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CIRCULANDO

Outubro/Novembro de 2013

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COMPORTAMENTO

A ausência definitiva de uma pessoa querida gera um vazio e, para muitos, uma sensação que o mundo desabou. Aceitar a mudança é tarefa que deve ser processada pelo enlutado respeitando o seu tempo. Especialista explica a importância dos rituais de passagem e a contribuição dos grupos de apoio

VANESSA FÓFANO 6º PERÍODO DE JORNALISMO

A perda de um ente querido apesar de ser algo comum e inevitável não é menos doloroso por isso. Em algum momento da vida todos nós temos que encarar a falta de uma pessoa querida e aceitar que nunca a veremos novamente. O sentimento no início é de que o mundo vai desabar e não vai restar mais nada, que a vida acabou que o sentido se foi... Nesse momento é comum sentir-se sozinho, e ás vezes a tendência é se isolar, já que o dia a dia e suas trivialidades não importam mais. Se a perda é em relação aos pais o sofrimento se acentua, pois, nesses casos o sentimento de pertencer, de estar protegido, de ter um portoseguro, também é afetado. Já quando os pais perdem um filho instala-se uma situação que é entendida como “contra a natureza”, pois se espera que os filhos enterrem seus pais, não o contrário. O luto pela morte de filhos já renderam, inclusive, belas canções como “Tears in Heaven” do consagrado cantor e compositor Eric Clapton que fala da dor sentida após a perda de seu filho que caiu da janela do 53º andar de um prédio em Nova York. A ausência talvez seja o que há de mais difícil na jornada de quem tem de se acostumar a uma nova rotina. O pedreiro Divino Vieira da Silva, de 40 anos, perdeu sua mãe há cerca de um ano e meio. Ela tinha 72 anos e morreu

de diabetes. “A maior dificuldade é a falta no dia a dia, porque eu convivia muito com ela, éramos apenas nós dois dentro de casa”, lamenta. Guardar objetos do ente querido é uma prática comum entre pessoas enlutadas. Elas se apegam a esses objetos com o objetivo de se sentirem mais perto daqueles que já se foram. Há também quem ache que manter objetos torna o sofrimento ainda maior. “Tenho fotos, mas não é bom olhar, porque a gente lembra, prefiro evitar”, avalia Divino. Sem saber exatamente onde colocar as mãos, numa série de movimentos que demonstra profunda angústia Divino fala sobre a mãe com um olhar distante como se procurasse por alguma coisa no ar, no chão. “De vez em quando visito o tumulo dela, é um conforto pra mim. O tempo passa, você se acostuma, mas fica um vazio”.

A maior dificuldade é a falta no dia a dia, porque eu convivia muito com ela, éramos apenas nós dois dentro de casa. Divino Vieira, pedreiro

Refletir e compartilhar O velório que para algumas pessoas parece ser apenas um prolongador do sofrimento é essencial para outras. As pessoas se reúnem para dar adeus e prestar suas últimas homenagens. Há velórios, inclusive, que são demorados exatamente para que dê tempo de todos os parentes se despedirem. “As pessoas precisam processar suas perdas, se despedirem. O velório e o enterro são rituais, manifestações culturais, onde a pessoa tem a oportunidade de expressar seus sentimentos e tentar absorver a realidade de uma forma mais concreta. Algumas pessoas que relatam não ter participado do velório de um ente querido, revelam ter a sensação de que a pessoa não morreu, e que de alguma forma ainda estão vivos além da memória”, afirma a psicóloga Renata C. Martins Santos. Também é comum em ambientes de velório e enterro as pessoas terem a tendência de ficarem mais introspectivas; a sensação é de que param para refletir sobre a própria vida. Essas sensações afetam não somente os parentes, mas também os amigos que de alguma forma tentam ajudar. “É comum a perda de alguém próximo nos remeter à própria mortalidade, desencadeando sentimentos de tristeza e um período de desinteresse até mesmo pela própria vida”, explica Renata. A psicóloga também conta que as queixas mais comuns dos enlutados nos consultórios são os sentimentos de apatia, comportamentos de prostração,

desestímulo, dificuldades em manter a rotina e até mesmo o ritmo de vida. Segundo Renata, algumas pessoas, dependendo do tipo de morte, demonstram até mesmo sensação de alívio, principalmente nos casos em que havia doença associada a sofrimento. Outras pessoas podem apresentar mais tranquilas, demonstrando maior aceitação. A queixa de tristeza e choro, associados à sensação de incompetência diante da situação, também são comuns, ressalta a psicóloga. Compartilhar a perda é algo que pode aliviar um pouco do sentimento de solidão e é com essa função que existem grupos de ajuda a pessoas enlutadas. Em diversas cidades pessoas que perderam alguém querido se reúnem com o objetivo de apoiarem uns aos outros nesse momento difícil. Essa ajuda também pode ser encontrada pela internet através da Associação Brasileira de Apoio ao Luto que compartilha através de fóruns, experiências de perda, onde os enlutados podem conversar e obter ajuda. Mais informações pelo endereço www.grupocasulo.org. Renata acredita na eficácia dos grupos de ajuda a pessoas enlutadas. “Um grupo pode acolher e apoiar as pessoas que lidam com perdas, oferecendo suporte e acompanhamento para a vivência do luto. Através da troca de experiências, de conversas e de técnicas adequadas, os componentes do grupo auxiliam-se e confortam-se partilhando as experiências vividas pela ocasião da morte de alguém muito querido”.


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