Linhas jurídicas ano ii, vol i, 2010

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LINHA

URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV

ANO II, Vol. I –12010 ISSN 2176-6460


UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga

ANO II, Vol. I – 2010 ISSN 2176-6460

Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari

Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani

Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin

Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com

Sobre a Revista Linhas Jurídicas é um periódico online com periodicidade semestral de caráter técnico-científico, que busca a ampla integração ensino-pesquisaextensão. Destinado a produção acadêmica dos docentes e discentes do curso de Direito da UNIFEV, bem como do público acadêmico em geral, de cunho jurídico e áreas afins. 2


A ATIPICIDADE FACE AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

NASCIMENTO, Emilly Medeiros. Discente do 5º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente artigo visa demonstrar a relevância para o cenário jurídico penal, político e social do princípio da insignificância, sendo importante para estabilidade jurídica, pois se considera a materialidade do caso concreto, prevalecendo a justiça material em face da justiça formal. Baseia-se na desconsideração da tipicidade penal nas infrações penais tidas como levíssimas, evitando que os casos de baixa ameaça aos bens jurídicos protegidos sobrecarreguem o Poder Judiciário. Portanto, sob uma visão sistemática e teleológica, pretende-se invocar a importância de ser aplicado o referido princípio a fim de atingir o ideal de justiça.

Palavras-Chave: Princípio da insignificância. Desvalor da ação. Desvalor do resultado. Aplicabilidade. 1


1. Conceito e importância

Introdução Abordam-se

no

Apesar de não haver definição

discorrer

para os delitos de bagatela, a

deste trabalho científico os principais aspectos

do

insignificância, relação

com

princípio assim outros

interpretação

da

como

tidas como insignificantes, sob o

princípios

prisma de um direito penal mínimo, fragmentário e subsidiário.

sua aplicação, em que se abrangem

Luiz Flávio Gomes conceitua

todas as circunstâncias do caso

o princípio como o desvalor da ação

concreto, a fim de evitar a severa

e o desvalor do resultado, sendo que

resposta estatal às condutas que

a conduta praticada pelo agente que

não causem um prejuízo social

não cause prejuízo social digno de

relevante. Deve ser ampliado o

interesse público para a persecutio

conceito de tipicidade, aliando ao

criminis não deve ser tratado da

prisma formal da subsunção, o

mesma forma que nos casos em que

prisma material, que considera a

a ofensa ao bem protegido, este

lesão ocorrida ao bem jurídico,

sendo relevante e essencial, for

sendo esta levada em conta na

intolerável, sob pena de infringir a

caracterização da tipicidade, na qual

promoção à justiça, conduzindo a um

a ausência de lesividade ocasiona a

destempero do positivismo que deve

exclusão do crime por não existir

ser eivado de prudência, equilíbrio e

tipicidade na conduta. Assim, é

razoabilidade.

considerado como excludente de

Sendo assim, a função do

punibilidade, não devendo casos

princípio

bagatelares, chegar ao Supremo

admitido

Federal o

para princípio

e

jurisprudencial delimita as condutas

sua

penais, invocando a importância de

Tribunal

doutrinária

tratado

é

a

desconsideração da tipicidade da

ver-se

conduta no caso concreto, tendo os

da

crimes de bagatela como delitos que

insignificância.

em

um

primeiro

momento

se

adequam ao fato típico, mas que posteriormente tem sua tipicidade desconsiderada por se tratar de ofensa ao bem jurídico que não 2


cause

reprovação

social,

sendo

sem lei anterior que o defina e não

desnecessária a atuação do direito

há pena sem prévia cominação

penal.

legal" (art. 5º, XXXIX, Constituição O princípio é de extrema

Federal e art. 1º Código Penal

importância por ser instrumento de

Brasileiro (Dec. Lei 2.848/40).

limitação da abrangência do tipo

O

princípio

da

legalidade

penal às condutas que ofereçam

possui quatro desdobramentos, em

prejuízo à sociedade, resguardando,

que a lei deve ser escrita, prévia,

assim, o ideal de proporcionalidade

estrita e certa, para que a aplicação

que deve haver na relação entre a

seja eficaz ao caso concreto. Com

pena cominada e a gravidade do

sua evolução, há se de falar no

crime. Deve também ressaltar a

princípio nullum crimem nulla poena

seriedade da função jurisdicional, em

sine iuria, pressupondo o princípio

que o poder soberano do Estado não

da utilidade penal, onde só é idôneo

deve

punir

considerar

bagatelas

quando

a

conduta

for

irrelevantes, de modo a vulnerar os

efetivamente lesiva a terceiros, ou

valores protegidos pela norma penal.

seja, não há crime sem dano relevante

a

um

2. Princípios penais consagrados

penalmente

pelo princípio da insignificância

desdobramento

bem

jurídico

protegido.

Este

do

princípio

da

legalidade é o que possui maior Para o melhor entendimento,

relação com o

princípio da

deve-se relacionar o princípio da

insignificância, sendo que, casos

insignificância com outros princípios,

que

como os princípios da legalidade,

social, não devem sobrecarregar o

proporcionalidade e da intervenção

Poder Judiciário, pois não acarretam

mínima.

um resultado significante. Assim,

não

tenham

relevância

desconsidera-se a tipicidade, já que 2.1 Princípio da legalidade

não houve um dano considerável a um bem jurídico protegido.

Previsto não só pelo Código Penal,

como

também,

Mesmo sendo o princípio da

pela

insignificância implícito, não possui

Constituição Federal, este princípio,

menor importância por isto, pois não

significa dizer que "Não há crime

há hierarquia entre os princípios 3


jurídicos,

como

também

uma criação da doutrina que vem

princípios normativos expressos no

sendo acolhida pelos tribunais. Não

ordenamento jurídico e os que são

existem

doutrinários

respeito”.

e

jurisprudenciais.

Portanto, não devem ser levada em consideração

as

dispositivos

legais

a

O caso se referia a um furto

posições

de 21 abóboras, estimadas no valor

formalistas que defendem a ideia

de R$ 15,00 (quinze) reais, não

deste princípio ser inaplicável por

tendo sido reconhecido o princípio

não estar expresso no ordenamento

da

jurídico.

instância.

Tratando-se

do

tema,

no

insignificância Houve

em

primeira

recurso

de

Apelação pelo réu-apelante, sendo,

Acórdão da Oitava Câmara Criminal

enfim,

do Tribunal de Justiça do Rio Grande

instância pelo Tribunal em questão,

do

sendo a decisão embargada pelo

Sul,

rejeitaram

os os

desembargadores Embargos

de

aplicado

em

segunda

Ministério Público.

Declaração proposto pelo Ministério

Louvável

a

decisão

em

Público à decisão do colegiado na

segunda instância, em se considerar

Apelação Crime nº. 70006845879,

atípica a conduta, reconhecendo a

alegando

insignificância

fundamentação

omissão jurídica

na que

inexpressividade

possibilita a aplicação do princípio da

principalmente

insignificância.

furtiva

Segundo

da

o

foi

conduta de

prejuízo,

porque

devolvida

pela

a à

res vítima,

representante do Ministério Público

distinguindo a conduta insignificante

“devem constar os fundamentos

da conduta relevante pela soma de

jurídicos que possibilitam a aplicação

três fatores: “o valor irrisório da

do princípio da insignificância ante a

coisa,

condição econômica da vítima”, pois

irrelevância da ação do agente; a

estava o acórdão motivado por

ausência de ambição de sua parte

doutrina e jurisprudência. Decidiram

em atacar algo mais valioso ou que

os

pela

aparenta ser”. E fulminaram: “Na

improcedência dos Embargos diante

hipótese, e por isso considerado fato

da inexistência de omissão, pois “a

de bagatela, o apelante e o não

ideia de afastar a aplicação do direito

apelante

penal destes fatos irrelevantes é

avaliadas em quinze reais, porque só

desembargadores

4

ou

coisas,

furtaram

atingidas;

21

a

abóboras,


queriam subtrair as frutas que,

Nesse sentido, relaciona-se com o

inclusive, foram recuperadas pela

princípio da insignificância, pois seu

vítima”.

fundamento

Esclarece não ser a decisão

é

manter

a

proporcionalidade entre a pena e a

omissa, argumentando a irrelevante

significância do crime praticado.

repercussão da conduta sendo que

Quando a lesão ao bem

“não merecia tanto trabalho e custo

jurídico for ínfima, é irrelevante o

do Estado praticados pelos seus

conteúdo da ação, não consistindo

órgãos”, chamando a atenção para

em aplicar pena, por não haver razão

perda de tempo com o referido caso

de ser esta efetivada, devido a

que não deveria nem estar sendo

irrelevante significação social.

discutido tamanha insignificância,

Por fim, segundo Luiz Flávio

dizendo que “não deve o aparelho

Gomes (2007, v 2, p. 307): “o que

punitivo do Estado ocupar-se com

não se justifica é a aplicação do

lesões

Direito Penal, não podemos utilizar

de

pouca

importância,

insignificantes e sem adequação

um

social”. Em relação à punição,

passarinho”.

afirmaram

que

“responder

canhão

para

matar

um

ao

processo criminal, para o tipo de

2.3 Princípio da intervenção mínima

delito cometido, furto de abóboras, já serviu de castigo ao recorrente, não

É imprescindível fazer alusão

precisando outra pena”. Por fim,

a este princípio, pois por ele, é

mantém a decisão de absolvição,

limitado

dando provimento ao recurso de

Estado (jus puniend), fazendo com

apelação, aplicando-se o princípio

que o legislador selecione os bens

da insignificância, rejeitando-se os

jurídicos mais importantes existentes

Embargos.

na

o

direito

sociedade

de

para

punir

que

do

sejam

protegidos pelo Direito Penal. Neste 2.2 Princípio da proporcionalidade

escopo, uma vez escolhidos os bens a

Este princípio consiste em

serem

tutelados,

serão

disciplinados pelo Direito Penal em

que deve haver uma proporção

decorrência

razoável entre a conduta praticada

fragmentário,

pelo agente e a pena a ser aplicada.

intervenção mínima e do princípio da 5

do

seu

caráter

consequência

da


legalidade, pelos quais somente

fundamentais para existência da

aqueles casos em que há uma

sociedade e que estabeleçam a paz

ameaça grave aos bens jurídicos

social. Já pelo aspecto formal, é a

tutelados pelo Estado é que o direito

mera subsunção do fato à lei,

penal deve ocupar-se. Ainda pelo

considerando infração penal tudo

princípio da subsidiariedade para o

aquilo que o legislador considerar

qual o Direito Penal possui natureza

como

subsidiária,

conteúdo.

ou

seja,

deve

ser

tal,

não

importando

Importante

frisar

o que

aplicado quando esgotados os meio

considerar a existência de um crime

de proteção não penal. Deve ser

sem levar em conta sua essência, na

a última ratio do sistema, não prima

esfera material, leva à violação do

ratio, pois na esfera processual deve

princípio constitucional da dignidade

intervir para impor sanção quando

humana.

for absolutamente necessário.

Pelo aspecto analítico, são

Como ocorre com o princípio

estabelecidos

os

elementos

da insignificância, o princípio da

estruturais do crime, tendo como

intervenção

está

finalidade propiciar a correta e justa

expresso, porém, estabelece vínculo

decisão sobre a conduta e seu

com outros postulados expressos,

agente. Estabelece, portanto, que

devendo ser imposto aos olhos do

crime é todo fato típico e antijurídico,

legislador e do intérprete.

observando em primeiro lugar, a

mínima

não

tipicidade da conduta; depois é 3 Teoria do crime

analisado se há ilicitude ou não, verificando-se a culpabilidade, ou

Para o Direito Penal, o crime

seja, se o autor do crime deve ou não

é conceituado sob os aspectos

sofrer um juízo de reprovação pelo

material,

crime cometido.

formal

e

analítico.

Materialmente, o crime é aquele em

Este

que busca o porquê de determinado

divergência

fato ser considerado criminoso e

concepções, havendo três correntes:

outros não. O crime é definido como

bipartida, tripartida e tetrapartida. A

a

que

concepção bipartida, a culpabilidade

intencionalmente ou por descuido,

não integra o conceito de crime,

venha a lesar ou expor bens jurídicos

entendendo que crime é fato típico e

conduta

humana

6

último

aspecto

em

relação

às


antijurídico; a concepção tripartida,

causem prejuízo social relevante,

que é a corrente majoritária, traz

havendo inexpressividade da lesão

como

com grau reduzido de reprovação de

conceito

de

crime,

a

culpabilidade, além de o fato ter que

comportamento,

ser típico e ilícito (antijurídico); e a

punibilidade.

excluindo

a

tetrapartida traz a punibilidade, além da

tipicidade,

antijuridicidade

e

culpabilidade no conceito do crime.

Conclusão

Assim, crime é “toda conduta típica, antijurídica e culpável”, sendo

Apesar do nome, o referido

que "fato típico é aquele que contém

princípio é de grande importância

os seguintes elementos: conduta

para o sistema penal. Ele promove a

(omissiva ou comissiva, dolosa ou

justiça

culposa),

nexo

analisado os fatos em cada caso

causalidade entre a conduta e o

concreto e o valor atribuído a estes,

resultado e tipicidade (subsunção da

pois que a letra da lei não produz

conduta humana a uma norma penal

uma interpretação eficaz para se

incriminadora)”.

promover o ideal de justiça.

resultado,

material,

devendo

ser

Pois bem, questiona-se: um

No entanto, muitos juízes e

indivíduo que furta um pote de

promotores relutam em aplicar o

manteiga, cometeu algum delito? O

princípio em suas decisões, levando

operador

ao

de

direito

formalista

acúmulo

desnecessário

de

acredita que sim, pois se encaixa

processos na

perfeitamente ao clássico conceito

deveriam ter sido rejeitados em seu

de tipicidade, de mera subsunção do

início ou nem ter oferecido denúncia,

fato

notável

como também causando tumulto nos

desproporção entre a resposta penal

sistemas penitenciários, tendo que

do Estado, muitas vezes severa,

alcançar o Supremo Tribunal Federal

para uma conduta irrelevante. Para

para tê-lo reconhecido, vez que a

tanto, há de se considerar o conceito

própria

material de crime rogando pela

reconhece expressamente o referido

aplicação

princípio

à

lei,

apesar

do

da

princípio

da

justiça,

Constituição

implícito

na

os

quais

Federal

cláusula

insignificância quando se tratar de

constitucional de reserva prevista no

condutas

artigo 5º, em seu parágrafo 2º.

praticadas

que

não 7


Se

se

compulsar

a

Concluindo, o princípio da

jurisprudência verá que os juízes

insignificância

ainda ignoram a força científica,

caracterização da tipicidade penal,

cogente e normativa do princípio da

devendo-se,

insignificância. Fatos banais, de

abordar todas as circunstâncias

bagatela, não deveriam tomar o

ocorridas em cada caso concreto.

tempo de juízes e promotores.

8

vem

em

sua

intervir

na

aplicação,


Referências CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal: Parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v.1. Código Penal e Constituição Federal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de CÉSPEDES, Lívia; PINTO, Antônio Luiz de Toledo, SANTOS, Márcia Cristina Vaz dos. CÓDIGO PENAL E CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 14. Ed. São Paulo: Saraiva 2008. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: RT,2007. v.2. GOMES, Luiz Flávio Gomes. Insignificância: é preciso ir ao STF para vê-la reconhecida. Disponível em: http://www.lfg.com.br.

9


A CRISE HERMENÊUTICA: MUDANÇA DE PARADIGMAS E SEU PODER TRANSFORMADOR NO CAMPO JURÍDICO MOLINA, Bárbara - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O objetivo desta pesquisa bibliográfica é mostrar a mudança que ocorreu nesses últimos anos na forma de interpretar a letra da lei. A interpretação da norma pelos juristas deixa de ser uma simples questão de exegese textual para ser uma questão filosófica. O trabalho, realizado por meio dos métodos dialético e comparativo, enfoca a nova forma de aplicação da lei além de diferenciar as teses procedimentalistas e substancialistas e apresentar a importância de Heidegger e Gadamer na hermenêutica filosófica. A interpretação passa a ser uma crítica do direito, ou seja, é um processo criativo, que abre caminho para um conjunto de possibilidades de concretização da justiça material abrindo portas para um direito novo, o Constitucionalista.

Palavras-chave: Hermenêutica. Paradigma. Interpretação. Compreensão. Justiça constitucional. 10


compreendesse a fim de que o

Introdução

significado das coisas pudesse ser O presente trabalho tem como

alcançado. Hermes seria o "deus

objetivo esclarecer as diferenças

intérprete", na medida em que era a

entre a dogmática jurídica e a “nova”

entidade sobrenatural dotada de

hermenêutica:

capacidade de traduzir, decifrar o

a

filosófica,

incompreensível.

mostrando através dos estudos do obra

Para falar de hermenêutica

Hermenêutica Jurídica em crise,

temos que falar de paradigmas e as

aspectos relevantes dessa forma de

crises

interpretar.

epistemológicas.

jurista

Streck

em

Baseado

nos

sua

estudos

paradigmáticas

No

de

decorrer

da

história

Gadamer, Streck crítica o teto-

passou-se do paradigma da filosofia

hermenêutico (limite no horizonte de

do ser para o paradigma da filosofia

sentido) criado pelas interpretações

da consciência e deste, para o

tradicionais

Tais

paradigma da filosofia da linguagem,

exegéticos

ou seja, superou-se o pensamento

do

Direito.

condicionamentos estariam Judiciário

impossibilitando de

agir de forma

o

metafísico em que os sentidos

a

estavam

nas

“coisas”;

e

na

transformar as normas de Direito em

metafísica moderna na “mente”;

normas que tenham um escopo

passando os sentidos a serem

constitucionalista.

explicados

pela

compreensão,

sendo a compreensão na visão de 1. Crise de paradigmas

Gadamer,

linguagem,

linguagem

não

é

pois

a

simplesmente

objeto mais sim horizonte aberto de

Hermenêutica é um vocábulo

sentidos. (STRECK, 2007).

derivado do grego hermeneuein, que

Essa

significa filosofia da interpretação.

mudança

de

Muitos autores associam o termo a

paradigmas revolucionou o modo de

Hermes, o deus grego mensageiro,

interpretar

que tinha como tarefa trazer notícias.

hermenêutica,

Hermes era um deus da mitologia

possibilitou que pudéssemos não

grega capaz de transformar tudo o

apenas fundamentar, mas também

que

compreender o que fundamentamos.

a

mente

humana

não 11

o

Direito, a

a

nova

filosófica,


A tarefa da hermenêutica

demonstrando

que

na

ser-no-mundo,

um

passa a ser não mais desenvolver

inserção

um procedimento de compreensão,

processo de produção, circulação e

mas esclarecer as condições das

consumo do discurso jurídico em que

quais surge essa compreensão.

somente pela linguagem é possível

Muda o modo de se ver a

do

existe,

ter acesso ao mundo do Direito e da

filosofia e o modo de ver seu

vida. (STRECK, 2007, p. 183).

procedimento, pois na interpretação

O

direito

passa

a

ser

da lei nós não temos mais um

compreendido desse novo lugar

significante primeiro (garantia que

destinado

conceitos em geral remetem a um

terceira

único significado), que se buscava

conhecimento:

em Aristóteles como na idade média;

clássica, a preocupação era com as

quebra-se com a crença de que

coisas, na metafísica moderna com

existe uma natureza intrínseca da

a mente, a consciência; já no

realidade, onde a linguagem tem um

paradigma exsurgente da invasão da

papel secundário, de servir de

filosofia

veículo para a busca de verdadeira

preocupação é com a palavra, a

“essência” do direito ou texto jurídico

linguagem. (STRECK, 2007, p. 222).

normativo.

(BUHRING,

2001,

p.

etapa

Tanto a pragmática como a

dualismos

da

nessa

história

na

pela

filosófica

filosófica

linguagem,

do

metafísica

linguagem,

a

A hermenêutica passa a ser

259).

hermenêutica

à

podendo

rompem

e

não

assim

metódica,

não

o

ser

texto

equiparado à norma, é a norma que

metafísicos-

será

sempre

resultado

essencialistas contribuindo assim

interpretação

para

uma

intérprete assim produz a norma ao

que

interpretar o texto legal.

a

construção

hermenêutica problematiza discurso

e

de

jurídica a

relação

realidade,

entre

Estamos

do

texto.

da Cada

condenados

a

acabando

interpretar, e interpretar a lei é um

também com a tese comum teórica

ato produtivo e não reprodutivo.

dos juristas da possibilidade da

Cada interpretação é uma nova

separação

de

interpretação, cada texto jurídico

produção, interpretação, e aplicação

gera novo sentido. (...) O próprio

dos

Heidegger responde a Marx com

dos

textos

poderes

normativos, 12


uma pergunta: Interpretar já não é

procedimentalistas a Constituição é

modificar? (...) (STRECK, 2007, p.

apenas um instrumento de governo

231).

para demarcação de competências.

Dessa

maneira

possibilidade

da

positivismo

surge

a

superação

do

pelo

Os substancialistas defendem um

constitucionalismo

que

não

(neo)

prescinda de valores e princípios

um

positivados na Carta Constitucional,

deslocamento do polo de tensão

ambos repletos de força normativa,

entre

criando limitações no que tange a

constitucionalismo,

os

havendo

poderes

de

Estado

(Executivo e Legislativo) em direção

legislação

à

servindo concomitantemente como

jurisdição

resolvendo

constitucional,

o

problema

da

infraconstitucional

e

parâmetro inexorável para todas as

impossibilidade do legislativo (a lei)

políticas públicas governamentais.

antever todas as hipóteses de

Os substancialistas valorizam

aplicação.

o direito Constitucional, atribuindo a ele o poder de direção no papel de

2. Procedimentalismo x

concretizar os direitos sociais. Com

substancialismo

isto, o direito avança fazendo com que

As teorias procedimentalista e

os

valores

antes

apenas

sonhados, sejam concretizados. O

substancialista são correntes de

Judiciário

tradição

sendo

executando o trabalho do Executivo

Tentam

que é hipossuficiente nas questões

filosófica,

consideradas com

seus

não

ideologias. estudos

paradigma

da

superar

filosofia

o

acaba

assumindo

e

sociais do Estado.

da

Os

procedimentalistas,

consciência que coloca o sujeito

diferentemente veem o papel da

como fundamento sobre o qual se

constituição

pode estruturar cognitivamente a

instrumento voltado à garantia de

realidade

participação

e

proceder

a

sua

transformação racional prática.

Defendendo

para o Estado e para a sociedade, ao na

visão

democrática

um

e

à

de decisões,

Constituição é que define os fins

que

como

regulação do "processo" de tomada

Para os substancialistas a

passo

apenas

importância

dos 13

da

que Constituição

a é


meramente

secundária,

não

esfera dos outros poderes. É contra

dirigindo o processo em si. Ao

Judiciário

a leitura moral da Constituição e a

caberia

tão

leitura dos princípios substantivos

somente assegurar a observância

que

apenas

desse processo, não interferindo na

democracia perdesse seu valor.

esfera dos poderes Executivo ou

(STRECK, 2007, p. 41).

Legislativo. (STRECK, 2007).

faria

com

Defendendo

O objetivo principal do debate

que

a

a

tese

substancialista, Cappelleti diz que o

é analisar a atuação do Poder

Poder

Judiciário, avaliando se ele poderia

contribuir

atuar como mandatário para efetivar

capacidade

certos princípios positivados em

sistema político, dando assim uma

âmbito constitucional.

oportunidade a grupos marginais

A corrente procedimentalista liderada

por

Habermas,

autores

Garapon

para

pode o

de

e

deve

aumento

da

incorporação

no

que não tem acesso aos poderes

como e

Judiciário

políticos

Ely,

de

problemas

dizer e

quais

que

seus

querem

apresenta muitas divergências com

necessitam

a corrente substancialista, liderada

(CAPPELLETI Apud STRECK, 2007,

por Cappelleti, por Dworkin e no

p. 44).

Brasil

por

juristas

como

Paulo

ser

e

ajudados.

Dworkin é defensor de uma

Bonavides, Celso Antonio Bandeira

posição

liberal-contratualista

Mello, Eros Grau, etc.

entendendo

que

a

criação

Defende o procedimentalista

jurisprudencial do Direito encontraria

Habermas que os juristas estariam

seu fundamento na primazia da

usando o Direito para chegarem à

Constituição.

política e a sociedade. Para ele o

O

Estado Democrático de Direito seria

Substancialista

competência somente da legislação

equilibrando os poderes (Legislativo

política.

e Executivo) o Judiciário deveria ser

Critica,

assim,

a

leitura

um

que

intérprete

a defende

corrente é

colocando

que

em

substancialista que Alexy faz do

evidência especialmente os textos e

modelo construtivo do Direito de

princípios

Dworkin,

o

estabelecendo as condições do agir

Judiciário estaria adentrando na

político-estatal partindo da ideia de

argumentando

que

14

constitucionais,


que a Constituição é a explicitação

é vista. E o assim chamado Estado

do que deve ser feito para o alcance

Social não se concretiza no Brasil

do “Estado Social”. (STRECK, 2007,

onde a função intervencionista do

p. 45).

estado só serve para aumentar as Com

o

ingresso

do

desigualdades sociais, e isso tudo

constitucionalismo-dirigente após a

decorre

segunda guerra, não pode o poder

Constituição.

Judiciário ter uma postura passiva

da

baixa aplicação da

O judiciário só está preparado

perante a sociedade.

para

lidar

com

conflitos

A Constituição Dirigente inclui

interindividuais, próprios do modelo

no centro do debate jurídico a

liberal-individualista e não para os

política. Cria um nexo entre Direito,

problemas

Moral

individualidade que são próprios do

e

Política,

suplantando

advindos

defeitos do positivismo de outrora. A

Estado

ideia

previsto na Constituição.

da

totalidade

Constituição ressalta

seu

como

Democrático

da

trans-

de

Direito

caráter

dinâmico (não garante apenas uma

3.

Hermenêutica

ordem estática), “politiza” o conceito

Heidegger e Gadamer

filosófica:

de Constituição, que não se limita mais à sua normatividade.

A diferença entre a dogmática

(...) mais do que equilibrar e

jurídica e a hermenêutica filosófica é

harmonizar os demais poderes, o

que aquela trabalha com a técnica

Judiciário, na tese substancialista,

pura

deve

trabalha com o “dar sentido na

assumir

o

papel

de

um

contra

as

interpretação

e

essa

interpretação”.

intérprete que põe em evidência, inclusive

de

maiorias

Gadamer

ensina

que

a

eventuais, a vontade geral implícita

hermenêutica deve ser vista como

no direito positivo, especialmente

uma teoria filosófica que faria com

nos textos constitucionais, e nos

que o hermeneuta tivesse acesso a

princípios como de valor permanente

todo o mundo, pois como o diálogo é

na sua cultura de origem e na do

o pilar para o entendimento entre os

Ocidente. (...). (STREK, 2007, p. 41).

homens,

No

cotidiano

dos

juristas

é

também,

para

o

entendimento sobre as coisas de

Brasileiros nenhuma das duas teses 15


que

é

feito

nosso

mundo.

de se acessar o mundo e os seus

(GADAMER 2001).

objetos são as questões centrais na

Essa ideia de Gadamer parte

hermenêutica

filosófica

de

dos estudos de Heidegger; com ele

Heidegger, por ele denominada de

a

Fenomenologia Hermenêutica.

hermenêutica

deixou

de

ser

apenas normativa e passou a ser

Como o compreender só é

vista e encarada de forma filosófica,

possível se o homem é um ser-no-

onde a compreensão é entendida

mundo, nosso acesso a esse mundo

como estrutura ontológica, e a

questão sobre o sentido do ser,

(STRECK, 2007 p.199).

é

somente é possível quando se

possível

O

pela

linguagem.

compreender pode

compreende esse ser. (STRECK,

explicado

2007).

sempre nos mostrará algo. (...)

pela

linguagem,

ser que

hermenêutica

Dessa forma a hermenêutica

desenvolvida por Gadamer se afasta

deixa de ser pura metodologia e

da doutrina de métodos das ciências

normativista para ser vista como

do espírito e procura caminhar para

uma questão filosófica. A linguagem

um

passa de instrumento de conceitos

olhar

além

de

sua

autocompreensão metódica através

para

ser uma

da experiência do homem no mundo

manifestação de sentidos.

(...) (MELLO, 2008, p,120).

possibilidade

de

Esse sentido não passa por

Gadamer demonstra que o

métodos

nem

etapas

da

ponto de vista de quem observa, na

hermenêutica clássica: a subtilitas

hermenêutica crítica, é que forma o

intelligendi, asubtilitas explicandi e

conteúdo

a

da

norma,

ou

seja,

subtilitas

applicandi,

esses

depende da formação histórica e

momentos passam a acontecer em

cultural do intérprete.

uma

A compreensão é um projetar-

um

texto

aplicação.

(GADAMER,

2007).

se. Gadamer afirma que quem quiser compreender

Gadamer diz que não é

realiza

correto

nem

eficaz

reproduzir

sempre um projetar. (MELLO apud

sentidos ao interpretar a lei, sendo o

GADAMER, 2008, p, 121).

processo hermenêutico sempre um como

“novo produzir”. Sendo para ele um

totalidade e a linguagem como meio

erro a ideia de que é possível o

A

compreensão

16


hermeneuta

ao

leitor

O juiz, quando se vê frente a

aqui

tanto

um texto, tem que agir como um

Schleiermacher como a Savigny que

historiador, o passado deve ser

ignoraram a tensão entre o sentido

entendido em continuidade com o

jurídico originário e o atual, erro esse

presente.

originário.

igualar-se Criticando

que veem sendo cometido pela

Com essas ideias, Gadamer

dogmática jurídica na atualidade.

produziu

(STRECK, 2008, p. 217).

hermenêutica.

É muito comum imaginar a

uma

revolução Uma

na

viragem

linguístico-ontológica da qual se

aplicação da lei a um caso concreto

iniciou

como um processo de lógica que

superação

parte do geral para o particular. O

metafísicos

positivismo que reduz a realidade

tomista e subjetivista (filosofia da

jurídica ao direito positivo e a sua

consciência) que vêm sustentando

“correta

as

aplicação”

sofre

duras

um

teses

longo

processo

dos

de

paradigmas

objetivista-aristotélico-

exegéticos-dedutivistas-

críticas de Gadamer, pois diz ele que

subsuntivas dominantes a que se

a distância entre a generalidade da

tem dado o nome de hermenêutica

lei e a situação jurídica concreta de

jurídica.

cada caso particular é insuperável.

Com essa viragem linguística-

Para Streck:

ontológica a interpretação do direito

O jurista toma o sentido da lei

muda, a hermenêutica filosófica abre

a partir de e em virtude de um

os horizontes para a compreensão

determinado

do direito e o que representa a

caso

dado.

O

historiador jurídico, pelo contrário,

revolução

copernicana

não tem nenhum caso de que partir,

proporcionada

mas procura determinar o sentido da

constitucionalismo, passando assim

lei na medida em que coloca

do simples copiar e fundamentar

construtivamente a totalidade do

para interpretar e compreender.

pelo

neo-

âmbito de aplicação da lei diante dos olhos. Somente no conjunto dessas

4.

aplicações

brasileiros

torna-se

concreto

o

A

interpretação

dos

juristas

sentido de uma lei. (STREK, 2007, p. 219).

O que explica hoje no Brasil a não concretização da Constituição é 17


o “teto hermenêutico” que criaram

lei

nossos juristas para impedir o papel

significativos, pois a significação que

transformador do direito.

eles dão ao sentido teórico é

Esse teto hermenêutico (que

e

o

direito

observada

sem

não

os

são

tão

valores,

limita o horizonte de sentido) torna

deixando-se assim de explicá-los,

ineficaz a concretização do “Estado

interpretá-los, ou seja, apenas se

Democrático de Direito” pelo não uso

difunde um debate sobre a norma,

do novo paradigma descrito por

não se podendo ultrapassar o teto

Gadamer. Isso ocasiona uma crise

hermenêutico

de

(metafísico-

mantendo a cegueira diante da

positivistas) que é sustentada por

racionalidade positivista. Não se

uma

metafísico-

admitindo que cada lei tem uma

dualístico-representacional, que fez

ideologia, e que essa precisa ser

e ainda faz com que a discussão

interpretada.

paradigma

metodologia

jurídica fique afastada das situações

as relações jurídicas são vistas como

Em outras palavras, esse teto impede

que

premissas de uma operação lógica

a

matemática, perde-se o objetivo

constituição se torne realidade. Daí

a

principal, o porquê daquele conflito. da

Muitos são contra a mudança de

paradigma

paradigmas, pois dizem que a maior

representacional para o paradigma

discricionariedade aos intérpretes

hermenêutico-linguístico

pode acarretar insegurança jurídica.

(GADAMER, 1999), em que o direito

Todavia estão equivocados, pois a

e todos que trabalham com ele se

hermenêutica compreende também

situam no universo do sentido e da

os princípios, situação que eleva o

compreensão.

grau de subjetividade do intérprete.

mudança

necessidade

estabelecido,

Na interpretação positivista,

concretas vividas pela sociedade.

hermenêutico

do

Warat (apud STRECK, 2007

A forma de compreender a lei muda,

p. 67) enfatiza que essa crise de

pois a validade dessas não depende

paradigmas permanece por antigas

somente da formalidade das normas

crenças e valores antigos, chamados

processuais, passando assim a ser

de “sentido comum teórico dos

analisada sua coerência com os

juristas”. Afirma que na rotina dos

princípios constitucionais.

juristas, a relação que se têm com a 18


Para Ronald Dworkin (apud

apreendida pelo bom intérprete,

APPIO; 2008, p. 36), princípio “(...) é

fazendo assim duras críticas à

um padrão que deve ser observado,

existência dos conceitos axiológicos

não

da Constituição.

porque

promover

ou

assegurar uma situação econômica, política

ou

desejável,

social

mas

Já a discussão entre as

considerada

porque

uma

qual a lei tem uma autonomia

exigência de justiça ou equidade ou

conceitual com relação à vontade do

alguma

seu

outra

é

correntes objetivistas, segundo a

dimensão

da

moralidade”.

criador,

subjetivistas

e

as

pela

correntes

qual

deve

Para que se possa romper

prevalecer à vontade histórica do

com essa tradição que faz com que

legislador - cede espaço a uma nova

os textos jurídicos constitucionais se

hermenêutica

tornem

necessário

tem o pressuposto de que é o

compreender que a constituição é

intérprete que faz a norma através

um mecanismo prático que provoca

de um processo de integração

e pode provocar mudanças na

histórica, no qual o intérprete e o

realidade social.

texto

ineficazes

é

Para que se possa interpretar

constitucional, pois

examinado

formando

as

se

fundem,

interpretações

a constituição o intérprete deve fazer

possíveis do texto da norma para

uma fusão de pré-compreensões, só

formar

assim

presente.

as

normas

jurídicas

conseguirão ter um sentido prático.

um

novo

horizonte

no

Além da incorporação dos

As velhas teses que buscam a

princípios

na

interpretação

vontade do legislador ou a vontade

normas

da lei desconsideram o papel do

discurso jurídico elementos da moral

intérprete da constituição.

e da política fazendo que o resultado

também

se

juntam

das ao

A discussão em torno da

do processo de compreensão se

constituição não precisa, portanto de

torne cada vez mais perto e presente

uma convenção entre os sujeitos

da realidade.

acerca das suas pré-compreensões,

Neste

entretanto

a

doutrina

continua

novo

contexto,

as

decisões judiciais são orientadas por

apegada a ideia que existe uma

princípios

essência das coisas que deve ser

justificáveis racionalmente fazendo 19

e

valores

que

são


com que boa parcela das críticas a

caminho da compreensão filosófica

uma jurisprudência de valores perca

(Hermenêutica)

seu valor.

através do exercício da criatividade,

Robert Alexy recorda que

é

possível

da ferramenta da compreensão.

“Quem faz uma afirmação não só

A função do Poder Judiciário

quer expressar uma crença de que

no

século

XXI

é

permitir

a

algo é o caso, mas também exige

participação dos grupos sociais que

implicitamente que o que está sendo

não conseguem ter acesso ao poder

dito possa ser justificado, isto é, ser

político (executivo e legislativo), não

verdadeiro ou correto.” (ALEXY,

cabendo ao Judiciário por isso se

2008 apud APPIO 2001, p. 32).

utilizar de prerrogativas dos outros

O juiz constitucionalista é

poderes, mais possibilitando a partir

responsável pela concretização dos

das regras, igualdade a todos os

valores

cidadãos.

constitucionais.

Se

for

omisso, resulta da ineficiência do dispositivo constitucional e asfixia a sociedade. O

Considerações finais que

acontece

hoje

impossibilitando a aplicação do novo

Claro

está

que

as

paradigma-constitucional é que o

universidades de direito não têm

pensamento

dado a devida atenção ao estudo da

majoritário,

que

se

denomina dogmática jurídica, tenta

hermenêutica

jurídica

compartimentar

interpretação,

o

o

estudo

da

e

da

excesso

de

constituição. Ora é preciso entender

preocupação com a dogmática e

que nada no Direito pode ser

com o formalismo está levando os

compreendido fora da Constituição.

operadores do Direito à alienação e

Por

todos

os

motivos,

à falta de percepção dos princípios

necessário se faz entender e firmar a

constitucionais.

convicção de que é a Constituição o documento

fundamental

para

Por meio deste breve estudo,

a

percebe-se

que

uma

alternativa

defesa dos direitos sociais e que

viável para a crise paradigmática é a

sem ela não fazemos direito.

introdução

Aristóteles compartilha desse

Hermenêutica

entendimento, ao referir que o

Constitucional 20

do

estudo

da

Jurídica e

da

Justiça


Constitucional

para

um

melhor

Mudando

o

modo

de

desenvolvimento do raciocínio da

interpretar, baseado nos princípios

reflexão e da crítica jurídica.

da Constituição, revolucionar-se-á o

A crise paradigmática vem

modo de fazer direito, trazendo

impossibilitando que o país progrida,

assim mais justiça ao país.

que a Constituição seja eficiente e que a justiça seja célere.

21


Referências ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001. APPIO, Eduardo. Discricionariedade política do poder judiciário. Curitiba: Juruá, 2008. BUHRING, Márcia Andrea. Alguns aspectos da hermenêutica filosófica e jurídica. Disponível em:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/1795/1492 acess o em 10/3/2010. GADAMER, H.G. Verdade e método, traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1999. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução: Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. MELLO, Cleyson de Moraes. Introdução à Filosofia do Direito, à metodologia da ciência do direito e hermenêutica contemporânea. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. STECK, Luiz Lênio. Hermenêutica jurídica em crise. 7. ed. revista e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. VIDIGAL, Erick José Travassos. Protagonismo político dos juízes: risco ou oportunidade? Prefácio da pós-modernidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003.

22


A HERMENÊUTICA DO PRINCÍPIO BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto – Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A promulgação do Código Civil de 2.002 inovou o ordenamento jurídico privado brasileiro e uma dessas importantes inovações foi a materialização expressa do princípio da boa-fé objetiva como requisito a ser preenchido na formação e execução contratual. O presente trabalho pretende produzir uma análise deste princípio à luz de interpretações histórica, comparada, conceitual e sistemática, buscando descobrir sua origem e evolução, bem como sua relação com outros diplomas de nosso ordenamento jurídico. Por fim, serão tecidas considerações sobre as razões que fundamentaram a inserção expressa deste importante princípio contratual no Código Civil vigente.

Palavras-chave: Boa-fé objetiva e subjetiva. Interpretação histórica e comparada. Conceito. Interpretação sistemática à luz da constituição federal. Fundamentos. 23


Introdução

novo Código Civil é que se inseriu expressamente

no

ordenamento

Este trabalho visa produzir

jurídico brasileiro o princípio da boa-

uma análise do princípio da boa-fé

fé objetiva. Em seu artigo 422, versa

objetiva, introduzida expressamente

o Código: “Os contratantes são

no ordenamento jurídico com a partir

obrigados a guardar, assim na

da entrada em vigor do Código Civil

conclusão do contrato, como em sua

de 2.002.

execução,

os

princípios

de

probidade e boa-fé.”

O princípio da boa-fé objetiva visa garantir que os contratos serão

Entretanto, o novo Código

tecidos com lisura e transparência,

apenas prescreveu expressamente

sem que as partes possam introduzir

um princípio que já havia lançado

cláusulas abusivas e contrárias à

raízes desde o Direito Romano. A

vontade das partes.

boa-fé objetiva no Direito Romano

Assim, com a entrada em

reporta-se

aos

vigor do Código Civil de 2002

de

buscou-se com a inserção dos

fides. A fides representava para os

princípios da boa fé objetiva e da

romanos o respeito, a confiança, a fé

função social do contrato adequar o

que

ordenamento jurídico com o que

contratantes (sobretudo na locatio e

estava sendo até então efetivado

no mandatum). Posteriormente este

pelos Tribunais brasileiros, quando

respeito à palavra dada originou a

do

questões

ideia de ética. Com o advento

problemas

do Corpus Iuris Civilis de Justiniano

julgamento

relacionadas

de a

fides

conceitos

se

dava

e

à

bona

palavra

dos

a ideia boa-fé (bona fides) era

contratuais.

entendida

como

um

estado

psicológico de ignorância, isto é, um 1.

Interpretação

histórica

e

posicionamento neutro das partes

comparada do princípio da boa-fé

em relação às vantagens pessoais

objetiva

que elas poderiam obter com a celebração dos pactos comuns (ou

Com a promulgação da Lei

seja,

a

boa-fé

representava

a

10.406 de 10 de Janeiro de 2002, ou

vontade da parte em não lesar à

seja, com a entrada em vigor do

outra). Trata-se, pois, de uma ideia 24


influenciada pelo Direito Canônico,

costumes do tráfego”. E uma das

que enxergava a boa-fé como uma

maiores

“ausência

Assim,

pelo BGB foi a distinção entre a guter

adotava-se uma visão subjetiva da

glauben (boa-fé subjetiva) e a treu

ideia de boa-fé.

und glauben (boa-fé objetiva).

de

pecado”.

contribuições

promovida

Foi na Idade Moderna, com o

A partir daí, o direito alemão

surgimento do Code Civil francês de

acabou se refletindo no Código Civil

1.804 (Code Napoleón – Código

Italiano (1.942), no Código Civil

Napoleônico), que a noção de boa-

Português (1.966), no Código Civil

fé, passou a ser positivada. Contudo,

Espanhol (1.974), dentre outros, que

a influência da Escola da Exegese,

também inseriram expressamente

que dominou o pensamento jurídico

em seus ordenamentos jurídicos a

francês

boa-fé.

na

época,

acabou

intimidando o desenvolvimento da ideia

da

boa-fé,

devido

E de maneira louvável, a boa-

à

objetiva

enfatizou-se

exacerbação do apego literal à Lei

universalmente, a ponto de ser

Napoleônica. E foi somente na

reconhecida pelas Nações Unidas

segunda metade do século XX que

como

os tribunais franceses passaram a

tratados

exigir

internacional,

a

boa-fé

das

partes

contratantes.

Code

hermenêutico

relativos

ao

nos

comércio

sobretudo

na

Convenção de Viena (1.980), na

Influenciados pelo

crivo

cláusula 7, que versa: outros

Na interpretação da presente

ordenamentos jurídicos passaram a

Convenção ter-se-á em conta o seu

adotar a ideia da boa-fé, que teve

caráter internacional bem como a

seu desenvolvimento pleno a partir

necessidade

da

Bürgerliches

uniformidade da sua aplicação e de

Gesetzbuch (BGB), o conhecido

assegurar o respeito da boa-fé no

Código Civil Alemão que entrou em

comércio

vigor em 1.900. Em seu § 242, o

(CONVENÇÃO..., 1980).

vigência

francês,

do

Código Alemão dispunha de forma geral que “O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exigia a boa-fé, com consideração pelos 25

de

promover

a

internacional.


2. Sobre o conceito da boa-fé

A boa-fé objetiva, por outro

objetiva e a relação com a boa-fé

lado, tem compreensão diversa. O

subjetiva

intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio,

Ao objetivar o princípio da

naquele caso concreto, levando em

boa-fé, o Código Civil de 2.002

consideração os aspectos sociais

pretendeu difundir um padrão de

envolvidos. Desse modo, a boa-fé

probidade

aceito

objetiva se traduz de forma mais

quando da celebração do contrato.

perceptível como uma regra de

Destarte, o Código institui, de modo

conduta, um dever de agir de acordo

geral, uma regra de conduta, na qual

com determinados padrões sociais

que as partes devem resguardar um

estabelecidos

comportamento honesto, pautado na

(2009, p. 369).

socialmente

lealdade, avaliado de acordo com o

Judith Martins-Costa:

A boa-fé subjetiva indica, de modo,

estado

A boa-fé subjetiva denota,

de

portanto, primariamente, a ideia de

consciência da parte, em que a

ignorância, de crença errônea, ainda

intenção

relação

que excusável, acerca da existência

jurídica não se corrompe pelos vícios

de uma situação regular, crença (e

da lesão, do erro, ou do dolo. É,

ignorância excusável) que repousam

portanto, um estado de consciência

seja no próprio estado (subjetivo) da

carente da má fé.

ignorância

do

um

reconhecidos.

E neste sentido completa

critério do homem médio.

outro

e

sujeito

Segundo

da

Sílvio

de

Salvo

(as

hipóteses

do

casamento putativo, da aquisição da

Venosa: [...] Na boa-fé subjetiva, o

propriedade

alheia

usucapião),

seja

mediante

numa

a

errônea

manifestante da vontade crê que sua

aparência de certo ato (mandato

conduta é correta, tendo em vista o

aparente, herdeiro aparente etc.).

grau de conhecimento que possui de

Pode

um negócio. Para ele há um estado

secundariamente,

de

vinculação ao pactuado, no campo

consciência

psicológico

que

ou

aspecto

deve

ser

denotar, a

ainda, ideia

de

específico do direito contratual, nada

considerado.

mais aí significando do que um reforço 26

ao

princípio

da


obrigatoriedade do pactuado, de

fundamentalmente, a uma atitude

modo a se poder afirmar, em síntese,

psicológica, isto é, uma decisão da

que a boa-fé subjetiva tem o sentido

vontade denotando o convencimento

de uma condição psicológica que

individual da parte de obrar em

normalmente

no

conformidade com o direito. Já a

convencimento do próprio direito, ou

boa-fé objetiva apresenta-se como

na ignorância de se estar lesando

uma exigência de lealdade, modelo

direito

objetivo de conduta arquétipo social

se

alheio,

“egoística”

concretiza

ou

à

na

adstrição

literalidade

do

pelo qual impõe o poder-dever que

pactuado.

cada

pessoa

ajuste

a

própria

[...] A boa-fé objetiva qualifica,

conduta a esse arquétipo, obrando

pois, uma norma de comportamento

como obraria uma pessoa honesta,

leal. [...] (2000, p 411-412).

proba e leal. Tal conduta impõe

É, portanto, a boa-fé objetiva

diretrizes ao agir no tráfico negocial,

um imperativo universal que vincula

devendo-se ter em conta, como

os indivíduos que pactuam o negócio

lembra Judith Martins Costa, “a

jurídico a conservarem, não apenas

consideração

na formalização do contrato, mas

interesses do alter, visto como

durante

do

membro do conjunto social que é

íntegras

juridicamente tutelado”. Desse ponto

desprovidas de quaisquer vícios.

de vista, podemos afirmar que a boa-

Enquanto que a boa-fé subjetiva se

fé-objetiva

configura

em

stricto

sensu,

a

como normativa de comportamento

vontade

das

partes

em

não

leal. A conduta, segundo a boa-fé

prejudicarem uma à outra, através

objetiva, é assim entendida como

daqueles

noção sinônima de “honestidade

toda

negócio,

a

celebração

condutas

mesmos

vícios

que

para

com

se

os

qualifica

pública”. (REALE, 2003).

descaracterizam a boa-fé objetiva, e que constituem a má fé. Nas palavras do saudoso Miguel Reale:

3.

“a boa-fé apresenta dupla

Interpretação

sistemática

do

princípio da boa-fé objetiva à luz da

faceta, a objetiva e a subjetiva”. Esta

Constituição Federal

última – vigorante, v.g., em matéria de

direitos

putativo

reais –

e

casamento

Embora, o princípio da boa-fé

corresponde,

objetiva 27

não

tenha

sido


expressamente inserido no texto

um Estado Democrático não se

constitucional, há outros princípios

impera vícios como o dolo, a lesão, a

inseridos em nossa Constituição

vantagem derivada do erro e a

Federal

o

improbidade. Em uma sociedade

abordam como o Código Civil, em

igualitária e comprometida com a

seu artigo 422.

harmonia, onde se garante a todos o

que

paralelamente

De início, este paralelo é inserido

no

Preâmbulo

exercício da justiça jamais poderia

da

admitir-se que vigore tais vícios, e

constituição:

como dito anteriormente, a ausência

Nós, representantes do povo

dos mesmos é o que caracteriza a

brasileiro, reunidos em Assembleia

boa-fé objetiva: o comprometimento

Nacional Constituinte para instituir

com a honestidade.

um Estado Democrático, destinado a

Além dos valores contidos no

assegurar o exercício dos direitos

preâmbulo da Constituição, este

sociais e individuais, a liberdade, a

paralelo se estende ainda por outros

segurança,

o

dispositivos constitucionais, como,

desenvolvimento, a igualdade e a

por exemplo, no art. 3º, I e IV, onde

justiça como valores supremos de

a República Federativa do Brasil,

uma sociedade fraterna, pluralista e

objetiva construir uma sociedade

sem

na

livre, justa e solidária, e também

harmonia social e comprometida, na

promover o bem de todos, sem

ordem interna e internacional, com a

preconceitos de origem, raça, sexo,

solução pacífica das controvérsias,

cor, idade e quaisquer outras formas

promulgamos, sob a proteção de

de

Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO

garantias

DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

asseguradas a todos pela própria

BRASIL.

Constituição.

o

bem-estar,

preconceitos,

Ao

fundada

constituir

Democrático assegurando

um

de o

discriminação.

Além

das

fundamentais

Estado

Assim, o que rege todas

Direito,

essas garantias, é a própria boa-fé,

da

enquanto princípio objetivo, uma vez

igualdade, o direito da justiça e a

que o mesmo assegura a retidão nas

harmonia

constituinte

relações intersubjetivas, ou seja,

originário, inseriu implicitamente no

todos os indivíduos ao pactuarem o

preâmbulo a boa-fé objetiva, pois em

contrato social entre si (isto é, ao

social,

princípio

o

28


constituírem uma sociedade, e mais

boa-fé

ainda, ao constituírem um Estado),

relações de consumo, em sua forma

obrigatoriamente são vinculados a

principiológica

conservar a boa-fé.

geral, conforme estabelece os arts.

Outrossim,

a

objetiva

e

se

aplica

como

nas

cláusula

Constituição

4°, III; e 51, IV da Lei n° 8.078 de 11

Federal ao dispor no § 2º do artigo

de Setembro de 1.990 – Código de

5º, estabelece a não exclusão dos

Defesa do Consumidor:

demais princípios por ela adotados, mesmo

que

não

Art. 4º A Política Nacional das

estejam

Relações de Consumo tem por

expressamente inseridos em seu

objetivo

texto,

necessidades dos consumidores, o

além

daqueles

da

contidos

conservação em

o

atendimento

das

tratados

respeito à sua dignidade, saúde e

internacionais. Assim o princípio da

segurança, a proteção de seus

boa-fé objetiva contido na clausula 7,

interesses econômicos, a melhoria

da Convenção de Viena, mesmo não

da sua qualidade de vida, bem como

expressamente contido no texto

a transparência e harmonia das

constitucional, já se imperava antes

relações de consumo, atendidos os

mesmo na vigência do novo Código

seguintes princípios:

Civil, para os contratos de comércio

III

internacional.

-

harmonização

dos

interesses dos participantes das

E além de ser um princípio

relações

de

consumo

e

que deve ser respeitado para a

compatibilização da proteção do

celebração do negócio jurídico, a

consumidor com a necessidade de

boa-fé objetiva, ainda se desdobra

desenvolvimento

como um cânone hermenêutico, isto

tecnológico, de modo a viabilizar os

é, um critério para a interpretação do

princípios nos quais se funda a

próprio negócio celebrado. É como

ordem econômica (art. 170, da

reza o artigo 113 do Código Civil, ao

Constituição Federal), sempre com

dispor que “os negócios jurídicos

base na boa-fé e equilíbrio nas

devem ser interpretados conforme a

relações

boa-fé e os usos do lugar de sua

fornecedores;

celebração”.

entre

econômico

consumidores

e

e

Art. 51. São nulas de pleno

Não obstante ao contexto

direito, entre outras, as cláusulas

constitucional e do Código Civil, a 29


contratuais relativas ao fornecimento

Não obstante, a boa-fé é

de produtos e serviços que:

utilizada, objetiva e subjetivamente

IV - estabeleçam obrigações

como critério de interpretação pelo

consideradas iníquas, abusivas, que

Magistrado, quando da interpretação

coloquem

em

dos contratos. E para corroborar tal

desvantagem exagerada, ou sejam

ideia, disposta no artigo 112 do

incompatíveis com a boa-fé ou a

Código Civil, onde se permite ao

equidade.

intérprete uma margem para a

o

consumidor

análise

da

vontade

contratantes,

o

íntima

próprio

dos

Código,

objetiva a boa-fé em seu artigo 422,

Considerações finais

como princípio a ser respeitado tanto na formação quanto na execução

A materialização expressa do

contratual.

princípio da boa-fé no Código Civil de 2.002 consiste em uma das

É, portanto, a boa-fé objetiva,

perspectivas do dirigismo contratual

ao lado de outros princípios, como o

promovido pelo Estado, para quando

da função social, da probidade, o da

da formação contratual permanecer

dignidade da pessoa humana e o da

o equilíbrio entre as partes, evitando,

igualdade, uma demonstração nítida

assim

de que o individualismo que outrora

que

uma

influencie

ou

vigorava no ordenamento jurídico

neutralize a vontade da outra. preocupação

pátrio, sobretudo no Código Civil de

também é o que alicerça o Código de

1.916, cedeu lugar ao “social”,

Defesa

representando

Esta

mesma

do

Consumidor,

que

assim,

uma

reconhecendo a hipossuficiência do

preocupação cada vez maior do

consumidor (Art. 4º, I) exige que as

legislador

relações

constitucionalização e socialização

de

consumo

sejam

com

a

do direito, a eficácia da democracia

pautadas na boa-fé.

e a plenitude da justiça.

30


Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 25/05/2010 às 15.00h. BRASIL. Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1.990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm> Acesso em: 25/05/2010 às 15:03h. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 25/05/2010 às 14:58h. CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. Viena: 1980. Disponível em: <http://www.globalsaleslaw.org/__temp/CISG_portugues.pdf> Acesso em: 09/03/2010 às 10:46h. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. Comenta as inovações no ordenamento jurídico, promovidas pela entrada em vigor do novo Código Civil; sobretudo, no que tange à boa-fé. 2003, homepage. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm> Acesso em: 09/03/2010 às 09:34h. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

31


A IMPRESCINDIBILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL KRAUSE, Allan Pablo Silva. Discente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga SAMPAIO FILHO, Walter Francisco. Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga

RESUMO O inquérito policial tem sido a forma mais utilizada para o Estado investigar a notícia de um crime, produzir a prova e encontrar os indícios da autoria. O Código de Processo Penal não exige que o Ministério Público se valha dele para oferecer a denúncia, podendo utilizar outros elementos de prova que tiver a seu dispor, como por exemplo, o relatório de uma comissão processante legislativa. Todavia, diante do sistema acusatório previsto na Constituição Federal, a investigação é privativa da polícia (estadual ou federal, conforme o caso) e, nesse mister, deve a autoridade policial – delegado de polícia – ater-se aos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido o dispositivo legal que dá ao inquérito a prescindibilidade está eivado de inconstitucionalidade.

Palavras-chave: Persecutio criminis. Princípios. Garantias. Inquérito policial. Imprescindibilidade. 32


1. Histórico

Introdução Muito se tem discutido sobre a

A persecutio criminis refere-

necessidade do inquérito policial. O

se ao meio pelo qual se utiliza o

Código de Processo Penal em seu

Estado para que possa esclarecer e

artigo 12 afirma que o inquérito é

descobrir a verdadeira autoria e

prescindível para o oferecimento da

materialidade de uma infração penal,

denúncia ou da queixa. Ou seja, é

conforme prevê o art.4º do CPP. Existem três fases essenciais

possível que o Ministério Público ou

à persecutio criminis, sendo elas:

o querelante provoquem a tutela jurisdicional por meio da denúncia ou

a) Investigação preliminar, por

da queixa sem que exista o inquérito.

meio do inquérito policial e do termo circunstanciado;

A investigação preliminar, a partir

da

interpretação

b) Ação penal ou momento de

desse

julgamento do investigado;

dispositivo, para alguns pode ser

c)

realizada pelo próprio Ministério

Execução

penal

ou

estudo

o

aplicação da pena;

Público ou por qualquer outro órgão

Interessa

(CPI ou relatório de comissão de

ao

o

inquérito policial. Foi instituído no

da

Brasil pelo Decreto lei nº 4.824, em

existência de prova de materialidade

22 de outubro de 1.871, quando da

do

autoria,

separação entre a Polícia e o Poder

condições da ação e pressupostos

Judiciário, dividindo-a de acordo com

processuais, oferece a denúncia.

o

sindicâncias).

Entendendo

representante

crime,

do

Parquet

indícios

da

lugar de

atividade

(terrestre,

Em razão disso, diante do

marítima e aérea), exteriorização

sistema acusatório adotado pela

(ostensiva ou secreta) e organização

Constituição Federal, muito se tem

(leiga ou de carreira, objeto (tipo de

discutido se realmente o inquérito é

crime).

imprescindível e a doutrina se divide

De acordo com a Constituição

nas opiniões. Objetiva o presente

Federal – art. 144 – a atividade de

estudo

da

Polícia Judiciária é exercida pela

necessidade do inquérito policial

autoridade policial de carreira e o

para que a denúncia e a queixa

Código de Processo Penal em seu

possam ser oferecidas.

Capítulo II trata do inquérito policial e

adotar

a

posição

33


no

artigo

atribui

à

Polícia

objetivados no inquérito, não é

Judiciária a apuração das infrações

correto

penais e sua autoria. Portanto, a

realizada somente de forma verbal,

investigação criminal é tarefa da

sendo necessário seu processo ser

Polícia Judiciária (Estadual, Civil ou

feito de forma escrita, tornando-se

Federal), sob a presidência do

mais confiável e seguro, reduzidos

delegado de polícia.

tais atos a termos escritos ou

Todavia, o inquérito é dirigido

uma

investigação

datilografados

e

de forma imediata a quem possui

rubricados

pela

a opinio delicti, ou seja, na ação

competente,

penal pública, ao Ministério Público e

explicitado no art.9º do CPP;

na

ação

penal

sendo

autoridade

acordo

com

o

ao

b) Sigilosidade. Observando o

querelante. O juiz também é o

art. 20 do CPP e art.5º, XXXIII, da

destinatário mediato, pois se valerá

CF, é dever da autoridade policial

daquelas provas não renováveis

resguardar o sigilo necessário para a

para formar o seu convencimento.

elucidação do fato ou quando se

Dessa

forma,

privada,

de

sempre

ser

o

inquérito

sobrepor o interesse da sociedade,

policial é uma peça processual

porém, tal sigilo não atinge o

administrativa realizada pela Polícia

investigado

Judiciária, sigilosa, que tem por

devendo este possuir a legitimatio ad

objetivo a apuração da infração

procedimentus. A Súmula Vinculante

penal. Apurar a infração penal

n. 14 garante o acesso do advogado

significa informar se houve ou não a

aos elementos de prova já realizados

infração e se a autoria é conhecida.

pela polícia;

e

seu

advogado,

Para que o promotor ofereça a

c) Indisponibilidade. Depois

denúncia é necessário que haja

de ser instaurado o inquérito policial,

prova da materialidade do crime (que

não poderá ser encerrado por mero

ele realmente ocorreu) e indícios da

capricho do delegado, devendo ser

autoria.

conduzido

formalmente,

apresentação 2. Características e princípios

relatório

de

final

um

até

a

minucioso

elaborado

pela

autoridade que o presidiu (Art.17 e a)

Forma

conformidade

com

Escrita. os

Em

10, § 1º, do CPP);

fins 34


d) Oficialidade. Por ser o inquérito

policial

por

ampla defesa, pois não se concebe

órgãos oficiais do governo, não

a possibilidade de o advogado e o

sendo permitido sua aplicação por

investigado tomar conhecimento de

pessoas da sociedade, por mais que

todos os atos a serem realizados

seja necessária a vontade expressa

pela polícia. Todavia, é de se convir

do ofendido;

que o Estado, durante a investigação

e) princípio

realizado

princípios do contraditório e da

Oficiosidade. Tem como

afronta

basilar

o

da

ação

legalidade fundando

o

princípio

da

indivíduo

penal,

se

obedecer

primordialmente

dentro

status e,

dignitatis

para

tanto

os

do deve

limites

constitucionalmente impostos;

dos limites legais estabelecidos por

g)

Discricionariedade.

O

nossa Lei Maior e suas demais leis

inquérito é realizado conforme os

infraconstitucionais.

critérios

Não significa

de

conveniência

que os atos da autoridade dependem

necessidade

indispensavelmente de qualquer tipo

autoridade,

de provocação e nem de prévia

diligências necessárias para que se

autorização do Poder Judiciário,

promova

aliás,

investigação

sendo

necessária

obrigatoriamente

a

instauração

previstos

e

que

uma

pela

efetuará

eficaz

policial.

e

as

rápida

Isso

não

do

significa arbitrariedade, muito menos

inquérito, após a notitia criminis, ou

desrespeito à legalidade, apenas

seja, devendo ser instaurado o

permite que os atos de investigação

inquérito ex officio;

sejam

f) Inquisitoriedade. Trata-se

praticados

oportuno,

de

no

acordo

momento com

a

de um procedimento inquisitivo pelo

conveniência da autoridade policial

fato de todos os atos praticados no

para melhor produção da prova ou

inquérito

dos elementos de convicção;

estarem

responsabilidade

única

sob da

h)

Incomunicabilidade. Tem

autoridade policial, ou seja, do

como intuito resguardar um possível

delegado, devendo obrigatoriamente

prejuízo à sociedade ou ao próprio

ser realizado de ofício, a partir do

inquérito policial, caso o investigado

momento

tenha contato com terceiros. Há

em

que

houver

a notitia criminis. Há discussão

muita

quanto

respeito

à

aplicabilidade

dos 35

discussão da

doutrinária proibição

a da


comunicação do investigado com

conhecimento ocasionalmente do

outras pessoas, se tornando assim o

fato,

art. 21 do CPP inconstitucional, pois

costumeiras

estaria claramente contrariando o

autoridades. Também se diz que

direito da comunicação previsto nos

esse tipo de notitia criminis se

incisos LXII e LXIII do art.5º da

apresenta

Constituição

informam sobre o crime, pois eles

Federal.

Também

por

afronta o art.7º, III do Estatuto da

agem

Advocacia. A interpretação mais

policial;

aceita

é

que

a

prisão

meio

das

realizadas

quando

em

funções por

os

nome

da

tais

policiais

autoridade

seja

b) indireta ou mediata: essa

incomunicável, mas pode atingir a

forma de notícia do crime também é

família do preso ou pessoa que

conhecida

como

indicar, o advogado, a autoridade

qualificada

ou

policial, a autoridade judicial e o

necessita da iniciativa primária de

Ministério Público.

terceiros, que levarão a notícia do crime

3. Notitia Criminis

em

notitia

criminis

provocada,

questão

pois,

até

o

conhecimento da autoridade policial. Ocorre nos casos de representação

Notitia criminis é um termo

do ofendido ou de seu representante

latim que significa a notícia do crime.

legal nos crimes de ação penal

É a partir desse momento em que

pública condicionada;

autoridade

policial

conhecimento

da

toma

ocorrência

c)

do

cognitiva

coercitiva:

é

aquela em que a autoridade policial

crime, nascendo daí a persecutio

obrigatoriamente

criminis. Pode ser espontâneo ou

conhecimento, pois, no primeiro

provocado,

caso, o crime pode acontecer e não

apresentando-se

das

seguintes formas: a) imediata:

direta ocorre

tomará

ser informado. No segundo poderá ou

cognição a

saberá pois ocorre na hipótese de

autoridade policial presencia o crime

prisão em flagrante e, somente a

no momento de seu acontecimento,

autoridade policial é quem poderá

ou seja, de forma espontânea, não

autuar em flagrante delito, razão por

ocorrendo assim, nenhum tipo de

que, sempre saberá;

comunicação

quando

não ser representado. Mas neste ela

exterior,

tomando 36


d) delatio criminis: ocorre quando

a autoridade

informada

por

b) Requisição da autoridade

policial é

qualquer

judiciária ou do Ministério Público:

pessoa

pode o Ministério Público, recebendo

comum da sociedade ou até mesmo

a notícia de um crime, requisitar que

pela própria vítima, solicitando a

a autoridade policial instaure o

autoridade que verifique e tome as

inquérito. Nada mais correto, pois é

providências necessárias para a

ele o titular exclusivo da ação penal

investigação do fato possivelmente

pública.

delituoso.

determinação

A

regra

Formas

de

instauração

do

todavia,

inquérito policial

que

tal

importa

cumprimento 4.

é

sem é

em

discussão,

passível

descumprimento

pela

de

autoridade

policial caso o fato seja atípico, Depreende-se do artigo 5º do

esteja extinta a punibilidade ou não

Código de Processo Civil que o

exista condição de procedibilidade.

inquérito

Outra

policial

poderá

ser

instaurado da seguinte forma: a)

Ex

officio:

discussão

possibilidade

de

se

refere

à

a

autoridade

recebendo

judiciária requisitar, recomendando a

a notitia criminis deve a autoridade

melhor doutrina que não o faça, pois

policial, depois de tomar as medidas

estará suspeito, nesse caso, de

preliminares de formação da prova

julgar. O juiz deve estar o máximo

instaurar

possível

o

inquérito

policial

afastado

de

suas

independentemente de provocação

tendências acusatórias para não

se se tratar de crime de ação penal

burlar o princípio da imparcialidade; c) Comunicação ou delatio

pública incondicionada. Trata-se de da

criminis: refere-se às informações

obrigatoriedade. A peça que inicia o

que dadas por qualquer pessoa da

inquérito nessa modalidade é a

sociedade

Portaria, vez que o ato é normativo

própria vítima. De acordo com o art.

(para

5º, § 3º, do CPP “Qualquer pessoa

obediência

ao

princípio

que

determinações)

se e

cumpram

expedido

ou

até mesmo

pela

por

do povo que tiver conhecimento da

autoridade administrativa (delegado

existência da infração penal em que

de polícia);

caiba

ação

verbalmente 37

pública ou

por

poderá, escrito,


comunicá-la à autoridade policial, e

não

esta verificada a procedência das

desnecessários.

informações,

mandará

causar

constrangimentos

instaurar

inquérito”;

5. Atitudes da autoridade policial com a notitia criminis

d) Requerimento do ofendido ou por seu representante legal: tratase de um pedido de caráter oficial,

Como já visto anteriormente

podendo ser por meio de petição

tomando conhecimento da notitia

inicial

este

criminis e, tratando-se de crime de

exclusivo do ofendido ou daquele

ação penal pública incondicionada,

que o represente legalmente. Esse

pelo princípio da obrigatoriedade

requerimento pode ser em ação

deve a autoridade policial instaurar

penal

inquérito

ou

ofício,

pública

condicionada

pedido

incondicionada,

(tomando-se

policial.

Contudo,

é

como

impossível que instaure sem antes

representação) ou na ação penal

tomar algumas medidas para a

privada. O indeferimento do pedido

busca da prova da materialidade do

somente poderá ocorrer em caso de

fato e indícios da autoria. Vige no

fato atípico, falta de legitimidade,

processo penal e, especialmente no

extinção

ou

inquérito policial o princípio da

decadência. Em qualquer caso, há

imediatidade. É preciso que a polícia

necessidade

seja

colha as provas do crime o mais

ato

rápido possível, sob pena de os

da

punibilidade

que

fundamentado,

como

todo

administrativo; e)

vestígios desaparecerem.

Delação

anônima:

é

Para tanto o artigo 6º do

também conhecida como notitia

Código de Processo Penal, de forma

criminis inqualificada, não trazendo à

exemplificativa, determina quais as

autoridade policial total segurança

atitudes a serem tomadas pela

nas informações noticiadas. Neste

autoridade policial, quais sejam:

tipo de pedido de inquérito é correto

a)

Dirigir-se

ao

local

do

a autoridade policial ponderar com

crime. É o primeiro passo que toma

muita quanto à veracidade do fato

a autoridade policial, pois, necessita

criminoso

primeiro saber se o fato é realmente

redobrando

que

lhe o

é

exposto,

cuidado

na

criminoso. Se, ao menos em tese se

investigação, principalmente para

se tratar de crime deverá determinar 38


que se preserve o local e requisite

informalmente, como o fato ocorreu

exame pericial;

e quem foi seu autor;

b) Apreensão de objetos e

e) Inquirição do investigado.

instrumentos do crime. As palavras

Se conhecido o investigado ou

“objetos e instrumentos” presentes

suspeito e não se tratando de prisão

neste inciso representam tudo aqui

em flagrante, deve ele ser inquirido

que foi utilizado pelo autor do crime

para que dê sua versão sobre os

e também aos objetos que possam

fatos.

facilitar

esquecer

a

elucidação

do

fato

Todavia,

não

dos

se

seus

pode direitos

criminoso. Os objetos tidos como

constitucionalmente

apreendidos

deverão

ser

dentre

acompanhados

de

do

constitucional. Mesmo que esteja

imediatamente

sendo inquirido em declarações, seu

encaminhados ao foro competente,

direito de permanecer em silêncio

se ainda interessar ao processo. Não

deve ser informado e respeitado se

interessando,

desejar fazer uso. É possível ainda,

inquérito,

autos

deverão

ser

restituídos ao legítimo dono; c)

os

que

Busca

previstos,

quais

seja

o

silêncio

submetido

a

e

reconhecimento, respeitado o direito

apreensão. Pressupõe que a polícia

a não produzir prova contra si

mesmo;

ao

encontro

de

objetos

relacionados com o crime e os apreenda

da

identificação dactiloscópica e da vida

convicção sobre o fato criminoso. Se

pregressa do indiciado, trazendo a

os objetos estiverem no interior da

ideia aos mais incautos que tais atos

residência,

devem

policial

para

a

deverá

estar

na

formação

O artigo 6º trata ainda da

a

autoridade posse

do

A autoridade policial somente poderá

d) Ouvir o ofendido. Ofendido aquele

criminosa;

que é

sofreu a

a

vítima.

realizados

imediatamente, o que não é verdade.

competente mandado judicial;

é

ser

tomar tais providências em caso de

ação

indiciamento,

É

houver

ou

indícios

seja, de

que

quando aquela

indispensável que ele seja ouvido, se

pessoa praticou o crime. A decisão

que possível evidentemente, logo

para

após o factus delicti, pois, tem

fundamentada, pois se trata de ato

condições

que poderá levar ao oferecimento da

de

explicar,

mesmo 39

o

indiciamento

deve

ser


denúncia, à decretação da prisão

Depois do relatório o inquérito

preventiva, à decretação de medidas

é

assecuratórias

é

chegando às mãos do promotor de

status

justiça (estadual) ou do procurador

libertatis e status dignatatis do

da república (federal), será analisado

indivíduo.

para

medida

que

reais,

enfim,

afronta

o

encaminhado

ao

Fórum

oferecimento da

e,

denúncia,

arquivamento ou devolução para 6. Encerramento das investigações

diligências imprescindíveis.

Praticadas e esgotadas todas as diligências necessárias para se

Conclusão

conhecer o crime – quando, como e porque

ocorreu

-,

provar

a

Percebe-se do singelo relato

materialidade e obter indícios da

sobre o inquérito policial que o

autoria, a autoridade policial fará um minucioso

relatório

expondo

legislador criou mecanismos legais

os

para

motivos pelos quais o inquérito foi instaurado;

quais

as

porque presidida por autoridade administrativa,

(pessoais e reais); a que conclusão

suspeito peça

destino

do

por meio de sua polícia judiciária. Esse respeito exigido, aliado às

delegado de polícia informar os

formas

motivos que o levaram a tomar esta decisão

durante

sua

devem ser respeitados pelo Estado

é o Ministério Público. Deverá sim o

aquela

na

direitos e garantias fundamentais

inquérito, pois o titular da ação penal

ou

invadido

na sua liberdade. E por isso, os

ser objetivo, claro, sem opiniões o

é

privacidade, na sua dignidade e até

doutrinária ou jurisprudencial. Deve

sobre

cunho

Durante as investigações o

investigado.

pessoais

tem

essencialmente processual.

chegou e porque indiciou ou não o

é

realize

se trate de peça administrativa

o resultado das provas colhidas

não

Estado

investigatória. Na verdade, embora

porque outras não foram realizadas);

relatório

o

a persecutio criminis em sua fase

diligências

realizadas e o motivo (bem como

O

que

investigação,

a

determinantes demonstra

da que

o

inquérito submete-se às regras do

investigação. 40


processo penal e, portanto, dele faz

expressamente o papel de cada ente

parte.

estatal na persecutio criminis: polícia Preferimos

dizer

o

judiciária para investigar; Ministério

inquérito é uma peça processual pré-

Público para propor ação penal com

judicial, ou seja, uma peça escrita ou

exclusividade; direito à defesa por

eletrônica,

opinio

advogado ou defensor público; e,

delict do Ministério Público, sigilosa,

julgamento imparcial pelo Poder

presidida por delegado de polícia de

Judiciário;

carreira

federal),

acusatório, impedindo que outro

realizada de acordo com princípios e

órgão, por mais capacitado que seja,

garantias fundamentais da pessoa

investigue.

essencial

(estadual

ou

que

à

adotou

o

sistema

humana, que tem por objetivo a

Diante do exposto, porque o

apuração da infração penal e sua

inquérito policial obedece aos rigores

autoria.

garantistas do investigado, deve ser

Tendo o Brasil adotado o

imprescindível ao oferecimento da

estado democrático de direito e,

denúncia.

trazendo a Constituição Federal

41


Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. COSTA, Maria Isabel Pereira da. Jurisdição constitucional no Estado democrático de direito. Síntese, 2003. CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ______. Processo penal de emergência. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. DANTAS, Ivo. Constituição e processo: introdução ao direito processual constitucional. Curitiba: Juruá, 2003. v. 1. ______. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. FOUCAUT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003. FRANCO, Alberto S.; STOCO, Rui. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.001. GRINOVER, Ada Pelegrini. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookeller, 1997. v. 1. 42


MIRABETE, Julio F. Manual de Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 1999. ______. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios constitucionais do processo na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. OLIVEIRA, Jadiel J. B. de. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980. TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

43


A INTERPRETAÇÃO NORMATIVA FACE AOS CONTRATOS BANCÁRIOS CASALI, Éllen Cássia Giacomini (Docente do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga) CONSTÂNCIO, Thiago (Discente do 10º período do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga)

RESUMO A aplicação normativa nos contratos bancários, o estudo sistemático das relações havidas com os bancos, bem como as previsões legais que às regula é o objetivo do presente artigo. Busca-se assim, conciliar a legislação às atuais necessidades deste campo, apresentando como solução uma interpretação em sentido limitado. Nesta esteira, para os contratantes que não partilham dos requisitos consumeristas, isto é, aqueles vulneráveis e destinatários finais, a lei a ser adotada será o Código Civil, norma geral de aplicação aos contratos. Portanto, nesse contesto, é posto que a norma especial da Lei n. 8.078/90 deverá ser aplicada aos consumidores em sentido limitado, assim como defende a teoria finalística. O estudo foi desenvolvido pelo método dialético, por meio de pesquisas doutrinárias, entendimentos jurisprudenciais e interpretações legais. A análise das atuais necessidades para a consecução da solução deu-se através de estudo hermenêutico. Mas também o método dogmático-jurídico, no objetivo de delimitar a força e alcance das leis relativas à matéria.

Palavras-chave: Teoria Finalística. Consumidor. Contratos bancários. 44


pelos bancos, de modo que o ramo

Introdução

das relações de consumo, ocupada A delimitação legal do tema

por consumidores em sentido estrito,

não é discutir a aplicação do Código

seja regulado pelo Código de Defesa

de

do Consumidor, já as que versarem

Defesa

relações

do

Consumidor

bancárias,

mas

às

sobre

sim,

fornecedores,

sejam

elas

verificar quem é o contratante dos

reguladas pelas previsões do Código

serviços

Civil, uma vez que não merecem as

bancários,

a

fim

de

enquadrá-lo, ou não, na condição de

mesmas

garantias

e

proteções

consumidor, a fim de analisar qual

dirigidas

aos

legislação aplicável àquela relação

decorrência de suas deficiências

contratual estabelecida.

contratuais.

consumidores,

em

Inicialmente, cumpre delimitar a aplicação do artigo 3º do Código de

Código de Defesa do Consumidor e

Defesa do Consumidor, que versa sobre

relações

de

a pessoa do consumidor

consumo,

regulando conceitos e campo de

No Código de Defesa do

atuação. No que tange ao ramo bancário,

verifica-se

quanto

lei aplicável, face a

à

divergência

o

encontrada

entendimentos

doutrinários

jurisprudenciais

com

verificação

da

consumidor.

Neste

Consumidor o legislador brasileiro, a

conflito

relação

condição sentido,

fim

bancárias

das

esclarecimentos

em

da lei n. 8.078/90: “Consumidor é

de

toda pessoa física ou jurídica que

a

adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” A partir da simples leitura do dispositivo

de

pode

facilmente

pelo legislador, uma vez que este

suas atuais necessidades. deste

se

interpretar o real sentido querido

normas adequadas que supram a

Diante

na

Nesse sentido, estabelece o artigo 2º

à

melhores busca

problemas

fez uso da própria lei para defini-lo.

e

instituições

exige

evitar

interpretação do termo consumidor,

nos

complexidade que envolve o sistema regulamentador

de

usou de definições simples e exatas,

problema,

com a finalidade de que não só os

cumpre realizar uma divisão na

estudiosos

prestação dos serviços efetuados 45

das

leis

pudessem


compreendê-lo,

como

também

As teorias Maximalista e Finalística

qualquer pessoa do povo. Ao intitular um consumidor

Os

padrão, Efing declara:

doutrinadores

consumeristas

[...] para a caracterização de

dividem

opiniões

quanto à extensão da definição de

consumidor, basta que a pessoa

consumidor.

adquira ou utiliza o produto ou

Para

parte

da

doutrina,

serviço como destinatário final. Ou

entendedores da corrente finalística,

seja, quando se realiza a destinação

o

final do bem, entende-se a retirada

compreendido de maneira estrita, ou

do produto do mercado através da

seja, o destinatário final vulnerável

sua destruição (2000, p. 53).

na relação, de acordo com o artigo

Retomando os postulados de

dado

ser

Consumidor.

produto:

se

Para a outra parte da doutrina,

transformado,

se

os maximalistas, o consumidor deve

utilizado como componente de outro.

ser interpretado em sentido lato, de

Importa,

sua

maneira ampla, sendo irrelevante se

destruição. Vale dizer, a sua retirada

utilizará o produto ou serviço como

do ciclo econômico.” (DONATO,

seu destinatário final para repasse

1993, p. 104 apud EFING, 2000, p.

ou mesmo como meio de alcançar

53).

seus propósitos como fornecedor.

reciclado,

ao

deve

4º, I, do Código de Defesa do

Donato, atesta: “Não Importa o destino

consumidor

se

especialmente,

Logo,

é

de

a

essencial

Observa-se que estes fins

importância a destinação final do

nada mais são do que uma manobra

produto ou serviço adquirido. Ou

do mercado de consumo. Para essa

seja,

este

corrente, o efeito buscado deve ser a

produto ou serviço seja consumido

aplicação de forma generalizada do

por seu adquirente final, tornando

Código de Defesa do Consumidor.

imprescindível

que

prejudicada suas existências.

Levando-se princípios

em

conta

consumeristas,

os este

pensamento afronta a razão de ser do Código do Consumidor. Pois, como reza o artigo 2º, estudado conjuntamente com o artigo 4º, 46


ambos da lei 8.078/90, o consumidor

obtivesse qualquer propósito de

deve ser final, além de exigir a

lucro.

vulnerabilidade,

somente

A maior característica deste

encontrada em quem adquire algo

personagem é sua posição na

sem fim de benefício financeiro.

relação comercial, a vulnerabilidade.

Pensando na relevância das afirmações,

não

poderá

Perfeitamente esclarece Donato:

ser

A lei ao incluir a pessoa física

considerado consumidor todo aquele

que, mesmo sendo fornecedora, ao

que possuir interesse de lucro, e,

inserir-se no polo ativo da relação

neste caso, incompatível com os

jurídica de consumo, na qualidade

objetivos de repasse ou uso em

de ‘consumidor-destinatário final’,

quaisquer

estaria a fazê-lo como qualquer outro

atividades

de

fornecimento.

consumidor, ou seja, sem possuir

A proteção ao consumidor

qualquer poder de barganha sobre

final pode ser estendida à pessoa

seu ‘fornecedor’, estando a aceitar

que exercer pequena atividade, esse

as cláusulas contratuais impostas

pensamento

sem que lhe fosse conferida a

fundamenta-se

na

vulnerabilidade prevista no artigo 4º,

possibilidade

I, da Lei 8.078/90 que prevê o

conteúdo;

enfim,

“reconhecimento da vulnerabilidade

revestido

com

do consumidor no mercado de

vulnerabilidade que qualquer pessoa

consumo”.

comum se encontraria ao realizar

Conforme expõe o caput do

aquele

de

discutir

seu

encontrar-se-ia a

mesmo

mesma

contrato,

artigo 2º do Código de Defesa do

apresentando-se, nessa relação de

Consumidor: “Consumidor é toda

consumo, o mesmo desequilíbrio

pessoa física ou jurídica que adquire

que

ou utiliza produtos ou serviço como

realizado

destinatário final.”

consumidor-vulnerável.

se

apresentaria por

se

fosse

qualquer

outro

(DONATO,

1993, p. 104apud EFING, 2000, p.

Logo, quis o legislador referirse a toda pessoa física, capaz ou

49).

incapaz, que possuísse desejo de

Em resumo, a pessoa jurídica

adquirir do sistema econômico um

consumidora deverá apresentar-se

produto ou serviço a fim de esgotá-lo

como destinatária final do produto ou

em

sua

existência,

sem

que 47


serviço e ser o polo vulnerável da

consumo, para reprimir eficazmente

relação.

os abusos do poder econômico, para

No

capítulo

das

práticas

proteger os interesses econômicos

comerciais, o artigo 29 do Código de

dos

Defesa do Consumidor, que trata de

legislador concedeu um poderoso

uma das formas de equiparação ao

instrumento nas mãos daquelas

consumidor, profere que “para fins

pessoas

deste

seguinte,

econômicos) expostas às cláusulas

consumidores

abusivas. Estas, mesmo não sendo

capítulo

equiparam-se

e

do

aos

consumidores-finais,

(mesmo

o

agentes

todas as pessoas determináveis ou

consumidoras

stricto

não, expostas às práticas nele

“poderão

previstas.”

especiais o CDC, de seus princípios,

utilizar

sensu,

das

normas

Neste caso, a intenção da

de sua ética de responsabilidade

norma é a tutela da coletividade

social no mercado, de sua nova

exposta

ordem pública, para combater as

a

práticas

sobrevindas

da

abusivas

oferta,

práticas

da

publicidade, das práticas abusivas,

dados

e

Sendo assim, a norma em

de

estudo objetiva a proteção destes

cláusulas

consumidores equiparados que, por

abusivas e dos contratos de adesão.

sua vulnerabilidade, com previsão no

Entende-se por

no

artigo 4º, IV, da lei 8078/90, estão

consumidores,

presente indivíduos, jurídicas,

cadastro

abusivas”.

(MARQUES, 1999, p. 157).

da cobrança de dívidas, dos bancos de

comercias

das

coletividade,

contexto,

todos

os

suscetíveis às práticas comerciais

pessoas

físicas

ou

abusivas.

que

estiverem As instituições bancárias e sua

potencialmente sujeitos às práticas

definição legal

consumeristas e que, de qualquer forma, lhes forem prejudiciais.

Mais uma vez, o Código de

O artigo 29 supera, portanto, os

estritos

limites da

Defesa do Consumidor conceitua os

definição

personagens

jurídica de consumidor para imprimir

da

relação

de

consumo, contudo desta vez procura

uma definição de política legislativa!

ampliar o campo de atuação desta

Parece-nos que, para harmonizar os

nova figura, o fornecedor.

interesses presentes no mercado de 48


A Lei nº 8.078/90 descreve o

aquelas mencionadas no próprio

conceito de fornecedor no caput de

artigo 3º da lei do consumidor. Além

seu artigo 3º, mencionando:

disto,

Fornecedor é toda pessoa

exige-se

habitualidade

e

remuneração.

física ou jurídica, pública ou privada,

Isto

se

deve

ao

termo

nacional ou estrangeira, bem como

‘atividades’, previsto no caput do

os entes despersonalizados, que

artigo 3º da Lei 8078/90, e ‘mediante

desenvolvem

remuneração’, também expressa no

atividades

produção,

montagem,

construção,

de

criação,

§ 2º da mesma norma. Descreve o § 2º: “Serviço é

transformação,

importação, exportação, distribuição

qualquer

ou comercialização de produtos ou

mercado de consumo, mediante

prestação de serviços.

remuneração,

Como definição quanto

se

não às

Podendo

observa prevê

suas

ser

sua

restrições

física

fornecida

inclusive

as

no

de

natureza bancária, financeira, de crédito

características.

pessoa

atividade

e

securitária,

salvo

as

decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

ou

jurídica, nacional ou estrangeira,

Assim

como

demonstra

pública ou privada, ou até mesmo

Pasquotto (RT666/52 apud Efing,

um

Isto

2000, p. 59), a norma revela que o

ocorre para garantir que nenhum

fato de o indivíduo praticar uma

fornecedor

atividade, de que vale lembrar,

ente

despersonalizado.

se

exima

de

suas

responsabilidades. Ocorre

que

habitual, cumulada com a intenção o

legislador

de

receber

determinada

tencionou a conceituar o maior

remuneração, leva a consideração

número possível de pessoas que

de um exercício profissional.

desenvolvessem atividades com fim

Coloca ainda que “também o

lucrativo. Não deixando de incluir

fornecedor de produtos, para ser

nem

considerado como tal, deve atuar no

mesmo

os

entes

despersonalizados.

curso

de

sua

atividade-fim.”

Para Marques (1999, p. 163),

(Pasquotto apud Efing, 2000, p. 59).

basta que fique constatado que este

Conclui Nunes (2000, p. 86) que: “O

sujeito

uso do termo “atividade” está ligado

desenvolva

tipicamente

atividades

profissionais,

como

ao seu sentido tradicional. Têm-se 49


então, atividade típica e atividade

59), o maior motivo de sua expressa

eventual.”

inclusão no dispositivo em comento

Segundo

esse

autor,

a

foi de que viessem a responder por

atividade típica refere-se àquela que

suas práticas.

é exercida em caráter regular, isto é, periodicamente. entende

se

eventual, refira

figura das instituições de natureza

aos

bancária, financeira, de crédito e

fornecedores que exerçam seu ofício

securitária. Grande discussão surgiu

com pouca habitualidade, ou seja,

a partir destas colocações. Isso

que

porque

o

que

O § 2º do artigo 3º alude à

pratique

com

pouca

as

próprias

instituições

previsibilidade, como, por exemplo,

bancárias, no intuito de se eximirem

um artífice de ovos de páscoa

da aplicação do Código de Defesa

artesanais. (NUNES, 2000, p.86)

do Consumidor em suas atividades,

O legislador, a fim de evitar eventuais

problemas,

incluiu

conceito

fornecedor

os

despersonalizados.

defenderam fortemente que seus

ao

serviços não se enquadravam na

entes

qualidade

Encontram-se

de

fornecedoras

de

produtos e serviços.

entre estes a família, a massa falida,

A

partir

dessa

polêmica,

as heranças jacente e vacante, o

originou-se a interposição da Ação

espólio e o condomínio (este último

Direta de Inconstitucional número

já ultimamente sendo considerado,

2591, em que os bancos defendiam

fora do Brasil, como uma figura

a exclusão dos trechos que os

especial

incluía no §2º do artigo 3º da lei.

de

pessoa).

[...]

Sinteticamente, pode-se dizer que fornecedor

é

todo

ente

A Confederação de Sistema

que

Financeiro (Consif), propositora da

provisione o mercado de consumo

ADIN,

de produtos ou serviços. (Martins,

inconstitucional o enquadramento de

1991, p. 18 apud EFING, 2000, p.

bancos no conceito de fornecedores,

59).

uma vez que não havia de se falar Considerando

defendia

que

seria

estes

em relação de consumo. Todavia, foi

aspectos, pode-se dizer que o

dada como improvida, pelo Superior

legislador foi sábio ao se preocupar

tribunal Federal, a Ação Direta de

também

de

Inconstitucionalidade número 2591,

fornecedores. Para Efing (2000, p.

por nove votos a dois, pois, por mais

com

essa

forma

50


de uma vez, foi decidido que os

Não se pode perder de vistas

produtos e serviços prestados pelas

que as instituições financeiras são

entidades

preenchem

responsáveis pela regulamentação

todos os requisitos para conceituá-

de uma enorme gama de atividades

las como fornecedoras, como já

econômicas, uma vez que lhes

mencionado

compete a responsabilidade pelo

bancárias

no

transcorrer

do

capítulo em comento. Confirmando,

andamento do mercado financeiro.

ainda, aplicabilidade da súmula 297

O artigo 17 da Lei nº 4.595/64

do Superior Tribunal Federal, a citar:

descreve que:

“O Código de Defesa do Consumidor é

aplicável

às

Consideram-se

instituições

financeiras,

financeiras.”

efeitos

da

legislação em vigor, as pessoas

Isso se explica nas palavras

jurídicas públicas ou privadas, que

de Leães, que:

tenham como atividade principal ou

Os serviços oriundos das atividades

para

instituições

acessória a coleta, intermediação ou

bancárias, financeiras,

aplicação de recursos financeiros

creditícias e securitárias [...] são

próprios ou de terceiros, em moeda

exclusivamente

serviços

nacional ou estrangeira, e a custódia

vinculados ao fornecimento de bens

de valor de propriedade de terceiros.

os

e serviços no mercado de consumo de

bens

e

serviços,

foi

discutido

a

se

respeito da aplicação legal no ramo

estendendo aos outros segmentos

bancário. Desde a entrada em vigor

do processo econômico onde essas

do

atividades

Consumidor, lei nº 8.078 de 11 de

são

não

Muito

desenvolvidas.

Código

de

Defesa

do

(LEÃES, 1990, p. 65-79 apud Efing,

setembro

2000, p.63).

regulamentação destas instituições

Esta

decisão

partiu

do

foi

retirada

de

do

1990,

âmbito

cível

a

e

entendimento de que os bancos

transferida para a lei do consumidor,

nada mais são que prestadores de

de acordo com seu artigo 3º, § 2º. Diz

serviços, isto se deve ao fato de que

a referida norma: “Serviço é qualquer

põe à disposição do mercado de

atividade fornecida no mercado de

consumo serviços no intuito de lucrar

consumo, mediante remuneração,

através de pequenas cobranças,

inclusive as de natureza bancária,

dentre elas os juros.

financeira, de crédito e securitária, 51


salvo as decorrentes das relações de

Dessa forma, importante se

caráter trabalhista.” Acontece

faz a análise dos tipos contratuais

que,

em

sua

mencionados no referido parágrafo.

publicação, a lei consumerista veio a

As atividades bancárias e financeiras

tratar desta abordagem de maneira

dispensam comentários por serem

específica, ilustrado acima. Uma vez

diretamente ligadas ao conceito

que o Código Civil assim não o fazia,

banco.

a competência foi transportada de acordo

com

o

princípio

A Lei nº 8.078/90 rege a

da

política econômica nas instituições

especialidade, do qual concede a

bancárias

aplicabilidade a leis mais específica.

consumição,

Sem a necessidade de fazer uma

regulamentar as negociações de

profunda análise, fica evidente a

ordem econômica, a fim de ver

vontade do legislador em fazer uso

alcançado o equilíbrio entre as

deste código às relações tidas com

partes nas relações de consumo.

instituições financeiras.

em e

matéria tem

de

por

objeto

Neste sentido, regulamenta

Filomeno revela que:

apenas a maneira de proceder dos

[...]

atividades

bancos no que diz respeito às

desempenhadas pelas instituições

atividades por eles praticadas. Por

financeiras, quer na prestação de

isso, é importante ressaltar que a lei

serviços aos seus clientes (por

do

exemplo, cobrança de contas de

competência no trato do sistema

energia elétrica, água e outros

financeiro, mas só concernente às

serviços, ou então expedição de

atividades

extratos-avisos

etc.),

concessão

mútuos

as

de

consumidor

não

que

quer

na

consumidores.

ou

de

A

Lei

envolvem

4.595/64,

regulamenta

bens, inserem-se igualmente no

financeira, estabelece em seu artigo

conceito

1º:

de

serviços

e

enquadram-se indubitavelmente nos

O

política

que

financiamentos para a aquisição de

amplo

a

possui

sistema

nacional

Financeiro

dispositivos do Código de Defesa do

Nacional, estruturado e regulado

Consumidor (FILOMENO, 1991, p.

pela presente Lei, será constituído:

36-37 apud EFING, 2001, p. 71).

I - do Conselho Monetário Nacional; 52


II - do Banco Central da

decorrentes do relacionamento entre

República do Brasil;

as

II - do Banco Central do

pessoas

físicas

e

jurídicas

especificadas nos artigos anteriores;

Brasil; (Redação dada pelo Del nº

II

278, de 28/02/67)

-

fixar,

questões

em

razão

operacionais,

de

prazos

III - do Banco do Brasil S. A.;

diferenciados para o atendimento do

IV - do Banco Nacional do

disposto nesta resolução.

Desenvolvimento Econômico;

Nesse diapasão, o Código de

V - das demais instituições

Defesa

financeiras públicas e privadas.

do

Consumidor

responsável

Além disso, há também a

pela

fica

aplicação

normativa aos bancos sempre de

regulamentação da resolução nº

sua

atuação

2.878/2001, do Banco Central, no

consumo.

no

mercado

de

trato das atividades promovidas

O Código Civil, por ser lei que

pelos bancos. Também se faz válido

trata do ramo de direito privado, não

salientar os seguintes dispositivos:

poderia deixar de ser aplicada aos

Art. 2. Ficam as instituições

contratos bancários, uma vez que

financeiras e demais instituições

estes também constituem, muitas

autorizadas a funcionar pelo Banco

vezes,

Central do Brasil obrigadas a exigir

particulares.

de

seus

clientes

e

usuários

relação

contratual

entre

A lei civil, por sua também

confirmação clara e objetiva quanto

adequação

a aceitação do produto ou serviço

aplicação aos contratos bancários,

oferecido

provocou

ou

colocado

a

sua

e

suscetibilidade

grande dos

discussão

disposição, não podendo considerar

âmbito

o silêncio dos mesmos como sinal de

Contudo,

concordância.

contratos de maneira geral.

o

serviços código

de

no

bancários. trata

dos

Art. 20. Fica o Banco Central do Brasil autorizado a:

Conclusão

I - baixar as normas e a adotar as medidas julgadas necessárias à execução

nesta

Desta forma, conclui-se que

podendo

inclusive

só estará amparado pelas normas

novas

situações

protetivas do Código de Defesa do

do

resolução, regulamentar

disposto

53


Consumidor aquele que adquirir o produto

ou

serviço

sem

O Código Civil, portanto, é

fins

norma geral, aplicada a todos os

lucrativos.

contratos

Uma vez que as relações

fora

do

âmbito

consumerista.

contratuais entre instituição bancária

Por isso, toda vez que um

e fornecedor não podem estar

fornecedor fizer uso dos serviços

incluídas na esfera consumerista,

bancários, a fim de ligá-los a sua

deve-se aplicar o instituto regulador

própria atividade lucrativa, ser-lhe-á

dos contratos em geral, isto é, o

aplicada a norma geral do Código

Código Civil, mais precisamente

Civil. Do contrário, qualquer pessoa,

regulando a matéria em seu Título V,

destinatária final dos produtos e

Livro I, artigos 421 e seguintes.

serviços bancários, que não objetivar

Este instituto, diferentemente

o trabalho lucrativo por meio destes,

Código

do

estará sob a égide do Código de

Consumidor, não faz distinção entre

Defesa do Consumidor, fazendo uso

as partes do contrato, ao ponto de

de

prever vantagem desigual a somente

consumeristas.

do

de

Defesa

uma delas.

54

todos

os

seus

benefícios


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55


A POLITICIDADE DO DIREITO E A FUNÇÃO CRIADORA DO JUIZ XAVIER, Vívian dos Santos – Discente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O

objetivo

desse

estudo

é

apresentar,

mediante

pesquisas

bibliográfica sobre a Semiótica da linguagem, na Pragmática e na Retórica, uma análise da linguagem jurídica. Justifica-se o tema pois as teorias linguísticas citadas são relevantes, mas ainda pouco difundidas. Uma das questões que aproxima a filosofia política e a doutrina jurídica atuais refere-se aos limites hermenêuticos impostos na atividade judicial. A visão dogmática do Direito, assentada com a Escola da Exegese, afastou o discurso jurídico de seu componente histórico, ideológico e valorativo. Até o final do século XIX a aplicação da lei era vista pela doutrina como um silogismo no qual uma norma era aplicada a um fato e por meio de uma dedução se chegava a uma sentença. A partir do século XX, surgiram novas concepções que reconheceram a inexistência de ligação entre os códigos e os fatos sociais. A partir destas novas concepções, o ato discursivo converte-se em uma manifestação discursiva, o que ampliou o papel do exegeta. Neste contexto, surge um questionamento sobre o papel criativo do juiz e a politicidade da atividade decisória. Recentes estudos na área da linguagem (Semiótica) reconhecem no Direito um processo cumulativo de discursos cujas significações são condicionadas ao meio social. Um dos ramos da Semiótica, a Semiologia do poder aplicada ao direito, objetiva a análise das funções, dos efeitos políticos e ideológicos dos diferentes discursos jurídicos e se preocupa com o condicionamento que tais discursos provocam na sociedade. Tal ramo visa mostrar que certos discursos carregam um sistema de sentido ideológico e funcionam como uma técnica de efeitos sociais, interligando os que detêm a posse da gramática interpretativa (juízes) a um certo poder social. Não existem palavras inocentes. O espaço social de onde emanam 56


sempre reflete relações ideológicas. Nenhum discurso é neutro, muito menos o judicial. Ao decidir, o juiz apresenta sua compreensão de mundo e dá seu diagnóstico dos fenômenos e das ocorrências que importam ao Direito. O trabalho interpretativo não consiste em desvendar um sentido oculto na norma, mas sim em atribuir um significado a ela. O juiz não descreve o sentido da norma, mas a cria e a redefine, alterando as características de relevância da palavra no texto legal causando uma mudança em sua denotação. Portanto, é evidente que o Direito possui uma dimensão política, pois o sentenciador jamais é neutro. Quando o juiz, ao fundamentar a decisão, avalia a consequência social da sentença, o respaldo ético e a eficácia jurídica, realiza um julgamento subjetivo apoiado em seus valores pessoais e ideologia, repercutindo sua visão política.

Palavras-Chave: Hermenêutica jurídica. Semiótica. Pragmática. Ideologia. 57


O maior mérito de Saussure

Introdução

está em sua revolucionária postura epistemológica que determinou a

O objetivo desse estudo é

possibilidade de refletir a partir de

apresentar, com subsídios na teoria Semiótica

da

linguagem,

um novo lugar teórico, sobre os

na

diferentes sistemas sígnicos.

Pragmática e na Retórica, alguns

A oposição entre língua e fala

pressupostos para a análise da

permite a Saussure aspirar por uma

linguagem jurídica. Justifica-se a

ciência dos signos. O linguista deve

escolha desse viés teórico tendo em vista

que

as

linguísticas

recentes

teorias

um

impacto

têm

situar sua observação no conjunto de todos os fatos linguísticos que ocorrerem

considerável sobre a linguagem jurídica

e

são

ainda

captar

um sistema abstrato: a língua. Na teoria de Saussure, a

em torno da linguagem natural.

língua é considerada como um

Linguagem nada mais é do

sistema de signos e, assim, a sua

que a capacidade que o homem tem

unidade mínima de análise é o signo.

de se comunicar com outras pessoas

Distinguem-se no interior do

através da língua (sistema de signos por

uma

signo, dois elementos: o indício

determinada

material ou significante, (som, sinal,

comunidade).

grafia,

Na Europa e nos Estados Unidos,

Ferdinand

Saussure

dos

Sistemas

gesto,

comportamento,

objeto, imagem), e o conteúdo

e

significado (fenômeno, fato). O signo

Charles Pierce elaboraram a Teoria Geral

universais

funcionamento e organizando-a em

e

investigações feitas pelos linguistas

utilizados

elementos

ao mesmo tempo, sua estrutura e

em um ambiente crítico e polêmico e estudos

os

subjacentes aos usos explicitando,

estuda os signos, desenvolveu-se

de

manifestações

empíricas dos signos (fala), tentando

pouco

difundidas. A Semiótica, ciência que

originou-se

nas

é

Sígnicos,

um

conceito

teórico

que

empregamos para nos referir ao

desenvolveram estudos semióticos

ponto de articulação indissociável

desenvolvendo leis e os conceitos

entre o indício material (significante)

metodológicos que poderiam ser

e

considerados válidos para todos os

o

seu

(significado).

sistemas sígnicos (WARAT, 1984). 58

conteúdo

conceitual


Apenas se pode ter acesso a

pragmática,

um significado, através de algum tipo

maneira

de significante (WARAT, 1984).

relacionam.

A significação da expressão “emboscada”

caracteriza

qual Assim

a

elas

se

para

o

desenvolvimento de uma norma ou

o

texto jurídico devem estar presentes

nosso

as três fases da semiótica, ou seja, a

código penal (artigo 121, § 2º, inciso

sintática, semântica ou pragmática.

IV) estabelece-se pela oposição a

É nesse sentido que o autor Eduardo

termos

C. B. Bittar se refere:

homicídio

que

pela

demonstrando

qualificado

que

em

especificam

a

significação de um signo.

O que há, em verdade, é que

Já podemos perceber que a

não se pode falar de norma jurídica

significação de um termo depende

como sentido, como discurso ou

de um duplo movimento ou relação:

como texto jurídico, senão quando

a relação interna do signo e a

estão

relação com os outros signos.

semióticas, a saber, a pragmática

A linguagem não só permite o

(na

reunidas as três facetas

interação

sujeito/norma),

intercâmbio de informações e de

semântica

conhecimentos

como

signos/referente) e a sintática (na

também funciona como meio de

integração signos/signos). (BITTAR,

controle

2001, p. 186).

de

conforme

humanos,

tais

conhecimentos,

afirma

a

corrente

sob três pontos de vista, atendendo

importância

ao fato de que pode ser considerado

fundamental da linguagem para a

como elemento que mantém três

ciência do Direito, pois esta deve

tipos de vinculações: com os outros

construir seu objeto sobre dados que

signos (sintaxe); com os objetos que

são

designa

expressos

a

interação

O signo pode ser estudado

linguístico-epistemológica. Salienta-se

(na

a

pela

própria

linguagem, ou seja, a linguagem da

(semântica);

com

os

homens que o usam (pragmática).

ciência jurídica fala sobre algo que já

Estes três níveis de análise

é linguagem anteriormente a esta

constituem as partes da semiótica,

fala (WARAT, 1984).

entendida como a teoria geral de

A semiologia, que é o estudo

todos os signos e sistemas de

dos signos, trabalha com a relação entre

sintaxe,

semântica

comunicação.

e 59


No que pertine à Pragmática,

Em suma, a análise com base

tem-se que esta é a parte da

pragmática permite articular certas

semiótica que estuda a relação dos

características

signos com seus usuários. Sua

significativo (persuasão, legitimação,

problemática central gira em torno da

antecipação) explicitando em grande

análise dos modos de significar,

parte as funções dos discursos na

usos ou funções da linguagem.

sociedade e mostrando como a

A ideologia não só encontra-

do

identificação

funcionamento

empirista

entre

se presente no discurso natural

descrição e realidade é uma forma

como também constitui um sistema

de

de evocações contextuais surgidas

discurso científico.

despolitização-politizadora

do

No que concerne à Retórica,

no uso pragmático do discurso científico.

sabe-se que a semiologia dominante

Nesse sentido Warat:

pode ser vista como uma nova forma

A pragmática, projetada ao

de

desenvolvimento

das

velhas

direito, permite compreender que a

pesquisas retóricas. A Retórica é

ideologia é um fator indissociável da

definida como a metalinguagem cuja

estrutura conceitual explicitada nas

linguagem objeto é o discurso.

normas gerais. A partir da análise

A semiologia, como retórica,

pragmática pode ser levantada a

fornece um protocolo de técnicas, de

tese no sentido de que um discurso

métodos que permitem organizar de

normativo, para que exista o efeito

modo

de uma univocidade significativa,

persuasão ou convencimento. Os

deve haver uma prévia coincidência

resultados obtidos representam uma

ideológica. Por esta razão, a análise

estratégia

pragmática é um bom instrumento

interpretação dos discursos.

para a formação de juristas críticos,

racional

Desta

as

formas

normalizadora

forma,

o

de

da

discurso

que não realizem leituras ingênuas e

constitui um ato de argumentação

epidérmicas das normas, mas que

cujo principal problema teórico é

tentem descobrir as conexões entre

configurado pela sua relação com

as palavras da lei e os fatores

seus interlocutores. Considera-se a

políticos e ideológicos que produzem

retórica como uma investigação

e determinam suas funções na

sobre os discursos que objetiva dar

sociedade. (WARAT, 1995, p.47).

conta do processo argumentativo na 60


instância

da

própria

prática

Para Aristóteles, o discurso do

lingüística.

orador deve ser entendido como

A análise retórica representa

uma ação política; o ato do orador

uma fragmentária abertura para o

tem finalidades práticas na vida do

processo

Estado.

de

compreensão

das

Tais

finalidades

dimensões políticas da significação.

condicionam o processo persuasivo

O pensamento retórico situa-se em

determinando em última instância, a

um campo de observação que,

verossimilitude

mostrando

entimemáticas.

processo também

certos de os

defeitos

persuasão, efeitos

do

indica

sociais

das

premissas

Esta vinculação do discurso

de

retórico com o Estado é muitas

dominação (WARAT, 1984).

vezes negligenciada e o preço pago

O pensamento argumentativo

na atualidade é a existência de uma

organiza-se a partir de entimemas e,

semiologia despolitizada.

portanto, não permite o controle

Conclui-se que os estudos

lógico das evidências que postula.

linguísticos e semiológicos do Direito

Para os aristotélicos, o entimema é

necessitam procurar acompanhar o

um silogismo fundamentado a partir

salto teórico que a própria lingüística

da verossimilhança, ou seja, uma

e

afirmação

das

produzir; tendo em vista que uma

desenvolvidas

à

verdades margem

das

a

semiologia

formação

estão

discursiva

tentando

depende

demonstrações lógicas e apoiada

sempre de uma prática política

unicamente ao nível do pensamento

(STRECK, 2007).

popular, das crenças socialmente

Através dessa retórica, tentar-

estereotipadas. Os resultam

se-á demonstrar como os discursos

argumentos persuasivos

apenas entre

não

os

Tem-se assim a tentativa de gerar “corpos ideológicos” que agem

políticas que a sustentam. à

mas

corpos.

ideologia dominante e as condições

falta

persuadem,

também procuram se apoderar dos

juristas quando não contradizem a

Assim

somente

retórica

de forma fascista sobre si mesmos.

tradicional inaugurar uma ampla

A semiologia política aplicada

discussão sobre a situação política

ao direito, tenta tornar objeto de seu

da palavra na sociedade.

estatuto a política da análise que 61


regula a produção do saber jurídico

trabalhando com a perspectiva de

dominante.

um Direito cunhado para enfrentar

A partir de todo o conteúdo

conflitos interindividuais bem nítidos

exposto, é claramente perceptível

em nossos códigos (civil, penal,

que estamos diante de uma crise do

comercial...) (STRECK, 2007).

Direito, do Estado e da dogmática

O Direito e a dogmática

jurídica (STRECK, 2007).

jurídica não conseguem atender as

Atualmente vive-se uma era

especificidades

das

demandas

em que a modernização é vista

originadas

uma

sociedade

independentemente do bem-estar

complexa e conflituosa. Desta forma,

coletivo. Mesmo com o imenso poder

o

econômico

transindividuais

agregado

não

se

de

crescimento

dos e

a

direitos crescente

consegue resolver os problemas

complexidade social exigem novas

relativos às desigualdades sociais.

posturas dos operadores jurídicos.

Constroem-se sociais

que,

modernas,

ao

estruturas

Necessário se faz que haja

fazerem

uma mudança de paradigma, uma

se

mantêm

todas

as

reviravolta na ciência do Direito a fim

características do que há de mais

de que se encontrem soluções mais

injusto e estúpido. As promessas da

acertadas frente às demandas da

modernidade

cumpridas

sociedade. É preciso ter em mente

somente para um certo tipo de

que se no processo constituinte

brasileiros, e, para os demais, resta

optou-se

a

intervencionista

são

exclusão

social

desfavorecimento

e

o

por

um visando

Estado a

uma

econômico.

sociedade mais justa, deveria-se

Assim, pode-se dizer que no Brasil

esperar que o Poder Legislativo e o

prevalece o modo de produção do

Executivo

cumprissem

Direito instituído para solucionar

programas

especificados

disputas interindividuais.

Constituição.

A crise do modelo ou do modo

Constituição

Ocorre não

está

tais na

que

a

sendo

de produção do direito se instala

cumprida, o que se evidencia pelo

justamente

plena

aumento dos presídios e das favelas.

sociedade moderna e repleta de

Destarte, o conceito de Estado

conflitos

a

Democrático exige a rediscussão do

continua

papel destinado ao Poder Judiciário,

dogmática

porque

em

transindividuais, jurídica

62


buscando não apenas reconstruir o

é obtido quando adequadamente

Estado de Direito, mas também

manipulam-se as palavras.

resgatar

a

força

do

Direito,

A

semiologia

do

poder

competindo à jurisdição a tarefa de

apresenta-se

guardiã dos valores resguardados

como programa desmistificador das

pela Constituição.

distintas práticas discursivas

A

grande

do

da

direito e do saber que as legitima,

mudança de paradigma que está

como também visa a destruição de

sendo apresentada consiste em

vários mitos organizadores do saber

reconhecer

é

jurídico.

político, assim como o Legislativo e

O

que

questão

simultaneamente

o

Judiciário

o Executivo.

Poder

contribuir

Diante desse quadro social,

Judiciário

para

capacidade

o

de

aumento

da

incorporação

do

garantindo

aos

ocorre um redimensionamento da

sistema

relação entre os Poderes do Estado,

grupos marginais destituídos do

passando o Judiciário a fazer parte

acesso aos poderes políticos uma

da

oportunidade

arena

alternativa

política para

promessas

o

da

como

uma

resgate

das

para

as

suas

expectativas e o direito no processo

modernidade

judicial (WARAT, 1984).

(STRECK, 2007). Neste

político

pode

O Judiciário não pode assumir

contexto,

surge

o

uma postura passiva diante da

questionamento sobre as relações

sociedade, mas sim deve se inserir

que se estabelecem entre direito e

no âmbito das relações dos Poderes

política.

de

Estado,

transcendendo

suas

funções. Mais do que equilibrar e Direito e Política

harmonizar os demais poderes, o Judiciário deve assumir o papel de

Dentre os estudos semióticos, uma

vertente

é

a

intérprete que põe em evidência a

chamada

vontade implícita no direito positivo,

semiologia do poder que se articula

nos textos constitucionais e nos

em torno de uma ideia muito simples,

princípios do direito.

a de que o consenso sobre a

De tal sorte que a politização

legitimidade do poder é decorrência

da juridicidade constitucional dos

de um trabalho discursivo, e que só

três poderes possa fazer legítimo o 63


sistema de exercício da autoridade,

terceira coisa que se interpõe entre o

com

dos

sujeito e o objeto, uma espécie de

mecanismos de governo transferidos

veículo condutor de essências e

ao arbítrio do povo.

exegeses dos textos legais.

o

funcionamento

O poder Judiciário não é a

Tal

lógica

é

rompida

solução mágica para os fracassos e

pela Viragem Lingüística. Com esta,

insuficiências das políticas sociais,

o homem passa a orientar-se no

mas

mundo e nele agir mediante e pela

na

ausência

de

políticas

públicas cumpridoras dos ditames do

linguagem.

Estado Democrático de direito, surge

Passa-se da essência para a

como instrumento de resgate dos

significação em que o importante

direitos não assegurados (WARAT,

não está em se saber o que são as

1984).

coisas em si, mas saber o que Sendo

assim,

do

dizemos quando falamos delas, o

controle de constitucionalidade das

significado que tem as expressões

leis, o Judiciário pode servir como

linguísticas com que comunicamos

resistência

esse dizer das coisas.

às

através

investidas

dos

Poderes Executivo e Legislativo que

Entretanto, esta mudança de

representam um retrocesso social e

paradigma

a ineficácia dos direitos sociais.

recepção no campo da filosofia

É oportuno salientar que não

jurídica

e

não

da

teve

a

devida

hermenêutica

no

só estamos diante de uma mudança

cotidiano das práticas judiciárias e

de paradigma da sociedade, mas

doutrinárias brasileiras.

também

de

uma

Viragem

Os juristas não se deram

Lingüística (STRECK, 2007); Isto

se

se

terá de ser considerado em tudo e

é

por tudo como uma linguagem; o que

linguagem. E se o direito sofreu uma

continua a dominar é a filosofia do

mudança

sujeito-proprietário de mercadorias,

admitirmos

compreende

conta de que o Direito é linguagem e

que

radical,

também

o

a

Direito

linguagem

acompanhou

tais

de uma sociedade egoísta (filosofia

reviravoltas.

do neoliberalismo) (STRECK, 2007).

No campo jurídico brasileiro a

Ao contrário disto, o universo

linguagem ainda tem um caráter

jurídico

secundário, entendida como uma

como um universo linguístico e se 64

deve

ser

compreendido


infere daí que o pensamento jurídico

Recentes estudos na área da

haverá de assumir como seu método

Semiologia demonstram como os

específico a análise da linguagem

juízes

(linguagem

convincentes

legal),

isto

é,

a

produzem

significados

redefinindo

as

interpretação jurídica consiste nas

palavras da lei por meio dos métodos

proposições normativas de que se

hermenêuticos.

compõe o discurso do legislador.

Disto,

conclui-se

que

a

O giro linguístico ocorrido

sentença é uma peça retórica, pois

ilustra a visão da linguagem como

visa convencer um auditório que a

abertura

aplicação dada

do

mundo,

como

à lei no

caso

constituição do mundo, do homem

concreto foi justa, mas também

como

é peça ideológica à medida que

uma

criatura

da

língua

(STRECK, 2007).

exprime as opções de um sujeito

Neste contexto, o modelo de

(juiz).

interpretação do Direito a partir da

Este é o ponto crucial da

filosofia da consciência é rompido

presente explanação.

pelos aportes da Semiótica em sua

Segundo

matriz

pragmática,

recentes

da

concepções jurídicas sob a luz da

hermenêutica filosófica, pelo qual se

hermenêutica, a ciência do direito é

passa da percepção à compreensão.

provida de politicidade e a função do

Surge

e

as

então

uma

magistrado no momento decisório é

hermenêutica que problematiza as

consequentemente criadora.

implicações entre o discurso e a

Sustenta-se

que

qualquer

realidade, além de desmistificar a

discurso humano realizado por meio

tese da possibilidade da separação

de palavras contém um certo grau de

dos processos de produção, de

subjetividade, tendo em vista que tal

interpretação e da aplicação do texto

ato

normativo.

ambiente cultural histórico e social

Esta

nova

hermenêutica

discursivo

condiciona-se

ao

de onde vem seu emissor, ou seja

mostra que existe um processo de

depende

produção, circulação e consumo do

discursiva. Desse modo, o juiz,

discurso jurídico, em que, somente

assim como todo ser humano, não

pela linguagem é possível ter acesso

pensa ou fala como quer, mas como

ao mundo do Direito e da vida.

pode, condicionado que está a esses 65

de

sua

formação


fatores

discursivos

inarredáveis.

politicidade. Desse modo confere ao

Mesmo que de modo inconsciente, a

termo um sentido único e pessoal e,

classe social, a formação cultural e

ao

os

propaga tais valores, ideologias.

valores

dessas

estão

redigir

sua

fundamentação,

impregnados no sujeito. Expressões

Assim, pode-se afirmar que o

como “bem comum”, por exemplo,

ato decisório é contagiado pelas

são ambíguas e só podem ser

vivências de seu prolator.

definidas em situações concretas em

Numa análise retrospectiva,

razão da pessoalidade e dos valores

poderemos analisar a evolução do

de cada magistrado. Desse modo, os

pensamento hermenêutico referente

métodos hermenêuticos tradicionais

ao direito desde os tempos mais

são úteis, mas não resolvem a

remotos até a atualidade.

questão da interpretação sem o

Com isso perceberemos que

auxílio dos recentes estudos de

a nova postura jurídica revela que as

linguagem (PERELMAN, 2004).

recentes

teorias

hermenêuticas

Atualmente, o caráter político-

admitem que o julgador exponha o

ideológico de uma decisão judicial é

que lhe pareça razoável e justo em

indiscutível visto que a interpretação

sua decisão, não mais se atrelando

da norma que se materializa na

à

sentença

(PERELMAN, 2004).

implica

em

um

ato

discursivo condicionado, que se

visão

dogmática

do

Direito

A primeira corrente a ser analisada é a Dogmática.

realiza na escolha do sentido que será dado ao termo legal. Desse

Através da visão dogmática

modo, interpretar não é “descobrir” o

do Direito, a função do intérprete é

sentido

aplicar a lei conforme ela está e não

oculto

da

norma,

mas

“atribuir” ou “constituir” o sentido aos termos

Ao

Pressupõe-se que o texto da

sentenciar o juiz, portanto, primeiro

lei é claro e preciso, sendo o

observa

intérprete um escravo da lei e nada

exemplo, identifica,

abstratos

a

desta.

corrigi-la.

palavra, “isonomia”. dentre

os

como,

por

Depois,

podendo criar.

possíveis

Tal concepção exprime a

sentidos que a expressão admite,

fidelidade à doutrina da separação

aquele que repercute sua visão de

dos

mundo, seus valores, enfim, sua

somente ao Poder Legislativo fixar o 66

poderes

em

que

caberia


Direito

que

sociedade,

deve e

reger

um modo decisório impessoal e

Judiciário

desprovido de paixão.

exclusivamente o dever de aplicar a

Exemplificando:

lei, não lhe competindo modificá-la.

Todo

Somente Legislativo

ao

certa

o

governo

exerciam

e

o

aquele

funções

maior). José

dava pelo temor de um Estado

(premissa menor).

em

que

os

comete

homicídio deve ser preso (premissa

políticas. A exclusão do Judiciário se

totalitário

que

juízes

cometeu

homicídio

Portanto, José deve ser preso

pudessem criar leis ou recusa-las.

(conclusão/decisão).

Daí os juízes apenas aplicarem a lei

Esta

sem pensarem e nem ao menos

é

a

estrutura

do

questão a

ser

silogismo judiciário.

fundamentar suas decisões.

A

Diante desta concepção, o

criticada

grande no

que

se

refere

à

legalismo exacerbado preenchia o

concepção dogmática do Direito é

pensamento

a

que há grande distinção entre o

passividade do juiz satisfazia a

raciocínio do juiz que deve formar

necessidade de segurança jurídica

uma

da sociedade.

materialidade dos fatos dos quais

Além

desta

disso,

época;

nota-se

convicção

sobre

a

uma

depende a solução de um processo

aproximação da noção de direito

e os raciocínios cujas preocupações

com as ciências, pois se concebia o

são de ordem científica em que

ato de distribuir justiça como uma

predomina a verdade objetiva.

pesagem, um cálculo. Estabelecidos

Já a segunda corrente de os

fatos,

nossa

análise

é

bastava que o juiz formulasse o

denominada Histórico-evolutiva que

silogismo

traz algumas evoluções no campo da

judiciário

em

que

a

premissa maior era a lei e a premissa

interpretação do Direito.

menor a constatação de que as

Desta corrente surgem os

condições previstas na lei haviam

quatro elementos básicos para a

sido preenchidas.

interpretação do Direito, ou seja, os

Assim, a decisão era proferida

métodos gramatical, lógico, histórico

pela conclusão do silogismo, ou seja,

e sistemático.

67


O método de interpretação

as

preocupações

da

época,

gramatical toma como ponto de

pensamento

partida o exame do significado e do

conceitos e preconceitos daquele

alcance de cada palavra do texto

tempo, o contexto social que a

legal, conexões entre os termos,

motivou e inspirou.

estrutura

da

frase,

regras

de

os

Isto porque a verificação do

ortografia.

meio e do momento da criação da lei

Para esta interpretação, a lei

podem revelar o fim a que ela se

é, antes de qualquer coisa, um texto

destina.

a ser interpretado com as regras de

No

interpretação da linguagem.

histórica

O texto da lei é tudo o que o intérprete

dominante,

o

precisa,

não

mais, é

a

interpretação

principalmente

interpretação

uma

histórico-evolutiva,

sendo

pois busca adaptar os conceitos da

necessário recorrer a nenhum outro

lei antiga ao momento atual e as

elemento (Marques, 2006).

exigências

O método lógico preceitua

da

sociedade

atual

(MARQUES, 2006).

que o Direito é obra da razão e

Para

entender

o

qualquer interpretação que não seja

método sistemático, parte-se do

razoável é equivocada.

conceito de que a lei é parte do

Dentre as possíveis acepções

ordenamento jurídico e este deve ser

que a leitura do texto trouxe deve-se

harmônico, sem antinomias.

escolher a que mais parece lógica,

Para

este

método,

a

mais conforme a razão, ao senso

compreensão do todo ajuda na

comum (MARQUES, 2006).

compreensão

Para

a

compreensão

método

da

parte

e

a

do

compreensão da parte é impossível

de

sem o conhecimento do todo.

interpretação histórico deve-se ter

Assim,

deve-se

buscar

o

em mente que ao interpretarmos um

sentido da norma na conexão do

fragmento

fragmento sob estudo com o restante

de

lei

devemos

compreendê-lo como fruto de uma

do ordenamento jurídico.

árvore cujas raízes estão fincadas no

A

passado.

outra

interpretação

Cada lei carrega consigo uma

função

sistemática

superação de antinomias.

imagem do tempo em que foi escrita, 68

da é

a


Dentre os muitos sentidos que

positivista e dogmática do Direito.

o fragmento aparenta possuir, o mais

Com o passar dos anos, os fatos se

correto deve ser o que preserva a

desenrolaram demonstrando uma

harmonia

impossibilidade

do

sistema

jurídico

(MARQUES, 2006).

a

identificar

o

Direito com a lei visto que há

A corrente histórico-evolutiva disseminou

em

ideia

de

que

princípios que mesmo não sendo

o

objeto de uma legislação expressa

aplicador do Direito poderia corrigir

figuram

as imperfeições e as lacunas da

legislador

norma

promover, dentre os quais figura a

através

dos

métodos

hermenêuticos.

como

valores

possui

que

como

o

missão

Justiça.

Para o pensamento histórico-

Nesta fase o juiz não pode

evolutivo, as normas deveriam ser

considerar-se satisfeito se pôde

interpretadas de acordo com as

motivar

necessidades da vida social, o que

aceitável, deve também apreciar o

admite

valor desta decisão e julgar se lhe

maior

flexibilização

na

atuação do intérprete da lei. Após Mundial,

a

Segunda

surgiu

concepção

do

desdobrou

até

a

modo

O juiz deve perceber as

nova

insuficiências do Direito positivo,

se

solucionando a problemática ao

que

atualidade

invés

condições

de

deixar

a

cargo

do

legislativo; caso contrário será mais

Sabe-se que o magistrado perfeitas

de

Guerra

ampliando o papel do exegeta.

possui

decisão

parece justa ou, ao menos, sensata.

uma

Direito

sua

um

de

a

contribuir

instrumentalização

distinguir entre a legislação em vigor

para do

a

Poder

Judiciário (PERELMAN, 2004).

e a desejável pelo senso comum.

Contudo,

observa-se

uma

Assim, o juiz não deve se apropriar

manifestação intersubjetiva do juiz,

dos poderes do legislador, mas

visto que o raciocínio jurídico deixa

quando

de

a

reforma

legislativa

ser

uma

simples

dedução

afigurar-se difícil, se não impossível,

silogística cuja conclusão se impõe

a maneira mais sensata será o

mesmo que seja desarrazoada para

Judiciário

ser uma busca simultânea do valor

dar

reinterpretando contradição

uma os

com

solução

textos, a

em

da solução e sua conformidade com

ideologia

o Direito. Isto não tem a menor 69


intenção de prejudicar a segurança

manifestação discursiva de senso

jurídica que é a capacidade de

crítico. Tal afirmação faz com que

prever

não haja neutralidade nas decisões

as

reações

daqueles

encarregados de dizer o direito.

judiciais, pois sendo as sentenças

O que se pretende é que essa

atos

discursivos

(formados

por

nova dialética implicada na busca de

palavras) são sujeitas à ideologia

uma solução convincente por ser ao

(PERELMAN, 2004).

mesmo tempo razoável e conforme

Assim, é evidente a dimensão

ao direito, coloque o Judiciário numa

política do Direito, caso contrário as

relação

Poder

cortes não reformariam decisões

Legislativo, nem subordinado e nem

com a finalidade de interpretarem as

oposto a este (PERELMAN, 2004).

mesmas leis.

nova

diante

do

Nota-se que o Judiciário terá

Ressalta-se que a segurança

uma tarefa não apenas jurídica, mas

jurídica é um dos valores centrais do

também política, ou seja, a de

Direito que assegura o respeito às

harmonizar a ordem jurídica de

regras, aos costumes e hábitos

origem legislativa com as ideias

sociais em busca de uma solução

dominantes sobre o que é justo e

razoável, aceitável e equitativa.

equitativo em dado meio.

Desta forma, a nova postura

É por esta razão que a

do

Judiciário

em

relação

ao

passagem da regra abstrata ao caso

Legislativo não pretende aniquilar a

concreto não é um simples processo

tão importante segurança jurídica

dedutivo,

adaptação

fazendo das decisões judiciais um

constante dos dispositivos legais aos

manto de arbitrariedade. O que se

valores em conflito nas controvérsias

pretende é que por meio dessas

judiciais.

concepções interpelativas do Direito,

mas

uma

consistentes no chamado Direito

Neste contexto extrai-se o caráter político do Direito. A política

Alternativo,

é a ciência que dispõe sobre o que

possua a seu dispor um campo de

se deve fazer e sobre o que é preciso

trabalho que viabilize soluções mais

abster-se, assim ela subordina todas

equitativas em detrimento das velhas

as demais ciências. Desta forma, o

e ultrapassadas visões dogmáticas e

ato interpretativo passa de uma

normativistas,

subsunção

magistrados

formal

para

uma 70

o

operador

caso serão

jurídico

contrário

os

reduzidos

a


meras

máquinas

do

Judiciário

convergem

(PERELMAN, 2007).

para

proporcionalidade ampliação

da

a nas

maior decisões,

discricionariedade

judicial e a valorização da dignidade da pessoa humana e de outros

Conclusão

princípios constitucionais. Como a Diante de todo o exposto, nota-se

que

da

essa correntes, o Alternativismo

hermenêutica jurídica passou por

trouxe alternativas para a solução de

grandes mudanças no que diz

problemas sociais até então não

respeito à interpretação da lei e ao

resolvidos e sem projeções de

papel

Judiciário

resolução, merecendo atenção de

diversas

todos aqueles que lidam com o

do

despontando, concepções

o

campo

própria denominação sugere, dentre

Poder assim,

hermenêuticas,

que

direito.

71


Referências BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MARQUES, Alberto. Roteiro de Hermenêutica: técnicas para interpretar o direito e construir argumentações jurídicas convincentes. Curitiba: Jurucí, 2006. PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua linguagem. 2.ed. Porto Alegre. S. Fabris, 1984.

72


A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto – Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FERNANDES, Barbara Rossi Fernandes - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. GALHARDI, Antonieta - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Emilly Medeiros - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. SANTOS, Luiz Antonio - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente trabalho busca estudar os casos de responsabilidade civil em situações provenientes de erros médicos. O crescente aumento no número de erros médicos vem preocupando a comunidade jurídica brasileira, pois todos os anos as vítimas vão ao Judiciário buscar o ressarcimento dos danos causados por médicos imperitos, imprudentes e negligentes. Com bases em casos cada vez mais alarmantes, esse trabalho tem como objetivo analisar as consequências da má atuação desse profissional face à responsabilidade civil. Assim, o tema escolhido visa trazer à tona as barbaridades ocorridas com pacientes e as soluções que podem ser encontradas para tentar reparar os males causados por médicos que culposa ou dolosamente cometem erros médicos. Os julgadores devem promover a Justiça nos casos concretos de erros médicos, pois em determinadas situações, o valor recebido de indenização não é suficiente para reparar o dano causado, contudo, o conforto em saber que o profissional foi punido certamente melhora a autoestima da vítima que passa a acreditar que realmente o profissional recebeu a punição devida.

Palavras-chave: Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Erro médico. Hipóteses. Casos práticos. 73


Em princípio, toda atividade

Introdução

que acarreta um prejuízo gera responsabilidade

O presente trabalho tem por

ou

indenizar.

noções de reparação de danos em

excludentes,

que

caso de erro cometido pelo médico

indenização

[...].

no desenvolver de sua profissão.

responsabilidade

Não obstante, avalia-se o que se

qualquer situação na qual alguma

entende por erro médico e em que

pessoa, natural ou jurídica, deva

situação o juiz pode exigir que seja

arcar com as consequências de um

concedido à vítima uma indenização

ato, fato ou negócio danoso. Sob

pelo dano sofrido. Para tanto, foram

essa noção, toda atividade humana,

feitos

e

portanto, pode acarretar o dever de

jurisprudenciais, além de pesquisas

indenizar. Desse modo, o estudo da

de casos concretos que tiveram

responsabilidade civil abrange todo o

grande repercussão na mídia.

conjunto de princípios e normas que

doutrinários

é

por

de

finalidade discorrer sobre algumas

estudos

Haverá,

dever

vezes,

impedem O

a

termo

utilizado

em

regem a obrigação de indenizar. (2005, p. 13). 1.

Noções

gerais

de

Assim,

responsabilidade civil

entende-se

responsabilidade contraprestação,

civil de

por a caráter

Antes de se falar do erro

reparatório de um evento danoso,

médico e dos efeitos produzidos no

que visa à restauração do equilíbrio

âmbito jurídico, é necessário fazer

patrimonial e moral violado.

um estudo sobre a responsabilidade

A responsabilidade civil é

civil, matéria esta que rege a

constituída de quatro requisitos. São

aplicação da sanção punitiva em

eles: o ato ilícito; a relação de

direito civil a quem comete um ato

causalidade entre a conduta do

ilícito passível de indenização.

agente e o prejuízo sofrido pela

O mais breve conceito de

vítima, denominada de nexo causal;

responsabilidade civil é o dever de

o dano efetivamente; e a culpa do

indenizar o prejuízo causado pelo

agente.

dano. Nas palavras de Sílvio de

elementos, ocorrerá o dever de

Salvo Venosa:

indenizar. 74

Havendo

esses

quatro


responsabilidade objetiva trata-se de 1.1 Responsabilidade objetiva e

exceção. E o próprio Código Civil

responsabilidade subjetiva

tratou de cuidar de hipóteses em que a responsabilidade é objetiva, como

A responsabilidade civil pode

no parágrafo único do artigo 927.

ser classificada como subjetiva e

Existem outras relações regidas por

objetiva, considerando o dever de

outras leis, nas quais se aplica a

provar

sentido,

responsabilidade objetiva, como, por

entende Flávio Augusto Monteiro de

exemplo, nas relações de consumo,

Barros:

regidas pela Lei 8.078 de 11 de

a

culpa.

Neste

Responsabilidade subjetiva é

setembro de 1.990 (Código de

a derivada de dolo ou culpa. Assim,

Defesa

do

Consumidor);

no

só surge a obrigação de indenizar se

transporte aéreo regulado pela Lei

o dano houver sido causado de

7.565 de 19 de dezembro de 1.986

forma dolosa ou culposa.

(Código Brasileiro de Aeronáutica),

Responsabilidade objetiva é

sem se esquecer dos casos de atos

aquela em que a obrigação de

ilícitos envolvendo os entes públicos.

indenizar independe de dolo ou culpa, bastando o nexo causal entre

2. Conceito de erro médico

a conduta e o dano experimentado pela vítima. (2007, p. 219). Assim,

entende-se

Erro médico é a falha do por

médico no exercício da profissão. É

responsabilidade subjetiva aquela

o

em que se necessita ser provada a

adverso decorrente da ação ou da

culpa do agente para se configurar o

omissão

dever de indenizar; o que não ocorre

inobservância de conduta técnica,

na responsabilidade objetiva, onde

estando o profissional no pleno

basta apenas haver a relação de

exercício

causalidade

dano

mentais. Excluem-se as limitações

ocasionado e a atividade exercida

impostas pela própria natureza da

pelo agente.

doença,

entre

o

Vale dizer que o critério

mau

resultado

do

de

bem

ou

resultado

médico,

suas

como

faculdades

as

produzidas deliberadamente

subjetivo é a regra geral que rege a

por

lesões pelo

médico para tratar um mal maior.

responsabilidade civil, e que a 75


Observa-se

que

uma

conhecimentos.

Considerar

um

proteção ao médico, pois segundo

médico imperito é discutível, uma

pesquisas realizadas todos os casos

vez que se trata de um profissional

de erros médicos julgados nos

longamente treinado nas escolas

Conselhos de Medicina ou na Justiça

médicas

a condenação foi embasada em

residência médica, com no mínimo

culpa, nunca em dolo, por mais

oito até um máximo de onze anos de

grotesco que fosse o erro cometido

estudos e prática. É uma premissa

pelo profissional.

que, não sendo aceita, torna-se um

e

nos

programas

de

agravante. 2.1 Erro médico culposo e doloso

Além das modalidades de culpa

existe

ainda

a

hipótese

O erro médico culposo pode

caracterizada pela conduta dolosa

ocorrer por imprudência, negligência

como o erro médico praticado de

ou imperícia. A imprudência ocorre

forma voluntária. Essa modalidade

quando o médico ao realizar o

deve ser considerada inadmissível,

procedimento, assume riscos para o

pois

paciente sem respaldo científico

praticando um crime.

para

seu

procedimento.

se

assim

o

fizer

estará

a

negligência é a forma mais frequente

3. Da responsabilidade civil subjetiva

de

e objetiva do profissional em caso de

erro

médico

nos

hospitais

públicos, onde o doente é conhecido

erro médico

por um número de matrícula na instituição e não como um paciente.

A

medicina

desde

os

Por inúmeros motivos, como a

primórdios da civilização tem um

exaustiva jornada de trabalho ou os

papel de suma importância para a

baixos salários, o médico deixa de

sociedade, pois assim como em

prestar os cuidados necessários,

outras

deixando, inclusive, os pacientes

desenvolve um serviço de alta

virem a óbito.

responsabilidade,

A

imperícia

é

aquela

ciências,

o

pois

médico

todo

seu

campo de atuação está ligado ao

decorrente da falta de observação

valor

das normas técnicas, por despreparo

importância, que é a vida humana.

prático

ou

por

insuficiência

de 76

axiológico

de

maior


Normalmente

condutas

análise minuciosa pode revelar as

desenvolvidas pelos médicos são

causas do erro. O médico (ou o

consideradas como obrigações de

hospital) deve dispor ao paciente o

meio,

o

acesso ao prontuário, que deve ser

todos os

solicitado assim que ficar detectado

cuidados técnicos, dentro do padrão

o erro médico, pois já houve casos

exigido, não podendo incorrer em

de

imprudência,

fraudarem

onde

se

as

exige

profissional utilize

de

que

imperícia

ou

profissionais o

ou

hospitais

relatório

para

negligência por parte do profissional

encobertar as provas, sendo essa

que esteja cuidando do paciente.

atitude considerada crime.

Sendo uma obrigação de

Os danos podem ser leves e

meio, a responsabilidade é subjetiva,

reversíveis

ou seja, o paciente deve provar que

irreversíveis, como no caso de

o

profissional

trágicos

e

culposa

ou

sequelas e morte do paciente. Em

vítima

não

ambos os casos, o paciente deve

conseguir provar o nexo causal entre

procurar uma Delegacia de Polícia

a conduta culposa ou dolosa do

para

médico

Ocorrência,

dolosamente.

e

o

agiu

ou

Se

a

dano sofrido

não

fazer

um

Boletim

colher

as

de

provas

receberá a indenização pleiteada.

necessárias e levar a um advogado

Todavia, se a prova for consistente,

para se ingressar com a ação

certamente o juiz condenará o

indenizatória.

médico à reparação dos danos

Em

sofridos pela vítima de erro médico.

casos

de

morte

do

paciente, o médico poderá ser

Alguns erros são facilmente

condenado na esfera civil, sem

provados, como as deformidades

prejuízo do processo crime a ser

físicas ou esquecimento de material

proposto. Sendo que, no âmbito civil

cirúrgico

do

poderá ser compelido a pagar uma

paciente. Nesses casos, fotos ou

indenização à família da vítima,

raios-X

conforme prescreve o art. 951 do

dentro

são

do

corpo

consideradas

provas eficientes.

como

Além disso, o

Código Civil.

paciente (ou familiares) deve exigir

Ressalta-se

ainda

que,

a

uma cópia do prontuário médico.

responsabilidade do médico pode

Nesse documento constará todo o

ser considerada como obrigação de

histórico

resultado, que é aquela onde o

de

atendimento,

uma 77


paciente procura um determinado profissional

para

realizar

4. Casos práticos de erro médico

o

procedimento desejado, exigindo-se

Nos Estados Unidos, o erro

uma atuação satisfatória, tendo-se

médico é uma das principais causas

como exemplos a cirurgia plástica

de mortes (aproximadamente 2,5

estética embelezadora, os exames

milhões anuais). O Instituto de

laboratoriais, entre outros. Nestes

Medicina afirma que 7.391 mortes

casos, a responsabilidade civil é

ocorrem

objetiva, sendo necessário provar

medicação.

somente o dano e a conduta do

números elevados para os Estados

agente, mas não a sua culpa. Se o

Unidos tendo

paciente vier a falecer, sofrer lesões

evolução tecnológica e científica.

devido São

a

erros

de

considerados

em vista

a

sua

ou ficar inabilitado para o trabalho, o

No Brasil vem crescendo o

médico poderá ser responsabilizado,

número de ações face a erros

pois assumiu o dever de realizar a

médicos, o Superior Tribunal de

conduta corretamente, como, nos

Justiça (STJ) indica um aumento de

casos de realizar a cirurgia plástica

231% no números de processos. Em

de forma satisfatória ou fazer o

2002, foram registradas 120 ações

diagnóstico correto de exame.

relativas

aos

procedimentos

de

Nas relações entre médico e

médicos. Em 2007 aumentou para

paciente, principalmente naquelas

303 e em 2008, foi para 398 ações

que

julgadas por falhas médicas.

exige

uma

obrigação

de

resultado, este tem se enquadrado

Em 2008, o CRM-PR abriu

como consumidor e por tal motivo

sindicância em 607 casos – nem

vem recebendo o amparo do Código

todos se referem a médicos, pois se

de Defesa do Consumidor (Lei nº

pode

8.078/90). As condenações não são

clínicas e hospitais –, com 114

apenas para

mas

julgamentos por erros médicos e 39

podem atingir também os hospitais,

condenações [...] Levando-se em

planos de saúde e clínicas.

conta os 17.550 profissionais em

os médicos,

abrir

procedimento

contra

atividade, pode-se concluir que um em cada 450 médicos do estado comete erros durante no expediente. Com base em números de 2006, a 78


média paranaense é quase idêntica

cicatrizes e deformidades físicas.

à de São Paulo: uma condenação

(FERREIRA, 2009).

em

cada

451

profissionais.

Podem ser citados alguns

(BOREKI, 2009).

casos recentes de erro médico

O STF vem aplicando nos

ocorridos no Brasil que tiveram

casos de erro médico o Código de

destaque e repercussão na mídia. O

Defesa do Consumidor, que prevê

primeiro é de Célia Marina Destri dos

um prazo de prescrição que é de 5

Santos, advogada no Rio de Janeiro,

(cinco) anos, sendo maior que o

que fundou uma Associação de

Código Civil, que é de 3 (três anos).

Vítimas

Nos

Erros

Médicos

judiciais

(AVERMES), que defende os direitos

originados por erros médicos, o STJ

legais e civis das vítimas de erro

vem provendo às vítima três tipos de

médico, após ser vítima de três erros

indenização:

médicos.

1.

passivos

de

Danos

materiais:

os

Outro exemplo é o caso de

o

Verônica Cristina do Rêgo Barros,

nos

dona de casa, 31 anos, mãe de dois

tratamentos médicos malsucedidos.

filhos, que foi operada duas vezes,

Por

também

sendo que a primeira foi feita de

indenizações por conta do dinheiro

forma errada, pois deveria ter sido

que deixaram de ganhar –salários

operado o lado esquerdo e no

por dias de trabalho perdidos, por

primeiro momento foi operado o lado

exemplo.

direito. Só após detectarem o erro,

pacientes

recebem

dinheiro

que

vezes,

2.

de

volta

gastaram

recebem

Danos

morais:

a

submeteram a paciente a nova

indenização visa compensar a “dor

cirurgia para assim operarem o lado

moral” imposta aos pacientes. É o

esquerdo da cabeça. Porém a

que costuma ocorrer, por exemplo,

paciente não suportou e veio a óbito

nos casos de extração indevida de

em 07 de março de 2009.

órgãos.

Além desses dois casos, outro

3. Danos estéticos: nesses casos,

o

paciente

caso,

em

2002,

teve

grande

recebe

repercussão na mídia foi o de Cecília

indenização por prejuízos causados

Rocha Mesquita Santos de 23 anos,

à sua aparência. Por exemplo:

internou-se no dia 14 de junho de 2002 no Hospital Santa Elisa, em 79


Jundiaí no estado de São Paulo,

ilícito-nexo-dano-culpa,

para fazer uma retirada de cálculo

profissional

renal, e seis dias depois faleceu com

responsabilizado, surgindo o dever

perfuração

de indenizar a vítima pelo prejuízo

de

alça

intestinal,

peritonite, choque séptico e infecção

o

deve

ser

sofrido.

generalizada. No dia 20 de junho,

O indivíduo que exerce a arte

seus familiares registraram queixa

da medicina e que acaba por

no plantão policial por suspeitarem

conduzir sua profissão de modo

de erro médico, negligência, maus

afoito, causando aos seus pacientes,

tratos e até falta de sangue no

danos irreparáveis, não pode ficar

tratamento da jovem. A mãe e o

impune, pois se a prova for concreta

marido da vítima alegam que ela

no sentido do erro, o juiz deve

tinha plano de saúde e que deveria

condenar o médico, sem que haja

ter sido operada por um médico, e

qualquer protecionismo.

quem fez a cirurgia foi outro. A família

criou

o

site

Assim, é pertinente que ao

www.erro-

julgar casos decorrentes de erro

medico.kit.net para ajudar famílias a

médico,

o

juiz não

denunciar erros médicos.

adstrito somente às palavras da lei, aplicando

a

indenização

automaticamente

quando

configurada

5. Considerações finais

permaneça

a

responsabilidade

hipótese objetiva

de ditada

O médico, no exercer de sua

pela lei, ou deixando de aplicá-la

profissão, deve zelar pela saúde de

quando entender que não está

todos aqueles que estão sob seus

completa

cuidados.

determinados

responsabilidade subjetiva. Faz-se

profissionais não estão preparados

necessário um juízo de valores do

para cuidar de vidas humanas e

julgador

cometem

promovida a injustiça no lugar da

Todavia,

erros

grosseiros

que

a

para

relação

que

não

da

seja

justiça.

marcam a pessoa para sempre ou em situações mais drásticas lhes

É razoável que se julgue não

retiram a vida indevidamente. Em se

apenas de forma que venha a

tratando

caso

imperar o cumprimento da lei, mas

estejam presentes os pressupostos -

de modo que se promova a justiça, a

de

erro

médico,

80


fim de permitir que a sociedade

Judiciário, pois como diz a frase “ubi

continue confiando nos serviços

societas, ibi jus”.

médicos, e, sobretudo, no Poder

81


Referências AVERMES, Associação das vítimas de erros médicos. Reportagens. Portal da associação das vítimas de erros médicos na internet. Disponível em: <http://www.avermes.com.br/reportagens06.htm> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:25. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: direito das coisas e responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 219. v.3. FERREIRA, Evandro. Analisa o aumento da quantidade de processos por erro médico, e os impactos que estes ocasionam. Erros médicos no Brasil. Processos por erro médico crescem 155% em 6 anos. BLOG AMBIENTE ACREANO Disponível em: <http://ambienteacreano.blogspot.com/2008/11/erros-mdicos-no-brasil.html> Acesso em: 06/10/2009 às 11:h23. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11h. BRASIL. Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1.990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17h. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17h. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 2. v. DJI, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37 de 12/03/1992. Disponível em:<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/s tj__0037.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17:00h. GLOBO.COM, notícias. Família acusa médico de erro na morte de dona de casa em hospital público. Divulga o caso da morte da dona de Casa Valéria Cristina do Rêgo Barros. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL10330185606,00familia+acusa+medico+de+erro+na+morte+de+dona+de+casa+em+ho spital+publico.html> Acesso em 06/10/2009 às 14h:16. BOREKI, Vinicius. Processos por erro médico crescem 231% em seis anos Vida e Cidadania. JORNAL DE LONDRINA. Apresenta as estatísticas relativas 82


ao erro médico quanto ao cotidiano jurídico. Disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jl/online/conteudo.phtml?tl=1&id=886019&tit=Processo s-por-erro-medico-crescem-231-em-seis-anos> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:27. SCUM DOCTOR. COM. Apresenta dados estatísticos sobre os impactos dos erros médicos na vida dos americanos. Disponível em: < http://www.scumdoctor.com/Portuguese/medical-error/Complete-StoppageHeart-Caused-By-Medical-Error.html> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:15. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 4. Coleção de Direito Civil.

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A SUBORDINAÇÃO COMO ELEMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO: CONCEITO, DISTINÇÕES E FUNDAMENTO JURÍDICO MURARI, Marlon Marcelo. Docente do Curso de Direito da Unifev – Fundação Educacional de Votuporanga.

RESUMO A subordinação é um requisito essencial na relação entre empregado empregador, talvez que a caracterize efetivamente. A situação de subordinar-se a outrem traduz a ideia de dependência ou necessidade econômica, pois o empregado é a parte hipossuficiente em relação ao empregador. Todavia, a subordinação do Direito do Trabalho não está vinculada à dependência economia, vez que aquela é jurídica, decorrente de um acordo de vontade entre as partes, dando início ao contrato de trabalho. Desta forma, é importante conceituar subordinação, bem como diferenciá-la de termos como dependência econômica, social ou cultural. Do mesmo modo, é essencial apresentar a natureza jurídica da subordinação, situando o leitor para o entendimento de tão importante instituto jurídico trabalhista.

Palavras-Chave: Subordinação. Dependência. Natureza jurídica. 84


consistente em uma prestação de

Introdução

trabalho (apud Delgado, 1996, p. 109).

Talvez a maior modificação do

Gomes e Gottschalk (2005, p.

trabalho humano nos últimos tempos

133) consideram a subordinação

tenha sido a passagem do trabalho

como

escravo e servil para o trabalho contratado

e

consideram-na

requisito

Por sua vez, Nascimento (2004, p.

foi simples, atravessando longos

505) a define como objeto da relação

caminhos e obstáculos, sob a batuta

de emprego. Todavia, a questão

dos regimes econômicos e políticos

relevante é que a subordinação é o

vigentes na época, até desembocar

elemento diferenciador do contrato

no trabalho subordinado, fruto dos

de trabalho.

hoje

Neste trabalho, pretendemos

imperantes.

apresentar

No conjunto de regras e

subordinação,

princípios que compõem o Direito do

os

fatores

direcionada

bem

como

de sua

natureza jurídica, expondo posições

da

e

produção. A subordinação é uma objetiva

conceito

culminando por trazer também sua

condão de subordinar o empregado organizar

o

distinção do termo dependência,

Trabalho, o empregador tem o

situação

como

essencial do contrato de trabalho.

Entretanto, esta trajetória não

para

do

p. 38) e Martins (2006, p. 127)

iniciativa das partes contratantes.

capitalistas

caracterizador

contrato de trabalho. Pereira (1991,

assalariado;

subordinado, mas em virtude da livre

interesses

critério

divergências

entre

autores

nacionais e estrangeiros.

à

forma de prestação do trabalho e não

uma

sujeição

pessoal

2. Conceito

do

empregado. O verbo “subordinar” tem

É o que expressa Renato Corrado,

ao

afirmar

que

é

origem latina e significa “estabelecer

a

prestada

uma ordem de relação entre dois

subordinadamente” que diferencia a

seres vinculados, em que um passa

“circunstância

de

ser

a ser inferior, e o outro, superior;

relação de emprego das demais

dominar, submeter, rejeitar”. Já o

modalidades contratuais que tenham

substantivo “subordinação”, também

por objeto uma obrigação de fazer 85


de origem latina, significa “ato ou

ou intelectual com dependência e

efeito

sob a direção do empreendedor”.

de

subordinar”;

“ordem

estabelecida entre as pessoas e

Nos dizeres de Pera (2000, p.

segundo a qual umas dependem das

108),

outras, das quais recebem ordens ou

subordinado, o empregado se obriga

incumbências” (HOUAISS; VILLAR,

a

colocar

à

2001, p. 2626).

empregador

a

Neste momento, partiremos a apresentar

contrato

de

trabalho

disposição própria

do

energia

laborativa, a fim de desenvolver a

de

atividade estabelecida no contrato

subordinação existentes. Cumpre

por certo e determinado dever,

ressalvar que a legislação brasileira

segundo a diretiva imposta pelo

não

aos

empregador ou de alguém por ele,

doutrinadores nacionais fazê-lo. No

na ordem e no modo concreto desta

tocante

atividade”.

a

conceitos

“no

definiu,

ao

cabendo

conceito

de

subordinação, este foi criado pela

Para Domenico Napoletano,

doutrina italiana e incorporado pela

“a subordinação é um status do

doutrina e jurisprudência brasileiras.

trabalhador, característico de sua

Para

condição

mencionar

alguns

autores

de

empregado”

estrangeiros, o italiano Lodovico

SILVA,

Barassi (1949, p. 242) afirma que

Gerard Coutourier, a subordinação

trabalho subordinado é “aquele que

“é a dependência jurídica em nome

pressupõe o trabalho juridicamente

da qual o empregador exerce o

dependente do empreendedor, ou,

poder de direção” (apud SILVA,

seja como for, do fornecedor do

2004, p. 16).

trabalho”.

O

Por sua vez, os igualmente

Ramirez

2004,

p.

jurista

15).

(apud

Segundo

argentino

Gronda

aduz

que

“a

italianos Santoro-Passarelli (1952, p.

subordinação

63) e Giuseppe Pera (2000, p. 107),

cabalmente no direito patronal de dar

citam o artigo 2.094 do Código Civil

instruções e na correlata obrigação

italiano, de 1942, que dispõe ser

do empregado de acatá-las”. Afirma,

“prestador de trabalho subordinado

ainda, que o empregador dispõe e

aquele que se obriga mediante

fiscaliza a forma de prestação do

retribuição a colaborar na empresa,

trabalho como um credor de uma

prestando o próprio trabalho manual 86

jurídica

Juan

consiste


prestação

contratual.

(apud

fatores da produção, advém-lhe o poder de dirigir seus empregados”.

SANCHES, 2002, p. 95) Dentre

os

doutrinadores

Por sua vez, no entender de

nacionais, citamos Arion Romita

Nelson Mannrich (1998, p. 120), a

(1979,

subordinação consiste no dever do

p.

82),

para

quem

subordinação é a “integração da

empregado

atividade

ordens emanadas do poder diretivo

do

trabalhador

na

de

submeter-se

organização da empresa mediante

do

um

contratualmente

contrato. Entende, ainda, haver uma

estabelecido, em virtude do qual o

relação de dever e poder, onde o

empregado aceita a determinação,

dever de obediência submete-se a

pelo empregador, das modalidades

um poder de comando: eis a

de prestação de trabalho”.

essência da dependência jurídica, ou

vínculo

Carlos Alberto Barata Silva (1986,

p.

30)

defende

que

subordinação

é

voluntária,

dependendo

empregador,

no

limite

às

do

seja, da subordinação.

a

Na

essencialmente

Oliveira

mesma Vianna

linha, e

Paul

citando Colin,

do

assevera que “o que caracteriza a

consentimento do empregado, o que

relação de subordinação é o poder

ocorre no momento da celebração

que tem alguém, por força do

do contrato de trabalho. Por meio

contrato,

deste o empregado confere ao

comandar, de dirigir a atividade de

empregador o poder de organizar o

outrem” e que “entende-se por

seu

dos

subordinação jurídica um estado de

elementos inerentes ao seu poder.

dependência real, produzido por um

Por isso se diz que a subordinação é

direito, o direito do empregador de

jurídica.

que

comandar, de dar ordens, e donde

o

decorre a obrigação correspondente

trabalho,

É

um

voluntariamente

como

um

status se

a

submete

empregado.

de

dar

ordens,

de

para o empregado de se submeter a estas

Para Octavio Bueno Magano (1993, p. 50), “a subordinação

ordens”.

(apud

Mannrich,

1998, p. 120-121)

constitui o poder de direção visto do

Para Paulo Emílio Ribeiro de

lado do trabalhador. Por isso que o

Vilhena (1999, p. 478) “tem-se,

empregador organiza e controla os

conceitualmente,

a

subordinação

como a participação integrativa da 87


atividade do trabalhador na atividade

produção, sempre no interesse do

do credor de trabalho”.

empreendimento

Margareth

riscos

Freitas

assumiu e, de outro, a obrigação do

Bacellar (2003, p. 38) afirma que

empregado de sujeitar-se à direção

subordinação “nada mais é que o

do empregador, dentro dos fins a

poder hierárquico do empregador em

que este se propõe a alcançar.

relação

às

de

cujos

atividades

do

Maurício Godinho Delgado

empregado”.

(2005, p. 303) entende que “a

O jurista Amauri Mascaro

subordinação

classifica-se,

Nascimento (2004, p. 407) consagra

inquestionavelmente,

que

fenômeno

“o

aquele

trabalho no

subordinado

qual

o

é

trabalhador

jurídico,

contrato

como

um

derivado

do

estabelecido

entre

transfere a terceiro o poder de

trabalhador e tomador de serviços,

direção

trabalho,

pelo qual o primeiro acolhe o

sujeitando-se como consequência

direcionamento objetivo do segundo

ao poder de organização, ao poder

sobre a forma de efetuação da

de controle e ao poder disciplinar

prestação do trabalho”.

sobre

o

seu

deste”.

167)

Para Gomes e Gottschalk

Sergio Pinto Martins (2006, p.

(2005, p. 134), todo contrato gera o

define

que

sendo

“a

empregado ordens empregador

subordinação obrigação tem

de

como

de

subordinação” do empregado, pois

cumprir

as

este deve sujeitar-se aos critérios

decorrência

pelo

diretivos

do

do

empregador,

suas

disposições quanto ao tempo, modo e lugar da prestação do trabalho,

De acordo com os juristas Délio

“estado

o

contrato de trabalho”.

Süssekind,

de

que

determinadas em

denomina

bem

como

aos

métodos

de

Maranhão,

execução e modalidade próprios da

Segadas Vianna e Lima Teixeira

empresa, da indústria e do comércio.

(2005, p. 245), podemos extrair que

Desta forma, podemos dizer

o conceito de subordinação é uma

que: subordinação é um estado de

via de mão dupla: de um lado temos

sujeição

a faculdade do empregador de

empregado,

utilizar-se da força de trabalho do

espontânea vontade, em virtude de

empregado, como um dos fatores da

um contrato de trabalho, pelo qual ao 88

em

que por

se

coloca

o

sua

livre

e


empregador é dado o poder de dirigir

diversas espécies de prestação de

a força de trabalho do empregado,

trabalho:

seja manual ou intelectual, em troca

eventual, temporário, entre outros.

de uma contraprestação.

Todavia, a relação de emprego

O

conceito

geral

de

trabalho,

consequente passando

da

com

avulso,

que a subordinação se verifica.

se em consideração a evolução do

autônomo,

somente se configura na medida em

subordinação foi elaborado levando-

social

o

Entretanto, em que pese parte

sua

da doutrina entender que não há

“democratização”,

necessidade em se diferenciar os

escravidão

e

da

termos

subordinação

e

servidão para o trabalho contratado,

dependência, acreditamos que tal

segundo a vontade das partes.

diferenciação é relevante, pois por dependência

podemos

ter

um

3. Distinção entre subordinação e

conceito amplo e vago, a tomar

dependência

várias formas (econômica, social, técnica, patrimonial, afetiva etc.),

A legislação brasileira não

porém, a sujeição de uma pessoa a

menciona expressamente o termo

outrem, em virtude de um contrato

subordinação, apenas nomeia o

de

termo dependência, ao conceituar

essencial da relação de emprego,

empregado

“O

somente pode se dar de uma forma,

mais

a jurídica ou contratual, ou seja,

e

entre empregado e empregador,

vocábulo adotado

(CLT,

art.

‘subordinação’ pela

3º). é

doutrina

trabalho,

jurisprudência pátrias, enquanto a

sendo

palavra

apropriado

‘dependência’

consta

expressamente da lei” (SANCHES,

extraída

da

elemento

terminologicamente chamá-la

mais de

subordinação.

2002, p. 90). Vemos, assim, que a ideia

como

Como

expressão

afirmou

Délio

Maranhão, citando Vicenzo Cassi,

“subordinação” é a de dependência,

“dependência

da sujeição de uma pessoa a

muito vaga: pode ser jurídica, como

outrem. É, inclusive, o elemento

pode ser econômica, pode ter efeitos

principal a diferenciar a relação de

de conteúdo puramente moral ou

emprego das demais relações de

consequências de ordem pessoal,

trabalho. É cediço que existem 89

é

uma

expressão


etc.”

patrimonial

(SÜSSEKIND,

uma pessoa que, para sobreviver,

2005, p. 245).

depende exclusivamente do valor

Entretanto, não é pacifica a adesão

dos

estudiosos

que lhe paga a pessoa para quem

à

trabalha.

É

um

critério

terminologia ‘subordinação’. Existem

essencialmente monetário, ou seja,

algumas

haveria relação de emprego em

teorias

que

procuram

identificar o verdadeiro critério da

virtude

relação de sujeição entre empregado

vinculado

e empregador, para, a partir de

salário.

então,

definir

qual

terminologia.

Neste

adotaremos

a

a

melhor

de

estar ao

o

empregado

empregador,

Segundo

pelo

interpretação

de

estudo,

Gomes e Gottschalk (2005, p. 135),

expressão

citando a lição de Cuche, o primeiro

subordinação, por entendermos ser

a apresentar essa concepção, para

a mais abrangente e específica ao

que a dependência econômica se

mesmo

o

materialize é necessário “que o

verdadeiro elemento configurador da

trabalhador ganhe a vida com o

relação empregatícia e o vínculo de

trabalho que executa em proveito de

sujeição contratual a unir empregado

quem lhe paga”.

tempo,

constituindo

e empregador.

A

dependência

econômica

não é o critério mais aceito pela 4. Natureza jurídica da subordinação

doutrina,

enfrentando

muitas

críticas, sendo a principal delas a de Para

Mozart

Victor

que pode haver situações em que o

Russomano (1993, p. 54) e Gomes e

empregado não é economicamente

Gottschalk

dependente

(2005,

p.

133),

os

do

empregador

e,

critérios utilizados para identificar

mesmo assim, estar-se-á diante de

esta sujeição são: “a) econômico; b)

uma relação de emprego, com todas

técnico; c) social; e d) jurídico”. Para

as suas características, inclusive

os três primeiros critérios, costuma-

com sujeição do empregado ao

se

empregador. Basta analisar uma

utilizar

a

expressão

“dependência” e, para o último,

hipótese:

“subordinação”.

economicamente e que decide, por

pessoa

bem

sucedida

Por dependência econômica

vontade própria e por diletantismo,

podemos entender a condição de

ensinar música em uma instituição 90


destinada

a

essa

frequentemente”.

finalidade.

Entretanto,

os

Poderemos estar diante de clara

mesmos autores avaliam que esse

relação de emprego, sem haver,

critério

todavia, dependência econômica do

tendência expansionista do Direito

empregado.

do Trabalho”, mencionando o que

Apoiamo-nos

na

ideia

seria,

de

“serve

às maravilhas à

talvez,

“o

da

parâmetro

de

Délio Maranhão (2005, p. 244), para

redefinição

quem “dizer, como fazem alguns

tipicidade trabalhista”, para incluir no

autores, que a subordinação do

campo desse ramo do Direito outras

empregado

categorias atualmente situadas fora

implica

em

uma

dependência econômica é avançar

do

prelúdio

de sua abrangência. (p. 137)

uma proposição nem sempre válida.

Vemos

então

que

Pode haver dependência econômica

dependência

sem que exista contrato de trabalho”.

abrangida

Defendendo

mesmo

jurídica, pois não detém autonomia

entendimento, mas com argumento

suficiente para ser considerada um

a contrário sensu são as palavras de

critério único e, em alguns casos,

Eduardo Gabriel Saad (2001, p. 17),

chega ao limite de tornar-se inócua,

ao afirmar que “a dependência não

em razão das especificidades de

deve ser necessariamente de caráter

cada relação de emprego. Assim,

econômico, de vez que não é

apresenta-se também como um

impossível haver empregado com

critério

fortuna maior do que a do seu

configuração

empregador. A dependência é de

emprego.

o

natureza jurídica”.

subordinação

insatisfatório da

para

relação

a de

dependência técnica traduz a ideia

Gottschalk (p. 135-136), para quem

de

o

hierarquia

da

pela

está

Por sua vez, o critério da

Também a lição de Gomes e “critério

econômica

a

dependência

sujeição

do e

empregado

organização

à da

econômica é inaceitável porque, em

empresa. O empregado sujeita-se

vez de se fundar no exame da

aos critérios técnicos estabelecidos

relação jurídica, para distingui-la dos

pelo empregador, não podendo,

contratos afins, baseia-se na análise

livremente, estabelecer a forma em

da situação socioeconômica em que

que prestará o trabalho, ficando

se

vinculado às diretrizes da empresa.

encontra

uma

das

partes 91


Esse critério, fixado em 1905,

O conceito de dependência

na França, também não satisfaz a

social, para Gomes e Gottschalk

maior parte dos doutrinadores, pois

(2005, p. 140), é a tentativa de fusão

argumentam que a dependência

dos

técnica

substância

jurídica e dependência econômica.

suficiente para ser considerada um

Os mesmos autores criticam essa

critério

tentativa, afirmando que “a fusão

não

possui

autônomo,

estando

ela

critérios

de

inserida na própria subordinação

pretendida

jurídica. Desta forma, “no poder de

impossível”.

direção do empregador já está

“subordinação

compreendida a faculdade de o

hierárquica

é

mesmo determinar o modo como

dependência

econômica,

deve ser executado o trabalho, a

Efetivamente,

orientação

serviço”.

unificadas em um só conceito, de

(GOMES e GOTTSCHALK, 2005, p.

vez que não coincidem sempre em

138)

toda relação jurídica de trabalho.

técnica

Ademais, dependência insuficiente

do

o

critério

técnica para

logicamente

Argumentam

que

jurídica

ou

uma

não

coisa, outra.

podem

ser

Uma, portanto, não implica a outra”.

da

mostra-se

caracterizar

é

subordinação

Para

entendermos

esse

a

critério, poderíamos utilizar a ideia

relação de emprego em virtude da

de subsistência do empregado por

especificidade de cada prestação de

meio do empregador, ou seja, este

serviços, variando de acordo com a

forneceria os meios para que aquele

qualificação

pudesse

individual

de

cada

realizar

os

empregado. Em outras palavras,

compromissos

conforme

de

sentido, seria a relação de emprego

do

a responsável pela integração social

empregado, menor será a sua

do empregado, visto que seria pelo

relação de dependência técnica em

seu emprego que ele estaria inserido

relação ao empregador, chegando

na sociedade. Assim, a relação entre

quase a ponto de desaparecer, ou de

empregado e empregador seria de

inverter-se,

o

dependência social, na medida em

dependeria

que o empregador forneceria a

tecnicamente do empregado e não o

subsistência para o empregado,

contrário.

fazendo com que ele integrasse à

o

maior

qualificação

empregador

grau

profissional

de

modo

que

92

sociais.

seus Nesse


sociedade e, em contrapartida, o

mesmo

empregado colocaria à disposição

existindo relação de emprego.

daquele a sua força de trabalho.

assim,

ainda

Ademais,

continua

tanto

a

Nesse aspecto, seria uma “segunda

dependência econômica quanto a

etapa da dependência econômica”.

social

(MARTINS, 2006, p. 168)

subordinação jurídica, que é o

Concordamos com os autores acima

mencionados

de

que

estão

abrangidas

pela

verdadeiro elemento caracterizador

a

da relação de emprego. Nos dizeres

dependência social não é um critério

de Gomes e Gottschalk (2005, p.

adequado para a configuração da

141), “o Direito do Trabalho não

relação de emprego. Entendemos

protege todos os economicamente

que ela se confunde com o critério da

fracos, mas, sim, uma grande parte

dependência

não

dos que têm essa condição, aqueles,

apresentando diferença relevante

precisamente, que têm o estado

que justifique alçá-la à condição de

jurídico de empregados, ou seja, de

critério

trabalhadores subordinados”. (Grifos

econômica,

caracterizador

daquela.

Podemos citar novamente, como

do original)

exemplo, a hipótese acima referida,

Finalmente, a subordinação

do professor de música que é bem

jurídica. É o critério mais aceito pela

posicionado

e

doutrina, pela legislação e pela

economicamente. Não se pode falar

jurisprudência como o elemento

que é a dependência social que

caracterizador

da

configura a relação de emprego, pois

emprego.

essa

esse empregado não precisaria do

subordinação deriva do contrato de

empregador

trabalho,

social

para

inserir-se

socialmente.

da

de

análise,

manifestação

a

de

vontade das partes que dá início à

O mesmo exemplo pode ser

relação de emprego.

utilizado para refutar os outros critérios

Por

relação

anteriormente

Para

expostos,

Mozart

Victor

Russomano (1993, p. 50-51), essa

pois o empregado é tecnicamente

subordinação

mais qualificado que o empregador,

caráter aviltante do trabalho escravo

no exercício daquela determinada

e da servidão ou, mesmo, dos

função, bem como pode não ser

regimes medievais posteriores, pois

economicamente

se trata de uma decorrência da

dependente

e, 93

não

tem

aquele


natureza

ou

organização

da

acordo

inicial

das

partes,

empresa ocidental, que se constitui

vontades do

em níveis hierárquicos, de acordo

empregado, onde são aceitas, desde

com os interesses do empresário, no

o início, as suas consequências,

qual o comando lhe pertence, tudo

sendo a mais importante e onerosa a

funcionando conforme um critério

da situação de subordinação. “O

necessariamente harmonioso.

pressuposto do acordo de vontades

Ari Possidonio Beltran (2001,

está,

Xavier,

destaca

normalmente,

à

base

do

da

relação de trabalho”.

p. 98), citando o jurista português Lobo

empregador e

nas

que

Com a propriedade de quem

subordinação jurídica é a “atividade

influenciou

prevista

doutrinadores nacionais, o jurista

legalmente

e

boa

dos

desempenhada sob autoridade e

italiano

direção

Passarelli (1952, p. 139) afirma que

da

pessoa a

quem

é

prestada”. 246),

Santoro-

todo contrato de trabalho forma o que denomina “status subiectionis”,

Para Délio Maranhão (2005, p.

Francesco

parte

“a

subordinação

do

sendo

este

o

estado

de

empregado é jurídica, porque resulta

subordinação a que se encontra o

de um contrato: nele encontra seu

empregado.

fundamento

e

seus

e,

Vemos que a subordinação é

conclui, citando Sanseverino que “a

jurídica, pois deriva da manifestação

subordinação própria do contrato de

de vontade das partes – empregado

trabalho não sujeita ao empregador

e empregador – para que se possa

toda a pessoa do empregado, sendo,

dar início à relação de emprego. É o

como é, limitada ao âmbito da

critério mais aceito, em virtude da

execução do trabalho contratado. A

tendência, entre os doutrinadores,

subordinação não cria um status

de considerar a teoria contratualista

subjectionis;

uma

da relação de emprego como a mais

situação jurídica”. (Grifos do original)

aceitável, inclusive para justificar o

é,

limites”

apenas,

No entendimento de Orlando

poder

diretivo

do

empregador,

Gomes e Elson Gottschalk (2005, p.

conforme se verifica em Otavio Pinto

134), a subordinação é de natureza

e Silva (2004, p. 16), para quem

jurídica, pois a relação de trabalho

“subordinação e poder de direção

encontra sua causa determinante no

são verso e reverso da mesma 94


medalha:

a

subordinação

é

a

contrato de trabalho. Subordinação

situação em que fica o empregado e

que

o poder de direção é a faculdade

(hierárquica),

conferida ao empregador”.

econômica

É

esse

posicionamento Egrégio

também sumulado

Tribunal

Superior

é

principalmente mas e

social,

jurídica também pois

as

o

situações excepcionais em que a

pelo

dependência não ocorra apenas

do

confirmam a regra: o empregado é

Trabalho, por meio da Súmula n.

economicamente

269:

emprego, via de regra, e socialmente O

empregado

eleito

para

inferiorizado

dependente

em

relação

do

ao

ocupar cargo de diretor tem o

empregador, também em regra. Até

respectivo

trabalho

a subordinação hierárquica às vezes

suspenso, não se computando o

é imperceptível (a “tecnoestrutura”

tempo de serviço desse período,

da empresa), mas existe porque a

salvo

subordinação é determinada pela lei

contrato

de

se

permanecer

a subordinação jurídica inerente à

(art. 2º da CLT).

relação de emprego. (Grifamos)

Ou porque a lei a determina,

No entanto, vale apontar o

ou porque a realidade a reforça, a

posicionamento do professor Hugo

subordinação é bastante ampla,

Gueiros Bernardes, para quem todas

razão

as

contrato de trabalho. (1989, p. 142,

teorias

utilizadas

acima para

apontadas definir

a

devem

ser

característica

do

grifos do original)

subordinação do empregado ao empregador

de

Desta forma, apontados os

ser

diferentes critérios e os debates

fazerem

existentes, vimos que prevaleceu o

verificáveis, em certa medida, em

da sujeição como manifestação de

toda relação de emprego.

vontade das partes, fruto de um

consideradas,

por

se

contrato,

tendo

então

natureza

jurídica e que a terminologia mais apropriada para sua designação é

5. Conclusão

“subordinação”. A

subordinação

característica

por

é

excelência

nota do

95


Referências BACELLAR, Margareth de Freitas. O direito do trabalho na era virtual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARASSI, Lodovico. Il diritto del lavoro. Milão: Giuffrè, 1949. BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. São Paulo: LTr, 2001. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. ______. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. GOMES, Olando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005. HOUAISS, Antonio. Dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. 4. ed. rev e atual. São Paulo: LTr, 1993. MANNRICH, Nelson. A modernização do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 1998. MARANHÃO, Délio. Contrato de Trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo et. al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atual. São Paulo: LTr, 2005. p. 232-289. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. OLEA, Manuel Alonso. Introdução do direito do trabalho. Trad. de Carlos Alberto Barata Silva. 4. ed. rev. São Paulo: Ltr, 1984. PERA, Giuseppe. Compendio di diritto del lavoro. 5. ed. Milão: Giuffrè, 2000. PEREIRA, Adilson Bassalho. A subordinação como objeto do contrato de emprego. São Paulo, LTr, 1991. ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 4. ed. Curitiba: Juruá, 1993. 96


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97


ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS PAIVA dos Reis, Joyce Maria – Discente do 9° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Amauri José do – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O objetivo deste artigo é defender a adoção por casais homossexuais, com o propósito de possibilitar a realização do sonho de constituir uma família, como se filhos consanguíneos fossem. Sob este aspecto analisar a importância do melhor interesse da criança em ser adotada por homossexuais, do que permanecer em orfanatos. Assim, demonstraremos a importância do assunto, visando que, de algum modo, este artigo possa contribuir para que se tenha uma visão mais ampla, desmistificando o preconceito sobre o assunto.

Palavras-chave: Adoção. Homossexuais. Preconceito. Família. 98


homossexualidade entre pessoas de

Introdução

destaque cultural e social da época. Embora

A adoção por homossexuais

o

conceito

de

vem sendo uma grande discussão

homossexualidade,

nos últimos tempos, em que o

dito, não existisse à cerca de 10 mil

preconceito está estabelecido na

anos atrás já existiam rituais de

maior parte da população, tornando

homossexualidade. Os melanésios

a adoção de difícil aceitação social,

acreditavam que o conhecimento

dificultando assim, que crianças que

sagrado só era transmitido por meio

vivem em abrigos tenham suas

do coito entre duas pessoas do

famílias,

mesmo sexo.

e

homossexuais

que

propriamente

A união civil de pessoas do

desejam ter seus filhos sentem-se do

mesmo sexo parece bem recente,

preconceito, a qual dita que um

mas desde 1989 a Dinamarca já

homossexual não é capacitado para

havia

ter filhos.

casamento de pessoas do mesmo

pressionados

pela

ditadura

abraçado

a

causa.

O

pretende

sexo está amparado por leis de 21

demonstrar a importância da adoção

nações, entre elas a aculturada

por homossexuais, assim como o

Inglaterra.

Este

artigo

direito da criança de ter uma família,

Até pouco tempo atrás a

através dos princípios da igualdade

homossexualidade era vista como

e da liberdade, baseando-se em

uma

pesquisas bibliográficas e históricas,

considerada

que demonstram que a opção sexual

comportamental, porém a medicina e

não interfere na qualidade da criação

a psicologia entre outras ciências,

e educação de seus filhos.

não conseguiram responder se é

doença,

mais

tarde

um

foi

distúrbio

uma opção a partir do livre arbítrio ou é decorrente de origem genética.

1. Homossexualidade no passado

De Naphy,

Para analisar este trabalho,

acordo diretor

do

com

William

colégio

de

devemos olhar o começo da nossa

Teologia, História e Filosofia da

civilização. Já na Grécia e Roma

Universidade de Aberdeen, Reino

antigas, entre outros povos, havia a

Unido, em Born to be Gay – História da Homossexualidade, diz que: “Em 99


toda a história e em todo o mundo a

dignidade da pessoa humana estaria

homossexualidade

sendo ferido já que não se pode

tem

sido

um

componente da vida humana”.

proibir a adoção apenas por causa

A única coisa que podemos

da orientação sexual do casal. Além

afirmar é que se duas pessoas ficam

de

ser

discriminação,

estará

juntas, é por afeto, e o afeto é uma

deixando de valorizar e priorizar o

condição natural que vem de milhões

melhor interesse da criança.

de anos atrás, não sendo apenas

De acordo com Dias (2004,

observada por todas as civilizações,

p.124): “As evidências trazidas pelas

mas também comum nos seres da

pesquisas não permitem vislumbrar

natureza.

a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta

2. O Direito

pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães”.

As relações familiares são

Não se deve ter o preconceito

reguladas pelo afeto, sendo este

de que a orientação sexual de seus

essencial para existência familiar,

pais adotivos irá afetar o psicológico

que é base da sociedade, e que após

da criança, pois a opção sexual da

a Constituição Federal de 1988,

criança é ela quem vai decidir não

passou a reconhecer como família

partindo do fato de ter sido criada ou

também aquelas oriundas da união

não

estável

monoparental,

porque muitos homossexuais foram

possibilitando que todos pudessem

criados por heterossexuais, o que

exercer o direito de constituir uma

não mudou sua escolha e nem a

família, independente de ser natural

educação.

e

a

por

homossexuais,

mesmo

ou por adoção. Com a família monoparental

3. Os problemas da adoção

se fortaleceu a tese de que o casal de

homossexual

adoção,

pois

fundamental

tem

direito

por não

se

à

Desde 1990, com o Estatuto

princípio

da Criança e do Adolescente, as

pode

instituições abrigos, onde crianças

discriminar. Dessa forma se conclui

deveriam

que homossexual tem direito a

provisoriamente ou o menor tempo

adoção, uma vez que o princípio da

possível 100

ficar

não

funciona

apenas

assim.


Crianças passam toda a infância,

bebê. Foi um susto para toda a

quando

adolescência,

família. Como poderíamos criar um

esperando ser adotadas. De um

filho sem uma mãe? Mas eu fui

movimento social sem precedentes

criado para ter uma família: filhos,

resultou a elaboração e aprovação

gato,

do

do

Adotamos Débora com 5 meses. Foi

Adolescente (ECA - Lei 8.069, de

uma experiência tão feliz que seis

13/07/1990), que é considerada uma

meses depois, adotamos Lara. Elas

das leis mais avançadas do mundo

lidam

em relação à infância.

orientação sexual. Quando Débora

não

Estatuto

a

da

Criança

e

cachorro,

muito

passarinho...

bem

com

nossa

Existem mais de um milhão de

foi para a escola, isso a abalou um

crianças e adolescentes abrigados

pouco. Ela notou que os coleguinhas

no

sentem

tinham um pai e uma mãe e ela tinha

abandonados, não é a mesma coisa

dois pais. Dizemos a ela que nos

de se ter uma família, eles querem

amamos e é isso que une uma

fazer parte de uma, querem afeto,

família. Eu sofri e sofro com a

carinho, atenção, querem um lar.

discriminação e não quero que isso

país.

Eles

se

A maior parte das crianças

se repita com minhas filhas. Nós as

que estão aptas à adoção, são

preservamos

ao

crianças acima de dois anos, o que

preparamos

para

dificulta integrá-las a uma família,

diferenças. (VEJA, 2001, p.67).

pois, a maioria das pessoas que se encontram

cadastradas

Casos

como

máximo

e

as

enfrentar

as

como

aumentando

esse

no

vem Brasil,

adotantes preferem recém nascidos.

principalmente nos grandes centros.

Em matéria apresentada na Revista

Nossa legislação não está adequada

Veja, de 11 de Julho de 2001, o

para solucioná-los. Os juízes têm

empresário

que analisar os pedidos de adoção

“Renato”

relata

sua

experiência com a adoção:

buscando sempre o melhor para a

A VONTADE DE TER UMA

criança de forma a garantir-lhes um

FAMÍLIA Quando

crescimento saudável, amparados eu

e

Marcos

por amor e

completamos quatro anos vivendo

convivência

juntos, veio a vontade de ter um filho.

formada

Montamos enxoval para adotar um 101

afeto gerados na familiar,

pelo

seja

ela

casamento

ou


qualquer outra forma de entidade

acham que a criança irá sofrer na

familiar.

escola, e que será discriminada por isso,

porém

todos

sofrem

discriminação, seja negro, adotada, pobre, mulher, homossexual e etc.

Considerações finais

Não se deve concluir que um Com isso, podemos concluir

casal não pode adotar apenas por ter

que embora a nossa legislação não

uma orientação sexual diferente da

traga a possibilidade expressa da

habitual, devemos pensar no afeto

adoção por casais do mesmo sexo,

que essa pessoa pode dar para uma

o que dificulta, atrasa, torna uma

criança que precisa tanto de alguém

verdadeira cruzada um pedido de

para amá-la. Não devemos discriminar o

adoção, também não veta. E sobre duas

casal homossexual, muitos deles

correntes: os que entendem que

são conhecidos pela boa moral e

apenas com a alteração do art. 226,

pelos bons costumes, e muitos são

§3° da CF/88, dando ao casal o

melhores do que os próprios pais

status de entidade familiar, sendo

biológicos, tanto é que foram os

possível a adoção em conjunto. E a

biológicos que abandonaram essas

outra corrente que acredita que o

crianças, não quiseram dar o que

artigo mencionado fere o princípio da

estes casais estão se dispondo a

igualdade,

e,

fazer oferecer um lar, uma família,

dignidade

alguém que se dispõe a educar e

humana, que são fundamentos do

amar uma criança, que quiçá será

estado

um adulto melhor para o mundo.

este

assunto

da

principalmente,

Portanto

existem

isonomia o

da

democrático deve

de

este

direito.

artigo

Deve-se

ser

sim,

como

toda

os

adoção, ser analisado caso a caso,

mesmo benefícios que os casais

da mesma forma que se analisa uma

heterossexuais

adoção para casais heterossexuais.

desconsiderado

e

têm

conceder

perante

a

Verificar a capacidade de cada um

adoção. Vários são os motivos para se

de dar o que a criança precisa dentro

dizer que uma criança não deve ser

dos preceitos éticos. É neste aspecto

adotada por casais do mesmo sexo,

que os juízes e promotores devem

e uma delas é a discriminação, pois

amparar suas decisões, e não na 102


discriminação

mesquinha

criada

orientação sexual, pois se deve ter

pela sociedade.

em

Portanto, deve ser decidida

mente

priorizar

o

melhor

interesse da criança, e não a

cada adoção de acordo com a moral

orientação

e a capacidade dos adotantes de

adotantes, podendo assim diminuir o

cuidar e dar um futuro melhor para a

número de crianças existentes em

criança. Que possam todos aqueles,

abrigos, aumentando os números de

que possuem o intuito de formar sua

crianças em lares, mudando o futuro

família

do nosso país.

adotando

realizá-la

uma

independente

criança,

sexual

de

da

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

103

seus


Referências DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. BUCHALLA, Anna Paula. Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica. Revista Veja. Julho, ed. 1708, p.67, 2001. NAPHY, Willian. Born to be ay: História da Homossexualidade. ed. 1: edições 70, 2006.

104


ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente trabalho visa estudar os principais aspectos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, um instituto criado pela Constituição Federal de 1988, que tem por finalidade a supressão das omissões inconstitucionais. O objetivo almejado pelo Constituinte responsável pela Constituição Federal de 1.988 foi buscar métodos para coibir a inércia dos poderes públicos ad perpetuam, uma vez que existem normas constitucionais que necessitam de regulamentação infraconstitucional para tornarem-se plenamente eficazes, as quais são chamadas de normas de eficácia limitada. Tais regulamentações devem ser executadas pelos órgãos competentes, a fim de se cumprir o princípio da Supremacia da Constituição.

Palavras-chave: Constituição. Omissão Inconstitucional. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 105


O tratamento da omissão

Introdução

inconstitucional

não

encontra

A Constituição Federal de

precedentes no direito constitucional

1.988 foi a primeira a criar métodos

brasileiro. O modelo de controle de

de combate ao problema da omissão

inconstitucionalidade por omissão

inconstitucional,

brasileiro

regulamentando

foi

inspirado

na

Constituição Portuguesa.

dois institutos com tal finalidade, que de

Havia uma preocupação dos

Inconstitucionalidade por Omissão e

operadores do direito na criação de

Mandado de Injunção.

um instrumento que vedasse a

são

a

Ação

Direta

perpetuação da omissão dos órgãos

Tais institutos, cuja função é coibir a omissão inconstitucional,

competentes

encontram-se

diferentes

normas constitucionais. O que se

capítulos da Constituição Federal de

procurava era a criação de um

1.988, uma vez que a Ação Direta de

instrumento

Inconstitucionalidade está prevista

efetividade

no Título IV, Capitulo III, Seção II,

constitucionais.

onde

em

prescreve

correspondentes

as ao

regulamentar

capaz

de

às

A

funções

em

Ação

conferir normas

Direta

de

Inconstitucionalidade por Omissão

Supremo

começou

Tribunal Federal.

a

Comissões

Já o Mandado de Injunção

ser

modulada

Temáticas

encontra-se previsto no Título II,

ingressar

posteriormente

Capítulo I, que descreve os direitos e

Constituição Federal de 1.988.

nas para na

coletivos,

Assim, pode-se notar que

justamente por tratarem de matérias

quando da criação da Constituição

diversas, uma vez que o mandado

vigente houve uma preocupação por

de injunção serve para combater em

parte

casos concretos a inércia do Poder

estabelecer

competente, enquanto que a Ação

finalidade seria obstar a inércia

Direta de Inconstitucionalidade por

prolongada dos órgãos competentes

Omissão

em criar normas que completariam a

deveres

individuais

Constituição

visa

e

proteger

a

dos

Constituição.

abstratamente,

evitando a omissão inconstitucional.

106

constituintes uma

medida

em cuja


1. Omissão inconstitucional

Desta forma, com a instituição da

Ação

Direta

de

A Constituição Federal não

Inconstitucionalidade por Omissão

era plenamente eficaz quando de

procurou-se obstar a inação do

sua entrada em vigor, pois existiam

legislador, visando impedir que os

normas

que

direitos previstos na Constituição

constitucionais

necessitam

de

uma

não fossem recebidos por seus

complementação

posterior

para

destinatários.

serem efetivamente aplicadas. As normas

de

legislador

constituinte

limitada

quando criou a Constituição vigente,

regulamentação

buscou um meio de impedir que

através de leis ordinárias, para

ocorresse o mesmo erro encontrado

realmente cumprirem a sua função

nas Constituições anteriores, onde

proposta pela Constituição Federal.

não se existia um instituto capaz de

necessitam

eficácia

O

de

A omissão inconstitucional é o

impedir a omissão inconstitucional e

não fazer a norma devidamente

por

individualizada, em um determinado

previstas em seus textos ficavam

tempo,

sem regulamentação e acabavam

cuja

obrigatoriedade

é

imposta pelo texto constitucional.

tal

motivo,

muitas

normas

por se tornarem ineficazes.

As normas de eficácia limitada

A

possuem aplicabilidade indireta, pois

somente

somente se tornarão plenamente

cumprida quando a atuação dos

eficazes após a complementação

poderes por ela constituídos forem

ulterior da Constituição.

executados de maneira integral,

A

omissão

inconstitucional

Constituição será

Federal

efetivamente

preenchendo os espaços vazios,

pode ser total quando o legislador

propositalmente

não satisfaz integralmente o texto

constituinte

constitucional não criando a norma

posteriormente

regulamentadora

legislador

e

deixados para

pelo serem

completados

infraconstitucional,

pelo de

também parcial quando o legislador

acordo com as necessidades da

cria a norma, complementando o

população.

texto constitucional de forma não

Quando o órgão é incumbido

satisfatória.

pela Constituição de realizar um ato e mesmo assim se permanece 107


inerte, tal inércia constitui violação à

por

própria

poderes Legislativo e Executivo.

Constituição

de

forma

Omissão

diz

respeito

aos

omissiva. Para

suprir

as

omissões

2. Direito comparado

inconstitucionais, bem como retirar do ordenamento jurídico, leis ou atos normativos

contrários

Segundo estudos realizados,

à

o primeiro país a prever o instituto da

Constituição, existe a fiscalização

inconstitucionalidade por omissão foi

por

a antiga Iugoslávia no ano de 1.974.

intermédio

do

controle

da

constitucionalidade.

Dois anos após, a primeira

Quaisquer dos três poderes -

aparição

do

instituto,

Portugal

o Executivo, o Legislativo ou o

regulamentou a matéria em sua

Judiciário

Constituição. No texto original de

podem

apresentar

comportamento omissivo face à

1.976

a

declaração

da

Constituição.

inconstitucionalidade por omissão

É omisso o Poder Legislativo

tinha um caráter essencialmente

quando deixa de elaborar a lei

político. Entretanto, em 1.982 houve

necessária

uma

para

aplicabilidade

efetivar da

a

norma

importante

constitucional

revisão

que

constitucional. No que se refere ao

também

Poder Executivo, o mesmo é omisso

inconstitucionalidade por omissão,

quando

retirando-a

recebe

da

Constituição

o

modificou

instituto

do

da

campo

poderes para expedir regulamentos

preferencialmente político e levando-

visando

a ao campo jurisdicional.

a

execução

das

leis

integrativas e não o faz. E por

Na

Ação

Direta

de

derradeiro, o Poder Judiciário pode

Inconstitucionalidade por Omissão

ser omisso quando da denegação da

prevista

Justiça, ou seja, quando não exercer

Portugal,

o seu papel de busca pela Justiça,

obrigatoriedade

bem

Legislativo

como

quando

retarda

o

pela

Constituição

também

não

de

suprir

o a

de há

Poder omissão

julgamento de casos levados à sua

declarada, o que se procura é dar-

apreciação.

lhe ciência de sua existência, não

A omissão combatida pela

havendo por parte do Tribunal

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Constitucional 108

qualquer

tipo

de


coação face à permanência do órgão

concedida

legislativo na inércia.

favor da pessoa que foi prejudicada

Já a Argentina possui um sistema

um

daquele

visto

pouco até

uma

indenização

em

pela inércia pública. Entretanto, tal

diferenciado

situação somente ocorrerá em última

o

hipótese.

presente

momento, isto se dá pelo fato deste

Na Espanha não existe uma

país ter sofrido uma forte influência

ação de inconstitucionalidade por

do direito alemão e hispânico. O

omissão, uma vez o recurso contra a

direito argentino ao tratar da omissão

inconstitucionalidade está reduzido

constitucional confere ao Superior

ao campo das leis que contradizem

Tribunal de Justicia competência

a Constituição, demonstrando que

para conhecer de ações que tenham

neste país trata-se somente dos atos

por objeto o não cumprimento de um

positivos

preceito ditado por uma norma da

Alguns

qual deriva um dever concreto a

espanhol entendem que o chamado

cargo da Província ou de seus

Recurso de Amparo é capaz de

Municípios.

solucionar as questões referentes às

Na

Argentina,

existe

a

e

não

das

estudiosos

omissões. do

direito

omissões inconstitucionais, pois visa

chamada Acción de Amparo que

proteger

pode ser proposta no caso de

violação de direitos e liberdades

omissão por parte daquele que era

públicas

obrigado a executar um ato concreto

legislador. Apesar de não dispor

e se queda inerte, como também

expressamente em sua Constituição

contra quem deve pronunciar uma

de uma ação que visa coibir a

decisão e não o faz. O Superior

omissão inconstitucional, no sistema

Tribunal de Justicia ao declarar a

espanhol

omissão, integra a ordem normativa

Recurso de Amparo visa suprir à

ao caso concreto, garantindo a

omissão do legislador que está

satisfação do indivíduo que se sentiu

impossibilitando

prejudicado em seu direito pessoal

exercitar seus direitos ou liberdades

ou

públicas.

coletivo.

Tal

integração

o

indivíduo

face

a

à

omissão

ação

a

contra

a

do

denominada

pessoa

de

permanece nas fronteiras do caso

Assim, como na Espanha,

concreto, sem alcançar a todos.

outros países como a Alemanha,

Caso isto não seja possível, será

Itália 109

e

França

não

possuem


previsão constitucional de uma ação

administrativos, não realizados pelos

específica

omissão

órgãos competentes estão fora do

Entretanto,

âmbito de propositura da Ação Direta

sobre

inconstitucional.

passaram a reconhecer em sede

de

Inconstitucionalidade

jurisprudencial tal instituto.

Omissão.

por

Michel Temer discorre sobre 3.

Ação

direta

de

este

inconstitucionalidade por omissão

assunto

em

sua

obra

e

menciona que a jurisprudência tem fixado entendimento no sentido de de

que

da

inconstitucionalidade por omissão

inconstitucionalidade por omissão,

objetiva-se a expedição de ato

voltado a preencher de forma geral e

normativo

abstrata,

cumprimento

É

o

instrumento

fiscalização

abstrata

as

lacunas

na

ação

direta

necessário de

por

ao preceito

inconstitucionais do ordenamento

constitucional fundamental que sem

jurídico.

atos

ele não poderia ser aplicado. O autor

normativos de cunho administrativo

cita uma jurisprudência que trata de

também pode ser alvo da Ação

tal assunto:

Direta de Inconstitucionalidade por

Ação

A

omissão

de

direta

de

Omissão, uma vez que o próprio

inconstitucionalidade por omissão –

texto constitucional menciona Poder

Propositura visando prática de ato

competente ou órgão administrativo.

administrativo em caso concreto,

Não é qualquer omissão que

cuja

omissão

ofende

preceitos

pode legitimar a propositura da ação

constitucionais – Descabimento –

junto ao Supremo Tribunal Federal,

Possibilidade

mas aquelas ausências de medidas

somente se se objetivar a expedição

de

de ato normativo necessário ao

cunho

aquelas

normativo,

que

ou

prescrevem

seja, regras

cumprimento

gerais e abstratas.

em

citando

como

de

ajuizamento

preceito

constitucional que, sem ele, não poderia ser aplicado – Seguimento

A ação que visa impedir a omissão

de

casos

negado – Inteligência e aplicação

concretos,

exemplo

ação

dos arts. 102, I e 103, §2º, da CF.

governamental obrigada a realizar

(AdIn 19-5, DJU 14.4.89, in. RT

obras,

645/184). (1999, p. 54).

tarefas,

a

programas 110


Conforme

Procurador-Geral da República; o

anteriormente de

Conselho Federal da Ordem dos

Inconstitucionalidade por Omissão

Advogados do Brasil; partido político

está prevista no art. 103, § 2º, da

com representação no Congresso

Constituição

Nacional; confederação sindical ou

prescrito,

a

Ação

Direta

Federal.

Neste

dispositivo prevê-se a omissão tanto

entidade

por parte do legislador como do

nacional.

administrador omisso.

de

classe

de

âmbito

Ressalta-se que tais entes

Uma das poucas diferenças

são legitimados para propor a Ação

encontradas entre os institutos que

Direta de Inconstitucionalidade em

combate a omissão inconstitucional

suas duas modalidades, por ação ou

no direito brasileiro e no português é

por omissão. A figura do réu é

o fato de que no direito brasileiro

representada

busca-se

omissão

responsável em agir e não o faz,

legislativa e administrativa e o direito

justamente por causa de sua inércia

português

é

combater

combate

a

somente

a

omissão legislativa. A

que

se

pelo

órgão

acarreta a

omissão

inconstitucional, violando assim os

Ação

Direta

de

ditames constitucionais.

Inconstitucionalidade por Omissão é

A Constituição Federal de

uma ação que visa restabelecer a

1.988

elegeu

harmonia do sistema que não está

competente para apreciar e declarar

sendo cumprido, uma vez que o

a

órgão responsável pela edição da lei

Supremo Tribunal Federal.

omissão

como

o

órgão

inconstitucional

o

ou ato permanece omisso. Por se

O Supremo Tribunal Federal

tratar de ação, possui os três

decidiu que em se tratando de Ação

elementos a ela inerentes, ou seja,

Direta de Inconstitucionalidade por

autor, réu e juiz.

Omissão não se faz necessária a

Tem-se como autor aqueles

participação do Advogado Geral da

legitimados pelo art. 103 que são: o

União

Presidente da República; a Mesa do

impugnado em Ações Diretas de

Senado Federal; a Mesa da Câmara

Inconstitucionalidade por Ação), vez

dos

de

que a razão de ser da ação é

o

justamente a falta de lei ou ato

Deputados;

Assembleia Governador

a

Mesa

Legislativa; de

Estado;

o 111

(defensores

do

texto


normativo e por tal motivo não há o

simplesmente lhe dá ciência de sua

que se defender.

inércia.

Por ser uma ação que declara

No tocante à omissão do

a inconstitucionalidade em tese,

Poder Legislativo, a decisão do

seus efeitos são produzidos erga

Supremo Tribunal Federal que julgar

omnes, pois se aproveita a todos e

a

ex nunc, uma vez que começa a

Inconstitucionalidade por Omissão é

existir a partir do pronunciamento do

meramente declaratória. Não há

Supremo Tribunal Federal.

prazo para cumprimento do dever, o

O Supremo Tribunal Federal

Ação

Poder

Direta

Legislativo

de

possui

também decidiu pela impossibilidade

liberdade

de concessão de liminar em Ação

legislativa. Não há possibilidade de o

Direta de Inconstitucionalidade por

Poder Judiciário dispor sobre o

Omissão

própria

assunto, editando o preceito faltante,

incompatibilidade com o instituto.

porque se assim fizesse estaria

Michel

ferindo o princípio da Separação dos

em

Temer

razão

em

da

sua

obra,

transcreve ementa de um acórdão

conformação

Poderes.

que trata deste assunto, que foi

Não há previsão de sanção

objeto da ADIn 361-5. Ação

de

uma

caso não seja editada a norma, o

direta

de

que se busca é um dever moral do

inconstitucionalidade por omissão –

Legislador em suprir a omissão, mas

Liminar. É incompatível com o objeto

não há uma imposição por parte do

mediato da referida demanda a

Supremo.

concessão de liminar. Se nem

Segundo

entendimento

de

mesmo o provimento judicial último

vários juristas, apesar de não haver

pode implicar no afastamento da

previsão

omissão, o que se dirá quanto ao

Legislativo que se queda inerte,

exame preliminar. (1999, p. 60).

aquele que se sentir lesado pela

Devido à influência do Direito Português,

a

Ação

Direta

omissão

de

de

sanção

ao

inconstitucional

Poder

pode

pleitear uma indenização por perdas

Inconstitucionalidade por Omissão

e danos.

prevista na Constituição Federal

Declarada

a

também não obriga o órgão omisso

inconstitucional

a

administrativo, este tem o dever de

editar

a

norma

faltante, 112

do

omissão órgão


suprir a ausência em 30 dias. Neste

da inconstitucionalidade por omissão

caso a decisão do Supremo tem

é afastar com a máxima eficiência a

efeito

órgão

violação à Constituição. Entretanto,

administrativo não possui a liberdade

certamente em prol do princípio da

dada ao Poder Legislativo. Há uma

Separação

verdadeira ordem judicial que deve

impossibilidade de o Poder Judiciário

ser efetivamente cumprida. Se após

suprir a omissão deixada Poder

o

Legislativo acaba por comprometer o

mandamental

decurso

do

e

prazo,

o

o

órgão

dos

administrativo se mantiver inerte, é

princípio

possível se caracterizar crime de

Constituição.

responsabilidade em virtude do ato omissivo

atentar

contra

da

Poderes

prevalência

a

da

Partindo-se do pressuposto

decisão

que

judicial. (art. 85, VII, CF).

a

Ação

Direta

de

Inconstitucionalidade por Omissão serve somente como instrumento

4. Aspectos controvertidos

através

do

qual

se

obtém

a

declaração da inconstitucionalidade No decorrer deste estudo,

por omissão como também se dá

ficou visível que a Ação Direta de

ciência ao legislador de sua inércia,

Inconstitucionalidade por Omissão

conclui-se que este mecanismo se

legislativa, encontra barreiras e a

torna insuficiente e insatisfatório,

sua aplicação fica inviabilizada, pois

uma vez que não tem o condão de

o único capaz de suprir a omissão é

suprir

o próprio Poder Legislativo.

inconstitucional. O Supremo Tribunal

plenamente

a

omissão

A omissão revela-se uma

Federal não tem nenhum poder para

questão mais política do que jurídica,

obrigar o legislador a regulamentar a

pois como não se pode obrigar o

norma faltante. Sua participação

legislador a legislar, tal instrumento

seria efetivamente eficaz, caso fosse

tem caráter meramente declaratório

possível, quando da declaração da

e não impositivo, servindo-se apenas

inconstitucionalidade por omissão, a

como mecanismo de denúncia sobre

fixação

legisladores que não cumprem o seu

legislador omisso suprir sua inércia,

dever.

para assim conferir efetividade à A grande missão do Poder

de

um

prazo

norma constitucional.

Judiciário, no tocante a declaração 113

para

o


sem

Após o decurso deste prazo,

sugere é a possibilidade, em caso de

que

Ação Direta de Inconstitucionalidade

qualquer

o

legislador

o

por Omissão, de o Poder Judiciário

Supremo Tribunal Federal, em casos

suprir provisoriamente a omissão,

em que a atuação do legislador fosse

até que esta seja definitivamente

absolutamente

suprida pelo órgão competente.

dispor

providência,

tomasse

poderia

imprescindível,

normativamente

sobre

a

Desta

forma,

matéria, em caráter provisório, até

viabilizando

que o legislador regulamentasse a

Constituição, afastando a omissão

norma faltante.

inconstitucional que compromete a

Desta forma, ainda que em

o

estaria

cumprimento

da

sua aplicação integral.

caráter precário e provisório, o princípio

da

Constituição

supremacia estaria

da sendo

Considerações finais

cumprido, não se vislumbrando o descumprimento do princípio da

Conclui-se que o constituinte

separação dos poderes, uma vez

adicionou sabiamente o instituto da

que

a

Ação Direta de Inconstitucionalidade

inconstitucionalidade por omissão

por Omissão na Constituição vigente

seria concedido ao legislador um

justamente para garantir sua integral

prazo razoável para que fossem

efetividade, evitando as omissões

adotadas

inconstitucionais.

declarada

as

medidas

cabíveis,

somente na hipótese de o legislador

Entretanto, a não previsão de

permanecer inerte mesmo após o

sanções

término deste prazo é que seria

descumprimento do poder de legislar

permitido ao Supremo, caso fosse

tornou este instituto vazio, vez que

necessário,

decisão

através dele

fim

de

atender sua função primordial, que é

conceder aplicabilidade ao preceito

garantir o cumprimento integral da

constitucional.

Constituição.

normativa

expedir provisória

a

em

face

não

se

ao

consegue

Assim, como é possível ao

O fato de o Poder Legislativo

Poder Executivo legislar por meio de

ter liberdade discricionária de optar

medida

em

provisória

em

caso

de

relevância e urgência, o que se

editar

ou

não

a

norma

infraconstitucional é que impede a 114


concreta realização da Ação Direta da

Inconstitucionalidade

Tem-se,

desta

forma,

por

somente um dever moral e não um

Omissão, pois não lhe oferece

dever real, ficando a cargo da

nenhuma

obrigatoriedade

de

consciência do legislador a busca

suprimento

da

muito

pela completa aplicação da Lei

omissão,

menos implica em nenhuma sanção.

Suprema.

115


Referências ARAUJO, Luis Alberto; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BARROSO, Luis Alberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 1999 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e a teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FERRARI, Maria M. Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1.997. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2.000. MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de direito constitucional. 5. ed. Juarez de Oliveira, 2.000. OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed., São Paulo: Saraiva, 2.002. PIOVESAN, Flávia C. Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Controle concentrado de inconstitucionalidade das leis no Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 2.000. RODRIGUES, José J. Fernandes. La inconstitucionalidad por omisión. Madri: Editorial Civitas S.A, 1999 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1.998. _______. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo, Malheiros, 1.998. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1.999.

116


CONTROLE SOCIAL: UMA NOVA ANÁLISE GERENCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GRATÃO, Carlos Eduardo Andrade - Ex-aluno do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O artigo demonstra o controle social como mecanismo de combate à corrupção, bem como instrumento para aprimoramento dos controles institucionalizados e ampliação da cidadania ativa. Contribui para demonstrar que o caminho a ser buscado para conter a corrupção e revigorar a democracia é a aproximação da sociedade civil na fiscalização, deliberação e decisão junto a Administração Pública. Tem por objetivo evidenciar a importância do controle social para a manutenção do regime democrático. Mostra, ainda, alguns dados sobre as condições atuais da sociedade brasileira e a corrupção, além de citar alguns instrumentos para a realização do exercício do controle social. Concluise que este é indispensável à democracia e só pode ser exercido plenamente quando a sociedade estiver preparada, interessando-se pela política e com educação de qualidade. Utilizaram-se os métodos: histórico, estatístico, hermenêutico e dogmático-jurídico. Como método de raciocínio o hipotéticodedutivo. Como tipo de pesquisa usou-se o bibliográfico.

Palavras-chave: Democracia. Administração pública. Participação popular. Controle social. 117


CPMIs são instaladas para apurar os

Introdução

casos de corrupção, como por exemplo:

A história brasileira, mesmo que

intercalada

democráticos,

por

foi

“Sanguessugas”,

suspiros

marcada

popular

na

operações da Polícia Federal que por muitos dias repercutiram nas primeiras páginas dos jornais de

social, a elite dominante: amigos da

todo país, a exemplo da recente

coroa, coronéis, oligarquia cafeeira,

Operação “Caixa de Pandora” –

militares, burguesia industrial ou,

suposto mensalão no DF.

banqueirosEm

verdade,

Os casos se alastram em

a

todos os Poderes, bem como se

sociedade brasileira poucas vezes foi

convocada

a

participar

alojam em todos os âmbitos da

das

Federação.

questões que envolveram a nação.

Ocorre

Não bastasse, nos últimos

casos

de

desvio

de

obras,

diante do descaso com a máquina pública e do desprezo com os

que

anseios sociais.

acarretam enorme custo social e o

Por tudo isso, pode-se afirmar

afastamento do Estado brasileiro em

que a noção de democracia no atual

cumprir os objetivos fundamentais

Estado de Direito está chegando à

contidos no artigo 3º da Constituição

beira

democrática de 1988.

vezes,

fiscalização do gasto público ficam diante

do

do

colapso

representação

Os órgãos incumbidos da

inoperantes

tantos

detêm o poder sofre duros golpes

máquina pública e impropriedades execução

com

democracia. Refém daqueles que

de

dinheiro público, má gestão da

na

que

escândalos quem sai lesada é a

anos repetem-se as notícias de inúmeros

“Correios”.

em São Paulo. Sem contar as

história

gestão exclusiva de um segmento

especuladores.

dos

das

o superfaturamento da obra do TRT

nacional tem relação direta com uma

atualmente,

CPI

Ainda num passado não tão distante

por

períodos autoritários. A ausência da participação

a

não

e

partidária,

que

a

muitas

corresponde

às

aspirações sociais. De mãos atadas

grande

e ainda com a herança do regime de

número de casos de corrupção e da

exceção vivido a partir de 1964, a

amplitude de órgãos e entidades a

sociedade

serem fiscalizados. Muitas CPIs ou 118

brasileira

assiste


passivamente

ao

descaso

dos

o

gestores públicos. A tecnocracia

desenvolvimento

Assim,

utilizaram-se

decisões políticas ficam circunscritas

métodos

de

a gabinetes e cálculos matemáticos

histórico,

o

distantes das aspirações sociais e,

hermenêutico

às

jurídico.

até

representantes.

mesmo pena

dos

E

os

procedimento:

o

estatístico,

o

e

o

dogmático-

como

método

de

de

raciocínio foi utilizado o método

sucumbir e tornar-se uma doutrina

hipotético-dedutivo. Como tipo de

decaída,

pesquisa usou-se o bibliográfico.

a

Sob

controle

social.

ajuda a piorar esse quadro, pois as

vezes,

do

democracia

precisa

regenerar-se. Nesse sentido, o presente

Em busca de um conceito

trabalho é relevante para demonstrar que o caminho a ser buscado para

Conforme leciona Francisco

conter esses abusos e revigorar a

Carlos da Cruz Silva (2001, p. 24)

democracia é a aproximação da

“[...] o controle social seria um

sociedade

controle de origem no social, ou

deliberação

civil e

na

fiscalização,

decisão

junto

melhor, na sociedade.” Desse modo,

a

Administração Pública – o chamado

o

Controle Social.

possibilidade de atuação dos grupos

O presente trabalho aborda o

controle

social

é

a

“[...]

sociais (sociedade civil) por meio de

controle social como mecanismo de

qualquer

combate à corrupção, bem como

participação democrática no controle

instrumento para aprimoramento dos

das ações do Estado e dos gestores

controles

públicos.” (SILVA, F., 2001, p. 26).

institucionalizados

e

ampliação da cidadania ativa. Tem-se

por

uma

Seria,

objetivo

das

ainda,

vias

o

de

controle

exercido pelo cidadão em face do

evidenciar a importância do controle

Estado,

verdadeiro

social para o exercício da cidadania

Estado Democrático de Direito e

e para a manutenção do regime

manifestação

democrático. Além disso, analisar as

exercício

condições sociais que o país vive a

mecanismo de participação popular

fim de apresentar perspectivas para

resgatando

da

as

corolário

do

inequívoca

do

cidadania.

Um

origens

da

democracia ateniense: democracia 119


direta. Uma vez que a atuação do

fiscalizando-os e aprimorando-os,

Estado é e deve estar focada na

além de ser verdadeiro antídoto

sociedade, esta precisa participar

contra a corrupção – chaga que

ativamente das decisões políticas

afasta o Estado brasileiro de seus

que influenciarão não só a estrutura

objetivos fundamentais exarados no

estatal e a si própria, mas também as

artigo 3º da Lei Fundamental.

que envolvam quaisquer quantias de

Contudo, convém esclarecer

dinheiro público.

que o fomento para o controle social

O controle social surge não

não é o desaparecimento ou a

como utopia, delírio ou desespero

inércia dos controles institucionais,

em face dos vários escândalos

“[...]

envolvendo

dos

utilização mais racional, eficiente,

Poderes e dos diversos entes da

transparente, regular e compatível

Federação. Pelo contrário, surge

com o esforço de submissão da

como

sociedade à tributação imposta pelo

autoridades

um

mecanismo

aprimoramento

dos

de

mas

a

garantia

de

uma

Estado” (SILVA, F., 2001, p.21).

demais

controles institucionalizados e como instrumento

de

cidadania

ativa.

Controle social como instrumento da

Aliás, uma vez que a sociedade

democracia

participa da gestão pública e fiscaliza seus representantes, estes terão

Apesar de a Constituição

maior zelo e cuidado com a máquina

Federal declarar o Estado brasileiro

pública,

ficando

mais

como

possível

desvio

de

difícil

o

“Estado

Democrático

de

Direito”, a distância entre a dicção

recursos

públicos.

abstrata da Carta Política e a

Assim, o controle social é o

realidade

em

que

vive

grande

controle exercido pela sociedade em

parcela da população brasileira - às

face do Estado, seja participando da

margens de seus direitos - torna o

gestão pública, seja fiscalizando a

regime democrático longínquo do

aplicação dos recursos públicos.

que realmente deveria ser.

Vem a ser mais uma espécie de controle

ao

lado

dos

Além

controles

retornar

aos

disso,

é

tempos

impossível do

Ágora

principalmente

pela

institucionalizados, complementan-

ateniense,

-do-os

dimensão territorial que o Estado

e,

ao

mesmo

tempo, 120


contemporâneo possui e pelo grande

A propósito, recente estudo

número de cidadãos. Dessa forma a

do Bando Mundial (BIRD) mostra

democracia contemporânea utiliza

que o pagamento de propina custa

certos meios para ser exercida

ao mundo US$ 1 trilhão por ano.

como,

(Propinas..., 2007).

por

exemplo,

a

representatividade e os institutos do plebiscito,

referendo

e

O mesmo estudo mostra que

iniciativa

o Brasil piorou em quase todos os

popular.

quesitos analisados pelo Bird: voz e

Porém, representativa

a

democracia

acabou

de

transparência,

certa

outras

que

coisas

mede,

a

entre

liberdade

de

forma desvirtuando a democracia

expressão e a capacidade dos

entendida

cidadãos

por Aristóteles,

como

de

escolherem

afirma Manoel Gonçalves Ferreira

governantes;

Filho (2005). Assevera ele: “Com

governo,

efeito,

exerce

regulatório da economia, eficácia

efetivamente o poder, já que não

das leis e no controle da corrupção.

decide

(BIRD..., 2007).

a

maioria

sobre

não

os

problemas

concretos do governo. Sua influência

e

em

seus

qualidade

Quanto

à

eficácia do

do

sistema

eficiência

do

é intermitente, pálida até, pois se

governo, a marca do país foi de 52,1

limita à eleição de governantes”

em 2006, em queda desde 2003.

(FERREIRA FILHO, 2005, p. 84).

Esse indicador reflete a qualidade

Sem contar as formas ilegítimas de

dos

se governar, como as inúmeras

independência do governo e a

transigências e a prática de “troca de

implementação de políticas públicas.

favores”.

Sobre a força da lei, relativo à

serviços

públicos,

a

Evidentemente, a sociedade

análise da confiança da polícia e dos

está mutilada e envenenada por esta

tribunais - o índice ficou em 41,4 em

chaga social chamada corrupção.

2006, o pior desde 1996, quando

Esta atinge níveis preocupantes e

atingiu 50. (PROPINAS..., 2007).

atrasa

tanto

da

Já o controle da corrupção

o

alcançou em 2006 a pior marca em

desenvolvimento do Estado e da

dez anos, ficando o índice em 47,1,

sociedade brasileira.

em uma escala de zero a cem. Em

democracia,

o

exercício quanto

2005, situou-se em 48,1. Em 2000, o 121


país teve um indicador de 59,1, o

Por tudo isso, a participação

mais alto. (Propinas..., 2007). Não

bastasse,

em

da sociedade junto à Administração novo

Pública,

diante

quadro

relatório divulgado em 2009 pelo

desolador,

Banco Mundial aponta que o Brasil

manutenção da democracia.

não

melhorou

significativamente

Além

é

desse

imprescindível

desses

à

argumentos,

seus mecanismos de controle de

outro de não menos importância é a

corrupção nos últimos 12 anos

consignação

(BIRD..., 2009).

Constituição democrática de 1988

Além

disso,

some-se

a

expressa

que

a

erigiu em seu parágrafo único do

tecnocracia que faz o monopólio das

artigo 1º:

decisões políticas ficarem distantes

Art. 1º.[...] Parágrafo único.

do povo e de seus representantes.

Todo o poder emana do povo, que o

Como relata Bonavides:

exerce por meio de representantes

[...] a distância do cidadão ao Estado

se

alargou

eleitos ou diretamente, nos termos

de maneira

desta Constituição

estonteante com a formação do

Cabe

apenas

um

clube tecnocrático, que fechou ainda

complemento: o poder estatal não só

mais

da

emana do povo, como também nele

intervenção democrática e levantou

se sedia e permanece imprescritível.

o

círculo

estreito

questões

de

aguda

atualidade

relativas

à

sobrevivência

Ademais, antes do citado

da

parágrafo único, a cidadania vem

democracia, onde o povo se sente

exposta como um dos fundamentos

frustrado e ausente do processo

da República Federativa do Brasil,

decisório, feito em seu nome mas

consoante a regra estampada no

sem a sua real participação. (2002,

artigo 1º, inciso II da Constituição

p. 442-443).

Federal. Assim, a sociedade não só

E assegura Ferreira Filho

tem direito de participar da produção

(2005, p. 233): “Sem dúvida, o bem

das políticas públicas, mas também

do povo, sobretudo a longo termo,

de fiscalizar de maneira efetiva e

não se confunde em geral com os

permanente a aplicação e uso dos

seus anseios presentes; o governo

recursos públicos, sendo o controle

democrático, todavia, não se pode

social um ato de cidadania ativa

fazer contra o povo”.

reflexo do regime democrático. 122


O controle social, de fato,

Pois

o

controle

social

tende a ser uma expansão do

pressupõe uma democracia com

conceito de cidadania ativa e, ao

participação social ativa. Entretanto,

exercê-lo,

exerce

o que se vê na sociedade brasileira

efetivamente a soberania popular - a

é um estado de passividade diante

qualidade

de tantos escândalos relacionados a

a

sociedade

máxima

do

regime

democrático. Como a cidadania ativa

desvios

não se resume em apertar alguns

corrupção

botões da urna eletrônica, não pode

envolvendo agentes e servidores

ela

públicos da mais variada escala

ficar

presa

às

eleições

periódicas.

de

dinheiro

público,

outros

delitos

e

hierárquica.

Poderiam ser citados como

A conduta passiva chega a

instrumentos deste mecanismo de

ponto de tolerar os inúmeros casos

controle: o orçamento participativo, a

de corrupção, de reconhecer a

atuação das ONGs, a criação de

normalidade

ouvidorias públicas[1] e a livre

clientelismo e da concessão de

atuação da imprensa.

privilégios, de aceitar o pagamento

Entretanto,

por

diversos

de

do

propinas,

o

favoritismo,

desperdício

do

de

fatores a sociedade brasileira não

recursos e o superfaturamento de

passa de coadjuvante em matéria de

obras, como lembra o rótulo do

participação popular.

“rouba, mas faz” atribuído àqueles gestores

O despreparo da sociedade

que,

embora

desviem

dinheiro público, realizam obras e serviços para a comunidade.

Como aponta Silva, F. (2001,

Mas, como já foi afirmado, o

p. 22) “[...] num País como o Brasil,

controle

onde ainda existe uma grande

sociedade apta, capaz, organizada e

parcela da população que vive à

consciente de seus direitos.

margem

dos

direitos

sociais

e

social

implica

uma

Aliás, a falta de educação, o

políticos, falar em controle social

trabalho

parece um contra-senso”. De fato, o

dentre outros fatores, afastam os

autor parece ter razão.

cidadãos do debate por um país mais

infantil,

justo

e

o

desemprego,

digno.

Conforme

apontam estudos realizados pelo 123


DIEESE

Departamento

cidadania e sua qualificação para o

Intersindical de Estatística e Estudos

trabalho. (Grifo nosso)

Socioeconômicos – o Anuário dos

Assim,

para

que

haja

o

Trabalhadores: 2007, publicado em

controle social é necessária uma

2007, 10% dos mais ricos detêm

evolução educacional e cultural,

44,7% da renda nacional, enquanto

sendo na realidade brasileira um fato

50% dos mais pobres possuem

distante. E convém lembrar as

apenas 16,3% dessa renda. Sem

palavras de Ferreira Filho (2005, p.

contar a taxa de desemprego da

102), nas quais a democracia “[...]

população economicamente ativa

pressupõe em primeiro lugar um

em torno de 11,6%. (DIEESE...,

certo nível cultural (e não apenas um

2007). Junte-se a esses números: o

certo nível de alfabetização) [...]” do

trabalho infantil que já soma 2,9

povo. Isso é o que o autor chama

milhões de crianças e adolescentes

de

(TRABALHO..., 2007).

indispensável para que os indivíduos

Não se pode olvidar também

pressuposto

social

que

é

saibam analisar as informações que

que 11,4% da população brasileira

lhes

chegam

pelos

ainda é analfabeta[2]. Além disso,

comunicação sem serem dominados

apenas 41% dos jovens na idade

por notícias falsas ou contraditórias.

adequada estão matriculados em

Além desse pressuposto, o ilustre

Brasil já sofre com um déficit de 250

o econômico, que se traduz na

mil professores. (Educação..., 2007).

capacidade do indivíduo perceber

Isso indica a distância entre a

renda

abstração legislativa e a realidade

sobrevivência. Como leciona:

não

aponta

de

instituições de ensino médio e o

social, pois a Constituição Federal já

mestre

meios

para

outro:

a

sua

O amadurecimento social não

declara em seu artigo 205, caput:

pode

existir

onde

a

economia

Art. 205. A educação, direito

somente forneça o indispensável

de todos e dever do Estado e da

para a sobrevivência com o máximo

família,

de esforço individual. Só pode ele ter

será

promovida

e

incentivada com a colaboração da

lugar

sociedade,

pleno

desenvolveu a ponto de dar ao povo

desenvolvimento da pessoa, seu

o lazer de se instruir, a ponto de

preparo

deixarem

visando

para

o

ao

exercício

da 124

onde

os

a

economia

homens

de

se

se


preocupar com o pão de todos os

não se trata aqui de uma utopia,

dias. (Ferreira Filho, 2005, p. 102-

opera como mecanismo mais eficaz

103).

do Desse modo, é imprescindível

que

os

controles

institucionalizados,

sendo

para a própria sobrevivência e

verdadeiro antídoto contra os males

manutenção da democracia que a

que solapam a democracia.

sociedade esteja preparada para

Entretanto, o controle social

efetivá-la.

só pode ser exercido plenamente quando preparada

Conclusão

a

sociedade para

estiver

desempenhá-lo;

quando estiver consciente de seus direitos e apta a conduzir-se sem se

Ao exercer o controle social

deixar influenciar totalmente pelos

perante a Administração Pública, a

meios de comunicação; quando

sociedade

estiver capaz de se libertar de

implementa

a

manutenção do regime democrático

comportamentos

do

ócio

e

do

tão fragilizado atualmente. Dessa

conformismo em relação à situação

forma, busca corrigir os estragos

em que se vive. Enfim, quando a sociedade

causados pela má representação dos

estiver ciente de que o interesse pela

tecnocratas e a evasão dos recursos

política é imprescindível ao combate

públicos.

das mazelas sociais e de que a

dos

eleitos,

o

descaso

educação

Embora o controle social não

é

dentre

todas

instituições a mais importante.

purgue a corrupção do Estado, pois

125

as


REFERÊNCIAS ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2004. BIRD: Brasil piora seu controle de corrupção, índice brasileiro de controle à corrupção caiu para 47,1, contra 59,7% em 2000. G1: o portal de notícias da globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL675485598,00.html>. Acesso em: 11 de jul. de 2007. ______: Brasil empata com Peru em ranking da corrupção. G1: o portal de notícias da globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1212754-5601,00BIRD+BRASIL+EMPATA+COM+PERU+EM+RANKING+DA+CORRUPCAO.ht ml>. Acesso em 23 de dez. de 2009. Bonavides, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. 11 tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Anuário dos Trabalhadores:2007. 8.ed. São Paulo, DIEESE, 2007. Disponível em <http://www.dieese.org.br/anu/anuario2007>. Acesso em: 23 de dez. de 2009. Educação sofre com falta de professores. Jornal do Senado, Brasília, ano XIII, n. 2.609/131, jun. 2007. Debates, Comissões, p. 06. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Corrupção e democracia. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, Renovar, n. 226, p. 213-218, out./dez., 2001. ______, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. JACINTHO, Jussara Maria Moreno. A participação popular e o processo orçamentário. Leme: LED – Editora de Direito, 2000. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Propinas custam US$ 1 trilhão por ano, mostra Bird; Brasil tem pior marca de corrupção em 10 anos. Valor Online. Disponível em: <http://extra.globo.com/pais/plantao/2007/07/11/296731087.asp>. Acesso em: 14 de jul. de 2007.

126


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127


EXEGESE NORMATIVA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: DO POSITIVISMO AO DIREITO ALTERNATIVO SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga MOURA, Aline - Discente do 5º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A pesquisa apresenta a evolução, os princípios e os fundamentos do direito alternativo no contexto jurídico brasileiro. Ressalta o problema da baixa aplicação constitucional a partir da hipótese de que a ineficácia dos princípios elencados na Carta Magna decorre das limitações hermenêuticas e, em especial da aplicação estreita e literal da lei. O estudo bibliográfico realiza-se mediante raciocínio dialético com o objetivo de confrontar os argumentos da proposta alternativista e do ideário positivista.

128


sistematização

Introdução

e

diversos

confronto

de

posicionamentos

doutrinários sobre o tema.

A educação jurídica atual ainda está amparada em métodos

1. Direito alternativo

hermenêuticos convencionais e a penetração nos meios acadêmicos de

teorias

da

O direito alternativo é um

interpretação

movimento do qual fazem parte

apegadas ao dogmatismo ainda é

magistrados, juristas, promotores,

dominante. Os estudos sobre a

professores,

exegese normativa evoluíram muito nos últimos tempos, mas o ensino jurídico ainda resiste às propostas de

de

posicionamentos

e

e

envolvidos

no

também

correntes

preferem

jurídico.

falar

em

social,

não

atingindo

toda uma sociedade. O

Uma das formas de avançar

ou

mais especificamente na Itália, tendo

alternativo, escola que, embora não

como inspiração o direito livre, vivo e

seja nova, vem se reinventando e se

o jusnaturalismo e foi ganhando

tornando cada vez mais influente nos

projeção até chegar ao Brasil.

tribunais brasileiros com uma nova

Em 25 de outubro de 1990,

proposta para o papel do juiz na

uma manchete é publicada no Jornal

função de intérprete do direito.

da Tarde, São Paulo, pelo jornalista

A pesquisa identifica o direito

Luiz

alternativo como meio para aplicar

Maklouf,

que

tinha

como

título: Juízes gaúchos colocam o

normas mais rejuvenescidas e com

direito acima da lei. A notícia não

eficácia, já que nem sempre a letra

atingiu seus propósitos, tornando, ao

fria da lei atinge a justiça. O estudo

contrário

mediante

bibliografia,

alternativo

nasceu na década de 60 na Europa,

estudando os fundamentos do direito

realizou-se

direito

movimento do direito alternativo

em relação a exegese do direito é

da

mundo

somente as práticas jurídicas, mas

meio jurídico.

revisão

outros

acreditam que esse movimento é

novos

hermenêuticas que se firmam no

dialético

muitos

“Movimento Social Alternativo”, pois

pela qual é oportuno insistir na divulgação

defensores

Alguns

interpretação da lei criadoras, razão

procuradores,

do

esperado,

o

alternativismo mais forte. Essa data

com 129


é o marco inicial do movimento no

princípios,

direito

ganhou

epistemologia (vigência e validade

extrema força na década de 90,

da norma), a deontologia (valor

quando

protegido

brasileiro.

foram

Este

realizados

dois

que

pela

abarca

norma),

(eficácia

a

e

social

a

encontros internacionais de direito

culturologia

da

alternativo em Florianópolis, Santa

norma). Além desses aspectos, o

Catarina.

intérprete deve considerar, ao julgar,

Embora o grande marco do

que o direito tem várias fontes, tais

direito alternativo tenha sido na

como a doutrina, a jurisprudência, os

década de 90 seu aparecimento em

princípios gerais, os costumes, a

terras brasileiras se deu há mais de

analogia e a equidade (e não apenas

30 anos, no período da ditadura

a lei). Todas as fontes podem servir

militar brasileira.

de premissa para o embasamento do

Segundo Bruno de Aquino

raciocínio do magistrado, ou seja,

Parreira Xavier:

podem fundamentar uma decisão.

Cabe observar que, em que

Para a proposta alternativista,

preze o movimento ter, de certa

o juiz é o grande crítico da lei e seu

forma,

compromisso é com o direito. Não

se

organizado

e

sistematizado na década de 90, sua

devendo

trajetória no Brasil data de 30 anos

positivismo

atrás, época da ditadura militar

alternativo se compromete com a

brasileira que gerou injustiças e

construção de uma nova sociedade,

descontentamentos nos juízes de

com leis efetivamente justas e

direito e operadores jurídicos que

realmente democráticas, para que o

questionavam as praxes da época

julgador não reconheça a lei como

totalmente desvinculada da ideia de

verdade absoluta e inquestionável,

Estado

nem tampouco dê à norma cunho de

Democrático

de

Direito.

(2002 p. 73)

aquele

se

ortodoxo.

ater O

ao

direito

dogma. Permite que o julgador

Eis que o direito alternativo

decida libertando-se das faixas do

permite ao julgador uma liberdade

legalismo estreito, e que se ampare

total de convencimento, admitindo

nos princípios gerais do direito,

uma interpretação ampla da norma,

considerados uma grande conquista

em consonância com o conjunto do

da democracia e da humanidade.

direito. Este é um sistema de 130


A Constituição assegura o

precisa

ajustar-se

ao

princípio.

exercício dos direitos sociais e

Havendo

individuais, a liberdade, a segurança,

prevalecer a orientação axiológica. O

a igualdade e a justiça, porém esses

Direito volta-se para a realização de

direitos não prevalecem na realidade

fins e a proteção de valores. O

social.

Direito é o trânsito para concretizar o

Detecta-se

uma

baixa

aplicabilidade da constituição, por

divergência,

deve

justo.

falha hermenêutica, pois, não raro,

O

Judiciário,

Poder,

menos,

dos

Executivo ou ao Legislativo. Não é

princípios. Em outros casos, a

servil, no sentido de aplicar a lei,

inexistência de uma regulamentação

como alguém que cumpre uma

ou

ordem

a

a

existência

eficácia

de

antinomias

também resulta na inoperância dos

se

como

uma lei inferior impede, ou, pelo retarda

não

visto

(nesse

subordina

caso,

não

ao

seria

Poder).

princípios. Os direitos coletivos e

Deve, pois, interpretar a lei

sociais salvaguardados na lei maior

conforme o Direito. Adotar posição

são os mais afetados pela ineficácia

crítica tomando como parâmetro os

hermenêutica

princípios e a realidade social. A lei,

em

sede

constitucional.

tantas vezes, se desatualiza e

Diante da baixa aplicação da

envelhece,

não

acompanhando

lei maior anuncia-se a chamada crise

assim a evolução da sociedade

hermenêutica,

por

perdendo, portanto, sua eficácia. Os

juristas como Streck e outros tantos

valores mudam conforme o passar

que se preocupam com a questão do

do tempo, com a tecnologia, a

hiato entre o ideal preceituado na

ciência

Carta Magna e a realidade social

comportamentais,

brasileira. Vale lembrar que a lei

homens

deve ser a expressão do Direito, mas

movimento. Enquanto isso, a norma

nem sempre o é. A norma vigente,

é estática. Sendo assim, se uma

muitas vezes, resulta de prevalência

norma perdeu a eficácia ou o valoro

de

que

cabe ao magistrado deixar de aplicá-

tramitação

la baseando-se em princípios ou

interesses

influenciam

denunciada

de na

grupos

legislativa. Nesses casos, a lei, por meio

da

interpretação

e

estão

rejuvenescê-la.

judicial, 131

as

mudanças porque

em

os

constante


Segundo Xavier (2002, p.99)

A solução alternativa rompe o

esclarece que: “o juiz não pode ser

conservadorismo

um escravo da lei, adstrito ao

enseja o tratamento jurídico correto

respeito sacramental de seus textos,

e confere, sem dúvida, eficácia à

mas sim o compromisso em dar uma

vigência da norma jurídica.

solução justa ao caso concreto.”

Aqui se tem um exemplo de

Cabe, então, ao juiz, gerar a

julgamento

solução alternativa, criar a norma

sua

decisão

com

pensamento

alternativista:

adequada para o caso concreto, fundamentar

acomodado;

No decreto-lei 3.688 de 03 de

em

outubro de 1941 em seu art. 50 diz:

princípios gerais do direito. O juiz

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo

tem dever de ofício de recusar a

de

aplicação de lei injusta.

acessível ao público, mediante o

Segundo Bruno de Aquino

azar

em

lugar

público

ou

pagamento de entrada ou sem ele: Pena – prisão simples, de três

Pereira Xavier: [...] as causas de lei injustas

meses

a

1

ano,

multa,

são muitas. A começar pelo fato de o

estabelecendo

Estado, incumbido de transformar os

condenação, a perda dos móveis e

valores e anseios da sociedade em

objetos de decoração do local.

lei, perpetrar, em última análise, os interesses,

conveniências

seus

e

efeitos

da

Um exemplo de julgamento

e

alternativista

diz

respeito

à

ideologias dos grupos detentores do

contravenção acima descrita. Nesse

poder. Somem-se a isso a própria

caso, o réu, que praticava o jogo do

deficiência

lei

bicho, foi absolvido. O acórdão da

possuidora de comandos abstratos

antiga IV Câmara Criminal da lavra

genéricos,

podem

do hoje Desembargador Aramis

considerar peculiaridades do caso

Nassif, julgou alternativamente ao

concreto; e a dinamicidade da vida

reconhecer a descriminalização da

social, sempre passos à frente da

contravenção penal.

letra

fria

intrínseca

que

da

da

não

lei produzida

em

O réu fora antes condenado

momento histórico anterior (2002, p.

pela prática de jogo do bicho, mas

98).

em grau de apelação, deu-se a O direito Alternativo, portanto,

absolvição, porque a Câmara, por

anda ao lado do direito justo.

unanimidade, reconheceu que o fato 132


não constitui infração penal, embora

enfim, à consciência coletiva. A lei

reconhecidas a autoria e prova da

deve ser interpretada pró societate,

materialidade.

e, ao que tudo indica, a coletividade

Apelação – Crime e Recurso

não se interessa pela punição dos

em Sentido Estrito nº 297036758 –

“bicheiros”. Ao contrário, já inseriu o

4ª Câmara Criminal – São Borja

jogo do bicho em seu dia-dia.

- Apelação Tempestiva: Intimações

Provimento ao RSE e apelação.

do Defensor e do Réu. Denuncia:

Outro tribunal também julgou

Inépcia Inexistente. Jogo do Bicho.

um

Teoria

Social.

descaracterizando a contravenção

Absolvição. O prazo para apelação

do jogo do bicho por falta de

conta da última intimação, seja ela

autoridade do Estado para punir, eis

do defensor ou do réu, sendo

que tolera, autoriza e explora jogos

tempestiva a que seria intempestiva

de azar, além de a reprovabilidade

pela 1ª intimação (defensor), que é

estar só na lei, mas ausente na

apenas precipitada em relação a

consciência da absoluta maioria dos

última (réu). Denúncia que descreve

cidadãos.

da

Adequação

o fato com a descrição típica, mas associada

Por outro lado, a doutrina também se manifesta em sentido

descritivos da conduta não é inepta.

contrário ao alternativismo. Um dos

Jogo do bicho: O Estado perdeu o

argumentos

monopólio dos jogos e loterias para,

alternativismo

v.g., empresas de comunicação e

movimento é desprovido de um

apresentadores

programa

método ou teoria. Além disso, alega-

acrescidos de apostas via telefone.

se que tamanha discricionariedade

Diluiu-se a qualidade de bem jurídico

judicial resultaria em insegurança

tutelado pelo Direito Penal com a

social, além de desequilibrar a

perda da exclusividade estatal na

harmonia entre os três poderes.

exploração de sorteios, loterias, etc.

Segundo

Convence que a adequação social

decisões alternativas acarretariam

supera contravenção denunciada.

uma invasão de um dos poderes (o

Em vez de punir um fato por ser

judiciário) nas atribuições de outro (o

típico, deve-se adequá-lo à realidade

legislativo), visto que ao desprezar a

aos

outros

recentemente,

elementos

vigente,

a

recurso

de

costumes

sociais, 133

contrários

essa

seria

que

concepção,

ao esse

as


lei, o juiz estaria criando outra norma

Essa visão é sustentada pelos

para o caso em apreço. Diante

os

opõe ao direito alternativo. Para os

na

positivistas o direito se confunde

construção de um suporte teórico-

com a lei e nada existe acima dela,

doutrinário capaz de embasar o

fora dela, nem contra ela. Para o

movimento e argumentam que a

positivismo, o juiz não pode substituir

segurança social não seria afetada

o legislador. Se a lei é justa ou

em maior escala com a adoção do

injusta, não cabe ao magistrado criar

ideário alternativista, pois o juiz tem

normas de conduta, e sim julgar

livre convencimento e pode dar à lei

conflitos com base no ordenamento

a

jurídico vigente.

alternativistas

exegese

do

adeptos do positivismo, o qual se

exposto,

trabalharam

que

entender

ser

adequada, desde que fundamente

A aplicação positivista do

seus atos e, além disso, sempre

direito, muitas vezes, parece não se

existe a possibilidade de a decisão

justificar sob o ponto de vista da

ser reformada em superior instância.

justiça. Na concepção dos juristas

Além do mais, argumentam que a

positivistas,

decisão alternativa não extrapola os

perigoso, pois o Estado confere-se

poderes inerentes ao judiciário, pois

ao juiz um poder grande, o qual, nas

não faz lei com efeitos gerais, mas

mãos de pessoas erradas, pode

apenas regula a relação posta para

gerar injustiças e até corrupção. Por

a apreciação. Sustentam, ainda, que

isso, o correto seria fundamentar a

o judiciário é incumbido de fiscalizar

decisão na norma positivada.

a constitucionalidade das leis, não havendo,

portanto,

na

o

alternativismo

é

Ocorre que o direito positivo,

solução

entendido como o conjunto de

alternativa de uma lide, nenhuma

normas reconhecidas e aplicadas

agressão ao sistema de freios e

pelo poder público cujo objetivo é

contrapesos.

regular a convivência social humana,

Mesmo assim, o movimento

é elaborado pelo legislador e não por

foi visto de modo preconceituoso,

juristas. Quem elabora a lei não tem

sendo

considerado

conhecimento do sistema e nem

revolucionário por aqueles que nele

compromisso com a lógica e com a

veem a negação da lei e da ordem

organicidade

ainda

do

direito.

Muitas

vezes, não conhece nem mesmo os 134


princípios

constitucionais

e,

na

Sendo assim o direito positivo

prática, sempre legisla cedendo a

encontra-se,

algum tipo de pressão ou atendendo

contaminado de ideologias da classe

aos interesses de uma certa classe.

dominante e, outras vezes, resta

Por essa razão, o juiz, conhecedor

ultrapassado. O direito alternativo,

do direito como um todo, deveria

por

intervir

rejuvenescimento, a revitalização do

para

sanar

os

seu

muitas

turno,

busca

o

descompassos, os excessos e as

direito

deficiências da lei.

engessado, por ter se atrasado em

Segundo Bruno de Aquino

positivo,

vezes,

envelhecido,

relação aos fatos, se distanciado da

Parreira Xavier:

realidade.

Observa-se então, que as

Assim sendo, tomar o direito

normas jurídicas são produto da

como letra fria, é desconsiderar sua

ideologia, da luta de aspirações de

finalidade social, os princípios regem

determinados grupos. Por certo, os

o direito, e fim da norma, qual seja, a

processos

instrumentalização

eleitoral

e

legislativo

da

vida

pela

sofrem reflexos da oposição de

proteção dos direitos deferidos aos

concepções. Em uma organização

cidadãos.

sociopolítico heterogenia, dividida em

classes,

os interesses

Danoso seria e será se o

são

julgador se livremente se pôr na

contraditórios e, por consequência,

função

os conflitos inevitáveis. O Estado é

concreto, desconsiderando a lei

sempre

neste

posta mesmo que esta não possua

antagonismo de interesses privados,

um vício de incongruência com a

afinal, não é nenhum poder colocado

Constituição e postular a solução

fora da sociedade, não é um ente

que entender melhor. Essa espécie

supostamente neutro do conflito

de poder deve ser refreada por que

social. É isto sim poder político,

representa a derrota de séculos de

expressão

busca pela construção de um Estado

envolvido

fundamental

da

correlação de forças e das e das

de

legislador

no

caso

de Direito.

condições em que os indivíduos

Os julgadores não têm a

produzem e se relacionam (2002, p.

intenção de legislar, mas sim de

40-41).

fazer

adequações

aos

casos

concretos eis que cada caso é um 135


caso,

com

fatos

diferentes,

e

implicações

peculiaridades

Bruno de Aquino Parreira Xavier diz:

singulares. A lei e estática não se

A

ideologia

também

se

modifica a cada caso e também não

encontra presente na interpretação e

se atualiza. Por isso, cabe ao

aplicação do direito. Quer como

julgador esse papel.

conjunto

de

ideias

a

moldar

Naturalmente, deve o julgador

comportamentos, quer como falsa

ter cuidado ao aplicar a lei de modo

consciência a serviço da classe

alternativo,

dominante

para

não

manifestar

respectivamente,

parcialidade ou pessoalidade, ou

significado positivo e negativo de

seja,

na

ideologia – não se pode negar que

sentença o interesse pessoal do juiz

toda concepção relativa ao direito é

na causa, nem o favorecimento

fruto de uma crença pessoal e,

deste ou daquele indivíduo ou grupo

portanto, de uma ideologia (2002, p.

de pessoas. Por outro lado, não se

47-48).

não

deve

prevalecer

pode negar que o juiz, ao decidir, manifesta

visão

perspectiva,

política,

entendemos que a interpretação e a

religiosa e moral na sentença. Assim

aplicação do direito fazem parte de

sendo,

um

a

sua

Nesta

neutralidade

total

na

processo

político-ideológico

exegese da lei é uma falácia, pois

onde a neutralidade do jurista é um

toda interpretação é uma avaliação

mito

pessoal, e, em algum grau, expressa

imparcialidade

uma visão subjetiva da letra da lei. O

necessário.

inalcançável, é

mas

a

requisito

resultado da operação hermenêutica

Outro aspecto relevante da

é sempre a atribuição de sentidos às

questão é o que tange à Súmula

palavras contidas na norma, sempre

Vinculante. A consolidação destas

genéricas,

abstratas.

impede que o juiz julgue de modo

Desse modo, ao atribuir sentido aos

alternativo, afetando inclusive alguns

termos legais como equidade, bem

princípios constitucionais essências

comum, isonomia, por exemplo,

para a sustentação democrática.

abertas

e

sempre haverá alguma inclinação

Num

breve

estudo

sobre

política subjacente a conduzir a

Súmulas, observa-se que essas

decisão judicial.

enfaixam o poder judiciário de 1ª instância e os tribunais e também 136


ferem o princípio do duplo grau de

funda-se na possibilidade que a

jurisdição.

são

parte prejudicada tem de ver revista

pelos

a decisão de primeira instância, se

Súmulas

entendimentos

firmados

tribunais

após

que,

reiteradas

estava esta errada ou injusta.

decisões em um mesmo sentido, sobre

determinado

específico

de

sua

Supondo que tal litígio tenha

tema

entendimento pacificado no STF em

competência.

Súmula

Vinculante,

Expressam o entendimento da corte

possibilidade

sobre um assunto. O STF pode

prejudicada

aprovar

princípios que regem o direito e ter a

as

chamadas

Vinculantes,

as

determinados

casos,

Súmulas

quais,

em

obrigam

decisão

o

o

a

parte

utilizar-se

que

dos

a

prejudicou

pela

jurisdição

superior?

preconizada.

adota

de

reexaminada

magistrado a acatar a exegese nela

Como

terá

que

Sendo o juiz livre para formar o

direito

sistema

brasileiro do

convencimento fundamentado

seu

livre

convencimento,

terá

essa

prerrogativa afrontada em face da

do

Súmula Vinculante.

juiz e o princípio de duplo grau de

A

Súmula

Vinculante

jurisdição, é inadmissível que os

impeditiva de recurso é qualquer

juízes de primeira instância sejam

súmula criada pelo STF ou STJ. Por

condicionados a julgar conforme as

força da Lei 11.276, de 07.02.2006,

Súmulas Vinculantes firmadas pelo

que alterou o art. 518 do CPC, não

STF. Desse modo, o relator negará

cabe apelação quando o juiz segue

seguimento a recurso "contrário

o

à súmula do respectivo tribunal ou

dessas Súmulas. Se todos os juízes

tribunal superior", conforme art. 557

forem obrigados a proferir sentenças

do Código de Processo Civil.

nesses

O princípio do duplo grau de

entendimento

moldes,

considere

de

ainda injustas

uma

que

as e

jurisdição possibilita e garante a

inconstitucionais, sem a chance de

revisão por via de recurso das

argumentação, tal medida decretaria

causas já julgadas pelo juiz de

o fim do Direito Alternativo.

primeira instância. Assegura, assim, um novo julgamento por parte da jurisdição superior. Este princípio 137


uma das saídas para a resolução de

Conclusão

conflitos sociais. É uma tentativa de Diante

das

suprir a lacuna, o vazio que o Estado

desigualdades

tem

sociais, injustiças e misérias, o

manter acesso o debate jurídico,

bem comum e salvaguardar os

revitalizar a norma e encabeçar a

Em

luta

consequência dessa dificuldade e do desequilíbrio princípios,

entre o

a

Direito

lei

e

dos

alternativo para com a sociedade é

ineficiência do Estado em realizar o

Constituição.

solução

O compromisso do direito

desejado, especialmente diante da

da

na

conflitos.

direito dogmático não alcança o fim

princípios

deixado

por

leis

mais

justas,

por

igualdade e pela efetivação dos

os

princípios constitucionais.

Alternativo

desponta como uma das opções,

138


Referências CARVALHO, Amilton Bueno de; Carvalho, Salo de. (Org.). Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. XAVIER, Bruno de Aquino Parreira. Direito alternativo: uma contribuição à teoria do direito em face da ordem injusta. Curitiba: Juruá, 2002. CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Alternativo: Teoria e Pratica. Porto Alegre: Síntese, 1998. SOUTO, Cláudio. Tempo do Direito Alternativo: substantiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

139

uma fundamentação


IMPOSSIBILIDADE DO CRIME DE FURTO EM LOCAL MONITORADO POR SISTEMA DE VIGILÂNCIA NEIVA, Françoise Laboissiere - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Diante

da

possibilidade

ou

não

de

subtração

de

objeto

em

estabelecimento comercial monitorado por sistema de vigilância, surgem as dúvidas no que diz respeito ao crime tentado ou crime impossível. Não somente a doutrina, mas também a jurisprudência tem entendimento divergente a esse respeito. A presente pesquisa tem por objetivo analisar esta polêmica que envolve essa “impossibilidade” de furto em estabelecimento comercial quando o agente está sob constante vigilância e monitoramento pela equipe de vigilância do estabelecimento e é detido antes que consiga sair do estabelecimento. Para tanto, utilizou-se o raciocínio dedutivo por meio de pesquisa bibliográfica na doutrina, e também pesquisa à jurisprudência.

Palavras-chave: Crime impossível. Furto tentado. 140


tratar-se

Introdução

de

tentativa

ou

impossibilidade do crime de furto. São

requisitos

para

A

a

conclusão

é

de suma

configuração de crime impossível

importância, pois com base nela é

(art. 17 do CP), a “ineficácia absoluta

possível analisar temas diretamente

do

relacionados como, por exemplo, a

meio”

ou do

impropriedade

a

“absoluta

objeto”.

prisão em flagrante delito e a

Esta

punição.

pesquisa analisa se há ou não ineficácia

absoluta

do

meio

empregado pelo agente que ao

1. Direito Penal

tentar

1.1 Conceitos e objetivos

subtrair

objeto

estabelecimento

em

comercial Diversas são as definições

monitorado por sistema de vigilância é

impedido

antes

de

trazidas para conceituar o que é

sua

Direito Penal. Uma das definições

consumação.

trazidas por Mirabete é a seguinte:

Não se faz necessária neste trabalho

a

discussão

sobre

À

a

reunião

das

normas

impropriedade ou não do objeto, já

jurídicas pelas quais o Estado proíbe

que se trata de coisa alheia móvel

determinadas condutas, sob ameaça

que é objeto material do crime de

de sanção penal, estabelecendo

furto.

ainda os princípios gerais e os Alguns aplicadores do direito

pressupostos para a aplicação das

entendem que quando este crime é

penas e das medidas de segurança,

impedido de se consumar há a

dá-se o nome de Direito Penal.

tentativa de crime de furto. Do lado

(MIRABETE, 2004, p.21)

oposto estão os que defendem a

Em sentido amplo, o Direito

tese de crime impossível, já que o

Penal tem por objetivo a proteção da

meio utilizado pelo agente é ineficaz.

sociedade e a defesa dos bens

Trata-se de um tema bastante

juridicamente tutelados, tais como a

complexo, pois se não fosse assim

vida, liberdade, patrimônio, paz, etc.

não

Entretanto, nem sempre um ataque

haveria

tamanha nesta

a um desses bens será punível

complexidade, o presente trabalho

penalmente, já que em alguns casos

analisa o conflito no que se refere a

a ação que os lesionou carece de

divergência.

Com

base

141


relevância antissocial. Isto ocorre

Nota-se

com

base

neste

nos casos em que não se tem de

princípio que o Direito Penal não tem

forma acentuada o desvalor da

necessidade de se preocupar em

conduta do autor da lesão.

punir condutas inidôneas, pois o que se busca é uma aplicação correta e

1.2 Princípios

racional desse ramo do direito.

Há entendimento de que a verdadeira

e

1.3 Teorias do Crime

imprescindível

finalidade do Direito Penal é a proteção

dos

essenciais

bens

ao

Toda

jurídicos

indivíduo

e

norma

penal

incriminadora protege um valor. Este

à

valor é chamado de bem jurídico.

comunidade.

De acordo com o conceito material,

Mas para

que

esta

seja

o crime é a violação ou a exposição

alcançada, ele deverá se alicerçar

a

nos

protegido penalmente.

princípios

da

legalidade

(interessante ressaltar que em razão

perigo

de

um

Noronha,

bem

jurídico

afirma

que:

desse princípio não se pode fazer

Consequentemente,

uso de analogia com o escopo de

conduta humana que lesa ou expõe

punir alguém por um fato não

a perigo um bem jurídico protegido

previsto em lei), proporcionalidade,

pela lei penal. Sua essência é a

humanidade,

culpabilidade,

ofensa ao bem jurídico, pois toda

lesividade; individualização da pena;

norma penal tem por finalidade sua

insignificância;

culpabilidade;

tutela (1998, p.97).

intervenção

legalizada

penal

e

lesão, não há tipicidade material, ou

também deve ser respeitado o

preponderante

a

ao bem ou ao menos perigo de

Segundo Prado (1997, p.86),

do

é

Nota-se que se não há lesão

intervenção mínima.

“princípio

crime

seja, não há crime.

interesse que

Com

relação

ao

conceito

considera

formal, crime é toda conduta que tem

ilegítima uma sanção penal que

sua proibição prevista em lei sob a

direta ou indiretamente provoque

ameaça

maiores prejuízos do que aqueles

elementos do crime o fato típico que

que pretende evitar”

é 142

de

constituído

uma

pela

sanção.

São

conduta,

o


resultado,

o

nexo

a

perigoso. Não interessava qual era

tipicidade. Mirabete (2004, p. 101)

a intenção do agente, se cometeu o

afirma que: “se faltar um desses

fato previsto na norma escrita, devia

elementos não é fato típico, e,

ser condenado e pronto. Conclui-se

portanto não há crime”. O outro

que para eles era preferível a

elemento

aplicação arbitrária a correr riscos,

do

causal

crime

é

e

o

fato

antijurídico (conduta contrária ao

mas alcançar a justiça.

ordenamento jurídico).

Já a Teoria Social da Ação

A relação de nexo causal é a

analisa a relevância da conduta

ligação entre a conduta exercida

praticada em relação à sociedade.

pelo agente e o resultado (que nada

Questiona-se se a conduta é ou não

mais é que uma consequência dessa

socialmente

conduta). Daí se extrai o sentido de

doutrinadores que entendem que se

causa e efeito. Tem-se a tipicidade

adotada essa teoria o magistrado

quando

poderia decidir apenas com base

se

pode

fazer

uma

aceita.

costumes,

o

adequação perfeita entre o fato

nos

que

seria

concreto e a descrição “abstrata”

inaceitável, pois costume não pode

contida no ordenamento.

revogar lei.

No que concerne às teorias do

O nosso Código Penal adota

crime podemos citar a Teoria causal

a Teoria Finalista da Ação. Com

da ação, a Teoria finalista e a Teoria

base nesta teoria a conduta (ação ou

Social da Ação.

omissão)

A recebe

Teoria o

Naturalística. entendiam

Causal

nome

de

Seus

humano

Teoria adeptos

o

dirigido

finalidade;

e

alteração

no

o

comportamento a

determinada

resultado mundo

é

a

exterior

qualquer

provocada pelo agente. Logo, é a

interpretação da lei que não fosse a

lesão ou perigo de lesão do bem

literal deveria ser proibida. Para eles

juridicamente tutelado. Tal Teoria

a única interpretação segura era a

representou

literal. Logo os aplicadores do Direito

evolução na hermenêutica jurídica,

eram vinculados ao texto da lei e

que começou a ser “desengessada”,

pronto. Qualquer outra espécie de

pois se deu abertura à análise a

interpretação

poderia

respeito da intenção do agente, os

caminho

motivos que o levaram à prática do

representar

que

também

é

da um

Lei

143

uma

verdadeira


delito, e também a observação da

o

exercício

lesão ou risco de lesão ao bem

segurança privada.

jurídico.

da

atividade

de

Para que a empresa de segurança privada possa exercer

2. Monitoramento Eletrônico em

sua

atividade

é

necessária

Estabelecimento Comerciais

comprovação

2.1 Fundamentos e objetivos

técnica e habilitação legal, que se dá

de

a

competência

por meio de certificado de segurança Os

investimentos

com

emitido

pelo

Departamento

de

instalação de sistemas de vigilância

Polícia Federal, certificando que a

e

empresa foi fiscalizada e está em

monitoramento

têm

consideravelmente, responsáveis

crescido que

por

os

condições

técnicas

tais

serviços,

e

prestar

autorização

estabelecimentos estão cada vez

funcionamento

mais preocupados em impedir que

Ministério da Justiça.

os furtos venham a ocorrer.

de

de

emitida

pelo

Os

Quanto aos estabelecimentos

maiores investimentos são com a

que utilizam a segurança orgânica, o

contratação de seguranças e a

SESVESP diz que estes devem ser:

instalação de sistemas eletrônicos

autorizados,

de monitoramento.

fiscalizados pelo Departamento de

Alguns

Polícia

estabelecimentos

controlados

Federal.

e

Assim,

fazem a contratação de empresas

empresa

“terceirizadas”. Outros preferem a

econômico diverso da vigilância

chamada segurança interna, que

ostensiva e do transporte de valores,

também

e que utilize pessoal de quadro

é

conhecida

como

segurança “orgânica”.

que

tenha

uma objeto

funcional próprio para a execução de sua

A atividade de segurança

segurança

-

armada

ou

privada é regida pela Lei nº 7.102/83

desarmada - deverá, também, se

que estabelece normas para a

adaptar à legislação, requerendo a

constituição e funcionamento das

Autorização de Funcionamento junto

empresas que exploram serviços de

à Delegacia de Polícia Federal, para

segurança,

atuar

regulamentado

pelo

como

empresa

(SESVESP, 2010).

Decreto n.º 89.056/83 e Portaria n.º 992/95 que estabelece normas para 144

Orgânica.


(exige-se a remoção de lugar); e (4)

2.2 Espécies

a ablatio (a coisa é colocada no local de

a que se destinava, em segurança).

monitoramento, as mais utilizadas

A jurisprudência consagrou uma

pelos estabelecimentos comerciais

situação intermediária entre as duas

são:

últimas teorias, a da inversão da

Dentre

a)

as

espécies

Sistema

de

posse, entendendo-se consumado o

vigilância

furto quando o agente tem a posse

interna por câmeras; alarme

tranquila da coisa, ainda que por

antifurto instalados nos produtos

pouco tempo, fora da esfera da

(como os colocados nas peças de

vigilância da vítima [...] (2010, p.

vestuário);

192).

b)

Sensores

de

c) Circuito fechado de TV (com

câmeras

Ao

estrategicamente

circunstância

posicionadas);

analisar,

esta

consagrada

pela

jurisprudência sobre a inversão da

d) Monitoramento 24 horas.

posse,

é

possível

constatar

a

impossibilidade do furto, pois em 2.3 Crime impossível decorrente do

nenhum momento o agente tem a

monitoramento

posse tranquila da coisa, que por sua vez não chega a ser retirada da

O entendimento dos tribunais

esfera da vigilância da vítima, já que

têm sido o de que se consuma o

esta a mantém sobre sua vigilância o

crime de furto quando havendo a

tempo todo.

inversão de posse, o agente a detém

A vigilância se dá de forma tão

de forma tranquila, mesmo que por

eficiente que todos os movimentos

um breve espaço de tempo. O

do

mesmo

monitorados,

pode

ser

extraído

do

agente

passam seus

ser

observadores

entendimento trazido por Mirabete,

ficam

que em relação à consumação do

momento oportuno para detê-lo.

crime de furto, elenca as seguintes

Diante desta situação, o que se tem

teorias:

é

a

apenas

a

mera

aguardando

prática

de

o

atos

(1) a concretatio (basta tocar

preparatórios à subtração. A vítima

a coisa); (2) a apprehensio rei (é

tem o perfeito conhecimento da não

suficiente segurá-la); (3) a amotio

consumação do delito. 145


Para definir se há ou não ineficácia

absoluta

vigiando

a

coisa

o

tempo

do

meio

todo? Trata-se de uma verdadeira

agente,

basta

incoerência, pois se a vítima está

observar se houve ou não um risco

exercendo essa vigilância constante

de lesão ao bem jurídico tutelado.

sobre a coisa, essa só poderá sair de

Portanto entende-se que a constante

sua

vigilância torna o meio utilizado pelo

Conclui-se que quando o agente é

agente, em um meio absolutamente

monitorado

ineficaz. Vejamos o seguinte:

durante o “iter criminis” a ação do

empregado

pelo

FURTO VIGILÂNCIA

TENTADO. ALERTADA.

vigilância

se

e,

ela

permitir.

portanto

vigiado

agente não é passível de resultado

MEIO

típico. Não há como se afirmar que

INEFICAZ. CRIME IMPOSSÍVEL. É

houve furto tentado, mas sim crime

absolutamente

meio

impossível por se tratar de tentativa

empregado pela ré considerada

inidônea, que como se sabe, não é

suspeita pelos funcionários da loja -

punível pelo nosso ordenamento

para a subtração diante da vigilância

jurídico.

ineficaz

o

de sua ação delitiva por funcionário

Diante de toda essa vigilância

da loja, que se manteve atento. A

o bem está totalmente protegido, não

`res furtiva’ jamais saiu da esfera de

corre nenhuma espécie de risco. A

vigilância da vítima. Configurada a

consumação é impossível desde o

ineficácia do meio utilizado para a

início.

prática do delito. Conduta atípica.

retroceder à Teoria Naturalística da

Recurso improvid” (Apelação Crime

ação e não querer interpretar a lei

Câmara

como se deve. Ou seja, analisando

Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

todas as circunstâncias do caso

Relator: Aramis Nassif, Julgada em

concreto.

70024288383,

19/08/2009)[1]

Não

entender

Portanto

é

isso

é

totalmente

equivocada a tese de furto tentado, visto que para sua configuração é imprescindível que a ação do agente

Conclusão

possa ocasionar algum risco para o Ora se a subtração é ato feito

bem jurídico, que na realidade não

às escondidas, como dizer que é

se traduz. Logo, se não há risco de

possível a sua tentativa com a vítima

ofensa 146

ao

bem

juridicamente


protegido, não há tipicidade, e se não há tipicidade não há conduta punível.

147


Referências MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte especial. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2010. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Introdução e parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997. SESVESP. Sindicato de Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado De São Paulo. Disponível em HTTP://www.sesvesp.com.br/cont01.cfm. Acesso em 28 de maio de 2010. [1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Crime. Furto Tentado. Apelação Nº 70024288383, 5ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgada em 19/08/2009. Disponível em WWW.1.tjrs.jus.br/busca/?tb=júris data da visita 27 de maio de 2010

148


ISENÇÃO DE I.R. PARA LUCROS DISTRIBUÍDOS FERRARESI, Luiz Carlos - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A isenção do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, para as pessoas físicas ou jurídicas que apresentem rendimentos decorrentes de distribuição de lucros por pessoa jurídica da qual sejam sócias, introduzida pela lei 9249/1995, por não estar protegida por interesses constitucionais, revelase contrária aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. A defesa da referida discriminação é, de forma geral, feita por meio de argumentos econômicos, os quais não se sustentam numa abordagem jurídica.

149


presumido ou arbitrado, não ficarão

Introdução

sujeitos à incidência do imposto de A isenção do imposto sobre a

renda na fonte, nem integrarão a

renda e proventos de qualquer

base de cálculo do imposto de renda

natureza, para as pessoas físicas ou

do beneficiário, pessoa física ou

jurídicas

jurídica, domiciliado no País ou no

que

rendimentos

apresentem

decorrentes

exterior.

de

distribuição de lucros por pessoa

Parágrafo único. No caso de

jurídica da qual sejam sócias, foi

quotas ou ações distribuídas em

introduzida pela Lei nº 9249 de 26 de

decorrência de aumento de capital

dezembro de 1995. A justificativa

por incorporação de lucros apurados

para tanto, da qual comungam todos

a partir do mês de janeiro de 1996,

os seus defensores, é a de tais

ou de reservas constituídas com

lucros

foram

esses lucros, o custo de aquisição

jurídica.

será igual à parcela do lucro ou

distribuídos

tributados

na

pessoa

Portanto, se viessem a sê-lo também

reserva

na

corresponder ao sócio ou acionista.

pessoa

física,

viriam

capitalizado,

que

A Instrução Normativa SRF nº

caracterizar bis in idem.

93/1997, regulamentando o acima estabelecido, assim dispõe, em seu

Capitulação legal

artigo 48: A isenção de imposto sobre a

Art. 48. Não estão sujeitos ao

renda de proventos de qualquer

imposto de renda os lucros e

natureza

dividendos pagos ou creditados a

sobre

os

rendimentos

relativos a lucros da pessoa jurídica

sócios,

acionistas ou

recebidos por pessoa física está

empresa individual.

prevista no artigo 10 da lei nº

Como

é

de

titular de

praxe,

a

regulamentação repete o disposto na

9249/1995, verbis: ou

lei, porém, neste caso, com uma

dividendos calculados com base nos

interpretação restritiva, na medida

resultados apurados a partir do mês

em

de janeiro de 1996, pagos ou

destinatários dos pagamento ou

creditados pelas pessoas jurídicas

créditos

tributadas com base no lucro real,

dividendos.

Art.

10.

Os

lucros

150

que

nomina

relativos

os

a

possíveis

lucros

ou


Aspectos econômicos

No caso da pessoa física, nem todas as inversões são dedutíveis e parte

Escolhendo, para efeito de

delas tem suas deduções limitadas a

facilitação do estudo, um caso

certo valor.

situado na faixa mais alta de

Outro argumento é o de que a

tributação, na qual a empresa tem

tributação dos lucros distribuídos

seus lucros tributados pela alíquota

desestimula os investimentos na

de 15% e mais 10% no que

atividade

ultrapassarem

no

consequência traz o desemprego.

trimestre e supondo que a empresa

Ressalte-se, no entanto, que uma

capitalize os lucros menos tributados

das

e distribua os de mais alta tributação,

investimento é a reaplicação dos

então os lucros distribuídos seriam

lucros

líquidos da tributação já efetuada na

atividades produtivas e não a sua

pessoa jurídica da ordem de 25%.

distribuição.

Por

Que também não seja olvidado que

alegada

concorrência

os lucros na pessoa jurídica são

aplicações financeiras, em razão dos

também tributados pela contribuição

juros altos, contrapõe-se ao sucesso

social sobre o lucro líquido, que

da Bolsa de Valores.

R$

60.000,00

produtiva

formas

das

e

como

importantes

empresas

em

outro

de

suas

lado,

a das

embora sendo tributo diverso, onera

Do ponto de vista do efeito

em mais 9%. Dessa forma, um

econômico da tributação, deve ser

argumento econômico (aritmético) é

lembrado que toda a tributação da

dizer que o lucro a ser distribuído

pessoa jurídica, invariavelmente, é

pela pessoa jurídica já foi tributado a

suportada pelo consumidor final, que

34%, enquanto que a tributação da

é quem arca com todos os custos,

pessoa física é de 27,5% no máximo.

incluindo os lucros, dos produtos que

Assim justifica-se a isenção para os

adquire. Do contrário a pessoa

lucros distribuídos.

jurídica não poderia auferir lucros e,

No entanto, deve ser dito que

dessa forma, não teria sentido a sua

os lucros da pessoa jurídica, antes

existência, que se funda na geração

da tributação, são expurgados de

de lucros.

todas as inversões necessárias, não

Por outro viés, pretende-se

só à produção do lucro, mas também

como ideológica a discussão sobre

à manutenção da fonte produtora.

quais rendimentos devem ser mais 151


tributados, se os do capital ou os do

ocorrência de bis in idem, outro, a

trabalho.

constitucionalidade do benefício.

Sabe-se

produzem

que

rendimentos

aqueles por

si Bis in idem

mesmos, enquanto estes dependem do esforço individual do trabalhador. No

entanto,

são

A tributação de um mesmo

brandidos no sentido de que a

fato econômico por mais de um

aplicação de capital em atividades

tributo pode ocorrer por meio da

empresariais são necessárias e,

bitributação (bitributação jurídica) ou

portanto, devem até ser motivo de

de

incentivo fiscal. Do outro lado, até já

econômica). No primeiro caso, duas

foi dito que rendimento decorrente

pessoas jurídicas de direito público,

de

detentoras

trabalho

argumentos

não

deveria

ser

classificado como renda.

bis

in

idem

de

(bitributação

competências

tributárias diferentes, elegem como

Ainda no campo econômico,

fato gerador (hipótese de incidência)

não deve ser esquecido que as

o

inversões de capital em ativos

segundo, a mesma pessoa jurídica

empresariais, além da geração de

de direito público pretende fazer

lucros, muitas vezes exacerbados,

incidir mais de um tributo sobre o

podem

mesmo fato econômico.

gerar

também

ganhos

mesmo

fato

econômico.

No

imprevisíveis em valor de mercado.

Nesse sentido, a bitributação

Os ganhos no mercado de ações são

colide com a exclusividade das

tributados a 15% pelo imposto sobre

competências

a renda, quando a alienação exceder

pessoas

R$ 20.000,00 no mês.

perfeitamente

tributárias

políticas,

delimitadas

disposições Aspectos jurídicos

que

das estão nas

constitucionais.

Somente a Constituição pode dispor sobre

a

distribuição

das

A isenção de imposto sobre a

competências e, então, autorizar a

renda para lucros distribuídos por

bitributação, como seria o caso da

pessoa jurídica aos seus sócios

competência da União para instituir,

pode ser analisada por mais de um

temporariamente,

aspecto jurídico. Um deles é a

extraordinários, em caso de guerra

impostos

ou sua iminência (art. 154, II). 152


Já a situação de bis in idem tem

capital da pessoa jurídica pela

outra conformação. A Constituição

pessoa física, portanto renda desta.

não veda que um mesmo ente

Outro é a produção de lucros pela

político crie mais de um tributo

pessoa jurídica, decorrentes de suas

usando da mesma competência,

atividade produtivas, portanto renda

como

da

acontece

no

caso

da

pessoa

jurídica,

ônus

contribuição ao PIS e da COFINS,

econômico,

é

que têm respaldo constitucional no

suportado

por

artigo 195, I, b.

consumidores finais. Portanto, o

Observe-se que a União, no

mesmo

bom

cujo

lembrar,

terceiros,

ente

político,

é os

tem

uso da competência do artigo 154, II,

competência para tributar dois fatos

da Constituição, poderá criar bis in

geradores

idem,

materialidade e temporalidade, por

se

instituir

extraordinário

um

adicional

imposto sobre

distintos,

em

sua

a

um mesmo tributo. Tal situação

renda, ou incorrerá em bitributação,

também se evidencia no caso dos

se instituir um imposto extraordinário

tributos cumulativos.

adicional sobre a propriedade predial e territorial urbana.

Constitucionalidade da isenção

Com relação à tributação, pelo imposto sobre a renda, dos lucros

distribuídos

Das lições de Paulo de Barros

aos

Carvalho[1], depreende-se que a

sócios/acionistas de uma pessoa

regra de isenção impede a atuação

jurídica, não ocorre nenhuma das

da

figuras, nem bitributação, nem bis in

Enquanto esta tributa uma classe de

idem.

primeira,

fatos

o

ente

atuação desta, por um dos critérios

tributante é o mesmo: a União. Q

de sua hipótese de incidência. No

Quanto

evidentemente,

Quanto simplesmente econômico

à porque

à

segunda,

porque

tributável

o na

regra

matriz

jurídicos,

de

aquela

incidência.

inibe

a

presente caso, atinge o critério

fato

material,

pela

subtração

do

pessoa

complemento do verbo. Enquanto a

física é diverso daquele que foi

regra matriz manda tributar o fato de

tributado na pessoa jurídica. Um

receber lucros, a regra de isenção a

consiste no recebimento de lucros,

impede, caso o lucro tenha origem

decorrentes de investimentos no

em pessoa jurídica da qual o sujeito 153


passivo

seja

sócio.

Entende-se,

racional entre a discriminação legal e

portanto, que a regra de isenção

o regime diferenciado. Haverá, no

estabelece uma exceção à regra

entanto, consonância com o sistema

matriz de incidência. A propósito,

constitucional? Ou seja, a isenção

registre-se aqui a afirmação de

em tela está em acordo com o

Celso Antônio Bandeira de Melo[2],

princípio

de que “as leis nada mais fazem

capacidade contributiva?

senão discriminar situações para

da

igualdade

e

Regina

da

Helena

submetê-las à regência de tais ou

Costa[4] ensina que nem sempre a

quais regras”.

isenção será exceção ao princípio da

A isenção tributária nada mais

capacidade contributiva, mas “há

é, portanto, que uma discriminação

que se distinguir, para tanto, as

legal, abrangendo uma categoria de

isenções

fatos jurídicos, com a finalidade de

outorgadas por motivos políticos”. As

excluí-los

Nos

primeiras confirmam o princípio, pois

ensinamentos de Celso Antônio

são concedidas perante a ausência

Bandeira

de capacidade contributiva, como no

da

de

incidência.

Melo[3],

em

sua

caso,

que deve residir em fatos, situações

preservação do ‘mínimo vital’”. Já as

ou pessoas, deve ainda guardar uma

isenções

relação de pertinência lógica com o

verdadeiras exceções ao princípio”.

regime diferenciado outorgado. E

Sobre isto, assim se expressa a

mais: o discrimen estabelecido deve

autora:

em

consonância

interesses

com

políticas

à

“constituem

Não há que se falar, neste

prestigiados

caso, nem mesmo na observância dos

A regra de isenção em estudo os

destinada

os

constitucionalmente.

discrimina

“isenção

daquelas

festejada obra, a discriminação legal,

estar

da

técnicas,

fatos

limites

por

ele

impostos,

justamente porque as mencionadas

jurídicos

isenções

beneficiam,

em

regra,

caracterizados como “distribuição de

pessoas que detêm capacidade de

lucros por pessoa jurídica ao seus

contribuir. Exatamente por isso, as

sócios” para o fim de isenta-los da

isenções

políticas

incidência do imposto sobre a renda

instituídas

com

e proventos de qualquer natureza.

possível,

Conclui-se que há um adequação

transparecer, com nitidez e de 154

devem

toda

deixando

o

a

ser

cautela

legislador


maneira

irrefutável,

finalidade

tributados na pessoa jurídica e,

prestigiada pelo texto fundamental

assim, não deveriam sê-lo de novo

que

justifica

observância

a

o

afastamento

da

na

do

princípio

da

distribuição. Outro diz que a isenção

contributiva,

incentiva o investimento na atividade

capacidade

preservando, assim, a isonomia.

pessoa

recebedora

da

empresarial. Quanto ao primeiro, é

A precisão técnica da jurista

fácil

desconstituí-lo,

com

um

não deixa dúvidas. Uma isenção,

argumento econômico (como é o

que venha a beneficiar pessoas que

próprio).

detêm capacidade contributiva, só

empresarial

deve ser aceita se ficar nítido e

econômico de nenhum tributo, ou

irrefutável

valores

melhor, de nenhum desembolso.

constitucionais e preserva, então, a

Quem suporta todos os custos e

isonomia. Se a igualdade consiste

lucros da pessoa jurídica é o

em tratar igualmente os iguais e

consumidor final. Este sim, pode

desigualmente

dizer que paga a conta. Assim não

que

prestigia

os

desiguais,

na

A não

jurídica

sofre

ônus

fosse,

então não há porque, em relação a

empresarial, que existe em função

uma mesma pessoa, isenta-la de

de um só fator e nenhum outro: o

tributação de seus rendimentos de

lucro. Quanto ao segundo, não se

lucros

pessoa

sustenta porque não é definitivo. Se

seus

por um lado, a atração pelos lucros

rendimentos de lucros na venda de

incentiva o investimento, por outro, a

ativos. Afinal, trata-se da capacidade

retenção dos lucros na pessoa

contributiva da mesma pessoa. No

jurídica

entanto, a discriminação para isentar

investimento.

pode estar apoiada em outro valor

considerar um outro atrativo para

constitucional, como

investimento, muito maior do que a

jurídica

e

tributa-la

por por

bem

alerta

Regina Helena Costa. Os

argumentos

é

distribuição que

existiria

o

esteira do que pensou Aristóteles,

distribuídos

não

pessoa

atividade

fundamental E

dos

para

o

a

ainda

lucros:

é

a

valorização ao longo do tempo.

aparecem para justificar a isenção

Ressalte-se

que

a

dos lucros distribuídos por pessoa

Constituição

jurídica resumem-se, praticamente,

redundantemente, no artigo 150, II,

a dois. Um diz que os lucros já foram

que é vedado “instituir tratamento 155

dispõe,


desigual entre contribuintes que se

Não havendo, portanto, o

encontrem em situação equivalente”.

respaldo

Haverá maior equivalência entre

discriminação legal com fins de

contribuintes

isenção, estará ofendido o princípio

que

tenham

constitucional

da

empresariais e os que tenham lucros

desigualmente

por venda de ativos ou aluguéis ou

rendas por lucros na venda de ativos

juros? Todos são investidores de

daqueles

capital, detentores de capacidade

investimento empresarial, e também

contributiva, portanto.

o

Constituição

porque

a

rendimentos de lucros por atividades

A

isonomia,

para

contribuintes

com

princípio

trata

lucros

da

com

por

capacidade

brasileira

contributiva, porque deixa de tributar

também prestigia os valores da

quem tem capacidade econômica

ordem

para sê-lo.

econômica,

propriedade

como

privada

e

a

a livre

concorrência, porém ao lado da função social da propriedade e da

Considerações finais

defesa do consumidor (art. 170). Mas onde está o respaldo para a isenção

dos

decorrentes empresariais?

de

Em síntese: a isenção do

rendimentos

imposto sobre a renda e proventos

investimentos

de qualquer natureza sobre lucros

o

distribuídos por pessoa jurídica a

argumento econômico de elevada

seus sócios, detentores, portanto, de

carga tributária. Então desonere-se a

capacidade

pessoa jurídica geradora dos lucros

encontra na Constituição a proteção

e, por consequência, desonere-se o

que

consumidor, muitas vezes destituído

atingindo

da capacidade contributiva, e tribute-

fundamental da isonomia.

se

o

Não

recebedor

cabe

dos

lucros

distribuídos, este sim, o verdadeiro dono do capital, aquele que detém a capacidade contributiva.

156

justifique em

contributiva,

tal

não

discriminação,

cheio

o

princípio


Referências CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2000. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995. COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 1995. [1] Curso de Direito Tributário, Saraiva, 2000, p. 484. [2] Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros, 1995, p. 11. [3] Ibidem, p. 47. [4] Princípio da Capacidade Contributiva, Malheiros, 1996, p. 70.

157


O CAOS NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA GODOY, Ayla Cristina Bigotto - Discente do 9º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O presente artigo trata da crise em que se encontra a política criminal do Brasil, que sob argumento de conter a criminalidade, cria cada vez mais leis penais extravagantes, muitas vezes sem observar preceitos constitucionais, como forma de conter os ânimos da sociedade aterrorizada pelo número crescente de crimes, denotando, assim a grande influência do Direito Penal do Inimigo no sistema penal patriota. Por meio do método dedutivo de raciocínio, este estudo apresenta a evolução histórica do Direito Penal desde seus primórdios até os tempos atuais, a fim de demonstrar a incompatibilidade entre o atual procedimento penal e o Estado Democrático de Direito.

158


regras estabelecidas pelo Estado, e

Introdução

o segundo os criminosos habituais. Por

meio

da

O

evolução

tráfico de drogas, mais recentemente

que o progresso conquistado nesse

na lei que disciplina o RDD (Regime

âmbito é incompatível com o novo

Disciplinar Diferenciado).

sistema penal que tem sido utilizado,

No

pautado na teoria do Direito Penal do

apontar

Inimigo.

Estado

notas do chamado Direito Penal do

cada

extravagantes

vez

mais,

rigorosas

de

Direitos

dos

indivíduos,

dignidade da pessoa humana e à igualdade de tratamento. Desta

maneira,

não

é

conveniente que a legislação penal

clamores da sociedade aterrorizada

brasileira implante os ideais do

pela barbaridade criminal crescente,

Direito Penal do Inimigo no combate

o Estado se vê pressionado a

à

solucionar rapidamente o problema,

criminalidade,

desumanizá-la,

mesmo que o método não seja o adequado

política

principalmente no que concerne à

são

Com a ânsia de solucionar os

e

Democrático

humanos

leis

alta criminalidade das cidades.

eficiente

esta

uma vez que ignora os direitos

isto

elaboradas, no intuito de conter a

mais

que

pretende-se

instituído pela Constituição de 1988,

Inimigo estão sendo implantadas na

porque,

entanto,

criminalística é incompatível com o

Apesar de discretas, algumas

brasileira,

se

como a de crimes hediondos, a lei de

se demonstrar no presente trabalho

penal

tem

manifestado, por exemplo, em leis

histórica do Direito Penal, pretende-

legislação

instituto

sob

pena

voltando-se

aos

tempos primitivos quando se vivia

à

em constante estado de guerra.

sociedade em que se vive. O Direito Penal do Inimigo,

Evolução Histórica do Direito Penal

criado pelo alemão Günter Jakobs, sob

o

pretexto

de

garantir

a O

segurança da sociedade, admite

Direito

Penal

sofreu

alterações constantes no decorrer da

implantação de regras diferenciadas ao que se chama de “cidadão” e

história até atingir o patamar em que

“inimigo”,

se encontra nos dias atuais. Vários

sendo

o

primeiro

os

séculos de lutas, progressos, e

homens que vivem de acordo com as 159


também

alguns

contribuíram

retrocessos,

religiosa e a concepção de que os

formar

fenômenos naturais denotavam o

para

a

concepção de homem como pessoa investida

de

direitos

castigo divino.

humanos

O

universalmente reconhecidos.

período

da

vingança

passou por três fases distintas:

A evolução do direito penal,

vingança divina, vingança privada e

ao longo da história foi marcada por

vingança pública. Entretanto, não se

períodos sangrentos, pela prática da

pode

tortura, pela frieza e premeditação

sucessivamente,

na determinação de penas cruéis e

convive com a outra por largo

desumanas.

espaço de tempo, até constituir

Diversas

civilizações

separar

as

fases

porque

uma

orientação dominante.

colaboraram no aperfeiçoamento da

Na vingança divina, a religião

lei penal, desde as mais remotas

atinge o ápice de influência sobre o

culturas,

pena

direito penal nas sociedades antigas,

significava verdadeira sentença de

contando com a repressão punitiva

morte, até as mais próximas da era

do agente sob pretexto de acalmar

contemporânea, com a implantação

os ânimos da divindade ofendia pelo

dos direitos humanos.

crime. “Pune-se com rigor, antes

nas

quais

a

Doutrinariamente, divide-se a história

criminalística

em

com notória crueldade, pois o castigo

três

deve estar em relação com a

principais períodos, quais sejam o da

grandeza

vingança, o humanitário e o científico

(MAGALHÃES,

ou

sendo

21 apud BITENCOURT, 2008, p. 28).

importantes

Penas cruéis e desumanas eram

criminológico,

enquadrados movimentos

neles

idealistas

colaboraram

para

o

que

progresso

procuração

ofendido.”

1998,

p.

de

deuses,

as

administravam no intuito estabelecer

Com origem nas primitivas

o

sociedades, o período da vingança

critério

gerais haja

regentes

vista

fundamentalmente

sua

justiça

com

a

A religião confundia-se com o

das

Direito, assim conceitos como os de

origem

mística

de

intimidação do ofensor.

era um sistema que não admitia

normas,

deus

aplicadas pelos sacerdotes que, por

penalista.

princípios

do

crime

e

e

pecado

misturavam-se,

transformando as leis vigentes em 160


preceitos

de

cunho

meramente

manifestou-se dando ao ofensor a

religioso ou moral. Os divina

possibilidade de comprar a sua

critérios

da

foram

vingança

liberdade,

preconizando

uma

principalmente

espécie de embrião da pena de

implantados no Código de Manu, no

multa e da responsabilidade civil do

Egito, na China, na Pérsia, bem

crime, esta foi utilizada no Código de

como em povos de Israel, base que

Hamurabi, no Pentateuco e no

ficou enraizada nos povos citados

Código

até os dias de hoje.

posteriormente,

A fase da vingança privada, amplamente primitivos,

adotada

Manu,

bem

como,

no

Direito

Germânico.

por povos

caracterizou-se

de

Finalmente, nasce no período

pela

da vingança do direito penal a fase

inexistência de limites na aplicação

da vingança pública, esta já melhor

da punição aos atos contrários à

organizada,

moral do grupo, sendo o revide ao

aparecimento do poder político em

agressor

comunidades

aplicado

pela

própria vítima, seus parentes e até

inclusive

com

representado

o

pelo

chefe ou pela assembleia.

mesmo o grupo social em que vivia.

Assim, a finalidade da pena

Contudo, não existe razão

passa

a

ser

a

proteção

do

para equiparar a vingança privada

“soberano”, no entanto, conta ainda

com a instituição jurídica, porque se

com alta influência religiosa, o que

trata de mera conduta instintiva de

fez

proteção da espécie.

permanecessem

O talião e a composição foram fundamentais

para

regulamentação

da

com

desumanas,

que

as

sanções

cruéis

impostas

pela

e da

a

autoridade pública que servia de

vingança

representante dos interesses da

privada. O primeiro, adotado como

sociedade.

forma de moderar a aplicação da

Apesar da imensa quantidade

pena, fez com que, pela primeira vez

das penas de morte aplicadas por

na

penal,

motivos hoje considerados ínfimos,

aparecesse a proporcionalidade e

além da falta de segurança jurídica

implantou-se

de

que os povos enfrentavam, a fase

Hamurabi, na Bíblia Sagrada e na

trouxe um importante progresso,

Lei das XII Tábuas. Já a segunda,

pelo fato de a pena não ser mais

história

do

no

direito

código

161


aplica por terceiro, mas sim pelo

Um dos mais importantes

poder estatal.

movimentos do Período Humanista

Encerrado

o

período

da

deu-se

com

surgimento

do

vingança, surge, na Idade Média, por

movimento cultural Iluminista, tendo

inspiração do Cristianismo, o Direito

origem nas ideias liberalistas da

Canônico, de caráter disciplinar,

burguesia que, nesta época, crescia

deixando sob a tutela da Igreja

com o desenvolvimento capitalista, e

Católica os critérios e procedimentos

que

para a aplicação das penas.

mantinha ferrenho embate com a

Os crimes praticados nessa

por

conflito

de

interesses,

nobreza.

fase tinham conotação pecaminosa

Cumpre salientar que o ápice

contra as leis humanas e divinas,

do movimento iluminista se deu com

sendo

sanções

a Revolução Francesa, momento em

tribunais

que todos os pilares, até então,

as

respectivas

aplicadas

pelos

eclesiásticos.

norteadores

da

sociedade,

Foi com o Direito Canônico

passavam por mudanças drásticas,

despontaram

primeiras

não podendo o direito penal ficar de

estruturas carcerárias com intuito de

fora desta reestruturação moral e

reforma

social.

que

do

“Precisamente

as

delinquente. do

vocabulário

O

início

da

radical

‘penitência’, de estreita vinculação

transformação liberal e humanista do

com o Direito Canônico, surgiram as

Direito Penal foi defendido por

palavras

pensadores

‘penitenciário’

e

iluministas

que

‘penitenciária’.” (GARRIDO, 1976, p.

criticavam a intervenção do Estado

48 apud BITENCOURT, 2008, p. 35).

na economia, lutavam por reformas

Pensadores

inconformados

do ensino, além de ridicularizar a

com o absolutismo vivido até então,

igreja e os nobres.

ambiciosos por reformas das leis e

Filósofos

como,

Locke,

da estrutura da justiça penal, com o

Montesquieu, Voltaire, Rousseau,

fim de implantarem um sistema

Diderot

humanitário e racional, fundaram o

desenvolveram os fundamentos do

que

pensamento moderno, tendo suas

foi

chamado

de

Período

Humanitário.

e

D’Alembert,

ideias repercutido na aplicação da

162


justiça, acabando com os tempos de

pelas mãos dos pensadores Gian

barbaridades.

Domenico

No entanto, o símbolo da reação

iluminista

contra

Bentham,

a

Bonesana,

Anselmo

Von

Duas fases se distinguiram na

de

época Clássica, a filosófica ou

Beccaria, que publicou a obra “Dos

teórica e a jurídica ou prática. A

Delitos e das Penas”, na qual expôs

primeira, marcada prioritariamente

ideias sobre os princípios básicos do

por Beccaria com seus princípios

direito penal moderno, que regeram

básico para a justiça no Direito Penal

a declaração dos direitos do homem

e a segunda, que trouxe o nome de

e

Francesa,

Francisco Carrara para integrar o rol

significando um grande avanço no

dos mais geniais pensadores da

direito penal.

história criminal, considerando o

a

Marques

e

Jeremias

Feuerbach.

desumanidade penal da época foi César

Romagnosi,

Revolução

Logo após, cria-se a Escola

delito como ente jurídico composto

de Direito Natural, manifestada pela

por movimento corpóreo e dano

fase racionalista de pensadores

causado

como

consciente do agente.

Hugo

Grócio,

Hobbes,

Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau

mais

Chega-se

vontade

ao

livre

e

Período

e Kant, cujos ideais se pautavam em

Científico, no qual os pensadores se

reconhecer o Direito Natural como

preocupam em desvendar as razões

eterno, imutável e universal.

pelas quais o homem delinque, no

Apesar

de

a

Escola

intuito de encontrar um modo eficaz

Naturalista ter cessado ainda na fase

para ressocializá-lo, reintegrando-o

do Iluminismo, suas concepções

à sociedade.

atravessaram os tempos inspirando

No Período Científico surge o

fortemente o campo penal por meio

Determinismo, que influencia os

do

buscou

pensamentos da época, inclusive no

individualizar os direitos natos e

âmbito penal. Para esta doutrina,

atenuar as sanções criminais.

que teve como precursor Laplace, a

jusnaturalismo,

Adotando

que

teses

realização do crime sempre possuía

ideológicas básicas do iluminismo,

razões suficientes para determiná-lo,

em

ou seja, o delito é determinado por

especial

as

as

pregadas

por

Beccaria, surge a Escola Clássica 163


uma ordem de fatos que são

A Escola Moderna Alemã foi a

dependentes entre si.

mais notável corrente eclética, tendo

César Lombroso, Enrico Ferri

com fundador Franz Von Liszt, cujas

e Rafael Garófalo são considerados

fundamentais características eram: a

fundadores da Escola Positivista do

adoção do método lógico-abstrato e

Direito Penal. Para eles, a pena não

indutivo experimental, a distinção

poderia

meramente

entre imputáveis e inimputáveis, a

retributivo, mas sim o de proteção

concepção de crime como fenômeno

social, a qual poderia ser aplicada

humano-social

mediante correição, intimidação ou

função finalística da pena e a

eliminação.

eliminação

ter

caráter

Para os positivistas, o Direito

e

ou

fato-jurídico,

substituição

a

das

penas privativas de liberdade de

era uma consequência da vida em

certa duração.

sociedade, a qual sofre modificações

Após

esse

no tempo e no espaço, exigindo que

manifesta-se

as leis evoluam acompanhando as

Jurídica, nascida com o objetivo de

necessidades dos cidadãos.

apontar definitivamente o verdadeiro

Inspirada

pela

Escola

a

formada

Terza por

scuola ideias

Escola

Técnico-

objeto do Direito Penal, sendo o

Positivista e pela Escola Clássica nasce

a

período,

principal idealista Arturo Rocco.

italiana

Assim, “[...] o Direito Penal é

ecléticas

entendido como uma ‘exposição

originadas da mistura das duas

sistemática

escolas antecessoras.

regulam os conceitos de delito e de

Nela,

segundo

Bitencourt

pena,

dos

e

princípios

da

que

consequente

(2008, p. 59), o crime é concebido

responsabilidade, desde um ponto

como

de

um

individual,

fenômeno

social

condicionado,

e

vista

62).

fim da pena é a defesa social,

A

embora sem perder seu caráter

tornou-se

aflitivo.

doutrina

natureza

jurídico’.”

(ASÚA apud BITENCOURT, 2008, p.

porém

pelos fatores apontados por Ferri. O

Sua

puramente

é

Escola

Técnico-Jurídica

relevante alemã

a

desenvolveu,

absolutamente distinta da medida de

aprimorando

segurança.

dogmática jurídico-penal e elevando-

164

os

a

quando

estudos

de


a a categoria da mais evoluída dos

parte

tempos atuais.

essencialista, que desconhece que

Superada a fase positivista,

de

puros

o movimento filosófico neokantiano,

realidade,

que

humanas

ofereceu

Bitencourt,

uma

metodológica

“[...]

permitiu

reflexos

necessários

mas

da

construções

baseadas

em

um

consenso social contingente.”

fundamentação

que

objetivismo

os conceitos que temos não são

contudo, influenciada por ela, cria-se conforme

um

uma

Contemporaneamente, surge

melhor compreensão dos institutos

o

jurídico-penais

funcionalista com críticas à teoria

como

conceitos

chamado

normativismo

valorativos, sem por isso renunciar à

finalista,

pretensão

vertentes, a normativista dualista,

de

cientificidade.”

tendo

duas

(BITENCOURT, 2008, p. 70, grifo do

representada

autor).

normativista monista, defendida por Saturada pelas barbaridades

do

pós-guerra,

a

por

principais

Roxin

e

a

Jakobs.

Alemanha

O

normativismo

dualista

necessitava de uma nova filosofia

consistia em rechaçar as exigências

que limitasse o poder autoritário da

ontológicas

época, propiciando, assim, o cenário

finalismo,

ideal para o desenvolvimento do que

(2008, p. 77), Roxin admite que a

viria

sua lógica objetiva seja acrescida de

a

ser

a

teoria

finalista,

visualizada por Welzel.

defendidas conforme

pelo

Bitencourt

uma razão prática, onde os valores

O finalismo trouxe ao mundo

protegidos

pelo

sistema

penal

jurídico criminalista duas grandes

estejam limitados por um substrato

conquistas,

material fático externo ao próprio

quais

sejam:

o

descobrimento de que o fim da ação

sistema.

representa uma função importante

Por outro lado, a teoria de

na ação do autor de um crime, e a

Jakobs

possibilidade uma concepção mais

próprio sistema penal os parâmetros

adequada para os vários tipos de

necessários para o seu crescimento

crime.

estrutural, não sendo necessário Mir

Puig

procurar

sustentava

em

estarem

outros

no

institutos

(apud BITENCOURT, 2008, p. 76)

jurídicos normas que os limitassem,

resume: “[...] o ontologismo finalista

como bem descreveu Bitencourt: 165


[...] Jacokbs, por sua vez, seguindo a

Constituição Garantista x Direito

Luhmann, concebe o Direito Penal

Penal do Inimigo

como

um

sistema

fechado,

normativo

autorreferente

No

Brasil

têm-se

(autopoiético) e limita a dogmática

Constituição

jurídico-penal à análise normativo-

servindo

funcional do Direito positivo, com a

formulação de toda a programação

exclusão

de

normativa

empíricas

não

valorações

externas ao

considerações normativas

sistema

não

perfeitamente

aos

do

país.

para

Nela

a

estão

sistema

de um Estado Democrático de Direito que visa a garantia de direitos

normativista,

se

diretriz

1988

instalados preceitos fundamentais

fundamentais inerentes ao homem. “[...]

apesar de ser a mais nova teoria penalista,

de

de

de

jurídico-positivo. (2008, p. 77). O

Federal

a

enquadra

padrões

Uma

das

definições

possíveis de democracia é a que põe

da

em

particular

evidência

a

maioria das atuais sociedades, cuja

substituição das técnicas da força

predominância é a regência do

pelas técnicas da persuasão como

Estado Democrático de Direito, uma

meio

vez que este objetiva resguardar a

(BOBBIO, 2004, p. 211).

todos os cidadãos, sem exclusão de

de

resolver

conflitos.”

Quando se implanta a forma

minorias, direitos inerentes à pessoa

democrática,

humana. Por outro lado, o direito

contrato com a sociedade no qual

Penal do Inimigo dita conceitos

cada indivíduo cede uma parcela de

típicos de regimes ditatoriais, de leis

liberdade para obter a proteção do

rígidas, sem se preocupar com as

Estado. Este pacto é selado através

garantias individuais daqueles que

da Constituição que determina os

julgam como inimigos, o que denota

direitos e os deveres de casa

flagrante desrespeito aos preceitos

cidadão.

ao

princípio

implícito

um

“[...] A sociedade histórica em

constitucional de uma democracia, principalmente,

fica

da

que vivemos, caracterizada por uma

igualdade entre as pessoas.

organização cada vez maior em vista da eficiência, é uma sociedade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de uma falta de 166


liberdade. [...]” (BOBBIO, 2004, p.

Desta

62).

maneira,

alguns

segmentos da parcela carente da Apesar disso, principalmente,

sociedade,

pressionada

pela

no âmbito penal, não há obediência

miséria, inclinou-se para a prática de

aos princípios constitucionais, uma

delitos na busca de suprir suas

vez que as normas criminais se

necessidades, aumentando, assim,

tornam mais rigorosas. O objetivo de

os índices de criminalidade do país,

reintegrar o delinquente à sociedade

o que por consequência, elevou o

enfraquece

crescente

nível de insegurança jurídica da

criminalidade e a pena passa a ser

população, instalando-se o atual

vista apenas como uma resposta

caos na política criminal brasileira.

diante

da

rápida aos clamores da sociedade

Diante do crescente número

barbarizada.

de delitos e na tentativa de acalmar

O Código Penal Brasileiro,

os

ânimos

de

uma

sociedade

elaborado em 1940, a partir da

manipulada pelo sensacionalismo da

Constituição de 1988, tornou-se

mídia, o Estado passou a adotar

ultrapassado.

medidas penais estranhas ao regime

Desta

forma,

na

tentativa de atualizá-lo de acordo

constitucional vigente.

com as necessidades da sociedade, foram

editadas

diversas

Assim,

leis

na

tentativa

de

contenção social, surge a teoria do

extravagantes.

Direito Penal do Inimigo, tendo como

No entanto, o país não teve

idealizador o alemão Günter Jakobs,

estrutura para suportar tamanha

a

tecnologia-jurídica

pelo

espécies de direito penal, quais

Direito.

sejam o direito penal do cidadão e o

Estado

garantida

Democrático

de

Assim o déficit de eficiência das garantias

resguardadas

qual

sustenta

que

duas

direito penal do inimigo.

pela

Para

o

direito

penal

do

Constituição tornou grande parte da

cidadão pessoas que delinquem,

sociedade carente, desprovida de

mas que não chegam a apresentar

educação,

saúde,

um grande perigo para o Estado

adequada,

trabalho

alimentação digno,

sem

merecem a aplicação das sanções

respaldo dos direitos fundamentais

penais,

que lhes foram prometidos.

respeitado e também lhe devem ser

167

no

entanto,

deve

ser


asseguradas todas as garantias

delinquentes como inimigos, haja

processuais e penais.

vista que os distinguem dos demais

Em outra face, o direito penal

indivíduos na hora da aplicação de

do inimigo é utilizado nos casos de

penas, ou aplicam penas altamente

delinquentes contumazes que se

penosas,

afastam

inconstitucionalidade.

permanentemente

das

demonstrando

normas instituídas pelo Estado de

A lei de crimes hediondos foi

Direito, passando a ser uma grande

criada em um momento em que a

ameaça ao próprio Estado, já que

sociedade

põe em constante risco a paz social

revoltada com a barbaridade e

que

crueldade

é

de

interesse

de

todos,

brasileira

de

estava

alguns

crimes,

portanto, sendo legitima a supressão

principalmente pelo homicídio da

de algumas, ou todas, de suas

atriz

garantias

incessantemente

fundamentais,

sob

o

global

Peres,

divulgado

mídia.

geral criminal.

contenção do repúdio populacional o maneira,

como

forma

pela

pretexto de garantir a prevenção

Desta

Assim

Daniela

de

pode-se

legislativo sancionou tal lei, que

deduzir as características marcantes

inicialmente proibia a progressão de

do Direito Penal do Inimigo, como

regime, bem como o benefício da

sendo, o fato de o inimigo ser punido

liberdade provisório, no entanto,

pelo perigo que representa e não

porque nitidamente contraria aos

pelo delito que cometeu, a punição

ditames constitucionais, tal lei foi

por sua periculosidade, perdendo o

modificada por decisão do Supremo

inimigo

Tribunal Federal que a declarou

“status”

de

cidadão,

passando a ser combatido como se

inconstitucional.

estivesse em guerra com o Estado,

Mesmo com a sábia medida

além de ser suprimida grande parte

tomada pelo STF, a lei de crimes

de suas garantias individuais.

hediondos ainda guarda resquícios

Medidas como, por exemplo,

de inconstitucionalidade, visto que

a lei de crimes hediondos, lei de

para a progressão da pena é preciso

tráfico de drogas e a lei do regime

cumpri-la em proporção maior do

disciplinar

que a dos demais crimes. Logo,

outras,

diferenciado, trouxeram

dentre

satisfação

percebe-se

momentâneo, entretanto, tratam os

principalmente 168

a com

contrariedade relação

ao


princípio da proporcionalidade da

violento, uma vez que autorizou a

pena, uma vez que torna mais

possibilidade de “abrigar o preso

penosa a sanção de crimes que pelo

provisório ou condenado sob o qual

Código

recaiam

Penal

Brasileiro

eram

fundadas ou

suspeitas

de

participação,

a

distinguidos com maiores penas por

envolvimento

suas respectivas qualificadoras.

qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.” (Lei

Da mesma forma, foi editada a lei de tráfico de entorpecentes em

de

uma época que a sociedade sofria

parágrafo 2º). Esta lei é uma afronta

pelo

ao

crescente

número

de

Execuções

princípio

Penais,

art.

constitucional

52,

da

dependentes químicos, razão pela

legalidade, pois como se sabe não

qual aumentou-se a pena base para

há no país nenhuma norma que

o crime de tráfico, bem como se fixou

conceitue “fundadas razões”, ficando

o regime inicial fechado para todos

ao arbítrio do juiz tal tarefa, gerando

os casos, sem a preocupação de

grande

diferenciar

qualquer cidadão brasileira de quem

os

delinquentes

contumazes dos que cometeram um

Outra

inconstitucionalidade

Portanto,

importante

a

diante

dos

exemplos explanados, conclui-se o

por

evidente desrespeito aos direitos

referida lei é a vedação da liberdade

humanos, demonstrando assim a

provisória, uma vez que fere o

inconstitucionalidade de tais leis,

princípio

da

bem como a proximidade de seus

proibição

fundamentos com a teoria do Direito

pena,

da

isto

trazida

jurídica

se suspeite.

único deslize jurídico, equiparandoos.

instabilidade

individualização porque

a

constitucional a esse crime concerne

Penal do Inimigo.

apenas à alguns benefícios como

Observa-se que a realidade

anistia, graça e fiança, sem nada

jurídico-penal

mencionar

distanciando dos princípios basilares

quanto

a

liberdade

provisória.

vem

se

de sua constituição na construção

Outrossim, a lei do regime disciplinar

brasileira

diferenciado

veio

das normas, fato este que cada vez

no

mais

marginaliza

ao

invés

de

intuito de acalmar os ânimos da

reinserir o delinquente na sociedade.

sociedade que estava demonstrando

“Se cada cidadão tem obrigações a

repúdio pelo cotidiano cada vez mais

cumprir para com a sociedade, a 169


sociedade

tem

igualmente

processo

criminal

justo,

de

obrigações a cumprir para com o

intervenção mínima e com fins

cidadão, pois a natureza de um

ressocializadores.

contrato igualmente

consiste as

em

obrigar

Assim, é claro o retrocesso

duas

partes

que o Direito Penal do Inimigo

contratantes.” (BECCARIA, 2000, p.

representa

21).

brasileira, As

palavras

do

filósofo

para

a

uma

flagrantemente

sociedade

vez

que

é

inconstitucional

e

Iluminista explicam com perfeição a

avesso aos preceitos dos direitos

obrigação da sociedade democrática

humanos.

para com cada indivíduo, inferindo

Desta maneira, leis que se

que ninguém pode ser distinguido

fundamentam no ideário do Direito

seja em “cidadão” ou “inimigo”, uma

Penal

vez

Estado

excluídas do ordenamento, pois este

Democrático de Direito um contrato,

se apoia em ideias regressivas e

todos, sem exceção possuem os

argumentos

mesmos direitos e deveres.

racionalidade científica ao longo dos

que

sendo

o

do

Inimigo

devem

superados

ser

pela

séculos. Tendente ao menosprezo dos

direitos

constitucionais

Considerações finais

arduamente

humanos, e

penais,

conquistados,

deve,

pois o Direito Penal do Inimigo ser

Como se pode demonstrar, o sistema penal percorreu caminhos

combatido,

árduos para chegar a sua atual

punitiva não regrida aos tempos

roupagem,

direitos

ditatoriais e primitivos marcados pela

humanos, bem como de todas as

ira, pelas sanções indignas e pela

garantias

crueldade.

investido

que

de

assegurem

um

170

para

que

a

ciência


Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 1: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2000. GERBER, Daniel. Direito Penal do Inimigo: jackobs, nazismo e a velha estória de sempre. Jus Navegandi. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br >. Acesso em: 29 de julho de 2009. GOMES, Luiz Flávio. Muñoz Conde e o Direito Penal do inimigo. Jus Navegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7399 >. Acesso em: 07 de fevereiro de 2010. JÚNIOR, Arno Dal Ri. O estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. PIERANGELI, J. H.; ZAFFARONI, E. R. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

171


O CASO “CESARE BATTISTI” SOB A ÓTICA DO DIREITO INTERNACIONAL BREVIGLIERI, Etiene Maria Bosco. Docente da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Honório. Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. FERNANDES, Barbara Rossi Fernandes. Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. GOMES, Dayane Marangoni Frota Gomes. Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. POLOTTO, Silvia Márcia Polotto. Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A polêmica no Direito pátrio e internacional se deve ao fato da dificuldade em classificar e diferenciar os atos realizados pelo indivíduo como meros atos de cunho político e ideológico dos chamados crimes comuns. No “Caso Battisti” aponta-se uma imaturidade jurídica e política das autoridades brasileiras no tocante a aplicação dos institutos do asilo e da extradição, notando-se através da tentativa inicial de asilo questionavelmente transformada em processo de extradição. Investigará as causas e os efeitos de uma crise política e diplomática gerada pela incerteza jurídica de aplicação de institutos fundamentais de Direito Internacional por parte do Brasil, bem como os argumentos que sustentam a posição do governo brasileiro nesse caso. Diante das recentes divergências de interpretação do direito dogmático, fato que provoca diferentes entendimentos dos conceitos de crimes políticos e crimes comuns, nota-se a necessidade de readequação de conceitos do Direito Internacional aos fatos históricos recentes. O escopo do estudo é a diferenciação e fixação dos institutos do asilo e da extradição enquanto ferramentas de soberania e de relações internacionais no Direito Internacional. Dessa forma o presente estudo contribuirá com o debate jurídico, elucidando contradições teóricas e factuais sobre institutos do Direito internacional, evitando conflitos na sociedade internacional.

Palavras-chave: Extradição. Cesare Battisti. Direito internacional. Julgamento. 172


com isso a situação do estrangeiro

Introdução

passe a ser matéria mais relevante De acordo com os casos

no Direito. Dessa forma, institutos

analisados todos os anos pelo STF,

como o asilo político, o refúgio e a

o caso de extradição do italiano

extradição passam a povoar cada

Cesare Battisti seria apenas mais um

vez mais os noticiários e mais que

se não fosse pelo fato do Brasil ter

apenas matérias de especulação

concedido a ele o benefício de

jornalística

refugiado político, previsto no artigo

influenciar cada vez mais outros

33 da Lei 9.474/97.

ramos do Direito interno e das

passam

relações

O pedido de extradição foi

também

a

internacionais

impetrado pelo governo italiano no

(diplomáticas). Com o Brasil não

mês de maio de 2007, quando

poderia ser diferente vez que suas

Battisti foi preso no Brasil, com o

relações

status de refugiado político, que já foi

tiveram um bom histórico e que cada

alvo de muita controvérsia.

vez

mais

brasileira

O italiano foi condenado pela

diplomáticas

se

nota

em

a

sempre

inserção

organizações

justiça italiana à prisão perpétua por

internacionais e blocos econômicos

participação em quatro homicídios

diversos (inclusive com a Itália).

entre 1.977 e 1.979, quando fazia

Com o passar do tempo

parte do grupo Proletários Armados

alguns casos foram chamando a

pelo Comunismo. Battisti nega todas

atenção da mídia a respeito da

as acusações contra ele.

situação de estrangeiros no Brasil e

O pedido de extradição por

das formas como os mesmos foram

parte do Brasil obsta o seguimento

julgados pelas autoridades pátrias.

de qualquer extradição, baseados

Recentemente o caso Cesare Battisti

em fatos e problemas que embasa a

revelou uma dificuldade do Brasil em

permissão do refúgio.

se situar diante de decisões que não somente envolvem hoje as questões

Com a crescente interação Sociedade

de diplomacia e soberania, mas

Internacional é de se esperar que

também que podem gerar futuros

cada vez haja um fluxo de pessoas

descontentamentos junto a Estados

entre as diferentes fronteiras e que

que

dos

Estados

na

173

possuem

fortes

relações


comerciais com o país como é o

Estado [...]. Já os crimes políticos

caso da Itália.

lesam ou põe em perigo a própria

Fatos demonstraram,

recentes inclusive,

que

segurança interna ou externa do

a

Estado. (MIRABETE, 1998. p. 132).

dificuldade em tomar uma decisão

Destarte, a dificuldade em

no presente caso reside e muito, na

distinguir os crimes políticos dos

definição de conceitos modernos de

crimes comuns é usual, visto que é

crimes políticos e do enquadramento

complexa

a

de

elemento

subjetivo

atividades

governamental

de como

oposição crimes

determinação do

do fato

de

antijurídico (o dolo). Não sendo

opinião, crimes políticos ou em

árdua a determinação do dolo para o

certos casos como crimes comuns.

operador do direito (se o “animus”

Mediante tal entrave político e

era de conduta comum, ou se

jurídico o estudo desse caso de

envolvia

Direito Internacional Privado se torna

certamente não seria difícil separar o

importante para um questionamento

crime político do crime comum. De

sobre elementos e definições deste

modo que não havendo a intenção

ramo do direito, vez que o mesmo

de

sofre alterações de acordo com a

nacional ou a estrutura política, o

cultura e a história a que se submete.

crime não possui conotação política,

atentar

sendo 1. Do crime político

conotação

contra

conceituado

a

política),

soberania

como

crime

comum. Portanto, o conceito de crime

É visível a dificuldade das autoridades

brasileiras

político mais amplo trata-se daquele

em

que quando não empregada a

solucionar o “Caso Battisti”, pois,

prática do terrorismo, lesa ou coloca

além da imaturidade jurídica e

em risco soberania do Estado; sua

política quanto aos institutos de

integridade

Direito aplicáveis, é complexa a

política;

separação entre crimes políticos e

sobretudo o regime democrático;

comuns. Doutrinadores definem:

bem como a pessoa das autoridades

territorial;

Regime

de

estrutura Governo,

Os crimes comuns são os que

Estatais, principalmente os chefes

atingem bens jurídicos do indivíduo,

de Governo e de Estado. Apenas

da família, da sociedade e do próprio

incorrerá na prática do crime político 174


o indivíduo que teve o dolo de crime

O pedido de asilo é feito ao

político.

Departamento de Polícia Federal.

Uma última observação é a

Este o encaminha ao Ministério das

divisão entre crimes políticos puros

Relações Exteriores para que se

ou

manifeste

próprios

e

crimes

políticos

quanto

pleito.

relativos ou impróprios. Aqueles têm

Posteriormente

por objetivo jurídico apenas a ordem

encaminhado para ao Ministro da

política, sem que sejam abrangidos

Justiça para a decisão.

bens

ou

interesses

o

ao

pedido

é

jurídicos

individuais ou outros do Estado,

3. Do refúgio

enquanto estes expõem a perigo ou lesam

também

bens

O refúgio protege o indivíduo

jurídicos

que encontrar-se fora de seu país de

individuais ou outros diversos da

nacionalidade, e não possa ou não

segurança do Estado.

queira submeter-se a proteção de tal país, se sinta perseguido por motivos

2. Do asilo

de religião, nacionalidade, etnia ou O

Asilo

proteção

de

estrangeiro

Político qualquer

que

se

visa

ideologia política. Pode ainda ser

à

concedido quando o indivíduo não

indivíduo

tenha nacionalidade, e estando fora

encontre

do país onde residia habitualmente,

perseguido em seu território pela

não queira a ele regressar motivado

prática de crimes ou convicções

pelas

político-ideológicas. Esta proteção

devido a grave e generalizada

país que conceder o asilo (territorial),

violação de direitos humanos, o

quanto na embaixada de destino

indivíduo se compele a deixar o seu

(diplomático). Este instituto não se a

internacional,

nenhum

país de nacionalidade para buscar

organismo

constituindo

perseguições

anteriormente descritas; ou ainda

pode ocorrer tanto no território do

sujeita

mesmas

refúgio em outro país.

um

exercício da Soberania do país que

4. Da extradição

o conceder. Além disso, é uma medida permanente, em que inexiste

Hildebrando Accioly define a

cláusulas de cessação, perda ou

extradição como: “é o ato pelo qual

exclusão.

um Estado entrega um indivíduo, 175


acusado

de

um

delito

ou

extradição. Ressalta-se que essas

condenado como criminoso, à justiça

formas de excluir uma pessoa do

do outro, que o reclama, e que é

País, não podendo se confundir com

competente para julgá-lo e puni-lo”.

o impedimento de uma entrar no

(MORAES, 2008, p92). O Supremo

mesmo (salvo os casos em que a

Tribunal Federal (STF) entende o

pessoa

pedido de extradição perante o Brasil

passaporte).

como:

não

possui

visto

no

A deportação ocorre quando Constitui - quando instaurada

uma pessoa entra clandestinamente

a fase judicial de seu procedimento –

no território nacional, ou se sua

ação de índole especial, de caráter

entrada foi regular, mas tornou-se

constitutivo, que objetiva a formação

irregular, os agentes federais o

de título jurídico apto a legitimar o

“devolvem” a seu País, podendo

Poder Executivo da União a efetiva,

fazer isso sem qualquer ordem

com

judicial.

fundamento

em

tratado

internacional ou em compromisso de

Ao contrário da deportação, a

reciprocidade, a entrega de súdito

expulsão não pode ser feita por

reclamado. (MORAES, 2008, p. 92-

agentes federais, sendo isso um ato

93).

exclusivo

do

República,

após

Existem duas espécies de

Presidente um

da

processo

extradição: Ativa: quando o Brasil

administrativo. Caso sendo expulso

requer a outros Estados; e, Passiva:

o estrangeiro, este estará proibido de

quando outros Estados requerem ao

retornar ao País, salvo se sair um

Brasil.

novo Decreto, revogando o outro que expulsou.

5. Diferenças e semelhanças entre

A extradição é um pedido que

deportação, expulsão e extradição O

estrangeiro

pode

um Estado faz para que o outro o entregue

ser

para

que

ele

julgue

estrangeiro que lá deva responder

excluído do território nacional. Isso

por processo penal.

pode ocorrer mediante algumas formas previstas no Estatuto do

6. Países com os quais o Brasil

Estrangeiro, que é a Lei 6.815 de 19

mantém tratado de extradição

de agosto de 1980, são elas: a deportação,

a

expulsão

e

a 176


O Brasil possui tratado de

A Itália alega que Battisti foi

extradição com os seguintes países:

devidamente julgado e considerado

Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia,

culpado em todas as instâncias

Chile, Colômbia, Equador, Coréia do

possíveis. Mas, onde está o direito

Sul, Espanha, Estados Unidos, Itália,

de apresentar provas que refutem a

México, Paraguai, Peru, Portugal,

acusação? Haja vista, foi asilado

Reino Unido, Suíça, Uruguai e

político

Venezuela.

vigência da Doutrina Mitterrand, a

Tramitam ainda no Congresso

qual

na

França,

durante

considerava

a

refugiados

Nacional com os seguintes países:

italianos com raízes familiares e

Canadá, França, Rússia, Líbano e

culturais como merecedores de asilo

membros do MERCOSUL.

político na França. Porém, por meio da pressão de um governo de direita dirigido

por

Jacques

Chirac,

a

doutrina foi revista e Battisti que já

Considerações Finais

tinha sido julgado e recebido asilo, fora novamente para o banco dos

Cesare Battisti foi condenado quatro

réus, o que viola dois princípios

homicídios cometidos entre 1977 e

básicos de direito: mudança nas leis

1979, mas será que ele não cometeu

não deve ser jamais usada para

os crimes por ser uma ativista?

culpabilizar

Militando

apenas para beneficiar o réu mesmo

à

prisão

perpétua

no

grupo

por

autonomista

alguém

a

posteriori,

pelo

com trânsito em julgado e ninguém

Comunismo” nos anos 70? Tal grupo

poderá ser julgado duas vezes pelo

tinha por escopo uma tática de

mesmo crime. Logo, ele foi julgado

ataque (luta armada), por isso,

duas vezes pela mesma questão, em

Cesare

outras

um ato que viola completamente as

maneiras de atuação e fugiu do país.

bases da jurisprudência brasileira e

Desde esta decisão, foi perseguido

do Estado de Direito.

“Proletários

Armados

decidiu

buscar

Sob estas hipóteses o caso

politicamente, viveu em diversos sendo

Battisti não pode ser considerado

condenado por revelia por crimes

legítimo, vez que a criação da

que nega ter cometido.

instituição do asilo político tinha por

países

clandestinamente

escopo 177

poupar

pessoas

de


julgamento ilegítimo. A Itália baseou

Battisti não assumir ter cometido os

a acusação no depoimento de Pietro

crimes.

Mutti, o qual teria participado dos

esquecer que ninguém é obrigado a

assassinatos

produzir provas contra si mesmo.

com

o

acusado.

Todavia

podemos

Porém, nenhum aplicador do Direito

Levando

percebeu que ele citou que Battisti

Ditadura Militar Brasileira, Battisti já

participava de um programa de

era contrário ao governo e, se

delação

num

aparecessem provas verídicas e

período que este já não estava mais

confissão do mesmo em relação aos

no país. A alegação feita pelo

delitos, é certo que haveria uma

advogado de defesa é condizente,

“justiça com as próprias mãos”

pois se refere que Mutti incriminou o

dentro da prisão, afinal, ele sempre

ex-parceiro como forma de garantir a

quis demonstrar o desafeto existente

própria liberdade.

contra o governo.

premiada

italiana

em

não

consideração

a

Outra prova crucial é uma

Digamos que, se ele cometeu

série de cartas que ele teria escrito

tais crimes pode-se pensar que foi

ao advogado, durante a década de

por perseguição política sim, e para

80, oferecendo dados e instruindo a

não ser autuado praticando atos

sua defesa. Bem, se isso realmente

contrários ao governo a fim de

fosse verdade, Battisti teria sido

denunciar

informado

sendo

consequentemente morto dentro do

procurado pela justiça italiana e tinha

presídio, foi necessário matar e

se defendido, o que garantiria a

depois refugiar. Uma reportagem

legalidade do instituto da revelia.

recente mostrou que a ditadura

Acontece

militar no Brasil deixou um saldo de

que

estava

que

laudos

periciais

as

comprovaram que as cartas foram

mais

forjadas.

desaparecidas

Mesmo

que

de

3000 e

e

pessoas

milhares

de

seja

sequelados pelas torturas, assim, a

culpado, seria necessário um novo

ditadura teve vida longa, perdurou

julgamento respeitando o devido

por tempo necessário a fim de deixar

processo

provas

a nação debilitada e imponente para

e

não

transformações. As sequelas estão

forjadas. Porém, muitos críticos do

vivas até hoje, ainda que em menor

caso podem interrogar o porquê de

intensidade

legal,

condizentes a

Battisti

arbitrariedades

com

realidade

178

e

jamais

serão


esquecidas. Relembrar o passado e

conclui-se que esta é a perda do

conhecer a história é o motor de

direito de punir do Estado pelo

combustão para mudanças! Logo, os

decurso do tempo. (arts. 109 e 110

“donos do poder” da época não

do CP).

foram incriminados até hoje e o

Assim sendo, a Itália está

mesmo aconteceria se fosse Battisti

querendo punir Battisti por questões

um desaparecido por ocasião de

prescritas pedindo para o Brasil

pertencer à oposição.

extraditar, ainda que o governo

A questão da prescrição é

brasileiro

não

possa

extraditar

relevante, visto que a prática de um

ninguém por crime político. Acontece

fato definido na lei como crime traz

que o Brasil não possui pena de

consigo a punibilidade que lhe é

prisão perpétua, e um elemento

cominada em abstrato na norma

recorrente em acordos de extradição

penal. Em poucas palavras, quando

é a cláusula de que ela não deve

o sujeito comete um delito de um

ocorrer se a punição que aguarda o

lado aparece o Estado com o jus

condenado não existir no país em

puniendi, de outro, o acusado, com a

que ele busca asilo. Apesar de tudo,

obrigação de não obstaculizar o

a Itália não extradita criminosos caso

direito da sociedade representada

eles tenham sido condenados à

pelo Estado de impor a sanção

morte no país de origem. Portanto,

penal. A prescrição é a causa

extraditar Battisti significa entregá-lo

impeditiva da persecutio criminis ou

para uma punição vetada pela nossa

torna inexistente a condenação,

Constituição.

179


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182


O CRIME DE PECULATO-DESVIO AO DEPOSITÁRIO INFIEL BERTOLO, Rubens Geraldi – Me. Sc. em Direito Constitucional. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga e do Curso de Direito da Unicastelo – Universidade Camilo Castelo Branco, Campus Fernandópolis, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

RESUMO A pesquisa demonstra que não mais se aplica a prisão civil ao depositário infiel, apesar de ter previsão na Constituição Federal de 1988, mais especificadamente em seu art. 5º, LXVII; porém, foi derrogada pelo fato de o Brasil ter aderido ao ato internacional denominado Pacto de San José Costa Rica, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado por meio do Decreto Presidencial n. 678, de 06 de novembro de 1992, que admite tão somente a prisão civil no caso de inadimplemento de obrigação alimentar, fato comprovado pela Súmula vinculante nº 25, do Supremo Tribunal Federal. Como o depositário exerce uma função pública, é considerado como funcionário público em sentido amplo, conforme estabelece o art. 327 do código penal brasileiro e, se dolosamente, desviar os bens confiados a sua pessoa, deverá ser responsabilizado criminalmente como incurso no art. 312, caput, segunda parte, do mesmo estatuto repressivo.

Palavras-chave: Depositário infiel. Prisão civil. Peculato. Funcionário público. 183


voluntário

Introdução

obrigação

e

inescusável

alimentícia

e

de

a

do

A Constituição da República

depositário infiel. Logo, constata-se

Federativa do Brasil estabelece em

que a nossa Lei Maior prevê a prisão

seu art. 5º, inciso II, que ninguém

civil do depositário infiel.

pode ser obrigado a fazer ou deixar

Apesar de a nossa Lei Maior

de fazer senão em virtude de lei;

prever a possibilidade de prisão civil

porém, esta deverá ser produzida de

ao depositário infiel, o art. 7º, n. 7, da

acordo com o devido processo

Convenção Americana de Direitos

legislativo

Humanos

constitucional.

Deste

de

1969,

também

dispositivo extrai o princípio da

conhecida como Pacto de San José

legalidade.

de Costa Rica, com carta de adesão

De acordo com Bullos (2007,

ao ato internacional depositada em

p. 422) o princípio da legalidade

25 de setembro de 1992, aprovado

também foi previsto no art. 4º da

pelo

Declaração dos Direitos do Homem

promulgado por meio do Decreto

e do Cidadão, e seu nascimento

Presidencial

ocorreu com o Estado de Direito em

novembro

oposição ao Estado de Polícia,

somente a prisão civil no caso de

autoritário e antidemocrático. Tal

inadimplemento

princípio é dirigido aos Poderes

alimentar.

Congresso

n. de

Nacional

678, 1992,

de

de

6

prevê

e

de tão

obrigação

Diante da subscrição pelo

Públicos e aos particulares. A Constituição Federal prevê

Brasil do Pacto de San José de

em seu inciso LXVII, do art. 5º, da CF

Costa Rica, limitando a prisão civil

que “não haverá prisão civil por

por

dívida, salvo a do responsável pelo

inescusável

inadimplemento

alimentícia,

voluntário

e

dívida

ao

descumprimento de

em

prestação razão

de

inescusável de obrigação alimentícia

possuir status supra legal implicou a

e a do depositário infiel”. Percebe-se

derrogação da norma referente à

que o dispositivo trata da disciplina e

prisão do depositário infiel.

aplicabilidade da prisão civil. Então,

Evolução na interpretação da

como regra, não haverá prisão civil

prisão civil do depositário infiel junto

por dívida, exceto em dois casos, a

ao STF.

do responsável pelo inadimplemento 184


A nossa Corte Maior até bem

tenha sido proposta a ação de

pouco tempo reconhecia que na

depósito.

hipótese de depositário infiel era

Recentemente, o Supremo

constitucional a prisão decretada

Tribunal

pelo magistrado, pois em diversos

interpretação reconhecendo que a

julgamentos

de

corpus

prisão do depositário infiel, seja na

impetrados

foram

indeferidos,

hipótese de alienação fiduciária ou

conforme se observa nos HC 72131

judicial, é inconstitucional, conforme

/ Rio de Janeiro; HC 70625 / São

se observa no RE 466343 / São

Paulo; e, HC 92541 / Paraná.

Paulo e no HC 93403 – Minas Gerais

habeas

Federal

alterou

sua

Alexandre de Moraes (2009,

e HC 89634 / São Paulo. Já, no RE

p. 121) ao discorrer sobre a prisão

562051 RG / MT - MATO GROSSO,

civil do depositário infiel informa que

reconheceu a repercussão geral e

a Primeira Turma do STF, por

diante da proposta fora editada a

maioria (4x1), no RHC 90.759, tendo

Súmula

como

Ricardo

seguintes termos: “É ilícita a prisão

em

civil de depositário infiel, qualquer

15/5/2007, manteve a prisão civil

que seja a modalidade do depósito”.

Relator

Ministro

Lewandowski,

decretada

decisão

admitindo

Vinculante

25,

nos

sua

constitucionalidade, por ser depósito

Finalidade da prisão civil

judicial necessário em que a guarda do bem penhorado objetiva garantir

Toda vez que existir um

o crédito do exequente, seja no caso

conflito de interesse e se a resolução

de adjudicação ou hasta pública,

não for feita pelas partes, cabe ao

afastaria a aplicação do citado Pacto

interessado buscar o direito junto ao

de San José da Costa Rica.

órgão do Judiciário. Cabe a este,

O Supremo Tribunal Federal

como representante do Estado e que

reconhecia a que prisão civil do

assumiu para si a força legítima,

depositário infiel era constitucional

compor as lides apresentadas.

que até editou a Súmula 619, admitindo

que

a

prisão

Não há dúvida que a prisão

do

civil é forma de obrigar o devedor a

depositário judicial fosse decretada

saldar a pensão alimentícia em

no próprio processo em que se

atraso ou apresentar o bem que

constitui o encargo, mesmo que não

estava em seu poder por obrigação 185


assumida entre o juízo da execução

norma estritamente legal definidora

e o depositário judicial dos bens

da custódia forçada do depositário

penhorados, ou como garantia de

infiel, mesmo que existente no Texto

uma dívida na aquisição de um bem

Constitucional.

com alienação fiduciária. A prisão civil decretada é uma forma de

O tipo penal

coação do Estado para que o depositário infiel efetue o pagamento

Por determinação do princípio

da dívida ou apresente o bem. Como

constitucional do nullm crimen sine

na maioria das vezes o bem é

lege, a sociedade, por meio de seus

alienado, não pode o depositário

representantes, quando quer proibir

apresentá-lo;

certa

logo,

caso

seja

conduta

considerada

decretada a prisão, em tese, o

prejudicial, estabelece a conduta e a

pagamento do débito é realizado.

respectiva

infiel,

pois

Enrico

Ferri

(2003, p. 107) diz que “A lei penal é

Não justifica a prisão civil do depositário

sanção.

como

a expressão social e jurídica da

preleciona Luiz Alberto David Araujo

justiça

e Vidal Serrano Nunes Júnior (2008,

conduta para cada indivíduo (Direito

p.1990) se o Código de Defesa do

Penal substantivo) e como regra de

Consumidor

proíbe

processo especialmente para os

vexatória,

que

a

cobrança

exponha

o

penal,

funcionários

como

norma

(Direito

de

Penal

consumidor ao ridículo, muito mais

processual). O Estado estabelece ao

ao depositário. Se ao fornecedor é

povo como a si próprio o dever de

proibida a cobrança vexatória, muito

agir em conformidade com a lei”.

menos deve existir o aprisionamento

O tipo penal nada mais é do

do devedor, em razão de dívida

que a descrição da conduta humana

oriunda de um financiamento.

adequada ao dispositivo penal, o

Como o Brasil ratificou a

qual estabelece em seu preceito

Convenção Americana de Direitos

secundário a sanção cabível. É o

Humanos e esta reconhece apenas

que

a possibilidade de prisão civil no

(2008, Vol. I, p. 155) que “Tipo, como

caso

de

a própria denominação diz, é o

obrigação alimentar, por ser uma

modelo, o padrão de conduta que o

norma supra legal, foi derrogada a

Estado, por meio de seu único

de

inadimplemento

186

preleciona

Rogério

Grecco


instrumento – a lei –, visa impedir

crime: cogitationis poenam Nemo

que seja praticada, ou determina que

patitur. Mas também não há ação,

seja levada a efeito por todos nós”.

não há injusto, não há crime sem

O fato típico é circunspeto

uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”.

pela conduta do agente ativo, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva;

O conceito de ação deve ser

pelo resultado e nexo de causalidade

analisado

sob

dois

momentos

entre aquele e este. Apesar de existir

diferentes, ou seja, no ato de

tais elementos, para que um fato

vontade e no resultado. Para que

seja crime, necessário se faz que se

haja crime necessário se faz uma

amolde a um arquétipo abstrato

mudança no mundo exterior, como

previsto em lei produzida de acordo

resultado, seja na forma comissiva

com o devido processo legislativo

ou omissiva, dolosa ou culposa.

constitucional. Com o amoldamento

A Administração Pública é

da conduta humana ao arquétipo

composta pelo Executivo, Legislativo

abstrato descrito na lei penal surge a

e Judiciário, órgãos esses que

tipicidade formal ou legal. Caso a

exercem funções típicas e atípicas,

conduta humana não se encaixa no

sempre em benefício do bem-estar

tipo,

da sociedade. Cabe ao Legislativo

o

fato

será

considerado

formalmente atípico. Para

editar normas genéricas e abstratas

configurar

um

ilícito

que obrigam a todos; bem como,

penal é necessária a reunião dos

exercer

elementos que integram o fato típico.

administrativa

A

de

contábil-financeira, esta com auxílio

conduta,

sinônimo

a

fiscalização e

a

político-

fiscalização

comportamento,

de

ação

do Tribunal de Contas. Além dessas

comportamental

humana,

seja

funções, o Legislativo para evitar a

omissivo ou comissivo, é um dos

dependência

elementos. Ensina Franz von Liszt

atípica, as funções Executiva e

(2003, Tomo I, p. 217) que “Ação é,

Jurisdicional. O Executivo, em sua

pois, o fato que repousa sobre a

função típica, aplica a lei ao caso

vontade humana, a mudança do

concreto, administrando a coisa

mundo exterior referível à vontade

pública.

do homem. Sem ato de vontade não

atipicamente a função Legislativa e a

há ação, não há injusto, não há

função Jurisdicional. A função típica 187

exerce,

Também

de

forma

exerce


do Judiciário é aplicar a lei ao caso

administração, prevê a lei no referido

concreto, substituindo a vontade das

título

partes, tornando-a definitiva com o

Administração em Geral. O objetivo

trânsito em julgado. Este órgão,

dos crimes inseridos no último título

como os demais, para evitar a

da parte especial do código penal

dependência exerce, atipicamente,

brasileiro

as outras duas funções, ou seja, a

normalidade funcional, probidade e

Executiva e Legislativa, desde que

decoro da Administração Pública,

prevista no Texto Maior.

hoje, muitas vezes, violadas.

os

crimes

é

o

contra

interesse

a

da

O Estado, visando assegurar

Hungria nos ensinava que o

a sua probidade, moralidade e

crime de peculato tem sua origem no

eficácia,

direito

criou

tipos

penais

romano,

peculatus

com ou

o

nome

praticados por funcionários públicos

de

depeculatus,

contra a administração em geral,

mesmo antes de ser introduzida a

dentre eles o peculato.

moeda, quando bois e carneiros constituíam a riqueza pública e visa

Peculato

garantir

a

probidade

da

Administração (1958, Vol. IX, p. O Estado estabelece normas penais

para

consideradas

as

condutas e

praticado pelas pessoas físicas que

sociedade quer reprimir para a

exercem uma atividade em nome do

convivência harmoniosa. O Estado

Estado e tem como pressuposto a

deve

com

anterior posse lícita, de dinheiro,

comportamentos mais gravosos à

valor ou qualquer outro bem móvel,

sociedade, de forma que só deve

público ou particular, exercida em

intervir por meio do direito penal se

nome do Poder Público.

preocupar

que

chamado de delito próprio, pois é

a

se

graves

333). É um crime funcional, também

os outros ramos do direito não

A doutrina distingue os crimes

o

em estudo em próprios – peculato-

comportamento ilícito. Julio Fabbrini

apropriação – dos impróprios –

Mirabete e Renato N. Fabbrini (2010,

peculato-furto. Aqueles têm como

Vol. III, p. 257), prelecionam que

característica a função pública e a

“Selecionando os fatos graves, que

posse do dinheiro, valor ou qualquer

mais ofendem aos interesses da

outro bem móvel. Estes – crimes

conseguem

prevenir

188


funcionais impróprios – são os que

§

-

Equipara-se

a

se destacam por ser o agente

funcionário público quem exerce

funcionário público, mas não tem a

cargo,

posse do dinheiro, valor ou qualquer

entidade

bem

móvel,

ou função em

paraestatal,

e

quem

público

ou

trabalha para empresa prestadora de

vale-se

da

serviço contratada ou conveniada

facilidade que lhe proporciona a

para a execução de atividade típica

qualidade de funcionário. Se não

da Administração Pública.

particular,

seja

emprego

porém

possuir tal qualidade, o crime será

Rogério Greco (2008, Vol. IV, p. 359) preleciona que “Funcionário

outro.

público,

Bitencourt nos ensina que o

portanto,

para

efeitos

Estado descreveu como crime o fato

penais, não somente é aquele

de o funcionário público apropriar-se

ocupante

de bem móvel, público ou particular

poderíamos

de que tem a posse em razão do

funcionário

cargo e este “deve ser uma relação

estrito, mas também aquele que

objetiva, existente entre a posse e

exerce emprego ou função pública”.

o cargo, uma relação, diríamos,

Como regra, funcionários públicos

de causa e efeito, entre este e

são os servidores investidos em

aquela, e não apenas uma relação

cargos públicos da Administração

de confiança subjetiva.” (2007, Vol.

Direta e sujeitos às normas do

5, p. 10).

Estatuto

de

um

Cargo,

que

denominar público

da

em

entidade

de sentido

a

que

O legislador não costuma

pertencem. Trata-se de uma das

apresentar conceitos; porém, para

espécies de servidores púbicos,

não existir dúvida o código penal

como

brasileiro em seu art. 327, caput e §

agentes

1º, trouxe o conceito de funcionário

delegados. A função pública é uma

público, ou seja:

atribuição

que

a

confere

a

cada

categoria

ou

confia

Art.

327

-

Considera-se

os

agentes honoríficos

funcionário público, para os efeitos

profissional,

penais,

individualmente

quem,

transitoriamente remuneração,

embora ou

sem

exerce

cargo,

políticos,

a

e

os

agentes

Administração

determinados

servidores para a execução de serviços eventuais.

emprego ou função pública. 189


Mirabete, citando Nelson Hungria,

disponibilidade jurídica, isto é, a

(2010, Vol. III, p. 260) preleciona que

possibilidade de livre disposição que

“Não são funcionários públicos para

ao agente faculta (legalmente) o

os efeitos penais os que exercem

cargo que desempenha”.

apenas um múnus público, em que

O agente, em razão do cargo,

prevalece um interesse privado,

tem a posse de um bem pertencente

como ocorre no caso de tutores, ou

ao Estado ou ao particular ou apenas

curadores

está sob sua guarda ou vigilância,

dativos,

inventariantes

judiciais, síndicos (administradores

apropriando-se dele.

judiciais) falimentares, etc. A nosso

O

funcionário

público

em

sentir, se existir um interesse público

sentido amplo tendo a posse lícita de

àqueles que exercem um “cargo

dinheiro,

público”,

outro

será

considerado

funcionário público.

valor

bem

ou

móvel

qualquer público

ou

particular, toma-o para si, invertendo

O art. 312, caput, do código

a natureza da posse, passando a

penal brasileiro deve ser estudado

agir como se fosse dono do bem. O

sob dois aspectos, ou seja, peculato

legislador destacou dinheiro como

apropriação e peculato-desvio.

possibilidade material do crime em estudo pelo fato de abduzir “o

Peculato apropriação

entendimento da antiga doutrina, que não admitia peculato de coisa

O peculato-apropriação está

fungível,

limitando

a

incidência

previsto na primeira parte do art.

dessa infração penal às coisas

312,

penal

infungíveis” (BITENCOURT, Parte

brasileiro. Trata-se de apropriação

especial 5, p. 12). Asseverava que

indébita praticada em decorrência da

se

função pública exercida pelo sujeito

funcionário devia certa quantidade e

ativo. Mirabete (2010, Vol. III, p. 264)

não a espécie e sua obrigação era

nos ensina que se o agente se

devolver

dispõe a fazer sua a coisa de que

responder

tem a posse, esta no sentido amplo,

considerados como peculato próprio.

caput,

do

código

“compreendendo não só o poder material de disposição sobre a cosia, como

também

a

chamada, 190

a

coisa

o

fosse

“valor”,

por

fungível,

mas

peculato,

o

não

ambos


Peculato-desvio

Crime de peculato praticado pelo depositário infiel

O previsto

peculato-desvio na

segunda

está parte

Vimos que o depositário infiel

do caput do art. 312, do código penal

não pode ser preso no âmbito civil;

brasileiro.

porém, em tese, há possibilidade de

Neste

o

funcionário

público dá ao bem móvel, ou

responder

ao semovente, destinação diversa

criminal. O código penal brasileiro

da exigida, em proveito próprio ou de

prevê, em seu art. 312, caput, o

terceiro. Neste, o funcionário não

crime

tem o propósito de apropriar-se, mas

“Apropriar-se o funcionário público

tão

em

de dinheiro, valor ou qualquer outro

proveito próprio ou de terceiro. O

bem móvel, público ou particular, de

desvio nada mais é do que o uso

que tem a posse em razão do cargo,

irregular

ou desviá-lo, em proveito próprio ou

somente

da

de

desviá-lo

coisa

pública

ou

pelo

de

ato

no

peculato,

in

Citado

âmbito

verbis:

particular que tem a posse em razão

alheio.”

dispositivo

do cargo.

estabelece a pena de reclusão, de

Desviar é alterar o norte,

dois a doze anos, e multa. Em seu

tomar outro rumo. O agente em vez

art. 327, caput, encontramos o

de dar o destino certo do bem que

conceito

tem a posse, dá outro, no seu

funcionário

interesse ou de outrem. O sujeito

“considera-se funcionário público,

ativo não tem a intenção de inverter

para efeitos penais, quem, embora

a posse da coisa, mas tão somente

transitoriamente

desviá-la. Não age como se fosse

remuneração,

dono. Seu comportamento é desviar,

emprego ou função pública”.

em

sentido público,

amplo ou

de seja,

ou

sem

exerce

cargo,

seja dinheiro, valor ou qualquer outro

O depositário infiel não pode

bem móvel, mas em proveito próprio

ser responsabilizado com o corpo

ou de terceiro. Dinheiro é moeda

pela dívida, ou seja, com a prisão

corrente, coisa fungível.

civil, já que o Supremo Tribunal Federal entendeu ser ela incabível, tendo em vista o Pacto de Costa Rica de San José, firmado pelo Brasil, pois somente admite prisão 191


civil no caso de inadimplemento

depositado em seu poder pratica a

alimentar. Sendo assim, poderá o

conduta gizada no art. 312, caput,

depositário infiel, que é considerado

segunda parte, do código penal

como

brasileiro.

funcionário

público

por

equiparação, responder pelo crime

Nelson Hungria discorrendo

de peculato, na medida em que

sobre funcionário público possui o

desvia os bens confiados à sua

mesmo

guarda e conservação, mediante

vejamos:

depósito legal.

Considera-se funcionário público,

Nelson Hungria (1958, Vol IX,

entendimento,

senão

para os efeitos penais, que, embora

p. 333) prelecionava que “Atacando

‘transitoriamente

o patrimônio privado que lhe foi

remuneração,

confiado em razão do cargo (como

emprego ou função pública’. Sobre o

no caso de depositário público infiel

que seja funcionário público, na

ou do manipulador ou estafeta postal

órbita do direito administrativo, duas

que se apropria de algum registro

principais teorias são formuladas:

com

uma

valor),

o

funcionário

viola

restritiva,

ou

sem

exerce

cargo,

outra

ampliativa.

igualmente os seus deveres para

Segundo a primeira, só é funcionário

com a administração e, além de

público

prejudicar

representação

a

confiança

que

os

aquele da

que,

na

soberania

do

particulares depositam nela, sujeita-

Estado, exerce um poder de império

a

dano.”

ou dispõe de autoridade, ou a quem

Acreditamos que hoje não mais

é confiado, ainda que em proporção

existe a figura do depositário público.

mínima,

Por ausência de tal encargo, o

discricionário,

depósito normalmente é feito em

faculdade de exame nos casos

nome do requerido, que conserva o

concretos, para a execução de uma

bem até efetivo pagamento do débito

lei ou regulamento. Não teriam,

ou sua remoção ou entrega ao

portanto, a dita qualidade aqueles a

arrematante.

quem

à

indenização

nomeado

pelo

Aquele

como

for

é

certo uma

incumbida

poder

determinada

uma

tarefa

depositário

inteiramente material, resultante de

exerce uma “função pública” no

atos preestabelecidos e invariáveis,

sentido

sem nenhuma liberdade de direção

lato;

dolosamente,

fiel

que

um

logo, o

bem

desviando, que

foi

ou de ação. Segundo a outra teoria, 192


porém, é funcionário público quem

ser expresso o art. 438 do Cód. de

quer que exerça, profissionalmente,

Processo

uma função pública, seja esta de

nomeado pelo juiz, etc.). Considera-

império

ou

se funcionário público, segundo o

simplesmente técnica. O conceito

texto legal, não só o indivíduo

de funcionário público deve ser,

investido, mediante nomeação e

assim, ligado à noção ampla de

posse, em cargo público (devendo

‘função pública’. Este, o critério

entender-se por tal, ‘ut’ art. 2º do

prevalente ou moderno. Consoante a

Estatuto dos Funcionários Públicos

lição de Gavazzi, o conceito de

Civis, aquele que é criado por lei,

funcionário público já não deriva do

com

de autoridade, mas do de função

número certo e pagão pelos cofres

pública, e por função pública se deve

públicos) ou que serve em emprego

entender

do

público (eventual posto de serviço

Estado que vise diretamente à

público, fora dos quadros regulares e

satisfação de uma necessidade ou

para o qual não há necessidade,

conveniência pública. Adotando a

sequer, de título de nomeação),

noção extensiva, o nosso Código,

como também qualquer pessoa que

ainda lhe deu maior elastério, não

exerça função pública, seja esta qual

exigindo, para caracterização de

for” – grifo nosso. (1958, Vol. IX, p.

funcionário público, nem mesmo o

397 e 398).

ou

de

qualquer

gestão,

atividade

Penal;

denominação

o

depositário

própria,

em

exercício profissional ou permanent e da função pública. Pode dizer-se, como corolário do art. 327, que não propriamente

a

qualidade

Conclusão

de

funcionário que caracteriza o crime

O Constituinte Originário ao

funcional, mas o fato de que é

estabelecer a atual Constituição

praticado por quem se acha no

brasileira proibiu a prisão civil por

exercício de função pública, seja

dívida, admitindo tão somente no

esta permanente ou temporária,

caso

remunerada ou gratuita, exercida

obrigação alimentar voluntária e

profissionalmente ou não, efetiva ou

inescusável e a do depositário infiel.

interinamente, ou ‘per accidens” (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de 193

de

inadimplemento

de


O Brasil aquiesceu ao Pacto

composto pela conduta do agente

de San José de Costa Rica e o

ativo, dolosa ou culposa, comissiva

Congresso

a

ou omissiva; pelo resultado e nexo

Convenção Americana de Direitos

de causalidade entre aquele e este.

Humanos

também

Apesar de existir tais elementos,

conhecida como Pacto de San José

para que um fato seja crime,

de Costa Rica, com carta de adesão

necessário se faz que se amolde a

ao ato internacional depositada em

um protótipo abstrato previsto em lei

25

1992,

produzida de acordo com o devido

promulgado por meio do Decreto

processo legislativo constitucional.

Presidencial

de

Com o amoldamento da conduta

novembro de 1992, que no art. 7º, n.

humana ao modelo abstrato descrito

7, prevê tão somente a prisão civil no

na lei penal surge a tipicidade legal.

caso

Se a conduta humana não se

Nacional

de

de

aprovou

1969,

setembro

de

obrigação

n.

678,

de

inadimplemento alimentar.

instrumento

de

normativo,

6

de

Com

este

o

Brasil

encaixar

no

tipo,

o

fato

será

considerado atípico.

proscreveu de seu ordenamento

No art. 312, caput, primeira

jurídico a exceção da prisão civil do

parte, do código penal brasileiro está

depositário infiel.

prevista

A prisão civil do depositário

a

conduta

denominada

criminosa

peculato-apropriação,

infiel era forma de o Estado coagi-lo

enquanto que o peculato desvio está

a entregar o bem que se encontrava

gizado na parte final – crime próprio

em seu poder por determinação

–; já em seu § 1°, temos o peculato-

judicial ou acordo de vontade, ou

furto – crime impróprio. Aquele tem

então a efetuar o pagamento da

como característica a função pública

dívida.

e a posse do dinheiro, valor ou A sociedade, por meio de

qualquer outro bem móvel. Este –

seus representantes, fulcrada no

crimes funcionais impróprios – é o

princípio constitucional nullm crimen

que se destaca por ser o agente

sine lege, quando quer proibir certa

funcionário público, mas não tem a

conduta

posse do dinheiro, valor ou qualquer

considerada

prejudicial,

criminaliza a conduta e estabelece a

bem

respectiva sanção, temos aí o fato

particular,

típico e antijurídico. Fato típico é

facilidade que lhe proporciona a 194

móvel,

seja

porém

público

ou

vale-se

da


qualidade de funcionário. Se não

agente em vez de dar o destino certo

possuir tal qualidade, o crime será

do bem que tem a posse, dá outro,

outro.

no seu interesse ou de outrem. Ele Vimos

de

não age como se fosse dono, não

peculato subdivide em peculato-

tem a intenção de inverter a posse

apropriação

peculato-desvio.

da coisa, mas tão somente desviá-la.

Aquele o agente se dispõe a fazer

Sedo assim, o depositário

sua a coisa de que tem a posse de

infiel não poderá ser preso por

um bem pertencente ao Estado ou

dívida, já que o Supremo Tribunal

ao particular ou apenas está sob sua

Federal entendeu não ser possível a

guarda ou vigilância e dele se

prisão civil, pelo fato de o Brasil ter

apropria. Neste o funcionário público

aderido ao Pacto de Costa Rica de

dá ao bem móvel, ou ao semovente,

San José, que admite tão somente a

que se encontra em seu poder,

prisão

destinação diversa da exigida, seja

inadimplemento alimentar. Poderá o

em proveito próprio ou de terceiro.

depositário infiel, que é considerado

No

que

e

o

crime

peculato-desvio

o

como

civil

no

funcionário

caso

público

de

por

funcionário não tem o propósito de

equiparação, responder pelo crime

apropriar-se, mas tão somente de

de peculato, na medida em que

desviá-lo em proveito próprio ou de

desvia os bens confiados à sua

terceiro. O desvio é o uso irregular

guarda e conservação, mediante

da coisa pública ou particular que

depósito legal, desde que pratique a

tem a posse em razão do cargo. O

conduta de forma dolosa.

195


Referências ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. atualizada até a Emenda Constitucional n. 56, de 20-122007. São Paulo: Saraiva, 2008. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 5. FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal – o criminoso e o crime. Tradução Luiz de Lemos D’ Oliveira. 1 ed. Campinas: Russell, 2003. GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 4. ed. revista e atualizada até 1º de janeiro de 2008. Niterói: Impetus, 2008, vol. 4. _______. Curso de direito penal. 10 ed. revista e atualizada até 1º de janeiro de 2008. Niterói: Impetus, 2008, vol. 1. LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Tradução José Higino Duarte Pereira. Atualização e notas Ricardo Rodrigues Gama. 1. ed. Campinas: Russell, 2003, tomo 1. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. 24. ed. revista e atualizada até 5 de janeiro de 2010. São Paulo: Atlas, 2010, vol. 3. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24 ed. atualizada até a EC n. 57/08. São Paulo: Atlas, 2008.

196


O NOME CIVIL E AS POSSIBILIDADES DE SUA ALTERAÇÃO SILVA, Diego Rodrigues – Discente do 9º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. FILHO, Antônio Guerche – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A pesquisa visa apresentar aos seus receptores, curiosidades acerca do nome civil da pessoa natural, bem como as várias possibilidades de sua alteração, tendo em vista o desconhecimento das pessoas no que tange a isso, contribuindo de alguma forma para melhor adequação do nome ao seu portador. Para tanto, o trabalho se utiliza dos métodos de abdução juntamente com o estudo de caso, a fim de demonstrar os problemas vividos pelos portadores de nomes no mínimo, atípicos.

Palavras-chave: Conceito. Prenome. Patronímico. Possibilidades de Alteração 197


Conceito

Introdução Vigora

em

O nome civil serve como sinal

nosso

que identifica a pessoa na sociedade

ordenamento jurídico o princípio da

e indica sua procedência familiar. O

imutabilidade do nome civil, porém a

professor Limongi França (1980, p.

Lei de Registros Públicos permite, em

algumas

situações,

a

415) conceitua o nome como sendo

sua

“[...] aquele conferido à pessoa de

alteração, seja para adequá-lo ao

ser conhecida como aquela que é e

seu portador, seja para correção de

de não ser confundida com outrem”;

erros de grafia ou, ainda, em face de situações

especiais,

das

estabelecendo assim a chamada

quais

Identidade Pessoal.

trataremos adiante. O problema é que

pouquíssimas

Para

pessoas

a

vida

toda

com

se

brincadeiras

tornando e

alvo

Diniz

personalidade por ser o sinal exterior

o

pelo qual se designa, se individualiza

incômodo do nome tido como feio ou diferente,

Helena

(2006, p.196), “[...] o nome integra a

conhecem essas possibilidades e convivem

Maria

e se reconhece a pessoa no seio da

de

família e da sociedade: daí ser

preconceitos,

inalienável,

dificultando sua convivência com os

imprescritível

e

protegido juridicamente (artigos 16,

demais indivíduos.

17, 18 e 19, CC; artigo 185, CP)”

Isso se percebe ao proceder uma pesquisa do tipo empírica, ou

Natureza Jurídica

seja, analisando o que ocorre na vida cotidiana, principalmente dentro dos cartórios

de

registro

civil

Dúvidas se criam acerca da

das

natureza jurídica do nome. Várias

pessoas naturais, é que se consegue

correntes e teorias foram lançadas

visualizar esses acontecimentos e as

ao

poucas solicitações de alteração do

longo

dos

tempos

para

estabelecer sua natureza jurídica,

nome em virtude desconhecimento

mas a que vem prevalecendo até

daquela possibilidade acima.

então é a teoria do nome como direito da personalidade e que parece ser a mais correta, já que o nome é marca do indivíduo na 198


sociedade; como já dito, é o sinal

indivíduo como alternativa ao seu

que identifica a pessoa, nos levando

nome

a criar um elo de ligação entre o

especialmente para fins artísticos,

nome e os direitos da personalidade.

científicos, literários, etc. Este não

Além disso, a própria sistemática do

integra o nome civil da pessoa,

Código Civil Brasileiro corrobora

porém é protegido pelo Código Civil

para que essa seja a ideia mais

Brasileiro em seu artigo 19, que

sensata, já que o nome civil, bem

prevê que o pseudônimo desde que

como os artigos relativos à sua

adotado para atividade lícita goza da

proteção estão distribuídos dentro do

mesma proteção que tem o nome.

capítulo

Historicamente muitos autores e

dos

Direitos

da

legal

e

é

usaram

registrado

Personalidade. Sendo assim, não há

escritores

pseudônimos

que se falar em direito à propriedade,

porque sempre criticaram lideranças

já que o nome civil não goza de valor

políticas em tempo difíceis, como

econômico.

ditaduras militares. Era uma forma de publicar suas obras sem ser

Composição

preso,

torturado

ou

até

morto.

Atualmente podemos citar como Para que possamos estudar

exemplo o tão conhecido e famoso

melhor a composição do nome civil é

Silvio Santos, que adota este como

importante salientar a abrangência

pseudônimo e na realidade seu

desse direito. Nosso código civil

nome civil é Sênior Abravanel; ou

deixa claro que toda pessoa tem

ainda o famoso pintor Di Cavalcanti,

direito ao nome, nele compreendidos

que

o prenome e o sobrenome (art. 16),

Emiliano de Albuquerque Melo.

na

verdade

se

chamava

porém vale salientar que a lei também põe a salvo os direitos ao

Títulos qualificativos

pseudônimo e ao título, os quais serão todos analisados a seguir:

Os títulos qualificativos são aqueles

Pseudônimo

nomes

prefixos para

uma

adotados

aos

denominação

honorífica de determinadas pessoas O pseudônimo é um nome

que por algum motivo venha a

paralelo ou fictício usado por um

adquirir o direito de utilizar destes. 199


Historicamente

títulos

do nome de advogados. Diversos

importância,

estudiosos não só do universo

época

da

jurídico como também da língua

Monarquia em que os títulos valiam

portuguesa defendem que no mundo

mais do que o próprio nome.

acadêmico, só pode ser chamado de

Naquela

os

“doutor” quem cumpriu o doutorado

títulos nobiliários, que eram aqueles

e com defesa de tese, “data vênia”,

que

parece

ganharam

muita

principalmente

na

época

serviam

classes

os

existiam

para distinguir

sociais.

de

mais

correto

o

seis

posicionamento de Gilberto Scarton,

categorias, na seguinte ordem de

outro renomado professor da língua

importância:

Duque,

portuguesa, que esclarece que em

Marquês, Conde, Visconde e Barão,

estudos direcionados para diversas

sendo que todos esses títulos eram

áreas, conclui com fundamentos

transmissíveis

sucessão

legais históricos, que o “doutor” do

hereditária. Haviam ainda os títulos

advogado é legítimo, pois, surgiu,

chamados

fixou

Príncipe,

por

honoríficos

cavalheirescos), sendo

Era

as

mais

que uma

(ou

acabavam

e

se

mantêm

por longa

tradição, por especial e espontânea

homenagem

deferência

dos

cidadãos.

Além

pessoal, portanto intransmissíveis,

disso, o Alvará Régio, editado por D.

dando como exemplo o título de

Maria, a Pia, de Portugal, pelos quais

comendador.

os bacharéis em Direito passaram a

Ainda podem ser lembrados

ter o direito ao tratamento de “doutor”.

(ressaltando que até os dias atuais ainda são bastante utilizados) os títulos

eclesiásticos,

tais

como:

Nome

Bispo, Arcebispo, Cardeal, Dom, Irmão, Irmã, madre, etc. E ainda

Analisado o pseudônimo e o

outros títulos de identidade oficial:

título, partimos então para o nome,

Senador,

que como já dito anteriormente é o

Marechal,

Desembargador, Embaixador,

etc.;

e

sinal que identifica a pessoa e indica

também os títulos acadêmicos: tais

sua

como, professor, engenheiro, doutor.

Inicialmente,

Dúvidas

registro

se

criam

acerca

da

colocação do título de doutor à frente

procedência

do

para nome

familiar. validade

do

civil

faz

se

necessária a presença de alguns 200


elementos essenciais, tais como

patronímico será o do pai e na falta

o Prenome e o Patronímico.

do pai, o da mãe.

O prenome é o chamado

Em regra toda pessoa deve

nome próprio, ou seja, aquele que

ter um nome e um patronímico, mas

identifica a pessoa dentro da família,

há uma exceção; o chamado “infante

também conhecido como o nome de

exposto”, que são os recém nascidos

batismo. A composição do nome

abandonados. Nesse caso, a Lei

pode

de

6.015/77 em seu artigo 61, traz a

forma Simples ou Composta. A

possibilidade se registrar apenas

forma simples é quando o prenome

com

tem apenas um vocábulo, exemplo:

composto), já que não é possível

João. Já o prenome composto é

identificar o patronímico deste.

se

dar

quando este tem mais de um vocábulo,

exemplificando:

o

prenome

Existem

João

elementos

(simples

ainda, facultativos

ou

alguns ou

Carlos. Vale lembrar que a Lei de

secundários do nome, que são

Registros Públicos, em seu artigo 63,

aqueles dispensáveis no registro;

parágrafo único, prevê que irmãos

são eles: o Agnome, que é o sinal

não podem ter prenomes idênticos,

acrescentado no final do nome para

salvo

distinguir

em

prenome

duas

situações:

composto

um

no

membros

da

mesma

dos

família, exemplo: João da Silva Filho,

vocábulos pode ser idêntico, por

João Carlos da Silva Neto, João

exemplo: João Carlos da Silva é

Carlos da Silva Júnior, entre outros;

irmão de Pedro Carlos da Silva ou

a Partícula “de”, “da”, “do”, “dos”. Ex.:

ainda se o nome completo for

João da Silva, a partícula “da” é

diverso, veja-se: João da Silva é

facultativa; e o Cognome que é o

irmão de João da Silva Oliveira.

apelido que por sentença judicial

O patronímico é o chamado

passa a integrar o nome, previsto no

sobrenome, ou seja, que identifica a

artigo 58 da Lei de Registros

procedência familiar da pessoa. O

Públicos. Um exemplo clássico que

patronímico

paterno,

temos de cognome é o do nosso

materno ou ambos. No silêncio, ou

presidente da república Lula. É de

seja, se os pais não indicarem o

saber de todos que seu nome é Luis

nome completo, o artigo 55 da Lei de

Inácio da Silva, passando a ser

Registros

chamado de Luis Inácio Lula da

pode

Públicos

ser

diz

que

o 201


Silva,

devido

a

uma

sentença

necessitando

judicial.

ainda

de

uma

homologação judicial. Nome Incapaz

Princípio da imutabilidade do nome

Posto

Ou

Sem

Por

Agente

Legitimação:

Imaginemos que a avó da criança De acordo com os artigos 57

compareça

ao

Registro

e 58 da Lei 6.015/77, vigora em

registrando-a.

nosso

legitimidade para tanto, sendo então

ordenamento

jurídico

o

princípio de que o nome civil da

A

avó

Civil,

não

tem

uma hipótese para alteração.

seja,

Nome Ridículo: O artigo 55 da

impossível de se alterar. Vigora tanto

lei de registros Públicos proíbe o

para o prenome quanto para o

registro de prenome ridículo, caso

patronímico, mas como toda regra

seja registrado é possível alterar. A

possui a sua exceção, esta tem

lei não traz exatamente o significado

várias.

do nome ridículo, ficando o fato a

pessoa

é

imutável,

Existem

ou

causas

que

autorizam a mudança do prenome e

subjetividade

do

devendo

patronímico

(causa

comum),

do

registrador,

analisar

todas

as

outras que autorizam a mudança do

circunstâncias e costumes do lugar.

prenome e ainda que autorizam a

mudança do patronímico (causas

possibilidade de alteração de nome

específicas).

que

de

se

possa

ressaltar

vir

ainda

a

a

causar

As causas comuns, ou seja,

constrangimento ao seu portador;

que autorizam a mudança tanto do

esse constrangimento também é

prenome quanto do patronímico são:

muito subjetivo, já que algo que

Erro Gráfico. É possível alterar

possa parecer constrangedor para

nessa hipótese, necessitando de

uma pessoa pode ser considerada

decisão judicial ainda que o erro seja

normal à outra, devendo então a

grosseiro. Ex.: Osvardo, Nirso, etc

questão ser levada ao judiciário para

Erro no registro: é quando os

apreciação de um juiz. Vítima

pais declaram um nome e o oficial

e

testemunhas

motivo

criminais que estejam coagidas ou

entendeu outro. Nesse caso a lei

expostas a graves ameaças. A lei

também

9.807/99 permite que essas vítimas,

registrador

por

autoriza

algum

a

mudança,

testemunhas, 202

parentes

e

até


Tradução:

dependentes possam alterar seus

é

alteração

claro, mediante decisão judicial.

estrangeiro tem um correspondente

Cessada a ameaça nada impede

na língua portuguesa, Ex.: John

que a pessoa continue com o novo

corresponde a João, então nesse

nome ou retorne ao nome antigo

caso há a possibilidade de alteração,

na

adoção,

o

a

prenomes e patronímicos, tudo é

Adoção:

quando

possível

prenome

a

porém não é possível a tradução

mudança do patronímico se faz

inversa, assim como também não é

obrigatória, podendo ser mantido ou

possível a tradução de um nome

não o prenome.

estrangeiro que já se encontra

Vontade do titular no primeiro

consagrado no Brasil. Por exemplo,

ano em que ele atinge a maioridade

William significa Guilherme, mas

civil. Até os 19 anos, o interessado

quem se chama William não vai

poderá alterar o prenome e o

poder alterar seu nome pelo fato

patronímico, porém o prenome não

deste já estar consagrado no país.

poderá ser suprimido totalmente, o

Esta

tradução

deve

ser

que se pode fazer são algumas

solicitado para o Ministro da Justiça

transformações, como por exemplo

esse houver recurso a competência

passar de um nome simples para um

é da Justiça Federal (Lei 6815/80 –

nome

artigo 44)

composto.

O

patronímico

Irmãos

também não pode suprimir, mas

com

prenomes

pode acrescentar. Nesse caso pode-

idênticos: neste caso a alteração é

se

mudança

obrigatória, até o Ministério Público

administrativamente, só que quem

pode mover uma ação para se

decide é o juiz corregedor do cartório

alterar um prenome, devendo ser

de registro. Passado o prazo de 1

alterado o nome do que foi registrado

ano ainda é possível a alteração,

por último.

pedir

a

Apelido público e notório: esta

porém apenas em processo judicial e não administrativo.

possibilidade está prevista na Lei

Veremos agora as causas

6.015/77,

em

seu

artigo

58

específicas de mudança do nome

(introduzido pela lei 9.708/98). Esta

civil. Inicialmente as possibilidades

é a hipótese de substituir o prenome

de alteração do prenome:

por esse apelido, mas nada impede

203


que esta requeira a inclusão como

personalíssimo. Pelo Código Civil o

cognome.

cônjuge, entende que só é possível

Transexual:

em

caso

de

acrescentar ao nome o patronímico

cirurgia de mudança de sexo a lei

do outro, mas a jurisprudência vêm

também autoriza a mudança do

admitindo

nome por se tratar de uma questão

acontece muito na pratica

a

supressão,

o

que

de dignidade da pessoa humana.

União estável: esta matéria

Esta é uma questão que não é

esta no artigo 57 § 2º da Lei

pacifica,

justo

6.015/77. Nela está previsto que a

autorizar a mudança de nome do

companheira pode requerer ao juiz a

transexual, pois já que a lei autoriza

adoção do nome do companheiro,

a cirurgia, deve também autorizar a

porém a lei traz uma série de

mudança do nome.

requisitos para tanto, vejamos: é

porém

Segue possibilidades

parece

agora, de

alteração

as

necessário cinco anos de união

do

estável, salvo se houver filho em

patronímico: Casamento:

comum;

companheiro

deve

o

autorizar; nenhum dos dois sejam

casamento o cônjuge não é obrigado

casados; a ex esposa não esteja

a adotar o patronímico do outro,

usando o nome de casada e que

porém pode optar por adotar. Esta

haja impedimento para se casarem;

opção

na

portanto só é possível a alteração na

Habilitação de Casamento. O jurista

hipótese se separado judicialmente

Yussef Cahali defende a tese de que

com qualquer outro estado civil, já

só poderá fazer esta opção na

que o estado civil de separado

habilitação de casamento, entretanto

judicialmente não permite um novo

não há lei proibindo fazer essa

casamento.

mudança após o matrimônio, de

entende que todos esses requisitos

modo que mesmo após o casamento

estão revogados, já que a união

seria possível adotar o patronímico

estável esta reconhecida como uma

do outro. É certo que o cônjuge não

família pela constituição federal, logo

é obrigado a adotar o patronímico do

não se exigiria esses requisitos

outro, porém se adotar não poderá

todos; é um tema polêmico, já que

durante o casamento renunciar ao

em matéria de nome vigora princípio

normalmente

com

o

é

feita

nome, já que se trata de um direito 204

Silvio

Rodrigues


da legalidade, ou seja, só poderia

continua usando o nome se quiser.

registrar o que está na lei.

Caso ela seja declarada culpada, ela

Separação

judicial:

essa

poderá perder esse direito de usar o

possibilidade vai depender do tipo de

nome

separação. Sendo ela consensual o

expressamente essa perda. Se o

acordo é que vai dizer se vai

marido não requereu ela continua

continuar ou não a utilizar o nome do

usando o nome de casada, mesmo

companheiro, se o acordo for omisso

sendo culpada. Há certas hipóteses

continua a usar o nome já que a

em que ela é considerada culpada, o

renúncia

ser

marido requer a exclusão do nome e

expressa, não se aceitando renúncia

mesmo assim ela continua a usá-lo,

tácita. Se a separação se der por

quais são: quando houver prejuízo

falência, ou seja, quando o casal

para sua identificação; se houver

está separado de fato há mais de um

manifesto distinção entre o nome

ano, neste caso nada impede que a

dela e o nome de solteira ou quando

mulher continue usando o nome do

houver um dano grave reconhecido

marido, ainda que ela peça a

em decisão judicial.

separação

neste

ela

caso

pode

deve

se

o

marido

requerer

continuar

A mulher quando continua

usando, em suma, depende da sua

usando o nome de casada após a

vontade.

separação a qualquer momento

Separação remédio: quando

pode renunciar a esse nome (§1º,

um dos cônjuges está doente mental

artigo 1578 CC) e também pode ser

há mais de dois anos. Neste caso é

cancelado quando o nome é utilizado

possível pedir a separação. Também

para fins ilícitos ou imorais, caso em

pode continuar usando o nome se

que o marido poderá mover uma

quiser. Pela lei 6.015/77 nessa

ação pedindo o exclusão do nome de

hipótese perdia-se o direito de utiliza

casada.

o nome, porem pelo código civil ela

Divórcio: o divórcio direto,

passou a ter esse direito por força do

ocorrido quando não há separação

§ 1º do artigo 1578.

judicial, ou seja, o casal está

Separação sansão: aquele

separado de fato há mais de 2 anos,

tipo de separação litigiosa em que se

então pode requerer o divórcio

discute culpa. Neste caso se a

direto. A mulher pode renunciar ou

mulher foi declarada inocente ela

não ao direito de usar o nome de 205


casada. Artigo 1578 § 2º. Agora, o

Limongi

França,

defende

que

divórcio por conversão, quando o

quando a viúva casa novamente

casal está separado judicialmente há

perde o nome do falecido e esta é a

mais de um ano, se na separação

posição dominante.

judicial ela perdeu o nome, não há

Reconhecimento de filho: o

possibilidade de retomar mais, caso

filho quando é reconhecido pode

na separação judicial ela manteve o

adotar o patronímico do pai. Ação

nome, com o divórcio ela pode

negatória

manter ou então renunciar. Surge

paternidade:

então a questão: a divorciada que

procedente vai ter a mudança de

conservou o nome do ex marido,

nome daquele.

quando

casa

novamente,

Ação

pode

se

de

a

ação

de

anulação

for

de

continuar a usar aquele patronímico?

casamento: o cônjuge perde o direito

O jurista Yussef Cahali defende a

de usar o patronímico do outro, salvo

tese de que quando a divorciada

se o casamento foi putativo (artigo

casa novamente ela perde o direito

1561 CC)

de usar o nome do ex marido, pois

Mau procedimento da viúva,

segundo ele, como ela perde o

da separada ou da divorciada: pode

direito a Alimentos, com maior razão

perder o nome para usar para fins

ela tem que perder o direito de usar

ilícitos, imorais, desde que o marido

o nome, entretanto, não há lei

requeira em juízo.

prevendo essa sansão da perda do

Estas são todas as hipóteses

nome pelo fato de ter se casado

de

alteração

do

prenome

novamente, já que no direito, as

patronímico previstas em nosso

sansões devem emanar da lei

ordenamento

jurídico.

Com

e

o

Viuvez: é costume no Brasil a

advento do nosso Código Civil o

mulher continuar a usar o nome do

nome passou a ter uma proteção

falecido marido. Quando a mulher

maior no universo do direito e com

fica viúva ela pode renunciar ou

maior razão, visto que o nome é o

continuar com o nome de casada.

que de mais importante temos em

Caso ela queira renunciar ela faz um

nossas vidas e por isso deve ser

requerimento judicial para retornar

dotado de proteção jurídica para que

ao nome de solteira. O problema é a

possamos conservá-lo da forma que

viúva que convola novas núpcias.

melhor entenda cada indivíduo. 206


requerer a alteração, a qual será precedida de homologação do juiz

Considerações Finais

corregedor permanente. essas

O que falta, portanto, não é a

possibilidades, não há mais que se

lei, mas sim a divulgação dela para a

falar ou aceitar conviver com o

população a fim de adequar seu

constrangimento de alguns nomes. A

nome à sua realidade e desta forma

maioria

hipóteses,

não necessitar mais de se esconder

processualmente, é considerada de

atrás de um apelido e muito menos

jurisdição

ter vergonha de pronunciá-lo.

Visto

comparecer

todas

das

voluntária, ao

registro

bastando civil

e

207


Referências CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. FRANÇA, Limongi Rubens. Institutos de proteção à personalidade, v. 57, n. 391, p. 20-25. São Paulo: Revista dos Tribunais,1968. v. 57. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6. SCARTON, Gilberto. Todos nós somos doutores. Disponível em:http://www.pucrs.br/manualred/textos/texto8.php. Acesso em: 28.12.2009.

208


O QUE É PSICOLOGIA JURÍDICA? VILARINHO, Marivalda Permegiani – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

“O comportamento humano é, talvez, o objeto mais difícil dentre os que já foram alvo dos métodos da ciência...” Skinner (1992, p.50)

RESUMO A Psicologia Jurídica é uma área de especialidade da Psicologia que ainda está em construção e de extrema importância para os profissionais do Direito que lidam com o cotidiano jurídico. Compreender o comportamento humano sem desvinculá-lo das normas jurídicas estabelecidas por uma determinada sociedade é crucial para se ter uma visão mais humanística do Direito em suas diversas áreas de atuação. Visão esta, essencial na atualidade, na medida em que se oportunizem estudos com o intuito de demonstrar aos legisladores a necessidade de se elaborar leis que possibilitem regular as relações sociais e psicológicas do homem inserido num meio regido por normas jurídicas e que regulam o seu comportamento.

209


e

Introdução

fez

surgir

objeto

Psicologia humano,

é suas

se do

da

testemunho”, e que tinha como

comportamento

objetivo verificar através do estudo

de

o

que

“psicologia

denominou O

o

estudo

atitudes,

experimental

ações,

dos

processos

que

psicológicos, a veracidade do relato

demonstram papel fundamental na

do sujeito envolvido em um processo

compreensão deste comportamento,

jurídico.

observáveis

ou

não,

e

Atualmente

haja vista que as ações do homem é

a

Psicologia

que determinam a sua conduta num

Jurídica abarca outras indagações

determinado contexto sociocultural.

acerca do comportamento humano

A

compreensão

que são necessárias às exigências

do

comportamento humano permite às

do

ciências uma melhor aplicabilidade

perspectivas à mesma. Conforme

de seus fundamentos e regras para

conclusão de estudos anteriores

melhor adaptação do homem no

(Trindade, 2000), salienta na esteira

meio

sanando

de Muñoz Sabaté(1980), que a

possíveis problemas e buscando

Psicologia Jurídica é uma disciplina

alternativas

ainda por construir.

em

que

que

vive,

propiciem

ao

século

XXI,

dando

novas

Jorge Trindade (2009) diz que

mesmo uma melhor qualidade de a

vida.

Psicologia

totalidade,

Quando se fala em Psicologia

Jurídica,

não

é

na

sua

apenas

um

Jurídica, não se pode referir a todo e

instrumento a serviço do jurídico. Ela

qualquer tipo de comportamento

analisa as relações sociais, as quais

concernente ao seu estudo, mas sim

permanecem

aqueles oriundos de uma inter-

incidência normativa e constituem a

relação entre o Direito e a Psicologia,

grande maioria dos comportamentos

como

sociais.

nos

de

de

violência

separação

judicial,

É de suma importância que

guarda, adoção e abusos sexuais

estudos sejam realizados com o

infantis dentre outros.

intuito

doméstica,

casos

destituídas

de

demonstrar

aos

primeira

legisladores a necessidade de se

aproximação da Psicologia com o

elaborar leis que possibilitem regular

Historicamente,

a

Direito ocorreu no final do século XIX 210


essas relações sociais para uma

A importância da Psicologia Jurídica

convivência pacífica e social.

para os profissionais de Direito

A psicóloga jurídica Fátima França[1] acredita que a Psicologia

É inegável a importância da

Jurídica deve ir além do estudo do

Psicologia

comportamento humano. Devem ser

profissionais do Direito, seja sob a

seu

forma

objeto

de

estudo

as

Jurídica

de

para

os

assessoramento

consequências das ações jurídicas

legislativo,

sobre o indivíduo.

elaboração de leis mais adequadas

Mira Y Lopes (2000) definiu a Psicologia

Jurídica

psicologia

aplicada

“como ao

outras

na

à sociedade, seja na tarefa de

a

assessoramento

melhor

colaborando

exercício do Direito”, o que significa considerar

contribuindo

judicial,

na

organização

do

sistema de administração da justiça.

possibilidades,

Muitos

doutrinadores,

dentre as quais, se podem incluir por

legisladores, magistrados e outros

sua atualidade, estudos acerca da

estudiosos do Direito, da Psicologia

dinâmica psicossocial das decisões

e de outros ramos do conhecimento,

judiciais, da justiça terapêutica e a

compactuam a ideia de que o

restaurativa.

sistema

Neste diapasão, a definição

de

aperfeiçoado

justiça no

tem

decorrer

se dos

da Psicologia Jurídica permeia por

tempos. Entretanto, boa parte de

várias reflexões acerca do seu objeto

erros judiciais ainda advém do

de estudo, e por ser uma disciplina

desconhecimento

ainda em construção, merece um

psicológicos

estudo mais aprofundado de temas

compreensão

pertinentes ao homem, inserido no

humano.

sistema jurídico de uma determinada sociedade,

que

possibilite

de

assuntos

essenciais do

à

comportamento

Não se deve esquecer que

uma

todo

indivíduo

tem

uma

melhor compreensão do mesmo e

personalidade, isto é, uma maneira

das normas jurídicas estabelecidas.

de ser, agir e pensar e que o comportamento

do

sujeito

num

determinado momento depende da percepção que tem do fato em si, culminando com um comportamento 211


que

pode

jurídicas

infringir

as

estabelecidas

normas por

Conforme

uma

elenca

Jorge

Trindade (2009), a contribuição da

sociedade.

Psicologia Jurídica é essencial nas

Diante

dos

obstáculos

inúmeros

enfrentados

questões de família: separação,

pelo

divórcio, regulamentação de visitas,

indivíduo, este pode utilizar os

guarda e adoção; nas questões do

diversos mecanismos de defesa

direito penal: pelo crime e suas

para

ou

motivações; nos delitos sexuais, na

restabelecimento do equilíbrio de

pedofilia, no abuso sexual infantil; no

sua personalidade, evitando assim, a

Direito da Criança e do Adolescente;

desintegração

no Direito do Idoso; no Direito do

manutenção

do

seu

equilíbrio

emocional.

Consumidor; no Direito do Trabalho;

Instrumentalizar

os

no âmbito do Direito Civil; na

advogados, juízes, promotores de

avaliação de toxicodependentes etc.

justiça que lidam a todo instante com

Em cada área específica, a

pessoas em conflitos individuais ou

Psicologia

sociais

o

papel imprescindível na resolução

aprimoramento da justiça, pois tais

dos problemas sociais e psicológicos

profissionais são essenciais para o

do homem inserido num meio regido

restabelecimento da ordem social

por normas jurídicas que regulam

numa sociedade democrática de

seu comportamento.

é

necessário

para

direito.

Os

Jurídica

desempenha

problemas

emocionais

É de conhecimento público

inseridos nas questões de família,

muitos

judiciais

em casos de separação, divórcio,

advêm de problemas psicológicos,

guarda, adoção e regulamentação

emocionais,

de

relações

de visitas, necessitam de uma

interpessoais

mal

resolvidas,

atenção especial dos profissionais

cabendo aos profissionais do Direito

envolvidos. Não pode o juiz decidir

uma

as

que

problemas

compreensão

acerca

dos

questões

pertinentes

aos

fenômenos psicológicos envolvidos

problemas

na lide. Somente tendo uma visão

simplesmente pautado no princípio

mais humanística do Direito é que se

do seu livre convencimento e tendo

culminará na justiça tão almejada por

como base apenas a letra fria da lei.

todos.

Cabe 212

a

mencionados,

ele,

de

posse

dos


conhecimentos

da

Psicologia

instituído pela Lei 8.069, de 13 de

Jurídica, julgar o caso concreto com

julho de 1990.

base nos aspectos legais sim, mas

Nas questões pertinentes ao

sem se esquecer dos aspectos

direito do idoso e que merecem todo

afetivos e emocionais das pessoas

o nosso respeito, carinho e cuidados

envolvidas.

especiais. Quanto ao direito do

No direito penal, quando o

consumidor, nas questões relativas

indivíduo comete um crime motivado

aos serviços médicos prestados,

por

tal

tratamento de saúde mental, além de

julgada

respaldo na compra de bens que não

diversas

conduta

circunstâncias,

deve

legalmente,

ser

mas

entendimento

quiçá,

permeia

por

seu

atendem

uma

às

especificações

mencionadas ou defeituosas.

compreensão psicológica dos fatos

No

direito

do

trabalho

que o levou a ter este tipo de

enquanto sujeito de deveres e

conduta, infringindo as normas de

direitos,

conduta preestabelecidas.

enquanto

Nos

delitos

sexuais,

tão

condições

mas

desrespeitado

trabalhador, indignas de

com trabalho,

intensos nos dias atuais, onde

ambientes inadequados, insalubres,

crianças desprotegidas são aviltadas

sofrendo todo e qualquer tipo de

na

sua

dano moral e psicológico, minando

ingenuidade e são desprovidas de

assim, sua produtividade e equilíbrio

qualquer

emocional.

sua

intimidade,

tipo

dignidade.

de

na

respeito

Preceitos

e

estes

No âmbito do Direito Civil, o

na

conhecimento da Psicologia Jurídica

República

propicia uma melhor compreensão

Federativa do Brasil e que devem, a

acerca da capacidade das pessoas,

qualquer custo ser combatido.

da

fundamentais Constituição

estabelecidos da

A compreensão da Psicologia

interdição,

doença mental ou psicológica.

nas questões oriundas à proteção da e

da

principalmente quando se trata de

Jurídica também se faz necessária

Criança

doação,

Por último, mas não menos

do

Adolescente,

importante, a avaliação dos toxi-

no

modelo

de

dependentes, que são vítimas de

proteção proposta pelo Estatuto da

traficantes inescrupulosos e que

Criança e do Adolescente – ECA –

necessitam de ajuda para se libertar

estabelecidas

213


do vício que destrói toda a identidade

Considerações finais

do indivíduo e corrompe toda a estrutura

da

dinâmica

familiar

A

construída ao longo dos anos. Inegável,

portanto,

compreensão

comportamento a

variáveis

são

humano

do e

suas

fundamentais

aos

importância da Psicologia Jurídica

profissionais do Direito que queiram

nas diversas áreas do Direito para

atuar de forma mais justa e humana

melhor

do

no cotidiano jurídico, pois possibilita

humano,

aos mesmos um olhar atento e uma

comportamento este, regido por

escuta ativa em relação às aflições e

normas e regras sociais que regulam

conflitos que permeiam a vida do

este

homem. Negar-se a essa premissa é

compreensão

comportamento

mesmo

comportamento,

objetivando a paz social.

estar

fadado

ao

fracasso.

A

Psicologia Jurídica não pode apenas atender as demandas do jurídico, mas deve transcender as mesmas, o que necessariamente implica em uma visão mais humanística do Direito

na

atualidade

em

diversas áreas de atuação.

214

suas


Referências BOCK, Ana Maria Bahia; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999. FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Psicol. teor. prat. [on line]. Jun. 2004, vol. 6, nº 1, p. 73-80. Disponível em world wide web: http://pepsic.bvs-psi.org.br/psicologia-jurídica.html. Acesso em 05 de julho de 2010. MIRA, Y López Emílio. Manual de Psicologia Jurídica. São Paulo: Impactus 2009. TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. [1] Psicóloga Jurídica: Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica; Coordenadora do Curso de Psicologia Jurídica do Instituto Sedes Sapientiae.

215


POSSIBILIDADE DE O JUDICIÁRIO REAVALIAR MÉRITO DE ATO ADMINISTRATIVO MELLO, Letícia da Silveira Cavali Jovaneli de – Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. HERRERA, André Luís – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Educacional de Votuporanga.

RESUMO O presente trabalho pretende demonstrar que por ser um Estado Democrático de Direito, o Brasil tem suas funções divididas em três poderes, quais sejam Legislativo, Executivo e Judiciário. Porém através da pesquisa desenvolvida buscando a base da formação da tripartição dos poderes e a finalidade dos princípios que regem nossa Constituição Federal, podemos concluir que apesar de serem autônomos entre si os poderes não são soberanos, podendo, portanto, o Poder Judiciário reapreciar mérito decido pelo Poder Administrativo, sem que isso seja uma forma de usurpação de poderes, mas, ao contrário, uma forma de o poder controlar o poder.

Palavras-chave: Tripartição dos Poderes. Sistemas de Freios e Contrapesos. Ato Administrativo. Possibilidade de o Judiciário Reapreciar Mérito Administrativo. Conclusão. 216


Montesquieu

Introdução

defende

a

liberdade política, entendendo que questão

para que haja uma relação justa

resume-se na possibilidade ou não

entre os que são governados e os

de o Poder Judiciário reapreciar

que

mérito

Poder

existência das leis, pois são elas que

Administrativo, sendo objetivo da

impõem a ambas as partes garantias

pesquisa comprovar, pelo método

e limites nas suas atitudes.

O

problema

em

decidido

pelo

governam

Essas

analítico, a origem do sistema de

é

necessário

garantias

e

a

limites

as

impostos pela lei, de acordo com o

princípios

autor, são de grande importância,

constitucionais, e demonstrar que a

visto que pela própria natureza

melhor forma que se tem em fazer

humana, todos estão sujeitos a erro

justiça é quando um poder pode

e, segundo este filósofo (2006) “todo

controlar

o

homem que tem o poder é levado a

contrário,

deixaremos

tripartição

dos

finalidades

poderes,

dos

outro,

pois,

caso

espaço

abusar dele”.

a

A solução para tal problema

tirania ao invés da democracia.

imposto

pela

própria

natureza

humana, é alcançada pela filosofo da

1. Origem da Tripartição de Poderes

seguinte maneira, o poder deverá conter o próprio poder, desta forma

A teoria de tripartição de poderes

foi

surgem-se

amplamente

a

separação

dos

desenvolvida por Montesquieu, em

poderes: legislativo, executivo e

seu livro “O espírito das Leis’, porém,

judiciário, sendo o fundamento do

não foi o único, Aristóteles em sua

princípio da Tripartição do Poder,

obra “Política” já havia mencionado

unicamente impor limites na atuação

tal teoria.

de cada poder de forma de cada um possa controlar o possível abuso do

A grande importância do livro

outro.

de Montesquieu, entre outras, é o

Na

fato de que ele foi o primeiro

contemporaneidade,

a

responsável pela inclusão expressa

Ciência Política reconhece que um

do poder de julgar dentre os poderes

dos

fundamentais do Estado.

Democrático de Direito é a existência

pressupostos

do

Estado

de três poderes independentes e 217


harmônicos:

o

Legislativo,

o

visto que a primeira publicação do livro “O espírito das leis” ocorreu em

Executivo e o Judiciário. Montesquieu

mal

1748 e a primeira aparição da teoria

interpretado por seus opositores que

entre as legislações se deu na

entenderam sua tese de tripartição

Constituição Federal da França de

de poderes do Estado como a

1791, em seu artigo 16, que afirmava

própria tripartição do Estado, que

que

apesar de ser abstrato, deveria ser

sociedade

UNO

a separação dos poderes com vias a

e

não

foi

divido

como

“não

teria que

Constituição não

a

garantisse

proteção dos direitos individuais”.

supostamente estaria pretendendo Montesquieu.

Já no Brasil, a Constituição

Mas

ficou

Federal de 1988 consagrou, em seu

de

artigo 2º, que "são Poderes da

Montesquieu era a divisão das

União, independentes e harmônicos

competências do Estado e não de

entre si, o Legislativo, o Executivo e

seu poder que continuaria sendo

o Judiciário".

comprovado

claramente que

a

teoria

UNO.

A divisão do poder é feita Portanto o que se poderia se

através da atribuição principal de

discutir quanto a esta teoria, seria

cada uma das funções do Estado,

com relação a sua nomenclatura,

qual sejam a de legislar, administrar

discussão essa um tanto quanto

e

desnecessária, porém o correto seria

designadas a órgãos específicos que

o emprego da palavra função no

levam

lugar de poder.

respectivas funções, ou seja, Poder

Assim, a Tripartição do Poder,

portanto

as

funções

denominações

são

de

poder Judiciário.

do Estado em Legislar, Administrar e estando,

Tais

Legislativo, Poder Administrativo e

seria na realidade a divisão do Poder

Julgar,

julgar.

Apesar de esta separação ter

mais

como base a principal atividade de

adequado a expressão Separação

cada órgão, esses órgãos também

das Funções do Estado, e não dos

exercem atividades secundárias, ou

Poderes.

atípicas,

A expressão “separação dos

ou

aparentemente

seja,

função seria

que de

poderes” demorou demasiadamente

competência de outro órgão, mas

para aparecer entre as legislações,

que se transfere momentaneamente 218


diante

de

determinada

situação

de poderes estabelecida não tem

previamente prevista.

constituição), e é prevista no artigo

Sem que com isso se viole o

2° da nossa Constituição Federal.

princípio da separação dos poderes,

(2008, p.402).

consagrado como cláusula pétrea

Note-se, que referimos às

pelo ordenamento jurídico pátrio em

garantias dos Poderes Legislativo,

seu artigo 60, § 4º, III da Constituição

Executivo, Judiciário e da Instituição

Federal. Teríamos então, casos

do Ministério Público, uma vez que

atípicos como exceção, uma vez que

se

a regra é a da indelegabilidade da

autonomia

e

tripartição das funções.

finalidades

constitucionais.

Sobre o tema Alexandre de

assemelham

em

virtude

da

independência

e

Além

disto, exercem todos funções únicas

Morais explica:

do Estado, dentro de uma visão mais

A divisão segundo o critério

contemporânea

das

funções

funcional é a célebre “separação de

estatais, cujos agentes políticos têm

Poderes”, que consiste em distinguir

missão precípua de exercer atos de

três funções estatais, quais sejam,

soberania.

legislação,

e

Rousseau, o poder soberano é uno.

jurisdição, que devem ser atribuídas

Não pode sofrer divisão. Assim, o

a três órgãos autônomos entre si,

que

que

pretende chamar de separação dos

administração

as

exerceram

exclusividade,... consagrada

E, na

com

finalmente, obra

a

doutrina

poderes

de

Aliás,

moderno

o

bem

liberal

o

disse

clássica

constitucionalismo

determina

divisão

de

Montesquieu, O espírito das leis, a

tarefas estatais, de atividades entre

quem

distintos órgãos autônomos. (2008,

devemos

a

divisão

e

distribuição clássicas, tornando-se princípio

fundamental

organização

político

p.406).

da

Lembremo-nos que o objetivo

e

inicial da clássica separação das

transformando-se em dogma pelo

funções do Estado e distribuição

artigo 16 da Declaração Francesa

entre

dos Direitos do Homem e do

independentes tinha como finalidade

Cidadão, de 1789 (“Toda sociedade

a proteção da liberdade individual

na qual a garantia dos direitos não

contra o arbítrio de um governante

está assegurada, nem a separação

onipotente. (2008, p.406).

liberal

219

os

órgãos

autônomos

e


Não existirá, pois, um Estado

Para atingir este objetivo a

democrático de direito, sem que haja

ordem constitucional dos países

Poderes de Estado e Instituições,

democráticos estabeleceu o controle

independentes e harmônicos entre

externo dos poderes que forme que

si, bem como previsão de direitos

os três poderes seriam controlados

fundamentais e instrumentos que

entre si, a fim de evitar abusos.

possibilitem perpetuidade

a

fiscalização desses

e

a

O

sistema

de

freios

e

requisitos.

contrapesos tem em resumo a

Todos estes temas são de tal modo

finalidade de frear todos aqueles que

ligados que a derrocada de um,

detêm poder, para se evitar que ao

fatalmente, acarretará a supressão

invés de democracia vivamos em

dos demais, com o retorno do arbítrio

uma verdadeira tirania em que

e da ditadura. (2008, p.407).

aquele que detém o poder o detém em absoluto, sem meios de controle.

2. Sistema de freios e contrapesos

Atualmente

este

é

o

pensamento do jurista Alexandre de Logo após a elaboração da

Morais, senão vejamos:

tripartição do poder MOSTESQUIEU

A

Constituição

Federal,

também explicou o que seria o

visando, principalmente, evitar o

sistema de freios e contrapesos,

arbítrio e o desrespeito aos direitos

como um complemento a sua teoria.

fundamentais do homem, previu a

Desta

forma,

como

existência dos poderes do Estado e

mencionado anteriormente o ser

da Instituição do Ministério Público,

humano pela sua própria natureza

independentes e harmônicos entre

está sujeito a erros e quando entra

si, repartindo entre eles as funções

em contato com o poder fica ainda

estatais e prevendo prerrogativas e

mais propenso a corrupção e ao

imunidades para que bem pudessem

abuso de poder, surgindo daí a teoria

exercê-las,

dos freios e contra- pesos, na qual,

mecanismos

os poderes constituídos deveriam

recíprocos, sempre como garantia

criar meios para evitar, ou ao menos

da

diminuir a possibilidade de mau uso

democrático

do poder por parte daqueles que o

p.402).

detém. 220

bem

como de

perpetuidade de

criando controles

do

Estado

Direito.

(2008,


Em

conclusão,

Direito

O ato administrativo é a

contemporâneo,

declaração do Estado ou de quem

apesar de permanecer na tradicional

lhe faça às vezes, que produz efeitos

linha da ideia de Tripartição de

jurídicos de forma imediata, pautada

Poderes,

esta

na lei, sob regime jurídico de direito

fórmula, se interpretada com rigidez,

público e se sujeita ao controle do

tornou-se

Poder Judiciário.

Constitucional

o

entende

que

inadequada

para

um

Estado que assumiu a missão de

O

ato

administrativo

será

fornecer a todo o seu povo o bem-

perfeito quando estiverem presentes

estar, devendo, pois, separar as

todos

funções estatais, dentro de um

necessários para sua formação.

os

elementos

essenciais

mecanismo de controle recíprocos,

Tais elementos essenciais do

denominado “freios e contrapesos”

ato administrativo são cinco, quais

(checks

sejam, conteúdo ou objeto, forma,

and

balances).

(2008,

p.402).

sujeito ou competência, motivo e finalidade.

3.

Conceituação

de

ato

Conteúdo ou objeto é aquilo

administrativo

que o ato determina, em outras palavra é o efeito jurídico desejado

Antes

de

se

adentrar

pelo ato, qual seja, adquirir ou

especificamente ao tema em si,

resguardar

deve-se esclarecer a distinção de

sempre, pelo princípio da legalidade

fato e ato administrativo. Segundo o

decorrer

Código Civil, fato é tudo aquilo que

previsão legal.

decorre de acontecimentos naturais,

geralmente

humana.

requisito

Quando o fato corresponder à da

norma

sempre

devendo

de

expressa

Forma do ato terá que ser

ou seja, independe de qualquer ação

descrição

direitos,

escrita vinculado

e

constitui do

ato

administrativo.

jurídica,

Será competente o agente

dizemos que aconteceu um fato

que reúne competência legal ou

jurídico. Agora, quando estes efeitos

regulamentar para a prática do ato,

acontecerem na ceara do direito

quando a lei for omissa quanto a

administrativo, dizemos ter ocorrido

competência entende-se ser esta do

um fato da administração.

Chefe do Poder do Executivo. 221


Motivo

representa

as

único tipo de comportamento para

circunstâncias de fato e de direito

aplicação ao caso concreto, mas que

que sustentam o ato administrativo,

pela avaliação da oportunidade e

todo ato administrativo deve ser

conveniência

motivado, fundamentado.

administrador poderá a seu próprio

Finalidade é outro requisito de suma

importância

administrativo.

Ela

para

o

administrador

o

juízo praticar determinado ato.

ato

refere-se

o

Deve-se

ao

critérios

ressaltar que

os

oportunidade

e

de

objetivo do ato; é o resultado

conveniência nestes casos devem

pretendido pelo ato. A finalidade do

estar

ato administrativo deverá sempre

sendo inválido o ato que tiver um

versar

deles e não o outro.

sobre

o

interesse

da

coletividade, em respeito ao princípio

presentes

conjuntamente,

Portanto, a diferença básica

da Supremacia do Interesse Público.

entre

Ainda quanto ao ato administrativo,

discricionários é que nos primeiros a

também podemos o classificar diante

Administração Pública não dispõe de

do

do

liberdade alguma para a prática do

Administrador, podendo ser eles

ato, ao contrário da segunda que

denominados como vinculados ou

cabe ao Administrador avaliar ao ser

discricionários.

critério subjetivo a oportunidade e

grau

de

liberalidade

Atos vinculados são aqueles

um

e

os

praticar.

ao enunciado da lei, que dispõe, de

vinculados

conveniência do ato que irá ou não

em que o administrador fica restrito

previamente,

atos

Quanto

único

aos

atos

discricionários, há uma exceção,

comportamento a ser adotado em

pois

situações

não

existem alguns requisitos que são

qualquer

vinculados, isto porque além de

concretas

havendo,

portanto,

apreciação

valorativa

iguais,

quanto

ainda

que

discricionários

a

serem previamente previsto em lei

oportunidade e conveniência por

são elementos que envolvem o

parte daquele que aplicará a norma.

próprio plano da existência do ato.

Já atos discricionários, ao contrário,

Assim,

os

elementos

conferem certo grau de liberdade

vinculados do ato administrativo

para a prática ou decisão de certos

discricionário

atos, ou seja, a lei não prevê um

competente, a forma e a finalidade. 222

são:

o

sujeito


vinculado decorre de disposição 4. Possibilidade de o Judiciário

expressa de lei, sem nenhum grau

reapreciar

de apreciação valorativa por parte do

mérito

de

Ato

Administrativo

Administrador. O maior problema encontra-

Como

exaustivamente

se, portanto, na possibilidade de o

mencionado, a Constituição Federal

Judiciário reavaliar mérito de ato

em seu artigo segundo contemplou o

administrativo discricionário, visto

sistema de freios e contrapesos

que a prática destes atos depende

desenvolvido

exclusivamente

por

Montesquieu,

assim, ao desempenhar as suas

da

apreciação

subjetiva do Administrador.

funções, a Administração Pública

Grande parte da doutrina

está sujeita ao controle interno e ao

veda a possibilidade do Poder

controle externo.

Judiciário adentrar no mérito deste

O controle interno é aquele

tipo de ato administrativo, porque

efetuado dentro do próprio órgão, ou

desta

seja, é o dever que a Administração

apreciação subjetiva desenvolvida

tem de fiscalizar seus próprios atos,

pelo administrador e substituir a

impondo-lhe

opção escolhida por ele, o juiz

a

invalidação

ou

revogação.

forma

ao

interferir

na

estaria violando a tripartição dos

O controle externo é aquele

poderes ao invés de controlá-lo.

em que existe uma fiscalização de

Porém, que quando se fala na

um Poder sobre as atitudes do outro

apreciação

como meio de evitar o mau uso e o

administrativa não se está somente

abuso do poder, ou seja, é o

fazendo

mecanismo em que o poder controla

administrativo

o poder.

mas também aos seus limites.

Neste sentido, não há dúvida

A

da

discricionariedade

referência

ao

mérito

propriamente

discricionariedade

dito,

foi

quanto à possibilidade de o Poder

concedida ao Administrador por lei,

Judiciário reavaliar mérito de ato

porém assim como a sua existência,

administrativo vinculado, visto que

os

tal controversa versaria sobre a

previamente previstos em lei, e,

legalidade ou não do ato, pois como

portanto, se o ato discricionário

já explicado anteriormente, o ato

ultrapassar esses limites deverá ser 223

seus

limites

também

foram


considerado ilegal e necessário será

que, para o senso comum, seria

a

aceitável perante a lei. (2007, p.

sua

anulação

pelo

Poder

Judiciário.

203).

Sobre este tema Maria Sylvia

Deve-se primeiramente ser

Zanella Di Pietro explica:

lembrado que os princípios surgiram

A rigor, pode-se dizer que,

como

uma

nova

forma

com relação ao ato discricionário, o

interpretação

Judiciário pode apreciar os aspectos

diferenciada das legalistas impostas

da legalidade e verificar se a

pelos positivistas em que a norma

Administração não ultrapassou os

deveria ser aplicada tal como está

limites da discricionariedade; neste

escrita, mas sim com a finalidade de

caso, pode o Judiciário invalidar o

que fosse retirado da norma o seu

ato, porque a autoridade ultrapassou

fundamento de justiça, o motivo pelo

o espaço livre deixado pela lei e

qual a norma foi criada e qual a sua

invadiu o campo da legalidade.

verdadeira intenção, visto que a letra

(2007, p.202).

fria da norma pode pregar peças na

Então, solucionar quando

o

como

meio

conflito

de

poderia

o

de

das

de

normas,

justiça.

saber

Especificamente com relação

Judiciário

a Administração Pública, esta é

reexaminar o mérito administrativo

norteada

do ato discricionário, a mesma

garantem seu funcionamento eficaz,

doutrinadora, Maria Sylvia Zanella Di

como forme de se atingir a sua

Pietro, relembra o uso de alguns

principal

princípios

público.

constitucionais,

especificamente

o

princípio

da

razoabilidade

e

o

da

neste

(discricionariedade), doutrinadores

apelam

princípios

finalidade,

o

que

interesse

O artigo 37 da Constituição de 1988

proporcionalidade, senão vejamos: Mesmo

por

apresenta

norteadores

os da

princípios atuação

caso

administrativa, quais sejam: princípio

alguns

da legalidade, da impessoalidade, da

para

moralidade, da publicidade e da

o princípio da razoabilidade para daí

eficiência.

inferir que a valoração subjetiva tem

No entanto, o Direito deve

que ser feita dentro do razoável, ou

sempre ser enxergado de acordo

seja, em consonância com aquilo

com seu sistema em um todo, e, 224


neste

sentido,

existem,

ainda,

dignidade da pessoa humana e o

princípios implícitos, aqueles que decorrem

de

outros

direito ao devido processo legal.

princípios.

Esses

Dentre eles, destaca-se o princípio

aplicáveis

da

situações

razoabilidade

e

proporcionalidade,

o

da

princípios em

são

determinadas

concretas

analisando

mencionado

sempre a adequação entre o meio

acima por Maria Sylvia Zanella di

utilizado pela administração e o fim

Pietro.

e a mesma pretende atingir. Estes

princípios

são

os

Maria Sylvia Zanella Di Pietro

principais meios de controle dos atos

define o princípio da Razoabilidade e

da Administração, pois impedem os

da Proporcionalidade como sendo:

abusos de poder provocados por seus

agentes

da

Neto (1989:37-40) dá maior realce a

prerrogativa do poder discricionário,

esse último aspecto ao afirmar que,

outorgado por lei.

pelo princípio da razoabilidade, “o

Desta

revestidos

Diogo de Figueiredo Moreira

se

que se pretende é considerar se

atingindo a verdadeira finalidade da

determinada decisão, atribuída ao

tripartição do poder, que de acordo

Poder

com Montesquieu é assegurar a

discricionariamente

moderação do poder mediante a

contribuirá efetivamente para um

“cooperação harmônica” entre os

satisfatório

poderes do Estado, de forma a

dos interesses públicos”. Ele realça

conferir uma legitimidade e uma

o

racionalidade administrativa a tais

discricionariedade; tem que haver

poderes estatais, que devem e

uma relação de pertinência entre

podem resultar num equilíbrio dos

oportunidade e conveniência, de um

poderes sociais.

lado, e a finalidade de outro. (NETO,

Tanto Razoabilidade,

forma

o

estará

Princípio quanto

o

Público,

uma

norma,

atendimento

aspecto

teleológico

da

2989, p. 37 a 40 aput PIETRO, 2007,

da

p. 72). Embora a Lei n. 9.784/99 faça

intuito de barrar o poder desenfreado

referência

do

razoabilidade

trazendo,

integrar

da

Proporcionalidade surgiram com o

Estado,

de

assim,

prerrogativas em busca do respeito à

aos

princípios e

da da

proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um 225


dos aspectos contidos no primeiro. Isto

porque

o

princípio

Em face dos princípios da

da

Razoabilidade e Proporcionalidade,

razoabilidade, entre outras coisas,

ato

exige proporcionalidade entre os

adotado pelo Administrador deverá

meios

sempre

de

que

se

utiliza

a

administrativo

discricionário

obedecer,

requisitos

que

oportunidade e conveniência, os

E

essa

impostos

lei,

proporcionalidade deve ser medida

requisitos

não pelos critérios pessoais do

adequação e proporcionalidade com

administrador,

relação à finalidade visada, sob pena

mas

segundo

padrões comuns na sociedade em

da

pela

dos

Administração e os fins que ela tem alcançar.

além

necessidade,

de nulidade.

que vive; e não pode ser medido

Complementa Maria Sylvia

diante de termos frios da lei, mas

Zanella Di Pietro:

diante do caso concreto. Com efeito,

Essa

tendência

que

se

embora a norma legal deixe um

observa na doutrina, de ampliar o

espaço

decisão

alcance da apreciação do Poder

administrativa, segundo critérios de

Judiciário, não implica invasão na

oportunidade e conveniência, essa

discricionariedade administrativa; o

liberdade às vezes se reduz no caso

que se procura é colocar essa

concreto, onde os fatos podem

discricionariedade em seus devidos

apontar para o administrador a

limites,

melhor solução (...). Se a decisão for

interpretação (apreciação que leva

manifestamente inadequada para

uma

alcançar

interferência

livre

a

para

finalidade

legal,

a

para

distingui-la

única

solução, da e

da

sem

vontade

do

impedir

as

administração terá exorbitado dos

interprete)

limites da discricionariedade e o

arbitrariedades que a Administração

Poder Judiciário poderá corrigir a

Pública pratica sob o pretexto de agir

ilegalidade. (2007, p. 72).

discricionariamente. (2007, p. 204).

Esses princípios são os mais eficazes na imposição de limites aos atos administrativos discricionários,

5. Conclusão

pois a afronta a tais princípios assegura ao Judiciário a anulação

O Estado Democrático de

dos atos.

Direito somente é possível quando 226


suas funções de legislar, executar e

Administrativo, em tese, não poder

julgar não são exercidas pelas

ser reavaliado pelo judiciário sob

mesmas pessoas, ou seja, quando

pena de agressão ao princípio da

está presente a Tripartição dos

separação dos poderes, não se pode

Poderes, pois ao contrario poder

esquecer que este princípio foi

unitário levaria a desconstituição da

elaborado para que fosse vetado há

democracia

um único poder o arbítrio e a tirania.

e

formação

da

monarquia.

Se

Levando em consideração o

a

decisão

de

ato

discricionário extrapolar seus limites

brilhante ensinamento do filosofo

desrespeitando

Montesquieu, a própria natureza

constitucionais e administrativos da

humana leva o homem ao erro e

Razoabilidade e Proporcionalidade

quando este entra em contato com o

poderá sim o judiciário reavaliar o

poder grandes a chances de ser

mérito e tomar a decisão mais justa.

corrompido e abusar do poder a ele

Pois é desta forma que o

atribuído.

os

princípios

sistema de freios e contrapesos

Assim, a teoria da tripartição

funciona complementando a teoria

dos poderes juntamente com o

da separação dos poderes, quando

sistema de freios e contrapesos

um dos poderes extrapola seus

foram elaboradas para que um poder

limites. Neste caso o Judiciário

pudesse

estará

frear

o

outro

poder,

evitando as falhas humanas.

discricionário

poder do

Executivo para alcançar a justiça que

Desta forma, apesar de o mérito

controlando o

é o verdadeiro significado do Estado

do

Democrático de Direito.

227


Referências MONTESQUIE, Charles de. Do espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2006. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. PITRO, Maria Sylvia Zanela di. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. FRANÇA. Constituição 1791. Constituição da República Federativa da França.

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ANO II, Vol. I – 2010 ISSN 2176-6460

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