LINHA
URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV
ANO II, Vol. I –12010 ISSN 2176-6460
UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga
ANO II, Vol. I – 2010 ISSN 2176-6460
Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari
Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani
Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin
Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com
Sobre a Revista Linhas Jurídicas é um periódico online com periodicidade semestral de caráter técnico-científico, que busca a ampla integração ensino-pesquisaextensão. Destinado a produção acadêmica dos docentes e discentes do curso de Direito da UNIFEV, bem como do público acadêmico em geral, de cunho jurídico e áreas afins. 2
A ATIPICIDADE FACE AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
NASCIMENTO, Emilly Medeiros. Discente do 5º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O presente artigo visa demonstrar a relevância para o cenário jurídico penal, político e social do princípio da insignificância, sendo importante para estabilidade jurídica, pois se considera a materialidade do caso concreto, prevalecendo a justiça material em face da justiça formal. Baseia-se na desconsideração da tipicidade penal nas infrações penais tidas como levíssimas, evitando que os casos de baixa ameaça aos bens jurídicos protegidos sobrecarreguem o Poder Judiciário. Portanto, sob uma visão sistemática e teleológica, pretende-se invocar a importância de ser aplicado o referido princípio a fim de atingir o ideal de justiça.
Palavras-Chave: Princípio da insignificância. Desvalor da ação. Desvalor do resultado. Aplicabilidade. 1
1. Conceito e importância
Introdução Abordam-se
no
Apesar de não haver definição
discorrer
para os delitos de bagatela, a
deste trabalho científico os principais aspectos
do
insignificância, relação
com
princípio assim outros
interpretação
da
como
tidas como insignificantes, sob o
princípios
prisma de um direito penal mínimo, fragmentário e subsidiário.
sua aplicação, em que se abrangem
Luiz Flávio Gomes conceitua
todas as circunstâncias do caso
o princípio como o desvalor da ação
concreto, a fim de evitar a severa
e o desvalor do resultado, sendo que
resposta estatal às condutas que
a conduta praticada pelo agente que
não causem um prejuízo social
não cause prejuízo social digno de
relevante. Deve ser ampliado o
interesse público para a persecutio
conceito de tipicidade, aliando ao
criminis não deve ser tratado da
prisma formal da subsunção, o
mesma forma que nos casos em que
prisma material, que considera a
a ofensa ao bem protegido, este
lesão ocorrida ao bem jurídico,
sendo relevante e essencial, for
sendo esta levada em conta na
intolerável, sob pena de infringir a
caracterização da tipicidade, na qual
promoção à justiça, conduzindo a um
a ausência de lesividade ocasiona a
destempero do positivismo que deve
exclusão do crime por não existir
ser eivado de prudência, equilíbrio e
tipicidade na conduta. Assim, é
razoabilidade.
considerado como excludente de
Sendo assim, a função do
punibilidade, não devendo casos
princípio
bagatelares, chegar ao Supremo
admitido
Federal o
para princípio
e
jurisprudencial delimita as condutas
sua
penais, invocando a importância de
Tribunal
doutrinária
tratado
é
a
desconsideração da tipicidade da
ver-se
conduta no caso concreto, tendo os
da
crimes de bagatela como delitos que
insignificância.
em
um
primeiro
momento
se
adequam ao fato típico, mas que posteriormente tem sua tipicidade desconsiderada por se tratar de ofensa ao bem jurídico que não 2
cause
reprovação
social,
sendo
sem lei anterior que o defina e não
desnecessária a atuação do direito
há pena sem prévia cominação
penal.
legal" (art. 5º, XXXIX, Constituição O princípio é de extrema
Federal e art. 1º Código Penal
importância por ser instrumento de
Brasileiro (Dec. Lei 2.848/40).
limitação da abrangência do tipo
O
princípio
da
legalidade
penal às condutas que ofereçam
possui quatro desdobramentos, em
prejuízo à sociedade, resguardando,
que a lei deve ser escrita, prévia,
assim, o ideal de proporcionalidade
estrita e certa, para que a aplicação
que deve haver na relação entre a
seja eficaz ao caso concreto. Com
pena cominada e a gravidade do
sua evolução, há se de falar no
crime. Deve também ressaltar a
princípio nullum crimem nulla poena
seriedade da função jurisdicional, em
sine iuria, pressupondo o princípio
que o poder soberano do Estado não
da utilidade penal, onde só é idôneo
deve
punir
considerar
bagatelas
quando
a
conduta
for
irrelevantes, de modo a vulnerar os
efetivamente lesiva a terceiros, ou
valores protegidos pela norma penal.
seja, não há crime sem dano relevante
a
um
2. Princípios penais consagrados
penalmente
pelo princípio da insignificância
desdobramento
bem
jurídico
protegido.
Este
do
princípio
da
legalidade é o que possui maior Para o melhor entendimento,
relação com o
princípio da
deve-se relacionar o princípio da
insignificância, sendo que, casos
insignificância com outros princípios,
que
como os princípios da legalidade,
social, não devem sobrecarregar o
proporcionalidade e da intervenção
Poder Judiciário, pois não acarretam
mínima.
um resultado significante. Assim,
não
tenham
relevância
desconsidera-se a tipicidade, já que 2.1 Princípio da legalidade
não houve um dano considerável a um bem jurídico protegido.
Previsto não só pelo Código Penal,
como
também,
Mesmo sendo o princípio da
pela
insignificância implícito, não possui
Constituição Federal, este princípio,
menor importância por isto, pois não
significa dizer que "Não há crime
há hierarquia entre os princípios 3
jurídicos,
como
também
há
uma criação da doutrina que vem
princípios normativos expressos no
sendo acolhida pelos tribunais. Não
ordenamento jurídico e os que são
existem
doutrinários
respeito”.
e
jurisprudenciais.
Portanto, não devem ser levada em consideração
as
dispositivos
legais
a
O caso se referia a um furto
posições
de 21 abóboras, estimadas no valor
formalistas que defendem a ideia
de R$ 15,00 (quinze) reais, não
deste princípio ser inaplicável por
tendo sido reconhecido o princípio
não estar expresso no ordenamento
da
jurídico.
instância.
Tratando-se
do
tema,
no
insignificância Houve
em
primeira
recurso
de
Apelação pelo réu-apelante, sendo,
Acórdão da Oitava Câmara Criminal
enfim,
do Tribunal de Justiça do Rio Grande
instância pelo Tribunal em questão,
do
sendo a decisão embargada pelo
Sul,
rejeitaram
os os
desembargadores Embargos
de
aplicado
em
segunda
Ministério Público.
Declaração proposto pelo Ministério
Louvável
a
decisão
em
Público à decisão do colegiado na
segunda instância, em se considerar
Apelação Crime nº. 70006845879,
atípica a conduta, reconhecendo a
alegando
insignificância
fundamentação
omissão jurídica
na que
inexpressividade
possibilita a aplicação do princípio da
principalmente
insignificância.
furtiva
Segundo
da
o
foi
conduta de
prejuízo,
porque
devolvida
pela
a à
res vítima,
representante do Ministério Público
distinguindo a conduta insignificante
“devem constar os fundamentos
da conduta relevante pela soma de
jurídicos que possibilitam a aplicação
três fatores: “o valor irrisório da
do princípio da insignificância ante a
coisa,
condição econômica da vítima”, pois
irrelevância da ação do agente; a
estava o acórdão motivado por
ausência de ambição de sua parte
doutrina e jurisprudência. Decidiram
em atacar algo mais valioso ou que
os
pela
aparenta ser”. E fulminaram: “Na
improcedência dos Embargos diante
hipótese, e por isso considerado fato
da inexistência de omissão, pois “a
de bagatela, o apelante e o não
ideia de afastar a aplicação do direito
apelante
penal destes fatos irrelevantes é
avaliadas em quinze reais, porque só
desembargadores
4
ou
coisas,
furtaram
atingidas;
21
a
abóboras,
queriam subtrair as frutas que,
Nesse sentido, relaciona-se com o
inclusive, foram recuperadas pela
princípio da insignificância, pois seu
vítima”.
fundamento
Esclarece não ser a decisão
é
manter
a
proporcionalidade entre a pena e a
omissa, argumentando a irrelevante
significância do crime praticado.
repercussão da conduta sendo que
Quando a lesão ao bem
“não merecia tanto trabalho e custo
jurídico for ínfima, é irrelevante o
do Estado praticados pelos seus
conteúdo da ação, não consistindo
órgãos”, chamando a atenção para
em aplicar pena, por não haver razão
perda de tempo com o referido caso
de ser esta efetivada, devido a
que não deveria nem estar sendo
irrelevante significação social.
discutido tamanha insignificância,
Por fim, segundo Luiz Flávio
dizendo que “não deve o aparelho
Gomes (2007, v 2, p. 307): “o que
punitivo do Estado ocupar-se com
não se justifica é a aplicação do
lesões
Direito Penal, não podemos utilizar
de
pouca
importância,
insignificantes e sem adequação
um
social”. Em relação à punição,
passarinho”.
afirmaram
que
“responder
canhão
para
matar
um
ao
processo criminal, para o tipo de
2.3 Princípio da intervenção mínima
delito cometido, furto de abóboras, já serviu de castigo ao recorrente, não
É imprescindível fazer alusão
precisando outra pena”. Por fim,
a este princípio, pois por ele, é
mantém a decisão de absolvição,
limitado
dando provimento ao recurso de
Estado (jus puniend), fazendo com
apelação, aplicando-se o princípio
que o legislador selecione os bens
da insignificância, rejeitando-se os
jurídicos mais importantes existentes
Embargos.
na
o
direito
sociedade
de
para
punir
que
do
sejam
protegidos pelo Direito Penal. Neste 2.2 Princípio da proporcionalidade
escopo, uma vez escolhidos os bens a
Este princípio consiste em
serem
tutelados,
serão
disciplinados pelo Direito Penal em
que deve haver uma proporção
decorrência
razoável entre a conduta praticada
fragmentário,
pelo agente e a pena a ser aplicada.
intervenção mínima e do princípio da 5
do
seu
caráter
consequência
da
legalidade, pelos quais somente
fundamentais para existência da
aqueles casos em que há uma
sociedade e que estabeleçam a paz
ameaça grave aos bens jurídicos
social. Já pelo aspecto formal, é a
tutelados pelo Estado é que o direito
mera subsunção do fato à lei,
penal deve ocupar-se. Ainda pelo
considerando infração penal tudo
princípio da subsidiariedade para o
aquilo que o legislador considerar
qual o Direito Penal possui natureza
como
subsidiária,
conteúdo.
ou
seja,
deve
ser
tal,
não
importando
Importante
frisar
o que
aplicado quando esgotados os meio
considerar a existência de um crime
de proteção não penal. Deve ser
sem levar em conta sua essência, na
a última ratio do sistema, não prima
esfera material, leva à violação do
ratio, pois na esfera processual deve
princípio constitucional da dignidade
intervir para impor sanção quando
humana.
for absolutamente necessário.
Pelo aspecto analítico, são
Como ocorre com o princípio
estabelecidos
os
elementos
da insignificância, o princípio da
estruturais do crime, tendo como
intervenção
está
finalidade propiciar a correta e justa
expresso, porém, estabelece vínculo
decisão sobre a conduta e seu
com outros postulados expressos,
agente. Estabelece, portanto, que
devendo ser imposto aos olhos do
crime é todo fato típico e antijurídico,
legislador e do intérprete.
observando em primeiro lugar, a
mínima
não
tipicidade da conduta; depois é 3 Teoria do crime
analisado se há ilicitude ou não, verificando-se a culpabilidade, ou
Para o Direito Penal, o crime
seja, se o autor do crime deve ou não
é conceituado sob os aspectos
sofrer um juízo de reprovação pelo
material,
crime cometido.
formal
e
analítico.
Materialmente, o crime é aquele em
Este
que busca o porquê de determinado
divergência
fato ser considerado criminoso e
concepções, havendo três correntes:
outros não. O crime é definido como
bipartida, tripartida e tetrapartida. A
a
que
concepção bipartida, a culpabilidade
intencionalmente ou por descuido,
não integra o conceito de crime,
venha a lesar ou expor bens jurídicos
entendendo que crime é fato típico e
conduta
humana
6
último
aspecto
há
em
relação
às
antijurídico; a concepção tripartida,
causem prejuízo social relevante,
que é a corrente majoritária, traz
havendo inexpressividade da lesão
como
com grau reduzido de reprovação de
conceito
de
crime,
a
culpabilidade, além de o fato ter que
comportamento,
ser típico e ilícito (antijurídico); e a
punibilidade.
excluindo
a
tetrapartida traz a punibilidade, além da
tipicidade,
antijuridicidade
e
culpabilidade no conceito do crime.
Conclusão
Assim, crime é “toda conduta típica, antijurídica e culpável”, sendo
Apesar do nome, o referido
que "fato típico é aquele que contém
princípio é de grande importância
os seguintes elementos: conduta
para o sistema penal. Ele promove a
(omissiva ou comissiva, dolosa ou
justiça
culposa),
nexo
analisado os fatos em cada caso
causalidade entre a conduta e o
concreto e o valor atribuído a estes,
resultado e tipicidade (subsunção da
pois que a letra da lei não produz
conduta humana a uma norma penal
uma interpretação eficaz para se
incriminadora)”.
promover o ideal de justiça.
resultado,
material,
devendo
ser
Pois bem, questiona-se: um
No entanto, muitos juízes e
indivíduo que furta um pote de
promotores relutam em aplicar o
manteiga, cometeu algum delito? O
princípio em suas decisões, levando
operador
ao
de
direito
formalista
acúmulo
desnecessário
de
acredita que sim, pois se encaixa
processos na
perfeitamente ao clássico conceito
deveriam ter sido rejeitados em seu
de tipicidade, de mera subsunção do
início ou nem ter oferecido denúncia,
fato
notável
como também causando tumulto nos
desproporção entre a resposta penal
sistemas penitenciários, tendo que
do Estado, muitas vezes severa,
alcançar o Supremo Tribunal Federal
para uma conduta irrelevante. Para
para tê-lo reconhecido, vez que a
tanto, há de se considerar o conceito
própria
material de crime rogando pela
reconhece expressamente o referido
aplicação
princípio
à
lei,
apesar
do
da
princípio
da
justiça,
Constituição
implícito
na
os
quais
Federal
cláusula
insignificância quando se tratar de
constitucional de reserva prevista no
condutas
artigo 5º, em seu parágrafo 2º.
praticadas
que
não 7
Se
se
compulsar
a
Concluindo, o princípio da
jurisprudência verá que os juízes
insignificância
ainda ignoram a força científica,
caracterização da tipicidade penal,
cogente e normativa do princípio da
devendo-se,
insignificância. Fatos banais, de
abordar todas as circunstâncias
bagatela, não deveriam tomar o
ocorridas em cada caso concreto.
tempo de juízes e promotores.
8
vem
em
sua
intervir
na
aplicação,
Referências CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal: Parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v.1. Código Penal e Constituição Federal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de CÉSPEDES, Lívia; PINTO, Antônio Luiz de Toledo, SANTOS, Márcia Cristina Vaz dos. CÓDIGO PENAL E CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 14. Ed. São Paulo: Saraiva 2008. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: RT,2007. v.2. GOMES, Luiz Flávio Gomes. Insignificância: é preciso ir ao STF para vê-la reconhecida. Disponível em: http://www.lfg.com.br.
9
A CRISE HERMENÊUTICA: MUDANÇA DE PARADIGMAS E SEU PODER TRANSFORMADOR NO CAMPO JURÍDICO MOLINA, Bárbara - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O objetivo desta pesquisa bibliográfica é mostrar a mudança que ocorreu nesses últimos anos na forma de interpretar a letra da lei. A interpretação da norma pelos juristas deixa de ser uma simples questão de exegese textual para ser uma questão filosófica. O trabalho, realizado por meio dos métodos dialético e comparativo, enfoca a nova forma de aplicação da lei além de diferenciar as teses procedimentalistas e substancialistas e apresentar a importância de Heidegger e Gadamer na hermenêutica filosófica. A interpretação passa a ser uma crítica do direito, ou seja, é um processo criativo, que abre caminho para um conjunto de possibilidades de concretização da justiça material abrindo portas para um direito novo, o Constitucionalista.
Palavras-chave: Hermenêutica. Paradigma. Interpretação. Compreensão. Justiça constitucional. 10
compreendesse a fim de que o
Introdução
significado das coisas pudesse ser O presente trabalho tem como
alcançado. Hermes seria o "deus
objetivo esclarecer as diferenças
intérprete", na medida em que era a
entre a dogmática jurídica e a “nova”
entidade sobrenatural dotada de
hermenêutica:
capacidade de traduzir, decifrar o
a
filosófica,
incompreensível.
mostrando através dos estudos do obra
Para falar de hermenêutica
Hermenêutica Jurídica em crise,
temos que falar de paradigmas e as
aspectos relevantes dessa forma de
crises
interpretar.
epistemológicas.
jurista
Streck
em
Baseado
nos
sua
estudos
paradigmáticas
No
de
decorrer
da
história
Gadamer, Streck crítica o teto-
passou-se do paradigma da filosofia
hermenêutico (limite no horizonte de
do ser para o paradigma da filosofia
sentido) criado pelas interpretações
da consciência e deste, para o
tradicionais
Tais
paradigma da filosofia da linguagem,
exegéticos
ou seja, superou-se o pensamento
do
Direito.
condicionamentos estariam Judiciário
impossibilitando de
agir de forma
o
metafísico em que os sentidos
a
estavam
nas
“coisas”;
e
na
transformar as normas de Direito em
metafísica moderna na “mente”;
normas que tenham um escopo
passando os sentidos a serem
constitucionalista.
explicados
pela
compreensão,
sendo a compreensão na visão de 1. Crise de paradigmas
Gadamer,
linguagem,
linguagem
não
é
pois
a
simplesmente
objeto mais sim horizonte aberto de
Hermenêutica é um vocábulo
sentidos. (STRECK, 2007).
derivado do grego hermeneuein, que
Essa
significa filosofia da interpretação.
mudança
de
Muitos autores associam o termo a
paradigmas revolucionou o modo de
Hermes, o deus grego mensageiro,
interpretar
que tinha como tarefa trazer notícias.
hermenêutica,
Hermes era um deus da mitologia
possibilitou que pudéssemos não
grega capaz de transformar tudo o
apenas fundamentar, mas também
que
compreender o que fundamentamos.
a
mente
humana
não 11
o
Direito, a
a
nova
filosófica,
A tarefa da hermenêutica
demonstrando
que
na
ser-no-mundo,
um
passa a ser não mais desenvolver
inserção
um procedimento de compreensão,
processo de produção, circulação e
mas esclarecer as condições das
consumo do discurso jurídico em que
quais surge essa compreensão.
somente pela linguagem é possível
Muda o modo de se ver a
do
existe,
ter acesso ao mundo do Direito e da
filosofia e o modo de ver seu
vida. (STRECK, 2007, p. 183).
procedimento, pois na interpretação
O
direito
passa
a
ser
da lei nós não temos mais um
compreendido desse novo lugar
significante primeiro (garantia que
destinado
conceitos em geral remetem a um
terceira
único significado), que se buscava
conhecimento:
em Aristóteles como na idade média;
clássica, a preocupação era com as
quebra-se com a crença de que
coisas, na metafísica moderna com
existe uma natureza intrínseca da
a mente, a consciência; já no
realidade, onde a linguagem tem um
paradigma exsurgente da invasão da
papel secundário, de servir de
filosofia
veículo para a busca de verdadeira
preocupação é com a palavra, a
“essência” do direito ou texto jurídico
linguagem. (STRECK, 2007, p. 222).
normativo.
(BUHRING,
2001,
p.
etapa
Tanto a pragmática como a
dualismos
da
nessa
história
na
pela
filosófica
filosófica
linguagem,
do
metafísica
linguagem,
a
A hermenêutica passa a ser
259).
hermenêutica
à
podendo
rompem
e
não
assim
metódica,
não
o
ser
texto
equiparado à norma, é a norma que
metafísicos-
será
sempre
resultado
essencialistas contribuindo assim
interpretação
para
uma
intérprete assim produz a norma ao
que
interpretar o texto legal.
a
construção
hermenêutica problematiza discurso
e
de
jurídica a
relação
realidade,
entre
Estamos
do
texto.
da Cada
condenados
a
acabando
interpretar, e interpretar a lei é um
também com a tese comum teórica
ato produtivo e não reprodutivo.
dos juristas da possibilidade da
Cada interpretação é uma nova
separação
de
interpretação, cada texto jurídico
produção, interpretação, e aplicação
gera novo sentido. (...) O próprio
dos
Heidegger responde a Marx com
dos
textos
poderes
normativos, 12
uma pergunta: Interpretar já não é
procedimentalistas a Constituição é
modificar? (...) (STRECK, 2007, p.
apenas um instrumento de governo
231).
para demarcação de competências.
Dessa
maneira
possibilidade
da
positivismo
surge
a
superação
do
pelo
Os substancialistas defendem um
constitucionalismo
que
não
(neo)
prescinda de valores e princípios
um
positivados na Carta Constitucional,
deslocamento do polo de tensão
ambos repletos de força normativa,
entre
criando limitações no que tange a
constitucionalismo,
os
havendo
poderes
de
Estado
(Executivo e Legislativo) em direção
legislação
à
servindo concomitantemente como
jurisdição
resolvendo
constitucional,
o
problema
da
infraconstitucional
e
parâmetro inexorável para todas as
impossibilidade do legislativo (a lei)
políticas públicas governamentais.
antever todas as hipóteses de
Os substancialistas valorizam
aplicação.
o direito Constitucional, atribuindo a ele o poder de direção no papel de
2. Procedimentalismo x
concretizar os direitos sociais. Com
substancialismo
isto, o direito avança fazendo com que
As teorias procedimentalista e
os
valores
antes
apenas
sonhados, sejam concretizados. O
substancialista são correntes de
Judiciário
tradição
sendo
executando o trabalho do Executivo
Tentam
que é hipossuficiente nas questões
filosófica,
consideradas com
seus
não
ideologias. estudos
paradigma
da
superar
filosofia
o
acaba
assumindo
e
sociais do Estado.
da
Os
procedimentalistas,
consciência que coloca o sujeito
diferentemente veem o papel da
como fundamento sobre o qual se
constituição
pode estruturar cognitivamente a
instrumento voltado à garantia de
realidade
participação
e
proceder
a
sua
transformação racional prática.
Defendendo
para o Estado e para a sociedade, ao na
visão
democrática
um
e
à
de decisões,
Constituição é que define os fins
que
como
regulação do "processo" de tomada
Para os substancialistas a
passo
apenas
importância
dos 13
da
que Constituição
a é
meramente
secundária,
não
esfera dos outros poderes. É contra
dirigindo o processo em si. Ao
Judiciário
a leitura moral da Constituição e a
caberia
tão
leitura dos princípios substantivos
somente assegurar a observância
que
apenas
desse processo, não interferindo na
democracia perdesse seu valor.
esfera dos poderes Executivo ou
(STRECK, 2007, p. 41).
Legislativo. (STRECK, 2007).
faria
com
Defendendo
O objetivo principal do debate
que
a
a
tese
substancialista, Cappelleti diz que o
é analisar a atuação do Poder
Poder
Judiciário, avaliando se ele poderia
contribuir
atuar como mandatário para efetivar
capacidade
certos princípios positivados em
sistema político, dando assim uma
âmbito constitucional.
oportunidade a grupos marginais
A corrente procedimentalista liderada
por
Habermas,
autores
Garapon
para
pode o
de
e
deve
aumento
da
incorporação
no
que não tem acesso aos poderes
como e
Judiciário
políticos
Ely,
de
problemas
dizer e
quais
que
seus
querem
apresenta muitas divergências com
necessitam
a corrente substancialista, liderada
(CAPPELLETI Apud STRECK, 2007,
por Cappelleti, por Dworkin e no
p. 44).
Brasil
por
juristas
como
Paulo
ser
e
ajudados.
Dworkin é defensor de uma
Bonavides, Celso Antonio Bandeira
posição
liberal-contratualista
Mello, Eros Grau, etc.
entendendo
que
a
criação
Defende o procedimentalista
jurisprudencial do Direito encontraria
Habermas que os juristas estariam
seu fundamento na primazia da
usando o Direito para chegarem à
Constituição.
política e a sociedade. Para ele o
O
Estado Democrático de Direito seria
Substancialista
competência somente da legislação
equilibrando os poderes (Legislativo
política.
e Executivo) o Judiciário deveria ser
Critica,
assim,
a
leitura
um
que
intérprete
a defende
corrente é
colocando
que
em
substancialista que Alexy faz do
evidência especialmente os textos e
modelo construtivo do Direito de
princípios
Dworkin,
o
estabelecendo as condições do agir
Judiciário estaria adentrando na
político-estatal partindo da ideia de
argumentando
que
14
constitucionais,
que a Constituição é a explicitação
é vista. E o assim chamado Estado
do que deve ser feito para o alcance
Social não se concretiza no Brasil
do “Estado Social”. (STRECK, 2007,
onde a função intervencionista do
p. 45).
estado só serve para aumentar as Com
o
ingresso
do
desigualdades sociais, e isso tudo
constitucionalismo-dirigente após a
decorre
segunda guerra, não pode o poder
Constituição.
Judiciário ter uma postura passiva
da
baixa aplicação da
O judiciário só está preparado
perante a sociedade.
para
lidar
com
conflitos
A Constituição Dirigente inclui
interindividuais, próprios do modelo
no centro do debate jurídico a
liberal-individualista e não para os
política. Cria um nexo entre Direito,
problemas
Moral
individualidade que são próprios do
e
Política,
suplantando
advindos
defeitos do positivismo de outrora. A
Estado
ideia
previsto na Constituição.
da
totalidade
Constituição ressalta
seu
como
Democrático
da
trans-
de
Direito
caráter
dinâmico (não garante apenas uma
3.
Hermenêutica
ordem estática), “politiza” o conceito
Heidegger e Gadamer
filosófica:
de Constituição, que não se limita mais à sua normatividade.
A diferença entre a dogmática
(...) mais do que equilibrar e
jurídica e a hermenêutica filosófica é
harmonizar os demais poderes, o
que aquela trabalha com a técnica
Judiciário, na tese substancialista,
pura
deve
trabalha com o “dar sentido na
assumir
o
papel
de
um
contra
as
interpretação
e
essa
interpretação”.
intérprete que põe em evidência, inclusive
de
maiorias
Gadamer
ensina
que
a
eventuais, a vontade geral implícita
hermenêutica deve ser vista como
no direito positivo, especialmente
uma teoria filosófica que faria com
nos textos constitucionais, e nos
que o hermeneuta tivesse acesso a
princípios como de valor permanente
todo o mundo, pois como o diálogo é
na sua cultura de origem e na do
o pilar para o entendimento entre os
Ocidente. (...). (STREK, 2007, p. 41).
homens,
No
cotidiano
dos
juristas
é
também,
para
o
entendimento sobre as coisas de
Brasileiros nenhuma das duas teses 15
que
é
feito
nosso
mundo.
de se acessar o mundo e os seus
(GADAMER 2001).
objetos são as questões centrais na
Essa ideia de Gadamer parte
hermenêutica
filosófica
de
dos estudos de Heidegger; com ele
Heidegger, por ele denominada de
a
Fenomenologia Hermenêutica.
hermenêutica
deixou
de
ser
apenas normativa e passou a ser
Como o compreender só é
vista e encarada de forma filosófica,
possível se o homem é um ser-no-
onde a compreensão é entendida
mundo, nosso acesso a esse mundo
como estrutura ontológica, e a
só
questão sobre o sentido do ser,
(STRECK, 2007 p.199).
é
somente é possível quando se
possível
O
pela
linguagem.
compreender pode
compreende esse ser. (STRECK,
explicado
2007).
sempre nos mostrará algo. (...)
Há
pela
linguagem,
ser que
hermenêutica
Dessa forma a hermenêutica
desenvolvida por Gadamer se afasta
deixa de ser pura metodologia e
da doutrina de métodos das ciências
normativista para ser vista como
do espírito e procura caminhar para
uma questão filosófica. A linguagem
um
passa de instrumento de conceitos
olhar
além
de
sua
autocompreensão metódica através
para
ser uma
da experiência do homem no mundo
manifestação de sentidos.
(...) (MELLO, 2008, p,120).
possibilidade
de
Esse sentido não passa por
Gadamer demonstra que o
métodos
nem
etapas
da
ponto de vista de quem observa, na
hermenêutica clássica: a subtilitas
hermenêutica crítica, é que forma o
intelligendi, asubtilitas explicandi e
conteúdo
a
da
norma,
ou
seja,
subtilitas
applicandi,
esses
depende da formação histórica e
momentos passam a acontecer em
cultural do intérprete.
uma
A compreensão é um projetar-
um
texto
aplicação.
(GADAMER,
2007).
se. Gadamer afirma que quem quiser compreender
só
Gadamer diz que não é
realiza
correto
nem
eficaz
reproduzir
sempre um projetar. (MELLO apud
sentidos ao interpretar a lei, sendo o
GADAMER, 2008, p, 121).
processo hermenêutico sempre um como
“novo produzir”. Sendo para ele um
totalidade e a linguagem como meio
erro a ideia de que é possível o
A
compreensão
16
hermeneuta
ao
leitor
O juiz, quando se vê frente a
aqui
tanto
um texto, tem que agir como um
Schleiermacher como a Savigny que
historiador, o passado deve ser
ignoraram a tensão entre o sentido
entendido em continuidade com o
jurídico originário e o atual, erro esse
presente.
originário.
igualar-se Criticando
que veem sendo cometido pela
Com essas ideias, Gadamer
dogmática jurídica na atualidade.
produziu
(STRECK, 2008, p. 217).
hermenêutica.
É muito comum imaginar a
uma
revolução Uma
na
viragem
linguístico-ontológica da qual se
aplicação da lei a um caso concreto
iniciou
como um processo de lógica que
superação
parte do geral para o particular. O
metafísicos
positivismo que reduz a realidade
tomista e subjetivista (filosofia da
jurídica ao direito positivo e a sua
consciência) que vêm sustentando
“correta
as
aplicação”
sofre
duras
um
teses
longo
processo
dos
de
paradigmas
objetivista-aristotélico-
exegéticos-dedutivistas-
críticas de Gadamer, pois diz ele que
subsuntivas dominantes a que se
a distância entre a generalidade da
tem dado o nome de hermenêutica
lei e a situação jurídica concreta de
jurídica.
cada caso particular é insuperável.
Com essa viragem linguística-
Para Streck:
ontológica a interpretação do direito
O jurista toma o sentido da lei
muda, a hermenêutica filosófica abre
a partir de e em virtude de um
os horizontes para a compreensão
determinado
do direito e o que representa a
caso
dado.
O
historiador jurídico, pelo contrário,
revolução
copernicana
não tem nenhum caso de que partir,
proporcionada
mas procura determinar o sentido da
constitucionalismo, passando assim
lei na medida em que coloca
do simples copiar e fundamentar
construtivamente a totalidade do
para interpretar e compreender.
pelo
neo-
âmbito de aplicação da lei diante dos olhos. Somente no conjunto dessas
4.
aplicações
brasileiros
torna-se
concreto
o
A
interpretação
dos
juristas
sentido de uma lei. (STREK, 2007, p. 219).
O que explica hoje no Brasil a não concretização da Constituição é 17
o “teto hermenêutico” que criaram
lei
nossos juristas para impedir o papel
significativos, pois a significação que
transformador do direito.
eles dão ao sentido teórico é
Esse teto hermenêutico (que
e
o
direito
observada
sem
não
os
são
tão
valores,
limita o horizonte de sentido) torna
deixando-se assim de explicá-los,
ineficaz a concretização do “Estado
interpretá-los, ou seja, apenas se
Democrático de Direito” pelo não uso
difunde um debate sobre a norma,
do novo paradigma descrito por
não se podendo ultrapassar o teto
Gadamer. Isso ocasiona uma crise
hermenêutico
de
(metafísico-
mantendo a cegueira diante da
positivistas) que é sustentada por
racionalidade positivista. Não se
uma
metafísico-
admitindo que cada lei tem uma
dualístico-representacional, que fez
ideologia, e que essa precisa ser
e ainda faz com que a discussão
interpretada.
paradigma
metodologia
jurídica fique afastada das situações
as relações jurídicas são vistas como
Em outras palavras, esse teto impede
que
premissas de uma operação lógica
a
matemática, perde-se o objetivo
constituição se torne realidade. Daí
a
principal, o porquê daquele conflito. da
Muitos são contra a mudança de
paradigma
paradigmas, pois dizem que a maior
representacional para o paradigma
discricionariedade aos intérpretes
hermenêutico-linguístico
pode acarretar insegurança jurídica.
(GADAMER, 1999), em que o direito
Todavia estão equivocados, pois a
e todos que trabalham com ele se
hermenêutica compreende também
situam no universo do sentido e da
os princípios, situação que eleva o
compreensão.
grau de subjetividade do intérprete.
mudança
necessidade
estabelecido,
Na interpretação positivista,
concretas vividas pela sociedade.
hermenêutico
já
do
Warat (apud STRECK, 2007
A forma de compreender a lei muda,
p. 67) enfatiza que essa crise de
pois a validade dessas não depende
paradigmas permanece por antigas
somente da formalidade das normas
crenças e valores antigos, chamados
processuais, passando assim a ser
de “sentido comum teórico dos
analisada sua coerência com os
juristas”. Afirma que na rotina dos
princípios constitucionais.
juristas, a relação que se têm com a 18
Para Ronald Dworkin (apud
apreendida pelo bom intérprete,
APPIO; 2008, p. 36), princípio “(...) é
fazendo assim duras críticas à
um padrão que deve ser observado,
existência dos conceitos axiológicos
não
da Constituição.
porque
vá
promover
ou
assegurar uma situação econômica, política
ou
desejável,
social
mas
Já a discussão entre as
considerada
porque
uma
qual a lei tem uma autonomia
exigência de justiça ou equidade ou
conceitual com relação à vontade do
alguma
seu
outra
é
correntes objetivistas, segundo a
dimensão
da
moralidade”.
criador,
subjetivistas
e
as
pela
correntes
qual
deve
Para que se possa romper
prevalecer à vontade histórica do
com essa tradição que faz com que
legislador - cede espaço a uma nova
os textos jurídicos constitucionais se
hermenêutica
tornem
necessário
tem o pressuposto de que é o
compreender que a constituição é
intérprete que faz a norma através
um mecanismo prático que provoca
de um processo de integração
e pode provocar mudanças na
histórica, no qual o intérprete e o
realidade social.
texto
ineficazes
é
Para que se possa interpretar
constitucional, pois
examinado
formando
as
se
fundem,
interpretações
a constituição o intérprete deve fazer
possíveis do texto da norma para
uma fusão de pré-compreensões, só
formar
assim
presente.
as
normas
jurídicas
conseguirão ter um sentido prático.
um
novo
horizonte
no
Além da incorporação dos
As velhas teses que buscam a
princípios
na
interpretação
vontade do legislador ou a vontade
normas
da lei desconsideram o papel do
discurso jurídico elementos da moral
intérprete da constituição.
e da política fazendo que o resultado
também
se
juntam
das ao
A discussão em torno da
do processo de compreensão se
constituição não precisa, portanto de
torne cada vez mais perto e presente
uma convenção entre os sujeitos
da realidade.
acerca das suas pré-compreensões,
Neste
entretanto
a
doutrina
continua
novo
contexto,
as
decisões judiciais são orientadas por
apegada a ideia que existe uma
princípios
essência das coisas que deve ser
justificáveis racionalmente fazendo 19
e
valores
que
são
com que boa parcela das críticas a
caminho da compreensão filosófica
uma jurisprudência de valores perca
(Hermenêutica)
seu valor.
através do exercício da criatividade,
Robert Alexy recorda que
só
é
possível
da ferramenta da compreensão.
“Quem faz uma afirmação não só
A função do Poder Judiciário
quer expressar uma crença de que
no
século
XXI
é
permitir
a
algo é o caso, mas também exige
participação dos grupos sociais que
implicitamente que o que está sendo
não conseguem ter acesso ao poder
dito possa ser justificado, isto é, ser
político (executivo e legislativo), não
verdadeiro ou correto.” (ALEXY,
cabendo ao Judiciário por isso se
2008 apud APPIO 2001, p. 32).
utilizar de prerrogativas dos outros
O juiz constitucionalista é
poderes, mais possibilitando a partir
responsável pela concretização dos
das regras, igualdade a todos os
valores
cidadãos.
constitucionais.
Se
for
omisso, resulta da ineficiência do dispositivo constitucional e asfixia a sociedade. O
Considerações finais que
acontece
hoje
impossibilitando a aplicação do novo
Claro
está
que
as
paradigma-constitucional é que o
universidades de direito não têm
pensamento
dado a devida atenção ao estudo da
majoritário,
que
se
denomina dogmática jurídica, tenta
hermenêutica
jurídica
compartimentar
interpretação,
o
o
estudo
da
e
da
excesso
de
constituição. Ora é preciso entender
preocupação com a dogmática e
que nada no Direito pode ser
com o formalismo está levando os
compreendido fora da Constituição.
operadores do Direito à alienação e
Por
todos
os
motivos,
à falta de percepção dos princípios
necessário se faz entender e firmar a
constitucionais.
convicção de que é a Constituição o documento
fundamental
para
Por meio deste breve estudo,
a
percebe-se
que
uma
alternativa
defesa dos direitos sociais e que
viável para a crise paradigmática é a
sem ela não fazemos direito.
introdução
Aristóteles compartilha desse
Hermenêutica
entendimento, ao referir que o
Constitucional 20
do
estudo
da
Jurídica e
da
Justiça
Constitucional
para
um
melhor
Mudando
o
modo
de
desenvolvimento do raciocínio da
interpretar, baseado nos princípios
reflexão e da crítica jurídica.
da Constituição, revolucionar-se-á o
A crise paradigmática vem
modo de fazer direito, trazendo
impossibilitando que o país progrida,
assim mais justiça ao país.
que a Constituição seja eficiente e que a justiça seja célere.
21
Referências ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001. APPIO, Eduardo. Discricionariedade política do poder judiciário. Curitiba: Juruá, 2008. BUHRING, Márcia Andrea. Alguns aspectos da hermenêutica filosófica e jurídica. Disponível em:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/1795/1492 acess o em 10/3/2010. GADAMER, H.G. Verdade e método, traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1999. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução: Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. MELLO, Cleyson de Moraes. Introdução à Filosofia do Direito, à metodologia da ciência do direito e hermenêutica contemporânea. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. STECK, Luiz Lênio. Hermenêutica jurídica em crise. 7. ed. revista e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. VIDIGAL, Erick José Travassos. Protagonismo político dos juízes: risco ou oportunidade? Prefácio da pós-modernidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003.
22
A HERMENÊUTICA DO PRINCÍPIO BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto – Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A promulgação do Código Civil de 2.002 inovou o ordenamento jurídico privado brasileiro e uma dessas importantes inovações foi a materialização expressa do princípio da boa-fé objetiva como requisito a ser preenchido na formação e execução contratual. O presente trabalho pretende produzir uma análise deste princípio à luz de interpretações histórica, comparada, conceitual e sistemática, buscando descobrir sua origem e evolução, bem como sua relação com outros diplomas de nosso ordenamento jurídico. Por fim, serão tecidas considerações sobre as razões que fundamentaram a inserção expressa deste importante princípio contratual no Código Civil vigente.
Palavras-chave: Boa-fé objetiva e subjetiva. Interpretação histórica e comparada. Conceito. Interpretação sistemática à luz da constituição federal. Fundamentos. 23
Introdução
novo Código Civil é que se inseriu expressamente
no
ordenamento
Este trabalho visa produzir
jurídico brasileiro o princípio da boa-
uma análise do princípio da boa-fé
fé objetiva. Em seu artigo 422, versa
objetiva, introduzida expressamente
o Código: “Os contratantes são
no ordenamento jurídico com a partir
obrigados a guardar, assim na
da entrada em vigor do Código Civil
conclusão do contrato, como em sua
de 2.002.
execução,
os
princípios
de
probidade e boa-fé.”
O princípio da boa-fé objetiva visa garantir que os contratos serão
Entretanto, o novo Código
tecidos com lisura e transparência,
apenas prescreveu expressamente
sem que as partes possam introduzir
um princípio que já havia lançado
cláusulas abusivas e contrárias à
raízes desde o Direito Romano. A
vontade das partes.
boa-fé objetiva no Direito Romano
Assim, com a entrada em
reporta-se
aos
vigor do Código Civil de 2002
de
buscou-se com a inserção dos
fides. A fides representava para os
princípios da boa fé objetiva e da
romanos o respeito, a confiança, a fé
função social do contrato adequar o
que
ordenamento jurídico com o que
contratantes (sobretudo na locatio e
estava sendo até então efetivado
no mandatum). Posteriormente este
pelos Tribunais brasileiros, quando
respeito à palavra dada originou a
do
questões
ideia de ética. Com o advento
problemas
do Corpus Iuris Civilis de Justiniano
julgamento
relacionadas
de a
fides
conceitos
se
dava
e
à
bona
palavra
dos
a ideia boa-fé (bona fides) era
contratuais.
entendida
como
um
estado
psicológico de ignorância, isto é, um 1.
Interpretação
histórica
e
posicionamento neutro das partes
comparada do princípio da boa-fé
em relação às vantagens pessoais
objetiva
que elas poderiam obter com a celebração dos pactos comuns (ou
Com a promulgação da Lei
seja,
a
boa-fé
representava
a
10.406 de 10 de Janeiro de 2002, ou
vontade da parte em não lesar à
seja, com a entrada em vigor do
outra). Trata-se, pois, de uma ideia 24
influenciada pelo Direito Canônico,
costumes do tráfego”. E uma das
que enxergava a boa-fé como uma
maiores
“ausência
Assim,
pelo BGB foi a distinção entre a guter
adotava-se uma visão subjetiva da
glauben (boa-fé subjetiva) e a treu
ideia de boa-fé.
und glauben (boa-fé objetiva).
de
pecado”.
contribuições
promovida
Foi na Idade Moderna, com o
A partir daí, o direito alemão
surgimento do Code Civil francês de
acabou se refletindo no Código Civil
1.804 (Code Napoleón – Código
Italiano (1.942), no Código Civil
Napoleônico), que a noção de boa-
Português (1.966), no Código Civil
fé, passou a ser positivada. Contudo,
Espanhol (1.974), dentre outros, que
a influência da Escola da Exegese,
também inseriram expressamente
que dominou o pensamento jurídico
em seus ordenamentos jurídicos a
francês
boa-fé.
na
época,
acabou
intimidando o desenvolvimento da ideia
da
boa-fé,
devido
E de maneira louvável, a boa-
à
fé
objetiva
enfatizou-se
exacerbação do apego literal à Lei
universalmente, a ponto de ser
Napoleônica. E foi somente na
reconhecida pelas Nações Unidas
segunda metade do século XX que
como
os tribunais franceses passaram a
tratados
exigir
internacional,
a
boa-fé
das
partes
contratantes.
Code
hermenêutico
relativos
ao
nos
comércio
sobretudo
na
Convenção de Viena (1.980), na
Influenciados pelo
crivo
cláusula 7, que versa: outros
Na interpretação da presente
ordenamentos jurídicos passaram a
Convenção ter-se-á em conta o seu
adotar a ideia da boa-fé, que teve
caráter internacional bem como a
seu desenvolvimento pleno a partir
necessidade
da
Bürgerliches
uniformidade da sua aplicação e de
Gesetzbuch (BGB), o conhecido
assegurar o respeito da boa-fé no
Código Civil Alemão que entrou em
comércio
vigor em 1.900. Em seu § 242, o
(CONVENÇÃO..., 1980).
vigência
francês,
do
Código Alemão dispunha de forma geral que “O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exigia a boa-fé, com consideração pelos 25
de
promover
a
internacional.
2. Sobre o conceito da boa-fé
A boa-fé objetiva, por outro
objetiva e a relação com a boa-fé
lado, tem compreensão diversa. O
subjetiva
intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio,
Ao objetivar o princípio da
naquele caso concreto, levando em
boa-fé, o Código Civil de 2.002
consideração os aspectos sociais
pretendeu difundir um padrão de
envolvidos. Desse modo, a boa-fé
probidade
aceito
objetiva se traduz de forma mais
quando da celebração do contrato.
perceptível como uma regra de
Destarte, o Código institui, de modo
conduta, um dever de agir de acordo
geral, uma regra de conduta, na qual
com determinados padrões sociais
que as partes devem resguardar um
estabelecidos
comportamento honesto, pautado na
(2009, p. 369).
socialmente
lealdade, avaliado de acordo com o
Judith Martins-Costa:
A boa-fé subjetiva indica, de modo,
estado
A boa-fé subjetiva denota,
de
portanto, primariamente, a ideia de
consciência da parte, em que a
ignorância, de crença errônea, ainda
intenção
relação
que excusável, acerca da existência
jurídica não se corrompe pelos vícios
de uma situação regular, crença (e
da lesão, do erro, ou do dolo. É,
ignorância excusável) que repousam
portanto, um estado de consciência
seja no próprio estado (subjetivo) da
carente da má fé.
ignorância
do
um
reconhecidos.
E neste sentido completa
critério do homem médio.
outro
e
sujeito
Segundo
da
Sílvio
de
Salvo
(as
hipóteses
do
casamento putativo, da aquisição da
Venosa: [...] Na boa-fé subjetiva, o
propriedade
alheia
usucapião),
seja
mediante
numa
a
errônea
manifestante da vontade crê que sua
aparência de certo ato (mandato
conduta é correta, tendo em vista o
aparente, herdeiro aparente etc.).
grau de conhecimento que possui de
Pode
um negócio. Para ele há um estado
secundariamente,
de
vinculação ao pactuado, no campo
consciência
psicológico
que
ou
aspecto
deve
ser
denotar, a
ainda, ideia
de
específico do direito contratual, nada
considerado.
mais aí significando do que um reforço 26
ao
princípio
da
obrigatoriedade do pactuado, de
fundamentalmente, a uma atitude
modo a se poder afirmar, em síntese,
psicológica, isto é, uma decisão da
que a boa-fé subjetiva tem o sentido
vontade denotando o convencimento
de uma condição psicológica que
individual da parte de obrar em
normalmente
no
conformidade com o direito. Já a
convencimento do próprio direito, ou
boa-fé objetiva apresenta-se como
na ignorância de se estar lesando
uma exigência de lealdade, modelo
direito
objetivo de conduta arquétipo social
se
alheio,
“egoística”
concretiza
ou
à
na
adstrição
literalidade
do
pelo qual impõe o poder-dever que
pactuado.
cada
pessoa
ajuste
a
própria
[...] A boa-fé objetiva qualifica,
conduta a esse arquétipo, obrando
pois, uma norma de comportamento
como obraria uma pessoa honesta,
leal. [...] (2000, p 411-412).
proba e leal. Tal conduta impõe
É, portanto, a boa-fé objetiva
diretrizes ao agir no tráfico negocial,
um imperativo universal que vincula
devendo-se ter em conta, como
os indivíduos que pactuam o negócio
lembra Judith Martins Costa, “a
jurídico a conservarem, não apenas
consideração
na formalização do contrato, mas
interesses do alter, visto como
durante
do
membro do conjunto social que é
íntegras
juridicamente tutelado”. Desse ponto
desprovidas de quaisquer vícios.
de vista, podemos afirmar que a boa-
Enquanto que a boa-fé subjetiva se
fé-objetiva
configura
em
stricto
sensu,
a
como normativa de comportamento
vontade
das
partes
em
não
leal. A conduta, segundo a boa-fé
prejudicarem uma à outra, através
objetiva, é assim entendida como
daqueles
noção sinônima de “honestidade
toda
negócio,
a
celebração
condutas
mesmos
vícios
que
para
com
se
os
qualifica
pública”. (REALE, 2003).
descaracterizam a boa-fé objetiva, e que constituem a má fé. Nas palavras do saudoso Miguel Reale:
3.
“a boa-fé apresenta dupla
Interpretação
sistemática
do
princípio da boa-fé objetiva à luz da
faceta, a objetiva e a subjetiva”. Esta
Constituição Federal
última – vigorante, v.g., em matéria de
direitos
putativo
reais –
e
casamento
Embora, o princípio da boa-fé
corresponde,
objetiva 27
não
tenha
sido
expressamente inserido no texto
um Estado Democrático não se
constitucional, há outros princípios
impera vícios como o dolo, a lesão, a
inseridos em nossa Constituição
vantagem derivada do erro e a
Federal
o
improbidade. Em uma sociedade
abordam como o Código Civil, em
igualitária e comprometida com a
seu artigo 422.
harmonia, onde se garante a todos o
que
paralelamente
De início, este paralelo é inserido
no
Preâmbulo
exercício da justiça jamais poderia
da
admitir-se que vigore tais vícios, e
constituição:
como dito anteriormente, a ausência
Nós, representantes do povo
dos mesmos é o que caracteriza a
brasileiro, reunidos em Assembleia
boa-fé objetiva: o comprometimento
Nacional Constituinte para instituir
com a honestidade.
um Estado Democrático, destinado a
Além dos valores contidos no
assegurar o exercício dos direitos
preâmbulo da Constituição, este
sociais e individuais, a liberdade, a
paralelo se estende ainda por outros
segurança,
o
dispositivos constitucionais, como,
desenvolvimento, a igualdade e a
por exemplo, no art. 3º, I e IV, onde
justiça como valores supremos de
a República Federativa do Brasil,
uma sociedade fraterna, pluralista e
objetiva construir uma sociedade
sem
na
livre, justa e solidária, e também
harmonia social e comprometida, na
promover o bem de todos, sem
ordem interna e internacional, com a
preconceitos de origem, raça, sexo,
solução pacífica das controvérsias,
cor, idade e quaisquer outras formas
promulgamos, sob a proteção de
de
Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
garantias
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
asseguradas a todos pela própria
BRASIL.
Constituição.
o
bem-estar,
preconceitos,
Ao
fundada
constituir
Democrático assegurando
um
de o
discriminação.
Além
das
fundamentais
Estado
Assim, o que rege todas
Direito,
essas garantias, é a própria boa-fé,
da
enquanto princípio objetivo, uma vez
igualdade, o direito da justiça e a
que o mesmo assegura a retidão nas
harmonia
constituinte
relações intersubjetivas, ou seja,
originário, inseriu implicitamente no
todos os indivíduos ao pactuarem o
preâmbulo a boa-fé objetiva, pois em
contrato social entre si (isto é, ao
social,
princípio
o
28
constituírem uma sociedade, e mais
boa-fé
ainda, ao constituírem um Estado),
relações de consumo, em sua forma
obrigatoriamente são vinculados a
principiológica
conservar a boa-fé.
geral, conforme estabelece os arts.
Outrossim,
a
objetiva
e
se
aplica
como
nas
cláusula
Constituição
4°, III; e 51, IV da Lei n° 8.078 de 11
Federal ao dispor no § 2º do artigo
de Setembro de 1.990 – Código de
5º, estabelece a não exclusão dos
Defesa do Consumidor:
demais princípios por ela adotados, mesmo
que
não
Art. 4º A Política Nacional das
estejam
Relações de Consumo tem por
expressamente inseridos em seu
objetivo
texto,
necessidades dos consumidores, o
além
daqueles
da
contidos
conservação em
o
atendimento
das
tratados
respeito à sua dignidade, saúde e
internacionais. Assim o princípio da
segurança, a proteção de seus
boa-fé objetiva contido na clausula 7,
interesses econômicos, a melhoria
da Convenção de Viena, mesmo não
da sua qualidade de vida, bem como
expressamente contido no texto
a transparência e harmonia das
constitucional, já se imperava antes
relações de consumo, atendidos os
mesmo na vigência do novo Código
seguintes princípios:
Civil, para os contratos de comércio
III
internacional.
-
harmonização
dos
interesses dos participantes das
E além de ser um princípio
relações
de
consumo
e
que deve ser respeitado para a
compatibilização da proteção do
celebração do negócio jurídico, a
consumidor com a necessidade de
boa-fé objetiva, ainda se desdobra
desenvolvimento
como um cânone hermenêutico, isto
tecnológico, de modo a viabilizar os
é, um critério para a interpretação do
princípios nos quais se funda a
próprio negócio celebrado. É como
ordem econômica (art. 170, da
reza o artigo 113 do Código Civil, ao
Constituição Federal), sempre com
dispor que “os negócios jurídicos
base na boa-fé e equilíbrio nas
devem ser interpretados conforme a
relações
boa-fé e os usos do lugar de sua
fornecedores;
celebração”.
entre
econômico
consumidores
e
e
Art. 51. São nulas de pleno
Não obstante ao contexto
direito, entre outras, as cláusulas
constitucional e do Código Civil, a 29
contratuais relativas ao fornecimento
Não obstante, a boa-fé é
de produtos e serviços que:
utilizada, objetiva e subjetivamente
IV - estabeleçam obrigações
como critério de interpretação pelo
consideradas iníquas, abusivas, que
Magistrado, quando da interpretação
coloquem
em
dos contratos. E para corroborar tal
desvantagem exagerada, ou sejam
ideia, disposta no artigo 112 do
incompatíveis com a boa-fé ou a
Código Civil, onde se permite ao
equidade.
intérprete uma margem para a
o
consumidor
análise
da
vontade
contratantes,
o
íntima
próprio
dos
Código,
objetiva a boa-fé em seu artigo 422,
Considerações finais
como princípio a ser respeitado tanto na formação quanto na execução
A materialização expressa do
contratual.
princípio da boa-fé no Código Civil de 2.002 consiste em uma das
É, portanto, a boa-fé objetiva,
perspectivas do dirigismo contratual
ao lado de outros princípios, como o
promovido pelo Estado, para quando
da função social, da probidade, o da
da formação contratual permanecer
dignidade da pessoa humana e o da
o equilíbrio entre as partes, evitando,
igualdade, uma demonstração nítida
assim
de que o individualismo que outrora
que
uma
influencie
ou
vigorava no ordenamento jurídico
neutralize a vontade da outra. preocupação
pátrio, sobretudo no Código Civil de
também é o que alicerça o Código de
1.916, cedeu lugar ao “social”,
Defesa
representando
Esta
mesma
do
Consumidor,
que
assim,
uma
reconhecendo a hipossuficiência do
preocupação cada vez maior do
consumidor (Art. 4º, I) exige que as
legislador
relações
constitucionalização e socialização
de
consumo
sejam
com
a
do direito, a eficácia da democracia
pautadas na boa-fé.
e a plenitude da justiça.
30
Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 25/05/2010 às 15.00h. BRASIL. Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1.990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm> Acesso em: 25/05/2010 às 15:03h. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 25/05/2010 às 14:58h. CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. Viena: 1980. Disponível em: <http://www.globalsaleslaw.org/__temp/CISG_portugues.pdf> Acesso em: 09/03/2010 às 10:46h. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. Comenta as inovações no ordenamento jurídico, promovidas pela entrada em vigor do novo Código Civil; sobretudo, no que tange à boa-fé. 2003, homepage. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm> Acesso em: 09/03/2010 às 09:34h. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
31
A IMPRESCINDIBILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL KRAUSE, Allan Pablo Silva. Discente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga SAMPAIO FILHO, Walter Francisco. Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga
RESUMO O inquérito policial tem sido a forma mais utilizada para o Estado investigar a notícia de um crime, produzir a prova e encontrar os indícios da autoria. O Código de Processo Penal não exige que o Ministério Público se valha dele para oferecer a denúncia, podendo utilizar outros elementos de prova que tiver a seu dispor, como por exemplo, o relatório de uma comissão processante legislativa. Todavia, diante do sistema acusatório previsto na Constituição Federal, a investigação é privativa da polícia (estadual ou federal, conforme o caso) e, nesse mister, deve a autoridade policial – delegado de polícia – ater-se aos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido o dispositivo legal que dá ao inquérito a prescindibilidade está eivado de inconstitucionalidade.
Palavras-chave: Persecutio criminis. Princípios. Garantias. Inquérito policial. Imprescindibilidade. 32
1. Histórico
Introdução Muito se tem discutido sobre a
A persecutio criminis refere-
necessidade do inquérito policial. O
se ao meio pelo qual se utiliza o
Código de Processo Penal em seu
Estado para que possa esclarecer e
artigo 12 afirma que o inquérito é
descobrir a verdadeira autoria e
prescindível para o oferecimento da
materialidade de uma infração penal,
denúncia ou da queixa. Ou seja, é
conforme prevê o art.4º do CPP. Existem três fases essenciais
possível que o Ministério Público ou
à persecutio criminis, sendo elas:
o querelante provoquem a tutela jurisdicional por meio da denúncia ou
a) Investigação preliminar, por
da queixa sem que exista o inquérito.
meio do inquérito policial e do termo circunstanciado;
A investigação preliminar, a partir
da
interpretação
b) Ação penal ou momento de
desse
julgamento do investigado;
dispositivo, para alguns pode ser
c)
realizada pelo próprio Ministério
Execução
penal
ou
estudo
o
aplicação da pena;
Público ou por qualquer outro órgão
Interessa
(CPI ou relatório de comissão de
ao
o
inquérito policial. Foi instituído no
da
Brasil pelo Decreto lei nº 4.824, em
existência de prova de materialidade
22 de outubro de 1.871, quando da
do
autoria,
separação entre a Polícia e o Poder
condições da ação e pressupostos
Judiciário, dividindo-a de acordo com
processuais, oferece a denúncia.
o
sindicâncias).
Entendendo
representante
crime,
do
Parquet
indícios
da
lugar de
atividade
(terrestre,
Em razão disso, diante do
marítima e aérea), exteriorização
sistema acusatório adotado pela
(ostensiva ou secreta) e organização
Constituição Federal, muito se tem
(leiga ou de carreira, objeto (tipo de
discutido se realmente o inquérito é
crime).
imprescindível e a doutrina se divide
De acordo com a Constituição
nas opiniões. Objetiva o presente
Federal – art. 144 – a atividade de
estudo
da
Polícia Judiciária é exercida pela
necessidade do inquérito policial
autoridade policial de carreira e o
para que a denúncia e a queixa
Código de Processo Penal em seu
possam ser oferecidas.
Capítulo II trata do inquérito policial e
adotar
a
posição
33
no
artigo
4º
atribui
à
Polícia
objetivados no inquérito, não é
Judiciária a apuração das infrações
correto
penais e sua autoria. Portanto, a
realizada somente de forma verbal,
investigação criminal é tarefa da
sendo necessário seu processo ser
Polícia Judiciária (Estadual, Civil ou
feito de forma escrita, tornando-se
Federal), sob a presidência do
mais confiável e seguro, reduzidos
delegado de polícia.
tais atos a termos escritos ou
Todavia, o inquérito é dirigido
uma
investigação
datilografados
e
de forma imediata a quem possui
rubricados
pela
a opinio delicti, ou seja, na ação
competente,
penal pública, ao Ministério Público e
explicitado no art.9º do CPP;
na
ação
penal
sendo
autoridade
acordo
com
o
ao
b) Sigilosidade. Observando o
querelante. O juiz também é o
art. 20 do CPP e art.5º, XXXIII, da
destinatário mediato, pois se valerá
CF, é dever da autoridade policial
daquelas provas não renováveis
resguardar o sigilo necessário para a
para formar o seu convencimento.
elucidação do fato ou quando se
Dessa
forma,
privada,
de
sempre
ser
o
inquérito
sobrepor o interesse da sociedade,
policial é uma peça processual
porém, tal sigilo não atinge o
administrativa realizada pela Polícia
investigado
Judiciária, sigilosa, que tem por
devendo este possuir a legitimatio ad
objetivo a apuração da infração
procedimentus. A Súmula Vinculante
penal. Apurar a infração penal
n. 14 garante o acesso do advogado
significa informar se houve ou não a
aos elementos de prova já realizados
infração e se a autoria é conhecida.
pela polícia;
e
seu
advogado,
Para que o promotor ofereça a
c) Indisponibilidade. Depois
denúncia é necessário que haja
de ser instaurado o inquérito policial,
prova da materialidade do crime (que
não poderá ser encerrado por mero
ele realmente ocorreu) e indícios da
capricho do delegado, devendo ser
autoria.
conduzido
formalmente,
apresentação 2. Características e princípios
relatório
de
final
um
até
a
minucioso
elaborado
pela
autoridade que o presidiu (Art.17 e a)
Forma
conformidade
com
Escrita. os
Em
10, § 1º, do CPP);
fins 34
d) Oficialidade. Por ser o inquérito
policial
por
ampla defesa, pois não se concebe
órgãos oficiais do governo, não
a possibilidade de o advogado e o
sendo permitido sua aplicação por
investigado tomar conhecimento de
pessoas da sociedade, por mais que
todos os atos a serem realizados
seja necessária a vontade expressa
pela polícia. Todavia, é de se convir
do ofendido;
que o Estado, durante a investigação
e) princípio
realizado
princípios do contraditório e da
Oficiosidade. Tem como
afronta
basilar
o
da
ação
legalidade fundando
o
princípio
da
indivíduo
penal,
se
obedecer
primordialmente
dentro
status e,
dignitatis
para
tanto
os
do deve
limites
constitucionalmente impostos;
dos limites legais estabelecidos por
g)
Discricionariedade.
O
nossa Lei Maior e suas demais leis
inquérito é realizado conforme os
infraconstitucionais.
critérios
Não significa
de
conveniência
que os atos da autoridade dependem
necessidade
indispensavelmente de qualquer tipo
autoridade,
de provocação e nem de prévia
diligências necessárias para que se
autorização do Poder Judiciário,
promova
aliás,
investigação
sendo
necessária
obrigatoriamente
a
instauração
previstos
e
que
uma
pela
efetuará
eficaz
policial.
e
as
rápida
Isso
não
do
significa arbitrariedade, muito menos
inquérito, após a notitia criminis, ou
desrespeito à legalidade, apenas
seja, devendo ser instaurado o
permite que os atos de investigação
inquérito ex officio;
sejam
f) Inquisitoriedade. Trata-se
praticados
oportuno,
de
no
acordo
momento com
a
de um procedimento inquisitivo pelo
conveniência da autoridade policial
fato de todos os atos praticados no
para melhor produção da prova ou
inquérito
dos elementos de convicção;
estarem
responsabilidade
única
sob da
h)
Incomunicabilidade. Tem
autoridade policial, ou seja, do
como intuito resguardar um possível
delegado, devendo obrigatoriamente
prejuízo à sociedade ou ao próprio
ser realizado de ofício, a partir do
inquérito policial, caso o investigado
momento
tenha contato com terceiros. Há
em
que
houver
a notitia criminis. Há discussão
muita
quanto
respeito
à
aplicabilidade
dos 35
discussão da
doutrinária proibição
a da
comunicação do investigado com
conhecimento ocasionalmente do
outras pessoas, se tornando assim o
fato,
art. 21 do CPP inconstitucional, pois
costumeiras
estaria claramente contrariando o
autoridades. Também se diz que
direito da comunicação previsto nos
esse tipo de notitia criminis se
incisos LXII e LXIII do art.5º da
apresenta
Constituição
informam sobre o crime, pois eles
Federal.
Também
por
afronta o art.7º, III do Estatuto da
agem
Advocacia. A interpretação mais
policial;
aceita
é
que
a
prisão
meio
das
realizadas
quando
em
funções por
os
nome
da
tais
policiais
autoridade
seja
b) indireta ou mediata: essa
incomunicável, mas pode atingir a
forma de notícia do crime também é
família do preso ou pessoa que
conhecida
como
indicar, o advogado, a autoridade
qualificada
ou
policial, a autoridade judicial e o
necessita da iniciativa primária de
Ministério Público.
terceiros, que levarão a notícia do crime
3. Notitia Criminis
em
notitia
criminis
provocada,
questão
pois,
até
o
conhecimento da autoridade policial. Ocorre nos casos de representação
Notitia criminis é um termo
do ofendido ou de seu representante
latim que significa a notícia do crime.
legal nos crimes de ação penal
É a partir desse momento em que
pública condicionada;
autoridade
policial
conhecimento
da
toma
ocorrência
c)
do
cognitiva
coercitiva:
é
aquela em que a autoridade policial
crime, nascendo daí a persecutio
obrigatoriamente
criminis. Pode ser espontâneo ou
conhecimento, pois, no primeiro
provocado,
caso, o crime pode acontecer e não
apresentando-se
das
seguintes formas: a) imediata:
direta ocorre
tomará
ser informado. No segundo poderá ou
cognição a
saberá pois ocorre na hipótese de
autoridade policial presencia o crime
prisão em flagrante e, somente a
no momento de seu acontecimento,
autoridade policial é quem poderá
ou seja, de forma espontânea, não
autuar em flagrante delito, razão por
ocorrendo assim, nenhum tipo de
que, sempre saberá;
comunicação
quando
não ser representado. Mas neste ela
exterior,
tomando 36
d) delatio criminis: ocorre quando
a autoridade
informada
por
b) Requisição da autoridade
policial é
qualquer
judiciária ou do Ministério Público:
pessoa
pode o Ministério Público, recebendo
comum da sociedade ou até mesmo
a notícia de um crime, requisitar que
pela própria vítima, solicitando a
a autoridade policial instaure o
autoridade que verifique e tome as
inquérito. Nada mais correto, pois é
providências necessárias para a
ele o titular exclusivo da ação penal
investigação do fato possivelmente
pública.
delituoso.
determinação
A
regra
Formas
de
instauração
do
todavia,
inquérito policial
que
tal
importa
cumprimento 4.
é
sem é
em
discussão,
passível
descumprimento
pela
de
autoridade
policial caso o fato seja atípico, Depreende-se do artigo 5º do
esteja extinta a punibilidade ou não
Código de Processo Civil que o
exista condição de procedibilidade.
inquérito
Outra
policial
poderá
ser
instaurado da seguinte forma: a)
Ex
officio:
discussão
possibilidade
de
se
refere
à
a
autoridade
recebendo
judiciária requisitar, recomendando a
a notitia criminis deve a autoridade
melhor doutrina que não o faça, pois
policial, depois de tomar as medidas
estará suspeito, nesse caso, de
preliminares de formação da prova
julgar. O juiz deve estar o máximo
instaurar
possível
o
inquérito
policial
afastado
de
suas
independentemente de provocação
tendências acusatórias para não
se se tratar de crime de ação penal
burlar o princípio da imparcialidade; c) Comunicação ou delatio
pública incondicionada. Trata-se de da
criminis: refere-se às informações
obrigatoriedade. A peça que inicia o
que dadas por qualquer pessoa da
inquérito nessa modalidade é a
sociedade
Portaria, vez que o ato é normativo
própria vítima. De acordo com o art.
(para
5º, § 3º, do CPP “Qualquer pessoa
obediência
ao
princípio
que
determinações)
se e
cumpram
expedido
ou
até mesmo
pela
por
do povo que tiver conhecimento da
autoridade administrativa (delegado
existência da infração penal em que
de polícia);
caiba
ação
verbalmente 37
pública ou
por
poderá, escrito,
comunicá-la à autoridade policial, e
não
esta verificada a procedência das
desnecessários.
informações,
mandará
causar
constrangimentos
instaurar
inquérito”;
5. Atitudes da autoridade policial com a notitia criminis
d) Requerimento do ofendido ou por seu representante legal: tratase de um pedido de caráter oficial,
Como já visto anteriormente
podendo ser por meio de petição
tomando conhecimento da notitia
inicial
este
criminis e, tratando-se de crime de
exclusivo do ofendido ou daquele
ação penal pública incondicionada,
que o represente legalmente. Esse
pelo princípio da obrigatoriedade
requerimento pode ser em ação
deve a autoridade policial instaurar
penal
inquérito
ou
ofício,
pública
condicionada
pedido
incondicionada,
(tomando-se
policial.
Contudo,
é
como
impossível que instaure sem antes
representação) ou na ação penal
tomar algumas medidas para a
privada. O indeferimento do pedido
busca da prova da materialidade do
somente poderá ocorrer em caso de
fato e indícios da autoria. Vige no
fato atípico, falta de legitimidade,
processo penal e, especialmente no
extinção
ou
inquérito policial o princípio da
decadência. Em qualquer caso, há
imediatidade. É preciso que a polícia
necessidade
seja
colha as provas do crime o mais
ato
rápido possível, sob pena de os
da
punibilidade
que
fundamentado,
como
todo
administrativo; e)
vestígios desaparecerem.
Delação
anônima:
é
Para tanto o artigo 6º do
também conhecida como notitia
Código de Processo Penal, de forma
criminis inqualificada, não trazendo à
exemplificativa, determina quais as
autoridade policial total segurança
atitudes a serem tomadas pela
nas informações noticiadas. Neste
autoridade policial, quais sejam:
tipo de pedido de inquérito é correto
a)
Dirigir-se
ao
local
do
a autoridade policial ponderar com
crime. É o primeiro passo que toma
muita quanto à veracidade do fato
a autoridade policial, pois, necessita
criminoso
primeiro saber se o fato é realmente
redobrando
que
lhe o
é
exposto,
cuidado
na
criminoso. Se, ao menos em tese se
investigação, principalmente para
se tratar de crime deverá determinar 38
que se preserve o local e requisite
informalmente, como o fato ocorreu
exame pericial;
e quem foi seu autor;
b) Apreensão de objetos e
e) Inquirição do investigado.
instrumentos do crime. As palavras
Se conhecido o investigado ou
“objetos e instrumentos” presentes
suspeito e não se tratando de prisão
neste inciso representam tudo aqui
em flagrante, deve ele ser inquirido
que foi utilizado pelo autor do crime
para que dê sua versão sobre os
e também aos objetos que possam
fatos.
facilitar
esquecer
a
elucidação
do
fato
Todavia,
não
dos
se
seus
pode direitos
criminoso. Os objetos tidos como
constitucionalmente
apreendidos
deverão
ser
dentre
acompanhados
de
do
constitucional. Mesmo que esteja
imediatamente
sendo inquirido em declarações, seu
encaminhados ao foro competente,
direito de permanecer em silêncio
se ainda interessar ao processo. Não
deve ser informado e respeitado se
interessando,
desejar fazer uso. É possível ainda,
inquérito,
autos
deverão
ser
restituídos ao legítimo dono; c)
os
que
Busca
previstos,
quais
seja
o
silêncio
submetido
a
e
reconhecimento, respeitado o direito
apreensão. Pressupõe que a polícia
a não produzir prova contra si
vá
mesmo;
ao
encontro
de
objetos
relacionados com o crime e os apreenda
da
identificação dactiloscópica e da vida
convicção sobre o fato criminoso. Se
pregressa do indiciado, trazendo a
os objetos estiverem no interior da
ideia aos mais incautos que tais atos
residência,
devem
policial
para
a
deverá
estar
na
formação
O artigo 6º trata ainda da
a
autoridade posse
do
A autoridade policial somente poderá
d) Ouvir o ofendido. Ofendido aquele
criminosa;
que é
sofreu a
a
vítima.
realizados
imediatamente, o que não é verdade.
competente mandado judicial;
é
ser
tomar tais providências em caso de
ação
indiciamento,
É
houver
ou
indícios
seja, de
que
quando aquela
indispensável que ele seja ouvido, se
pessoa praticou o crime. A decisão
que possível evidentemente, logo
para
após o factus delicti, pois, tem
fundamentada, pois se trata de ato
condições
que poderá levar ao oferecimento da
de
explicar,
mesmo 39
o
indiciamento
deve
ser
denúncia, à decretação da prisão
Depois do relatório o inquérito
preventiva, à decretação de medidas
é
assecuratórias
é
chegando às mãos do promotor de
status
justiça (estadual) ou do procurador
libertatis e status dignatatis do
da república (federal), será analisado
indivíduo.
para
medida
que
reais,
enfim,
afronta
o
encaminhado
ao
Fórum
oferecimento da
e,
denúncia,
arquivamento ou devolução para 6. Encerramento das investigações
diligências imprescindíveis.
Praticadas e esgotadas todas as diligências necessárias para se
Conclusão
conhecer o crime – quando, como e porque
ocorreu
-,
provar
a
Percebe-se do singelo relato
materialidade e obter indícios da
sobre o inquérito policial que o
autoria, a autoridade policial fará um minucioso
relatório
expondo
legislador criou mecanismos legais
os
para
motivos pelos quais o inquérito foi instaurado;
quais
as
porque presidida por autoridade administrativa,
(pessoais e reais); a que conclusão
suspeito peça
destino
do
por meio de sua polícia judiciária. Esse respeito exigido, aliado às
delegado de polícia informar os
formas
motivos que o levaram a tomar esta decisão
durante
sua
devem ser respeitados pelo Estado
é o Ministério Público. Deverá sim o
aquela
na
direitos e garantias fundamentais
inquérito, pois o titular da ação penal
ou
invadido
na sua liberdade. E por isso, os
ser objetivo, claro, sem opiniões o
é
privacidade, na sua dignidade e até
doutrinária ou jurisprudencial. Deve
sobre
cunho
Durante as investigações o
investigado.
pessoais
tem
essencialmente processual.
chegou e porque indiciou ou não o
é
realize
se trate de peça administrativa
o resultado das provas colhidas
não
Estado
investigatória. Na verdade, embora
porque outras não foram realizadas);
relatório
o
a persecutio criminis em sua fase
diligências
realizadas e o motivo (bem como
O
que
investigação,
a
determinantes demonstra
da que
o
inquérito submete-se às regras do
investigação. 40
processo penal e, portanto, dele faz
expressamente o papel de cada ente
parte.
estatal na persecutio criminis: polícia Preferimos
dizer
o
judiciária para investigar; Ministério
inquérito é uma peça processual pré-
Público para propor ação penal com
judicial, ou seja, uma peça escrita ou
exclusividade; direito à defesa por
eletrônica,
opinio
advogado ou defensor público; e,
delict do Ministério Público, sigilosa,
julgamento imparcial pelo Poder
presidida por delegado de polícia de
Judiciário;
carreira
federal),
acusatório, impedindo que outro
realizada de acordo com princípios e
órgão, por mais capacitado que seja,
garantias fundamentais da pessoa
investigue.
essencial
(estadual
ou
que
à
adotou
o
sistema
humana, que tem por objetivo a
Diante do exposto, porque o
apuração da infração penal e sua
inquérito policial obedece aos rigores
autoria.
garantistas do investigado, deve ser
Tendo o Brasil adotado o
imprescindível ao oferecimento da
estado democrático de direito e,
denúncia.
trazendo a Constituição Federal
41
Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. COSTA, Maria Isabel Pereira da. Jurisdição constitucional no Estado democrático de direito. Síntese, 2003. CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ______. Processo penal de emergência. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. DANTAS, Ivo. Constituição e processo: introdução ao direito processual constitucional. Curitiba: Juruá, 2003. v. 1. ______. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. FOUCAUT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003. FRANCO, Alberto S.; STOCO, Rui. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.001. GRINOVER, Ada Pelegrini. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookeller, 1997. v. 1. 42
MIRABETE, Julio F. Manual de Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 1999. ______. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios constitucionais do processo na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. OLIVEIRA, Jadiel J. B. de. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980. TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
43
A INTERPRETAÇÃO NORMATIVA FACE AOS CONTRATOS BANCÁRIOS CASALI, Éllen Cássia Giacomini (Docente do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga) CONSTÂNCIO, Thiago (Discente do 10º período do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga)
RESUMO A aplicação normativa nos contratos bancários, o estudo sistemático das relações havidas com os bancos, bem como as previsões legais que às regula é o objetivo do presente artigo. Busca-se assim, conciliar a legislação às atuais necessidades deste campo, apresentando como solução uma interpretação em sentido limitado. Nesta esteira, para os contratantes que não partilham dos requisitos consumeristas, isto é, aqueles vulneráveis e destinatários finais, a lei a ser adotada será o Código Civil, norma geral de aplicação aos contratos. Portanto, nesse contesto, é posto que a norma especial da Lei n. 8.078/90 deverá ser aplicada aos consumidores em sentido limitado, assim como defende a teoria finalística. O estudo foi desenvolvido pelo método dialético, por meio de pesquisas doutrinárias, entendimentos jurisprudenciais e interpretações legais. A análise das atuais necessidades para a consecução da solução deu-se através de estudo hermenêutico. Mas também o método dogmático-jurídico, no objetivo de delimitar a força e alcance das leis relativas à matéria.
Palavras-chave: Teoria Finalística. Consumidor. Contratos bancários. 44
pelos bancos, de modo que o ramo
Introdução
das relações de consumo, ocupada A delimitação legal do tema
por consumidores em sentido estrito,
não é discutir a aplicação do Código
seja regulado pelo Código de Defesa
de
do Consumidor, já as que versarem
Defesa
relações
do
Consumidor
bancárias,
mas
às
sobre
sim,
fornecedores,
sejam
elas
verificar quem é o contratante dos
reguladas pelas previsões do Código
serviços
Civil, uma vez que não merecem as
bancários,
a
fim
de
enquadrá-lo, ou não, na condição de
mesmas
garantias
e
proteções
consumidor, a fim de analisar qual
dirigidas
aos
legislação aplicável àquela relação
decorrência de suas deficiências
contratual estabelecida.
contratuais.
consumidores,
em
Inicialmente, cumpre delimitar a aplicação do artigo 3º do Código de
Código de Defesa do Consumidor e
Defesa do Consumidor, que versa sobre
relações
de
a pessoa do consumidor
consumo,
regulando conceitos e campo de
No Código de Defesa do
atuação. No que tange ao ramo bancário,
verifica-se
quanto
lei aplicável, face a
à
divergência
o
encontrada
entendimentos
doutrinários
jurisprudenciais
com
verificação
da
consumidor.
Neste
Consumidor o legislador brasileiro, a
conflito
relação
condição sentido,
fim
bancárias
das
esclarecimentos
em
da lei n. 8.078/90: “Consumidor é
de
toda pessoa física ou jurídica que
a
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” A partir da simples leitura do dispositivo
de
pode
facilmente
pelo legislador, uma vez que este
suas atuais necessidades. deste
se
interpretar o real sentido querido
normas adequadas que supram a
Diante
na
Nesse sentido, estabelece o artigo 2º
à
melhores busca
problemas
fez uso da própria lei para defini-lo.
e
instituições
exige
evitar
interpretação do termo consumidor,
nos
complexidade que envolve o sistema regulamentador
de
usou de definições simples e exatas,
problema,
com a finalidade de que não só os
cumpre realizar uma divisão na
estudiosos
prestação dos serviços efetuados 45
das
leis
pudessem
compreendê-lo,
como
também
As teorias Maximalista e Finalística
qualquer pessoa do povo. Ao intitular um consumidor
Os
padrão, Efing declara:
doutrinadores
consumeristas
[...] para a caracterização de
dividem
opiniões
quanto à extensão da definição de
consumidor, basta que a pessoa
consumidor.
adquira ou utiliza o produto ou
Para
parte
da
doutrina,
serviço como destinatário final. Ou
entendedores da corrente finalística,
seja, quando se realiza a destinação
o
final do bem, entende-se a retirada
compreendido de maneira estrita, ou
do produto do mercado através da
seja, o destinatário final vulnerável
sua destruição (2000, p. 53).
na relação, de acordo com o artigo
Retomando os postulados de
dado
ser
Consumidor.
produto:
se
Para a outra parte da doutrina,
transformado,
se
os maximalistas, o consumidor deve
utilizado como componente de outro.
ser interpretado em sentido lato, de
Importa,
sua
maneira ampla, sendo irrelevante se
destruição. Vale dizer, a sua retirada
utilizará o produto ou serviço como
do ciclo econômico.” (DONATO,
seu destinatário final para repasse
1993, p. 104 apud EFING, 2000, p.
ou mesmo como meio de alcançar
53).
seus propósitos como fornecedor.
reciclado,
ao
deve
4º, I, do Código de Defesa do
Donato, atesta: “Não Importa o destino
consumidor
se
especialmente,
Logo,
é
de
a
essencial
Observa-se que estes fins
importância a destinação final do
nada mais são do que uma manobra
produto ou serviço adquirido. Ou
do mercado de consumo. Para essa
seja,
este
corrente, o efeito buscado deve ser a
produto ou serviço seja consumido
aplicação de forma generalizada do
por seu adquirente final, tornando
Código de Defesa do Consumidor.
imprescindível
que
prejudicada suas existências.
Levando-se princípios
em
conta
consumeristas,
os este
pensamento afronta a razão de ser do Código do Consumidor. Pois, como reza o artigo 2º, estudado conjuntamente com o artigo 4º, 46
ambos da lei 8.078/90, o consumidor
obtivesse qualquer propósito de
deve ser final, além de exigir a
lucro.
vulnerabilidade,
somente
A maior característica deste
encontrada em quem adquire algo
personagem é sua posição na
sem fim de benefício financeiro.
relação comercial, a vulnerabilidade.
Pensando na relevância das afirmações,
não
poderá
Perfeitamente esclarece Donato:
ser
A lei ao incluir a pessoa física
considerado consumidor todo aquele
que, mesmo sendo fornecedora, ao
que possuir interesse de lucro, e,
inserir-se no polo ativo da relação
neste caso, incompatível com os
jurídica de consumo, na qualidade
objetivos de repasse ou uso em
de ‘consumidor-destinatário final’,
quaisquer
estaria a fazê-lo como qualquer outro
atividades
de
fornecimento.
consumidor, ou seja, sem possuir
A proteção ao consumidor
qualquer poder de barganha sobre
final pode ser estendida à pessoa
seu ‘fornecedor’, estando a aceitar
que exercer pequena atividade, esse
as cláusulas contratuais impostas
pensamento
sem que lhe fosse conferida a
fundamenta-se
na
vulnerabilidade prevista no artigo 4º,
possibilidade
I, da Lei 8.078/90 que prevê o
conteúdo;
enfim,
“reconhecimento da vulnerabilidade
revestido
com
do consumidor no mercado de
vulnerabilidade que qualquer pessoa
consumo”.
comum se encontraria ao realizar
Conforme expõe o caput do
aquele
de
discutir
seu
encontrar-se-ia a
mesmo
mesma
contrato,
artigo 2º do Código de Defesa do
apresentando-se, nessa relação de
Consumidor: “Consumidor é toda
consumo, o mesmo desequilíbrio
pessoa física ou jurídica que adquire
que
ou utiliza produtos ou serviço como
realizado
destinatário final.”
consumidor-vulnerável.
se
apresentaria por
se
fosse
qualquer
outro
(DONATO,
1993, p. 104apud EFING, 2000, p.
Logo, quis o legislador referirse a toda pessoa física, capaz ou
49).
incapaz, que possuísse desejo de
Em resumo, a pessoa jurídica
adquirir do sistema econômico um
consumidora deverá apresentar-se
produto ou serviço a fim de esgotá-lo
como destinatária final do produto ou
em
sua
existência,
sem
que 47
serviço e ser o polo vulnerável da
consumo, para reprimir eficazmente
relação.
os abusos do poder econômico, para
No
capítulo
das
práticas
proteger os interesses econômicos
comerciais, o artigo 29 do Código de
dos
Defesa do Consumidor, que trata de
legislador concedeu um poderoso
uma das formas de equiparação ao
instrumento nas mãos daquelas
consumidor, profere que “para fins
pessoas
deste
seguinte,
econômicos) expostas às cláusulas
consumidores
abusivas. Estas, mesmo não sendo
capítulo
equiparam-se
e
do
aos
consumidores-finais,
(mesmo
o
agentes
todas as pessoas determináveis ou
consumidoras
stricto
não, expostas às práticas nele
“poderão
previstas.”
especiais o CDC, de seus princípios,
utilizar
sensu,
das
normas
Neste caso, a intenção da
de sua ética de responsabilidade
norma é a tutela da coletividade
social no mercado, de sua nova
exposta
ordem pública, para combater as
a
práticas
sobrevindas
da
abusivas
oferta,
práticas
da
publicidade, das práticas abusivas,
dados
e
Sendo assim, a norma em
de
estudo objetiva a proteção destes
cláusulas
consumidores equiparados que, por
abusivas e dos contratos de adesão.
sua vulnerabilidade, com previsão no
Entende-se por
no
artigo 4º, IV, da lei 8078/90, estão
consumidores,
presente indivíduos, jurídicas,
cadastro
abusivas”.
(MARQUES, 1999, p. 157).
da cobrança de dívidas, dos bancos de
comercias
das
coletividade,
contexto,
todos
os
suscetíveis às práticas comerciais
pessoas
físicas
ou
abusivas.
que
estiverem As instituições bancárias e sua
potencialmente sujeitos às práticas
definição legal
consumeristas e que, de qualquer forma, lhes forem prejudiciais.
Mais uma vez, o Código de
O artigo 29 supera, portanto, os
estritos
limites da
Defesa do Consumidor conceitua os
definição
personagens
jurídica de consumidor para imprimir
da
relação
de
consumo, contudo desta vez procura
uma definição de política legislativa!
ampliar o campo de atuação desta
Parece-nos que, para harmonizar os
nova figura, o fornecedor.
interesses presentes no mercado de 48
A Lei nº 8.078/90 descreve o
aquelas mencionadas no próprio
conceito de fornecedor no caput de
artigo 3º da lei do consumidor. Além
seu artigo 3º, mencionando:
disto,
Fornecedor é toda pessoa
exige-se
habitualidade
e
remuneração.
física ou jurídica, pública ou privada,
Isto
se
deve
ao
termo
nacional ou estrangeira, bem como
‘atividades’, previsto no caput do
os entes despersonalizados, que
artigo 3º da Lei 8078/90, e ‘mediante
desenvolvem
remuneração’, também expressa no
atividades
produção,
montagem,
construção,
de
criação,
§ 2º da mesma norma. Descreve o § 2º: “Serviço é
transformação,
importação, exportação, distribuição
qualquer
ou comercialização de produtos ou
mercado de consumo, mediante
prestação de serviços.
remuneração,
Como definição quanto
se
não às
Podendo
observa prevê
suas
ser
sua
restrições
física
fornecida
inclusive
as
no
de
natureza bancária, financeira, de crédito
características.
pessoa
atividade
e
securitária,
salvo
as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
ou
jurídica, nacional ou estrangeira,
Assim
como
demonstra
pública ou privada, ou até mesmo
Pasquotto (RT666/52 apud Efing,
um
Isto
2000, p. 59), a norma revela que o
ocorre para garantir que nenhum
fato de o indivíduo praticar uma
fornecedor
atividade, de que vale lembrar,
ente
despersonalizado.
se
exima
de
suas
responsabilidades. Ocorre
que
habitual, cumulada com a intenção o
legislador
de
receber
determinada
tencionou a conceituar o maior
remuneração, leva a consideração
número possível de pessoas que
de um exercício profissional.
desenvolvessem atividades com fim
Coloca ainda que “também o
lucrativo. Não deixando de incluir
fornecedor de produtos, para ser
nem
considerado como tal, deve atuar no
mesmo
os
entes
despersonalizados.
curso
de
sua
atividade-fim.”
Para Marques (1999, p. 163),
(Pasquotto apud Efing, 2000, p. 59).
basta que fique constatado que este
Conclui Nunes (2000, p. 86) que: “O
sujeito
uso do termo “atividade” está ligado
desenvolva
tipicamente
atividades
profissionais,
como
ao seu sentido tradicional. Têm-se 49
então, atividade típica e atividade
59), o maior motivo de sua expressa
eventual.”
inclusão no dispositivo em comento
Segundo
esse
autor,
a
foi de que viessem a responder por
atividade típica refere-se àquela que
suas práticas.
é exercida em caráter regular, isto é, periodicamente. entende
se
eventual, refira
figura das instituições de natureza
aos
bancária, financeira, de crédito e
fornecedores que exerçam seu ofício
securitária. Grande discussão surgiu
com pouca habitualidade, ou seja,
a partir destas colocações. Isso
que
porque
o
que
Já
O § 2º do artigo 3º alude à
pratique
com
pouca
as
próprias
instituições
previsibilidade, como, por exemplo,
bancárias, no intuito de se eximirem
um artífice de ovos de páscoa
da aplicação do Código de Defesa
artesanais. (NUNES, 2000, p.86)
do Consumidor em suas atividades,
O legislador, a fim de evitar eventuais
problemas,
incluiu
conceito
fornecedor
os
despersonalizados.
defenderam fortemente que seus
ao
serviços não se enquadravam na
entes
qualidade
Encontram-se
de
fornecedoras
de
produtos e serviços.
entre estes a família, a massa falida,
A
partir
dessa
polêmica,
as heranças jacente e vacante, o
originou-se a interposição da Ação
espólio e o condomínio (este último
Direta de Inconstitucional número
já ultimamente sendo considerado,
2591, em que os bancos defendiam
fora do Brasil, como uma figura
a exclusão dos trechos que os
especial
incluía no §2º do artigo 3º da lei.
de
pessoa).
[...]
Sinteticamente, pode-se dizer que fornecedor
é
todo
ente
A Confederação de Sistema
que
Financeiro (Consif), propositora da
provisione o mercado de consumo
ADIN,
de produtos ou serviços. (Martins,
inconstitucional o enquadramento de
1991, p. 18 apud EFING, 2000, p.
bancos no conceito de fornecedores,
59).
uma vez que não havia de se falar Considerando
defendia
que
seria
estes
em relação de consumo. Todavia, foi
aspectos, pode-se dizer que o
dada como improvida, pelo Superior
legislador foi sábio ao se preocupar
tribunal Federal, a Ação Direta de
também
de
Inconstitucionalidade número 2591,
fornecedores. Para Efing (2000, p.
por nove votos a dois, pois, por mais
com
essa
forma
50
de uma vez, foi decidido que os
Não se pode perder de vistas
produtos e serviços prestados pelas
que as instituições financeiras são
entidades
preenchem
responsáveis pela regulamentação
todos os requisitos para conceituá-
de uma enorme gama de atividades
las como fornecedoras, como já
econômicas, uma vez que lhes
mencionado
compete a responsabilidade pelo
bancárias
no
transcorrer
do
capítulo em comento. Confirmando,
andamento do mercado financeiro.
ainda, aplicabilidade da súmula 297
O artigo 17 da Lei nº 4.595/64
do Superior Tribunal Federal, a citar:
descreve que:
“O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável
às
Consideram-se
instituições
financeiras,
financeiras.”
efeitos
da
legislação em vigor, as pessoas
Isso se explica nas palavras
jurídicas públicas ou privadas, que
de Leães, que:
tenham como atividade principal ou
Os serviços oriundos das atividades
para
instituições
acessória a coleta, intermediação ou
bancárias, financeiras,
aplicação de recursos financeiros
creditícias e securitárias [...] são
próprios ou de terceiros, em moeda
exclusivamente
serviços
nacional ou estrangeira, e a custódia
vinculados ao fornecimento de bens
de valor de propriedade de terceiros.
os
e serviços no mercado de consumo de
bens
e
serviços,
já
foi
discutido
a
se
respeito da aplicação legal no ramo
estendendo aos outros segmentos
bancário. Desde a entrada em vigor
do processo econômico onde essas
do
atividades
Consumidor, lei nº 8.078 de 11 de
são
não
Muito
desenvolvidas.
Código
de
Defesa
do
(LEÃES, 1990, p. 65-79 apud Efing,
setembro
2000, p.63).
regulamentação destas instituições
Esta
decisão
partiu
do
foi
retirada
de
do
1990,
âmbito
cível
a
e
entendimento de que os bancos
transferida para a lei do consumidor,
nada mais são que prestadores de
de acordo com seu artigo 3º, § 2º. Diz
serviços, isto se deve ao fato de que
a referida norma: “Serviço é qualquer
põe à disposição do mercado de
atividade fornecida no mercado de
consumo serviços no intuito de lucrar
consumo, mediante remuneração,
através de pequenas cobranças,
inclusive as de natureza bancária,
dentre elas os juros.
financeira, de crédito e securitária, 51
salvo as decorrentes das relações de
Dessa forma, importante se
caráter trabalhista.” Acontece
faz a análise dos tipos contratuais
que,
em
sua
mencionados no referido parágrafo.
publicação, a lei consumerista veio a
As atividades bancárias e financeiras
tratar desta abordagem de maneira
dispensam comentários por serem
específica, ilustrado acima. Uma vez
diretamente ligadas ao conceito
que o Código Civil assim não o fazia,
banco.
a competência foi transportada de acordo
com
o
princípio
A Lei nº 8.078/90 rege a
da
política econômica nas instituições
especialidade, do qual concede a
bancárias
aplicabilidade a leis mais específica.
consumição,
Sem a necessidade de fazer uma
regulamentar as negociações de
profunda análise, fica evidente a
ordem econômica, a fim de ver
vontade do legislador em fazer uso
alcançado o equilíbrio entre as
deste código às relações tidas com
partes nas relações de consumo.
instituições financeiras.
em e
matéria tem
de
por
objeto
Neste sentido, regulamenta
Filomeno revela que:
apenas a maneira de proceder dos
[...]
atividades
bancos no que diz respeito às
desempenhadas pelas instituições
atividades por eles praticadas. Por
financeiras, quer na prestação de
isso, é importante ressaltar que a lei
serviços aos seus clientes (por
do
exemplo, cobrança de contas de
competência no trato do sistema
energia elétrica, água e outros
financeiro, mas só concernente às
serviços, ou então expedição de
atividades
extratos-avisos
etc.),
concessão
mútuos
as
de
consumidor
não
que
quer
na
consumidores.
ou
de
A
Lei
nº
envolvem
4.595/64,
regulamenta
bens, inserem-se igualmente no
financeira, estabelece em seu artigo
conceito
1º:
de
serviços
e
enquadram-se indubitavelmente nos
O
política
que
financiamentos para a aquisição de
amplo
a
possui
sistema
nacional
Financeiro
dispositivos do Código de Defesa do
Nacional, estruturado e regulado
Consumidor (FILOMENO, 1991, p.
pela presente Lei, será constituído:
36-37 apud EFING, 2001, p. 71).
I - do Conselho Monetário Nacional; 52
II - do Banco Central da
decorrentes do relacionamento entre
República do Brasil;
as
II - do Banco Central do
pessoas
físicas
e
jurídicas
especificadas nos artigos anteriores;
Brasil; (Redação dada pelo Del nº
II
278, de 28/02/67)
-
fixar,
questões
em
razão
operacionais,
de
prazos
III - do Banco do Brasil S. A.;
diferenciados para o atendimento do
IV - do Banco Nacional do
disposto nesta resolução.
Desenvolvimento Econômico;
Nesse diapasão, o Código de
V - das demais instituições
Defesa
financeiras públicas e privadas.
do
Consumidor
responsável
Além disso, há também a
pela
fica
aplicação
normativa aos bancos sempre de
regulamentação da resolução nº
sua
atuação
2.878/2001, do Banco Central, no
consumo.
no
mercado
de
trato das atividades promovidas
O Código Civil, por ser lei que
pelos bancos. Também se faz válido
trata do ramo de direito privado, não
salientar os seguintes dispositivos:
poderia deixar de ser aplicada aos
Art. 2. Ficam as instituições
contratos bancários, uma vez que
financeiras e demais instituições
estes também constituem, muitas
autorizadas a funcionar pelo Banco
vezes,
Central do Brasil obrigadas a exigir
particulares.
de
seus
clientes
e
usuários
relação
contratual
entre
A lei civil, por sua também
confirmação clara e objetiva quanto
adequação
a aceitação do produto ou serviço
aplicação aos contratos bancários,
oferecido
provocou
ou
colocado
a
sua
e
suscetibilidade
grande dos
discussão
disposição, não podendo considerar
âmbito
o silêncio dos mesmos como sinal de
Contudo,
concordância.
contratos de maneira geral.
o
serviços código
de
no
bancários. trata
dos
Art. 20. Fica o Banco Central do Brasil autorizado a:
Conclusão
I - baixar as normas e a adotar as medidas julgadas necessárias à execução
nesta
Desta forma, conclui-se que
podendo
inclusive
só estará amparado pelas normas
novas
situações
protetivas do Código de Defesa do
do
resolução, regulamentar
disposto
53
Consumidor aquele que adquirir o produto
ou
serviço
sem
O Código Civil, portanto, é
fins
norma geral, aplicada a todos os
lucrativos.
contratos
Uma vez que as relações
fora
do
âmbito
consumerista.
contratuais entre instituição bancária
Por isso, toda vez que um
e fornecedor não podem estar
fornecedor fizer uso dos serviços
incluídas na esfera consumerista,
bancários, a fim de ligá-los a sua
deve-se aplicar o instituto regulador
própria atividade lucrativa, ser-lhe-á
dos contratos em geral, isto é, o
aplicada a norma geral do Código
Código Civil, mais precisamente
Civil. Do contrário, qualquer pessoa,
regulando a matéria em seu Título V,
destinatária final dos produtos e
Livro I, artigos 421 e seguintes.
serviços bancários, que não objetivar
Este instituto, diferentemente
o trabalho lucrativo por meio destes,
Código
do
estará sob a égide do Código de
Consumidor, não faz distinção entre
Defesa do Consumidor, fazendo uso
as partes do contrato, ao ponto de
de
prever vantagem desigual a somente
consumeristas.
do
de
Defesa
uma delas.
54
todos
os
seus
benefícios
Referências BRASIL. Código Civil 2002. Código civil. Brasília, DF: Senado. 2002. ______. Código de Defesa do Consumidor 1990. Código de proteção e defesa o consumidor. Brasília, DF: Senado, 1990. ______. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. ______. Lei n. 4595/64. Lei da reforma bancária. Brasília, DF: Senado. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4595.htm>. Acesso em 15 abr. 2010. EFING, Antônio Carlos Efing. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 20
55
A POLITICIDADE DO DIREITO E A FUNÇÃO CRIADORA DO JUIZ XAVIER, Vívian dos Santos – Discente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O
objetivo
desse
estudo
é
apresentar,
mediante
pesquisas
bibliográfica sobre a Semiótica da linguagem, na Pragmática e na Retórica, uma análise da linguagem jurídica. Justifica-se o tema pois as teorias linguísticas citadas são relevantes, mas ainda pouco difundidas. Uma das questões que aproxima a filosofia política e a doutrina jurídica atuais refere-se aos limites hermenêuticos impostos na atividade judicial. A visão dogmática do Direito, assentada com a Escola da Exegese, afastou o discurso jurídico de seu componente histórico, ideológico e valorativo. Até o final do século XIX a aplicação da lei era vista pela doutrina como um silogismo no qual uma norma era aplicada a um fato e por meio de uma dedução se chegava a uma sentença. A partir do século XX, surgiram novas concepções que reconheceram a inexistência de ligação entre os códigos e os fatos sociais. A partir destas novas concepções, o ato discursivo converte-se em uma manifestação discursiva, o que ampliou o papel do exegeta. Neste contexto, surge um questionamento sobre o papel criativo do juiz e a politicidade da atividade decisória. Recentes estudos na área da linguagem (Semiótica) reconhecem no Direito um processo cumulativo de discursos cujas significações são condicionadas ao meio social. Um dos ramos da Semiótica, a Semiologia do poder aplicada ao direito, objetiva a análise das funções, dos efeitos políticos e ideológicos dos diferentes discursos jurídicos e se preocupa com o condicionamento que tais discursos provocam na sociedade. Tal ramo visa mostrar que certos discursos carregam um sistema de sentido ideológico e funcionam como uma técnica de efeitos sociais, interligando os que detêm a posse da gramática interpretativa (juízes) a um certo poder social. Não existem palavras inocentes. O espaço social de onde emanam 56
sempre reflete relações ideológicas. Nenhum discurso é neutro, muito menos o judicial. Ao decidir, o juiz apresenta sua compreensão de mundo e dá seu diagnóstico dos fenômenos e das ocorrências que importam ao Direito. O trabalho interpretativo não consiste em desvendar um sentido oculto na norma, mas sim em atribuir um significado a ela. O juiz não descreve o sentido da norma, mas a cria e a redefine, alterando as características de relevância da palavra no texto legal causando uma mudança em sua denotação. Portanto, é evidente que o Direito possui uma dimensão política, pois o sentenciador jamais é neutro. Quando o juiz, ao fundamentar a decisão, avalia a consequência social da sentença, o respaldo ético e a eficácia jurídica, realiza um julgamento subjetivo apoiado em seus valores pessoais e ideologia, repercutindo sua visão política.
Palavras-Chave: Hermenêutica jurídica. Semiótica. Pragmática. Ideologia. 57
O maior mérito de Saussure
Introdução
está em sua revolucionária postura epistemológica que determinou a
O objetivo desse estudo é
possibilidade de refletir a partir de
apresentar, com subsídios na teoria Semiótica
da
linguagem,
um novo lugar teórico, sobre os
na
diferentes sistemas sígnicos.
Pragmática e na Retórica, alguns
A oposição entre língua e fala
pressupostos para a análise da
permite a Saussure aspirar por uma
linguagem jurídica. Justifica-se a
ciência dos signos. O linguista deve
escolha desse viés teórico tendo em vista
que
as
linguísticas
recentes
teorias
um
impacto
têm
situar sua observação no conjunto de todos os fatos linguísticos que ocorrerem
considerável sobre a linguagem jurídica
e
são
ainda
captar
um sistema abstrato: a língua. Na teoria de Saussure, a
em torno da linguagem natural.
língua é considerada como um
Linguagem nada mais é do
sistema de signos e, assim, a sua
que a capacidade que o homem tem
unidade mínima de análise é o signo.
de se comunicar com outras pessoas
Distinguem-se no interior do
através da língua (sistema de signos por
uma
signo, dois elementos: o indício
determinada
material ou significante, (som, sinal,
comunidade).
grafia,
Na Europa e nos Estados Unidos,
Ferdinand
Saussure
dos
Sistemas
gesto,
comportamento,
objeto, imagem), e o conteúdo
e
significado (fenômeno, fato). O signo
Charles Pierce elaboraram a Teoria Geral
universais
funcionamento e organizando-a em
e
investigações feitas pelos linguistas
utilizados
elementos
ao mesmo tempo, sua estrutura e
em um ambiente crítico e polêmico e estudos
os
subjacentes aos usos explicitando,
estuda os signos, desenvolveu-se
de
manifestações
empíricas dos signos (fala), tentando
pouco
difundidas. A Semiótica, ciência que
originou-se
nas
é
Sígnicos,
um
conceito
teórico
que
empregamos para nos referir ao
desenvolveram estudos semióticos
ponto de articulação indissociável
desenvolvendo leis e os conceitos
entre o indício material (significante)
metodológicos que poderiam ser
e
considerados válidos para todos os
o
seu
(significado).
sistemas sígnicos (WARAT, 1984). 58
conteúdo
conceitual
Apenas se pode ter acesso a
pragmática,
um significado, através de algum tipo
maneira
de significante (WARAT, 1984).
relacionam.
A significação da expressão “emboscada”
caracteriza
qual Assim
a
elas
se
para
o
desenvolvimento de uma norma ou
o
texto jurídico devem estar presentes
nosso
as três fases da semiótica, ou seja, a
código penal (artigo 121, § 2º, inciso
sintática, semântica ou pragmática.
IV) estabelece-se pela oposição a
É nesse sentido que o autor Eduardo
termos
C. B. Bittar se refere:
homicídio
que
pela
demonstrando
qualificado
que
em
especificam
a
significação de um signo.
O que há, em verdade, é que
Já podemos perceber que a
não se pode falar de norma jurídica
significação de um termo depende
como sentido, como discurso ou
de um duplo movimento ou relação:
como texto jurídico, senão quando
a relação interna do signo e a
estão
relação com os outros signos.
semióticas, a saber, a pragmática
A linguagem não só permite o
(na
reunidas as três facetas
interação
sujeito/norma),
intercâmbio de informações e de
semântica
conhecimentos
como
signos/referente) e a sintática (na
também funciona como meio de
integração signos/signos). (BITTAR,
controle
2001, p. 186).
de
conforme
humanos,
tais
conhecimentos,
afirma
a
corrente
sob três pontos de vista, atendendo
importância
ao fato de que pode ser considerado
fundamental da linguagem para a
como elemento que mantém três
ciência do Direito, pois esta deve
tipos de vinculações: com os outros
construir seu objeto sobre dados que
signos (sintaxe); com os objetos que
são
designa
expressos
a
interação
O signo pode ser estudado
linguístico-epistemológica. Salienta-se
(na
a
pela
própria
linguagem, ou seja, a linguagem da
(semântica);
com
os
homens que o usam (pragmática).
ciência jurídica fala sobre algo que já
Estes três níveis de análise
é linguagem anteriormente a esta
constituem as partes da semiótica,
fala (WARAT, 1984).
entendida como a teoria geral de
A semiologia, que é o estudo
todos os signos e sistemas de
dos signos, trabalha com a relação entre
sintaxe,
semântica
comunicação.
e 59
No que pertine à Pragmática,
Em suma, a análise com base
tem-se que esta é a parte da
pragmática permite articular certas
semiótica que estuda a relação dos
características
signos com seus usuários. Sua
significativo (persuasão, legitimação,
problemática central gira em torno da
antecipação) explicitando em grande
análise dos modos de significar,
parte as funções dos discursos na
usos ou funções da linguagem.
sociedade e mostrando como a
A ideologia não só encontra-
do
identificação
funcionamento
empirista
entre
se presente no discurso natural
descrição e realidade é uma forma
como também constitui um sistema
de
de evocações contextuais surgidas
discurso científico.
despolitização-politizadora
do
No que concerne à Retórica,
no uso pragmático do discurso científico.
sabe-se que a semiologia dominante
Nesse sentido Warat:
pode ser vista como uma nova forma
A pragmática, projetada ao
de
desenvolvimento
das
velhas
direito, permite compreender que a
pesquisas retóricas. A Retórica é
ideologia é um fator indissociável da
definida como a metalinguagem cuja
estrutura conceitual explicitada nas
linguagem objeto é o discurso.
normas gerais. A partir da análise
A semiologia, como retórica,
pragmática pode ser levantada a
fornece um protocolo de técnicas, de
tese no sentido de que um discurso
métodos que permitem organizar de
normativo, para que exista o efeito
modo
de uma univocidade significativa,
persuasão ou convencimento. Os
deve haver uma prévia coincidência
resultados obtidos representam uma
ideológica. Por esta razão, a análise
estratégia
pragmática é um bom instrumento
interpretação dos discursos.
para a formação de juristas críticos,
racional
Desta
as
formas
normalizadora
forma,
o
de
da
discurso
que não realizem leituras ingênuas e
constitui um ato de argumentação
epidérmicas das normas, mas que
cujo principal problema teórico é
tentem descobrir as conexões entre
configurado pela sua relação com
as palavras da lei e os fatores
seus interlocutores. Considera-se a
políticos e ideológicos que produzem
retórica como uma investigação
e determinam suas funções na
sobre os discursos que objetiva dar
sociedade. (WARAT, 1995, p.47).
conta do processo argumentativo na 60
instância
da
própria
prática
Para Aristóteles, o discurso do
lingüística.
orador deve ser entendido como
A análise retórica representa
uma ação política; o ato do orador
uma fragmentária abertura para o
tem finalidades práticas na vida do
processo
Estado.
de
compreensão
das
Tais
finalidades
dimensões políticas da significação.
condicionam o processo persuasivo
O pensamento retórico situa-se em
determinando em última instância, a
um campo de observação que,
verossimilitude
mostrando
entimemáticas.
processo também
certos de os
defeitos
persuasão, efeitos
do
indica
sociais
das
premissas
Esta vinculação do discurso
de
retórico com o Estado é muitas
dominação (WARAT, 1984).
vezes negligenciada e o preço pago
O pensamento argumentativo
na atualidade é a existência de uma
organiza-se a partir de entimemas e,
semiologia despolitizada.
portanto, não permite o controle
Conclui-se que os estudos
lógico das evidências que postula.
linguísticos e semiológicos do Direito
Para os aristotélicos, o entimema é
necessitam procurar acompanhar o
um silogismo fundamentado a partir
salto teórico que a própria lingüística
da verossimilhança, ou seja, uma
e
afirmação
das
produzir; tendo em vista que uma
desenvolvidas
à
verdades margem
das
a
semiologia
formação
estão
discursiva
tentando
depende
demonstrações lógicas e apoiada
sempre de uma prática política
unicamente ao nível do pensamento
(STRECK, 2007).
popular, das crenças socialmente
Através dessa retórica, tentar-
estereotipadas. Os resultam
se-á demonstrar como os discursos
argumentos persuasivos
apenas entre
não
os
Tem-se assim a tentativa de gerar “corpos ideológicos” que agem
políticas que a sustentam. à
mas
corpos.
ideologia dominante e as condições
falta
persuadem,
também procuram se apoderar dos
juristas quando não contradizem a
Assim
somente
retórica
de forma fascista sobre si mesmos.
tradicional inaugurar uma ampla
A semiologia política aplicada
discussão sobre a situação política
ao direito, tenta tornar objeto de seu
da palavra na sociedade.
estatuto a política da análise que 61
regula a produção do saber jurídico
trabalhando com a perspectiva de
dominante.
um Direito cunhado para enfrentar
A partir de todo o conteúdo
conflitos interindividuais bem nítidos
exposto, é claramente perceptível
em nossos códigos (civil, penal,
que estamos diante de uma crise do
comercial...) (STRECK, 2007).
Direito, do Estado e da dogmática
O Direito e a dogmática
jurídica (STRECK, 2007).
jurídica não conseguem atender as
Atualmente vive-se uma era
especificidades
das
demandas
em que a modernização é vista
originadas
uma
sociedade
independentemente do bem-estar
complexa e conflituosa. Desta forma,
coletivo. Mesmo com o imenso poder
o
econômico
transindividuais
agregado
não
se
de
crescimento
dos e
a
direitos crescente
consegue resolver os problemas
complexidade social exigem novas
relativos às desigualdades sociais.
posturas dos operadores jurídicos.
Constroem-se sociais
que,
modernas,
ao
estruturas
Necessário se faz que haja
fazerem
uma mudança de paradigma, uma
se
mantêm
todas
as
reviravolta na ciência do Direito a fim
características do que há de mais
de que se encontrem soluções mais
injusto e estúpido. As promessas da
acertadas frente às demandas da
modernidade
cumpridas
sociedade. É preciso ter em mente
somente para um certo tipo de
que se no processo constituinte
brasileiros, e, para os demais, resta
optou-se
a
intervencionista
são
exclusão
social
desfavorecimento
e
o
por
um visando
Estado a
uma
econômico.
sociedade mais justa, deveria-se
Assim, pode-se dizer que no Brasil
esperar que o Poder Legislativo e o
prevalece o modo de produção do
Executivo
cumprissem
Direito instituído para solucionar
programas
especificados
disputas interindividuais.
Constituição.
A crise do modelo ou do modo
Constituição
Ocorre não
está
tais na
que
a
sendo
de produção do direito se instala
cumprida, o que se evidencia pelo
justamente
plena
aumento dos presídios e das favelas.
sociedade moderna e repleta de
Destarte, o conceito de Estado
conflitos
a
Democrático exige a rediscussão do
continua
papel destinado ao Poder Judiciário,
dogmática
porque
em
transindividuais, jurídica
62
buscando não apenas reconstruir o
é obtido quando adequadamente
Estado de Direito, mas também
manipulam-se as palavras.
resgatar
a
força
do
Direito,
A
semiologia
do
poder
competindo à jurisdição a tarefa de
apresenta-se
guardiã dos valores resguardados
como programa desmistificador das
pela Constituição.
distintas práticas discursivas
A
grande
do
da
direito e do saber que as legitima,
mudança de paradigma que está
como também visa a destruição de
sendo apresentada consiste em
vários mitos organizadores do saber
reconhecer
é
jurídico.
político, assim como o Legislativo e
O
que
questão
simultaneamente
o
Judiciário
o Executivo.
Poder
contribuir
Diante desse quadro social,
Judiciário
para
capacidade
o
de
aumento
da
incorporação
do
garantindo
aos
ocorre um redimensionamento da
sistema
relação entre os Poderes do Estado,
grupos marginais destituídos do
passando o Judiciário a fazer parte
acesso aos poderes políticos uma
da
oportunidade
arena
alternativa
política para
promessas
o
da
como
uma
resgate
das
para
as
suas
expectativas e o direito no processo
modernidade
judicial (WARAT, 1984).
(STRECK, 2007). Neste
político
pode
O Judiciário não pode assumir
contexto,
surge
o
uma postura passiva diante da
questionamento sobre as relações
sociedade, mas sim deve se inserir
que se estabelecem entre direito e
no âmbito das relações dos Poderes
política.
de
Estado,
transcendendo
suas
funções. Mais do que equilibrar e Direito e Política
harmonizar os demais poderes, o Judiciário deve assumir o papel de
Dentre os estudos semióticos, uma
vertente
é
a
intérprete que põe em evidência a
chamada
vontade implícita no direito positivo,
semiologia do poder que se articula
nos textos constitucionais e nos
em torno de uma ideia muito simples,
princípios do direito.
a de que o consenso sobre a
De tal sorte que a politização
legitimidade do poder é decorrência
da juridicidade constitucional dos
de um trabalho discursivo, e que só
três poderes possa fazer legítimo o 63
sistema de exercício da autoridade,
terceira coisa que se interpõe entre o
com
dos
sujeito e o objeto, uma espécie de
mecanismos de governo transferidos
veículo condutor de essências e
ao arbítrio do povo.
exegeses dos textos legais.
o
funcionamento
O poder Judiciário não é a
Tal
lógica
é
rompida
solução mágica para os fracassos e
pela Viragem Lingüística. Com esta,
insuficiências das políticas sociais,
o homem passa a orientar-se no
mas
mundo e nele agir mediante e pela
na
ausência
de
políticas
públicas cumpridoras dos ditames do
linguagem.
Estado Democrático de direito, surge
Passa-se da essência para a
como instrumento de resgate dos
significação em que o importante
direitos não assegurados (WARAT,
não está em se saber o que são as
1984).
coisas em si, mas saber o que Sendo
assim,
do
dizemos quando falamos delas, o
controle de constitucionalidade das
significado que tem as expressões
leis, o Judiciário pode servir como
linguísticas com que comunicamos
resistência
esse dizer das coisas.
às
através
investidas
dos
Poderes Executivo e Legislativo que
Entretanto, esta mudança de
representam um retrocesso social e
paradigma
a ineficácia dos direitos sociais.
recepção no campo da filosofia
É oportuno salientar que não
jurídica
e
não
da
teve
a
devida
hermenêutica
no
só estamos diante de uma mudança
cotidiano das práticas judiciárias e
de paradigma da sociedade, mas
doutrinárias brasileiras.
também
de
uma
Viragem
Os juristas não se deram
Lingüística (STRECK, 2007); Isto
se
se
terá de ser considerado em tudo e
é
por tudo como uma linguagem; o que
linguagem. E se o direito sofreu uma
continua a dominar é a filosofia do
mudança
sujeito-proprietário de mercadorias,
admitirmos
compreende
conta de que o Direito é linguagem e
que
radical,
também
o
a
Direito
linguagem
acompanhou
tais
de uma sociedade egoísta (filosofia
reviravoltas.
do neoliberalismo) (STRECK, 2007).
No campo jurídico brasileiro a
Ao contrário disto, o universo
linguagem ainda tem um caráter
jurídico
secundário, entendida como uma
como um universo linguístico e se 64
deve
ser
compreendido
infere daí que o pensamento jurídico
Recentes estudos na área da
haverá de assumir como seu método
Semiologia demonstram como os
específico a análise da linguagem
juízes
(linguagem
convincentes
legal),
isto
é,
a
produzem
significados
redefinindo
as
interpretação jurídica consiste nas
palavras da lei por meio dos métodos
proposições normativas de que se
hermenêuticos.
compõe o discurso do legislador.
Disto,
conclui-se
que
a
O giro linguístico ocorrido
sentença é uma peça retórica, pois
ilustra a visão da linguagem como
visa convencer um auditório que a
abertura
aplicação dada
do
mundo,
como
à lei no
caso
constituição do mundo, do homem
concreto foi justa, mas também
como
é peça ideológica à medida que
uma
criatura
da
língua
(STRECK, 2007).
exprime as opções de um sujeito
Neste contexto, o modelo de
(juiz).
interpretação do Direito a partir da
Este é o ponto crucial da
filosofia da consciência é rompido
presente explanação.
pelos aportes da Semiótica em sua
Segundo
matriz
pragmática,
recentes
da
concepções jurídicas sob a luz da
hermenêutica filosófica, pelo qual se
hermenêutica, a ciência do direito é
passa da percepção à compreensão.
provida de politicidade e a função do
Surge
e
as
então
uma
magistrado no momento decisório é
hermenêutica que problematiza as
consequentemente criadora.
implicações entre o discurso e a
Sustenta-se
que
qualquer
realidade, além de desmistificar a
discurso humano realizado por meio
tese da possibilidade da separação
de palavras contém um certo grau de
dos processos de produção, de
subjetividade, tendo em vista que tal
interpretação e da aplicação do texto
ato
normativo.
ambiente cultural histórico e social
Esta
nova
hermenêutica
discursivo
condiciona-se
ao
de onde vem seu emissor, ou seja
mostra que existe um processo de
depende
produção, circulação e consumo do
discursiva. Desse modo, o juiz,
discurso jurídico, em que, somente
assim como todo ser humano, não
pela linguagem é possível ter acesso
pensa ou fala como quer, mas como
ao mundo do Direito e da vida.
pode, condicionado que está a esses 65
de
sua
formação
fatores
discursivos
inarredáveis.
politicidade. Desse modo confere ao
Mesmo que de modo inconsciente, a
termo um sentido único e pessoal e,
classe social, a formação cultural e
ao
os
propaga tais valores, ideologias.
valores
dessas
estão
redigir
sua
fundamentação,
impregnados no sujeito. Expressões
Assim, pode-se afirmar que o
como “bem comum”, por exemplo,
ato decisório é contagiado pelas
são ambíguas e só podem ser
vivências de seu prolator.
definidas em situações concretas em
Numa análise retrospectiva,
razão da pessoalidade e dos valores
poderemos analisar a evolução do
de cada magistrado. Desse modo, os
pensamento hermenêutico referente
métodos hermenêuticos tradicionais
ao direito desde os tempos mais
são úteis, mas não resolvem a
remotos até a atualidade.
questão da interpretação sem o
Com isso perceberemos que
auxílio dos recentes estudos de
a nova postura jurídica revela que as
linguagem (PERELMAN, 2004).
recentes
teorias
hermenêuticas
Atualmente, o caráter político-
admitem que o julgador exponha o
ideológico de uma decisão judicial é
que lhe pareça razoável e justo em
indiscutível visto que a interpretação
sua decisão, não mais se atrelando
da norma que se materializa na
à
sentença
(PERELMAN, 2004).
implica
em
um
ato
discursivo condicionado, que se
visão
dogmática
do
Direito
A primeira corrente a ser analisada é a Dogmática.
realiza na escolha do sentido que será dado ao termo legal. Desse
Através da visão dogmática
modo, interpretar não é “descobrir” o
do Direito, a função do intérprete é
sentido
aplicar a lei conforme ela está e não
oculto
da
norma,
mas
“atribuir” ou “constituir” o sentido aos termos
Ao
Pressupõe-se que o texto da
sentenciar o juiz, portanto, primeiro
lei é claro e preciso, sendo o
observa
intérprete um escravo da lei e nada
exemplo, identifica,
abstratos
a
desta.
corrigi-la.
palavra, “isonomia”. dentre
os
como,
por
Depois,
podendo criar.
possíveis
Tal concepção exprime a
sentidos que a expressão admite,
fidelidade à doutrina da separação
aquele que repercute sua visão de
dos
mundo, seus valores, enfim, sua
somente ao Poder Legislativo fixar o 66
poderes
em
que
caberia
Direito
que
sociedade,
deve e
reger
um modo decisório impessoal e
Judiciário
desprovido de paixão.
exclusivamente o dever de aplicar a
Exemplificando:
lei, não lhe competindo modificá-la.
Todo
Somente Legislativo
ao
certa
o
governo
exerciam
e
o
aquele
funções
maior). José
dava pelo temor de um Estado
(premissa menor).
em
que
os
comete
homicídio deve ser preso (premissa
políticas. A exclusão do Judiciário se
totalitário
que
juízes
cometeu
homicídio
Portanto, José deve ser preso
pudessem criar leis ou recusa-las.
(conclusão/decisão).
Daí os juízes apenas aplicarem a lei
Esta
sem pensarem e nem ao menos
é
a
estrutura
do
questão a
ser
silogismo judiciário.
fundamentar suas decisões.
A
Diante desta concepção, o
criticada
grande no
que
se
refere
à
legalismo exacerbado preenchia o
concepção dogmática do Direito é
pensamento
a
que há grande distinção entre o
passividade do juiz satisfazia a
raciocínio do juiz que deve formar
necessidade de segurança jurídica
uma
da sociedade.
materialidade dos fatos dos quais
Além
desta
disso,
época;
nota-se
convicção
sobre
a
uma
depende a solução de um processo
aproximação da noção de direito
e os raciocínios cujas preocupações
com as ciências, pois se concebia o
são de ordem científica em que
ato de distribuir justiça como uma
predomina a verdade objetiva.
pesagem, um cálculo. Estabelecidos
Já a segunda corrente de os
fatos,
nossa
análise
é
bastava que o juiz formulasse o
denominada Histórico-evolutiva que
silogismo
traz algumas evoluções no campo da
judiciário
em
que
a
premissa maior era a lei e a premissa
interpretação do Direito.
menor a constatação de que as
Desta corrente surgem os
condições previstas na lei haviam
quatro elementos básicos para a
sido preenchidas.
interpretação do Direito, ou seja, os
Assim, a decisão era proferida
métodos gramatical, lógico, histórico
pela conclusão do silogismo, ou seja,
e sistemático.
67
O método de interpretação
as
preocupações
da
época,
gramatical toma como ponto de
pensamento
partida o exame do significado e do
conceitos e preconceitos daquele
alcance de cada palavra do texto
tempo, o contexto social que a
legal, conexões entre os termos,
motivou e inspirou.
estrutura
da
frase,
regras
de
os
Isto porque a verificação do
ortografia.
meio e do momento da criação da lei
Para esta interpretação, a lei
podem revelar o fim a que ela se
é, antes de qualquer coisa, um texto
destina.
a ser interpretado com as regras de
No
interpretação da linguagem.
histórica
O texto da lei é tudo o que o intérprete
dominante,
o
precisa,
não
mais, é
a
interpretação
principalmente
interpretação
uma
histórico-evolutiva,
sendo
pois busca adaptar os conceitos da
necessário recorrer a nenhum outro
lei antiga ao momento atual e as
elemento (Marques, 2006).
exigências
O método lógico preceitua
da
sociedade
atual
(MARQUES, 2006).
que o Direito é obra da razão e
Para
entender
o
qualquer interpretação que não seja
método sistemático, parte-se do
razoável é equivocada.
conceito de que a lei é parte do
Dentre as possíveis acepções
ordenamento jurídico e este deve ser
que a leitura do texto trouxe deve-se
harmônico, sem antinomias.
escolher a que mais parece lógica,
Para
este
método,
a
mais conforme a razão, ao senso
compreensão do todo ajuda na
comum (MARQUES, 2006).
compreensão
Para
a
compreensão
método
da
parte
e
a
do
compreensão da parte é impossível
de
sem o conhecimento do todo.
interpretação histórico deve-se ter
Assim,
deve-se
buscar
o
em mente que ao interpretarmos um
sentido da norma na conexão do
fragmento
fragmento sob estudo com o restante
de
lei
devemos
compreendê-lo como fruto de uma
do ordenamento jurídico.
árvore cujas raízes estão fincadas no
A
passado.
outra
interpretação
Cada lei carrega consigo uma
função
sistemática
superação de antinomias.
imagem do tempo em que foi escrita, 68
da é
a
Dentre os muitos sentidos que
positivista e dogmática do Direito.
o fragmento aparenta possuir, o mais
Com o passar dos anos, os fatos se
correto deve ser o que preserva a
desenrolaram demonstrando uma
harmonia
impossibilidade
do
sistema
jurídico
(MARQUES, 2006).
a
identificar
o
Direito com a lei visto que há
A corrente histórico-evolutiva disseminou
em
ideia
de
que
princípios que mesmo não sendo
o
objeto de uma legislação expressa
aplicador do Direito poderia corrigir
figuram
as imperfeições e as lacunas da
legislador
norma
promover, dentre os quais figura a
através
dos
métodos
hermenêuticos.
como
valores
possui
que
como
o
missão
Justiça.
Para o pensamento histórico-
Nesta fase o juiz não pode
evolutivo, as normas deveriam ser
considerar-se satisfeito se pôde
interpretadas de acordo com as
motivar
necessidades da vida social, o que
aceitável, deve também apreciar o
admite
valor desta decisão e julgar se lhe
maior
flexibilização
na
atuação do intérprete da lei. Após Mundial,
a
Segunda
surgiu
concepção
do
desdobrou
até
a
modo
O juiz deve perceber as
nova
insuficiências do Direito positivo,
se
solucionando a problemática ao
que
atualidade
invés
condições
de
deixar
a
cargo
do
legislativo; caso contrário será mais
Sabe-se que o magistrado perfeitas
de
Guerra
ampliando o papel do exegeta.
possui
decisão
parece justa ou, ao menos, sensata.
uma
Direito
sua
um
de
a
contribuir
instrumentalização
distinguir entre a legislação em vigor
para do
a
Poder
Judiciário (PERELMAN, 2004).
e a desejável pelo senso comum.
Contudo,
observa-se
uma
Assim, o juiz não deve se apropriar
manifestação intersubjetiva do juiz,
dos poderes do legislador, mas
visto que o raciocínio jurídico deixa
quando
de
a
reforma
legislativa
ser
uma
simples
dedução
afigurar-se difícil, se não impossível,
silogística cuja conclusão se impõe
a maneira mais sensata será o
mesmo que seja desarrazoada para
Judiciário
ser uma busca simultânea do valor
dar
reinterpretando contradição
uma os
com
solução
textos, a
em
da solução e sua conformidade com
ideologia
o Direito. Isto não tem a menor 69
intenção de prejudicar a segurança
manifestação discursiva de senso
jurídica que é a capacidade de
crítico. Tal afirmação faz com que
prever
não haja neutralidade nas decisões
as
reações
daqueles
encarregados de dizer o direito.
judiciais, pois sendo as sentenças
O que se pretende é que essa
atos
discursivos
(formados
por
nova dialética implicada na busca de
palavras) são sujeitas à ideologia
uma solução convincente por ser ao
(PERELMAN, 2004).
mesmo tempo razoável e conforme
Assim, é evidente a dimensão
ao direito, coloque o Judiciário numa
política do Direito, caso contrário as
relação
Poder
cortes não reformariam decisões
Legislativo, nem subordinado e nem
com a finalidade de interpretarem as
oposto a este (PERELMAN, 2004).
mesmas leis.
nova
diante
do
Nota-se que o Judiciário terá
Ressalta-se que a segurança
uma tarefa não apenas jurídica, mas
jurídica é um dos valores centrais do
também política, ou seja, a de
Direito que assegura o respeito às
harmonizar a ordem jurídica de
regras, aos costumes e hábitos
origem legislativa com as ideias
sociais em busca de uma solução
dominantes sobre o que é justo e
razoável, aceitável e equitativa.
equitativo em dado meio.
Desta forma, a nova postura
É por esta razão que a
do
Judiciário
em
relação
ao
passagem da regra abstrata ao caso
Legislativo não pretende aniquilar a
concreto não é um simples processo
tão importante segurança jurídica
dedutivo,
adaptação
fazendo das decisões judiciais um
constante dos dispositivos legais aos
manto de arbitrariedade. O que se
valores em conflito nas controvérsias
pretende é que por meio dessas
judiciais.
concepções interpelativas do Direito,
mas
uma
consistentes no chamado Direito
Neste contexto extrai-se o caráter político do Direito. A política
Alternativo,
é a ciência que dispõe sobre o que
possua a seu dispor um campo de
se deve fazer e sobre o que é preciso
trabalho que viabilize soluções mais
abster-se, assim ela subordina todas
equitativas em detrimento das velhas
as demais ciências. Desta forma, o
e ultrapassadas visões dogmáticas e
ato interpretativo passa de uma
normativistas,
subsunção
magistrados
formal
para
uma 70
o
operador
caso serão
jurídico
contrário
os
reduzidos
a
meras
máquinas
do
Judiciário
convergem
(PERELMAN, 2007).
para
proporcionalidade ampliação
da
a nas
maior decisões,
discricionariedade
judicial e a valorização da dignidade da pessoa humana e de outros
Conclusão
princípios constitucionais. Como a Diante de todo o exposto, nota-se
que
da
essa correntes, o Alternativismo
hermenêutica jurídica passou por
trouxe alternativas para a solução de
grandes mudanças no que diz
problemas sociais até então não
respeito à interpretação da lei e ao
resolvidos e sem projeções de
papel
Judiciário
resolução, merecendo atenção de
diversas
todos aqueles que lidam com o
do
despontando, concepções
o
campo
própria denominação sugere, dentre
Poder assim,
hermenêuticas,
que
direito.
71
Referências BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MARQUES, Alberto. Roteiro de Hermenêutica: técnicas para interpretar o direito e construir argumentações jurídicas convincentes. Curitiba: Jurucí, 2006. PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua linguagem. 2.ed. Porto Alegre. S. Fabris, 1984.
72
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto – Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FERNANDES, Barbara Rossi Fernandes - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. GALHARDI, Antonieta - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Emilly Medeiros - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. SANTOS, Luiz Antonio - Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O presente trabalho busca estudar os casos de responsabilidade civil em situações provenientes de erros médicos. O crescente aumento no número de erros médicos vem preocupando a comunidade jurídica brasileira, pois todos os anos as vítimas vão ao Judiciário buscar o ressarcimento dos danos causados por médicos imperitos, imprudentes e negligentes. Com bases em casos cada vez mais alarmantes, esse trabalho tem como objetivo analisar as consequências da má atuação desse profissional face à responsabilidade civil. Assim, o tema escolhido visa trazer à tona as barbaridades ocorridas com pacientes e as soluções que podem ser encontradas para tentar reparar os males causados por médicos que culposa ou dolosamente cometem erros médicos. Os julgadores devem promover a Justiça nos casos concretos de erros médicos, pois em determinadas situações, o valor recebido de indenização não é suficiente para reparar o dano causado, contudo, o conforto em saber que o profissional foi punido certamente melhora a autoestima da vítima que passa a acreditar que realmente o profissional recebeu a punição devida.
Palavras-chave: Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Erro médico. Hipóteses. Casos práticos. 73
Em princípio, toda atividade
Introdução
que acarreta um prejuízo gera responsabilidade
O presente trabalho tem por
ou
indenizar.
noções de reparação de danos em
excludentes,
que
caso de erro cometido pelo médico
indenização
[...].
no desenvolver de sua profissão.
responsabilidade
Não obstante, avalia-se o que se
qualquer situação na qual alguma
entende por erro médico e em que
pessoa, natural ou jurídica, deva
situação o juiz pode exigir que seja
arcar com as consequências de um
concedido à vítima uma indenização
ato, fato ou negócio danoso. Sob
pelo dano sofrido. Para tanto, foram
essa noção, toda atividade humana,
feitos
e
portanto, pode acarretar o dever de
jurisprudenciais, além de pesquisas
indenizar. Desse modo, o estudo da
de casos concretos que tiveram
responsabilidade civil abrange todo o
grande repercussão na mídia.
conjunto de princípios e normas que
doutrinários
é
por
de
finalidade discorrer sobre algumas
estudos
Haverá,
dever
vezes,
impedem O
a
termo
utilizado
em
regem a obrigação de indenizar. (2005, p. 13). 1.
Noções
gerais
de
Assim,
responsabilidade civil
entende-se
responsabilidade contraprestação,
civil de
por a caráter
Antes de se falar do erro
reparatório de um evento danoso,
médico e dos efeitos produzidos no
que visa à restauração do equilíbrio
âmbito jurídico, é necessário fazer
patrimonial e moral violado.
um estudo sobre a responsabilidade
A responsabilidade civil é
civil, matéria esta que rege a
constituída de quatro requisitos. São
aplicação da sanção punitiva em
eles: o ato ilícito; a relação de
direito civil a quem comete um ato
causalidade entre a conduta do
ilícito passível de indenização.
agente e o prejuízo sofrido pela
O mais breve conceito de
vítima, denominada de nexo causal;
responsabilidade civil é o dever de
o dano efetivamente; e a culpa do
indenizar o prejuízo causado pelo
agente.
dano. Nas palavras de Sílvio de
elementos, ocorrerá o dever de
Salvo Venosa:
indenizar. 74
Havendo
esses
quatro
responsabilidade objetiva trata-se de 1.1 Responsabilidade objetiva e
exceção. E o próprio Código Civil
responsabilidade subjetiva
tratou de cuidar de hipóteses em que a responsabilidade é objetiva, como
A responsabilidade civil pode
no parágrafo único do artigo 927.
ser classificada como subjetiva e
Existem outras relações regidas por
objetiva, considerando o dever de
outras leis, nas quais se aplica a
provar
sentido,
responsabilidade objetiva, como, por
entende Flávio Augusto Monteiro de
exemplo, nas relações de consumo,
Barros:
regidas pela Lei 8.078 de 11 de
a
culpa.
Neste
Responsabilidade subjetiva é
setembro de 1.990 (Código de
a derivada de dolo ou culpa. Assim,
Defesa
do
Consumidor);
no
só surge a obrigação de indenizar se
transporte aéreo regulado pela Lei
o dano houver sido causado de
7.565 de 19 de dezembro de 1.986
forma dolosa ou culposa.
(Código Brasileiro de Aeronáutica),
Responsabilidade objetiva é
sem se esquecer dos casos de atos
aquela em que a obrigação de
ilícitos envolvendo os entes públicos.
indenizar independe de dolo ou culpa, bastando o nexo causal entre
2. Conceito de erro médico
a conduta e o dano experimentado pela vítima. (2007, p. 219). Assim,
entende-se
Erro médico é a falha do por
médico no exercício da profissão. É
responsabilidade subjetiva aquela
o
em que se necessita ser provada a
adverso decorrente da ação ou da
culpa do agente para se configurar o
omissão
dever de indenizar; o que não ocorre
inobservância de conduta técnica,
na responsabilidade objetiva, onde
estando o profissional no pleno
basta apenas haver a relação de
exercício
causalidade
dano
mentais. Excluem-se as limitações
ocasionado e a atividade exercida
impostas pela própria natureza da
pelo agente.
doença,
entre
o
Vale dizer que o critério
mau
resultado
do
de
bem
ou
resultado
médico,
suas
como
faculdades
as
produzidas deliberadamente
subjetivo é a regra geral que rege a
por
lesões pelo
médico para tratar um mal maior.
responsabilidade civil, e que a 75
Observa-se
que
há
uma
conhecimentos.
Considerar
um
proteção ao médico, pois segundo
médico imperito é discutível, uma
pesquisas realizadas todos os casos
vez que se trata de um profissional
de erros médicos julgados nos
longamente treinado nas escolas
Conselhos de Medicina ou na Justiça
médicas
a condenação foi embasada em
residência médica, com no mínimo
culpa, nunca em dolo, por mais
oito até um máximo de onze anos de
grotesco que fosse o erro cometido
estudos e prática. É uma premissa
pelo profissional.
que, não sendo aceita, torna-se um
e
nos
programas
de
agravante. 2.1 Erro médico culposo e doloso
Além das modalidades de culpa
existe
ainda
a
hipótese
O erro médico culposo pode
caracterizada pela conduta dolosa
ocorrer por imprudência, negligência
como o erro médico praticado de
ou imperícia. A imprudência ocorre
forma voluntária. Essa modalidade
quando o médico ao realizar o
deve ser considerada inadmissível,
procedimento, assume riscos para o
pois
paciente sem respaldo científico
praticando um crime.
para
seu
procedimento.
Já
se
assim
o
fizer
estará
a
negligência é a forma mais frequente
3. Da responsabilidade civil subjetiva
de
e objetiva do profissional em caso de
erro
médico
nos
hospitais
públicos, onde o doente é conhecido
erro médico
por um número de matrícula na instituição e não como um paciente.
A
medicina
desde
os
Por inúmeros motivos, como a
primórdios da civilização tem um
exaustiva jornada de trabalho ou os
papel de suma importância para a
baixos salários, o médico deixa de
sociedade, pois assim como em
prestar os cuidados necessários,
outras
deixando, inclusive, os pacientes
desenvolve um serviço de alta
virem a óbito.
responsabilidade,
A
imperícia
é
aquela
ciências,
o
pois
médico
todo
seu
campo de atuação está ligado ao
decorrente da falta de observação
valor
das normas técnicas, por despreparo
importância, que é a vida humana.
prático
ou
por
insuficiência
de 76
axiológico
de
maior
Normalmente
condutas
análise minuciosa pode revelar as
desenvolvidas pelos médicos são
causas do erro. O médico (ou o
consideradas como obrigações de
hospital) deve dispor ao paciente o
meio,
o
acesso ao prontuário, que deve ser
todos os
solicitado assim que ficar detectado
cuidados técnicos, dentro do padrão
o erro médico, pois já houve casos
exigido, não podendo incorrer em
de
imprudência,
fraudarem
onde
se
as
exige
profissional utilize
de
que
imperícia
ou
profissionais o
ou
hospitais
relatório
para
negligência por parte do profissional
encobertar as provas, sendo essa
que esteja cuidando do paciente.
atitude considerada crime.
Sendo uma obrigação de
Os danos podem ser leves e
meio, a responsabilidade é subjetiva,
reversíveis
ou seja, o paciente deve provar que
irreversíveis, como no caso de
o
profissional
trágicos
e
culposa
ou
sequelas e morte do paciente. Em
vítima
não
ambos os casos, o paciente deve
conseguir provar o nexo causal entre
procurar uma Delegacia de Polícia
a conduta culposa ou dolosa do
para
médico
Ocorrência,
dolosamente.
e
o
agiu
ou
Se
a
dano sofrido
não
fazer
um
Boletim
colher
as
de
provas
receberá a indenização pleiteada.
necessárias e levar a um advogado
Todavia, se a prova for consistente,
para se ingressar com a ação
certamente o juiz condenará o
indenizatória.
médico à reparação dos danos
Em
sofridos pela vítima de erro médico.
casos
de
morte
do
paciente, o médico poderá ser
Alguns erros são facilmente
condenado na esfera civil, sem
provados, como as deformidades
prejuízo do processo crime a ser
físicas ou esquecimento de material
proposto. Sendo que, no âmbito civil
cirúrgico
do
poderá ser compelido a pagar uma
paciente. Nesses casos, fotos ou
indenização à família da vítima,
raios-X
conforme prescreve o art. 951 do
dentro
são
do
corpo
consideradas
provas eficientes.
como
Além disso, o
Código Civil.
paciente (ou familiares) deve exigir
Ressalta-se
ainda
que,
a
uma cópia do prontuário médico.
responsabilidade do médico pode
Nesse documento constará todo o
ser considerada como obrigação de
histórico
resultado, que é aquela onde o
de
atendimento,
uma 77
paciente procura um determinado profissional
para
realizar
4. Casos práticos de erro médico
o
procedimento desejado, exigindo-se
Nos Estados Unidos, o erro
uma atuação satisfatória, tendo-se
médico é uma das principais causas
como exemplos a cirurgia plástica
de mortes (aproximadamente 2,5
estética embelezadora, os exames
milhões anuais). O Instituto de
laboratoriais, entre outros. Nestes
Medicina afirma que 7.391 mortes
casos, a responsabilidade civil é
ocorrem
objetiva, sendo necessário provar
medicação.
somente o dano e a conduta do
números elevados para os Estados
agente, mas não a sua culpa. Se o
Unidos tendo
paciente vier a falecer, sofrer lesões
evolução tecnológica e científica.
devido São
a
erros
de
considerados
em vista
a
sua
ou ficar inabilitado para o trabalho, o
No Brasil vem crescendo o
médico poderá ser responsabilizado,
número de ações face a erros
pois assumiu o dever de realizar a
médicos, o Superior Tribunal de
conduta corretamente, como, nos
Justiça (STJ) indica um aumento de
casos de realizar a cirurgia plástica
231% no números de processos. Em
de forma satisfatória ou fazer o
2002, foram registradas 120 ações
diagnóstico correto de exame.
relativas
aos
procedimentos
de
Nas relações entre médico e
médicos. Em 2007 aumentou para
paciente, principalmente naquelas
303 e em 2008, foi para 398 ações
que
julgadas por falhas médicas.
exige
uma
obrigação
de
resultado, este tem se enquadrado
Em 2008, o CRM-PR abriu
como consumidor e por tal motivo
sindicância em 607 casos – nem
vem recebendo o amparo do Código
todos se referem a médicos, pois se
de Defesa do Consumidor (Lei nº
pode
8.078/90). As condenações não são
clínicas e hospitais –, com 114
apenas para
mas
julgamentos por erros médicos e 39
podem atingir também os hospitais,
condenações [...] Levando-se em
planos de saúde e clínicas.
conta os 17.550 profissionais em
os médicos,
abrir
procedimento
contra
atividade, pode-se concluir que um em cada 450 médicos do estado comete erros durante no expediente. Com base em números de 2006, a 78
média paranaense é quase idêntica
cicatrizes e deformidades físicas.
à de São Paulo: uma condenação
(FERREIRA, 2009).
em
cada
451
profissionais.
Podem ser citados alguns
(BOREKI, 2009).
casos recentes de erro médico
O STF vem aplicando nos
ocorridos no Brasil que tiveram
casos de erro médico o Código de
destaque e repercussão na mídia. O
Defesa do Consumidor, que prevê
primeiro é de Célia Marina Destri dos
um prazo de prescrição que é de 5
Santos, advogada no Rio de Janeiro,
(cinco) anos, sendo maior que o
que fundou uma Associação de
Código Civil, que é de 3 (três anos).
Vítimas
Nos
Erros
Médicos
judiciais
(AVERMES), que defende os direitos
originados por erros médicos, o STJ
legais e civis das vítimas de erro
vem provendo às vítima três tipos de
médico, após ser vítima de três erros
indenização:
médicos.
1.
passivos
de
Danos
materiais:
os
Outro exemplo é o caso de
o
Verônica Cristina do Rêgo Barros,
nos
dona de casa, 31 anos, mãe de dois
tratamentos médicos malsucedidos.
filhos, que foi operada duas vezes,
Por
também
sendo que a primeira foi feita de
indenizações por conta do dinheiro
forma errada, pois deveria ter sido
que deixaram de ganhar –salários
operado o lado esquerdo e no
por dias de trabalho perdidos, por
primeiro momento foi operado o lado
exemplo.
direito. Só após detectarem o erro,
pacientes
recebem
dinheiro
que
vezes,
2.
de
volta
gastaram
recebem
Danos
morais:
a
submeteram a paciente a nova
indenização visa compensar a “dor
cirurgia para assim operarem o lado
moral” imposta aos pacientes. É o
esquerdo da cabeça. Porém a
que costuma ocorrer, por exemplo,
paciente não suportou e veio a óbito
nos casos de extração indevida de
em 07 de março de 2009.
órgãos.
Além desses dois casos, outro
3. Danos estéticos: nesses casos,
o
paciente
caso,
em
2002,
teve
grande
recebe
repercussão na mídia foi o de Cecília
indenização por prejuízos causados
Rocha Mesquita Santos de 23 anos,
à sua aparência. Por exemplo:
internou-se no dia 14 de junho de 2002 no Hospital Santa Elisa, em 79
Jundiaí no estado de São Paulo,
ilícito-nexo-dano-culpa,
para fazer uma retirada de cálculo
profissional
renal, e seis dias depois faleceu com
responsabilizado, surgindo o dever
perfuração
de indenizar a vítima pelo prejuízo
de
alça
intestinal,
peritonite, choque séptico e infecção
o
deve
ser
sofrido.
generalizada. No dia 20 de junho,
O indivíduo que exerce a arte
seus familiares registraram queixa
da medicina e que acaba por
no plantão policial por suspeitarem
conduzir sua profissão de modo
de erro médico, negligência, maus
afoito, causando aos seus pacientes,
tratos e até falta de sangue no
danos irreparáveis, não pode ficar
tratamento da jovem. A mãe e o
impune, pois se a prova for concreta
marido da vítima alegam que ela
no sentido do erro, o juiz deve
tinha plano de saúde e que deveria
condenar o médico, sem que haja
ter sido operada por um médico, e
qualquer protecionismo.
quem fez a cirurgia foi outro. A família
criou
o
site
Assim, é pertinente que ao
www.erro-
julgar casos decorrentes de erro
medico.kit.net para ajudar famílias a
médico,
o
juiz não
denunciar erros médicos.
adstrito somente às palavras da lei, aplicando
a
indenização
automaticamente
quando
configurada
5. Considerações finais
permaneça
a
responsabilidade
hipótese objetiva
de ditada
O médico, no exercer de sua
pela lei, ou deixando de aplicá-la
profissão, deve zelar pela saúde de
quando entender que não está
todos aqueles que estão sob seus
completa
cuidados.
determinados
responsabilidade subjetiva. Faz-se
profissionais não estão preparados
necessário um juízo de valores do
para cuidar de vidas humanas e
julgador
cometem
promovida a injustiça no lugar da
Todavia,
erros
grosseiros
que
a
para
relação
que
não
da
seja
justiça.
marcam a pessoa para sempre ou em situações mais drásticas lhes
É razoável que se julgue não
retiram a vida indevidamente. Em se
apenas de forma que venha a
tratando
caso
imperar o cumprimento da lei, mas
estejam presentes os pressupostos -
de modo que se promova a justiça, a
de
erro
médico,
80
fim de permitir que a sociedade
Judiciário, pois como diz a frase “ubi
continue confiando nos serviços
societas, ibi jus”.
médicos, e, sobretudo, no Poder
81
Referências AVERMES, Associação das vítimas de erros médicos. Reportagens. Portal da associação das vítimas de erros médicos na internet. Disponível em: <http://www.avermes.com.br/reportagens06.htm> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:25. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: direito das coisas e responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 219. v.3. FERREIRA, Evandro. Analisa o aumento da quantidade de processos por erro médico, e os impactos que estes ocasionam. Erros médicos no Brasil. Processos por erro médico crescem 155% em 6 anos. BLOG AMBIENTE ACREANO Disponível em: <http://ambienteacreano.blogspot.com/2008/11/erros-mdicos-no-brasil.html> Acesso em: 06/10/2009 às 11:h23. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11h. BRASIL. Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1.990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17h. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17h. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 2. v. DJI, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37 de 12/03/1992. Disponível em:<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/s tj__0037.htm> Acesso em: 12/11/2009 às 17:00h. GLOBO.COM, notícias. Família acusa médico de erro na morte de dona de casa em hospital público. Divulga o caso da morte da dona de Casa Valéria Cristina do Rêgo Barros. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL10330185606,00familia+acusa+medico+de+erro+na+morte+de+dona+de+casa+em+ho spital+publico.html> Acesso em 06/10/2009 às 14h:16. BOREKI, Vinicius. Processos por erro médico crescem 231% em seis anos Vida e Cidadania. JORNAL DE LONDRINA. Apresenta as estatísticas relativas 82
ao erro médico quanto ao cotidiano jurídico. Disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jl/online/conteudo.phtml?tl=1&id=886019&tit=Processo s-por-erro-medico-crescem-231-em-seis-anos> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:27. SCUM DOCTOR. COM. Apresenta dados estatísticos sobre os impactos dos erros médicos na vida dos americanos. Disponível em: < http://www.scumdoctor.com/Portuguese/medical-error/Complete-StoppageHeart-Caused-By-Medical-Error.html> Acesso em: 06/10/2009 às 11h:15. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 4. Coleção de Direito Civil.
83
A SUBORDINAÇÃO COMO ELEMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO: CONCEITO, DISTINÇÕES E FUNDAMENTO JURÍDICO MURARI, Marlon Marcelo. Docente do Curso de Direito da Unifev – Fundação Educacional de Votuporanga.
RESUMO A subordinação é um requisito essencial na relação entre empregado empregador, talvez que a caracterize efetivamente. A situação de subordinar-se a outrem traduz a ideia de dependência ou necessidade econômica, pois o empregado é a parte hipossuficiente em relação ao empregador. Todavia, a subordinação do Direito do Trabalho não está vinculada à dependência economia, vez que aquela é jurídica, decorrente de um acordo de vontade entre as partes, dando início ao contrato de trabalho. Desta forma, é importante conceituar subordinação, bem como diferenciá-la de termos como dependência econômica, social ou cultural. Do mesmo modo, é essencial apresentar a natureza jurídica da subordinação, situando o leitor para o entendimento de tão importante instituto jurídico trabalhista.
Palavras-Chave: Subordinação. Dependência. Natureza jurídica. 84
consistente em uma prestação de
Introdução
trabalho (apud Delgado, 1996, p. 109).
Talvez a maior modificação do
Gomes e Gottschalk (2005, p.
trabalho humano nos últimos tempos
133) consideram a subordinação
tenha sido a passagem do trabalho
como
escravo e servil para o trabalho contratado
e
consideram-na
requisito
Por sua vez, Nascimento (2004, p.
foi simples, atravessando longos
505) a define como objeto da relação
caminhos e obstáculos, sob a batuta
de emprego. Todavia, a questão
dos regimes econômicos e políticos
relevante é que a subordinação é o
vigentes na época, até desembocar
elemento diferenciador do contrato
no trabalho subordinado, fruto dos
de trabalho.
hoje
Neste trabalho, pretendemos
imperantes.
apresentar
No conjunto de regras e
subordinação,
princípios que compõem o Direito do
os
fatores
direcionada
bem
como
de sua
natureza jurídica, expondo posições
da
e
produção. A subordinação é uma objetiva
conceito
culminando por trazer também sua
condão de subordinar o empregado organizar
o
distinção do termo dependência,
Trabalho, o empregador tem o
situação
como
essencial do contrato de trabalho.
Entretanto, esta trajetória não
para
do
p. 38) e Martins (2006, p. 127)
iniciativa das partes contratantes.
capitalistas
caracterizador
contrato de trabalho. Pereira (1991,
assalariado;
subordinado, mas em virtude da livre
interesses
critério
divergências
entre
autores
nacionais e estrangeiros.
à
forma de prestação do trabalho e não
uma
sujeição
pessoal
2. Conceito
do
empregado. O verbo “subordinar” tem
É o que expressa Renato Corrado,
ao
afirmar
que
é
origem latina e significa “estabelecer
a
prestada
uma ordem de relação entre dois
subordinadamente” que diferencia a
seres vinculados, em que um passa
“circunstância
de
ser
a ser inferior, e o outro, superior;
relação de emprego das demais
dominar, submeter, rejeitar”. Já o
modalidades contratuais que tenham
substantivo “subordinação”, também
por objeto uma obrigação de fazer 85
de origem latina, significa “ato ou
ou intelectual com dependência e
efeito
sob a direção do empreendedor”.
de
subordinar”;
“ordem
estabelecida entre as pessoas e
Nos dizeres de Pera (2000, p.
segundo a qual umas dependem das
108),
outras, das quais recebem ordens ou
subordinado, o empregado se obriga
incumbências” (HOUAISS; VILLAR,
a
colocar
à
2001, p. 2626).
empregador
a
Neste momento, partiremos a apresentar
contrato
de
trabalho
disposição própria
do
energia
laborativa, a fim de desenvolver a
de
atividade estabelecida no contrato
subordinação existentes. Cumpre
por certo e determinado dever,
ressalvar que a legislação brasileira
segundo a diretiva imposta pelo
não
aos
empregador ou de alguém por ele,
doutrinadores nacionais fazê-lo. No
na ordem e no modo concreto desta
tocante
atividade”.
a
conceitos
“no
definiu,
ao
cabendo
conceito
de
subordinação, este foi criado pela
Para Domenico Napoletano,
doutrina italiana e incorporado pela
“a subordinação é um status do
doutrina e jurisprudência brasileiras.
trabalhador, característico de sua
Para
condição
mencionar
alguns
autores
de
empregado”
estrangeiros, o italiano Lodovico
SILVA,
Barassi (1949, p. 242) afirma que
Gerard Coutourier, a subordinação
trabalho subordinado é “aquele que
“é a dependência jurídica em nome
pressupõe o trabalho juridicamente
da qual o empregador exerce o
dependente do empreendedor, ou,
poder de direção” (apud SILVA,
seja como for, do fornecedor do
2004, p. 16).
trabalho”.
O
Por sua vez, os igualmente
Ramirez
2004,
p.
jurista
15).
(apud
Segundo
argentino
Gronda
aduz
que
“a
italianos Santoro-Passarelli (1952, p.
subordinação
63) e Giuseppe Pera (2000, p. 107),
cabalmente no direito patronal de dar
citam o artigo 2.094 do Código Civil
instruções e na correlata obrigação
italiano, de 1942, que dispõe ser
do empregado de acatá-las”. Afirma,
“prestador de trabalho subordinado
ainda, que o empregador dispõe e
aquele que se obriga mediante
fiscaliza a forma de prestação do
retribuição a colaborar na empresa,
trabalho como um credor de uma
prestando o próprio trabalho manual 86
jurídica
Juan
consiste
prestação
contratual.
(apud
fatores da produção, advém-lhe o poder de dirigir seus empregados”.
SANCHES, 2002, p. 95) Dentre
os
doutrinadores
Por sua vez, no entender de
nacionais, citamos Arion Romita
Nelson Mannrich (1998, p. 120), a
(1979,
subordinação consiste no dever do
p.
82),
para
quem
subordinação é a “integração da
empregado
atividade
ordens emanadas do poder diretivo
do
trabalhador
na
de
submeter-se
organização da empresa mediante
do
um
contratualmente
contrato. Entende, ainda, haver uma
estabelecido, em virtude do qual o
relação de dever e poder, onde o
empregado aceita a determinação,
dever de obediência submete-se a
pelo empregador, das modalidades
um poder de comando: eis a
de prestação de trabalho”.
essência da dependência jurídica, ou
vínculo
Carlos Alberto Barata Silva (1986,
p.
30)
defende
que
subordinação
é
voluntária,
dependendo
empregador,
no
limite
às
do
seja, da subordinação.
a
Na
essencialmente
Oliveira
mesma Vianna
linha, e
Paul
citando Colin,
do
assevera que “o que caracteriza a
consentimento do empregado, o que
relação de subordinação é o poder
ocorre no momento da celebração
que tem alguém, por força do
do contrato de trabalho. Por meio
contrato,
deste o empregado confere ao
comandar, de dirigir a atividade de
empregador o poder de organizar o
outrem” e que “entende-se por
seu
dos
subordinação jurídica um estado de
elementos inerentes ao seu poder.
dependência real, produzido por um
Por isso se diz que a subordinação é
direito, o direito do empregador de
jurídica.
que
comandar, de dar ordens, e donde
o
decorre a obrigação correspondente
trabalho,
É
um
voluntariamente
como
um
status se
a
submete
empregado.
de
dar
ordens,
de
para o empregado de se submeter a estas
Para Octavio Bueno Magano (1993, p. 50), “a subordinação
ordens”.
(apud
Mannrich,
1998, p. 120-121)
constitui o poder de direção visto do
Para Paulo Emílio Ribeiro de
lado do trabalhador. Por isso que o
Vilhena (1999, p. 478) “tem-se,
empregador organiza e controla os
conceitualmente,
a
subordinação
como a participação integrativa da 87
atividade do trabalhador na atividade
produção, sempre no interesse do
do credor de trabalho”.
empreendimento
Já
Margareth
riscos
Freitas
assumiu e, de outro, a obrigação do
Bacellar (2003, p. 38) afirma que
empregado de sujeitar-se à direção
subordinação “nada mais é que o
do empregador, dentro dos fins a
poder hierárquico do empregador em
que este se propõe a alcançar.
relação
às
de
cujos
atividades
do
Maurício Godinho Delgado
empregado”.
(2005, p. 303) entende que “a
O jurista Amauri Mascaro
subordinação
classifica-se,
Nascimento (2004, p. 407) consagra
inquestionavelmente,
que
fenômeno
“o
aquele
trabalho no
subordinado
qual
o
é
trabalhador
jurídico,
contrato
como
um
derivado
do
estabelecido
entre
transfere a terceiro o poder de
trabalhador e tomador de serviços,
direção
trabalho,
pelo qual o primeiro acolhe o
sujeitando-se como consequência
direcionamento objetivo do segundo
ao poder de organização, ao poder
sobre a forma de efetuação da
de controle e ao poder disciplinar
prestação do trabalho”.
sobre
o
seu
deste”.
167)
Para Gomes e Gottschalk
Sergio Pinto Martins (2006, p.
(2005, p. 134), todo contrato gera o
define
que
sendo
“a
empregado ordens empregador
subordinação obrigação tem
de
como
de
subordinação” do empregado, pois
cumprir
as
este deve sujeitar-se aos critérios
decorrência
pelo
diretivos
do
do
empregador,
suas
disposições quanto ao tempo, modo e lugar da prestação do trabalho,
De acordo com os juristas Délio
“estado
o
contrato de trabalho”.
Süssekind,
de
que
determinadas em
denomina
bem
como
aos
métodos
de
Maranhão,
execução e modalidade próprios da
Segadas Vianna e Lima Teixeira
empresa, da indústria e do comércio.
(2005, p. 245), podemos extrair que
Desta forma, podemos dizer
o conceito de subordinação é uma
que: subordinação é um estado de
via de mão dupla: de um lado temos
sujeição
a faculdade do empregador de
empregado,
utilizar-se da força de trabalho do
espontânea vontade, em virtude de
empregado, como um dos fatores da
um contrato de trabalho, pelo qual ao 88
em
que por
se
coloca
o
sua
livre
e
empregador é dado o poder de dirigir
diversas espécies de prestação de
a força de trabalho do empregado,
trabalho:
seja manual ou intelectual, em troca
eventual, temporário, entre outros.
de uma contraprestação.
Todavia, a relação de emprego
O
conceito
geral
de
trabalho,
consequente passando
da
com
avulso,
que a subordinação se verifica.
se em consideração a evolução do
autônomo,
somente se configura na medida em
subordinação foi elaborado levando-
social
o
Entretanto, em que pese parte
sua
da doutrina entender que não há
“democratização”,
necessidade em se diferenciar os
escravidão
e
da
termos
subordinação
e
servidão para o trabalho contratado,
dependência, acreditamos que tal
segundo a vontade das partes.
diferenciação é relevante, pois por dependência
podemos
ter
um
3. Distinção entre subordinação e
conceito amplo e vago, a tomar
dependência
várias formas (econômica, social, técnica, patrimonial, afetiva etc.),
A legislação brasileira não
porém, a sujeição de uma pessoa a
menciona expressamente o termo
outrem, em virtude de um contrato
subordinação, apenas nomeia o
de
termo dependência, ao conceituar
essencial da relação de emprego,
empregado
“O
somente pode se dar de uma forma,
mais
a jurídica ou contratual, ou seja,
e
entre empregado e empregador,
vocábulo adotado
(CLT,
art.
‘subordinação’ pela
3º). é
doutrina
trabalho,
jurisprudência pátrias, enquanto a
sendo
palavra
apropriado
‘dependência’
consta
expressamente da lei” (SANCHES,
extraída
da
elemento
terminologicamente chamá-la
mais de
subordinação.
2002, p. 90). Vemos, assim, que a ideia
como
Como
expressão
afirmou
Délio
Maranhão, citando Vicenzo Cassi,
“subordinação” é a de dependência,
“dependência
da sujeição de uma pessoa a
muito vaga: pode ser jurídica, como
outrem. É, inclusive, o elemento
pode ser econômica, pode ter efeitos
principal a diferenciar a relação de
de conteúdo puramente moral ou
emprego das demais relações de
consequências de ordem pessoal,
trabalho. É cediço que existem 89
é
uma
expressão
etc.”
patrimonial
(SÜSSEKIND,
uma pessoa que, para sobreviver,
2005, p. 245).
depende exclusivamente do valor
Entretanto, não é pacifica a adesão
dos
estudiosos
que lhe paga a pessoa para quem
à
trabalha.
É
um
critério
terminologia ‘subordinação’. Existem
essencialmente monetário, ou seja,
algumas
haveria relação de emprego em
teorias
que
procuram
identificar o verdadeiro critério da
virtude
relação de sujeição entre empregado
vinculado
e empregador, para, a partir de
salário.
então,
definir
qual
terminologia.
Neste
adotaremos
a
a
melhor
de
estar ao
o
empregado
empregador,
Segundo
pelo
interpretação
de
estudo,
Gomes e Gottschalk (2005, p. 135),
expressão
citando a lição de Cuche, o primeiro
subordinação, por entendermos ser
a apresentar essa concepção, para
a mais abrangente e específica ao
que a dependência econômica se
mesmo
o
materialize é necessário “que o
verdadeiro elemento configurador da
trabalhador ganhe a vida com o
relação empregatícia e o vínculo de
trabalho que executa em proveito de
sujeição contratual a unir empregado
quem lhe paga”.
tempo,
constituindo
e empregador.
A
dependência
econômica
não é o critério mais aceito pela 4. Natureza jurídica da subordinação
doutrina,
enfrentando
muitas
críticas, sendo a principal delas a de Para
Mozart
Victor
que pode haver situações em que o
Russomano (1993, p. 54) e Gomes e
empregado não é economicamente
Gottschalk
dependente
(2005,
p.
133),
os
do
empregador
e,
critérios utilizados para identificar
mesmo assim, estar-se-á diante de
esta sujeição são: “a) econômico; b)
uma relação de emprego, com todas
técnico; c) social; e d) jurídico”. Para
as suas características, inclusive
os três primeiros critérios, costuma-
com sujeição do empregado ao
se
empregador. Basta analisar uma
utilizar
a
expressão
“dependência” e, para o último,
hipótese:
“subordinação”.
economicamente e que decide, por
pessoa
bem
sucedida
Por dependência econômica
vontade própria e por diletantismo,
podemos entender a condição de
ensinar música em uma instituição 90
destinada
a
essa
frequentemente”.
finalidade.
Entretanto,
os
Poderemos estar diante de clara
mesmos autores avaliam que esse
relação de emprego, sem haver,
critério
todavia, dependência econômica do
tendência expansionista do Direito
empregado.
do Trabalho”, mencionando o que
Apoiamo-nos
na
ideia
seria,
de
“serve
às maravilhas à
talvez,
“o
da
parâmetro
de
Délio Maranhão (2005, p. 244), para
redefinição
quem “dizer, como fazem alguns
tipicidade trabalhista”, para incluir no
autores, que a subordinação do
campo desse ramo do Direito outras
empregado
categorias atualmente situadas fora
implica
em
uma
dependência econômica é avançar
do
prelúdio
de sua abrangência. (p. 137)
uma proposição nem sempre válida.
Vemos
então
que
Pode haver dependência econômica
dependência
sem que exista contrato de trabalho”.
abrangida
Defendendo
mesmo
jurídica, pois não detém autonomia
entendimento, mas com argumento
suficiente para ser considerada um
a contrário sensu são as palavras de
critério único e, em alguns casos,
Eduardo Gabriel Saad (2001, p. 17),
chega ao limite de tornar-se inócua,
ao afirmar que “a dependência não
em razão das especificidades de
deve ser necessariamente de caráter
cada relação de emprego. Assim,
econômico, de vez que não é
apresenta-se também como um
impossível haver empregado com
critério
fortuna maior do que a do seu
configuração
empregador. A dependência é de
emprego.
o
natureza jurídica”.
subordinação
insatisfatório da
para
relação
a de
dependência técnica traduz a ideia
Gottschalk (p. 135-136), para quem
de
o
hierarquia
da
pela
está
Por sua vez, o critério da
Também a lição de Gomes e “critério
econômica
a
dependência
sujeição
do e
empregado
organização
à da
econômica é inaceitável porque, em
empresa. O empregado sujeita-se
vez de se fundar no exame da
aos critérios técnicos estabelecidos
relação jurídica, para distingui-la dos
pelo empregador, não podendo,
contratos afins, baseia-se na análise
livremente, estabelecer a forma em
da situação socioeconômica em que
que prestará o trabalho, ficando
se
vinculado às diretrizes da empresa.
encontra
uma
das
partes 91
Esse critério, fixado em 1905,
O conceito de dependência
na França, também não satisfaz a
social, para Gomes e Gottschalk
maior parte dos doutrinadores, pois
(2005, p. 140), é a tentativa de fusão
argumentam que a dependência
dos
técnica
substância
jurídica e dependência econômica.
suficiente para ser considerada um
Os mesmos autores criticam essa
critério
tentativa, afirmando que “a fusão
não
possui
autônomo,
estando
ela
critérios
de
inserida na própria subordinação
pretendida
jurídica. Desta forma, “no poder de
impossível”.
direção do empregador já está
“subordinação
compreendida a faculdade de o
hierárquica
é
mesmo determinar o modo como
dependência
econômica,
deve ser executado o trabalho, a
Efetivamente,
orientação
serviço”.
unificadas em um só conceito, de
(GOMES e GOTTSCHALK, 2005, p.
vez que não coincidem sempre em
138)
toda relação jurídica de trabalho.
técnica
Ademais, dependência insuficiente
do
o
critério
técnica para
logicamente
Argumentam
que
jurídica
ou
uma
não
coisa, outra.
podem
ser
Uma, portanto, não implica a outra”.
da
mostra-se
caracterizar
é
subordinação
Para
entendermos
esse
a
critério, poderíamos utilizar a ideia
relação de emprego em virtude da
de subsistência do empregado por
especificidade de cada prestação de
meio do empregador, ou seja, este
serviços, variando de acordo com a
forneceria os meios para que aquele
qualificação
pudesse
individual
de
cada
realizar
os
empregado. Em outras palavras,
compromissos
conforme
de
sentido, seria a relação de emprego
do
a responsável pela integração social
empregado, menor será a sua
do empregado, visto que seria pelo
relação de dependência técnica em
seu emprego que ele estaria inserido
relação ao empregador, chegando
na sociedade. Assim, a relação entre
quase a ponto de desaparecer, ou de
empregado e empregador seria de
inverter-se,
o
dependência social, na medida em
dependeria
que o empregador forneceria a
tecnicamente do empregado e não o
subsistência para o empregado,
contrário.
fazendo com que ele integrasse à
o
maior
qualificação
empregador
grau
profissional
de
modo
que
92
sociais.
seus Nesse
sociedade e, em contrapartida, o
mesmo
empregado colocaria à disposição
existindo relação de emprego.
daquele a sua força de trabalho.
assim,
ainda
Ademais,
continua
tanto
a
Nesse aspecto, seria uma “segunda
dependência econômica quanto a
etapa da dependência econômica”.
social
(MARTINS, 2006, p. 168)
subordinação jurídica, que é o
Concordamos com os autores acima
mencionados
de
que
estão
abrangidas
pela
verdadeiro elemento caracterizador
a
da relação de emprego. Nos dizeres
dependência social não é um critério
de Gomes e Gottschalk (2005, p.
adequado para a configuração da
141), “o Direito do Trabalho não
relação de emprego. Entendemos
protege todos os economicamente
que ela se confunde com o critério da
fracos, mas, sim, uma grande parte
dependência
não
dos que têm essa condição, aqueles,
apresentando diferença relevante
precisamente, que têm o estado
que justifique alçá-la à condição de
jurídico de empregados, ou seja, de
critério
trabalhadores subordinados”. (Grifos
econômica,
caracterizador
daquela.
Podemos citar novamente, como
do original)
exemplo, a hipótese acima referida,
Finalmente, a subordinação
do professor de música que é bem
jurídica. É o critério mais aceito pela
posicionado
e
doutrina, pela legislação e pela
economicamente. Não se pode falar
jurisprudência como o elemento
que é a dependência social que
caracterizador
da
configura a relação de emprego, pois
emprego.
essa
esse empregado não precisaria do
subordinação deriva do contrato de
empregador
trabalho,
social
para
inserir-se
socialmente.
da
de
análise,
manifestação
a
de
vontade das partes que dá início à
O mesmo exemplo pode ser
relação de emprego.
utilizado para refutar os outros critérios
Por
relação
anteriormente
Para
expostos,
Mozart
Victor
Russomano (1993, p. 50-51), essa
pois o empregado é tecnicamente
subordinação
mais qualificado que o empregador,
caráter aviltante do trabalho escravo
no exercício daquela determinada
e da servidão ou, mesmo, dos
função, bem como pode não ser
regimes medievais posteriores, pois
economicamente
se trata de uma decorrência da
dependente
e, 93
não
tem
aquele
natureza
ou
organização
da
acordo
inicial
das
partes,
empresa ocidental, que se constitui
vontades do
em níveis hierárquicos, de acordo
empregado, onde são aceitas, desde
com os interesses do empresário, no
o início, as suas consequências,
qual o comando lhe pertence, tudo
sendo a mais importante e onerosa a
funcionando conforme um critério
da situação de subordinação. “O
necessariamente harmonioso.
pressuposto do acordo de vontades
Ari Possidonio Beltran (2001,
está,
Xavier,
destaca
normalmente,
à
base
do
da
relação de trabalho”.
p. 98), citando o jurista português Lobo
empregador e
nas
que
Com a propriedade de quem
subordinação jurídica é a “atividade
influenciou
prevista
doutrinadores nacionais, o jurista
legalmente
e
boa
dos
desempenhada sob autoridade e
italiano
direção
Passarelli (1952, p. 139) afirma que
da
pessoa a
quem
é
prestada”. 246),
Santoro-
todo contrato de trabalho forma o que denomina “status subiectionis”,
Para Délio Maranhão (2005, p.
Francesco
parte
“a
subordinação
do
sendo
este
o
estado
de
empregado é jurídica, porque resulta
subordinação a que se encontra o
de um contrato: nele encontra seu
empregado.
fundamento
e
seus
e,
Vemos que a subordinação é
conclui, citando Sanseverino que “a
jurídica, pois deriva da manifestação
subordinação própria do contrato de
de vontade das partes – empregado
trabalho não sujeita ao empregador
e empregador – para que se possa
toda a pessoa do empregado, sendo,
dar início à relação de emprego. É o
como é, limitada ao âmbito da
critério mais aceito, em virtude da
execução do trabalho contratado. A
tendência, entre os doutrinadores,
subordinação não cria um status
de considerar a teoria contratualista
subjectionis;
uma
da relação de emprego como a mais
situação jurídica”. (Grifos do original)
aceitável, inclusive para justificar o
é,
limites”
apenas,
No entendimento de Orlando
poder
diretivo
do
empregador,
Gomes e Elson Gottschalk (2005, p.
conforme se verifica em Otavio Pinto
134), a subordinação é de natureza
e Silva (2004, p. 16), para quem
jurídica, pois a relação de trabalho
“subordinação e poder de direção
encontra sua causa determinante no
são verso e reverso da mesma 94
medalha:
a
subordinação
é
a
contrato de trabalho. Subordinação
situação em que fica o empregado e
que
o poder de direção é a faculdade
(hierárquica),
conferida ao empregador”.
econômica
É
esse
posicionamento Egrégio
também sumulado
Tribunal
Superior
é
principalmente mas e
social,
jurídica também pois
as
o
situações excepcionais em que a
pelo
dependência não ocorra apenas
do
confirmam a regra: o empregado é
Trabalho, por meio da Súmula n.
economicamente
269:
emprego, via de regra, e socialmente O
empregado
eleito
para
inferiorizado
dependente
em
relação
do
ao
ocupar cargo de diretor tem o
empregador, também em regra. Até
respectivo
trabalho
a subordinação hierárquica às vezes
suspenso, não se computando o
é imperceptível (a “tecnoestrutura”
tempo de serviço desse período,
da empresa), mas existe porque a
salvo
subordinação é determinada pela lei
contrato
de
se
permanecer
a subordinação jurídica inerente à
(art. 2º da CLT).
relação de emprego. (Grifamos)
Ou porque a lei a determina,
No entanto, vale apontar o
ou porque a realidade a reforça, a
posicionamento do professor Hugo
subordinação é bastante ampla,
Gueiros Bernardes, para quem todas
razão
as
contrato de trabalho. (1989, p. 142,
teorias
utilizadas
acima para
apontadas definir
a
devem
ser
característica
do
grifos do original)
subordinação do empregado ao empregador
de
Desta forma, apontados os
ser
diferentes critérios e os debates
fazerem
existentes, vimos que prevaleceu o
verificáveis, em certa medida, em
da sujeição como manifestação de
toda relação de emprego.
vontade das partes, fruto de um
consideradas,
por
se
contrato,
tendo
então
natureza
jurídica e que a terminologia mais apropriada para sua designação é
5. Conclusão
“subordinação”. A
subordinação
característica
por
é
excelência
nota do
95
Referências BACELLAR, Margareth de Freitas. O direito do trabalho na era virtual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARASSI, Lodovico. Il diritto del lavoro. Milão: Giuffrè, 1949. BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. São Paulo: LTr, 2001. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. ______. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. GOMES, Olando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005. HOUAISS, Antonio. Dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. 4. ed. rev e atual. São Paulo: LTr, 1993. MANNRICH, Nelson. A modernização do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 1998. MARANHÃO, Délio. Contrato de Trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo et. al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atual. São Paulo: LTr, 2005. p. 232-289. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. OLEA, Manuel Alonso. Introdução do direito do trabalho. Trad. de Carlos Alberto Barata Silva. 4. ed. rev. São Paulo: Ltr, 1984. PERA, Giuseppe. Compendio di diritto del lavoro. 5. ed. Milão: Giuffrè, 2000. PEREIRA, Adilson Bassalho. A subordinação como objeto do contrato de emprego. São Paulo, LTr, 1991. ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 4. ed. Curitiba: Juruá, 1993. 96
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do trabalho, comentada. 33. ed. São Paulo: LTr, 2001. SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di diritto del lavoro. 6. ed. Napoli: Eugenio Jovene, 1952. SILVA, Carlos Alberto Barata. Compêndio de direito do trabalho: parte geral e contrato individual de trabalho. São Paulo: LTr, 1986. SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. SÜSSEKIND, Arnaldo et. al. Instituições de direito do trabalho. v. 1. 22. ed. Atual. São Paulo: LTr, 2005.
97
ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS PAIVA dos Reis, Joyce Maria – Discente do 9° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Amauri José do – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O objetivo deste artigo é defender a adoção por casais homossexuais, com o propósito de possibilitar a realização do sonho de constituir uma família, como se filhos consanguíneos fossem. Sob este aspecto analisar a importância do melhor interesse da criança em ser adotada por homossexuais, do que permanecer em orfanatos. Assim, demonstraremos a importância do assunto, visando que, de algum modo, este artigo possa contribuir para que se tenha uma visão mais ampla, desmistificando o preconceito sobre o assunto.
Palavras-chave: Adoção. Homossexuais. Preconceito. Família. 98
homossexualidade entre pessoas de
Introdução
destaque cultural e social da época. Embora
A adoção por homossexuais
o
conceito
de
vem sendo uma grande discussão
homossexualidade,
nos últimos tempos, em que o
dito, não existisse à cerca de 10 mil
preconceito está estabelecido na
anos atrás já existiam rituais de
maior parte da população, tornando
homossexualidade. Os melanésios
a adoção de difícil aceitação social,
acreditavam que o conhecimento
dificultando assim, que crianças que
sagrado só era transmitido por meio
vivem em abrigos tenham suas
do coito entre duas pessoas do
famílias,
mesmo sexo.
e
homossexuais
que
propriamente
A união civil de pessoas do
desejam ter seus filhos sentem-se do
mesmo sexo parece bem recente,
preconceito, a qual dita que um
mas desde 1989 a Dinamarca já
homossexual não é capacitado para
havia
ter filhos.
casamento de pessoas do mesmo
pressionados
pela
ditadura
abraçado
a
causa.
O
pretende
sexo está amparado por leis de 21
demonstrar a importância da adoção
nações, entre elas a aculturada
por homossexuais, assim como o
Inglaterra.
Este
artigo
direito da criança de ter uma família,
Até pouco tempo atrás a
através dos princípios da igualdade
homossexualidade era vista como
e da liberdade, baseando-se em
uma
pesquisas bibliográficas e históricas,
considerada
que demonstram que a opção sexual
comportamental, porém a medicina e
não interfere na qualidade da criação
a psicologia entre outras ciências,
e educação de seus filhos.
não conseguiram responder se é
doença,
mais
tarde
um
foi
distúrbio
uma opção a partir do livre arbítrio ou é decorrente de origem genética.
1. Homossexualidade no passado
De Naphy,
Para analisar este trabalho,
acordo diretor
do
com
William
colégio
de
devemos olhar o começo da nossa
Teologia, História e Filosofia da
civilização. Já na Grécia e Roma
Universidade de Aberdeen, Reino
antigas, entre outros povos, havia a
Unido, em Born to be Gay – História da Homossexualidade, diz que: “Em 99
toda a história e em todo o mundo a
dignidade da pessoa humana estaria
homossexualidade
sendo ferido já que não se pode
tem
sido
um
componente da vida humana”.
proibir a adoção apenas por causa
A única coisa que podemos
da orientação sexual do casal. Além
afirmar é que se duas pessoas ficam
de
ser
discriminação,
estará
juntas, é por afeto, e o afeto é uma
deixando de valorizar e priorizar o
condição natural que vem de milhões
melhor interesse da criança.
de anos atrás, não sendo apenas
De acordo com Dias (2004,
observada por todas as civilizações,
p.124): “As evidências trazidas pelas
mas também comum nos seres da
pesquisas não permitem vislumbrar
natureza.
a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta
2. O Direito
pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães”.
As relações familiares são
Não se deve ter o preconceito
reguladas pelo afeto, sendo este
de que a orientação sexual de seus
essencial para existência familiar,
pais adotivos irá afetar o psicológico
que é base da sociedade, e que após
da criança, pois a opção sexual da
a Constituição Federal de 1988,
criança é ela quem vai decidir não
passou a reconhecer como família
partindo do fato de ter sido criada ou
também aquelas oriundas da união
não
estável
monoparental,
porque muitos homossexuais foram
possibilitando que todos pudessem
criados por heterossexuais, o que
exercer o direito de constituir uma
não mudou sua escolha e nem a
família, independente de ser natural
educação.
e
a
por
homossexuais,
mesmo
ou por adoção. Com a família monoparental
3. Os problemas da adoção
se fortaleceu a tese de que o casal de
homossexual
adoção,
pois
fundamental
tem
direito
por não
se
à
Desde 1990, com o Estatuto
princípio
da Criança e do Adolescente, as
pode
instituições abrigos, onde crianças
discriminar. Dessa forma se conclui
deveriam
que homossexual tem direito a
provisoriamente ou o menor tempo
adoção, uma vez que o princípio da
possível 100
ficar
não
funciona
apenas
assim.
Crianças passam toda a infância,
bebê. Foi um susto para toda a
quando
adolescência,
família. Como poderíamos criar um
esperando ser adotadas. De um
filho sem uma mãe? Mas eu fui
movimento social sem precedentes
criado para ter uma família: filhos,
resultou a elaboração e aprovação
gato,
do
do
Adotamos Débora com 5 meses. Foi
Adolescente (ECA - Lei 8.069, de
uma experiência tão feliz que seis
13/07/1990), que é considerada uma
meses depois, adotamos Lara. Elas
das leis mais avançadas do mundo
lidam
em relação à infância.
orientação sexual. Quando Débora
não
Estatuto
a
da
Criança
e
cachorro,
muito
passarinho...
bem
com
nossa
Existem mais de um milhão de
foi para a escola, isso a abalou um
crianças e adolescentes abrigados
pouco. Ela notou que os coleguinhas
no
sentem
tinham um pai e uma mãe e ela tinha
abandonados, não é a mesma coisa
dois pais. Dizemos a ela que nos
de se ter uma família, eles querem
amamos e é isso que une uma
fazer parte de uma, querem afeto,
família. Eu sofri e sofro com a
carinho, atenção, querem um lar.
discriminação e não quero que isso
país.
Eles
se
A maior parte das crianças
se repita com minhas filhas. Nós as
que estão aptas à adoção, são
preservamos
ao
crianças acima de dois anos, o que
preparamos
para
dificulta integrá-las a uma família,
diferenças. (VEJA, 2001, p.67).
pois, a maioria das pessoas que se encontram
cadastradas
Casos
como
máximo
e
as
enfrentar
as
como
aumentando
esse
no
vem Brasil,
adotantes preferem recém nascidos.
principalmente nos grandes centros.
Em matéria apresentada na Revista
Nossa legislação não está adequada
Veja, de 11 de Julho de 2001, o
para solucioná-los. Os juízes têm
empresário
que analisar os pedidos de adoção
“Renato”
relata
sua
experiência com a adoção:
buscando sempre o melhor para a
A VONTADE DE TER UMA
criança de forma a garantir-lhes um
FAMÍLIA Quando
crescimento saudável, amparados eu
e
Marcos
por amor e
completamos quatro anos vivendo
convivência
juntos, veio a vontade de ter um filho.
formada
Montamos enxoval para adotar um 101
afeto gerados na familiar,
pelo
seja
ela
casamento
ou
qualquer outra forma de entidade
acham que a criança irá sofrer na
familiar.
escola, e que será discriminada por isso,
porém
todos
sofrem
discriminação, seja negro, adotada, pobre, mulher, homossexual e etc.
Considerações finais
Não se deve concluir que um Com isso, podemos concluir
casal não pode adotar apenas por ter
que embora a nossa legislação não
uma orientação sexual diferente da
traga a possibilidade expressa da
habitual, devemos pensar no afeto
adoção por casais do mesmo sexo,
que essa pessoa pode dar para uma
o que dificulta, atrasa, torna uma
criança que precisa tanto de alguém
verdadeira cruzada um pedido de
para amá-la. Não devemos discriminar o
adoção, também não veta. E sobre duas
casal homossexual, muitos deles
correntes: os que entendem que
são conhecidos pela boa moral e
apenas com a alteração do art. 226,
pelos bons costumes, e muitos são
§3° da CF/88, dando ao casal o
melhores do que os próprios pais
status de entidade familiar, sendo
biológicos, tanto é que foram os
possível a adoção em conjunto. E a
biológicos que abandonaram essas
outra corrente que acredita que o
crianças, não quiseram dar o que
artigo mencionado fere o princípio da
estes casais estão se dispondo a
igualdade,
e,
fazer oferecer um lar, uma família,
dignidade
alguém que se dispõe a educar e
humana, que são fundamentos do
amar uma criança, que quiçá será
estado
um adulto melhor para o mundo.
este
assunto
da
principalmente,
Portanto
existem
isonomia o
da
democrático deve
de
este
direito.
artigo
Deve-se
ser
sim,
como
toda
os
adoção, ser analisado caso a caso,
mesmo benefícios que os casais
da mesma forma que se analisa uma
heterossexuais
adoção para casais heterossexuais.
desconsiderado
e
têm
conceder
perante
a
Verificar a capacidade de cada um
adoção. Vários são os motivos para se
de dar o que a criança precisa dentro
dizer que uma criança não deve ser
dos preceitos éticos. É neste aspecto
adotada por casais do mesmo sexo,
que os juízes e promotores devem
e uma delas é a discriminação, pois
amparar suas decisões, e não na 102
discriminação
mesquinha
criada
orientação sexual, pois se deve ter
pela sociedade.
em
Portanto, deve ser decidida
mente
priorizar
o
melhor
interesse da criança, e não a
cada adoção de acordo com a moral
orientação
e a capacidade dos adotantes de
adotantes, podendo assim diminuir o
cuidar e dar um futuro melhor para a
número de crianças existentes em
criança. Que possam todos aqueles,
abrigos, aumentando os números de
que possuem o intuito de formar sua
crianças em lares, mudando o futuro
família
do nosso país.
adotando
realizá-la
uma
independente
criança,
sexual
de
da
ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS
103
seus
Referências DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. BUCHALLA, Anna Paula. Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica. Revista Veja. Julho, ed. 1708, p.67, 2001. NAPHY, Willian. Born to be ay: História da Homossexualidade. ed. 1: edições 70, 2006.
104
ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de Brito - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O presente trabalho visa estudar os principais aspectos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, um instituto criado pela Constituição Federal de 1988, que tem por finalidade a supressão das omissões inconstitucionais. O objetivo almejado pelo Constituinte responsável pela Constituição Federal de 1.988 foi buscar métodos para coibir a inércia dos poderes públicos ad perpetuam, uma vez que existem normas constitucionais que necessitam de regulamentação infraconstitucional para tornarem-se plenamente eficazes, as quais são chamadas de normas de eficácia limitada. Tais regulamentações devem ser executadas pelos órgãos competentes, a fim de se cumprir o princípio da Supremacia da Constituição.
Palavras-chave: Constituição. Omissão Inconstitucional. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 105
O tratamento da omissão
Introdução
inconstitucional
não
encontra
A Constituição Federal de
precedentes no direito constitucional
1.988 foi a primeira a criar métodos
brasileiro. O modelo de controle de
de combate ao problema da omissão
inconstitucionalidade por omissão
inconstitucional,
brasileiro
regulamentando
foi
inspirado
na
Constituição Portuguesa.
dois institutos com tal finalidade, que de
Havia uma preocupação dos
Inconstitucionalidade por Omissão e
operadores do direito na criação de
Mandado de Injunção.
um instrumento que vedasse a
são
a
Ação
Direta
perpetuação da omissão dos órgãos
Tais institutos, cuja função é coibir a omissão inconstitucional,
competentes
encontram-se
diferentes
normas constitucionais. O que se
capítulos da Constituição Federal de
procurava era a criação de um
1.988, uma vez que a Ação Direta de
instrumento
Inconstitucionalidade está prevista
efetividade
no Título IV, Capitulo III, Seção II,
constitucionais.
onde
em
prescreve
correspondentes
as ao
regulamentar
capaz
de
às
A
funções
em
Ação
conferir normas
Direta
de
Inconstitucionalidade por Omissão
Supremo
começou
Tribunal Federal.
a
Comissões
Já o Mandado de Injunção
ser
modulada
Temáticas
encontra-se previsto no Título II,
ingressar
posteriormente
Capítulo I, que descreve os direitos e
Constituição Federal de 1.988.
nas para na
coletivos,
Assim, pode-se notar que
justamente por tratarem de matérias
quando da criação da Constituição
diversas, uma vez que o mandado
vigente houve uma preocupação por
de injunção serve para combater em
parte
casos concretos a inércia do Poder
estabelecer
competente, enquanto que a Ação
finalidade seria obstar a inércia
Direta de Inconstitucionalidade por
prolongada dos órgãos competentes
Omissão
em criar normas que completariam a
deveres
individuais
Constituição
visa
e
proteger
a
dos
Constituição.
abstratamente,
evitando a omissão inconstitucional.
106
constituintes uma
medida
em cuja
1. Omissão inconstitucional
Desta forma, com a instituição da
Ação
Direta
de
A Constituição Federal não
Inconstitucionalidade por Omissão
era plenamente eficaz quando de
procurou-se obstar a inação do
sua entrada em vigor, pois existiam
legislador, visando impedir que os
normas
que
direitos previstos na Constituição
constitucionais
necessitam
de
uma
não fossem recebidos por seus
complementação
posterior
para
destinatários.
serem efetivamente aplicadas. As normas
de
legislador
constituinte
limitada
quando criou a Constituição vigente,
regulamentação
buscou um meio de impedir que
através de leis ordinárias, para
ocorresse o mesmo erro encontrado
realmente cumprirem a sua função
nas Constituições anteriores, onde
proposta pela Constituição Federal.
não se existia um instituto capaz de
necessitam
eficácia
O
de
A omissão inconstitucional é o
impedir a omissão inconstitucional e
não fazer a norma devidamente
por
individualizada, em um determinado
previstas em seus textos ficavam
tempo,
sem regulamentação e acabavam
cuja
obrigatoriedade
é
imposta pelo texto constitucional.
tal
motivo,
muitas
normas
por se tornarem ineficazes.
As normas de eficácia limitada
A
possuem aplicabilidade indireta, pois
somente
somente se tornarão plenamente
cumprida quando a atuação dos
eficazes após a complementação
poderes por ela constituídos forem
ulterior da Constituição.
executados de maneira integral,
A
omissão
inconstitucional
Constituição será
Federal
efetivamente
preenchendo os espaços vazios,
pode ser total quando o legislador
propositalmente
não satisfaz integralmente o texto
constituinte
constitucional não criando a norma
posteriormente
regulamentadora
legislador
e
deixados para
pelo serem
completados
infraconstitucional,
pelo de
também parcial quando o legislador
acordo com as necessidades da
cria a norma, complementando o
população.
texto constitucional de forma não
Quando o órgão é incumbido
satisfatória.
pela Constituição de realizar um ato e mesmo assim se permanece 107
inerte, tal inércia constitui violação à
por
própria
poderes Legislativo e Executivo.
Constituição
de
forma
Omissão
diz
respeito
aos
omissiva. Para
suprir
as
omissões
2. Direito comparado
inconstitucionais, bem como retirar do ordenamento jurídico, leis ou atos normativos
contrários
Segundo estudos realizados,
à
o primeiro país a prever o instituto da
Constituição, existe a fiscalização
inconstitucionalidade por omissão foi
por
a antiga Iugoslávia no ano de 1.974.
intermédio
do
controle
da
constitucionalidade.
Dois anos após, a primeira
Quaisquer dos três poderes -
aparição
do
instituto,
Portugal
o Executivo, o Legislativo ou o
regulamentou a matéria em sua
Judiciário
Constituição. No texto original de
podem
apresentar
comportamento omissivo face à
1.976
a
declaração
da
Constituição.
inconstitucionalidade por omissão
É omisso o Poder Legislativo
tinha um caráter essencialmente
quando deixa de elaborar a lei
político. Entretanto, em 1.982 houve
necessária
uma
para
aplicabilidade
efetivar da
a
norma
importante
constitucional
revisão
que
constitucional. No que se refere ao
também
Poder Executivo, o mesmo é omisso
inconstitucionalidade por omissão,
quando
retirando-a
recebe
da
Constituição
o
modificou
instituto
do
da
campo
poderes para expedir regulamentos
preferencialmente político e levando-
visando
a ao campo jurisdicional.
a
execução
das
leis
integrativas e não o faz. E por
Na
Ação
Direta
de
derradeiro, o Poder Judiciário pode
Inconstitucionalidade por Omissão
ser omisso quando da denegação da
prevista
Justiça, ou seja, quando não exercer
Portugal,
o seu papel de busca pela Justiça,
obrigatoriedade
bem
Legislativo
como
quando
retarda
o
pela
Constituição
também
não
de
suprir
o a
de há
Poder omissão
julgamento de casos levados à sua
declarada, o que se procura é dar-
apreciação.
lhe ciência de sua existência, não
A omissão combatida pela
havendo por parte do Tribunal
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Constitucional 108
qualquer
tipo
de
coação face à permanência do órgão
concedida
legislativo na inércia.
favor da pessoa que foi prejudicada
Já a Argentina possui um sistema
um
daquele
visto
pouco até
uma
indenização
em
pela inércia pública. Entretanto, tal
diferenciado
situação somente ocorrerá em última
o
hipótese.
presente
momento, isto se dá pelo fato deste
Na Espanha não existe uma
país ter sofrido uma forte influência
ação de inconstitucionalidade por
do direito alemão e hispânico. O
omissão, uma vez o recurso contra a
direito argentino ao tratar da omissão
inconstitucionalidade está reduzido
constitucional confere ao Superior
ao campo das leis que contradizem
Tribunal de Justicia competência
a Constituição, demonstrando que
para conhecer de ações que tenham
neste país trata-se somente dos atos
por objeto o não cumprimento de um
positivos
preceito ditado por uma norma da
Alguns
qual deriva um dever concreto a
espanhol entendem que o chamado
cargo da Província ou de seus
Recurso de Amparo é capaz de
Municípios.
solucionar as questões referentes às
Na
Argentina,
existe
a
e
não
das
estudiosos
omissões. do
direito
omissões inconstitucionais, pois visa
chamada Acción de Amparo que
proteger
pode ser proposta no caso de
violação de direitos e liberdades
omissão por parte daquele que era
públicas
obrigado a executar um ato concreto
legislador. Apesar de não dispor
e se queda inerte, como também
expressamente em sua Constituição
contra quem deve pronunciar uma
de uma ação que visa coibir a
decisão e não o faz. O Superior
omissão inconstitucional, no sistema
Tribunal de Justicia ao declarar a
espanhol
omissão, integra a ordem normativa
Recurso de Amparo visa suprir à
ao caso concreto, garantindo a
omissão do legislador que está
satisfação do indivíduo que se sentiu
impossibilitando
prejudicado em seu direito pessoal
exercitar seus direitos ou liberdades
ou
públicas.
coletivo.
Tal
integração
o
indivíduo
face
a
à
omissão
ação
a
contra
a
do
denominada
pessoa
de
permanece nas fronteiras do caso
Assim, como na Espanha,
concreto, sem alcançar a todos.
outros países como a Alemanha,
Caso isto não seja possível, será
Itália 109
e
França
não
possuem
previsão constitucional de uma ação
administrativos, não realizados pelos
específica
omissão
órgãos competentes estão fora do
Entretanto,
âmbito de propositura da Ação Direta
sobre
inconstitucional.
passaram a reconhecer em sede
de
Inconstitucionalidade
jurisprudencial tal instituto.
Omissão.
por
Michel Temer discorre sobre 3.
Ação
direta
de
este
inconstitucionalidade por omissão
assunto
em
sua
obra
e
menciona que a jurisprudência tem fixado entendimento no sentido de de
que
da
inconstitucionalidade por omissão
inconstitucionalidade por omissão,
objetiva-se a expedição de ato
voltado a preencher de forma geral e
normativo
abstrata,
cumprimento
É
o
instrumento
fiscalização
abstrata
as
lacunas
na
ação
direta
necessário de
por
ao preceito
inconstitucionais do ordenamento
constitucional fundamental que sem
jurídico.
atos
ele não poderia ser aplicado. O autor
normativos de cunho administrativo
cita uma jurisprudência que trata de
também pode ser alvo da Ação
tal assunto:
Direta de Inconstitucionalidade por
Ação
A
omissão
de
direta
de
Omissão, uma vez que o próprio
inconstitucionalidade por omissão –
texto constitucional menciona Poder
Propositura visando prática de ato
competente ou órgão administrativo.
administrativo em caso concreto,
Não é qualquer omissão que
cuja
omissão
ofende
preceitos
pode legitimar a propositura da ação
constitucionais – Descabimento –
junto ao Supremo Tribunal Federal,
Possibilidade
mas aquelas ausências de medidas
somente se se objetivar a expedição
de
de ato normativo necessário ao
cunho
aquelas
normativo,
que
ou
prescrevem
seja, regras
cumprimento
gerais e abstratas.
em
citando
como
de
ajuizamento
preceito
constitucional que, sem ele, não poderia ser aplicado – Seguimento
A ação que visa impedir a omissão
de
casos
negado – Inteligência e aplicação
concretos,
exemplo
ação
dos arts. 102, I e 103, §2º, da CF.
governamental obrigada a realizar
(AdIn 19-5, DJU 14.4.89, in. RT
obras,
645/184). (1999, p. 54).
tarefas,
a
programas 110
Conforme
Procurador-Geral da República; o
anteriormente de
Conselho Federal da Ordem dos
Inconstitucionalidade por Omissão
Advogados do Brasil; partido político
está prevista no art. 103, § 2º, da
com representação no Congresso
Constituição
Nacional; confederação sindical ou
prescrito,
a
Ação
Direta
Federal.
Neste
dispositivo prevê-se a omissão tanto
entidade
por parte do legislador como do
nacional.
administrador omisso.
de
classe
de
âmbito
Ressalta-se que tais entes
Uma das poucas diferenças
são legitimados para propor a Ação
encontradas entre os institutos que
Direta de Inconstitucionalidade em
combate a omissão inconstitucional
suas duas modalidades, por ação ou
no direito brasileiro e no português é
por omissão. A figura do réu é
o fato de que no direito brasileiro
representada
busca-se
omissão
responsável em agir e não o faz,
legislativa e administrativa e o direito
justamente por causa de sua inércia
português
é
combater
combate
a
somente
a
omissão legislativa. A
que
se
pelo
órgão
acarreta a
omissão
inconstitucional, violando assim os
Ação
Direta
de
ditames constitucionais.
Inconstitucionalidade por Omissão é
A Constituição Federal de
uma ação que visa restabelecer a
1.988
elegeu
harmonia do sistema que não está
competente para apreciar e declarar
sendo cumprido, uma vez que o
a
órgão responsável pela edição da lei
Supremo Tribunal Federal.
omissão
como
o
órgão
inconstitucional
o
ou ato permanece omisso. Por se
O Supremo Tribunal Federal
tratar de ação, possui os três
decidiu que em se tratando de Ação
elementos a ela inerentes, ou seja,
Direta de Inconstitucionalidade por
autor, réu e juiz.
Omissão não se faz necessária a
Tem-se como autor aqueles
participação do Advogado Geral da
legitimados pelo art. 103 que são: o
União
Presidente da República; a Mesa do
impugnado em Ações Diretas de
Senado Federal; a Mesa da Câmara
Inconstitucionalidade por Ação), vez
dos
de
que a razão de ser da ação é
o
justamente a falta de lei ou ato
Deputados;
Assembleia Governador
a
Mesa
Legislativa; de
Estado;
o 111
(defensores
do
texto
normativo e por tal motivo não há o
simplesmente lhe dá ciência de sua
que se defender.
inércia.
Por ser uma ação que declara
No tocante à omissão do
a inconstitucionalidade em tese,
Poder Legislativo, a decisão do
seus efeitos são produzidos erga
Supremo Tribunal Federal que julgar
omnes, pois se aproveita a todos e
a
ex nunc, uma vez que começa a
Inconstitucionalidade por Omissão é
existir a partir do pronunciamento do
meramente declaratória. Não há
Supremo Tribunal Federal.
prazo para cumprimento do dever, o
O Supremo Tribunal Federal
Ação
Poder
Direta
Legislativo
de
possui
também decidiu pela impossibilidade
liberdade
de concessão de liminar em Ação
legislativa. Não há possibilidade de o
Direta de Inconstitucionalidade por
Poder Judiciário dispor sobre o
Omissão
própria
assunto, editando o preceito faltante,
incompatibilidade com o instituto.
porque se assim fizesse estaria
Michel
ferindo o princípio da Separação dos
em
Temer
razão
em
da
sua
obra,
transcreve ementa de um acórdão
conformação
Poderes.
que trata deste assunto, que foi
Não há previsão de sanção
objeto da ADIn 361-5. Ação
de
uma
caso não seja editada a norma, o
direta
de
que se busca é um dever moral do
inconstitucionalidade por omissão –
Legislador em suprir a omissão, mas
Liminar. É incompatível com o objeto
não há uma imposição por parte do
mediato da referida demanda a
Supremo.
concessão de liminar. Se nem
Segundo
entendimento
de
mesmo o provimento judicial último
vários juristas, apesar de não haver
pode implicar no afastamento da
previsão
omissão, o que se dirá quanto ao
Legislativo que se queda inerte,
exame preliminar. (1999, p. 60).
aquele que se sentir lesado pela
Devido à influência do Direito Português,
a
Ação
Direta
omissão
de
de
sanção
ao
inconstitucional
Poder
pode
pleitear uma indenização por perdas
Inconstitucionalidade por Omissão
e danos.
prevista na Constituição Federal
Declarada
a
também não obriga o órgão omisso
inconstitucional
a
administrativo, este tem o dever de
editar
a
norma
faltante, 112
do
omissão órgão
suprir a ausência em 30 dias. Neste
da inconstitucionalidade por omissão
caso a decisão do Supremo tem
é afastar com a máxima eficiência a
efeito
órgão
violação à Constituição. Entretanto,
administrativo não possui a liberdade
certamente em prol do princípio da
dada ao Poder Legislativo. Há uma
Separação
verdadeira ordem judicial que deve
impossibilidade de o Poder Judiciário
ser efetivamente cumprida. Se após
suprir a omissão deixada Poder
o
Legislativo acaba por comprometer o
mandamental
decurso
do
e
prazo,
o
o
órgão
dos
administrativo se mantiver inerte, é
princípio
possível se caracterizar crime de
Constituição.
responsabilidade em virtude do ato omissivo
atentar
contra
da
Poderes
prevalência
a
da
Partindo-se do pressuposto
decisão
que
judicial. (art. 85, VII, CF).
a
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade por Omissão serve somente como instrumento
4. Aspectos controvertidos
através
do
qual
se
obtém
a
declaração da inconstitucionalidade No decorrer deste estudo,
por omissão como também se dá
ficou visível que a Ação Direta de
ciência ao legislador de sua inércia,
Inconstitucionalidade por Omissão
conclui-se que este mecanismo se
legislativa, encontra barreiras e a
torna insuficiente e insatisfatório,
sua aplicação fica inviabilizada, pois
uma vez que não tem o condão de
o único capaz de suprir a omissão é
suprir
o próprio Poder Legislativo.
inconstitucional. O Supremo Tribunal
plenamente
a
omissão
A omissão revela-se uma
Federal não tem nenhum poder para
questão mais política do que jurídica,
obrigar o legislador a regulamentar a
pois como não se pode obrigar o
norma faltante. Sua participação
legislador a legislar, tal instrumento
seria efetivamente eficaz, caso fosse
tem caráter meramente declaratório
possível, quando da declaração da
e não impositivo, servindo-se apenas
inconstitucionalidade por omissão, a
como mecanismo de denúncia sobre
fixação
legisladores que não cumprem o seu
legislador omisso suprir sua inércia,
dever.
para assim conferir efetividade à A grande missão do Poder
de
um
prazo
norma constitucional.
Judiciário, no tocante a declaração 113
para
o
sem
Após o decurso deste prazo,
sugere é a possibilidade, em caso de
que
Ação Direta de Inconstitucionalidade
qualquer
o
legislador
o
por Omissão, de o Poder Judiciário
Supremo Tribunal Federal, em casos
suprir provisoriamente a omissão,
em que a atuação do legislador fosse
até que esta seja definitivamente
absolutamente
suprida pelo órgão competente.
dispor
providência,
tomasse
poderia
imprescindível,
normativamente
sobre
a
Desta
forma,
matéria, em caráter provisório, até
viabilizando
que o legislador regulamentasse a
Constituição, afastando a omissão
norma faltante.
inconstitucional que compromete a
Desta forma, ainda que em
o
estaria
cumprimento
da
sua aplicação integral.
caráter precário e provisório, o princípio
da
Constituição
supremacia estaria
da sendo
Considerações finais
cumprido, não se vislumbrando o descumprimento do princípio da
Conclui-se que o constituinte
separação dos poderes, uma vez
adicionou sabiamente o instituto da
que
a
Ação Direta de Inconstitucionalidade
inconstitucionalidade por omissão
por Omissão na Constituição vigente
seria concedido ao legislador um
justamente para garantir sua integral
prazo razoável para que fossem
efetividade, evitando as omissões
adotadas
inconstitucionais.
declarada
as
medidas
cabíveis,
somente na hipótese de o legislador
Entretanto, a não previsão de
permanecer inerte mesmo após o
sanções
término deste prazo é que seria
descumprimento do poder de legislar
permitido ao Supremo, caso fosse
tornou este instituto vazio, vez que
necessário,
decisão
através dele
fim
de
atender sua função primordial, que é
conceder aplicabilidade ao preceito
garantir o cumprimento integral da
constitucional.
Constituição.
normativa
expedir provisória
a
em
face
não
se
ao
consegue
Assim, como é possível ao
O fato de o Poder Legislativo
Poder Executivo legislar por meio de
ter liberdade discricionária de optar
medida
em
provisória
em
caso
de
relevância e urgência, o que se
editar
ou
não
a
norma
infraconstitucional é que impede a 114
concreta realização da Ação Direta da
Inconstitucionalidade
Tem-se,
desta
forma,
por
somente um dever moral e não um
Omissão, pois não lhe oferece
dever real, ficando a cargo da
nenhuma
obrigatoriedade
de
consciência do legislador a busca
suprimento
da
muito
pela completa aplicação da Lei
omissão,
menos implica em nenhuma sanção.
Suprema.
115
Referências ARAUJO, Luis Alberto; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BARROSO, Luis Alberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 1999 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e a teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FERRARI, Maria M. Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1.997. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2.000. MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de direito constitucional. 5. ed. Juarez de Oliveira, 2.000. OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed., São Paulo: Saraiva, 2.002. PIOVESAN, Flávia C. Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Controle concentrado de inconstitucionalidade das leis no Brasil. São Paulo: Celso Bastos, 2.000. RODRIGUES, José J. Fernandes. La inconstitucionalidad por omisión. Madri: Editorial Civitas S.A, 1999 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1.998. _______. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo, Malheiros, 1.998. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1.999.
116
CONTROLE SOCIAL: UMA NOVA ANÁLISE GERENCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GRATÃO, Carlos Eduardo Andrade - Ex-aluno do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O artigo demonstra o controle social como mecanismo de combate à corrupção, bem como instrumento para aprimoramento dos controles institucionalizados e ampliação da cidadania ativa. Contribui para demonstrar que o caminho a ser buscado para conter a corrupção e revigorar a democracia é a aproximação da sociedade civil na fiscalização, deliberação e decisão junto a Administração Pública. Tem por objetivo evidenciar a importância do controle social para a manutenção do regime democrático. Mostra, ainda, alguns dados sobre as condições atuais da sociedade brasileira e a corrupção, além de citar alguns instrumentos para a realização do exercício do controle social. Concluise que este é indispensável à democracia e só pode ser exercido plenamente quando a sociedade estiver preparada, interessando-se pela política e com educação de qualidade. Utilizaram-se os métodos: histórico, estatístico, hermenêutico e dogmático-jurídico. Como método de raciocínio o hipotéticodedutivo. Como tipo de pesquisa usou-se o bibliográfico.
Palavras-chave: Democracia. Administração pública. Participação popular. Controle social. 117
CPMIs são instaladas para apurar os
Introdução
casos de corrupção, como por exemplo:
A história brasileira, mesmo que
intercalada
democráticos,
por
foi
“Sanguessugas”,
suspiros
marcada
popular
na
operações da Polícia Federal que por muitos dias repercutiram nas primeiras páginas dos jornais de
social, a elite dominante: amigos da
todo país, a exemplo da recente
coroa, coronéis, oligarquia cafeeira,
Operação “Caixa de Pandora” –
militares, burguesia industrial ou,
suposto mensalão no DF.
banqueirosEm
verdade,
Os casos se alastram em
a
todos os Poderes, bem como se
sociedade brasileira poucas vezes foi
convocada
a
participar
alojam em todos os âmbitos da
das
Federação.
questões que envolveram a nação.
Ocorre
Não bastasse, nos últimos
casos
de
desvio
de
obras,
diante do descaso com a máquina pública e do desprezo com os
que
anseios sociais.
acarretam enorme custo social e o
Por tudo isso, pode-se afirmar
afastamento do Estado brasileiro em
que a noção de democracia no atual
cumprir os objetivos fundamentais
Estado de Direito está chegando à
contidos no artigo 3º da Constituição
beira
democrática de 1988.
vezes,
fiscalização do gasto público ficam diante
do
do
colapso
representação
Os órgãos incumbidos da
inoperantes
tantos
detêm o poder sofre duros golpes
máquina pública e impropriedades execução
com
democracia. Refém daqueles que
de
dinheiro público, má gestão da
na
que
escândalos quem sai lesada é a
anos repetem-se as notícias de inúmeros
“Correios”.
em São Paulo. Sem contar as
história
gestão exclusiva de um segmento
especuladores.
dos
das
o superfaturamento da obra do TRT
nacional tem relação direta com uma
atualmente,
CPI
Ainda num passado não tão distante
por
períodos autoritários. A ausência da participação
a
não
e
partidária,
que
a
muitas
corresponde
às
aspirações sociais. De mãos atadas
grande
e ainda com a herança do regime de
número de casos de corrupção e da
exceção vivido a partir de 1964, a
amplitude de órgãos e entidades a
sociedade
serem fiscalizados. Muitas CPIs ou 118
brasileira
assiste
passivamente
ao
descaso
dos
o
gestores públicos. A tecnocracia
desenvolvimento
Assim,
utilizaram-se
decisões políticas ficam circunscritas
métodos
de
a gabinetes e cálculos matemáticos
histórico,
o
distantes das aspirações sociais e,
hermenêutico
às
jurídico.
até
representantes.
mesmo pena
dos
E
os
procedimento:
o
estatístico,
o
e
o
dogmático-
como
método
de
de
raciocínio foi utilizado o método
sucumbir e tornar-se uma doutrina
hipotético-dedutivo. Como tipo de
decaída,
pesquisa usou-se o bibliográfico.
a
Sob
controle
social.
ajuda a piorar esse quadro, pois as
vezes,
do
democracia
precisa
regenerar-se. Nesse sentido, o presente
Em busca de um conceito
trabalho é relevante para demonstrar que o caminho a ser buscado para
Conforme leciona Francisco
conter esses abusos e revigorar a
Carlos da Cruz Silva (2001, p. 24)
democracia é a aproximação da
“[...] o controle social seria um
sociedade
controle de origem no social, ou
deliberação
civil e
na
fiscalização,
decisão
junto
melhor, na sociedade.” Desse modo,
a
Administração Pública – o chamado
o
Controle Social.
possibilidade de atuação dos grupos
O presente trabalho aborda o
controle
social
é
a
“[...]
sociais (sociedade civil) por meio de
controle social como mecanismo de
qualquer
combate à corrupção, bem como
participação democrática no controle
instrumento para aprimoramento dos
das ações do Estado e dos gestores
controles
públicos.” (SILVA, F., 2001, p. 26).
institucionalizados
e
ampliação da cidadania ativa. Tem-se
por
uma
Seria,
objetivo
das
ainda,
vias
o
de
controle
exercido pelo cidadão em face do
evidenciar a importância do controle
Estado,
verdadeiro
social para o exercício da cidadania
Estado Democrático de Direito e
e para a manutenção do regime
manifestação
democrático. Além disso, analisar as
exercício
condições sociais que o país vive a
mecanismo de participação popular
fim de apresentar perspectivas para
resgatando
da
as
corolário
do
inequívoca
do
cidadania.
Um
origens
da
democracia ateniense: democracia 119
direta. Uma vez que a atuação do
fiscalizando-os e aprimorando-os,
Estado é e deve estar focada na
além de ser verdadeiro antídoto
sociedade, esta precisa participar
contra a corrupção – chaga que
ativamente das decisões políticas
afasta o Estado brasileiro de seus
que influenciarão não só a estrutura
objetivos fundamentais exarados no
estatal e a si própria, mas também as
artigo 3º da Lei Fundamental.
que envolvam quaisquer quantias de
Contudo, convém esclarecer
dinheiro público.
que o fomento para o controle social
O controle social surge não
não é o desaparecimento ou a
como utopia, delírio ou desespero
inércia dos controles institucionais,
em face dos vários escândalos
“[...]
envolvendo
dos
utilização mais racional, eficiente,
Poderes e dos diversos entes da
transparente, regular e compatível
Federação. Pelo contrário, surge
com o esforço de submissão da
como
sociedade à tributação imposta pelo
autoridades
um
mecanismo
aprimoramento
dos
de
mas
a
garantia
de
uma
Estado” (SILVA, F., 2001, p.21).
demais
controles institucionalizados e como instrumento
de
cidadania
ativa.
Controle social como instrumento da
Aliás, uma vez que a sociedade
democracia
participa da gestão pública e fiscaliza seus representantes, estes terão
Apesar de a Constituição
maior zelo e cuidado com a máquina
Federal declarar o Estado brasileiro
pública,
ficando
mais
como
possível
desvio
de
difícil
o
“Estado
Democrático
de
Direito”, a distância entre a dicção
recursos
públicos.
abstrata da Carta Política e a
Assim, o controle social é o
realidade
em
que
vive
grande
controle exercido pela sociedade em
parcela da população brasileira - às
face do Estado, seja participando da
margens de seus direitos - torna o
gestão pública, seja fiscalizando a
regime democrático longínquo do
aplicação dos recursos públicos.
que realmente deveria ser.
Vem a ser mais uma espécie de controle
ao
lado
dos
Além
controles
retornar
aos
disso,
é
tempos
impossível do
Ágora
principalmente
pela
institucionalizados, complementan-
ateniense,
-do-os
dimensão territorial que o Estado
e,
ao
mesmo
tempo, 120
contemporâneo possui e pelo grande
A propósito, recente estudo
número de cidadãos. Dessa forma a
do Bando Mundial (BIRD) mostra
democracia contemporânea utiliza
que o pagamento de propina custa
certos meios para ser exercida
ao mundo US$ 1 trilhão por ano.
como,
(Propinas..., 2007).
por
exemplo,
a
representatividade e os institutos do plebiscito,
referendo
e
O mesmo estudo mostra que
iniciativa
o Brasil piorou em quase todos os
popular.
quesitos analisados pelo Bird: voz e
Porém, representativa
a
democracia
acabou
de
transparência,
certa
outras
que
coisas
mede,
a
entre
liberdade
de
forma desvirtuando a democracia
expressão e a capacidade dos
entendida
cidadãos
por Aristóteles,
como
de
escolherem
afirma Manoel Gonçalves Ferreira
governantes;
Filho (2005). Assevera ele: “Com
governo,
efeito,
exerce
regulatório da economia, eficácia
efetivamente o poder, já que não
das leis e no controle da corrupção.
decide
(BIRD..., 2007).
a
maioria
sobre
não
os
problemas
concretos do governo. Sua influência
e
em
seus
qualidade
Quanto
à
eficácia do
do
sistema
eficiência
do
é intermitente, pálida até, pois se
governo, a marca do país foi de 52,1
limita à eleição de governantes”
em 2006, em queda desde 2003.
(FERREIRA FILHO, 2005, p. 84).
Esse indicador reflete a qualidade
Sem contar as formas ilegítimas de
dos
se governar, como as inúmeras
independência do governo e a
transigências e a prática de “troca de
implementação de políticas públicas.
favores”.
Sobre a força da lei, relativo à
serviços
públicos,
a
Evidentemente, a sociedade
análise da confiança da polícia e dos
está mutilada e envenenada por esta
tribunais - o índice ficou em 41,4 em
chaga social chamada corrupção.
2006, o pior desde 1996, quando
Esta atinge níveis preocupantes e
atingiu 50. (PROPINAS..., 2007).
atrasa
tanto
da
Já o controle da corrupção
o
alcançou em 2006 a pior marca em
desenvolvimento do Estado e da
dez anos, ficando o índice em 47,1,
sociedade brasileira.
em uma escala de zero a cem. Em
democracia,
o
exercício quanto
2005, situou-se em 48,1. Em 2000, o 121
país teve um indicador de 59,1, o
Por tudo isso, a participação
mais alto. (Propinas..., 2007). Não
bastasse,
em
da sociedade junto à Administração novo
Pública,
diante
quadro
relatório divulgado em 2009 pelo
desolador,
Banco Mundial aponta que o Brasil
manutenção da democracia.
não
melhorou
significativamente
Além
é
desse
imprescindível
desses
à
argumentos,
seus mecanismos de controle de
outro de não menos importância é a
corrupção nos últimos 12 anos
consignação
(BIRD..., 2009).
Constituição democrática de 1988
Além
disso,
some-se
a
expressa
que
a
erigiu em seu parágrafo único do
tecnocracia que faz o monopólio das
artigo 1º:
decisões políticas ficarem distantes
Art. 1º.[...] Parágrafo único.
do povo e de seus representantes.
Todo o poder emana do povo, que o
Como relata Bonavides:
exerce por meio de representantes
[...] a distância do cidadão ao Estado
se
alargou
eleitos ou diretamente, nos termos
de maneira
desta Constituição
estonteante com a formação do
Cabe
apenas
um
clube tecnocrático, que fechou ainda
complemento: o poder estatal não só
mais
da
emana do povo, como também nele
intervenção democrática e levantou
se sedia e permanece imprescritível.
o
círculo
já
estreito
questões
de
aguda
atualidade
relativas
à
sobrevivência
Ademais, antes do citado
da
parágrafo único, a cidadania vem
democracia, onde o povo se sente
exposta como um dos fundamentos
frustrado e ausente do processo
da República Federativa do Brasil,
decisório, feito em seu nome mas
consoante a regra estampada no
sem a sua real participação. (2002,
artigo 1º, inciso II da Constituição
p. 442-443).
Federal. Assim, a sociedade não só
E assegura Ferreira Filho
tem direito de participar da produção
(2005, p. 233): “Sem dúvida, o bem
das políticas públicas, mas também
do povo, sobretudo a longo termo,
de fiscalizar de maneira efetiva e
não se confunde em geral com os
permanente a aplicação e uso dos
seus anseios presentes; o governo
recursos públicos, sendo o controle
democrático, todavia, não se pode
social um ato de cidadania ativa
fazer contra o povo”.
reflexo do regime democrático. 122
O controle social, de fato,
Pois
o
controle
social
tende a ser uma expansão do
pressupõe uma democracia com
conceito de cidadania ativa e, ao
participação social ativa. Entretanto,
exercê-lo,
exerce
o que se vê na sociedade brasileira
efetivamente a soberania popular - a
é um estado de passividade diante
qualidade
de tantos escândalos relacionados a
a
sociedade
máxima
do
regime
democrático. Como a cidadania ativa
desvios
não se resume em apertar alguns
corrupção
botões da urna eletrônica, não pode
envolvendo agentes e servidores
ela
públicos da mais variada escala
ficar
presa
às
eleições
periódicas.
de
dinheiro
público,
outros
delitos
e
hierárquica.
Poderiam ser citados como
A conduta passiva chega a
instrumentos deste mecanismo de
ponto de tolerar os inúmeros casos
controle: o orçamento participativo, a
de corrupção, de reconhecer a
atuação das ONGs, a criação de
normalidade
ouvidorias públicas[1] e a livre
clientelismo e da concessão de
atuação da imprensa.
privilégios, de aceitar o pagamento
Entretanto,
por
diversos
de
do
propinas,
o
favoritismo,
desperdício
do
de
fatores a sociedade brasileira não
recursos e o superfaturamento de
passa de coadjuvante em matéria de
obras, como lembra o rótulo do
participação popular.
“rouba, mas faz” atribuído àqueles gestores
O despreparo da sociedade
que,
embora
desviem
dinheiro público, realizam obras e serviços para a comunidade.
Como aponta Silva, F. (2001,
Mas, como já foi afirmado, o
p. 22) “[...] num País como o Brasil,
controle
onde ainda existe uma grande
sociedade apta, capaz, organizada e
parcela da população que vive à
consciente de seus direitos.
margem
dos
direitos
sociais
e
social
implica
uma
Aliás, a falta de educação, o
políticos, falar em controle social
trabalho
parece um contra-senso”. De fato, o
dentre outros fatores, afastam os
autor parece ter razão.
cidadãos do debate por um país mais
infantil,
justo
e
o
desemprego,
digno.
Conforme
apontam estudos realizados pelo 123
–
DIEESE
Departamento
cidadania e sua qualificação para o
Intersindical de Estatística e Estudos
trabalho. (Grifo nosso)
Socioeconômicos – o Anuário dos
Assim,
para
que
haja
o
Trabalhadores: 2007, publicado em
controle social é necessária uma
2007, 10% dos mais ricos detêm
evolução educacional e cultural,
44,7% da renda nacional, enquanto
sendo na realidade brasileira um fato
50% dos mais pobres possuem
distante. E convém lembrar as
apenas 16,3% dessa renda. Sem
palavras de Ferreira Filho (2005, p.
contar a taxa de desemprego da
102), nas quais a democracia “[...]
população economicamente ativa
pressupõe em primeiro lugar um
em torno de 11,6%. (DIEESE...,
certo nível cultural (e não apenas um
2007). Junte-se a esses números: o
certo nível de alfabetização) [...]” do
trabalho infantil que já soma 2,9
povo. Isso é o que o autor chama
milhões de crianças e adolescentes
de
(TRABALHO..., 2007).
indispensável para que os indivíduos
Não se pode olvidar também
pressuposto
social
que
é
saibam analisar as informações que
que 11,4% da população brasileira
lhes
chegam
pelos
ainda é analfabeta[2]. Além disso,
comunicação sem serem dominados
apenas 41% dos jovens na idade
por notícias falsas ou contraditórias.
adequada estão matriculados em
Além desse pressuposto, o ilustre
Brasil já sofre com um déficit de 250
o econômico, que se traduz na
mil professores. (Educação..., 2007).
capacidade do indivíduo perceber
Isso indica a distância entre a
renda
abstração legislativa e a realidade
sobrevivência. Como leciona:
não
aponta
de
instituições de ensino médio e o
social, pois a Constituição Federal já
mestre
meios
só
para
outro:
a
sua
O amadurecimento social não
declara em seu artigo 205, caput:
pode
existir
onde
a
economia
Art. 205. A educação, direito
somente forneça o indispensável
de todos e dever do Estado e da
para a sobrevivência com o máximo
família,
de esforço individual. Só pode ele ter
será
promovida
e
incentivada com a colaboração da
lugar
sociedade,
pleno
desenvolveu a ponto de dar ao povo
desenvolvimento da pessoa, seu
o lazer de se instruir, a ponto de
preparo
deixarem
visando
para
o
ao
exercício
da 124
onde
os
a
economia
homens
de
se
se
preocupar com o pão de todos os
não se trata aqui de uma utopia,
dias. (Ferreira Filho, 2005, p. 102-
opera como mecanismo mais eficaz
103).
do Desse modo, é imprescindível
que
os
controles
institucionalizados,
sendo
para a própria sobrevivência e
verdadeiro antídoto contra os males
manutenção da democracia que a
que solapam a democracia.
sociedade esteja preparada para
Entretanto, o controle social
efetivá-la.
só pode ser exercido plenamente quando preparada
Conclusão
a
sociedade para
estiver
desempenhá-lo;
quando estiver consciente de seus direitos e apta a conduzir-se sem se
Ao exercer o controle social
deixar influenciar totalmente pelos
perante a Administração Pública, a
meios de comunicação; quando
sociedade
estiver capaz de se libertar de
implementa
a
manutenção do regime democrático
comportamentos
do
ócio
e
do
tão fragilizado atualmente. Dessa
conformismo em relação à situação
forma, busca corrigir os estragos
em que se vive. Enfim, quando a sociedade
causados pela má representação dos
estiver ciente de que o interesse pela
tecnocratas e a evasão dos recursos
política é imprescindível ao combate
públicos.
das mazelas sociais e de que a
dos
eleitos,
o
descaso
educação
Embora o controle social não
é
dentre
todas
instituições a mais importante.
purgue a corrupção do Estado, pois
125
as
REFERÊNCIAS ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2004. BIRD: Brasil piora seu controle de corrupção, índice brasileiro de controle à corrupção caiu para 47,1, contra 59,7% em 2000. G1: o portal de notícias da globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL675485598,00.html>. Acesso em: 11 de jul. de 2007. ______: Brasil empata com Peru em ranking da corrupção. G1: o portal de notícias da globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1212754-5601,00BIRD+BRASIL+EMPATA+COM+PERU+EM+RANKING+DA+CORRUPCAO.ht ml>. Acesso em 23 de dez. de 2009. Bonavides, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. 11 tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Anuário dos Trabalhadores:2007. 8.ed. São Paulo, DIEESE, 2007. Disponível em <http://www.dieese.org.br/anu/anuario2007>. Acesso em: 23 de dez. de 2009. Educação sofre com falta de professores. Jornal do Senado, Brasília, ano XIII, n. 2.609/131, jun. 2007. Debates, Comissões, p. 06. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Corrupção e democracia. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, Renovar, n. 226, p. 213-218, out./dez., 2001. ______, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. JACINTHO, Jussara Maria Moreno. A participação popular e o processo orçamentário. Leme: LED – Editora de Direito, 2000. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Propinas custam US$ 1 trilhão por ano, mostra Bird; Brasil tem pior marca de corrupção em 10 anos. Valor Online. Disponível em: <http://extra.globo.com/pais/plantao/2007/07/11/296731087.asp>. Acesso em: 14 de jul. de 2007.
126
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Revisão e atualização por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Revisão técnica por Ricardo Issa Martins. 18. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. SILVA, Francisco Carlos da Cruz. Controle social: reformando a administração para a sociedade. Monografias vencedoras. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2002. Disponível em: <http://www2.tcu.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/TCU/PUBLICACOES/LISTAPUB LICACOES/PSC2001_CONTROLESOCIAL.PDF>. Acesso em: 25 de fev. de 2007. Trabalho infantil volta a crescer no país. Jornal do Senado, Brasília, ano XIII, n. 2.614/132, jun. 2007. Decisões e debates, Criança, p. 11. TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. Tradução de Márcia Marques Gomes Navas. Revisão Técnica João Clemente de Souza Neto. São Paulo: Makron Books do Brasil, 2005. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Controle social: promovendo a aproximação entre administração pública e a cidadania. Monografias vencedoras. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2002. Disponível em: Acesso em: 25 de fev. de 2007. [1] No âmbito do Poder Judiciário da União, a CF, em seu art. 103-B, § 7º, determinou a criação das “ouvidorias de justiça”, com a possibilidade de representação contra membros ou servidores diretamente ao Conselho Nacional de Justiça. [2] O DIEESE aponta ainda que 21,7% da população brasileira se enquadra no chamado analfabetismo funcional, que é a condição da pessoa que possui menos de quatro anos de estudos completos. O termo se refere ao tipo de instrução em que a pessoa sabe ler e escrever, mas é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas.
127
EXEGESE NORMATIVA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: DO POSITIVISMO AO DIREITO ALTERNATIVO SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga MOURA, Aline - Discente do 5º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A pesquisa apresenta a evolução, os princípios e os fundamentos do direito alternativo no contexto jurídico brasileiro. Ressalta o problema da baixa aplicação constitucional a partir da hipótese de que a ineficácia dos princípios elencados na Carta Magna decorre das limitações hermenêuticas e, em especial da aplicação estreita e literal da lei. O estudo bibliográfico realiza-se mediante raciocínio dialético com o objetivo de confrontar os argumentos da proposta alternativista e do ideário positivista.
128
sistematização
Introdução
e
diversos
confronto
de
posicionamentos
doutrinários sobre o tema.
A educação jurídica atual ainda está amparada em métodos
1. Direito alternativo
hermenêuticos convencionais e a penetração nos meios acadêmicos de
teorias
da
O direito alternativo é um
interpretação
movimento do qual fazem parte
apegadas ao dogmatismo ainda é
magistrados, juristas, promotores,
dominante. Os estudos sobre a
professores,
exegese normativa evoluíram muito nos últimos tempos, mas o ensino jurídico ainda resiste às propostas de
de
posicionamentos
e
e
envolvidos
no
também
correntes
preferem
jurídico.
falar
em
social,
não
atingindo
toda uma sociedade. O
Uma das formas de avançar
ou
mais especificamente na Itália, tendo
alternativo, escola que, embora não
como inspiração o direito livre, vivo e
seja nova, vem se reinventando e se
o jusnaturalismo e foi ganhando
tornando cada vez mais influente nos
projeção até chegar ao Brasil.
tribunais brasileiros com uma nova
Em 25 de outubro de 1990,
proposta para o papel do juiz na
uma manchete é publicada no Jornal
função de intérprete do direito.
da Tarde, São Paulo, pelo jornalista
A pesquisa identifica o direito
Luiz
alternativo como meio para aplicar
Maklouf,
que
tinha
como
título: Juízes gaúchos colocam o
normas mais rejuvenescidas e com
direito acima da lei. A notícia não
eficácia, já que nem sempre a letra
atingiu seus propósitos, tornando, ao
fria da lei atinge a justiça. O estudo
contrário
mediante
bibliografia,
alternativo
nasceu na década de 60 na Europa,
estudando os fundamentos do direito
realizou-se
direito
movimento do direito alternativo
em relação a exegese do direito é
da
mundo
somente as práticas jurídicas, mas
meio jurídico.
revisão
outros
acreditam que esse movimento é
novos
hermenêuticas que se firmam no
dialético
muitos
“Movimento Social Alternativo”, pois
pela qual é oportuno insistir na divulgação
defensores
Alguns
interpretação da lei criadoras, razão
procuradores,
do
esperado,
o
alternativismo mais forte. Essa data
com 129
é o marco inicial do movimento no
princípios,
direito
ganhou
epistemologia (vigência e validade
extrema força na década de 90,
da norma), a deontologia (valor
quando
protegido
brasileiro.
foram
Este
realizados
dois
que
pela
abarca
norma),
(eficácia
a
e
social
a
encontros internacionais de direito
culturologia
da
alternativo em Florianópolis, Santa
norma). Além desses aspectos, o
Catarina.
intérprete deve considerar, ao julgar,
Embora o grande marco do
que o direito tem várias fontes, tais
direito alternativo tenha sido na
como a doutrina, a jurisprudência, os
década de 90 seu aparecimento em
princípios gerais, os costumes, a
terras brasileiras se deu há mais de
analogia e a equidade (e não apenas
30 anos, no período da ditadura
a lei). Todas as fontes podem servir
militar brasileira.
de premissa para o embasamento do
Segundo Bruno de Aquino
raciocínio do magistrado, ou seja,
Parreira Xavier:
podem fundamentar uma decisão.
Cabe observar que, em que
Para a proposta alternativista,
preze o movimento ter, de certa
o juiz é o grande crítico da lei e seu
forma,
compromisso é com o direito. Não
se
organizado
e
sistematizado na década de 90, sua
devendo
trajetória no Brasil data de 30 anos
positivismo
atrás, época da ditadura militar
alternativo se compromete com a
brasileira que gerou injustiças e
construção de uma nova sociedade,
descontentamentos nos juízes de
com leis efetivamente justas e
direito e operadores jurídicos que
realmente democráticas, para que o
questionavam as praxes da época
julgador não reconheça a lei como
totalmente desvinculada da ideia de
verdade absoluta e inquestionável,
Estado
nem tampouco dê à norma cunho de
Democrático
de
Direito.
(2002 p. 73)
aquele
se
ortodoxo.
ater O
ao
direito
dogma. Permite que o julgador
Eis que o direito alternativo
decida libertando-se das faixas do
permite ao julgador uma liberdade
legalismo estreito, e que se ampare
total de convencimento, admitindo
nos princípios gerais do direito,
uma interpretação ampla da norma,
considerados uma grande conquista
em consonância com o conjunto do
da democracia e da humanidade.
direito. Este é um sistema de 130
A Constituição assegura o
precisa
ajustar-se
ao
princípio.
exercício dos direitos sociais e
Havendo
individuais, a liberdade, a segurança,
prevalecer a orientação axiológica. O
a igualdade e a justiça, porém esses
Direito volta-se para a realização de
direitos não prevalecem na realidade
fins e a proteção de valores. O
social.
Direito é o trânsito para concretizar o
Detecta-se
uma
baixa
aplicabilidade da constituição, por
divergência,
deve
justo.
falha hermenêutica, pois, não raro,
O
Judiciário,
Poder,
menos,
dos
Executivo ou ao Legislativo. Não é
princípios. Em outros casos, a
servil, no sentido de aplicar a lei,
inexistência de uma regulamentação
como alguém que cumpre uma
ou
ordem
a
a
existência
eficácia
de
antinomias
também resulta na inoperância dos
se
como
uma lei inferior impede, ou, pelo retarda
não
visto
(nesse
subordina
caso,
não
ao
seria
Poder).
princípios. Os direitos coletivos e
Deve, pois, interpretar a lei
sociais salvaguardados na lei maior
conforme o Direito. Adotar posição
são os mais afetados pela ineficácia
crítica tomando como parâmetro os
hermenêutica
princípios e a realidade social. A lei,
em
sede
constitucional.
tantas vezes, se desatualiza e
Diante da baixa aplicação da
envelhece,
não
acompanhando
lei maior anuncia-se a chamada crise
assim a evolução da sociedade
hermenêutica,
por
perdendo, portanto, sua eficácia. Os
juristas como Streck e outros tantos
valores mudam conforme o passar
que se preocupam com a questão do
do tempo, com a tecnologia, a
hiato entre o ideal preceituado na
ciência
Carta Magna e a realidade social
comportamentais,
brasileira. Vale lembrar que a lei
homens
deve ser a expressão do Direito, mas
movimento. Enquanto isso, a norma
nem sempre o é. A norma vigente,
é estática. Sendo assim, se uma
muitas vezes, resulta de prevalência
norma perdeu a eficácia ou o valoro
de
que
cabe ao magistrado deixar de aplicá-
tramitação
la baseando-se em princípios ou
interesses
influenciam
denunciada
de na
grupos
legislativa. Nesses casos, a lei, por meio
da
interpretação
e
estão
rejuvenescê-la.
judicial, 131
as
mudanças porque
em
os
constante
Segundo Xavier (2002, p.99)
A solução alternativa rompe o
esclarece que: “o juiz não pode ser
conservadorismo
um escravo da lei, adstrito ao
enseja o tratamento jurídico correto
respeito sacramental de seus textos,
e confere, sem dúvida, eficácia à
mas sim o compromisso em dar uma
vigência da norma jurídica.
solução justa ao caso concreto.”
Aqui se tem um exemplo de
Cabe, então, ao juiz, gerar a
julgamento
solução alternativa, criar a norma
sua
decisão
com
pensamento
alternativista:
adequada para o caso concreto, fundamentar
acomodado;
No decreto-lei 3.688 de 03 de
em
outubro de 1941 em seu art. 50 diz:
princípios gerais do direito. O juiz
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo
tem dever de ofício de recusar a
de
aplicação de lei injusta.
acessível ao público, mediante o
Segundo Bruno de Aquino
azar
em
lugar
público
ou
pagamento de entrada ou sem ele: Pena – prisão simples, de três
Pereira Xavier: [...] as causas de lei injustas
meses
a
1
ano,
multa,
são muitas. A começar pelo fato de o
estabelecendo
Estado, incumbido de transformar os
condenação, a perda dos móveis e
valores e anseios da sociedade em
objetos de decoração do local.
lei, perpetrar, em última análise, os interesses,
conveniências
seus
e
efeitos
da
Um exemplo de julgamento
e
alternativista
diz
respeito
à
ideologias dos grupos detentores do
contravenção acima descrita. Nesse
poder. Somem-se a isso a própria
caso, o réu, que praticava o jogo do
deficiência
lei
bicho, foi absolvido. O acórdão da
possuidora de comandos abstratos
antiga IV Câmara Criminal da lavra
genéricos,
podem
do hoje Desembargador Aramis
considerar peculiaridades do caso
Nassif, julgou alternativamente ao
concreto; e a dinamicidade da vida
reconhecer a descriminalização da
social, sempre passos à frente da
contravenção penal.
letra
fria
intrínseca
que
da
da
não
lei produzida
em
O réu fora antes condenado
momento histórico anterior (2002, p.
pela prática de jogo do bicho, mas
98).
em grau de apelação, deu-se a O direito Alternativo, portanto,
absolvição, porque a Câmara, por
anda ao lado do direito justo.
unanimidade, reconheceu que o fato 132
não constitui infração penal, embora
enfim, à consciência coletiva. A lei
reconhecidas a autoria e prova da
deve ser interpretada pró societate,
materialidade.
e, ao que tudo indica, a coletividade
Apelação – Crime e Recurso
não se interessa pela punição dos
em Sentido Estrito nº 297036758 –
“bicheiros”. Ao contrário, já inseriu o
4ª Câmara Criminal – São Borja
jogo do bicho em seu dia-dia.
- Apelação Tempestiva: Intimações
Provimento ao RSE e apelação.
do Defensor e do Réu. Denuncia:
Outro tribunal também julgou
Inépcia Inexistente. Jogo do Bicho.
um
Teoria
Social.
descaracterizando a contravenção
Absolvição. O prazo para apelação
do jogo do bicho por falta de
conta da última intimação, seja ela
autoridade do Estado para punir, eis
do defensor ou do réu, sendo
que tolera, autoriza e explora jogos
tempestiva a que seria intempestiva
de azar, além de a reprovabilidade
pela 1ª intimação (defensor), que é
estar só na lei, mas ausente na
apenas precipitada em relação a
consciência da absoluta maioria dos
última (réu). Denúncia que descreve
cidadãos.
da
Adequação
o fato com a descrição típica, mas associada
Por outro lado, a doutrina também se manifesta em sentido
descritivos da conduta não é inepta.
contrário ao alternativismo. Um dos
Jogo do bicho: O Estado perdeu o
argumentos
monopólio dos jogos e loterias para,
alternativismo
v.g., empresas de comunicação e
movimento é desprovido de um
apresentadores
programa
método ou teoria. Além disso, alega-
acrescidos de apostas via telefone.
se que tamanha discricionariedade
Diluiu-se a qualidade de bem jurídico
judicial resultaria em insegurança
tutelado pelo Direito Penal com a
social, além de desequilibrar a
perda da exclusividade estatal na
harmonia entre os três poderes.
exploração de sorteios, loterias, etc.
Segundo
Convence que a adequação social
decisões alternativas acarretariam
supera contravenção denunciada.
uma invasão de um dos poderes (o
Em vez de punir um fato por ser
judiciário) nas atribuições de outro (o
típico, deve-se adequá-lo à realidade
legislativo), visto que ao desprezar a
aos
outros
recentemente,
elementos
vigente,
a
recurso
de
costumes
sociais, 133
contrários
essa
seria
que
concepção,
ao esse
as
lei, o juiz estaria criando outra norma
Essa visão é sustentada pelos
para o caso em apreço. Diante
os
opõe ao direito alternativo. Para os
na
positivistas o direito se confunde
construção de um suporte teórico-
com a lei e nada existe acima dela,
doutrinário capaz de embasar o
fora dela, nem contra ela. Para o
movimento e argumentam que a
positivismo, o juiz não pode substituir
segurança social não seria afetada
o legislador. Se a lei é justa ou
em maior escala com a adoção do
injusta, não cabe ao magistrado criar
ideário alternativista, pois o juiz tem
normas de conduta, e sim julgar
livre convencimento e pode dar à lei
conflitos com base no ordenamento
a
jurídico vigente.
alternativistas
exegese
do
adeptos do positivismo, o qual se
exposto,
trabalharam
que
entender
ser
adequada, desde que fundamente
A aplicação positivista do
seus atos e, além disso, sempre
direito, muitas vezes, parece não se
existe a possibilidade de a decisão
justificar sob o ponto de vista da
ser reformada em superior instância.
justiça. Na concepção dos juristas
Além do mais, argumentam que a
positivistas,
decisão alternativa não extrapola os
perigoso, pois o Estado confere-se
poderes inerentes ao judiciário, pois
ao juiz um poder grande, o qual, nas
não faz lei com efeitos gerais, mas
mãos de pessoas erradas, pode
apenas regula a relação posta para
gerar injustiças e até corrupção. Por
a apreciação. Sustentam, ainda, que
isso, o correto seria fundamentar a
o judiciário é incumbido de fiscalizar
decisão na norma positivada.
a constitucionalidade das leis, não havendo,
portanto,
na
o
alternativismo
é
Ocorre que o direito positivo,
solução
entendido como o conjunto de
alternativa de uma lide, nenhuma
normas reconhecidas e aplicadas
agressão ao sistema de freios e
pelo poder público cujo objetivo é
contrapesos.
regular a convivência social humana,
Mesmo assim, o movimento
é elaborado pelo legislador e não por
foi visto de modo preconceituoso,
juristas. Quem elabora a lei não tem
sendo
considerado
conhecimento do sistema e nem
revolucionário por aqueles que nele
compromisso com a lógica e com a
veem a negação da lei e da ordem
organicidade
ainda
do
direito.
Muitas
vezes, não conhece nem mesmo os 134
princípios
constitucionais
e,
na
Sendo assim o direito positivo
prática, sempre legisla cedendo a
encontra-se,
algum tipo de pressão ou atendendo
contaminado de ideologias da classe
aos interesses de uma certa classe.
dominante e, outras vezes, resta
Por essa razão, o juiz, conhecedor
ultrapassado. O direito alternativo,
do direito como um todo, deveria
por
intervir
rejuvenescimento, a revitalização do
para
sanar
os
seu
muitas
turno,
busca
já
o
descompassos, os excessos e as
direito
deficiências da lei.
engessado, por ter se atrasado em
Segundo Bruno de Aquino
positivo,
vezes,
envelhecido,
relação aos fatos, se distanciado da
Parreira Xavier:
realidade.
Observa-se então, que as
Assim sendo, tomar o direito
normas jurídicas são produto da
como letra fria, é desconsiderar sua
ideologia, da luta de aspirações de
finalidade social, os princípios regem
determinados grupos. Por certo, os
o direito, e fim da norma, qual seja, a
processos
instrumentalização
eleitoral
e
legislativo
da
vida
pela
sofrem reflexos da oposição de
proteção dos direitos deferidos aos
concepções. Em uma organização
cidadãos.
sociopolítico heterogenia, dividida em
classes,
os interesses
Danoso seria e será se o
são
julgador se livremente se pôr na
contraditórios e, por consequência,
função
os conflitos inevitáveis. O Estado é
concreto, desconsiderando a lei
sempre
neste
posta mesmo que esta não possua
antagonismo de interesses privados,
um vício de incongruência com a
afinal, não é nenhum poder colocado
Constituição e postular a solução
fora da sociedade, não é um ente
que entender melhor. Essa espécie
supostamente neutro do conflito
de poder deve ser refreada por que
social. É isto sim poder político,
representa a derrota de séculos de
expressão
busca pela construção de um Estado
envolvido
fundamental
da
correlação de forças e das e das
de
legislador
no
caso
de Direito.
condições em que os indivíduos
Os julgadores não têm a
produzem e se relacionam (2002, p.
intenção de legislar, mas sim de
40-41).
fazer
adequações
aos
casos
concretos eis que cada caso é um 135
caso,
com
fatos
diferentes,
e
implicações
peculiaridades
Bruno de Aquino Parreira Xavier diz:
singulares. A lei e estática não se
A
ideologia
também
se
modifica a cada caso e também não
encontra presente na interpretação e
se atualiza. Por isso, cabe ao
aplicação do direito. Quer como
julgador esse papel.
conjunto
de
ideias
a
moldar
Naturalmente, deve o julgador
comportamentos, quer como falsa
ter cuidado ao aplicar a lei de modo
consciência a serviço da classe
alternativo,
dominante
para
não
manifestar
–
respectivamente,
parcialidade ou pessoalidade, ou
significado positivo e negativo de
seja,
na
ideologia – não se pode negar que
sentença o interesse pessoal do juiz
toda concepção relativa ao direito é
na causa, nem o favorecimento
fruto de uma crença pessoal e,
deste ou daquele indivíduo ou grupo
portanto, de uma ideologia (2002, p.
de pessoas. Por outro lado, não se
47-48).
não
deve
prevalecer
pode negar que o juiz, ao decidir, manifesta
visão
perspectiva,
política,
entendemos que a interpretação e a
religiosa e moral na sentença. Assim
aplicação do direito fazem parte de
sendo,
um
a
sua
Nesta
neutralidade
total
na
processo
político-ideológico
exegese da lei é uma falácia, pois
onde a neutralidade do jurista é um
toda interpretação é uma avaliação
mito
pessoal, e, em algum grau, expressa
imparcialidade
uma visão subjetiva da letra da lei. O
necessário.
inalcançável, é
mas
a
requisito
resultado da operação hermenêutica
Outro aspecto relevante da
é sempre a atribuição de sentidos às
questão é o que tange à Súmula
palavras contidas na norma, sempre
Vinculante. A consolidação destas
genéricas,
abstratas.
impede que o juiz julgue de modo
Desse modo, ao atribuir sentido aos
alternativo, afetando inclusive alguns
termos legais como equidade, bem
princípios constitucionais essências
comum, isonomia, por exemplo,
para a sustentação democrática.
abertas
e
sempre haverá alguma inclinação
Num
breve
estudo
sobre
política subjacente a conduzir a
Súmulas, observa-se que essas
decisão judicial.
enfaixam o poder judiciário de 1ª instância e os tribunais e também 136
ferem o princípio do duplo grau de
funda-se na possibilidade que a
jurisdição.
são
parte prejudicada tem de ver revista
pelos
a decisão de primeira instância, se
Súmulas
entendimentos
firmados
tribunais
após
que,
reiteradas
estava esta errada ou injusta.
decisões em um mesmo sentido, sobre
determinado
específico
de
sua
Supondo que tal litígio tenha
tema
entendimento pacificado no STF em
competência.
Súmula
Vinculante,
Expressam o entendimento da corte
possibilidade
sobre um assunto. O STF pode
prejudicada
aprovar
princípios que regem o direito e ter a
as
chamadas
Vinculantes,
as
determinados
casos,
Súmulas
quais,
em
obrigam
decisão
o
o
a
parte
utilizar-se
que
dos
a
prejudicou
pela
jurisdição
superior?
preconizada.
adota
de
reexaminada
magistrado a acatar a exegese nela
Como
terá
que
Sendo o juiz livre para formar o
direito
sistema
brasileiro do
convencimento fundamentado
seu
livre
convencimento,
terá
essa
prerrogativa afrontada em face da
do
Súmula Vinculante.
juiz e o princípio de duplo grau de
A
Súmula
Vinculante
jurisdição, é inadmissível que os
impeditiva de recurso é qualquer
juízes de primeira instância sejam
súmula criada pelo STF ou STJ. Por
condicionados a julgar conforme as
força da Lei 11.276, de 07.02.2006,
Súmulas Vinculantes firmadas pelo
que alterou o art. 518 do CPC, não
STF. Desse modo, o relator negará
cabe apelação quando o juiz segue
seguimento a recurso "contrário
o
à súmula do respectivo tribunal ou
dessas Súmulas. Se todos os juízes
tribunal superior", conforme art. 557
forem obrigados a proferir sentenças
do Código de Processo Civil.
nesses
O princípio do duplo grau de
entendimento
moldes,
considere
de
ainda injustas
uma
que
as e
jurisdição possibilita e garante a
inconstitucionais, sem a chance de
revisão por via de recurso das
argumentação, tal medida decretaria
causas já julgadas pelo juiz de
o fim do Direito Alternativo.
primeira instância. Assegura, assim, um novo julgamento por parte da jurisdição superior. Este princípio 137
uma das saídas para a resolução de
Conclusão
conflitos sociais. É uma tentativa de Diante
das
suprir a lacuna, o vazio que o Estado
desigualdades
tem
sociais, injustiças e misérias, o
manter acesso o debate jurídico,
bem comum e salvaguardar os
revitalizar a norma e encabeçar a
Em
luta
consequência dessa dificuldade e do desequilíbrio princípios,
entre o
a
Direito
lei
e
dos
alternativo para com a sociedade é
ineficiência do Estado em realizar o
Constituição.
solução
O compromisso do direito
desejado, especialmente diante da
da
na
conflitos.
direito dogmático não alcança o fim
princípios
deixado
por
leis
mais
justas,
por
igualdade e pela efetivação dos
os
princípios constitucionais.
Alternativo
desponta como uma das opções,
138
Referências CARVALHO, Amilton Bueno de; Carvalho, Salo de. (Org.). Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. XAVIER, Bruno de Aquino Parreira. Direito alternativo: uma contribuição à teoria do direito em face da ordem injusta. Curitiba: Juruá, 2002. CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Alternativo: Teoria e Pratica. Porto Alegre: Síntese, 1998. SOUTO, Cláudio. Tempo do Direito Alternativo: substantiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
139
uma fundamentação
IMPOSSIBILIDADE DO CRIME DE FURTO EM LOCAL MONITORADO POR SISTEMA DE VIGILÂNCIA NEIVA, Françoise Laboissiere - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO Diante
da
possibilidade
ou
não
de
subtração
de
objeto
em
estabelecimento comercial monitorado por sistema de vigilância, surgem as dúvidas no que diz respeito ao crime tentado ou crime impossível. Não somente a doutrina, mas também a jurisprudência tem entendimento divergente a esse respeito. A presente pesquisa tem por objetivo analisar esta polêmica que envolve essa “impossibilidade” de furto em estabelecimento comercial quando o agente está sob constante vigilância e monitoramento pela equipe de vigilância do estabelecimento e é detido antes que consiga sair do estabelecimento. Para tanto, utilizou-se o raciocínio dedutivo por meio de pesquisa bibliográfica na doutrina, e também pesquisa à jurisprudência.
Palavras-chave: Crime impossível. Furto tentado. 140
tratar-se
Introdução
de
tentativa
ou
impossibilidade do crime de furto. São
requisitos
para
A
a
conclusão
é
de suma
configuração de crime impossível
importância, pois com base nela é
(art. 17 do CP), a “ineficácia absoluta
possível analisar temas diretamente
do
relacionados como, por exemplo, a
meio”
ou do
impropriedade
a
“absoluta
objeto”.
prisão em flagrante delito e a
Esta
punição.
pesquisa analisa se há ou não ineficácia
absoluta
do
meio
empregado pelo agente que ao
1. Direito Penal
tentar
1.1 Conceitos e objetivos
subtrair
objeto
estabelecimento
em
comercial Diversas são as definições
monitorado por sistema de vigilância é
impedido
antes
de
trazidas para conceituar o que é
sua
Direito Penal. Uma das definições
consumação.
trazidas por Mirabete é a seguinte:
Não se faz necessária neste trabalho
a
discussão
sobre
À
a
reunião
das
normas
impropriedade ou não do objeto, já
jurídicas pelas quais o Estado proíbe
que se trata de coisa alheia móvel
determinadas condutas, sob ameaça
que é objeto material do crime de
de sanção penal, estabelecendo
furto.
ainda os princípios gerais e os Alguns aplicadores do direito
pressupostos para a aplicação das
entendem que quando este crime é
penas e das medidas de segurança,
impedido de se consumar há a
dá-se o nome de Direito Penal.
tentativa de crime de furto. Do lado
(MIRABETE, 2004, p.21)
oposto estão os que defendem a
Em sentido amplo, o Direito
tese de crime impossível, já que o
Penal tem por objetivo a proteção da
meio utilizado pelo agente é ineficaz.
sociedade e a defesa dos bens
Trata-se de um tema bastante
juridicamente tutelados, tais como a
complexo, pois se não fosse assim
vida, liberdade, patrimônio, paz, etc.
não
Entretanto, nem sempre um ataque
haveria
tamanha nesta
a um desses bens será punível
complexidade, o presente trabalho
penalmente, já que em alguns casos
analisa o conflito no que se refere a
a ação que os lesionou carece de
divergência.
Com
base
141
relevância antissocial. Isto ocorre
Nota-se
com
base
neste
nos casos em que não se tem de
princípio que o Direito Penal não tem
forma acentuada o desvalor da
necessidade de se preocupar em
conduta do autor da lesão.
punir condutas inidôneas, pois o que se busca é uma aplicação correta e
1.2 Princípios
racional desse ramo do direito.
Há entendimento de que a verdadeira
e
1.3 Teorias do Crime
imprescindível
finalidade do Direito Penal é a proteção
dos
essenciais
bens
ao
Toda
jurídicos
indivíduo
e
norma
penal
incriminadora protege um valor. Este
à
valor é chamado de bem jurídico.
comunidade.
De acordo com o conceito material,
Mas para
que
esta
seja
o crime é a violação ou a exposição
alcançada, ele deverá se alicerçar
a
nos
protegido penalmente.
princípios
da
legalidade
(interessante ressaltar que em razão
perigo
de
um
Noronha,
bem
jurídico
afirma
que:
desse princípio não se pode fazer
Consequentemente,
uso de analogia com o escopo de
conduta humana que lesa ou expõe
punir alguém por um fato não
a perigo um bem jurídico protegido
previsto em lei), proporcionalidade,
pela lei penal. Sua essência é a
humanidade,
culpabilidade,
ofensa ao bem jurídico, pois toda
lesividade; individualização da pena;
norma penal tem por finalidade sua
insignificância;
culpabilidade;
tutela (1998, p.97).
intervenção
legalizada
penal
e
lesão, não há tipicidade material, ou
também deve ser respeitado o
preponderante
–
a
ao bem ou ao menos perigo de
Segundo Prado (1997, p.86),
do
é
Nota-se que se não há lesão
intervenção mínima.
“princípio
crime
seja, não há crime.
interesse que
Com
relação
ao
conceito
considera
formal, crime é toda conduta que tem
ilegítima uma sanção penal que
sua proibição prevista em lei sob a
direta ou indiretamente provoque
ameaça
maiores prejuízos do que aqueles
elementos do crime o fato típico que
que pretende evitar”
é 142
de
constituído
uma
pela
sanção.
São
conduta,
o
resultado,
o
nexo
a
perigoso. Não interessava qual era
tipicidade. Mirabete (2004, p. 101)
a intenção do agente, se cometeu o
afirma que: “se faltar um desses
fato previsto na norma escrita, devia
elementos não é fato típico, e,
ser condenado e pronto. Conclui-se
portanto não há crime”. O outro
que para eles era preferível a
elemento
aplicação arbitrária a correr riscos,
do
causal
crime
é
e
o
fato
antijurídico (conduta contrária ao
mas alcançar a justiça.
ordenamento jurídico).
Já a Teoria Social da Ação
A relação de nexo causal é a
analisa a relevância da conduta
ligação entre a conduta exercida
praticada em relação à sociedade.
pelo agente e o resultado (que nada
Questiona-se se a conduta é ou não
mais é que uma consequência dessa
socialmente
conduta). Daí se extrai o sentido de
doutrinadores que entendem que se
causa e efeito. Tem-se a tipicidade
adotada essa teoria o magistrado
quando
poderia decidir apenas com base
se
pode
fazer
uma
aceita.
costumes,
o
Há
adequação perfeita entre o fato
nos
que
seria
concreto e a descrição “abstrata”
inaceitável, pois costume não pode
contida no ordenamento.
revogar lei.
No que concerne às teorias do
O nosso Código Penal adota
crime podemos citar a Teoria causal
a Teoria Finalista da Ação. Com
da ação, a Teoria finalista e a Teoria
base nesta teoria a conduta (ação ou
Social da Ação.
omissão)
A recebe
Teoria o
Naturalística. entendiam
Causal
nome
de
Seus
humano
Teoria adeptos
o
dirigido
finalidade;
e
alteração
no
o
comportamento a
determinada
resultado mundo
é
a
exterior
qualquer
provocada pelo agente. Logo, é a
interpretação da lei que não fosse a
lesão ou perigo de lesão do bem
literal deveria ser proibida. Para eles
juridicamente tutelado. Tal Teoria
a única interpretação segura era a
representou
literal. Logo os aplicadores do Direito
evolução na hermenêutica jurídica,
eram vinculados ao texto da lei e
que começou a ser “desengessada”,
pronto. Qualquer outra espécie de
pois se deu abertura à análise a
interpretação
poderia
respeito da intenção do agente, os
caminho
motivos que o levaram à prática do
representar
que
também
é
da um
Lei
143
uma
verdadeira
delito, e também a observação da
o
exercício
lesão ou risco de lesão ao bem
segurança privada.
jurídico.
da
atividade
de
Para que a empresa de segurança privada possa exercer
2. Monitoramento Eletrônico em
sua
atividade
é
necessária
Estabelecimento Comerciais
comprovação
2.1 Fundamentos e objetivos
técnica e habilitação legal, que se dá
de
a
competência
por meio de certificado de segurança Os
investimentos
com
emitido
pelo
Departamento
de
instalação de sistemas de vigilância
Polícia Federal, certificando que a
e
empresa foi fiscalizada e está em
monitoramento
têm
consideravelmente, responsáveis
já
crescido que
por
os
condições
técnicas
tais
serviços,
e
prestar
autorização
estabelecimentos estão cada vez
funcionamento
mais preocupados em impedir que
Ministério da Justiça.
os furtos venham a ocorrer.
de
de
emitida
pelo
Os
Quanto aos estabelecimentos
maiores investimentos são com a
que utilizam a segurança orgânica, o
contratação de seguranças e a
SESVESP diz que estes devem ser:
instalação de sistemas eletrônicos
autorizados,
de monitoramento.
fiscalizados pelo Departamento de
Alguns
Polícia
estabelecimentos
controlados
Federal.
e
Assim,
fazem a contratação de empresas
empresa
“terceirizadas”. Outros preferem a
econômico diverso da vigilância
chamada segurança interna, que
ostensiva e do transporte de valores,
também
e que utilize pessoal de quadro
é
conhecida
como
segurança “orgânica”.
que
tenha
uma objeto
funcional próprio para a execução de sua
A atividade de segurança
segurança
-
armada
ou
privada é regida pela Lei nº 7.102/83
desarmada - deverá, também, se
que estabelece normas para a
adaptar à legislação, requerendo a
constituição e funcionamento das
Autorização de Funcionamento junto
empresas que exploram serviços de
à Delegacia de Polícia Federal, para
segurança,
atuar
regulamentado
pelo
como
empresa
(SESVESP, 2010).
Decreto n.º 89.056/83 e Portaria n.º 992/95 que estabelece normas para 144
Orgânica.
(exige-se a remoção de lugar); e (4)
2.2 Espécies
a ablatio (a coisa é colocada no local de
a que se destinava, em segurança).
monitoramento, as mais utilizadas
A jurisprudência consagrou uma
pelos estabelecimentos comerciais
situação intermediária entre as duas
são:
últimas teorias, a da inversão da
Dentre
a)
as
espécies
Sistema
de
posse, entendendo-se consumado o
vigilância
furto quando o agente tem a posse
interna por câmeras; alarme
tranquila da coisa, ainda que por
antifurto instalados nos produtos
pouco tempo, fora da esfera da
(como os colocados nas peças de
vigilância da vítima [...] (2010, p.
vestuário);
192).
b)
Sensores
de
c) Circuito fechado de TV (com
câmeras
Ao
estrategicamente
circunstância
posicionadas);
analisar,
esta
consagrada
pela
jurisprudência sobre a inversão da
d) Monitoramento 24 horas.
posse,
é
possível
constatar
a
impossibilidade do furto, pois em 2.3 Crime impossível decorrente do
nenhum momento o agente tem a
monitoramento
posse tranquila da coisa, que por sua vez não chega a ser retirada da
O entendimento dos tribunais
esfera da vigilância da vítima, já que
têm sido o de que se consuma o
esta a mantém sobre sua vigilância o
crime de furto quando havendo a
tempo todo.
inversão de posse, o agente a detém
A vigilância se dá de forma tão
de forma tranquila, mesmo que por
eficiente que todos os movimentos
um breve espaço de tempo. O
do
mesmo
monitorados,
pode
ser
extraído
do
agente
passam seus
ser
observadores
entendimento trazido por Mirabete,
ficam
que em relação à consumação do
momento oportuno para detê-lo.
crime de furto, elenca as seguintes
Diante desta situação, o que se tem
teorias:
é
a
apenas
a
mera
aguardando
prática
de
o
atos
(1) a concretatio (basta tocar
preparatórios à subtração. A vítima
a coisa); (2) a apprehensio rei (é
tem o perfeito conhecimento da não
suficiente segurá-la); (3) a amotio
consumação do delito. 145
Para definir se há ou não ineficácia
absoluta
vigiando
a
coisa
o
tempo
do
meio
todo? Trata-se de uma verdadeira
agente,
basta
incoerência, pois se a vítima está
observar se houve ou não um risco
exercendo essa vigilância constante
de lesão ao bem jurídico tutelado.
sobre a coisa, essa só poderá sair de
Portanto entende-se que a constante
sua
vigilância torna o meio utilizado pelo
Conclui-se que quando o agente é
agente, em um meio absolutamente
monitorado
ineficaz. Vejamos o seguinte:
durante o “iter criminis” a ação do
empregado
pelo
FURTO VIGILÂNCIA
TENTADO. ALERTADA.
vigilância
se
e,
ela
permitir.
portanto
vigiado
agente não é passível de resultado
MEIO
típico. Não há como se afirmar que
INEFICAZ. CRIME IMPOSSÍVEL. É
houve furto tentado, mas sim crime
absolutamente
meio
impossível por se tratar de tentativa
empregado pela ré considerada
inidônea, que como se sabe, não é
suspeita pelos funcionários da loja -
punível pelo nosso ordenamento
para a subtração diante da vigilância
jurídico.
ineficaz
o
de sua ação delitiva por funcionário
Diante de toda essa vigilância
da loja, que se manteve atento. A
o bem está totalmente protegido, não
`res furtiva’ jamais saiu da esfera de
corre nenhuma espécie de risco. A
vigilância da vítima. Configurada a
consumação é impossível desde o
ineficácia do meio utilizado para a
início.
prática do delito. Conduta atípica.
retroceder à Teoria Naturalística da
Recurso improvid” (Apelação Crime
ação e não querer interpretar a lei
Nº
Câmara
como se deve. Ou seja, analisando
Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
todas as circunstâncias do caso
Relator: Aramis Nassif, Julgada em
concreto.
70024288383,
5ª
19/08/2009)[1]
Não
entender
Portanto
é
isso
é
totalmente
equivocada a tese de furto tentado, visto que para sua configuração é imprescindível que a ação do agente
Conclusão
possa ocasionar algum risco para o Ora se a subtração é ato feito
bem jurídico, que na realidade não
às escondidas, como dizer que é
se traduz. Logo, se não há risco de
possível a sua tentativa com a vítima
ofensa 146
ao
bem
juridicamente
protegido, não há tipicidade, e se não há tipicidade não há conduta punível.
147
Referências MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte especial. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2010. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Introdução e parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997. SESVESP. Sindicato de Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado De São Paulo. Disponível em HTTP://www.sesvesp.com.br/cont01.cfm. Acesso em 28 de maio de 2010. [1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Crime. Furto Tentado. Apelação Nº 70024288383, 5ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgada em 19/08/2009. Disponível em WWW.1.tjrs.jus.br/busca/?tb=júris data da visita 27 de maio de 2010
148
ISENÇÃO DE I.R. PARA LUCROS DISTRIBUÍDOS FERRARESI, Luiz Carlos - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A isenção do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, para as pessoas físicas ou jurídicas que apresentem rendimentos decorrentes de distribuição de lucros por pessoa jurídica da qual sejam sócias, introduzida pela lei 9249/1995, por não estar protegida por interesses constitucionais, revelase contrária aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. A defesa da referida discriminação é, de forma geral, feita por meio de argumentos econômicos, os quais não se sustentam numa abordagem jurídica.
149
presumido ou arbitrado, não ficarão
Introdução
sujeitos à incidência do imposto de A isenção do imposto sobre a
renda na fonte, nem integrarão a
renda e proventos de qualquer
base de cálculo do imposto de renda
natureza, para as pessoas físicas ou
do beneficiário, pessoa física ou
jurídicas
jurídica, domiciliado no País ou no
que
rendimentos
apresentem
decorrentes
exterior.
de
distribuição de lucros por pessoa
Parágrafo único. No caso de
jurídica da qual sejam sócias, foi
quotas ou ações distribuídas em
introduzida pela Lei nº 9249 de 26 de
decorrência de aumento de capital
dezembro de 1995. A justificativa
por incorporação de lucros apurados
para tanto, da qual comungam todos
a partir do mês de janeiro de 1996,
os seus defensores, é a de tais
ou de reservas constituídas com
lucros
foram
esses lucros, o custo de aquisição
jurídica.
será igual à parcela do lucro ou
distribuídos
tributados
na
já
pessoa
Portanto, se viessem a sê-lo também
reserva
na
corresponder ao sócio ou acionista.
pessoa
física,
viriam
capitalizado,
que
A Instrução Normativa SRF nº
caracterizar bis in idem.
93/1997, regulamentando o acima estabelecido, assim dispõe, em seu
Capitulação legal
artigo 48: A isenção de imposto sobre a
Art. 48. Não estão sujeitos ao
renda de proventos de qualquer
imposto de renda os lucros e
natureza
dividendos pagos ou creditados a
sobre
os
rendimentos
relativos a lucros da pessoa jurídica
sócios,
acionistas ou
recebidos por pessoa física está
empresa individual.
prevista no artigo 10 da lei nº
Como
é
de
titular de
praxe,
a
regulamentação repete o disposto na
9249/1995, verbis: ou
lei, porém, neste caso, com uma
dividendos calculados com base nos
interpretação restritiva, na medida
resultados apurados a partir do mês
em
de janeiro de 1996, pagos ou
destinatários dos pagamento ou
creditados pelas pessoas jurídicas
créditos
tributadas com base no lucro real,
dividendos.
Art.
10.
Os
lucros
150
que
nomina
relativos
os
a
possíveis
lucros
ou
Aspectos econômicos
No caso da pessoa física, nem todas as inversões são dedutíveis e parte
Escolhendo, para efeito de
delas tem suas deduções limitadas a
facilitação do estudo, um caso
certo valor.
situado na faixa mais alta de
Outro argumento é o de que a
tributação, na qual a empresa tem
tributação dos lucros distribuídos
seus lucros tributados pela alíquota
desestimula os investimentos na
de 15% e mais 10% no que
atividade
ultrapassarem
no
consequência traz o desemprego.
trimestre e supondo que a empresa
Ressalte-se, no entanto, que uma
capitalize os lucros menos tributados
das
e distribua os de mais alta tributação,
investimento é a reaplicação dos
então os lucros distribuídos seriam
lucros
líquidos da tributação já efetuada na
atividades produtivas e não a sua
pessoa jurídica da ordem de 25%.
distribuição.
Por
Que também não seja olvidado que
alegada
concorrência
os lucros na pessoa jurídica são
aplicações financeiras, em razão dos
também tributados pela contribuição
juros altos, contrapõe-se ao sucesso
social sobre o lucro líquido, que
da Bolsa de Valores.
R$
60.000,00
produtiva
formas
das
e
como
importantes
empresas
em
outro
de
suas
lado,
a das
embora sendo tributo diverso, onera
Do ponto de vista do efeito
em mais 9%. Dessa forma, um
econômico da tributação, deve ser
argumento econômico (aritmético) é
lembrado que toda a tributação da
dizer que o lucro a ser distribuído
pessoa jurídica, invariavelmente, é
pela pessoa jurídica já foi tributado a
suportada pelo consumidor final, que
34%, enquanto que a tributação da
é quem arca com todos os custos,
pessoa física é de 27,5% no máximo.
incluindo os lucros, dos produtos que
Assim justifica-se a isenção para os
adquire. Do contrário a pessoa
lucros distribuídos.
jurídica não poderia auferir lucros e,
No entanto, deve ser dito que
dessa forma, não teria sentido a sua
os lucros da pessoa jurídica, antes
existência, que se funda na geração
da tributação, são expurgados de
de lucros.
todas as inversões necessárias, não
Por outro viés, pretende-se
só à produção do lucro, mas também
como ideológica a discussão sobre
à manutenção da fonte produtora.
quais rendimentos devem ser mais 151
tributados, se os do capital ou os do
ocorrência de bis in idem, outro, a
trabalho.
constitucionalidade do benefício.
Sabe-se
produzem
que
rendimentos
aqueles por
si Bis in idem
mesmos, enquanto estes dependem do esforço individual do trabalhador. No
entanto,
são
A tributação de um mesmo
brandidos no sentido de que a
fato econômico por mais de um
aplicação de capital em atividades
tributo pode ocorrer por meio da
empresariais são necessárias e,
bitributação (bitributação jurídica) ou
portanto, devem até ser motivo de
de
incentivo fiscal. Do outro lado, até já
econômica). No primeiro caso, duas
foi dito que rendimento decorrente
pessoas jurídicas de direito público,
de
detentoras
trabalho
argumentos
não
deveria
ser
classificado como renda.
bis
in
idem
de
(bitributação
competências
tributárias diferentes, elegem como
Ainda no campo econômico,
fato gerador (hipótese de incidência)
não deve ser esquecido que as
o
inversões de capital em ativos
segundo, a mesma pessoa jurídica
empresariais, além da geração de
de direito público pretende fazer
lucros, muitas vezes exacerbados,
incidir mais de um tributo sobre o
podem
mesmo fato econômico.
gerar
também
ganhos
mesmo
fato
econômico.
No
imprevisíveis em valor de mercado.
Nesse sentido, a bitributação
Os ganhos no mercado de ações são
colide com a exclusividade das
tributados a 15% pelo imposto sobre
competências
a renda, quando a alienação exceder
pessoas
R$ 20.000,00 no mês.
perfeitamente
tributárias
políticas,
delimitadas
disposições Aspectos jurídicos
que
das estão nas
constitucionais.
Somente a Constituição pode dispor sobre
a
distribuição
das
A isenção de imposto sobre a
competências e, então, autorizar a
renda para lucros distribuídos por
bitributação, como seria o caso da
pessoa jurídica aos seus sócios
competência da União para instituir,
pode ser analisada por mais de um
temporariamente,
aspecto jurídico. Um deles é a
extraordinários, em caso de guerra
impostos
ou sua iminência (art. 154, II). 152
Já a situação de bis in idem tem
capital da pessoa jurídica pela
outra conformação. A Constituição
pessoa física, portanto renda desta.
não veda que um mesmo ente
Outro é a produção de lucros pela
político crie mais de um tributo
pessoa jurídica, decorrentes de suas
usando da mesma competência,
atividade produtivas, portanto renda
como
da
acontece
no
caso
da
pessoa
jurídica,
ônus
contribuição ao PIS e da COFINS,
econômico,
é
que têm respaldo constitucional no
suportado
por
artigo 195, I, b.
consumidores finais. Portanto, o
Observe-se que a União, no
mesmo
bom
cujo
lembrar,
terceiros,
ente
político,
é os
tem
uso da competência do artigo 154, II,
competência para tributar dois fatos
da Constituição, poderá criar bis in
geradores
idem,
materialidade e temporalidade, por
se
instituir
extraordinário
um
adicional
imposto sobre
distintos,
em
sua
a
um mesmo tributo. Tal situação
renda, ou incorrerá em bitributação,
também se evidencia no caso dos
se instituir um imposto extraordinário
tributos cumulativos.
adicional sobre a propriedade predial e territorial urbana.
Constitucionalidade da isenção
Com relação à tributação, pelo imposto sobre a renda, dos lucros
distribuídos
Das lições de Paulo de Barros
aos
Carvalho[1], depreende-se que a
sócios/acionistas de uma pessoa
regra de isenção impede a atuação
jurídica, não ocorre nenhuma das
da
figuras, nem bitributação, nem bis in
Enquanto esta tributa uma classe de
idem.
primeira,
fatos
o
ente
atuação desta, por um dos critérios
tributante é o mesmo: a União. Q
de sua hipótese de incidência. No
Quanto
evidentemente,
Quanto simplesmente econômico
à porque
à
segunda,
porque
tributável
o na
regra
matriz
jurídicos,
de
aquela
incidência.
inibe
a
presente caso, atinge o critério
fato
material,
pela
subtração
do
pessoa
complemento do verbo. Enquanto a
física é diverso daquele que foi
regra matriz manda tributar o fato de
tributado na pessoa jurídica. Um
receber lucros, a regra de isenção a
consiste no recebimento de lucros,
impede, caso o lucro tenha origem
decorrentes de investimentos no
em pessoa jurídica da qual o sujeito 153
passivo
seja
sócio.
Entende-se,
racional entre a discriminação legal e
portanto, que a regra de isenção
o regime diferenciado. Haverá, no
estabelece uma exceção à regra
entanto, consonância com o sistema
matriz de incidência. A propósito,
constitucional? Ou seja, a isenção
registre-se aqui a afirmação de
em tela está em acordo com o
Celso Antônio Bandeira de Melo[2],
princípio
de que “as leis nada mais fazem
capacidade contributiva?
senão discriminar situações para
da
igualdade
e
Regina
da
Helena
submetê-las à regência de tais ou
Costa[4] ensina que nem sempre a
quais regras”.
isenção será exceção ao princípio da
A isenção tributária nada mais
capacidade contributiva, mas “há
é, portanto, que uma discriminação
que se distinguir, para tanto, as
legal, abrangendo uma categoria de
isenções
fatos jurídicos, com a finalidade de
outorgadas por motivos políticos”. As
excluí-los
Nos
primeiras confirmam o princípio, pois
ensinamentos de Celso Antônio
são concedidas perante a ausência
Bandeira
de capacidade contributiva, como no
da
de
incidência.
Melo[3],
em
sua
caso,
que deve residir em fatos, situações
preservação do ‘mínimo vital’”. Já as
ou pessoas, deve ainda guardar uma
isenções
relação de pertinência lógica com o
verdadeiras exceções ao princípio”.
regime diferenciado outorgado. E
Sobre isto, assim se expressa a
mais: o discrimen estabelecido deve
autora:
em
consonância
interesses
com
políticas
à
“constituem
Não há que se falar, neste
prestigiados
caso, nem mesmo na observância dos
A regra de isenção em estudo os
destinada
os
constitucionalmente.
discrimina
“isenção
daquelas
festejada obra, a discriminação legal,
estar
da
técnicas,
fatos
limites
por
ele
impostos,
justamente porque as mencionadas
jurídicos
isenções
beneficiam,
em
regra,
caracterizados como “distribuição de
pessoas que detêm capacidade de
lucros por pessoa jurídica ao seus
contribuir. Exatamente por isso, as
sócios” para o fim de isenta-los da
isenções
políticas
incidência do imposto sobre a renda
instituídas
com
e proventos de qualquer natureza.
possível,
Conclui-se que há um adequação
transparecer, com nitidez e de 154
devem
toda
deixando
o
a
ser
cautela
legislador
maneira
irrefutável,
finalidade
tributados na pessoa jurídica e,
prestigiada pelo texto fundamental
assim, não deveriam sê-lo de novo
que
justifica
observância
a
o
afastamento
da
na
do
princípio
da
distribuição. Outro diz que a isenção
contributiva,
incentiva o investimento na atividade
capacidade
preservando, assim, a isonomia.
pessoa
recebedora
da
empresarial. Quanto ao primeiro, é
A precisão técnica da jurista
fácil
desconstituí-lo,
com
um
não deixa dúvidas. Uma isenção,
argumento econômico (como é o
que venha a beneficiar pessoas que
próprio).
detêm capacidade contributiva, só
empresarial
deve ser aceita se ficar nítido e
econômico de nenhum tributo, ou
irrefutável
valores
melhor, de nenhum desembolso.
constitucionais e preserva, então, a
Quem suporta todos os custos e
isonomia. Se a igualdade consiste
lucros da pessoa jurídica é o
em tratar igualmente os iguais e
consumidor final. Este sim, pode
desigualmente
dizer que paga a conta. Assim não
que
prestigia
os
desiguais,
na
A não
jurídica
sofre
ônus
fosse,
então não há porque, em relação a
empresarial, que existe em função
uma mesma pessoa, isenta-la de
de um só fator e nenhum outro: o
tributação de seus rendimentos de
lucro. Quanto ao segundo, não se
lucros
pessoa
sustenta porque não é definitivo. Se
seus
por um lado, a atração pelos lucros
rendimentos de lucros na venda de
incentiva o investimento, por outro, a
ativos. Afinal, trata-se da capacidade
retenção dos lucros na pessoa
contributiva da mesma pessoa. No
jurídica
entanto, a discriminação para isentar
investimento.
pode estar apoiada em outro valor
considerar um outro atrativo para
constitucional, como
investimento, muito maior do que a
jurídica
e
tributa-la
por por
bem
alerta
Regina Helena Costa. Os
argumentos
é
distribuição que
existiria
o
esteira do que pensou Aristóteles,
distribuídos
não
pessoa
atividade
fundamental E
dos
para
o
há
a
ainda
lucros:
é
a
valorização ao longo do tempo.
aparecem para justificar a isenção
Ressalte-se
que
a
dos lucros distribuídos por pessoa
Constituição
jurídica resumem-se, praticamente,
redundantemente, no artigo 150, II,
a dois. Um diz que os lucros já foram
que é vedado “instituir tratamento 155
dispõe,
desigual entre contribuintes que se
Não havendo, portanto, o
encontrem em situação equivalente”.
respaldo
Haverá maior equivalência entre
discriminação legal com fins de
contribuintes
isenção, estará ofendido o princípio
que
tenham
constitucional
da
empresariais e os que tenham lucros
desigualmente
por venda de ativos ou aluguéis ou
rendas por lucros na venda de ativos
juros? Todos são investidores de
daqueles
capital, detentores de capacidade
investimento empresarial, e também
contributiva, portanto.
o
Constituição
porque
a
rendimentos de lucros por atividades
A
isonomia,
para
contribuintes
com
princípio
trata
lucros
da
com
por
capacidade
brasileira
contributiva, porque deixa de tributar
também prestigia os valores da
quem tem capacidade econômica
ordem
para sê-lo.
econômica,
propriedade
como
privada
e
a
a livre
concorrência, porém ao lado da função social da propriedade e da
Considerações finais
defesa do consumidor (art. 170). Mas onde está o respaldo para a isenção
dos
decorrentes empresariais?
de
Em síntese: a isenção do
rendimentos
imposto sobre a renda e proventos
investimentos
de qualquer natureza sobre lucros
o
distribuídos por pessoa jurídica a
argumento econômico de elevada
seus sócios, detentores, portanto, de
carga tributária. Então desonere-se a
capacidade
pessoa jurídica geradora dos lucros
encontra na Constituição a proteção
e, por consequência, desonere-se o
que
consumidor, muitas vezes destituído
atingindo
da capacidade contributiva, e tribute-
fundamental da isonomia.
se
o
Não
recebedor
cabe
dos
lucros
distribuídos, este sim, o verdadeiro dono do capital, aquele que detém a capacidade contributiva.
156
justifique em
contributiva,
tal
não
discriminação,
cheio
o
princípio
Referências CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2000. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995. COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 1995. [1] Curso de Direito Tributário, Saraiva, 2000, p. 484. [2] Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros, 1995, p. 11. [3] Ibidem, p. 47. [4] Princípio da Capacidade Contributiva, Malheiros, 1996, p. 70.
157
O CAOS NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA GODOY, Ayla Cristina Bigotto - Discente do 9º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O presente artigo trata da crise em que se encontra a política criminal do Brasil, que sob argumento de conter a criminalidade, cria cada vez mais leis penais extravagantes, muitas vezes sem observar preceitos constitucionais, como forma de conter os ânimos da sociedade aterrorizada pelo número crescente de crimes, denotando, assim a grande influência do Direito Penal do Inimigo no sistema penal patriota. Por meio do método dedutivo de raciocínio, este estudo apresenta a evolução histórica do Direito Penal desde seus primórdios até os tempos atuais, a fim de demonstrar a incompatibilidade entre o atual procedimento penal e o Estado Democrático de Direito.
158
regras estabelecidas pelo Estado, e
Introdução
o segundo os criminosos habituais. Por
meio
da
O
evolução
tráfico de drogas, mais recentemente
que o progresso conquistado nesse
na lei que disciplina o RDD (Regime
âmbito é incompatível com o novo
Disciplinar Diferenciado).
sistema penal que tem sido utilizado,
No
pautado na teoria do Direito Penal do
apontar
Inimigo.
Estado
notas do chamado Direito Penal do
cada
extravagantes
vez
mais,
rigorosas
de
Direitos
dos
indivíduos,
dignidade da pessoa humana e à igualdade de tratamento. Desta
maneira,
não
é
conveniente que a legislação penal
clamores da sociedade aterrorizada
brasileira implante os ideais do
pela barbaridade criminal crescente,
Direito Penal do Inimigo no combate
o Estado se vê pressionado a
à
solucionar rapidamente o problema,
criminalidade,
desumanizá-la,
mesmo que o método não seja o adequado
política
principalmente no que concerne à
são
Com a ânsia de solucionar os
e
Democrático
humanos
leis
alta criminalidade das cidades.
eficiente
esta
uma vez que ignora os direitos
isto
elaboradas, no intuito de conter a
mais
que
pretende-se
instituído pela Constituição de 1988,
Inimigo estão sendo implantadas na
porque,
entanto,
criminalística é incompatível com o
Apesar de discretas, algumas
brasileira,
se
como a de crimes hediondos, a lei de
se demonstrar no presente trabalho
penal
tem
manifestado, por exemplo, em leis
histórica do Direito Penal, pretende-
legislação
instituto
sob
pena
voltando-se
aos
tempos primitivos quando se vivia
à
em constante estado de guerra.
sociedade em que se vive. O Direito Penal do Inimigo,
Evolução Histórica do Direito Penal
criado pelo alemão Günter Jakobs, sob
o
pretexto
de
garantir
a O
segurança da sociedade, admite
Direito
Penal
sofreu
alterações constantes no decorrer da
implantação de regras diferenciadas ao que se chama de “cidadão” e
história até atingir o patamar em que
“inimigo”,
se encontra nos dias atuais. Vários
sendo
o
primeiro
os
séculos de lutas, progressos, e
homens que vivem de acordo com as 159
também
alguns
contribuíram
retrocessos,
religiosa e a concepção de que os
formar
fenômenos naturais denotavam o
para
a
concepção de homem como pessoa investida
de
direitos
castigo divino.
humanos
O
universalmente reconhecidos.
período
da
vingança
passou por três fases distintas:
A evolução do direito penal,
vingança divina, vingança privada e
ao longo da história foi marcada por
vingança pública. Entretanto, não se
períodos sangrentos, pela prática da
pode
tortura, pela frieza e premeditação
sucessivamente,
na determinação de penas cruéis e
convive com a outra por largo
desumanas.
espaço de tempo, até constituir
Diversas
civilizações
separar
as
fases
porque
uma
orientação dominante.
colaboraram no aperfeiçoamento da
Na vingança divina, a religião
lei penal, desde as mais remotas
atinge o ápice de influência sobre o
culturas,
pena
direito penal nas sociedades antigas,
significava verdadeira sentença de
contando com a repressão punitiva
morte, até as mais próximas da era
do agente sob pretexto de acalmar
contemporânea, com a implantação
os ânimos da divindade ofendia pelo
dos direitos humanos.
crime. “Pune-se com rigor, antes
nas
quais
a
Doutrinariamente, divide-se a história
criminalística
em
com notória crueldade, pois o castigo
três
deve estar em relação com a
principais períodos, quais sejam o da
grandeza
vingança, o humanitário e o científico
(MAGALHÃES,
ou
sendo
21 apud BITENCOURT, 2008, p. 28).
importantes
Penas cruéis e desumanas eram
criminológico,
enquadrados movimentos
neles
idealistas
colaboraram
para
o
que
progresso
procuração
ofendido.”
1998,
p.
de
deuses,
as
administravam no intuito estabelecer
Com origem nas primitivas
o
sociedades, o período da vingança
critério
gerais haja
regentes
vista
fundamentalmente
sua
justiça
com
a
A religião confundia-se com o
das
Direito, assim conceitos como os de
origem
mística
de
intimidação do ofensor.
era um sistema que não admitia
normas,
deus
aplicadas pelos sacerdotes que, por
penalista.
princípios
do
crime
e
e
pecado
misturavam-se,
transformando as leis vigentes em 160
preceitos
de
cunho
meramente
manifestou-se dando ao ofensor a
religioso ou moral. Os divina
possibilidade de comprar a sua
critérios
da
foram
vingança
liberdade,
preconizando
uma
principalmente
espécie de embrião da pena de
implantados no Código de Manu, no
multa e da responsabilidade civil do
Egito, na China, na Pérsia, bem
crime, esta foi utilizada no Código de
como em povos de Israel, base que
Hamurabi, no Pentateuco e no
ficou enraizada nos povos citados
Código
até os dias de hoje.
posteriormente,
A fase da vingança privada, amplamente primitivos,
adotada
Manu,
bem
como,
no
Direito
Germânico.
por povos
caracterizou-se
de
Finalmente, nasce no período
pela
da vingança do direito penal a fase
inexistência de limites na aplicação
da vingança pública, esta já melhor
da punição aos atos contrários à
organizada,
moral do grupo, sendo o revide ao
aparecimento do poder político em
agressor
comunidades
aplicado
pela
própria vítima, seus parentes e até
inclusive
com
representado
o
pelo
chefe ou pela assembleia.
mesmo o grupo social em que vivia.
Assim, a finalidade da pena
Contudo, não existe razão
passa
a
ser
a
proteção
do
para equiparar a vingança privada
“soberano”, no entanto, conta ainda
com a instituição jurídica, porque se
com alta influência religiosa, o que
trata de mera conduta instintiva de
fez
proteção da espécie.
permanecessem
O talião e a composição foram fundamentais
para
regulamentação
da
com
desumanas,
que
as
sanções
cruéis
impostas
pela
e da
a
autoridade pública que servia de
vingança
representante dos interesses da
privada. O primeiro, adotado como
sociedade.
forma de moderar a aplicação da
Apesar da imensa quantidade
pena, fez com que, pela primeira vez
das penas de morte aplicadas por
na
penal,
motivos hoje considerados ínfimos,
aparecesse a proporcionalidade e
além da falta de segurança jurídica
implantou-se
de
que os povos enfrentavam, a fase
Hamurabi, na Bíblia Sagrada e na
trouxe um importante progresso,
Lei das XII Tábuas. Já a segunda,
pelo fato de a pena não ser mais
história
do
no
direito
código
161
aplica por terceiro, mas sim pelo
Um dos mais importantes
poder estatal.
movimentos do Período Humanista
Encerrado
o
período
da
deu-se
com
surgimento
do
vingança, surge, na Idade Média, por
movimento cultural Iluminista, tendo
inspiração do Cristianismo, o Direito
origem nas ideias liberalistas da
Canônico, de caráter disciplinar,
burguesia que, nesta época, crescia
deixando sob a tutela da Igreja
com o desenvolvimento capitalista, e
Católica os critérios e procedimentos
que
para a aplicação das penas.
mantinha ferrenho embate com a
Os crimes praticados nessa
por
conflito
de
interesses,
nobreza.
fase tinham conotação pecaminosa
Cumpre salientar que o ápice
contra as leis humanas e divinas,
do movimento iluminista se deu com
sendo
sanções
a Revolução Francesa, momento em
tribunais
que todos os pilares, até então,
as
respectivas
aplicadas
pelos
eclesiásticos.
norteadores
da
sociedade,
Foi com o Direito Canônico
passavam por mudanças drásticas,
despontaram
primeiras
não podendo o direito penal ficar de
estruturas carcerárias com intuito de
fora desta reestruturação moral e
reforma
social.
que
do
“Precisamente
as
delinquente. do
vocabulário
O
início
da
radical
‘penitência’, de estreita vinculação
transformação liberal e humanista do
com o Direito Canônico, surgiram as
Direito Penal foi defendido por
palavras
pensadores
‘penitenciário’
e
iluministas
que
‘penitenciária’.” (GARRIDO, 1976, p.
criticavam a intervenção do Estado
48 apud BITENCOURT, 2008, p. 35).
na economia, lutavam por reformas
Pensadores
inconformados
do ensino, além de ridicularizar a
com o absolutismo vivido até então,
igreja e os nobres.
ambiciosos por reformas das leis e
Filósofos
como,
Locke,
da estrutura da justiça penal, com o
Montesquieu, Voltaire, Rousseau,
fim de implantarem um sistema
Diderot
humanitário e racional, fundaram o
desenvolveram os fundamentos do
que
pensamento moderno, tendo suas
foi
chamado
de
Período
Humanitário.
e
D’Alembert,
ideias repercutido na aplicação da
162
justiça, acabando com os tempos de
pelas mãos dos pensadores Gian
barbaridades.
Domenico
No entanto, o símbolo da reação
iluminista
contra
Bentham,
a
Bonesana,
Anselmo
Von
Duas fases se distinguiram na
de
época Clássica, a filosófica ou
Beccaria, que publicou a obra “Dos
teórica e a jurídica ou prática. A
Delitos e das Penas”, na qual expôs
primeira, marcada prioritariamente
ideias sobre os princípios básicos do
por Beccaria com seus princípios
direito penal moderno, que regeram
básico para a justiça no Direito Penal
a declaração dos direitos do homem
e a segunda, que trouxe o nome de
e
Francesa,
Francisco Carrara para integrar o rol
significando um grande avanço no
dos mais geniais pensadores da
direito penal.
história criminal, considerando o
a
Marques
e
Jeremias
Feuerbach.
desumanidade penal da época foi César
Romagnosi,
Revolução
Logo após, cria-se a Escola
delito como ente jurídico composto
de Direito Natural, manifestada pela
por movimento corpóreo e dano
fase racionalista de pensadores
causado
como
consciente do agente.
Hugo
Grócio,
Hobbes,
Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau
mais
Chega-se
vontade
ao
livre
e
Período
e Kant, cujos ideais se pautavam em
Científico, no qual os pensadores se
reconhecer o Direito Natural como
preocupam em desvendar as razões
eterno, imutável e universal.
pelas quais o homem delinque, no
Apesar
de
a
Escola
intuito de encontrar um modo eficaz
Naturalista ter cessado ainda na fase
para ressocializá-lo, reintegrando-o
do Iluminismo, suas concepções
à sociedade.
atravessaram os tempos inspirando
No Período Científico surge o
fortemente o campo penal por meio
Determinismo, que influencia os
do
buscou
pensamentos da época, inclusive no
individualizar os direitos natos e
âmbito penal. Para esta doutrina,
atenuar as sanções criminais.
que teve como precursor Laplace, a
jusnaturalismo,
Adotando
que
teses
realização do crime sempre possuía
ideológicas básicas do iluminismo,
razões suficientes para determiná-lo,
em
ou seja, o delito é determinado por
especial
as
as
pregadas
por
Beccaria, surge a Escola Clássica 163
uma ordem de fatos que são
A Escola Moderna Alemã foi a
dependentes entre si.
mais notável corrente eclética, tendo
César Lombroso, Enrico Ferri
com fundador Franz Von Liszt, cujas
e Rafael Garófalo são considerados
fundamentais características eram: a
fundadores da Escola Positivista do
adoção do método lógico-abstrato e
Direito Penal. Para eles, a pena não
indutivo experimental, a distinção
poderia
meramente
entre imputáveis e inimputáveis, a
retributivo, mas sim o de proteção
concepção de crime como fenômeno
social, a qual poderia ser aplicada
humano-social
mediante correição, intimidação ou
função finalística da pena e a
eliminação.
eliminação
ter
caráter
Para os positivistas, o Direito
e
ou
fato-jurídico,
substituição
a
das
penas privativas de liberdade de
era uma consequência da vida em
certa duração.
sociedade, a qual sofre modificações
Após
esse
no tempo e no espaço, exigindo que
manifesta-se
as leis evoluam acompanhando as
Jurídica, nascida com o objetivo de
necessidades dos cidadãos.
apontar definitivamente o verdadeiro
Inspirada
pela
Escola
a
formada
Terza por
scuola ideias
Escola
Técnico-
objeto do Direito Penal, sendo o
Positivista e pela Escola Clássica nasce
a
período,
principal idealista Arturo Rocco.
italiana
Assim, “[...] o Direito Penal é
ecléticas
entendido como uma ‘exposição
originadas da mistura das duas
sistemática
escolas antecessoras.
regulam os conceitos de delito e de
Nela,
segundo
Bitencourt
pena,
dos
e
princípios
da
que
consequente
(2008, p. 59), o crime é concebido
responsabilidade, desde um ponto
como
de
um
individual,
fenômeno
social
condicionado,
e
vista
62).
fim da pena é a defesa social,
A
embora sem perder seu caráter
tornou-se
aflitivo.
doutrina
natureza
jurídico’.”
(ASÚA apud BITENCOURT, 2008, p.
porém
pelos fatores apontados por Ferri. O
Sua
puramente
é
Escola
Técnico-Jurídica
relevante alemã
a
desenvolveu,
absolutamente distinta da medida de
aprimorando
segurança.
dogmática jurídico-penal e elevando-
164
os
a
quando
estudos
de
a a categoria da mais evoluída dos
parte
tempos atuais.
essencialista, que desconhece que
Superada a fase positivista,
de
puros
o movimento filosófico neokantiano,
realidade,
que
humanas
ofereceu
Bitencourt,
uma
metodológica
“[...]
permitiu
reflexos
necessários
mas
da
construções
baseadas
em
um
consenso social contingente.”
fundamentação
que
objetivismo
os conceitos que temos não são
contudo, influenciada por ela, cria-se conforme
um
uma
Contemporaneamente, surge
melhor compreensão dos institutos
o
jurídico-penais
funcionalista com críticas à teoria
como
conceitos
chamado
normativismo
valorativos, sem por isso renunciar à
finalista,
pretensão
vertentes, a normativista dualista,
de
cientificidade.”
tendo
duas
(BITENCOURT, 2008, p. 70, grifo do
representada
autor).
normativista monista, defendida por Saturada pelas barbaridades
do
pós-guerra,
a
por
principais
Roxin
e
a
Jakobs.
Alemanha
O
normativismo
dualista
necessitava de uma nova filosofia
consistia em rechaçar as exigências
que limitasse o poder autoritário da
ontológicas
época, propiciando, assim, o cenário
finalismo,
ideal para o desenvolvimento do que
(2008, p. 77), Roxin admite que a
viria
sua lógica objetiva seja acrescida de
a
ser
a
teoria
finalista,
visualizada por Welzel.
defendidas conforme
pelo
Bitencourt
uma razão prática, onde os valores
O finalismo trouxe ao mundo
protegidos
pelo
sistema
penal
jurídico criminalista duas grandes
estejam limitados por um substrato
conquistas,
material fático externo ao próprio
quais
sejam:
o
descobrimento de que o fim da ação
sistema.
representa uma função importante
Por outro lado, a teoria de
na ação do autor de um crime, e a
Jakobs
possibilidade uma concepção mais
próprio sistema penal os parâmetros
adequada para os vários tipos de
necessários para o seu crescimento
crime.
estrutural, não sendo necessário Mir
Puig
procurar
sustentava
em
estarem
outros
no
institutos
(apud BITENCOURT, 2008, p. 76)
jurídicos normas que os limitassem,
resume: “[...] o ontologismo finalista
como bem descreveu Bitencourt: 165
[...] Jacokbs, por sua vez, seguindo a
Constituição Garantista x Direito
Luhmann, concebe o Direito Penal
Penal do Inimigo
como
um
sistema
fechado,
normativo
autorreferente
No
Brasil
têm-se
(autopoiético) e limita a dogmática
Constituição
jurídico-penal à análise normativo-
servindo
funcional do Direito positivo, com a
formulação de toda a programação
exclusão
de
normativa
empíricas
não
valorações
externas ao
considerações normativas
sistema
não
perfeitamente
aos
do
país.
para
Nela
a
estão
sistema
de um Estado Democrático de Direito que visa a garantia de direitos
normativista,
se
diretriz
1988
instalados preceitos fundamentais
fundamentais inerentes ao homem. “[...]
apesar de ser a mais nova teoria penalista,
de
de
de
jurídico-positivo. (2008, p. 77). O
Federal
a
enquadra
padrões
Uma
das
definições
possíveis de democracia é a que põe
da
em
particular
evidência
a
maioria das atuais sociedades, cuja
substituição das técnicas da força
predominância é a regência do
pelas técnicas da persuasão como
Estado Democrático de Direito, uma
meio
vez que este objetiva resguardar a
(BOBBIO, 2004, p. 211).
todos os cidadãos, sem exclusão de
de
resolver
conflitos.”
Quando se implanta a forma
minorias, direitos inerentes à pessoa
democrática,
humana. Por outro lado, o direito
contrato com a sociedade no qual
Penal do Inimigo dita conceitos
cada indivíduo cede uma parcela de
típicos de regimes ditatoriais, de leis
liberdade para obter a proteção do
rígidas, sem se preocupar com as
Estado. Este pacto é selado através
garantias individuais daqueles que
da Constituição que determina os
julgam como inimigos, o que denota
direitos e os deveres de casa
flagrante desrespeito aos preceitos
cidadão.
ao
princípio
implícito
um
“[...] A sociedade histórica em
constitucional de uma democracia, principalmente,
fica
da
que vivemos, caracterizada por uma
igualdade entre as pessoas.
organização cada vez maior em vista da eficiência, é uma sociedade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de uma falta de 166
liberdade. [...]” (BOBBIO, 2004, p.
Desta
62).
maneira,
alguns
segmentos da parcela carente da Apesar disso, principalmente,
sociedade,
pressionada
pela
no âmbito penal, não há obediência
miséria, inclinou-se para a prática de
aos princípios constitucionais, uma
delitos na busca de suprir suas
vez que as normas criminais se
necessidades, aumentando, assim,
tornam mais rigorosas. O objetivo de
os índices de criminalidade do país,
reintegrar o delinquente à sociedade
o que por consequência, elevou o
enfraquece
crescente
nível de insegurança jurídica da
criminalidade e a pena passa a ser
população, instalando-se o atual
vista apenas como uma resposta
caos na política criminal brasileira.
diante
da
rápida aos clamores da sociedade
Diante do crescente número
barbarizada.
de delitos e na tentativa de acalmar
O Código Penal Brasileiro,
os
ânimos
de
uma
sociedade
elaborado em 1940, a partir da
manipulada pelo sensacionalismo da
Constituição de 1988, tornou-se
mídia, o Estado passou a adotar
ultrapassado.
medidas penais estranhas ao regime
Desta
forma,
na
tentativa de atualizá-lo de acordo
constitucional vigente.
com as necessidades da sociedade, foram
editadas
diversas
Assim,
leis
na
tentativa
de
contenção social, surge a teoria do
extravagantes.
Direito Penal do Inimigo, tendo como
No entanto, o país não teve
idealizador o alemão Günter Jakobs,
estrutura para suportar tamanha
a
tecnologia-jurídica
pelo
espécies de direito penal, quais
Direito.
sejam o direito penal do cidadão e o
Estado
garantida
Democrático
de
Assim o déficit de eficiência das garantias
resguardadas
qual
sustenta
que
há
duas
direito penal do inimigo.
pela
Para
o
direito
penal
do
Constituição tornou grande parte da
cidadão pessoas que delinquem,
sociedade carente, desprovida de
mas que não chegam a apresentar
educação,
saúde,
um grande perigo para o Estado
adequada,
trabalho
alimentação digno,
sem
merecem a aplicação das sanções
respaldo dos direitos fundamentais
penais,
que lhes foram prometidos.
respeitado e também lhe devem ser
167
no
entanto,
deve
ser
asseguradas todas as garantias
delinquentes como inimigos, haja
processuais e penais.
vista que os distinguem dos demais
Em outra face, o direito penal
indivíduos na hora da aplicação de
do inimigo é utilizado nos casos de
penas, ou aplicam penas altamente
delinquentes contumazes que se
penosas,
afastam
inconstitucionalidade.
permanentemente
das
demonstrando
normas instituídas pelo Estado de
A lei de crimes hediondos foi
Direito, passando a ser uma grande
criada em um momento em que a
ameaça ao próprio Estado, já que
sociedade
põe em constante risco a paz social
revoltada com a barbaridade e
que
crueldade
é
de
interesse
de
todos,
brasileira
de
estava
alguns
crimes,
portanto, sendo legitima a supressão
principalmente pelo homicídio da
de algumas, ou todas, de suas
atriz
garantias
incessantemente
fundamentais,
sob
o
global
Peres,
divulgado
mídia.
geral criminal.
contenção do repúdio populacional o maneira,
como
forma
pela
pretexto de garantir a prevenção
Desta
Assim
Daniela
de
pode-se
legislativo sancionou tal lei, que
deduzir as características marcantes
inicialmente proibia a progressão de
do Direito Penal do Inimigo, como
regime, bem como o benefício da
sendo, o fato de o inimigo ser punido
liberdade provisório, no entanto,
pelo perigo que representa e não
porque nitidamente contraria aos
pelo delito que cometeu, a punição
ditames constitucionais, tal lei foi
por sua periculosidade, perdendo o
modificada por decisão do Supremo
inimigo
Tribunal Federal que a declarou
“status”
de
cidadão,
passando a ser combatido como se
inconstitucional.
estivesse em guerra com o Estado,
Mesmo com a sábia medida
além de ser suprimida grande parte
tomada pelo STF, a lei de crimes
de suas garantias individuais.
hediondos ainda guarda resquícios
Medidas como, por exemplo,
de inconstitucionalidade, visto que
a lei de crimes hediondos, lei de
para a progressão da pena é preciso
tráfico de drogas e a lei do regime
cumpri-la em proporção maior do
disciplinar
que a dos demais crimes. Logo,
outras,
diferenciado, trouxeram
dentre
satisfação
percebe-se
momentâneo, entretanto, tratam os
principalmente 168
a com
contrariedade relação
ao
princípio da proporcionalidade da
violento, uma vez que autorizou a
pena, uma vez que torna mais
possibilidade de “abrigar o preso
penosa a sanção de crimes que pelo
provisório ou condenado sob o qual
Código
recaiam
Penal
Brasileiro
eram
fundadas ou
suspeitas
de
participação,
a
distinguidos com maiores penas por
envolvimento
suas respectivas qualificadoras.
qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.” (Lei
Da mesma forma, foi editada a lei de tráfico de entorpecentes em
de
uma época que a sociedade sofria
parágrafo 2º). Esta lei é uma afronta
pelo
ao
crescente
número
de
Execuções
princípio
Penais,
art.
constitucional
52,
da
dependentes químicos, razão pela
legalidade, pois como se sabe não
qual aumentou-se a pena base para
há no país nenhuma norma que
o crime de tráfico, bem como se fixou
conceitue “fundadas razões”, ficando
o regime inicial fechado para todos
ao arbítrio do juiz tal tarefa, gerando
os casos, sem a preocupação de
grande
diferenciar
qualquer cidadão brasileira de quem
os
delinquentes
contumazes dos que cometeram um
Outra
inconstitucionalidade
Portanto,
importante
a
diante
dos
exemplos explanados, conclui-se o
por
evidente desrespeito aos direitos
referida lei é a vedação da liberdade
humanos, demonstrando assim a
provisória, uma vez que fere o
inconstitucionalidade de tais leis,
princípio
da
bem como a proximidade de seus
proibição
fundamentos com a teoria do Direito
pena,
da
isto
trazida
jurídica
se suspeite.
único deslize jurídico, equiparandoos.
instabilidade
individualização porque
a
constitucional a esse crime concerne
Penal do Inimigo.
apenas à alguns benefícios como
Observa-se que a realidade
anistia, graça e fiança, sem nada
jurídico-penal
mencionar
distanciando dos princípios basilares
quanto
a
liberdade
provisória.
vem
se
de sua constituição na construção
Outrossim, a lei do regime disciplinar
brasileira
diferenciado
veio
das normas, fato este que cada vez
no
mais
marginaliza
ao
invés
de
intuito de acalmar os ânimos da
reinserir o delinquente na sociedade.
sociedade que estava demonstrando
“Se cada cidadão tem obrigações a
repúdio pelo cotidiano cada vez mais
cumprir para com a sociedade, a 169
sociedade
tem
igualmente
processo
criminal
justo,
de
obrigações a cumprir para com o
intervenção mínima e com fins
cidadão, pois a natureza de um
ressocializadores.
contrato igualmente
consiste as
em
obrigar
Assim, é claro o retrocesso
duas
partes
que o Direito Penal do Inimigo
contratantes.” (BECCARIA, 2000, p.
representa
21).
brasileira, As
palavras
do
filósofo
para
a
uma
flagrantemente
sociedade
vez
que
é
inconstitucional
e
Iluminista explicam com perfeição a
avesso aos preceitos dos direitos
obrigação da sociedade democrática
humanos.
para com cada indivíduo, inferindo
Desta maneira, leis que se
que ninguém pode ser distinguido
fundamentam no ideário do Direito
seja em “cidadão” ou “inimigo”, uma
Penal
vez
Estado
excluídas do ordenamento, pois este
Democrático de Direito um contrato,
se apoia em ideias regressivas e
todos, sem exceção possuem os
argumentos
mesmos direitos e deveres.
racionalidade científica ao longo dos
que
sendo
o
do
Inimigo
já
devem
superados
ser
pela
séculos. Tendente ao menosprezo dos
direitos
constitucionais
Considerações finais
arduamente
humanos, e
penais,
conquistados,
deve,
pois o Direito Penal do Inimigo ser
Como se pode demonstrar, o sistema penal percorreu caminhos
combatido,
árduos para chegar a sua atual
punitiva não regrida aos tempos
roupagem,
direitos
ditatoriais e primitivos marcados pela
humanos, bem como de todas as
ira, pelas sanções indignas e pela
garantias
crueldade.
investido
que
de
assegurem
um
170
para
que
a
ciência
Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 1: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2000. GERBER, Daniel. Direito Penal do Inimigo: jackobs, nazismo e a velha estória de sempre. Jus Navegandi. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br >. Acesso em: 29 de julho de 2009. GOMES, Luiz Flávio. Muñoz Conde e o Direito Penal do inimigo. Jus Navegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7399 >. Acesso em: 07 de fevereiro de 2010. JÚNIOR, Arno Dal Ri. O estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. PIERANGELI, J. H.; ZAFFARONI, E. R. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
171
O CASO “CESARE BATTISTI” SOB A ÓTICA DO DIREITO INTERNACIONAL BREVIGLIERI, Etiene Maria Bosco. Docente da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Honório. Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. FERNANDES, Barbara Rossi Fernandes. Discente do 5° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga. GOMES, Dayane Marangoni Frota Gomes. Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev- Centro Universitário de Votuporanga. POLOTTO, Silvia Márcia Polotto. Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A polêmica no Direito pátrio e internacional se deve ao fato da dificuldade em classificar e diferenciar os atos realizados pelo indivíduo como meros atos de cunho político e ideológico dos chamados crimes comuns. No “Caso Battisti” aponta-se uma imaturidade jurídica e política das autoridades brasileiras no tocante a aplicação dos institutos do asilo e da extradição, notando-se através da tentativa inicial de asilo questionavelmente transformada em processo de extradição. Investigará as causas e os efeitos de uma crise política e diplomática gerada pela incerteza jurídica de aplicação de institutos fundamentais de Direito Internacional por parte do Brasil, bem como os argumentos que sustentam a posição do governo brasileiro nesse caso. Diante das recentes divergências de interpretação do direito dogmático, fato que provoca diferentes entendimentos dos conceitos de crimes políticos e crimes comuns, nota-se a necessidade de readequação de conceitos do Direito Internacional aos fatos históricos recentes. O escopo do estudo é a diferenciação e fixação dos institutos do asilo e da extradição enquanto ferramentas de soberania e de relações internacionais no Direito Internacional. Dessa forma o presente estudo contribuirá com o debate jurídico, elucidando contradições teóricas e factuais sobre institutos do Direito internacional, evitando conflitos na sociedade internacional.
Palavras-chave: Extradição. Cesare Battisti. Direito internacional. Julgamento. 172
com isso a situação do estrangeiro
Introdução
passe a ser matéria mais relevante De acordo com os casos
no Direito. Dessa forma, institutos
analisados todos os anos pelo STF,
como o asilo político, o refúgio e a
o caso de extradição do italiano
extradição passam a povoar cada
Cesare Battisti seria apenas mais um
vez mais os noticiários e mais que
se não fosse pelo fato do Brasil ter
apenas matérias de especulação
concedido a ele o benefício de
jornalística
refugiado político, previsto no artigo
influenciar cada vez mais outros
33 da Lei 9.474/97.
ramos do Direito interno e das
passam
relações
O pedido de extradição foi
também
a
internacionais
impetrado pelo governo italiano no
(diplomáticas). Com o Brasil não
mês de maio de 2007, quando
poderia ser diferente vez que suas
Battisti foi preso no Brasil, com o
relações
status de refugiado político, que já foi
tiveram um bom histórico e que cada
alvo de muita controvérsia.
vez
mais
brasileira
O italiano foi condenado pela
diplomáticas
se
nota
em
a
sempre
inserção
organizações
justiça italiana à prisão perpétua por
internacionais e blocos econômicos
participação em quatro homicídios
diversos (inclusive com a Itália).
entre 1.977 e 1.979, quando fazia
Com o passar do tempo
parte do grupo Proletários Armados
alguns casos foram chamando a
pelo Comunismo. Battisti nega todas
atenção da mídia a respeito da
as acusações contra ele.
situação de estrangeiros no Brasil e
O pedido de extradição por
das formas como os mesmos foram
parte do Brasil obsta o seguimento
julgados pelas autoridades pátrias.
de qualquer extradição, baseados
Recentemente o caso Cesare Battisti
em fatos e problemas que embasa a
revelou uma dificuldade do Brasil em
permissão do refúgio.
se situar diante de decisões que não somente envolvem hoje as questões
Com a crescente interação Sociedade
de diplomacia e soberania, mas
Internacional é de se esperar que
também que podem gerar futuros
cada vez haja um fluxo de pessoas
descontentamentos junto a Estados
entre as diferentes fronteiras e que
que
dos
Estados
na
173
possuem
fortes
relações
comerciais com o país como é o
Estado [...]. Já os crimes políticos
caso da Itália.
lesam ou põe em perigo a própria
Fatos demonstraram,
recentes inclusive,
que
segurança interna ou externa do
a
Estado. (MIRABETE, 1998. p. 132).
dificuldade em tomar uma decisão
Destarte, a dificuldade em
no presente caso reside e muito, na
distinguir os crimes políticos dos
definição de conceitos modernos de
crimes comuns é usual, visto que é
crimes políticos e do enquadramento
complexa
a
de
elemento
subjetivo
atividades
governamental
de como
oposição crimes
determinação do
do fato
de
antijurídico (o dolo). Não sendo
opinião, crimes políticos ou em
árdua a determinação do dolo para o
certos casos como crimes comuns.
operador do direito (se o “animus”
Mediante tal entrave político e
era de conduta comum, ou se
jurídico o estudo desse caso de
envolvia
Direito Internacional Privado se torna
certamente não seria difícil separar o
importante para um questionamento
crime político do crime comum. De
sobre elementos e definições deste
modo que não havendo a intenção
ramo do direito, vez que o mesmo
de
sofre alterações de acordo com a
nacional ou a estrutura política, o
cultura e a história a que se submete.
crime não possui conotação política,
atentar
sendo 1. Do crime político
conotação
contra
conceituado
a
política),
soberania
como
crime
comum. Portanto, o conceito de crime
É visível a dificuldade das autoridades
brasileiras
político mais amplo trata-se daquele
em
que quando não empregada a
solucionar o “Caso Battisti”, pois,
prática do terrorismo, lesa ou coloca
além da imaturidade jurídica e
em risco soberania do Estado; sua
política quanto aos institutos de
integridade
Direito aplicáveis, é complexa a
política;
separação entre crimes políticos e
sobretudo o regime democrático;
comuns. Doutrinadores definem:
bem como a pessoa das autoridades
territorial;
Regime
de
estrutura Governo,
Os crimes comuns são os que
Estatais, principalmente os chefes
atingem bens jurídicos do indivíduo,
de Governo e de Estado. Apenas
da família, da sociedade e do próprio
incorrerá na prática do crime político 174
o indivíduo que teve o dolo de crime
O pedido de asilo é feito ao
político.
Departamento de Polícia Federal.
Uma última observação é a
Este o encaminha ao Ministério das
divisão entre crimes políticos puros
Relações Exteriores para que se
ou
manifeste
próprios
e
crimes
políticos
quanto
pleito.
relativos ou impróprios. Aqueles têm
Posteriormente
por objetivo jurídico apenas a ordem
encaminhado para ao Ministro da
política, sem que sejam abrangidos
Justiça para a decisão.
bens
ou
interesses
o
ao
pedido
é
jurídicos
individuais ou outros do Estado,
3. Do refúgio
enquanto estes expõem a perigo ou lesam
também
bens
O refúgio protege o indivíduo
jurídicos
que encontrar-se fora de seu país de
individuais ou outros diversos da
nacionalidade, e não possa ou não
segurança do Estado.
queira submeter-se a proteção de tal país, se sinta perseguido por motivos
2. Do asilo
de religião, nacionalidade, etnia ou O
Asilo
proteção
de
estrangeiro
Político qualquer
que
se
visa
ideologia política. Pode ainda ser
à
concedido quando o indivíduo não
indivíduo
tenha nacionalidade, e estando fora
encontre
do país onde residia habitualmente,
perseguido em seu território pela
não queira a ele regressar motivado
prática de crimes ou convicções
pelas
político-ideológicas. Esta proteção
devido a grave e generalizada
país que conceder o asilo (territorial),
violação de direitos humanos, o
quanto na embaixada de destino
indivíduo se compele a deixar o seu
(diplomático). Este instituto não se a
internacional,
nenhum
país de nacionalidade para buscar
organismo
constituindo
perseguições
anteriormente descritas; ou ainda
pode ocorrer tanto no território do
sujeita
mesmas
refúgio em outro país.
um
exercício da Soberania do país que
4. Da extradição
o conceder. Além disso, é uma medida permanente, em que inexiste
Hildebrando Accioly define a
cláusulas de cessação, perda ou
extradição como: “é o ato pelo qual
exclusão.
um Estado entrega um indivíduo, 175
acusado
de
um
delito
ou
já
extradição. Ressalta-se que essas
condenado como criminoso, à justiça
formas de excluir uma pessoa do
do outro, que o reclama, e que é
País, não podendo se confundir com
competente para julgá-lo e puni-lo”.
o impedimento de uma entrar no
(MORAES, 2008, p92). O Supremo
mesmo (salvo os casos em que a
Tribunal Federal (STF) entende o
pessoa
pedido de extradição perante o Brasil
passaporte).
como:
não
possui
visto
no
A deportação ocorre quando Constitui - quando instaurada
uma pessoa entra clandestinamente
a fase judicial de seu procedimento –
no território nacional, ou se sua
ação de índole especial, de caráter
entrada foi regular, mas tornou-se
constitutivo, que objetiva a formação
irregular, os agentes federais o
de título jurídico apto a legitimar o
“devolvem” a seu País, podendo
Poder Executivo da União a efetiva,
fazer isso sem qualquer ordem
com
judicial.
fundamento
em
tratado
internacional ou em compromisso de
Ao contrário da deportação, a
reciprocidade, a entrega de súdito
expulsão não pode ser feita por
reclamado. (MORAES, 2008, p. 92-
agentes federais, sendo isso um ato
93).
exclusivo
do
República,
após
Existem duas espécies de
Presidente um
da
processo
extradição: Ativa: quando o Brasil
administrativo. Caso sendo expulso
requer a outros Estados; e, Passiva:
o estrangeiro, este estará proibido de
quando outros Estados requerem ao
retornar ao País, salvo se sair um
Brasil.
novo Decreto, revogando o outro que expulsou.
5. Diferenças e semelhanças entre
A extradição é um pedido que
deportação, expulsão e extradição O
estrangeiro
pode
um Estado faz para que o outro o entregue
ser
para
que
ele
julgue
estrangeiro que lá deva responder
excluído do território nacional. Isso
por processo penal.
pode ocorrer mediante algumas formas previstas no Estatuto do
6. Países com os quais o Brasil
Estrangeiro, que é a Lei 6.815 de 19
mantém tratado de extradição
de agosto de 1980, são elas: a deportação,
a
expulsão
e
a 176
O Brasil possui tratado de
A Itália alega que Battisti foi
extradição com os seguintes países:
devidamente julgado e considerado
Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia,
culpado em todas as instâncias
Chile, Colômbia, Equador, Coréia do
possíveis. Mas, onde está o direito
Sul, Espanha, Estados Unidos, Itália,
de apresentar provas que refutem a
México, Paraguai, Peru, Portugal,
acusação? Haja vista, foi asilado
Reino Unido, Suíça, Uruguai e
político
Venezuela.
vigência da Doutrina Mitterrand, a
Tramitam ainda no Congresso
qual
na
França,
durante
considerava
a
refugiados
Nacional com os seguintes países:
italianos com raízes familiares e
Canadá, França, Rússia, Líbano e
culturais como merecedores de asilo
membros do MERCOSUL.
político na França. Porém, por meio da pressão de um governo de direita dirigido
por
Jacques
Chirac,
a
doutrina foi revista e Battisti que já
Considerações Finais
tinha sido julgado e recebido asilo, fora novamente para o banco dos
Cesare Battisti foi condenado quatro
réus, o que viola dois princípios
homicídios cometidos entre 1977 e
básicos de direito: mudança nas leis
1979, mas será que ele não cometeu
não deve ser jamais usada para
os crimes por ser uma ativista?
culpabilizar
Militando
apenas para beneficiar o réu mesmo
à
prisão
perpétua
no
grupo
por
autonomista
alguém
a
posteriori,
pelo
com trânsito em julgado e ninguém
Comunismo” nos anos 70? Tal grupo
poderá ser julgado duas vezes pelo
tinha por escopo uma tática de
mesmo crime. Logo, ele foi julgado
ataque (luta armada), por isso,
duas vezes pela mesma questão, em
Cesare
outras
um ato que viola completamente as
maneiras de atuação e fugiu do país.
bases da jurisprudência brasileira e
Desde esta decisão, foi perseguido
do Estado de Direito.
“Proletários
Armados
decidiu
buscar
Sob estas hipóteses o caso
politicamente, viveu em diversos sendo
Battisti não pode ser considerado
condenado por revelia por crimes
legítimo, vez que a criação da
que nega ter cometido.
instituição do asilo político tinha por
países
clandestinamente
escopo 177
poupar
pessoas
de
julgamento ilegítimo. A Itália baseou
Battisti não assumir ter cometido os
a acusação no depoimento de Pietro
crimes.
Mutti, o qual teria participado dos
esquecer que ninguém é obrigado a
assassinatos
produzir provas contra si mesmo.
com
o
acusado.
Todavia
podemos
Porém, nenhum aplicador do Direito
Levando
percebeu que ele citou que Battisti
Ditadura Militar Brasileira, Battisti já
participava de um programa de
era contrário ao governo e, se
delação
num
aparecessem provas verídicas e
período que este já não estava mais
confissão do mesmo em relação aos
no país. A alegação feita pelo
delitos, é certo que haveria uma
advogado de defesa é condizente,
“justiça com as próprias mãos”
pois se refere que Mutti incriminou o
dentro da prisão, afinal, ele sempre
ex-parceiro como forma de garantir a
quis demonstrar o desafeto existente
própria liberdade.
contra o governo.
premiada
italiana
em
não
consideração
a
Outra prova crucial é uma
Digamos que, se ele cometeu
série de cartas que ele teria escrito
tais crimes pode-se pensar que foi
ao advogado, durante a década de
por perseguição política sim, e para
80, oferecendo dados e instruindo a
não ser autuado praticando atos
sua defesa. Bem, se isso realmente
contrários ao governo a fim de
fosse verdade, Battisti teria sido
denunciar
informado
sendo
consequentemente morto dentro do
procurado pela justiça italiana e tinha
presídio, foi necessário matar e
se defendido, o que garantiria a
depois refugiar. Uma reportagem
legalidade do instituto da revelia.
recente mostrou que a ditadura
Acontece
militar no Brasil deixou um saldo de
que
estava
que
laudos
periciais
as
comprovaram que as cartas foram
mais
forjadas.
desaparecidas
Mesmo
que
de
3000 e
e
pessoas
milhares
de
seja
sequelados pelas torturas, assim, a
culpado, seria necessário um novo
ditadura teve vida longa, perdurou
julgamento respeitando o devido
por tempo necessário a fim de deixar
processo
provas
a nação debilitada e imponente para
e
não
transformações. As sequelas estão
forjadas. Porém, muitos críticos do
vivas até hoje, ainda que em menor
caso podem interrogar o porquê de
intensidade
legal,
condizentes a
Battisti
arbitrariedades
com
realidade
178
e
jamais
serão
esquecidas. Relembrar o passado e
conclui-se que esta é a perda do
conhecer a história é o motor de
direito de punir do Estado pelo
combustão para mudanças! Logo, os
decurso do tempo. (arts. 109 e 110
“donos do poder” da época não
do CP).
foram incriminados até hoje e o
Assim sendo, a Itália está
mesmo aconteceria se fosse Battisti
querendo punir Battisti por questões
um desaparecido por ocasião de
prescritas pedindo para o Brasil
pertencer à oposição.
extraditar, ainda que o governo
A questão da prescrição é
brasileiro
não
possa
extraditar
relevante, visto que a prática de um
ninguém por crime político. Acontece
fato definido na lei como crime traz
que o Brasil não possui pena de
consigo a punibilidade que lhe é
prisão perpétua, e um elemento
cominada em abstrato na norma
recorrente em acordos de extradição
penal. Em poucas palavras, quando
é a cláusula de que ela não deve
o sujeito comete um delito de um
ocorrer se a punição que aguarda o
lado aparece o Estado com o jus
condenado não existir no país em
puniendi, de outro, o acusado, com a
que ele busca asilo. Apesar de tudo,
obrigação de não obstaculizar o
a Itália não extradita criminosos caso
direito da sociedade representada
eles tenham sido condenados à
pelo Estado de impor a sanção
morte no país de origem. Portanto,
penal. A prescrição é a causa
extraditar Battisti significa entregá-lo
impeditiva da persecutio criminis ou
para uma punição vetada pela nossa
torna inexistente a condenação,
Constituição.
179
Referências ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2005. ADM – ADVOCACIA DIAS MARQUES. Extradição – o que é extradição? Comenta o Instituto da Extradição. Disponível em: <http://www.diasmarques.adv.br/brasil/o_que_e_extradicao.htm> Acesso em 22/10/2009 às 11:14h. ARTIGONAL – DIRETÓRIOS DE ARTIGOS GRATUITOS. Contradições em matéria de Asilo Político: Battisti, Ocalan, e Atletas Cubanos. AZEVEDO, Pedro Henrique Magalhães. Disponível em: <http://www.artigonal.com/direitoartigos/contradicoes-em-materia-de-asilo-politico-battisti-ocalan-e-atletascubanos-742344.html> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. BBC, Brasil. Cesare Battisti: entenda. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/09/090908_battisti_entenda> Acesso em 10/09/2009 às 08:39h. BOLETIM JURÍDICO. Deportação, expulsão e extradição: diferenças e semelhanças. Comenta os Institutos da Deportação, expulsão e extradição, bem como suas diferenças e semelhanças. PEREIRA, Francisco José de Andrade. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1217> Acesso em 22/10/2009 às 11:05h. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. BRASIL. Lei n° 6.815, de 19 de Agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6815.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. BRASIL. Lei n° 9.474, de 22 de Julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências.Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9474.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11.00hs. CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. DHNET - REDE DE DIREITOS HUMANOS E CULTURA. Declaração universal dos direitos humanos. Publica a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. 180
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2005. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. ESTADÃO DE HOJE, Nacional. Extradição de ativista italiano racha supremo. RECONDO, Felipe. GALLUCCI, Mariângela. Comenta que no julgamento de Cesare Battisti o STF ficou dividido na decisão. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090910/not_imp432348,0.php> Acesso em 10/09/2009 às 10:00h. FOLHA ON LINE. Após 11h, STF suspende julgamento de Battisti com pedido de vista de Marco Aurélio. FALCÃO, Márcio. Comenta o resultado do julgamento da extradição de Cesare Battisti. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u621726.shtml> Acesso em 10/09/2009 às 13:00h. INFOESCOLA. Asilo político e refúgio. Faz comentários sobre os Institutos de Asilo Político e Refúgio. Disponível em: <http://www.infoescola.com/sociedade/asilo-politico-e-refugio/> Acesso em 26/10/2009 às 11.00h. LFG. Qual a diferença entre refúgio e asilo político? RACHEL, Andréia Russar. Comenta os Institutos de Refúgio e de Asilo Político. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080902115234325> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração universal dos direitos humanos. Publica a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Permanência – concessão de asilo político. Comenta o procedimento para a concessão do Asilo Político. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJA1BC41DEITEMID9B1BA6569AF5461A8 C646C84AFF8D6C2PTBRNN.htm> Acesso em 26/10/2009 às 11:00h. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1998. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. STRENGER, Irineu. Direito processual internacional. São Paulo: LTR, 2003. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. SOLON, Ari Marcelo. Teoria da soberania como problema da norma. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. 224p. 181
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Princípios de direito internacional. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. 268p. _______. Tratado de direito internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. 440p. VELASCO, Manuel Diez de. Instituiciones de derecho internacional público. 12. ed. Madrid: Tecnos, 1999. 920p. UOL NOTÍCIAS, Política. Supremo julga a extradição de Cesare Battisti nesta quarta. D’AGOSTINHO, Roseane. Comenta o julgamento da extradição de Cesare Battisti ocorrido no dia 09/09/2009. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/politica/2009/09/09/ult5773u2390.jhtm> Acesso em 09/09/2009 às 09:00hs.
182
O CRIME DE PECULATO-DESVIO AO DEPOSITÁRIO INFIEL BERTOLO, Rubens Geraldi – Me. Sc. em Direito Constitucional. Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga e do Curso de Direito da Unicastelo – Universidade Camilo Castelo Branco, Campus Fernandópolis, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.
RESUMO A pesquisa demonstra que não mais se aplica a prisão civil ao depositário infiel, apesar de ter previsão na Constituição Federal de 1988, mais especificadamente em seu art. 5º, LXVII; porém, foi derrogada pelo fato de o Brasil ter aderido ao ato internacional denominado Pacto de San José Costa Rica, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado por meio do Decreto Presidencial n. 678, de 06 de novembro de 1992, que admite tão somente a prisão civil no caso de inadimplemento de obrigação alimentar, fato comprovado pela Súmula vinculante nº 25, do Supremo Tribunal Federal. Como o depositário exerce uma função pública, é considerado como funcionário público em sentido amplo, conforme estabelece o art. 327 do código penal brasileiro e, se dolosamente, desviar os bens confiados a sua pessoa, deverá ser responsabilizado criminalmente como incurso no art. 312, caput, segunda parte, do mesmo estatuto repressivo.
Palavras-chave: Depositário infiel. Prisão civil. Peculato. Funcionário público. 183
voluntário
Introdução
obrigação
e
inescusável
alimentícia
e
de
a
do
A Constituição da República
depositário infiel. Logo, constata-se
Federativa do Brasil estabelece em
que a nossa Lei Maior prevê a prisão
seu art. 5º, inciso II, que ninguém
civil do depositário infiel.
pode ser obrigado a fazer ou deixar
Apesar de a nossa Lei Maior
de fazer senão em virtude de lei;
prever a possibilidade de prisão civil
porém, esta deverá ser produzida de
ao depositário infiel, o art. 7º, n. 7, da
acordo com o devido processo
Convenção Americana de Direitos
legislativo
Humanos
constitucional.
Deste
de
1969,
também
dispositivo extrai o princípio da
conhecida como Pacto de San José
legalidade.
de Costa Rica, com carta de adesão
De acordo com Bullos (2007,
ao ato internacional depositada em
p. 422) o princípio da legalidade
25 de setembro de 1992, aprovado
também foi previsto no art. 4º da
pelo
Declaração dos Direitos do Homem
promulgado por meio do Decreto
e do Cidadão, e seu nascimento
Presidencial
ocorreu com o Estado de Direito em
novembro
oposição ao Estado de Polícia,
somente a prisão civil no caso de
autoritário e antidemocrático. Tal
inadimplemento
princípio é dirigido aos Poderes
alimentar.
Congresso
n. de
Nacional
678, 1992,
de
de
6
prevê
e
de tão
obrigação
Diante da subscrição pelo
Públicos e aos particulares. A Constituição Federal prevê
Brasil do Pacto de San José de
em seu inciso LXVII, do art. 5º, da CF
Costa Rica, limitando a prisão civil
que “não haverá prisão civil por
por
dívida, salvo a do responsável pelo
inescusável
inadimplemento
alimentícia,
voluntário
e
dívida
ao
descumprimento de
em
prestação razão
de
inescusável de obrigação alimentícia
possuir status supra legal implicou a
e a do depositário infiel”. Percebe-se
derrogação da norma referente à
que o dispositivo trata da disciplina e
prisão do depositário infiel.
aplicabilidade da prisão civil. Então,
Evolução na interpretação da
como regra, não haverá prisão civil
prisão civil do depositário infiel junto
por dívida, exceto em dois casos, a
ao STF.
do responsável pelo inadimplemento 184
A nossa Corte Maior até bem
tenha sido proposta a ação de
pouco tempo reconhecia que na
depósito.
hipótese de depositário infiel era
Recentemente, o Supremo
constitucional a prisão decretada
Tribunal
pelo magistrado, pois em diversos
interpretação reconhecendo que a
julgamentos
de
corpus
prisão do depositário infiel, seja na
impetrados
foram
indeferidos,
hipótese de alienação fiduciária ou
conforme se observa nos HC 72131
judicial, é inconstitucional, conforme
/ Rio de Janeiro; HC 70625 / São
se observa no RE 466343 / São
Paulo; e, HC 92541 / Paraná.
Paulo e no HC 93403 – Minas Gerais
habeas
Federal
alterou
sua
Alexandre de Moraes (2009,
e HC 89634 / São Paulo. Já, no RE
p. 121) ao discorrer sobre a prisão
562051 RG / MT - MATO GROSSO,
civil do depositário infiel informa que
reconheceu a repercussão geral e
a Primeira Turma do STF, por
diante da proposta fora editada a
maioria (4x1), no RHC 90.759, tendo
Súmula
como
Ricardo
seguintes termos: “É ilícita a prisão
em
civil de depositário infiel, qualquer
15/5/2007, manteve a prisão civil
que seja a modalidade do depósito”.
Relator
Ministro
Lewandowski,
decretada
decisão
admitindo
Vinculante
nº
25,
nos
sua
constitucionalidade, por ser depósito
Finalidade da prisão civil
judicial necessário em que a guarda do bem penhorado objetiva garantir
Toda vez que existir um
o crédito do exequente, seja no caso
conflito de interesse e se a resolução
de adjudicação ou hasta pública,
não for feita pelas partes, cabe ao
afastaria a aplicação do citado Pacto
interessado buscar o direito junto ao
de San José da Costa Rica.
órgão do Judiciário. Cabe a este,
O Supremo Tribunal Federal
como representante do Estado e que
reconhecia a que prisão civil do
assumiu para si a força legítima,
depositário infiel era constitucional
compor as lides apresentadas.
que até editou a Súmula 619, admitindo
que
a
prisão
Não há dúvida que a prisão
do
civil é forma de obrigar o devedor a
depositário judicial fosse decretada
saldar a pensão alimentícia em
no próprio processo em que se
atraso ou apresentar o bem que
constitui o encargo, mesmo que não
estava em seu poder por obrigação 185
assumida entre o juízo da execução
norma estritamente legal definidora
e o depositário judicial dos bens
da custódia forçada do depositário
penhorados, ou como garantia de
infiel, mesmo que existente no Texto
uma dívida na aquisição de um bem
Constitucional.
com alienação fiduciária. A prisão civil decretada é uma forma de
O tipo penal
coação do Estado para que o depositário infiel efetue o pagamento
Por determinação do princípio
da dívida ou apresente o bem. Como
constitucional do nullm crimen sine
na maioria das vezes o bem é
lege, a sociedade, por meio de seus
alienado, não pode o depositário
representantes, quando quer proibir
apresentá-lo;
certa
logo,
caso
seja
conduta
considerada
decretada a prisão, em tese, o
prejudicial, estabelece a conduta e a
pagamento do débito é realizado.
respectiva
infiel,
pois
Enrico
Ferri
(2003, p. 107) diz que “A lei penal é
Não justifica a prisão civil do depositário
sanção.
como
a expressão social e jurídica da
preleciona Luiz Alberto David Araujo
justiça
e Vidal Serrano Nunes Júnior (2008,
conduta para cada indivíduo (Direito
p.1990) se o Código de Defesa do
Penal substantivo) e como regra de
Consumidor
proíbe
processo especialmente para os
vexatória,
que
a
cobrança
exponha
o
penal,
funcionários
como
norma
(Direito
de
Penal
consumidor ao ridículo, muito mais
processual). O Estado estabelece ao
ao depositário. Se ao fornecedor é
povo como a si próprio o dever de
proibida a cobrança vexatória, muito
agir em conformidade com a lei”.
menos deve existir o aprisionamento
O tipo penal nada mais é do
do devedor, em razão de dívida
que a descrição da conduta humana
oriunda de um financiamento.
adequada ao dispositivo penal, o
Como o Brasil ratificou a
qual estabelece em seu preceito
Convenção Americana de Direitos
secundário a sanção cabível. É o
Humanos e esta reconhece apenas
que
a possibilidade de prisão civil no
(2008, Vol. I, p. 155) que “Tipo, como
caso
de
a própria denominação diz, é o
obrigação alimentar, por ser uma
modelo, o padrão de conduta que o
norma supra legal, foi derrogada a
Estado, por meio de seu único
de
inadimplemento
186
preleciona
Rogério
Grecco
instrumento – a lei –, visa impedir
crime: cogitationis poenam Nemo
que seja praticada, ou determina que
patitur. Mas também não há ação,
seja levada a efeito por todos nós”.
não há injusto, não há crime sem
O fato típico é circunspeto
uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”.
pela conduta do agente ativo, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva;
O conceito de ação deve ser
pelo resultado e nexo de causalidade
analisado
sob
dois
momentos
entre aquele e este. Apesar de existir
diferentes, ou seja, no ato de
tais elementos, para que um fato
vontade e no resultado. Para que
seja crime, necessário se faz que se
haja crime necessário se faz uma
amolde a um arquétipo abstrato
mudança no mundo exterior, como
previsto em lei produzida de acordo
resultado, seja na forma comissiva
com o devido processo legislativo
ou omissiva, dolosa ou culposa.
constitucional. Com o amoldamento
A Administração Pública é
da conduta humana ao arquétipo
composta pelo Executivo, Legislativo
abstrato descrito na lei penal surge a
e Judiciário, órgãos esses que
tipicidade formal ou legal. Caso a
exercem funções típicas e atípicas,
conduta humana não se encaixa no
sempre em benefício do bem-estar
tipo,
da sociedade. Cabe ao Legislativo
o
fato
será
considerado
formalmente atípico. Para
editar normas genéricas e abstratas
configurar
um
ilícito
que obrigam a todos; bem como,
penal é necessária a reunião dos
exercer
elementos que integram o fato típico.
administrativa
A
de
contábil-financeira, esta com auxílio
conduta,
sinônimo
a
fiscalização e
a
político-
fiscalização
comportamento,
de
ação
do Tribunal de Contas. Além dessas
comportamental
humana,
seja
funções, o Legislativo para evitar a
omissivo ou comissivo, é um dos
dependência
elementos. Ensina Franz von Liszt
atípica, as funções Executiva e
(2003, Tomo I, p. 217) que “Ação é,
Jurisdicional. O Executivo, em sua
pois, o fato que repousa sobre a
função típica, aplica a lei ao caso
vontade humana, a mudança do
concreto, administrando a coisa
mundo exterior referível à vontade
pública.
do homem. Sem ato de vontade não
atipicamente a função Legislativa e a
há ação, não há injusto, não há
função Jurisdicional. A função típica 187
exerce,
Também
de
forma
exerce
do Judiciário é aplicar a lei ao caso
administração, prevê a lei no referido
concreto, substituindo a vontade das
título
partes, tornando-a definitiva com o
Administração em Geral. O objetivo
trânsito em julgado. Este órgão,
dos crimes inseridos no último título
como os demais, para evitar a
da parte especial do código penal
dependência exerce, atipicamente,
brasileiro
as outras duas funções, ou seja, a
normalidade funcional, probidade e
Executiva e Legislativa, desde que
decoro da Administração Pública,
prevista no Texto Maior.
hoje, muitas vezes, violadas.
os
crimes
é
o
contra
interesse
a
da
O Estado, visando assegurar
Hungria nos ensinava que o
a sua probidade, moralidade e
crime de peculato tem sua origem no
eficácia,
direito
criou
tipos
penais
romano,
peculatus
com ou
o
nome
praticados por funcionários públicos
de
depeculatus,
contra a administração em geral,
mesmo antes de ser introduzida a
dentre eles o peculato.
moeda, quando bois e carneiros constituíam a riqueza pública e visa
Peculato
garantir
a
probidade
da
Administração (1958, Vol. IX, p. O Estado estabelece normas penais
para
consideradas
as
condutas e
praticado pelas pessoas físicas que
sociedade quer reprimir para a
exercem uma atividade em nome do
convivência harmoniosa. O Estado
Estado e tem como pressuposto a
deve
com
anterior posse lícita, de dinheiro,
comportamentos mais gravosos à
valor ou qualquer outro bem móvel,
sociedade, de forma que só deve
público ou particular, exercida em
intervir por meio do direito penal se
nome do Poder Público.
preocupar
que
chamado de delito próprio, pois é
a
se
graves
333). É um crime funcional, também
os outros ramos do direito não
A doutrina distingue os crimes
o
em estudo em próprios – peculato-
comportamento ilícito. Julio Fabbrini
apropriação – dos impróprios –
Mirabete e Renato N. Fabbrini (2010,
peculato-furto. Aqueles têm como
Vol. III, p. 257), prelecionam que
característica a função pública e a
“Selecionando os fatos graves, que
posse do dinheiro, valor ou qualquer
mais ofendem aos interesses da
outro bem móvel. Estes – crimes
conseguem
prevenir
188
funcionais impróprios – são os que
§
1º
-
Equipara-se
a
se destacam por ser o agente
funcionário público quem exerce
funcionário público, mas não tem a
cargo,
posse do dinheiro, valor ou qualquer
entidade
bem
móvel,
ou função em
paraestatal,
e
quem
público
ou
trabalha para empresa prestadora de
vale-se
da
serviço contratada ou conveniada
facilidade que lhe proporciona a
para a execução de atividade típica
qualidade de funcionário. Se não
da Administração Pública.
particular,
seja
emprego
porém
possuir tal qualidade, o crime será
Rogério Greco (2008, Vol. IV, p. 359) preleciona que “Funcionário
outro.
público,
Bitencourt nos ensina que o
portanto,
para
efeitos
Estado descreveu como crime o fato
penais, não somente é aquele
de o funcionário público apropriar-se
ocupante
de bem móvel, público ou particular
poderíamos
de que tem a posse em razão do
funcionário
cargo e este “deve ser uma relação
estrito, mas também aquele que
objetiva, existente entre a posse e
exerce emprego ou função pública”.
o cargo, uma relação, diríamos,
Como regra, funcionários públicos
de causa e efeito, entre este e
são os servidores investidos em
aquela, e não apenas uma relação
cargos públicos da Administração
de confiança subjetiva.” (2007, Vol.
Direta e sujeitos às normas do
5, p. 10).
Estatuto
de
um
Cargo,
que
denominar público
da
em
entidade
de sentido
a
que
O legislador não costuma
pertencem. Trata-se de uma das
apresentar conceitos; porém, para
espécies de servidores púbicos,
não existir dúvida o código penal
como
brasileiro em seu art. 327, caput e §
agentes
1º, trouxe o conceito de funcionário
delegados. A função pública é uma
público, ou seja:
atribuição
que
a
confere
a
cada
categoria
ou
confia
Art.
327
-
Considera-se
os
agentes honoríficos
funcionário público, para os efeitos
profissional,
penais,
individualmente
quem,
transitoriamente remuneração,
embora ou
sem
exerce
cargo,
políticos,
a
e
os
agentes
Administração
determinados
servidores para a execução de serviços eventuais.
emprego ou função pública. 189
Mirabete, citando Nelson Hungria,
disponibilidade jurídica, isto é, a
(2010, Vol. III, p. 260) preleciona que
possibilidade de livre disposição que
“Não são funcionários públicos para
ao agente faculta (legalmente) o
os efeitos penais os que exercem
cargo que desempenha”.
apenas um múnus público, em que
O agente, em razão do cargo,
prevalece um interesse privado,
tem a posse de um bem pertencente
como ocorre no caso de tutores, ou
ao Estado ou ao particular ou apenas
curadores
está sob sua guarda ou vigilância,
dativos,
inventariantes
judiciais, síndicos (administradores
apropriando-se dele.
judiciais) falimentares, etc. A nosso
O
funcionário
público
em
sentir, se existir um interesse público
sentido amplo tendo a posse lícita de
àqueles que exercem um “cargo
dinheiro,
público”,
outro
será
considerado
funcionário público.
valor
bem
ou
móvel
qualquer público
ou
particular, toma-o para si, invertendo
O art. 312, caput, do código
a natureza da posse, passando a
penal brasileiro deve ser estudado
agir como se fosse dono do bem. O
sob dois aspectos, ou seja, peculato
legislador destacou dinheiro como
apropriação e peculato-desvio.
possibilidade material do crime em estudo pelo fato de abduzir “o
Peculato apropriação
entendimento da antiga doutrina, que não admitia peculato de coisa
O peculato-apropriação está
fungível,
limitando
a
incidência
previsto na primeira parte do art.
dessa infração penal às coisas
312,
penal
infungíveis” (BITENCOURT, Parte
brasileiro. Trata-se de apropriação
especial 5, p. 12). Asseverava que
indébita praticada em decorrência da
se
função pública exercida pelo sujeito
funcionário devia certa quantidade e
ativo. Mirabete (2010, Vol. III, p. 264)
não a espécie e sua obrigação era
nos ensina que se o agente se
devolver
dispõe a fazer sua a coisa de que
responder
tem a posse, esta no sentido amplo,
considerados como peculato próprio.
caput,
do
código
“compreendendo não só o poder material de disposição sobre a cosia, como
também
a
chamada, 190
a
coisa
o
fosse
“valor”,
por
fungível,
mas
peculato,
o
não
ambos
Peculato-desvio
Crime de peculato praticado pelo depositário infiel
O previsto
peculato-desvio na
segunda
está parte
Vimos que o depositário infiel
do caput do art. 312, do código penal
não pode ser preso no âmbito civil;
brasileiro.
porém, em tese, há possibilidade de
Neste
o
funcionário
público dá ao bem móvel, ou
responder
ao semovente, destinação diversa
criminal. O código penal brasileiro
da exigida, em proveito próprio ou de
prevê, em seu art. 312, caput, o
terceiro. Neste, o funcionário não
crime
tem o propósito de apropriar-se, mas
“Apropriar-se o funcionário público
tão
em
de dinheiro, valor ou qualquer outro
proveito próprio ou de terceiro. O
bem móvel, público ou particular, de
desvio nada mais é do que o uso
que tem a posse em razão do cargo,
irregular
ou desviá-lo, em proveito próprio ou
somente
da
de
desviá-lo
coisa
pública
ou
pelo
de
ato
no
peculato,
in
Citado
âmbito
verbis:
particular que tem a posse em razão
alheio.”
dispositivo
do cargo.
estabelece a pena de reclusão, de
Desviar é alterar o norte,
dois a doze anos, e multa. Em seu
tomar outro rumo. O agente em vez
art. 327, caput, encontramos o
de dar o destino certo do bem que
conceito
tem a posse, dá outro, no seu
funcionário
interesse ou de outrem. O sujeito
“considera-se funcionário público,
ativo não tem a intenção de inverter
para efeitos penais, quem, embora
a posse da coisa, mas tão somente
transitoriamente
desviá-la. Não age como se fosse
remuneração,
dono. Seu comportamento é desviar,
emprego ou função pública”.
em
sentido público,
amplo ou
de seja,
ou
sem
exerce
cargo,
seja dinheiro, valor ou qualquer outro
O depositário infiel não pode
bem móvel, mas em proveito próprio
ser responsabilizado com o corpo
ou de terceiro. Dinheiro é moeda
pela dívida, ou seja, com a prisão
corrente, coisa fungível.
civil, já que o Supremo Tribunal Federal entendeu ser ela incabível, tendo em vista o Pacto de Costa Rica de San José, firmado pelo Brasil, pois somente admite prisão 191
civil no caso de inadimplemento
depositado em seu poder pratica a
alimentar. Sendo assim, poderá o
conduta gizada no art. 312, caput,
depositário infiel, que é considerado
segunda parte, do código penal
como
brasileiro.
funcionário
público
por
equiparação, responder pelo crime
Nelson Hungria discorrendo
de peculato, na medida em que
sobre funcionário público possui o
desvia os bens confiados à sua
mesmo
guarda e conservação, mediante
vejamos:
depósito legal.
Considera-se funcionário público,
Nelson Hungria (1958, Vol IX,
entendimento,
senão
para os efeitos penais, que, embora
p. 333) prelecionava que “Atacando
‘transitoriamente
o patrimônio privado que lhe foi
remuneração,
confiado em razão do cargo (como
emprego ou função pública’. Sobre o
no caso de depositário público infiel
que seja funcionário público, na
ou do manipulador ou estafeta postal
órbita do direito administrativo, duas
que se apropria de algum registro
principais teorias são formuladas:
com
uma
valor),
o
funcionário
viola
restritiva,
ou
sem
exerce
cargo,
outra
ampliativa.
igualmente os seus deveres para
Segundo a primeira, só é funcionário
com a administração e, além de
público
prejudicar
representação
a
confiança
que
os
aquele da
que,
na
soberania
do
particulares depositam nela, sujeita-
Estado, exerce um poder de império
a
dano.”
ou dispõe de autoridade, ou a quem
Acreditamos que hoje não mais
é confiado, ainda que em proporção
existe a figura do depositário público.
mínima,
Por ausência de tal encargo, o
discricionário,
depósito normalmente é feito em
faculdade de exame nos casos
nome do requerido, que conserva o
concretos, para a execução de uma
bem até efetivo pagamento do débito
lei ou regulamento. Não teriam,
ou sua remoção ou entrega ao
portanto, a dita qualidade aqueles a
arrematante.
quem
à
indenização
nomeado
pelo
Aquele
como
for
é
certo uma
incumbida
poder
determinada
uma
tarefa
depositário
inteiramente material, resultante de
exerce uma “função pública” no
atos preestabelecidos e invariáveis,
sentido
sem nenhuma liberdade de direção
lato;
dolosamente,
fiel
que
um
logo, o
bem
desviando, que
foi
ou de ação. Segundo a outra teoria, 192
porém, é funcionário público quem
ser expresso o art. 438 do Cód. de
quer que exerça, profissionalmente,
Processo
uma função pública, seja esta de
nomeado pelo juiz, etc.). Considera-
império
ou
se funcionário público, segundo o
simplesmente técnica. O conceito
texto legal, não só o indivíduo
de funcionário público deve ser,
investido, mediante nomeação e
assim, ligado à noção ampla de
posse, em cargo público (devendo
‘função pública’. Este, o critério
entender-se por tal, ‘ut’ art. 2º do
prevalente ou moderno. Consoante a
Estatuto dos Funcionários Públicos
lição de Gavazzi, o conceito de
Civis, aquele que é criado por lei,
funcionário público já não deriva do
com
de autoridade, mas do de função
número certo e pagão pelos cofres
pública, e por função pública se deve
públicos) ou que serve em emprego
entender
do
público (eventual posto de serviço
Estado que vise diretamente à
público, fora dos quadros regulares e
satisfação de uma necessidade ou
para o qual não há necessidade,
conveniência pública. Adotando a
sequer, de título de nomeação),
noção extensiva, o nosso Código,
como também qualquer pessoa que
ainda lhe deu maior elastério, não
exerça função pública, seja esta qual
exigindo, para caracterização de
for” – grifo nosso. (1958, Vol. IX, p.
funcionário público, nem mesmo o
397 e 398).
ou
de
qualquer
gestão,
atividade
Penal;
denominação
o
depositário
própria,
em
exercício profissional ou permanent e da função pública. Pode dizer-se, como corolário do art. 327, que não propriamente
a
qualidade
Conclusão
de
funcionário que caracteriza o crime
O Constituinte Originário ao
funcional, mas o fato de que é
estabelecer a atual Constituição
praticado por quem se acha no
brasileira proibiu a prisão civil por
exercício de função pública, seja
dívida, admitindo tão somente no
esta permanente ou temporária,
caso
remunerada ou gratuita, exercida
obrigação alimentar voluntária e
profissionalmente ou não, efetiva ou
inescusável e a do depositário infiel.
interinamente, ou ‘per accidens” (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de 193
de
inadimplemento
de
O Brasil aquiesceu ao Pacto
composto pela conduta do agente
de San José de Costa Rica e o
ativo, dolosa ou culposa, comissiva
Congresso
a
ou omissiva; pelo resultado e nexo
Convenção Americana de Direitos
de causalidade entre aquele e este.
Humanos
também
Apesar de existir tais elementos,
conhecida como Pacto de San José
para que um fato seja crime,
de Costa Rica, com carta de adesão
necessário se faz que se amolde a
ao ato internacional depositada em
um protótipo abstrato previsto em lei
25
1992,
produzida de acordo com o devido
promulgado por meio do Decreto
processo legislativo constitucional.
Presidencial
de
Com o amoldamento da conduta
novembro de 1992, que no art. 7º, n.
humana ao modelo abstrato descrito
7, prevê tão somente a prisão civil no
na lei penal surge a tipicidade legal.
caso
Se a conduta humana não se
Nacional
de
de
aprovou
1969,
setembro
de
obrigação
n.
678,
de
inadimplemento alimentar.
instrumento
de
normativo,
6
de
Com
este
o
Brasil
encaixar
no
tipo,
o
fato
será
considerado atípico.
proscreveu de seu ordenamento
No art. 312, caput, primeira
jurídico a exceção da prisão civil do
parte, do código penal brasileiro está
depositário infiel.
prevista
A prisão civil do depositário
a
conduta
denominada
criminosa
peculato-apropriação,
infiel era forma de o Estado coagi-lo
enquanto que o peculato desvio está
a entregar o bem que se encontrava
gizado na parte final – crime próprio
em seu poder por determinação
–; já em seu § 1°, temos o peculato-
judicial ou acordo de vontade, ou
furto – crime impróprio. Aquele tem
então a efetuar o pagamento da
como característica a função pública
dívida.
e a posse do dinheiro, valor ou A sociedade, por meio de
qualquer outro bem móvel. Este –
seus representantes, fulcrada no
crimes funcionais impróprios – é o
princípio constitucional nullm crimen
que se destaca por ser o agente
sine lege, quando quer proibir certa
funcionário público, mas não tem a
conduta
posse do dinheiro, valor ou qualquer
considerada
prejudicial,
criminaliza a conduta e estabelece a
bem
respectiva sanção, temos aí o fato
particular,
típico e antijurídico. Fato típico é
facilidade que lhe proporciona a 194
móvel,
seja
porém
público
ou
vale-se
da
qualidade de funcionário. Se não
agente em vez de dar o destino certo
possuir tal qualidade, o crime será
do bem que tem a posse, dá outro,
outro.
no seu interesse ou de outrem. Ele Vimos
de
não age como se fosse dono, não
peculato subdivide em peculato-
tem a intenção de inverter a posse
apropriação
peculato-desvio.
da coisa, mas tão somente desviá-la.
Aquele o agente se dispõe a fazer
Sedo assim, o depositário
sua a coisa de que tem a posse de
infiel não poderá ser preso por
um bem pertencente ao Estado ou
dívida, já que o Supremo Tribunal
ao particular ou apenas está sob sua
Federal entendeu não ser possível a
guarda ou vigilância e dele se
prisão civil, pelo fato de o Brasil ter
apropria. Neste o funcionário público
aderido ao Pacto de Costa Rica de
dá ao bem móvel, ou ao semovente,
San José, que admite tão somente a
que se encontra em seu poder,
prisão
destinação diversa da exigida, seja
inadimplemento alimentar. Poderá o
em proveito próprio ou de terceiro.
depositário infiel, que é considerado
No
que
e
o
crime
peculato-desvio
o
como
civil
no
funcionário
caso
público
de
por
funcionário não tem o propósito de
equiparação, responder pelo crime
apropriar-se, mas tão somente de
de peculato, na medida em que
desviá-lo em proveito próprio ou de
desvia os bens confiados à sua
terceiro. O desvio é o uso irregular
guarda e conservação, mediante
da coisa pública ou particular que
depósito legal, desde que pratique a
tem a posse em razão do cargo. O
conduta de forma dolosa.
195
Referências ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12. ed. atualizada até a Emenda Constitucional n. 56, de 20-122007. São Paulo: Saraiva, 2008. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 5. FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal – o criminoso e o crime. Tradução Luiz de Lemos D’ Oliveira. 1 ed. Campinas: Russell, 2003. GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 4. ed. revista e atualizada até 1º de janeiro de 2008. Niterói: Impetus, 2008, vol. 4. _______. Curso de direito penal. 10 ed. revista e atualizada até 1º de janeiro de 2008. Niterói: Impetus, 2008, vol. 1. LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Tradução José Higino Duarte Pereira. Atualização e notas Ricardo Rodrigues Gama. 1. ed. Campinas: Russell, 2003, tomo 1. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. 24. ed. revista e atualizada até 5 de janeiro de 2010. São Paulo: Atlas, 2010, vol. 3. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24 ed. atualizada até a EC n. 57/08. São Paulo: Atlas, 2008.
196
O NOME CIVIL E AS POSSIBILIDADES DE SUA ALTERAÇÃO SILVA, Diego Rodrigues – Discente do 9º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. FILHO, Antônio Guerche – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A pesquisa visa apresentar aos seus receptores, curiosidades acerca do nome civil da pessoa natural, bem como as várias possibilidades de sua alteração, tendo em vista o desconhecimento das pessoas no que tange a isso, contribuindo de alguma forma para melhor adequação do nome ao seu portador. Para tanto, o trabalho se utiliza dos métodos de abdução juntamente com o estudo de caso, a fim de demonstrar os problemas vividos pelos portadores de nomes no mínimo, atípicos.
Palavras-chave: Conceito. Prenome. Patronímico. Possibilidades de Alteração 197
Conceito
Introdução Vigora
em
O nome civil serve como sinal
nosso
que identifica a pessoa na sociedade
ordenamento jurídico o princípio da
e indica sua procedência familiar. O
imutabilidade do nome civil, porém a
professor Limongi França (1980, p.
Lei de Registros Públicos permite, em
algumas
situações,
a
415) conceitua o nome como sendo
sua
“[...] aquele conferido à pessoa de
alteração, seja para adequá-lo ao
ser conhecida como aquela que é e
seu portador, seja para correção de
de não ser confundida com outrem”;
erros de grafia ou, ainda, em face de situações
especiais,
das
estabelecendo assim a chamada
quais
Identidade Pessoal.
trataremos adiante. O problema é que
pouquíssimas
Para
pessoas
a
vida
toda
com
se
brincadeiras
tornando e
alvo
Diniz
personalidade por ser o sinal exterior
o
pelo qual se designa, se individualiza
incômodo do nome tido como feio ou diferente,
Helena
(2006, p.196), “[...] o nome integra a
conhecem essas possibilidades e convivem
Maria
e se reconhece a pessoa no seio da
de
família e da sociedade: daí ser
preconceitos,
inalienável,
dificultando sua convivência com os
imprescritível
e
protegido juridicamente (artigos 16,
demais indivíduos.
17, 18 e 19, CC; artigo 185, CP)”
Isso se percebe ao proceder uma pesquisa do tipo empírica, ou
Natureza Jurídica
seja, analisando o que ocorre na vida cotidiana, principalmente dentro dos cartórios
de
registro
civil
Dúvidas se criam acerca da
das
natureza jurídica do nome. Várias
pessoas naturais, é que se consegue
correntes e teorias foram lançadas
visualizar esses acontecimentos e as
ao
poucas solicitações de alteração do
longo
dos
tempos
para
estabelecer sua natureza jurídica,
nome em virtude desconhecimento
mas a que vem prevalecendo até
daquela possibilidade acima.
então é a teoria do nome como direito da personalidade e que parece ser a mais correta, já que o nome é marca do indivíduo na 198
sociedade; como já dito, é o sinal
indivíduo como alternativa ao seu
que identifica a pessoa, nos levando
nome
a criar um elo de ligação entre o
especialmente para fins artísticos,
nome e os direitos da personalidade.
científicos, literários, etc. Este não
Além disso, a própria sistemática do
integra o nome civil da pessoa,
Código Civil Brasileiro corrobora
porém é protegido pelo Código Civil
para que essa seja a ideia mais
Brasileiro em seu artigo 19, que
sensata, já que o nome civil, bem
prevê que o pseudônimo desde que
como os artigos relativos à sua
adotado para atividade lícita goza da
proteção estão distribuídos dentro do
mesma proteção que tem o nome.
capítulo
Historicamente muitos autores e
dos
Direitos
da
legal
e
é
usaram
registrado
Personalidade. Sendo assim, não há
escritores
pseudônimos
que se falar em direito à propriedade,
porque sempre criticaram lideranças
já que o nome civil não goza de valor
políticas em tempo difíceis, como
econômico.
ditaduras militares. Era uma forma de publicar suas obras sem ser
Composição
preso,
torturado
ou
até
morto.
Atualmente podemos citar como Para que possamos estudar
exemplo o tão conhecido e famoso
melhor a composição do nome civil é
Silvio Santos, que adota este como
importante salientar a abrangência
pseudônimo e na realidade seu
desse direito. Nosso código civil
nome civil é Sênior Abravanel; ou
deixa claro que toda pessoa tem
ainda o famoso pintor Di Cavalcanti,
direito ao nome, nele compreendidos
que
o prenome e o sobrenome (art. 16),
Emiliano de Albuquerque Melo.
na
verdade
se
chamava
porém vale salientar que a lei também põe a salvo os direitos ao
Títulos qualificativos
pseudônimo e ao título, os quais serão todos analisados a seguir:
Os títulos qualificativos são aqueles
Pseudônimo
nomes
prefixos para
uma
adotados
aos
denominação
honorífica de determinadas pessoas O pseudônimo é um nome
que por algum motivo venha a
paralelo ou fictício usado por um
adquirir o direito de utilizar destes. 199
Historicamente
títulos
do nome de advogados. Diversos
importância,
estudiosos não só do universo
época
da
jurídico como também da língua
Monarquia em que os títulos valiam
portuguesa defendem que no mundo
mais do que o próprio nome.
acadêmico, só pode ser chamado de
Naquela
os
“doutor” quem cumpriu o doutorado
títulos nobiliários, que eram aqueles
e com defesa de tese, “data vênia”,
que
parece
ganharam
muita
principalmente
na
época
serviam
classes
os
existiam
para distinguir
sociais.
de
mais
correto
o
seis
posicionamento de Gilberto Scarton,
categorias, na seguinte ordem de
outro renomado professor da língua
importância:
Duque,
portuguesa, que esclarece que em
Marquês, Conde, Visconde e Barão,
estudos direcionados para diversas
sendo que todos esses títulos eram
áreas, conclui com fundamentos
transmissíveis
sucessão
legais históricos, que o “doutor” do
hereditária. Haviam ainda os títulos
advogado é legítimo, pois, surgiu,
chamados
fixou
Príncipe,
por
honoríficos
cavalheirescos), sendo
Era
as
mais
que uma
(ou
acabavam
e
se
mantêm
por longa
tradição, por especial e espontânea
homenagem
deferência
dos
cidadãos.
Além
pessoal, portanto intransmissíveis,
disso, o Alvará Régio, editado por D.
dando como exemplo o título de
Maria, a Pia, de Portugal, pelos quais
comendador.
os bacharéis em Direito passaram a
Ainda podem ser lembrados
ter o direito ao tratamento de “doutor”.
(ressaltando que até os dias atuais ainda são bastante utilizados) os títulos
eclesiásticos,
tais
como:
Nome
Bispo, Arcebispo, Cardeal, Dom, Irmão, Irmã, madre, etc. E ainda
Analisado o pseudônimo e o
outros títulos de identidade oficial:
título, partimos então para o nome,
Senador,
que como já dito anteriormente é o
Marechal,
Desembargador, Embaixador,
etc.;
e
sinal que identifica a pessoa e indica
também os títulos acadêmicos: tais
sua
como, professor, engenheiro, doutor.
Inicialmente,
Dúvidas
registro
se
criam
acerca
da
colocação do título de doutor à frente
procedência
do
para nome
familiar. validade
do
civil
faz
se
necessária a presença de alguns 200
elementos essenciais, tais como
patronímico será o do pai e na falta
o Prenome e o Patronímico.
do pai, o da mãe.
O prenome é o chamado
Em regra toda pessoa deve
nome próprio, ou seja, aquele que
ter um nome e um patronímico, mas
identifica a pessoa dentro da família,
há uma exceção; o chamado “infante
também conhecido como o nome de
exposto”, que são os recém nascidos
batismo. A composição do nome
abandonados. Nesse caso, a Lei
pode
de
6.015/77 em seu artigo 61, traz a
forma Simples ou Composta. A
possibilidade se registrar apenas
forma simples é quando o prenome
com
tem apenas um vocábulo, exemplo:
composto), já que não é possível
João. Já o prenome composto é
identificar o patronímico deste.
se
dar
quando este tem mais de um vocábulo,
exemplificando:
o
prenome
Existem
João
elementos
(simples
ainda, facultativos
ou
alguns ou
Carlos. Vale lembrar que a Lei de
secundários do nome, que são
Registros Públicos, em seu artigo 63,
aqueles dispensáveis no registro;
parágrafo único, prevê que irmãos
são eles: o Agnome, que é o sinal
não podem ter prenomes idênticos,
acrescentado no final do nome para
salvo
distinguir
em
prenome
duas
situações:
composto
um
no
membros
da
mesma
dos
família, exemplo: João da Silva Filho,
vocábulos pode ser idêntico, por
João Carlos da Silva Neto, João
exemplo: João Carlos da Silva é
Carlos da Silva Júnior, entre outros;
irmão de Pedro Carlos da Silva ou
a Partícula “de”, “da”, “do”, “dos”. Ex.:
ainda se o nome completo for
João da Silva, a partícula “da” é
diverso, veja-se: João da Silva é
facultativa; e o Cognome que é o
irmão de João da Silva Oliveira.
apelido que por sentença judicial
O patronímico é o chamado
passa a integrar o nome, previsto no
sobrenome, ou seja, que identifica a
artigo 58 da Lei de Registros
procedência familiar da pessoa. O
Públicos. Um exemplo clássico que
patronímico
paterno,
temos de cognome é o do nosso
materno ou ambos. No silêncio, ou
presidente da república Lula. É de
seja, se os pais não indicarem o
saber de todos que seu nome é Luis
nome completo, o artigo 55 da Lei de
Inácio da Silva, passando a ser
Registros
chamado de Luis Inácio Lula da
pode
Públicos
ser
diz
que
o 201
Silva,
devido
a
uma
sentença
necessitando
judicial.
ainda
de
uma
homologação judicial. Nome Incapaz
Princípio da imutabilidade do nome
Posto
Ou
Sem
Por
Agente
Legitimação:
Imaginemos que a avó da criança De acordo com os artigos 57
compareça
ao
Registro
e 58 da Lei 6.015/77, vigora em
registrando-a.
nosso
legitimidade para tanto, sendo então
ordenamento
jurídico
o
princípio de que o nome civil da
A
avó
Civil,
não
tem
uma hipótese para alteração.
seja,
Nome Ridículo: O artigo 55 da
impossível de se alterar. Vigora tanto
lei de registros Públicos proíbe o
para o prenome quanto para o
registro de prenome ridículo, caso
patronímico, mas como toda regra
seja registrado é possível alterar. A
possui a sua exceção, esta tem
lei não traz exatamente o significado
várias.
do nome ridículo, ficando o fato a
pessoa
é
imutável,
Existem
ou
causas
que
autorizam a mudança do prenome e
subjetividade
do
devendo
patronímico
(causa
comum),
do
registrador,
analisar
todas
as
outras que autorizam a mudança do
circunstâncias e costumes do lugar.
prenome e ainda que autorizam a
Há
mudança do patronímico (causas
possibilidade de alteração de nome
específicas).
que
de
se
possa
ressaltar
vir
ainda
a
a
causar
As causas comuns, ou seja,
constrangimento ao seu portador;
que autorizam a mudança tanto do
esse constrangimento também é
prenome quanto do patronímico são:
muito subjetivo, já que algo que
Erro Gráfico. É possível alterar
possa parecer constrangedor para
nessa hipótese, necessitando de
uma pessoa pode ser considerada
decisão judicial ainda que o erro seja
normal à outra, devendo então a
grosseiro. Ex.: Osvardo, Nirso, etc
questão ser levada ao judiciário para
Erro no registro: é quando os
apreciação de um juiz. Vítima
pais declaram um nome e o oficial
e
testemunhas
motivo
criminais que estejam coagidas ou
entendeu outro. Nesse caso a lei
expostas a graves ameaças. A lei
também
9.807/99 permite que essas vítimas,
registrador
por
autoriza
algum
a
mudança,
testemunhas, 202
parentes
e
até
Tradução:
dependentes possam alterar seus
é
alteração
claro, mediante decisão judicial.
estrangeiro tem um correspondente
Cessada a ameaça nada impede
na língua portuguesa, Ex.: John
que a pessoa continue com o novo
corresponde a João, então nesse
nome ou retorne ao nome antigo
caso há a possibilidade de alteração,
na
adoção,
o
a
prenomes e patronímicos, tudo é
Adoção:
quando
possível
prenome
a
porém não é possível a tradução
mudança do patronímico se faz
inversa, assim como também não é
obrigatória, podendo ser mantido ou
possível a tradução de um nome
não o prenome.
estrangeiro que já se encontra
Vontade do titular no primeiro
consagrado no Brasil. Por exemplo,
ano em que ele atinge a maioridade
William significa Guilherme, mas
civil. Até os 19 anos, o interessado
quem se chama William não vai
poderá alterar o prenome e o
poder alterar seu nome pelo fato
patronímico, porém o prenome não
deste já estar consagrado no país.
poderá ser suprimido totalmente, o
Esta
tradução
deve
ser
que se pode fazer são algumas
solicitado para o Ministro da Justiça
transformações, como por exemplo
esse houver recurso a competência
passar de um nome simples para um
é da Justiça Federal (Lei 6815/80 –
nome
artigo 44)
composto.
O
patronímico
Irmãos
também não pode suprimir, mas
com
prenomes
pode acrescentar. Nesse caso pode-
idênticos: neste caso a alteração é
se
mudança
obrigatória, até o Ministério Público
administrativamente, só que quem
pode mover uma ação para se
decide é o juiz corregedor do cartório
alterar um prenome, devendo ser
de registro. Passado o prazo de 1
alterado o nome do que foi registrado
ano ainda é possível a alteração,
por último.
pedir
a
Apelido público e notório: esta
porém apenas em processo judicial e não administrativo.
possibilidade está prevista na Lei
Veremos agora as causas
6.015/77,
em
seu
artigo
58
específicas de mudança do nome
(introduzido pela lei 9.708/98). Esta
civil. Inicialmente as possibilidades
é a hipótese de substituir o prenome
de alteração do prenome:
por esse apelido, mas nada impede
203
que esta requeira a inclusão como
personalíssimo. Pelo Código Civil o
cognome.
cônjuge, entende que só é possível
Transexual:
em
caso
de
acrescentar ao nome o patronímico
cirurgia de mudança de sexo a lei
do outro, mas a jurisprudência vêm
também autoriza a mudança do
admitindo
nome por se tratar de uma questão
acontece muito na pratica
a
supressão,
o
que
de dignidade da pessoa humana.
União estável: esta matéria
Esta é uma questão que não é
esta no artigo 57 § 2º da Lei
pacifica,
justo
6.015/77. Nela está previsto que a
autorizar a mudança de nome do
companheira pode requerer ao juiz a
transexual, pois já que a lei autoriza
adoção do nome do companheiro,
a cirurgia, deve também autorizar a
porém a lei traz uma série de
mudança do nome.
requisitos para tanto, vejamos: é
porém
Segue possibilidades
parece
agora, de
alteração
as
necessário cinco anos de união
do
estável, salvo se houver filho em
patronímico: Casamento:
comum;
companheiro
deve
o
autorizar; nenhum dos dois sejam
casamento o cônjuge não é obrigado
casados; a ex esposa não esteja
a adotar o patronímico do outro,
usando o nome de casada e que
porém pode optar por adotar. Esta
haja impedimento para se casarem;
opção
na
portanto só é possível a alteração na
Habilitação de Casamento. O jurista
hipótese se separado judicialmente
Yussef Cahali defende a tese de que
com qualquer outro estado civil, já
só poderá fazer esta opção na
que o estado civil de separado
habilitação de casamento, entretanto
judicialmente não permite um novo
não há lei proibindo fazer essa
casamento.
mudança após o matrimônio, de
entende que todos esses requisitos
modo que mesmo após o casamento
estão revogados, já que a união
seria possível adotar o patronímico
estável esta reconhecida como uma
do outro. É certo que o cônjuge não
família pela constituição federal, logo
é obrigado a adotar o patronímico do
não se exigiria esses requisitos
outro, porém se adotar não poderá
todos; é um tema polêmico, já que
durante o casamento renunciar ao
em matéria de nome vigora princípio
normalmente
com
o
é
feita
nome, já que se trata de um direito 204
Silvio
Rodrigues
da legalidade, ou seja, só poderia
continua usando o nome se quiser.
registrar o que está na lei.
Caso ela seja declarada culpada, ela
Separação
judicial:
essa
poderá perder esse direito de usar o
possibilidade vai depender do tipo de
nome
separação. Sendo ela consensual o
expressamente essa perda. Se o
acordo é que vai dizer se vai
marido não requereu ela continua
continuar ou não a utilizar o nome do
usando o nome de casada, mesmo
companheiro, se o acordo for omisso
sendo culpada. Há certas hipóteses
continua a usar o nome já que a
em que ela é considerada culpada, o
renúncia
ser
marido requer a exclusão do nome e
expressa, não se aceitando renúncia
mesmo assim ela continua a usá-lo,
tácita. Se a separação se der por
quais são: quando houver prejuízo
falência, ou seja, quando o casal
para sua identificação; se houver
está separado de fato há mais de um
manifesto distinção entre o nome
ano, neste caso nada impede que a
dela e o nome de solteira ou quando
mulher continue usando o nome do
houver um dano grave reconhecido
marido, ainda que ela peça a
em decisão judicial.
separação
neste
ela
caso
pode
deve
se
o
marido
requerer
continuar
A mulher quando continua
usando, em suma, depende da sua
usando o nome de casada após a
vontade.
separação a qualquer momento
Separação remédio: quando
pode renunciar a esse nome (§1º,
um dos cônjuges está doente mental
artigo 1578 CC) e também pode ser
há mais de dois anos. Neste caso é
cancelado quando o nome é utilizado
possível pedir a separação. Também
para fins ilícitos ou imorais, caso em
pode continuar usando o nome se
que o marido poderá mover uma
quiser. Pela lei 6.015/77 nessa
ação pedindo o exclusão do nome de
hipótese perdia-se o direito de utiliza
casada.
o nome, porem pelo código civil ela
Divórcio: o divórcio direto,
passou a ter esse direito por força do
ocorrido quando não há separação
§ 1º do artigo 1578.
judicial, ou seja, o casal está
Separação sansão: aquele
separado de fato há mais de 2 anos,
tipo de separação litigiosa em que se
então pode requerer o divórcio
discute culpa. Neste caso se a
direto. A mulher pode renunciar ou
mulher foi declarada inocente ela
não ao direito de usar o nome de 205
casada. Artigo 1578 § 2º. Agora, o
Limongi
França,
defende
que
divórcio por conversão, quando o
quando a viúva casa novamente
casal está separado judicialmente há
perde o nome do falecido e esta é a
mais de um ano, se na separação
posição dominante.
judicial ela perdeu o nome, não há
Reconhecimento de filho: o
possibilidade de retomar mais, caso
filho quando é reconhecido pode
na separação judicial ela manteve o
adotar o patronímico do pai. Ação
nome, com o divórcio ela pode
negatória
manter ou então renunciar. Surge
paternidade:
então a questão: a divorciada que
procedente vai ter a mudança de
conservou o nome do ex marido,
nome daquele.
quando
casa
novamente,
Ação
pode
se
de
a
ação
de
anulação
for
de
continuar a usar aquele patronímico?
casamento: o cônjuge perde o direito
O jurista Yussef Cahali defende a
de usar o patronímico do outro, salvo
tese de que quando a divorciada
se o casamento foi putativo (artigo
casa novamente ela perde o direito
1561 CC)
de usar o nome do ex marido, pois
Mau procedimento da viúva,
segundo ele, como ela perde o
da separada ou da divorciada: pode
direito a Alimentos, com maior razão
perder o nome para usar para fins
ela tem que perder o direito de usar
ilícitos, imorais, desde que o marido
o nome, entretanto, não há lei
requeira em juízo.
prevendo essa sansão da perda do
Estas são todas as hipóteses
nome pelo fato de ter se casado
de
alteração
do
prenome
novamente, já que no direito, as
patronímico previstas em nosso
sansões devem emanar da lei
ordenamento
jurídico.
Com
e
o
Viuvez: é costume no Brasil a
advento do nosso Código Civil o
mulher continuar a usar o nome do
nome passou a ter uma proteção
falecido marido. Quando a mulher
maior no universo do direito e com
fica viúva ela pode renunciar ou
maior razão, visto que o nome é o
continuar com o nome de casada.
que de mais importante temos em
Caso ela queira renunciar ela faz um
nossas vidas e por isso deve ser
requerimento judicial para retornar
dotado de proteção jurídica para que
ao nome de solteira. O problema é a
possamos conservá-lo da forma que
viúva que convola novas núpcias.
melhor entenda cada indivíduo. 206
requerer a alteração, a qual será precedida de homologação do juiz
Considerações Finais
corregedor permanente. essas
O que falta, portanto, não é a
possibilidades, não há mais que se
lei, mas sim a divulgação dela para a
falar ou aceitar conviver com o
população a fim de adequar seu
constrangimento de alguns nomes. A
nome à sua realidade e desta forma
maioria
hipóteses,
não necessitar mais de se esconder
processualmente, é considerada de
atrás de um apelido e muito menos
jurisdição
ter vergonha de pronunciá-lo.
Visto
comparecer
todas
das
voluntária, ao
registro
bastando civil
e
207
Referências CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. FRANÇA, Limongi Rubens. Institutos de proteção à personalidade, v. 57, n. 391, p. 20-25. São Paulo: Revista dos Tribunais,1968. v. 57. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6. SCARTON, Gilberto. Todos nós somos doutores. Disponível em:http://www.pucrs.br/manualred/textos/texto8.php. Acesso em: 28.12.2009.
208
O QUE É PSICOLOGIA JURÍDICA? VILARINHO, Marivalda Permegiani – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
“O comportamento humano é, talvez, o objeto mais difícil dentre os que já foram alvo dos métodos da ciência...” Skinner (1992, p.50)
RESUMO A Psicologia Jurídica é uma área de especialidade da Psicologia que ainda está em construção e de extrema importância para os profissionais do Direito que lidam com o cotidiano jurídico. Compreender o comportamento humano sem desvinculá-lo das normas jurídicas estabelecidas por uma determinada sociedade é crucial para se ter uma visão mais humanística do Direito em suas diversas áreas de atuação. Visão esta, essencial na atualidade, na medida em que se oportunizem estudos com o intuito de demonstrar aos legisladores a necessidade de se elaborar leis que possibilitem regular as relações sociais e psicológicas do homem inserido num meio regido por normas jurídicas e que regulam o seu comportamento.
209
e
Introdução
fez
surgir
objeto
Psicologia humano,
é suas
se do
da
testemunho”, e que tinha como
comportamento
objetivo verificar através do estudo
de
o
que
“psicologia
denominou O
o
estudo
atitudes,
experimental
ações,
dos
processos
que
psicológicos, a veracidade do relato
demonstram papel fundamental na
do sujeito envolvido em um processo
compreensão deste comportamento,
jurídico.
observáveis
ou
não,
e
Atualmente
haja vista que as ações do homem é
a
Psicologia
que determinam a sua conduta num
Jurídica abarca outras indagações
determinado contexto sociocultural.
acerca do comportamento humano
A
compreensão
que são necessárias às exigências
do
comportamento humano permite às
do
ciências uma melhor aplicabilidade
perspectivas à mesma. Conforme
de seus fundamentos e regras para
conclusão de estudos anteriores
melhor adaptação do homem no
(Trindade, 2000), salienta na esteira
meio
sanando
de Muñoz Sabaté(1980), que a
possíveis problemas e buscando
Psicologia Jurídica é uma disciplina
alternativas
ainda por construir.
em
que
que
vive,
propiciem
ao
século
XXI,
dando
novas
Jorge Trindade (2009) diz que
mesmo uma melhor qualidade de a
vida.
Psicologia
totalidade,
Quando se fala em Psicologia
Jurídica,
não
é
na
sua
apenas
um
Jurídica, não se pode referir a todo e
instrumento a serviço do jurídico. Ela
qualquer tipo de comportamento
analisa as relações sociais, as quais
concernente ao seu estudo, mas sim
permanecem
aqueles oriundos de uma inter-
incidência normativa e constituem a
relação entre o Direito e a Psicologia,
grande maioria dos comportamentos
como
sociais.
nos
de
de
violência
separação
judicial,
É de suma importância que
guarda, adoção e abusos sexuais
estudos sejam realizados com o
infantis dentre outros.
intuito
doméstica,
casos
destituídas
de
demonstrar
aos
primeira
legisladores a necessidade de se
aproximação da Psicologia com o
elaborar leis que possibilitem regular
Historicamente,
a
Direito ocorreu no final do século XIX 210
essas relações sociais para uma
A importância da Psicologia Jurídica
convivência pacífica e social.
para os profissionais de Direito
A psicóloga jurídica Fátima França[1] acredita que a Psicologia
É inegável a importância da
Jurídica deve ir além do estudo do
Psicologia
comportamento humano. Devem ser
profissionais do Direito, seja sob a
seu
forma
objeto
de
estudo
as
Jurídica
de
para
os
assessoramento
consequências das ações jurídicas
legislativo,
sobre o indivíduo.
elaboração de leis mais adequadas
Mira Y Lopes (2000) definiu a Psicologia
Jurídica
psicologia
aplicada
“como ao
outras
na
à sociedade, seja na tarefa de
a
assessoramento
melhor
colaborando
exercício do Direito”, o que significa considerar
contribuindo
judicial,
na
organização
do
sistema de administração da justiça.
possibilidades,
Muitos
doutrinadores,
dentre as quais, se podem incluir por
legisladores, magistrados e outros
sua atualidade, estudos acerca da
estudiosos do Direito, da Psicologia
dinâmica psicossocial das decisões
e de outros ramos do conhecimento,
judiciais, da justiça terapêutica e a
compactuam a ideia de que o
restaurativa.
sistema
Neste diapasão, a definição
de
aperfeiçoado
justiça no
tem
decorrer
se dos
da Psicologia Jurídica permeia por
tempos. Entretanto, boa parte de
várias reflexões acerca do seu objeto
erros judiciais ainda advém do
de estudo, e por ser uma disciplina
desconhecimento
ainda em construção, merece um
psicológicos
estudo mais aprofundado de temas
compreensão
pertinentes ao homem, inserido no
humano.
sistema jurídico de uma determinada sociedade,
que
possibilite
de
assuntos
essenciais do
à
comportamento
Não se deve esquecer que
uma
todo
indivíduo
tem
uma
melhor compreensão do mesmo e
personalidade, isto é, uma maneira
das normas jurídicas estabelecidas.
de ser, agir e pensar e que o comportamento
do
sujeito
num
determinado momento depende da percepção que tem do fato em si, culminando com um comportamento 211
que
pode
jurídicas
infringir
as
estabelecidas
normas por
Conforme
uma
elenca
Jorge
Trindade (2009), a contribuição da
sociedade.
Psicologia Jurídica é essencial nas
Diante
dos
obstáculos
inúmeros
enfrentados
questões de família: separação,
pelo
divórcio, regulamentação de visitas,
indivíduo, este pode utilizar os
guarda e adoção; nas questões do
diversos mecanismos de defesa
direito penal: pelo crime e suas
para
ou
motivações; nos delitos sexuais, na
restabelecimento do equilíbrio de
pedofilia, no abuso sexual infantil; no
sua personalidade, evitando assim, a
Direito da Criança e do Adolescente;
desintegração
no Direito do Idoso; no Direito do
manutenção
do
seu
equilíbrio
emocional.
Consumidor; no Direito do Trabalho;
Instrumentalizar
os
no âmbito do Direito Civil; na
advogados, juízes, promotores de
avaliação de toxicodependentes etc.
justiça que lidam a todo instante com
Em cada área específica, a
pessoas em conflitos individuais ou
Psicologia
sociais
o
papel imprescindível na resolução
aprimoramento da justiça, pois tais
dos problemas sociais e psicológicos
profissionais são essenciais para o
do homem inserido num meio regido
restabelecimento da ordem social
por normas jurídicas que regulam
numa sociedade democrática de
seu comportamento.
é
necessário
para
direito.
Os
Jurídica
desempenha
problemas
emocionais
É de conhecimento público
inseridos nas questões de família,
muitos
judiciais
em casos de separação, divórcio,
advêm de problemas psicológicos,
guarda, adoção e regulamentação
emocionais,
de
relações
de visitas, necessitam de uma
interpessoais
mal
resolvidas,
atenção especial dos profissionais
cabendo aos profissionais do Direito
envolvidos. Não pode o juiz decidir
uma
as
que
problemas
compreensão
acerca
dos
questões
pertinentes
aos
fenômenos psicológicos envolvidos
problemas
na lide. Somente tendo uma visão
simplesmente pautado no princípio
mais humanística do Direito é que se
do seu livre convencimento e tendo
culminará na justiça tão almejada por
como base apenas a letra fria da lei.
todos.
Cabe 212
a
mencionados,
ele,
de
posse
dos
conhecimentos
da
Psicologia
instituído pela Lei 8.069, de 13 de
Jurídica, julgar o caso concreto com
julho de 1990.
base nos aspectos legais sim, mas
Nas questões pertinentes ao
sem se esquecer dos aspectos
direito do idoso e que merecem todo
afetivos e emocionais das pessoas
o nosso respeito, carinho e cuidados
envolvidas.
especiais. Quanto ao direito do
No direito penal, quando o
consumidor, nas questões relativas
indivíduo comete um crime motivado
aos serviços médicos prestados,
por
tal
tratamento de saúde mental, além de
julgada
respaldo na compra de bens que não
diversas
conduta
circunstâncias,
deve
legalmente,
ser
mas
entendimento
quiçá,
permeia
por
seu
atendem
uma
às
especificações
mencionadas ou defeituosas.
compreensão psicológica dos fatos
No
direito
do
trabalho
que o levou a ter este tipo de
enquanto sujeito de deveres e
conduta, infringindo as normas de
direitos,
conduta preestabelecidas.
enquanto
Nos
delitos
sexuais,
tão
condições
mas
desrespeitado
trabalhador, indignas de
com trabalho,
intensos nos dias atuais, onde
ambientes inadequados, insalubres,
crianças desprotegidas são aviltadas
sofrendo todo e qualquer tipo de
na
sua
dano moral e psicológico, minando
ingenuidade e são desprovidas de
assim, sua produtividade e equilíbrio
qualquer
emocional.
sua
intimidade,
tipo
dignidade.
de
na
respeito
Preceitos
e
estes
No âmbito do Direito Civil, o
na
conhecimento da Psicologia Jurídica
República
propicia uma melhor compreensão
Federativa do Brasil e que devem, a
acerca da capacidade das pessoas,
qualquer custo ser combatido.
da
fundamentais Constituição
estabelecidos da
A compreensão da Psicologia
interdição,
doença mental ou psicológica.
nas questões oriundas à proteção da e
da
principalmente quando se trata de
Jurídica também se faz necessária
Criança
doação,
Por último, mas não menos
do
Adolescente,
importante, a avaliação dos toxi-
no
modelo
de
dependentes, que são vítimas de
proteção proposta pelo Estatuto da
traficantes inescrupulosos e que
Criança e do Adolescente – ECA –
necessitam de ajuda para se libertar
estabelecidas
213
do vício que destrói toda a identidade
Considerações finais
do indivíduo e corrompe toda a estrutura
da
dinâmica
familiar
A
construída ao longo dos anos. Inegável,
portanto,
compreensão
comportamento a
variáveis
são
humano
do e
suas
fundamentais
aos
importância da Psicologia Jurídica
profissionais do Direito que queiram
nas diversas áreas do Direito para
atuar de forma mais justa e humana
melhor
do
no cotidiano jurídico, pois possibilita
humano,
aos mesmos um olhar atento e uma
comportamento este, regido por
escuta ativa em relação às aflições e
normas e regras sociais que regulam
conflitos que permeiam a vida do
este
homem. Negar-se a essa premissa é
compreensão
comportamento
mesmo
comportamento,
objetivando a paz social.
estar
fadado
ao
fracasso.
A
Psicologia Jurídica não pode apenas atender as demandas do jurídico, mas deve transcender as mesmas, o que necessariamente implica em uma visão mais humanística do Direito
na
atualidade
em
diversas áreas de atuação.
214
suas
Referências BOCK, Ana Maria Bahia; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999. FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Psicol. teor. prat. [on line]. Jun. 2004, vol. 6, nº 1, p. 73-80. Disponível em world wide web: http://pepsic.bvs-psi.org.br/psicologia-jurídica.html. Acesso em 05 de julho de 2010. MIRA, Y López Emílio. Manual de Psicologia Jurídica. São Paulo: Impactus 2009. TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. [1] Psicóloga Jurídica: Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica; Coordenadora do Curso de Psicologia Jurídica do Instituto Sedes Sapientiae.
215
POSSIBILIDADE DE O JUDICIÁRIO REAVALIAR MÉRITO DE ATO ADMINISTRATIVO MELLO, Letícia da Silveira Cavali Jovaneli de – Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. HERRERA, André Luís – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Educacional de Votuporanga.
RESUMO O presente trabalho pretende demonstrar que por ser um Estado Democrático de Direito, o Brasil tem suas funções divididas em três poderes, quais sejam Legislativo, Executivo e Judiciário. Porém através da pesquisa desenvolvida buscando a base da formação da tripartição dos poderes e a finalidade dos princípios que regem nossa Constituição Federal, podemos concluir que apesar de serem autônomos entre si os poderes não são soberanos, podendo, portanto, o Poder Judiciário reapreciar mérito decido pelo Poder Administrativo, sem que isso seja uma forma de usurpação de poderes, mas, ao contrário, uma forma de o poder controlar o poder.
Palavras-chave: Tripartição dos Poderes. Sistemas de Freios e Contrapesos. Ato Administrativo. Possibilidade de o Judiciário Reapreciar Mérito Administrativo. Conclusão. 216
Montesquieu
Introdução
defende
a
liberdade política, entendendo que questão
para que haja uma relação justa
resume-se na possibilidade ou não
entre os que são governados e os
de o Poder Judiciário reapreciar
que
mérito
Poder
existência das leis, pois são elas que
Administrativo, sendo objetivo da
impõem a ambas as partes garantias
pesquisa comprovar, pelo método
e limites nas suas atitudes.
O
problema
já
em
decidido
pelo
governam
Essas
analítico, a origem do sistema de
é
necessário
garantias
e
a
limites
as
impostos pela lei, de acordo com o
princípios
autor, são de grande importância,
constitucionais, e demonstrar que a
visto que pela própria natureza
melhor forma que se tem em fazer
humana, todos estão sujeitos a erro
justiça é quando um poder pode
e, segundo este filósofo (2006) “todo
controlar
o
homem que tem o poder é levado a
contrário,
deixaremos
tripartição
dos
finalidades
poderes,
dos
outro,
pois,
caso
espaço
abusar dele”.
a
A solução para tal problema
tirania ao invés da democracia.
imposto
pela
própria
natureza
humana, é alcançada pela filosofo da
1. Origem da Tripartição de Poderes
seguinte maneira, o poder deverá conter o próprio poder, desta forma
A teoria de tripartição de poderes
foi
surgem-se
amplamente
a
separação
dos
desenvolvida por Montesquieu, em
poderes: legislativo, executivo e
seu livro “O espírito das Leis’, porém,
judiciário, sendo o fundamento do
não foi o único, Aristóteles em sua
princípio da Tripartição do Poder,
obra “Política” já havia mencionado
unicamente impor limites na atuação
tal teoria.
de cada poder de forma de cada um possa controlar o possível abuso do
A grande importância do livro
outro.
de Montesquieu, entre outras, é o
Na
fato de que ele foi o primeiro
contemporaneidade,
a
responsável pela inclusão expressa
Ciência Política reconhece que um
do poder de julgar dentre os poderes
dos
fundamentais do Estado.
Democrático de Direito é a existência
pressupostos
do
Estado
de três poderes independentes e 217
harmônicos:
o
Legislativo,
o
visto que a primeira publicação do livro “O espírito das leis” ocorreu em
Executivo e o Judiciário. Montesquieu
mal
1748 e a primeira aparição da teoria
interpretado por seus opositores que
entre as legislações se deu na
entenderam sua tese de tripartição
Constituição Federal da França de
de poderes do Estado como a
1791, em seu artigo 16, que afirmava
própria tripartição do Estado, que
que
apesar de ser abstrato, deveria ser
sociedade
UNO
a separação dos poderes com vias a
e
não
foi
divido
como
“não
teria que
Constituição não
a
garantisse
proteção dos direitos individuais”.
supostamente estaria pretendendo Montesquieu.
Já no Brasil, a Constituição
Mas
ficou
Federal de 1988 consagrou, em seu
de
artigo 2º, que "são Poderes da
Montesquieu era a divisão das
União, independentes e harmônicos
competências do Estado e não de
entre si, o Legislativo, o Executivo e
seu poder que continuaria sendo
o Judiciário".
comprovado
claramente que
a
teoria
UNO.
A divisão do poder é feita Portanto o que se poderia se
através da atribuição principal de
discutir quanto a esta teoria, seria
cada uma das funções do Estado,
com relação a sua nomenclatura,
qual sejam a de legislar, administrar
discussão essa um tanto quanto
e
desnecessária, porém o correto seria
designadas a órgãos específicos que
o emprego da palavra função no
levam
lugar de poder.
respectivas funções, ou seja, Poder
Assim, a Tripartição do Poder,
portanto
as
funções
denominações
são
de
poder Judiciário.
do Estado em Legislar, Administrar e estando,
Tais
Legislativo, Poder Administrativo e
seria na realidade a divisão do Poder
Julgar,
julgar.
Apesar de esta separação ter
mais
como base a principal atividade de
adequado a expressão Separação
cada órgão, esses órgãos também
das Funções do Estado, e não dos
exercem atividades secundárias, ou
Poderes.
atípicas,
A expressão “separação dos
ou
aparentemente
seja,
função seria
que de
poderes” demorou demasiadamente
competência de outro órgão, mas
para aparecer entre as legislações,
que se transfere momentaneamente 218
diante
de
determinada
situação
de poderes estabelecida não tem
previamente prevista.
constituição), e é prevista no artigo
Sem que com isso se viole o
2° da nossa Constituição Federal.
princípio da separação dos poderes,
(2008, p.402).
consagrado como cláusula pétrea
Note-se, que referimos às
pelo ordenamento jurídico pátrio em
garantias dos Poderes Legislativo,
seu artigo 60, § 4º, III da Constituição
Executivo, Judiciário e da Instituição
Federal. Teríamos então, casos
do Ministério Público, uma vez que
atípicos como exceção, uma vez que
se
a regra é a da indelegabilidade da
autonomia
e
tripartição das funções.
finalidades
constitucionais.
Sobre o tema Alexandre de
assemelham
em
virtude
da
independência
e
Além
disto, exercem todos funções únicas
Morais explica:
do Estado, dentro de uma visão mais
A divisão segundo o critério
contemporânea
das
funções
funcional é a célebre “separação de
estatais, cujos agentes políticos têm
Poderes”, que consiste em distinguir
missão precípua de exercer atos de
três funções estatais, quais sejam,
soberania.
legislação,
e
Rousseau, o poder soberano é uno.
jurisdição, que devem ser atribuídas
Não pode sofrer divisão. Assim, o
a três órgãos autônomos entre si,
que
que
pretende chamar de separação dos
administração
as
exerceram
exclusividade,... consagrada
E, na
com
finalmente, obra
a
doutrina
poderes
de
Aliás,
moderno
o
bem
liberal
o
disse
clássica
constitucionalismo
determina
divisão
de
Montesquieu, O espírito das leis, a
tarefas estatais, de atividades entre
quem
distintos órgãos autônomos. (2008,
devemos
a
divisão
e
distribuição clássicas, tornando-se princípio
fundamental
organização
político
p.406).
da
Lembremo-nos que o objetivo
e
inicial da clássica separação das
transformando-se em dogma pelo
funções do Estado e distribuição
artigo 16 da Declaração Francesa
entre
dos Direitos do Homem e do
independentes tinha como finalidade
Cidadão, de 1789 (“Toda sociedade
a proteção da liberdade individual
na qual a garantia dos direitos não
contra o arbítrio de um governante
está assegurada, nem a separação
onipotente. (2008, p.406).
liberal
219
os
órgãos
autônomos
e
Não existirá, pois, um Estado
Para atingir este objetivo a
democrático de direito, sem que haja
ordem constitucional dos países
Poderes de Estado e Instituições,
democráticos estabeleceu o controle
independentes e harmônicos entre
externo dos poderes que forme que
si, bem como previsão de direitos
os três poderes seriam controlados
fundamentais e instrumentos que
entre si, a fim de evitar abusos.
possibilitem perpetuidade
a
fiscalização desses
e
a
O
sistema
de
freios
e
requisitos.
contrapesos tem em resumo a
Todos estes temas são de tal modo
finalidade de frear todos aqueles que
ligados que a derrocada de um,
detêm poder, para se evitar que ao
fatalmente, acarretará a supressão
invés de democracia vivamos em
dos demais, com o retorno do arbítrio
uma verdadeira tirania em que
e da ditadura. (2008, p.407).
aquele que detém o poder o detém em absoluto, sem meios de controle.
2. Sistema de freios e contrapesos
Atualmente
este
é
o
pensamento do jurista Alexandre de Logo após a elaboração da
Morais, senão vejamos:
tripartição do poder MOSTESQUIEU
A
Constituição
Federal,
também explicou o que seria o
visando, principalmente, evitar o
sistema de freios e contrapesos,
arbítrio e o desrespeito aos direitos
como um complemento a sua teoria.
fundamentais do homem, previu a
Desta
forma,
como
já
existência dos poderes do Estado e
mencionado anteriormente o ser
da Instituição do Ministério Público,
humano pela sua própria natureza
independentes e harmônicos entre
está sujeito a erros e quando entra
si, repartindo entre eles as funções
em contato com o poder fica ainda
estatais e prevendo prerrogativas e
mais propenso a corrupção e ao
imunidades para que bem pudessem
abuso de poder, surgindo daí a teoria
exercê-las,
dos freios e contra- pesos, na qual,
mecanismos
os poderes constituídos deveriam
recíprocos, sempre como garantia
criar meios para evitar, ou ao menos
da
diminuir a possibilidade de mau uso
democrático
do poder por parte daqueles que o
p.402).
detém. 220
bem
como de
perpetuidade de
criando controles
do
Estado
Direito.
(2008,
Em
conclusão,
Direito
O ato administrativo é a
contemporâneo,
declaração do Estado ou de quem
apesar de permanecer na tradicional
lhe faça às vezes, que produz efeitos
linha da ideia de Tripartição de
jurídicos de forma imediata, pautada
Poderes,
esta
na lei, sob regime jurídico de direito
fórmula, se interpretada com rigidez,
público e se sujeita ao controle do
tornou-se
Poder Judiciário.
Constitucional
já
o
entende
que
inadequada
para
um
Estado que assumiu a missão de
O
ato
administrativo
será
fornecer a todo o seu povo o bem-
perfeito quando estiverem presentes
estar, devendo, pois, separar as
todos
funções estatais, dentro de um
necessários para sua formação.
os
elementos
essenciais
mecanismo de controle recíprocos,
Tais elementos essenciais do
denominado “freios e contrapesos”
ato administrativo são cinco, quais
(checks
sejam, conteúdo ou objeto, forma,
and
balances).
(2008,
p.402).
sujeito ou competência, motivo e finalidade.
3.
Conceituação
de
ato
Conteúdo ou objeto é aquilo
administrativo
que o ato determina, em outras palavra é o efeito jurídico desejado
Antes
de
se
adentrar
pelo ato, qual seja, adquirir ou
especificamente ao tema em si,
resguardar
deve-se esclarecer a distinção de
sempre, pelo princípio da legalidade
fato e ato administrativo. Segundo o
decorrer
Código Civil, fato é tudo aquilo que
previsão legal.
decorre de acontecimentos naturais,
geralmente
humana.
requisito
Quando o fato corresponder à da
norma
sempre
devendo
de
expressa
Forma do ato terá que ser
ou seja, independe de qualquer ação
descrição
direitos,
escrita vinculado
e
constitui do
ato
administrativo.
jurídica,
Será competente o agente
dizemos que aconteceu um fato
que reúne competência legal ou
jurídico. Agora, quando estes efeitos
regulamentar para a prática do ato,
acontecerem na ceara do direito
quando a lei for omissa quanto a
administrativo, dizemos ter ocorrido
competência entende-se ser esta do
um fato da administração.
Chefe do Poder do Executivo. 221
Motivo
representa
as
único tipo de comportamento para
circunstâncias de fato e de direito
aplicação ao caso concreto, mas que
que sustentam o ato administrativo,
pela avaliação da oportunidade e
todo ato administrativo deve ser
conveniência
motivado, fundamentado.
administrador poderá a seu próprio
Finalidade é outro requisito de suma
importância
administrativo.
Ela
para
o
administrador
o
juízo praticar determinado ato.
ato
refere-se
o
Deve-se
ao
critérios
ressaltar que
os
oportunidade
e
de
objetivo do ato; é o resultado
conveniência nestes casos devem
pretendido pelo ato. A finalidade do
estar
ato administrativo deverá sempre
sendo inválido o ato que tiver um
versar
deles e não o outro.
sobre
o
interesse
da
coletividade, em respeito ao princípio
presentes
conjuntamente,
Portanto, a diferença básica
da Supremacia do Interesse Público.
entre
Ainda quanto ao ato administrativo,
discricionários é que nos primeiros a
também podemos o classificar diante
Administração Pública não dispõe de
do
do
liberdade alguma para a prática do
Administrador, podendo ser eles
ato, ao contrário da segunda que
denominados como vinculados ou
cabe ao Administrador avaliar ao ser
discricionários.
critério subjetivo a oportunidade e
grau
de
liberalidade
Atos vinculados são aqueles
um
e
os
praticar.
ao enunciado da lei, que dispõe, de
vinculados
conveniência do ato que irá ou não
em que o administrador fica restrito
previamente,
atos
Quanto
único
aos
atos
discricionários, há uma exceção,
comportamento a ser adotado em
pois
situações
não
existem alguns requisitos que são
qualquer
vinculados, isto porque além de
concretas
havendo,
portanto,
apreciação
valorativa
iguais,
quanto
ainda
que
discricionários
a
serem previamente previsto em lei
oportunidade e conveniência por
são elementos que envolvem o
parte daquele que aplicará a norma.
próprio plano da existência do ato.
Já atos discricionários, ao contrário,
Assim,
os
elementos
conferem certo grau de liberdade
vinculados do ato administrativo
para a prática ou decisão de certos
discricionário
atos, ou seja, a lei não prevê um
competente, a forma e a finalidade. 222
são:
o
sujeito
vinculado decorre de disposição 4. Possibilidade de o Judiciário
expressa de lei, sem nenhum grau
reapreciar
de apreciação valorativa por parte do
mérito
de
Ato
Administrativo
Administrador. O maior problema encontra-
Como
já
exaustivamente
se, portanto, na possibilidade de o
mencionado, a Constituição Federal
Judiciário reavaliar mérito de ato
em seu artigo segundo contemplou o
administrativo discricionário, visto
sistema de freios e contrapesos
que a prática destes atos depende
desenvolvido
exclusivamente
por
Montesquieu,
assim, ao desempenhar as suas
da
apreciação
subjetiva do Administrador.
funções, a Administração Pública
Grande parte da doutrina
está sujeita ao controle interno e ao
veda a possibilidade do Poder
controle externo.
Judiciário adentrar no mérito deste
O controle interno é aquele
tipo de ato administrativo, porque
efetuado dentro do próprio órgão, ou
desta
seja, é o dever que a Administração
apreciação subjetiva desenvolvida
tem de fiscalizar seus próprios atos,
pelo administrador e substituir a
impondo-lhe
opção escolhida por ele, o juiz
a
invalidação
ou
revogação.
forma
ao
interferir
na
estaria violando a tripartição dos
O controle externo é aquele
poderes ao invés de controlá-lo.
em que existe uma fiscalização de
Porém, que quando se fala na
um Poder sobre as atitudes do outro
apreciação
como meio de evitar o mau uso e o
administrativa não se está somente
abuso do poder, ou seja, é o
fazendo
mecanismo em que o poder controla
administrativo
o poder.
mas também aos seus limites.
Neste sentido, não há dúvida
A
da
discricionariedade
referência
ao
mérito
propriamente
discricionariedade
dito,
foi
quanto à possibilidade de o Poder
concedida ao Administrador por lei,
Judiciário reavaliar mérito de ato
porém assim como a sua existência,
administrativo vinculado, visto que
os
tal controversa versaria sobre a
previamente previstos em lei, e,
legalidade ou não do ato, pois como
portanto, se o ato discricionário
já explicado anteriormente, o ato
ultrapassar esses limites deverá ser 223
seus
limites
também
foram
considerado ilegal e necessário será
que, para o senso comum, seria
a
aceitável perante a lei. (2007, p.
sua
anulação
pelo
Poder
Judiciário.
203).
Sobre este tema Maria Sylvia
Deve-se primeiramente ser
Zanella Di Pietro explica:
lembrado que os princípios surgiram
A rigor, pode-se dizer que,
como
uma
nova
forma
com relação ao ato discricionário, o
interpretação
Judiciário pode apreciar os aspectos
diferenciada das legalistas impostas
da legalidade e verificar se a
pelos positivistas em que a norma
Administração não ultrapassou os
deveria ser aplicada tal como está
limites da discricionariedade; neste
escrita, mas sim com a finalidade de
caso, pode o Judiciário invalidar o
que fosse retirado da norma o seu
ato, porque a autoridade ultrapassou
fundamento de justiça, o motivo pelo
o espaço livre deixado pela lei e
qual a norma foi criada e qual a sua
invadiu o campo da legalidade.
verdadeira intenção, visto que a letra
(2007, p.202).
fria da norma pode pregar peças na
Então, solucionar quando
o
como
meio
conflito
de
poderia
o
de
das
de
normas,
justiça.
saber
Especificamente com relação
Judiciário
a Administração Pública, esta é
reexaminar o mérito administrativo
norteada
do ato discricionário, a mesma
garantem seu funcionamento eficaz,
doutrinadora, Maria Sylvia Zanella Di
como forme de se atingir a sua
Pietro, relembra o uso de alguns
principal
princípios
público.
constitucionais,
especificamente
o
princípio
da
razoabilidade
e
o
da
neste
(discricionariedade), doutrinadores
apelam
princípios
finalidade,
o
que
interesse
O artigo 37 da Constituição de 1988
proporcionalidade, senão vejamos: Mesmo
por
apresenta
norteadores
os da
princípios atuação
caso
administrativa, quais sejam: princípio
alguns
da legalidade, da impessoalidade, da
para
moralidade, da publicidade e da
o princípio da razoabilidade para daí
eficiência.
inferir que a valoração subjetiva tem
No entanto, o Direito deve
que ser feita dentro do razoável, ou
sempre ser enxergado de acordo
seja, em consonância com aquilo
com seu sistema em um todo, e, 224
neste
sentido,
existem,
ainda,
dignidade da pessoa humana e o
princípios implícitos, aqueles que decorrem
de
outros
direito ao devido processo legal.
princípios.
Esses
Dentre eles, destaca-se o princípio
aplicáveis
da
situações
razoabilidade
e
proporcionalidade,
o
da
princípios em
são
determinadas
concretas
analisando
mencionado
sempre a adequação entre o meio
acima por Maria Sylvia Zanella di
utilizado pela administração e o fim
Pietro.
e a mesma pretende atingir. Estes
princípios
são
os
Maria Sylvia Zanella Di Pietro
principais meios de controle dos atos
define o princípio da Razoabilidade e
da Administração, pois impedem os
da Proporcionalidade como sendo:
abusos de poder provocados por seus
agentes
da
Neto (1989:37-40) dá maior realce a
prerrogativa do poder discricionário,
esse último aspecto ao afirmar que,
outorgado por lei.
pelo princípio da razoabilidade, “o
Desta
revestidos
Diogo de Figueiredo Moreira
se
que se pretende é considerar se
atingindo a verdadeira finalidade da
determinada decisão, atribuída ao
tripartição do poder, que de acordo
Poder
com Montesquieu é assegurar a
discricionariamente
moderação do poder mediante a
contribuirá efetivamente para um
“cooperação harmônica” entre os
satisfatório
poderes do Estado, de forma a
dos interesses públicos”. Ele realça
conferir uma legitimidade e uma
o
racionalidade administrativa a tais
discricionariedade; tem que haver
poderes estatais, que devem e
uma relação de pertinência entre
podem resultar num equilíbrio dos
oportunidade e conveniência, de um
poderes sociais.
lado, e a finalidade de outro. (NETO,
Tanto Razoabilidade,
forma
o
estará
Princípio quanto
o
Público,
uma
norma,
atendimento
aspecto
teleológico
da
2989, p. 37 a 40 aput PIETRO, 2007,
da
p. 72). Embora a Lei n. 9.784/99 faça
intuito de barrar o poder desenfreado
referência
do
razoabilidade
trazendo,
integrar
da
Proporcionalidade surgiram com o
Estado,
de
assim,
prerrogativas em busca do respeito à
aos
princípios e
da da
proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um 225
dos aspectos contidos no primeiro. Isto
porque
o
princípio
Em face dos princípios da
da
Razoabilidade e Proporcionalidade,
razoabilidade, entre outras coisas,
ato
exige proporcionalidade entre os
adotado pelo Administrador deverá
meios
sempre
de
que
se
utiliza
a
administrativo
discricionário
obedecer,
requisitos
que
oportunidade e conveniência, os
E
essa
impostos
lei,
proporcionalidade deve ser medida
requisitos
não pelos critérios pessoais do
adequação e proporcionalidade com
administrador,
relação à finalidade visada, sob pena
mas
segundo
padrões comuns na sociedade em
da
pela
dos
Administração e os fins que ela tem alcançar.
já
além
necessidade,
de nulidade.
que vive; e não pode ser medido
Complementa Maria Sylvia
diante de termos frios da lei, mas
Zanella Di Pietro:
diante do caso concreto. Com efeito,
Essa
tendência
que
se
embora a norma legal deixe um
observa na doutrina, de ampliar o
espaço
decisão
alcance da apreciação do Poder
administrativa, segundo critérios de
Judiciário, não implica invasão na
oportunidade e conveniência, essa
discricionariedade administrativa; o
liberdade às vezes se reduz no caso
que se procura é colocar essa
concreto, onde os fatos podem
discricionariedade em seus devidos
apontar para o administrador a
limites,
melhor solução (...). Se a decisão for
interpretação (apreciação que leva
manifestamente inadequada para
uma
alcançar
interferência
livre
a
para
finalidade
legal,
a
para
distingui-la
única
solução, da e
da
sem
vontade
do
impedir
as
administração terá exorbitado dos
interprete)
limites da discricionariedade e o
arbitrariedades que a Administração
Poder Judiciário poderá corrigir a
Pública pratica sob o pretexto de agir
ilegalidade. (2007, p. 72).
discricionariamente. (2007, p. 204).
Esses princípios são os mais eficazes na imposição de limites aos atos administrativos discricionários,
5. Conclusão
pois a afronta a tais princípios assegura ao Judiciário a anulação
O Estado Democrático de
dos atos.
Direito somente é possível quando 226
suas funções de legislar, executar e
Administrativo, em tese, não poder
julgar não são exercidas pelas
ser reavaliado pelo judiciário sob
mesmas pessoas, ou seja, quando
pena de agressão ao princípio da
está presente a Tripartição dos
separação dos poderes, não se pode
Poderes, pois ao contrario poder
esquecer que este princípio foi
unitário levaria a desconstituição da
elaborado para que fosse vetado há
democracia
um único poder o arbítrio e a tirania.
e
formação
da
monarquia.
Se
Levando em consideração o
a
decisão
de
ato
discricionário extrapolar seus limites
brilhante ensinamento do filosofo
desrespeitando
Montesquieu, a própria natureza
constitucionais e administrativos da
humana leva o homem ao erro e
Razoabilidade e Proporcionalidade
quando este entra em contato com o
poderá sim o judiciário reavaliar o
poder grandes a chances de ser
mérito e tomar a decisão mais justa.
corrompido e abusar do poder a ele
Pois é desta forma que o
atribuído.
os
princípios
sistema de freios e contrapesos
Assim, a teoria da tripartição
funciona complementando a teoria
dos poderes juntamente com o
da separação dos poderes, quando
sistema de freios e contrapesos
um dos poderes extrapola seus
foram elaboradas para que um poder
limites. Neste caso o Judiciário
pudesse
estará
frear
o
outro
poder,
evitando as falhas humanas.
discricionário
poder do
Executivo para alcançar a justiça que
Desta forma, apesar de o mérito
controlando o
é o verdadeiro significado do Estado
do
Democrático de Direito.
227
Referências MONTESQUIE, Charles de. Do espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2006. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. PITRO, Maria Sylvia Zanela di. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. FRANÇA. Constituição 1791. Constituição da República Federativa da França.
228
UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga
ANO II, Vol. I – 2010 ISSN 2176-6460
Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari
Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani
Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin
Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com
Novo formato e design Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin Gustavo Gomes Furlani
229
LINHA
URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV
230
ANO II, Vol. I – 2010 ISSN 2176-6460