Linhas jurídicas ano iv, vol i, 2012

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LINHA

URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV

Coletânea de Artigos Acadêmicos

1 ANO IV, Vol. I – 2012 ISSN 2176-6460 1

www.linhasjuridicas.com.br


UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga

ANO IV, Vol. I – 2012 ISSN 2176-6460

Sobre a Revista Linhas Jurídicas é um periódico online com periodicidade semestral de caráter técnicocientífico, que busca a ampla integração ensino-pesquisa-extensão. Destinado a produção acadêmica dos docentes e discentes do curso de Direito da UNIFEV, bem como do público acadêmico em geral, de cunho jurídico e áreas afins.

Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari

Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani

Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin

Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com

2


A INCONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA NO CASO DE EMBRIAGUEZ HABITUAL OLGADO, Renata Gonçalves - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente estudo tem por finalidade demonstrar que o alcoolismo, reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde – OMS, é um grave problema social, haja vista que além de causar diversos distúrbios e transtornos ao dependente, também está relacionado a problemas no âmbito familiar e profissional. Nesse sentido, objetiva-se que a legislação trabalhista não autorize a dispensa por justa causa do empregado alcoólatra, uma vez que este deve ser afastado e encaminhado a tratamento médico, a fim de que seja reabilitado para o exercício de suas atividades laborais. Os métodos empregados são o dedutivo, histórico, bem como o bibliográfico.

Palavras-chave: Alcoolismo. Doença. Legislação. Tratamento.

1


"Se ages contra a justiça e eu te

Introdução

deixo agir, então a injustiça é minha." (Mahatma Gandhi)

O artigo 482, alínea “f”, da Consolidação das Leis do Trabalho, considera falta grave autorizadora de demissão

por

justa

causa

1. O contrato de trabalho

a

embriaguez habitual ou em serviço. a

O contrato de trabalho é um

uma

instituto de natureza contratual, que

patologia, que merece o devido

possui regras próprias, diferentes

tratamento médico, não podendo o

daquelas constantes nos contratos

empregador ignorar a doença do

do Direito Civil. “[...] o contrato de

empregado ou o que é pior, demiti-lo

trabalho é o fato gerador da relação

por

o

de trabalho. O contrato faz nascer a

escolha

relação entre as partes. É a dinâmica

No

entanto,

entende-se

embriaguez

habitual

justa

causa,

alcoolismo

como

que é

tratando uma

pessoal e não como um grave mal

dessa

que acomete o indivíduo em seu

1976, p. 60 apud MARTINS, 2010, p.

sistema físico e psicológico, assim

90).

reconhecido

pela

relação.”

(FERNANDES,

O contrato de trabalho tem por

Organização

Mundial de Saúde. Dessa forma, na

objeto

elaboração da presente pesquisa,

subordinado e não eventual do

através

empregado

dos

métodos

dedutivo,

com

essa

a

nossa

Carta

ao

de

serviço

empregador,

espécie 1.1 Rescisão contratual

discriminatória de demissão, visto que

prestação

mediante remuneração.

histórico e bibliográfico, pretende-se acabar

a

Magna da

A rescisão contratual é o

pessoa humana, bem como nos

término da relação de trabalho entre

valores sociais do trabalho (art. 1°, III

empregado e empregador.

fundamenta-se

na dignidade

Segundo Martins (2010, p.

e IV, CF).

371), as formas de rescisão do contrato de trabalho podem ser por decisão

do

empregador,

que

compreende a dispensa imotivada 2


ou a falta grave do empregado; por

2. A evolução histórica do álcool

escolha do trabalhador, que poderá pedir demissão, requerer a rescisão

Antigas

pesquisas

indireta do contrato de trabalho por

arqueológicas

meio de reclamação trabalhista ou

primeiros indícios de consumo de

aposentar-se; por desaparecimento

álcool surgiram aproximadamente

de uma das partes, seja pela morte

há mais de oito mil anos.

apontam

que

os

de um deles ou pela extinção da

No início, como as bebidas

empresa; por convenção entre as

eram feitas através de um processo

partes; pelo término de contrato por

de fermentação, possuíam baixo teor

prazo determinado; por força maior

alcoólico. Após, começou o processo

ou por factum principis.

de destilação, o que deixou as bebidas mais fortes e perigosas.

1.2 A embriaguez como hipótese de

A

rescisão por justa causa

partir

da

Revolução

Industrial, a bebida alcoólica passou a

ser

produzida

em

série

e

O art. 5º da Lei n° 62, de 5 de

comercializada em grande número, o

junho de 1935, em sua alínea “d”, já

que aumentou de forma considerável

tratava da embriaguez habitual como

os

hipótese

consequentemente, os problemas

de

justa

causa

para

rescisão do contrato de trabalho. A

consumidores

de

álcool

e,

sociais por ele causados.

norma anterior transformou-se na alínea

“f”,

do

art.

482,

da

2.1 Alcoolismo: problema social

Consolidação das Leis do Trabalho. Na explicação de Martins

Com o passar do tempo o

(2010, p. 380-381), a justa causa por

consumo de álcool preocupa cada

embriaguez justifica-se no fato de o

vez

empregador ter o interesse em

substância de fácil acesso está

preservar a harmonia no ambiente

presente na vida de milhares de

de trabalho, pois o ébrio, além de dar

pessoas, que não percebem ou não

mau exemplo, deixa a desejar na

têm informações suficientes para

produção, bem como pode causar

manterem distância da droga, sendo

acidentes

que em muitos casos os próprios

e

manifestar

comportamento agressivo.

meios 3

mais,

de

isso

porque

comunicação

essa

acabam


influenciando, jovens,

a

principalmente ingerirem

os

bebidas

3.

alcoólicas, associando tal prática a

Demissão

do

alcoólatra:

preconceito e discriminação

situações do cotidiano, como o hábito de beber em baladas, por

O

exemplo.

direito

patronal

de

dispensar o empregado alcoólatra é

O fator mais alarmante é que

defendido por alguns doutrinadores

o alcoólatra raramente percebe a

ao fundamento de que o empregador

sua doença, e quando admite ter

deve

excedido

os

limites

do

“beber

zelar

ambiente

de

pela

harmonia

trabalho,

do

evitando,

socialmente”, demora a procurar

assim, que o ébrio contumaz cause

ajuda ou nem a procura, acreditando

acidentes ou sirva de mau exemplo

na possibilidade de livrar-se do vício

aos demais funcionários. No entanto,

sozinho. Assim, acaba prejudicando

o trabalhador que não consegue se

suas relações afetivas e sociais,

manter longe do álcool apresenta

principalmente

e

uma patologia, devendo ser afastado

pois

do emprego para tratamento médico.

trabalho,

sua

família

respectivamente,

perde totalmente o controle de seus

O

atos.

ato

de

dispensa

do

empregado portador de doença é O alcoolismo consta na lista

extremamente preconceituoso, visto

de doenças da Organização Mundial

que o empregador, na maioria das

de Saúde (OMS) por tratar-se de

vezes, quer se ver livre de uma

enfermidade de difícil cura, que afeta

situação problemática, deixando de

o

lado o seu papel de cidadão, virando

indivíduo,

provocando-lhe

inúmeros

distúrbios

psíquica,

bem

como

na em

esfera

as costas para uma pessoa que

sua

necessita de ajuda e de atenção.

estrutura física. Recentemente a

A dispensa do trabalhador

OMS divulgou um relatório onde

dependente em nada contribui ao

consta que cerca de 4% das mortes

meio social, pois ao deparar-se com

no mundo estão relacionadas com o

o desprezo e abandono de seu

álcool, fato preocupante, haja vista

patrão, a situação do alcoólatra

que tais mortes superam aquelas

acaba piorando, uma vez que fica

motivadas pela AIDS e tuberculose,

em total desamparo emocional e

por exemplo.

financeiro, 4

o

que

acaba


aproximando-o cada vez mais da

4. Responsabilidade do estado

bebida ao invés de curá-lo. Dessa forma, fica evidente que a legislação trabalhista

fere

constitucionais

os

princípios

tratada com os devidos cuidados.

pessoa humana, bem como se

Dessa maneira, o Estado, através da

afasta do objetivo fundamental de

Previdência Social, deve permitir que

promover

o

bem

dignidade

a embriaguez habitual, tem que ser

da

o

da

Por ser considerada doença,

comum

sem

qualquer tipo de preconceito.

trabalhador

alcoólatra

seja

afastado de suas funções, a fim de

Por outro lado, caminhou bem

que

seja

feito

um

tratamento

o legislador na elaboração da Lei n°

adequado visando à reabilitação do

9.029/95, ao proibir a prática de atos

mesmo.

discriminatórios

e

limitativos

de

Seria

injusto

atribuir

ao

acesso à relação de emprego,

empregador toda a responsabilidade

devendo

ser

em relação ao trabalhador, uma vez

interpretada em prol do trabalhador,

que é papel do Estado oferecer

tendo em vista que a finalidade do

condições dignas de saúde e bem-

Direito do Trabalho é proteger o

estar à população.

referida

norma

hipossuficiente.

Uma

O projeto de Lei do Senado nº 7805/10

pretende

retirar

vez

constatada

a

embriaguez habitual, reconhecida

a

como doença pela OMS, não há

embriaguez habitual das hipóteses

outra alternativa senão a suspensão

previstas no art. 482 da CLT,

do contrato de trabalho.

acrescentando, ainda, parágrafo à CLT para estabelecer a rescisão contratual somente nos casos em

Considerações finais

que o dependente se recusar ao tratamento

médico.

No

mesmo

A busca pelo bem comum é o

sentido tem sido o posicionamento

objetivo fundamental da sociedade.

da jurisprudência, que acolheu a

Para

embriaguez habitual como patologia

alcançada, cada indivíduo, em seu

suscetível de tratamento.

interior, deve sentir-se respeitado

5

que

tal

finalidade

seja


pelos demais. Como bem define

desejar ao incluir a embriaguez

Moraes:

habitual

como

falta

grave

do

[...] A dignidade é um valor

empregado, que autoriza a demissão

espiritual e moral inerente à pessoa,

por justa causa. Pretende-se abolir o

que se manifesta singularmente na

direito patronal de dispensar o

autodeterminação

e

empregado doente, razão pela qual

responsável da própria vida e que

a alínea “f” do art. 482 deverá ser

traz consigo a pretensão ao respeito

retirada da CLT, permitindo que o

por parte das demais pessoas,

trabalhador seja afastado de suas

constituindo-se

mínimo

atividades

estatuto

processo de reabilitação. Dessa

jurídico deve assegurar, de modo

forma, o empregado alcoólatra terá

que,

oportunidade de buscar sua cura,

invulnerável

um

que

somente

consciente

todo

excepcionalmente,

para

bem

exercício dos direitos fundamentais,

atividades

mas sempre sem menosprezar a

respeitados

necessária estima que merecem

dignidade da pessoa humana, dos

todas as pessoas enquanto seres

valores sociais do trabalho e da

humanos. (2005, p. 16).

proteção do Direito do Trabalho ao

legislação

pois,

trabalhista

que

a

deixou

a

de

laborais, os

hipossuficiente.

6

retomar

e

possam ser feitas limitações ao

Percebe-se,

como

tratamento

suas sendo

princípios

da


Referências ANTONIO. Luiz. Alcoolismo. História do álcool. Disponível em: < http://www.alcoolismo.com.br/artigos/história.htm> Acesso em: 24/05/2001. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BRASIL. Saúde pública. Especialidade: Saúde Coletiva. Disponível em: /15066/saude-publica/oms-constata-quealcoolismo-causa-mais-mortes-queaids-violencia-e-tuberculose> Acesso em: 22/05/2011. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

7


A INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO CIVIL “HOMEM E MULHER” PARA O CASAMENTO BRITO, Deborah Cristiane Domingues de – Docente do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga. OLIVEIRA, Millena da Silva – Discente do 7º Período do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.

“Que não se separe por um parágrafo, o que a vida uniu pelo afeto”. Carlos Ayres Britto

RESUMO O presente artigo tem como tema a inconstitucionalidade do requisito “homem e mulher” para o casamento. O problema enfocado pela pesquisa reside na necessidade de se constatar se o referido requisito é constitucional ou não. Busca-se verificar se o mesmo fere, ou não, os princípios da Carta Magna e se há possibilidade da legalização do casamento homoafetivo, uma vez que atualmente o Supremo Tribunal Federal consentiu na união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Palavras-chave: Casamento. Homoafetividade. Constitucionalidade.

8


familiares

Introdução

formadas

por

casais

homossexuais, a presente pesquisa O Direito não é composto por

tem por objetivo verificar se o

regras gerais despidas de influências

requisito civil “homem e mulher” para

sociológicas e valorativas, tal qual

o casamento, constante nos artigos

ensinava Kelsen, mas, a priori, deve

1.514 e 1.517 do Código Civil

refletir, principalmente em sua Lei

maculam

os

Maior,

constitucionais

da

os

direitos

e

garantias

princípios dignidade

da

pessoa humana e da igualdade.

fundamentais de cada força social, legitimando um verdadeiro Estado

A partir deste ponto, cabe

Constitucional, conforme assentava

avaliar se existe a possibilidade

Ferdinand Lassale.

jurídica da realização do casamento homoafetivo, uma vez que as uniões

Partindo desse pressuposto, surge, no Brasil, um novel ramo do

estáveis

Direito,

Direito

permitidas pela recente decisão do

Homoafetivo, trilhado pela ilustre

STF, que teve votação unânime

jurista Maria Berenice Dias, capaz de

dentre todos os ministros.

denominado

homoafetivas

foram

amparar juridicamente, uma parcela

O que se busca com o

da população que sofre com o não

presente estudo é apontar que os

reconhecimento jurídico de seus

direitos e garantias fundamentais do

relacionamentos,

ser humano, consubstanciados nos

os

casais

princípios da dignidade da pessoa

homossexuais. Um importante passo já foi

humana e da igualdade, estendem-

dado, tendo em vista a recente

se a todos, sem qualquer tipo de

decisão

caráter

diferenciação, suplantando visões

vinculativo e efeito erga omnes,

pessoais, religiosas, discriminatórias

emanada pelo Supremo Tribunal

ou

Federal, ao julgar a ADI-4277 e

permeiam o âmbito jurídico.

unânime,

de

mesmo

retrógradas,

que

Assim, por meio de princípios

ADPF-132, que concedeu guarida constitucional às uniões estáveis

jurídico-constitucionais

e

da

homoafetivas.

analogia, consegue-se resguardar

Diante dos novos rumos do

aos homoafetivos um dos direitos

Direito no que concerne às entidades

mais antigos do mundo: o direito ao casamento e à família. 9


1. Do casamento

cônjuges, consoante artigo 1.511, do Código Civil.

Desde

as

épocas

mais

No Brasil, para efeitos de lei,

remotas, as pessoas se unem para

existem o casamento civil e o

ter uma vida em comum e celebrar,

religioso, sendo que este último deve

de formas diversas, tal união. Ensina

ser levado a registro em Cartório (art.

Venosa (2007) que, nos tempos

1.515, do Código Civil).

antigos, o matrimônio era o laço

Dentre

os

objetivos

do

sagrado por excelência, tendo como

casamento, conforme leciona Diniz

tronco

(2010, p. 38-39), estão:

principal

o

homem,

chamado pater, e a mulher, sua

[...] a instituição da família

submissa total.

matrimonial [...], a procriação dos

O

casamento,

filhos [...], a legalização das relações

hodiernamente, é um instituto de

sexuais [...], a prestação de auxílio

direito privado, imiscuído por normas

mútuo [...], o estabelecimento de

cogentes,

um

deveres entre os cônjuges [...], a

contrato, ora como uma instituição.

educação da prole [...] e a atribuição

Reveste-se, portanto, destas duas

do nome ao cônjuge [...].

ora

visto

como

faces, ou seja, possui caráter misto:

Ressalta a douta autora que a

na sua forma, é contrato, e no seu

procriação, que já foi vista como

conteúdo,

instituição.

finalidade precípua do matrimônio,

Regulamentado está pelo Código

hoje já não mais se caracteriza como

Civil Brasileiro, especificamente no

essencial, uma vez que se assim o

Livro IV (Do Direito de Família),

fosse, muitos casamentos dos quais

Título

não

I

(Do

Direito

Pessoal),

Subtítulo I (Do Casamento).

advieram

filhos

seriam

anulados.

O casamento consiste na

Os

caracteres

gerais

do

união legal entre homem e mulher,

casamento são: a liberdade na

celebrada com observância das

escolha do nubente, a solenidade e

formalidades exigidas na lei. Seu

publicidade do ato nupcial, a união

efeito preponderante é a comunhão

permanente e exclusiva. Citando

plena

na

Orlando

Gomes,

igualdade de direitos e deveres dos

assenta

que

de

vida,

com

base

Diniz

seus

(2010)

princípios

regentes são: “a livre união dos 10


futuros cônjuges, a monogamia e a

seja, aqueles que detinham o poder

comunhão indivisa”.

familiar

(geralmente

o

homem),

A doutrina costuma dividir o

tendo ao seu redor a esposa, os

casamento em três planos: o da

filhos e todos os agregados. Nesta

existência, da validade e da eficácia.

época,

Todavia, a legislação pátria apenas

importância para a continuidade da

amparou os casos de invalidade e

família, ocorrendo, muitas vezes, o

ineficácia do instituto, explicitando-

casamento

os nos Capítulos VIII e IX do Diploma

consanguíneos.

Civil. Logo, o plano da existência, no

a

prole

era

de

entre

Com

o

vital

irmãos

tempo,

a

família

qual se exige a diferença de sexos,

diminuiu, passando a ser formada

recai numa criação doutrinária a

basicamente por pai, mãe e filho

partir da exegese literal da lei,

(família em sentido estrito), e o

principalmente dos artigos 1.514 e

incesto

1.517, do Código Civil.

procriação

foi

repudiado, ainda

mas

tinha

a

papel

fundamental para a continuidade 2. Das entidades familiares

familiar. Surgiu, então, uma forma de

Inicialmente,

convém

enlace

familiar

destacar o conceito de família. Em

concubinato,

conceito amplo significa:

extremamente

[...] o conjunto de pessoas unidas

por

vínculo

jurídico

denominada

a

qual repelida

era pela

sociedade moralista burguesa e pela

de

Igreja, sendo que, os filhos oriundos

natureza familiar. Nesse sentido,

dessas relações eram considerados

compreende

os

ilegítimos.

descendentes

e

ascendentes,

o

do

concubinato, aquele advindo da

denominam

união de duas pessoas sem o

parentes por afinidade ou afins.

casamento, deixou a roupagem de

(VENOSA, 2007, p. 02).

imoral e passou a ser reconhecido

cônjuge,

que

colaterais

Atualmente,

se

A família, ao longo do tempo,

como união estável.

sofreu transformações quanto à sua

Há,

portanto,

diversas

constituição. Nos tempos antigos,

entidades familiares no Brasil (artigo

era composta por todos aqueles que

226, da Constituição Federal): a

dependiam do pater familias, ou

família advinda do casamento, da 11


união estável e a monoparental (e,

Guerreiro (2007, p. 18), em sua

para

monografia de conclusão de pós-

alguns

doutrinadores,

a

anaparental).

graduação UERJ: Desta forma, todos os atos

3. Da homoafetividade

sexuais

contrários

instituído A

questão

homoafetividade

da

ao

como

padrão

normalidade

passaram a ser alcunhados de atos

encontra-se

criminosos,

sendo

enraizada desde os mitos gregos,

como

a

nos quais personagens simbólicos

homossexualidade.

como Zeus e Ganimedes formaram o

médicos e psiquiatras, autoridades

casal mais famoso, além de Apolo,

em sexualidade, que passaram a ser

que raptava jovens efebos.

os

Conforme

Fátima

Maria

tais,

agentes

considerados

prostituição

que

e

Foram

a os

gradativamente

tornaram a homossexualidade um

Marins Guerreiro (2007), “os gregos

ato

consideravam

repreensão. [...] No Brasil, o Instituto

a

prática

da

reprovável

digno

Nacional

e como forma de ensinamento e

(INPS) manteve até a década de 80,

iniciação do jovem na vida adulta”.

do século XX, o homossexualismo

Havia, portanto, a aceitação social.

classificado como doença, código

Social

302.0, no campo das doenças

intervenção

social

contínua

da

mentais,

Igreja,

homoafetividade

foi

mental.

a

Previdência

de

pederastia como um ato nobre, ético

Durante a Idade Média, com a

de

e

estigmatizada como um pecado

Em

especificamente,

1.973,

a

desvio

Associação

mortal, levando muitos para a morte

Americana de Psiquiatria retirou o

na fogueira.

termo

Em 1.869, o médico húngaro

homossexualismo

manuais

de

dos

diagnósticos

Karoly Maria Benkert criou o termo

psiquiátricos como distúrbio mental.

homossexualismo,

Houve

sendo

que o

a

substituição

do

sufixo ismo remete à ideia de

sufixo ismo por idade, passando a

doença. Esta concepção logo se

ser homossexualidade, que designa

espalhou pelo mundo e, até hoje,

um modo de ser, uma opção de vida.

ainda é disseminada.

A mais recente conceituação vem de Dias, citada por Guerreiro: 12


O termo homoafetividade é

formados por dois homens ou duas

um neologismo criado pela ilustre

mulheres.

jurista e doutrinadora Maria Berenice

Mesmo

com

o

termo

Dias, Desembargadora na capital do

abrangido pelo dicionário brasileiro,

Rio Grande do Sul. Em seu livro

a discriminação e o preconceito

“União homossexual: o preconceito

ainda

& a justiça” Dias utilizou o termo

brasileiros. Há até um Projeto de Lei

homoafetividade para designar as

nº 122/2006 em tramitação para

uniões entre pessoas do mesmo

criminalizar a homofobia.

povoam

as

mentes

dos

sexo cujo cerne é o afeto. (2007, p. 24).

4. O

Dicionário

Aurélio

Da

inconstitucionalidade

do

requisito civil “homem e mulher” para

de

Língua Portuguesa descreve o termo

o casamento

“homoafetividade” como sendo: 1. Qualidade ou caráter de

Uma norma é inconstitucional

homoafetivo. 2. Relação afetiva e

quando

sexual entre pessoas do mesmo

estabelecido pela Carta Magna.

sexo.

diz

Partindo desta premissa, constata-

e

a

se que os artigos 1.514 e 1.517 do

pessoas

do

Homoafetivo

respeito

à

sexualidade

1.

Que

afetividade entre

fere

Diploma

algum

Civil,

princípio

instituidores

do

mesmo sexo. 2. Realizado entre as

requisito “homem e mulher” para o

pessoas do mesmo sexo: casamento

casamento, são inconstitucionais,

homoafetivo.

haja

3.

Relativo

ou

pertencente a, ou próprio de duas pessoas

que

mantém

vista

que

afrontam

vários

princípios da Lei das Leis. Prima facie, ferem o princípio

relação

conjugal, ou que pretendem fazê-lo:

da

direito homoafetivo (2010, p. 1105).

no caput, do artigo 5º, da Lei Maior,

Salienta-se, portanto, que a homoafetividade

não

é

isonomia,

consubstanciado

posto que não se pode preferir a

doença,

legalização

do

casamento

crime ou mesmo uma opção de vida,

heterossexual em detrimento do

mas consiste no afeto, desejo e amor

casais

entre pessoas do mesmo sexo, ou

rejeitados

estão

juridicamente,

seja, diz respeito às relações carnais

resultando

numa

exclusão

e espirituais concernentes a casais

desigualdade ilícitas. 13

homoafetivos,

os

quais

e


Corrompe-se

o

princípio-

5. Da possibilidade do casamento

direito à liberdade (artigo 5º, caput, CF),

como

sinônimo

homoafetivo

de

autodeterminação, ou seja, trata-se

“Mas então para que casar? (...) A

da liberdade individual de cada

razão é que assim como precisamos

indivíduo a fim de possuir autonomia

do olhar dos outros para saber que

de vida e realizar-se como pessoa.

existimos,

Viola-se, princípio

da

outrossim,

o

proibição

da

os

amores

também

precisam circular socialmente para consolidar-se”. (Diana Corso)

discriminação por qualquer motivo, haja vista que o próprio artigo 3º, IV, determina

que

não

pode

Em 05 de maio de 2011, após

discriminar ninguém por sua origem,

audiências públicas, o Supremo

raça, sexo, cor, religião, idade e

Tribunal Federal, julgou a ADI-4277

quaisquer

e a ADPF-132, declarando que as

outras

se

formas

de

discriminação.

uniões homoafetivas têm o mesmo

Por fim, tem-se maculado um

caráter e validade de união estável.

dos fundamentos e princípio-mor da

Logo, extirpou-se qualquer

República Federativa do Brasil: a

tipo de diferenciação jurídica entre

dignidade da pessoa humana (artigo

casais de pessoas de sexo oposto

1º, inciso III), a qual norteia e rege

ou igual e, a partir do acórdão

todas

unânime, com efeito erga omnes e

as

relações

jurídicas

brasileiras.

força vinculante, a situação de

Além disso, ao se dar uma

desigualdade jurídica em que se

interpretação fria e literal à lei

encontravam tais casais foi quase

civilista, está-se desrespeitando o

inteiramente solvida.

princípio da unidade do direito e da

Se a união estável, como vista

própria constituição, visto que o

anteriormente,

é

uma

ordenamento jurídico como um todo

familiar,

deve ser aplicado tendo como base

pelo caput do artigo 226 da CF: “a

a sua gênese constitucional.

família, base da sociedade, tem

está

entidade

resguardada

especial proteção do Estado”. Ipso

facto,

com

o

reconhecimento da união estável 14


homoafetiva,

esta

também

se

possuírem

semelhantes

constitui em família e deve ser

características,

protegida pelo Estado, a fim de que

análogas

lhe sejam garantidos todos os seus

instituídos

direitos, inclusive o da conversão em

jurídico-legais

casamento.

reconhecidos às primeiras.

Todavia, mesmo diante do

ou

seja,

serem

faticamente, os

serão

mesmos

trâmites

que

aqueles

Destarte,

se

união

referido julgado, paira uma questão

homoafetiva

relativamente à dinâmica jurídica da

juridicamente

união

a

conversão em casamento também o

possibilidade desta ser convertida

deve ser, posto que, pela analogia,

em casamento. Restou, portanto,

se casais heterossexuais vivendo

uma lacuna legal no que tange à

em união estável podem convertê-la

abrangência da decisão do Excelso

em casamento, por consequência,

Pretório.

os casais homoafetivos em união

estável,

qual

seja,

E, diante de uma lacuna

foi

a

no

reconhecida Brasil,

a

sua

estável também o podem.

jurídica, os meios para supri-la são:

Da mesma forma, se duas

a analogia, os princípios gerais do

pessoas de mesmo sexo têm o

direito, os costumes ou a equidade

intuito de se casar, deve-se validar

(artigo 4º, da Lei de Introdução ao

este matrimônio, pois dele também

Código Civil).

advirá uma família, a homoparental,

Utilizando-se instrumentos

jurídicos

destes para

merecedora da proteção estatal.

a

Os artigos 1.514 e 1.517 do

colmatagem das lacunas, chega-se

CC/02 são, atualmente, analisados

ao arremate das situações jurídicas

sob uma ótica literal, mas por uma

que ficaram à mercê da insegurança

exegese

e discricionariedade.

teleológica, restam inconstitucionais.

O uso da analogia consiste em

comparar

duas

ou

sistemática,

social

e

Além disso, pelos princípios

mais

gerais do Direito, decorre a tese de

situações idênticas, sendo que uma

que qualquer novo direito instituído,

delas será o parâmetro, haja vista já

não

estar inserida na seara legal; a outra

suplantar os direitos e garantias já

ou outras situações, ainda não

implantados anteriormente. Desta

regulamentadas

forma, o reconhecimento legal do

legalmente,

por 15

pode

infringir

ou

mesmo


casamento homoafetivo ou mesmo a conversão

da

união

Tem-se,

estável

entendimento

ainda,

o

respaldado

por

homoafetiva em casamento, não fere

Grasiela Cristine Celich (2011), de

nenhum

que a condição “homem e mulher”

estatuída aos casais heteroafetivos.

insere-se numa criação teórica, e

Conforme asseverou o ministro do

não legal, de que é pressuposto de

Supremo Tribunal Federal, Ayres

existência do casamento. Sendo

Britto, no julgamento da Ação Direta

assim, se dois homens ou duas

de

mulheres

direito

ou

garantia

Inconstitucionalidade

n.

se

casarem,

tal

ato

4277: “Aqui o reino é da igualdade

inexistirá, porquanto são pessoas de

absoluta. Não se pode dizer que os

mesmo sexo. Todavia, pode não

heteroafetivos

os

haver existência no plano do direito,

homoafetivos ganham. A sociedade

mas no mundo concreto dos fatos,

também não perde. Quem ganha

existiu sim, e, pode não constituir ato

com

Os

jurídico, mas é fato jurídico do qual

perde?

advém consequências, direitos e

a

perdem

se

equiparação?

homoafetivos.

E

quem

Ninguém perde”.

deveres, os quais existem sim.

Ademais, o que não é proibido

A própria lei não trata do plano

pela lei, é permitido, já que, pelo

de existência do casamento, mas

princípio da legalidade (artigo 5º,

tão-somente, da sua validade e

inciso II, da CF) somente a lei pode

eficácia. Nestas, não há qualquer

criar deveres e direitos.

impedimento

Se se partir da equidade,

ao

casamento

de

pessoas do mesmo sexo.

considerando que esta trata da

Encerrando

a

presente

consecução justiça no Direito, tem-

discussão, convém trazer à baila a

se a mesma conclusão jurídica, qual

ementa de um inovador julgado do

seja,

Egrégio Tribunal de Justiça do Rio

a

de

que

o

casamento

homoafetivo deve ser legalizado no Brasil, amparo

porquanto jurídico

ser

injusto

somente

Grande do Sul: Rio Grande do Sul – Porto

o Alegre

ao

-

Apartheid

A

casamento entre pessoas de sexo

segregação

oposto, vedando o mesmo direito

restringindo-lhes direitos em razão

aos casais formados por pessoas de

de

mesmo sexo.

incompatível com o princípio da 16

sua

de

sexual.

homossexuais,

orientação

sexual,

é


dignidade

da

pessoa

humana,

Diante de todo o exposto,

expresso no primeiro artigo da

conclui-se que o requisito “homem e

Constituição

nova

mulher” para o matrimônio civil é

definição legal da família brasileira

inconstitucional, posto que infringe

(Lei nº 11.340/2006) contempla os

princípios normativos estabelecidos

casais formados por pessoas do

pela Carta Magna, a lei máxima de

mesmo sexo, conforme antecipado

um ordenamento, tais como o da

pelo Poder Judiciário do Rio Grande

igualdade, da não discriminação, da

do Sul, através do Provimento 06/04

liberdade e da dignidade da pessoa

– CGJ. Concepções religiosas de

humana.

Federal.

A

família não podem ser impostas através

do

No

princípio da unidade da Constituição,

brasileiro,

segundo o qual, nenhuma norma

porque vedada qualquer forma de

deve ser interpretada ou aplicada à

discriminação, o casamento civil está

par do que impõe a Lei Maior, sob

disponível

pena de inconstitucionalidade.

ordenamento

Estado-juiz.

Ademais, macula-se, ainda, o

jurídico

para

independentemente

todos, sua

Por conseguinte, em face da

orientação sexual. Ação julgada

referida inconstitucionalidade, deve-

procedente,

se

para

de

reconhecer

a

legalizar

o

casamento

civil

família constituída pela autora e sua

homoafetivo no Brasil e, também,

companheira, que conviveram em

reconhecer

união estável por 25 anos. (TJRS,

constitucional a conversão da união

Proc. 1060178794-7, 2ª V. Fam.

estável homoafetiva em casamento.

Suc., Juiz Roberto Arriada Lorea, j.

A finalidade do casamento é a

07/01/2008).

como

válida

e

comunhão plena de vida, ou seja, para a consecução de tal fim, ilegal e inconstitucional é a imposição de cônjuges de sexo oposto, já que o

Conclusão

amor, o afeto, o companheirismo e a felicidade de um casal independem

“O ser humano, antes de um ser

da

pensante ou volitivo, é um ser

orientação

amante”.

indivíduos.

(Max Scheler).

Não diferente, 17

se mas

sexual

deve

desses

repelir

integrá-lo

o e


recepcioná-lo de forma a resguardar

discriminação não têm, nem nunca

os direitos e a dignidade de cada

terão, amparo legal.

ente social, pois preconceito e

18


Referências BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Supremo reconhece união homoafetiva. Disponível em:www.stf.jus.br. Acesso em: 16 de mai. de 2011. ______. Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Relator Ayres Britto na ADI4277. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 16 de mai. de 2011. ______. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 de mai. de 2011. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 18 de mai. de 2011. CELICH, Grasiela Cristine. A possibilidade jurídica do casamento homoafetivo no Brasil. Santa Maria: AGBook, 2011. CHAVES, Marianna. As Uniões homoafetivas e a corte constitucional brasileira. Disponível em: . Acesso em: 22 de maio de 2011. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. vol. 5. FERNANDEZ, Atahualpa. Casamento Homoafetivo. Disponível em: . Acesso em: 10 de mai. de 2011. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Positivo, 2010. GUERREIRO, Fátima Maria Marins. Família homoafetiva e os principais desafios. Disponível em: http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_trabalho_tese/a_famlia_homoafe tiva_e_os_principais_-_ftima_guerreiro_-_verso_ibdfam.pdf>. Acesso em: 22 de mai. de 2011. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. v. 6. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

19


A LEGALIZAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA: DEFESA DA NOVA LEI CASALI, Éllen Cássia Giacomini. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. RIBEIRO, Glaucia Alves. Discente do 2º Período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O reconhecimento legal da união homoafetiva consiste em garantir direitos, como pensão, herança, comunhão de bens e previdência às uniões homossexuais, assegurados antes apenas às uniões heterossexuais. A abordagem do assunto um tanto polêmico, por estar entrelaçado a antigos valores sociais, que foram ultrapassados pela evolução dos tempos, que reluta em convergir o preconceito social. Este artigo visa, em breve análise, elucidar os reais impactos da legalização da nova união, assim busca argumentos para defender os direitos dos novos casais principalmente através da dignidade humana, princípio da isonomia, liberdade de ação, solidariedade humana e analogia.

Palavras-chave: Legalização da união homossexual. Impactos da legalização. Preconceito. Liberdade de ação. Princípio da isonomia.

20


livremente firmado por um homem e

Introdução

uma mulher, pelo qual se assegura a

dos

Este trabalho traz à tona um

opção por uma vida em comum e

temas

pela

mais

polêmicos

do

participação

recíproca

momento relacionado ao direito, a

determinados bens. (...)

legalização da união homoafetiva, o

Podemos ainda

de

conceituar

que reflete a evolução da sociedade,

segundo Sílvio Rodrigues (1999, p.

mudanças

18):

de

costumes

e

universalização do amor. A polêmica

Casamento é o contrato de

está no preconceito ou então na

direito de família que tem por fim

falsa moralidade social.

promover a união do homem e da do

mulher, de conformidade com a lei, a

trabalho tem por objetivo a discussão

fim de regularem suas relações

do tema, e principalmente a defesa

sexuais, cuidarem da prole comum e

deste direito juridicamente garantido.

prestarem assistência mútua. (...)

O

desenvolvimento

Embora a pesquisa tenha sido

Depreende do conceito que

dificultada pela novidade do assunto,

tanto sociedade, quanto o direito,

e haver poucas fontes de estudo

reconheciam

sendo necessário, principalmente o

matrimonial como entidade familiar,

uso da analogia e princípios gerais

e ao passar do tempo com a

do direito para que sanasse dúvidas

evolução

convergentes ao tema.

mecanismos de reconhecer como

da

apenas

a

sociedade

união

criaram

instituição familiar a união estável, 1.

A

legalização

da

conforme

união

artigo

226

§

da

Constituição Federal: “Para efeito da

homoafetiva

proteção do Estado, é reconhecida a de

união estável entre homem e mulher

matrimônio segundo a Enciclopédia

como entidade familiar, devendo a lei

Barsa (2002, p. 492):

facilitar

Temos

por

definição

sua

conversão

em

casamento”.

União voluntária entre duas

Segundo

pessoas, com o fim de partilhar a

João

Paulo

vida em todos os aspectos. Do ponto

Knychala e Ana Carolina Reis Paes

de vista jurídico, é o contrato

Leme: (LEME, KNYCHALA, 2011) [1]: 21


A

união

homoafetiva

tempos,

em

que

casais

de

caracteriza-se pela união de duas

namorados trocarem carícias ou

pessoas do mesmo sexo, com as

andar de mãos dadas na praça após

mesmas

as

características

de

um

missas

dominicais

eram

relacionamento, que consiste em um

consideradas de extrema violação

convívio

público

duradouro,

da

moral

e

bons

conceito

este

muito

desrespeito

à

lei,

e que

se

assemelha com o da união estável:

costumes, porém

hoje

enxergamos com naturalidade um

Art. 1.723, CC. É reconhecida

baile funk, sendo assim um sinal da

como entidade familiar à união

evolução natural que o tempo agrega

estável entre o homem e a mulher,

aos nossos valores.

configurada na convivência pública,

Juridicamente

falando da

o

duradoura e estabelecida com o

reconhecimento

objetivo de constituição de família.

homossexual

Portanto, a união homoafetiva pode

amparada no princípio da isonomia

ser reconhecida também como união

disposto na norma do artigo 5º da

estável entre pessoas do mesmo

Constituição Federal que segue:

é

união

perfeitamente

sexo, pois sua única diferença com a

Todos são iguais perante a lei,

união estável prevista no artigo seria

sem distinção de qualquer natureza,

a questão dos componentes serem

garantindo-se aos brasileiros e aos

do mesmo sexo. (2010, p.223)

estrangeiros residentes no País a

Notadamente sociedade

estão

o

direito

e

inviolabilidade do direito à vida, à

intimamente

liberdade, à igualdade, à segurança

ligados e em constante evolução,

e à propriedade.

assim, quando a sociedade modifica

Também com base no artigo

seus costumes, o direito passa pela

3º inciso I e IV da Constituição

mesma

Federal onde:

metamorfose

acompanhá-la Podemos

citar

e

para

protegê-la. em

Constituem

caráter

fundamentais

comparativo ao reconhecimento da

objetivos da

República

Federativa do Brasil:

união homoafetiva a interpretação do

I - Constituir uma sociedade

crime de atentado violento ao pudor,

livre, justa e solidária;

a ponto de que quando fora criada

IV - Promover o bem de todos

esta lei a sociedade vivia outros

sem preconceito de origem, raça, 22


sexo, cor idade e quaisquer outras

sociedade, pois a discussão não

formas de discriminação.

envolve a aprovação particular da

Podemos ainda reforçar o

existência da união estável, pois isso

assunto com base nos artigos 1521

independe

a 1524 do Código Civil, onde

judicial para se consumar, tanto é

esboçam

que

os

impedimentos

da

de

os

uma

aprovação

primeiros

procurarem

conquanto não há impedimento às

legalizarem sua situação já viviam

pessoas

juntos. Esclarecendo, a lei veio

mesmo

constituírem

sexo

relacionamento

apenas

reconhecido e amparado por lei. Assim,

verifica-se,

pelas

justiça

a

realização da união matrimonial,

do

a

casais

estender

para

os

concedidos

aos

heterossexuais,

como

direitos casais pensão,

normas supracitadas, que a decisão

herança, comunhão de bens e

do

previdência aos homossexuais que

Supremo

encontra-se

Tribunal

Federal

solidificada

e

compartilhando

dos

respaldada a fim de estender os

deveres

direitos

garantidos

mesmos direitos, assim atualizando

apenas a união heterossexual agora

e englobando a lei em vigor uma

à união homossexual também.

nova interpretação condizente a

O

anteriormente

que,

ponderadamente,

passam

a

mesmos adquirir

os

nova realidade social.

podemos perceber ser a atitude mais

O homossexualismo é apenas

sensata, uma vez que possível

uma opção sexual, que deve ser

separação de um casal gay poderia

respeitada,

propiciar enriquecimento ilícito de

individual

uma das partes, ou então ilegalidade

personalíssimo e é neste direito que

na distribuição de patrimônio pós-

a sociedade se propõe a mudar

morte uma vez que seu parceiro não

quando

seria reconhecido como herdeiro

realidade que a lei e neste caso, o

legítimo, e são nesses pontos,

judiciário

garantia de direitos que a legalização

tendência

vem atuar, assegurar os direitos dos

diferenças,

contraentes do relacionamento.

padronizado, foi assim com os

Ponto

este

ainda

pois

é

um

direito

intransponível

não

assume

vem

tutelar.

social rejeitar

a

e

nova

Pois

renegar o

é as não

não

negros e mulheres no início de suas

esclarecido ou mal interpretado pela

respectivas libertações e assim será 23


com

o

grupo

a

preconceito social abraçariam de tal

preconceito

forma a causa, porque se propõem e

escancarado depois será futilmente

desejam realmente constituir família

renegado ou escuso.

para poder perpetuar o amor que é a

princípio

homossexual,

um

Um assunto que engloba a

razão de suportarem a tudo, e é isso

nova lei é a questão da adoção pelo

que falta e precisa para forma uma

casal gay. Para abordagem deste

família: amor.

segundo ponto devemos considerar

No começo a criança adotada

a despersonificação ou modificação

por

real da figura familiar o que é

enfrentar pilhas e pilhas de olhares e

defendido segundo Maria Berenice

constrangimentos, assim como os

Dias (2007, p.46) “que após a

próprios casais enfrentam, mais a

modificação

sociedade nunca estará preparada

na

Constituição

casais

homossexuais

Federal, onde trouxeram um novo

para

conceito de entidade familiar”, não

coragem para depurá-los porque a

há mais o que considerar como

sociedade é um meio despreparado

família normal, mas devemos adotar

talvez à imposição seja a melhor

o termo famílias, como definição

forma para vencer o preconceito,

para a atual situação, então por que

não sejamos hipócritas em dizer que

não

casal

não é o momento para a implantação

homossexual com filhos adotados

desta lei, porém um dia será, será?

como uma nova forma de família?

Quando será? Simplesmente nunca,

reconhecer

um

A realidade dos orfanatos é

recebê-los

é

vai

necessário

o momento é exatamente agora.

terrível, crianças que não atendem a

Aos poucos a sociedade irá se

maioria dos critérios necessários

habituar à nova realidade, porém o

para manifesto de vontade de casais

momento é crítico para esta minoria

em adotá-los, estes supostamente

da

imperfeitos nunca adquiriram família,

crescente e cada vez gerando mais

com mais casais aptos a adoção,

violência,

como

casos

noticiários presencia-se os ataques,

uma

verdadeiros massacres de gangues

válvula de escape e solução da

aos gays, por quê? Simplesmente

problemática, os pais e mães sendo

por medo do que não se conhece? É

vítimas da ferocidade patética do

realmente difícil entender os reais

os

poderiam

gays, funcionar

nestes como

24

população,

todos

a

homofobia

os

dias

é

nos


motivos dos ataques, supondo que

Conclusão

sejam casos de gays covardes, que ao contrário dos agredidos não se

Ao término do presente artigo

dispuseram a assumir sua real

conclui-se que já havia respaldo

situação sexual. É outro tema que

suficiente para a legalização da

merece ser discutido com real rigor,

união, apesar da relutância da

além de agressão por motivo torpe

sociedade em aderir novidades, é

compete agressão associada ao

apenas um estágio que é necessário

preconceito, que deverá ser punido

ser ultrapassado para alcançar o real

com

objetivo da lei que é a garantia de

severidade

em

categoria

específica de lei.

direitos aos cidadãos e neste caso que possuem uma opção sexual diversa à originária. A

homossexualidade

não

afeta o caráter da pessoa, é um direito pessoal e intransferível de escolha conjugal,

pelo

relacionamento

encarado

poeticamente

como uma nova forma de amar. O objetivo

deste

alguma

foi

artigo

exigir

de

forma

aceitação

e

compreensão social, mas sim exigir respeito para que um dia o diferente se torne igual.

25


Referências BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. MARTINS, Rodrigo Monteiro. Legalização da união estável entre homossexuais. Disponível em:http://jus.uol.com.br/revista/texto/557/legalização-da-uniao-estavel-entrehomossexuais. Acesso em: 14 de junho de 2011. GWERCMAN, Sergio. O Brasil e os homossexuais: sim. Disponível em:http://super.abril.com.br/cotidiano/brasil-homossexuais-sim-444558.shtm/. Acesso em: 14 de junho de 2011. SANTOS, Jeferson. STF: união homossexual – casamento gay e legalizado no Brasil – STF torna união estável homossexual reconhecida. Disponível em: http://artigos.com/artigos/sociais/direito/stf-_-uniao-homoafetiva-_casamentogay-e-legalizadono-brasil.-stf-torna-uniao-estavel-homoafetivareconhecida-pela-justica-17488/artigo/artigo/. Acesso em: 15 de junho de 2011. BRASIL, Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2002. BARSA, Consultoria. Nova enciclopédia Barsa. São Paulo: Editora LTDA, 2001. LEME, Ana Carolina Reis Paes; KNYCHALA, João Paulo. Reconhecimento da união homoafetiva. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2343/RECONHECIMENTO_DA _UNIAO_HOMOAFETIVA. Acesso em: 15 de junho de 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. [1] Minas Gerais, João Paulo Kynachala e Ana Carolina Reis Paes Leme, RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA, 2011, Universo Jurídico.

26


A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO STF À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Andréia Garcia Martin - Docente da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga

RESUMO O presente estudo bibliográfico tem por objetivo demonstrar que, na nova quadra que se encontra o Estado contemporâneo e o constitucionalismo nacional, o Supremo Tribunal Federal passou a desempenhar renovada função como representante de um dos Poderes de Estado. Assim, com o intuito de manter o laço democrático, firmado pela Constituição Federal de 1988, e como forma de confirmar sua legitimidade, o STF vem atuando de maneira proativa, fulcrado nos valores constitucionalizados, para a realização dos direitos fundamentais dos seus cidadãos.

Palavras-chave: Legitimidade. Direitos Fundamentais. Jurisdição Constitucional 27


Judiciário, por meio de seu Tribunal

Introdução

Constitucional, Sob

o

fulcro

adquirirá

uma

legitimidade de índole democrática,

do

constitucionalismo contemporâneo,

ao

nominado novo constitucionalismo

fundamentais constantes da Carta

ou

de Outubro.

“neo-constitucionalismo”,

vislumbra-se atividade

a

do

crescente Poder

concretizar

os

direitos

pro1. Jurisdição constitucional

Judiciário,

principalmente, do Supremo Tribunal Considerando o atual patamar

Federal no que tange à efetivação

nacional, no qual se pode afirmar

dos direitos fundamentais. Indelevelmente,

que se está diante de um Estado

constata-se

que o compromisso democrático

Constitucional

firmado em 1988, vem sendo, de

Direito, vez que se adota um modelo

forma despicienda, descumprido por

político democrático fundado numa

parte dos Poderes de Estado, dessa

Constituição,

forma, pretende-se demonstrar que,

imprescindível a existência de uma

em

“instância

que

pese,

Constitucional detenha

de

o

brasileiro uma que

decorre

escolha

povo

dos

condão

torna-se neutra”,

que

seja

de

preservar

este

da

documento, sua supremacia, dando

seus

suporte ao resguardo da própria democracia.

representantes, é detentor de uma legitimidade

de

curadora, guardiã, e que tenha o

não

legitimidade

representativa, pelo

Tribunal

Democrático

Esta instância é a Jurisdição

especialmente

democrática, já que esta decorre do

Constitucional

dever que se comprometeu no pacto

Constitucional, que se configuraria

republicano-democrático de realizar

pelo agrupamento de técnicas e

os valores constantes do Texto

instituições com o intuito de garantir

Constitucional.

a supremacia e a imperatividade da

Pretende-se,

ou

Constituição,

também,

Justiça

pois

“o

estabelecer, de forma contundente,

reconhecimento da supremacia da

porém

Constituição

concisa,

como

o

Poder 28

e

de

sua

força


vinculante em relação aos Poderes

democrático assumido a partir da

Públicos torna inevitável a discussão

Constituição de 1988. Depreende-

sobre as formas e modos de defesa

se,

da

Constitucional

Constituição”.

(MENDES;

BRANCO, 2011, p. 1059).

pois,

que

“a

Jurisdição emergiu

historicamente como um instrumento

Eis que uma das formas mais

de defesa da Constituição, não da

contundentes de defesa da Carta

Constituição considerada como um

Constitucional por essa “Justiça”

puro nome, mas da Constituição tida

ocorre por meio do controle de

como expressão de valores sociais e

constitucionalidade das leis, que se

políticos” (SILVA, 1999, p. 555).

perfaz através de técnicas postas à

Ora, como instrumento de

disposição da Corte Constitucional,

defesa dos valores de ordem social

tendo como desiderato instrumental

constitucionalmente

a própria Constituição, em que será

pode-se afirmar que se possibilitou

axiologicamente

um mastodôntico aumento da função

apreciada

com

relação ao ordenamento jurídico,

jurisdicional

assim “a Constituição se juridifica e

detrimento das demais – legislativa e

judicializa” (OTTO, 2001, p. 36, Apud

executiva –, que ultrapassou o mero

GARCIA, 2008, p.189), ganhando o

papel de realizar o controle de

status que lhe é inerente.

constitucionalidade,

Nesse sentido, ensina Walter

do

assegurado,

Estado,

em

passando

também a exercer as funções de

Claudius Rothenburg: “O controle de

fiscalização

constitucionalidade,

do

pública e do legislativo, além de ser

contexto mais amplo da jurisdição

o guardião dos direitos fundamentais

constitucional, tende a desenvolver-

em suas mais variadas dimensões.

se

dentro

preponderantemente

em

um

De

da

acordo

administração

com

Mônia

destes dois sentidos: a tutela dos

Clarissa Hennig Leal, as mudanças

direitos

a

e a evolução do Estado, originaram

governo

a modificação da Constituição e,

fundamentais

estabilidade

do

ou

(“governabilidade”)” (2002, p. 269). Outrossim,

esta

consequentemente,

Jurisdição

as

próprias

funções exercidas pela jurisdição

tem por premissa a defesa dos

constitucional,

valores constitucionais básicos, no

“assim como a própria Constituição

afã de conformar o compromisso

se desenvolveu na perspectiva do 29

asseverando

que


Estado, também o papel da garantia

Ademais, deve-se considerar

e as formas de atuação da jurisdição

que o controle de constitucionalidade

constitucional se modificaram na

como precursor da atividade afeita

esteira

transformações”

destas

ao

(LEAL, 2007, p. 5).

Constitucional,

favoreceu a ampliação de suas

Dessa forma, “o controle de constitucionalidade, desempenhado

Tribunal

tal no

atividades na atualidade, pois fez

como

com

que

esta

Corte

não

se

Estado

reprimisse em mergulhar a realidade

contemporâneo, deve enquadrar-se

e vislumbrar as reais necessidade da

no contexto da democracia e reforçá-

sociedade,

la”

p.

incólume às questões sociais. Nesta

104). Tendo em vista que somente

quadra, é conveniente passar-se à

dessa forma se poderá falar que o

breve

Tribunal Constitucional é legitimo

controle de constitucionalidade.

(ROTHENBURG,

2005,

não

análise

das

quedando-se

origens

do

para desempenham amplamente tal Jurisdição.

1.1

Eis que “a instituição da

Origens

do

Controle

de

Constitucionalidade e Histórico STF

jurisdição constitucional [in casu, da ampliação de suas funções] não se acha

de

forma

alguma

O

controle

judicial

de

em

constitucionalidade tem suas origens

contradição com o princípio da

fundadas em um clássico julgado da

separação

Suprema Corte norte-americana, o

dos

poderes,

ao

contrário, é uma afirmação dele”

caso

(KELSEN, 2003, p. 152). Ou seja,

tornando-se paradigmático para o

encontra-se

constitucionalismo universal.

intimamente

relacionada,

pois,

constitucionalismo

hodierno

Marbury

versus

Madison,

o

Por meio desse julgado, na

tem

ocasião presidido pelo juiz John

a façanha de conjugar institutos que

Marshall, cogitou-se, pela primeira

por muito tempo existiram de formas

vez, a compatibilidade de disposição

apartadas,

de

legal em face de uma constituição,

promover os ideias democráticos

sustentando a tese da supremacia

compatibilizado

da lei constitucional sobre a lei

com

o

com

condão

a

plena

proteção aos direitos fundamentais.

ordinária (SWISHER, 1962, p.1014). Tal decisão declarou que todo 30


ato

do

Congresso

Constituição

contrário

à

Ademais,

tal

modelo

obrigatoriamente

respaldo, ainda, a não aplicação por

deveria ser tomado como nulo,

qualquer juiz ou tribunal de norma

inválido e ineficaz (“null and void and

presente na legislação ordinária, que

of

se

no

effect”).

Deste

modo,

vislumbre

contrária

à

“reconheceu-se, assim, que a Corte

Constituição.

poderia

textos

pendente somente a uma declaração

à

pelo Tribunal Constitucional de sua

Constituição, demonstrando que a

inconstitucionalidade, que quando

interpretação das leis terá que ser in

proferida terá efeitos retroativos,

harmony

porém, somente entre as partes.

interferir

legislativos

nos

contrários

of

the

Constitution”(CUNHA

JÚNIOR, esse

sistema

que com o passar do tempo este

modelo de controle foi aperfeiçoado

constitucional

por

sistema

a

fica

difuso,

originário

do judicial review norte-americano,

Ademais, convém ressaltar

decisões

lei

Em contrapartida, frente a

2009, p.105).

outras

Referida

Corte

o

sistema

é

de

jurisdição

concentrada, denominado

tal

também

Americana, porém, não se retirou o

sistema austríaco, tem suas origens

brilho dessa primeira decisão, que

na obra de Hans Kelsen, a decisão

passou

Jurisdição

deste controle se concentra em um

Constitucional de diversos Estados,

único órgão competente, qual seja, a

entre eles o Brasil.

Corte Constitucional.

a

nortear

a

De tal julgado, pode-se extrair alguns

pontos

controle

fundamentais

americano.

do

de 1988 o constituinte desejou

de

conceder ao STF um status similar

norte-

ao de uma Corte Constitucional,

jurisdicional

constitucionalidade

Já com a Constituição Federal

Inicialmente,

outorgando-lhe

a

competência

compreende-se por lei fundamental

basilar de guarda da Constituição,

a

velando por sua supremacia.

própria

Constituição

escrita,

declaração da vontade originária do

Com efeito, o controle de

povo, que no mesmo momento que

constitucionalidade

lhe outorga poderes os restringe,

alberga ambas as modalidades,

representando a adoção do princípio

porém, pela sistemática nacional,

da supremacia da Constituição.

várias 31

reformas

brasileiro

promoveram

a


abertura do processo constitucional,

Dessa forma, a Jurisdição

como, por exemplo, a Lei nº 9.868/99

Constitucional além de manter uma

que

no

permanente

processo de órgãos ou entidades

democracia,

com o intuito de fomentar uma maior

em colapso os elementos clássicos

entronização

de

que fomentaram a instituição do

democráticos

para

permite

a

intervenção

elementos tornar

tal

também

a

coloca

antigo desenho conferido às funções

Nesse diapasão, entende Luiz

de Estado por ocasião da teoria

Roberto Barroso que: tem-se

com

Estado de Direito. Eis que modifica o

procedimento deveras legítimo.

[...]

tensão

clássica de Separação dos Poderes, travado,

nos

outorgando

ao

Poder

últimos anos, uma ampla discussão

protuberante

sobre

de

coloca nas mãos desse Poder

constitucionalidade pelo Judiciário e

aultima ratio no que diz respeito a

seus limites. Sustenta-se que os

manter

agentes

normatividade

o

controle

do

Executivo

e

do

a

posição,

Judiciário vez

que

supremacia

e

do

a

Texto

Legislativo, além de ungidos pela

Constitucional, o que fomenta a

vontade popular, sujeitam-se a um

legitimidade

tipo de controle e responsabilização

Constitucional

política de que os juízes estão

decisões tomadas (ou não tomadas!)

isentos.

pelos representantes do povo.

Daí

afirmar-se

que

o

do em

Tribunal interferir

nas

controle judicial da atuação dos outros Poderes dá lugar ao que

2.

denominou de “countermajoritarian

neoconstitucionalismo

difficulty”

(dificuldade

manutenção da inefetividade dos

contramajoritária). Notadamente os

mandamentos constitucionais: o dito

segmentos

pelo não dito?

conservadores

têm

Do

constitucionalismo e

ao a

questionando o avanço dos tribunais Houve diversos momentos – e

sobre espaços que, segundo crêem, ao

ainda há – na evolução histórica do

processo político (BARROSO, 1996,

Estado de Direito, desde a instituição

p. 157).

das primeiras Constituições, em que

deveriam

ficar

reservados

os seus Textos apesar de conterem determinações 32

de

índole


institucional,

de

formação

e

precedentes,

em

que

se

orientação do Estado, consignando

proporcionava mais valor e poder às

os Poderes e determinado o modo

leis e aos Códigos do que às

de

de

Constituições e, ainda ao legislativo

maneira mais assídua ou mais

era outorgada posição de destaque,

branda eram preenchidas, havia

sendo que sua função consistia em

também,

tentar justificar a irrealizabilidade

concepção

política,

que

outros

tantos

que

passavam

assentamentos

constitucional.

desapercebidos das considerações

Depreende-se que há uma

quer dos membros do legislativo,

insistente

quer do executivo.

função hipertroficamente simbólica e

Este era o fenômeno que tornava

as

Constituições

“discrepância

entre

a

a insuficiente concretização jurídica

mero

de

diplomas

constitucionais”

baluarte, monumento incólume à

(NEVES, 2007, p. 1), nesse contexto

consumação de seus fundamentos,

o

princípios e finalidades, destinados

constitucionais

àqueles que pertenciam a este

principalmente

Estado, compreendendo, a exemplo

função legiferante em que a fictícia

do que aduz Marcelo Neves (2007),

proteção da lei de todas as situações

a

que

constitucionalização

simbólica.

déficit

eficacial

das

normas

instaurado pela

podem

exacerbada

geram

alguma

Assim, em que pese houvesse toda

modificação no mundo dos fatos,

uma estrutura que conjecturasse

também poderia ensejar a mais

determinações jusfundamentais à

ampla tutela prestacional de direitos

conformação da tutela dos direitos

fundamentais, como justificativa à

declarados em seu bojo, essas se

imprescindível efetividade da Carta.

quedavam inertes, sob um pedestal

Ora,

inalcançável e inexequível. Sob

essas

premissas,

panorama,

em

concretude

e

que

[...] Criar uma imagem de um Estado

determinações

normativamente

o

século

constitucionais, XVIII

presteza,

conformando-se em:

praticamente a totalidade de suas

desde

legislação-

justificativa tem o intuito de cominar

em terra brasilis, vislumbrou-se o mesmo

esta

que

responde aos

problemas

eram

reais da sociedade, embora as

permeadas por um simbolismo sem

respectivas relações sociais não 33


sejam realmente normatizadas de

em que a divisão dos Poderes passa

maneira consequente conforme o

a ser verdadeiramente trialista, ou

respectivo

melhor, pluralista, assumindo todos

texto

legal.

Nesse

sentido, pode-se afirmar que a

os

legislação-álibi constitui uma forma

constitucional. Com efeito,

de manipulação ou de ilusão que

redutos

de

concretização

Passou-se de um discurso

imuniza o sistema político contra

fundado

outras alternativas, desempenhando

centralizado no juiz, apolítico e

uma função ideológica. (NEVES,

demonstrativo, que aplicava o direito

2007, p. 39-40).

material posto e fundado nos direitos

Nesta senda, elucubra-se a iniquidade

do

constitucionalismo

codificadas,

discurso democrático que relaciona

vez

autor, juiz e réu em colaboração,

que a busca em efetivar fórmulas

com

desprovidas

argumentativo,

de

regras

subjetivos preconcebidos, para um

malfadado simbólico,

em

qualquer

viés

problemático

e

fundado

na

partes

para

vinculatividade com os fundamentos

participação

constitucionais verte-as ao Poder

obtenção da melhor solução jurídica;

Judiciário o dever de dessimbolizá-

em síntese, na garantia substancial

los.

do contraditório. (ZANETI JÚNIOR, Ademais,

convém

afiançar

2007, p. 55-55).

que com a Constituição de 1988, segundo

Hermes

Zaneti

das

Esse renovado papel que

Júnior,

passa a desempenhar o Poder

insuflou-se uma modificação sob a

Judiciário

perspectiva dos domínios políticos,

modificação na ideologização da

detendo uma “abertura participativa

função exercida pelo julgador e, por

e

reconhecimento

instâncias

de

seja,

numa

de

diversas

consequência, dos operadores que

decisão

política”

postulam em juízo. Devendo o juiz desmistificar a nefasta neutralidade

(ZANETI JÚNIOR, 2007, p. 55). Ou

conjectura-se

a

democracia,

que o torna imune à realidade e

gradativamente vem perpassando

enclausurado

por uma mitigação da prevalência

imparcialidade é inerente a sua

dos Poderes Executivo e Legislativo,

atividade,

em que havia um controle central

transformá-lo em neutro, isento de

desses dois, para uma composição

responsabilidade ante a Carta que 34

ao

porém

processo,

não

a

precisa


tem o dever de tornar viabilizada

inadimplindo

pela decisão. A neutralidade não faz

elucubrado na Carta, como que

justiça

seus

entre

as

partes,

pelo

senda,

defender

adjetivos,

verbos

e

conjunções fossem tidos como não

assevera

ditos.

Walber de Moura Agra que: Ao

compromisso

substantivos,

advérbios,

contrário, gera mais injustiça. Nesta

o

que

a

Constituição é uma “ordem objetiva

2.1

de valores” e que a concretização

neoconstitucionalismo na atividade

dos

jurisdicional:

direitos

fundamentais

deve

Manifestação

A

do

Hermenêutica

garantir um mínimo existencial ou

constitucional do protagonismo do

densidade

Judiciário

suficiente

de

seus

preceitos está se tentando assegurar sua efetiva realização, mormente

Conforme elucubrado linhas

dos direitos que têm uma natureza

acima, conjectura-se como uma das

programática.

formas

Supremo

Dessa

Tribunal

forma,

o

Constitucional

de

manifestação

do

neoconstitucionalismo a atividade

assume uma relevante importância

jurisdicional,

no

os

anotar que não compreende aquela,

direitos fundamentais abrigados pela

que ainda é tão insistentemente

Constituição de 1988, tornando-se o

forjada pelos operadores pátrios,

“guardião

o

qual seja: da simples subsunção do

instrumento de tutela e efetivação

fato à norma, do juiz mera boca da

das

lei, que descreve o fato típico que se

sentido

de

implementar

dos

valores”,

prerrogativas

dos

cidadãos

(AGRA, 2010, p. 500).

o

mister

de

efetivamente

as

constitucional

impedindo

a

lepra

da

simbólica

deve-se

conformou à norma sem se deter às

Assim, compete ao Poder Judiciário

entretanto,

necessidades dos jurisdicionados e

tutelar

à

declarações

realidade

que

circunda

a

sociedade.

que

Devendo, ademais valer-se

constitucionalização

de um inter-relacionamento entre

contamine

o

atividade jurisdicional, através do

neoconstitucionalismo que se avulta,

processo, vinculado aos direitos

mantendo

fundamentais constantes do Texto

a

mandamentos

inefetividade constitucionais

dos e

Constitucional, vez que: 35


A relação entre a Constituição

O papel do Judiciário em um

e o processo pode ser feita de

Estado que se quer democrático é

maneira

distinto daquele que se lhe atribui na

direta

quando

a

Lei

Fundamental estabelece quais são

formulação

clássica

sobre

suas

os direitos e garantias processuais

relações com os demais poderes

fundamentais, quando estrutura as

estatais. Do Judiciário hoje, não é de

instituições essenciais à realização

se esperar uma posição subalterna

da justiça ou, ainda, ao estabelecer

frente a esses outros poderes, a

mecanismos formais de controle

quem caberia a produção legislativa

constitucional. Por outro lado, tal

(GUERRA FILHO, 2007, p. 69-70),

relação pode ser indireta, quando,

Mas sim, um protagonismo

tutelando diversamente determinado

que tenha por bandeira a realização

bem

os

democraticamente assegurada dos

direitos da personalidade ou os

direitos fundamentais. Nesta senda,

direitos coletivos ou difusos) ou uma

em que pese possa se falar da

determinada categoria de sujeitos

ausência

(crianças,

neoconstitucionalismo

jurídico

(por

exemplo,

adolescentes,

idosos,

de

legitimidade,

atividade

o

premente com o intuito de não tornar

preveja

infraconstitucional

regras

processuais

os

mandamentos

Poder

pró-

consumidores etc.), dá ensejo a que legislador

deste

a

no

se

faz

constitucionais

específicas e para que o juiz

meras promessas sem concretude,

concretize a norma jurídica no caso

com carga apenas simbólica, sendo,

concreto (CAMBI, 2009, p. 139).

nessa perspectiva, que o juiz adquire

Sob

esta

constata-se

que

democrática

do

a

perspectiva,

a

legitimidade

auspícios de uma responsabilidade

Judiciário

não

referida

legitimidade,

sob

os

ético-constitucional de tutelar os

decorre tão-só de uma determinação

direitos fundamentais.

normativa, mas se constrói em sua

[...] torna-se evidente que o

atuação no campo da hermenêutica

apego exagerado de grande parte

constitucional realizando o escudado

dos juízes brasileiros à teoria da

no

Separação dos Poderes é resultado

Texto

Constitucional.

Ora,

depreende-se assim que:

de uma atitude conservadora da doutrina constitucional, que ainda não se adaptou as suas “lições” às 36


condições diferenciadas do moderno

especialmente

Estado Social e está devendo as

constitucionais, impõe-se considerá-

necessárias

lo

atualização

e

reinterpretação de velhos dogmas do

como

direito

Indaga-se:

2002, p. 91).

necessidade

assunção

pelo

valores

constitucional

aplicado (OLIVEIRA, 2008, p. 230).

constitucionalismo clássico (KRELL,

A

de

Poder

Porque

da

a

hermenêutica

constitucional aplicada à Jurisdição?

Judiciário de funções consignadas

A

Constituição

outorga

precipuamente aos demais Poderes

atividade

consciência hermenêutica, que deve

especialmente

pela

jurisdicional

à

uma

representatividade – tem o condão

ser

de promover um debate político-

imprescindível à sua realização.

jurídico

Assim, o Judiciário “só se legitima

qualificado

no

que

diz

respeito aos direitos fundamentais. A

transformação

tomada

como

técnica

como Poder na medida em que

política

garante o respeito e a efetivação dos

advém da influência proveniente do

direitos e garantias fundamentais do

poder jurisdicional, que se maximiza,

cidadão” (HOMMERDING, 2007, p.

aspecto que redefine a divisão dos

175).

poderes (FIGUEROA, 2003, p. 165).

Assim,

sendo

a

atividade

A legitimidade da jurisdição depende

jurisdicional conformadora da tutela

de

jurisdicional

uma

atividade

interpretativa,

desde que, coerente, integral e

hermenêutica,

responsável.

constitucional,

Nesta entendimento

vereda, de

tem-se

Carlos

o

de

direitos,

sob

a

fundamento apresenta-se,

juntamente com os procedimentos e

Alberto

técnicas

processualmente

Álvaro de Oliveira, ao confirmar que:

consignadas,

Realmente, se o processo, na sua

possibilidade de se concretizar os

condição de autêntica ferramenta de

direitos

natureza pública indispensável para

efetiva a prestação da atividade

a

jurisdicional.

realização

da

justiça

e

da

como

fundamentais

uma

nova

tornando

pacificação social, não pode ser

Dessa forma, a perspectiva

compreendido como mera técnica,

interpretativa do direito enseja uma

mas, sim, como instrumento de

reprogramação da responsabilidade

realização

ínsita ao julgador de índole política e

de

valores

e 37


moral,

que

a

compreensão

tipo de furto. Eles são demasiado

hermenêutica do juiz seria a única

gerais para que tal seja possível.

apta a captar a complexidade do

Mas tais princípios são importantes

fenômeno jurídico (ARANGO, 1999,

tópicos

p. 158), ante à realidade.

assumem

de

argumentação

um

especial

e

relevo,

Contudo, no que tange à

sobretudo, quando está em causa

promoção da dignidade humana por

tutela das minorias e dos mais

meio da jurisdição, não detém uma

fracos. Está claro que tais princípios

possibilidade simplificada apesar de

são tanto mais contingentes quanto

ser uma característica ínsita a todo e

mais concretamente os concebemos

qualquer

humano,

e raramente se poderá fundamentar

principalmente por tal cláusula geral

uma decisão apenas em um desses

ser embebida de um conteúdo

princípios. Não se pode expor em

altamente

abstracto a forma como operam os

ser

abstrato

plurissignificativo,

e

porém,

essa

princípios

gerais

de

direito

na

indeterminabilidade não é fator de

argumentação, apenas se podem

irrealizabilidade

dar exemplos” (KAUFMANN, 2004,

dependem

de

da

direitos

que

promoção

da

p. 272-273).

dignidade para se concretizarem.

Dessa forma somente dentro

Neste ínterim, comporta à dignidade

uma

de uma tutela jurisdicional que

interpretação

considere

a

realidade

necessidade

compreendendo

o

amplamente a dignidade de todos os

embasamento precípuo de presença

membros do corpo social é que se

insofismável

poderá

do

afirmar

se

a

moralmente reflexiva do julgador, esta

de

e

promover

que

se

está

neoconstitucionalismo na atuação

vivenciando uma época, Estado e

jurisdicional.

Constituição que se conforma ao

Todavia, como bem adverte

fenômeno do neoconstitucionalismo.

Arthur Kaufmann, os princípios, e

Enfim, convém ressaltar que

especificamente

a

dignidade

para que a atividade jurisdicional

humana, não podem ser aplicados:

torne-se ínsita ao fenômeno do

[...] como se de uma receita

neoconstitucionalismo,

julgador

culinária se tratasse; e não se pode

deve

neles ‘subsumir’ como se faz sob o

mergulhado na realidade, não se 38

estar

o

constantemente


justificando

uma

perspectiva

Daí

a

dificuldade

meramente estática, nos estritos

hermenêutica: seria possível incluir

limites da

nesse regime uma situação que não

relações

lei.

Pois,

humana

sendo as

extremamente

foi

originalmente

prevista

pelo

complexas e mutáveis, não cabe se

legislador ao estabelecer a premissa

traçar um quadro enclausura como

para a consequência jurídica? Não

se a realidade fosse imutável. A

haveria transbordamento dos limites

realidade é mutante, líquida, fluída,

da atividade jurisdicional? A resposta

dispersa, cresce e fenece conforme

à

os atores que a encenam.

desenganadamente

Neste sentido, vislumbra-se a

última

votos

da

ADI

adianto,

é

negativa

(BRASIL, 2011).

recente decisão do STF preferida nos

questão,

E ainda, sob o voto do

nº4.277/DF

Ministro Relator Carlos Ayres Britto,

e ADPF nº 132, que equiparou a

elucubrando

união de casais homoafetivos à

homossexualidade é um traço ínsito

união estável, determinada tanto

da

pelo

pela

humano, decorrente do direito à

forma

intimidade (inc. X, art. 5º), tido como

Código

Constituição

Civil

como

Federal,

de

literal, possível apenas por casais

que

personalidade

de

a

cada

ser

direito fundamental, eis que:

formados por homem e mulher.

[...] nessa altaneira posição de

Entretanto, os Ministros do STF

direito

argumentaram enfaticamente que a

personalidade, a preferência sexual

homossexualidade é um fato social

se põe como direta emanação do

crescente na realidade brasileira e

princípio da “dignidade da pessoa

que não pode ser ignorado, pelo

humana” (inciso III do art. 1º da CF)

contrário,

enfrentado,

[...] Com o aporte da regra da

combatendo-se qualquer forma de

autoaplicabilidade possível das

preconceito dele advindo.

normas consubstanciadoras dos

deve

se

Em seus votos, é visível a dificuldade

encontrada

fundamental

e

bem

de

direitos e garantias fundamentais,

pelos

a teor do §1º do art. 5º da nossa Lei

Ministros em proferirem seus votos

Maior, assim redigido: “As normas

nos estritos limites legais, conforme

definidoras dos direitos e garantias

se extrai do voto do Ministro Marco

fundamentais

Aurélio Mello:

imediata”. [...] Daqui se deduz que a 39

têm

aplicabilidade


liberdade sexual do ser humano

legitimidade que se pode extrair do

somente deixaria de se inscrever no

Texto

âmbito de incidência desses últimos

dos artigos. 5º, XXXV, 101 e 102,

dispositivos constitucionais (inciso X

quais sejam: uma referente à própria

e

se

Jurisdição Constitucional e a outra

houvesse enunciação igualmente

no que compreende o exercício

constitucional em sentido diverso.

dessa jurisdição.

§1º

do

art.

5º),

Coisa que não existe (BRASIL,

Constitucional,

localizados

No que tange à primeira, a

2011). Grifos no original. Ora, o que não é proibido pelo

legitimidade

da

Constitucional

diz

Jurisdição respeito

à

direito é plenamente viável e deve

competência

que

o

ser tutelado, vez que ao direito é

constituinte,

por

ocasião

impossível

Assembleia Nacional Constituinte,

normatizar

todas

as

legislador da

situações insurgentes no cerne da

assegurou

ao

Tribunal

sociedade, competindo ao Judiciário

Constitucional,

sendo

legitimo

protagonizar as devidas análises

somente pelo fato de existir, tal

interpretativas visando a tutela dos

legitimidade

direitos

estáticas, é de ordem institucional.

fundamentais,

como

preocupação moral em implementá-

tem

Infere-se,

qualidades

ainda,

dessa

fator,

convém

dita legitimidade formal algumas cat

no

que

egorias: uma condizente à vontade

legitimidade

normatizada na Constituição Federal

democrática do Poder Judiciário,

pelo Poder Constituinte Originário,

mais precisamente do Supremo

em que a maioria atual sucumbe

Tribunal Federal.

face à norma constitucional que

los.

Por

tal

demonstrar-se compreenderia

a

disponha em sentido contrário. E 3.

Legitimidade

democrática

do

outra,

supremo tribunal federal

que

a

legitimidade

da

Jurisdição Constitucional confundese com sua competência, isto é, só

Para a análise da legitimidade

por seus atributos, tal como órgão

do Supremo Tribunal Federal (STF),

oficial estatal e competentemente

antes, porém, se faz necessário

nomeado. E ainda, uma legitimidade

tecer alguns comentários a respeito

democrática

da distinção entre duas formas de

alcançaria em virtude dos membros 40

indireta

que

se


dos poderes que fazem a escolha dos

Ministros

do

A

Tribunal

defesa

constitucionais

de

direitos

fundamentais

de

Constitucional serem representantes

minorias pelo Tribunal Constitucional

do povo. Contudo, tais categorias

será

deixam aquém a conquista de uma

uma

legitimidade

democrática, tendo em vista que por

verdadeiramente

democrática. No

especial

de legitimidade

efetivar tais direitos já se torna que

concerne

à

legítimo.

legitimidade de exercício – que tem características –,

dinâmica

dotada

em

Ademais, o ponto culminante que coloca em xeque a legitimidade

constante um

do Tribunal Constitucional se dá

axiológico,

quando este se encontra numa

atuaria com pretensão de proteger a

posição oposta “às decisões dos

ordem

circulando

demais ‘poderes’ (função arbitral),

entre os ambientes do Direito e da

contra a lei da maioria (função

Política.

em:

estruturante) ou diretamente contra a

legitimidade técnica, por referir-se à

própria vontade popular ou, ainda

independência

assume

predominante

por

deter

cunho

constitucional,

Distingue-se

no

exercício

da

função jurisdicional, que apesar da

decisões

próprias

[...]”

(TAVARES, 2005, p. 496).

falta de representatividade de origem

Em “a

algumas missão

situações,

eletiva do Tribunal Constitucional

quando

não lhe prejudica a plena conquista

Constitucional se projeta, assim,

de legitimidade, que seja gravada

para além da mera função de

com caráter democrático.

legislador negativo, guardião da

do

Tribunal

Ora, convém asseverar que

coerência sistêmica do ordenamento

numa democracia complexa como a

jurídico” (BINENBOJM, 2001, p. 82),

brasileira, em que, inicialmente, se

depreende-se que ele expande sua

buscou

atuação para alcançar uma integral

albergar

na

própria

Constituição interesses tão dispares,

legitimidade

o STF pretende assegurar não

democrática, vez que passa a ter a

apenas o domínio da maioria, mas

função “de articular o debate público

igualmente

em

a

consideração

às

torno

de

dos

natureza

princípios

constitucionais [...]” (BINENBOJM,

minorias.

2001, p. 82), donde se apoia no 41


ínfimo intuito de concretizar os

procedimento legitima o Tribunal

direitos

Constitucional, isto é, ao Tribunal

constitucionais

fundamentais. Com

Constitucional efeito,

ante

ao

realizar

a

Justiça

Constitucional deverá levar em conta

elucubrado acima, o que fornece

tão-só

legitimidade democrática ao Tribunal

estabelecido. Ele defende que o

Constitucional

função

procedimento inerente às decisões

voltada

judiciais, por si só, é condição

especificamente para os anseios

suficiente para a sua legitimação,

verdadeiramente democráticos da

mesmo que seus posicionamentos –

sociedade

que em maior ou menor medida

é

sua

jurisdicional,

contemporânea,

o

procedimento

desempenhando importante papel

contrárias

as

na defesa do pluralismo das minorias

constitucionais

e no controle do Poder Público,

repercussão social.

pré-

determinações -

tragam

grande

especialmente fundado no princípio-

O conceito de legitimidade

matriz da dignidade da pessoa

defendido por Luhmann não permite

humana.

uma ligação direta com os interesses dos

3.1

Legitimidade

Niklas

Luhmann

Procedimental: versus

atores

sociais,

não

se

importando se as decisões judiciais

Jünger

obtêm consenso em virtude da

Habermas

aceitação dos jurisdicionados ao conteúdo da sentença. Assim, não

Destarte, ainda no que diz

há o imperativo de se construir um

respeito à legitimidade no exercício

espaço público para a participação

da Jurisdição Constitucional, há uma

dos jurisdicionados como defendido

corrente procedimentalista que gira e

por Jünger Habermas. A rigor,

torno de Niklas Luhmann (1980) e

Luhmann entende que a atividade

Jünger

jurisdicional

Habermas

(2003a),

que

transforma-se

em

apesar de serem da mesma vertente

legítima a partir do momento que são

adotam

aptas a coligir uma aceitação diante

posicionamentos

divergentes.

da decisão.

De acordo com a doutrina de

Assim,

legitimidade, o

de

Niklas Luhmann, que funda sua obra

acordo

na teoria dos sistemas, somente o

luhmanniano, advém da função que 42

com

a

entendimento


o procedimento judicial representa

fechado agindo sob o código binário

no desembocar em uma decisão

licito/ilícito. Não levando em conta a

judicial, ou seja, o procedimento e o

sociedade, nem a realidade para as

processo judicial tem a função de,

tomadas de decisão.

necessariamente, findar-se numa

Contudo,

decisão judicial.

asseverar

A Jurisdição Constitucional

que

necessário

se

a

de

posição

Luhmann queda um tanto quanto

somente se legitimará a partir do

inadequada,

momento que seja apta a suscitar

procedimento que legitimará, mas

uma generalização que faça com

sim um procedimento adequado

que as decisões proferidas pelos

para

que

se

órgãos do Poder Judiciário sejam

Constituição

e

aceitas,

de

fundamentais, devendo o referido

serem a mais acertada aos casos

Tribunal Constitucional estar aberto

concretos

à realidade.

independentemente

ou

não.

Portanto,

a

legitimidade está vinculada a um procedimento numa

que

decisão,

Dentro

desemboque mesmo

pois

não

será

concretize os

desse

o

a

direitos

panorama,

Habermas (2003a e 2002) afiança

que,

que

a

legitimação

pelo

normalmente, não decorra esta de

procedimento, sem estar associado

um consenso, nem seja a mais justa,

a uma sintonia direta com o espaço

mas terá o condão, simplesmente,

público, é uma perfumaria jurídica,

de generalizar as expectativas.

no afã unicamente promover uma

nos

Nesse diapasão, Luhmann

ilusória

apresenta

sistema, em que as controvérsias

a

definição

de

estabilização

dentro

do

legitimidade como uma “disposição

são

generalizada para aceitar decisões

ordenamento normativo, resolvidas

de conteúdo ainda não definido,

pelo

dentro

lícito/ilícito.

de

certos

limites

de

tolerância” (1980, p. 30). Dessa Constitucional

forma,

exauridas

código

no

jurídico

próprio

binário

Habermas atua no sentido de o

Tribunal

compatibilizar a soberania popular

somente

torna-se

com os direitos fundamentais, pois

legítimo, bem como suas decisões,

além

quando

imprescindíveis

ao

processo

democrático,

os

direitos

pauta-se

procedimento

em

um

operacionalmente 43

de

serem

elementos


fundamentais

precisam

ficar

constitucionalidade

protegidos dos caprichos da maioria

(HABERMAS,

2003, p. 326).

legislativa.

Há uma abertura discursiva

A atuação que legitima o

na

Jurisdição

Constitucional

Tribunal Constitucional é aquela

buscando a construção racional das

voltada à proteção dos direitos

decisões

constitucionais

fundamentais.

constitucionalidade, que se dará por

Assim, “em face de um procedimento

meio da comunicação, através do

como

legitimamente

debate. Dessa forma, o STF torna-se

reconhecido, ainda se pode fazer

um espaço público por excelência

valer a diferença entre um resultado

para ocorrência desse debate, onde

“válido”

as

esse,

e

um

resultado

sobre

questões

controle

constitucionais

“racionalmente aceitável” (no âmbito

serem

institucional dado)” (HABERMAS,

edificação

2002, p. 107).

coadunam com a realidade.

A

força

legitima

de

promovem decisões

ao a que

a

No que tange à defesa dos

Jurisdição Constitucional sustenta-

direitos fundamentais, é no Tribunal

se

Constitucional onde esses direitos,

no

que

discutidas

de

estabelecimento

de

procedimentos interligados a uma

dada

comunicação

para

encontram um espaço adequado ao

pública,

amplo debate, em sede de controle

constituir

com

uma

índole

opinião

fundando uma política deliberativa.

examinar

controvertidos contexto

os

dos

comunicativos procedimentais

por

no

de

condições processo

do

controle

de

garantir

legislativo

o e

devido os

processo direitos

de

fundamentais, com fundamento no

Tal

desígnio de que o constitucionalismo

compreensão procedimentalista da

e a democracia não são contrários,

Constituição imprime uma virada

mas sim ao agirem em conjunto

teórico-democrática ao problema da

promovem a integral concretização

legitimidade

dos direitos fundamentais.

legislação

do

meio

constitucionalidade, tem a obrigação

pressupostos e

fundamentalidade,

Assim, a Jurisdição Constitucional,

conteúdos

especialmente

sua

de controle de constitucionalidade.

[...] o Tribunal Constitucional precisa

a

democrático.

de

controle

de

44


Os

órgãos

judiciais

elevado grau de criatividade que lhe

encarregados de velar pelo respeito

concedida pelo Poder constituinte

à

Originário.

constituição,

especialmente

Tribunal

o

Constitucional

Portanto,

pode-se

afiançar

desempenham um papel importante

que, hodiernamente, a Jurisdição

na obtenção e manutenção do

Constitucional brasileira alberga um

consenso,

arquétipo

à

medida

que

lhes

procedimental

que

competi decidir em termos jurídicos

apresenta alternativas e condições,

sobre opções políticas que lhes são

nas quais possibilitam, de forma

submetidas, e que lhes podem ter

fortemente aberta, a ingerência de

sido

uma

deliberadamente

deixadas

multiplicidade

de

sujeitos,

pelas instâncias políticas, que não

interesses, assuntos e pontos de

conseguiram obter o consenso e a

vista

autoridade necessária para mantê-

constitucional.

lo. (HABERMAS, 2005, 102). Apesar

A

Habermas

do

abertura

processo

comunicacional

ter

para o exterior faz-se necessária em

legitimidade

todo e qualquer sistema, com o

procedimentalista quanto à atuação

intuito de mantê-los vivos, e em

do

constante evolução, conservando-os

adotado

de

dentro

uma

Tribunal

Constitucional,

ele

admite que, para que este não se

em

torne

necessidades e ocorrências do meio.

um

reduto

autoritário

e

conformidade

Assim,

arbitrário de poder, é necessário

a

com

fresta

as

que

utilizar-se da lição de Peter Häberle

desabrolha no sistema constitucional

da

aos

por meio da atividade de Jurisdição

Constituição”.

Constitucional à interpretação de

“Sociedade

Interpretes

da

Afirmando

que,

Aberta

forma,

novas necessidades da realidade

havendo a possibilidade da abertura

torna-o um concretizador impar do

do

Texto Constitucional.

Tribunal

influxos

de

dessa

Constitucional outros

redutos

aos da

sociedade donde se extrairá a

3.2

realidade

tornando-se

Fundamentais

possível que se coloque um fim a

Constitucional

presumida falta de legitimidade do

A dessimbolização da Constituição

STF, vez que é suprida com o

Federal de 1988

social,

45

A

defesa

dos pela

Direitos Corte Brasileira:


urnas, advém da relevantíssima Diante do quadro que se afigura

o

atual

estágio

função que tal Tribunal galgou, com

do

passados mais de vinte e quatro

constitucionalismo contemporâneo,

anos,

donde se encontra na era dos

do esplêndido conto de fadas que se

direitos fundamentais sob o fulcro de

encontrava o Texto Constitucional.

um princípio-matriz (dignidade da

de

acordar

Destarte,

o

pessoa humana), tomando o lugar

Constitucional

do período em que se sustentava

possui legitimidade principalmente

com maior primazia a separação dos

por sua função contramajoritária,

poderes. Eis que, velar por sua

com o fito de proteger os direitos

guarda e supremacia é velar pela

fundamentais, bem como, a própria

própria vivificação da concretização

ordem jurídica Constitucional.

dos direitos fundamentais, retirandoos,

por

conseguinte,

simbolismo,

as

do

é

Tribunal

democrático

e

Nesse ínterim, considerando

mero

que o próprio Texto Constitucional

elucubrações

seria o resultado da reunião de

incrustadas no bojo constitucional.

forças,

interesses

e

bens

Nesse mesmo cotejo, frente

contraditórios, ou seja, – segundo o

às mazelas da realidade sócio-

entendimento de Niklas Luhmann –,

política-jurídica brasileira, o STF

um complexo mecanismo em que há

começou a não só albergar as

o acoplamento estrutural entre a

temáticas

de

política e o direito, em que se

constitucionalidade em suas pautas,

favorece a troca de conhecimento

foi além! Ora, o STF como um

entre os sistemas, atuando como um

Tribunal Constitucional é órgão que

mecanismo

tem legitimidade, para completar a

recíproca

pretensão negativa do legislador

favoreceria a abertura cognitiva do

constituinte na defesa dos direitos

sistema jurídico ao seu ambiente,

constitucionais

fundamentais,

promoveria a captação de influxos

minorias,

da realidade e, consequentemente,

do

principalmente dotando-se

controle

de de

uma

especial

de entre

interferência eles,

concretizando

legitimidade democrática.

o

STF

o

Texto

forma,

assevera

Constitucional.

Legitimidade esta que, apesar

Dessa

de não derivar diretamente das

Luhmann 46

que

é

através

da


Constituição que se estabelece as

um juízo permeado de realidade,

zonas de contato entre os sistemas

atendo-se

jurídico e o político. Instala-se uma

possibilidades e vicissitudes, para

recíproca irritabilidade entre esses

que promova a concretude de seu

dois

texto, dessimbolizando-a.

subsistemas

Desencadeando-se

sociais.

as

às

múltiplas

maiores

possibilidades do sistema jurídico registrar decisões políticas em forma

Considerações finais

jurídica, além de corroborar para que a política utilize-se do direito para concretizar

seus

Sob a nova perspectiva que

objetivos

se

(LUHMANN, 2002, p. 539-541).

vislumbra

especialmente

comum a ambos os sistemas, e o

necessidades

Tribunal,

fundamentais

a

visão

Estado

Constitucional, qual seja, voltado

A rigor, Constituição seria

segundo

o

de

às dos e

reais direitos

aos

valores

e

Luhmann, seria o centro do sistema

princípios

jurídico

os

comprometeu, promove uma total

por

reviravolta também na atividade

interno,

subsistemas se

reduto

que

acoplariam,

ocasião de suas decisões.

realizada

Portanto, compete ao STF,

que

pelo

especialmente

o

Estado

Poder a

se

Judiciário,

desempenhada

por se situar no centro dessas trocas

pelo STF, em sede de Jurisdição

de informações e no cerne decisório

Constitucional.

da Jurisdição Constitucional, efetivar

Uma

Jurisdição

a Constituição, valendo-se, também,

Constitucional

de tal acoplamento estrutural entre

legítima é aquela que, além de estar

os sistemas. Logo, por encontrar-se

voltada para a concretização dos

numa posição ambivalente garante o

direitos fundamentais e seguindo os

pleno funcionamento dos “códigos

fins que o Texto Constitucional lhe

da política e do direito”, com suas

relegou, realiza um diálogo com a

influências mútuas nos sistemas.

realidade no afã de acompanhar as

A Jurisdição Constitucional,

democraticamente

constantes mutações da sociedade

neste Estado Constitucional que se

moderna.

afigura, deve desempenhar uma interpretação da Constituição com 47


Tendo em vista que, no atual estágio

que

se

encontra

luhmanniano, que não faz a devida

o

composição entre os ambientes dos

constitucionalismo

brasileiro

sistemas político e jurídico, e torna

(neoconstitucionalismo),

edificado

esta

Jurisdição

sob uma sociedade em crescente

simples

grau de complexificação, que por

procedimento.

sua atividade jurisdicional girar em

legitimada

venerar

de

pelo um

Para tanto, faz-se necessário

função dos direitos fundamentais, a

adequar

simples supressão da insegurança

Jurisdição Constitucional com os

jurídica

plena

reais

mera

mantendo-se um diálogo contínuo

não

gerará

a

procedimento

anseios

da

democráticos,

realização

destes.

formalidade

do

procedimento

é

com a realidade social, para que o

insuficiente

para

concretizar

as

Tribunal Constitucional Brasileiro se

dos

transforme no guardião maior da

necessidades

A

o

essenciais

jurisdicionados. Não Jurisdição

basta,

Carta assim,

Constitucional

a

Constitucional

concretizando

estar

os

de

1988, direitos

fundamentais constantes de seu

pautada em um procedimentalismo

Texto.

formalista, segundo o entendimento

48


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52


A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL BRITO, Déborah Cristiane Domingues de. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. POZZOBON, Lívia Pincerato. Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SILVA, Bruno Henrique Procópio. Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente artigo científico tem como finalidade demonstrar objetivamente a impossibilidade de se quantificar as indenizações referentes a danos morais, constitucionalmente previstos no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. Devido à complexidade de ser estabelecido o quantum indenizatório nas ações que versam sobre referidas indenizações, muito se discute acerca de um possível tabelamento de valores, apresentado, inclusive, pelo Projeto de Lei nº 334/2008 do Senado Federal, de autoria do Senador Valter Pereira. No decorrer do presente trabalho, serão apresentados os fatores que impossibilitam que o dano moral seja quantificado, sendo que, para tanto, foram utilizados os métodos dialético e comparativo, e o tipo de pesquisa não empírica, mais precisamente a bibliográfica.

ABSTRACT The present article has as its aims to demonstrate objectively the impossibility to quantify the compensations for moral damages, constitutionally contemplated in article 5º, line V and X, of the 1988 Federal Constitution. Due to the complexity of establishing the quantum indemnity concerning this kind of compensation, much has been discussed about the scale of value, also presented by the Draft Law nº 334/2008 of the Federal Senate, by Senator Valter Pereira. During this present work, it will be shown the factors that made it impossible to quantify the moral damages, so that, it were used dialectic and

53


comparative methods, and the kind of non empirical research more precisely the bibliographic one.

Palavras-chave: Dano moral. Quantificação. Impossibilidade. Keywords: Moral damage. Quantify. Impossibility. 54


(...)

Introdução

X

-

são

invioláveis

a

se

intimidade, a vida privada, a honra e

discutiu acerca da indenizabilidade e

a imagem das pessoas, assegurado

da cumulabilidade do dano moral, ou

o direito a indenização pelo dano

seja, quando este seria devido e se

material ou moral decorrente de sua

poderia ser pleiteado juntamente

violação;

com os danos de natureza material.

REPÚBLICA

Porém, atualmente estas discussões

BRASIL, 1988).

Durante

muito

tempo

(CONSTITUIÇÃO

Desta

já se encontram pacificadas, o que

FEDERATIVA

forma,

DA DO

vislumbra-se

faz vir à tona uma nova discussão,

que o direito ao recebimento de

acerca da quantificação do dano

indenização

moral.

morais é, inclusive, uma garantia

referente

a

danos

jurídico

constitucional. Por outro lado, com

nacional prevê a possibilidade de

relação à cumulabilidade do dano

indenização relativa a danos morais

moral, pode-se citar, por exemplo, a

em vários de seus dispositivos.

Súmula 37 do Superior Tribunal de

Apenas a título de exemplo cita-se

Justiça, que prevê: “Indenizações -

abaixo o artigo 5º da Constituição

Danos - Material e Moral - Mesmo

Federal, em seus incisos V e X:

Fato – Cumulação. São cumuláveis

O

ordenamento

Art. 5º Todos são iguais

as indenizações por dano material e

perante a lei, sem distinção de

dano moral oriundos do mesmo

qualquer

fato.” (Superior Tribunal de Justiça,

natureza,

garantindo-se

12/03/1992, DJ 17/03/1992).

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

Entretanto, a quantificação do

do direito à vida, à liberdade, à

dano moral não encontra qualquer

igualdade,

previsão

à

segurança

e

à

legal,

devido

à

propriedade, nos termos seguintes:

complexidade do tema. Diante dessa

(...)

situação, foi apresentado no Senado V - é assegurado o direito de

Federal o Projeto de Lei nº 334/2008,

resposta, proporcional ao agravo,

pelo Senador Valter Pereira, que

além da indenização por dano

prevê

material, moral ou à imagem;

indenizações por danos morais, de

55

um

tabelamento

das


acordo com a natureza do fato

atentado à reputação da vítima, à

gerador.

sua autoridade legítima, ao seu

O presente estudo versará,

pudor,

à

sua

segurança

e

então, sobre a impossibilidade de se

tranquilidade, ao seu amor próprio

quantificar o dano moral, ante as

estético,

diferenças de cada caso concreto,

inteligência, a suas afeições, etc.

mesmo àqueles oriundos de um

(SAVATIER,1989 apud PEREIRA,

mesmo tipo de fato gerador.

1999, p. 54).

à

Ainda, 1. O conceito de dano moral e seus

integridade

para

o

de

sua

Professor

Yussef Said Cahali, dano moral é:

fatos geradores

(...) a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor

O que configura e o que não

precípuo na vida do homem e que

configura o dano moral? Na falta de

são a paz, a tranquilidade de

critérios objetivos, essa questão

espírito, a liberdade individual, a

vem-se tornando tormentosa na

integridade individual, a integridade

doutrina e na jurisprudência, levando

física, a honra e os demais sagrados

o

de

afetos, classificando-se desse modo,

perplexidade. (CAVALIERI, 1996, p.

em dano que afeta a parte social do

76.)

patrimônio moral (honra, reputação,

julgador

a

situação

De acordo com a doutrina e a jurisprudência

dominante,

etc.) e dano que molesta a parte

dano

afetiva do patrimônio moral (dor,

moral é todo aquele que atinge de

tristeza, saudade, etc.), dano moral

forma efetiva “bens de natureza não

que provoca direta ou indiretamente

patrimonial

dano

do

indivíduo”

patrimonial

(cicatriz

(PARIZATTO, 1998, p.4.). Em outras

deformante, etc.) e dano moral puro

palavras, os danos que não atingem

(dor, tristeza, etc.). (CAHALI, 1998,

o patrimônio material do indivíduo,

p. 17).

ou seja, os extrapatrimoniais são

Diferentemente do dano de

considerados de natureza moral.

natureza material, que é líquido e

Para Savatier, dano moral é:

certo, visto que foi atingido um bem

(...)

patrimonial

qualquer

sofrimento

que

possuía

valor

humano que não é causado por uma

determinado, o dano moral não

perda pecuniária, e abrange todo

possui esta liquidez. Isto porque não 56


há como se determinar o valor de

suficiente para não provocar apenas

uma

um mero aborrecimento, mas sim um

vida,

de

uma

imagem

maculada, ou mesmo de uma saúde

efetivo abalo psicológico.

psicológica atingida por determinado

Nessa linha de princípio:

ato ilícito.

(...) só deve ser reputado

Todavia,

mesmo

não

se

como dano moral a dor, vexame,

originando de lesão à bem material,

sofrimento

ou

a reparação por dano moral ocorre

fugindo

normalidade,

em moeda, visto que, via de regra,

intensamente

não há como se recuperar o bem

psicológico do indivíduo, causando-

imaterial atingido. Desta forma, a

lhe aflições, angústia e desequilíbrio

indenização

de

em seu bem-estar. Mero dissabor,

reparação, buscando amenizar os

aborrecimento, mágoa, irritação ou

resultados danosos.

sensibilidade exacerbada estão fora

toma

a

forma

Muito se discute acerca da

à

humilhação

no

que,

interfira

comportamento

da órbita do dano moral, porquanto,

natureza da indenização referente a

além

de

fazerem

danos morais, ou seja, se esta deve

normalidade do nosso dia-a-dia, no

possuir caráter compensatório para

trabalho, no trânsito, entre os amigos

a vítima do dano ou caráter punitivo

e até no ambiente familiar, tais

para o agente do dano.

situações

não

são

parte

intensas

da

e

duradouras a ponto de romper o 1.1 Fatos geradores de dano moral

equilíbrio psicológico do indivíduo. (CAVALIERI FILHO, 1996, p. 76.)

Como já citado, o dano moral

Desta forma, necessário se

é aquele que atinge algum bem

faz que, ao analisar a necessidade

imaterial

podendo

ou não de reparação por danos

afetar a parte social ou a parte

morais, seja identificado se o fato

afetiva do patrimônio moral, bem

gerador do alegado dano teve o

como pode provocar apenas o dano

condão de provocar efetivo prejuízo

moral puro como também dano

moral ao indivíduo, não sendo

material decorrente de dano moral.

indenizáveis os atos que fazem parte

do

indivíduo,

Todavia, para que o dano moral

possa

ensejar

da normalidade, gerando apenas um

o

mero aborrecimento.

ressarcimento, ele deve ser grave o 57


Portanto, pode-se afirmar que

supracitado instituto: “Aquele que,

o dano moral derivar tanto de uma

por ação ou omissão voluntária,

ofensa moral pura, quanto de uma

negligência ou imprudência, violar

ofensa ao patrimônio material que

direito, ou causar prejuízo a outrem,

possa posteriormente afetar a esfera

fica obrigado a reparar o dano”. Após a entrada em vigor do

moral. Ainda, que tais danos podem afetar

diversas

modalidades

Código Civil de 2002 a situação foi

do

patrimônio imaterial do indivíduo e

modificada.

que, para que seja passível de

necessário se faz que, para ensejar

indenização,

a responsabilização civil do agente

deve

efetivamente

A

partir

de

então,

causador de dano, este viole direito

provocar abalo moral no indivíduo.

alheio

e

lhe

cause

prejuízo,

conforme estabelece o artigo 186 do

2. Responsabilidade Civil

referido código: “Aquele que, por A possibilidade de reparação

ação

ou

omissão

voluntária,

de danos, sejam eles materiais ou

negligência ou imprudência, violar

morais, depende da existência de

direito e causar dano a outrem, ainda

um ato ilícito. Em outras palavras,

que exclusivamente moral, comete

para que um indivíduo faça jus ao

ato ilícito”.

qualquer

Desta forma, observa-se que,

indenização, um agente deve ter

anteriormente, a ocorrência de uma

cometido contra ele algum ato ilícito.

das situações já caracterizava a

Anteriormente,

responsabilização, ao passo que

recebimento

de

tais

atos

eram

previstos no artigo 159, do Código

atualmente

Civil

que,

ocorrência de ambas as situações,

atualmente, estão previstos no artigo

tanto a violação de direito alheio

186, do Código Civil de 2002.

quanto o efetivo prejuízo.

de

1916,

enquanto

Outro

No período em que vigorava o

é

necessária

ponto

a

importante

Código Civil de 1916, para que

inserido com a nova redação é o fato

houvesse a responsabilização civil

de que a responsabilização ocorre

do agente causador de dano, era

mesmo que o dano provocado seja

necessário que este violasse direito

apenas de natureza moral, mesmo

alheio ou lhe causasse prejuízo. Esta

não refletindo de qualquer forma no

era a redação do artigo 159, do

patrimônio material do indivíduo. 58


2.1 Responsabilidade objetiva e

a existência de contrato, bem como

subjetiva

as situações previstas nos incisos I a V do artigo 932, bem como a

Estão previstas no Código

responsabilização

por

atos

Civil de 2002 duas modalidades de

praticados por terceiros ali referidos,

responsabilidade civil, quais sejam, a

no artigo 933, ambos do Código Civil

objetiva e a subjetiva. Possuem,

de 2002:Art. 932. São também

entre si, uma grande diferença, que

responsáveis pela reparação civil:

será explicada a seguir.

I - os pais, pelos filhos

A obrigação de indenizar está prevista

no

artigo

927

e

menores que estiverem sob sua

seu

autoridade e em sua companhia;

parágrafo único, do Código Civil, no

II - o tutor e o curador, pelos

qual pode-se observar a diferença

pupilos

básica entre a responsabilidade civil

acharem nas mesmas condições;

objetiva e a subjetiva:

e

III

curatelados,

-

o

que

empregador

se

ou

Art. 927. Aquele que, por ato

comitente, por seus empregados,

ilícito (arts. 186 e 187), causar dano

serviçais e prepostos, no exercício

a outrem, fica obrigado a repará-lo.

do trabalho que lhes competir, ou em

Parágrafo obrigação

de

único. reparar

Haverá o

razão dele;

dano,

IV - os donos de hotéis,

independentemente de culpa, nos

hospedarias,

casos especificados em lei, ou

estabelecimentos onde se albergue

quando a atividade normalmente

por dinheiro, mesmo para fins de

desenvolvida pelo autor do dano

educação, pelos seus hóspedes,

implicar, por sua natureza, risco para

moradores e educandos;

os direitos de outrem.

casas

ou

V - os que gratuitamente

Ao interpretar o parágrafo

houverem participado nos produtos

único, observa-se que nos casos

do crime, até a concorrente quantia.

previstos em lei, a reparação deverá

Art.

933.

As

pessoas

ocorrer independentemente de culpa

indicadas nos incisos I a V do artigo

do agente. Esta é a responsabilidade

antecedente, ainda que não haja

civil objetiva, decorrente de força de

culpa de sua parte, responderão

lei. Além disso, outra situação que

pelos atos praticados pelos terceiros

enseja a responsabilidade objetiva é

ali referidos. 59


Desta

forma,

pode-se

parágrafo único do artigo 927 já

conceituar a responsabilidade civil

citado acima.

objetiva como aquela na qual a

Importante salientar que a

reparação é obrigatória apenas com

responsabilidade

a comprovação da existência do fato,

suplantou, nem derrogou a teoria

não sendo necessário demonstrar

subjetiva, a qual continua a ser

que tenha ocorrido culpa ou dolo por

aplicada, quando a culpa do infrator

parte do agente causador do dano.

restar

Por

outro

lado,

a

objetiva

demonstrada.

aplicação

da

não

Para

a

responsabilidade

responsabilidade civil subjetiva é

objetiva, necessária a presença de

aquela na qual se faz necessário

alguns requisitos, (...). É aplicável

demonstrar a existência de culpa ou

quando a exigência da culpa se

dolo por parte do agente causador

configura

do dano, pois não possui qualquer

comprovação

obrigação advinda de lei ou de

inviabilizando a indenização pelo

contrato.

dano sofrido. A teoria subjetiva tem

Em

outras

palavras,

a

aplicação

responsabilidade subjetiva ocorre

em

ônus

de

pela

genérica,

difícil vítima,

enquanto

a

objetiva específica. [1]

quando o dever de indenizar surge

Desta forma, conclui-se que a

em razão do comportamento do

simples comprovação da existência

sujeito que causa danos a terceiros,

do fato, quando não houver previsão

por dolo ou culpa.

em lei ou contrato, não tem o condão

Para um melhor entendimento

de gerar, por si só, o direito à

acerca da existência de ambas as

indenização relativa a danos morais.

situações, podemos citar trecho de

Nestes casos, em que ocorre a

decisão do Tribunal Regional do

responsabilidade

Trabalho da 15ª Região:

necessário se faz comprovar, ao

civil

subjetiva,

No Brasil, a responsabilidade

menos, a culpa do agente. Por outro

objetiva era considerada exceção à

lado, quando há previsão em lei ou

regra da teoria subjetiva, tendo

contrato,

aplicação

apenas

casos

responsabilidade civil objetiva, a

previstos

em

especiais.

simples demonstração da existência

Entretanto, com o advento do Código

do fato e do nexo de causalidade

leis

nos

Civil de 2002, foi adotada no 60

ou

seja,

casos

de


entre fato e dano já acarretam o

danos sofridos pelo indivíduo que

direito à indenização.

suportou os danos. Neste sistema, estipula-se

3.

Critérios

para

fixação

um

valor

para

a

indenização pelo qual a vítima do

do quantum indenizatório

dano

se

sinta

compensada,

independentemente do agente se Antes

de

adentrar-se

sentir efetivamente punido.

especificamente nos critérios para

Assentadas essas premissas,

fixação do quantum indenizatório

passa-se a abordar os aspectos que

adotados no ordenamento jurídico

influenciam na fixação do quantum

pátrio, devemos fazer uma breve

indenizatório

consideração sobre os possíveis

jurídico brasileiro no tocante aos

sistemas

danos morais.

de

fixação

de

danos

morais, que podem ser o de caráter punitivo

e

o

de

No

caráter

no

ordenamento

ordenamento

jurídico

brasileiro adota-se o sistema de

compensatório.

danos

morais

de

caráter

O sistema de fixação de

compensatório. Todavia, visualiza-

danos de caráter punitivo é aquele

se alguns aspectos que o tornam um

cujo

tanto mais complexo do que o

principal

indenização

objetivo

é

servir

da como

sistema

penalidade ao agente, de modo que

simples.

compensatório

puro

e

este se sinta impelido a não mais

Ao serem analisadas algumas

praticar atos que possam ensejar

decisões já proferidas, em casos

indenizações. É o sistema adotado

envolvendo indenização por danos

nos Estados Unidos da América,

morais, pode-se observar que muito

denominado “punitive damage” ou

se fala em estabelecer um parâmetro

“exemplary

justo

damage”,

conhecido

para

pelas indenizações milionárias às

indenizado,

quais

consideração

são

condenadas

grandes

empresas, por exemplo.

de

compensatório

montante levando-se alguns

a

ser em

fatores

específicos.

Por outro lado, o sistema de fixação

o

danos

de

é

aquele

Entre tais fatores, pode-se

caráter

citar como um dos critérios para a

cuja

quantificação,

finalidade está na compensação dos

a

análise

das

circunstâncias do caso, a gravidade 61


do dano e a sua repercussão, a

4. Projeto de lei nº 334/08

situação econômica do lesado e do lesante, o grau de culpa do agente, o

Como último tópico deste

sofrimento da vítima, a extensão do

estudo, analisa-se o conteúdo do

dano, entre outros.

Projeto de Lei 334/08 que prevê a

Quando da fixação de valores

indenização do dano moral fixando

em uma sentença, o juiz deve

valores para serem utilizados como

atentar-se, ainda, aos princípios da

base e teto. Porém, a referida

equidade, da dignidade da pessoa

quantificação está longe de ser

humana, da razoabilidade, entre

considerada eficaz. Não há como

outros.

considerarmos

O

ordenamento

jurídico

que

bens

que

nacional não estabelece piso ou teto

possuem valores diferentes sejam

para os valores, demonstrando o

quantificados adotando-se o mesmo

caráter subjetivo que a indenização

parâmetro.

por danos morais possui.

A real intenção do legislador

Desta forma, apesar de o dano

moral

caráter

foi de delimitar as possibilidades de

ordenamento

valoração para ações ou omissões

jurídico brasileiro, tem-se que, para

que ofendam o patrimônio de uma

chegar a tal compensação, não

pessoa física ou jurídica e dos entes

basta analisar apenas questões que

políticos,

envolvam a vítima, mas também

disparidades e potenciais injustiças

devem ser analisadas as condições

nas fixações de valores por parte do

do agente.

Poder Judiciário.

compensatório

possuir

ao elaborar o referido Projeto de Lei

no

O valor estabelecido deve ser razoável,

sendo

suficiente

Um

para

impedindo

assim

bom

exemplo

da

do

Projeto

em

qualidade

compensar o sofrimento da vítima,

determinados aspectos é o que pode

bem

a

ser observado em seu artigo 3º que

reprovabilidade da conduta para o

nada mais faz do que transformar em

agente causador do dano.

texto legal os critérios já adotados

como

demonstrar

para a quantificação: Art. hipótese tempestiva 62

3º de

Ressalvada reparação

e

da

natural

suficiente,

a


I – morte: de R$ 41.500,00

indenização a que se refere o art. 1º tem

caráter

exclusivamente

(quarenta e um mil reais) a R$

compensatório e a sua fixação

249.000,00 (duzentos e quarenta e

deverá considerar:

nove mil);

I – o bem jurídico ofendido;

II – lesão corporal: de R$

II – a posição socioeconômica

4.150,00

da vítima;

(quatro

mil,

cento

e

cinquenta reais) a R$ 124.500,00

III – a repercussão social e

(cento e vinte e quatro mil e

pessoal do dano; de

III – ofensa à liberdade: de R$

dano,

8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a

quando a vítima for pessoa física, e

R$ 124.500,00 (cento e vinte e

de

quatro mil e quinhentos reais);

IV superação

quinhentos reais);

a

possibilidade

psicológica

recomposição

do

da

imagem

econômica ou comercial, quando

IV – ofensa à honra:

pessoa jurídica;

a) por abalo de crédito: de R$

V – a extensão da ofensa e a

8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a

duração dos seus efeitos;

R$ 83.000,00 (oitenta e três mil

VI – o potencial inibitório do

reais); b) de outras espécies: de R$

valor estabelecido. Parágrafo

único.

Na

8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a

apreciação da demanda, o juiz

R$ 124.500,00 (cento e vinte e

poderá considerar outros elementos

quatro mil e quinhentos reais);

que determinem a gravidade da lesão

ao

patrimônio

ideal

V

do

descumprimento

de

contrato: de R$ 4.150,00 (quatro mil,

ofendido.

cento e cinquenta reais) a R$

Entretanto, no referido projeto

83.000,00 (oitenta e três mil reais).

existe um grande defeito, que acaba

A proposta inserta do artigo

por prejudicar o Projeto como um

transcrito é inviável. Isto porque,

todo, que é o seu artigo 6º o qual se

mesmo se estabelecendo grandes

transcreve um trecho:

intervalos para a fixação, isto não

Art. 6º O valor da indenização

evitará que sejam arbitrados valores

por dano moral será fixado de acordo

que

com os seguintes parâmetros, nos

incompatíveis.

casos de: 63

possam

ser

considerados


Pode-se exemplificar com a

em

conta

os

critérios

de

seguinte situação: caso ocorra um

razoabilidade, motivo pelo qual a

acidente de trânsito que cause a

criação de tal lei é desnecessária,

morte do pai do condutor que estava

pois não representaria qualquer

como passageiro, mesmo levando

evolução com relação ao instituto

em

dos danos morais.

consideração

o

grau

de

proximidade e a extensão do dano sofrido pela vítima, nada impedirá que o juiz fixe a indenização no valor

Conclusão

de R$ 41.500,00; por outro lado, caso no mesmo acidente não ocorra

Após

esta

breve

análise

nenhuma morte, mas o próprio

acerca

condutor sofra uma lesão corporal

importantes

grave, como a perda de um membro,

temática do dano moral, pode-se

da mesma forma nada impede que o

perceber que seria uma tarefa

juiz fixe a indenização no valor de R$

bastante difícil retirar a quantificação

124.500,00.

do campo subjetivo, passando-a

Diante desta situação pode-

tabelamento

aspectos que

mais

envolvem

a

para o campo objetivo.

se observar que mesmo havendo o pretendido

dos

Observa-se

haveria

que,

no

ordenamento jurídico pátrio, tais

disparidade na fixação. Assim, nota-

indenizações

se que realmente possui importância

compensatório, mas sem deixar de

são os critérios de razoabilidade e

lado uma análise das circunstâncias

não

previamente

que envolvem o caso concreto, tais

tabelados. Caso sejam adotados os

como a situação econômica da

referidos

vítima e do ofensor, devendo o valor

os

valores

valores

padronizados,

possuem

caráter

estes continuariam sendo inúteis se

arbitrado

não fossem observados os atuais

compensação para a vítima quanto

critérios de quantificação.

uma

Portanto, o principal objetivo

representar

forma

de

tanto

demonstrar

a

a

reprovabilidade do ato para o agente

do referido projeto em análise é

causador.

ineficaz, visto que, havendo ou não

Portanto, estabelecer valores

tabelamento de valores, o dano

fixos como base e teto para a

moral não pode ser fixado sem levar 64


quantificação dos danos morais não seria uma forma eficaz de garantir uma melhor aplicação de tal instituto. O dano moral continuará sendo um tema complexo e, mesmo com parâmetros fixos, continuará sendo arbitrado com grande carga de interpretação por parte do juiz, motivo pelo qual o tabelamento de valores torna-se inviável.

65


Referências BRASIL. Código Civil. Brasília, DF: Senado. 2002. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 37. In:______. Diário da Justiça. Brasília: 17/03/1992. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). 3ª Turma. 5ª Câmara. Recurso Ordinário. Proc. nº 01612-2006-012-15-00-1. Relatora: Desembargadora Federal do Trabalho Gisela R. M. de Araújo e Moraes. CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. PARIZATTO, João Roberto. Dano moral. Belo Horizonte: Edipa. 1998. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989. PEREIRA, Valter. Projeto de Lei nº 334/2008. Brasília, DF: Senado. 2008. [1] Recurso Ordinário, TRT 15ª Região, 3ª Turma, 5ª Câmara, Proc. nº 016122006-012-15-00-1, Relatora Desembargadora Federal do Trabalho Gisela R. M. de Araújo e Moraes

66


A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE ÀS VÍTIMAS DE BALA PERDIDA. FILHO, Walter Francisco Sampaio – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. MESQUITA, Ana Maria Alves – Discente do 9º período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O trabalho visa estudar o fenômeno bala perdida e tem como pressuposto que este deva ser tratado como questão de ordem e segurança pública pelo Estado, o qual deve se fazer presente na responsabilização dos danos ocasionados às vítimas, tornando-se efetiva sua reparação. Justifica-se o tema, por tal problemática já fazer parte do cotidiano do cidadão brasileiro, devido à ineficiência estatal em conter a violência urbana instalada no país. O presente artigo tem por objetivo expor, por meio de pesquisa bibliográfica, a divergência jurisprudencial sobre uma questão tão polêmica, e propor através uma regulamentação do assunto.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Segurança pública. Bala perdida. Omissão. 67


1. A responsabilidade civil do estado

Introdução Nos últimos anos, o Estado

A responsabilidade civil do

brasileiro tem sido considerado palco

Estado funda-se, resumidamente, na

de

episódios

imposição dada ao ente estatal de

desastrosos, geradores do aumento

ressarcir os prejuízos causados por

dos índices de violência urbana no

sua

país, em razão da omissão estatal

restabelecendo o equilíbrio rompido

em

pelo evento danoso.

infindáveis

fornecer

segurança

pública,

ação

ou

omissão

sendo esta dever do Estado e direito

Neste sentido, é importante

fundamental de todos os cidadãos

destacar no prescrito § 6º do artigo

brasileiros.

37 da Constituição de 1988, que

Tendo em vista a adoção pelo

dispõe: “as pessoas jurídicas de

ordenamento jurídico brasileiro da

direito público e as de direito privado

responsabilidade

prestadoras de serviços públicos

objetiva

estatal, da

responderão pelos danos que seus

pode-se

agentes, nessa qualidade, causarem

afirmar que o Estado tem o dever de

a terceiros, assegurado o direito de

ressarcir os danos ocasionados por

regresso contra o responsável nos

sua ação ou omissão a vítima de

casos de dolo ou culpa”.

atinente

ao

Constituição

artigo

37

Federal,

§6º

O instituto jurídico em questão

bala perdida, sendo desnecessária a trata

análise do elemento culpa. Deste

modo,

o

da

responsabilidade

civil

objetiva do Estado, a qual impõe,

presente

trabalho analisa casos específicos,

através

levando

os

obrigação de reparar o dano, sem

preceitos constitucionais, a matéria

estar atrelada à necessidade de se

de responsabilidade civil estatal e

comprovar a culpa, bastando a

pareceres jurisprudenciais, na busca

demonstração da ação ou omissão

da decisão mais equânime para

estatal, do dano e do nexo de

cada situação ilustrada.

causalidade entre eles.

em

consideração

de

norma

cogente,

a

Com isso, é válido ressaltar o entendimento da mestra Diniz (2002, p 540), que com muito saber leciona: “Funda-se 68

a

responsabilidade


estatal, portanto do princípio da

de Janeiro e de São Paulo, mas já

isonomia, logo, deve haver igual

está se alastrando para outras partes

repartição dos encargos públicos

do país.

entre os cidadãos [...]” Assim,

Estado

como bala perdida o projétil de arma

responsabilizar-se pelos atos lesivos

de fogo, que venha a atingir alguém,

a que de alguma forma der causa,

sem que se saiba de onde e por

pois além deste dever estar prescrito

quem ela tenha sido disparada,

no artigo 37 § 6º da Constituição, o

resultando em algum dano à saúde

ente estatal deve também levar em

ou vida da vítima.

consideração

cabe

No senso popular, entende-se

a

ao

aplicação

do

O

Instituto

Segurança

Rio

Janeiro

princípio da isonomia, que defende

Pública

que o dano não seja suportado só

(2010,

pelo indivíduo atingido, mas sim por

bala perdida como uma “[...] pessoa

toda

que não tinha nenhuma participação

a

coletividade

a

qual

é

beneficiária do serviço público.

do

de

p.3) define a vítima de

ou influência sobre o evento no qual houve disparo de arma de fogo,

2. O fenômeno bala perdida

sendo, no entanto, atingida por projétil e podendo vir a falecer ou

É

visível

o

aumento

não”.

da

violência urbana nos últimos anos no

Infelizmente tem-se tornado

Brasil, gerado por vários fatores,

recorrente a veiculação pela mídia

mas principalmente pela omissão do

de notícias que apontam vítimas

Poder Público em garantir os direitos

atingidas por bala perdida. O mesmo

básicos dos cidadãos previstos pela

pode ser observado em pesquisa

Constituição Federal.

divulgada

Uma das evidências desta violência

o

de

Segurança do Estado do Rio de Janeiro (2010, p. 6-11), o qual

Este

relatou que entre o período de

termo, ainda sem uma conceituação

janeiro a setembro de 2010, 108

precisa sociológica ou jurídica, já faz

pessoas foram atingidas por bala

parte do cotidiano de algumas

perdida, sendo dessas 12 vítimas

pessoas, notadamente em algumas

fatais.

“bala

surgimento

Instituto

do

fenômeno

é

pelo

perdida”.

metrópoles, como as cidades do Rio 69


Este estudo demonstra que

Mas se eu não voltar não precisa

houve diminuição no índice em

chorar

relação a 2009, quando 193 vítimas

Porque levar uma bala perdida hoje

foram

baleadas.

Contudo,

em

em dia é normal

relação às vítimas fatais o índice

Bem mais comum do que morte

subiu, pois apenas oito morreram em

natural

2009.

Nem dá mais capa de jornal[...] Assim,

estes

números

Todo dia morrem dois ou três

revelam a fragilidade do Estado em

Eu só quero saber quando vai ser a

proporcionar

a

minha vez [...]

tranquilidade suficiente para uma

A maioria ainda nem percebeu:

vida segura e digna, de forma que

Vocês tão muito mais perdidos do

este

a

problema,

integridade

moral,

sociedade

não

afete

patrimonial

a

que eu.

e

Pra variar estamos em guerra

física dos cidadãos brasileiros.

Pra variar...

Com muita propriedade, o cantor e

compositor Gabriel

O

A referida canção demonstra

Pensador, em seu disco “Quebra

o medo e a incerteza que o cidadão

Cabeça”, lançado em 1997, retrata a

enfrenta ao sair de casa para

insegurança

em

trabalhar sem saber se voltará vivo

diversos trechos de sua canção, a

ao lar e, ainda, descreve a realidade

qual preconiza:

de pessoas inocentes que estão

da

sociedade,

apreensivas

em

viver

em

uma

[...] Porque eu tô indo pro

sociedade em que há ineficiência do

trabalho com medo da morte

Estado na prestação de serviços

Nessas horas eu queria ter

básicos inscritos na Carta Maior.

um carro-forte

Portanto, cabe ao Estado

Pra poder sair de casa de

assegurar a vida e proporcionar a

cabeça erguida

segurança a todo cidadão e, se

E não ser encontrado por uma bala

esses direitos forem violados, o

perdida [...]

Poder Público deverá assumir a

Por favor, meu amor, eu não quero

responsabilidade em reparar o dano

encontrar você morta se eu voltar

causado a pessoa atingida pela bala

pra casa vivo

perdida. 70


2.1 Análise de casos específicos

Dessa

forma,

a

responsabilidade objetiva, devendo Levando em consideração o

o

Estado

ressarcir

o

prejuízo

intuito do presente trabalho, serão

causado à vítima de bala perdida,

detalhados alguns aspectos desta

podendo a Administração Pública

questão controversa, na busca da

exercer o seu direito de regresso

uniformização

contra

jurisprudencial,

acerca dos casos de bala perdida, a

Nesta

forma harmônica. melhor

agente

público,

se

comprovado seu dolo ou culpa.

fim de que todos sejam decididos de

Para

o

situação,

indiscutivelmente a responsabilidade compreensão

objetiva do Estado, visto que o tiro

sobre o tema, analisam-se quatro

proveio da arma de um policial, não

situações hipotéticas: a) quando a

podendo ele se esquivar de sua

bala é oriunda da arma do policial b)

obrigação,

quando a bala proveio da arma do

observar na jurisprudência a seguir:

bandido ou não sabe se a bala

consoante

INDENIZAÇÃO

-

pode

AUTOR

adveio da arma do policial ou do

ATINGIDO

criminoso c) quando a bala é oriunda

DISPARADO

do confronto entre criminosos, sem a

MILITAR NO EXERCÍCIO DE SUAS

presença da polícia, em local de

FUNÇÕES - prova satisfatória dos

frequente conflagração armada, e; d)

fatos - conduta do agente público

quando não há nenhum confronto

concorreu de forma decisiva para o

que possa ter a ver com o evento,

fato danoso - responsabilidade do

não

Estado comprovada - culpa objetiva

sendo

possível

saber

a

procedência da bala.

POR

se

PROJÉTIL

POR

POLICIAL

- obrigação de indenizar - agentes

Inicialmente, deve-se analisar

públicos absolvidos na esfera penal

o primeiro caso, quando em um

militar - absolvição que não retira do

confronto entre bandidos e policiais,

Estado o dever de indenizar - esfera

uma bala oriunda da arma de um dos

penal

agentes

necessidade

públicos

comprovadamente inocente,

estando

atinge

um

terceiro

e

civil

independentes do

disparo

-

não

comprovada. (grifo nosso)[1]

configurado

Deste modo, no desempenho

visivelmente o nexo causal.

de suas funções cabe aos agentes públicos observar toda a diligência 71


possível,

para

evitar

eventos

perdida resultante do confronto, se

gerando

da arma do agente público ou do

consequências a pessoas inocentes

criminoso, também configurando a

que, ao invés de serem vítimas,

responsabilidade civil do Estado,

deveriam receber do Estado toda a

visto

proteção necessária para uma vida

penoso à vítima provar de qual arma

tranquila e segura.

adveio o projétil causador do dano.

desastrosos,

Partindo

para

é

demasiadamente

segundo

Se isso ocorresse, causaria

caso, quando em um confronto entre

grandes obstáculos à vítima em

policiais e bandidos a bala advinda

garantir o direito que lhe é inerente,

da arma de um dos criminosos

o qual fora ferido por uma agressão

atinge a um terceiro que nada tinha

injusta, necessitando esta de uma

a ver com aquela verdadeira batalha,

resposta imediata, pois, na maioria

resta

das vezes, não possui condições de

também

o

que,

configurada

à

responsabilidade do Estado. À

luz

do

prover as carências geradas pelo

princípio

acontecimento danoso.

constitucional da eficiência, pode-se

No caso em tela, o nexo

afirmar que a polícia deve atuar

causal está presente no confronto

dentro dos parâmetros legais e sem

em si, que contou com a participação

praticar excessos, evitando que na

dos criminosos e dos policiais, os

coibição

urbana

quais não cumpriram o seu dever, de

terceiros sejam alvejados em um

modo a controlar a ocorrência de

confronto com delinquentes.

balas perdidas e consequentemente

da

violência

Porém, embora agindo os

que terceiros inocentes não tenham

policiais com todo o zelo possível, mesmo

assim

o

Estado

a sua integridade física lesada.

será

Quanto a esta situação, os

responsabilizado em razão da teoria

Tribunais

adotado pelo artigo 37§ 6º da

controversas, alguns acreditam que

Constituição, já que tal preceito não

a vítima deve provar se a bala

impõe a comprovação de dolo ou

proveio da arma dos policiais ou dos

culpa.

bandidos, já outros entendem que Este mesmo entendimento

proferem

decisões

basta a vítima provar a ocorrência do

pode ser utilizado na situação de não

confronto.

se saber qual a origem da bala 72


Diante de tais divergências, o Supremo

Tribunal

posicionou

no

Ante a análise do acórdão

Federal

apresentado, pode-se afirmar que o

mais

entendimento da Suprema Corte

equânime ao priorizar a vítima,

encontra-se em conformidade com o

entendendo ser irrelevante a origem

defendido

da bala, não importando se partiu da

defende

arma

dos

causal quando a vítima provar a

criminosos, nos moldes da ementa

ocorrência do confronto entre os

abaixo:

policiais

dos

sentido

policiais

DECISÃO:

ou

RE,

a,

contra

neste

trabalho

que

estar configurado o nexo

e

dispensável

criminosos, provar

de

sendo que

a

acórdão do Tribunal de Justiça do

munição proveio da arma do agente

Estado do Rio de Janeiro, assim

público.

ementado

-

f.

215:

No que diz respeito ao terceiro

CIVIL.

caso, quando a bala provém do

TIROTEIO.

embate entre criminosos, em um

CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E

local onde reiteradamente há uma

MELIANTES.

conflagração

"RESPONSABILIDADE ESTADO.

NEXO

INDENIZAÇÃO.

CAUSAL.

armada,

sem

a

DANOS

presença da polícia, em regra, não

MATERIAIS E MORAIS. Inteligência

haverá a responsabilidade civil do

dos artigos 5º e 37, § 6º, da

Estado, já que o dano sofrido pela

CRFB/88. A configuração do nexo de

vítima incidiu de fato de terceiro, sem

causalidade em caso de tiroteio

a participação do ente estatal.

entre policiais e meliantes atingindo

Contudo,

tal

entendimento

vítima inocente, não se exige prova

somente prevalece se comprovado

direta de projétil de arma do agente

que o Estado não tinha nenhum

público,

conhecimento

sendo

suficiente

a

daquele

evento

demonstração do embate entre eles,

danoso ou da probabilidade de

causa necessária dos danos injustos

acontecê-lo, pois se pelos agentes

perpetrados a terceiro, sem o qual o

públicos era previsível a ocorrência

fato

de

não

teria

ocorrido.

tal

confronto,

caberá

PROVIMENTO DO RECURSO. [...]

responsabilização estatal, em razão

Na linha dos precedentes, nego

de estar caracterizada sua omissão

seguimento

específica.

ao

recurso

extraordinário. […] [2] 73


Em relação a esta situação,

estar caracterizado o caso fortuito,

alguns Tribunais, decidiram a favor

excludente de responsabilidade.

da vítima que tem o seu direito ferido

Logo, no referido caso, não há

por uma bala perdida, em locais de

a configuração do nexo causal entre

frequente conflagração armada:

a lesão e a ação ou omissão estatal.

Administração

pública.

Afirmar que o Estado nesta situação

Segurança. Dever do Estado. Bala

é responsável é o mesmo que dizer

perdida.

que

Policiamento.

Omissão.

este

deve

sempre

ao

praticar

se

Culpa. Dano. Reparação. Incumbe

responsabilizar

ao Estado por dever constitucional

omissão

promover políticas que assegurem

entendimento

segurança ao cidadão. Constitui

doutrina e jurisprudência pátrias.

genérica,

uma

sendo

condenado

tal pela

omissão, a negligência do Estado em deixar de prover bairro periférico da segurança mínima necessária a

Conclusão

inibir atos de violência extrema, e, na medida em que, da omissão, resulta

Diante

dano, impõe-se a reparação. (grifo

exposto,

fica

evidente a responsabilidade objetiva

nosso) [3]

do Estado em reparar os danos

Assim, a polícia tendo o

causados às vítimas de bala perdida

conhecimento que em determinados

nos três primeiros casos, haja vista

locais ocorrem de forma corriqueira

ser o

confrontos entre facções rivais, estes

Estado

o

garantidor da

segurança pública e o cidadão

devem agir de forma preventiva para

sujeito de direitos prescritos na Lei

que os moradores destas áreas de

Maior.

risco não tenham a sua incolumidade

Dentre as várias formas de

violada.

preservar a segurança do cidadão e

Já em relação ao último caso,

promover a responsabilização do

quando não há nenhum confronto

Estado pela prática de atos lesivos,

que tenha a ver com evento danoso, sendo

do

impossível

saber

ressalta-se a promoção de políticas

a

públicas que busquem a paz social

procedência do projétil, não haverá a

dentro

responsabilidade do Estado, por

de

garantidor. 74

um

plano

jurídico


Ademais,

busca-se

a

Ainda,

busca-se

a

conscientização pelo Poder Público

uniformização

doutrinária

e

em melhorar a segurança pública,

jurisprudencial

acerca

da

através

em

problemática, a fim de que todos os

infraestrutura e qualificação dos

casos atinentes as vítimas de bala

agentes públicos, a fim de superar o

perdida sejam decididos de forma

caos presente na atual realidade

equivalente.

de

investimentos

brasileira.

Portanto, esse ressarcimento

Juridicamente, defende-se a

mostra–se necessário não só pelo

criação de normas que determinem

fato dessa reparação ser um direito

a

inerente ao cidadão lesado, como

responsabilização

do

Estado,

consoante os casos discriminados

também,

acima, como forma de facilitar o

injusta colocar o referido sujeito em

trabalho do Judiciário e de garantir o

uma situação a qual exige uma

atendimento

resposta imediata.

das

necessidades

imediatas do cidadão lesado.

75

devido

essa

agressão


Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 16 fev. 2012 DINIZ. Maria Helena. Direito civil brasileiro: Responsabilidade Civil.16. ed. São Paulo: Atlas, 2002. O PENSADOR, Gabriel. Bala perdida. In: Gabriel O Pensador. QuebraCabeça. SONYBMG, 1997. Faixa 10. Disponível em: http://www.gabrielopensador.com.br/index1_flash.htm. Acesso em 22 mai. 2011 PROVENZA, Marcello Montillo; TEIXEIRA, Paulo Augusto Souza &OLIVEIRA, João Batista Porto. Relatório temático sobre a bala perdida. Rio de Janeiro: ISP, 2010.Disponível em:http://www.urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/BalaPerdidaJanS et2010.pdf.Acesso em 24 mai. 2011 [1] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 734.130.5/9-00, da 2ª Câmara de Direito Público. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo e outros. Relator: José Luiz Germano, São Paulo, 04 de maio de 2010. Disponível em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4476571. Acesso em: 13 fev. 2012. [2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 467681 / RJ. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Recorrido: Ernandes Mucciolo. Relator: Des. Sepúlveda Pertence, Brasília, 17 de março de 2006. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14782604/recursoextraordinario-re-467681-rj-stf. Acesso em: 13 fev. 2012 [3] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 00120070248868, da 1ª Câmara Especial. Apelante: Estado de Rondônia. Apelada: Inês Carvalho Santos. Relator: Juiz Daniel Ribeiro Lagos, Rondônia, 28 de janeiro 2009. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6154117/apelacao-civel-rito-sumarioac-10000120070248868-ro-1000012007024886-8-tjro/inteiro-teor. Acesso em: 13 fev. 2012.

76


APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NA RESPONSABILIDADE CIVIL MARINOTO, Denise Nunes – Discente do 10º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. CASALI, Éllen Cássia Giacomini – Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A presente pesquisa estuda a Teoria da Perda de Uma Chance, visando enfatizar sua inserção na Responsabilidade Civil como forma idônea de indenização. Demonstra que a necessidade da indenização da chance se faz cada vez mais necessária porque grande número de indivíduos já sofreu privações de suas chances sérias e reais suportando prejuízos diversos por culpa alheia. Ademais, enfatiza que a indenização será prudente não se tratando de mera expectativa, ou seja, se tiver probabilidades significantes de concretização, constatando-se sua valoração por meio de expressões matemáticas, probabilidades e porcentagens até a sua perfeita adequação. Igualmente, mostra que apesar do direito positivista influenciar os juristas, já há aceitação da chance em relevante número de julgados. O método utilizado foi o raciocínio indutivo, a necessidade criou a teoria, e a pesquisa feita foi a não empírica, baseada em trabalhos bibliográficos, artigos e internet. O trabalho enfatiza a insuficiência do direito quanto às formas de responsabilidade, trazendo a solução para a chance perdida, que ainda não tem proteção na lei. Concluindo-se, que a teoria da perda de uma chance deve ser implantada na legislação brasileira definitivamente, pois atende à função social de norma defendendo direitos sociais e fundamentais dos indivíduos.

Palavras-chave: Perda da chance séria e real. Probabilidade de conquista indenizável. 77


Em seu estudo foi utilizado o

Introdução

método de raciocínio indutivo, e o Quando tratamos da Teoria da

Perda

de

percebemos

Uma

que

fundamental

dialético,

Chance,

ela

é

importância

para

confrontando

entendimentos diversos sobre o

de

assunto, além dos métodos de

o

procedimento

histórico

e

direito, e é a solução buscada pelos

dogmático-jurídico,

sendo

juristas durante muito tempo, para

pesquisa

empírica

reconhecerem

bibliográfica.

as

oportunidades

não

o uma e

como sérias e reais. A chance inova em nosso direito civil, e traz uma indenização

1. Teoria da Perda de Uma Chance

que apesar de parecida, não guarda

1.1 Defesa à teoria e suas vertentes

qualquer semelhança com apenas

Para adentrar-se no estudo da

expectativas como muitos dizem, pois

ela

tem

probabilidades

fundamento e

Teoria da Perda de Uma Chance, é

em

importante

porcentagens

sobre

notórias. Sua pesquisa é de extrema

reembolsar

dano, e essa indenização é sempre caracterizada de acordo com o caso

incerto, mas que é integralmente

concreto.

sentido pela pessoa prejudicada.

A Teoria aqui explicitada visa

Os raciocínios revolucionários

defender também um dano, porém,

que criaram a Teoria defendem que

um dano ainda nunca previsto em lei,

para que se caracterize a perda de

chamado indenização pela perda de

uma chance, longe de conceitos que

A

indivíduo a quem tenha causado um

ser visto imediatamente, que tem fim

o

civil.

dever de alguém em indenizar um

perdas

relativas a um dano que não pode

positivistas,

responsabilidade

pouco

Yoshikawa (2009), basicamente, o

na audácia em se desenvolver uma de

um

responsabilidade civil é, segundo

relevância científica, pois, se funda

maneira

conhecer

uma chance.

realmente

[...]

interessa é se houve uma perda

a

evolução

da

responsabilidade civil fez com que o

razoável e se ela foi verificada antes

foco

de ser alcançada a vantagem total

da

atenção

do

julgador

mudasse radicalmente do ato ilícito

esperada pelo indivíduo lesado. 78


para a proteção da vítima contra os

reparação

de

danos,

danos considerados injustos pelo

independentemente

ordenamento jurídico. Sendo a perda

comprovação de culpa.

de

da chance um dano injusto, não há

E a partir disso, a Teoria da

como negar a indenização nestes

Perda de Uma Chance passou a

casos. (SAVI, 2009, p. 101).

possuir arcabouço em nossa lei

Quando queremos algo e há

suprema, pois, após o surgimento da

um esforço pessoal imensurável

teoria objetiva, como expõe Savi

para

(2009,

conquistá-lo,

acreditamos

p.

105),

ocorreu

na

piamente poder consegui-lo, e a

Constituição Federal o advento da

teoria da perda de uma chance

“[...]

aplicada na responsabilidade civil

dignidade

protege

como

essa

esfera

de

possui

antes

de

à

proteção

humana,

princípio

da

estabelecida

fundamental

da

República.”

possibilidades de vitória que cada ser

prioridade

ser

Dessa forma, sendo cada vez

prejudicado.

mais frequentes os acontecimentos

Um

aspecto

muito

que colocavam em risco a dignidade

interessante da Teoria da Perda de

humana, a teoria da perda de uma

Uma Chance, é que, ao contrário da

chance

Teoria

ganhando, espaço no ordenamento

indenizava as vítimas de danos que

não só brasileiro, mas mundial,

conseguiam provar materialmente

mesmo não havendo ainda em

seus prejuízos, ela defende que para

nosso

que haja a indenização não se

expressamente, ela já pode ser

necessita mais do ônus probante da

encontrada em dezenas de julgados

parte autora.

proferidos nos tribunais.

subjetivista,

que

É que, a partir do momento

ganhou

país

A

lei

e

ainda

que

a

Teoria

vem

defina

consiste

em que a esfera de possibilidades de

basicamente, na perda de uma

acontecimentos danosos às pessoas

oportunidade buscando proteger o

começou

direito das vítimas em receber uma

produção

a

se

de

expandir, algumas

e

a

provas

indenização

devida

pelo

agente

tornaram-se deveras impossíveis o

causador quando este ocasionar a

que deu espaço a um sistema de

elas, por ato negligente, imprudente

responsabilidade

ou imperito seu ou de quem seja

solidarista

para 79


responsabilidade

sua,

a

perda

responsabilidade civil, em regra, não

irremediável da chance única que a

é indenizável. (SOUSA, 2009).

vítima possuía de alcançar o que

Assim, a vítima que teve sua

desejava.

chance perdida, não será indenizada

Para Melo (2007), o que

se essa chance que diz possuir

ocorre nessas situações é que, por

estiver presente apenas no campo

exemplo,

prepara

das esperanças, imaginário, pois,

duramente por muito tempo para

seguindo a linha de raciocínio de

conseguir algo, possuindo, dentro do

Adriano de Cupis (1960, p. 264-

critério

de

uma

265 apud SAVI, 2009, p. 12),

grande

chance

conseguir,

“simples esperanças aleatórias não

a

vítima

se

possibilidades, de

conquistar o objetivo que busca, e

podem

antes de chegar ao final dessa

indenização”.

conquista, estando quase certa a

ser

passíveis

de

A chance, ou oportunidade, já

sua vitória, alguém interrompe o

possui

curso natural das coisas, fazendo

improvável, então para a aplicação

com que a pessoa perca para

da Teoria da Perda de Uma Chance

sempre

que,

não se tornar frustrada, a chance em

praticamente já fazia parte de seu

si, deve trazer consigo os elementos

patrimônio.

da realidade e seriedade, ou seja,

essa

chance,

a

característica

de

ser

Importante destacar que a

deve ser possível afirmar que não

chance protegida pela teoria não é

fosse o ato do terceiro ofensor, a

apenas uma chance hipotética ou

vítima

que se presuma existir, ela precisa

alcançar o fim o qual desejava.

ser determinante, significante para

ter

conseguido

Além disso, a teoria não se

sua aceitação.

baseia na ideia de que deve ser

A chamada teoria da perda da chance,

poderia

adotada

responsabilidade

em

tema

civil,

indenizada a vantagem total e final

de

que receberia a vítima se fosse ela

aplica-se

vencedora

caso

nada

tivesse

quando o dano seja real, atual e

intervindo no seu destino, ou que ela

certo,

deva

dentro

de

probabilidade,

e

um

juízo

não

de

receber

como

se

tivesse

mera

conseguido chegar ao fim que

possibilidade, porquanto o dano

desejava, pelo contrário, o que é

potencial ou incerto, no espectro da

objeto de indenização de acordo 80


com a teoria, é a real oportunidade

andamento dos acontecimentos a

perdida de poder ter conseguido o

vítima tem uma probabilidade de

que se buscava.

vitória, e em grande parte dos casos,

Como expõe Melo (2007), não

essa

probabilidade

será

se trata de afirmar com certeza,

indenizada se for superior a 50%

diante dos acontecimentos, que a

(cinquenta por cento). Para Savi

vítima conseguiria o resultado final

(2009, p. 65): “Não é, portanto,

esperado, ou seria condenado o

qualquer chance perdida que pode

causador a indenizar a vítima na

ser levada em consideração pelo

integralidade do que ela conseguiria

ordenamento jurídico para fins de

se ele não tivesse a prejudicado com

indenização”.

seu ato negligente ou imperito, pois

E é por estar presente no

se isso ocorresse, estaríamos diante

campo das probabilidades que ele

apenas, da indenização de lucros

conclui (SAVI, 2009, p. 68): “[...] a

cessantes, que estipula o que a

quantificação do dano, deverá ser

pessoa deixou de lucrar depois do

feita de forma equitativa pelo juiz,

prejuízo sofrido.

que deverá partir do dano final e

[...] a indenização da perda da

fazer incidir sobre este o percentual

chance jamais poderá ser igual ao

de probabilidade de obtenção da

benefício que a vítima obteria se não

vantagem esperada”.

tivesse perdido a chance e tivesse

Enfim, a certeza de conquista

conseguido o resultado útil esperado

é

[...]. Por não haver certeza acerca da

indenização será devida apenas

vitória no recurso, a indenização da

quando houver a convicção de que

chance

sempre

era mesmo possível que a pessoa

inferior ao valor do resultado útil

conseguisse o que queria dentro do

esperado. (SAVI, 2009, p. 68, grifo

campo

do autor).

havendo certeza alguma, apesar de

A

pedida

será

perda

por

isso,

probabilidades,

a

não

existirem chances de vitória maiores

das

que 50%, sendo a teoria da perda de

da

uma chance diferente de tudo o que

razoabilidade, sendo possível sua

se viu até o momento e diferente

indenização

também do direito positivista sempre

probabilidades

no

chance

das

e

fica

enquadrada

da

hipotética,

campo

matemáticas,

apenas

quando

verificar-se que em relação ao

apegado a coisas presumíveis. 81


Graças às mentes abertas a

Para a aplicação da teoria

novas ideologias e sedentas por

nesse exemplo, é muito importante o

conhecimento, ela vem tomando

conhecimento de seus fundamentos

espaço entre nós nos dias atuais,

já explicitados anteriormente, por

definindo-se

isso, vejamos a explicação:

como

uma

teoria

visionária e moderna que se adéqua

[...] se o dono do animal

perfeitamente ao momento histórico

pretendesse obter a condenação em

vivido por todos nós.

juízo, do responsável pela guarda do animal, ao pagamento do valor equivalente

1.2 Jurisprudências e aplicabilidade Apesar

de

ainda

teria

conforme

participasse

nossos exemplos

desses um

caso

haveria

como

certeza,

que

considerado

sua

com

sairia

vitorioso.

comercial

193 apud SAVI, 2009, p.38, grifo no original). Note-se que é exposto de

negligência da pessoa que cuidava

maneira clara que se a pessoa

do trato do seu animal ele morreu e participar

negociação

aumentasse. (ALVIM, 1965, p.192-

raro,

fosse vencedor, e infelizmente, por

assim,

afirmar,

se

concurso fazia com que o preço de

ganhando um grande prêmio quem

pôde

não

e esta probabilidade de vencer o

e neste concurso seria apresentado

não

concurso,

prêmio como vencedor do certame,

muito

estava participando de um concurso,

animal

do

tinha a possibilidade de receber o

exemplos

interessante, onde um rapaz que

seu

pois

antes de participar do concurso já

o tema que seguem.

demonstra

repelida,

Contudo, é inegável que o animal,

pertinentes do mundo jurídico sobre

Um

ser

hipotético. Afinal, ainda que o animal

conseguiu muitos adeptos e já tem

tribunais,

que

estaríamos diante de um dano

Teoria da Perda de Uma Chance já

em

que

morrido, por certo a sua pretensão

hoje

entendimentos avessos a ela, a

expressão

prêmio

concorreria se o animal não tivesse

enfrentar muitas dúvidas e muitos

grande

ao

ofendida buscar a reparação dos

do

danos que não ocorreram, ou seja,

concurso.

buscar a reparação de tudo o que podia 82

ter

ganhado

caso

fosse


vitoriosa e conseguisse alcançar o

razoavelmente

fim almejado, a perda de uma

lucrar, pela perda da oportunidade.

chance não estará caracterizada.

2- Recurso conhecido e, em parte,

Ainda como exemplo, segue

haja

deixado

de

provido (2009, p.76, grifo do autor).

abaixo uma das mais utilizadas e

[1]

importantes decisões relacionadas

Conforme

se

extrai

do

ao tema, que é o respeitável julgado

julgado, a participante do programa,

do Superior Tribunal de Justiça

frise-se, programa este que faz uma

referente ao programa de perguntas

premiação de R$ 1.000.000,00 (um

e

chamado

milhão de reais) à pessoa que

“Show do milhão” transmitido pela

conseguir responder corretamente

rede SBT e apresentado por Silvio

várias

Santos, onde houve uma perfeita

assuntos, havia conseguido, por sua

interpretação da Teoria da Perda de

surpreendente inteligência, chegar à

Uma Chance no desenrolar da lide.

dificílima fase da pergunta do milhão,

respostas

televisivo

Savi comenta em seu livro

questões

que

que:

se

sobre

fosse

diversos

respondida

corretamente daria o prêmio de um RECURSO

ESPECIAL.

milhão de reais em barras de ouro a

INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE

participante.

DE PERGUNTA FORMULADA EM

Antes

PROGRAMA TELEVISÃO.

de

responder

DE

perguntado

PERDA

DA

expressa Savi (2009,

1-

O

OPORTUNIDADE.

finalista

milhão,

conforme p. 76), a conseguido

questionamento em programa de

acumular

perguntas

pela

500.000,00 (quinhentos mil reais),

televisão, sem viabilidade lógica,

por ter respondido todas as outras

uma vez que a Constituição Federal

perguntas certeiramente, então por

não indica percentual relativo às

estar

terras

índios,

conhecimentos, demonstrados ao

decidido

pelas

longo do programa, a participante

ordinárias,

a

não hesitou, porém, após ter visto o

impossibilidade da prestação por

que era perguntado na questão do

culpa do devedor, impondo o dever

milhão,

de ressarcir o participante pelo que

resposta correta para aquele tipo de

e

respostas,

reservadas

acarreta, instâncias

como

aos

83

a

havia

a

premiação

convicta

entendendo

de

não

de

R$

seus

haver


pergunta,

ela

optou

por

não

tradições, e os direitos originários

respondê-la, conseguindo apenas o

sobre as terras que tradicionalmente

prêmio de quinhentos mil reais ao

ocupam,

desistir de continuar no jogo.

demarcá-las,

competindo

à

proteger

União

e

fazer

respeitar todos os seus bens”.

Como se viu, a finalista não se conformou com o ocorrido, e então

Assim, em primeira instância,

pleiteou o que perdera, ensejando

mais precisamente na 1ª Vara

que fosse reconhecida a perda de

Especializada

sua chance de vencer o programa

Consumidor de Salvador, a finalista

por má-fé dos organizadores deste

do programa teve sua ação julgada

que desenvolveram uma questão

procedente, sendo reconhecida a

sem resposta.

perda de sua chance de responder a

de

Defesa

do

Segundo Savi (2009, p.77), a

questão e acertá-la, condenando-se

“pergunta do milhão”, no caso, era a

a ré no pagamento de R$ 500.000,00

seguinte: “A constituição reconhece

(quinhentos mil reais) à autora, onde

direitos aos índios de quanto do

fora fundamentado que era devido à

território

como

participante essa quantia, pois era o

possíveis respostas, o programa

que ela havia deixado de ganhar por

apresentou quatro opções: (1) 22%;

não ter tido a chance de responder a

(2) 2%; (3) 4% ou (4) 10%.

pergunta.

Brasileiro?”,

e

Como se verifica, não há

Ocorre que, analisando essa

possibilidade de ser respondida essa

decisão,

pergunta,

a

grosseiro é que, após todo o já

Constituição Federal de 1988 em

exposto aqui, cumpre ressaltar que

seu texto não diz em percentagens

não deve ser indenizada a vantagem

específicas qual seria a quantidade

total perdida, como feito na decisão

de terras disponibilizada aos índios

acima, isso é equivocado.

destarte

que,

como fora perguntado, não havendo resposta,

portanto,

à

E

pergunta.

verifica-se

nesse

um

erro

sentido

fundamentação

do

foi

a

recurso

Nesse sentido é o que dispõe a

interposto pela ré, mas que fora

norma do artigo 231 da Constituição

negado provimento pelo Tribunal de

Federal, “São reconhecidos aos

Justiça

índios

estudar o assunto, a ré interpôs

sua

costumes,

organização línguas,

social,

crenças

e

da

Bahia.

Então,

após

Recurso Especial, alegando que a 84


vítima deveria receber apenas o

qualificar o lucro cessante”. (2009,

relativo a 25% do restante do prêmio,

p.80, grifo do autor).

pois essas eram as suas verdadeiras chances,

em

existindo

Tem-se então, dentro das

quatro

possibilidades e probabilidades, que

alternativas.

a

Assim, o Superior Tribunal de

finalista

havendo

do

programa

quatro

teria,

alternativas

de

Justiça, por meio do julgado do

possíveis respostas, o percentual de

Ministro

25% de chances de ter respondido a

Fernando

Gonçalves,

aplicou a Responsabilidade Civil

pergunta

corretamente

pela perda de uma chance, baseado

houvesse resposta, e assim, por

no entendimento acima.

meio

de

um

simples

caso

cálculo

Oportuno é o comentário de

matemático, a vítima deveria receber

Savi em relação ao julgado que

pela perda de sua chance o valor de

passo a expor:

R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco

[...]

por

entender

que

a

mil reais), condenação esta que

conduta da ré fez com que a autora

ocorreu.

perdesse a oportunidade de ganhar o

prêmio

máximo,

fixou

Importantíssimo

a

conforme

se

destacar,

observa

nesse

indenização com base no percentual

magnífico exemplo de utilização da

das chances que ela teria de acertar

teoria, que a chance da autora foi de

a resposta à “pergunta do milhão”, se

apenas 25%, e não de o mínimo de

corretamente formulada. [...] não era

50%, como são mais aceitas as

possível

autora

indenizações por perda de uma

acertaria, com absoluta certeza, uma

chance em nossos tribunais, e

nova pergunta que viesse a ser

seguindo o já expresso acima,

formulada e que, desta vez, fosse

porém, mesmo assim, a perda de

passível de resposta. Inexistindo

uma

certeza do acerto da resposta,

encaixada aqui e deve ser aplicada

entendeu não ser possível condenar

em casos equivalentes a esse.

afirmar

que

a

a recorrente ao pagamento da

chance

Além

foi

dos

perfeitamente

exemplos

integralidade do valor que ganharia

jurisprudenciais trazidos, destaca-se

se obtivesse êxito na pergunta final,

também, segundo Massoni (2010, p.

já que ausente um dos pressupostos

1),

“do acréscimo patrimonial apto a

utilização da perda de uma chance 85

que

podemos

encontrar

a


em vários outros julgados, como, o

Quando

se

tratar

de

caso da estagiária que foi indenizada

responsabilidade pela perda de uma

após ter aceitado uma proposta de

chance, é importante aclarar o que

emprego da empresa concorrente e

configura

depois esta tê-la dispensado. O caso

destaca-se que para a verificação

do vereador de uma cidade de Minas

dela é de fundamental importância

Gerais que perdeu a chance de ser

que haja a busca incessante por uma

eleito porque a rádio da cidade

vitória futura e incerta, além de um

divulgou

desfecho

erroneamente

que

sua

essa

chance,

impossível

assim,

de

ser

candidatura havia sido cassada,

demonstrado, ou seja, a chance só

entre outros tantos que já se tem

será vista como tal, se realmente for

notícias.

constatado

que

ela

tinha

Como visto, inúmeros são os

possibilidade relevante de trazer

casos em que se pode aplicar a

êxito para quem a perdeu e se esse

Teoria objeto de nosso estudo, e os

êxito

Tribunais já vêm tomando decisões

consequência da interrupção do

favoráveis à sua inserção no mundo

processo aleatório.

for

improvável

por

jurídico, o que prova que não será

É que, se esse processo de

tardia a sua completa utilização e

conquista chegar ao seu fim, não

que esse tipo de dano será um dia,

estaremos diante de chances ou

muito próximo enfim recompensado.

probabilidades de vitória, a vitória ou a derrota já terá acontecido, e o prejuízo seja qual for sua monta será

Conclusão

provável e visível aos olhos do julgador.

A perda de uma chance,

A chance será séria quando a

quando considerada séria e real

sua

diante de probabilidades do eventual

probabilidade

sucesso que a vítima teria caso não fosse

a

intervenção

alheia,

existência

configurar

razoável

de

uma que

ocorreria a conquista futura almejada

é

pela

atualmente considerada por juristas,

vítima.

probabilidade

como uma lesão idônea a garantir

E de

real

se

essa

alcançar

a

vantagem final referir-se a uma

indenização, assim como qualquer

porcentagem de pelo menos 50%,

outra já existente e defesa em lei.

dentro das vertentes matemáticas. 86


Isso é perfeitamente concebível,

são

pois, quando a lei trata dos lucros

negligência e desinteresse.

cessantes, define para reconhecê-lo, que

se

deve

probabilidades

e

utilizar

arrebatadas

por

infâmia,

Dessa forma, é indiscutível a

de

já demorada obrigação de inserir a

porcentagens

perda

da

chance

na

partindo da observação cotidiana

responsabilidade civil, dispensando

para encontrar se realmente merece

a esse instituto um texto de lei que

acolhida, portanto, a chance não

supra as necessidades de quem as

deve ser encarada de maneira

recepciona, sendo que se não

diversa.

houver a concessão de reparação a

Destaque-se que a teoria da

esses

casos,

ocorrerá

uma

perda de uma chance em muito

infringência à nossa lei suprema, a

contribuirá, diminuindo insatisfações

Constituição Federal por não haver

com

respeito ao que ela estabelece.

o

positivismo

que

alguns

aplicadores do direito ainda insistem

É necessário que surja uma

em defender, como também, elevará

norma para justiçar as pessoas que

a visão dos outros países para o

foram

nosso ordenamento que não ficará

alheias e proteger as que ainda

considerado retrógrado. A sociedade

possam sofrer a mesma intervenção,

como um todo, clama por justiça ao

evitando que danos como esse

ser lesionada em seu patrimônio, e a

continue a surgir sem a devida

teoria trará a satisfação de todas as

defesa da lei.

camadas sociais que diariamente

87

vítimas

de

intervenções


Referências ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e consequências. 3. ed. Atualizada. Rio de Janeiro/São Paulo: Jurídica e Universitária,1965. CUPIS, Adriano de. II Dano: Teoria generale del la responsabilitàcivile. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1966. v. 2. MASSONI, Túlio de Oliveira. Judiciário concede indenizações a pessoas que perderam uma chance.Valor online. 16/11/2010. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2010. MELO, Raimundo Simão de. Indenização pela perda de uma chance.Boletim Jurídico. 22/04/2007. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2010. SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2. ed.São Paulo: Atlas, 2009. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. O que se entende pela teoria da perda de uma chance? Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes - LFG. 14/12/2009. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2011. YOSHIKAWA, Daniella Parra Pedroso. Teoria da perda de uma chance exige uma chance real, séria e objetiva. Jusbrasil. 23/06/2009. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2010. [1] SÃO PAULO. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 788.459-BA. Quarta Turma. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em 08 de novembro de 2005. DJ em 13/03/2006.

88


ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ARRUDA, Luiz Paulo. Discente do 4º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Marcelo Pereira do. Discente do 4º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Assédio moral ou violência moral no trabalho não é um fenômeno novo. Pode-se dizer que ele é tão antigo quanto o trabalho. A novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem jurídica que tenta estabelecer o nexo causal com a organização do trabalho tratando tal violação como não inerente ao trabalho. A pesquisa bibliográfica tratou do problema com objetivo de divulgar informações e esclarecer alguns pontos controvertidos desse problema. Em razão do desconhecimento, o trabalhador não tem buscado seus direitos, pois este tipo de assédio é passível de penalidades se comprovado.

Palavras-chave: Assédio moral. Ambiente de trabalho. 89


psicológica, social e econômica.

Introdução

Indagar os motivos que levam o o

assediador a agir de forma tão

conceito e as implicações do assédio

violenta (uma "violência sutil") nos

moral.

remete aos caminhos da ética e da

O

artigo

visa

discutir

Considera-se

relevante

pela

o

tema

quantidade

moral.

de

O

assediador um

é

ocorrências e pelo fato de haver

essencialmente

poucos estudos sobre o assunto. O

destituído de ética e de moral. O

assédio moral constitui-se de atos

assediador

agressivos de desqualificação e

negativos e sem nenhuma nobreza

desmoralização de um profissional e

de caráter, revelando seu lado

causa a desestabilização emocional

perverso ao verificar sua vítima

deste, tornando o ambiente de

sucumbir aos poucos diante de sua

trabalho desagradável, insuportável

iniquidade. (SILVA, 2010).

age

indivíduo

por

impulsos

e hostil. A pesquisa bibliográfica, 1.1 Conceito e proteção legal

realizada com base no método dialético,

confronta

posições

e O assédio moral no trabalho

baseou-se em de artigos e dados de

configura-se pela exposição dos

entidades governamentais.

trabalhadores humilhantes

1. O que é assédio moral?

a e

situações

constrangedoras,

repetitivas e prolongadas durante a Toda

e

jornada de trabalho e no exercício de

qualquer conduta palavra,

suas funções, sendo comuns em

comportamento, atitude) que atente,

relações hierárquicas autoritárias e

por sua repetição ou sistematização,

assimétricas.

Nessas

situações,

contra a dignidade ou a integridade

predominam

condutas

negativas,

psíquica ou física de uma pessoa

relações

constitui assédio moral:

duração, de um ou mais chefes

abusiva

(gesto,

desumanas

de

longa

dirigida a um ou mais subordinado,

[...] O assédio moral, a repercussões

desestabilizando a relação da vítima

extremamente negativas ao homem,

com o ambiente de trabalho e a

repercutindo

organização.

princípio,

traz

na

seara

física,

pressão 90

leva

Muitas a

vezes,

a

enfermidades


psíquicas ou força o trabalhador a

Projeto de Lei nº 4.591/200130, de

desistir do emprego. Em casos mais

iniciativa da deputada Rita Camata

graves, o assédio pode ser tido como

(PSDB-ES), que modifica a Lei nº

uma

de

8.112, de 11 de dezembro de 1990,

suicídios, pois a humilhação pode

proibindo a prática do assédio moral

ser tão intensa a ponto de levar o

no âmbito do serviço público federal

sujeito a findar a própria vida para se

e cominando pena que vai da singela

livrar do abuso moral.

advertência até a demissão, esta em

das

O

diversas

causas

assédio

moral

está

caso de reincidência.

tipificado, ainda que indiretamente, pela legislação e pela Constituição

PROJETO DE LEI FEDERAL Nº

Federal. No item que trata dos

4742/2001

direitos fundamentais no o artigo 5º

O Congresso Nacional decreta:

da Constituição Federal, parágrafos II

e

III,

que

abrangem

Artigo 1º - Art. 1º O Código

respectivamente o assédio sexual e

Penal Brasileiro - Decreto-lei nº

o moral, o artigo 483 da CLT e

2848, de 7 de dezembro de 1940 -

138,139 e 140 do Código Penal,

passa a vigorar acrescido de um

relativos a crimes contra a honra, ou

artigo 146 A, com a seguinte

seja, calúnia, difamação e injúria;

redação:

sem mencionar o artigo 146 –

Assédio Moral no Trabalho

constrangimento ilegal- do referido

Art.

código,

que

também

pode

ser

146

reiteradamente,

A.

Desqualificar,

por

meio

de

aplicado ao assédio. A dificuldade na

palavras, gestos ou atitudes, a

aplicação dos dispositivos está na

autoestima,

comprovação

causal

imagem do servidor público ou

consequência)

empregado em razão de vínculo

(relação

entre

do a

nexo

indispensável para a punição na

a

segurança

ou

a

hierárquico funcional ou laboral.

esfera criminal.

Pena: Detenção de 3 (três)

No Brasil, além de algumas

meses a um ano e multa.

leis municipais existem projetos de lei sobre o tema, tramitando na

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE

Câmara dos Deputados:

LEI Nº 4.742, DE 2001

91


Acrescenta o art. 136-A ao

TÍTULO III

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

DO REGIME GERAL DE

dezembro de 1940, Código Penal

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Brasileiro, instituindo o crime de

CAPÍTULO II: DAS PRESTAÇÕES

assédio moral no trabalho.

EM GERAL

O Congresso Nacional decreta:

Seção I: Das Espécies de

Artigo 1º - O Decreto-Lei nº

Prestações

2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código

Penal

Brasileiro,

Art.

fica

21

-

Equiparam-se

também ao acidente do trabalho,

acrescido do art. 136-A, com a

para efeitos desta Lei:

seguinte redação:

I.

o

acidente

ligado

ao

"Art. 136-A. Depreciar, de

trabalho que, embora não tenha sido

qualquer forma e reiteradamente a

a causa única, haja contribuído

imagem

diretamente

ou

o

desempenho

de

para

a

morte

do

servidor público ou empregado, em

segurado, para redução ou perda da

razão de subordinação hierárquica

sua capacidade para o trabalho, ou

funcional ou laboral, sem justa

produzido lesão que exija atenção

causa,

médica para a sua recuperação;

ou

tratá-lo

com

rigor

excessivo, colocando em risco ou afetando

sua

saúde

física

II. o acidente sofrido pelo

ou

segurado no local e no horário do

psíquica.

trabalho, em consequência de:

Pena - detenção de um a dois

[...]

anos.

b. ofensa física intencional, Mais recentemente, o PL N.º

inclusive de terceiro, por motivo

7.202, DE 2010, de autoria de

de disputa relacionada ao trabalho

Ricardo Berzoini, Pepe Vargas, Jô

(ASSÉDIO..., 2012).

Moraes, Paulo Pereira da Silva e

Devida ao fator subjetivo que

Roberto Santiago prevê alterações

envolve esse tipo de delito, alguns

na Lei nº 8.213 de 1991. A redação

países

proposta inclui o inciso II, b, no artigo

específica

21 da referida lei:

assédio moral no trabalho. É o caso

têm para

uma

legislação

criminalizar

o

da Alemanha, da Itália, da França, da Austrália, dos Estados Unidos e da Suíça. 92


2. Os tipos de assédio moral no

Na forma ascendente, bem mais

ambiente de trabalho

rara, o grupo não aceita um superior que vem de fora ou que pertencia ao

A

perseguição

trabalho

pode

modos:

fenômenos

moral

ocorrer

de

no

próprio grupo e foi promovido.

dois

verticais

O fenômeno horizontal ocorre

e

quando o assédio se estabelece de

horizontais.

colega para colega. Observa-se

O fenômeno vertical é o mais

quando não se consegue conviver

comum. Num fluxo descendente,

com as diferenças, especialmente

partindo do superior hierárquico

quando

rumo ao subordinado, aquele se

destaques na profissão ou cargo

serve da autoridade formal e por

ocupado.

vezes do aval da instituição para

p.112-114).

essas

diferenças

(HIRIGOYEN,

são

2002,

perpetuar e manter o assédio deste.

2.1 Tabela de origem do assédio ORIGEM DO ASSÉDIO

%

Hierarquia

58

Diversas pessoas (incluindo colegas)

29

Colegas

12

Subordinado

1

Total

100 Fonte: HIRIGOYEN, 2002, p. 111.

3. Estratégias do agressor São estratégias do agressor, segundo o Guia Trabalhista (2011):

o Escolher a vítima e a isolar do grupo.

93


o Impedir de se expressar e não explicar o porquê. o Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares. o Culpar ou responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua capacidade invadir, inclusive, o espaço familiar. o Desestabilizar emocional e profissionalmente a vítima gradativamente vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho. o Destruir a vítima (desencadeando ou agravamento de doenças préexistente). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principalmente álcool. o Livrar-se da vítima que são forçados a pedir demissão ou são demitidos frequentemente, por insubordinação. o Impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade.

4. Danos da humilhação à saúde

O empregado assediado passa a conviver com depressões, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamento ou tentativa de suicídio que configuram um cotidiano sofrido. Este sofrimento nas relações de trabalho faz adoecer, pois a pessoa vive de modo indesejado, reprimindo o mal estar por um longo tempo. Desta forma, também os pequenos assédios causam alterações à saúde, a curto médio ou longo prazo. É difícil fazer uma análise precisa da intensidade de cada tipo de assédio à saúde, no entanto, é sabido que seja ele causador de sérios danos à saúde.

4.1 Consequência do assédio moral a saúde

Segundo Barreto (2000), entrevistas realizadas com 870 homens e mulheres vítimas de opressão no ambiente profissional revelam como cada sexo reage a essa situação (em porcentagem). 94


Tabela 1. Consequência do assédio moral a saúde. [1] Sintomas

Mulheres

Homens

100

-

Dores generalizadas

80

80

Palpitações e tremores

80

40

Sentimento de inutilidade

72

40

69,6

63,6

Depressão

60

70

Diminuição da libido

60

15

Sede de vingança

50

100

Aumento da pressão arterial

40

51,6

Dor de cabeça

40

33,2

Distúrbios digestivos

40

15

Torturas

22,3

3,2

Ideia de suicídio

16,2

100

Falta de apetite

13,6

2,1

10

30

Passa a beber

5

63

Tentativa de suicídio

-

18,3

Crises de choro

Insônia ou sonolência excessiva

Falta de ar

5. É possível estabelecer um nexo

ü.

causal?

A

história

clínica

e

ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de

Segundo Resolução 1488/98

nexo causal;

do Conselho Federal de Medicina, “para

estabelecimento

do

ü. O estudo do local de

nexo

trabalho;

causal entre transtornos de saúde e

ü. O estudo da organização

as atividades do trabalhador, além

do trabalho;

do exame clínico (físico e psíquico) e

ü. Os dados epidemiológicos;

dos

ü. A literatura atualizada;

exames

complementares,

quando necessários, deve o médico considerar”: 95


ü. A ocorrência de quadro

A vítima também deve dar

clínico ou subclínico em trabalhador

visibilidade, procurando a ajuda dos

exposto a condições agressivas;

colegas, principalmente daqueles

ü. A identificação de riscos físicos,

químicos,

que testemunharam o fato ou que já

biológicos,

sofreram humilhações do agressor.

mecânicos, estressantes, e outros; ü.

O

depoimento

e

Deve a

evitar

agressor

experiência dos trabalhadores;

conversas

sem

com

testemunhas

o (ir

sempre com colega de trabalho ou

ü. “Os conhecimentos e as

representante sindical).

práticas de outras disciplinas e de

Além disso, pode exigir por

seus profissionais, seja ou não da

escrito, explicações do ato agressor

área de saúde.”

e permanecer com cópia da carta

(Artigo 2° da

Resolução CFM 1488/98).

enviada ao D.P. ou R.H e da

ü. Duração e repetitividade da exposição

dos

trabalhadores

eventual resposta do agressor. Se

a

possível

situações de humilhação.

mandar

sua

carta

registrada, por correio, guardando o recibo. O empregado deve procurar

6. Ações possíveis para a vítima

seu

sindicato

acontecimento

e para

relatar

o

diretores

e

A vítima deve primeiramente

outras instâncias como: médicos ou

resistir e anotar com detalhes todas

advogados do sindicato assim como:

as humilhações sofridas (dia, mês,

Ministério

Público,

ano, hora, local ou setor, nome do

Trabalho,

Comissão

agressor,

Humanos e Conselho Regional de

colegas

que

de

do

Direitos

da

Medicina

conversa e o que mais esta achar

Conselho

necessário).

providência

Medicina n.1488/98 sobre saúde do

objetiva facilitar a e prova do assédio

trabalhador). Outra possibilidade é

moral e consequentemente fazer

recorrer ao Centro de Referência em

com que o agressor sofra as

Saúde dos Trabalhadores e contar a

penalidades

humilhação

testemunharam,

conteúdo

Essa

adequadas

(ver

Justiça

Resolução Federal

sofrida

ao

do de

médico,

(dependendo do caso até a sua

assistente social ou psicólogo. É

demissão).

sempre importante buscar apoio 96


familiar, de amigos e colegas, pois o

caráter sintagmático do contrato de

afeto

trabalho,

e

a

solidariedade

são

fundamentais.

e

por

descumprindo

a

consequência, sua

principal

obrigação que é a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade do empregado. Recurso improvido. [2] 7. Decisões judiciais sobre assédio

Dinâmica

grupal

Desvirtuamento – Violação ao

moral

patrimônio moral do empregado – Assédio moral – Indenização: A

Reproduzem-se, abaixo, três decisões

judiciais,

mais

dinâmica

grupal

na

precisamente acórdãos, a respeito

Recursos

de pedidos de reparação por assédio

objetivos: testar a capacidade do

moral:

indivíduo, quanto à compreensão

Humanos

área tem

de por

Assédio moral – Contrato de

das normas do empregador e gerar

inação – Indenização por dano

a sua socialização. Entretanto, sua

moral:

aplicação

A

tortura

psicológica

inconsequente

destinada a golpear a autoestima do

efeitos

empregado,

sua

emocional

sua

manipular tanto a emoção como o

dispensa através de métodos que

íntimo do indivíduo, a dinâmica pode

resultem

o

levá-lo a se sentir humilhado e

inúteis,

menos capaz que os demais. Impor

demissão

empregado

visando ou

em de

forçar

apressar

a

sobrecarregar tarefas

danosos do

ao

produz equilíbrio

empregado.

sonegar-lhe informações e fingir que

pagamentos

não o vê, resultam em assédio

publicamente, tais como, ‘dançar a

moral, cujo efeito é o direito à

dança da boquinha da garrafa’,

indenização por dano moral, porque

àquele que não cumpre sua tarefa a

ultrapassada o âmbito profissional,

tempo e modo, configura assédio

eis que minam a saúde física e

moral, pois, o objetivo passa a ser o

mental da vítima e corrói a sua

de inferiorizá-lo e torná-lo ‘diferente’

autoestima. No caso dos autos, o

do grupo. Por isso, golpeia a sua

assédio foi além, porque a empresa

autoestima e fere o seu decoro e

transformou o contrato de atividade

prestígio profissional. A relação de

em contrato de inação, quebrando o

emprego cuja matriz filosófica está 97

de

Ao

prendas


assentada no respeito e confiança

comportamento

mútua

contratantes,

grave com o autor, e menos ainda

impõe ao empregador o dever de

omitir-se diante de agressão física

zelar pela dignidade do trabalhador.

sofrida pelo reclamante no ambiente

A CLT, maior fonte estatal dos

de trabalho; mormente se esta

direitos e deveres do empregado e

agressão

empregador, impõe a obrigação de o

agentes de segurança do reclamado,

empregador abster-se de praticar

os quais não esboçaram qualquer

lesão à honra e boa fama do seu

tentativa

empregado

reclamante, como empregado do

das

partes

(art.

483).

Se

o

fora

de

discriminatório

presenciada

coibi-la.

por

Se

empregador age contrário à norma,

demandado,

deve responder pelo ato antijurídico

estabelecimento do réu, sofre, por

que praticou, nos termos do art. 5º,

parte de seus colegas de trabalho,

X, da CF/88. [3] (Recurso provido).

deboches e até chega a sofrer

Dano

moral:

estando

o

no

Empregado

agressão física, e se delas tem pleno

submetido a constrangimentos e

conhecimento a gerência constituída

agressão física, em decorrência de

pelo

sua orientação sexual, praticados

responderá,

por empregados outros no ambiente

danos

de trabalho e com a ciência da

reclamante (CCB então vigente, art.

gerência da empresa demandada –

159 c/c art. 5º, X, da CF). Sendo o

Imputabilidade

ao

empregador pessoa jurídica (e não

empregador. Se a prova colhida nos

física), por óbvio, os atos de violação

autos revela, inequivocamente, que

a direitos alheios imputáveis a ele

o autor sofrerá no ambiente de

serão necessariamente praticados,

trabalho, discriminação, agressões

em sentido físico, pelos obreiros e

verbais e mesmo físicas por sua

dirigentes

orientação

quadros.

de

culpa

homossexual,

mesmo

empregador, por

omissão,

morais

que

este

último pelos

causados

integram

(Recurso

ordinário

ao

seus do

que não pudesse o empregador

reclamado conhecido e desprovido).

impedir

[4]

que

empregados

parte

de

desaprovasse

seus o

comportamento do reclamante e evitassem contato com ele, não poderia permitir a materialização de 98


fundamentais do homem, dentre eles

Conclusão

a dignidade, a qual tem sido violada de modo crescente e alarmante no

Hoje, no mercado de trabalho

ambiente laboral.

altamente competitivo, o respeito pelo ser humano está cada vez mais

As pesquisas apresentadas

fragilizado. O assédio moral é uma

revelam números assustadores e

das causas que mais abalam a

consequências graves desse ilícito,

saúde dos trabalhadores, em razão

razão pela qual o assunto merece

de

destaque nos meios acadêmicos,

pressões

perseguições superiores

desumanas praticadas

ou

pelos

e

caso

pelos

contrário,

aumentará

próprios

o

cada

vez

mais

número

de

vidas

colegas. Para tornar-se cidadão o

prejudicadas, pois a grande maioria

indivíduo deve conhecer, cumprir e

das pessoas que sofre esse tipo de

exigir

abuso na desconhece seus direitos.

o

respeito

aos

direitos

99


Referências ASSÉDIO moral no trabalho. Disponível em: www.assediomoral.org>. Acesso em 16 de novembro de 2011. ASSÉDIO moral no trabalho. Disponível em: <www.assediomoral.net/publicacoes>. Acesso em: 16 de novembro de 2011. ASSÉDIO moral no trabalho, http://www.assediomoral.org/spip.php?article81. Acesso em 20 de janeiro de 2012. BARRETO, M. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp: PUC, 2000. Guia Trabalhista. http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/assediomoral.htm acesso em 20 de dezembro de 2011. IBES, Instituto brasileiro de estudos sociais. Disponível em: ://www.sociologia.org.br>. Acesso em 16 de novembro de 2011. HIRIGOYEN, Marie - France. Mal estar no trabalho - redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 111. PAROSKI, Mauro Vasni. Assédio moral no trabalho. Disponível em: Acesso em: 16 de novembro de 2011. TARCITANO, João Sérgio de Castro; GUIMARÃES, Cerise Dias. Assédio moral no ambiente de trabalho. Centro de Educação Tecnológica Estácio de Sá de Juiz de Fora - MG; TCC. 2004. Disponível em:http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/assedio_moral_no_trabalho_no_ambi ente_de_trabalho.pdf. Acesso em 01 de julho de 2011. SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Ética e assédio moral: uma visão filosófica. Disponível em: Acesso em 16 de novembro de 2011. [1] Fonte: BARRETO, M. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp: PUC, 2000. [2] Roraima -TRT – 17a R – n°1315.2000.00.17.00-1 – Rela. Sônia das Dores Dionísa. End. Eletrônico [3] Roraima - TRT – 17ª R – n. 1294.2002.007.17.00.9 – Relª. Juíza Sônia das Dores Dionísio. End. eletrônico [4] Distrito Federal - TRT – 10ª R – 3ª T – n° 919/2002.005.10.00-0 – Rel. Paulo Henrique Blair – DJDF 23.5.2003 – p. 51. end. Eletrônico

100


CRIME PASSIONAL E PRECONCEITO DE GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA FERNANDES, Barbara Rossi. Discente do 9º período de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O trabalho analisa aspectos relacionados à prática do crime passional a fim de demonstrar a discriminação de gênero (em desfavor da mulher) que ainda existe no caso desse tipo de violência, apontando algumas controvérsias da jurisprudência com relação à punibilidade. Pretende-se mostrar que, a despeito da Constituição Federal, que determina que “todos são iguais perante a lei”, e das campanhas de repressão à violência doméstica, a mulher ainda é vitimada de modo alarmante. Os crimes passionais são apenados de modo significativamente

mais

brando

quando

são

praticados

por

homens,

especialmente se forem traídos, o que denuncia o preconceito social que ainda reina no Brasil. Para a pesquisa bibliográfica será utilizado o método de raciocínio dedutivo.

Palavras-chave: Preconceito de gênero. Sociedade. Condição feminina. Crime passional. 101


benevolência piedosa e isso termina

Introdução

por lhes acarretar penas mais leves. Isso não pode ser admitido, pois a

O objetivo desse estudo é analisar a disparidade de tratamento

procuradora

jurídico dado ao crime passional

explanando sobre vários crimes

praticado por homens e mulheres.

passionais

Justifica-se a pesquisa o número

afirma que pesquisas levantadas

exorbitante de homicídios praticados

pela União das Mulheres de São

contra mulheres diariamente (10 por

Paulo relatam que pelo menos 2.500

dia) em razão de ciúmes e traições.

mulheres são mortas por ano vítimas

A pesquisa bibliográfica analisa os

de

conceitos

pesquisas, citadas na mesma obra,

de

amor,

de

crime

seus

Luiza

Nagib

ocorridos

no

companheiros.

que

10

Eluf,

país,

Outras

passional e propõe uma reflexão

indicam

mulheres

são

sobre a visão social e jurisprudencial

assassinadas por dia no Brasil

com relação ao crime passional.

(2009) em decorrência de violência doméstica.

A razão dos crimes passionais

Isso se explica, em parte, pois

é sempre o ciúme decorrente da ou

desde criança, a mulher foi ensinada

à

a cuidar da casa, dos filhos, do

companheira. Considera-se que a

marido, e a este deve ser submissa,

distinção de tratamento começa na

aceitando suas atitudes, violências e

sociedade,

o

traições sem rebelar-se. Com o

adultério masculino e repugna o

passar dos anos, essa visão vem

feminino. Por essa razão o criminoso

mudando e a mulher tem se tornado

passional recebe do júri, em geral,

a cada dia mais independente. Mas,

penas mais brandas do que o

mesmo com essas mudanças, ainda

homicida que pratica o crime movido

há uma resistência da sociedade em

por vingança (pena qualificada).

aceitar tanto a liberdade quanto a

imputação imaginária)

(verdadeira de

que

uma

tolera

traição

bem

traição feminina, o que dá ao

Embora não se admita mais a tese da legítima defesa da honra, os

homicida

jurados, incentivados pelos esforços

proteção.

passional

uma

certa

retóricos da defesa, projetam no

A reação social, quando um

assassino traído uma espécie de

homem mata a mulher (porque ela não o quer mais e principalmente 102


porque preferiu a outro), é mais leve

amoroso e enviar os estímulos

do que no caso do homicídio comum,

sensoriais e psicológicos. (2011).

como se o crime, nesse caso fosse

Emilio Mira y López, em sua

de certa forma justificado. O choque

obra Quatro Gigantes da Alma

maior da sociedade ocorre quando a

(2007, p.

esposa

algumas classificações quanto aos

viola

os

deveres

de

fidelidade do que quando o homem a

149- 158), nos traz

tipos de amor, sendo eles:

mata.

Amor Esquizoide: a palavra A figura feminina é tratada,

esquizoide, segundo definição do

nesse caso, com preconceito e

professor

virulência muito maiores do que a

Bueno, no Minidicionário da Língua

figura masculina. Essa diferente

Portuguesa (1996, p. 267), é um

valoração social das condutas está

adjetivo de “anormal, desiquilibrado”,

na

e

gênese

da

diferença

de

tratamento jurídico.

é

a

Francisco

clara

da

Silveira

explicação

dessa

modalidade do sentimento: aquele que tem como característica a

1. O amor

mudança

de

seu

(manifestação) Não é fácil dar uma definição do

amor.

forma

proporção

(intensidade).

simples,

Amor Paranoide: é aquele

podemos trazer ao caso o que diz no

que, com facilidade, o indivíduo

site Wikipédia quanto à acepção

consegue

desse sentimento:

amada, todavia ele pode retraí-la,

Pode

De

e

sintoma

significar

afeição,

conquistar

a

pessoa

pois logo se enche de ciúmes e afligir

compaixão, misericórdia, ou ainda,

quem recebe todo esse amor;

inclinação, atração, apetite, paixão,

Amor Hipomaníaco: não é

querer bem, satisfação, conquista,

diferente dos outros quanto ao seu

desejo, libido, etc. O conceito mais

brilhantismo, alegria, atração, no

popular de amor envolve, de modo

entanto,

geral, a formação de um vínculo

buscando o prazer, rapidamente

emocional com alguém, ou com

alcança sua fulgência, porém quem

algum objeto que seja capaz de

o sente é de forma frívola e ligeira;

receber

este

comportamento

aqui

Amor

a

pessoa

Pessimista

ama

ou

Melancólico: este é impregnado de 103


medo e até rancor, pois o indivíduo

é afligido pelo ciúme e vive sob a

que o sente olha mais para os

ameaça da violência, na verdade o

perigos que pode trazê-lo e acaba

que a pessoa aqui quer é ser

não aproveitando do sentimento,

venerado e obedecido;

afetando

dessa

forma,

seu

Amor Lúbrico: o ponto em

companheiro;

comum dos amantes aqui é o desejo

Amor Compulsivo: ele é do

que eles têm em satisfazer os

tipo temeroso, inquieto, de modo que

impulsos e posse de seus corpos, é

acaba complicando a convivência,

mais algo carnal;

devido

suas

inexplicáveis

Amor

mudanças;

está

criador:

nele

Intelectual, existe

mais

o

Amor Ansioso: é aquele que

companheirismo e amizade do que a

sempre

questão erótica. O maior interesse

aos

extremos:

é

ofegante e aflito, de modo que não

entre os pares é se amarem;

consegue alcançar a doce suavidade

Amor em vaivém: aqui o

do sentimento;

homem se interessa e seu amor

Amor Nutritivo: é o amor

chega ao extremo, enquanto a

canibalesco, sendo o mais primitivo,

mulher fica fazendo ‘jogo duro’,

pois

sentem

depois quando o homem perde o

prazeres orais, são estipuladas pelas

encanto e parte para outras, ela

papilas

descobre que o ama loucamente, aí

as

pessoas

gustativas

aqui

e

cílios

das

células olfativas;

parte para a conquista. Resumindo

Amor Mortal: é caracterizado

seria enquanto cada um vive em

pela solidão, silêncio, obscuridade, tristeza e desânimo.

período diferente do outro;

O prazer de

Amor

Explosivo:

os

quem sente esse amor é a morte,

companheiros se alteram entre a

sacrifício, renunciando tudo que

repulsa violenta e a atração, eles

possa representar vitalidade;

gastam seu tempo brigando e se

Amor Imperialista, Sádico e

reconciliando, vale ressaltar que

Tirânico: ele é típico de pessoas

essas brigas podem ser tão intensas

orgulhosas que sentem prazer em

a chegar à agressão física.

mostrar que seu companheiro é

O Amor, um sentimento tão

submisso a ele. Sua nutrição é a

excelso deve querer o bem à pessoa

arrogância, vaidade e orgulho, ainda 104


amada acima de tudo, e não trazer

termos da qualificadora do artigo 121

destruição e morte.

do CP. Desse modo, é o ciúme

2. O ciúme

sexual-possessivo (sentimento de domínio sobre a outra pessoa) a

“O ciúme incomoda, fere,

primeira grande causa do crime

humilha quem o sente.” (ELUF,

passional, já que o ciúme possessivo

2009, p. 136).

é uma distorção do amor e não uma

Como todo sentimento, ele é

prova desse sentimento nobre.

subjetivo e por isso cada pessoa o

Todavia, como o ciúme se

sente de uma forma, com uma

enquadra facilmente no rol dos

intensidade. A mulher pode senti-lo

sentimentos

de um jeito e o homem em outra

expressão

proporção. A pessoa ciumenta pode

dependendo

ser

advogado em convencer os jurados,

definida

como

aquela

que

acobertados “violenta da

ainda

pela

emoção”,

habilidade

beneficiam

sempre vive em tensão, e se sente

esses

também humilhada, pelo fato de

admitindo

pensar que não conseguirá manter e

contida no Código Penal, quando, na

cuidar de seu amor, caso apareça

verdade, este mereceria a pena

outra pessoa, vista por ele como

agravada

pela

qualificadora

outro rival.

vingança!

Vale

lembrar

a

forma

o

do

réu

privilegiada

que

da o

O ciúme está intimamente

homicídio privilegiado possui causa

ligado ao sentimento de posse que a

de diminuição de pena, variável

pessoa pensa ter sobre a outra.

entre um sexto e um terço (§ 1°, art.

Decorre

121)

da

insegurança

e

do

enquanto

para

a

forma

desrespeito ao direito alheio de

qualificada a pena será de 12 a 30

escolher se quer ou não manter um

anos. Isso determina uma diferença

relacionamento. “coisifica”

a

considerando-a extraindo

a

O

ciumento

enorme na pena. Se o réu é apenado

outra

pessoa,

com a forma privilegiada, sendo

um

objeto,

condição

dela

primário e de bons antecedentes,

humana

experimentará uma pena irrisória

essencial que é a liberdade. Quem

pela violência praticada.

mata por ciúme age por vingança, merecendo ser repreendido nos 105


3. A condição feminina e o adultério

Oliveira

(2012)

“as

mulheres

na sociedade

costumam ser mais resistentes e, quando traídas a maioria perdoa ou

Quando uma pessoa mata

tenta o suicídio, pois, historicamente,

amor”,

está

a educação lhes dá mais tolerância.

dominada pelo sentimento de posse,

No entanto, quando cometem este

orgulho e vingança.

tipo de crime às vezes são mais

“por

na

verdade

A mulher

cruéis que os homens”.

dificilmente faz isso. Normalmente a traída se revolta e briga com a outra, e

não

com

companheiro. raramente

o

Existem culturas em que é

próprio

natural

De qualquer modo,

chega

a

matar.

um

homem

ter

várias

esposas, e é natural dividir o marido

A

com as suas outras mulheres. Desse

sociedade tolera bem a traição

modo, para elas, não existe nenhum

masculina e, às vezes, até exalta o

incentivo para matar o adúltero ou

homem “garanhão” que ludibria uma

desenvolver o sentimento de posse

mulher em casa e se aventura com

pelo homem.

tantas outras fora do lar. Já o

Quando

homem, quando privado de seu

independente,

objeto

à

financeiramente, pode estar menos

rejeição, e se foi traído, torna-se

vulnerável ao crime passional, mas

furioso e se vê no direito de se

não está livre dele. Recentemente

vingar matando.

vimos o caso do jornalista Pimenta

de

O mulheres

desejo,

pequeno que

sucumbe

índice

cometem

de

a

mulher

psicológica

é e

Neves que matou a namorada,

crimes

também jornalista, por ciúmes.

passionais se dá pelo fato de que as

Na tentativa de reprimir a

mulheres são criadas com a ideia de

violência contra a mulher, a Lei

tolerância à traição. “A esposa deve

Maria da Penha nº 11.340/2006,

ser sábia e contornar as escapadas

dispõe sobre a criação dos Juizados

do marido”, recomendam as avós. A

de Violência Doméstica e Familiar e

ideia que predomina na sociedade é

estabelece medidas de assistência e

a de que os desejos masculinos são

proteção às mulheres em situação

mais incontroláveis e a traição para

de violência doméstica e familiar.

eles não significa nada por fazer

Todavia, mesmo após a lei, os

parte de seu “instinto”. Segundo

crimes passionais não diminuíram. 106


4. Crime passional

na vida dos passionais, é meramente episódico. Esses delinquentes, à

Quando falamos em crime passional,

devemos

verdade, não reincidem. Mas a

entender,

ameaça de pena exerce intimidação

primeiramente, sua definição. Essa

sobre todos. A impunidade açularia,

denominação é dada para quem

ao

comete um homicídio e diz que tal

passionalismo.

revés,

o

incremento

do

ação foi feita em nome do amor ou

A legítima defesa da honra

até mesmo por legítima defesa de

não é mais aceita pelos tribunais,

sua honra, que foi manchada com a

sendo inconstitucional devido ao

separação, por ver em outros braços

artigo 5º, I da Constituição Federal.

alguém

Este prevê a igualdade entre os

por

quem

nutria

um

sentimento de posse.

sexos. Assim, a honra do homem

Além desse sentimento de

tem o mesmo valor da honra da

posse, o desejo de vingança também

mulher. Além disso, a honra do

é

crime.

marido não pode ser manchada por

conduta

atitudes da esposa, ou vice-versa, já

a

ação

que a honra é um atributo pessoal: a

doentia

atitude de um indivíduo não pode

(patológica). Conforme afirmação de

contaminar ou atingir a honra do

Ivair Nogueira Itagiba (1958, p. 334

outro.

apud ELUFT, 2009, p. 134 - 135), o

“vingança”, e com relativa anuência

verdadeiro amor é resignação e

da sociedade, que considera a

autossacrifício, ternura e perdão...

traição feminina com mais rigor do

Transpira animalidade o amor que

que a traição masculina, o homicida

assassina,

egoísmo

não apenas mata, mas também

paroxístico, da sensualidade bestial,

confessa seu ato, pois para ele, não

da ameaça da exclusividade da

basta eliminar a vida; o importante é

posse, do despique do amante

que todos fiquem sabendo ou, em

preterido,

linguagem popular, ele busca lavar a

um

dos

motivos

do

Podemos

entender

passional

como

sendo

motivada

pela

paixão

gerado

do

ciúme

a

do

da

mulher

ofendida na vaidade, da prepotência

Todavia,

em

busca

de

honra com sangue!

da concupiscência e do ódio, a que

A emoção e a paixão, também

chama sentimento de honra. Nada

não

colhe o argumento de que o crime,

segundo o Código Penal: 107

excluem

a

imputabilidade


Art. 28 - Não excluem a Imputabilidade

A atenuante genérica prevista

penal:

no art. 65. III, c, última parte do CP,

I - a emoção ou a paixão;

difere da figura privilegiada do

Mas, na redação do Código

homicídio.

Naquela

o

crime

é

Penal, a violenta emoção provocada

praticado sob influência, e não

pela injusta provocação, é uma

domínio, de violenta emoção e sem

atenuante genérica:

o requisito logo em seguida, do

Art. 65 - São circunstâncias

homicídio privilegiado para o qual a

sempre

pena:

lei exige que o sujeito esteja sob o

agente:

domínio de violenta emoção. Já na

c) cometido o crime (...) sob a

atenuante, basta que o sujeito esteja

influência

sob a influência da violenta emoção.

que (...)

III

atenuam

-

ter

de

a

o

violenta

emoção,

provocada por ato injusto da vítima; Evidentemente pode

ser

ciúme

considerado

O privilégio exige reação imediata, já

não

a atenuante não. A consequência

injusta

direta da distinção está relacionada

provocação, pois é um sentimento

com

a

dosimetria

ligado à própria insegurança do

(OLIVEIRA, 2012) As

traições inexistente e, portanto não

coerentemente

se configura provocação injusta da

pesquisas revelam o crescimento da

vítima.

violência que as mulheres sofrem no possibilidade

devem

pena.

ciumento que, muitas vezes, fantasia

Outra

penas

da

dosadas,

ser pois

de

âmbito do lar. A cada 100 mulheres

privilegiar o crime passional consta

vítimas de homicídio, 70% delas são

no §1º do art. 121 do Código Penal,

vítima de um momento irracional de

preceituando que:

seus próprios companheiros. Um

(...) se o agente comete o crime

impelido

de

defesa do criminoso é a acusação de

relevante valor social ou moral, ou

adultério, mesmo que seja apenas

sob domínio de violenta emoção,

uma suspeita ou uma invenção.

logo

injusta

Diante do preconceito social, ainda

provocação da vítima, o juiz pode

enorme, a alegação toma facilmente

reduzir a pena de um sexto a um

a proporção de realidade e o

terço.

assassino passa a ser considerado a

em

por

seguida

motivo

dos subterfúgios mais usados em

a

vítima. Luiz Ângelo Dourado (apud 108


OLIVEIRA, 2012), especializado em

vida. Trata-se de pessoa de grande

psicologia criminal, entende que o

preocupação com sua imagem social

homicida passional não é vítima:

e sua respeitabilidade de macho.

É

acima

de

tudo,

um

Emocionalmente

é

imaturo

e

narcisista, ou seja, uma pessoa

descontrolado, presa fácil da “ideia

vaidosa,

fixa”. Assimilou os conceitos da

com

autoconfiança

exagerada. Estas pessoas passam a

sociedade

patriarcal

vida enamorada de si, elege a si

completa e sem crítica.

de

forma

próprio ao invés de aos outros, como

Podemos concluir que, para

objeto de amor. Reage contra quem

alguns homens, influenciados por

tiver a audácia de julgá-lo uma

uma criação machista, ainda aceita

pessoa comum, que pode ser traída,

na sociedade brasileira, a rejeição de

desprezada, e não amada.

uma mulher é inaceitável.

Perder

o

aquilo que ele considera ser “seu”

verdadeiro homicida passional, o

amor lhe daria, nessa lógica doentia,

que

o direito de matar. Desse modo, ou

Tanto

está

é

verdade

tomado

pela

que

loucura

amorosa, geralmente se mata após

com

o cometimento do homicídio. Na

emoção, ou do relevante valor moral,

realidade, todavia, é raro o suicídio

os defensores conseguem persuadir

passional, pois o sentimento de raiva

os jurados a julgar com certa

é dirigido contra a pessoa rejeitou o

permissividade

criminoso e não contra si mesmo, de

passionais. Essas atenuantes, na

modo que esse criminoso raramente

verdade, são maneiras indiretas e

se arrepende da vingança. Vale

estratégias retóricas disfarçadas que

ressaltar o perfil do passional, na

validam na prática a antiga legítima

conclusão de Luiza Nagib Eluf (2009,

defesa da honra, atenuando as

p. 236).

penas.

É homem, geralmente de

a

atenuante

Sendo

os

assim,

violenta

homicidas

embora

homicida

cometeram o delito), é egocêntrico,

apenado com a forma agravante,

ciumento e considera a mulher um

pois

ser inferior que lhe deve obediência

egocentrismo,

ao mesmo tempo em que a elegeu o

vingança, geralmente por meios

“problema” mais importante de sua

cruéis, ainda vinga no júri a tese

pratica

o

deva

o

meia idade (há poucos jovens que

109

passional

da

crime

impelido

ser

por por


privilegiada. Eluf (2009) apresenta

5. O crime passional nos tribunais

em sua obra a seguinte visão jurisprudencial:

Oliveira

O uxoricida passional, que pratica

o

crime

em

(2012)

relaciona

algumas decisões proferidas em

exaltação

crimes passionais.

emocional, pode apenas invocar a

1) Negando a qualificadora da

causa de redução de pena prevista

torpeza:

no §1º do artigo 121 do Código

O

ciúme

em

si

reprovável,

mesmo,

Penal, não porém a legítima defesa

embora

não

o

da honra” (TJSP, AC, Rel. Humberto

caracteriza. Embora seja sentimento

da Nova, RT 486/265).

que afeta o equilíbrio emocional do

Na verdade, tudo dependerá

homem, desencadeando instintos

da habilidade do advogado em fazer

primitivos de agressividade e posse

soar no júri as emoções moralistas

obsessiva,

que

sinonímia da torpeza47.

facilmente

podem

ser

não

se

insere

na

despertadas no caso dos crimes passionais. Se o advogado for

2) Negando a qualificadora do

eficiente nessa tarefa, poderá dar a

motivo fútil:

seu cliente homicida uma pena

Ciúme,

em

dos

que

este

irrisória. Nesse sentido vale citar

profundos

Corrêa (2003, p.40): no momento em

sentimento normalmente causa no

que os atos se transformam em

psiquismo do agente, não pode ser

autos, os fatos em versões, o

confundido com o motivo fútil48.

concreto perde quase toda a sua

Todavia,

importância e o debate se dá entre

desproporção

os atores jurídicos, cada um deles

(rompimento de um namoro) e o

usando a parte do ‘real’ que melhor

efeito da conduta (a morte da vítima),

reforce o seu ponto de vista. Neste

é razoável o enquadramento da

sentido, é o real que é processado,

conduta

moído, até que possa se extrair dele

futilidade49;

um esquema elementar sobre o qual

abalos

face

quando

na

gigantesca

entre

a

qualificadora

a

causa

da

3) Admitindo a qualificadora

se construirá um modelo de culpa e

da vingança:

um modelo de inocência.

É certo que a vingança, por si só, não torna torpe o motivo do 110


delito,

que

qualquer

passional, havendo controvérsias

vingança que o qualifica. Entretanto,

com relação às qualificadoras e ao

ocorre a qualificadora em questão se

homicídio privilegiado nesses casos.

o acusado, sentindo-se desprezado

Cada crime deve ser visto de acordo

pela

com suas particularidades, mas o

amásia,

não é

resolve

vingar-se,

matando-a 50.

esforço dos juristas deve ser no

4) Admitindo a atenuante do

sentido de conter e apenar com

relevante valor moral:

severidade os delitos de violência

Em tema de homicídio, a

homicida

contra

mulheres,

pois

atenuante do relevante valor social

como se viu, tais crimes merecem

ou moral é circunstância subjetiva

repúdio veemente da sociedade em

compatível com a qualificadora da

razão

surpresa 51.

quantidade enorme de incidências.

5)

Admitindo

o

da

banalização

e

da

homicídio

privilegiado: A decisão do Conselho de Sentença,

consentânea

com

Conclusão

a

confissão do réu reconhecendo o

A discriminação da mulher é

homicídio privilegiado e rejeitando a

uma

tese da legítima defesa, ajusta-se a

passado. A sociedade é machista e

o entendimento no sentido de que o

as mulheres aceitam isso. Apesar

conceito

ser

de hoje em dia ser vedado o

eminentemente pessoal, não se

preconceito, podendo a pessoa que

coaduna com ato de infidelidade da

sofreu tal atitude entrar com uma

companheira, nem confere ao varão

ação de indenização, só isso não é

o direito de ceifar-lhe a vida, ainda

suficiente para servir de exemplo.

que

a

de

honra,

eclosão

decorrente

do

emocional,

possa

por

de

questão

que

começa

no

violência,

Em termos de julgamento, as

descontrole

circunstâncias particulares é que

minorar

a

determinarão a admissibilidade ou a

reprovabilidade da conduta 52.

coexistência das qualificadoras, ou

Pelo exposto, percebe-se que

da forma privilegiada. É verdade

os tribunais divergem quanto à

que, se em um julgamento de crime

aplicação das minorantes e das

passional, a defesa utilizar, ainda

majorantes

de

pena

no

crime 111


que indiretamente, o argumento da

ter traído a esposa ou companheira,

legítima defesa da honra, e os

(numa

jurados acatarem, o Tribunal poderia

(PAULOLOPES,

até rever esse Júri, pois teria havido

acontecia

um

resolvessem também lavar a honra

julgamento

contrário

a

um

princípio constitucional. Mas vale lembrar que o ideal

média

nacional)

2011),

se

as

exterminando

os

Evidentemente

essa

o

que

mulheres

adúlteros? hipótese

para a sociedade seria a abolição

assusta e parece absurda, pois

definitiva

que

contraria a tradição e, além disso,

possibilita as formas privilegiadas

instalaria o caos social. A reação que

em crimes passionais, como medida

temos a essa construção mental,

de contenção da barbárie que se vê

meramente hipotética, por si só,

diariamente no Brasil. Diariamente

evidencia como a disparidade de

10 mulheres são mortas por seus

tratamento jurídico e social aqui

maridos e namorados, na maioria

denunciada é real.

do

entendimento

das vezes em razão de abandono ou adultério.

morrem

com a educação para a igualdade e

apanham e ficam marcadas física e

o respeito à vida e culminar com

psicologicamente.

julgamentos

O

As

que

combate

não

A mudança deve começar

que

violência

intimidem a prática de violências

doméstica é amplamente propagado

dessa natureza, equiparando as

pelas mídias e instituições estatais.

condutas masculinas e femininas

Mesmo assim, a cada 100 mulheres

diante do preceito supremo da

assassinadas

isonomia.

pelo

à

equânimes

companheiro,

apenas um homem é vitimado nas Notas

mesmas circunstâncias. As penas, portanto, devem ser duras, para que

47. 69 RJTRGS, 114/115. 48. RJTRGS, 87/82. 49. RJTRGS 132/123. 50. TJSP-AC-Rel Jarbas Manzzoni, RT, 593/310.

o ideal da redução da violência doméstica seja finalmente atingido. Ademais, se considerarmos o fato de que 70,8 % dos homens assumem

112


REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual. por Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. São Paulo: FTD: LISA, 1996. CORRÊA, Mariza. Morte em Família. Rio de Janeiro: Graal,1983. COTES, Paloma. Assassinos ainda lavam a honra com sangue e são absolvidos na justiça. Diário Vermelho, São Paulo, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/diario/2004/0209/0209_lavar_honra.asp. Acessado em 12 de set. 2011. ELUFT, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Pontes Visgueiro a Lindemberg Alves. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LÓPEZ, Emílio Mira y. Quatro gigantes da alma. Tradução e rev. e prefaciada por Cláudio de Araújo Lima. 27. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. OLIVEIRA, Lucielly Cavalcante. Homicídio passional: qualificado ou privilegiado?disponível em:http://jusvi.com/artigos/22121/2. Acesso em 20 de janeiro de 2012. PAULOLOPES. http://www.paulopes.com.br/2008/11/traio-feminina-cresce-emasculina-cai.html PEGO, Natália César Costa de Matos. Crimes passionais: atenuantes x agravantes. Monografia. Presidente Prudente: 2007. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/622/63 7> Acesso em: 15 abril 2011. WIKIPÉDIA. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor >. Acesso em: 18 maio 2011, às 20h05min.

113


LARANJA MECÂNICA; JUVENTUDE, ESTADO E SOCIEDADE FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto. Discente do 8º Período do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Laranja Mecânica (A Clowork Orange), um filme britânico de 1.971, dirigido por Stanley Kubrick, mostra em seu enredo a história vivida por Alex (Malcolm McDowell), um jovem pervertido, cujos hábitos agressivos são as determinantes de um processo de ressocialização que o submetem. Atualmente, verifica-se no contexto pátrio uma verdadeira identidade comportamental com aquela protagonizada no filme. Os jovens brasileiros, cada vez mais, estão protagonizando a violência e a criminalidade. A inércia do Estado e da Sociedade, em promover ações materializadoras dos preceitos constitucionais a fim de impedir que jovens sejam autores e ao mesmo tempo vítimas de seu ímpeto, de seu comportamento afoito, tem sido um fator contributivo para que a situação se agrave mais. Através de uma abordagem comparativa entre o filme e o cenário brasileiro, o objetivo deste trabalho é demonstrar a identidade existente entre o filme e a situação crítica dos jovens com a finalidade de se criar uma reflexão acerca desta realidade, demonstrando-se também a culpa que a Sociedade o Estado concorrem nesta ocorrência. Para tanto foi utilizado o método dialético, bibliográfico e audiovisual.

Palavras-chave: Laranja Mecânica. Identidade com a juventude atual. Responsabilidade do Estado e da Sociedade pela marginalização Juvenil. Comparações entre o filme e a situação atual dos jovens. 114


Hoje pode transformar e o que diria

as semelhanças do filme com o que

a juventude.

o jovem vivencia, atualmente. Valeu-

Um dia você vai chorar, vejo claras

se do método dialético, bibliográfico

fantasias[...]

e audiovisual.

Eu entendo a juventude transviada[...]

1. Uma breve abordagem do filme

(Luiz Melodia: Juventude

laranja mecânica

Transviada) Laranja Mecânica (A Clowork Orange), um filme britânico de 1.971, dirigido por Stanley Kubrick, mostra

Introdução

em seu enredo, a história vivida por uma

Alex (Malcolm McDowell), um jovem

abordagem comparativa entre o

pervertido, cujos hábitos agressivos

filme Laranja Mecânica e a realidade

são

brasileira dos jovens. O objetivo é

processo de ressocialização que o

demonstrar a identidade existente

submetem.

Este

trabalho

visa

as

determinantes

de

um

entre o filme e a situação crítica dos

Ele lidera uma gangue de

jovens com a finalidade de se criar

jovens arruaceiros, aos quais ele se

uma reflexão acerca desta realidade,

refere

demonstrando-se também a culpa

etimologicamente

que

Estado

termo russo Drug, que se significa

ocorrência.

amigo. Junto com seus amigos, ele

a

Sociedade

concorrem

nesta

Primeiramente

o

far-se-á

como

comete

uma

“droogs”,

anarquia

palavra

relacionada

e

ao

crueldade,

explanação sobre o filme, e em

agredindo indivíduos aleatórios, sob

seguida

o

será

demonstrada

a

efeito

de

substâncias

psicotrópicas.

identidade entre o contexto do filme com a manifestação irresponsável e

Desse sadismo, o que mais se

delinquente dos jovens brasileiros.

destaca, é uma invasão à casa de

Após,

um escritor, agredido por Alex, ao

será

tratado

sobre

a

Responsabilidade do Estado e da

tempo

em

que

seus

amigos

Sociedade neste panorama. Ao final,

estupram a esposa do escritor,

se concluirá com uma análise entre

enquanto o protagonista canta a música Singin' in the Rain (cantando 115


na chuva); e um assalto conspirado

tem a má-sorte de se reencontrar

por seus amigos, onde Alex acaba,

com pessoas, cujas quais, ele, no

fatalmente, ocasionando o óbito da

passado praticara injustiças. Estas,

vítima, e depois traído por seus

movidas

pelo

“droogs”.

vingança,

acabam

sentimento

de

retribuindo-lhe

Em decorrência da traição dos

todas as barbaridades que dele

amigos, a polícia captura Alex. Ele é

sofreram. Como se não bastasse, os

julgado, e sentenciado a 14 anos de

ex-amigos integram a polícia local,

prisão. Após cumprir dois anos da

reencontram-no,

pena, ele é condicionado a um

vingam dele. Após espancá-lo, o

tratamento experimental, criado pelo

abandonam em um local ermo e

governo,

distante.

como

método

de

prevenção da delinquência. Trata-se do

Tratamento

Ludovico,

e

também

se

Para se proteger da chuva,

uma

ele busca ajuda numa casa que

terapia experimental de aversão,

encontra, e para seu azar, é a casa

consistente no uso coordenado de

do escritor que ele, no passado,

substâncias do paciente, que ao

havia invadido, mas que devido ao

mesmo tempo, assiste cenas de

seu estado, não se recordava. O

violência. Durante este período o

mordomo atende a porta e se

paciente enfrenta uma experiência

comove com o estado do jovem,

de

refugiando-o com o consentimento

quase-morte.

purificação

Busca-se

do

paciente

a pela

do

patrão,

que

inicialmente

repetição do método. O indivíduo

desconhece a identidade de Alex.

submetido ao tratamento assimila a

Entretanto, posteriormente, ambos

violência observada com a sensação

se reconhecem, mas não denotam

tida durante o tratamento, e torna-se

nenhuma reação. É que na verdade,

incapaz ou indisposto de agir com

o escritor, oculta o sentimento de

violência ou testemunhar a sevícia.

vingança, por ter presenciado o

O

tratamento

positivamente experimento

em é

Alex,

divulgado

rende

estupro da esposa, e mais tarde esta

e

ter vindo a óbito.

o pelo

O

escritor,

que

em

governo. O jovem é recolocado na

decorrência da violência remota que

sociedade. Porém, a família o rejeita,

sofrera de Alex e seus amigos,

e ele fica desabrigado. Na rua ele

restou paraplégico, troca a vingança 116


por seus interesses políticos, os

estão protagonizando a violência e a

quais consistem na depreciação do

criminalidade.

método divulgado pelo governo, no

discutem-se diariamente soluções

qual Alex foi cobaia; com o intuito de

para a delinquência juvenil, inclusive

afastar o Ministro de Interior de seu

defendendo-se pela redução da

cargo, e fazer o partido deste,

imputabilidade penal.

sucumbir nas eleições próximas.

Por

conta

disso,

Hoje o que se vê é a

Para tanto, junto com amigos, o

irresponsabilidade

escritor faz com que o jovem relate

jovens, que usualmente, acabam

as minúcias do tratamento, e, após,

deturpando a ordem social. Além

provoca o pânico em Alex, através

disso, observa-se o surpreendente

dos efeitos colaterais do tratamento

recrutamento

de Ludovico, fazendo com que o

jovens. Quadrilhas expandem suas

jovem tente o suicídio.

atuações delituosas com a maçante

Após frustrada a tentativa do

crescente

criminoso

dos

destes

participação de jovens. Segundo

suicídio, o fato, e tudo o que foi

Costa:

relatado por Alex, é divulgado a

De fato, em uma sociedade

público pelo escritor e o governo

em que meninos de oito anos

passa a ser criticado pela mídia. Em

desempenham cargos de vigia ou

razão disso, o Ministro de Interior,

"avião" dos esquemas de trafico das

procura,

no

favelas e morros dominados pelos

Hospital e com ele transaciona, a fim

criminosos, recebendo gratificações

de obter vantagens políticas. O filme

que chegam a superar os salários

termina com os dois se exibindo

mensais de seus pais, o caminho

lado-a-lado perante fotógrafos.

natural

pessoalmente

Alex

destas

crianças

é,

ao

tornarem-se adolescentes, subirem 1.2 Da ligação da personalidade de

na escala hierárquica do crime,

Alex com os jovens de hoje

galgando cargos e encargos mais importantes na mesma.

Atualmente, contexto identidade

pátrio

verifica-se uma

no

As

verdadeira

comportamental

obviamente,

com

preponderante

quadrilhas parte da

são,

integrante vida

e

dessas

aquela protagonizada no filme. Os

comunidades pobres da periferia,

jovens brasileiros, cada vez mais,

esquecidas pelos poderes públicos, 117


tendo como única presença efetiva

Duas estudantes morreram,

dos mesmos naquelas áreas apenas

após serem atropeladas por um

a polícia, com toda a carga negativa

motorista de 17 anos, em Guarulhos,

que esta historicamente representa

na Grande São Paulo. O acidente

para as classes menos favorecidas.

ocorreu na madrugada de domingo.

O poder público, em tais regiões,

As estudantes Gabriely Alves

parece isentar-se de seu dever como

da Cunha, de 11 anos, e Janine

agente cooptador de recursos, de

Casimiro Novaes, de 18, foram

programas

de

atropeladas. Uma mulher de 44 anos

outras,

também foi atingida e chegou a ficar

deixando brechas sociais, que são

presa nas ferragens. O motorista que

aproveitadas

organizações

atropelou as três fugiu sem prestar

criminosas para atuarem nessas

socorro. (EBAND, Disponível em:

comunidades

benfeitores,

<http://www.band.com.br/primeirojor

suprimindo uma responsabilidade do

nal/conteudo.asp?ID=10000041464

Estado. Nestas, graças à astuta e

7>)

sociais,

infraestrutura,

dentre

pelas

como

calculada atitude dirigentes, encontra respeito

obras

o

adotada

Jovens de classe média se

favelado

uniram pra formar uma quadrilha de

fraternidade,

ladrões, no interior de São Paulo.

jovem

dinheiro, e

pelos

ascensão

social

no

Segundo a polícia, usando charme e

ambiente onde vive, tornando-se

sobrenome importante, os rapazes

"alguém" na sociedade local, embora

conseguiam

para a sociedade em geral passe a

privilegiadas para praticar arrastões

ser um marginal. (2004, Disponível

em residências.

em:

informações

[...] A maioria mora em casas <http://jus.uol.com.br/revista/t

confortáveis em Franca, conhecida

exto/5076/violencia-juvenil-

como a capital nacional do calçado.

resultado-da-marginalizacao-da-

E,

juventude-pela-sociedade-de-

segundo

a

polícia,

nenhum

trabalha ou estuda. (FANTÁSTICO,

consumo>).

Disponível

em:

<http://fantastico.globo.com/Jornalis Como exemplos atuais dessa

mo/FANT/0,,MUL1662714-

marginalização:

15605,00.html>

118


A estes se unem muitos

bairro, as festas e bailes, a ajuda

outros casos de grande repercussão,

para comprar o gás, a cesta básica

por

Suzane

ou o caixão. Esta corrupção social

Richthofen e o recente homicídio que

apresenta-se, realmente, como o

a estudante Verônica Verone, 18

pior tipo de corrupção pois, enquanto

anos, confessou ter praticado contra

na outra se compra e corrompe

o

apenas o indivíduo, afasta-se o

exemplo,

o

empresário

de

Fábio

Gabriel

Rodrigues.

escrúpulo e a honestidade pessoal, nesta se corrompe e compra a

2. Responsabilidade social e estatal

própria sociedade, com a propina do

pela marginalização do jovem

benefício à comunidade, que assim é levada a compactuar com a

Ainda delinquência

Segundo juvenil

Costa, tem

a

organização criminosa e a aceitar

boa

seus

contribuição da sociedade:

chefes e

membros

como

benfeitores e cidadãos exemplares,

o poder corruptor, cuja força e

tornando-se praticamente cúmplice

atividade são conhecidas a séculos,

dos criminosos. (2004, Disponível

agindo sempre como um "quinta

em:

coluna" dentre as hostes do combate

<http://jus.uol.com.br/revista/t

ao crime, e que coloca em cheque

exto/5076/violencia-juvenil-

todo

o

aparato

político-policial-

resultado-da-marginalizacao-da-

judicial do Estado e a própria

juventude-pela-sociedade-de-

sociedade,

agindo

de

maneira

consumo>).

silenciosa e subterrânea, criando áreas

de

impunidade

e

Além da corrupção existente,

invulnerabilidade. Deve-se entender

Freitas e Papa atribuem ao processo

como corrupção não apenas o

de desinstitucionalização dos jovens

suborno em espécie, a propina que o

outros fatores, quais sejam: a crise

traficante

da

distribui

a

políticos,

família

tradicional

à

policiais ou juízes para facilitar sua

multiplicidade

liberação ou dos seus comparsas

neofamiliares que se fundam na

mas, também, o favor que é feito ao

transação,

morador do bairro, a praça de

autoridade dos pais; a falta de

esportes doada à Associação do

perspectivas pelos jovens, que já 119

dos

aliada

núcleos

enfraquecendo

a


não

possuem

expectativas

de

disposição

ascensão social e a exploração que os

jovens

fazem

de

do

artigo

227

da

Constituição Federal:

novas

Art. 227. É dever da família,

condições, isto é, a busca de novos

da sociedade e do Estado assegurar

interesses, rompendo, assim com o

à criança, ao adolescente e ao

tradicionalismo (2008, p. 23-24).

jovem, com absoluta prioridade, o

Pode-se ressaltar também, o

direito

à

vida,

à

saúde,

à

comodismo estatal, que em sua

alimentação, à educação, ao lazer, à

atuação, tem posto à margem a

profissionalização,

manutenção

As

dignidade, ao respeito, à liberdade e

poucas políticas que se teve nos

à convivência familiar e comunitária,

últimos anos neste sentido, refletem,

além de colocá-los a salvo de toda

na verdade “a ausência de uma

forma de negligência, discriminação,

proposta clara do governo federal

exploração, violência, crueldade e

para a população juvenil do país e

opressão.

seu

deste

lugar

no

contexto.

modelo

desenvolvimento

à

cultura,

à

de

A nova redação deste artigo

pretendido”

foi dada pela emenda 65/2010, e o

(FREITAS; PAPA, 2008, p. 66).

objetivo foi a inserção dos jovens no

No Brasil, nos últimos 15 anos

manto

constitucional.

Assim,

é

uma nova experiência democrática

possível atribuir responsabilidade à

se desenha a partir do poder

Sociedade e ao Estado pela conduta

executivo municipal ou, com menor

negligente, e que em decorrência

intensidade,

desta, se assiste o aumento da

no

nível

estadual,

propondo a construção de uma

irresponsabilidade

interação entre sociedade civil e

crescente submersão dos jovens na

Estado, para a conformação de uma

delinquência, além de muitas vezes

esfera

vitimá-los.

pública

democrática.

juvenil

e

a

(FREITAS; PAPA, 2008, p. 67). Interessante

que

fundamento constitucional para que

Conclusão

a Sociedade e o Estado, ambos, conjuntamente, cenário,

combatam

conforme

o

teor

este

Verificou-se neste trabalho,

da

comparando

120

o

contexto


cinematográfico do filme Laranja

invés de reeducar os jovens para

Mecânica com o contexto social

que estes estejam aptos ao convívio

atual pátrio uma ampla identidade.

social, na verdade os educa para

Alex, o protagonista do filme,

que eles sejam mestres, doutores,

representa nossos jovens, afoitos e

PhD’s em delinquência. Compare-se

irresponsáveis. Seu comportamento

ainda o método do filme, com o

bárbaro, não está longe de ser

método utilizado no Ensino Público,

enxergado no Brasil. Hoje, a maior

que na verdade engana e não

parte da população juvenil rompeu

ensina.

com os valores tradicionais. Vemos

Por fim, é correlacionado o

jovens delinquentes, ansiosos e

acordo entre o Ministro e Alex com

intolerantes. Jovens que agridem,

as

idosos,

prometidas por políticos, que na

professores,

namoradas.

mendigos,

vantagens

Vemos

jovens

homicídio,

estupros.

pela mobilização da massa jovem

Vemos jovens autores de bullying.

nas teclas das urnas eletrônicas;

Jovens que não respeitam os pais,

também possível de ser comparado

jovens que não respeitam as leis.

com o falso encanto dos projetos

cometendo

verdade

A traição que sofreu de seus

somente

pré-eleitorais

interessam-se

criados por agentes públicos, que

“droogs” é perfeitamente comparável

superficialmente

com a traição que nossos jovens

resolver a situação em que os jovens

sofrem com os sujeitos obrigados à

se encontram atualmente, mas que

norma do art. 227 da Constituição

na verdade são meras abstrações

Federal, ou seja, é comparável com

ineficientes, com um único resultado:

a inércia da Sociedade e do Estado

a dilapidação dos cofres públicos.

em zelar pela aplicabilidade do dispositivo

constitucional,

em

materializar políticas que coíbam que os jovens sejam autores e ao mesmo

tempo

vítimas

de

seu

ímpeto, de sua rebeldia. Compare-se o método de Ludovico, cruel e ineficiente, com o nosso falho sistema prisional, que ao 121

destinam-se

a


Referências BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 26 de Maio de 2.011. COSTA, Mauricio Daltro. Violência juvenil, resultado da marginalização da juventude pela sociedade de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 279, 12 abr. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5076>. Acesso em: 25 maio 2011. EBAND, Do Primeiro Jornal. Jovem de 17 anos atropela e mata duas estudantes na Grande SP. Publicado em 28 de Março de 2.011. Disponível em: <http://www.band.com.br/primeirojornal/conteudo.asp?ID=100000414647> Acesso em: 26 de Maio de 2011. FANTASTICO. Quadrilha de jovens de classe média rouba mais de R$ 1 milhão. Disponível em: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL166271415605,00.html> Acesso em: 26 de Maio de 2.011. FREITAS, Maria Virgínia de. PAPA, Fernanda de Carvalho. Políticas públicas: juventude em pauta. 2. ed. São Paulo: Cortez; Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação; Fundação Friedrich Ebert, 2008. G1, Rio de Janeiro. Polícia terá dados telefônicos de Verônica e empresário assassinado. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-dejaneiro/noticia/2011/05/policia-tera-dados-telefonicos-de-veronica-eempresario-assassinado.html> Acesso em: 26 de Maio de 2011. LARANJA MECÂNICA, A Clockowork Orange. Direção e Produção: Stanley Kubrick. Elenco: Malcolm McDowell (Alex DeLarge); Patrick Magee (Frank Alexander); Michael Bates (Chefe Barnes); Warren Clarke (Dim); Adrienne Corri (Sra. Alexander); Carl Duering (Dr. Brodsky); Paul Farrell (Tramp); Clive Francis (Lodger); James Marcus (Georgie); Aubrey Morris (P.R. Deltoid); Godfrey Quigley (Chaplain); Michael Glover (Diretor do presídio). Roteiro: Stanley Kubrick, baseado em livro de Anthony Burgess. Edição: Bill Butler: Warner Bros.; Hawk Films Ltd.; Polaris Production. Inglaterra, 1971; 138 min. WIKIPÉDIA, A Enciclopédia Livre. Laranja Mecânica (filme). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Laranja_Mec%C3%A2nica_%28filme%29> Acesso em: 26 de Maio de 2011.

122


MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PRESOS PADUAN, Rafael José – Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga-SP. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A pesquisa versará sobre a utilização do monitoramento eletrônico em condenados, pela Lei 12.258 de 15 de junho de 2010 que altera o Código Penal e a Lei de Execução Penal para prever a possibilidade do monitoramento nos casos em que a lei autoriza. O método empregado é o não-empírico, bibliográfico e dialético.

Palavras-chave: Poder. Punitivo. Penas. Monitoramento. Eletrônico.

123


para a existência de uma sociedade

Introdução O

tema

discutido

neste

harmoniosa.

Assim,

desrespeitasse

tal

quem

ordenamento

de

estaria

de

deveria ser punido por quem detinha

condenados, existe a possibilidade

o poder, aparecendo a figura do

de utilização de equipamento de

soberano, impondo uma pena ao ato

vigilância indireta pelo preso nos

ilícito, para que se restabelecesse a

casos em que específica a lei. Na lei

paz social e alcançasse o bem

de execução penal o preso não seria

comum.

trabalho

é

a

monitoramento

nova

lei

eletrônico

praticando

um

crime

e

Como consequências foram

vigiado em suas saídas, mas com o novo sistema mais presos poderão

criados

sair para trabalhar e assim desafogar

assegurar o convívio harmonioso em

os presídios, buscando a verdadeira

sociedade, entre eles o direito penal,

finalidade da pena, respeitando-se o

que tem na norma jurídica a função

princípio da humanidade das penas.

de descrever infrações e organizar sanções

diversos

sistemas

(penas e

para

medidas de

segurança), outorgando ao Estado

1. PODER PUNITIVO DO ESTADO

(atualmente) o direito de punir. Aparece

Com o passar dos anos

o

chamado

ius

homens independentes e isolados

puniendi estatal, pois compete ao

começaram

em

Estado punir aquele que violar o tipo

sociedade por uma questão de

penal e, criar normas jurídicas,

sobrevivência, cansados de viver em

estabelecendo

estado de guerra e de ter uma

infrações e destinando-lhes penas

liberdade inútil pela incerteza de sua

ou medidas de segurança.

a

agrupar-se

condutas

Observa-se

continuidade. Começaram a interagir

como

em

três

com outros homens e uma parte

momentos esse ius puniendi estatal.

desta liberdade foi sacrificada, mas

O primeiro aparece no surgimento do

trouxe segurança e tranquilidade.

direito penal objetivo, sendo a edição

Dessa maneira foram estabelecidas

de leis que tornam determinada

regras, nas quais cada um deveria

conduta

agir dentro do novo ordenamento

segundo,

fato

determinada 124

no

típico ato sanção

punível; de

o

impor

quando

a


conduta do agente violar o disposto

2. Das penas

na legislação vigente e, por último o direito que possui de executá-la.

A pena é a consequência para

Segundo Montesquieu (apud

o agente que cometeu um crime

BONESANA, 1997, p. 42): Toda

tipificado no ordenamento jurídico

pena que não derive da necessidade

penal.

absoluta é tirânica.

O

impor

determinada

sanção

a conduta de um homem e não uma ficção.”

respeitando o caráter humanitário da pena,

surgem

fontes

Neste sentido uma conduta só

mediatas do Direito Penal, sendo,

será punível quando o agente puder,

uma delas, os Princípios Gerais do

no mínimo, prever a possibilidade de

Direito. (BITENCOURT, 2009, p. 10).

ofensa a um bem juridicamente

Para

algumas

penal, segundo

Pierangeli (1999, p. 228), “[...] pune

Para orientar o aplicador da lei a

código

que

esse

caráter

tutelado, se este não agir com culpa

humanitário da pena seja respeitado

ou dolo, será considerado um fato

há alguns princípios do direito,

atípico.

chamados de princípios que limitam o

poder

punitivo

conhecidos

como:

do

O

Estado,

princípio

Código

Penal

vigente

estabelece em seu artigo 32, quais

da

são as espécies de pena: privativas

legalidade ou reserva leal; princípio

de liberdade, restritiva de direitos e a

da ampla defesa e do contraditório;

de multa.

princípio da intervenção mínima;

As penas restritivas de direito

princípio da culpabilidade; princípio

aparecem

da irretroatividade da lei Penal;

privativas

princípio

suspendendo

da

adequação

social;

em

substituição de certos

das

liberdade, direitos

princípio da insignificância; princípio

individuais, e de acordo com o artigo

da

da

43 do Código Penal podem ser: a)

individualização da pena; princípio

prestação pecuniária; b) perda de

da proporcionalidade; princípio da

bens e valores; c) prestação de

humanidade das penas.

serviço à comunidade ou a entidades

ofensividade;

princípio

públicas; d) interdição temporária de direitos e; e) limitação de final de semana. 125


Para aplicação da pena de

estabelecimento similar à noite e nos

multa o Código Penal adotou o

dias de folga.

critério de dia-multa, pagando ao

Estas

penas

deverão

ser

fundo penitenciário a quantia fixada

executadas de forma progressiva,

na sentença e calculada em dias-

podendo ocorrer a substituição do

multa.

será

regime a que estiver sujeito o

atualizado pelos índices de correção

condenado, por seu próprio mérito,

monetária.

do mesmo modo pode ocorrer o

O

As

valor

da

penas

multa

privativas

de

inverso, a regressão, por exemplo, o

liberdade que restringem o direito de

condenado

locomoção do agente, sendo dividida

semiaberto e vem a cometer novo

pelo

delito penal, poderá ser transferido

legislador

em

reclusão

e

detenção. A pena de reclusão admite

que

cumpri

regime

para o regime fechado.

condenação nos regimes fechado, semiaberto ou aberto, ao passo que

3. Finalidade das penas

a detenção só admite a imposição dos regimes semiaberto ou aberto.

De acordo com Bonesana

O regime fechado consiste no cumprimento

da

em

da pena é impedir que o réu cometa

segurança

novos delitos prejudicando outras

máxima ou média, na penitenciária,

pessoas e inibir outros a praticar os

cadeia pública ou casa de detenção.

mesmos delitos.

estabelecimento

No

regime

pena

(1997, p. 62), a principal finalidade

de

semiaberto

o

O Código Penal eleva como

cumprimento da pena será em

fim da pena a ressocialização do

colônia

condenado,

agrícola,

industrial

ou

tornando

apto

ao

estabelecimento similar e é imposta

convívio na sociedade. O sistema

aos condenados não reincidentes

brasileiro é considerado misto, pois

cuja pena seja superior a 04 (quatro)

não

anos e não exceda a 08 (oito),

retribuição e a prevenção, onde tais

observado o art. 59 do Código Penal.

fatores são somatórios. A Lei de

No

Execução

regime

aberto

o

apenado

existe

hierarquia

Penal

entre

a

busca

trabalha ou frequenta cursos em

principalmente a ressocialização do

liberdade, durante o dia, e recolhe-se

condenado.

à

casa

de

albergado

ou 126


4. Das medidas de segurança

determinar-se de acordo com esse entendimento.

Possui como conceito ser

O juiz proferira uma sentença

uma sansão penal imposta pelo

absolutória

Estado,

absolver o réu, mas aplica-se a

na

execução

de

uma

sentença, tendo como finalidade exclusivamente

preventiva,

típica que demonstre periculosidade,

presos

novas

ira

para 5.

a

pois

medida de segurança.

evitar que o autor de uma infração

potencialidade

imprópria,

Monitoramento

eletrônico

de

ações

danosas, volte a delinquir.

A Lei nº 12.258 de 15 de junho

No Código Penal é adotado o

de 2010, autoriza o monitoramento

sistema vicariante, não sendo aceito

eletrônico de condenados nos casos

a aplicação de pena e medida de

de saída temporária no regime

segurança.

semiaberto e de prisão domiciliar.

O inimputável ao praticar uma

O condenado será advertido

conduta típica e ilícita, deverá ser

sobre os cuidados que deverá ter em

absolvido,

ser

relação ao equipamento eletrônico e

aplicada a medida de segurança,

os seguintes deveres: receber visitas

que possui uma finalidade diferente

do

da pena. A finalidade da medida de

monitoração, responder aos seus

segurança se destina a cura do

contatos e cumprir suas orientações;

inimputável, dando um tratamento

não remover, violar ou modificar de

aquele que praticou o ilícito.

qualquer maneira o aparelho da

O

contudo,

deverá

inimputável

está

servidor

responsável

pela

monitoração, ou permitir que outra

assegurado pelo Código Penal em

pessoa faça.

seu artigo 26, pois dispõe que será

O condenado que não cumprir

isento de pena o agente que, por

com

doença mental ou desenvolvimento

revogado a sua autorização de saída

mental incompleto ou retardado, era,

temporária,

ao tempo da ação ou da omissão,

medida cautelar, além de regressão

inteiramente incapaz de entender o

do regime e advertência por escrito

caráter

no caso do juiz da execução decida

ilícito

do

fato

ou

de

127

seus

deveres

prisão

poderá

domiciliar

ter

ou


não aplicar alguma das medidas

Conclusão

acima. O

meio

monitoração

utilizado

para

eletrônica

a

O legislador deu um grande

dos

avanço editando esta lei, pois dessa

condenados poderá ser por meio de

maneira

pulseiras ou tornozeleiras.

maneira mais eficaz o condenado,

pode-se

controlar

de

Também poderá ser revogada

inibindo-o a prática de novos delitos

quando se torna desnecessária ou

penais. Porém, o método utilizado

inadequada e se o acusado ou

deveria ser outro, sendo utilizada a

condenado violar os deveres a que

introdução de chip no corpo do

estiver sujeito durante a sua vigência

condenado, para a monitoração

ou cometer falta grave.

invés de pulseiras, por ficarem

O artigo 23 da Resolução nº

aparentes

e

assim

causar

113, de 20 de abril de 2010, autoriza

constrangimento à imagem do preso.

o

E este, teria dificuldade na tentativa

monitoramento

eletrônico,

na

execução de medida de segurança.

de remoção do objeto, pois as

Nas épocas em que são

pulseiras e tornozeleiras são de fácil

concedidos saídas temporárias, há

remoção.

presos que não retornam para as

recompensar o mal ao bem, pois o

penitenciárias.

reconhecimento torna-se um fardo,

aumentam

Nesta

época

significativamente

os

delitos,

pequenos

furtos,

dificilmente

polícias

visto como um prazer.

vandalismos, roubos,

que

chegarão

sociedade

prefere

já o desejo de se vingar sempre é

crimes nas cidades, pois ao saírem cometem

A

à

autoria. Assim monitorados estes não irão se envolver em ocorrências, para não perder tal benefício.

128


Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BRASIL. Lei 12.258 de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Brasília, 15 de junho de 2010. BRASIL. Resolução nº 113, de 20 de abril de 2010. Dispõe sobre o procedimento relativo à execução de pena privativa de liberdade e de medida de segurança, e dá outras providências. BRASIL. Vademecum. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 8. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005. FABRIS, Lucas Rocha. Monitoramento eletrônico de presos. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2594, 8 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17136>. Acesso em: 23 maio 2011. GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 12. ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Impetrus, 2010. PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídicos – penais. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

129


NULIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO – O CONFLITO DE NORMAS CARMO, Bruna Marques – Discente do 8º Período do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco. Docente do Curso de Direito da UNIFEV - Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães. Docente do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A justiça e a razoabilidade das decisões somente são alcançadas quando os princípios constitucionais de direito prevalecem como vigas mestras, afinal, o apego à letra da lei, não raro se mostra ineficaz; daí o poder e dever do operador do direito se valer dos mecanismos que estão a sua disposição na busca da justiça e da segurança jurídica. O presente artigo pretende chamar a atenção para uma questão ainda pouco examinada, a nulidade parcial sem redução de texto. Para tanto é introduzido neste trabalho um caso concreto em que incide sua aplicabilidade e traz à discussão o instituto do arrependimento posterior frente aos princípios constitucionais de direito. Utilizando-se do método dialético aplicado a pesquisa bibliográfica, será possível vislumbrar que, de acordo com a situação fática e os princípios constitucionais, a aplicação da nulidade parcial sem redução de texto deve prevalecer, tanto como meio para o controle de constitucionalidade, como para atender ao anseio social de JUSTIÇA.

Palavras-chave: Nulidade parcial sem redução de texto. Princípios constitucionais. Controle de constitucionalidade. Arrependimento posterior. 130


normativos e especialmente evita-se

Introdução

a aplicação de normas injustas. Por fim, o objetivo deste

Este artigo visa abordar a técnica da nulidade parcial sem

estudo

redução de texto, dada sua eficácia

mecanismo

no controle constitucional de normas

constitucional de nulidade parcial

incompatíveis. Não raro, o intérprete

sem redução de texto em conjunto

do direito se vale da pura e simples

com o instituto do arrependimento

aplicação do texto legal, o que

posterior,

constantemente

disparidade

entre

ineficaz à justiça e à expectativa

propor

inovação

social.

operadores do direito na aplicação

se

demonstra

é

refletir

e

analisar

de

para

a

o

controle

demonstrar dispositivos entre

a e os

da norma.

Contudo, já triunfa a ideia de que para fazer justiça existe a

1. O caso do furto do mel

necessidade da interpretação da norma como um todo, buscando os

Lênio Luiz Streck, procurador

fins e especialmente os fundamentos de

de justiça, em parecer na Apelação

proporcionar sua aplicação razoável.

de nº. 70.018.891.119 à 5ª Câmara

Isto quer dizer que o intérprete deve

Criminal do Tribunal de Justiça do

se

Rio

da

norma,

valer

com

objetivo

simultaneamente

da

Grande

do

trouxe

à

racional,

discussão

sistemática e teleológica. Afinal, se

legislativa

fosse suficiente a aplicação literal do

arrependimento posterior frente aos

direito positivado, uma máquina

princípios constitucionais de direito,

poderia se enquadrar um fato à

na análise da prática de furto

norma legal, e o conflito estaria

qualificado imputada a três agentes,

resolvido.

os quais confessaram e ressarciram

interpretação

histórica,

a

Por essa razão deve ser

vítima

a

Sul,

incongruência relativa

dos

prejuízos.

ao

Neste

lembrada a Constituição Federal e

sentido, expõe-se a ementa do

especialmente seus princípios, por

parecer supramencionado:

meio dos quais se resolvem conflitos FURTO

QUALIFICADO

PELO

CONCURSO DE AGENTES – ART. 131


155,

§4,

IV,

DO

CÓDIGO

O procurador em seu parecer

PENAL. Reparação do dano antes

invocou o princípio da insignificância,

do

pela

recebimento

da

denúncia.

ausência

de

violência

na

Aplicação analógica das disposições

conduta dos agentes e, com isso,

da Lei n.º 9.249, Lei n.º 10.684 e

opinou pela absolvição. Demonstrou

Súmula 554 do Supremo Tribunal

a

Federal.

condenação pela prática do crime de

Nulidade Parcial sem

redução

de

(Teilnichtigerklärung Normtextreduzierung).

total

desproporcionalidade

texto

furto

ohne

concurso

Extinção da

qualificado de

na

mediante

agentes,

o

com

o

fundamento já mencionado, de que

punibilidade. Prejudicada a análise

os

dos pedidos defensivos.

confessaram

Na íntegra do parecer em

réus,

em

fase a

extrajudicial, conduta

e

ressarciram a vítima dos prejuízos.

comento consta que no ano de 2007

Em

exame,

o

procurador

três indivíduos em comunhão de

salientou que restou demonstrada a

esforços e acordo de vontades,

incongruência

subtraíram 15kg de mel de abelha, 2

arrependimento

caixas de abelha modelo simples e 1

comparação a infrações de natureza

caixa

mais grave, tal como na sonegação

de

sistema

de

caixilhos,

avaliados em R$290,00.

na

aplicação posterior,

do em

fiscal, a qual prevê a extinção da

Os réus foram condenados a

punibilidade se houver pagamento

pena privativa de liberdade de 2

do

anos

pena

recebimento da denúncia. Em seus

pecuniária de 10 dias-multa, a qual

argumentos, o ilustre procurador

foi convertida em pena restritiva de

demonstrou ser evidente a violação

direitos, a prestação de serviços à

ao

comunidade. Inconformados com a

igualdade, sugeriu a aplicação da

decisão, dois dos réus apelaram, um

nulidade parcial sem redução de

deles

e

texto, para ser extinta a punibilidade,

subsidiariamente a desclassificação

bem como a aplicação por analogia

delitiva e a consequente revisão da

do artigo 34 da Lei 9.249/95, artigo

pena, o outro pleiteou apenas a

9º, §2º da Lei 10.684/03 e da Súmula

absolvição.

554 do STF.

de

reclusão

pleiteou

a

e

a

absolvição

132

valor

sonegado

princípio

antes

constitucional

do

da


Da prestação jurisdicional não

determinado fato que não pode ser

era esperada outra resposta, senão

interpretado à luz da norma que em

absolvição dos réus, assim segue a

princípio o regulamentaria, pois tal

ementa:

interpretação

APELAÇÃO FURTO.

CRIME.

afronta

princípios

constitucionais.

ARREPENDIMENTO

Para argumentar, destaca-se

POSTERIOR. Afastada a tipicidade.

o entendimento de Gilmar Ferreira

Absolvição com base no artigo 386,

Mendes

inciso III, do Código de Processo

MEZZOMO, 2011, p.4):

Penal. Artigo 580 do Código de

(1999,

p.286

apud,

[...] se se pretende realçar que

Processo Penal. Réu não-apelante

determinada

absolvido. Estendido ao réu não-

normativo é inconstitucional, dispõe

apelante.

o

APELOS

PROVIDOS.

Tribunal

aplicação

da

do

texto

declaração

de

(TJRS 5ªCCr Ap. 70.018.891.119 -

inconstitucionalidade sem redução

Des. Genacéia da Silva Alberton.

de texto, que, além de mostrar-se

Julgado em 09/05/2007).

tecnicamente adequada para estas

Do caso exposto, notória é a

situações, tem a virtude de ser

necessidade de inovação do Poder

dotada de maior clareza e segurança

Judiciário ao se deparar com normas

jurídica expressa na parte dispositiva

conflitantes e contrárias aos fins da

da decisão (a lei x é inconstitucional

Lei Maior. Isto porque, a ele incumbe

se aplicável a tal hipótese; a lei y é

estabelecer a segurança jurídica e

inconstitucional se autorizativa da

razoabilidade nas decisões. Além do

cobrança do tributo em determinado

mais,

exercício financeiro).

torna-se

evidente

problemática

a da

Neste

inconstitucionalidade de leis.

caso,

firma-se

a

nulidade parcial do dispositivo em questão. No caso particular ele não será aplicado, mas o texto não será

2. A nulidade parcial sem redução de

reduzido do ordenamento jurídico.

texto

Pedro

Lenza

(2009,

p.238)

ao

abordar o assunto, esclarece que A

nulidade

parcial

sem

“[...]

redução de texto é uma técnica de

a

mácula

da

inconstitucionalidade reside em uma

decisão interpretativa aplicável a

determinada aplicação da lei, ou em 133


um dado sentido interpretativo”. Com

3. O conflito de normas

isso, se impõe a necessidade de adoção

deste

mecanismo

em

O arrependimento posterior

determinados casos, como no furto

previsto no artigo 16 do Código

do mel, já que a interpretação literal

Penal se caracteriza como causa

do texto legal, sem observância as

geral de diminuição da pena. Seu

particularidades do fato, se mostra

principal objetivo é estimular o

totalmente desproporcional, além de

ressarcimento dos danos nos crimes

inconstitucional.

que não tenham sido cometidos com

No furto do mel, vislumbra-se

violência ou grave ameaça a vítima,

a aplicação da nulidade parcial sem

até o recebimento da denúncia. É

redução de texto, o que abrange

inclusive o que consta no item 15 da

inegavelmente diferentes aspectos,

exposição de motivos da Nova Parte

quais

Geral do Código Penal, Lei 7.209/84:

sejam,

a

justiça

e

razoabilidade da decisão, a busca da

O

Projeto

mantém

a

segurança jurídica, o controle de

obrigatoriedade de redução de pena,

constitucionalidade e em especial a

na tentativa (art. 14, parágrafo

observância aos princípios basilares

único),

do

arrependimento

direito.

evidente

Além

a

disso,

restou

e

cria

a

figura

posterior

do à

desproporcionalidade

consumação do crime como causa

legislativa em relação ao instituto do

igualmente obrigatória de redução

arrependimento posterior, o que

de pena. Essa inovação constitui

ensejou a aplicação da técnica ora

providência de Política Criminal e é

em

a

instituída menos em favor do agente

aplicação da analogia in bonan

do crime do que da vítima. Objetiva-

partem. Esta é, pois, a problemática

se, com ela, instituir um estímulo à

a ser discutida, a fim de que o

reparação do dano, nos crimes

aplicador do direito inove em suas

cometidos “sem violência ou grave

decisões

ameaça à pessoa”. (grifo nosso)

estudo

positivo

e

especialmente

enquanto não

o

legislador

tomar

suas

Tal benesse aplica-se aos

providências.

crimes

que

não

tenham

sido

praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, no entanto, revela total 134

incongruência

a

outros


dispositivos legais que tem o mesmo

sonegada,

que,

uma

vez

fim, a reparação do dano. Se não

realizada, não mais persiste o motivo

vejamos.

para o jus puniend do Estado.

Disciplina a Lei 9.249/95 em

O inconformismo prevalece

seu artigo 34 que se extingue a

pois normas com o mesmo fim

punibilidade dos crimes definidos na

atribuem soluções demasiadamente

Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de

diferentes. As infrações penais que

1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de

não tenham sido praticadas com

julho de 1965, quando o agente

violência ou grave ameaça à pessoa

promover o pagamento do tributo ou

são passiveis de redução de pena,

contribuição

inclusive

caso haja arrependimento posterior,

acessórios, antes do recebimento da

enquanto na sonegação fiscal há

denúncia. Trata-se, pois, dos crimes

extinção da punibilidade para aquele

contra o a ordem tributária, e o

venha adimplir o valor sonegado

objetivo da norma legal é evitar o

antes do recebimento da denúncia.

dano

ao

social,

patrimônio

público,

Não há razão para prevalecer

buscando a satisfação do débito

tratamento tão desigual entre o

tributário.

patrimônio particular e o patrimônio

Atentando para este fato, é

público.

Aliás,

a

retribuição

à

válido questionar se prevalece o

conduta que afronta ao patrimônio

princípio da intervenção mínima do

público deveria ser mais rigorosa,

Direito

por

Penal,

ou

seja,

se

a

imposição da pena está realmente

estar

presente

o

interesse

público.

sendo usada como “ultima ratio”,

É conclusiva a violação aos

afinal o Direito Penal deve atuar de

princípios

forma subsidiária frente à ineficácia

igualdade

dos demais ramos do direito.

Neste sentido, leciona Pedro Lenza

Ora, a finalidade do legislador em

determinar

sanção

para

constitucionais e

da

proporcionalidade.

(2009, p.97):

a

[...]

o

princípio

da

sonegação fiscal é a de corroborar a

proporcionalidade

ideia

da

razoabilidade,

em

contribuição fiscal, pelo dispositivo

consubstancia

uma

em questão, nota-se que o fim maior

natureza

é o adimplemento da contribuição

diretamente das ideias de justiça,

de

obrigatoriedade

135

ou

axiológica

da

essência, pauta que

de

emana


equidade, bom senso, prudência,

aplicação da lei, será necessário

moderação, justa medida, proibição

buscar os fins sociais para aplicar ao

de excesso, direito justo e valores

caso concreto a solução adequada.

afins;

precede

e

condiciona

a

O

meio

para

atingir

tal

positivação jurídica, inclusive de

finalidade é o que se propõe aqui, a

âmbito

nulidade parcial sem redução de

constitucional;

e

ainda,

enquanto princípio geral de direito,

texto,

que

vem

abrir

novos

serve de regra de interpretação para

horizontes para vedar interpretações

todo o ordenamento jurídico.

inconstitucionais e direcionar o juiz

A violação a estes preceitos

para uma solução que atenda as

basilares se mostra clara, o privilégio

exigências do caso concreto e

da

especialmente

extinção

da

concedido

a

relevância

social,

punibilidade

crimes

de

é

maior

enquanto

da

Constituição

Federal. No caso exposto, além da

às

aplicação do mecanismo proposto, é

infrações penais menos gravosas

também aplicada analogia in bonan

aplica-se

partem, essencial para não acarretar

o

instituto

do

arrependimento

posterior,

que

uma

acarreta tão somente na diminuição

tutelado é o patrimônio particular.

Conclusão Diante o conflito entre normas em relação à diminuição da pena e à extinção da punibilidade, resta ao operador do direito se valer dos

atendam

hermenêuticos aos

do

Estado-Juiz

absurda e desproporcional.

da pena, quando o bem jurídico

métodos

resposta

que

preceitos

constitucionais e proporcionem a justiça e razoabilidade das decisões. Evidente não bastará a simples

136


Referências ABI-ACKEL, Ibraim. Exposição de motivos da nova parte geral do código penal: Lei 7.209 de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.ombadvocacia.com.br/acervo/LEIS/L7209_84.PDF>. Acesso em: 23 de maio de 2011. BASTOS, Marcelo Lessa. Arrependimento Posterior e “extinção da punibilidade”. Revista da Faculdade de Direito de Campus. Ano II, n. 2, ano III, n.3. 2001-2002. Disponível em <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/25383/arrependimento_post erior_extincao_punibilidade.pdf?sequence=1>. Acesso em 03 de maio de 2011. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Introdução ao controle de constitucionalidade, difuso e concentrado. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1005, 2 abr. 2006. Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/8186>. Acesso em: 17 de maio de 2011. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime nº. 70018891119. Apelantes Ronei Nunes do Val e outro. Apelado Ministério Público. Relatora: Genacéia da Silva Alberton. Porto Alegre, 09 de maio de 2007. Disponível em <http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comar ca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca= 700&num_processo_mask=70018891119&num_processo=70018891119&codE menta=1886449&temIntTeor=true>. Acesso em: 23 de maio de 2011. SOARES JUNIOR, Antonio Coelho. Reflexões sobre a extinção da punibilidade pelo parcelamento da dívida nos delitos fiscais. Jus Navegandi. Teresina, ano 14. n. 2102. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/12563>. Acesso em 03 de maio de 2011.

137


O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA NA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 66/2010 BALDIN, Daniela da Silva. Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. CASALI, Éllen Cássia Giacomini. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente trabalho visa a explanar sobre a Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010, conhecida como “PEC do Divórcio”. Este tema merece atenção especial, devido ao fato de dar nova redação ao artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, gerando uma profunda alteração nos costumes e quebrando barreiras históricas no nosso Direito de Família brasileiro. O objetivo da pesquisa é demonstrar que, a partir da promulgação de tal Emenda, houve a extinção da separação judicial que impedia os cônjuges de dissolverem o vínculo matrimonial. Aplicando as regras hermenêuticas, é possível averiguar que desapareceu a figura da separação judicial de todo o complexo sistemático jurídico.

Palavras-chave: Direito de família. Emenda constitucional. Divórcio. Separação judicial. Princípio da intervenção mínima. 138


amor e carinho. É na família que o

Introdução

homem busca refúgio e alento. No Brasil, desde sempre,

Através do método indutivo, por

pesquisas

sendo um país eminentemente de

bibliográficas,

constatou-se

que

Constitucional

a

religião católica, como consequência

Emenda foi

principal da colonização lusa, em

a

suas leis mais remotas - com origem

realidade social contemporânea. E,

no direito canônico - havia a previsão

apesar

do

promulgada

de

da

66/2010

acordo

grande

com

repressão

casamento

na

sua

forma

religiosa, não há mais que se falar

religiosa, sendo somente essa a

em separação judicial, esta que

família legalmente aceita no país. Já

impedia o livre-arbítrio dos cônjuges

em

para

contemporânea,

decidirem

dissolver

o

se

vínculo

divorciar

e

nossa

sociedade verifica-se,

por

força da globalização e da liberdade

matrimonial.

Apesar de muitos considerarem que

de

a separação judicial ainda prevalece,

planeta, que as religiões se tornaram

por

normas

das mais diversas, e a nossa cultura

infraconstitucionais, devemos nos

foi modificada em sua raiz. Dessa

direcionar

forma, consequentemente, além de

ser

regida

para

por

o

princípio

da

expressão

outros

disseminada

institutos,

intervenção mínima, que nos leva a

muitos

refletir sobre o limite da intervenção

casamento

do Estado nas relações humanas.

Abriu-se maior margem para aceitar

também

foi

o

no

do

afetado.

novos conceitos para uniões com o 1. A inclinação do direito de família

ânimo de constituir família. Na

brasileiro

mesma

linha

de

raciocínio,

o

casamento, que era considerado um A figura da família existe em

sacramento para a Igreja Católica,

qualquer sociedade conhecida. Ela é

foi perdendo espaço para outras

sinônimo de afeto e segurança, pois

ideologias,

é lá que o ser humano nasce, cresce,

fundamentos para a possibilidade de

aprende a conviver com outros

se dissolver esse ato fictício. E o

indivíduos, aprende o significado de

legislador, ao perceber que tais mudanças

gerando

estavam

novos

realmente

modificando a estrutura familiar e, 139


baseando-se,

principalmente,

no

particulares

sentido laico do Estado, surgiu, enraizada

nessa

[...].

(GONÇALVES,

2011, v.6, p. 25).

modificação

Daí o caráter público desse

cultural, a Emenda Constitucional n.

instituto. Muito embora o direito de

66/ 2010, alterando drasticamente

família seja amplamente classificado

posições até então majoritárias de

como um direito privado - por tutelar

cunho religioso, que impunham a

relações jurídicas entre particulares

política para aferir seus desejos, ao

invés de priorizar e privilegiar a

como sui generis, decorrendo, para

dignidade da pessoa humana.

os envolvidos nessa relação jurídica,

O Estado, com o intuito de

na

verdade,

é

classificado

direitos e, principalmente, deveres

proteger a família, - instituto que é

(normas cogentes).

sua base, modelo de organização

O

casamento

existe,

social – o fez amplamente ao

inclusive,

codificar

a

propriamente dito. Ele é considerado

respeito, tanto na Magna Carta

como instituição mista, pois tal ato

quanto no Código Civil, devido à sua

jurídico só se realiza por livre

importância e efeitos perante a

vontade das partes, gerando um

sociedade, esta que representa a

contrato: um conjunto de direitos e

própria vida humana.

deveres impostos pela Constituição

diversos

dispositivos

Para argumentar:

antes

até

do

direito

Federal e Código Civil. Daí o caráter o

misto – por um lado, a livre

alicerce mais sólido em que se

disposição das partes, mas, por

assenta toda a organização social,

outro, ao aderi-lo, este será regido

estando a merecer, por isso, a

por normas impostas pelo Estado -

proteção especial do Estado, como

devido à importância do instituto ser

proclama o art. 226 da Constituição

para a nossa sociedade, sendo a

Federal, que a ela se refere como

base dela.

[...]

a

família

constitui

‘base da sociedade’. É natural, pois,

Fachin (1999, p. 37) analisa a

que aquele queira protegê-la e

família como um: “[...] fenômeno

fortalecê-la, estabelecendo normas

social,

de ordem pública, que não podem

ingressa no mundo do Direito por

ser revogadas pela vontade dos

uma certa ‘redescoberta’ dessas

140

histórico

ou

político,

e


regras

pelo

legislador,

pela

objetivo da constituição da família

jurisprudência e pela doutrina.” Visa-se,

nos

na

dias

de

hoje

é

o

era

companheirismo, o apoio moral,

pela

econômico e espiritual, buscando,

amplamente

assim, principalmente, a felicidade.

subjetivo, mas que praticamente

Segundo Gonçalves (2011, v.6, p.

qualquer ser humano compreende. E

24), a real intenção do legislador ao

é justamente isso que as famílias da

prelecionar

atualidade almejam. As pessoas se

humanização

unem

unidade familiar.

contemporânea, felicidade,

a

busca

conceito

para

viver

conjuntamente

priorizando harmonia de vida, paz de espírito,

afetividade.

sociedade

cada

individualizada,

muitos

Assim,

Nessa

vez

tal

instituto

mais

do

é

a

conceito

verifica-se

do

perdendo

norma

de

que

casamento

espaço

para

o

vem outros

procuram

institutos com o intuito de constituir

justamente o oposto: o afeto, o

família, perdendo, também, o caráter

companheirismo, um local onde

sacramental do mesmo e, assim, a

chamar de sua casa, seu lar.

força

Já dizia Fachin (1999, p. 35):

socioafetivo

maritalis. que

ser

Não devemos esquecer que os fatos geram o direito. E, se a

uma

sociedade evolui, há a necessidade

conjugal,

da evolução do direito, pois só assim

matrimonializada ou não.”

é possível acompanhar as evoluções

Dentre os princípios do Direito

dos direitos e deveres nascidos

de Família, destaca-se o princípio da comunhão

de

Valor

funda

sociedade

tinha

modificação desse direito.

décadas, outros valores, a exemplo affectio

ele

indissolúvel, abrindo margem para a

“[...] vira o século e vêm novas

da

que

plena

dessas relações jurídicas.

de

De acordo com Gonçalves

vida, estabelecido no artigo 1.511 do

(2011, v.6, p. 21), o Código Civil de

Código Civil. Este faz prevalecer que

2002

a

evolução

afetividade

característica familiar,

e

meramente

é

a

da não

principal

convivência os

formais,

costumes,

elementos morais

procurou social visando

adaptar-se e

aos

à

bons

preservar

a

ligação moral, familiar e os valores

ou

culturais, conferindo-se à família

econômicos. De tal forma que o 141


moderna

um

tratamento

mais

a abertura do caminho à sua

acordado à realidade social atual. Gonçalves acrescenta

dissolução.

que

De modo geral, pois, somente

da

a morte real ou a presumida do

sociedade conjugal pelo divórcio

ausente nos casos em que a lei

tende a ser uma consequência de

autoriza a abertura de sucessão

extinção da affectio, e não da culpa

definitiva, a nulidade ou a anulação

de qualquer dos cônjuges”. (2011,

do casamento e o divórcio autorizam

v.6, p. 24).

os ex-cônjuges a contrair novo

“nessa

linha,

a

dissolução

Dessa forma, a ausência da

matrimônio.

afetividade é sinônimo de término do

Com

vínculo matrimonial.

a

promulgação

da

Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010, extinguiu-se, por

1.1 A inclinação do divórcio no direito

definitivo, o requisito de prévia

de família brasileiro

separação judicial por mais de 1 (um)

As causas terminativas de sociedade

conjugal

especificadas no

de

comprovada

separação de fato por mais de 2

estão

(dois) anos. Em seu parágrafo 6º, artigo 226, versa a Constituição

Código Civil: morte de um dos

Federal: “O casamento civil pode ser

cônjuges, nulidade ou anulação do

dissolvido pelo divórcio”. (BRASIL,

casamento, separação judicial e

2011).

Acrescenta

1.571

ou

do

divórcio.

art.

ano

do

Assim, dá-se a entender que

dispositivo em apreço que tem

a sociedade conjugal e o vínculo

aplicação,

matrimonial desaparecem com o

estabelecida

ainda, no

a

o

§1º

presunção

aludido

Código

divórcio.

quanto ao ausente.

Apesar

A separação judicial, embora colocasse

termo

à

disso,

pensamentos divergentes. Por se

sociedade

tratar de um assunto extremamente

conjugal, mantinha intacto o vínculo

polêmico, as ideias naturalmente

matrimonial, impedindo os cônjuges

tendem a pender para todas as

de contrair novas núpcias. Pode-se,

possibilidades.

no entanto, afirmar que representava

comento, surge a reflexão de que,

No

assunto

em

devido ao fato da separação judicial 142


estar

contida

em

normas

Tribunais

concederem

seus

infraconstitucionais (entre elas o

pareceres, para então ser possível

Código Civil e a Lei nº. 6.515/77), ela

um melhor estudo crítico sobre o

ainda não desapareceu, mesmo com

problema.

a Emenda Constitucional em apreço.

Mesmo

assim,

devemos

Vejamos o que Santos dispõe a

analisar a finalidade da emenda. Ela

respeito do assunto:

foi promulgada com o intuito de

Atente-se

qualquer

extinguir de uma vez por todas a

formalmente

separação judicial, figura jurídica já

constitucional pelo só fato de constar

defasada no nosso ordenamento

na Constituição Federal. Porém,

jurídico.

norma

que

será

nem todas as normas formalmente constitucionais

são

O complexo de direitos e

também

deveres que a sociedade conjugal

materialmente constitucionais. Os

impunha, com a nova emenda, deixa

dispositivos

de

apenas

formalmente

constitucionais

são

por

autores

alguns

denominados

Além

disso,

ao

se

dissolver o casamento pelo divórcio,

lei

o vínculo matrimonial não perdura,

constitucional. São regras que, por

pois os cônjuges deixam de ter o

sua

status de casados.

natureza,

não

de

existir.

precisariam

constar da Constituição, mas lá são

Dessa forma, ao eliminar da

colocadas por razões de simples

Constituição

conveniência política. É como se

referência

fosse uma lei inserida no corpo da

judicial, verifica-se que não há mais

Constituição. Uma lei travestida de

finalidade de se manter a separação

Constituição. Nossa Carta Magna é

judicial, pois esta não pode mais ser

notoriamente pródiga em normas

convertida em divórcio.

constitucionais em sentido apenas formal.

Os

à

única

separação

Ademais, pela interpretação lógica ou racional do referido artigo,

dispensáveis e não caberiam em um

a única exigência plausível para a

texto resumido como este. (2011).

ação de divórcio é o estado civil de

forma,

são

relativa

a

até

Dessa

exemplos

Federal

dá-se

a

casado.

entender que ainda persiste a figura

Gonçalves, para argumentar:

da separação judicial. Nesse ponto de vista, surge a necessidade dos 143


[...] na interpretação lógica ou

recíproca, facultando-se também,

racional, o intérprete procura extrair

em seu bojo, realizar-se a partilha

as várias interpretações possíveis,

patrimonial. (GAGLIANO, 2011).

eliminando as que possam parecer absurdas

e

que

levem

a

Assim,

um

divórcio

é

resultado contraditório em relação a

vantajoso

outros

separação.

preceitos.

Nessa

percebe-se

que

infinitamente de

que

a

o

mais simples

consonância, impõe-se a conclusão

Não há mais a necessidade e

de que a separação de direito,

o empecilho de alegar culpa a uma

judicial ou extrajudicial, foi suprimida

das

do

pela

relacionamento íntimo dos cônjuges,

constitucional

pois não atende aos fins sociais nem

ordenamento

referida

jurídico

emenda

(2011, v.6, p. 207).

partes,

constrangendo

o

ao bem comum, comprometendo a

Não resta dúvida de que tal

boa administração da justiça e a paz

modificação trouxe mais vantagens

social.

do que desvantagens para o saber

Ademais, os únicos pontos de

jurídico. É de se notar que a

litígios que realmente mereceriam

separação

nosso

ser discutidos seriam: a guarda e

ordenamento jurídico pela pressão

proteção dos filhos menores, os

religiosa, esta que exercia na nossa

alimentos que sejam devidos, a

sociedade. Porém, os aplicadores do

continuidade ou não do nome de

direito não devem se atrelar a

casado e partilha dos bens em

questões de cunho eminentemente

comum.

persistiu

no

religiosos, pois há a necessidade de se

analisar

a

descomplicação

simplificação, do

divórcio

Como

ensina

Gagliano

a

(2010): “Pois sem amor e felicidade

no

não há porque se manter um casamento”.

Brasil, pelo princípio da intervenção mínima.

Em

um

estudo

crítico,

Com a separação judicial:

podemos compreender “[...] não é

[...] dissolve-se, tão somente,

mais o indivíduo que existe para a

a sociedade conjugal, ou seja, põe-

família e para o casamento, mas a

se fim a determinados deveres

família e o casamento existem para

decorrentes do casamento, como o

o seu desenvolvimento pessoal, em

de coabitação e o de fidelidade

busca de sua aspiração à felicidade”. 144


(MICHEL,

1975,

p.

131-

casamento; sob o viés psicológico,

132, apud FACHIN, 1999, p. 290-

evita-se a duplicidade de processos

291).

– e o strepitus fori -, porquanto pode Além disso: “[...] O ato de

o casal partir direta e imediatamente

casar e o de não permanecer casado

para o divórcio; e, finalmente, até

constituem, por certo, o verso e o

sob a ótica econômica, o fim da

reverso

separação é salutar, pois, com isso,

da

liberdade

mesma de

moeda:

a

autodeterminação

evitam-se

gastos

afetiva” (CHAVES; ROSENVALD,

desnecessários

2009, p. 277, apud GAGLIANO,

duplicidade

2010).

(2010).

de

por

judiciais conta

da

procedimentos.

a

E para finalizar, Fachin “na

principiológica

transformação da família e de seu

constitucionalizada é fator inerente à

Direito, o transcurso apanha uma

contemporaneidade do Direito de

‘comunidade de sangue’ e celebra,

Família. Assim, manter o vínculo

ao final deste século, a possibilidade

conjugal nessa sociedade altamente

de uma ‘comunidade de afeto’.

liberalista e relativista não tem

Novos modos de definir o próprio

sentido algum. O que vale é a

Direito de Família”. (1999, p. 305).

Verifica-se,

assim,

liberdade

que

projeção que o indivíduo almeja de ser feliz. E nada mais. Não é dever de o Estado

Conclusão

impor condições ou regras para o fim do casamento, pois cabe apenas aos

Não resta dúvida de que a

cônjuges tomar tal decisão. Por isso

afetividade é o primeiro norteador do

que a nova Emenda foi tão bem receptiva,

ela

burocrático

ao

retira fim

o

caráter

do

vínculo

Direito de Família. É notável que o Direito

não se torne defasado e sua

Para concretizar, Gagliano: com

o

divórcio,

finalidade fique desvirtuada. Assim,

não

a Emenda Constitucional nº. 66/2010

apenas a sociedade conjugal é

é plausível de apreciação, pois o

desfeita, mas o próprio vínculo matrimonial,

acompanhar a

realidade sociológica, para que ele

matrimonial.

[...]

necessite

permitindo-se

novo 145


princípio da intervenção mínima

Portanto, a extinção da figura

clamava por atenção.

da separação judicial é o fim mais

Assim, não é mais dever do

viável que o Direito de Família

Estado ficar atrelado a questões que

poderia tomar. Agora é a hora de

não se justificam, impedindo o

preocupar

desenrolar de vidas humanas. Não

realmente precisam ser enfrentadas:

há lógica manter um casamento se

a separação de bens, por exemplo.

não é da vontade das partes.

A culpa, não. Dessa forma, onde não

O Brasil necessita de um desafogamento

no

com

sistema

questões

questões

que

há mais comunhão plena de vida, não há mais vínculo matrimonial.

judiciário, e este, sim, deve se preocupar

com

que

impedem a paz social. Ao se divorciarem, não há litígio se ambos os cônjuges decidem terminar com a instituição.

146


Referências BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Dá nova redação ao §6º do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: Acesso em 26/05/2011. FACHIN, L. E. Curso de direito civil: elementos críticos do direito de família. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. GAGLIANO, P. S. A nova emenda do divórcio: primeiras reflexões. IBDFAM – Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Belo Horizonte, n. 16, p. 5-19, jun./jul. 2010. GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro: direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. SANTOS, L. F. B. Emenda do divórcio: cedo para comemorar. IBDFAM – Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Belo Horizonte, jul. 2010. Disponível em: Acesso em 26/05/2011.

147


O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR SANTOS, Patricia Tonetti dos, Discente do 8º Período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. CASALI, Ellen Cassia Giacomini, Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O objetivo do presente estudo é apontar a relação de causa e efeito entre a democratização do crédito ao consumo e o endividamento crônico dos consumidores. Será analisada a questão do superendividamento dos consumidores, demonstrando a necessidade de adotar medidas mais específicas em defesa do consumidor de crédito.

Palavras-chave: Superendividamento. Endividamento do Consumidor. Credito ao consumo. Consumidor. 148


INTRODUÇÃO

Conceitos e noções gerais

Atualmente, vivemos na era

O superendividamento é o

do consumo, a qual invade a vida do

endividamento superior ao normal. A

homem, passando a ser o espelho

professora Claudia Lima Marques

da felicidade humana, a razão do

define como:

trabalho e o objetivo da vida.

O endividamento é um fato

Essa vida de consumo, por outro

inerente à vida em sociedade, ainda

lado, conduz o ser humano às

mais comum na atual sociedade de

dívidas.

consumo. Para consumir produtos e

O

endividamento

está

serviços, essenciais ou não, os

o

consumidores estão – quase todos –

fácil

constantemente se endividando. A

obtenção de crédito, que gera efeitos

nossa economia de mercado seria,

na relação social e familiar.

pois, por natureza, uma economia do

diretamente consumo

relacionado excessivo

e

com a

O crédito é uma ferramenta de

endividamento. Consumo e crédito

acesso ao consumo, porém, a

são duas faces de uma mesma

facilidade de obtenção do crédito é

moeda, vinculados que estão no

um fato preocupante, pois quanto

sistema econômico e jurídico de

mais crédito o consumidor obtém,

países desenvolvidos e de países

consequentemente, mais dívidas ele

emergentes

terá, gerando o superendividamento.

superendividamento

No

Brasil,

como

o

Brasil. pode

O ser

o

definido como a impossibilidade

superendividamento ainda não tem

global de o devedor pessoa física,

uma

específica,

consumidor, leigo e de boa-fé, pagar

porém, para tratamos do assunto,

todas as suas dívidas atuais e

utilizamos o Código de Defesa do

futuras de consumo (excluídas as

Consumidor,

dívidas com o fisco, oriundas de

proteção

legal

juntamente

com

a

Constituição Federal.

delitos e de alimentos). (MARQUES,

Utiliza-se o método dedutivo e a

pesquisa

bibliográfica

2006, p. 256).

para

Assim, podemos concluir que

o melhor desenvolvimento deste

o endividamento é fato constante

trabalho.

não só no Brasil, mas também em outros países. 149


Temos

dois

conceitos

de

iniciativa de quitar todos os seus

endividamento, qual seja, o ativo e o

débitos, dentro de sua possibilidade

passivo.

financeira.

O superendividamento ativo ocorre quando o consumidor age

Causas de superendividamento

ativamente para o acúmulo de

do consumidor no Brasil

dívidas, gastando mais do que ganha,

ficando

na

posição

de

O

que

gera

o

endividado, mesmo agindo de boa-

superendividamento do consumidor,

fé.

no Brasil, é a falta de planejamento Já

o

superendividamento

dos gastos, uma vez que o homem

passivo é aquele que nasce em

passou a gastar além de seu salário,

razão

bem como em razão da falta de

da

ocorrência

de

um

imprevisto, ou seja, é quando o

orientação

consumidor não atua para tornar-se

consequentemente o abuso nas

endividado,

ofertas de créditos.

mas,

ocupa

a

tal

situação por motivos alheios a sua

dos

consumidores

e

Outro motivo seria a cobrança

vontade, como, por exemplo, em

de

razão do desemprego.

psicológica ao devedor, podendo ele

Segundo

Giancoli

(2008,

credores,

causando

tentar fazer um novo empréstimo

p.102 apud AMORIM, 2008, p. 2):

para

Em verdade, a noção de boa-fé em

gerando mais dívidas.

matéria

de

pressão

superendividamento

tentar

No

pagar

Brasil,

essa

dívida,

aplica-se,

na

implica que seja procurado em

temática abordada neste artigo, o

relação ao superendividado, através

Código de Defesa do Consumidor

de dados da causa, o elemento

(Lei nº 8.078/1990), uma vez que

intencional

não

que

evidencia

seu

conhecimento deste processo e sua

existe

legislação

específica

disciplinando sobre o assunto.

vontade de solucionar o conjunto de

As causas de endividamento

suas dívidas cujo total é excessivo,

do consumidor brasileiro dividem-se

tendo-se em conta os recursos do

em três fases: a pré-contratual, a

devedor.

contratual e a pós-contratual.

Assim,

a

boa-fé

do

A fase pré-contratual é aquela

consumidor se materializa na sua

que 150

antecede

a

assinatura

do


contrato,

através

da

oferta

de

seu nome nos bancos de dados

crédito, que, em regra, não obedece

(Serasa

aos artigos 30 a 35 e 48, ambos do

impossibilitado de exercer qualquer

Código de Defesa do Consumidor.

atividade que prescinda de análise

Pode

práticas

de crédito. Assim, esse consumidor

abusivas definidas nos artigos 39 a

afeta a capacidade de manutenção

41,

da vida familiar, em virtude de todos

ocorrer

do

também

mesmo

diploma

legal

supracitado. Já

segunda

fase,

baseia-se

nos

a

ficando

eles morais, sociais, entre outros.

juros

Ensina-nos

excessivos, nas multas, correção

contra

endividado,

o

de

[...]que a dignidade da pessoa

consumidor

ocasionando

Alexandre

Moraes:

monetária, tendo como regra o abuso

SPC),

os prejuízos que acarreta, sendo

a

contratual,

e

humana é um valor espiritual e moral

sua

inerente à pessoa, que se manifesta

inadimplência contratual.

singularmente na autodeterminação

A terceira fase, denominada

consciente e responsável da própria

pós-contratual é aquela que ocorre

vida e que traz consigo a pretensão

em

ao respeito por parte das demais

desfavor

endividado,

do

que

fundamentada

no

é

consumidor a

cobrança

artigo

42

pessoas, constituindo-se em um

do

mínimo

invulnerável

que

todo

Código de Defesa do consumidor, e

estatuto jurídico deve assegurar, de

a inscrição do nome do devedor no

modo que apenas excepcionalmente

banco de dados, elencados nos

possam ser feitas limitações ao

artigos 43 e 44 do Código de Defesa

exercício dos direitos fundamentais,

do Consumidor.

mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem

O

superendividamento

e

o

todas as pessoas enquanto seres

princípio da dignidade da pessoa

humanos. (MORAES, 2004)

humana

O

consumidor

endividado

perde a capacidade de consumo, em O

consumidor

virtude do comprometimento de seus

superendividado com o acúmulo de

rendimentos mensais com dívidas,

suas dívidas tem como resultado a

impossibilitando o pagamento das

perda do crédito, a negativação do

despesas básicas, familiar e ao 151


pagamento das dívidas, resultando

A realização de ações nos

em situação de sofrimento da família

Órgãos de Defesa de Proteção dos

e do consumidor, demonstrando,

consumidores

assim, que o superendividamento

PROCONs,

afeta o princípio da dignidade da

específicos para os consumidores

pessoa humana.

superendividados.

Segundo

Nunes

no

Brasil,

contendo

os

serviços

(2005,

Geraldo de Faria Martins da

p.123), a dignidade da pessoa

Costa, apresenta como soluções ao

humana - e do consumidor - é

problema, as seguintes hipóteses:

garantia fundamental que ilumina

1 – É preciso que o Direito

todos os demais princípios e normas

Brasileiro, a exemplo do Direito

e que, então, a ela devem respeito

Comparado,

dentro do sistema constitucional

legislativas que tenham por objetivo

soberano brasileiro.

específico a diminuição dos perigos

adote

medidas

que envolvem as operações de crédito ao consumo, indo além daquelas já instituídas pelo CDC; 2 –

Soluções para o problema

É preciso adotar medidas legislativas Para tentar resolver ou até mesmo

minimizar

que previnam o superendividamento dos consumidores; 3 – É preciso

o

superendividamento do consumidor

adotar

medidas

brasileiro, de início, podemos tutelar

instituam

por uma implementação de uma

consumidores

política nacional nas relações de

superendividamento.

consumo, baseando-se nos artigos

2000).

o

legislativas tratamento

em

situação

que dos de

(COSTA,

4º e 5º do Código de defesa do Consumidor.

Assim, o certo seria dar um

Outro caso seria a proteção

prazo longo ao consumidor para que

do consumidor compatível com a

possa refletir se é necessário a

necessidade

compra

econômico,

de

desenvolvimento

viabilizando

a

ser

realizada

e,

os

consultando os demais membros da

princípios que fundam a ordem

família, evitando que o consumidor

econômica, consagrados no artigo

se endivide por impulso e que possa

170 da Constituição Federal. 152


se defender das técnicas agressivas

disponibilizar diversas formas de

de venda.

crediário.

Seria

necessário

superendividado

que

voltasse

a

Assim,

é

evidente

a

o

necessidade de criação de leis

ser

tratando a respeito do consumidor

tratado com dignidade e não ser

superendividado.

condenado por toda sua vida como

O Estado e a sociedade tem

mau pagador, porque se ele agiu de

que fazer chegar ao conhecimento

boa-fé e obteve um acumulo de

do consumidor como ele pode

dívidas, ele é merecedor de uma

realizar a prevenção e o tratamento

nova

de superendividamento, pelos meios

chance

para

se

refazer

financeiramente.

de divulgação possíveis.

Portanto, existem vários tipos

Por fim, buscar o consumidor,

de propostas para obtermos as

que

se

julgar

prejudicado,

o

soluções, porém, o que falta é a

Ministério Público, as associações

efetivação por nossos legisladores.

de defesa do consumidor, para evitar o endividamento, devendo haver participação ativa da sociedade em relação

Conclusão

aos

esclarecimentos

e

orientações sobre o problema do endividamento ao consumidor.

Do acima exposto, constatase

o

favorecimento

Uma medida de urgência que

do

superendividamento do consumidor,

poderia

uma vez que, hoje, houve um

reconhecimento

aumento das ofertas no mercado do

concessão de crédito como nocivo e

consumidor, advindas em conjunto

perigoso,

com a facilidade para obtenção de

adequação da publicidade e oferta

crédito e somado ao crescimento de

de tais serviços, como já acontece

lojas,

com as de cigarro e bebida alcoólica.

as

quais

passam

a

153

ser

e

adotada do

a

é

o

serviço

de

consequente


Referências COSTA, Geraldo de Faria Martins da. Novas técnicas afetando o direito do consumidor. Painel nº 4, 5º Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, em 03.05.2000. AMORIM, Eduardo Antonio Andrade. O superendividamento do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2658, 11 out. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17597>. Acesso em: 23 maio 2011. MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004. NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

154


REMISSÃO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA KUSAKA, Danielle Thie. Discente do 10º período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. COSTA, Natália Maria Pozzobon Figueira da. Discente do 10º período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FERRARESI, Luiz Carlos. Doutor em Direito e professor universitário de Direito Tributário no Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O objetivo deste estudo é propor uma reflexão a respeito da viabilidade de concessão de remissão da dívida tributária, levando em consideração seu pequeno valor quando afrontado com às custas de um processo de execução fiscal promovido por município.

SUMMARY The objective of this study is to propose a reflection on the feasibility of granting remission of the tax debt, taking into account its small value when confronted with the expense of a tax foreclosure process promoted by the municipality.

Palavras-chave: Remissão. Dívida. Pequeno valor. Custas. Keywords: Remission. Debt. Small value. Costs. 155


consequentemente,

Introdução

penalidades,

sobre

as

impedindo

a

constituição do crédito.

Inicialmente, é interessante diferenciar remissão de remição. A

1. Dispositivos constitucional e legal

primeira vem do verbo remitir, que significa perdoar. A segunda tem

A remissão está disciplinada

origem no verbo remir, que tem o

no art. 172 do Código Tributário

sentido de resgatar.

Nacional, que trata das situações

Da mesma forma, não se pode

que

confundir

podem

justificar

a

sua

concessão:

remissão com anistia. Ambas tem

Art. 172 - A lei pode autorizar

sentido de perdão. No entanto, no direito tributário, a remissão refere-

a

se ao tributo devido, enquanto que

conceder,

a anistia visa às infrações fiscais e é

fundamentado, remissão total ou

forma

parcial

de

exclusão

do

crédito

autoridade

administrativa por

do

crédito

a

despacho

tributário,

atendendo:

tributário. Na remissão existe um

I - à situação econômica do

crédito tributário e o perdão dessa

sujeito passivo;

dívida extingue o crédito. Na anistia

II - ao erro ou ignorância

existe uma infração e o perdão dessa infração extingue o direito de

escusáveis

do

sujeito

punir.

quanto a matéria de fato;

passivo,

III - à diminuta importância do

A remissão é o perdão da

crédito tributário;

dívida tributária pelo credor, ou seja,

IV - a considerações de

o sujeito ativo da obrigação tributária renuncia ao direito à prestação

equidade,

tributária em proveito do devedor, o

características pessoais ou materiais

que leva à extinção o crédito já

do caso;

relação

com

as

V - a condições peculiares a

lançado.

determinada região do território da

A remissão atinge o crédito

entidade tributante.

tributário já constituído, total ou

Parágrafo único. O despacho

parcialmente, enquanto que a anistia incide

em

sobre

as

infrações

referido neste artigo não gera direito

e,

156


adquirido,

aplicando-se,

quando

situações que podem ou não ser

cabível, o disposto no art. 155. Como

se

objeto de remissão. A lei específica

verifica,

a

que autoriza a remissão é que irá

concessão de remissão depende de

detalhar as situações possíveis para

autorização legal. Evidentemente,

a

esta autorização legal só pode vir da

autoridade

pessoa

na

apenas analisar os casos concretos

como

de possível incidência da lei. A

competente para legislar sobre os

decisão administrativa que conceder

tributos componentes dos créditos

a remissão será individual e deve ser

tributários a serem remitidos.

fundamentada, como prescreve a lei

política,

Constituição

definida

Federal,

Mesmo que possa parecer uma

discricionariedade

Administração

para

Pública,

concessão

de

remissão.

administrativa

À

caberá

complementar.

a

A lei ordinária que autorizar a

por

remissão não poderá ultrapassar os

excepcionar a aplicação do princípio

limites

da

crédito

Tributário Nacional, pois este elenca

Eduardo

os casos possíveis, como, por

Sabbag (2009, p. 809), o dispositivo

exemplo, a diminuta importância do

do

Nacional

crédito tributário. Deverá, no entanto,

encontra guarida no parágrafo 6º, do

detalhar todos os limites do perdão,

artigo 150, da Constituição Federal.

evitando a discricionariedade da

Embora objeto da emenda 3/93, o

Administração Pública, inaceitável

parágrafo 6º já dispunha na versão

nos limites do direito tributário.

original

Dessa

indisponibilidade

tributário,

como

Código

do

afirma

Tributário

da

Constituição,

que

impostos

forma,

“qualquer anistia ou remissão, que

diminuta

envolva

matéria

previdenciária,

pelo

por

importância

Código

exemplo, do

a

crédito

tributária

ou

tributário deverá ser quantificada em

poderá

ser

lei.

concedida através de lei específica,

A exigência constitucional de

federal, estadual ou municipal”.

lei específica tem por objetivo evitar

Ainda assim, parece claro que

que a remissão seja concedida no

a lei complementar não transfere da

bojo de qualquer lei, de forma

lei

dissimulada.

específica,

discricionária

para da

a

decisão

Administração

Importante consignar que em

Pública, o poder de avaliar as

04.05.2000 157

foi

editada

a

Lei


Complementar

101,

que

alíquotas, ampliação da base de

“Estabeleceu normas de finanças

cálculo, majoração ou criação de

públicas

tributo ou contribuição.

voltadas

para

a

responsabilidade na gestão fiscal” a

§ 1o A renúncia compreende

Lei de Responsabilidade Fiscal, e

anistia, remissão, subsídio, crédito

que no seu artigo 14, também prevê

presumido, concessão de isenção

a possibilidade de renúncia, no caso

em caráter não geral, alteração de

em tela a remissão, que achamos

alíquota ou modificação de base de

pertinente transcrevê-lo.

cálculo

Art. 14. A concessão ou

que

discriminada

implique de

redução

tributos

ou

ampliação de incentivo ou benefício

contribuições, e outros benefícios

de

que correspondam a tratamento

natureza

tributária

da

qual

decorra renúncia de receita deverá

diferenciado.

estar acompanhada de estimativa do

§ 2o Se o ato de concessão

impacto orçamentário-financeiro no

ou

exercício em que deva iniciar sua

benefício de que trata o caput deste

vigência

seguintes,

artigo decorrer da condição contida

atender ao disposto na lei de

no inciso II, o benefício só entrará em

diretrizes orçamentárias e a pelo

vigor quando implementadas as

menos

medidas referidas no mencionado

e

nos dois

uma

das

seguintes

condições: I

ampliação

do

incentivo

ou

inciso.

-

demonstração

pelo

§ 3o O disposto neste artigo

proponente de que a renúncia foi

não se aplica:

considerada na estimativa de receita

I - às alterações das alíquotas

da lei orçamentária, na forma do art.

dos impostos previstos nos incisos

12, e de que não afetará as metas de

I, II, IV e V do art. 153 da

resultados fiscais previstas no anexo

Constituição, na forma do seu § 1o;

próprio

da

lei

de

diretrizes

II - ao cancelamento de débito

orçamentárias;

cujo montante seja inferior ao dos

II - estar acompanhada de medidas

de

compensação,

respectivos custos de cobrança.

no

período mencionado no caput, por meio

do

proveniente

aumento da

de

receita,

elevação

de 158


2. Percurso e custas de uma

domicílio ou a residência de um e de

execução fiscal

outros; II - a quantia devida e a

“Constitui

dívida

ativa

maneira de calcular os juros de mora

tributária a resultante de crédito dessa

natureza,

acrescidos;

regularmente

III - a origem e natureza do

inscrita na repartição administrativa

crédito,

mencionada

competente, depois de esgotado o

especificamente a disposição da lei

prazo fixado, para pagamento, pela

em que seja fundado;

lei ou por decisão final proferida em

IV - a data em que foi inscrita;

processo regular” (art. 201 do CTN).

V - sendo caso, o número do

O crédito tributário a ser

processo administrativo de que se

inscrito em dívida ativa é aquele definitivamente

Em

Parágrafo único. A certidão

outras palavras, é o crédito tributário

conterá, além dos requisitos deste

não pago dentro do prazo legal,

artigo, a indicação do livro e da folha

sobre o qual não paire nenhuma

da inscrição.

pendência

constituído.

originar o crédito.

de

decisão

Segundo as regras do Código

administrativa. Para que possa ser

Tributário Nacional (art. 204), “a

encaminhado à execução fiscal,

dívida regularmente inscrita goza de

deve ser previamente inscrito em

presunção de certeza e liquidez e

dívida ativa da Fazenda.

tem

o

efeito

de

prova

pré-

O art. 202 do CTN lista os

constituída”. Mas pode ser ilidida por

requisitos que devem conter os

prova inequívoca, a cargo do sujeito

termos de inscrição em dívida ativa,

passivo

sob pena de nulidade.

aproveite (§ único).

ou

do

terceiro

a

que

Art. 202. O termo de inscrição

A Certidão de Dívida Ativa

da dívida ativa, autenticado pela

(CDA) é documento essencial para o

autoridade

ajuizamento da execução fiscal nos

competente,

indicará

obrigatoriamente:

moldes da Lei n. 6.830/80 (art. 5º,

I - o nome do devedor e,

§1º), por ser considerada título

sendo caso, o dos corresponsáveis,

executivo

bem como, sempre que possível, o

art.585, VII).

159

extrajudicial.

(CPC,


Ajuizada

a

deferimento despacho

execução,

do do

pedido,

juiz,

o

Segundo a lei estadual n.

por

ordenará

11.608/2003,

a

aviso

de

recepção,

município

está

dispensado da taxa judiciária. “Artigo 6º - A União, o Estado,

citação, que será feita pelo correio, com

o

por

o Município e respectivas autarquias

mandado ou por edital, conforme o

e

fundações,

assim

como

o

caso.

Ministério Público estão isentos da taxa judiciária”.

Feita a citação, o executado terá o prazo de 5 dias para pagar a

No entanto, ainda restam as

dívida com juros, multa de mora e

despesas

demais

poderá

Oficiais de Justiça e, alguns casos,

garantir a execução, com depósito,

despesas postais e despesas com

fiança bancária ou a nomeação à

publicação de editais. Os valores

penhora

sua

dessas despesas são divulgados

terceiros,

pelo Tribunal de Justiça do Estado

satisfazer,

de São Paulo, via internet, conforme

encargos.

de

propriedade

Ou

bens, ou

suficientes

de

de

para

integralmente,

o

crédito

da

com

diligências

por

anexo A deste trabalho.

exequente. 4. Simulação de uma execução 3. Custas processuais Considerando um débito a ser A reflexão proposta por este trabalho

é

a

conveniência

executado, cujo montante importa

de

em

cinquenta

reais,

além

remissão de créditos tributários de

computarmos

pequeno valor, quando as despesas

administrativas que são difíceis de

para a sua cobrança sejam maiores

serem

do que o sucesso de sua execução.

envolvimento de vários servidores

O

aos

nas suas diversas etapas, têm-se

municípios, portanto utiliza dados

ainda as custas processuais de

referentes ao Estado de São Paulo,

execução judicial.

pois

estudo

as

é

direcionado

execuções

fiscais

as

de

despesas

avaliadas

dado

o

Com relação às despesas

promovidas por eles têm tramitação

com

funcionários,

na Justiça estadual.

considerar não só o custo do trabalho 160

de

que

se

funcionários


administrativos

no

controle

dos

prosseguimento de uma ação de

valores, bem como a utilização de

execução

sistemas

de

antieconômico afrontam o próprio

dados. Na fase de execução fiscal,

interesse público ao invés de cumpri-

aparecem os custos com o trabalho

lo, visto que o custo da cobrança do

de funcionários especializados na

crédito é maior que o valor cobrado”.

de

processamento

propositura da ação judicial.

fiscal

de

valor

Conforme esclarece o autor, a

Na cobrança judicial de um

remissão da dívida tributária de

débito tributário, pelo menos uma

pequeno

valor trata

da melhor

diligência será necessária por meio

alternativa para a solução do conflito

de Oficiais de Justiça, mas poderá

de cobrança.

ser mais de uma. Os valores para

É inevitável a conclusão do

diligências são de R$ 15,13 por ato,

descabimento de cobrança por meio

se for na capital, e R$ 12,12, se for

de execução fiscal de dívida de

no interior do estado. Se a distância

pequeno valor de crédito tributário,

for além

dez

que seja inferior ao valor gasto no

quilômetros da sede do juízo, a cada

decorrer do processo, em razão das

faixa de dez quilômetros ou fração, o

custas serem superiores ao crédito

valor será acrescido de R$ 6,02.

pretendido.

As

de

um

raio

de

intimações

também

Diante de uma prestação

poderão ser tentadas por via postal.

tributária de pequeno valor, a sua

Neste

requeridos

cobrança acaba ultrapassando o

pagamentos de despesas postais

valor da dívida, razão pela qual, faz

(anexo A). Se houver necessidade

necessário adotar a remissão, ou

de publicação de editais, o custo da

seja, o perdão da dívida concedido

publicação é de doze centavos por

pelo credor, que é uma forma

caractere.

extintiva da obrigação, e na situação

caso

serão

acima descrita, é a maneira mais correta de dissolver a obrigação. Sendo

Considerações finais

que

Responsabilidade

a Fiscal

Lei

de

também

prevê a remissão de pequenos

Manoel Álvares (2007, p.749)

débitos no seu art. 14, §3º, II.

afirma que: “A propositura e o

161


É conveniente ressaltar que a

dentro dos parâmetros autorizados

remissão não é ato discricionário.

por lei, exigindo, na concessão,

Embora seja concedida, caso a

despacho fundamentado, conforme

caso, pela autoridade administrativa,

dita o artigo 172 do Código Tributário

ela só pode ser levada a efeito

Nacional.

162


Referências BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em: 11 out. 2011. FREITAS, Vladimir Passos de. (Coord.) Código tributário nacional comentado: doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. 4. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Rogério Gandra da Silva. (Coord.). Tratado de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2. PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia (Col.). Vade Mecum. 9. ed. Atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2010. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Despesas com publicação de editais no Diário da Justiça Eletrônico. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2011. ______. Despesas processuais. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2011. ______. Diligência dos Oficiais de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2011.

163


ANEXO - A - DESPESAS PROCESSUAIS - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Diligência dos Oficiais de Justiça Descrição

Valor

Recolhimento

Capital: R$ 15,13 por ato

Diligência dos Oficiais de Justiça

Interior: R$ 12,12. Além do raio de 10 Km da sede do juízo, a cada faixa de 10 (dez) quilômetros ou fração, o valor será acrescido em R$ 6,02

Recolhimento através da Guia de depósito – Oficiais de Justiça*

Despesas postais com citações e intimações TABELA - MODALIDADE CARTA Quantidade de folhas

Registro + aviso de recebimento

Registro + aviso de recebimento + mão própria

4

R$ 11,50

R$ 15,00

5 a 10

R$ 12,00

R$ 15,50

11 a 20

R$ 14,00

R$ 17,50

21 a 30

R$ 15,00

R$ 18,50

31 a 40

R$ 16,00

R$ 19,50

41 a 50

R$ 17,00

R$ 20,50

51 a 60

R$ 18,00

R$ 21,50

61 a 70

R$ 19,00

R$ 22,50

71 a 80

R$ 20,00

R$ 24,00

81 a 90

R$ 21,50

R$ 25,00

91 a 100

R$ 22,50

R$ 26,00

164


REMESSA LOCAL Nº de folhas

Valor a ser cobrado

4 5 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80 81 a 90 91 a 100

R$ 6,50 R$ 7,00 R$ 7,00 R$ 7,00 R$ 7,50 R$ 7,50 R$ 7,50 R$ 8,00 R$ 8,50 R$ 9,00 R$ 9,50

CARTA-SERVIÇO DE POSTAGEM ELETRÔNICA-SPE (Caso possuam mais de uma página, o valor a ser recolhido dever ser multiplicado pela quantidade de páginas correspondentes). Modalidade

Valor a ser cobrado

CARTA REGISTRADA

R$ 4,00

CARTA REGISTRADA COM AR

R$ 8,00

INTIMAÇÕES URGENTES POSTADAS ELETRONICAMENTE – SPE Valor por página

Serviço TELEGRAMA *(vide observação abaixo)

R$ 8,00

TELEGRAMA COM CÓPIA

R$ 11,00

TELEGRAMA COM PEDIDO DE CONFIRMAÇÃO DE ENTREGA

R$ 12,00

Caso o telegrama possua mais de uma página o valor a ser recolhido deve ser multiplicado pela quantidade páginas correspondentes. 165


Despesas com publicação de editais no Diário da Justiça Eletrônico Descrição

Valor

Recolhimento

Custos de publicação de editais

R$ 0,12 por caractere

Recolhimento em favor do Fundo Especial de Despesa do Tribunal FEDT. Código 435-9

166


RESPONSABILIDADE DO ESTADO ACERCA DO CRÍTICO QUADRO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL BONFIM, Celso. – Discente do Oitavo Período A, do Curso de Direito da UNIFEV. BRITO, M. Sc. Déborah Cristiane Domingues de. – Docente da UNIFEV. DALAN, Bruna Oliveira de Haro. – Discente do Sexto Período A, do Curso de Direito da UNIFEV. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto. – Discente do Oitavo Período A, do Curso de Direito da UNIFEV. FLORES, Fernanda Medeiros. – Discente do Oitavo Período A, do Curso de Direito da UNIFEV. MIRANDA, Kamila Augusta Melin. – Discente do Sexto Período A, do Curso de Direito da UNIFEV.

RESUMO O direito à saúde é um preceito fundamental, mas verifica-se atualmente, que as expectativas das disposições constitucionais e das demais legislações, não estão sendo alcançadas, pois o Estado tem atuado negligentemente com as questões de saúde pública. Vários são os fatores que contribuem neste cenário de negligência estatal. A má gestão dos recursos públicos, a improbidade dos gestores, as diversidades regionais e alguns outros fatores, vêm contribuindo para o descaso com a saúde. Em função desse cenário, é que se justifica o presente trabalho. O objetivo deste estudo, além de evidenciar a situação fática das questões de saúde pública, foi de demonstrar as consequências jurídicas do vacilo do Estado, destacada a responsabilidade objetiva (administrativa e civil). Buscou-se com isso questionar a irresponsabilidade do Estado e demonstrar as medidas jurídicas utilizáveis para, concomitantemente, coibir a negligência estatal e reparar, ao máximo possível, os danos que ela acarreta ao indivíduo. A hipótese da qual se partiu é que o Estado é objetivamente responsável, no aspecto administrativo e civil, pelos danos que ele causa às pessoas. A pesquisa também buscou demonstrar soluções para os problemas que maculam a efetividade da saúde pública, destacando a autonomia dos municípios. O método empregado foi o dialético na maior parte da pesquisa. Porém utilizou-se também 167


do método dedutivo, na apresentação de casos práticos, e também pelo emprego de jurisprudências. O procedimento empregado foi comparativo, hermenêutico e dogmático jurídico.

Palavras-chave: Saúde Pública no Brasil. Panorama atual da saúde. Negligência. Responsabilidade objetiva do Estado. Proposta de soluções. 168


perdem frequentemente a vida, às

Introdução

vezes por falta de leitos, comuns, e O direito à saúde é um

de UTI em hospitais públicos; às

preceito fundamental, de alcance

vezes por falta de atendimento de

universal e está contido no artigo 6º

urgência financiados pelo SUS; às

da Constituição Federal. Para o

vezes por falta de medicamentos; às

Estado, representa um dever, uma

vezes em virtude das decadentes

obrigação imposta pelo legislador

condições estruturais dos hospitais

constituinte a partir do artigo 196 da

públicos. Em função desse cenário, é

Constituição. Para cumprir com o seu papel,

que se justifica o presente trabalho.

o Estado, deve, obrigatoriamente,

O objetivo deste estudo, além de

prestar os serviços públicos com

evidenciar a situação fática das

diligência

questões de saúde pública, foi de

e

satisfatoriamente,

conforme a ótica constitucional e

demonstrar

as

também

jurídicas

vacilo

infraconstitucional.

do

do

Estado,

Entretanto, verifica-se atualmente,

destacada

que as expectativas das disposições

objetiva (administrativa e civil).

constitucionais

responsabilidade

Buscou-se

com

isso

das

demais

estão

sendo

questionar a irresponsabilidade do

alcançadas, pois o Estado tem

Estado e demonstrar as medidas

atuado negligentemente com as

jurídicas

questões de saúde pública.

concomitantemente,

legislações,

e

a

consequências

não

utilizáveis

para, coibir

a

A má gestão dos recursos

negligência estatal e reparar, ao

públicos, as diversidades regionais e

máximo possível, os danos que ela

alguns

acarreta ao indivíduo.

outros

fatores,

vêm

A hipótese da qual se partiu é

contribuindo para o descaso com a saúde. E por ela ser, além de um

que

o

Estado

é

preceito constitucional, um fator de

responsável,

grande relevância e determinante na

administrativo e civil, pelos danos

vida do indivíduo, graves são as

que ele causa às pessoas. A partir

consequências

da

daí buscou-se também questionar as

irresponsabilidade estatal. Pessoas

decisões judiciais que fixam as

no

objetivamente aspecto

indenizações em valores de pouca 169


significância reparatória, por haver

saúde

interesse

apresentados

causas.

público Isso,

envolvido

pois a

nas

pública

pátria,

casos

de

foram grande

saúde é

repercussão. Ao final, buscou-se

proporcionalmente mais relevante

concluir o trabalho a partir da

que o interesse público “econômico”,

hipótese de partida.

diga-se de passagem, pois a saúde

O método empregado foi o

é uma questão de interesse público.

dialético na maior parte da pesquisa.

É um contrassenso hierarquizar o

Porém

interesse público econômico em uma

método dedutivo, na apresentação

posição superior ao interesse público

de casos práticos, e também pelo

de saúde.

emprego

A pesquisa também buscou demonstrar

soluções

para

os

problemas

que

maculam

a

efetividade

da

destacando

a

saúde

utilizou-se

de

O

procedimento

empregado

foi

comparativo,

hermenêutico

e

dogmático jurídico.

pública,

autonomia

dos

1. O Estado garantidor da saúde: aspectos

estudo dos aspectos constitucionais

infraconstitucionais.

infraconstitucionais

Após,

fez-se

um

da

do

jurisprudências.

municípios. Inicialmente, foi feito um

e

também

constitucionais

e

saúde.

estudo

da

A

saúde

é

um

direito

responsabilidade objetiva do Estado.

universal, um direito de todos, e o

Foi feita também, a demonstração do

Estado tem como dever proteger o

atual panorama da saúde pública,

nosso país dos riscos de doença e

evidenciando

do

de outros agravos implementando

Estado. Comparou-se o cenário da

políticas sociais e econômicas que

saúde pública no Brasil, com a

deem suporte para a redução desses

condição da saúde em outros países

riscos e agravos, pautando sempre

e com as legislações sobre o tema

sua atuação no acesso universal e

nos países comparados. Analisou-se

igualitário a essas ações.

também

a

o

negligência

entendimento

O poder público também deve

jurisprudencial a partir de algumas

colaborar,

decisões sobre saúde pública. Além

regulamentação,

disso,

a

controle. Sua execução deve ser

inadmissibilidade da situação da

feita diretamente, ou através de

para

exemplificar

170

dispondo

sobre

fiscalização

sua e


terceiros e por pessoa jurídica de

O controle e a fiscalização de

direito privado.

procedimentos,

produtos

e

As ações e serviços públicos

substancias de interesse para a

de saúde constituem um Sistema

saúde e a participação da produção

Único de Saúde (SUS), de acordo

de

com as diretrizes do artigo 198 da CF

imunobiológicos, além de outras

e seus incisos.

atribuições que estão elencadas no

A assistência à saúde é livre à iniciativa

privada

equipamentos

artigo 200 da CF e seus incisos,

podem

competem ao Sistema Único de

participar do Sistema Único de

Saúde, e seus órgãos coordenados

Saúde

e subordinados.

de

forma

que

medicamentos,

complementar,

mediante contrato de direito público

Um dos princípios básicos do

ou convênio, sendo preferíveis as

sistema

jurídico

entidades filantrópicas e sem fins

Supremacia da Constituição. Esse

lucrativos. Veda-se a destinação de

princípio objetiva garantir que todas

recursos públicos para auxílios às

as

instituições

privadas

lucrativos.

Além

demais

brasileiro

normas

do

é

a

sistema

com

fins

estejam em consonância com a

disso,

a

Carta Magna, ou seja, o total

Constituição Federal em seu artigo

respeito

pelas

199, § 3º, proíbe a colaboração de

constitucionais.

empresas ou capitais estrangeiros

A

Lei

8.142

normas

de

28

de

na assistência à saúde de nosso

Dezembro de 1.990 dispõe sobre a

país, salvo casos previstos em Lei

participação

da

Complementar.

gestão

SUS,

Por

Lei

do

comunidade através

na dos

Complementar

conselhos de saúde; e sobre as

o

legislador

transferências intergovernamentais

estabelece o regime normativo sobre

de recursos financeiros na área da

as condições e os requisitos para

saúde, que devem cobrir todos os

maior facilidade da remoção de

investimentos, ações e serviços de

órgãos e tecidos para transplantes,

saúde a serem implementados pelos

pesquisas, e tratamento, coleta,

entes da Federação.

infraconstitucional

transfusões de sangue proibindo-se

Pela Lei 8.080 de 19 de

qualquer tipo de comercialização.

Setembro

de

1.990,

são

estabelecidas as condições para a 171


promoção, proteção e recuperação

em todos os níveis de assistência;

da

o

conjugar os recursos financeiros,

serviços

tecnológicos, materiais e humanos

correspondentes. Verifica-se por ser

da União, dos Estados, do Distrito

dever do Estado o provimento das

Federal

condições indispensáveis ao pleno

prestação de serviços de assistência

exercício do direito à saúde, deve

à saúde da população; além de

ele, através do SUS: identificar e

outras

divulgar os fatores condicionantes e

prestação eficaz dos serviços de

determinantes da saúde; formular

saúde.

saúde,

a organização

funcionamento

dos

e

políticas de saúde destinada a

e

dos

Municípios

medidas

que

na

visem

a

Na área da saúde, existem

promover, nos campos econômico e

inúmeras

social, o pleno exercício ao direito da

infraconstitucionais como portarias e

saúde; assistir às pessoas por

instruções normativas que objetivam

intermédio de ações de promoção,

reger

proteção e recuperação da saúde,

hospitais, clínicas, profissionais da

com a realização integrada das

área da saúde, medicamentos, etc.

ações assistenciais e das atividades

Entretanto,

preventivas;

sempre respeitam os ditames da

executar

ações

de

normas

as

relações referentes a

essas

normas

vigilância sanitária, de vigilância

Constituição

epidemiológica,

do

determinadas situações, devem ser

assistência

afastadas objetivando o bem maior

de

saúde

trabalhador,

e

terapêutica

integral,

farmacêutica;

de

ou,

em

que é a “saúde”.

inclusive

participar

Federal

nem

na

Dessa forma, questionam-se

formulação da política e na execução

quais

de ações de saneamento básico;

regulamentações

ordenar a formação de recursos

infraconstitucionais que existem na

humanos

saúde;

área da saúde e a sua função no

controlar e fiscalizar os serviços,

sistema jurídico brasileiro. Nessa

produtos e substâncias de interesse

perspectiva,

para

eficácia

a

na

área

saúde;

de

enfatizar

a

são

os

a

análise

dessas

descentralização dos serviços de

contraponto

com

saúde para os municípios; capacitar

fundamental

à

a resolução dos serviços de saúde

fundamental relevo. 172

tipos

de

do

grau

normas

em

o

saúde

direito é

de


1.1 Abordagem sobre a obrigação de

conjunto de princípios e normas que

reparação de danos

regem a obrigação de indenizar. (2005, p. 13).

Nesta parte deste estudo, busca-se

tecer

considerações

Logo, pode-se entender a

algumas sobre

responsabilidade civil como uma

a

contraprestação,

de

caráter

responsabilidade de reparação de

reparatório de um evento danoso,

danos causados, ou seja, sobre a

cujo objetivo é restaurar o equilíbrio

obrigação

patrimonial e moral violado.

de

se

pagar

um

indenização.

A

responsabilidade

administrativa, ou responsabilidade 1.2 Conceito de responsabilidade

do Estado é uma tradução da

civil e administrativa

obrigação

atribuída

ao

Poder

Público, de compensar os danos Em síntese, o conceito de

percebidos por terceiros, causados

responsabilidade civil é o dever de

pelos agentes públicos que atuam no

indenizar os prejuízos gerados por

exercício de suas atribuições, ou que

um dano. Pelo entendimento de

ajam nessa qualidade.

Sílvio de Salvo Venosa: Em princípio, toda atividade

1.3 Elementos da responsabilidade

que acarreta um prejuízo gera responsabilidade indenizar.

ou

Haverá,

excludentes,

que

indenização

[...].

responsabilidade

é

dever por

Os

vezes,

impedem O

de

responsabilidade

a

civil

da são

os

seguintes: conduta ou ato humano

termo

utilizado

elementos

(ação

ou

omissão),

nexo

de

em

causalidade e o dano ou prejuízo. A

qualquer situação na qual alguma

culpa não é um elemento geral da

pessoa, natural ou jurídica, deva

responsabilidade

arcar com as consequências de um

elemento acidental.

ato, fato ou negócio danoso. Sob

e,

Constitui-se

sim,

um

a

essa noção, toda atividade humana,

responsabilidade

portanto, pode acarretar o dever de

elementos. São eles: o ato ilícito; a

indenizar. Desse modo, o estudo da

relação de causalidade entre a

responsabilidade civil abrange todo o

conduta do agente e o prejuízo 173

de

quatro


sofrido pela vítima, denominada de

A responsabilidade do causador do

nexo causal; o dano efetivamente; e

dano, pois, somente se configura se

a culpa do agente. Havendo esses

ele agiu com dolo ou culpa. Trata-se

quatro elementos, ocorrerá o dever

da teoria clássica, também chamada

de indenizar.

teoria da culpa ou subjetiva, segundo a qual a prova da culpa lato

1.4

Classificações

sensu (abrangendo o dolo) ou stricto

da

sensu se constitui num pressuposto

responsabilidade

do dano indenizável. Existem no Brasil, hoje, várias classificações da responsabilidade,

1.4.2 Responsabilidade civil objetiva

que podem ser: (A) Extracontratual – aquela cujo elemento caracterizador

A lei impõe em determinadas

verifica-se fora de um contrato e

situações, a obrigação de reparar o

decorre

descumprimento,

dano independentemente de culpa.

imputando o dever de indenizar aos

É a teoria dita objetiva ou do risco,

praticantes

(B)

que prescinde de comprovação da

Contratual que é aquela derivada do

culpa para a ocorrência do dano

descumprimento de uma cláusula

indenizável. Basta haver o dano e o

contratual; (C) Subjetiva – quando o

nexo de causalidade para justificar a

dever de indenizar o dano incidir

responsabilidade do agente. Em

sobre o culpado, isto é no indivíduo

alguns casos presume-se a culpa

que teve culpa na causa do dano; e

(responsabilidade

(D) Objetiva, sempre que a lei dispor

imprópria), noutros a prova da culpa

que o dano deve ser reparado

é

independentemente da culpa do

(responsabilidade

indivíduo que o causou.

propriamente dita).

do

de

ato

ilícito;

totalmente

objetiva

prescindível civil

objetiva

É a exceção pela qual, em 1.4.1 Responsabilidade subjetiva

alguns casos previstos em lei, o agente responde mesmo sem ter

Diz-se subjetiva a responsabilidade

havido culpa sua para o dano; por

quando se baseia na culpa do

isso, como dito acima, na teoria

agente, que deve ser comprovada

objetiva da responsabilidade, o dano

para gerar a obrigação indenizatória.

é mais importante do que a culpa. 174


Prevê a Constituição Federal,

do trabalho que lhes competir, ou em

em seu artigo 37, § 6º, que “as

razão dele;” e “os que gratuitamente

pessoas jurídicas de direito público e

houverem participado nos produtos

as de direito privado prestadoras de

do crime, até a concorrente quantia”.

serviços públicos responderão pelos

O método empregado foi o

danos que seus agentes, nessa

dialético na maior parte da pesquisa.

qualidade, causarem a terceiros,

Porém

assegurado o direito de regresso

método dedutivo, na apresentação

contra o responsável nos casos de

de casos práticos, e também pelo

dolo ou culpa”. Nota-se, portanto,

emprego

que a responsabilidade do Estado é

utilizou-se

do

jurisprudências.

O

procedimento

empregado

foi

objetiva, pois manda a Constituição

comparativo,

hermenêutico

e

que

dogmático jurídico.

este,

causados

indenize

os

danos

independentemente

de

também

do

dolo ou da culpa de seus agentes,

2. Panorama atual da saúde pública:

que se verificados, asseguram ao

um estado negligente

Estado o direito de cobrar de seus agentes o prejuízo sofrido com a

A Saúde Pública no Brasil tem

indenização, em ação regressiva. No

âmbito

responsabilidade

será

civil,

sido a

objeto

políticos,

objetiva,

religiosos.

de

muitos

jurídicos, A

razão

debates sociais,

disso

é

a

quando prevista pelo Código de

ineficiência dos serviços públicos de

2.002, ou legislação esparsa que a

saúde e a precariedade em sua

determinar. Dentre as hipóteses de

prestação.

responsabilidade

civil

objetiva

Vários são os fatores que

especificadas pelo Código Civil, as

contribuem

que

aproximam

negligência estatal. A má gestão dos

tematicamente deste estudo, são as

recursos públicos, a improbidade

prevista pelo artigo 932, incisos III e

dos

V, que dispõem, respectivamente:

regionais e alguns outros fatores,

“são também responsáveis pela

vêm contribuindo para o descaso

reparação civil: o empregador ou

com a saúde.

mais

se

neste

gestores,

as

cenário

de

diversidades

comitente, por seus empregados,

Com isso, graves são as

serviçais e prepostos, no exercício

consequências à população que 175


depende dos serviços públicos de

eficazes,

saúde. Não é incomum as pessoas

autonomia dos municípios, e neles

perderem a vida, às vezes por falta

são implantadas. Pois se é mais fácil

de leitos, comuns, e de UTI em

obter

hospitais públicos; às vezes por falta

políticas públicas, quando elas são

de

direcionadas

atendimento

de

urgência

quando

êxito

na

a

realçam

destinação

um

a

das

contingente

financiados pelo SUS; às vezes por

demograficamente menor, além de

falta de medicamentos; às vezes em

facilitar a fiscalização dos recursos

virtude das decadentes condições

aplicados. Todavia, são poucos os

estruturais dos hospitais públicos.

municípios beneficiados com essas

E mesmo assim, o Estado não

políticas progressistas (a exemplo

aprimora sua postura diante dessa

regional, cite-se os municípios de

realidade.

o

São José do Rio Preto, Araçatuba e

aperfeiçoamento dos serviços de

Ribeirão Preto), restringindo-se elas

saúde públicos instalou em todos os

aqueles

debates eleitorais, motivando os

microrregiões. De modo que a

candidatos

se

eficácia destas políticas é atenuada,

comprometerem cada vez mais com

pois as populações dos municípios

a questão, mas de lá não se

circunvizinhos

deslocou. E em todas as instâncias

atendidas, por meio de convênios

administrativas: Federal, Estadual e

intermunicipais,

Municipal, poucas foram as políticas

privilegiados pela prestação mais

implementadas para a melhoria da

eficiente dos serviços de saúde.

O

tema

sobre

políticos

a

que

sediam

passam

as

a

ser

naqueles

Saúde Pública. Na visão política do

E com isso a utilização dos

Estado, evoluiu-se, pois, as filas

serviços públicos de saúde, continua

foram

sendo um risco que o indivíduo opta

substituídas

agendamentos.

Na

ótica

por social,

por

aventurar-se,

quando

não

trocou-se seis por meia dúzia, uma

possuidor de um plano privado

vez

complementar de saúde.

que

os

agendamentos

distanciam os atendimentos, que se tornam demasiadamente morosos. O que se constata de positivo

2.1

neste panorama é que as políticas

Alguns

repercussão

públicas de saúde tendem a ser mais 176

casos

de

grande


Alguns casos que chocaram e inconformaram merecem

ser

a

chamou a atenção deste caso para

sociedade

destacados

nosso estudo foi a demora na

neste

transferência da criança para outro

estudo para tornar esta negligência

hospital, e o fato de ser público o

ainda mais nítida.

hospital cuja UTI estava interditada.

Wallas Kevyn da Conceição

Além disso, na UTI neonatal em

dos Santos, de apenas 2 (dois)

apenas um período de 2 (dois)

meses, no dia 11 de junho deste ano,

meses, 14 (catorze) morte foram

levado ao Hospital Municipal da

registradas. Segundo a diretora do

Criança

com

próprio hospital, registrava-se um

pneumonia e bronquiolite. Dada a

índice entre 14 (catorze) e 20 (vinte)

piora em seu estado de saúde, o

mortes por ano na UTI. Agentes da

recém-nascido

vigilância

de

Guarulhos/SP

precisou

de

sanitária

encontraram

atendimento na Unidade de Terapia

prontuários de 6 (seis) crianças

Intensiva (UTI), mas mesma estava

mortas por infecção. Três autos de

interditada. Três dias depois da

infração

necessidade do atendimento, é que

justificar a interdição.

o menino foi transferido para um

foram

lavrados

para

Outro caso que comoveu a

hospital em Francisco Morato. A mãe

sociedade, foi a

notou que o dedão do pé direito da

(dezessete) bebês em apenas 6

criança estava com um curativo, mas

(seis) meses na Maternidade da

a médica havia dito que a causa do

Santa Casa de Suzano/SP. Apenas

ferimento foi decorrente da aplicação

no mês de maio, morreram 7 (sete)

de soro em uma veia do pé. Parte do

crianças. O Ministério Público local

dedão do pé da criança teve que ser

passou a investigar as mortes, e

amputado.

o

exigiu esclarecimentos do prefeito e

na

da secretária municipal de saúde,

aplicação do soro na veia do dedo da

que não apareceram para prestá-los.

criança, e a eventual formação de

Por conta disso, a promotora decidiu

bolha, que ocasionou amputação,

interditar toda a maternidade do

merece uma análise mais restrita,

hospital.

contexto

Obviamente do

erro

que

médico

morte de

17

feita em outro estudo publicado na

No Rio de Janeiro, a partir do

Revista Linhas Jurídicas, do Curso

dia 08 (oito) de Novembro, do

de Direito da UNIFEV. Mas o que

corrente ano, a equipe médica e de 177


enfermagem, do Hospital Federal

Um estudo que inspirou esta

Cardoso Fontes, em Jacarepaguá,

abordagem comparativa, e mais

zona-oeste da cidade, iniciaram um

detalhado sobre a contextualização

protesto

internacional do tema saúde, foi feita

contra

a

falta

de

funcionários e condições precárias

Organização

de trabalho, que comprometem o

Saúde, com o título “Regulação do

atendimento

pacientes.

setor da saúde nas américas: as

Decidiram paralisar as atividades

relações entre o público e o privado

para protestar.

numa

aos

Foi a segunda

paralização em um lapso de tempo

Pan-Americana

abordagem

da

sistêmica”,

merece atenção especial.

menor que um mês.

Verificou-se nele (pág. 17-18),

Vários outros casos também

que, no contexto internacional, de

revoltaram a população brasileira,

um modo geral, os serviços de

contextualizando a precariedade dos

saúde, se adequam à variação

serviços públicos de saúde, a falta

dos Welfare Satates, isto é, dos

de medicamentos, ou a improbidade

Estados de Bem-Estar, que adotam

dos gestores dos recursos públicos

modelos diferentes de políticas.

destinados a saúde. Todavia, o mais

Países como a Alemanha,

preocupante é quando outros casos

Áustria, França, e Itália, que adotam

de descasos, também de gravidade

o chamado industrial achievement

considerável,

performance

não

chega

ao

model

policy

ainda são ocultados pelos próprios

industrial), vinculam suas políticas

hospitais,

ao

acobertados

pela

de

social

conhecimento da população, ou

ou

(modelo

of

desempenho

desempenho

dos

grupos

administração pública. Nesta seara,

favorecidos. Aqueles que laboram

a mídia tem exercido fundamental

para o progresso dessas nações são

papel de fiscalização e publicidade,

de certa forma, privilegiados nas

incentivando a sociedade a se

políticas estatais, inclusive as de

manifestar.

saúde. Em países como a Suécia, Noruega,

Dinamarca,

e

3. A símile da condição de saúde no

principalmente a Dinamarca, que

brasil com outros países

adotam a política doredistributive model of social policy, um modelo 178


institucional-retributivo,

baseado

somente

alcança

uma

classe

num padrão socialdemocrata, cujo

privilegiada economicamente que

bem estar social é tido como

pode fazer uso dos planos privados

elemento

das

complementares de saúde, haja

sociedades contemporâneas e cujas

vista que a prestação pública dos

políticas, incluídas as de saúde, são

mesmos através do SUS encontra-

direcionadas ao favorecimento de

se decadente.

constitutivo

toda a nação.

Em uma comparação com os

Já em países como Austrália, Suíça

e

principalmente

Sistemas

Estados

de

Saúde

de

outros

países, percebe-se que é possível

Unidos que adotam um modelo de

reverter o quadro crítico nacional.

políticas residuais (residual welfare

Conforme matéria publicada

model of social policy), prevalece o

no portal R7.com, o Brasil investe em

atendimento privado das demandas,

saúde, metade dos recursos que

inclusive as de previdência e as de

alguns países investem:

as de saúde. O Estado participa

Os atuais gastos com a saúde

dessas políticas de modo residual,

pública no país ficam muito abaixo

favorecendo apenas os segmentos

do que é investido por nações que

sociais que foram excluídos pelo

também oferecem saúde gratuita,

mercado desses canais.

como

Assim,

verifica-se

Constituição

Federal

privilegiou

a

que

de

a

Unido,

Alemanha,

Canadá e Espanha.

1.988

sociedade

Reino

Segundo

o

Ministério

da

ao

Saúde, o Brasil gastou 3,6% do PIB

universalizar o acesso aos serviços

(Produto Interno Bruto, ou a soma de

públicos

que

todas as riquezas do país) com a

anteriormente se assemelhavam ao

saúde pública, em dados de 2008 –

modelo americano. Buscou-se com a

último

alteração

Estados

de

saúde,

constitucional

aproximação

com

institucional-retributivo. aproximação,

o

uma modelo

balanço e

oficial

contando

municípios.

O

valor

equivale a quase R$ 109 bilhões. De

A

acordo

com

dados

da

OCDE

infelizmente

(Organização para Cooperação e

aconteceu só no texto constitucional,

Desenvolvimento Econômico), 56%

pois na realidade a eficiência dos

do que é investido em saúde no

serviços

Brasil vem de recursos públicos.

de

saúde

nacionais 179


Já os países citados investem

A partir de uma análise dos

ao menos 6% de seu PIB no setor

recentes julgados dos Tribunais

público de saúde. Com isso, 60% a

pátrios, verifica-se uma volumosa

70% do que é gasto com saúde é

quantidade de litígios cujo bojo se

responsabilidade

traduz na questão da saúde pública.

segundo

dos

relatório

governos, da

Opas

Nesses

processos

aponta-se

o

(Organização Pan Americana de

Estado como um ente negligente, e

Saúde).

busca-se a composição dos danos.

Mas o fator que mais incide na

Nota-se, a partir do julgamento de

ineficiência dos serviços públicos de

uma

saúde no Brasil é a má gestão dos

contra o Hospital das Clínicas em

recursos

destinados,

São Paulo, que o Poder Judiciário

caracterizada ou pelo desperdício ou

paulista tem primado pela dignidade

pela improbidade dos gestores.

da pessoa humana, que se sobrepõe

a

Acerca

eles

disso,

propôs

a

ao

apelação

cível

interesse

promovida

patrimonial

da

Organização Mundial da Saúde, em

Administração Pública. Parte do

seu Relatório Mundial da Saúde,

Voto do Relator:

Publicado

em

2.010,

e

Não pode, enfim, o juiz ignorar

posteriormente traduzido para a

a realidade, essa sim, que salta

íngua portuguesa em 2.011 (pág. 19-

dramática aos seus olhos. É que a

20), soluções para a ineficiência dos

matéria em debate diz respeito à

serviços de saúde, a partir da

dignidade humana, à solidariedade

maximização do rendimento das

e, sobretudo, à justiça social.

tecnologias e serviços de saúde, da

Toda essa pauta axiológica há

motivação dos trabalhadores da

que se sobrepor, e com firmeza,

saúde,

diante

do

aprimoramento

da

do

outro

interesse

em

eficiência hospitalar, do zelo nos

questão: o interesse secundário e

atendimentos para evitar os erros

patrimonial

médicos, no combate ao desperdício

Pública.

e à corrupção; e da avaliação crítica

AÇÃO

da

Administração

ORDINÁRIA

das necessidades dos serviços.

Indenização por danos morais Erro

4. Percepção jurisprudencial

médico Negligência na prestação do serviço público de saúde Nexo de causalidade 180

reconhecido


Responsabilidade

objetiva

do

1.

Estado Recurso provido. [1] Logrou indenização

o no

dos

entes

políticos da federação tem o dever

apelante,

valor

Qualquer

de

na

promoção,

prevenção

e

R$

recuperação da saúde. 2. Não

100.000,00 para a composição dos

prevalece a alegação do Estado no

danos percebidos.

sentido de que só é responsável pelo

E além de ser brilhante a

fornecimento

de

medicação

e

atuação de nossa justiça, que não

utensílios de higiene e tratamento

privilegia o Estado e não acoberta

médico que fazem parte da lista de

sua

remédios

omissão,

evidencia-se

sua

básicos

de

sua

efetividade em uma jurisprudência

responsabilidade, pelo simples fato

gaúcha. O Tribunal de Justiça do Rio

de

Grande do Sul, no Julgamento de um

regulamentam as gestões – de

Agravo de Instrumento mantiveram a

âmbito interno entre os entes – não

penhora de dinheiro em contas

se

públicas do próprio estado do rio

constitucional. Precedentes deste

grande do sul, para assegurar o

Tribunal. 3. É de ser deferida a

fornecimento de fraudas geriátricas:

medida

AGRAVO

DE

INSTRUMENTO.

que

as

Portarias

sobrepõem

que

à

antecipatória

norma

quando

demonstrada a verossimilhança das

Decisão

alegações

e

o

risco

de

dano

monocrática (art. 557, caput do

irreparável. É direito do cidadão

CPC).

exigir e dever do Estado fornecer

Direito

especificado.

público

não

SAÚDE

PÚBLICA.

de

epilepsia,

indispensáveis ao tratamento da

encefalopatia crônica, retardo de

moléstia quando o cidadão não

desenvolvimento

neuropsicomotor.

puder arcar com os custos da

Fornecimento de fraldas geriátricas

aquisição sem prejuízo ao seu

descartáveis. Antecipação de tutela.

próprio

Cabimento. Bloqueio de valores em

pressupostos

conta

estado.

previstos no art. 273 do CPC. 4.

VIABILIDADE. Precedentes desta

Sendo descumprida a determinação

Corte e do STJ.

judicial

Diagnóstico

bancária

do

medicamentos

e

sustento.

de

medicamentos

da

procedimentos

Presentes

os

antecipação

fornecimento requisitados

dos ao

Estado, possível o bloqueio do valor 181


correspondente

em

sua

conta

morte de seu cônjuge que, após

bancária justificando-se a medida

acidente

excepcional ante a supremacia do

transferido

bem

objetiva

públicos e, em razão de inadequado

de

serviço e atendimento, no intervalo

jurídico

que

resguardar.

se

AGRAVO

instrumento DESPROVIDO. [2]

de

motocicleta,

para

dois

foi

hospitais

de tempo em que estava sob os

O mesmo entendimento das

cuidados da saúde pública, veio a

justiças estaduais verifica-se, que é

falecer.

partilhado pelos tribunais superiores,

2. Marcou o Tribunal a quo

no sentido de que a Saúde preconiza

que, "se o ente público tivesse

o zelo do Estado. E quando este

prestado

Estado opera com falta de diligência,

atendimento à vítima, no intervalo de

ele

severamente

tempo em que ela esteve sob seus

sancionado. O Superior Tribunal de

cuidados, certamente o caso não

Justiça,

teria evoluído para tão grave e

deve

no

ser

Julgamento

de

um

Agravo Regimental oferecido em Embargos

Declaração

e

adequado

lamentável desfecho". De

acordo

Recurso Especial, manteve o valor

jurisprudência

desta

de

excepcionalmente, nos casos em

uma

de

pronto

indenização

em

de

3.

R$

100.000,00:

RESPONSABILIDADE ESTADO,

a

Casa,

que manifestamente excessivo ou

ADMINISTRATIVO E CIVIL.

DO

com

POR

irrisório, pode-se rever o valor fixado

OBJETIVA

pelo Tribunal de origem a título de

MORTE

indenização

por

danos

morais.

DECORRENTE DE OMISSÃO EM

(AgRg no AREsp 3.685/RR, Rel.

ATENDIMENTO

HOSPITALAR.

Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda

REDE PÚBLICA. REDUÇÃO DO

Turma, julgado em 24.5.2011, DJe

QUANTUM

8.6.2011.)

INDENIZATÓRIO.

IMPOSSIBILIDADE.

SÚMULA

4. O valor fixado a título de

7/STJ.

reparação pelos danos morais, em 1. A quaestio iuris trazida aos

cem mil reais, no caso de morte por

autos cuida da proporcionalidade e

omissão no atendimento por hospital

razoabilidade do valor arbitrado a

público, não se mostra ínfimo ou

título de reparação pelo dano moral

exorbitante, o que torna impossível

sofrido pela agravada, em razão da

sua 182

modificação

pelo

Superior


Tribunal de Justiça ante o óbice

são longas, ou porque a espera é

inserto na Súmula 7/STJ.

demasiada; os agendamentos são

Agravo regimental improvido.

excessivamente protelados, enfim, é

[3]

caracterizada uma conjuntura de negligência, por parte do Estado. Se tal realidade, ao menos na

Conclusão

ótica

legislativa,

não

deveria

evidenciar-se, o que fazer para A questão da Saúde Pública é

reverter o quadro crítico? Qual a

bem complexa, como a maioria das

solução proposta para a questão da

relações

Saúde Pública no Brasil?

jurídicas

socialmente

constituídas.

que

Pela lógica da pesquisa, o

O Estado como ente público

foco é a responsabilidade objetiva do

o

Estado,

é,

Constituição

deveria,

a

da

que

judicialmente

deve

de

1.988,

reparar os danos causados aos

seu

papel

indivíduos, em função de sua culpa

constitucional de zelar pelo interesse

negligente pelo descaso na saúde.

público, salvaguardando os direitos

Assim,

individuais e coletivos. Contudo, é

constrangimento

historicamente nítido que ele assim

indivíduo vítima dessa insensatez

não age.

estatal.

cumprir

Federal

teor

com

o

restaria

diminuído suportado

o pelo

Nosso país é carente quando

Os juízes, por sua vez, como

se trata de saúde, que é deixada em

se verificou, tem demonstrado uma

segundo plano. O Estado não tem se

atuação louvável nos julgamentos

preocupado com a saúde, com a

sobre

importância devida, e esta tem se

indenizações que não são irrisórias.

tornado

Os

Pois o objetivo de uma indenização,

hospitais públicos são carentes em

além de reparar o dano sofrido pela

infraestrutura

os

vítima, é reprimir condutas repetidas

pacientes; os médicos tornaram-se

por parte do causador do dano. As

impacientes

os

indenizações baratas devem ser

precários;

questionadas. Não se pode admitir a

pessoas acabam morrendo por falta

fixação de indenizações em valores

de atendimento, ou porque as filas

de pouca significância reparatória

sinônimo

atendimentos

de

para

e

caos.

atender

revoltosos; são

183

o

tema,

e

aplicado


com a justificativa de haver interesse

tem favorecido o progresso. Porém,

público envolvido nas causas. Isso,

são

pois a saúde é proporcionalmente

privilegiados com políticas públicas

mais relevante que o interesse

eficientes. E mesmo nos municípios

público “econômico”, diga-se de

beneficiados,

passagem. A saúde é também uma

tornam ineficientes em razão dos

questão de interesse público. É um

congestionamentos

contrassenso

o

políticas de melhoria na saúde

interesse público econômico em uma

devem ser expandidas para os

posição superior ao interesse público

outros municípios, que não de

de saúde.

regiões metropolitanas. Elas devem

hierarquizar

poucos

os

municípios

essas políticas

regionais.

se

As

A transformação do caos na

ser inseridas em todos os municípios

saúde, entretanto, não se restringe

do interior dos estados membros,

na

pois

responsabilidade

objetiva

do

a

Administração

Pública

Estado, quanto aos danos por ele

arrecada recursos suficientes para

causados.

é

isso. A má gestão desses recursos

soberano por direito. Sendo detentor

abolida, uma vez que a história da

da soberania, cada indivíduo, pode e

política podre já foi escrita, e já está

deve questionar qualquer assunto de

na hora de um final feliz.

O

natureza

povo

brasileiro

pública,

exigir

A saúde é, pois, uma questão

dos

agentes

de direito, de direito que deve ser

públicos, e reivindicar melhorias dos

exercido com satisfatividade. Não se

serviços públicos. Um povo manso é

trata de uma questão de fato, de uma

um povo escravo do Estado.

realidade não transformável.

esclarecimento

Além disso, o que se verifica, é que a autonomia dos municípios

184


Referências BISOTO JUNIOR, Geraldo; DAIN; Sulamis; SILVA, Pedro Luís de Barros. Regulação do setor saúde nas Américas: as relações entre o público e o privado numa abordagem sistêmica. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. Disponível em: <http://www.opas.org.br/servico/arquivos/Sala5573.pdf>. Acesso em 20/11/2011. Brasil, Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_direito_usuarios_2ed2007.pd f>. Acesso em: 20/11/2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 26/10/2009. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17h. ELOVAINIO, Riku et. al. Relatório Mundial da Saúde: financiamento dos sistemas de saúde: o caminho para a cobertura universal. Traduzido por CABRAL, Jorge; FLORIANO, Aurélio; FERRINHO, Paulo. Lisboa: CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, 2011. Disponível em: <http://www.acs.min-saude.pt/files/2011/05/Relatorio_OMS.pdf>. Acesso em: 20/11/2011. G1, São Paulo. Bebê perde parte do dedo durante tratamento contra pneumonia em São Paulo. Disponível em: <http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2011/07/bebe-perde-parte-do-dedo-durante-tratamento-contrapneumonia-em-sp.html>. Acesso em: 20/11/2011. G1, São Paulo. MP pede interdição da maternidade da Santa Casa de Suzano. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/06/mppede-interdicao-da-maternidade-da-santa-casa-de-suzano.html>. Acesso em: 20/11/2011. G1, Rio de Janeiro. Paralização em hospital público do Rio deixa pacientes sem atendimento. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-dejaneiro/noticia/2011/11/paralisacao-em-hospital-publico-do-rio-deixa-pacientessem-atendimento.html>. Acesso em: 20/11/2011. R7, Notícias. Brasil gasta com saúde pública metade do que investem países como Alemanha e Canadá. NEUMAN, Camila; NOVAES, Marina. Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/gasto-com-saude-publicano-brasil-e-metade-do-usado-nos-paises-que-tem-esses-servicos-de-graca20110921.html>. Acesso em 20/11/2011. 185


VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 4. Coleção de Direito Civil. [1] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível em Ação Ordinária. Apelação Cível nº 0014298-33.2003.8.26.0053. São Paulo/SP. Data do Julgamento: 07/11/2011. Data de Registro: 10/11/2011. 7ª Câmara de Direito Público. Relator: Desembargador Magalhães Coelho. Apelante: Argemiro Mariano Pinto. Apelado: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5525870&vlCaptcha=sj mdu>. Acesso em: 17/11/2011 às 00:42hs. [2] Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70045867983. Rio Grande do Sul/RS. Data do Julgamento: 28/10/2011. Data da Publicação: 08/11/2011. 2ª Câmara Cível. Relator: Desembargador: Arno Werlang. Apelante: Estado do Rio Grande do Sul/RS. Apelado: Lucas Patias de Castilhos. Disponível em: <http://google4.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/co nsulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a %26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D7 00%26num_processo_mask%3D70045167426%26num_processo%3D700451 67426%26codEmenta%3D4440475+Sa%C3%BAde+Responsabilidade+Objeti va+do+Estado&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70045167426&comarca=Comarca+de+S%E3o+Pedro+do+Sul&dt Julg=09-11-2011&relator=Arno+Werlang>. Acesso em: 17/11/2011 às 01:22hs. [3] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no REsp 1263331 / RN. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2011/0118384-8. Brasília, DF. Data do Julgamento: 18/10/2011. Data da Publicação: 26/10/2011. Relator: Ministro Humberto Martins. Agravante: Estado do Rio Grande do Norte. Procurador: Ricardo George Furtado de Menezes e Outros. Agravado: Ana Ruth Rodrigues Guimarães Nunes. Advogado: Adriana Wanderley da Cunha Lima e Outros. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1097422& sReg=201101183848&sData=20111026&formato=PDF>. Acesso em: 17/11/2011 às 01:45hs.

186


SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS KITS ANTIHOMOFÓBICOS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BIMBATO, Dionísia Aparecida Rodrigues. Discente do 9º período do curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Muito se discutiu nos últimos dias sobre a proposta contra a homofobia que o Ministério da Educação vem elaborando, mas ainda não divulgou oficialmente; e que é constituída por um conjunto composto por cartazes, um livro com sugestões de atividades direcionado aos professores, e três vídeos temáticos, os quais, vazaram na mídia e provocaram uma enorme polêmica. Gerou-se um embate divisor de águas. Políticos e psicólogos dividiram-se, religiosos e entidades manifestaram-se, e a presidenta Dilma Rousseff suspendeu

o

projeto.

O

presente

trabalho

buscou

demonstrar

a

inconstitucionalidade formal e material da proposta, através de uma interpretação dos princípios que compõem a estrutura constitucional pátria, a fim de contribuir com raciocínios jurídicos para o entendimento de que é inviável o projeto do MEC, valendo-se da metodologia dialética e bibliográfica.

Palavras-chave: Proposta Anti-Homofobia do MEC. Exegese Principiológica Constitucional. Inconstitucionalidade Formal e Material. 187


o assunto, em que busca-se avaliar

Introdução

a viabilidade do pacote criado pelo MEC.

O presente trabalho se propõe anti-

O “kit gay”, como vulgarmente

da

ficou conhecido, é constituído por um

Educação e Cultura que, nos últimos

pacote de medidas anti-homofóbicas

dias, tem sido muito discutida nos

que vem sendo elaboradas pelo

canais de mídia. O objetivo é

MEC, através da Secretaria de

demonstrar a inconstitucionalidade

Educação

formal e material desta, através de

Alfabetização

uma interpretação dos princípios que

(SECAD),

compõem a estrutura constitucional

entidades defensoras dos Direitos

pátria, a fim de contribuir com

Humanos e da Comunidade LGBT

raciocínios

o

(Lésbicas,

entendimento de que é inviável o

Travestis)

a

analisar

homofóbica

a

proposta

do

Ministério

jurídicos

para

Continuada,

e

Neste

projeto do MEC. Para tanto, utilizou-

e em

Gays,

Diversidade conjunto

com

Bissexuais

pacote,

que

e

se

dialética,

pretendia distribuir à cerca de 6.000

comparando bibliografias, a fim de

escolas, há um conteúdo polêmico,

subsidiar a tese aqui defendida.

formado por cartazes, um livro com

se

da

metodologia

sugestões de atividades direcionado 1. Da proposta de combate à

aos professores, e três vídeos

homofobia elaborada pelo ministério

temáticos. O pacote integra o Projeto

da

“Escola sem Homofobia”, criado a

educação

e

cultura

e

sua

partir de seminários e pesquisas

repercussão social

realizadas em escolas públicas, Muito se discutiu nos últimos

onde diz o MEC, ter verificado a

dias sobre a proposta contra a

existência de preconceito contra

homofobia que o Ministério da

alunos homossexuais. Apesar do projeto ainda não

Educação vem elaborando, mas ainda

não

oficialmente.

ter sido finalizado pelo órgão, os

divulgou

vídeos

Disseminou-se na

acabaram

vazando

na

e

internet, gerando um grande embate

eletrônica, um grande debate sobre

divisor de águas. Em novembro de

mídia,

televisiva,

impressa

2.010, a discussão foi levada para o 188


da

parecer, “contribuirá para a redução

manifestação do Deputado Federal

do estigma e da discriminação, bem

Jair Bolsonaro, em sessão realizada

para promover uma escola mais

no

equânime e de qualidade”.

campo

político,

Plenário

da

através

Câmara

dos

Deputados. A posição do legislador

Psicólogos divergem sobre o

é nítida: “isso é um estímulo à

assunto.

homossexualidade, à promiscuidade

psicóloga, diz em seu blog que “No

e uma porta à pedofilia”. Além dele,

fazer

o

Anthony

pautas se atravessam, dentre elas,

Garotinho, em 25 de Maio de 2.011,

a questão da sexualidade”. Ela

“chantageou” o Poder Executivo,

ainda esclarece:

Deputado

Federal

Joselaine

psicológico,

Garcia,

diferentes

advertindo a este que inviabilizasse

É mister o enfrentamento de

o Projeto do Ministério da Educação

todas as violências e opressões, é

e Cultura, para que os Projetos do

preciso inventar novas estratégias,

Governo

da

novas práticas diferenciadas, que

bancada evangélica da Câmara. O

possam romper com o modelo

senador Magno Malta também se

dicotômico e punitivo e levar a

manifestou Contrário ao Projeto, em

um olhar mais amplo. Não me refiro

audiência pública na Assembleia

aqui somente a questão frente à

Legislativa do Mato Grosso, dizendo

sexualidade, mas a todas a questões

que as crianças a que o Projeto se

que abarcam a exclusão social.

tivessem

o

apoio

destina, estariam “na academia da homossexualidade”.

Nem

São imprescindíveis projetos

é

que tragam à baila os preconceitos

necessário enfatizar que o projeto foi

sociais que abarcam a sociedade

rechaçado por religiosos.

brasileira e que se manifestam

Entretanto, há quem defenda

também, além da homofobia, no

o Projeto Anti-homofobia. O Ministro

racismo, na violência contra os

Fernando

Haddad,

arrazoou

pobres, às pessoas com deficiência,

dizendo:

“Queremos

que

a

às pessoas com sofrimento mental,

não

enfim os múltiplos segmentos que

podemos deixar ninguém fora da

são excluídos e violentados em seus

escola”. Em fevereiro de 2.011 a

direitos sociais e humanos.

sociedade

perceba

que

UNESCO manifestou-se favorável ao pacote do MEC, que, em seu 189


Mas é indispensável sempre

jurídicas. A arte ficou subordinada,

ter o cuidado de não exagerar na

em

dose, como já disse anteriormente, é

progressivo, a uma ciência geral, o

necessário adotar alguns cuidados

Direito obediente, por sua vez, aos

para que a dosagem do antídoto não

postulados da Sociologia; e a outra,

seja mais forte do que aquilo que o

especial a Hermenêutica. Esta se

sujeito quer e necessita. (Disponível

aproveita

em:

Filosofia Jurídica; com o auxílio <http://joselainegarcia.blogsp

seu

desenvolvimento

das

conclusões

da

delas fixa novos processos de

ot.com/2011/05/polemica-kit-anti-

interpretação;

homofobia.html>)

enfeixa-os

num

sistema, e, assim areja com um sopro de saudável modernismo a

No dia 25 de Maio de 2011, o

arte,

rejuvenescendo-a,

projeto foi suspenso pela atual

aperfeiçoando-a, de modo que se

presidenta

conserve à altura do seu século,

Excelentíssima

Dilma

Rousseff.

como

elemento

de

progresso,

propulsor da cultura profissional, 2.

Da

exegese

principiológica

auxiliar prestimosa dos pioneiros da

constitucional do projeto “escola sem

civilização. (2009, p. 1).

homofobia”

A

Hermenêutica

Jurídica

subsidia os juristas com diversos Esse assunto, como todos os

métodos (crivos) de interpretação,

produzem

jurídicos,

feita de maneira progressiva nestes

carecem de interpretação jurídica,

métodos. Permite que se faça a

isto é, de Hermenêutica Jurídica

interpretação literal, lógica, histórica,

Aplicada. Segundo MAXIMILIANO

sistemática, teleológica ou finalística

que

efeitos

as

e sociológica. O Projeto “Escola sem

artes em geral, possui a sua técnica,

Homofobia”, no pé em que se

os meios para chegar aos fins

encontra, consegue transpor o crivo

colimados.

da maioria dessas interpretações.

A

princípios

interpretação,

Foi e

como

orientada regras

que

por se

Como

sabe-se,

desenvolveu e aperfeiçoou à medida

historicamente, os indivíduos que

que

possuem

orientação

sexual

diferenciada

da

sofrem

envolveu

desabrocharam

a

sociedade as

e

doutrinas 190

comum,


diversos tipos de preconceitos. A

2.1 Da dignidade da pessoa humana

sociedade, nunca esteve, e não está preparada para recebê-los com bons

Este

princípio

possui

um

olhos. Há sempre quem não está

conceito aberto e muito amplo,

adaptado a este fenômeno social.

porém zela pela efetividade de todas

Com

as outras garantias constitucionais.

o

novo

Pensamento

Constitucional, estreado em 1988, o Estado

Democrático

Direito,

Cada ser humano tem, pois,

passou a promover a defesa dos

um lugar na sociedade humana. Um

direitos sociais e individuais, a

lugar que lhe é garantido pelo direito,

liberdade,

o

que é a força organizadora da

desenvolvimento, a igualdade, e a

sociedade. Como sujeito de direitos

justiça, de uma sociedade fraterna,

ele não pode ser excluído da

pluralista,

sociedade

o

de

Conforme a doutrina:

bem-estar,

sem

preconceitos,

e

como

sujeito

de

fundada na harmonia social; e tem

obrigações ele não pode prescindir

por objetivo a dignidade da pessoa

de sua pertinência à sociedade, na

humana, conforme verificado no

qual é chamado a exercer um papel

preâmbulo da CF/88, e em seu art.

positivo.

1º, III. Então toda tentativa com o

9, apud ARAUJO; NUNES JÚNIOR,

objetivo

2009, p. 101-102).

de

erradicar

estes

preconceitos, ou ao menos amenizá-

2002,

p.78-

Assim, a dignidade da pessoa

los é sempre bem-vinda. Contudo,

(MOURA,

humana tem o condão de obrigar o

este

projeto

Estado para com seus cidadãos, e

governamental, na sua expressão

não estes para com àquele. Em

original

ser

outras palavras, a dignidade da

é,

pessoa humana vincula o Estado a

precisa estar em consonância com o

zelar pelas garantias fundamentais

sistema jurídico Pátrio. A melhor

da

forma de validá-lo, é decifrá-lo

Constitucional.

conforme

funcionar de modo instrumental, isto

(literal),

juridicamente

Constitucionais,

precisa

coerente,

os

isto

preceitos sobretudo

os

é,

princípios:

pessoa,

ser

o

contidas Deve

na o

instrumento

Carta Estado

para

a

efetividade dos Direitos individuais. É pois a dignidade da pessoa humana, a efetividade de todos os 191


seus direitos. Conforme preleciona

desprovida de preconceitos raciais,

Santos,

de gênero, de idade, de origem, ou

[...]as

normas

de

direito

outras formas de discriminação. E

fundamental ocupam o grau superior

esta

da ordem jurídica; estão submetidas

diferenças, das desigualdades, em

a processos dificultosos de revisão;

alguns

constituem

limites

originário, reservou para si, como por

própria

revisão;

materiais

da

vinculam

proteção

casos,

exemplo,

ao

isonômica

o

das

constituinte

estabelecer

cotas

imediatamente os poderes públicos;

empregatícias em cargos públicos

significam

outros

para

(1998,

deficiências (art. 37, VIII, da CF).

direitos

a

abertura

a

fundamentais.

Disponível em:

pessoas

portadoras

de

Outras formas de proteção e de aplicação da isonomia incumbem ao

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/1

legislador infraconstitucional.

60/principio-constitucional-dadignidade-da-pessoa-humana/1>)

2.3 Da liberdade de pensamento

No inciso IV, de seu artigo 5º, 2.2 Da isonomia

a Constituição Federal permite a manifestação livre do pensamento,

Apesar da faceta de igualdade

ou seja, a liberdade individual de

universal entre todos, versa este

opinião. É a liberdade de o indivíduo

princípio, sobre a proteção das

formular juízos de valores, de opinar,

minorias. O constituinte originário,

de

preocupado com um histórico de

pensamento

marginalização

assunto.

determinados

social grupos,

de

pensar

e

manifestar

sobre

seu

determinado

embora

estabelecendo tratamento igualitário

2.4 Da liberdade de consciência,

universal no artigo 5º, caput, da

crença e culto

Constituição, antes disso, já vedava a discriminação lá no art. 3º, IV, declarando

como

A

Constituição

Federal

objetivo

protege no art. 5º, VI, a liberdade do

fundamental da nossa República, a

indivíduo em acreditar em algo, ter

promoção

fé, seguir determinada religião sem a

do

bem

de

todos, 192


intervenção Estatal, haja vista a laical

atuação

do

Estado.

2.6 Do livre planejamento familiar

É,

portanto, um direito inviolável do indivíduo

o

Na combinação dos artigos

comportamento

226, § 7º, e 227 da Constituição,

conforme suas crenças.

verifica-se que ela assegura às famílias, o livre planejamento, com a

2.5 Da liberdade de expressão

vedação de intervenção oficial ou privada; obrigando-a a assegurar à

Versa este princípio a respeito da

Proteção

Constitucional

criança, ao adolescente e ao jovem,

à

a efetividade de seus direitos, e a

liberdade de expressão do indivíduo,

proteção

de

negligências,

contida no art. 5º, IX, da Constituição

discriminações,

Federal. Esclarecem Araújo e Nunes

violência, crueldade e opressão.

exploração,

Júnior: [...]enquanto a opinião diz

2.7 Da proporcionalidade

respeito a um juízo conceitual, uma afirmação

do

pensamento,

a

Exprime este princípio, ao

expressão consiste na sublimação

adequada, necessário e moderado,

da forma das sensações humanas,

juízo

ou seja, nas situações em que o

condicionador

indivíduo

jurídica.

manifesta

seus

valorativo,

É

precedente da

um

e

positividade dos

crivos

sentimentos ou sua criatividade,

hermenêuticos utilizado sempre que

independentemente da formulação

constatado o choque entre direitos,

de convicções, juízos de valor ou

entre princípios. Busca ponderar as

conceitos. (2009, p. 144).

finalidades e os meios que as

A expressão livre protegida é

buscam.

a intelectual, artística, científica, e de comunicação,

consistentes

na

manifestação

criativa

do

Considerações Finais

pensamento individual. Ante

a

principiológica

análise do

fática

assunto

e

aqui

tratado, verifica-se um conflito de

193


interesses,

contextualizado,

grupos,

adotando

medidas

sobretudo, pela busca da dignidade

prepotentes. Se a intenção é obter o

dos indivíduos que sofrem com a

respeito, que este seja alcançado

homofobia colidente com a opinião

também

individual que repele orientações

preparar a sociedade para a ordem

sexuais incomuns.

social pretendida.

Nesta

conjuntura,

pelo

respeito.

Deve-se

Ademais, imperatividade só é

erroneamente, o Estado, através do

admissível

Ministério

tentou

norma jurídica, isto é, é necessário

harmonizar esses interesses, com a

que haja norma jurídica cogente. A

pretensão de inserir nas escolas

proposta do Ministério da Educação

públicas, desde o nível fundamental,

e Cultura é inconstitucional em

a

altercações

forma, pois lesa o artigo 24, IX, o

sexuais; atitude um tanto quanto

qual dispõe que compete à União,

banal

aos

da

Educação,

catequização

e

das

desprovida

de

proporcionalidade.

quente

Estados

Federal

Eis que, conforme, o ditado, o mingau

quando

se

ao

em

Distrito LEGISLAR

concorrentemente

sobre

a

pelas

educação, a cultura, o ensino e o

bordas. Atualmente, a sociedade

desporto. Não queira o Sr. Ministro

brasileira, não está apta a admitir

Fernando Haddad, obrigar os alunos

pacificamente

de

das escolas públicas a admitirem

gênero, como se comuns fossem.

com passividade algo complexo e

Nossa nação é constituída por

divergente, pois gritante é o teor do

indivíduos, que em sua maioria, são

art. 5º, II da CF: “ninguém será

levados por suas crenças, pela

obrigado a fazer ou deixar de fazer

educação conservadora e austera

alguma coisa senão em virtude de

que têm de suas famílias; e que

lei”.

estes

come

e

contida

desvios

apesar da evolução dos costumes, ainda

prendem-se

tradicionalismo. qualquer governamental

É

Não se olvida aqui, porém,

ao

dos excessos que certos indivíduos

inadmissível

cometem,

procedimento forçoso

das

intolerâncias

individuais. É certo que algumas

neste

pessoas ultrapassam os limites de

sentido. O Estado não pode agir por

suas

impulsos, influenciado por certos

acabam por ofender as garantias de 194

garantias

fundamentais

e


outrem, através do bullying, de

estes possam guiar seus filhos nos

preconceitos perversos, inclusive de

trilhos dos caminhos pretendidos

condutas criminosas. Entretanto, o

pelo Estado.

ordenamento jurídico permite sanar

Compelir

os

alunos

tais defloramentos. Há uma vasta

reverenciarem

quantidade de crimes previstos no

sociedade)

Código Penal e legislação especial

Governamental, importa em nítida e

que limitam as liberdades individuais

material inconstitucionalidade, pois

e

de

da mesma forma que a Constituição

preconceitos,

Federal garante ao indivíduo ser

protegem

as

discriminações, atentados.

Falta

pessoas

apenas

(inclusive

a

este

a

Projeto

a

diferente dos demais, ela também

necessária aplicabilidade efetiva de

garante aos demais visualizarem as

tais normas, a fim de abolir o

diferenças.

sentimento de impunidade que paira

Que é preciso educar as

sobre a sociedade.

pessoas para que elas convivam

Além disso, não está se

com as diferenças é mais que

criticando a inovação estatal, apenas

notório, mas não do modo que se

o modo em que ela está sendo

pretende, deturpando o sistema

realizada.

jurídico

É

primeiro

antes,

necessário educar os pais, para que

e

Constitucional,

atitudes desproporcionais.

195

com


Referências ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 25 de Maio de 2011. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009. O GLOBO, País. ALLEMAND, Marcio. Kit anti-homofobia vetado por Dilma ainda não havia sido aprovado pelo MEC. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/25/kit-anti-homofobia-vetado-pordilma-ainda-nao-havia-sido-aprovado-pelo-mec-924538388.asp> Acesso em: 25 de maio de 2011. PODER ONLINE, Congresso. Do senador Magno Malta: “O MEC quer criar academias de homossexualidade”. Disponível em: <http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/05/18/do-senador-magno-maltao-mec-quer-criar-academias-de-homossexualidade/> Acesso em: 25 de maio de 2011. PSICOLOGIA PARA TODOS, Blog. GARCIA, Joselaine. Polêmica – Kit AntiHomofobia. Disponível em: <http://joselainegarcia.blogspot.com/2011/05/polemica-kit-antihomofobia.html>. Acesso em: 25 de maio de 2011. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/160>. Acesso em: 25 maio 2011. ÚLTIMO SEGUNDO, Educação. Secretária do MEC critica suspensão de kit contra homofobia. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/secretaria+do+mec+critica+suspens ao+de+kitcontra+homofobia/n1596978877753.html> Acesso em: 25 de maio de 2011. ÚLTIMO SEGUNDO, Educação. Unesco dá parecer favorável a material contra homofobia. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/unesco+da+parecer+favoravel+a+m aterial+contra+homofobia/n1238103119025.html> Acesso em: 25 de maio de 2011. ÚLTIMO SEGUNDO, Educação. Vídeo que trata de homofobia a adolescentes gera ira de deputado. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/video+que+trata+de+homofobia+a+a 196


dolescentes+gera+ira+de+deputado/n1237865139161.html>Acesso em: 25 de maio de 2011. ÚLTIMO SEGUNDO, Política. Bancada evangélica ameaçou não colaborar, diz Garotinho. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/bancada+evangelica+ameacou+nao+c olaborar+diz+garotinho/n1596978077449.html> Acesso em: 25 de maio de 2011.

197


SOM AUTOMOTIVO: DA INFRAÇÃO DE TRÂNSITO À CONTRAVENÇÃO PENAL BRANCO, Wendel Alves. Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo e aluno do 6º período – Curso de Direito da Unifev. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco. Docente do curso de direito da Unifev.

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar eventuais irregularidades na apuração da contravenção penal prescrita no art. 42, III, do Decreto-Lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), praticada em tese, pelo infrator que possui um equipamento de som mais “robusto” instalado em seu veículo, relevando deficiências hermenêuticas e probatórias, que vão desde o momento da autuação até o enquadramento imperfeito da infração, dando margens à discussões sobre qual provimento jurisdicional a ser alcançado. Enquanto alguns defendem o incurso do averiguado como contraventor, outros pugnam pela caracterização de mera infração administrativa. Todavia, é imprescindível uma boa interpretação, tanto dos fatos como das normas, bem como um meio de prova eficiente, capaz de elidir dúvidas ou falsas presunções, para encetar a tutela justa e adequada para cada caso concreto.

Palavras-Chave: Som automotivo. Perturbação do trabalho ou do sossego alheios. 198


elaboração

Introdução

de

termo

circunstanciado. Não obstante o da

direito à paz pública, que deve ser

civilização, é sabido que a poluição

respeitado, em face do convívio

sonora causa grandes transtornos

social, as pessoas não devem ser

na vida cotidiana, tanto que a

qualificadas como contraventoras ao

sociedade moderna preconiza cada

bel prazer, sem a observância

vez mais o sossego nas grandes

correta dos dispositivos legais. Há

cidades como um direito inerente a

que

todo e bom convívio social.

sistemática

Desde

os

primórdios

Consoante demanda

aumento

de

se

ter

uma

interpretação

coerente,

almejando

todas as normas correlacionadas

na

com

acessórios

os

respectivos

entanto,

ligado aos aparelhos de som, tornou-

acontecendo. Diante das diversas

se cada vez mais necessária a

determinações das autoridades, as

reprimenda aos barulhos e ruídos

pessoas

insuportáveis, principalmente pelo

constrangimentos

uso irregular em vias públicas. Para

insanáveis com o decurso temporal;

tanto, o Estado, se vale de meios

a proposta de transação penal perde

para coibir a emissão sonora que se

o seu caráter de benefício e a

encontre em discordância com as

denúncia se mostra cada vez mais

normas

apta a ser intentada, caso o acusado

estabelecendo

sanções

é

se

o

que

No

automotivos, mais especificamente

regulamentadoras,

não

fatos.

deparam e

vem

com

injustiças

a recuse.

ou

Dentre a legislação pertinente

cominando penas, conforme cada

à matéria, mantivemos o foco na Lei

caso concreto. as

das Contravenções Penais (Decreto-

perturbações, a coletividade tem

Lei 3.688/41) e no Código de

reclamado providências perante as

Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97),

autoridades públicas, acarretando

para a discussão sobre a tipificação

grandes apreensões de veículos que

correta da conduta do averiguado,

se encontram, em tese, com volume

tema do presente trabalho.

Tendo

em

vista

acima do normal, ensejando a qualificação

do

sujeito

e

na

199


1. Da infração penal

perturbação e tampouco sua devida constatação,

Como é cediço em direito, a

procede

enquadramento

sem

ao efetivar

perturbação do trabalho ou do

nenhuma medição no momento da

sossego alheios, mediante o uso de

abordagem. O mais intrigante é que

aparelhagem sonora instalada em

a maioria dos entes incumbidos da

veículo automotor pode constituir

aplicação e fiscalização da lei ratifica

infração

o teor da abordagem sem provas

penal,

da

qual

contravenção é espécie.

a

Assim,

consistentes

e

sequer

tratando-se de infração de menor

comprovação

potencial ofensivo, é sujeita às

intencional

disposições

9.099/95,

subjetivo). Que as autoridades se

os procedimentos

vejam na obrigação de combater a

da

observando-se

lei

pertinentes.

poluição

Devido ao grande número de

da

veículos

coibir certos abusos, vem sendo

reconhecimentos.

determinado

combate

veículos

que

apreensão se

elemento

proveniente

da

referida aparelhagem instalada nos

reclamações da sociedade para

a

(dolo

sonora

motivação

dos

encontrem

merece

não

tipificação

dos

dignos

Porém,

pode

tal

ensejar

autores

na

como

circulando pelas vias públicas com

infratores penais, quando da falta de

aparelhagem de som amplificada,

tipicidade, resultado e elemento

para serem tomadas as providências

subjetivo destes.

cabíveis. Mas, conforme se tem noticiado com frequência nos jornais

1.1 Dos elementos constitutivos e da

e

consumação

emissoras

de

televisão,

a

regularização não é feita da forma correta, eis que os motoristas vêm

Prescreve o art. 42 da Lei de

sendo enquadrados como incurso na LCP

pelo

simples

fato

de

Contravenções Penais:

se

Art. 42. Perturbar alguém o

encontrarem em circulação pelas

trabalho ou o sossego alheios:

vias ou parados em sinais com o

I – com gritaria ou algazarra;

som ligado, em tese, acima do

II

exercendo

profissão

normal. A polícia militar autua o

incômoda ou ruidosa, em desacordo

motorista e, sem a notícia da

com as prescrições legais; 200


III instrumentos

abusando sonoros

ou

de

o risco do resultado. Há também a

sinais

necessidade

acústicos;

da

efetiva

importunação, juntamente com a

IV – provocando ou não procurando

impedir

plena consciência por parte do

barulho

agente de que ofende o sossego das

produzido por animal de que tem a

pessoas,

guarda:

trabalham

Pena – prisão simples, de

as

nas

(elemento

quinze dias a três meses, ou multa.

correta

O inciso III do supracitado

quais

residem

ou

proximidades

subjetivo), tipificação,

inerente não

à

sendo

admitida a modalidade culposa.

pressupõe o abuso na emissão de

Damásio E. de Jesus (1997,

barulhos ou ruídos, causando a

p. 157) esclarece que: “O momento

perturbação,

de

consumativo se dá com o ato de

instrumentos sonoros (alto-falantes,

perturbar o trabalho ou o sossego

por ex.), seja por sinais acústicos,

alheios”.

seja

por

meio

capazes de produzir incômodo ao

Atente-se ainda para a devida

bem-estar, ao sossego ou de trazer

constatação deste resultado advindo

malefícios à saúde humana, se não

da conduta, seja por meio da

intermitentes.

averiguação

policial

ou

de

Consistindo o verbo nuclear

reclamações, que podem ser feitas

numa ação por parte do sujeito ativo,

pessoalmente ou através de outro

a conduta do art. 42, III da LCP,

meio eficaz, sendo imprescindível

consiste em perturbar (embaraçar,

que chegue ao conhecimento do

dificultar), sendo óbvio que, quem

poder público a verdadeira ofensa ao

perturba, perturba alguém ou alguma

bem jurídico tutelado, qual seja, a

coisa. Assim, a conduta constitui-se

paz

na

jurisprudência relacionada:

modalidade

admitindo-se

comissiva,

também

o

dolo

pública,

conforme

PERTURBAÇÃO

farta

DE

eventual, como exemplo do carro

SOSSEGO ALHEIO COM USO DE

que

INSTRUMENTO

se

encontra

estacionado

SONORO

defronte bairro residencial com som

(ARTIGO 42, INCISO III, DA LCP).

excessivo,

de

ABSOLVIÇÃO. Há inconsistência

pelos

nos depoimentos, presentes dúvidas

devidamente

que,

após

alertado

milicianos, ignora a ordem e assume

quanto 201

à

existência

e

autoria


contravencional. Inexiste nos autos a

invocados pela ilustre Relatora, Dra.

asserção de outros moradores que

Cristina

tenham

julgamento

sido

perturbados

pelo

volume de som excessivo, não se comprovando

a

perturbação

Pereira da

Gonzales,

no

apelação

71002787729:

do

Isto porque a contravenção

sossego de alheios, impondo-se

prevista no artigo 42 da LCP é delito

absolvição.

contra a paz pública, somente se

APELAÇÃO

DESPROVIDA. [1] O

sujeito

coletividade,

caracterizando passivo

é

inexistindo

quando

a

a

perturbação de uma coletividade, de

a

um

número

indeterminado

contravenção se o fato atinge uma

pessoas,

só pessoa, podendo subsumir-se em

proposital a uma pessoa pode

outra

a

configurar a contravenção prevista

caracterização da contravenção do

no art. 65 do Decreto-Lei 3.688/41,

art. 42 da LCP, é necessário que

cujo objeto jurídico é a tranquilidade

uma pluralidade de pessoas sofra a

alheia, desde que realizada por

perturbação, sendo insuficiente o

acinte ou por motivo reprovável, o

transtorno de um só indivíduo,

que também não é o caso dos

máxime se inexiste prova do abuso.

autos. [3]

infração.[2]

Para

enquanto

o

de

³ Portanto, prevalece o entendimento

No mesmo trilho:

de

RECURSO

que

a

ofensa

necessariamente coletividade

de

precisa

atingir moradores

certa

PERTURBAÇÃO

ou

incômodo

CRIME. DE

SOSSEGO

ALHEIO. ARTIGO 42, III, DO DL

trabalhadores na região, com vítimas

3.688/41.

identificadas, não configurando o

PROVAS. 1- A prova coligida aos

ilícito em tela quando uma ou duas

autos não demonstra que o barulho

pessoas se sentirem importunadas,

promovido pelo réu tenha perturbado

podendo ocorrer a contravenção

a vizinhança, atingido a coletividade

prevista no art. 65 do mesmo

dos moradores da região, dada a

diploma, se se verificar o incômodo

ausência de vítimas identificadas. 2-

individualizado,

Para

desde

que

presentes seus requisitos.

os

caracterização

DE

da

contravenção do artigo 42 da LCP, é

Nesse sentido, convém-nos transcrever

a

INSUFICIÊNCIA

necessário que uma pluralidade de

fundamentos

pessoas sofram efetiva perturbação, 202


independente do ânimo que moveu o

indivíduo estar com volume acima do

agente, o que não se verifica no caso

normal permitido, se se desguarnece

concreto.

SENTENÇA

da imprescindível intenção dolosa de

REFORMADA.

praticar o ato e não resta prejudicada

CONDENATÓRIA [4]

nenhuma coletividade. Dessa forma, Algumas

autoridades

além dos requisitos acima descritos,

entendem que o fato de portar algum

mister se faz a verificação do

tipo

excessivo,

de

aparelhagem

de

som

segundo

parâmetros

amplificada ligada no veículo já

previamente estabelecidos pela Lei

configura

Distrital n. 1.065/96.

a

anuência

da

importunação, porquanto ser capaz de emitir barulhos que possam

2. Da fiscalização sonora e do

perturbar a coletividade. No entanto,

conjunto probatório

tal

entendimento

não

merece

aceitação, eis que a doutrina e

Os

índices

de

poluição

jurisprudência já consolidaram os

sonoros aceitáveis, estabelecidos

pressupostos subjetivos necessários

pela Lei Distrital nº. 1.065 de maio de

à caracterização desse tipo de

1996 são determinados de acordo

contravenção.

com a zona e horário, segundo as

De acordo com Damásio E. de

normas

da

ABNT

nº.

10.151.

Jesus (1997, p. 157), o elemento

Conforme as zonas, os níveis de

subjetivo

a

decibéis nos períodos diurnos e

o

noturnos são os seguintes:

deve

consciência comportamento

alcançar

de

que é

abusivo.

Inadmissível é, destarte, a mera presunção, pelo simples fato de o

203


TABELA 01: – Níveis de ruídos máximos permitidos para cada ambiente ÁREA

Diurno

Noturno

Áreas de sítios e fazendas

40

35

Área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou de escolas

50

45

Área mista predominantemente residencial

55

50

Área mista com vocação comercial e administrativa

60

55

Área mista, com vocação recreacional

65

55

Área predominantemente industrial

70

60

NRB 10.151, ABNT, 2000.

Teoricamente, incumbido

da

o

ente

fiscalização

autorização para sua retirada do

nas

pátio.

Aqui, o exame em tela

malhas e vias públicas é a polícia

reveste-se de caráter subsidiário, em

militar, eis que pertence a esta o

face da falta do referido aparelho no

patrulhamento

momento

ostensivo

e

a

da

abordagem.

preservação da ordem pública (CF,

Geralmente, os peritos comparecem

art. 144, § 5). Ocorre que, mesmo

ao local onde se encontra o carro e

havendo

prévios

procedem ao exame direto com uso

estabelecidos para a autuação, a

do decibelímetro, ligando todo o

aludida instituição não dispõe do uso

aparato

regular do aparelho decibelímetro,

elevação do volume até o seu limite

instrumento

usado

máximo, sem distorção. Dada as

nas medições. No entanto, tal fato

peculiaridades de cada caso, a

não obsta à apreensão do veículo,

perícia é feita conforme a variação

que será recolhido para posterior

dos modelos, como aqueles que

realização do exame pericial, sendo

possuem carroceria aberta, porta-

que, somente depois de realizado

malas, etc. Posteriormente, o laudo

este

prescreve sua conclusão embasado

parâmetros

peculiarmente

último,

será

concedida 204

sonoro,

procedendo

à


na robustez do aparato de áudio, que

Assim, frise-se que resta frágil

pode causar transtornos, isto é, que

o conjunto probatório capaz de

o suposto autor pode ter causado a

invocar

perturbação pelo simples e isolado

jurisdicional de âmbito penal em

fato de possuir um som mais

desfavor do proprietário, já que não

amplificado, tomando como incurso

se presume contra este a culpa,

no art. 42 da LCP.

porquanto ser inaceitável. A prova

Ressalte-se

ainda para

a

alguma

provocação

deve ser condizente e apta ao caso

postura intrigante das autoridades

concreto,

assegurando

policiais que, ao autuar o indivíduo,

veemência

a

requisitam a perícia apenas para a

resultado e a multiplicidade de

constatação do excessivo, mas não

pessoas atingidas com a conduta,

procedem à devida retenção do

consoante a seguinte ementa:

veículo para a regularização da

PERTURBAÇÃO

situação, senão para a elaboração

ALHEIO. ARTIGO 42, III, DA LCP.

do exame pericial. Diante disso, é

INSUFICIÊNCIA

inegável a intenção da tentativa de

SENTENÇA

eliminação

automotivo

REFORMADA. Não há prova segura

mediante aplicação da medida mais

de que o réu tenha perturbado o

grave,

sossego

da

coletividade.

Contravenções Penais, o que não

tipificar

a

contravenção

deve ser admitido. Dessa forma, não

art. 42 da Lei das Contravenções

ocorre

dos

Penais, deve a perturbação do

automóveis que se encontram em

sossego atingir uma multiplicidade

discordância com o CTB, mas sim

de

uma reprimenda penal, fazendo com

PROVIDA. [5]

qual

a

do

som

seja

a

Lei

regularização

das

com

constatação

DO

do

SOSSEGO

DE

PROVAS.

CONDENATÓRIA

indivíduos.

Para do

APELAÇÃO

que a coerção estatal alcance o

Para figurar como prova, o

medo da mancha na ficha de

excedente deve ser auferido no

antecedentes criminais, resultando

momento da abordagem, já que a

na indignação dessas pessoas por

comprovação feita pela perícia de

não terem elas o direito ao devido

que o som é capaz de produzir

processo legal, preconizado pela

barulho em excesso não significa,

nossa Constituição Federal.

necessariamente, que o averiguado encontrava-se 205

com

o

volume


máximo no momento da averiguação

não se pune como infração penal a

policial. No mais, devido ao princípio

conduta do motorista nos termos já

da especialidade, aplicado a toda

descritos, mas caracteriza grave

legislação penal, a norma a ser

infração

usada deve ser aquela que melhor

equipamento de som ou frequência

corresponda estritamente ao caso

que não sejam autorizados pelo

concreto. Logo, conclui-se pela falta

CONTRAN, prevendo sanções que

de tipicidade formal, qual sejam a

vão desde a multa até a retenção do

correlação

veículo para regularização.

perfeitas

e do

correspondência fato

com

o

tipo

de

trânsito o

Portanto,

contravencional.

requisitos

na

uso

falta

elencados

de

dos acima,

Merece atenção também a

inerentes à acusação, a situação

tipicidade material, que exige ter sido

descrita configura evento isolado, no

o bem jurídico tutelado violado. Ora,

tocante a legislação penal, restando

se a tutela é da coletividade, a prova

somente a infração administrativa

deve demonstrar que tal violação

prevista no art. 228 do CTB.

ocorreu, sob pena de o fato ser

Prescreve o artigo 228 do

materialmente atípico.

Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97):

3. Da infração administrativa

Art. 228. Usar no veículo equipamento de som em volume ou

Em verdade, a legislação

frequência

que

não

coerente a ser aplicada ao infrator

autorizados pelo CONTRAN:

que não apresente os requisitos

Infração – grave;

objetivos

Penalidade – multa;

e

subjetivos

aptos

a

caracterizar a contravenção do art.

Medida

42, III da LCP, tais como a vontade

retenção

livre e consciente da perturbação ou

regularização.

a anuência do resultado depois de

do

Para

sejam

administrativa veículo

análise

– para

de

notificado (elemento subjetivo), o

irregularidades, a resolução Nº 204,

resultado advindo de sua conduta (a

de

efetiva importunação à coletividade),

regulamenta o volume e a frequência

dentre outros, é o Código de Trânsito

dos

Brasileiro - CTB (Lei 9.503/97). Aqui

equipamentos utilizados em veículos 206

20

de

sons

outubro

de

produzidos

2006

por


e

estabelece

medição

a

metodologia ser

adotada

para

dos veículos prestadores de serviço

pelas

com emissão sonora de publicidade,

autoridades de trânsito ou seus

divulgação,

agentes, a que se refere o art. 228 do

comunicação,

Código de Trânsito Brasileiro -

competição, etc.

CTB.

Além

decibelímetro peculiar

de

como

para

a

prever

entretenimento dos

ou

veículos

de

o

equipamento

realização

da

Conclusão

medição da pressão sonora, a resolução em tela institui em seu art.

Isto posto, não se defende

1º que a utilização, em veículos de

aqui a impunidade, senão o incurso

qualquer espécie, de equipamento

na norma correta e consonante com

que produza som só será permitida,

os fatos. A busca pela justiça deve

nas

à

ater-se à legislação que melhor se

circulação, em nível de pressão

prenda ao caso concreto, com fulcro

sonora não superior a 80 decibéis -

no uso da razoabilidade, afastando a

dB(A), medido a 7 m (sete metros)

tutela penal quando o fato se

de distância do veículo, devendo ser

encontrar em âmbito administrativo.

vias

terrestres

abertas

considerados os valores constantes

Qualquer

da tabela abaixo.

irregularidade

insanável nas apurações contamina todo o procedimento, fulminando-o

TABELA 02:

de nulidade, por ofender preceitos de

Resolução Nº 204 do CONTRAN

ordem

pública.

inobstante Dispõe

ainda,

que

a

os

respeito,

constitui

autoritarismo

infração

de

entendimentos

trânsito

é

lamentável e

a

precária

diferentemente do que ocorre com

algumas

instâncias

os

tendentes

a

exercício

comuns,

regular

de

constitui direito

as

absurda

ainda

as

prevaleçam

reprimir supostas

exceções do uso de equipamento de

desprovidas

som

lesividade significantes.

em

consonância

com

a

resolução (art. 2º), como exemplo 207

de

que

o

hermenêutica

prevista no art. 228 do CTB, mas,

veículos

entanto,

jurisprudenciais e doutrinários a

inobservância dos seus dispositivos a

No

em

inferiores, de

forma

violações

tipicidade

e


Referências CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. JESUS, Damásio E. Lei das Contravenções Anotada. 5. ed. rev. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1997. JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 3. ed. rev. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1997. SOBRINHO, José Almeida; BARBOSA, Manoel Messias; MUKAI, Nair Sumiko Nakamura. Código de Trânsito Brasileiro Anotado e legislação complementar em vigor. 12. ed. rev. e atualizada, São Paulo: Método, 2009. NRB 10.151, ABNT, 2000. Disponível em: http://www.humanitates.ucb.br acesso em 20/10/11. Resolução Nº 204 do CONTRAN. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/ acesso em 20/10/11. [1] PORTO ALEGRE. Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação. Recurso Crime nº 71002463164. Relatora: Dr.ª Laís Ethel Corrêa Pias. 15 de Março de 2010. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br – acesso em 20/10/2011. [2] SÃO PAULO. TACrimSP, ACrim 257.861, JTACrimSP, 71:345; TACrimSP, ACrim 329.315, JTACrimSP,78:364, apud JESUS, Damásio E., 1997, p. 154). [3] PORTO ALEGRE. Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso de Apelação nº 71002787729, apud Rel. Dr. Luiz Antônio Alves Capra, no julgamento de apelação Nº 71003256096. 29 de Setembro de 2011. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br – acesso em 20/10/11. [4] PORTO ALEGRE. Turma Recursal Criminal. Turmas Recursais. Recurso Crime Nº 71002468049. Relatora: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 29 de Março de 2010. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br– acesso em 20/10/11. [5] PORTO ALEGRE. Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Crime Nº 71003212628, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 12/09/2011. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br – acesso em 20/10/11.

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