Primeira Impressão 48

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O ser mulher que incomoda Por mais que sejam amadas, nem todas as mulheres são aprovadas no mundo drag queen

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xiste um processo muito popular entre as drag queens. Trata-se da técnica para esconder a genitália masculina, conhecida como “aquendar a neca”. Cuidadosamente, esconde-se os testículos na cavidade logo acima do saco escrotal. O pênis é puxado para trás, no meio das pernas. Para segurar tudo, pode-se usar uma fita adesiva, apesar de ser um método perigoso. Três camadas de calcinha garantem menos sofrimento e mais segurança. Esse é um processo pelo qual Patrícia Pedrozo não precisa passar. Ela é uma mulher. O camarim fica ao fundo, passando pela cozinha, onde pizzas e batatas fritas são feitas rapidamente para atender os mais de 40 clientes presentes naquela noite. O quarto de aproximadamente quatro metros quadrados guarda perucas, vestidos e uma geladeira inquieta com refrigerantes e morangos. A primeira mala é aberta e um emaranhado de tule surge. Patty, como gosta de ser chamada, rapidamente o desmembra, tornando visível a enorme saia. O conjunto de corpete e saia turquesa enchem os olhos de quem o vê. A parte inferior imita uma flor, na qual cada pétala tem pequenos detalhes de brilho em suas bordas. Esse é um look especial – além de ser uma referência icônica, foi feito por ela e Vitz. “Dá um orgulho, né? Saber que tudo isso foi feito do zero”, diz Patty, deslumbrada. É ne-

Por DYESSICA ABADI. fotos de Helen Appelt

cessário certa delicadeza bruta para prender a coroa à peruca loira. O resultado final de toda a produção arranca de Patty pequenas palminhas e um largo sorriso. Hoje à noite, ela será a responsável por ajudar Victor Gyurkovitz, impersonator da Vitz Vika, sua amiga drag queen, na troca de sete looks para a apresentação do musical Wicked. Sentindo-se totalmente confortável naquele ambiente, Patty anda de um lado ao outro sem hesitação, conhece quase todos – onde ela passa, as pessoas a chamam. Uma buzina alerta que o número vai começar. O nervosismo é tanto que ela corre com a câmera em mãos para a frente do palco. A primeira apresentação começa. Quando os lábios cansam, sorri com os olhos. Patty é uma rainha que não precisa de coroas. São cerca de quatro horas para transformar-se numa verdadeira drag queen. O rosto de pele avermelhada e os cabelos escuros dão lugar a uma poderosa ruiva com maquiagem colorida. Montando-se há aproximadamente um ano, Patrícia constrói aos poucos o conceito de Linda Vonka - nome batizado pela amiga Eva King. “Eu nunca consegui colocar um nome na minha drag. E aí a Eva me perguntou um monte de coisas que eu gostava e influências: Linda de Angelina Jolie, pois ela me inspira; Von, porque ela me acha parecida com a Kate VonDean; e o Ka de King”, explica. Pode-se dizer que os encontros mais determinantes da vida de Patty foram em banheiros de balada.

O primeiro foi permeado por um certo “climão”, quando, ao entrar rapidamente para usar o toalete, foi criticada por não falar com as artistas que estavam ali: Isis James-Preston e Sarah Vika. Entre encontros e desencontros, Patty estabeleceu uma forte amizade com elas e outras drag queens: Gabi, Eva e Vitz. Posteriormente, em outra balada, entrou no banheiro e uma drag em especial lhe chamou a atenção. Ingrid Carstens foi a primeira mulher que conheceu, que fazia essa arte. A surpresa pela descoberta não foi contida: “Eu fiquei chocada. Como assim? Pode? Porque ninguém me disse que mulher podia ser drag. Depois, eu vi a Laize (Scholten) e também fiquei encantada por ela”. O incentivo para se montar veio dos meninos. Foram várias as tentativas de convencer Patty, mas ela ainda demonstrava-se relutante. Talvez a timidez a impedisse de se expor dessa maneira. O tom de voz calmo e suave não escondem a personalidade introvertida. Parabéns de aniversários são evitados pelo receio de ser o centro das atenções. Ao mesmo tempo em que Patty evita olhares, Linda aprendeu a conduzir uma conversa com qualquer pessoa. “É meio que uma máscara para eu fazer o que eu não faço como Patricia, para ter coragem de falar com uma pessoa, dançar uma música, me soltar mais”, reflete. A paixão por brilhos e glamour sempre existiu. Aos 32 anos, ela ainda brinca com barbies - nos momentos em que não é uma boneca viva. Há um ano, a página oficial no Facebook do Rupaul’s Drag Race, reality show norte americano de drag queens, publicou uma matéria sobre as barbies que Patrícia transforma em verdadeiras queens. Cada detalhe dos looks das drag queens do reality show são meticulosamente recriados nas bonecas: desde um vestido cheio de câmeras, até um piercing no lábio inferior. Os inimigos de Patrícia que se cuidem! Se você for antipático ou mal-educado com ela, poderá arcar com as consequências ganhando um presente. “Eu conheci a Yara Sofia e ela foi extremamente grossa. Pensei: ‘vou quebrar essa bixa, vou fazer um presente para ela’. Resolvi fazer a barbie e levar para ela no Meet and Greet. Eu até me senti mal de não ter feito uma boneca para a Tatianna na época, porque ela foi P RI M E IRA I M P R E S S Ã O

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