo na hierarquia (as violações não foram fatais). Suponha-se, agora, um desempenho diferente para os mesmos candidatos, exemplificado no tableau (30):

75


(30) /input/

RESTRIÇÃO 1

RESTRIÇÃO 2

a. [output 1]

*

**!

b.  [output 2]

*

*

Em (30), existe uma situação mais complexa: os dois candidatos violam as duas restrições. Ao analisar RESTRIÇÃO 1, observa-se que os dois candidatos se comportam de maneira semelhante, violando-a de maneira suportável. Quem irá determinar a otimalidade, neste contexto, é a satisfação de RESTRIÇÃO 2. Em relação a essa restrição, o candidato [output 1] a viola duas vezes, enquanto [output 2] só a viola uma única vez. Por esta razão, a fatalidade da segunda violação da restrição é indicada pelo sinal de exclamação, levando [output 2] a ser escolhido como o candidato ótimo. É possível, ainda, imaginar outra situação, em que não há relação de dominância entre duas restrições, ilustrada em (31):

76


(31) /input/ a.  [output 1]

RESTRIÇÃO 1

RESTRIÇÃO 2

RESTRIÇÃO 3

*

b. [output 2]

*

*!

Em (31), a linha tracejada que separa RESTRIÇÃO 1 de RESTRIÇÃO 2 indica que a relação de dominância entre as duas não pode ser estabelecida (a ordem no tableau de tais restrições é, portanto, um tanto arbitrária). Conseqüentemente, a violação de RESTRIÇÃO 1 pelo candidato [output 1] e de RESTRIÇÃO 2 por [output 2] não são suficientes para indicar qual dos dois candidatos é a forma ótima. É tão somente a violação de RESTRIÇÃO 3 por [output 2] que o elimina da competição. Pelo fato de não haver violado RESTRIÇÃO 3, o primeiro candidato é considerado ótimo. Em outras situações, um candidato pode ser escolhido como ótimo, mesmo violando a restrição dominante. Isso se verificará em duas ocasiões distintas: a) quando o outro competidor viola a mesma restrição, mas em número superior de vezes, ou; b) quando tanto o candidato escolhido como o eliminado violam em igual número de vezes a restrição dominante, mas o candidato eliminado apresenta um número maior de violações às restrições inferiores na hierarquia. Estas duas situações estão representadas pelos tableaux (32) e (33), abaixo:

77


(32) /input/

RESTRIÇÃO 1

a.  [output 1]

*

b. [output 2]

**!

RESTRIÇÃO 2

(33) /input/

RESTRIÇÃO 1

a.  [output 1]

*

b. [output 2]

*

RESTRIÇÃO 2

*

Após esta explicação geral de como a TO funciona, serão apresentadas, aqui, algumas restrições que compreendem a gramática deste modelo teórico e que serão utilizadas neste trabalho.

RESTRIÇÕES UTILIZADAS

Como já se demonstrou, as restrições são divididas, basicamente, em dois subgrupos: fidelidade (que são aquelas que exigem características semelhantes do output com o input) e marcação (que são aquelas que

78


dizem respeito à distribuição dos fonemas).

Dentro do chamado

subgrupo das restrições de fidelidade, é possível destacar:

a) MAX-IO (proibido apagar): de acordo com esta restrição, todo elemento do input precisa ter um correspondente no output, ou seja, não é possível apagar nenhum segmento (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16)23. Esta restrição substituiu PARSE no modelo proposto por Prince & Smolensky (1993, p. 25)24. Uma violação desta restrição representará a queda de um elemento.

b) IDENT(ITY)-IO-[F]: requer que os segmentos do input e do output tenham valores idênticos com relação a determinado traço fonológico (F = feature), como, por exemplo, ponto de articulação, [consonantal], [vozeado] (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16)25.

c) DEP(ENDENCY)-IO (proibido inserir): esta restrição obriga a que todo elemento do output seja um elemento do input, ou seja, proíbe a

MAX-IO: Every segment of the input has a correspondent in the output (no phonological deletion) (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16) 24 The constraint MAX-IO reformulates PARSE-segment in Prince & Smolensky (1991, 1993) and other OT work, liberating it from its connection with syllabification and phonetic interpretation (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 17). 25 IDENT–IO(F) Output correspondents of an input [γF] segment are also [γF] (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16). 23

79


inserção de segmentos (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16)26. DEP substituiu FILL no tipo de análise proposto por Prince & Smolensky (1993, p. 25)27. Uma violação desta restrição representará um acréscimo de um elemento ao output.

Além destas restrições de fidelidade, algumas restrições de marcação também serão utilizadas neste trabalho. São elas:

a) NOCODA: advoga que a sílaba não poderá ter a coda preenchida por segmentos, ou seja, as sílabas devem terminar com vogais. Esta restrição corrobora a hipótese de que a sílaba ótima é formada por ataque e núcleo, ou seja, o padrão silábico ótimo é CV. NOCODA capta uma observação universal de que as sílabas com coda são, de certa forma, marcadas em relação às sílabas sem coda. Esta restrição foi proposta por Prince & Smolensky (1993, p. 34), como -COD28 e reformulada por McCarthy & Prince (1993, p. 11)29.

DEP-IO: Every segment of the output has a correspondent in the input (Prohibits phonological epenthesis) (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 16). 27 The DEP constraints approximate the function of FILL in Prince & Smolensky (1991, 1993) and other OT work. They encompass the anti-epenthesis effects of FILL without demanding that epenthetic segments be literally unfilled nodes, whose contents are to be specified by an auxiliary, partly language-specific component of phonetic interpretation. They also extend to reduplication and other relations (McCARTHY & PRINCE, 1995, p. 17). 28 -COD: syllables do not have codas (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 34). 29 NOCODA: syllables are open (McCARTHY & PRINCE, 1993, p. 11). 26

80


b) CODACOND(ITION): propõe que apenas alguns segmentos podem ocupar a posição de coda silábica. Ela é utilizada quando determinada língua apresenta necessidade de aceitar elementos nesta posição. O português, por exemplo, apenas admite coda com os traços [-vocálico, +soante] ou [-soante, +contínuo, +coronal]. Esta restrição foi proposta por Prince & Smolensky (1993, p. 109).

b) *COMPLEX-ONS(ET): proíbe a formação de grupos complexos no ataque silábico, no onset. Assim, os ataques silábicos não poderão conter mais de uma consoante. Esta restrição, definida pela primeira vez por Prince & Smolensky (1993, p. 96)30, também pode ser encontrada como NOCOMPLEX-ONS(ET).

c)

*LONG-V(OWEL)

ou

*Vµµ:

restrição

que

desfavorece

o

aparecimento de vogais longas (cf. HOLT, 1997, p. 43; CRIST, 2001, p. 136). Nenhum segmento vocálico poderá estar ligado a mais de uma mora.

d) *LONG-C(ONSONANT) ou *Cµ: um segmento consonantal não poderá estar associado a duas posições prosódicas contíguas, isto é, não poderá estar ligado a mais de uma mora (cf. HOLT, 1997, p. 43). Isto

30

*COMPLEX: No more than one C or V may associate to any syllable position node (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 96).

81


significa que consoantes longas (geminadas) são desfavorecidas. Crist (2001, p. 137) denomina esta restrição de *GEMINATE.

Outras

restrições

utilizadas

neste

trabalho

(e

outros

desenvolvimentos destas mesmas restrições) serão mostradas, no momento apropriado, em suas respectivas seções. O que se pretendeu, aqui, foi apresentar um panorama geral das restrições mais importantes empregadas em trabalhos de análise baseada na TO.

VANTAGENS E LIMITAÇÕES

A TO oferece algumas vantagens em comparação com outras teorias que a antecederam: em primeiro lugar, produz uma considerável economia descritiva, pois trabalha apenas com restrições. Os modelos que a antecederam trabalhavam sempre com regras, que se estendiam dos princípios até chegar às restrições. Em segundo lugar, as restrições são universais, o que acarreta uma análise mais abrangente e universal. Em terceiro lugar, na TO, todas as restrições são violáveis, o que dá à teoria uma análise mais uniforme. Nos modelos que a precederam, as regras serviam para justificar a violabilidade de estruturas supostamente invioláveis. Por fim, outra grande vantagem da teoria é que ela une a descrição de línguas individuais com explicações de tipologia de línguas,

82


o que torna a TO inerentemente tipológica, reunindo o particular e o universal. Além disto, a TO tem implicações em uma ampla gama de temas em lingüística, visto que suas propriedades são independentes da fonologia, sintaxe e de outros domínios. Por razões históricas, no entanto, existem mais trabalhos em TO sobre fonologia do que em sintaxe ou outros ramos da lingüística. No entanto, a teoria também apresenta limitações. Uma destas limitações é o fato de a TO clássica não dar conta de fenômenos variáveis da língua. De fato, a TO clássica advoga que a hierarquia das restrições é rígido e que o output deve ser sempre categórico, o que acarreta a impossibilidade de escolha de dois candidatos ótimos. Algumas propostas teóricas, no entanto, como a Teoria das Gramáticas em Competição (KIPARSKY, 1993), a Teoria das Restrições Flutuantes (REYNOLDS, 1994), a Teoria do Ranqueamento Parcial (ANTTILLA, 1997) e a TO Estocástica (BOERSMA, 1997) começam a inserir a variação lingüística dentro do arcabouço teórica da TO clássica. No entanto, não é o objetivo desta tese discutir os desdobramentos da TO clássica. Fica concluído, aqui, esta apresentação do modelo teórico da TO, que norteará as análises desta tese. O próximo capítulo será dedicado às evidências históricas da hipótese de conspiração sustentada neste trabalho.

83


CAPÍTULO 4 EVIDÊNCIAS DIACRÔNICAS DA CONSPIRAÇÃO

INTRODUÇÃO

Já nos primeiros trabalhos da TO, Prince & Smolensky (1993, p. 93) discutem a taxonomia de Jakobson dos tipos silábicos e mostram que os tipos de sílaba observados nas línguas humanas correspondem às possíveis permutas no ranqueamento das restrições ONSET, -COD, PARSE e FILL (nas nomenclaturas mais recentes, ONSET, NOCODA, MAX-IO e DEPIO, como foi visto no capítulo anterior). Assim, uma língua em que a restrição NOCODA é ranqueada em uma posição baixa na hierarquia permite codas silábicas opcionais; porém, se NOCODA domina MAX-IO ou DEP-IO, as codas são eliminadas com apagamento das consoantes ou com epêntese de um núcleo silábico seguinte.

84


Seguindo esta linha de raciocínio, seria razoável propor que as mudanças

fonológicas

históricas

correspondessem

a

uma

re-

hierarquização das restrições, o que produziria uma constante mudança nas formas lingüísticas. Assim, admitindo diferentes estágios diacrônicos de uma mesma língua, seria possível encontrar, em um primeiro momento, codas silábicas (quando NOCODA estivesse ranqueada abaixo na hieraquia) e, alguns séculos depois, a língua ser mais restrita com relação a esta posição silábica, tendo em vista que NOCODA tenha subido de posição no ordenamento das restrições. De fato, a TO permite o entendimento de que o mecanismo da mudança lingüística opera através do re-ranqueamento de restrições em conflito. É esta a hipótese adotada aqui. Embora se saiba que a variação é um estágio anterior à mudança (LABOV, 1966), não há como capturar essa variação na diacronia. Desta forma, os tableaux mostrados neste capítulo refletem estágios históricos estanques, baseados nos estudos de Williams (1961), Said Ali (1965), Lausberg (1981), Mattos e Silva (1996) e Teyssier (2001). Além de entender as mudanças históricas como um reordenamento de restrições, parte-se também da hipótese, formulada por Kisseberth (1970)

e

Kiparsky

(1995)

de

que

alguns

processos

históricos,

aparentemente distintos (e tratados anteriormente de maneira separada e desconexa), parecem “conspirar” para um objetivo comum, como, por

85


exemplo, a eliminação de um segmento contrastivo em uma língua ou o apagamento de uma determinada estrutura silábica. Neste capítulo, serão analisados

três

processos

diferentes

(mas

com

desdobramentos

semelhantes), que parecem “conspirar” para um objetivo comum: a simplificação da estrutura silábica na evolução do latim para o português. Os processos analisados são: a) o desaparecimento das consoantes geminadas; b) a maior restrição à coda silábica; e c) a redução de alguns grupos consonantais. Antes da análise, porém, faz-se necessário conhecer um pouco do histórico da língua portuguesa, o que será feito no próximo tópico.

BREVE HISTÓRICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

O português, assim como as outras línguas românicas, origina-se do latim; não diretamente do latim literário, e sim do latim vulgar, falado de diferentes formas nas diversas províncias do então Império Romano. Williams (1961, p. 15) atesta que enquanto a língua das classes cultivadas (o latim clássico) se tornava cada vez mais uniforme sob a influência estabilizadora da cultura e do aprendizado, a língua do povo (o latim vulgar) se tornava cada vez mais diversificada na medida em que se disseminava com a expansão do Império Romano.

86


Como conseqüência do isolamento geográfico, do desenvolvimento de unidades políticas separadas e dos diversos substratos lingüísticos encontrados nas diferentes regiões do Império, o latim vulgar foi-se diferenciando cada vez mais, desembocando nas modernas línguas românicas. Assim surge a língua portuguesa, na costa ocidental da península ibérica. Os mais antigos documentos em língua portuguesa surgem no final do século XII (cf. WILLIAMS, 1961, p. 27; SAID ALI, 1965, p. 18) ou início do século XIII (cf. LAUSBERG, 1981, p. 36; MATTOS E SILVA, 1996, p. 15; TEYSSIER, 2001, p. 3). Neste período da história, a língua é denominada galego-português, pois há unidade lingüística com o galego31, falado mais ao norte. Desta época, foram conservados alguns textos de poesia lírica, dentre os quais o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana, e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. A partir do século XIV, o reino de Portugal começa a ganhar mais autonomia e transfere seu pólo de atenção mais para o sul, em direção a Lisboa, negligenciando a influência do norte galego. É, então, a partir dessa região, mais moçárabe, que o português moderno vai se desenvolver e de onde se iniciam as inovações lingüísticas destinadas a modificar substancialmente o rumo da língua (cf. TEYSSIER, 2001, p. 41).

31

Língua falada ainda na Galícia, atual região autônoma da Espanha.

87


Pelo fim do século XVI, quase todas as características distintivas do português arcaico haviam desaparecido e a língua se tornou, em sua essência, a mesma de hoje em dia. Após este breve histórico da formação da língua portuguesa (para um maior aprofundamento, q. v. WILLIAMS, 1961; SAID ALI, 1965; LAUSBERG, 1981; MATTOS E SILVA, 1996; e TEYSSIER, 2001), passa-se à análise dos fenômenos diacrônicos abordados neste capítulo.

DESAPARECIMENTO DE CONSOANTES GEMINADAS

Este trabalho parte da hipótese, sustentada por Holt (1997, p. 41), de que o desaparecimento das consoantes geminadas do latim clássico ocorreu como conseqüência da perda de contraste entre vogais curtas e longas. Teyssier (2001, p. 9) afirma que o latim clássico possuía cinco timbres vocálicos, com uma vogal breve e uma longa para cada timbre, o que perfazia um total de 10 fonemas vocálicos (ă, ā, ĕ, ē, ĭ, ī, ŏ, ō, ŭ, ū). Com o passar do tempo, a língua foi perdendo as oposições de quantidade, mas conservou as oposições de timbre, o que resultou em um inventário vocálico de 7 fonemas, ainda conservado, com certas modificações, na língua portuguesa. Isto deve ter ocorrido ainda nos primórdios de nossa era, como atestam algumas inscrições encontradas em Pompéia (cf. HOLT, op. cit. , p. 47). Holt (op. cit., p. 41) advoga que o

88


colapso da duração das vogais se deveu ao fato de que os contrastes de qualidade da vogal passaram a ser suficientes para distingui-las. Assim, a distinção tão somente com base da duração passou a ser menos eficiente do que a distinção através de altura e tensão. É sabido que o latim clássico possuía consoantes geminadas, como /pp/, /bb/, /ff/, /tt/, /dd/, /ss/, /kk/, /gg/, /mm/, /nn/, /ll/ e /rr/. A geminação não consistia em uma simples marcação ortográfica (como durante muito tempo houve na língua portuguesa, por razões de conservadorismo da grafia histórica), mas uma combinação de fonemas semelhantes. Segundo Lausberg (1981, p. 218), as consoantes geminadas eram realizadas, nos sons contínuos (/ff/, /ss/, /mm/, /nn/, /ll/ e /rr/), através de uma articulação mais prolongada; nos sons oclusivos (/pp/, /bb/, /tt/, /dd/, /kk/ e /gg/), através de um retardamento da explosão. Para entender melhor o desenvolvimento da perda das geminadas, será preciso acrescentar ao conceito de sílaba pesada e leve (explicitado no capítulo 2 deste trabalho), o conceito de mora, visto que algumas restrições utilizadas nesta seção envolvem este elemento fonológico. Há várias teorias da mora, porém a que será utilizada aqui é a proposta por Hyman (1985, retomando conceitos de Trubetzkoy), que defende que as sílabas são formadas por unidades de peso, denominadas moras (representada pelo símbolo µ).

89


A mora tem um duplo papel na explicação fonológica. Em primeiro lugar, ela representa o contraste entre sílaba leve e sílaba pesada: uma sílaba leve tem uma mora; uma sílaba pesada possui duas. Em segundo lugar, a mora é contada como uma posição fonológica, isto é, um segmento longo é normalmente representado como tendo ligações duplas. Seguindo o raciocínio de Hyman (1985), as sílabas teriam a seguinte representação:

(34) (a)

σ

µ

d

µ

r = [dor]

d

σ

µ

d

σ

µ

o

(c)

(b)

µ

ō = [do:]

90

o = [do]


Em (34a), está representada uma sílaba fechada, consistindo de duas moras; em (34b), apenas uma mora se faz necessária, visto tratar-se de uma sílaba aberta. Em (34c), é possível observar que as vogais longas possuem duas moras. O princípio de atribuição de duas moras às vogais longas pode ser estendido às consoantes; assim, consoantes curtas são representadas, na subjacência32, sem mora; enquanto que consoantes geminadas são portadoras de mora. As representações de consoantes curtas e longas seriam as seguintes, mostradas em (35a) e (35b):

(35) (a)

σ

σ

µ

µ

a

n

o [=ano]

32

Como visto anteriormente, a consoante da sílaba fechada recebe uma mora. Isto não se dá, no entanto, no nível da subjacência. De acordo com a teoria de Hyman, a atribuição desta mora à consoante seria determinada pela regra Weight by Position, responsável por atribuir uma mora às consoantes que fecham sílabas (q. v. HAYES, 1999, p. 356).

91


(b)

σ

σ

µ

µ

µ

a

n

o [=anno]

Entendido o conceito de mora, passa-se, enfim, à explicação da quedas das geminadas do latim clássico ao português. Na TO, a não preferência por segmentos longos pode ser entendida através de duas restrições: *LONG-V ou *Vµµ (HOLT, 1997, p. 43; CRIST, 2001, p. 136) e * LONG-C ou *Cµ (HOLT, 1997, p. 43; CRIST, 2001, p. 137). Como visto no capítulo anterior, *Vµµ é uma restrição que evita vogais bimoraicas, isto é, vogais longas. *Cµ milita contra a presença de consoantes moraicas, isto é, consoantes geminadas. Como o latim clássico permitia tanto vogais como consoantes curtas, a gramática desta língua deveria apresentar a seguinte hierarquia:

(36) /Vµ/

MAX-IO

DEP-IO

*Cµ

*Vµµ

a.  [Vµ] b. [Vµµ]

*!

92

*


(37) /Vµµ/ a. [Vµ]

MAX-IO

DEP-IO

*Cµ

*Vµµ

*!

b.  [Vµµ]

*

(38) /C/

MAX-IO

DEP-IO

*Cµ

*!

*

DEP-IO

*Cµ

*Vµµ

a.  [C] b. [Cµ]

(39) /Cµ/ a. [C]

MAX-IO

*Vµµ

*!

b.  [Cµ]

*

Como é possível perceber nos tableaux acima (adaptados de HOLT, 1997, p. 43), o status moraico subjacente das vogais e das consoantes é mantido. Em (36), observa-se que a mora da vogal curta subjacente é mantida e a adição de uma outra mora é gratuita, o que viola fatalmente a restrição de fidelidade DEP-IO (não insira elementos). Além disto, [Vµµ]

93


também viola a restrição *Vµµ. No tableau (37), a vogal longa subjacente se mantém pelo fato de que a restrição de fidelidade MAX-IO está em posição hierarquicamente superior, dominando as restrições de marcação, como se percebe através da linha sólida. Com relação às consoantes, a situação é praticamente a mesma: visto que consoantes simples não são moraicas, a adição de moras é proibido pela restrição DEP-IO, em posição mais importante na hieraquia (tableau (38)). No caso da consoante dupla, a mora subjacente irá aparecer na superfície (tableau (39)), pois ela apenas viola restrições de marcação, que, no caso em questão, são dominadas pelas restrições de fidelidade. Com o passar do tempo, o latim clássico foi perdendo o contraste entre vogais curtas e longas. Holt (1997, p. 50) sustenta a hipótese de que isto pode ter sido o resultado de uma re-hierarquização das restrições, em que *Vµµ é deslocada para o início do ordenamento, dominando MAX-IO e DEP-IO. Desta forma, o tableau (37), mostrado acima, ficaria da seguinte forma (tableau (40)) no latim vulgar:

(40) /Vµµ/

* Vµµ

MAX-IO

a.  [Vµ] b. [Vµµ]

* *!

94

DEP-IO

*Cµ


Em (40), a forma subjacente da vogal longa viola fatalmente *Vµµ, agora em posição de dominância, que impede a presença de vogais bimoraicas. Desta maneira, o candidato ótimo aparecerá, na superfície, como uma vogal curta. Após este segundo estágio, em que as vogais longas seriam desfavorecidas, o terceiro passo seria em direção ao desaparecimento das consoantes geminadas, motivo principal desta seção. Ainda seguindo o raciocínio de Holt (1997, p. 53), este estágio se caracterizaria pelo deslocamento de *Cµ (é proibido consoantes moraicas) para o início da hierarquia, através de uma mudança gradual e consistente, que ilustraria o desenvolvimento da língua, desembocando na língua portuguesa. Baseado nestas hipóteses, é possível imaginar um tableau referente ao estágio atual da língua portuguesa com relação às vogais e consoantes (tableau (41) a (44)) e compará-lo com o do latim clássico (mostrado em (36) a (39)):

(41) /Vµ/

*Cµ

*Vµµ

MAX-IO

DEP-IO

a.  [Vµ] b. [Vµµ]

*!

95

*


(42) /Vµµ/

*Cµ

*Vµµ

a.  [Vµ]

MAX-IO

DEP-IO

*

b. [Vµµ]

*!

(43) /C/

*Cµ

*Vµµ

MAX-IO

DEP-IO

a.  [C] b. [Cµ]

*!

*

(44) /Cµ/

*Cµ

*Vµµ

a.  [C] b. [Cµ]

MAX-IO

DEP-IO

* *!

Como é possível perceber pelos tableaux (41) a (44), houve uma inversão do ordenamento das restrições entre o latim clássico e o português. A tese proposta aqui é a de que esta inversão deve ter compreendido três estágios distintos: a) um primeiro momento, caracterizado pela hierarquia MAX-IO; DEP-IO >> *Vµµ; *Cµ (um estágio

96


em que a língua permitia vogais e consoantes longas; b) um segundo momento do tipo *Vµµ >> MAX-IO; DEP-IO >> *Cµ, quando apenas consoantes longas eram permitidas; e c) um último momento, *Vµµ; *Cµ >> MAX-IO; DEP-IO, em que vogais e consoantes longas são proibidas. É possível observar, nestes três estágios distintos, que as restrições de fidelidade (MAX-IO e DEP-IO) são, a cada momento, deslocadas mais abaixo na hierarquia. Como se poderá perceber, através da análise de outros fenônemos diacrônicos e sincrônicos, este comportamento será recorrente, o que reforça a idéia de uma conspiração.

A perda do status moraico das consoantes longas, no entanto, teve um sequenciamento e não ocorreu de maneira imediata para todos os segmentos. Para melhor explicitar o caminho percorrido do latim vulgar até o apagamento completo de todas as geminadas da língua portuguesa, faz-se necessário ter em mente a escala de sonoridade proposta por Clements (1990, p. 294). Segundo este autor, as principais divisões na hierarquia de sonoridade (determinados pelos principais traços de classe principal) dizem respeito às seguintes classes de segmentos:

97


(45) Escala de sonoridade (Clements, 1990, p. 294)

Maior sonoridade Vogais

Glides

Menor sonoridade líquidas

nasais

obstruintes

Para incorporar esta escala de sonoridade à TO, é preciso propor uma série de subdivisões à restrição *Cµ, subdivisões estas que militem contra o status moraico de cada tipo de segmento consonantal. Assim, a concepção da hierarquia de sonoridade dentro da TO, aplicado aos propósitos da queda das geminadas em português, seria a seguinte:

(46) Escala de sonoridade dentro da TO: *Oµ >> *Nµ >> *Lµ >> *Gµ >> *Vµ

Cada uma das restrições em (46) evitaria segmentos consonantais moraicos particulares. Assim, *Oµ proibiria obstruintes longas; *Nµ, nasais longas; *Lµ, líquidas; e *Gµ, glides. Esta subdivisão de *Cµ captaria a idéia principal de que obstruintes são as mais desfavorecidas para carregar status moraico, em seguida das nasais, e assim por diante. Holt (1997, p. 57) propõe que o status moraico das consoantes seria um embate entre as restrições apresentadas em (46) e MAX-IO, o que

98


corrobora a tese apresentada neste trabalho. Assim, em línguas que permitissem consoantes moraicas como o latim clássico, MAX-IO dominaria todas aquelas restrições. A evolução para o português seria unicamente a demoção da restrição MAX-IO para um lugar mais baixo na hierarquia. A visualização desta evolução seria a seguinte:

(47) MAX-IO >> *Oµ; *Nµ; *Lµ; *Gµ (latim clássico) (48) *Oµ >> MAX-IO >> *Nµ; *Lµ; *Gµ (latim vulgar) (49) *Oµ; *Nµ >> MAX-IO >> *Lµ; *Gµ (latim vulgar) (50) *Oµ; *Nµ; *Lµ >> MAX-IO >> *Gµ (latim vulgar) (51) *Oµ; *Nµ; *Lµ; *Gµ >> MAX-IO (português) (adaptado de HOLT, 1997, p. 58)

Portanto, o apagamento das geminadas deve ter sido um processo lento e gradual, cujo primeiro passo foi o desaparecimentos das geminadas menos soantes, isto é, das geminadas obstruintes. É possível observar esta evolução a partir de exemplos concretos do latim clássico:

(52) -pp-

SUPPA > sopa

-tt-

CATTUS > gato

-kk-

BUCCA > boca

99


-bb-

ABBATE > abade

-dd-

ADDITIONE > adição

-gg-

AGGREDIRE > agredir

-ff-

OFFICINA > oficina

Neste estágio da evolução, o que deve ter acontecido foi o deslocamento da restrição *Oµ para o início da hierarquia, dominando as outras restrições (cf. tableau (53)):

(53)

/bucca/

*Oµ

a. [bucca]

*!

MAX-IO

b.  [buca]

*Nµ; *Lµ; *Gµ

*

Em (53), a geminada na subjacência é realizada como consoante curta na superfície, pois esta é considerada a forma ótima pelo ordenamento das restrições. A forma [bucca] viola fatalmente *Oµ que, neste estágio da evolução, está em posição de dominância. Embora [buca]

100


viole MAX-IO, esta restrição de fidelidade já não é tão importante como no estágio anterior da evolução, o latim clássico. O próximo passo na redução das geminadas deve ter ocorrido entre os séculos X e XI (cf. HOLT, 1997, p. 91). Houve, então, uma nova rehieraquização das restrições, demovendo MAX-IO para uma posição ainda mais abaixo na hierarquia. Como conseqüência do reajuste de *Nµ e de *Lµ, as nasais e laterais perderam sua capacidade de carregar mora e sua quantidade foi afetada. Assim:

(54) /caballu/

*Oµ; *Nµ; *Lµ

a. [caballu]

*!

b.  [cabalu] > cavalo

MAX-IO

*

(55) /annu/

*Oµ; *Nµ; *Lµ

a. [annu]

*!

b.  [anu] > ano

MAX-IO

*

101


Nos tableaux (54) e (55), as formas de superfície já não possuem mais consoantes moraicas, pois *Oµ, *Nµ e *Lµ estão em posição de dominância com relação a MAX-IO e proíbem a permanência do status moraico das consoantes. Outros exemplos na evolução do latim clássico para o português:

(56) -mm-

FLAMMA > chama COMMUNE > comum

-nn-

PANNU > pano POENNA > pena

-ll-

CASTELLU > castelo GRILLU > grilo

-rr-

FERRU > ferro33 TURRE > torre

Com este estágio, a demoção de MAX-IO com relação a *Cµ (*Oµ, *Nµ e *Lµ) fica completa, isto é, o português, neste estágio já não admite mais consoantes longas ou geminadas, possuindo unicamente um

Não confundir a grafia “rr” em português com uma consoante geminada. Neste caso, trata-se, tão somente de uma convenção gráfica para um único fonema. 33

102


inventário de consoantes curtas e não-moraicas. Em português, apenas as vogais podem ser moraicas.

MAIOR RESTRIÇÃO À CODA SILÁBICA

Outro argumento a favor da simplificação da estrutura silábica na evolução do latim para o português é com relação a uma maior restrição à coda silábica. De fato, o latim clássico permitia quase todas as consoantes travando sílaba. Já no português, o inventário, na posição de coda silábica é bem mais restrito, limitando-se a /S/, /L/, /R/, /N/ e glides. São exemplos deste processo:

(57) -pt- (travamento com /p/)

SEPTE > sete OPTIMU > ótimo SCRIPTUS > escrito

-ps- (travamento com /p/)

GYPSU > gesso

-t-

CAPUT > cabo FECIT > fez

-d-

AD > a

-k-

HIC > aqui

103


Lausberg (1981, p. 226) afirma que o latim vulgar já tinha a tendência de evitar a consonância em final de palavra e de fazer terminar as palavras sonoramente, em vogal. O autor denomina esta tendência de horror vacui, isto é, um receio por posições vagas, sem núcleo silábico. Essa tendência à queda das codas acentou-se na evolução para o português, desembocando em um sistema que permite tão somente quatro travamentos silábicos. A maneira mais recorrente de se abordar a maior restrição à coda dentro dos pressupostos teóricos da TO é valendo-se da restrição NOCODA. Esta restrição foi proposta, pela primeira vez, por Prince & Smolensky (1993, p. 34) como –COD e reformulada por McCarthy & Prince (1993, p. 11). Ela evita a formação de sílabas travadas, corroborando a hipótese de que a sílaba ótima é formada apenas por ataque e núcleo. Crist (2001, p. 171) utiliza-se desta restrição para propor uma explicação para a conspiração pela sílaba aberta do eslavo. Para o autor, na evolução do eslavo houve um reordenamento das restrições da seguinte forma:

(58) Pré-proto-eslavo: MAX-IO >> NOCODA Proto-eslavo: NOCODA >> MAX-IO

104


Para ilustrar esta evolução, ele apresenta o seguinte tableau:

(59)

/plekto/

NOCODA

a. [plek.to]

*!

b.  [ple.to]

MAX-IO

*

A hipótese aventada neste trabalho é a de que um processo semelhante ocorreu na evolução do latim clássico para o português, na direção de proibir sílabas fechadas. A gramática do latim clássico, referente ao travamento silábico, seria a seguinte:

(60)

/caput/

MAX-IO

a.  [ca.put]

NOCODA *

b. [ca.pu]

*!

105


Em (60), [caput] viola NOCODA, porém ainda é considerada a forma ótima, pois não a contradiz de maneira fatal. [capu] é eliminado da disputa por violar a restrição de fidelidade, que está em posição de dominância. Na

evolução

para

o

português,

parece

ter

havido

um

reordenamento das restrições, com a demoção de MAX-IO para uma posição abaixo na hierarquia (semelhante ao processo de apagamento das geminadas), produzindo uma gramática do tipo:

(61)

/caput/

NOCODA

a. [ca.put]

*!

b.  [ca.pu]

MAX-IO

*

Em (61), o estágio da língua promoveu NOCODA (demovendo, como conseqüência, MAX-IO) para uma posição acima na hierarquia, o que impossibilita o sucesso de [caput]. Há, no entanto, dois problemas neste tipo de análise, que devem ser considerados mais adiante: a) o fato de a língua portuguesa ainda permitir

106


certos tipos de coda silábica, nomeadamente /S/, /L/, /R/, /N/ e glides; e b) o fato de algumas codas do latim para o português não terem sido completamente eliminadas, e sim, modificadas, como é o caso de OCTO > oito. Para eliminar o primeiro problema, faz-se necessário usar mão de um subtipo da restrição NOCODA, que seja menos abrangente: CODACOND(ITION). Esta restrição foi inicialmente proposta por Prince & Smolensky (1993, p. 109). Analisando os exemplos de coda silábica na língua lardil34, os autores chegaram à conclusão de que seria impossível explicar certos fenômenos particulares daquele idioma sem proporem uma nova restrição que licenciasse certos tipos de segmentos naquela posição. Desta forma, propuseram CODACOND que, no caso do lardil, permite consoantes coronais e consoantes que tenham o mesmo ponto de articulação com outras consoantes35. CODACOND é uma restrição que é ajustada de acordo com as regras fonotáticas de cada língua; desta forma, para o caso específico do português, ela irá licenciar, em posição de coda silábica, segmentos do tipo /R/, /S/, /L/, /N/ e glides. Com esta nova restrição, é possível entender como alguns segmentos em coda silábica do latim continuaram a existir no português

Língua aborigine, em via de extinção, falada na Ilha de Mornington, nordeste da Austrália. 35 CODACOND: A coda consonant can have only Coronal place or place shared with another consonant (Prince & Smolensky, 1993, p. 109). 34

107


moderno. Nos tableaux (62) e (63), é possível observar duas palavras latinas e suas respectivas evoluções para a língua portuguesa:

(62) /ad/> a

CODACOND

a. [ad]

*!

b.  [a]

MAX-IO

*

(63) /locusta/> lagosta

CODACOND

MAX-IO

a.  [lo.cus.ta] b. [lo.cu.ta]

*!

Em (62), o vocábulo latino /ad/ é realizado, na superfície, como [a], pois o ordenamento da gramática do português proíbe codas com obstruintes. Desta maneira, apesar de violar MAX-IO, ela ainda é considerada sua forma ótima, pois o outro candidato viola fatalmente CODACOND, melhor posicionada na hierarquia. Em (63), [locusta] é o candidato ótimo, pois a língua portuguesa permite este tipo de fricativa em posição de coda. Neste tableau, é possível

108


perceber que MAX-IO tem um papel primordial na escolha do melhor candidato, visto que nenhuma das formas viola CODACOND. A escolha entre elas se dá tão-somente porque [lo.cu.ta] viola fatalmente a restrição de fidelidade. O outro problema a ser considerado nesta análise é um pouco mais complexo. Diz respeito a certos vocábulos que, ao invés de perderem sua coda, na evolução para o português, modificaram-na para outro tipo de segmento, como:

(64) OCTO > oito NOCTE > noite LACTE > leite STRICTU > estreito

A hipótese sustentada aqui parte de uma idéia de Holt (1997, p. 65). Segundo o autor, a promoção de *Cµ na hierarquia das restrições e a conseqüente queda do status moraico das obstruintes geminadas também afetou alguns tipos de grupos consonantais, principalmente /kt/, /ks/e /gn/. Visto que a geminadas /kk/ e /gg/ passaram a /k/ e /g/, era

109


possível esperar que os grupos perdessem suas obstruintes. O que ocorreu, no entanto, foi que elas foram vocalizadas como /j/36. Para Holt (op. cit., p. 67), há uma solução para este fenômeno: subdividir a restrição *Oµ em duas sub-restrições. Como as obstruintes são [+consonantal] e [-soante], seria possível propor duas restrições *[-soante]µ

(que

proibiria

segmentos

[-soantes]

moraicos)

e

*[+consonantal]µ (que militaria contra segmentos consonantais moraicos). Além destas restrições, seria necessário utilizar-se de uma nova restrição de fidelidade: IDENT-IO-[F] (já mencionada no capítulo 3 deste trabalho). IDENT-IO-[F] obriga a que os segmentos do input e do output tenham valores idênticos em relação a determinado traço fonológico. No caso em questão aqui, os traços seriam [+consonantal, -soante]. Esta restrição foi primeiramente proposta por McCarthy & Prince (1995, p. 16). Explicitadas as restrições, já é possível propor um tableau para a evolução de palavras do tipo OCTO > oito, em (65):

Given that geminate /kk, gg/ were simplified to /k, g/, we might expect total loss of original /-k, -g/ to occur, contrary to fact. What happens instead is that /-k, -g/ vocalized to [j]. 36

110


(65) /ok.to/

*[-soante]µ

a. [ok.to]

*!

MAX-IO

IDENT-IO

*[+consonantal]µ *

b.  [oj.to]

**

c. [o.to]

*!

Em (65), o candidato [ok.to] é eliminado da disputa por violar fatalmente *[-soante]µ. O candidato [o.to] viola MAX-IO que, embora tenha sido demovido para uma posição mais abaixo na hierarquia, ainda domina IDENT-IO. Só resta o candidato [oj.to] que, apesar de violar duas vezes IDENT-IO (por ser [-consonantal, +soante]), não a viola de maneira fatal.

REDUÇÃO DE GRUPOS CONSONANTAIS

Um último fenômeno diacrônico a ser considerado neste trabalho diz

respeito

ao

apagamento

de

alguns

grupos

consonantais,

nomeadamente os formados por consoante desvozeada e /l/. Como é possível observar em (66), grupos formados por /k, p, f/ e /l/ sofreram uma simplificação na evolução para a língua portuguesa:

111


(66) CLAVE > ave

-kl-

CLAMARE > amar37 PLUVIA > uva

-pl-

PLORARE > orar PLAGA > aga38 FLAMMA > ama

-fl-

FLAGARE > eirar39

Alguns

autores

abordaram,

de

distintas

maneiras,

a

transformação do grupo consonantal /k, p, f/ + /l/ para o // na língua portuguesa.

Williams (1961, p. 75), por exemplo, acredita que o

desenvolvimento para o português seguiu um processo do tipo:

(67) (/k,p,f/ + /l/) > (/k,p,f/ + /j/) > (t) > ()

Em palavras eruditas, o –kl– permaneceu inalterado: CLIMA > clima; CLARU > claro; CLASSE > classe (WILLIAMS, 1961, p. 74). 38 Em palavras eruditas, o –pl– permaneceu inalterado ou foi restaurado: PLUMA > pluma; PLANTARE > plantar (WILLIAMS, 1961, p. 75). 39 Em palavras eruditas, o –fl– permaneceu inalterado ou foi restaurado: FLAUU > flavo; FLORE > flor; FLUIDU > fluido (WILLIAMS, 1961, p. 74). 37

112


Assim:

(68) [klave] > [kjave] > [tave] > [ave]

Holt (1997, p. 118), apoiado em estudos de Bourciez (1967) e Lloyd (1987) e em dados empíricos do aragonês40, propõe uma evolução diferente, que será a adotada neste trabalho:

(69) (/k,p,f/ + /l/) > (/k,p,f/ + //) > (t) > ()

Holt (op. cit.) propõe que o primeiro estágio na evolução foi uma assimilação regressiva do /l/ com o /k/. Segundo o autor, o /l/ começou a ser pronunciado mais perto da região velar, por influencia do /k/e, conseqüentemente, um som palatal foi surgindo: /kl/ > /k/. O segundo estágio, nesta evolução, foi o fato de /pl/ e /fl/ tornarem-se /p/ e /f/, por influência de /k/. Assim:

Língua ainda falada em Aragão, nordeste da Espanha. Holt baseou-se em exemplos do tipo ‘pllover’ (chover) e ‘fllama’ (chama). 40

113


(70) AURICULA > [oreka]

‘orelha’

OVICULA > [oveka]

‘ovelha’

OCULO > [oko]

‘olho’

O terceiro

movimento

proposto,

nesta evolução,

é o da

simplificação dos grupos consonantais (k, p, f > ), simbolizado, dentro do arcabouço teórico da TO, através da restrição *COMPLEXONS(ET), já mencionada no capítulo anterior. Esta restrição, proposta por Prince & Smolensky (1993, p. 96), evita a formação de grupos complexos no ataque silábico. Entre outras evidências da tendência para simplificar ataques complexos na língua portuguesa, é possível citar:

(a) a simplificação de /k/ em posição intervocálica: AURICULA > [oreka] > [orea];

(b) a simplificação de /g/ em posição intervocálica: COAGULU > [koago] > [koao];

(c) a simplificação de /k/ em posição inicial: CLAMARE > [kamar] > [];

114


(d) a simplificação de /bl/ e /gl/: FABULARE > [fablare] > [falar]; GLATTIRE > [latir].

Dentro da OT, essa evolução da perda dos grupos consonantais pode ser explicada pela demoção de MAX-IO para baixo da hierarquia. Assim, a evolução se deu exatamente da mesma forma que a maior restrição à coda silábica e a queda das geminadas: com a demoção desta restrição de fidelidade. O tableau (71) ilustra a evolução sob a ótica da OT:

(71) /o.ko/> o.o

a. [o.ko]

*COMPLEX-ONS

MAX-IO

MAX-IO

(SOANTE)

(OBSTRUINTE)

*!

b.  [o.o]

*

c. [o.ko]

*!

Em (71), foi necessário subdividir MAX-IO em duas restrições: MAXIO (SOANTE), que impede o apagamento de segmentos soantes; e MAX-IO (OBSTRUINTE), que impede o apagamento de obstruintes. Pela posição na hierarquia destas duas restrições (com MAX-IO (SOANTE) dominando MAX-

115


IO (OBSTRUINTE)), é possível escolher o candidato ótimo. Assim, é preferível apagar um segmento obstruinte a um segmento soante. Também pode-se observar no tableau que MAX-IO foi demovido mais uma vez (e em um outro fenômeno diacrônico distinto) para uma posição mais abaixo na escala de restrições, o que corrobora a hipótese de que alguns processos na evolução do latim para o português (e que culminaram na redução e simplificação de estruturas silábicas) foram o resultado da demoção de MAX-IO na hierarquia de restrições. No entanto, esta evolução mostrada acima ainda não explica como, em algumas posições, o português evoluiu do estágio  > . Ainda segundo Holt (1997, p. 139), em determinadas posições, sobretudo quando k, p e f eram precedidos de nasal, o apagamento das obstruintes era muito custoso (pois afetaria tanto a obstruinte em si como a nasal precedente), e o que aconteceu foi uma crescente palatalização do . Este segmento palatal soaria muito similar a um outro segmento palatal desvozeado // e, quando seguido de uma consoante desvozeada, seria acusticamente semelhante a [t]41. A quarta etapa desta evolução seria a reinterpretação da palatalização de  como a africada [t], assim:

[It] would sound quite similar to another voiceless palatal, [], and when following a voiceless consonant would be acoustically very similar to [t] (HOLT, 1997, p. 139). 41

116


(72) /manka/ > [manta]

‘mancha’

Na última etapa do processo, há novamente uma demoção de MAXIO na hierarquia de restrições, que culminará em formas como ‘mana’, ‘ama’, ‘ave’, ‘inar’, dentre outras. Em (73), pode-se observar este ordenamento:

(73) /tama/

*COMPLEX-ONS

a.  [ama]

MAX-IO *

b. [tama]

*!

Em (73), [ama] é o candidato ótimo, pois não viola *COMPLEX-ONS, que está em posição mais acima na hierarquia. Novamente neste fenômeno diacrônico, a restrição MAX-IO foi demovida de sua posição original, o que inviabiliza a escolha de [tama].

117


Fica encerrado aqui a análise de três fenômenos diacrônicos na evolução da língua portuguesa: a) o desaparecimento das consoantes geminadas; b) a maior restrição à coda silábica; e c) a redução de alguns grupos consonantais. Observou-se que os três fenômenos apresentam, dentro da TO, uma explicação em comum: a demoção da restrição MAX-IO para uma posição inferior na hierarquia das restrições. Além disto, todos estes fenômenos caminham para uma simplificação do padrão silábico, corroborando a hipótese prevista neste trabalho. Apesar de fugir um pouco dos fenômenos tratados neste capítulo, são apresentados em (74) outros exemplos de fenômenos diacrônicos que se encaixam dentro do mesmo padrão e que ficam aqui como sugestão para futuras análises.

(74) (a) /t/ seguido /ĭ/ > /s/: FORTIA > força LENTEU > lenço

118


(b) /d/ seguido de /ĭ/, precedidos de vogal > /ʒ / HODIE > hoje VIDEO > vejo

(c) consonantização das semivogais: IACERE > jazer UINO > vinho

No próximo capítulo, serão tratados fenômenos semelhantes, que corroboram a hipótese da conspiração, dentro de um recorte sincrônico da língua portuguesa.

119


CAPÍTULO 5 EVIDÊNCIAS SINCRÔNICAS DA CONSPIRAÇÃO

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, serão tratados três fenômenos sincrônicos da língua portuguesa falada no Brasil que parecem confirmar a tendência à demoção de MAX-IO e à simplificação de estruturas silábicas mais simples. São eles: a redução dos ditongos nasais átonos; b) a monotongação; e c) o apagamento da vibrante pós-vocálica em posição de coda. É importante lembrar que, apesar de estes fenômenos serem variáveis na língua portuguesa falada no Brasil, eles são encontrados nas mais diversas partes do país (conforme se pode observar nos estudos abaixo), além de serem bastante recorrentes. Para os objetivos desta pesquisa, serão utilizados os seguintes dialetos: o do sul do país (baseado

120


em estudos de MENEGHINI, 1983; BISOL, 1989; CABREIRA, 1996; BATTISTI, 1997, 2000 e MONARETTO, 2000, 2002; todos com base no Projeto VARSUL42); o do Rio de Janeiro (CALLOU, 1987; PAIVA, 1996 e SILVA, 1997); o falado na Paraíba (SOUZA SILVA, 1997 e HORA, D.; PEDROSA, J., 200143) ; e o falado no Amapá (HORA, D.; SANTIAGO, S., 200644).

REDUÇÃO DOS DITONGOS NASAIS ÁTONOS

O primeiro fenômeno a ser observado aqui é a redução dos ditongos nasais átonos. No português do Brasil, é chamado de ‘ditongo nasal’ ao encontro de vogal seguida de nasal em final de vocábulo, como por exemplo: ‘órgão’, ‘leram’, ‘jovem’ (átonos) ou ‘lerão’, ‘jargão’, ‘também’ (tônicos). Estes ditongos, quando estão em posição átona, são passíveis de redução. Assim, uma única vogal, sem qualquer resquício de nasalidade, pode realizar-se na superfície:

Projeto VARSUL – Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Brasil (UFRGS, UFSC, UFPR, PUCRS). 43 Projeto VALPB – Variação Lingüística no Estado da Paraíba. 44 Projeto Vozes do Amapá. 42

121


(75) órgão > órgu bênção > bênçu homem > hômi leram > lêru jovem > jóvi

Trata-se de um fenômeno sincrônico variável no português do Brasil, encontrado nos falares de diferentes partes do território nacional, em falantes de perfis sócio-econômicos e culturais distintos. Dados empíricos confirmam esta tendência ao apagamento. Battisti (2000, p. 260267) atesta a redução nas três capitais do sul (Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba); nos dados de Hora, D; Pedrosa, J. (2001, volume IV), são encontrados: violentaram > violentáru (p. 39), homem > hômi (p. 107), fizeram > fizéru (p. 144), virgem > vírgi (p. 164); nos informantes do corpus do Amapá (HORA, D.; SANTIAGO, S., 2006), são observados: vieram > viéru (p. 28), encontraram > encontráru (p. 32), aumentaram > aumentáru (p. 73), viagem > viági (p. 93). Segundo Battisti (2000, p. 257), a monotongação e a desnazalização de ditongos nasais átonos é mais bem representada se compreendida como o apagamento do segundo elemento vocálico, portador de

122


nasalidade. Além disto, a atonicidade da sílaba também parece ter um papel fundamental neste processo, como desencadeador da redução do ditongo. Desta forma, a atonicidade da sílaba parece ser uma espécie de condição sine qua non para a ocorrência da redução. Para analisar o fenômeno de redução do ditongo nasal átono dentro dos princípios da TO, é preciso lançar mão de algumas restrições ainda não mencionadas neste trabalho. A primeira delas seria NONFINALITY, uma restrição específica de acento, responsável por evitar acento em sílaba final de vocábulo. Esta restrição foi proposta primeiramente por Prince & Smolensky (1993, p. 42):

(76) NONFINALITY: a cabeça prosódica da palavra não cai na sílaba final da palavra45.

Ainda segundo os autores, deve-se entender ‘cabeça prosódica’ como o acento principal da palavra. Uma segunda restrição necessária para esta análise é EDGEMOST, restrição também específica de acento, que requer que o acento da palavra

NONFINALITY: The prosodic head of the word does not fall on the word-final syllable (Prince & Smolensky, 1993, p. 42). 45

123


recaia o mais próximo à borda possível. Esta restrição também foi primeiramente proposta por Prince & Smolensky (1993, p. 37):

(77) EDGEMOST: o item  está situado na borda B do domínio D46.

As violações a EDGEMOST são contadas em unidades a partir da borda considerada. Assim, caso o acento recaia na penúltima sílaba, isto incorrerá em uma violação a EDGEMOST; se recair na antepenúltima, serão duas violações a esta restrição. NONFINALITY e EDGEMOST são restrições que se opõem por natureza; desta forma, a satisfação de NONFINALITY implica nunca atribuir o acento à última sílaba da palavra; EDGEMOST, por outro lado, requer que o acento se situe o mais próximo à borda possível, o que inclui a última sílaba. Assim, em uma língua em que NONFINALITY domina EDGEMOST, um vocábulo oxítono nunca poderá acontecer. Considerando o tableau (78) (‘O’ representa a sílaba que recebe o acento principal; ‘o’, as demais sílabas), é possível imaginar tal língua:

EDGEMOST: The item  is situated at the edge E of domain D (Prince & Smolensky, 1993, p. 35). 46

124


(78) /ooo/

NONFINALITY

EDGEMOST

a. [Ooo]

**!

b.  [oOo]

*

c. [ooO]

*!

Em (78), vêem-se os resultados para um vocábulo trissílabo em uma língua com a hierarquia de restrições proposta acima. O candidato (c) [ooO], um oxítono, é logo eliminado por violar fatalmente NONFINALITY, a restrição mais alta na hierarquia. Apesar de (a) e (b) satisfazerem-na e violarem, ambos, EDGEMOST, o candidato paroxítono é a melhor escolha, visto incorrer em um menor número de violações. Uma terceira restrição necessária para esta análise é FTBIN ou FOOT BINARITY (Binaridade de Pé). Esta restrição, formulada por Prince & Smolensky (1993, p. 50)47, requer que os pés sejam binários, isto é, que sejam bimoraicos. Apresentadas as restrições utilizadas nesta parte deste trabalho, fazse necessário um repasse nos tipos de sistema de acento existentes nas

Foot Binarity (FTBIN): Feet are binary at some level of analysis (Prince & Smolensky, 1993, p. 50) 47

125


línguas. De acordo com Hayes (1991, p. 74), existem três tipos de sistema de atribuição do acento:

a) o troqueu silábico, caracterizado por pés dissilábicos, com a primeira sílaba proeminente. Neste tipo de sistema, a estrutura silábica é irrelevante, seja leve ou pesada; o acento sempre cairá na primeira sílaba, como em (79) (o asterisco aqui representa o acento; os parênteses representam o pé):

(79) (*

.)

σ

σ

b) o troqueu moraico, que conta o número de moras. Cada duas moras formam um pé, com cabeça à esquerda; como as sílabas pesadas têm duas moras (q. v. capítulo 4), elas formam sozinhas um pé. Em (80), estão representadas as possíveis estruturas do troqueu moraico:

126


(80) (*

.) (caso não seja uma sílaba pesada)

σ

σ

(*) (caso seja uma sílaba pesada) σ

c) o iambo, que tem proeminência no final, isto é, com cabeça à direita. O sistema iâmbico também leva em conta o número de moras. Assim, as representação são como em (81):

(81) (.

*) (caso não seja uma sílaba pesada)

σ

σ

(*) (caso seja uma sílaba pesada) σ

Algumas das nomenclaturas acima serão utilizadas ao longo deste capítulo, o que ensejou o repasse da classificação de Hayes. Enfim, passase, à análise propriamente dita dos fenômenos sincrônicos da língua.

127


Segundo Battisti (1997, p. 157), é comum relacionar a redução dos ditongos nasais átonos na língua portuguesa com as modalidades menos formais de fala. A redução, portanto, é atribuída à realização menos cuidada que caracteriza o estilo coloquial, o que não é exclusividade do português. Battisti (op. cit., p. 163) lança a hipótese de que a redução do ditongo nasal átono seja um esforço da língua portuguesa em formar pés de melhor qualidade, bimoraicos. O exemplo exposto em (82) pode ajudar a visualizar melhor esta idéia:

(82)

l

σ

σ

µ

µ

µ

a

N > /lerãw~/ > leram

e

r

Em (82), vê-se a palavra ‘leram’, que apresenta a característica de um troqueu. Com a redução do ditongo nasal átono de ‘leram’ > ‘lêru’, o português parece buscar uma melhoria da qualidade do troqueu, implicando não somente a perda do peso silábico pelo apagamento da mora correspondente à consoante nasal, mas também a sua não

128


incorporação à sílaba, com a conseqüente perda da nasalidade, como se pode ver em (83):

(83)

l

σ

σ

µ

µ

e

r

u

Em (83), o ditongo nasal reduzido já não possui qualquer resquício da consoante nasal subjacente. Tendo em vista as restrições explicitadas acima, é possível propor que a hierarquia antes da redução dos ditongos nasais átonos seria a seguinte:

(84) MAX-IO >> NONFINALITY >> EDGEMOST >> FTBIN

Na língua falada mais cuidada, em que, a princípio, não se realizam reduções de ditongos nasais átonos, MAX-IO deve ter uma posição de

129


destaque na hierarquia, como observado em (85) (o símbolo (‘) indica o acento principal; os parênteses indicam o pé):

(85) /le.rãw~/

MAX-IO

NONFINALITY

a.  (‘le.rãw~) b. (‘le.ru) c. le.(’rãw~)

*!*

EDGEMOST

FTBIN

*

*

* *!

Em (85), o candidato [(‘le.ru)] é excluído da competição por violar fatalmente MAX-IO, que ainda domina o conjunto de restrições. O candidato [le.(‘rãw~)], apesar de satisfazer EDGEMOST por apresentar o acento mais próximo à borda da palavra, viola NONFINALITY, pois apresenta a cabeça prosódica no final da palavra, o que contraria a restrição. O candidato (a) é a forma ótima, pois apesar de violar duas restrições, não viola MAX-IO, a restrição mais importante aqui. Na fala menos cuidada, no entanto, essa hierarquia apresentada em (85) parece sofrer modificações, modificações estas semelhantes àquelas tratadas no capítulo anterior: a demoção de MAX-IO. De fato, com o deslocamento desta restrição de fidelidade para uma posição mais abaixo

130


na hierarquia, a língua portuguesa permite o aperfeiçoamento da forma na direção de um troqueu mais bem formado: ao invés de três moras, passa a apresentar apenas duas. Além deste deslocamento, FTBIN é transferido para a posição mais importante da hierarquia, fazendo com que se desconsidere todo e qualquer candidato que apresente um pé formado por mais de duas moras. Isto pode ser visualizado em (86):

(86) /le.rãw~/

FTBIN

a. (‘le.rãw~)

*!

NONFINALITY

MAX-IO

*

b.  (‘le.ru) c. le.(’rãw~)

EDGEMOST

*

**

*!

Em (86), a situação é um pouco mais complicada e merece uma análise mais cuidada dos candidatos excluídos:

i. o candidato (a) é excluído da competição por violar fatalmente a restrição FTBIN, que requer que todo pé tenha que ser binário. O candidato apresenta três moras (uma na primeira sílaba e duas na segunda), o que

131


acarreta sua imediata desclassificação. Além disto, ele viola EDGEMOST, por não possuir acento principal na última sílaba;

ii. o candidato (c) também não é escolhido como forma ótima por violar fatalmente NONFINALITY, visto que possui cabeça prosódica da palavra em posição final.

iii. o candidato (b), apesar de violar EDGEMOST uma vez (não possui acento principal na última sílaba) e MAX-IO duas vezes (apaga dois segmentos), ainda é o candidato ótimo, pois não viola nenhuma destas restrições fatalmente.

O tableau (86) deixa claro a preferência do português brasileiro, em sua modalidade mais informal, pela necessidade de melhorar a qualidade do troqueu. De fato [leram] constitui um troqueu mais empobrecido, com sílaba pesada em posição fraca e trimoraico. Além disto, é importante destacar o papel crucial desempenhado por NONFINALITY na localização do acento paroxítono. É importante observar que mesmo a forma oxítona com sílaba final pesada, que daria origem a um troqueu bem formado (bimoraico) não é selecionada como ótima, visto a preferência da gramática por vocábulos paroxítonos, expressa no ordenamento de NONFINALITY em posição superior na hierarquia. Segundo Battisti (1997, p.

132


167), com relação aos ditongos nasais tônicos (não tratados aqui neste trabalho), NONFINALITY passa a uma posição inferior na hieraquia48. Em (86), portanto, fica confirmado mais uma vez a demoção de MAX-IO na língua portuguesa, no sentindo de produzir estruturas silábicas mais simples, o que corrobora a hipótese da conspiração aventada neste trabalho. Battisti (1997, p. 167) confirma a inversão de MAX-IO para uma posição de dominância na modalidade de fala que não a popular:

Retornando a jovem :: jovi, numa outra modalidade de fala que não a popular, em que jovem, e não jovi, é o vencedor, uma inversão muito importante deve se verificar na hierarquia de restrições. As restrições da família de fidelidade, PARSE-σ, PARSE-µ e PARSE-seg, passam a ocupar posição superior na hierarquia, determinando que nenhuma sílaba, mora ou segmento deixe de ser escandido (BATTISTI, op. cit., p. 167).

É preciso lembrar que as restrições mencionadas por Battisti na citação acima ainda são da nomenclatura antiga da TO. Hoje em dia, como já foi visto anteriormente neste trabalho, PARSE foi susbstituído por MAXIO. Além disto, por razões de clareza e por não necessitar de maiores Para um tratamento abrangente dos vocábulos terminados em ditongo nasal tônico, q. v. Battisti (1997). 48

133


subdivisões da restrição neste trabalho, preferiu-se condensar aqui PARSEσ, PARSE-µ e PARSE-seg em uma única restrição. Um problema surge, no entanto, nesta análise proposta acima: se a redução dos ditongos nasais átonos se deve à tentativa dos falantes de melhorar a qualidade de troqueus formados por uma seqüência de sílabas leve-pesada, o que acontece com palavras formadas por seqüências de sílabas pesada-pesada, como em ‘órgão’ e ‘órfão’? Primeiramente seria interessante analisar a gramática que seleciona a forma [órgão], e não a forma popular [órgu], em (87):

(87) /ór.gãw~/

FTBIN

MAX-IO

NONFINALITY

a.  (‘ór).(gãw~)

EDGEMOST *

b. (ór).(‘gãw~)

*!

c. (‘ór.gãw~)

*!

d. (‘ór.gu)

*!

* *

*

Em (87), o candidato (b) é descartado por apresentar a cabeça prosódica da palavra em posição final, violando fatalmente NONFINALITY. O candidato (c) viola fatalmente FTBIN (que requer que os pés tenham

134


apenas duas moras), pois apresenta um troqueu com quatro moras; o mesmo acontece com o candidato (d), que apresenta um troqueu de estrutura silábica pesada-leve, com três moras. Desta forma, o candidato (a) acaba sendo o output ótimo, pois apenas viola EDGEMOST, que ocupa posição inferior na hierarquia. Seguindo o raciocínio de Battisti (1997, p. 172), para entender a redução dos ditongos átonos com estrutura silábica no input pesadapesada, é preciso lançar mão de duas outras restrições: DISSPÉ e WSP. WSP, forma reduzida de Weight-to-Stress Principle, é uma restrição, proposta primeiramente por Prince & Smolensky (1993, p. 56) que requer que as sílabas pesadas recebam o acento principal da palavra ou que estejam na posição forte do pé, isto é, que sejam proeminentes49. Isto significa que sílabas pesadas não podem ocupar posição fraca no pé. DISSPÉ, restrição proposta por Battisti (1997, p. 172), afirma que pés dissilábicos são melhores que monossilábicos, a despeito do peso de cada sílaba. Assim, a gramática que seleciona [órgu], e não [órgão], como output ótimo teria a seguinte hierarquia de restrições:

49

Weight-to-Stress Principle (WSP): Heavy syllables are prominent in foot structure and on the grid (PRINCE & SMOLENSKY, 1993, p. 56).

135


(88) /ór.gãw~/

DISSPÉ

a. (‘ór).(gãw~)

*!

b. (ór).(‘gãw~)

*!

c. (‘ór.gãw~)

WSP

FTBIN

NONF.

EDG.

MAX.

* * *!

d.  (‘ór.gu)

*

*

*

*

*

Em (88), a situação é a seguinte:

i. o candidato (a) é excluído da competição por violar fatalmente a restrição DISSPÉ, que requer que o pé seja dissilábico. No caso em questão, a palavra apresenta dois pés, cada um monossilábico. Além disto, o candidato viola EDGEMOST, por não localizar o acento próximo à borda;

ii. o candidato (b) é excluído da disputa pela mesma razão, pois traz um pé monossilábico. O candidato (b) também viola NONFINALITY, por situar a cabeça prosódica em posição final;

iii. o candidato (c) não é escolhido como output ótimo por violar fatalmente WSP, pois apresenta uma sílaba pesada em posição fraca do pé.

136


Além disto, o candidato viola FTBIN (pois traz um pé com quatro moras) e EDGEMOST (o acento principal não recai na última sílaba).

iv. o output (d), com ditongo nasal átono reduzido, é a forma ótima, por satisfazer a restrição mais alta na hierarquia, DISSPÉ. Apesar de ser um troqueu pobremente formado, de sílabas pesada-leve e com três moras, é dissilábico e não possui sílaba pesada em posição fraca do pé.

Assim, é possível afirmar que a redução dos ditongos nasais átonos, tanto daqueles com input com estrutura silábica leve-pesada, como daqueles com input com estrutura silábica pesada-pesada, é um esforço para melhorar a qualidade de troqueus, retirando moras de sílabas pesadas que não atraem o acento. Neste ponto, é importante lembrar que MAX-IO sempre está em posição inferior na hierarquia e que a redução dos ditongos só é possível devido ao deslocamento de MAX-IO para esta posição. De fato, o output ótimo violará sempre esta restrição de fidelidade, com apagamento de segmentos e moras. É mais um indício para a conspiração por padrões silábicos mais simples. De fato, como afirma Battisti (1997, p. 172), a fala popular parece preferir ditongos nasais átonos reduzidos a ditongos nasais plenos, mesmo que isto represente o apagamento de segmentos ou moras.

137


MONOTONGAÇÃO

A monotongação é outro processo sincrônico que merece ser considerado neste trabalho. O apagamento dos glides [j] e [w] em ditongos orais

decrescentes,

denominado

monotongação,

é

um

fenômeno

lingüístico de larga expansão no português do Brasil. Assim, ca[j]xa > caxa, pe[j]xe > pexe, mo[w]ro > moro. Este processo já foi amplamente atestado em distintas regiões do

Brasil,

em diversos trabalhos

sociolingüísticos: no Rio Grande do Sul (cf. MENEGHINI, 1983; BISOL, 1989; CABREIRA, 1996), no Rio de Janeiro (cf. PAIVA, 1996; SILVA, 1997) e na Paraíba (SOUZA SILVA, 1997). O processo de monotongação, no entanto, não é um fenômeno exclusivamente sincrônico. De fato, a tendência a evitar ditongos, transformando-os em vogais simples, é atestada no português ao longo de toda a sua história. Lausberg (1981, p. 145-148) afirma que a maior parte dos ditongos do latim clássico passou a ser monotongados no latim vulgar. Assim:

(89) caecu > cecu claustru > clostru saeta > seta

138


Houve a extinção das diferenças entre as vogais por meio de um ajustamento

mútuo,

ou assimilação, dos

elementos

do

ditongo,

desembocando no monotongo (cf. LAUSBERG, p. 79). Câmara Jr. (1997, p. 55) já questionava a existência ou não de ditongos na língua portuguesa, tendo em vista a constante oscilação entre as possibilidades articulatórias. O autor se perguntava se existiriam ditongos propriamente ditos ou se seriam dois núcleos silábicos consecutivos, formando um hiato. Como não é objetivo deste trabalho analisar a realidade fonética dos ditongos, fica entendido aqui que será adotada a teoria de que o ditongo é formado por vogal plena seguida de uma semivogal, resultando em um padrão silábico complexo. A hipótese aventada aqui é a de que a língua portuguesa, visando à simplificação das estruturas silábicas, apaga o glide, em um esforço para tornar o padrão silábico mais simples. A estratégia abordada pela língua é novamente a demoção da restrição de fidelidade MAX-IO, o que será demonstrado mais adiante. Através dos trabalhos sobre o processo de monotongação citados acima, é possível fazer algumas generalizações a respeito deste fenômeno. Assim:

139


i. contextos fonológicos seguintes que compartilham maior número de propriedades fonéticas com a semivogal são determinadores de maior possibilidade de supressão;

ii. dos ditongos orais decrescentes passíveis de monotongação, o ditongo [aj] é o que menos favorece a aplicação da regra. A explicação para isto parace estar no número elevado de palavras monossilábicas que existem com [aj] e o pouco favorecimento para redução nestes monossílabos. Certamente, devem atuar neste processo restrições relativas à tonicidade da palavra, conforme será observado mais adiante;

iii. o ditongo [ej] é o segundo maior favorecedor do processo de monotongação, exceto quando este está em posição final, quando é quase categórica a sua retenção. A explicação também certamente reside em restrições relacionadas à tonicidade;

iv. o ditongo [ow] sofre redução em quaisquer contextos e independentemente das variáveis sociais. Os altos índices referentes à aplicação da regra indicam tratar-se de um estado de mudança praticamente consumado. Segundo Teyssier (2001, p. 63), a monotongação do [ow] começou provavelmente a manifestar-se no século XVII e invadiu todo o sul e a maior parte do centro de Portugal.

140


A partir destas considerações, é possível reconstruir a gramática da língua portuguesa que impede a redução dos ditongos orais decrescentes, como se vê em (90):

(90) /cai.xa/

MAX-IO

a.  (‘cai.xa) b. (‘ca.xa)

FTBIN

NONFINALITY

*

EDGEMOST *

*!

*

Em um primeiro momento, conforme pode ser visualizado em (90), a restrição de fidelidade está em uma posição alta na hierarquia, o que impede que o output [caxa] seja selecionado como forma ótima. Embora ele tenha o pé bem formado, com apenas duas moras, FTBIN é dominado por MAX-IO.

(91) /pai/

MAX-IO

FTBIN

a.  (‘pai) b. (‘pa)

NONFINALITY *

*!

*

141

*

EDGEMOST


Esta mesma hierarquia de restrições também impede que sejam apagados

segmentos

de

palavras

monossilábicas

com

ditongos

decrescentes. Desta maneira, como se vê em (91), a forma [pai] fica salvaguardada e o output [pa] é imediatamente descartado pela gramática da língua, devido à posição de dominância assumida por MAX-IO. Além disto, a forma [pa] também viola FTBIN, produzindo um pé com uma única mora, o que é proibido pela gramática da língua. A hipótese levantada aqui é a de que a língua portuguesa do Brasil, em seus diversos falares, caminha em uma direção para a redução quase categórica dos ditongos decrescentes, salvo poucas exceções explicitadas mais adiante. Esta tendência pode ser explicada através da demoção de MAX-IO para uma posição inferior na hierarquia das restrições, confirmando, mais uma vez, a hipótese de conspiração proposta neste trabalho. Em (92), é possível perceber o resultado após o deslocamento da restrição de fidelidade:

(92) /cai.xa/

FTBIN

a. (‘cai.xa)

*!

NONFINALITY

EDGEMOST

MAX-IO

*

b.  (‘ca.xa)

*

142

*


No tableau acima, o output [caxa] é escolhido a forma ótima, pois apesar de continuar a violar MAX-IO, esta restrição agora está uma posição inferior na hierarquia. [caxa] também viola EDGEMOST, mas o candidato (a) também faz o mesmo. O que se tornou crucial neste tableau foi a posição de dominância de FTBIN, que elimina a forma [caixa], visto que esta apresenta um pé com três moras, proibido por aquela restrição. Para confirmar o posicionamento desta hierarquia, faz-se necessário testá-la com um vocábulo monossilábico, como foi feito anteriormente:

(93) /pai/

FTBIN

a.  (‘pai) b. (‘pa)

NONFINALITY

EDGEMOST

MAX-IO

* *!

*

*

Em (93), a forma [pai] continua a ser escolhida como forma ótima, apesar da demoção de MAX-IO. Isto se dá devido à posição de dominância de FTBIN, que impede que [pa], candidato com uma única mora, satisfaça os requisitos da hierarquia. FTBIN tem, portanto, um papel crucial na preservação dos ditongos nos vocábulos monossilábicos, confirmando que isto se deve a uma restrição relacionada ao acento e tonicidade da palavra.

143


Por fim, há que se lembrar de um último detalhe: as palavras com ditongos decrescentes tônicos. Como foi visto anteriormente, o acento tônico retém o ditongo quase categoricamente (cf. SOUZA SILVA, 2004, p. 43). Para explicar este desdobramento, faz-se necessário lançar mão de uma outra restrição relacionado ao pé da palavra, já explicitada anteriormente: WSP. Em (94), portanto, observa-se a importância que WSP assume na escolha da forma ótima, impedindo que ditongos decrescentes tônicos sejam apagados na superfície:

(94) /pen.sei/

WSP

FTBIN

NONFIN.

a.  (pen).(’sei) b. (pen.’se)

EDGEMOST

MAX-IO

* *!

*

*

*

Em (94), a restrição WSP, que requer que sílabas pesadas recebam o acento principal da palavra ou que estejam na posição forte do pé, impede que o candidato (b) seja escolhido como forma ótima, pois possui sílaba pesada em posição fraca do pé.

144


APAGAMENTO DA VIBRANTE PÓS-VOCÁLICA EM POSIÇÃO DE CODA

O último fenômeno sincrônico a ser tratado neste trabalho é o apagamento da vibrante pós-vocálica em posição de coda, fenômeno variável no português do Brasil, mas muito recorrente nas mais diversas regiões do país, conforme os estudos realizados por Monaretto (2000; 2002), nas capitais do sul do Brasil; Callou (1987), no Rio de Janeiro; nos dados de Hora, D. e Pedrosa, J. (2001, vol. I-V), na Paraíba; e Hora, D. e Santiago, S. (2006), no Amapá. Segundo Teyssier (2001, p. 103), a queda da vibrante foi registrada a partir do século XIX no português do Brasil, com a tendência a suprimir este segmento no final das palavras, como em ‘doutor’ > ‘doutô’, ‘pegar’ > ‘pegá’, ‘fazer’ > ‘fazê’. Monaretto (2002, p. 253) atesta que, nos dias atuais, a tendência à supressão da vibrante final ocorre em todos os dialetos do português brasileiro, principalmente em verbos no infinitivo. Em seus dados, a autora comprova que o apagamento da vibrante em posição de coda corresponde a 25% das ocorrências das realizações. Além disso, ela observou também que os jovens a apagam muito mais do que os velhos, o que parece indicar um processo de mudança em progresso. Este processo de mudança é bem mais simples de ser entendido do que os outros fenômenos tratados neste capítulo:

145


(95) /pe.gar/

MAX-IO

FTBIN

NOCODA

*

*

a.  (pe.’gar) b. (pe.’gá)

*!

Em (95) está representado o estágio da língua em que o apagamento de uma coda com vibrante não é permitido. Neste estágio, MAX-IO está em posição de dominância e não permite que nenhum segmento seja apagado. Embora o candidato (a) viole FTBIN, por apresentar um pé com três moras, e NOCODA, por apresentar coda, estas violações não parecem ser fatais para a sua eliminação. Com a demoção de MAX-IO para uma posição inferior na hierarquia,

a

forma

de

superfície

será

completamente

produzindo um tableau do seguinte tipo:

(96) /pe.gar/

FTBIN

NOCODA

a. (pe.’gar)

*!

*

b.  (pe.’gá)

MAX-IO

*

146

alterada,


Em (96), com a demoção de MAX-IO, o output [pegar] é imediatamente descartado, por violar fatalmente FTBIN, que proíbe pés com mais de duas moras. FTBIN está agora em posição de dominância na hierarquia de restrições, o que altera completamente o resultado. O candidato (b), embora viole a restrição de fidelidade MAX-IO, ainda é considerado o output ótimo, visto que esta restrição encontra-se, neste momento, em posição inferior na hierarquia. Mais uma vez, MAX-IO tem um papel primordial na escolha da forma ótima. Através da demoção desta restrição de fidelidade, a língua portuguesa falada no Brasil consegue produzir formas de superfície menos marcadas e com estruturas silábicas mais simples. Interessante mostrar, agora, um tableau com um vocábulo que não seja um verbo:

(97) /pior/

FTBIN

NOCODA

a. (pi.’or)

*!

*

b.  (pi.’ó)

MAX-IO

*

147


Em (97), a situação é a mesma: [pior] viola FTBIN por apresentar três moras e por esta restrição estar em posição superior na hierarquia; a forma com apagamento é o candidato ótimo por violar apenas MAX-IO, dominado na hierarquia. Em alguns vocábulos, a restrição NOCODA tem o papel crucial de determinar o candidato ótimo, como no exemplo em (98):

(98) /mar.car/

FTBIN

NOCODA

a. (mar.’car)

*

**!

b.  (mar.’cá)

*

*

MAX-IO

*

Embora o candidato (b) tenha violado todas as restrições, ele se porta de maneira melhor com relação à NOCODA, que está em uma posição importante na hierarquia. De fato, o candidato (a) viola NOCODA duas vezes, o que torna sua segunda violação fatal. Por esta razão, (marcá) é a forma ótima. Fica concluída, portanto, a análise de três fenômenos sincrônicos da língua portuguesa: a) a redução dos ditongos nasais átonos; b) a

148


monotongação; e c) a redução da vibrante pós-vocálica em posição de coda. Observou-se mais uma vez que em todos estes fenômenos analisados

existe

um

comportamento

semelhante:

através

do

deslocamento de MAX-IO, todos os outputs produzidos eram compostos por estruturas silábicas mais simples, o que confirma a hipótese da conspiração por padrões menos complexos.

149


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação que resultou na presente tese possibilitou mostrar que um modelo fonológico baseado em restrições, em particular a Teoria da Otimalidade, pode contribuir significadamente para o entendimento das mudanças diacrônicas e sincrônicas da língua portuguesa. Além disto, a análise através da TO também evidencia que o processo de mudança lingüística, ao longo da evolução de um idioma, pode ser encarado como um reordenamento na hierarquia de suas restrições. O principal objetivo deste trabalho foi mostrar que parece existir uma tendência, no português falado no Brasil, a simplificar estruturas silábicas, através de fenômenos fonológicos aparentemente distintos, o

150


que caracterizaria uma conspiração (conforme denominado na literatura específica). Para evidenciar a pertinência desta hipótese, procedeu-se à análise de seis fenômenos lingüísticos da língua portuguesa: três deles diacrônicos e três sincrônicos. O primeiro fenômeno analisado foi o apagamento das consoantes geminadas na evolução do latim clássico para a língua portuguesa. Observou-se que a perda do status moraico das consoantes longas foi o resultado do deslocamento da restrição MAX-IO para uma posição inferior na hierarquia de restrições. Com isto, a língua portuguesa passou a admitir que apenas as vogais pudessem carregar status moraico. Com o apagamento das consoantes geminadas, a estrutura silábica do português foi conseqüentemente simplificada. Ainda no capítulo 4 deste trabalho, foi abordada a questão da maior restrição à coda silábica por parte da língua portuguesa. Viu-se, então, que o latim clássico permitia quase todas as consoantes travando sílaba, enquanto que o português, nesta posição, só admite /S/, /L/, /R/, /N/ e os glides. A análise através da TO revelou que novamente a demoção de MAX-IO foi responsável pela reestruturação da língua, assumindo uma posição mais conservadora em relação à coda. Assim, o novo estágio do idioma promoveu CODACOND e demoveu MAX-IO, produzindo uma gramática do tipo CODACOND >> MAX-IO. Isto acarretou novamente uma simplificação da estrutura silábica.

151


O último fenômeno diacrônico abordado nesta tese foi a redução de grupos consonantais, mais especificadamente /k, p, f/ + /l/. Como visto, o deslocamento de MAX-IO para uma posição inferior a *COMPLEX-ONS acarretou a simplificação dos grupos consonantais. Assim,

três

fenômenos

diacrônicos

aparentemente

distintos

produzem resultados semelhantes, através de um processo idêntico: a demoção de MAX-IO:

(99)

Apagamento

Input  Output

Resultado

Processo

/-kk-/  /-k-/

Simplificação

Demoção de

da estrutura

MAX-IO

das geminadas

silábica Maior restrição

/caput/ /cabo/

à coda

Simplificação

Demoção de

da estrutura

MAX-IO

silábica Redução de

/clave/ /ave/

Simplificação

Demoção de

grupos

da estrutura

MAX-IO

consonantais

silábica

Em um segundo momento, foram analisados três fenômenos sincrônicos da língua, atestados nas mais diversas regiões do Brasil. O primeiro deles foi a redução dos ditongos nasais átonos.

152


Conforme observado no fenômeno da redução dos ditongos, a língua portuguesa parece buscar uma melhoria da qualidade do troqueu, implicando não somente a perda do peso silábico pelo apagamento da mora correspondente à consoante nasal, mas também a sua não incorporação à sílaba, com a conseqüente perda da nasalidade. Isto só é possível

através

da

demoção

de

uma

restrição

de

fidelidade:

nomeadamente MAX-IO. Confirma-se, mais uma vez, a demoção de MAXIO na língua portuguesa, no sentido de produzir estruturas silábicas mais simples. A monotongação foi outro fenômeno sincrônico trazido à discussão neste trabalho. Após a análise de algumas palavras, chegou-se a duas hierarquias de restrições: a) uma do tipo FTBIN >> NONFINALITY >> EDGEMOST >> MAX-IO, para o caso dos ditongos descrescentes átonos; e b) WSP >> FTBIN >> NONFINALITY >> EDGEMOST >> MAX-IO, para os ditongos decrescentes tônicos. A semelhança entre as duas hierarquias reside no fato de que MAX-IO está em posição inferior no ordenamento e, conforme mostrado, isto parece ter sido resultado de um deslocamento. De fato, a língua portuguesa do Brasil, em seus diversos falares, caminha para a redução quase categórica dos ditongos decrescentes, salvo as exceções tratadas neste trabalho. Novamente a estrutura silábica é afetada, de modo a simplificá-la.

153


Por fim, analisou-se o apagamento da vibrante pós-vocálica em posição de coda. Mais uma vez, MAX-IO tem um papel primordial na escolha da forma ótima. Através da demoção desta restrição de fidelidade, a língua portuguesa falada no Brasil consegue produzir formas de superfície menos marcadas e com estruturas silábicas mais simples, com uma gramática do tipo FTBIN >> MAX-IO. Mais uma vez, três fenômenos distintos com resultados semelhantes:

(100) Input  Output

Resultado

Processo

/órfão/ /órfu/

Simplificação

Demoção de

ditongos

da estrutura

MAX-IO

nasais átonos

silábica

Redução dos

Monotongação

/caixa/ /caxa/

Simplificação

Demoção de

da estrutura

MAX-IO

silábica Apagamento

Simplificação

Demoção de

da vibrante na

da estrutura

MAX-IO

coda

silábica

/pegar/ /pegá/

Embora esta hipótese não dê conta de todos os processos da língua, acredita-se que ela seja consistente na explicação de alguns caminhos tomados pela língua portuguesa do Brasil.

154


É possível que muitos rejeitem a hipótese da existência de tal conspiração, ou que admitam que ela exista, embora discordem de algumas análises realizadas neste trabalho; o que não se pode contestar, no entanto, é que a TO é, de fato, a melhor teoria, até os dias atuais, para abordar fenômenos fonológicos do tipo tratado aqui. Considerando-se que a preocupação aqui não foi o de fornecer respostas definitivas e imbatíveis para o entendimento da estrutura silábica do português, há muitas limitações neste trabalho. A começar pela restrição da amostra a apenas seis fenômenos lingüísticos. Certamente muitos fenômenos importantes deixaram de ser tratados aqui, embora um panorama geral tenha começado a ser esboçado. Todavia, conforme já mencionado no capítulo 4, a pesquisa não deve parar por aqui. O objetivo de uma tese é abrir caminhos e despertar interesse para maiores aprofundamentos; espera-se que esta meta tenha sido alcançada e que este trabalho sirva de inspiração a outras investigações.

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