6 minute read

UMA PORRADA DE MEMÓRIAS

Durante três temporadas de verão, Alex Rogério Eugenio, 50 anos, atual proprietário d’O X Porrada Lanches, trabalhou na filial tramandaiense do Pica-Pau Lanches, empresa de Novo Hamburgo, em Tramandaí. Alex, hoje grisalho, trabalhou no local dos 13 aos 15 anos, retornando por um breve período aos 17. Mas foi em 1992, quando as filiais do Pica-Pau distribuídas pelo estado começaram a ser vendidas ou fechadas, que Alex viu a oportunidade de empreender. “Eu gostava do lugar, me identificava com ele e sabia que era próspero”, diz, com um sorriso de canto. “Sabia que ia dar lucro, só precisava persistir.”

Aos 20 anos, Alex deu seu Opala Comodoro 87 como entrada e assumiu um valor em parcelas para realizar o sonho: comprar a lancheria. No segundo andar do prédio, há um espaço que registra sua história. Em uma das paredes, em uma espécie de mural, há uma foto da lancheria, na época apenas uma construção de alvenaria semelhante a um trailer, com vários bancos sob uma área coberta e clientes, alguns em fila para fazer o pedido e outros nos bancos aguardando. O prédio, no entanto, era outro. Durante anos, a lancheria ficava localizada no terreno ao lado, que hoje é ocupado por uma loja de artigos diversos.

Advertisement

“O Porrada, como é hoje, é bem recente“, constata Cheila Mara Zabot Eugenio, 50 anos, esposa de Alex. A mulher coloca uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha e ajusta os óculos de grau antes de voltar o olhar para o marido. “Faz só uns 12 anos que o Alex comprou o terreno e construiu o prédio”, ela diz, enquanto ele assente com a cabeça.

Para Alex, o que faltava para o negócio prosperar era a constância. Não importava o dia ou a hora, se a placa dizia que a lancheria estaria aberta, ela estaria. “Quando eu comecei, vendia um ou dois lanches no dia. Às vezes passava o dia sem vender nada”, relembra. Ele se prepara para continuar o relato,

Lancheria Faz

Parte Da Hist Ria

Tramandaiense H Tr S D Cadas

o antigo nome. Inspirado em um boneco popular da época, Alex encontrou uma maneira de manter a identidade da lancheria.

“Na época eu botei o nome de O X Porrada em função daquele bonequinho que era bem famoso, o Bad Boy”, relata. Com a testa franzida e um sorriso, completa: “Então a gente pensou em um xis porrada. Fortão.” “Tinha um cara que ficava desenhando na esquina (onde fica a Praça Leonel Pereira, conhecida como Praça da Tainha) e ele pediu pra desenhar”, Cheila aponta para Alex. “Eu pedi um pica-pau forte, remetendo à coisa do lanche”, explica. A imagem que Alex descreve é o personagem estadunidense Pica Pau, no entanto, ele flexiona os braços — da mesma forma que fisiculturistas — para evidenciar os “músculos”.

mas é interrompido por Cheila. “Uma coisa que o Alex sempre fez foi manter (o combinado). Se dizia que ia fechar às cinco da manhã, ele ficava até o horário determinado, mesmo que às vezes uma da manhã já não tivesse movimento, ou estivesse um frio desgraçado”, Cheila recorda. Alex se ajusta na cadeira e sobe o zíper da jaqueta estofada até a altura do pescoço. Novamente, assente a fala da esposa.

Em 1994, aproximadamente, em decorrência do registro de marca, a lancheria teve que abandonar

Enquanto Alex mexe no computador à sua frente, Cheila começa a cantarolar. Ele imediatamente reconhece o som e sorri. “A gente tem uma música, que fica tocando no nosso site e na rádio”, ele diz enquanto volta para o computador. O rosto assume uma expressão surpresa ao não ouvir o jingle quando a página carrega. No entanto, Cheila dá uma palhinha.

“Não dá nada, vem pra cá. Vem comer um Xis Porrada. Porrada, porrada, porrada”, canta. Os dois se entreolham e sorriem.

O tempo

Um sinal sonoro irrompe o silêncio na lanchonete. A tela que indica o número do pedido pronto para retirada pisca, e as letras vermelhas formam o número 40. A garota que estava sentada em uma das mesas da janela levanta e vai em n Conhecido como um ponto de início e fim na vida noturna de Tramandaí, O X Porrada tem público fiel fora de temporada n Em julho de 2023, O X Porrada completa trinta anos, mais da metade da idade da cidade de Tramandaí, emancipada em 1965 direção ao balcão. Quando retorna, carrega uma bandeja com uma porção de batata frita com queijo e uma lata de refrigerante. Ela caminha em direção a outra mesa, mais próxima à escada, coloca a bandeja sobre a mesa e se acomoda.

Do outro lado dos vidros — que do lado externo são espelhados —, há um painel luminoso circular, com aproximadamente dois metros de diâmetro. No centro dele, está o símbolo do Porrada: a imagem do Pica Pau. É através daquele espaço que, ao longo do dia, se percebe o efeito do tempo: as luzes na rua vão acendendo, os carros passam e as pessoas aparecem.

É fim de tarde de uma sexta-feira e a lanchonete ainda está vazia. O ambiente tem mesas que acompanham sofás pretos, típico de lanchonetes americanas, colocadas ao lado das janelas de vidro que vão do chão ao teto. No restante do cômodo, as mesas com tampo semelhante ao granito são acompanhadas de quatro cadeiras pretas. É nesse mesmo ambiente que estão localizados o caixa de atendimento e a cozinha. No andar superior há banheiros e mais mesas — apenas as acompanhadas por cadeiras, que nesse espaço estão dispostas em maior quantidade. O piso é preto, cor presente em detalhes da tinta branca nas pa- n Alex e Cheila compraram a lancheria há quase trinta anos, e hoje é referência na cidade redes. Vinte e cinco funcionários dividem o atendimento ao público, que inicia logo cedo pela manhã e se estende até a madrugada — às vezes até quase o amanhecer.

“A geração da gente”, diz Cheila apontando para si e para Alex, “tem esse registro de sair de festa e ir pro Porrada”, relembra. Mas, segundo ela, hoje não é mais assim. Ainda que a vida noturna em Tramandaí seja presente, a temporada que sucede o verão é marcada por outros tipos de clientes, em maioria famílias e fregueses assíduos.

“Esses dias teve Tribo de Jah, e o pessoal que estava aqui ficava mandando foto”, comenta Cheila. Alex reforça o impacto que a realização de eventos na cidade tem sobre o empreendimento. “Lotou o X em cima e em baixo. Só o pessoal daquela época”, conclui, de forma nostálgica.

Pausa para o lanche

Dez minutos se passam até que alguém entre no Porrada. Assim que um casal e uma criança surgem pela porta de entrada, o menino aponta para a mesa que havia sido desocupada há pouco. Os três se acomodam e, logo em seguida, o homem vai ao caixa buscar um cardápio. A mulher arruma a cuia de chimarrão no canto da mesa e o homem retorna, sentando em frente a ela. O menino estende a mão para o pai e abruptamente um som preenche o cômodo silencioso. “Um, dois, três e já!”, a risada do garoto acompanha uma careta do homem, que agora tem seu dedo esmagado em uma guerra de polegares. “Melhora a tua tática”, diz o pai franzindo a testa. O garoto persistiu, e saiu vitorioso. Quinze minutos depois um sinal sonoro quebra o silêncio, e a placa indica que o pedido está pronto. O homem vai ao balcão e retorna com três xis porrada e três garrafas de vidro de Coca-Cola. Durante vinte minutos eles permanecem ali, alternando a atenção entre si e os lanches. Os três começam a se movimentar, e então o menino pede para o pai levá-lo ao banheiro. Quando voltam, pegam a cuia e a garrafa e se preparam para sair.

Tradição

O X Porrada completa 30 anos em julho, mais da metade da idade de Tramandaí, que celebrará 58 anos de emancipação em 24 de setembro. Para Alanna Brahim Hanna, 25, o Porrada faz parte de sua história, e frequentá-lo é tradição. “O Xis Porrada faz parte de grandes lembranças da minha vida. Por ser um lugar tradicional da cidade, era costume ir comer um xis depois dos rolês”, explica.

Dentre todas as vezes que foi ao local, duas memórias se destacam: um aniversário e um encontro. Em 2014, Alanna comemorou seu aniversário de 17 anos no Porrada. Após organizar a festa, foi no segundo andar da lancheria — em frente à foto do primeiro ponto comercial do Porrada — que ela se reuniu com os seus melhores amigos da época. Em seu celular, mostra uma foto do grupo. São 17 adolescentes, alguns com camiseta xadrez, outras com blusa ombro a ombro. Alanna está à frente deles, fazendo a selfie. O cabelo loiro e os olhos verdes a destacam no grupo, que tem uma característica em comum: todos estão sorrindo.

“Fomos todos lá, celebrar a amizade e tudo de maravilhoso que tínhamos na vida naquele momento”, relata. A voz fica mais alta, e um sorriso acompanha a descrição da lembrança.

Anos depois, em 5 de janeiro de 2021, aconteceu no mesmo lugar o primeiro encontro com a pessoa com quem ela divide a vida hoje. Apontando para o espaço à sua volta, Alanna conclui: “Mais do que o lanche e o espaço, o que me traz aqui são as memórias que construí”. n