LINHA
URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV
ANO III, Vol. I –1 2011 ISSN 2176-6460
UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga
ANO III, Vol. I – 2011 ISSN 2176-6460
Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari
Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani
Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin
Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com
Sobre a Revista Linhas Jurídicas é um periódico online com periodicidade semestral de caráter técnico-científico, que busca a ampla integração ensino-pesquisaextensão. Destinado a produção acadêmica dos docentes e discentes do curso de Direito da UNIFEV, bem como do público acadêmico em geral, de cunho jurídico e áreas afins. 2
A APLICABILIDADE DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA ÀS MICROEMPRESAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO PAMPLONA, José Henrique – Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. MURARI, Marlon Marcelo – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A aplicabilidade do benefício da assistência judiciária gratuita para microempresas é um problema repleto de discussões e divergências doutrinárias. O objetivo da pesquisa é analisar a necessidade e a dificuldade vivenciadas pelas microempresas ao pleitear o referido benefício na Justiça do Trabalho. Busca também demonstrar que as microempresas podem e devem ser beneficiadas, pois não dispõem de grande poder aquisitivo para ingressar em um processo judicial. O entendimento contrário a esse traz por consequência a violação a princípios constitucionais que deixam de ser garantidos quando do indeferimento do pedido de Assistência Judiciária Gratuita.
Palavras-chave: Microempresas. Direito do trabalho. Justiça gratuita. 1
bibliográfica,
Introdução
jurisprudencial
e
doutrinária. O
tema
trabalho
é
a
discutido
neste
Aplicabilidade
1. A Microempresa e sua importância
do
para
Benefício da Assistência Judiciária Gratuita
às
Microempresas
o
desenvolvimento
da
sociedade
na
Justiça do Trabalho. O problema surge
quando
observamos
jurisprudências
dos
tribunais,
principalmente
dos
Tribunais
Regionais
Trabalho,
do
De acordo com a lei 9.841/99
as
em seu artigo segundo (Portal Tributário. 2009), “é microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil
que
individual que tiver receita bruta
divergem sobre a aplicação do
anual
referido benefício.
a
Por
verdadeira
tributária
benefício às microempresas.
trabalhador
“hipossuficiência”,
essa
na
As
também deve ser estendida às a
aplicação
benefício
da
do
microempresas
são
funcionamento e desenvolvimento econômico. Embora sejam constituídas
valor elevado, podendo suscita a
com o fim de obtenção de lucros (e
falência da microempresa.
alcance de resultados) as empresas
Para realizar este trabalho
exercem uma importante função
será utilizado o método histórico e
e
grandes
Essas garantias ajudam a manter o
do trabalho, em que as ações são de
dedutivo
às
e a opção pelo Simples Nacional.
financeiros, principalmente na justiça
raciocínio
aplicada
entre eles, a diminuição de impostos
elas são necessitadas de recursos
por
entidades
beneficiadas sob diversos aspectos,
assistência judiciária gratuita, pois
dogmático-jurídico
serem
sobrevivência do proprietário.
proteção
mediante
R$
menores e os lucros voltados para
sua
microempresas,
a
empresas, pois os rendimentos são
Embora a justiça do trabalho o
inferior
pequenas não suportam a carga
necessidade de aplicação deste
proteja
ou
244.000,00 por ano”.
O escopo deste trabalho é demonstrar
igual
meio
social já que só podem atingir “os
do
resultados” por meio de utilização de
pesquisa
mão de obra (que por sua vez acaba 2
atuando
como
um
importante
fornecedores,
empregados,
distribuidor de riquezas entre a
comunidade em geral e o Estado em
sociedade).
se tratando de tributos.
Sobre a função da empresa convém
analisar
o
seguinte
2. Assistência judiciária gratuita
ensinamento de Comparato: Função, em direito, é um
A
Assistência
Judiciária
poder de agir sobre a esfera jurídica
Gratuita é um benefício regido pela
alheia, no interesse de outrem,
Lei nº. 1.060/50, ela concede a
jamais em proveito do próprio titular.
isenção de custas processuais aos
Algumas vezes, interessados no
necessitados, ou seja, aos que não
exercício da função são pessoas
dispõem de recursos financeiros
indeterminadas e, portanto, não
para promover e garantir seus
legitimadas a exercer pretensões
direitos em processos judiciais que
pessoais e exclusivas contra o titular
legitimam na parte passiva.
do poder. É nessas hipóteses,
O artigo 5º inciso LXXIV, da
precisamente, que se deve falar em
Constituição Federal de 1.988[1],
função social ou coletiva. [...] Em se
garante o fornecimento do benefício
tratando de bens de produção, o
para quem não tem condições de
poder-dever do proprietário de dar à
arcar com as custas do processo por
coisa uma destinação compatível
insuficiência de recursos financeiros.
com o interesse da coletividade
Descreve
transmuda-se, quando tais bens são incorporados
a
uma
Pinto,
para
argumentar:
exploração
Conforme a Lei nº 1060/50,
empresarial, em poder-dever do
observamos que o benefício da
titular do
dirigir a
Assistência
Judiciária
empresa para a realização dos
abrangente
da
interesses coletivos. (1990.p.315).
Justiça, é devido “aos necessitados”.
controle de
Dessa forma conclui-se que a
Gratuita,
Gratuidade
da
Conforme conceito da mesma Lei,
microempresa é importante para o
são
desenvolvimento da sociedade não
situação econômica não lhes permita
só pelo fato da obtenção de lucro,
pagar as custas do processo e os
mas
também,
necessidades
por e
necessitados
advogado
cuja
atingir
as
honorários
interesses
de
prejuízo do sustento próprio e da 3
de
aqueles
sem
família [...] as normas não se
abrigam [...] Portanto, só podemos
interpretam
concluir
isoladamente,
em
estarmos
em
face
de
compartimentos estanques, mas sim
omissão lei processual trabalhista
pela
que,
harmonia
expressão
lógica
dentro
de
em
não
havendo
sistema
incompatibilidade, pode ser suprida
específico que integram ou do
pela regra processual civil, existente,
sistema
ordenamento
para o caso, na Lei nº 1.060/50[...]
jurídico [...] No caso, o amparo
Segue-se daí nossa sustentação de
financeiro ao miserável jurídico no
que o benefício da Gratuidade da
processo em geral decorre do alto
Justiça é extensível ao empregador,
interesse
na forma e nas condições do art. 1º
amplo
do
sua
do
social,
firmemente
aos
princípios
conectado constitucionais
da
garantia
da Lei nº. 1.060/50. (2009, p.309).
ao
acesso ao judiciário e do exercício
3. Princípios da constituição federal
da ampla defesa. Esse interesse
de
social
jurisprudências
socorre
igualmente
1988
e
conflitos
de
empregador e empregado que, num dissídio
individual,
estiver
A Constituição Federal de
desprovido de condição econômica
1988 surgiu para proteger ainda
para arrostar os encargos tributários
mais os direitos constitucionais e
do processo [...] Afigura-se por outro
fundamentais do cidadão. Com isso,
lado, que a referência a salário foi
incorporaram-se a seu texto alguns
um
princípios importantes e que serão
ato
falho
do
legislador
trabalhista, voltado como estava, ao
observados no trabalho em estudo.
elaborar a norma, com o resguardo do
empregado,
específico
de
sua
Os princípios constitucionais
destinatário
existem para garantir a harmonia
preocupação
entre
os
indivíduos
sociedade
não tenha sido assim, a omissão de
conflitos perante o judiciário. Essa
referência
não
apreciação não se refere apenas à
poderia traduzir o propósito de
lesão, mas também à ameaça a
excluí-lo do benefício, por que a
direito. (NUNES JÚNIOR; ARAUJO,
exclusão
2008, p.178).
empregador
violaria
constitucionais
que
garantias também
o 4
a
apreciação
uma
protetora [...] Mesmo, porém, que
ao
e
de
dos
A
Constituição
Federal
benefícios de acordo com suas
garante a todos o livre acesso ao
necessidades.
judiciário, não importando o grau ou
Encontra-se no princípio da
nível de poder aquisitivo. Por este
igualdade,
motivo foi criado o Princípio da
5º,
Inafastabilidade da Jurisdição, artigo
CF/1.988, o fundamento de que
5º, XXXV, CF de 1.988[2], que
todos são iguais perante a lei. Por
garante aos cidadãos, um meio legal
analogia é possível aplicar esse
de buscar os direitos e sanar os
princípio às relações de empregados
conflitos. Se não fosse assim, a
e microempresas na justiça do
criação de tal princípio não se
trabalho.
justificaria.
previsto
caput[3],
e
no
inciso
artigo LXXIV,
Corrobora esse entendimento
Entende-se
que
a
o seguinte julgado: –
Constituição busca sanar os conflitos
PROCESSUAL
e colocar a sociedade em um grau
JUDICIÁRIA – JUSTIÇA GRATUITA
de igualdade, que só deve ser
–
alcançado se o Estado oferecer
PARÁGRAFO ÚNICO) – As pessoas
recursos e der a todos o acesso aos
jurídicas
meios adequados para buscar a
podem
pretensão desejada.
assistência judiciária. (STJ – RESP
LEI
Nº
ASSISTÊNCIA
1.060/50
necessitadas ser
(ART.
2º,
também
beneficiárias
de
e
321997 – MG – 1ª T. – Rel. Min.
Araújo (2008, p. 179): “[...] quando a
Humberto Gomes de Barros – DJU
Constituição quer um fim fornece os
16.09.2002) [4]
Segundo
Nunes
Júnior
meios”.
A Lei nº. 1.060/50 que trata da
O Estado garante ainda a
Assistência Judiciária gratuita não se
prestação de assistência judiciária
refere à aplicabilidade do benefício
integral e gratuita aos indivíduos que
para as microempresas, mas, deixa
comprovarem
claro que pode ser aplicado aos
insuficiência
de
recursos. Para
necessitados haver
uma
justa
e
insuficientes
de
recursos.
discussão de direitos e deveres no
Diante disso, os tribunais
judiciário é necessário que as partes
cíveis e superiores têm entendido
concorram
que é possível a concessão do
com
os
mesmos
benefício da assistência judiciária 5
gratuita
para
pessoas
jurídicas,
plena consciência da decisão que
conforme jurisprudência abaixo: ASSISTÊNCIA
está tomando, para que não fira
JUDICIÁRIA
nenhum
GRATUITA. PESSOA JURÍDICA.
dos
princípios
constitucionais.
CONCESSÃO. A parte gozará dos
Se houver um erro na decisão
benefícios da assistência judiciária,
pela
mediante simples afirmação de que
princípios,
não está em condições de pagar as
acarretará muitos danos materiais
custas do processo e os honorários
que poderão atingir moralmente a
advocatícios,
pessoa
sem
prejuízo
do
sustento próprio. Por sua vez, o juiz,
inobservância
de
certos
consequentemente
dos
empresários
das
microempresas, causando danos.
se não tiver fundadas razões para
Conforme
foi
comentado,
indeferir o pedido, deverá julgá-lo de
existem divergências nos tribunais,
plano, no sentido do deferimento.
principalmente
Concessão,
pessoa
Regionais do Trabalho, com isso,
jurídica, em face do contexto social e
ocorre um desrespeito aos Princípios
das sérias repercussões, inclusive,
constitucionais
de subsistência familiar, por eventual
pertinente a Assistência Judiciária
impedimento
Gratuita.
Judiciário,
também,
do por
à
acesso razões
ao
nos
Tribunais
e
legislação
apenas
É neste ponto que se encontra
econômicas. Princípio constitucional
o problema discutido no presente
de livre acesso à Justiça. Aplicação
trabalho.
dos arts. 2º, parágrafo único, 4º, 5º e 6º,
da
Lei
nº
1.060/50,
Como foi observado acima,
em
existem
decisões
a
favor
da
consonância com o art. 5º, XXXV, da
aplicação do benefício para as
Constituição
microempresas,
Federal.
Agravo
e
logo
abaixo
provido. (Agravo de Instrumento Nº
podemos apreciar outra parte da
70006161657, Quinta Câmara Cível,
jurisprudência
Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Benefício da Assistência Judiciária
Leo Lima, Julgado em 08/05/2003)
Gratuita
[5]
empregado, Quando se trata de princípios
só
dizendo
que
o
é
aplicável
ao
não
podendo
ser
estendido ao empregador. Deste
constitucionais, o aplicador do direito
modo,
deve tomar muito cuidado. Deve ter
hipossuficiente, sendo o empregado. 6
protegendo
somente
o
As decisões infringiram o princípio
JUSTIÇA GRATUITA.
da igualdade, inafastabilidade da
EMPREGADOR PESSOA
jurisdição e livre acesso ao judiciário,
JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE.
pois as microempresas também são pessoas jurídicas necessitadas e merecem
o
relacionadas
benefício. abaixo
jurisprudência aplicabilidade
Estão
Lei
nº
1.060/50
preveem
a
algumas
concessão do benefício da justiça
a
gratuita apenas à pessoa natural,
em
não abrangendo como beneficiária a
contra do
O art. 790, § 3º, da CLT e a
benefício
estudo:
pessoa jurídica, ainda que esta declare
a
hipossuficiência
JUSTIÇA GRATUITA.
econômica. De qualquer forma, o
EMPREGADOR. ALCANCE.
benefício em questão não alcança o
APENAS CUSTAS PROCESSUAIS.
depósito recursal, que deve ser
AUSÊNCIA TOTAL DE PREPARO.
realizado nos estritos termos dos
DESERÇÃO. NÃO
parágrafos do art. 899 da CLT. (TRT
CONHECIMENTO.
da 12º Região – Proc. nº 007382007-055-012-01-07
O entendimento da maioria
–
Juiz.
Garibaldi T.P Ferreira) [7]
dos integrantes desta 3ª Turma é de que, conquanto seja possível a concessão dos benefícios da justiça
Considerações finais
gratuita ao empregador, seu alcance se restringe à isenção do pagamento das
custas
processuais,
Com este trabalho foi possível
não
concluir que as microempresas no
alcançando o depósito recursal, que
âmbito do direito do trabalho devem
se destina à garantia do Juízo para
ser beneficiadas com a Assistência
futura execução. Recurso ordinário
Judiciária Gratuita, visto que, são de
não conhecido. (TRT 9º Região –
extrema
Proc. nº 00642-2008-024-09-00-5-
desenvolvimento da sociedade, já
ACO-34088-2009 – 3ª. TURMA -
que por serem entidades pequenas
Relator: ALTINO PEDROZO DOS
não comportam uma ação trabalhista
SANTOS) [6].
7
importância
para
o
que muitas vezes é de alto valor
contra uma microempresa e ela não
econômico.
tiver
Deve
prevalecer
acesso
ao
benefício
da
a
assistência judiciária gratuita, a parte
necessidade em se manter um
mais prejudicada será a sociedade,
tratamento diferenciado para as
pois sofrerá diretamente os efeitos
microempresas,
da falência dessa pessoa jurídica.
aplicando
o
princípio da igualdade processual para
equilibrar
“empregado/
a
Portanto, o legislador e o
relação
judiciário não podem afastar este
empregador
benefício das microempresas, pois
(microempresas)”. Convém
estariam mencionar
que,
ferindo
princípios
e
garantias estabelecidos pela Carta
quando houver uma ação trabalhista
Magna.
8
Referências BRASIL. Vade Mecum Compacto. Lívia Céspedes (org.). Constituição Federal do Brasil de 1.988. São Paulo: Saraiva. 2009. COMPARATO. Fabio Konder. Estado, empresa e função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 85, n.732, 1996. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes; ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo trabalhista de conhecimento. 7. ed. São Paulo. LTr.2009. PORTAL TRIBUTÁRIO, Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, acesso em maio de 2009. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/legislacao/lei9841.htm. [1] Artigo 5º, inciso LXXIV, CF/1.988 – o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. [2] Artigo 5º, inciso XXXV, CF/1988 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. [3] Artigo 5º, caput, CF/1988 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos ternos seguinte: LXXIV – o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. [4] MINAS GERAIS. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, Relator: Humberto Gomes de Barros, Julgada em 16/09/2002. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=r esp+321997&b=ACOR, data da visita 29 de maio de 2010 [5] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70006161657, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 08/05/2003. Disponível em WWW.1.tjrs.jus.br/busca/?tb=júris data da visita 29 de maio de 2010. [6] PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário. Processo Nº 00642-2008-024-09-00-5, 3ª Turma, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região-PR, Relator: Altino Pedrozo dos Santos, Julgada em 2009. Disponível em http://www.trt9.jus.br/, data da visita 29 de maio de 2010. [7] SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho. Processo Nº 007382007-055-012-01-07, Tribunal Regional do Trabalho da 12º Região-SC, Relator Juiz: Garibaldi T. P. Ferreira, Julgada em 17/11/2008. Disponível em 9
http://www3.trt12.gov.br/juris/scripts/juris.asp?cb_em=S&val=10&tex=justi%E7a +gratuita&cdjuiz=1068&dt1_dia=15&dt1_mes=11&dt1_ano=2006&dt2_dia=15& dt2_mes=11&dt2_ano=2010&ano_ac=&classe=&cla_esp=NAOESPECIFICAR &cdlocal_julg=0&cont=25&action=+Pesquisa+, data da visita 29 de maio de 2010
10
A IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO ESTRANGEIRO MARSON, Luís Ricardo - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO, Edgar Pagliarani – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A pesquisa tem seu foco na impossibilidade do estrangeiro perceber benefício de prestação continuada de que trata o artigo 20 da Lei nº 8.742/93 – LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). Os principais entraves encontrados nesta questão se referem à falta de previsão legal que ensejaria tal concessão, além de ofensas a princípios constitucionais. É essa a polêmica levantada e esclarecida no decorrer do presente trabalho. Para tanto, foi necessária a análise da legislação, sendo que, para se chegar às respostas foram utilizados os métodos de raciocínio dialético e o método dogmático jurídico e o tipo de pesquisa não empírica, mais precisamente a bibliográfica. Buscou-se por meio da pesquisa demonstrar que aos estrangeiros não naturalizados, residentes no País, não é assegurada a concessão do benefício de prestação continuada.
Palavras-chave: Benefício. Assistencial. Estrangeiro. Impossibilidade. 11
que não há previsão legal que
Introdução
permita a ocorrência de tal fato. de
Assim, uma interpretação extensiva
imediato, que não é objeto do
da legislação, feriria diretamente o
presente trabalho discorrer sobre a
interesse público.
Cumpre
concessão
esclarecer,
do
benefício
de 1. O conceito de assistência social
prestação continuada ao brasileiro naturalizado e domiciliado no Brasil,
Segundo Martinez (1992, p.
uma vez que conforme o §2º, do
83 apud MARTINS, 2008, p. 479):
artigo 12 da Constituição Federal de 1988: “A lei não poderá estabelecer
A Assistência Social é um
distinção entre brasileiros natos e
conjunto de atividades particulares e
naturalizados”.
estatais
Nesse
mesmo
direcionadas
para
o
sentido, também dispõe o Decreto nº
atendimento dos hipossuficientes,
1.744/95, em seu artigo 4º, que:
constituindo os bens oferecidos em
São também beneficiários os
pequenos benefícios em dinheiro,
idosos e as pessoas portadoras de
assistência à saúde fornecimento de
deficiência
alimentos
estrangeiros
e
outras
pequenas
no
prestações. Não só complementam
Brasil, desde que não amparados
os serviços da Previdência Social,
pelo sistema previdenciário do país
como a
amplia,
de origem.
natureza
da
naturalizados
e
domiciliados
em
clientela
razão
da
e
das
necessidades providas.
De maneira que, no caso do
A
brasileiro naturalizado e domiciliado
Lei
nº
8.742/93,
no Brasil, é possível a concessão de
denominada de Lei Orgânica de
tal
Assistência Social – LOAS, institui
benefício,
pois
há
essa
em seu artigo 1º, que:
possibilidade expressa em nosso
A Assistência Social, direito
ordenamento jurídico. O presente artigo busca, na
do cidadão e dever do Estado, é
verdade, investigar a impossibilidade
Política de Seguridade Social não
de
de
contributiva, que provê os mínimos
prestação continuada ao estrangeiro
sociais, realizada através de um
(indivíduo não naturalizado), visto
conjunto integrado de ações de
concessão
do
benefício
iniciativa pública e da sociedade, 12
para garantir o atendimento às
nome de renda mensal vitalícia, pois
necessidades básicas.
o artigo 139 da Lei nº 8.213/91 assim
Desse modo, a Assistência
se expressou. E por fim, com o
Social é um dever do Estado e direito
advento da Lei nº 8.742/93, passou-
do cidadão, cuja principal finalidade
se a utilizar a denominação benefício
é
de prestação continuada.
prover
o
atendimento
das
necessidades
básicas
dos
Em seu artigo 20, a Lei
hipossuficientes,
por
da
Orgânica de Assistência Social –
benefícios
LOAS (Lei nº 8.742/93), garante o
concessão
de
assistenciais serviços,
ou
meio
até
mesmo,
independentemente
pagamento
de
benefício
de
de
prestação continuada de um salário
contribuições à Seguridade Social
mínimo mensal à pessoa portadora
(artigo 203 da Constituição Federal).
de deficiência e ao idoso com 65
Sendo este o ponto crucial que a
anos
diferencia da Previdência Social,
comprove efetivamente não possuir
pois nessa há a necessidade de se
meios de prover o próprio sustento e
verter contribuições para obtenção
nem de tê-lo provido por sua família.
de benefícios previdenciários. Entretanto,
como
de
De
idade
ou
maneira
mais,
que
que
são
bem
beneficiários desse direito, os idosos
ressalta Martins (2008, p. 480) “[...] a
(devendo comprovar que possuem
Assistência Social não é prestada
65 anos de idade ou mais, e que não
apenas pelas entidades estatais,
tenham condições de prover a
mas também por particulares, como
própria subsistência ou que esta não
as instituições de beneficência e de
seja provida por seus familiares) e os
assistência social”.
deficientes avaliados
2.
O
benefício
de
prestação
por
deverão regular
ser
perícia
realizada no âmbito administrativo
continuada
ou judicial, para que se averigue se as
Segundo
(que
elucida
Martins
mazelas
suportadas
os
incapacitam para o trabalho, além da
(2008, p. 491), o benefício em
questão da hipossuficiência).
questão, inicialmente, era chamado
Conforme explanam Aguiar e
de amparo previdenciário (Lei nº
Amaral (2009, p. 113):
6.179/74). Depois, lhe foi atribuído o 13
Para
aferição
da
No que concerne ao brasileiro
hipossuficiência, fixa a lei o patamar
naturalizado e domiciliado, não há
de renda per capita de ¼ de salário
óbices quanto à concessão do
mínimo por membro da família que
benefício de prestação continuada,
resida
teto,
pois segundo prevê o artigo 12, § 2º,
restringindo-se a unidade familiar ao
da Constituição Federal: “a não
rol dos dependentes previdenciários,
poderá estabelecer distinções entre
quais
sob
sejam:
o
mesmo
(a)
cônjuge;
(b)
brasileiros natos e naturalizados,
(c)
filho
não
salvo nos casos previstos nesta
emancipado, de qualquer condição,
Constituição”. O que é asseverado
menor de 21 (vinte e um) anos ou
pelo
inválido; (d) pais; (e) irmão não
1.744/95, que em seu artigo 4º,
emancipado, de qualquer condição,
estabelece
menor de 21 anos (vinte e um) anos
beneficiários os idosos e as pessoas
ou inválido.
portadoras
de
estrangeiros
naturalizados
companheiro;
Vale ressaltar ainda que, o
disposto
no
que:
Decreto “são
nº
também
deficiência e
benefício em questão, pode ser pago
domiciliados no Brasil, desde que
a mais de um membro da família,
não
sendo que, neste caso, tal benefício
previdenciário do país de origem”.
amparados
pelo
sistema
será computado no cálculo para
Todavia, a grande polêmica
aferição da hipossuficiência, e que
se dá em relação aos estrangeiros
pode
haja
não-naturalizados, que como bem
mudança da situação que deu
esclarece Bastos (2000, p. 266-267):
origem à concessão do benefício ou
“[...] estrangeiro é todo aquele que
ainda se o beneficiário vier a óbito.
não é tido por nacional, em face de
Pelo fato do benefício de prestação
um determinado Estado”.
ser
suspenso
continuada
ser
caso
de
caráter
De
acordo
com
o artigo
intransferível, não gera qualquer
35, caput e parágrafo único da Lei nº
direito à pensão aos dependentes do
8.742/93:
beneficiário.
Cabe Administração
ao
órgão
Pública
da
Federal
2.1 A impossibilidade de concessão
responsável pela coordenação da
a estrangeiros
Política Nacional de Assistência Social operar os benefícios de 14
prestação continuada de que trata
disposto no inciso VI do art. 4o, é
esta lei, podendo, para tanto, contar
também beneficiário do Benefício de
com o concurso de outros órgãos do
Prestação
Governo Federal, na forma a ser
dada pelo Decreto nº 6.564, de
estabelecida em regulamento.
2008).
Parágrafo
único.
O
A
Continuada.
vertente
que
preza
concessão
definirá as formas de comprovação
prestação continuada ao estrangeiro
do direito ao benefício, as condições
evoca, em suas razões, o artigo
de
os
5º, caput da Constituição Federal,
procedimentos em casos de curatela
afirmando que a interpretação de tal
e
dispositivo constitucional, deve ser
suspensão,
tutela
e
o
órgão
de
feita
fiscalização, dentre outros aspectos.
possível, conforme demonstra o
Sendo que, o artigo 4º do Decreto
trecho de uma sentença proferida
1.744/95, no mesmo sentido o atual
nos autos de uma ação de benefício
Decreto nº 6.214/07, responsável
assistencial, a qual tramitara pela
por
de
Primeira Vara Cível da Comarca de
comprovação do direito ao benefício
Votuporanga, Estado de São Paulo,
de prestação continuada, em seu
o qual segue:
as
formas
artigo 7º, dispõe que o benefício não é
devido
a
estrangeiros,
brasileiro
mais
ampla
No que tange à alegação da
pois
autarquia ré de que a autora não faz
determina que: O
maneira
de
credenciamento, de pagamento e de
definir
da
benefício
a
regulamento de que trata o caput
sua
do
(Redação
jus ao benefício por se tratar de naturalizado,
estrangeira, tal não pode prosperar
domiciliado no Brasil, idoso ou com
dada
deficiência, observados os critérios
inconstitucionalidade. Ora, o fim
estabelecidos neste Regulamento,
último
que não perceba qualquer outro
previsto na Constituição Federal e
benefício no âmbito da Seguridade
regulado
Social ou de outro regime, nacional
amparar idosos e deficientes, cuja
ou
sorte e destino relegou à situação de
estrangeiro,
salvo
o
da
a
do
sua
benefício
pela
Lei
assistencial
8.742/93
é
assistência médica e no caso de
miserabilidade.
recebimento de pensão especial de
Federal, por sua vez, assegura aos
natureza indenizatória, observado o
estrangeiros residentes no país a 15
A
flagrante
Constituição
inviolabilidade do direito à vida, à
que
liberdade, à igualdade, à segurança
somente os direitos fundamentais.
e
Tanto é que o MM. Juiz que proferiu
à
propriedade,
condições
que
nas
mesmas
previstas
aos
são
concernentes
a
este,
a sentença, referida acima, assume
brasileiros. É verdade que tais
explicitamente
dispositivos
asseguram,
fundamentação. Havendo, portanto,
textualmente, os direitos sociais.
uma visível contradição, pois, se não
Contudo, se não asseguram também
há previsão legal, o benefício de
não afastam e nem tampouco os
prestação continuada não pode ser
restringem apenas aos brasileiros,
concedido ao estrangeiro.
não
de maneira que a interpretação do dispositivo
constitucional
isso
em
sua
De modo que, não se pode
que
confundir direitos fundamentais com
assegura a percepção do benefício
direitos sociais, embora existam
assistencial às pessoas que se
pontos em comum entre ambos,
encontrem em situação de risco
tratam-se de direitos absolutamente
social, deve ser feita da maneira
distintos.
mais ampla possível [1].
manifesta, corretamente, o acórdão,
Logo, torna-se crucial a leitura
do
qual
Nesse
fora
sentido
reproduzido
se
um
do referido dispositivo constitucional,
pequeno trecho importante, o qual
o qual dispõe que:
segue:
Todos são iguais perante a lei,
É importante, desde logo,
sem distinção de qualquer natureza,
esclarecer
garantindo-se aos brasileiros e aos
cidadania não se confundem com os
estrangeiros residentes no País a
direitos humanos, embora haja uma
inviolabilidade do direito à vida, à
zona comum entre eles. Dalmo
liberdade, à igualdade, à segurança
Dallari, por exemplo, em textos e
e
aulas, deixa claro esta diferenciação
à
propriedade,
nos
termos
seguintes.
que
os
direitos
da
quando analisa, em profundidade, a
Com o devido respeito, a tese
problemática dos direitos humanos
adversa não prospera, pois observa-
no mundo atual. Pode-se dizer, em
se a partir da leitura do próprio
suma, que os direitos da cidadania
dispositivo,
dizem respeito aos direitos públicos
assegurados
que
não
textualmente,
estão os
subjetivos
direitos sociais ao estrangeiro, visto
consagrados
por
um
determinado ordenamento jurídico, 16
concreto e específico. Já os direitos
termos seguintes: “O estrangeiro
humanos – expressão muito mais
residente no Brasil goza de todos os
abrangente – se referem à própria
direitos
pessoa humana como valor-fonte de
brasileiros,
todos os valores sociais (Miguel
Constituição
Reale). A discussão sobre os direitos
leis. (Renumerado pela Lei nº 6.964,
humanos (direito à vida, direito a não
de 09/12/81)”.
ser submetido à tortura, direito a não ser
escravizado,
direito
nos
aos
termos
da
e
das
Salienta-se ainda que, no que
uma
é pertinente especificamente ao
nacionalidade, etc.) se coloca, pois,
direito às prestações da Seguridade
num outro plano de análise teórica.
Social, elas sempre decorrerão da
No plano do global, do universal,
lei, ou seja, caso haja controvérsias
numa perspectiva jusnaturalista, e
referentes a esse ponto, a solução
não do positivo e tópico (“Cidadania:
deverá ser buscada na lei, porque a
Esboço de Evolução e Sentido da
relação
Expressão”
natureza pública, onde são sujeitos o
–
José
a
reconhecidos
Roberto
Fernandes Castilho).
jurídica
existente
é
de
Poder Público e seus destinatários.
Como se vê, para o exercício
Ademais, prevê o artigo 195
dos direitos inerentes à cidadania, é
da Constituição, em seu § 5º, que:
fundamental desfrutar do status de
“Nenhum benefício ou serviço da
nacional do Estado que confere tais
seguridade social poderá ser criado,
direitos.
majorado
Como a autora não possui tal
uma
somente
os
são
a
Logo não é possível admitir
[2].
estrangeiros
sem
total”.
igualdade não pode ser invocado [...]
assim,
estendido
correspondente fonte de custeio
status, tenho que o princípio da
Sendo
ou
interpretação
extensiva
do
aos
nosso ordenamento jurídico para
assegurados
que seja concedido o benefício de
direitos
previstos
prestação
continuada
ao
garantidos pela Constituição Federal
estrangeiro, visto que essa extensão
e pela lei. É neste sentido que se
fere diretamente o interesse público.
pronuncia o artigo 95, da Lei nº 6.815/80, a qual define a situação jurídica do estrangeiro, no Brasil, nos 17
Portanto, a solução plausível
Considerações finais
para tal problemática, seria a de que o
Conclui-se que é impossível a concessão
do
prestação
benefício
continuada
estrangeiro
postulasse
sua
nacionalização, nos termos do artigo
de
12,
a
inciso
II,
alínea
“b”
da
estrangeiros, ainda que residentes
Constituição Federal. Isso evitaria a
no Brasil, pois não se encontra
ocorrência de duplos benefícios, ou
previsão
seja, aqueles decorrentes da sua
legal
estrangeiros
de
ao
direito
dos
benefício
de
condição
de
estrangeiro
e
de
prestação continuada de que trata a
benefícios da Seguridade Social. A
Lei nº 8.742/93.
possibilidade
de
aquisição
da
Uma interpretação extensiva
nacionalidade atende perfeitamente
da nossa legislação fere diretamente
o princípio da dignidade humana e
o interesse público.
daria
direito
à
concessão
do
benefício de prestação continuada .
18
Referências AGUIAR, Carolina Botelho Moreira de Deus; AMARAL, Luciana Maria Oliveira do. Conteúdo e Alcance do artigo 34, parágrafo único, do estatuto do idoso: uma leitura sob a lente do princípio da isonomia. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. n 33. nov. dez. 2009. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. IGOR. Argentino tem direito a benefício assistencial no Brasil? 2009. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2010. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2008. XAVIER, Bruno Di Fini. O benefício de prestação continuada da assistência social. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2010. ______. Benefício de prestação continuada da assistência social: bpc-loas ao idoso e à pessoa com deficiência. Disponível em: Acesso em: 22 de maio de 2010. [1] VOTUPORANGA. Primeira Vara Cível. Direito Previdenciário. Sentença. Requerente: Salime Rachid. Requerido: Instituto Nacional do Seguro Social, Juiz Substituto Renato Soares de Melo Filho, Votuporanga, 21 de setembro de 2009. [2] BRASIL. Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Porto Alegre. Direito Previdenciário. Recurso Cível nº 2005.71.95.018268-2/RS. Recorrente: Margarita Haydee Perez Peraza de Gotembiewski. Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social. Relator: Juiz Alexandre Gonçalves Lippel. Porto Alegre, 29 de março de 2006. Publicado no DJE, 21 de março de 2006.
19
A PROVA NA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE AMARAL, Michele Duarte - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO O trabalho versará sobre a dificuldade de a autoridade policial produzir provas no crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, tendo em vista a exigência legal de prévia autorização do condutor para exame de dosagem alcoólica ou assopro no etilômetro. Na interpretação da Constituição Federal, do Código de Trânsito Brasileiro e do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992 (Pacto de São José de Costa Rica), serão demonstrados os conflitos. O método empregado é o não-empírico, dialético e comparativo, especialmente à sua aplicação.
Palavras-chave: Lei. Condutor. Embriaguez. Prova. Conflito.
20
história quando houve a invenção da
Introdução
agricultura. Aconteceu a partir de um A Lei 9.503/97, em seu artigo
processo de fermentação natural
306, imputava crime ao indivíduo
ocorrido há mais de 10.000 anos. A
que estivesse na condução de
partir desse momento o ser humano
veículo automotor sob a influência de
passou
álcool, gerando perigo de dano,
significados para a bebida.
a
atribuir
diferentes
quantidade
Em uma das passagens do
ingerida. Com o advento da lei
Antigo Testamento (Gênesis 9.1)
11.705/98 tornou se exigência para
Noé, após dilúvio plantou uva e fez o
configuração
vinho.
independente
da
de
crime,
a
Na
concentração igual ou superior de
Idade
Média
a
0,6 decigramas de álcool por litro de
comercialização de vinho e cerveja
sangue.
cresce e com isso se estabelece
O
legislador
regulamentação.
acabou
O
álcool
é
“protegendo” os autores deste tipo
consumido por políticos em seus
de crime, tendo em vista que para a
debates, os quais mais tarde vão
aferição
desencadear
da
quantia
de
álcool
na
Revolução
Francesa.
ingerida é necessária a coleta de sangue com prévia autorização do
No fim do século XVIII como o
condutor. Dessa maneira diante da
início da Revolução Industrial, o uso
recusa do averiguado, a autoridade
excessivo do álcool passa a ser visto
policial
de
como doença ou desordem. E em
produzir provas. Isto se deve ao fato
1967 o conceito alcoolismo foi
do Brasil ser signatário do Pacto de
classificado
São José de Costa Rica, o qual
Organização Mundial de Saúde.
fica
impossibilitada
como
doença
pela
protege o direito de não produzir 1.1 Crime de embriaguez ao volante
prova contra si mesmo.
A embriaguez ao volante é
1. Breve histórico sobre o álcool
uma das maiores causas de morte a bebida
no Brasil. A falta de consciência
alcoólica teve sua origem na pré-
agride sensivelmente aqueles que
Acredita-se
que
consumiram, quanto aqueles que 21
inocentemente
trafegavam
pela
influência
de
qualquer
outra
mesma via e também são vítimas
substância psicoativa que determine
desse ilícito.
dependência: (Redação dada pela
Na intenção de conter tal
Lei nº 11.705, de 2008).
abuso, o legislador editou, entre
A partir da nova redação dada
outras normas de trânsito, a Lei
ao artigo 306, a autoridade policial
9.503/97 que instituiu o Código de
passou a ter maiores dificuldades na
Trânsito Brasileiro, imputando crime
imputação do crime ao condutor,
àqueles que estivessem sob a
tendo em vista que a lei passou a
influência de álcool, a qual possuía
exigir concentração específica de
anteriormente a seguinte redação:
álcool no sangue. Isso se deve ao
Art. 306. Conduzir veículo
fato de que o averiguado não é
automotor, na via pública, sob a
obrigado a produzir prova contra si
influência de álcool ou substância de
mesmo (nemo tenetur se detegere),
efeitos análogos, expondo a dano
conforme o Pacto de São José de
potencial a incolumidade pública de
Costa Rica, em seu artigo 8º, do qual
outrem: (Lei nº. 9.503, de 1997,
o Brasil é signatário, e que foi
art.306)
promulgado pelo Decreto nº 678 de
Seguindo
as
regras
da
06 de novembro de 1992:
referida norma bastava que dirigisse
Art. 8. (...) direito de não ser
sob influência de álcool para que se
obrigado a depor contra si mesma,
configurasse crime e, as provas
nem declarar-se culpada. (Anexo ao
podiam ser feitas, na impossibilidade
Decreto nº. 678, de 1992, Art.8, §2º,
de exame de sangue, a partir de
alínea g)
exame clínico ou, na supressão
Destarte fica a autoridade
desta, por meio de testemunha. Com
a
chegada
da
prejudicada face à norma que a lei
manda fazer e o direito individual de
11.705/08 o artigo 306 passa a
não fazer. O elemento probatório se
vigorar com a seguinte redação:
torna inacessível diante da recusa do
Art. 306. Conduzir veículo
motorista em fornecer substância
automotor, na via pública, estando
hematoide para exame de dosagem
com concentração de álcool por litro
ou soprar em bafômetro.
de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas,
ou
sob
a 22
1.2 Perigo concreto e perigo abstrato
Diretamente quando a autoridade policial
O artigo 306 do Código de Trânsito
Brasileiro,
com
está
efetivamente
no
exercício de sua atividade funcional.
nova
Indiretamente
quando
a
redação dada pela Lei 11.705/2008,
comunicação se faz através de
exige como resultado da conduta o
qualquer do povo, pelos meios de
perigo
comunicação,
concreto
para
que
seja
pela
vítima,
por
tipificado como crime, ou seja, deve
requisição judicial ou do Ministério
estar sob a influência de álcool e
Público ou nos casos de flagrante
dirigindo
delito por outro funcionário público.
de
causando
forma
perigo
anormal, de
dano
Após a notícia do crime deve a
individualizado.
autoridade
A doutrina majoritária entende
policial
instaurar
o
inquérito policial para que o crime
que é exigência fundamental o
seja apurado.
cometimento das duas condutas
No crime previsto no artigo 306,
para adequação ao tipo penal.
do Código de Trânsito Brasileiro, não
Dessa maneira, não havendo
há outra maneira de apuração
a direção anormal, trata-se apenas
criminal
de infração administrativa, a qual
dosagem alcoólica, isto porque, a lei
tem como sanção suspensão do
expressamente
direito de dirigir e multa.
decigramas de álcool por litro de
Portanto seguindo a teoria
senão
pelo
exame
determina
de
0,6
sangue.
Constitucionalista do delito, trata-se
O
de crime de perigo concreto.
depoimento
testemunhas
ou
de
eventuais
exame
clínico,
realizado por médico legista, não 1. Provas no Processo Penal
podem mais figurar como um dos elementos probatórios, haja vista
A notícia do crime ou “notitia
que estes não são suficientes para
criminis”, ainda que sua ocorrência
determinar a quantidade de álcool no
esteja em estado de suspeita, chega
sangue do indivíduo.
ao
conhecimento
da
autoridade
Em
consonância
com
esse
policial de duas maneiras previstas
entendimento, o Superior Tribunal de
pela
processual:
Justiça julgou Habeas Corpus nº
indiretamente.
166.377 – SP, o qual ensejou no
legislação
diretamente
ou
23
trancamento da ação penal, haja
forma pré-estabelecida, a fim de
vista que o condutor foi submetido
garantir a transparência do trabalho
apenas ao teste clínico, considerado
investigativo.
no
caso
em
epígrafe
como
insuficiente.
Considerações finais 1.1 Exames periciais O O corpo de delito que se
equívoco
legislador ao
cometeu
especificar
a
configura pelo conjunto de vestígios
quantidade de álcool no sangue
deixados pelo crime, se transforma
necessária para que o indivíduo
em provas, entre outros métodos,
fosse enquadrado no artigo 306 do
pelo exame pericial. A dosagem
CTB, tendo em vista que é sabido
alcoólica é um exame pericial feito
por pesquisas cientificas na esfera
por meio de técnicas laboratoriais
da saúde que a quantidade mínima
que determinam com precisão a
de álcool reduz os reflexos e que,
quantidade de álcool presente no
este fato aliado à exigência de se
sangue do indivíduo.
tomar
A coleta do material deve ser
decisões
em
poucos
segundos para uma boa condução
feita por profissionais treinados,
veicular,
normalmente por funcionários do
incolumidade pública. A redação
Instituto Médico Legal, os quais
anterior atendia aos anseios e
condicionarão e transportarão de
deveria ter sido mantida.
24
expõe
ao
perigo
a
Referências BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BRASIL. Código de trânsito brasileiro. Brasília, DF: Senado. 1997. CISA. Centro de Informação sobre saúde e álcool. Disponível em <WWW.cisa.org.br>. Acesso em 02 de jun. de 2010. BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Dispõe sobre a promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09. nov. 1992. BRASIL. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Dispõe sobre alterações de dispositivos da lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, Poder Executivo, Brasília, DF, 20.06.2008. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v.1. MIRABETE, Julio Frabbrini. Processo Penal. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 166.377 – SP, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 08 de abril de 2010. GOMES, Luiz Flávio. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
25
A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO “PACTA SUNT SERVANDA” DIANTE DA NOVA TEORIA CONTRATUAL Prof. Me. Sc. CASSEB, Marcelo Casali. Advogado, Professor Licenciado do Curso de Direito da Unifev e Sócio-Gerente da Casseb e Caparroz Sociedade de Advogados
Com
o
dos
individualismo para a função social
Microssistemas Legais, em especial,
que os institutos privados devem
o Código de Defesa do Consumidor,
observar, procurando proteger e
passamos a conviver com textos
atingir
legais
obrigatória,
definidos, atinentes à dignidade da
regrando, muitas vezes, idênticas
pessoa humana e à redução das
relações
desigualdades culturais e materiais.
de
advento
cogência
jurídicas
de
forma
concomitante.
objetivos
sociais
bem
Na realidade, o legislador
Diante
desse
cenário,
despe-se
do
papel
de
simples
passaremos a discorrer sobre até
garante de uma ordem jurídica e
que
social
ponto,
direito,
nós operadores
podemos
marcada
pela
igualdade
a
formal (Conquistada na Revolução
estabilidade dos negócios jurídicos,
Francesa) cujos riscos e resultados
frente à nova teoria contratual.
eram
Antes
de
assegurar
do
passarmos
ao
atribuídos
à
liberdade
individual, para assumir um papel
estudo da problemática, vejamos o
intervencionista,
regime da codificação que reinava
consecução de finalidades sociais
até 2002 e o atual, fundado na Nova
previamente
Teoria Contratual.
tutelando, para tanto, a atividade
O
regime
da
Codificação
voltado
para
estabelecidas
a
e
negocial.
(vigorou até o século XIX) destinava-
Antes
de
avançarmos
se a proteger uma certa ordem
contexto
social, erguida sob a égide do
Contratual, onde prevalece uma
individualismo e tendo como pilares,
nova principiologia, destacando-se:
nas relações privadas, a autonomia
o regime de cláusulas gerais, a
da vontade e a propriedade privada.
interpretação
Contudo, tal ordem, a partir do século
XX,
deslocou-se
dessa
mais
Nova
no
Teoria
favorável,
a
inversão do ônus da prova diante da
do
verossimilhança do pedido ou da 26
hipossuficiência, a proteção da boa-
regras
fé objetiva e a função social do
específicas.
contrato,
faz-se
relações
jurídicas
necessário
Mas como assim? O Código
discorrer sobre a convivência dos
Civil foi revogado? A resposta é não.
microssistemas legais e o Código
Na realidade, os microssistemas
Civil, ambos em consonância com o
legais passam a conviver com o
ordenamento
ordenamento
constitucional
em
vigor.
jurídico
em
vigor
(Código Civil e outros) de forma que Senão vejamos: O regime da
Codificação
foi
de
as relações jurídicas são regradas,
fundamental
concomitantemente, Código
Código
importância num primeiro momento,
Civil,
especialmente quando o direito civil
Consumidor e, estes por sua vez,
brasileiro sequer dispunha de uma
devem
normatização própria.
Federal do Brasil.
respeito
de
pelo
à
Defesa
do
Constituição
Com o passar dos tempos,
A partir daí, especialmente
principalmente após o advento da
após a edição do novo Codex
Constituição Federal de 1988, vários
Civil (2002), passamos a contar com
direitos e garantias foram erigidos a
a sapiência de vários doutrinadores,
dogmas, especialmente no que se
entre eles o Professor Gustavo
refere à proteção do consumidor.
Tepedino(*), que identificam um
Diante dessa abertura e, ao
novo ramo do direito, qual seja, o
mesmo tempo, após tais princípios
direito civil-constitucional, o qual
serem alçados a direitos e garantias
reconhece e incorpora uma Nova
individuais e fundamentais, o regime
Teoria Contratual, tal como o fez o
da codificação passa a sofrer um
Código de Defesa do Consumidor.
revés, especialmente com a edição
Feitos tais esclarecimentos,
de legislações especiais, como: O
necessários a meu ver para o fiel
Código de Defesa do Consumidor, o
entendimento da temática proposta,
Estatuto
do
passaremos, a seguir, a discutir até
Adolescente, a Lei dos Planos de
que ponto prevalece ou não aquilo
Saúde e outros microssistemas, que
que foi tratado e acordado em um
em
negócio jurídico.
da
atenção
Criança
aos
e
princípios
constitucionais em vigor, passam a
Um dos princípios sagrados do Código Civil de 1916 – pacta sunt 27
servanda – deixa de ter eficácia
lugar aos princípios constitucionais
frente à nova sistemática do direito,
(direito civil-constitucional), sem se
calcada nos microssistemas legais,
descuidar
que
microssistemas, os quais regem as
por
sua
vez
incorporaram
garantias nos contratos, como as cláusulas função
gerais
social
da
do
boa-fé,
da
contrato,
da
da
análise
dos
relações jurídicas específicas. Aqui
gostaríamos
de
aprofundar o debate sobre uma
hipossuficiência em favor da parte
questão:
menos
relativização do princípio pacta sunt
favorecida
da
relação
Até
que
ponto
a
servanda compromete a segurança
contratual, entre outros. Estamos, desse modo, diante
jurídica dos negócios?
da relativização do princípio pacta
Um
exemplo
facilitará
a
sunt servanda? Então como fica a
análise da questão. Suponhamos
segurança dos negócios jurídicos?
que uma pessoa jurídica contrate
Num primeiro momento, se
um plano de saúde. Ocorre, que
nos ativéssemos somente ao regime
passados alguns anos, a operadora
da
como
de plano de saúde resolve pôr fim ao
resposta que não, ou seja, aquilo
negócio, utilizando-se, para tanto, de
que foi estabelecido em um negócio
cláusula resolutória expressa. Nessa
jurídico deveria ser cumprido, até
situação, aplicar-se-á o que foi
porque prevalecia o individualismo
pactuado no contrato, ou por se
sobre o aspecto social.
tratar de contrato de trato sucessivo,
Codificação,
teríamos
Entretanto, a nova sistemática é
outra,
fulcrada
intervencionismo,
que
através
da
citada,
equilibrar
jurídicas,
em
um
especialmente
absorvendo
principiologia,
a
nova
especialmente,
a
busca,
função social do contrato, entende
acima
que a conveniência é do contratante
relações
(pessoa jurídica) em manter-se ou
principiologia as
que
quando
não com o contrato?
envolver de um lado um consumidor
A nosso ver, em se tratando
e de outro um fornecedor, ambos
de relação jurídica, onde de um lado
iluminados
está um fornecedor (operadora de
sob
a
égide
do
microssistema do consumidor.
plano
de
saúde)
e
do
outro
do
(consumidor – pessoa jurídica), que
direito civil deve ater-se em primeiro
não pode se arvorar da alegada
A
atual
interpretação
28
hipossuficiência
ou
mesmo
Assim sendo, seria temerário,
fragilidade, há de prevalecer o que
para nós operadores do direito,
fora
defender de forma indiscriminada a
contratado,
respeitando-se,
assim, o pacta sunt servanda. Tal
ao
a Nova Teoria Contratual. O que não
contrário, é diferente em se tratando
podemos deixar de admitir é que o
de contratante pessoa natural, uma
direito civil foi passado a limpo, pois
vez
saiu de um regime codificado (onde
que
entendimento,
total relativização dos contratos, face
em
jurisprudência abusividade
tais se
casos inclina
do
a na
prevalecia
rompimento
o
contratado)
individualismo
para
um
regime
unilateral, fundado no argumento da
intervencionista (fundado na função
hipossuficiência e na fragilidade do
social do contrato), onde há vários
usuário/contratante. (Artigo 51, XI da
microssistemas regrando, de forma
Lei n.8078/90 - CDC)
concomitante, as relações jurídicas
Vejamos que a análise deve
específicas, iluminados pelo direito
se ater a cada caso concreto.
civil-constitucional.
Tivemos em 1999 uma verdadeira
Por
fim,
rogamos
aos
enxurrada de ações de revisão
julgadores que a aplicação dos
contratual,
regramentos
face
a
abrupta
Em muitos casos, houve ganho de
constitucional,
causa aos consumidores, sob a
desprezar a hodierna principiologia,
alegação da onerosidade excessiva.
fundada na Nova Teoria Contratual,
Contudo, em outros casos os bancos
que deve atentamente analisar cada
foram
que
caso, para que verdadeiramente não
comprovaram que os tomadores dos
coloquem em risco a segurança
empréstimos (na maioria contratos
jurídica dos contratos ultimados ao
de leasing) se beneficiaram pelas
seu tempo.
taxas de juros mais baixas, no momento da contratação.
29
sem,
visão
ser
precedida
posto
uma
deve
desvalorização da moeda nacional.
vitoriosos,
de
vigentes
civil-
contudo,
Referências TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ______. Problemas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado. São Paulo: Atlas, 2004.
30
A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA E A FERTILIZAÇÃO POST MORTEM PELA ÓTICA DO DIREITO SUCESSÓRIO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. GALHARDI, Antonieta - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Emily Medeiros - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A impossibilidade de reprodução humana ainda é considerado um tabu em nossa sociedade. Trata-se de uma problemática que tem sido muito discutida em diversas áreas de conhecimento. A infertilidade, além de ensejar muitas crises conjugais e preconceitos sociais motivou inúmeras discussões quanto às possibilidades de se resolvê-la. Com o desenvolvimento de pesquisas cada vez mais modernas, visando um aprofundamento do conhecimento científico tem-se buscado a solução para os problemas de infertilidade. O presente artigo visa estudar a questão da inseminação post mortem (pós morte), que trata-se da possibilidade de utilizar a fertilização in vitro de gametas da pessoa morta, que tenha deixado em vida, sêmen ou óvulo congelado para esta finalidade, mas que não chegou a utilizá-la. A questão primordial da inseminação post mortem referese aos efeitos sucessórios que esta nova vida vai trazer para o nosso ordenamento jurídico, não preparado para esta situação.
Palavras-chave: Reprodução Medicamente Assistida. Fecundação post mortem. Direito Sucessório. Necessidade de Regulamentação.
31
relações humanas é composta por
Introdução
diversos enigmas e fatores que apesar de serem compreendidos
Diante das relações jurídicas
isoladamente se interagem e se
criadas a partir do desenvolvimento
integram, tendo como uma de suas
de técnicas científicas que buscam solucionar
os
problemas
infertilidade
criou-se
uma
principais
de
A reprodução humana, além esplêndido
no que concerne à fecundação post
áreas
O objetivo deste trabalho é,
crises
da necessidade da regulamentação
interpretação
sistemática
conjugais
e
preconceitos
Como frisa Waldemar Naves
como
do Amaral: Os
e princípios gerais de direito. também
A
discussões.
subsídio os preceitos constitucionais
Far-se-á,
conhecimento.
sociais, motivou bastante essas
jurídica
partindo-se de uma interpretação utilizando
de
infertilidade além de ensejar muitas
pois, construir um raciocínio acerca
principiológica,
e
sido muito discutida nas diversas
esta nova realidade fática.
relação
natural
problemática que ultimamente tem
momento a regulamentação para
de
instinto
instrução mandamental divina[1], é
mortem, pois não há até o presente
tipo
à
procriação.
certa
instabilidade jurídica, principalmente
desse
consequências
números
do
Censo
apontam que a taxa de fecundidade
uma
brasileira
do
diminuiu
drasticamente
desde os anos 40 e 50, quando a
ordenamento jurídico, considerando
média de filhos por mulher era de
às disposições legais de Direito de
6,2. Em 1960 subiu para 6,3, com
Família e Sucessório, além da
quedas em 1970 para 5,8 e 4,4 em
interpretação comparada do Direito.
1980. Na década de 90 o número 1.
Da
reprodução
assistida:
passou para 2,9, chegando a 2,3 no
medicamente
conceito
ano
e
2000.
(2009,
p.
106-107).
Segundo dados da Organização
particularidades.
Mundial de Saúde, entre 8% a 15% dos casais têm algum problema de
A família enquanto célula
infertilidade durante sua vida fértil,
fundamental da sociedade e das
definida 32
como
a
ausência
de
gravidez após 12 meses de relações
sexual. Já a heteróloga ocorre
sexuais regulares, sem uso de
quando o espermatozoide ou óvulo
contracepção. (2009, p. 114)
utilizado provier de um doador
A reprodução medicamente
estranho ao casal. Esta é utilizada
assistida trata-se de um conjunto de
quando o casal não consegue colher
técnicas que buscam facilitar a
o seu próprio material para realizar a
fecundação,
fertilização.
implantando
artificialmente espermatozoides ou embriões humanos no
Na Idade Média tem-se os
aparelho
primeiros relatos de inseminação
reprodutor de mulheres receptoras.
artificial bem sucedida em humanos,
As técnicas de reprodução assistida
feita
se resumem, basicamente, em duas
Villeneuve.
modalidades:
primeira
experiências nesta área somente em
denominada inseminação artificial in
animais. Ressalta-se que em junho
vitro trata-se daquela em que o
de 1.978 nasceu a primeira criança
espermatozoide
de proveta, concebida através da
a
é
introduzido
pelo
médico
Arnaud
Antes
disto,
de
havia
fertilização in vitro.
através de uma sonda no aparelho reprodutor feminino. Já a segunda é
No Brasil, a tecnologia estava
a chamada fertilização in vitro, onde
disponível
ocorre a fecundação em laboratório,
contudo somente em 1.992, foi
sendo juntado o espermatozoide ao
elaborado pelo Conselho Federal de
óvulo em um tubo de proveta (razão
Medicina
da expressão bebê de proveta),
regulamentar
transplantando-se
o(s)
assistida. Em 11 de novembro
embrião (embriões) no útero da
daquele ano, foi editada a Resolução
futura mãe.
1.358/92,
depois
desde
os
uma
norma a
que
anos
80,
para
reprodução
estabelecia
os
A reprodução assistida pode
critérios a serem observados, dentre
ainda ser homóloga ou heteróloga,
eles, o limite máximo de quatro
considerando a origem dos gametas.
embriões a serem implantados na
É homóloga quando o material
fertilização artificial; a proibição da
genético
escolha
pertence
ao
casal
do
sexo
do
interessado e utilizada quando este
excepcionalmente
casal possui fertilidade, mas não
casos de doenças hereditárias; a
obtém a fecundação através do ato
obrigatoriedade do consentimento 33
permitida
bebê, nos
para
os
procedimentos
dos
Por se tratar de um assunto
pacientes e de doação de gametas,
muito delicado ainda não há muita
garantido
disseminação na matéria no direito
o
anonimato
dos
doadores; além da proibição da
comparado.
vinculação comercial ou lucrativa,
No direito alemão e sueco é
em caso de gestação de substituição
vedada a fertilização artificial post
(casos
mortem, sendo o direito francês
usualmente
conhecidos
como “barrigas de aluguel”).
também partidário dessa vedação, estabelecendo
2. Da fertilização post mortem
ainda
que
o
consentimento externado para os métodos de reprodução assistida,
A
fertilização
post
externado
mortem, ultimamente tem sido a
quando
questão
consentiu.
mais
polêmica
em
se
em
da
vida,
morte
é
ineficaz
daquele
que
tratando de reprodução humana
Já a Espanha também veda a
assistida, pois alguns casos vem
inseminação artificial após a morte
sendo expostos na mídia, e por tal
do titular do material biológico, mas
motivo,
uma
garante direitos ao nascituro, quando
verdadeira comoção social, pois
contiver declaração por escritura
aquele material genético deixado em
pública ou testamento. Na Inglaterra
vida por uma pessoa casada ou não,
é permitida a fecundação post
pode este material ser utilizado após
mortem,
sem
a sua morte?
exceto
se
vem
Este
trazendo
assunto
é
muito
efeito
sucessório,
houver
disposição
expressa em documento.
polêmico e gera consequências em vários ramos do direito, dentre eles o
3.
Princípios
fundamentais
à
Direito Constitucional, o Direito de
possibilidade de fertilização post
Família, o Direito Sucessório, além
mortem
do próprio direito de personalidade
3.1. Princípio da dignidade da
desta criança.
pessoa humana
2.1. A fertilização post mortem no
A
direito comparado
dignidade
da
pessoa
humana é fundamento da República Federativa do Brasil, conforme versa 34
a Constituição Federal em seu art.
estabelece que todas “as ações
1º, III e deve ser considerada em
relativas às crianças, levadas a
toda e qualquer relação humana e
efeito
jurídica. É um direito assegurado a
administrativas
todos, tendo como escopo a garantia
legislativos,
às pessoas do bem estar e do
primordialmente, o interesse maior
necessário para uma qualidade de
da criança”.
vida decente.
por
autoridades ou
devem
órgãos considerar,
Ficou, portanto, incorporado
Garante
finalísticamente
o
no nosso ordenamento jurídico, em
direito à vida, pois o homem sem
caráter definitivo, o princípio do
dignidade não tem gosto pela vida, é
melhor interesse da criança, que
como tivesse perdido sua vontade de
busca a solução de conflitos que
viver, seu valor. [2]
envolvam crianças.
Sendo
embriões
Não obstante a esse princípio,
pertencentes à mesma natureza de
em todas as relações jurídicas que
pessoas humanas que já nasceram,
envolva o interesse de crianças
não
deve-se
se
os
pode
destituí-los
da
observar
os
preceitos
dignidade, e quaisquer atitudes que
constitucionais
constantes
nos
venham atingir negativamente um
arts.
ser humano, ainda que não nascido,
Federal e a Lei 8.069 de 13 de Julho
mas que goza da mesma proteção
de 1.990 – Estatuto da Criança e do
dos que nasceram, consiste em
Adolescente (ECA), dispositivos que
manifesta lesão à Constituição.
preceituam os direitos fundamentais
5º e 227 da Constituição
da Criança e promovem a proteção 3.2. Princípio do melhor interesse da
devida a eles.
criança 3.3. Princípio da isonomia e a Foi
ratificada
no
Brasil,
igualdade entre filhos
através do Decreto 99.710/90 a Convenção
Internacional
dos
A igualdade é um princípio
Direitos da Criança, aprovada em 20
fundamental
de
norteador de todas as relações
Novembro
Assembleia
de
Geral
1.989 das
na
Nações
interpessoais,
Unidas. Em seu art. 3.1 a Convenção
texto 35
constitucional,
estabelecido
constitucional
em
pelo seu
preâmbulo, implicitamente no art. 3º,
discriminatórias relativas à filiação. O
IV, e também no art. 5º, caput sendo
Estatuto
que isonomia significa igualar as
Adolescente em seu art. 20 e o
pessoas
Código Civil (Lei 10.406 de 10 de
na
igualdade
e
desigualdade. [3]
da
Criança
e
do
Janeiro de 2.002), também aderiram
Assim, versa o princípio que
ao dispositivo.
quando da elaboração da norma, o
Assim, resta evidente que do
legislador deve considerar todas as
mesmo jeito que não se pode
diferenças existentes na sociedade,
diferenciar os filhos conjugais dos
devendo, contudo, assegurar todos
extraconjugais,
os direitos fundamentais da pessoa
diferenciar aqueles que nasceram
humana previstos na Constituição e
antes e aqueles que nasceram
também nas demais leis de nosso
depois da morte do genitor.
não
se
pode
ordenamento jurídico. Como Bresciani
observa Rigo,
Gabriella
ao
citar
4. Presunção da Paternidade
o
entendimento de Cristiane Beuren
A
possibilidade
de
fecundação post mortem decorre
Vasconscelos: O embrião é, pois – em virtude
das
modernas
técnicas
de
do princípio da igualdade, fundado
reprodução assistida, que permitem
no respeito à vida e à sua dignidade
a criopreservação de gametas ou
-, pessoa humana e, como tal,
pré-embriões
merece proteção de forma absoluta
utilização.
e
irrestrita
contra
para
eventual
qualquer
Nesse sentido, o Código Civil
desrespeito à sua identidade e
de 2002, acrescentou três incisos ao
integridade, incidindo sobre ele e
artigo 1.597, quais sejam:
oponível erga omnes o mandamento constitucional
da
(VASCONSCELOS,
Art.
igualdade. 2006,
concebidos
p.
de
na
Presumem-se constância
do
casamento os filhos:
116 apud RIGO). Além
1.597.
(...) versar
sobre
a
III - havidos por fecundação
isonomia, a Constituição em seu art.
artificial
227, § 6º, destaca a igualdade entre
falecido o marido;
os filhos, proibindo designações 36
homóloga,
mesmo
que
IV - havidos, a qualquer
criopreservados,
em
caso
de
tempo, quando se tratar de embriões
divórcio, doenças graves ou de
excedentários,
falecimento de um deles ou de
decorrentes
de
concepção artificial homóloga;
ambos, e quando desejam doá-los.”
V - havidos por inseminação
Do
mesmo
modo,
o
artificial heteróloga, desde que tenha
Enunciado nº 106 do Conselho de
prévia autorização do marido
Justiça Federal institui que “para que
Embora tenha havido uma
seja presumida a paternidade do
certa preocupação dos legisladores
marido falecido, será obrigatório que
em tutelar a inseminação, não se
a mulher, ao se submeter a uma das
tem dúvida que houve uma omissão,
técnicas de reprodução assistida
pois
nem
com o material genético do falecido,
reprodução
esteja na condição de viúva, sendo
não
há
autorização,
regulamentação
da
assistida post mortem, constatando-
obrigatório,
se
tema.
autorização escrita do marido para
Segundo o doutrinador Sílvio de
que se utilize seu material genético
Salvo Venosa, o Código Civil de
após sua morte.”
aqui
a
novidade
do
2002 se mostra omisso, pois “não autoriza
nem
regulamenta
ainda,
que
haja
Assim, evita-se que a viúva
a
utilize
indevidamente
o
sêmen,
reprodução assistida, mas apenas
como, por exemplo, em detrimento
constata lacunosamente a existência
de determinado herdeiro necessário.
da
dar
Todavia, mesmo existindo alguns
da
Enunciados neste sentido, não há
problemática
solução
e
ao
procura
aspecto
paternidade.” (2005, p. 256).
disposição dos efeitos sucessórios
A fim de delimitar a utilização
dessa reprodução, pois com a
das técnicas de reprodução artificial
possibilidade de a mulher utilizar o
após o falecimento do marido ou
sêmen do marido falecido, se o filho
companheiro,
o
que não era sequer concebido no
Medicina,
momento da abertura da sucessão,
através da Resolução nº 1.358/92,
como ele poderá herdar os bens do
que “os cônjuges ou companheiros
falecido. Mas em contrapartida ele
devem expressar sua vontade, por
também é herdeiro e não poderá ser
escrito, quanto ao destino que será
preterido.
Conselho
dado
estabelece
Federal
aos
de
pré-embriões 37
Não resta dúvida que trata-se
Civil,
que
assim
preceitua:
“legitimam-se a suceder as pessoas
de uma questão muito polêmica.
nascidas
ou
já
concebidas
no
momento da abertura da sucessão”.
5. Filiação e o Direito Sucessório
O legislador ao elaborar o Quanto à filiação, em relação
artigo
supra
mencionado,
não
à inseminação artificial post mortem,
cogitou
não há discussão, já que o material
aplicados à reprodução humana,
genético
do
apenas reproduziu o artigo 1.718 do
próprio casal interessado no projeto
Código Civil de 1916, não trazendo
parental;
no
previsão do futuro filho não ter
inciso III, do artigo 1.597 do Código
nascido ou sequer ter sido concebido
Civil de 2.002, a filiação da criança,
no
gerada, independente de quando
sucessão. Certamente em 1916 isto
ocorrer o nascimento – apesar da
era
omissão do texto legal.
pensado, mas em 2002 já se sabia
fornecido
sendo
provém
assegurado,
os
avanços
momento
algo
da
científicos
abertura
inconcebível,
da
sequer
No campo sucessório surgem
dos avanços da ciência quanto à
controvérsias em relação ao tema
possibilidades de inseminações post
abordado,
mortem.
questionando-se
a
capacidade sucessória da criança
Segundo o artigo 1.787 do
nascida no caso de inseminação
Código Civil, a transmissão da
póstuma, já que a criança será
herança se dá no exato instante da
concebida após a morte do pai.
morte,
Dada
a
regulamentação,
carência
legítimos
ou
os
herdeiros,
testamentários,
conflito
automaticamente, a propriedade e a
entre a determinação da presunção
posse dos bens que compõem o
de paternidade dos filhos concebidos
acervo
a qualquer tempo, e da norma que
tenham capacidade para suceder.
prevê que a abertura da sucessão se
Logo, não basta a simples invocação
dá com a morte, quando os direitos e
do direito legítimo ou testamentário,
deveres
é preciso ter legitimação sucessória.
são
ocorre
de
adquirindo
transmitidos
aos
hereditário,
a
que
herdeiros, os quais já devem estar
Sendo
nascidos ou concebidos, segundo o
sucessória é impedimento legal para
disposto no artigo 1.798 do Código
adir à herança. 38
assim,
desde
incapacidade
A aptidão para receber a
Uma
possível
solução
herança deixada pelo de cujus é a do
plausível para que este filho não
tempo da abertura da sucessão, ou
fique desamparado, diz respeito à
seja, no momento da morte, e, para
possibilidade de valer da ação de
apurá-la
observar
petição de herança, conforme o
determinados pressupostos que são:
artigo 1.824 do Código Civil, no
morte
herança;
prazo prescricional de 10 anos a
sobrevivência do sucessor; herdeiro
contar da abertura da sucessão,
pertencente
segundo o artigo 205 do Código
é
do
preciso
autor
à
da
espécie
humana;
herdeiro legítimo ou testamentário. A
questão
Essa hipótese garante direitos
controvertida acerca da fertilização
sucessórios, mas de certa forma
artificial homóloga post mortem trata-
obriga a viúva, caso essa queira que
se da capacidade sucessória da
o seu filho tenha direito à herança
criança concebida nesta técnica de
do de cujus, a se submeter à
reprodução
a
inseminação antes do prazo de 10
herança se transmite no instante da
(dez) anos a contar da morte do
morte do autor da herança.
marido ou companheiro. Mas se, por
Assim
grande
Civil.
assistida,
sendo,
já
exemplo,
o
nunca poderá herdar, pois não tem
falece
e
capacidade sucessória para tanto. A
esposa/companheira de 22 (vinte e
permissão
post
dois) anos e essa só quer ter filho
mortem gera insegurança jurídica
após os 35 (trinta e cinco) anos de
aos herdeiros existentes ao tempo
idade,
da sucessão que, poderão ter seu
inseminação post mortem se ele
direito a sucessão cerceado, em
deixou
virtude de eventual possibilidade de
nesse sentido, contudo essa criança
nascimento de outro herdeiro.
não
da
o
que
embrião
reprodução
No entanto, se é permitida a
tutelar
deixa
poderá
ela
fazer
manifestação
poderá
uma
a
expressa
pleitear
direitos
sucessórios, pois decorrido o prazo
inseminação póstuma no Brasil, eles devem
marido/companheiro
de dez anos da morte do pai.
possíveis
Contudo, o tema não se refere
consequências sucessórias, pois se
apenas à legislação ordinária, pois
assim não for, não se poderá mais
implica
aceitar a inseminação post mortem. 39
na
colisão
de
direitos
constitucionais
e
no
juízo
de
que
valoração.
permitem
a
solução
das
antinomias e omissões legais. Além disso, deve-se observar o melhor interesse da criança. Não se pode permitir que os direitos
Considerações Finais
sucessórios
destes
filhos
o
gerados post mortem, lhes sejam
progresso científico não pode ser
suprimidos simplesmente porque o
interrompido, haja vista a demanda
ordenamento jurídico não está apto
social
em
a validar todas as relações jurídicas,
detrimento da vida e saúde humana;
por não reconhecer a capacidade
necessário se faz regulamentar os
sucessória destes nascituros.
Conclui-se
e
o
assim
que,
aproveitamento
procedimentos
Mas o que não se pode
empregados,
permitir é que se lese a dignidade da
considerando os riscos envolvidos. Não
obstante
regulamentação
de
pessoa humana, violando os direitos
reprodução
dos nascituros a natureza de pessoa
à
da
falta
o
humana dos embriões, os tratando
falecimento daquele que se colheu o
como se coisas fossem, que nas
material biológico para utilização nas
relações jurídicas podem ficar à
técnicas
mercê da inércia do legislador, sem
medicamente
assistida
de
após
fecundação,
a
hermenêutica jurídica subsidia aos
sofrerem
qualquer
aplicadores
negativa
em
(e
também
aos
fundamentais.
criadores) da norma vários métodos
40
seus
implicação direitos
Referências AMARAL, Waldemar Naves do. PETRACCO, Álvaro. FREITAS, Vilmon de. História da reprodução humana no Brasil. Goiânia: Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Decreto nº 99.710 de 21 de Novembro de 1.990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1.990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. DIREITO NET, artigos. FAVILLA, Yargo Oliveira. Inseminação artificial no Código Civil de 2002. Analisa o instituto da inseminação no âmbito do novo Código Civil, não só como uma visão técnico-doutrinária, mas também no âmbito social e legal. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4652/Inseminacao-artificial-noCodigo-Civil-de-2002> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. FERREIRA, Fábio Alves. Vivendo sem respirar, morrendo sem chance de nascer. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. MARQUES, Alessandro Brandão. Questões polêmicas decorrentes da doação de gametas na inseminação artificial heteróloga. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 92, 3 out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. NAKAMURA, Milton. ALBANO, Aulus M. TROUNSON, Alan. WOOD, Carl. GIANAROLLI, Luca. CONTI, Ângelo. YAO, Chung Kin. Fertilização in vitro e microcirurgia tubária. São Paulo: Editora Roca, 1.984. RECANTO DAS LETRAS, UOL. PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Reprodução Assistida: Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem e o Direito Sucessório. Versa sobre os efeitos da Reprodução Assistida Homóloga no Direito Sucessório. Disponível em:
41
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42
DESINDICIAMENTO FIGUEIREDO, MARIA DIRCE BERTOLAIA DE - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO Com o surgimento das cidades as pessoas passaram a viver em sociedade, ocasionando, assim, mais atritos, cobiça, desigualdade, tornando-se mais frequentes os delitos, sendo necessário o estabelecimento de penas aos crimes cometidos. O direito de punir (jus puniendi) surge para o Estado quando um indivíduo pratica um crime, e para exercer tal direito o Estado depende do devido processo legal, e este, por sua vez, depende de um mínimo de provas, ou seja, depende de elementos de materialidade e indícios de autoria. O Inquérito Policial é o instrumento realizado para reunir esse mínimo de provas, e após sua instauração existe inúmeras diligências a serem realizadas pela autoridade policial, entre elas, o indiciamento do averiguado, tornando-o oficialmente suspeito de ter cometido uma infração penal. Uma vez ausente qualquer fundamento para o formal indiciamento do suspeito, pode-se impetrar Habeas Corpus preventivo perante o órgão competente, porém, não sendo concedida a liminar restará consumado o prejuízo com o indiciamento do suspeito. Entretanto, em decorrência das consequências que geram na vida pessoal do indiciado requer-se um estudo mais abrangente, analisando, além da obrigatoriedade da autoridade policial em fazer tal procedimento, as formas possíveis de tornar tal ato não perene, que é o desindiciamento. Para a realização da pesquisa será empregado o método dialético com a análise de diversas posições doutrinárias sobre o tema, bem como também pesquisa de campo.
Palavras-chave: Desindiciamento. Inquérito policial. Formal indiciamento. 43
sociedade, segundo Tourinho Filho
Introdução
(2009),
cabendo
a
esta
a
O presente trabalho tem por
organização das pessoas para obter
objetivo analisar os efeitos do formal
fins comuns. Porém, para que haja a
indiciamento na vida pessoal dos
subsistência
suspeitos para se conhecer as
necessário um poder que restrinja as
consequências de um indiciamento
condutas humanas, senão cada um
prematuro, que os torna oficialmente
faria o que quisesse, invadindo,
acusados de terem cometido uma
assim, a esfera de liberdade do
infração
será
outro. Os Homens organizaram-se
desenvolvido em três etapas. Na
em Estado para visar à continuidade
primeira, analisa-se o conceito e a
da vida em sociedade, à defesa das
classificação dos delitos, isto é, os
liberdades individuais, ou seja, o
elementos utilizados para conceituá-
bem estar geral.
penal.
Ele
da
Quando
los e que o legislador empregou para
sociedade
há
conflitos
é
de
regulamentá-los. A segunda parte
interesses surge a lide, que é a
está relacionada com a formação do
pretensão
Inquérito
suas
subordinação de um interesse alheio
último,
ao interesse próprio. Para a solução
Policial
características.
e Por
à
exigência
de
de
do litígio de forma pacífica e justa é
procedimento do indiciamento e
necessário que ficasse a cargo de
como tal ato interfere na vida pessoal
um terceiro, que é o Estado.
examinaremos
as
formas
O Estado passa a tutelar os
do suspeito, infringindo o princípio da dignidade humana, para que, na
bens
conclusão,
melhor
normas penais, e sua violação
solução a ser aplicada, que é o
caracteriza ilícito penal ou infração
desindiciamento.
penal. Cabe ao Estado, por meio de
busque-se
a
seus
e
interesses
órgãos,
ao
através
ocorrer
das
uma
infração penal, que tome a iniciativa
1. Dos delitos
de prevenir e reprimir os atos que são lesivos aos interesses e bens
O Homem não consegue viver
tutelados.
sozinho, por isso, para a sua
Para a manutenção da ordem
sobrevivência, passa a viver em
pública cada ser humano cede uma 44
parcela de sua liberdade, e, reunindo
em um conjunto de diligências
todas as parcelas surge o direito de
realizadas pela polícia investigativa
punir, no entanto as penas impostas
para a apuração da infração penal e
além
serão
da sua autoria, destinando-se a
consideradas injustas. De acordo
servir de base para uma futura ação
com Beccaria (2004, p. 20): “[...]
penal, conforme preceitua o art. 12,
apenas as leis podem indicar as
do Código de Processo Penal, a fim
penas de cada delito e que o direito
de possibilitar que o titular da ação
de estabelecer leis penais não pode
penal, que será o Ministério Público
ser senão da pessoa do legislador,
ou o ofendido, possa ingressar em
que representa toda a sociedade
Juízo.
da
necessidade
ligada por um contrato social”.
Quando há um mínimo de
Assim, o legislador apenas pode
elementos a autoridade policial deve
fazer leis gerais, devendo todos
instaurar
obedecerem, não podendo o juiz
conforme o artigo 5º, § 3º, do Código
aplicar uma pena que não esteja
de Processo penal, sendo que a
estabelecida na lei.
reunião de tais elementos de provas
Há três tipos de delitos: os que
atentam
Inquérito
Policial,
só servem para a propositura da
à
ação penal, jamais para sustentar
destruição da sociedade; os que
uma condenação. Como as provas
afetam o cidadão, em sua existência,
não foram colhidas sob a égide do
seus bens e sua honra; e os que são
contraditório e da ampla defesa, o
atos
lei
juiz não pode fundamentar sentença
determina ou proíbe, tendo em mira
condenatória baseando-se somente
o bem público. Não pode ser
nelas, sendo a única exceção o
considerado como delito o que não
Tribunal do Júri. No caso de exames
se enquadra em tais classificações.
periciais o contraditório será diferido,
contrários
diretamente
o
ao
que
a
não existindo nulidade no Inquérito 2. O Inquérito Policial
Policial, pois se trata de peça meramente informativa.
O Inquérito Policial é um procedimento
Segundo preceitua o artigo
administrativo
20, do Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no
inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, que consiste
inquérito 45
o
sigilo
necessário
à
elucidação do fato ou exigido pelo
mediata, é quando a autoridade
interesse da sociedade”.
policial
Porém, o sigilo vigora para a
toma
conhecimento
da
infração penal por meio de um
autoridade judiciária, membros do
expediente
Ministério
advogado,
representação do ofendido ou seu
cabendo Mandado de Segurança
representante legal (notitia criminis),
contra a autoridade policial que
que é de cognição mediata.
Público
e
proibir o advogado de consultar
escrito;
Por
ou
observância
de
à
autos de Inquérito Policial, ou, até
obrigatoriedade do Inquérito Policial
mesmo Habeas Corpus (julgado
a autoridade policial está obrigada a
atual), pois há prejuízo da liberdade
atender à requisição, e não porque
do indiciado por cerceamento de
se trata de uma ordem, havendo
defesa.
quem entenda (minoritariamente),
O poder discricionário está presente
no
estando
a
Inquérito
que a requisição do magistrado fere
Policial,
o Princípio da Imparcialidade e o
discricionariedade
sistema acusatório.
relacionada com as diligências a
A prisão em flagrante é uma
serem realizadas pela autoridade
das
policial (artigo 14, do Código de
Policial,
Processo Penal), devendo, esta
criminis, de cognição coercitiva, e
autoridade, proceder as diligências
acontece
que entender necessárias para a
policial toma conhecimento do fato
obtenção de provas.
pela apresentação do suspeito preso
Há
diversas
do
chamado
quando
Inquérito
de
a
notitia
autoridade
de
em flagrante, e, neste caso a peça
instauração do Inquérito Policial
inicial será o Auto de Prisão em
podendo ser: de Ofício (notitia
Flagrante. Há também a notícia
criminis),
oferecida por qualquer um do povo,
que
é
formas
características
de
cognição
chamada de delatio criminis.
imediata, é quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso
meio
diligências
investigatórias, para a oitiva do
iniciando-o
indiciado, no item V, do artigo 60, do
através de Portaria; de Requisição
CPP, consta que “o interrogatório do
de Juiz ou do Ministério Público
indiciado deve ser realizado, no que
(notitia criminis), que é de cognição
couber, nos moldes do interrogatório
rotineiras,
de
às
suas
atividades
por
Quanto
46
judicial”. Como o contraditório na
indiciadas sem a autorização prévia
fase policial não existe então não é
do Ministro Relator do Inquérito
necessário advogado nesta fase,
Policial.
sendo assegurado ao indiciado o
O
direito
ao
silêncio,
inclusive,
mentir
podendo,
durante
o
interrogatório.
procedimento
de
investigação
mediante
policial
possui roteiro
não
inquérito pré-
definido, as providências e rumos da
Na conclusão do Inquérito
investigação
ficam
a
cargo
Policial é feito, pela autoridade
discricionariedade
policial,
policial que a preside. No entanto, a
um
minucioso
acerca
das
desenvolvidas
relatório diligências
na
apuração
lei
da
entendeu
algumas
infração penal (art. 10, § 1º, CPP),
da
da
por
poucas
autoridade
bem
tipificar
medidas
pré-
processuais.
não existindo juízo de valor em tal
O ato de indiciamento, que
relatório, pois é o Ministério Público
também é chamado de indiciação,
quem fica incumbido de formar
não
a opinio delict.
pormenorizado
é
Processo 3. O indiciamento
expressamente pelo
Código
Penal,
de
porém,
foi
padronizado pela prática policial como uma das “formalidades de indiciamento”,
Indiciar é atribuir a autoria de
sendo
compostas
uma infração penal a uma pessoa,
pelo Despacho de Indiciação, Auto
para isto é necessário prova da
de Qualificação e Interrogatório,
materialidade e indícios de autoria.
Boletim
Existe o indiciamento direto, que é
Prontuário de Identificação Criminal.
quando o acusado está presente, e o
Quando a autoridade policial
de
Pregressa
constata
ele está ausente. Em regra, qualquer
infração penal e descobre o autor e
pessoa pode ser indiciada, exceto
partícipes
membros
necessariamente,
magistratura
e
existência
do
de
e
indiciamento indireto, que é quando
da
a
Vida
fato,
uma
deve,
indiciá-los.
O
membros do Ministério Público, bem
indiciamento é ato formal da Polícia
como as pessoas que possuem foro
Judiciária,
privilegiado
de
principal a conversão do status de
função, não podendo estas serem
sujeito passivo do “investigado” para
por
prerrogativa
47
que
tem
por
efeito
“indiciado”,
significando
maior
polícia
para
ser
formalmente
sujeição à investigação preliminar e
indiciado, por ser um dos suspeitos
insinuação da adoção de medidas
de ter infringido o artigo 16 da Lei de
pré-processuais invasivas, conforme
Imprensa. Alegou seu advogado, o
o caso. Um outro efeito, que também
Dr.
é de natureza prática, é o registro da
(FOLHAONLINE, 2003):
imputação nos assentos pessoais do
Adriano
[...]
Sales
o
Vanni
indiciamento
indiciado, nos termos do artigo 23,
representaria um constrangimento
do CPP.
desnecessário, uma vez que se trata
Referente à identificação do
de crime de pequeno potencial
acusado (item VIII, do artigo 6º, do
ofensivo, que não gera antecedente
CPP),
criminal para réu primário [...]
a
Constituição
Federal
autoriza a identificação criminal,
[...] o indiciamento marca
salvo quando o indiciado tiver sido
qualquer pessoa [...]
civilmente identificado. Entretanto o
No caso acima o Habeas
artigo 5º, LVIII, da Constituição
Corpus preventivo foi deferido, assim
Federal/1988, que é uma norma de
evitou que o apresentador fosse
conteúdo
permitindo,
indiciado antes de ser interrogado no
assim, que norma infraconstitucional
Inquérito Policial, tendo o Tribunal
trace as hipóteses de identificação
determinado à autoridade policial
criminal, mesmo sendo civilmente
que o ouvisse em Declarações e não
identificado
o indiciasse naquele momento.
10.054/00
limitado,
o vem
acusado.
A
lei
complementar a
Também pode-se requerer o
norma constitucional, trazendo um
trancamento do inquérito policial,
rol dos crimes que é obrigatória a
como é o caso do Declarante H.D.A,
realização da identificação criminal.
advogado, que impetrou Habeas
Para evitar que haja o formal
Corpus
para
indiciamento no Inquérito Policial
inquérito
policial
pode-se impetrar Habeas Corpus
indiciado (processo n. 318/2009 do
preventivo, sendo este raramente
5º Ofício Judicial de Votuporanga-
deferido. Como exemplo temos o
SP),
caso do apresentador de televisão
investigado, por ter cometido, em
Gugu Liberato, ocorrido em 2003, o
tese, o crime previsto no art. 171, do
qual foi intimado pelo delegado de
Código Penal (estelionato), e foi 48
no
qual
trancamento antes
estava
de
do ser
sendo
ouvido como declarante. A liminar foi
Considerações finais
deferida em 26/08/2009, no Habeas Corpus n. 990.09.204569-5, 2ª Câm.
Conclui-se pelo exposto que o
de Direito Criminal do TJSP, p.2/4,
indiciamento não é ato arbitrário e,
no qual foi ministro relator Ronaldo
para ser levado a efeito, a autoridade
César Moreira da Silva[1].
deve possuir indícios fortes da
Entretanto, na maioria das
ligação entre o indivíduo e a conduta
vezes o que acontece, como já dito,
penal, não podendo escolher entre
é o indeferimento da liminar, que é o
indiciar ou não, preenchidas as
que ocorreu no Inquérito Policial
condições exigidas por lei deve o
(processo n. 363/2009 do 5º Ofício
infrator ser indiciado.
Judicial de Votuporanga-SP), em
Entretanto, muitos inquéritos
que duas advogadas, K.A.B. e V.A.L,
que tiveram os suspeitos indiciados
foram acusadas, e indiciadas, por
foram posteriormente arquivados por
terem, em tese, cometido o crime do
falta de provas, nos termos do artigo
art. 293, V, do Código Penal. Após
18, do Código de Processo Penal, ou
procedidas as diligências policiais, o
seja, sequer houve denúncia e,
representante do Ministério Público,
como em casos de indiciamento,
Dr.
inexiste previsão legal expressa
Marcus
Vinícius
Seabra,
requereu o arquivamento nos termos
permitindo
do artigo 18, do CPP, alegando que:
registros pessoais do investigado,
“Ademais, para a configuração do
que contém seus nomes, suas
delito
características, os dados relativos à
é
imprescindível
caracterização subjetivo
tipo...
elemento
penal
retirada
dos
supostamente
praticada, informados aos Institutos
razoável crer que as causídicas em
de Identificação e Estatística, ou
questão não obraram com dolo no
repartições
episódio em tela...”. No presente
informações permanecerão em seus
caso
cadastros definitivamente, sem a
proferida
Portanto,
infração
sua
é
foi
do
do
a
a
sentença
determinando o arquivamento dos autos na forma
requerida
congêneres,
cujas
possibilidade de exclusão.
pelo
Embora
Parquet.
a
jurisprudência
majoritária entenda que o simples indiciamento do suspeito, realizado
49
no curso do inquérito policial, não
criminais e nela sempre constará
configura maus antecedentes, bem
que foi indiciado.
como não atenta contra o princípio
Todavia, para preservação do
da presunção de inocência, previsto
princípio
na
considerando
Constituição
Federal,
o
da
dignidade os
humana,
prejuízos
que
indiciamento é estigmatizante em
possam advir na esfera jurídica do
relação à pessoa investigada, pois,
indivíduo
muitas vezes por força de um
indiciamento prematuro, sob pena de
simples indiciamento realizado de
causar-lhe
abalo
forma
eternidade
das
prematura,
sem
qualquer
por
força
de
moral,
um
e
informações
a no
fundamentação, especialmente nos
sistema, a solução mais adequada é
casos em que posteriormente o
o desindiciamento, ou seja, nos
inquérito policial foi arquivado, a
casos em que o inquérito policial é
pessoa perde a credibilidade, a paz,
arquivado ou que o indiciado é
o emprego, bem como não consegue
absolvido ou cumpriu a pena na ação
este
tem
penal, que possa ser extinto os seus
apresentar certidão de antecedentes
dados pessoais nos órgãos em
devido
ao
fato
que
houve o registro do indiciamento.
50
Referências BECCARIA, Césare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Vade Mecum. Lei 10.054/00. Identificação criminal. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Vade Mecum. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2007. GUILHERME, Ricardo Eduardo. Indiciamento no inquérito policial. 08. Nov., 2005. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/2005/11/08/3288/. Acesso em 27/05/10. MARTINS FILHO, Mauro de Ávila. O instituto do indiciamento e as infrações de menor potencial ofensivo. 21.fev. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9519. Acesso em 27/05/10. MARRA, Lívia. Advogado evita indiciamento de Gugu antes de depoimento. Jus Navegandi. 24.set.2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em 27/05/10. OLIVEIRA, Rodrigo Barbosa de. Inquérito policial. 27/11/2008. Disponível em: <http://www.artigonal.com/direito-artigos/inquerito-policial-661508.html>. Acesso em 27/05/10. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. [1] Habeas Corpus n. 990.09.204569-5, 2ª Câm. de Direito Criminal do TJSP, p.2/4: [...] E, no caso sub examine, mostram-se inescondivelmente presente o fumus boni juris e o periculum in mora. Com efeito, os argumentos trazidos na impetração mostram-se plausíveis. O cheque fora emitido à guisa de pagamento de parcela futura de acordo judicial homologado. À primeira vista poder-se-á estar frente à fato penalmente atípico [...] De todo o modo, afigura razoável sustar-se o prosseguimento do Inquérito Policial. Bem por isso defiro a prestação jurisdicional buscada em caráter liminar e determino a sustação do andamento do inquérito policial até o julgamento deste remédio constitucional [...]
51
HERMENÊUTICA E FUNÇÃO JUDICIAL CRIADORA: DECISÓRIO À LUZ DA ANÁLISE DO DISCURSO
O
DISCURSO
"Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto." Dilthey
PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães. Docente do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A pesquisa bibliográfica trata da politicidade no discurso decisório (sentença) à luz da teoria da Análise do Discurso. Inicialmente discorre sobre a evolução das concepções hermenêuticas, desde a escola da exegese até as teorias atuais que sustentam o modelo da pós-modernidade. Ao avaliar as novas vertentes, que compõem o paradigma hermenêutico emergente, apresenta a intersecção entre elas e as teorias sobre o discurso (AD), disseminada após o giro linguístico. A partir de tal arcabouço, o artigo trata das causas e das consequências da discricionariedade judicial, enfocando os problemas da subjetividade e da ideologia na sentença (Nova Crítica do Direito). Afinal, ilustra a questão com a análise do discurso de acórdãos, evidenciando como a formação discursiva, a posição social e a visão política do magistrado intervêm de modo crucial na interpretação da lei, contribuindo tal fato para a heterogeneidade nos julgamentos.
Palavras-chave: Politicidade do Judiciário. Hermenêutica. Nova Crítica do Direito. 52
Análise
do
Discurso.
outras coisas. Isso sugere que não
Introdução
existe
Desde o início do século XX, com
a
chamada
a
“neutralidade”
interpretação,
reviravolta
pois
na jamais
linguística (linguistic turn), com o
poderemos
advento dos estudos em semiótica, o
diretamente, sem um filtro, sem um
fenômeno jurídico passou a ser
olhar contaminado ou condicionado,
estudado pelo viés textual, já que o
especialmente
direito
humanas e sociais.
realiza-se
por
meio
de
conhecer
as
coisas
nas
ciências
discursos, a saber: discurso das leis
Sempre
haverá
(discurso normativo); discurso dos
intermediação
requerimentos; discurso da doutrina
condicionamentos
(discurso científico) e discurso das
culturais
sentenças (discurso decisório).
interpretação da realidade e também
dos
valores,
linguístico-
no
momento
gramatical da linguagem, enquanto
a
ciência
a
compreensão
antecipa
tenta
conhecimento
da
dos
hermenêutica
signos,
hoje
dos
da
dos textos que nela circulam (e que
Para além da análise lógica e
geral
a
refletem).
Assim,
a
prénosso
realidade
e
da
também nossa relação com os
fluxo
textos, nessa categoria inseridos os
contextual, ou seja, no conjunto
textos da lei (discurso normativo),
linguístico-temporal de uma tradição
que nada mais são do que uma
social, cultural, econômica e política.
espécie de discurso humano.
compreender linguagem
o
dentro
acontecer de
um
Desse
Um termo e um texto (e também o
modo,
os
aportes
termo e o texto legais) só podem ser
teóricos da disciplina denominada
interpretados dentro de um contexto.
Análise
A expressão “reforma agrária”, por
relevantes para o estudo do direito,
exemplo,
pois
tem
um
significado
do
Discurso
são
introduziram
hoje
novas
(disfórico) para o proprietário e outro
perspectivas
(eufórico) para o sem-terra. Para o
investigações
hermenêuticas.
O
administrador (governo), que deve
jurista,
de
os
lidar com ela, e para o juiz, que deve
métodos de exegese tradicionais,
decidir sobre uma ocupação, ainda,
deve
poderá esse termo significar muitas
interpretação da lei, a formação
além
agora
teóricas
conhecer
admitir
que,
às
na
discursiva do juiz influenciará tanto 53
na
recepção
(condicionando
da
atribuição
interpretativas,
analisando
os
de
métodos hermenêuticos tradicionais,
sentidos) quanto na produção dos
as teses do paradigma hermenêutico
argumentos que fundamentam a
emergente e a teoria de Ronald
sentença.
Dworkin, para finalmente concluir
Tal
a
norma
formação
discursiva,
pela insuficiência de todas elas à luz
como veremos adiante, determina-
da teoria da Análise do Discurso.
se por fatores históricos, culturais e
Para exemplificar, analisará alguns
sociais e depende do ambiente
acórdãos
discursivo em que o juiz se formou.
ideológica se manifesta.
Desse
modo,
com
a
em
Por
que
meio
de
formação
pesquisa
denominada viragem linguística, o
bibliográfica,
caráter político-ideológico do texto
algumas
decisório começou a ser debatido.
hermenêutica
contemporânea:
Desde então, a interpretação da lei é
limites
da
vista
jurisdicional;
como
axiológica
uma e
emanação
argumentativa,
o
a
estudo
questões
criativos teto
relações
entre
analisará
centrais
da
prestação
hermenêutico; poder
socialmente atuante e contagiada
discricionariedade
por valores e vivências do juiz, que
decisório.
não julga de modo asséptico e frio,
a formação discursiva do juiz é
mas está sempre, ainda que não
condicionada pela posição histórica,
queira e não perceba, condicionado
social
a sua formação discursiva e por sua
também
visão política.
interpretação,
A proposta da pesquisa é,
discurso
demonstrar
e
como
cultural
e
condicionante
da
pretende-se
determinar que na complexa trama
pois, analisar a politicidade no
da
discurso
disseminam
decisório
Ao
no
e
(sentenças)
sentença
expressam-se os
e
(pre)conceitos,
descrevendo e avaliando as causas
crenças e utopias, não havendo
e os efeitos da discricionariedade na
possibilidade de sentença neutra.
função judicial à luz dos postulados da
Análise
do
Discurso
e
Partir-se-á da hipótese de
da
que, ao interpretar, a ideologia
hermenêutica jurídica tradicional.
influencia na atribuição de sentidos
Para tanto, o artigo apresenta
que o juiz dará aos termos da lei, não
uma síntese evolutiva das correntes
havendo possibilidade de sentença 54
isenta
de
politicidade
um instrumento ideológico amplo e
ou
persuasividade.
transformador,
Entende-se política
não
aqui
em
o
sua
termo
(possivelmente)
responsável pelo advento de novas
acepção
realidades e perspectivas sociais.
“partidária”, mas em seu sentido
Como contribuição, pretende-
primeiro, etimológico, como noção
se alimentar os debates sobre as
do que é a “cidade ideal”. Assim
novas formas hermenêuticas, à luz
sendo, a politicidade manifesta-se
das
sempre que o magistrado decide
especialmente
levando em conta o que considera
Discurso, subsidiando a reflexão
adequado para o advento de uma
interdisciplinar
dos
sociedade
comprometidos
com
perfeita,
em
que
teorias
da da
linguagem, Análise
do
exegetas busca
do
chamado “direito justo”.
prevaleça o bem comum, segundo sua interpretação pessoal. O problema surge quando se
1.
reconhece que o sentimento do justo
A
evolução
das
correntes
hermenêuticas
varia de acordo com o contexto de onde provém o magistrado. Isso cria
Lutar com palavras parece
potencialmente instabilidade jurídica
sem fruto. Não têm carne e sangue... Entretanto, luto. Palavra,
em razão de decisões díspares. Diante dessas contradições e
palavra (digo exasperado), se me
da lacuna doutrinária quanto ao tema
desafias, aceito o combate.
é que se organiza o presente estudo,
(Carlos Drummond de Andrade)
partindo da premissa de que o hermeneuta,
precisa
Uma das questões teóricas
questionar não só as possíveis
fundamentais que divide a doutrina
interpretações
mas,
jurídica atual refere-se aos limites
fundamentalmente, a legitimidade
hermenêuticos na atividade judicial.
das interpretações políticas da lei.
Em grossa síntese, ao longo do
Este
hoje,
da
a
tempo, verifica-se gradativamente a
sentença não apenas como uma
ruptura do paradigma da sentença
prestação jurisdicional dada à lide,
como
mas como um complexo fenômeno
dedutiva da lei (subsunção).
da
artigo
lei,
linguagem
investigará
humana, 55
resultado
da
aplicação
Inicialmente, a Revolução Francesa,
acordo com a tradição do direito e do
com a Escola da Exegese e sua
instituto em exame, qual a melhor
proposta
interpretação
dogmática
positivista,
para
a
norma?
afastou o discurso jurídico de seu
(argumento histórico – origo legis); d)
componente histórico, ideológico e
consideradas as condições vigentes
valorativo. Até o final do século XIX,
ao tempo da confecção da norma,
a aplicação da lei era vista pela
quais são seus possíveis objetivos?
doutrina como um silogismo no qual
(argumento
uma norma (premissa maior) era
legis); e) há, no ordenamento, outra
aplicada a um fato (caso concreto) e
norma que esclareça o significado
se
desta
chegava,
por
subsunção
em
histórico
estudo?
–
occasio
(argumento
dedutiva, a uma conclusão expressa
sistemático); f) qual a interpretação
pela sentença.
que
Com
a
esta
norma
em
consolidação
da
harmonia com o sistema jurídico?
histórico-evolutiva,
o
(argumento sistemático); g) qual o
automático dedutivo
vai
interesse protegido e o fim da
corrente modelo
mantém
sendo superado e o intérprete passa
norma?
(argumento
teleológico).
a considerar também os fins da lei e
Após essa verificação, satisfazendo
o impacto social da decisão. Para
a interpretação pretendida (de modo
tanto, deve responder a algumas
convergente) a todas as indagações,
indagações básicas antes de dar a
estaria o intérprete diante de um
exegese definitiva a uma norma.
sentido satisfatório para a norma.
Marques (2006), resumindo os
métodos
tradicionais, questões
hermenêuticos
assim
que
o
sintetiza exegeta
1.1
as
O
paradigma
hermenêutico
emergente
deve
formular para si mesmo antes de
O direito não é exato. Suas
definir o sentido de uma lei: a) neste
leis são feitas de palavras e não de
idioma, segundo as regras desta
símbolos (como a química) ou
língua, o que significa esse texto?
números (como a matemática). Não
(argumento
qual
lida com fatos, como a biologia, a
faz
física e a química, mas com a
sentido e satisfaz a lógica do
interpretação dos fatos (feita pelo
razoável? (argumento lógico); c) de
homem). Diante de um homicídio, o
interpretação
gramatical); desta
b)
norma
56
biólogo diria apenas “está morto”
ideia da permanência da ordem
(constatando o fato), mas o jurista
jurídica dominante.
interpretaria
o
fato
e
avaliaria
Segundo
Viana
(1999), o
das
instituições
segundo seus valores se a pena
funcionamento
deve ser de 6 ou de 20 anos, ou se o
contemporâneas está modificado e
réu deve ser absolvido por legítima
Judiciário, nessa nova ordem, não é
defesa,
uma
mais periférico na praxis republicana
agressão injusta, ou se estava em
e esse inusitado “protagonismo”
estado
por
político dos juízes tem causado
exemplo. O direito lida, pois, com
controvérsias entre princípios do
a vagueza da linguagem humana (o
direito e valores político-sociais.
que é agressão injusta? o que
Argumentam,
é
Constituição
por
ter
de
necessidade,
necessidade?)
flexibilidade
repelido
e
e
com
mutabilidade
a
ainda, Federal
que de
a
1988,
dos
especialmente com os comandos
valores. Sendo assim, o homem,
programáticos dos artigos 3º e 5º,
comunicando-se
outros
teria fundamentado a tese de que ao
indivíduos com a linguagem natural,
intérprete cabe dar à lei uma
sempre julga a realidade, pois toda
exegese construtiva e possivelmente
concepção, e também a jurídica,
inovadora, levando em conta os fins
decorre dos acervos de valores e
sociais e o bem comum. Tais
crenças pessoais.
dispositivos endossariam a atuação
com
Por essa razão, diante das diversas
do
juiz,
admitindo
de
interpretações revitalizadoras, desde
interpretação do texto legal surge o
que fundamentadas por argumentos
problema
razoáveis
judicial.
possibilidades
política
da Os
discricionariedade defensores
dela
e
teleologicamente
justificáveis.
consideram que os métodos de
Diante de tais ponderações, a
interpretação tradicionais não devem
cultura jurídica pós-moderna vem se
servir de argumento para bloquear a
refletindo
realização da justiça, criando o
hermenêutica
chamado teto hermenêutico, mas
transformador. Ao lado dos métodos
solucionar os conflitos de modo
tradicionais (gramatical, histórico,
criativo, ainda que isso arranhe a
lógico, sistemático) e dos modelos sociológico 57
diretamente
e
de
teleológico,
na modo
novas
tendências
consolidam-se
nos
ele,
o
intérprete
bastante
não encontra, mas dá ou atribui um
heterogêneo e estão agrupadas pela
sentido à norma a partir de suas
doutrina
denominação
experiências pessoais, culturais e
“paradigma
históricas. Por mais que as normas
tribunais
de
modo
com
genérica
a de
hermenêutico emergente”. Vale
ressaltar
sejam claras, é impossível haver que
as
uniformidade, já que o homem pode,
mudanças justificam-se diante da
segundo sua personalidade e seus
insuficiência
dos
métodos
valores,
tradicionais,
incapazes
de
conservadoras ou transformadoras
dar
eficácia ao numeroso rol de direitos
adotar
posturas
(e criativas) da lei.
surgidos no final do século XX.
Paralelamente,
correntes
novas
como a Escola da Livre Pesquisa e
concepções teóricas o foco da
Livre Formação do Direito de Geny
interpretação não mais recai sobre o
(o
texto da lei. Com isso, enfraquecem
admitem decisões judiciais que se
as
estendem não apenas “além” da lei,
Segundo
as
interpretações
objetivistas
denominado
mas também “contra” a lei.
(centradas na objetividade do texto), propostas por Betti, para quem a hermenêutica para
era
encontrar
“correta”,
o
a
uma
Em termos gerais, segundo
técnica
Soares (2010), no paradigma pós-
interpretação
“sentido
Alternativismo),
exato,
positivista,
vincula-se
hermenêutica
mais
a
fortemente
“o verdadeiro sentido do vocábulo
aos
legal”.
constitucionais erigidos em valores A
visão
dogmática,
que
princípios
fundamentais.
Desse modo,
subordinava o intérprete ao texto e
os standards passam a ter prioridade
supunha a existência de uma única
axiológica
interpretação legal, dita “objetiva”,
dispositivos
cede espaço para a hermenêutica
considerados, segundo Alexy (na
filosófica de Gadamer, segundo o
teoria
qual a interpretação é uma opção
Procedimental)
valorativa que depende de pré-
otimização do sistema jurídico. Com
compreensões
pré-
isso, aumenta a discricionariedade
juízos valorativos do juiz. Segundo
judicial, pois se uma lei confronta
e
58
sobre legais,
da
os
demais
pois
são
Argumentação mandados
de
com o conceito (noção pessoal) que
Vê-se, pois, que as ciências
o juiz tem de um princípio (comando
da persuasão são cada vez mais
geralmente aberto e polissêmico),
valorizadas no âmbito do direito. O
terá
processo argumentativo passa a ser
este
ampla
margem
para
argumentar.
visto não mais como algo respaldado
Em outra vertente teórica, no
em evidências, mas baseado em
modelo pós-positivista, passa-se a
juízos de valor, consensos, axiologia
valorizar a dimensão discursiva-
e argumentação. A interpretação da
comunicativa, reconhecendo-se que
lei deixa de ser dedutiva e passa a
o direito é uma manifestação da
ser dialética. Com isso a retórica,
linguagem humana. Hoje vigora a
antes
tese de que a linguagem funda e
estilística da linguagem jurídica,
constitui o mundo (e não apenas
ganha status de ciência primordial,
o
fundindo-se
exprime,
como
anteriormente). interpretação
se
Desse
modo,
a
atrelada
visceralmente
à
à
hermenêutica.
poderia
Na cristalização das novas
“correto,
perspectivas também atuaram as
escondido” no texto legal, mas sim
teses de Gadamer (ao esclarecer
“atribuirá”
performance
que a hermenêutica não é uma pura
criadora) um sentido para a lei,
técnica de interpretação, mas diz
salientando nesse ato as faculdades
respeito
psíquicas, os valores e os estados
acesso
interiores do intérprete por meio da
mundo),
linguagem. Não existe, por exemplo,
estudos sobre o funcionamento dos
um sentido “correto” para o termo
aparelhos ideológicos do Estado, os
“isonomia”. O juiz não “encontra” o
AIE), e Maingueneau (enfocando
sentido, mas “atribui” de acordo com
pragmaticamente
sua ideologia (valores, subjetividade,
como
crenças, sentimentos). É por essa
que, necessariamente, dissemina as
razão que um magistrado entende
ideologias da instituição de onde
que as cotas raciais na universidade
provém seu emissor).
“encontrar”
não
pensava
meramente
um
sentido
(numa
ferem a “isonomia”, enquanto outros
à
totalidade
de
sobre Althusser
o
(com
a
forma
nosso
seus
linguagem, de
ação
Vale ressaltar que, nesse
entendem que não.
estudo, o termo ideologia, que é
59
plurissignificativo,
será
entendido
ideológicos,
como:
interagem [...]
um
conjunto
lógico,
por
meio
sujeitos
historicamente
da
e
qual
grupos
condicionados.
de
Perelman esclarece que o domínio
representações (ideias e valores) e
jurídico é o espaço retórico da
de normas ou regras (de conduta)
dúvida, no qual prevalecem i) não a
que indicam e prescrevem aos
verdade e a certeza apodítica, mas a
membros da sociedade o que devem
verossimilhança; ii) não a lógica,
pensar e como devem pensar, o que
mas a razoabilidade; iii) não a
devem valorizar e como devem
demonstração
valorizar, o que devem sentir e como
capacidade
devem sentir, o que devem fazer e
pela
como devem fazer. Ela é, portanto,
descabimento
um
neutralidade
sistemático
e
coerente
corpo
explicativo
dedutiva,
mas
argumentativa,
qual,
seria
razão
um
total
falar-se ou
a
em
objetividade
(representações) e prático (normas,
discursiva. Para o filósofo belga, as
regras,
premissas
preceitos)
prescritivo,
de
normativo,
caráter
seriam
regulador,
no
discurso
“escolhas”
jurídico
do
emissor
cuja função é dar aos membros de
(condicionadas aos seus valores e
uma sociedade dividida em classes
intenções) e não “dados naturais”
uma explicação racional para as
como
diferenças
proposições
sociais,
políticas
e
em
outras
ciências.
jurídicas
As
seriam
culturais (CHAUÍ, 2008, p. 108-109).
retóricas, pois visariam convencer
[grifo nosso].
um auditório (os receptores da
A
Nova
Perelman
Retórica
também
de
mensagem jurídica). No mesmo
influenciou
sentido,
segundo
os
postulados
sobremaneira nas transformações
da Nova Retórica, pode-se deduzir
hermenêuticas.
que
Segundo
essa
discurso
destina-se
comando impositivo que faz lei entre
específicos (as partes, os juristas e o
as
um
povo) e deve o juiz empregar as
enunciador neutro para réus de
estratégias argumentativas capazes
postos sociais indefinidos, mas um
de
artefato
e
(convencimento) em tais receptores.
transformador, com raízes e frutos
A opinião pública conhecerá a
lançado
político
por
penetrante
60
causar
a
três
magistratura
teoria, a sentença não é um mero
partes,
a
da
auditórios
adesão
mental
decisão por meio da imprensa e, por
outra de ordem pragmática (isso se
isso, a decisão não pode chocar o
traduz
senso de equidade, pois deve ser
aceitáveis pelo meio), porque estaria
aceita
de acordo com o que parece justo e
democraticamente
e
não
na
busca
de
soluções
imposta. Segundo Perelman (2004,
razoável
p. 242) os juízes devem dizer o
circunstâncias específicas. Sendo
direito de acordo com a vontade da
assim, o juiz possuiria um poder
nação e não com a vontade do
criativo e complementar que lhe
legislador que as expressou, nem
permitirá adaptar a lei aos casos.
ao
juiz
naquelas
com sua vontade pessoal. Quando
Não se pode negar que as
existirem razões para acreditar que o
palavras (e também as palavras da
legislador atual não poderia partilhar
lei)
as opiniões do legislador antigo,
significados diversas (polissemia).
dadas
Ao interpretar, cada juiz estabelece
as
referentes
ao
alterações
sociais
assunto
tratado,
ensejam
determinado
atribuições
vínculo
de
com
a
poderá o julgador distanciar-se do
realidade. Desse modo, decidir é
texto original. Se uma conclusão
parafrasear o texto da lei. O juiz, ao
jurídica (sentença), decorrente de
aplicar a norma a um caso, pesquisa
um silogismo (cuja lei é a premissa
seu
maior e os fatos a premissa menor),
sentido de acordo com seus valores
for inaceitável, a lógica formal deve
pessoais.
ser substituída pela lógica jurídica,
significado,
adaptando
seu
O povo, a quem também a
cujo papel é demonstrar por meio da
decisão
se
destina,
dada
sua
argumentação a aceitabilidade das
obrigatória publicação, relaciona-se
premissas.
com a sentença de intrincadas
Em suma, a lógica jurídica
maneiras. A argumentação judicial
depende do modo como os juízes
remete (sutil ou explicitamente) a
concebem sua missão, e da ideia
outros tantos discursos valorativos
que tem do direito e de seu
circulantes no contexto, e pode
funcionamento na sociedade. O
impor, repetir, simular ou atacar
direito, então, obedeceria a duas
ideias. Nesse sentido é também
exigências.
um
sistemática
Uma (devendo
de ser
ordem
poder
cada
decisão coerente com as demais), e
artefato (trans)formador.
de Toda
sentença é um ato de governo 61
prestado ao cidadão. Busca não só exterminar
a
lide,
mas
Com a fundamentação, a
intervir
sentença deve atingir a aceitação
didaticamente sobre as crenças e
social da decisão de modo que os
ações sociais e prover a paz. Isso se
fins da lei sejam alcançados. Vale
constata
pela
ressaltar que em nada se confunde
repercussão estrondosa (na mídia e
tal permissão ou elasticidade com o
na sociedade) de algumas decisões,
partidarismo ou a parcialidade caso
especialmente dos tribunais, como
em que o juiz (cidadão-individual)
se viu em casos como uso de
estaria
células-tronco
para
pessoais às partes em litígio. Assim,
tratamentos, cotas raciais, aborto de
o foco da interpretação deslocar-se-
anencefálico, ortotanásia e, com
ia da objetividade do texto para a
mais
subjetividade do juiz e a aceitação da
claramente
embrionárias
nitidez,
nos
crimes
de
repercussão nacional. À
luz
argumentação,
da
teoria pois,
da
capacidade
o
magistrado
(cidadão-social),
calibrador das tensões de
interesses
persuasiva ao
do
fundamentar
a
decisão. Para a Lógica do Razoável,
seu
tempo, autorizado a julgar conforme
do
suas
operação
convicções
por
sentença estaria condicionada à
estaria,
magistrado
ligado
ideológicas,
jurista
mexicano
Sichés,
hermenêutica
a
deve
buscando o discurso que considere
compatibilizar-se com o direito justo,
razoável (e não apenas racional).
considerando
Trata-se
histórico-culturais
da
ampliação
da
as
especificidades de
cada
caso
ocorre,
concreto, em vista da singularidade
segundo Engisch (1988, p. 21 apud
que rege a vida humana. Tal vertente
SOARES, 2010, p. 116) quando a
teórica, propõe que a sentença é um
decisão última sobre o que é justo no
“sentir” (o juiz primeiro sente qual
caso
discricionariedade
concreto
responsabilidade “deferida
à
que
é de
confiada
à
seria a solução razoável para o caso
alguém,
é
e, só depois, procura na lei uma
concepção
(em
justificação
que
lhe
de
reforça
a
particular, à valoração) individual da
fundamento),
personalidade chamada a decidir em
politicidade da função judicial.
concreto”.
também
sirva
Ainda dentre as novas teorias, destacam-se 62
a
Tópica
de
Viehweg, segundo a qual o centro de
juridicamente como a opinião de um
gravidade do raciocínio jurídico não
homem político.
é
a
subsunção,
a
Tarufo (apud SILVEIRA) cita
invenção baseada em premissas
ainda outras teorias. A primeira,
razoáveis. Na doutrina nacional, os
denominada
estudos construtores do arcabouço
approach ("abordagem evolutiva"),
alternativista, dentre eles, Andrade e
afirma que os tribunais devem
Azevedo,
a
adaptar o conteúdo das leis às
dimensão política da função judicial
evoluções sociais e valores públicos.
e
São
debruçam-se
neutralidade
também
mas
da
sobre
jurisdição
alimentam
o
e
debate
evolutive
expoentes
Alexander
dessa
Aleinikoff
doutrina e
Guido
doutrinário sobre a politicidade do
Calabresi. O juiz deve suprir certos
discurso decisório.
defeitos intrínsecos do processo
Em
decorrência
inovações
dessas
legislativo: exclusão de minorias,
hoje
inércia e defasagem da lei. Outra
fala-se
em
hermenêutica
neoconstitucional
sentença
a
Dynamic
é
approach (abordagem dinâmica)
uma intervenção axiológica, com
é mais moderada. Seu principal
prioridade prática e caráter político).
expoente é Eskridge, para quem a lei
Tais aportes teóricos ampliaram os
deve ser interpretada à luz do
limites
ao
contexto social, político e legal
superarem o paradigma da lógica
existente no momento da aplicação
formal na decisão, dando maior
(e não no da promulgação). Assim,
espaço à argumentação razoável (e
se a lei é recente, deve o juiz
não mais racional) e ao “sentimento”
interpretá-la
no ato decisório.
entanto, se essa exegese contraria a
da
(a
teoria,
interpretação
textualmente.
No
Diante disso, atenuou-se a
intenção do legislador ou acarreta
separação entre os dizeres jurídico e
consequências irracionais, o juiz
político e surgiu um novo problema:
deve buscar solucionar o caso
diante dos casos mais complexos, o
concreto
juiz, agora, apoiado na teoria da
debates parlamentares, garantindo
argumentação, exprime na sentença
os valores públicos. Um terceiro
uma
grupo,
tese
que
se
impõe
com
os
a
pesquisa
critical
dos
legal
studies, entende que a justiça deve 63
ser individualizada e centrada mais
às
nos valores do indivíduo do que na
Elabora as chamadas proposições
estabilidade e na uniformidade das
científicas, ou seja, descreve a
decisões (porque a lei pode ser
norma em suas nuances, mas não
preconceituosa).
a
se desencastela, não desce à arena
uma situated decisionmaking (o juiz
social e não lida com as questões
deve decidir conforme uma opção
emergentes nem com os casos
de policy que corresponde à sua
difíceis, postos para a apreciação do
posição ideológica). Mas para isso, o
judiciário.
É
favorável
decisões
jurisprudenciais.
juiz deve assumir o ponto de vista
O magistrado, sem balizas
das minorias que buscam perante o
teóricas seguras, deve, de qualquer
Judiciário a proteção dos seus
modo,
direitos.
Finalmente
sociedade. Atuará, então, como
os originalists propõem uma teoria
político e como legislador, na falta de
arqueológica, pois se baseia na
um socorro científico. Em certos
reconstrução do original intentdos
casos, diante da vagueza, ou da
legisladores
(principalmente
ambiguidade da lei e da inoperância
dos Framers of the Constitution,
doutrinária, criará normas concretas
aqueles
para as partes por meio de atos de
que
Constituição),
promulgaram utilizando
como
dar
uma
repetirá
cultural da época da edição da
decisões,
norma.
jurisprudencial,
de
todas
à
vontade expressos na decisão ou
parâmetro a situação histórica e
Diante
resposta
essas
o
discurso criando onde,
de o
outras cânone
de
fato,
vertentes, o juiz vê-se em sérias
deveria haver a discussão científica.
dificuldades no momento de julgar os
Isso acarreta problemas. Diante da
casos complexos, principalmente os
omissão da ciência do direito, em
de matiz constitucional.
alguns casos, o juiz precisará definir “o que significa” a lei, determinando
Para complicar o problema, a doutrina, discurso da ciência do
comportamentos
direito,
como
valoração pessoal, produzindo um
deveria. Dedica-se, na maioria das
ato vinculante e, em certa medida,
vezes, à descrição da norma, dando
de dominação.
não
tem
atuado
conforme
sua
exemplos distantes da realidade
Portanto, é inegável que os
social e reverenciando, sem críticas,
magistrados agem politicamente e 64
isso, a princípio não é certo nem
vontade). Portanto o pensamento
errado. Mas, sem dúvida, este é um
jurídico (do juiz) é um pensamento
fato crucial a ser analisado pela
de essência e de efeitos políticos,
comunidade
ao
pois é prescritivo. Kelsen, nessa
manipular o discurso legislativo,
perspectiva, nos conduz a uma
tanto pode movimentar-se em razão
conclusão que emparelha com a
de uma visão de extrema esquerda,
tese dos decisionistas: o juiz não
de centro ou de extrema direita,
apenas interpreta e aplica, mas cria
conduzindo os destinos pessoais e
(e também despreza) as leis no
também coletivos, quando decide
momento
ações
mesmo
jurídica,
que
pois
envolvem
direitos
coletivos e difusos, por exemplo.
um
produto
significâncias,
orientado
e
nelas e
incoerências de acordo com sua
de
por
um
[...] na aplicação do direito por
ideologicamente
um órgão jurídico, a interpretação
estaria
simultaneamente,
identificar
pleno
emitido
homem/juiz
podendo
inconstitucionalidades
A sentença, nessa esteira, seria
exegético,
nos
visão.
inserida,
cognoscitiva
universos
operação
político, linguístico e jurídico.
(obtida
de
por
conhecimento)
uma do
direito a aplicar combina-se com um
Desse modo, a ação do
ato de vontade em que o órgão
magistrado ao sentenciar não é
aplicador do direito efetua uma
apenas expressão de uma razão
escolha
científica,
reveladas [...] ela cria o direito.
mas
um
ato
de
entre
as
possibilidades
interpretação que cria realidades, ato
(KELSEN, 2006, p. 394).
de vontade pela qual faz normas
E mais:
particularizadas, nesse ponto se
[...] pela via da interpretação
identificando com o legislador.
autêntica,
quer
dizer,
da
Isso não é novo. Desde
interpretação da norma pelo órgão
Kelsen, está fixado que Estado e
jurídico que a tem de aplicar, não
Direito são termos sinônimos. A
somente
interpretação que a ciência do direito
possibilidades
reveladas
faz da norma (ato descritivo) é
interpretação
cognoscitiva
diferente da interpretação dada pelo
mesma norma, como também se
o aplicador (que é um ato de
pode produzir uma norma que se 65
se
realiza
uma
das pela da
situe completamente fora da moldura
em consequência disso, é também
que a norma a aplicar representa
um difusor ideológico transformador
(ibidem).
da existência social.
Assim,
ao
articular
seus
O confronto entre classes não
valores na fundamentação de uma
se dá apenas na arena econômica,
sentença,
da
mas também mediante arsenais
juiz
discursivos. As relações de poder
por
argumentação,
meio
poderia
o
convencer a sociedade de que
perpassam
determinada interpretação da lei
institucionais
deva prevalecer por ser razoável.
sociedade, e o texto decisório, com
Objeto vivo que é, a decisão
seus
todos que
arrazoados
os
textos
circulam
na
supostamente
reflete as diferentes concepções do
neutros e objetivos também se inclui
justo,
nessa categoria. Como bem notou
com
a
participação
da
subjetividade do emissor e de sua
Warat
ideologia.
interpretação
Isso
é
inevitável
em
(1975),
os
métodos
encerrados
de
numa
qualquer formação textual. O próprio
decisão nada mais são do que o álibi
método teleológico explicita o caráter
retórico
político da interpretação quando
crenças que orientam a aplicação do
propõe que a exegese seja coerente
direito.
para
emergência
das
com os valores, consequências e os
Assim sendo, é claro que o
fins da norma, pois isso tudo
direito, ao ser interpretado, estampa
dependerá, em última análise, de
a linhagem política do exegeta, ou as
algum grau de subjetividade do juiz.
Cortes não reformariam as decisões
Ainda que isso desespere os
umas das outras, tendo em vista
racionalistas,
apegados
ao
mito
interpretarem,
todas
mesmas
não
salienta que a lei, norma geral, é
possível
subtrair
o
Wolkmer
as
positivista da cientificidade do direito, é
leis.
elas,
partidarismo de um homem sem
sempre
esvaziar-lhe a própria racionalidade.
Direito
O discurso, tal como se concebe
necessariamente pessoal. Quando o
hoje,
juiz indaga a consequência social da
é
determinada
uma por
prática
social
formação
de
impessoal,
(1994)
enquanto
aplicado
o
será
decisão, (o que deve fazer sempre,
valores hierarquizada, ligado ao
até
tempo e ao lugar de elaboração e,
constitucional) realiza uma reflexão 66
por
recomendação
legal
e
segundo
sua
experiência.
sentenciar,
Ao
eficácia e a legitimação jurídica e
o
social que a decisão possa atingir.
magistrado parafraseia a lei para
Vistas
as
correntes
mais
validar definições ideologicamente
influentes da hermenêutica atual,
comprometidas,
passaremos às críticas.
tendentes
a
convencer os receptores de que os
Uma das objeções impostas
juízos valorativos por ele postulados
às teses decisionistas é a de que, no
são aceitáveis. Tudo faz mediante o
Estado
uso retórico da linguagem, por meio
apenas o Governo e o Legislativo
da argumentação, ainda que isso
exercem função política. Justifica-se
seja
pelos
a exclusão do Judiciário pelo temor
acusadores da discricionariedade
de um Estado Totalitário, com a
judicial.
ditadura do judiciário, em que os
duramente
criticado
Não se pode negar que a
vivências
(e
formalmente,
juízes pudessem criar leis ou recusá-
sentença é o ponto de articulação de três
tripartido,
las.
habilidades)
Os que se opõe a esse
inseparáveis de seu emissor: a
argumento,
política, a jurídica e a linguística. Isso
(1999), esclarecem que a doutrina
dado o próprio caráter subjetivo da
revolucionária francesa, tendente a
linguagem natural, com a qual são
desqualificar a dimensão política da
tecidas as malhas do texto decisório.
aplicação do direito, exerceu notável
Não
obstante
entre
eles
Azevedo
essa
influência no Brasil, desde nossa
constatação, a interpretação assim
Constituição de 1824, cooperando
entendida
um
para cristalização do “argumento
extremo preocupante, quando a
separatista”, segundo o qual o poder
sentença passa a ser um ato
exercido
descontrolado,
de
democrático por não provir de pleitos
consequências sociais sinistras. Por
eleitorais. Por essa razão, os juízes
isso, é importante investigar os graus
não poderiam nem pensar, nem
de
reconfiguração
fundamentar decisões politicamente.
normativa cabíveis ao intérprete; a
Mas, ainda segundo o autor, uma
razoabilidade e a constitucionalidade
instituição
de seus argumentos e, finalmente, a
não apenas por sua gênese, mas
pode
desvio
chegar
arbitrário
e
a
e
pelo
Judiciário
reputa-se
não
é
democrática
também por exercer tal função (e 67
funcionamento do Poder Judiciário é
impossibilidade de tratar os conflitos
democraticamente
de
Portanto
os
influente).
juízes,
dadas
uma
sociedade
pluralista
e
as
complexa de modo homogêneo. Em
necessárias adaptações históricas,
alguns casos faz-se necessária a
não devem ser mais uma “boca” que
exegese e a aplicação da norma
pronuncia as palavras da lei, como
segundo critérios metajurídicos, com
entendia
aportes da economia, sociologia,
Montesquieu.
Os
que
defendem o poder discricionário judicial
afirmam,
ainda,
a
Nesse contexto de crise e de
Constituição confere poder político
transformações da hermenêutica,
ao
alinha-se
Judiciário,
expressamente
ao o
que
filosofia, biologia entre outros.
atribuir-lhe
doutrina
para
a
de
superação do modelo mecânico
constitucionalidade das leis e o
reprodutivo. Em resumo, na era pós-
poder de julgar a legalidade de atos
moderna, a interpretação torna-se
editados
Daí
mais relativa (não se concebem mais
nasceria a força política do judiciário
verdades absolutas ou eternas, mas
nas sociedades modernas.
temporárias,
pelo
controle
a
Executivo.
Os argumentos das duas
mutáveis
e
questionáveis). Todavia, essa nova
correntes são, em alguma medida,
concepção
sustentáveis, mas a solução para o
jurídico
impasse ainda está longe de surgir.
discricionariedade judicial e seus
O fato irrecusável é que está
trouxe
um
novo
ao
universo
abalo:
o
da
inúmeros efeitos negativos.
cada vez mais aparente nos tribunais a
permeabilidade
(ou
2. O problema da discricionariedade
vulnerabilidade?) da interpretação
nos hard cases e a Teoria da
legal
Integridade de Dworkin.
aos
tornando-se
valores o
caráter
humanos, político-
ideológico da sentença um objeto de
Ronald
estudo fundamental.
Dworkin
(2001),
discorrendo sobre o problema da
Embora na prática jurídica o
discricionariedade na integração da
modelo tradicional proposto por Betti
norma, defende a aplicação dos
ainda
princípios
resista,
priorizando
a
e
das
fontes
do
segurança jurídica como valor maior,
direito quando a lei for obscura ou
percebe-se hoje, na realidade, a
omissa. 68
Estes seriam obrigatórios e
Afirma, ainda, que a tese
vinculariam diretamente a decisão
hartiana dos casos difíceis fere o
do juiz. Com base nessa tese,
princípio da legalidade, pois, se não
Dworkin critica a teoria do arbítrio
há normas claras, nenhuma das
judicial defendida por Hart, para
partes possui direitos ou deveres.
quem, quando não há uma resposta
Assim, se o juiz estabelecer uma
clara
da
norma ex post facto na sentença,
linguagem,
estaria realizando uma aplicação
para
o
caso,
indeterminação
diante
da
deveria o juiz tomar a decisão que considerasse acordo
com
mais
razoável,
suas
retroativa do direito.
de
O modelo de decisão judicial
preferências
baseado
no
argumento
de
morais e políticas, já que o juiz não
princípios solucionaria a questão,
estaria
justificando o papel dos juízes no
vinculado
aos
princípios
socialmente adotados.
Estado Democrático de Direito, pois
Dworkin (2001) propõe que
as sentenças assim fundamentadas
nos casos difíceis (os hard cases),
não
localizados naquelas hipóteses em
discricionárias (porque os princípios
que o direito positivo não oferece
que as fundamentam já existem
solução,
previamente
prevaleça
a
teoria
do “Direito como Integridade”.
casos
no
nem
direito).
A
pois, limitada às fontes e aos
haveria
princípios do direito. Tal modelo
uma resposta adequada (e outras
busca reduzir a insegurança da
inadequadas)
decisão judicial, a qual deve estar
hartiana,
da
difíceis
retroativas
discricionariedade do juiz estaria,
Assim, sustenta que mesmo nos
seriam
e
que
a
teoria
discricionariedade
afinada
com
a
concepção
de
judicial, não poderia ser justificada
direito como integridade, ou seja,
num Estado democrático, uma vez
deve valorizar o ideal político da
que o exercício de poderes típicos do
integridade. Isso significa que a lei
legislativo pelos juízes desvirtuaria o
deve
princípio democrático da soberania
organismo coerente de princípios e
popular (pois esses não foram
que
eleitos, e, portanto não poderiam
ser equitativos, respeitando o devido
criar leis ao sentenciar).
processo
ser
os
aplicada
julgamentos
legal.
Isso
como
devam
afasta
a
discricionariedade ampla concebida 69
por Hart, restringindo o papel da
Como exemplo, podemos citar os
subjetividade
princípios da isonomia, da não
e
das
convicções
morais e políticas no julgamento.
discriminação, da proporcionalidade,
O julgador ideal deveria, em suma,
estabelecer
interpretações
convergentes
com
princípios
decisões
e
existentes
na
da dignidade da pessoa humana,
as
entre outros. Para cada intérprete
regras,
tais expressões terão um significado.
judiciais
Um julgado[1], por exemplo, já
e
absolveu um sujeito que praticava o
não basear-se em seus princípios de
jogo do bicho com base no princípio
conduta pessoal.
da isonomia (se as emissoras podem
Todavia
comunidade
de
explorar os jogos de azar em
Dworkin, embora pareça coerente,
programas de auditório, porque o
não resolve alguns dos problemas
cidadão
da hermenêutica atual.
Como pode a lei das contravenções
Na
a
solução
verdade,
não
poderia?).
as
penais ser aplicada para condenar
inovações apresentadas criaram um
um cidadão, se não é aplicada para
novo problema para o direito. A
o outro? Se o princípio supera a
interpretação puramente gramatical,
norma, não poderia o juiz entender
a subsunção automática do caso
que a expressão “isonomia” prevista
concreto à letra da lei, bem como o
na Constituição abarcaria o caso em
uso
análise e o autorizaria a descumprir
convergente
tradicionais,
como
todas
comum
dos o
métodos lógico,
o
a lei da contravenção?
histórico, o sistemático tornaram-se
Diante desses problemas, o
insuficientes no momento em que o
estudo interdisciplinar do direito e da
foco da exegese deixa de ser a lei e
linguagem, em especial da Análise
passa a incidir sobre os princípios.
do Discurso, torna-se ainda mais
Isso ocorre porque esses são
relevante.
comandos traduzidos em signos mais gerais e abertos do que a lei,
3. Perigos e inconsistências da
portanto, extremamente permeáveis
discricionariedade judicial: a Nova
à subjetividade e à ideologia do
Crítica do Direito de Streck.
intérprete
(dada a vagueza
da
linguagem humana).
Embora a questão do controle da discricionariedade judicial seja 70
ainda
insolúvel,
denominada Direito
a
Nova
Crítica
agrega
não do sentimento de um indivíduo
teoria do
isolado.
humana
Dando
atribuição de sentido aos termos
criticada
descrita
natural da tem
sido
desta seria indevida.
como
Essa teoria recente tateia uma
linguagem
solução,
duramente
completamente.
doutrinadores
embora
não
a
atinja
Sua
falha,
com
entendemos, reside na negação da
argumentos potentes. Streck (2008,
ideologia na decisão, o que vimos
p. 316), na teoria acima nomeada,
nesse artigo ser impossível. Todavia
salienta que o fato de o intérprete
a
“atribuir sentido” ao texto não pode
argumentos válidos que merecem
significar a possibilidade de ele
ser examinados.
“dizer
por
a
interpretação pessoal da lei ou a
o contraponto a esse estudo, a
fenômeno
modo,
argumentos
importantes ao debate.
discricionariedade
Desse
qualquer
coisa”
sobre
proposta
o
de
Streck
Decisões vontade
como se o texto legal e a norma
segundo Streck (2010, p. 85) de “um
aplicada
da
letal déficit democrático”. A teoria da
tivessem
argumentação, em moda hoje, não
existências separadas e autônomas.
resolve o problema hermenêutico
A Nova Crítica surge da fusão
apontado. Segundo essa corrente,
entre a filosofia hermenêutica, a
aquilo que pode ser justificado por
hermenêutica filosófica e a Teoria
meio de argumentos convincentes
Integrativa
será
interpretação
decorre dele)
de
Dworkin
vista
valido
intérprete
na
enunciado, agindo arbitrariamente,
(que
do
baseadas
tem
no
sofrem,
direito!
anteriormente. Defende que existe
indiretamente,
para o cidadão o direito fundamental
argumentação reforça a admissão
a
da discricionariedade judicial, pois se
uma
resposta
(decisão
a
teoria
Então, da
judicial) correta, entendida como
uma
sentença adequada à Constituição
fundamentação convincente, se for
(STRECK, 2010). A justiça não
retoricamente
poderia,
admissível, ainda que contrarie a lei
segundo
essa
tese,
depender da opinião pessoal dos
sentença
apresentar
eficaz,
será
ou a integridade do sistema!
juízes, pois o sentido sobre as leis
Ocorre que, segundo Streck,
decorre de uma intersubjetividade e
a 71
delegação
ao
juiz
de
uma
apreciação discricionária afrontaria
função
as
ressalva
conquistas
constitucionais
social
do
direito.
já
Essa
limitaria
democráticas. Mesmo diante das
significativamente
vaguezas e ambiguidades dos textos
hermenêutico
legais e no caso dos chamados hard
pretendem, ao julgar, ignorar, ir além
cases, deve haver um limite para a
ou ficar aquém do programa da
interpretação normativa e esse deve
Carta Magna.
ser dado pela ciência do direito
O
o
horizonte
daqueles
chamado
que
protagonismo
(doutrina) com a obediência aos
judicial enfraqueceria a doutrina
princípios
constitucionais.
nacional, já fragilizada por sua
relativismo
associado
à
O nova
própria
inoperância.
A
cultura
hermenêutica é criticado em razão
jurídica hoje, em grande parte, limita-
do perigo de que a hermenêutica
se a produzir resumos e manuais
jurídica
que
seja
absorvida
pelo
reproduzem,
comentam
e
decisionismo irracionalista e por
justificam as decisões dos tribunais,
inquisitorialidades, segundo o qual a
reverenciando
atribuição de sentidos resvalaria
produzidos pelo poder judiciário. Na
para o “vale tudo”.
verdade,
Os partidários da Nova Crítica
desastrosa
os
há de
sentidos
uma
inversão
papéis,
pois
à
não admitem que a decisão seja
doutrina incumbe a crítica vigilante
dada simplesmente “conforme a
às decisões judiciais e a produção
consciência
a
dos conceitos necessários para o
interpretação
esclarecimento da jurisprudência.
impulsionada pela ideologia judicial
Desse modo, a teoria do direito
descrita nesse estudo pode ser
contemporânea “asfixia a realidade”
desastrosa.
(STRECK,
do
“elasticidade”
da
Segundo críticos
da
juiz”,
pois
argumentam
os
2010)
com
uma
abordagem excessivamente teórica
discricionariedade
e subserviente.
judicial, só são admissíveis no
A Nova Crítica do Direito, que
regime democrático as exegeses
parte da Hermenêutica Filosófica,
que recepcionam integralmente os
entende que a significação não está
paradigmas constitucionais, vistos
nem na lei nem no juiz. Surge na
como
e
ação prática dos intérpretes, nasce
indissociável, cujo fim é reafirmar a
do caso e não da lei. Não há uma
um
projeto
conjunto
72
significação “em si”, geral, que
alcance dela; b) considera que os
sobreviva
situações
métodos
clássicos
concretas, do contexto e da história.
histórico,
sistemático,
A norma nasce “a partir” do texto
teleológico) são um caminho seguro
legal pela mão do intérprete, a partir
para “alcançar” os sentidos; c) acha
de uma determinada relação entre
possível descobrir a “vontade” da
sujeitos num tempo, num espaço
norma ou (pior); e) tenta encontrar o
num
espírito do legislador!
fora
das
marco
econômico.
É
social,
cultural,
nessa
realidade
Para
(gramatical, lógico
Streck
(2008)
e
a
concreta que se constitui o sentido
hermenêutica deve resguardar a
da lei, extraindo-se do texto legal a
“sintonia”
“norma”
materialidade
aplicável
subjetividade
(e
do
não
julgador,
na
da
norma da
com
a
Constituição,
nem
preservando a força de seu texto no
tampouco no significado “objetivo in
confronto com o mundo prático
abstrato” do discurso, coisa essa
(faticidade). A hermenêutica deve,
que, aliás, não existe).
pois, partir do caso concreto (e não
As amarras da hermenêutica
da
lei)
ao
realizar
uma
clássica, segundo Streck (2008,
“reconstrução”
do
direito
p.326) levam o interprete à ideia
obrigatoriamente coerente com o
errônea de que primeiro o juiz
projeto da lei maior.
conhece a lei, depois a interpreta, e,
A exegese eficaz não será,
finalmente, a aplica numa situação
portanto, segundo a Nova Crítica,
real. Na verdade, o magistrado
flexível nem totalmente livre, pois
sempre aplica primeiro a norma –
precisa
pois
constitucionalismo principiológico e
já
se
tem
predeterminada
–
uma oriunda
visão da
integrar-se
observar
dialeticamente
inevitável pré-compreensão do texto
orientações
legal.
contrário
A
Constituição
baixa (teto
aplicação
da
hermenêutico)
ao
doutrinárias.
surgiria
o
as Caso
perigo
da
ditadura do judiciário.
decorre de uma série desastrosa de
Todavia,
para
proposta
interpretar
um
precisaria ser crítica e racional (afinal
sentido unívoco (único) que está
a ciência do direito é ciência e deve,
“escondido” na norma ou descobrir o
portanto,
desvendar
73
ser
a
essa
erros, pois a doutrina: a) supõe que seja
funcione,
que
doutrina
problematizadora,
avaliativa e engajada). O intérprete
têm extinguido a pretensão punitiva.
deve orientar-se por uma filiação
Tal “violação” da lei penal tem
doutrinária, já que doutrina exprime
ocorrido por força da interpretação
o discurso da ciência do direto (e não
constitucionalista
valores
pessoais
juiz).
Tal
mencionada acima, já que o § 2º do
precisa
se
art. 9º da lei 10.684/03 extingue a
desencastelar e enfrentar os casos
punibilidade do sonegador que paga
difíceis (hard cases). Deve estar não
o prejuízo causado ao Estado. Em
apenas “de acordo”, mas em “defesa
razão da alta lesividade social desta
bélica” do Estado Democrático de
conduta, e à luz do princípio da
Direito.
a
isonomia, é justa a sentença que
interpretação à luz da Nova Crítica
admite igual tratamento ao autor de
do Direito não fica ao arbítrio da
furto,
subjetividade do juiz.
semelhante
doutrina,
do
principiológica
contudo,
Vê-se,
pois,
que
pois
este ao
prática
fato
cometido
pelo
Por outro lado, o hermeneuta
sonegador (crime sem violência
deve sim ser livre para interpretar a
contra o patrimônio) e bem menos
lei, quando precisar rejeitar aquelas
grave!
ditadas pelas “maiorias políticas
Todavia
para
eventuais” (STRECK, 2008), que
o establishment, é mais grave furtar
legislam
do que sonegar impostos! Nesse
temerárias,
em
circunstância afrontando
a
caso concreto, pela recusa da lei, há
programaticidade constitucional e
uma
aparente
subtraindo do povo as conquistas
interpretativa, mas na verdade, a
sociais.
interpretação
foi
flexibilidade
coerente,
Um exemplo de interpretação
sistemática e amarrada à lei maior,
judicial que “recusa” a lei vigente em
e, por isso, não se confunde com a
proveito de um princípio (nesse caso
subjetividade
o da isonomia) é a sentença que
discricionariedade
isenta de punibilidade o acusado de
analogia visualizada pelo juiz entre
furto que indeniza a vítima antes do
os casos de furto e o de sonegação
recebimento da denúncia. Embora o
foi
Código Penal, em seu artigo 16,
fundamentada na decisão. Nesse
determine apenas a redução da
caso, não se trata de atribuir ao
pena nesse caso, alguns tribunais
termo legal uma valorização pessoal, 74
ou
coerentemente
com
a
judicial.
A
descrita
e
mas
de
respeitar
constitucional,
a
pauta
O novo padrão hermenêutico
que
deve, pois, segundo Streck (2010)
ainda
desprezando a norma menor.
preservar a autonomia do direito,
Em suma, a hermenêutica,
garantindo
sua
segundo a Nova Crítica do Direito,
coerência
(evitando
não abre espaço para a relatividade
contraditórias);
das múltiplas respostas, para a
controle da interpretação (limitando a
arbitrariedade e para o decisionismo.
discricionariedade). O cidadão deve,
Afinal, qual seria o sentido da
pois, ter critérios claros para avaliar
hermenêutica se qualquer resposta
se a decisão judicial recebida foi
(aplicação) fosse possível? O que
adequada e constitucional. Tem
seria da exegese se se admitisse
direito a uma decisão e não a uma
que o direito é aquilo que o intérprete
escolha. O direito não admite que o
autorizado (poder judiciário) diz que
juiz “escolha” uma dentre várias
é?
soluções A vontade de quem “pode
o
sistema
próprio
direito?
desgovernado
decisões
estabelecer
possíveis,
e
pois
o
toda
escolha é discricionária.
dizer a aplicação” (o juiz), seria, então,
integridade
O que deve se manifestar
Esse
numa decisão não é a subjetividade,
geraria
mas a pré-compreensão do sentido
recursos infindáveis aos tribunais e
(que
decisões injustas. Portanto, toda
política e pelos princípios e não pela
sentença deve ser racionalmente
moralidade de cada julgador). As
justificada e fundamentada com
discussões éticas e morais dos
respaldo constitucional e apoio dos
problemas jurídicos que afligem a
vetores doutrinários.
sociedade devem ser realizadas na
diferente
de
Isso é bem admitir
é
dada
pela
comunidade
esfera pública (e não pessoal). Os
a
discricionariedade, ou a escolha de
consensos
“qualquer resposta”. Esses são os
apresentados
pressupostos. A partir deles se pode
científica
avaliar se uma decisão é adequada.
síntese das questões debatidas), e
Sempre
devem, pois, ser acatados pela
deve
ser
possível
à
sociedade distinguir boas e más
jurídicos
pela
à
devem
ser
comunidade
doutrina
(como
jurisprudência.
decisões.
Como
resultado
dessa
afirmação fixa-se a ideia de que o 75
texto da lei deveria ser levado mais a
Como vimos, a distinção entre
sério. O juiz poderia interpretar a lei,
o discurso político e o discurso
mas dentro de limites, não podendo
jurídico decisório atenuou-se e a
desprezá-la, simplesmente, porque
hermenêutica
tem visão política de direita ou de
ampliação do valor e do poder da
esquerda ou porque sua religião não
argumentação.
admite isso ou aquilo. A liberdade
discricionariedade crescente trouxe
decisória
novos problemas e surgiram novas
teoria,
valeria,
apenas
segundo dentro
horizonte
essa
de
teorias
para
Mas
pretendendo
a
a
controlá-
sentido
la. Todavia, os argumentos até aqui
constitucionalmente “possível”. Fora
apresentados são insuficientes para
daí, deveria ser combatida. Na
enfrentar a questão, já que não
dúvida o juiz deveria optar pela
encaram a sentença pelo viés da
interpretação que, do ponto de vista
linguagem,
da moral política, melhor refletisse
humano.
a
de
um
caminhou
estrutura
das
harmonizando-se
instituições
discurso
Streck (2007) denuncia a baixa aplicabilidade/efetividade da
(DWORKIN,
Constituição no Brasil. Tal sub-
1999). Desse modo, a decisão
aproveitamento do Texto Maior,
deveria estar comprometida com o
sentido
todo, de modo que o caso julgado
destinatários dos direito coletivos,
fosse colocado dentro da cadeia de
difusos
integridade do direito. Mesmo diante
desfavorecidos
dos princípios ditos abertos, existiria
deriva, segundo ele, dos déficits
uma pauta, uma solução projetada
interpretativos.
e
vigente
o
um
direito
histórico
com
como
pela comunidade política que se harmonizaria
com
a
com
e
mais
rigor
pelos
pelos
segmentos
da
população,
Entendemos que parte da
história
crise hermenêutica que vivenciamos
institucional do direito.
deve-se à negligência dos que a estudam em encarar a ideologia como
4.
Da
insuficiência
das
teorias
incontornável
no
discurso
decisório.
jurídicas para lidar com o discurso
Incumbe à doutrina elucidar o
decisório
caráter e a legitimidade das decisões jurídicas políticas, sendo necessário 76
definir melhor o papel dos juízes na
sem precisar ter razão! Ora, para
interpretação
convencer um auditório, basta ter
com
base
na
legitimação social, especialmente
habilidade
quando se reconhece que o direito
argumentos.
nem sempre coincide com a lei. É
decisão não é preciso estar certo,
consenso na atualidade jurídica que
apoiado na verdade, nem ter razão.
o
foi
Se a convicção do juiz é livre
da
(bastando ser “motivada”) juízes com
Constitucionalidade, mas não se
habilidades persuasivas poderiam
sabe ao certo o que é isso, nem
sentenciar como quisessem. Afinal o
como se faz na prática. É verdade
direito é o reino do verossímil e não
que os juristas precisam vigiar e
do verdadeiro!
Princípio
da
superado
Legalidade pelo
provocar a sociedade sempre que as decisões
ofendam
manipular
Para
motivar
os uma
Argumentariam os seguidores
princípios
de Dworkin que não é bem assim, já
constitucionais e que os juízes
que a decisão só pode ser dada
devem se pautar por eles. Porém
dentro
essa
não
constitucionais! Bonito, mas isso
coisa.
também nada esclarece. Qual o
tal
alcance, por exemplo, o princípio da
“fiscalização da ação judicial” não é
redução das desigualdades sociais?
simples.
Significa que o juiz deve dar ao
afirmação
esclarece
os
em
também
muita
Primeiramente
Não
evidentemente,
porque
a
se
pode,
parâmetros
a
negro uma possibilidade de inclusão
autonomia do judiciário, a qual
universitária, validando o sistema de
decorre
cotas,
mesmo
constranger
dos
da
permissão
em
detrimento
de
um
constitucional de decidir de acordo
candidato branco, cuja nota no
com a livre convicção motivada (e
vestibular foi maior, para impulsionar
isso nos lança para o mundo da
o equilíbrio social? Ou não? E uma
retórica)! Ora, toda e qualquer
decisão, nesse mesmo caso, que
convicção
impedisse o acesso ao negro à
pode
Schopenhauer,
ser
motivada.
analisando
os
universidade, considerando que a
poderes sensacionais da retórica,
política de cotas da instituição de
escreveu um livro lapidar, cujo título
ensino fere o princípio da isonomia?
ilustra
Estaria
magistralmente
o
problema: Como vencer um debate
certa?
Ou
errada?
Na
prática, hoje existem muitos conflitos 77
que,
em
alguma
embates
políticos
medida,
são à
para a democracia e também para
Judiciário,
que o oposto não ocorra, com a
como: i) os limites da liberdade de
proliferação de juízes formalistas,
imprensa diante do direito individual,
servos, míopes e sem coração.
apreciação
do
submetidos
não se torne um super (poder) vilão
Poder
da dignidade da pessoa humana e
Por
essa
a
razão,
associação
torna-se
do direito à privacidade; ii) os
crucial
entre
programas de ação afirmativa que
hermenêutica jurídica e a Análise do
visam equilibrar as relações sociais
Discurso,
disciplina
que
por meio da distribuição de cotas e o
fundamentará
as
aqui
princípio da igualdade; iii) o direito à
propostas.
reflexões
a
propriedade em confronto com o argumento
da
redução
das
5.
Análise
desigualdades sociais, entre outros
hermenêutica
temas em que a lei conflita com o
necessários
do
discurso
jurídica:
e
enlaces
ideário político entre outros. impasse
“O direito senhorial de atribuir
hermenêutico está longe de ser
nomes vai tão longe que se deveria
pacificado. Porém o caminho passa
conceber
necessariamente
linguagem como expressão de poder
Como
vimos,
o
pelo
estudo
a
origem
dominadores:
da
eles
própria
linguístico que encara a sentença
dos
dizem
como discurso.
“isso isso”, eles selam qualquer a
coisa e acontecimento com um sinal
ideologia nos acórdãos e sentenças,
fonético e, por meio disso, tomam
embora seja inconsciente para quem
posse dele”.
É
preciso
admitir
que
a propaga, é insuperável e tem
(Nietzsche)
definido destinos, dando tratamento desigual a direitos iguais, ferindo a
Segundo o linguista holandês
legalidade, a equidade e o devido
Van Dijk (2010), poucas pessoas
processo legal (e isso nos lança para
têm a liberdade para dizer e escrever
o mundo da análise do discurso).
o que querem, onde e quando
Isso
tudo
deve
ser
querem e para quem querem. A
delicadamente avaliado (eis aí uma
escola, os livros didáticos, a mídia,
tarefa sutil) a fim de que o judiciário
os governos, os grupos profissionais, 78
a igreja, entre outros controlam o
próprio
conhecimento,
causando,
discurso.
por vezes, um uso ilegítimo ou um
Desse modo, de acordo com
abuso de poder, informando os
os papéis sociais, realiza-se uma
cidadãos de acordo com interesses
doutrinação ideológica nos grupos e
dos grupos dominantes. Esse abuso
organizações,
do poder é chamado por Van Dijk
condicionando
a
de dominação.
aprendizagem e a percepção. As tendências podem manifestar-se de modo
difuso
sempre
mais especificamente no texto da
imperceptíveis para os envolvidos.
sentença, compreendemos que o
No
na
mesmo processo ocorre, pois esse
dela
também é um tipo de discurso
participam os autores de livros
humano. Soares assinala que a
didáticos, os editores, aqueles que
interpretação da lei é valorativa e
definem os parâmetros curriculares,
revela a convicção do hermeneuta
o Ministério da Educação e os
sobre o fato e sobre a norma.
professores,
que
estar
Portanto, o juiz revela seu conjunto
convencidos
de
livros
de valores quando explora uma
caso
e
da
educação,
são
No caso do discurso jurídico,
manipulação
por
exemplo,
devem que
os
didáticos indicados são bons. Esse
exemplo
regra ou princípio aplicável ao caso
pode
ser
concreto (2010).
multiplicado para os outros grupos e domínios
da
sociedade,
Cada norma positiva tem um
como
conjunto
de
interpretações
política, saúde, empresas, judiciário,
plausíveis de acordo com o uso
entre
linguístico dos termos e expressões
outras.
Além
disso,
as
restrições sociais como normas,
que
etiquetas e mesmo as leis exercem
aplicação
um controle das mentes e regulam o
sempre a definição de um significado
que pode ser dito, compreendido e
para um termo da lei, considerando
pensado.
todos
Van Dijk (2010) notou que os
formam
a
do
os
proposição.
direito
demais,
A
envolverá
igualmente
admissíveis.
membros de diferentes culturas e
A Análise do Discurso, teoria
estruturas sociais estão envolvidos
da linguagem em que se baseia esse
num
estudo, considera toda comunicação
processo
discursiva
de
compatível
reprodução com
seu
humana 79
um
ato
linguístico
visceralmente inscrito na totalidade
na década de 1980 pelos trabalhos
social. Sendo assim, a sentença,
de Eni Orlandi (UNICAMP).
como
ato
discursivo,
sofre
a
A AD compreende que toda
influência da ideologia do juiz e
emissão textual (discurso) envolve
reflete a visão de mundo deste (em
um sujeito ativo (quem fala ou
sua
escreve)
fundamentação).
Então,
a
determinado
pelas
decisão judicial, tanto no momento
categorias sociais a que pertence. É
em que o juiz interpreta a lei quanto
uma disciplina dialética que se
em sua justificação, no momento em
estrutura no vão entre a linguística e
que o juiz argumenta, jamais poderia
as ciências das formações sociais,
ser
pois
lidando com as lacunas dessas duas
humano
disciplinas. Questiona, na linguística,
palavras
sua alienação, pela negação da
considerada
nenhum
“neutra”,
discurso
concretizado
mediante
(signo verbal) é neutro.
historicidade, a qual, segundo a AD,
O sujeito (juiz) nunca é uma
sempre aparece de algum modo
folha em branco e não fala a partir do
inscrita
nada. A voz de comando contida na
ciências das formações sociais, a AD
sentença,
se insurge contra a noção de que
que
é
um
discurso
na
linguagem.
nas
performático (pois cria obrigações,
uma
sanções e direitos) expõe, ainda que
transparente
de modo contraditório em diferentes
segundo pensam os analistas do
julgados,
discurso, a neutralidade discursiva é
a
opinião
de
uma
linguagem
Já
possa
(neutra),
já
ser que,
um mito.
Instituição, o Poder Judiciário e de um sujeito, o juiz, o qual ocupa e
No
âmbito
do
direito,
a
representa esse poder. Nesse caso,
AD pode ser pensada como eixo da
mais
reorientação de todo o estudo da
importante
se
torna
compreender o texto decisório à luz
hermenêutica,
das recentes teorias da linguagem,
novas reflexões e perspectivas.
entre elas a AD.
acrescentando-lhe
O
Os estudos da AD iniciaram-
hermeneuta,
tradicionalmente, é o jurista que
se na França, na década de 1960, a
busca
partir
Michel
interpretando seus termos. Já o
Pêcheux e foram trazidos para Brasil
analista do discurso busca não o
das
reflexões
de
sentido, 80
o
sentido
mas
o
de
uma
lei,
entendimento
dos processos de produção do
o contexto é: a) sócio-histórico; b)
sentido. Essa diferença é crucial.
ideológico; tais elementos estão ligados à forma da sociedade e de
Por meio da AD pode-se
suas Instituições.
concluir que as escolhas de quem “fala” a lei (legislativo) e de quem a
Uma Formação Discursiva é
“interpreta” (judiciário) não são livres,
aquilo que numa dada formação
mas
ideológica – ou seja, a partir de uma
histórica
e
socialmente
determinadas.
posição dada em uma conjuntura sócio-histórica concreta – determina
Na hermenêutica tradicional da
o que pode e deve ser dito pelos
interpretação da lei) o sentido é visto
sujeitos que dela provém. O sentido
como um conteúdo (a ser fixado). O
não existe em si, mas é determinado
objetivo
por
(teoria
da
compreensão
do
e
hermeneuta
é
posições
ideológicas
subconscientes e anteriores à fala.
estabelecer um sentido inequívoco para o termo, para a frase, para a lei.
Assim sendo, as palavras
Já a AD reconhece o equívoco como
mudam de sentido segundo as
necessário, inerente e constitutivo da
posições
linguagem humana.
empregam (posição de professor, de
Para a AD os sentidos de um
aluno,
daqueles
de
padre).
que
O
as
termo
texto ou palavra estão ligados a duas
“ocupação” ou “invasão” de terras
condições:
de
tem um sentido para o proprietário
produção, doravante denominada
da terra e outro, muito diferente, para
CP e b) Formações Discursivas, as
o sem–terra.
chamadas FD. Portanto nenhum
racial” tem um significado para o
discurso é totalmente inequívoco ou
branco que ocupa uma posição na
transparente, pois vem carregado
elite e para o negro que ocupa uma
dessas marcas.
posição na periferia social. O mesmo
a)
Condições
Condições de Produção (CP) compreendem
os
sujeitos
e
O termo “igualdade
se diga dos valores como dignidade,
a
propriedade,
entre
outros.
A
situação (contexto) de um discurso.
expressão “vida” significa para o
Em sentido estrito entende-se o
padre algo muito diferente do que
contexto imediato como a) quem
significa para o jurista e para o
fala, b) o que fala, c) para quem fala
biólogo, pois os discursos religiosos,
e d) de onde fala. Em sentido amplo
jurídicos e científicos, em que cada 81
um
deles
teve
discursiva
(FD)
sua
formação
engendrada,
O homem é condicionado
é
pelas relações sociais e coerções
totalmente diverso. Desse modo,
impostas pela sociedade. O poder de
cada qual atribuirá um sentido
escolha está ligado à voz aceita em
diferente ao termo “vida”.
razão da experiência de cada um em seu meio. Desse modo, somos
A formação ideológica é, pois, uma
influenciados pelo conjunto de vozes
social,
que formaram nossa ideologia e
conjunto de
iremos reproduzir isso com nossa
representações e ideias que não
própria voz. A sociedade classifica
existem dissociadas da linguagem.
os objetos de conhecimento de certa
O homem constrói seu discurso com
maneira e em razão da experiência,
a sua formação ideológica. Ela nos
atribui-lhes valores.
a
visão
de
mundo
determinada
de
classe
entendida como
impõe o que pensar, enquanto a
Calcada
no
materialismo
formação discursiva nos impõe o que
histórico, a AD concebe o discurso
fazer
como
(dizer).
Ambas
são
uma
manifestação,
relacionadas e inseparáveis para a
materialização
expressão do pensamento.
decorrente do modo de organização
No caso do discurso judicial o
da
uma
ideologia
dos modos de produção social.
assunto é bastante polêmico, até
(MUSSALIM, 2001, p. 110).
mesmo porque, segundo Mussalim
E mais:
(2001, p.110) o sujeito não tem
O contexto histórico-social,
consciência de que sua ideologia
então, o contexto de enunciação,
interfere na sua formação discursiva.
constitui parte do sentido de discurso
[...] o sujeito do discurso não poderia
e não apenas um apêndice que pode
ser considerado como aquele que
ou não ser considerado. Em outras
decide sobre os sentidos e as
palavras, pode-se dizer que, para a
possibilidades
do
AD, os sentidos são historicamente
próprio discurso, mas como aquele
construídos. (MUSSALIM, 2004, p.
que ocupa um lugar social e que a
123).
enunciativas
Assim, o sujeito não é livre
partir dele enuncia, sempre inserido lhe
para dizer o que quer, o que tem a
permite determinadas inserções e
dizer é determinado pelo lugar que
não outras. [grifo nosso]
ocupa
no
processo
histórico,
que
82
e
por
sua
formação
ideológica, constituindo a estrutura
A
ideologia
passa a
ser
de seu caráter, de sua imagem no
dominante em razão dos chamados
próprio processo discursivo.
aparelhos ideológicos:
A AD não estuda a língua,
A
ideologia
da
classe
nem a gramática, embora a língua e
dominante não se torna dominante
a gramática lhe interessem. Ela
por obra da graça divina, nem
estuda o discurso: a palavra em
mesmo pela virtude da simples
movimento, a prática de linguagem e
tomada de poder de Estado. É pela
entende esta como a mediação
instauração dos AIE, em que esta
necessária entre o homem e a
ideologia é realizada e se realiza,
realidade natural e social.
que
Explora a linguagem a partir
ela
se
torne
dominante.
(ALTHUSSER, 1980, p.118).
de um deslocamento, pois não
Qualquer instituição, desde a
trabalha com a língua enquanto
menor até a mais influente, contribui
sistema abstrato, homogêneo, mas
para a perpetuação da ideologia e
com
funciona como aparelho ideológico
a
língua
no
mundo,
compreendendo as maneiras de
(escola,
igreja,
administração,
significar, indagando a produção de
judiciário, sindicatos, mídia etc.).
sentidos enquanto parte da vida dos
O sujeito, para a AD, não é
homens em sociedade. Desse modo
pensado como o sujeito empírico (de
a AD interroga a linguagem pela
carne e osso), ou biológico (ser
ótica da historicidade.
natural), ou ainda gramatical; mas
Para o Materialismo Histórico,
como sujeito psicanalítico, clivado,
o homem faz história, mas essa não
dividido. Por clivado entende-se que
lhe é clara e transparente. A história
quem fala sempre exterioriza algo
é afetada pelo simbólico e se
que é produto de seu inconsciente,
organiza tendo como parâmetro as
algo
relações de poder e de sentidos e
inacessível à percepção. As marcas
não a cronologia: não é o tempo
deixadas pela Formação Discursiva
cronológico que organiza a história,
(FD) a que pertence o sujeito são
mas as relações de e com o poder (a
invisíveis a sua consciência (quem
política). (ORLANDI, 1990).
fala
que
não
está
num
percebe
patamar
que
está
condicionado, mas imagina que é
83
livre para pensar e falar do modo
fala. É na linguagem (e, no caso
como pensa e fala).
desse estudo, na linguagem da
Tais
marcas,
embora
sentença) que o inconsciente e a
indeléveis, não são notadas pelo
ideologia
sujeito. Desse modo, o proletário fala
materializam.
de
acordo
com
sua
se
concretizam
e
Formação
A AD não procura atravessar
Discursiva (FD). Do mesmo modo o
o texto para encontrar um sentido do
proprietário, o padre, o professor,
outro lado. Não pergunta o que o
etc.
O sujeito discursivo funciona
texto significa, mas como o texto
pelo inconsciente e pela ideologia. É
significa. Não considera o sentido
afetado pelo real da língua e pelo
como
real da história, sem ter controle
com o que a linguagem quer dizer,
sobre o modo como língua e história
mas investiga como a linguagem
o afetam.
funciona.
“conteúdo”,
não
trabalha
Para Pêcheux, é como se
Importa para o entendimento
houvesse uma ‘máquina discursiva’,
da AD um esclarecimento sobre a
um dispositivo capaz de determinar,
definição do termo ideologia, dotado
sempre numa relação com a história,
de diferentes significados ao longo
as possibilidades discursivas dos
da história. A palavra “ideologia”,
sujeitos inseridos em determinadas
desde 1810, passa a ser entendida
formações
como
sociais.
(MUSSALIM,
2001, p. 106). O
sujeito
sinônimo
da
atividade
científica que procurava analisar a moderno é
ao
faculdade de pensar. Napoleão lhe
mesmo tempo livre e submisso,
dá
um
sentido
como por exemplo, pode-se citar o
considerando
sujeito jurídico, que é sujeito a
doutrina sem fundamento objetivo,
deveres e a direitos (subordinação
perigosa para a ordem estabelecida.
às leis). Usa a língua como efeito da
Marx e Engels criticavam os filósofos
materialidade histórica, mas o faz de
alemães pela sua visão “abstrata e
modo inconsciente.
ideológica”, por não relacionarem a
a
pejorativo,
ideologia
uma
O homem aprende a ver o
filosofia à realidade. Para eles, as
mundo pelo filtro dos discursos que
ideologias colocam os homens e
assimila e, na maior parte das vezes,
suas relações de cabeça para baixo.
reproduz esses discursos em sua
Para os marxistas, a ideologia é um 84
instrumento de dominação, porque a
onde provém. Desse modo o “sujeito
classe dominante faz com que suas
do discurso” já foi “sujeito a um
ideias passem a ser ideias de todos;
discurso”
é ilusão, inversão da realidade,
inconscientemente.
que
irá
reproduzir
mentiras que parecem verdades a
Pelo exposto, nota-se que o
serviço dos que detém o poder.
estudo da AD é importante para o
(ORLANDI, 1990).
Direito, que se constitui de discursos.
Para a Análise de Discurso,
Especialmente para a hermenêutica,
todavia, a ideologia não é mentira,
que busca sentidos no texto da lei, o
nem
conhecimento dessa disciplina é
ilusão,
nem
inversão
da
realidade. É o mecanismo que
fundamental,
produz evidências. Não é fruto de
mudanças radicais de concepção.
ideias, mas de práticas que se dão
As
por meio da linguagem. É efeito da
evidentes, pois ao interpretar a lei, o
relação necessária do sujeito com a
juiz atribui sentido às palavras em
língua e com a história. “O indivíduo
razão de sua Formação Discursiva e
é interpelado pela ideologia para que
não apenas em razão da aplicação
produza o dizer”. A evidência do
de
sentido é que faz com que uma
hermenêuticos como se concebia
palavra designe uma coisa; faz ver
adequado no passado.
como transparente aquilo que se constitui não
pela natureza
já
implicações
um
que
propõe
práticas
conjunto
de
são
métodos
A utilização convergente dos
do
métodos hermenêuticos (tais como o
objeto, mas pela remissão a uma
gramatical,
determinada
Formação
sistemático, histórico, sociológico),
Discursiva. Uma palavra significa
embora seja uma operação mental
algo em razão do local em que é dito.
necessária,
Socialismo, por exemplo, pode ter
determinar o sentido da lei, como
um significado para o socialista e
atestam
outro,
emanadas dos tribunais em casos
bem
diferente
para
o
capitalista.
as
lógico,
é
teleológico,
insuficiente
diferentes
para
decisões
análogos e em contextos iguais.
Nesse sentido, o indivíduo
A
operação
hermenêutica
nunca “diz” o que “quer”, mas o que
deve, pois ser entendida à luz das
“pode” em razão dessa influência
recentes teorias da linguagem para
sofrida pela formação discursiva de
que o direito possa evoluir também 85
com o impulso dado pelas ciências
que quase a totalidade (96,5 %) dos
afins.
magistrados atividade
exerceu
alguma
econômica
antes
de
6. Casos: AD aplicada à exegese
ingressar na carreira, o que sugere
dos termos “isonomia” e “racismo”
que não pertencem às classes mais
nos discurso dos tribunais
altas da sociedade. A conclusão mais relevante
O
ditado
popular
“cada
da pesquisa para esse estudo é a de
cabeça uma sentença”, como vimos,
que os magistrados têm perfil e
pode ser parcialmente explicado
formação plural, os mais velhos (a
pela AD. A formação discursiva de
maioria tem entre 31 e 50 anos) são
nossos magistrados interfere em
mais legalistas e mostraram-se mais
suas sentenças.
descontentes
com
as
ações
nesse
afirmativas. Os mais jovens (com até
ponto a origem dos magistrados, ou
30 anos) são minoria (5,4%). Os que
seja,
Deve-se
considerar
o
recrutamento.
contexto
de
têm menor tempo na magistratura
Sadek
(apud
apresentam-se mais sensíveis aos
OLIVEIRA, 2011, p. 65), apresenta
problemas
uma de pesquisa de 2005, realizada
preocupados
com 28,9% do total dos magistrados
transformação
brasileiros. O estudo traça um perfil
magistratura, conclui a pesquisa,
da magistratura brasileira e verifica
está
que a maioria dos juízes ainda é do
momento de transformação, o grupo
sexo masculino (72,9%), embora
de
venha aumentando o número de
heterogêneo,
com
mulheres. São, na maioria, formados
principalmente
em
em
direito
formação, região do país, sexo,
públicas, não são provenientes da
idade e tempo de ingresso na
elite econômica e social brasileira.
carreira.
faculdades
de
e
em
estão em
mais
atuar
na
social.
movimento.
magistrados
A
Nesse
é
muito diferenças
razão
da
Apenas 38,6% dos juízes têm pai
Outra conclusão importante
com ensino superior completo. E
(SADEK apud OLIVEIRA, 2011, p.
apenas
67)
mulheres
23,2% mães
são
filhos com
de
é
a
de
que
a
formação
jurídica recebida na universidade é
nível
violentamente
universitário. É interessante notar 86
determinante
da
formação ideológica levando cada
No
mesmo
sentido,
um
indivíduo a se inserir no contexto do
recurso do Rio Grande do Sul
pensamento
(Apelação
dominante
em
sua
instituição (legal thinking). Oliveira
(2008),
cita
contemporâneas,
Nº
2008.71.00.004810-3/RS), a relatora como
Marga Inge Barth Tessler afirma:
exemplo do que se afirma neste artigo,
Cível
A presente ação trata da
decisões de
Afirmativas da UFGRS, estabelecido
tribunais da Bahia, em matéria
mediante os termos da Resolução
referente à inclusão de negros pelo
nº
sistema de cotas na universidade,
Universitário - CONSUN. Tenho
implantado
posicionamento contrário ao sistema
Federal
extraídas
legalidade do Sistema de Ações
pela da
Universidade
Bahia
(UFBA).
de
134/2007
cotas
da
do
forma
Conselho
como
foi
Candidatos brancos, preteridos pelo
implantado. Na oferta e seleção dos
sistema inclusivo, ingressaram na
candidatos devem ser observados
justiça, na mesma época, em busca
os artigos 5º, 37 e 206 da Cosntitui-
de uma decisão.
-ção Federal de 1988, com especial
Um
dos
ênfase, à legalidade, imparcialidade,
magistrados
assevera que:
moralidade, publicidade e eficiência.
o simples fato de alguém
A Universidade não tem autonomia
declarar-se pardo nem o torna pardo,
para criar um "direito de raça" para
nem muito menos necessitado do
seleção
privilégio de ingressar pelo sistema
afirmativas podem e devem ser
de cotas [...] A resolução da UFBA
promovidas pelo Estado, mas se, ao
apresenta-se ofensiva ao princípio
implementá-las, o Estado quebra os
da isonomia.” [grifo nosso].
princípios constitucionais regedores
de
alunos.
As
ações
Oliveira cita ainda:
da espécie, como aqui, a igualdade
O fato de alguém nascer
de acesso, sem distinções de raça,
negro ou pardo não pode servir
sexo,
como
obviamente
critério
de
ingresso
em
cor,
etc.,
necessita-se
de
interposição
instituições de ensino, por que o fator
legislativa. É o Parlamento que
cor nada tem a ver com o ensino
legitimamente obriga a todos. É o
público. (p.98)
princípio da dominação democrática, a quebra só pode ser feita pela lei, 87
emanada
do
Legislativo.
[grifo
sobre outras minorias (estrangeiros)
nosso].
no ocidente, o poder dos grupos
Tais
discursos
revelam
brancos ainda se manifesta no
nitidamente a formação ideológica
discurso,
de
primeiro
modificado. Apesar de as fontes
admite a diferença racial, mas não a
históricas documentarem o emprego
considera significativa e não a
secular a dofensa racial, ela é muitas
enfrenta, o segundo não enxerga o
vezes negada pelo branco. Com a
problema do racismo na sociedade
mudança das leis, o racismo verbal
(a cor nada tem a ver com ensino
diminui formalmente, e o tratamento
público)
embora
depreciativo direto diminuiu também,
“defenda” as políticas afirmativas,
mas mesmo a fala sobre a negação
entende que só o legislativo pode
do
resolver
consequências
seus emissores:
e
o
a
o
terceiro,
questão
(ênfase
na
porém
racismo
de
ou
modo
de
pode
suas
sinalizar
a
legalidade). Tal decisão é compatível
superioridade do falante e do grupo
com a formação jurídica que prioriza
branco, denunciando ao conflito na
o normativismo, visão essa ainda
comunicação interétnica. É comum
predominante no direito. Mostra-se a
que o discurso racista do branco
relatora muito mais preparada para
apresente-se
interpretar
tentativa
o
direito
do
que
a
de
velado
e
com
a
contrabalancear
o
realidade. Filiam-se os três julgados
preconceito com afirmações do tipo
à formação tradicional hegemônica,
“sou tolerante”, “não sou racista”,
enfocando as normas processuais
“não tenho nada contra eles” “há
supostamente aviltadas e tornam a
alguns deles (negros) realmente
questão
bons”. Tais contrastes evidenciam a
da
desigualdade
racial
competição entre os grupos (nós, os
invisível e alheia ao direito. Os textos decisórios podem
brancos e eles, os negros). Um
ser relacionados com os estudos de
recurso interessante na fala racista é
Análise
a
Crítica
do
Discurso,
empreendidos
por
Van
Dijk.
Analisando
fala
racista
dos
a
chamada
transferência,
uma
estratégia semântica que tenta a autoapresentação
positiva
do
brancos europeus, o linguista faz
emissor, mas insinua sutilmente o
descobertas
racismo
interessantes.
No
discurso sobre o negro e também 88
“Eu
não
me
importo
que eles façam tal coisa, mas outras
[...] fato irrecusável é que à figura do
pessoas podem se importar”.
negro
Ainda em seus estudos, o linguista
holandês
revela
associou-se,
imbricou-se
mesmo uma conotação de pobreza
uma
que
a
disparidade
acaba
por
estratégia do discurso dominante
encontrar dupla motivação: por ser
que notamos sutilmente no julgado
pobre
acima:
presumidamente injustiça
Uma estratégia de tal discurso dominante
é
definir
de
ou
forma
aí
por
ser pobre
esta,
universidades,
negro, [...]
A
presente:
as
formadoras
das
persuasiva o status quo étnico como
elites, habitadas por imensa maioria
“natural”, “desejável”, “inevitável”, ou
branca [...] ver a disparidade atual e
até
mesmo
“democrático”,
por
aceitá-la
comodamente
é
uma
exemplo, através da negação da
atitude racista em sua raiz. [grifo
discriminação ou racismo, ou através
nosso].
da desracialização (de-racialising) da
desigualdade
através
E, no mesmo acórdão, citado
de
por Oliveira (p. 101):
redefinição em termos de classe, diferença
cultural
ou
É simplismo alegar que a Constituição
das
proíbe
consequências especiais (únicas e
discrimen fundado em raça ou em
temporárias) do status de imigrante
cor. O que, a partir da declaração
[negro]. (DIJK, 2010, p. 96).
dos direitos humanos, buscou-se
A seguir veremos acórdãos
proibir foi a intolerância em relação
sobre a mesma questão resultantes
às
de outro tipo de formação discursiva.
desfavorável a determinadas raças,
Tais
o
a sonegação de oportunidades a
racismo no Brasil, os problemas dele
determinadas etnias. Basta olhar em
decorrentes e consideram a questão
volta para perceber que o negro no
do ponto de vista histórico e social.
Brasil não desfruta de igualdade no
discursos
reconhecem
O Rel. Des. Fed. Carlos
diferenças,
o
tratamento
que tange ao desenvolvimento de
Eduardo Thompson Flores Lenz
suas
(Julg. 26/08/2008; DEJF 23/07/2009,
preenchimento
do TRF 4ª R.; AI 2008.04.00.013342-
poder. [...]
4; RS; Terceira Turma), entende
potencialidades
E
que:
ainda
dos
e
espaços
citando
ao de
Oliveira
(p.108), um terceiro magistrado, em 89
outro caso relacionado a cotas universitárias
para
Apenas à luz da AD e do
negros,
entendimento
sentencia:
das
formações
A
medida
Universidade
adotada implica
discursivas
determinaram
a
(que
atribuição
de
a
sentidos dada ao termo por cada um
discriminação de todas as demais
dos juízes) é que se pode lidar com
etnias [...] Não se trata, pois, de um
as
conjunto de medidas violadoras do
constitucionais, o que reafirma o
princípio da isonomia. As medidas,
perigoso
em
argumentativo do discurso decisório,
verdade,
não
pela
diferentes
demonstram
preocupação
de
é
a
tratar
diferentes
interpretações
traçado
principalmente
retórico-
considerando
a
desigualmente os que se encontram
identidade de contextos nos três
em
casos julgados.
situação
de
desigualdade,
propiciando - aí sim! - a isonomia no
Outro exemplo paradigmático
que toca ao direito de acesso ao
pode
ensino
proferida em 2003 pelo Supremo
superior
gratuito.
[grifo
nosso].
ser deduzido
da
decisão
Tribunal Federal, sobre a polêmica questão do discurso do ódio (hate
Como se nota, nestes últimos, magistrados
speech) no Habeas Corpus82.424
condicionantes
– [2] o denominado “caso Ellwanger”
históricas no desequilíbrio racial
–, julgado em 17 de setembro de
brasileiro, revela uma visão do direito
2003. O STF apreciou o pedido
mais conectada a realidade do que
de writ decorrente da condenação do
às normas e analisa estruturalmente
réu, escritor e sócio de uma editora
a questão da desigualdade com
por delito de discriminação contra os
maior sensibilidade.
judeus, consubstanciado em uma
a
postura
reconhece
A não
dos as
hermenêutica
encontraria
tradicional
subsídios
publicação
para
hostil
de
conteúdo
antissemita, distribuída e vendida ao
justificar tamanha disparidade na
público.
atribuição de sentidos ao termo
O julgamento confrontou os
“isonomia”. Cada julgador, ao decidir
limites da liberdade de expressão
de modo diferente, põe em questão
diante da intolerância racial, em vista
a equidade das sentenças e a
de seu potencial disseminador do
segurança jurídica.
ódio racial. Nesse sentido, o cerne 90
da
questão
está
no
fato
de
A
interpretação
do
termo
direitos
“racismo” à luz do entendimento do
fundamentais potentes: o direito à
Ministro Gilmar Mendes, considera
liberdade de expressão e o direito à
para
não-discriminação.
antissemitismo se caracteriza como
conflitarem
dois
Na ocasião, submeteu-se à
ao
alcance
“racismo”,
do
fins
lide
que
o
no contexto da lide, judeu é raça:
termo
[...]
pelo
enquanto
empregado
da
prática de racismo, ou seja, para ele,
análise do Tribunal uma questão relativa
os
racismo, fenômeno
social
e
constituinte no art. 5º, inciso XLII, da
histórico complexo, não pode ter o
Constituição
seu conceito jurídico delineado a
brasileira,
o
qual
partir do referencial “raça” [...]
prescreve que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. Assim,
E mais
a relevância da descoberta do
Assim não vejo como se
sentido
semântico
da
referida
atribuir
ao
texto
constitucional
expressão estava justamente no
significado diverso, isto é, o conceito
exame
da
jurídico de racismo não se divorcia
punibilidade da conduta antissemita
do conceito histórico, sociológico e
atribuída ao paciente. A polêmica
cultural
hermenêutica decorria do fato de
supostamente raciais, aqui incluído o
que, do ponto de vista estritamente
antissemitismo.
da
imprescritibilidade
assente
em
referências
histórico, era admissível por alguns
O Ministro Maurício Corrêa,
dos Ministros o caráter racista do
analisando o termo, a ele atribui
antissemitismo, razão pela qual o
outra interpretação. Indo além, do
delito seria imprescritível.
entendimento de Gilmar Mendes,
Todavia,
para
entende que a expressão “racismo”
outros
Ministros, apegados à formação
é
tradicional, considerando a partir da
estudos mais recentes referentes ao
perspectiva biológica, os judeus não
genoma,
constituem
estando,
chamadas “raças” distinguindo os
portanto, o crime praticado prescrito.
humanos. Segundo o Ministro, a
uma
Vejamos
raça,
as
equivocada,
não
pois,
segundos
existiriam
as
diferentes
genética baniu o conceito tradicional
atribuições de sentido dadas por três
de raça e que a divisão dos seres
deles no caso em apreço:
humanos em raças decorre de um 91
processo político-social, originado
qualquer sustentação antropológica
da intolerância dos homens.
[...] Não resta dúvida, portanto, que o
Na verdade, o que existe é uma
correlação
do
que
preceito do inciso XLII do art. 5º da
se
Constituição aplica-se à espécie,
convencionou chamar de raça e a
dado
geografia mundial, o que relaciona
defendem e divulgam ideias dessa
os homens de cor branca à Europa,
mesma
os de cor negra à África, e os de cor
deliberadamente, racistas, e em
amarela à Ásia. [...] Com efeito, a
consequência, estão sujeitos às
divisão de seres humanos em raças
sanções penais de que se valeram
decorre de um processo político-
os acórdãos impugnados.
social originado da intolerância dos homens.
Disso
todos
aqueles
natureza,
Em
sentido
que
são,
contrário,
o
empregando o método hermenêutico
preconceito racial. Não existindo
histórico, o relator Ministro Moreira
base científica para a divisão do
Alves
homem em raças, torna-se ainda
entendendo não ser possível a
mais
prática de racismo contra o povo
odiosa
resultou
que
qualquer
ação
discriminatória da espécie. Como
enuncia
sua
posição
judeu:
evidenciado cientificamente, todos
Considerado,
assim,
em
os homens que habitam o planeta
interpretação estrita, o crime de
[...] fazem parte de uma única raça,
racismo, a que se refere o art. 5º
que é a espécie humana, ou seja a
XLII, da Constituição, como delito de
“raça humana.
discriminação ou preconceito racial,
Por tudo o que já foi dito,
há de se enfrentar a questão que,
permito-me arrematar que racismo,
então de põe, e é a de se saber se
longe de basear-se no conceito
os judeus são, ou não, uma raça. E,
simplista
na
a esse respeito, impõe-se a resposta
verdade, reprovável comportamento
negativa, com base, inclusive, em
que decorre da convicção de que há
respeitáveis autores judeus [...] [grifo
hierarquia entre os grupos humanos
nosso]
[...]
em
científicas
de
raça,
virtude acerca
reflete,
das do
conquistas
[...] O elemento histórico –
genoma
que, como no caso, é importante na
humano, a subdivisão racial da
interpretação
espécie
quando ainda não há, no tempo
humana
não
encontra 92
da
Constituição,
para
a
foi decifrado, pois na verdade não
que,
por
continha um sentido oculto. O termo
circunstâncias novas, conduza a
legal não é, pois, um objeto posto ao
sentido diverso do que decorre dele
desvendamento do sujeito. Pelo
– converge para dar a “racismo” o
contrário, cada intérprete atribui e às
significado de preconceito ou de
vezes,
discriminação
peculiar incidente sobre a letra da lei
distância
bastante
interpretação
evolutiva
racial,
mais
especificamente contra a raça negra. E
adiante,
prossegue
de
o
inaugura
modo
um
sentido
discricionário
(ou
arbitrário?).
relator:
Constatada a subjetividade
Não sendo, pois, os judeus
judicial,
vê-se
que
a
solução
uma raça, não se pode qualificar o
proposta por Dworkin, (observância
crime por discriminação pelo qual foi
dos
condenado o ora paciente como
discricionariedade judicial), também
delito de racismo [...]. [grifo nosso].
não esclarece facilmente o problema
Pelo exposto, verifica-se que
da
princípios
no
hermenêutica
controle
atual,
da
pois,
os aportes teóricos da linguística,
conforme discorremos no capítulo
especialmente
vertente
destinado à AD, para “observar o
semiótica, com a pragmática e a
princípio” o intérprete tem de “dar” a
semântica, são essenciais para a
ele um sentido, e, nesse caso,
configuração das novas discussões
voltamos ao ponto de partida.
na
hermenêuticas.
Os argumentos de Streck,
Os Ministros, valendo-se cada um
deles
de
tem o poder de afastar o problema
três
da discricionariedade e da ideologia
atribuições de sentido diferentes
da sentença, pelos motivos jurídicos
para termo “racismo”. Cada emissor
e linguísticos já apresentados. No
vislumbrou um valor de sentido, de
momento em que o juiz avalia o caso
acordo com sua visão de mundo,
à luz do horizonte constitucional terá
conhecimentos,
de atribuir sentido aos termos da lei
métodos,
discursiva,
de
um
conjunto
embora bem elaborados, ainda não
chegaram
a
formação politicidade
e
maior, e, nesse caso, voltamos ao
subjetividade. Desse modo, o termo
ponto
“racismo”, posto à apreciação dos
ponderações
três
homogêneas. A própria formação
hermeneutas,
não 93
de
partida,
pois
não
poderão
suas ser
jurídica ministrada nas diferentes
de
universidades brasileiras
linguagem é sempre o produto de
é
uma
condicionante. Por outro lado, se o
discricionariedade,
pois
a
uma vivência subjetiva.
juiz ficasse eternamente vinculado à
O Poder Judiciário, desse
solução projetada pela comunidade
modo, por meio de um discurso
política, tal restrição comprometeria
denominado
a necessária evolução do direito.
inevitavelmente
Esse deve avançar, pois os valores
politicidade, pois o juiz não é e não
sociais, as tecnologias e as ciências
pode
mudam e, afinal, alguém precisa ser
neutralidade discursiva não existe e
o arauto da inovação, ser o primeiro
ainda que existisse, tal asseptismo
a romper com a tradição, ainda que
judicial seria uma manifestação de
isso afete a integridade do sistema.
apatia mental indesejada.
A
mudança
transformar institucionais,
é
necessária as
para
ser
sentença, algum
neutro,
Dada
estruturas
manifesta grau
porque
essa
que
discricionariedade
imperfeitas.
a
aporia,
reconhecemos
visivelmente
de
do
discurso
judicial é inevitável, já que decorre da vagueza própria da linguagem natural. Todavia, não constitui essa constatação
Conclusão
nenhum
tipo
de
exaltação ao arbítrio do juiz, pois os problemas
O teu rosto belo, ó
e
incoerências
palavra, esplende na curva da noite
decorrentes da discricionariedade
que toda me envolve. Tamanha
judicial são evidentes, como visto
paixão e nenhum pecúlio. Cerradas
nesse estudo pelas críticas de Dworkin e Streck.
as portas, a luta prossegue nas ruas do sono.
Enveredando pela área da
(Carlos Drummond de Andrade)
linguagem, evidenciamos como os postulados da AD perpassam a hermenêutica jurídica e propusemos
O direito, assim como toda ciência que depende da linguagem
a
desmistificação
natural para realizar-se, está e
sentenciador
sempre estará sujeito a algum grau
mensagem: os juízes são homens e seres 94
do
discurso
a
seguinte
com
político-sociais
e
assim
proferem seus discursos. Portanto,
orientação
tais textos devem ser estudados
universidades, do contexto social, ou
como
seja,
atos
de
linguagem.
recebida
nas
sempre
haverá
Compreendemos que o controle da
heterogeneidade na doutrina e aí
discricionariedade
mesmo reside a riqueza do direito.
judicial
dependerá do reconhecimento da
O estudo aqui apresentado
feição discursiva e ideológica da
não propõe, portanto, excluir a
sentença.
ideologia da sentença, já que isso
Dworkin acerta quando diz
seria impossível. Mas, ao apresentar
que os juízes deveriam aceitar as
as
restrições
discricionariedade
a
sua
subjetividade
tensões
decorrentes judicial
da e
as
decorrentes da necessária coerência
críticas a ela, pretende-se, na falta
do
foi
de uma solução simples e definitiva,
demonstrado, eles não podem fazer
iluminar o vértice interdisciplinar
isso, pois a ideologia se manifesta de
formado entre a Análise do Discurso
modo inconsciente e irrefutável no
e a hermenêutica do direito, para que
ato de interpretar e de sentenciar.
o intérprete reconheça, observe e se
direito,
mas,
como
torne
As decisões deveriam, sim,
consciente
da
força
dos
convergir com os objetivos políticos
condicionamentos
gerais (e não pessoais) traçados
psíquicos
pelos princípios e esclarecidos pela
desvelados, afinal, pelo que vimos,
doutrina,
qualquer processo de compreensão
que,
precisaria
ser
segundo mais
Streck,
envolve
engajada.
identificar os tais objetivos políticos o
sujeito
ideológicos
aqui
primeiramente
a
autocompreensão do intérprete.
Porém, foi comprovado que, ao
gerais
e
políticos,
Isso lhe instrumentará para
já
sentenciar
de
modo
mais
está assujeitado por sua formação
consistente, reconhecendo: a) as
discursiva e fará uma leitura do
consequências problemáticas das
mundo não como quer, mas como
decisões discricionárias, diante dos
pode,
pressupostos
em
razão
de
seu
olhar condicionado. Por outro lado,
Democrático
de
do
Estado
Direito
e
da
“engajamento”
segurança jurídica; b) (de outro lado)
doutrinário nunca será uniforme, pois
as mazelas do formalismo positivista
depende dos eixos de formação, da
(que só serve para resolver os casos
o
desejado
95
fáceis) e que vê na decisão um
dele mesmo (juiz) e da função social
silogismo estreito, no direito uma
do direito e do Estado, mas deve
ciência a-histórica e no juiz uma
reconhecer que cada sujeito emissor
máquina
está integrado no devir histórico e é
dedutiva
sem
e
sem
coração.
dramaticamente condicionado por
O ponto de convergência e de conciliação
das
apresentadas
sua posição social e pela formação
tensões
discursiva dela decorrente, e isso
na
inclui os juízes para o bem e para o
está
conscientização dos juristas acerca da
existência
no
Nesse sentido, o magistrado,
mais
assim como todo homem, é um ser
profundo das astúcias da linguagem,
político e, ao julgar, orienta-se por
daquilo que ela oculta em suas
seus
tramas, poderá dar novos rumos aos
a polis que considera ideal) e não há
debates sobre o tema, possibilitando
nenhuma medida mágica que possa
uma maior vigilância das decisões.
minar a discricionariedade.
discurso.
O
A
da
ideologia
mal.
conhecimento
coerência
primeiros
(busca
as
Porém, e isso é crucial, a
a
subjetividade decisória deve ser
integralidade, como propõe Dworkin,
discutida pela doutrina. O discurso
são,
da ciência do direito é também
sentenças
sem
pretensão,
entre
valores
(equidade)
dúvida, mas,
conhecimento
da
e
uma
justa
sem
o
Análise
do
um
e
as
ambiente
de
formação daqueles que cursam,
Discurso, a ideologia sobreviverá na penumbra
potente
estudam e vivem o direito. A
decisões
doutrina
é,
pois,
um
permanecerão como estão. Sendo
aparelho ideológico, burila mentes e
assim, propõe-se que as teorias do
altera as percepções da classe
discurso sejam compartilhadas com
jurídica,
os juristas nas universidades e nos
que ainda estão em formação.
debates acadêmicos.
especialmente
daqueles
De outro lado, as faculdades
A nova hermenêutica acerta
de
direito
exercem
fundamental
de um sujeito que se dá conta das
bacharel,
repercussões sociais de seus atos
discursivo mais penetrante e nítido
(decisões) e da própria função social
no desenho ideológico de seus
sendo
formação
papel
quando vê a interpretação como ato
96
na
um
o
do
ambiente
discentes. Prova disso é a conhecida
Por outro lado, os cursos de
segmentação doutrinária existente
Direito
no direito brasileiro, dividido em
importância
“escolas”
propedêuticas
e
Paulista e a do Rio Grande do Sul.
ampliando
reflexão
Isso se deve à formação oferecida
filosófica de modo intensivo nas
nos respectivos estados.
salas
divergentes,
como
a
Um juiz
precisam das
a
de
reavaliar
a
disciplinas humanísticas,
aula,
político-
apresentando
envolvido pela visão hermenêutica
conteúdos de feitio realístico e
de uma escola (e ambientado nesse
interdisciplinar.
contexto),
terá
ensinada na academia deve ser
para
crítica e seus postulados devem ser
engajar-se num espaço distinto, o
convergentes com os mais recentes
que
estudos de linguagem.
certamente
problemas
para
explica
julgar
e
parcialmente
a
heterogeneidade de decisões.
de
reporte
sempre
ao
estudo
da
suas
sociologia, que afinal é a ciência que
mazelas de modo mais ostensivo,
dará a base empírica e fática
dialético
necessária
e
e
hermenêutica
É preciso que o jurista se
Assim, se a doutrina tratar da discricionariedade
A
democrático,
estará
para
decidir
com
promovendo a transformação de
razoabilidade e segurança a partir da
ideias necessária, mas, para tanto,
observação científica da sociedade,
deve aproximar-se da realidade e
de seus clamores e urgências. É
abrir-se à interdisciplinaridade com
essa segurança que importa. Não se
as ciências da linguagem e com as
confunde segurança jurídica com
ciências políticas e sociais, pois são
imobilidade nas decisões. Por outro
estas que devem sinalizar (por meio
lado,
de
os
filosófico, pois a sociologia sem a
significados dos termos inquietantes
filosofia também é falha, dada a falta
do direito como, por exemplo, o que
de uma reflexão ética sobre os
é
dados encontrados nas pesquisas.
suas
“bem
pesquisas)
comum”, ou
para
“interesse
é
preciso
aprofundamento
social”. Isso deve ser definido por
Mais do que tudo isso, é
meio de debates e consensos da
fundamental que a formação do
comunidade científica do direito, e
jurista seja orientada não apenas
não por cada juiz, individual e
pelo ensino teórico reprodutivo, mas
aleatoriamente.
fundamentalmente 97
pelo
engajamento
do
pesquisas
e
estudante
em
evidentemente,
produção
de
distorções decisórias que temos
conhecimento novo (e não apenas em
monografias
as
visto nos tribunais.
e
As disparidades se explicam,
baseadas no método de compilação,
em parte, pois, lamentavelmente,
como
que
temos ainda no Brasil um déficit
universidade sustenta-se no tripé
enorme de pesquisas na linha crítica,
ensino-pesquisa – extensão.
ou seja, quase não temos pesquisas
temos
dogmáticas
atenuará
visto),
já
A universidade deve, pois,
realmente científicas em direito,
investir em formação científica e
embora o mercado editorial na área
estudos
zetética,
seja gigantesco. Mesmo com a
que questionem a lei e tragam
obrigatoriedade da monografia nos
propostas novas, que assumam a
cursos de direito, o que ocorre na
dianteira
realidade
de
na
natureza
ruptura
de
certos
é
o
predomínio
de
cânones ultrapassados. Tudo isso,
trabalhos de exegese normativa que
não
“beiram” e reverenciam o texto legal,
com
base
em
achismos,
subjetividade, ideologia pessoal ou
questionando
apenas
as
partidarismos políticos, o que nos
possibilidades de sua aplicação e
levaria de volta ao ponto de partida.
abrangência.
Os questionamentos à lei devem ser
Desse modo, muitas vezes, a
feitos a partir das conclusões de
formação sociológica e política dos
pesquisas científicas empíricas, nas
juristas é limitada pela falta de
quais
acesso aos dados interdisciplinares.
o
direito
confrontado
com
sociológica, econômica, com
realidade
criminológica,
estudos
a
a
sido
Por
antropológica,
interdisciplinares definam
tenha
e
isso
as
disparidades
são
maiores nos casos que envolvem
enfim,
direitos difusos, coletivos, problemas
consistentes,
raciais,
críticos
preconceitos em geral e dilemas
(in)viabilidade
que e
a
sexualidade,
humanos
de
enfim
natureza
(i)legitimidade social, política e ética
socioeconômica.
das normas. Essa formação mais
heterogeneidade ocorre por que as
científica e interdisciplinar projetar-
pesquisas jurídicas não mensuram
se-á na formação ideológica dos
os efeitos e os impactos das leis. É
juristas
escassa a pesquisa jurídica de
(e
dos
juízes)
e, 98
Tal
natureza empírica quantitativa, que
judiciário. É claro que a subjetividade
verifica o resultado prático das
nunca
normas, sua aplicabilidade e seu (in)
completamente, (e isso nem seria
sucesso.
interessante para a evolução do
desaparecerá
Os estudos jurídicos estão,
direito), mas se a universidade é um
pois, ainda muito distantes do que
importante aparelho ideológico (e é
deveriam ser. A pesquisa da lei deve
nela que a formação do jurista se
focar
sua
petrifica), a politicidade cultivada
o
nessa instância deve organizar-se
momento e as razões de sua
sobre pilares científicos confiáveis, à
criação, as pressões e conjunturas
luz de ensinamentos doutrinários
políticas que aturam em sua gênese.
racionais e testados em pesquisas
O ideal seria que a pesquisa jurídica,
sérias e desencasteladas.
principalmente
arqueologia,
investigando
além de questionar se determinada
As
lei pode ou não ser aplicada a
formadas
determinada situação, perguntasse
não subjetivamente. É lamentável
também:
foi
que, em muitas instituições, as
a
que
disciplinas que relacionam o direito
os
seus
com a sociedade, com a política,
impactos? Quem ganha e quem
com a economia e com o homem
perde com ela? E principalmente: Se
sejam
ela deve ou não permanecer no
períodos do curso.
feita?
Por
que
tal
Atendendo
interesses?
Quais
ordenamento.
Essas
lei
são
as
opiniões
devem
dialeticamente,
exauridas
Feitas
tais
nos
ser mas
primeiros
ponderações,
perguntas que faz um cientista da
pensamos que o juiz ideal depende
linha zetética, enfocando a lei não
de uma formação acadêmica mais
como dogma, mas como um objeto
ampla e engajada à vida real.
de investigação.
Então, interrogará as leis e a
Com maior acesso a dados científicos,
resultantes
si mesmo e será capaz de decifrar
desses
seu
próprio
universo
discursivo,
estudos, os juízes poderiam decidir e
identificando (e controlando) em
fundamentar
menos
suas sentenças as “vozes” que
aleatório, evitando a “roleta russa”
atuam, ou seja, as ideologias. Só
institucionalizada
que
a
assim reconhecerá que o provimento
sociedade
desacredita
o
judicial
de
e
modo
alarma
99
deve
ser
a
resultante
discursiva racional,
de
um
baseado
procedimento no
Vale lembrar, por fim, que a
diálogo
afinidade
científico interdisciplinar.
entre
linguística,
o
aqui
direito
e
a
brevemente
É claro que a decisão há de
anunciada, tende a se perpetuar,
ser coerente com o sistema jurídico
pois desde a Grécia antiga se
e com os sentidos protegidos pelo
comprova: a democracia só se
ordenamento jurídico e não uma
consolida onde a luta discursiva
“loteria” passional condicionada por
impera sobre a força. Somente pelo
seu gosto. Mas essa coerência ou
embate franco de ideias e pela
sistematicidade não significa de
abertura ao conhecimento que se
modo algum imobilidade ou apego
agita na arena textual das ideologias
insensato a decisões já superadas
é que se realizarão as metas
pelo evolver social.
constitucionais e a evolução desta ciência direito.
100
palavreada
denominada
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103
O NÃO ANONIMATO PATERNO EM REPRODUÇÕES ASSISTIDAS HETERÓLOGAS SILVA Rico Nunes da, Diego – Discente do 10º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. GUERCHE FILHO, Antônio – Docente do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO Esta pesquisa científica versa sobre o conflito de princípios, direitos e garantias fundamentais inerentes à reprodução assistida heteróloga humana, enfocando a questão do anonimato paterno. O sistema jurídico brasileiro não possui legislação específica que regule tal técnica reprodutiva, com isso, é de grande pertinência a discussão deste polêmico tema. Enquanto as tecnologias são dinâmicas e estão em constante transformação, o Direito é mais estático, sendo assim, dificilmente acompanha lado a lado as mudanças de nossas técnicas tecnológicas. De um lado existe o interesse do nascituro, que tem seu direito fundamental à informação lesado, afetando a dignidade, de outro lado há o direito do próprio doador, que tem sua identificação protegida pelos princípios do contrato, com base no direito individual à privacidade, intimidade e imagem. A questão tratada por este trabalho é como encontrar uma solução viável, de forma a equilibrar a balança da justiça. O artigo foi dividido em três capítulos, nos quais foram abordados aspectos históricos, características e conceitos básicos, fundamentos e embasamentos, métodos e maneiras de realizá-los, condições para
a
concretização
da
técnica,
limites
legais,
testemunhos
e
proporcionalização do tema. A tese é defendida mediante pesquisa bibliográfica e documental e apresenta ilustração com entrevistas diretas. O método de procedimento adotado é o dogmático-jurídico com estudo de caso, para apresentação coerente e concisa do tema.
Palavras-chave: Reprodução heteróloga. Direitos individuais. Anonimato. 104
Introdução
reprodução heteróloga, por outro lado também é deferida proteção ao
Esta pesquisa científica tem como
tema
o
direito
direito da criança de conhecer sua
ao
ascendência genética. Justamente
conhecimento da origem genética
por isso nos vimos com uma colisão
pelo gerado da reprodução assistida
de
heteróloga
realizada
problema é como solucionar e
por meio de inseminação artificial,
satisfazer um, sem causar prejuízo
com material genético de terceiro
ao outro.
(reprodução
princípios
e
interesses,
o
desconhecido), e a sua subsequente
Este trabalho foi feito para
problematização. Questiona-se até
buscar-se um ponto de equilíbrio
que ponto a origem biológica deve
entre
ser um segredo para o gerado da
fundamentais
reprodução assistida e quais os
material genético, e da pessoa
efeitos jurídicos da consideração ou
gerada pela técnica de reprodução.
não do vínculo afetivo ou até mesmo
Estão
genético.
constitucionais
A evolução das tecnologias
os
direitos
em
indivíduo,
dos
e
garantias
doadores
conflito
princípios
inerentes
como
do
o
direito
ao à
reprodutivas são tão rápidas quanto
informação, de se saber a respeito
a
da
de nossas origens, no caso, e o
sociedade, já o direito não. A
direito à intimidade, que prescreve
reprodução
ao doador total imunidade das
evolução
comportamental
heteróloga
assistida
humana
não
regulamentação
possui
específica
responsabilidades
em
a ter.
assim, carece de maiores pesquisas. direitos
e
qualquer vínculo que este poderia vir
nosso ordenamento jurídico, sendo
Os
paternas
Com o intuito de não fazer
fundamentais
uma pesquisa superficial, foram
servem de égide e base para o
interrogados um Padre pertencente
direito à intimidade dos doadores de
ao Conselho Legislativo da Austrália
gametas tanto quanto ao direito de
e
conhecimento da origem genética do
inseminação artificial humana, para
indivíduo.
que se faça possível uma aplicação
Se
por
um
lado
é
uma
pessoa
prática
de
defendido o direito ao anonimato do
e
doador na aplicação de técnica de
Ambos têm a mesma opinião, de que 105
idealização
gerada
também.
os doadores do material genético
apresentado de forma proporcional e
apenas
justa.
lesam
fundamentais
as
das
garantias
crianças
que
nascerão,
sustentando
a
defendida
por
pesquisa
esta
tese
1. Direitos e limitações
científica.
Os
bancos
de
material
Quando houver tal conflito
genético estão tão desenfreados a
entre dois ou mais direitos ou
procura de sêmen que é possível se
garantias fundamentais, o intérprete
fazer um registro de doação via
deverá utilizar-se do princípio da
internet! E se você estiver na cidade
concordância
da
sede da empresa em questão, eles
harmonização de forma a organizar
inclusive vão até sua casa colher o
e combinar os bens jurídicos em
material! Com qual ímpeto estariam
conflito, encontrando assim, uma
essas
eficaz solução.
Algumas
prática
ou
empresas
motivadas?
empresas
inclusive
O estudo a seguir foi dividido
possuem filiais em diversos países, e
em três capítulos, dentre os quais
ainda assim buscam atingir todo tipo
foram explanadas características e
de público, como por exemplo, a
conceitos
empresa
básicos
do
assunto,
aspectos históricos, fundamentos e
registrada
no
domínio http://www.hfea.gov.uk.
embasamentos, além de métodos e
Elas se valem da justificativa
maneiras de realizá-los, requisitos
de
para a efetividade da técnica, limites
identidade e o direito à privacidade
legais,
dos pais, assim como estimulam
testemunhos
pessoais
e
balanceamento do tema. A
problematização
que
protegem
o
direito
à
esses a doarem o máximo possível será
de material utilizável. Elas afirmam
abordada por meio de uma pesquisa
inclusive que limitam o número de
bibliográfica e empírica, fazendo uso
procedimentos de acordo com o
de entrevistas diretas. Será também
número de habitantes, de forma a
usado o método dogmático-jurídico
minimizar o máximo o risco de
de
relações sexuais entre irmãos, por
procedimento,
assim
como
estudo de caso, para que, desse modo,
o
assunto
possa
exemplo.
ser
Mas problema 106
com está
tudo apenas
isso,
o
sendo
camuflado e recebendo uma nova
É
fato
que
as
normas
face, de correto e justo, quando na
regulamentadoras da questão são
verdade, ofende direitos da criança
omissas quanto a alguns aspectos,
gerada. Como não considerar a
pois, claramente, nem autorizam
vontade do gerado ao se realizar um
nem regulamentam qualquer tipo de
contrato que o afetará diretamente?
reprodução assistida. Nesse sentido,
Restringir a quantidade de
Sílvio Venosa (2005) afirma que o
fertilizações heterólogas assistidas
código de 2002 não permite nem se
pela quantidade de habitantes em
pronuncia a respeito da reprodução
uma determinada área diminui o
assistida, de modo que só deixa uma
risco de que irmãos se relacionem
lacuna a respeito do problema, e
sexualmente, todavia é impossível
tenta dar uma solução analogamente
calcular o número certo de embriões
a respeito da paternidade, e diz
que realmente foram fecundados
também que toda esta problemática
com sucesso por cada mãe. Além
deve ter Lei específica, ou algo
disso, as pessoas não são imóveis,
semelhante que a regule.
podendo se locomover facilmente
Gama (2003) crê que deva
para outra área. Assim, tanto o pai
existir o anonimato, mas apenas
quanto os filhos podem deslocar-se
civil, de forma a serem fornecidos
aumentando
dados
o
risco
de
relacionamentos consanguíneos.
relativos
à
sua
história,
embasado em um prisma biológico,
Enquanto protegem o direito à
protegendo então a existência da
intimidade do pai, os contratos e a lei
pessoa
gerada
das
técnicas
restringem o direito à informação do
concepcionistas. Isto porque se deve
gerado. Todavia, considerando-se
resguardar o direito fundamental à
que a paternidade é hoje concebida
identidade, direito à intimidade e
como relação socioafetiva, para
direito à privacidade.
equacionar a questão, o doador deve
Belmiro Welter (2003), por
ser considerado apenas como a
outro lado, entende que não importa
identidade
concebido,
se a reprodução é assistida ou não,
simples e puramente, sem ter que
tanto no primeiro caso como no
arcar
nenhuma
segundo, as proles têm o direito de
responsabilidade que a paternidade
investigar, e inclusive de negar sua
produz.
paternidade
genética
com
107
biológica,
integrando
assim seus direitos de dignidade e
minha propensão para piadinhas de
também de cidadania. Caso o filho
mau gosto de minha mãe, assim
deseje, deveria ser quebrado o
como minha perspectiva feminista.
anonimato,
o
Mas uma grande parte de mim
gerado não participou do acordo
sempre foi um mistério. (CLARK,
entre a parte doadora e a receptora.
2006, p.1).
pois,
obviamente,
O 2. A parte lesionada
homem
tem
uma
necessidade primordial de conhecer suas origens e sua proveniência.
Katrina Clark é uma estudante em
um
programa
audiências
e
graduandos
especial
palestras na
Durante toda sua vida Katrina teve
de
problemas
para
socio-pscicológicos
simplesmente pelo fato de não saber
Universidade
quem era seu gerador.
Gallaudet. Ela deu um depoimento
Katrina,
indignada
com
a
em um jornal online chamado “The
forma com que foram lesionados
Washington Spot” a respeito de sua
seus direitos, exprimia:
experiência pessoal sobre o assunto.
Estou aqui para dizer que,
Ela é uma das várias pessoas
emocionalmente, muitos de nós não
geradas
através
método
estão aguentando. Nós não pedimos
reprodutivo de inseminação artificial
para nascer nesta situação, com
humana, cuja vida foi conturbada
estas limitações e confusões. É
simplesmente pelo fato de não saber
hipocrisia da parte dos pais e
quem
também médica, dizer que raízes
era
seu
do
pai.
Em
seu
depoimento, Katrina Clark (2006),
biológicas
não
importam
aos
conta sua história emocionante e dá
“produtos” dos “bancos de criação” e
várias provas do por que se deve
seus serviços, quando o desejo de
quebrar o anonimato.
uma relação biológica é justamente
Tenho 18 anos e na maior
e primeiramente o que traz clientes
parte da minha vida, eu não tive a
para os bancos. - E é exatamente
mínima ideia de minhas origens. Eu
isso! Não se justifica arrancarmos o
não sabia de onde vinha meu nariz,
direito à informação do gerado e
ou meu queixo, ou então meus
darmos limitações à suas garantias
interesses por culturas estrangeiras.
fundamentais a fim de preservar
Eu claramente herdei meus dentes e
apenas a identidade do doador, o 108
bem jurídico em questão é bem
saber de onde tinha vindo. Não
maior. (CLARK, 2006, p. 1).
importava não ter o amor de pai,
“Nós,
a
prole,
estamos
(claro, era relevante) mas não tanto
compreendendo qual direito nos foi
quanto não saber de suas origens.
tirado assim quando nascemos - o
O
Honorável
Revendo
direito de saber a identidade de
Gordon Moyes, eleito como o “padre
nossos pais” - dizia Katrina. Com que
do ano” da Austrália, membro do
razão
Conselho legislativo, do Conselho
se
priva
tal
garantia
fundamental? Nenhuma.
seletivo
de
Biodiversidade,
do
A fim de pesquisa, Clark
Conselho de Direitos coletivos, do
(2006), foi contatada e foram feitas
Conselho de Direito Processual e do
algumas perguntas com intuito de
Comitê de privilégios, manifestou-se
melhor
assunto.
com a mesma ideia defendida por
Durante a conversa, ela disse que
este trabalho ao publicar um projeto
sempre sonhou em ter um pai,
de
sempre quis ter uma pessoa que a
conhecimento das origens biológicas
protegesse e a amasse da forma que
de cada indivíduo.
explanação
do
só um pai o faz, mas, que como sua mãe
era
problema
solteira,
o
a
favor
do
direito
ao
Gordon Moyes (2007), diz
haveria
que:
assunto,
É um desejo fundamental do
entretanto, ela não tinha pai, não
ser humano querer saber mais sobre
tinha respostas, não tinha esperança
de onde viemos e quem são nossos
e não tinha ideia nem ao menos de
antepassados. No entanto, muitos
onde ela veio. Precisava dessas
adotados e filhos de inseminação
respostas.
artificial
Ainda
sobre
não
lei
sentimental,
Katrina
estão
sistematicamente
sendo negado
afirmou com veemência que sabia
conhecimento de suas origens. Isto
de todos os problemas a respeito do
não afeta apenas a necessidade
assunto, a possibilidade de um caso
inerente de identidade. Num mundo
romântico com um parente, seja ele
de medicina genética, se não se tem
pai ou irmão, o temor de não se
conhecimento da nossa herança
saber sobre doenças genéticas,
biológica, se é colocado em uma
mas, que pessoalmente, o que a
grave desvantagem, especialmente
incomodava mais era não poder
se a pessoa sofre indícios de doença 109
que poderá ocorrer mais tarde na
a
vida.
necessidade e um direito individual Em seu projeto de lei, afirma
identidade
biológica
é
uma
inerentes a cada um, pertinente
que será fornecido um amplo quadro
inclusive a saúde.
para a regulamentação dos aspectos sociais e éticos a respeito da
3. Direito ao não anonimato
tecnologia de reprodução assistida heteróloga. A Lei será orientada por
Ainda no tópico doação de
três principais princípios, reconhecer
gametas,
as obrigações já impostas aos
anonimato
fornecedores
receptores,
reprodução
da
tecnologia
assistida
pelas
de leis
atenta-se dos
para
o
doadores
e
sem
previsão
constitucional,
mas
existentes; reconhecer os direitos
jurisprudencialmente
dos indivíduos de ter o controle
Pode-se
ainda
sobre o uso do material genético, e
analogia
novamente
por último, reconhecer os interesses
9.434/97, de Doação de Órgãos, que
da criança e a importância do direito
impõe o anonimato entre doadores e
dela à informação.
receptores e aos princípios que a
O
Reverendo
legislador informações
pretende
e
garantido.
lançar à
mão
da
Lei
nº
também
nortearam. O fundamento encontra-
adicionar
se na perturbação que poderia ser
importantes
em
causada à família ou à criança, caso
registro, como o nome do doador,
a identidade do pai biológico fosse
data de nascimento e educação,
questionada.
bem como informações médicas importantes.
Sendo
assim,
Foi
demonstrado
em
um
este
debate em Albanese, que, no início
projeto reforça os interesses da
das práticas, em alguns países, para
criança gerada através de tal método
impedir a identificação do doador,
inseminativo reprodutivo assistido
chegou-se ao absurdo de se misturar
heterólogo. Ele defende que a
sêmen de vários doadores, técnica
criança estará apta para defender
conhecida nos Estados Unidos da
suas vontades obviamente quando
América como Confused Artificial
tiver legitimidade para tal, neste
Insemination.
caso, aos 18 anos de idade. O padre
Atualmente, isto é infração
defende que ter o direito de conhecer
grave, reprovável e hoje vedada no 110
Brasil, onde se exige a manutenção
Apontam, ainda, a dificuldade que se
de um registro no qual, apesar de
criaria
garantido o anonimato, os doadores
investigação,
deverão ser identificáveis.
desaparecerem
A
celeuma
possibilidade
de
o
de
risco os
doadores
(exatamente o que ocorreu na
questão é grande, mas o Brasil e a
Suécia) e o aspecto negativo da
maioria dos países do mundo, segue
inexistência de vínculo afetivo entre
a orientação pela manutenção do
o doador e a criança, bem como a
anonimato, sob o enfoque do melhor
ausência de utilidade social. Não se
interesse
critério
concebe que sejam reclamados
nas
alimentos do pai ou mãe biológicos
consagrado
torno
a
da
da
em
com
criança, e
revelado
expressões “the best interest of the
que
child” do Direito norte-americano e
material genético em bancos ou
no
doaram
“kindeswohl”
do
Direito
Germânico. Na
seus
depositaram
gametas
responsabilidade Suécia,
permite
apenas
a
a
legislação
sem
a
social
da
maternidade ou paternidade.
de
Sendo assegurado a todos o
paternidade do doador. Nesse país,
acesso à informação previsto na
a
de
Carta Magna em seu artigo 5º inciso
identidade também se orientou pelo
XIV, alguns juristas sustentam que a
interesse da criança, apurado por
criança poderá averiguar que foi
meio de pesquisas realizadas com
gerada por método de reprodução
filhos adotivos nos Estados Unidos,
assistida com doação de material
no Canadá e na Grã-Bretanha, que
genético, não se excluindo os dados
mostraram
de
acessíveis sobre a identidade do
conhecer a filiação. Apesar das
doador. Apesar de que, tanto o
divergências, hoje se tem discutido
doador quanto a receptora tem
tal direito também no Reino Unido.
direito ao segredo, que tem por
opção
investigação
seu
pela
a
revelação
necessidade
Os partidários do anonimato -
finalidade
impedir
que
certas
a maioria dos juristas, cientistas e
manifestações de uma pessoa sejam
médicos
divulgadas
orientados
do
mundo por
-,
também
pesquisas
e
ou
conhecidas
por
outras, justificando-se a quebra para
complexos estudos, destacam que o
assegurar o acesso à informação.
anonimato é bem mais benéfico. 111
É evidente que o doador, ao
revelação
se propor doar seu material genético
paciente.
para
utilização
interesses
do
procriação
O bem jurídico em pauta é
artificial, não deseja ver revelada sua
mais precioso, e o sigilo se embasa
identidade.
a
na Constituição, mas põe em riscos
receptora também tem direito ao
direitos relativos ao nascituro. Neste
segredo, pois poderá temer que o
caso,
doador um dia possa ter curiosidade
personalidade
dos
doadores
e possa se aproximar da prole ou
receptores,
não
poderia
reclamá-la, com base na verdade
divulgado, mas e quanto ao embrião,
biológica.
e quanto ao nascituro? Um contrato
De
Questões
em
aos
igual
sorte,
de
dúvida
o
segredo
e
previamente
é
direito
assinado
de e ser
interfere
constante entre os médicos são as
diretamente nos direitos da criança
hipóteses
sua
que virá, sobrepondo-se a suas
violação. O Código de Ética fala em
vontades. Se fizermos uso do Direito
justa
Comparado
que
causa,
justificariam
dever
legal
e
e
do
princípio
autorização do paciente. O Código
Proporcionalidade
Penal limita a possibilidade lícita de
conclusão que a criança está sendo
divulgação à justa causa, na qual,
prejudicada, e enquanto os direitos
para
do doador estão resguardados, os
os
penalistas,
estariam
criança
será
estão
óbvia
da a
englobadas em outras hipóteses. De
da
claramente
qualquer modo, em não ocorrendo
danificados, não se dando opção
nenhuma hipótese de justa causa,
nenhuma a ela.
que deverá ser aferida em cada
A expectativa legal em torno
caso, o profissional deverá manter o
do sigilo é conturbada. De um lado,
sigilo, mesmo diante de solicitações
posicionam-se
de autoridades policiais ou judiciais.
anonimato
É certo que as autoridades, quando
identificação
requisitam
estão
Projetos de Lei nº 3.638/93 e
amparadas pelas leis processuais e
2.855/97, os quais referem que o
é dever do médico responder a tais
anonimato poderá ser quebrado em
solicitações. No entanto, deverá ser
situações
especiais
avaliado o caso concreto e a
somente
em
informações,
justificativa da solicitação limitada a 112
favoráveis
total
e
dos
ao
sigilo
na
doadores
os
e
previstas
decorrência
de
motivação
médica,
preservando
na mesma proporção com quem têm
sempre a identidade civil do doador.
entrado em uso pelo mundo. O
Por outro lado, ambos os
direito, por ser mais estático que as
projetos apresentam-se coerentes
tecnologias de hoje em dia, não
com as normas existentes, bem
acompanhou
como com os princípios invocados,
destreza. Por isso, muitos dos
ao contrário do Projeto de Lei nº
polêmicos assuntos ainda estão em
90/99,
o
aberto, cabendo ao nosso poder
anonimato como regra e repita os
judiciário fazer o melhor julgamento
cuidados para se evitar casamentos
e analisar caso a caso.
que,
embora
admita
consanguíneos e as possibilidades
tal
Quando
evolução
com
tratamos
de
da revelação da identidade genética
fertilização humana, há de se notar o
para um tratamento de doenças em
conflito entre direitos individuais e
razão de motivação médica, prevê o
garantias fundamentais inerentes a
direito à pessoa nascida a partir de
ambas as partes em jogo, o doador
gameta doado conhecer a identidade
e o futuro gerado.
civil do doador no momento em que
O argumento a favor do
completar sua maioridade civil ou se
doador
habilitar para o casamento.
intimidade, porém, ele tem o poder
Também
nesse
é
em
defesa
de
sua
projeto,
de escolha, doar ou não seu material
embasado no registro de gestações,
genético, já o gerado não. A prole
o estabelecimento médico não pode
fica restrita a algo contratado antes
permitir que uma mesma pessoa
dela
doadora produza mais de duas
sofrendo danos em seus direitos,
gestações de sexos diversos em
não podendo saber de suas origens,
uma área de no mínimo um milhão
saber sobre doenças genéticas, não
de habitantes.
podendo ter nenhuma formação
nascer,
e
acaba
assim,
relativa ou que possa indicar a identidade do doador. Fica
Conclusão
claro
que,
hoje,
na
balança da justiça o prato que mais As
técnicas
pesa é o do doador, tendo mais
reprodutivas
garantias e
heterólogas assistidas têm evoluído
poderes perante
o
gerado, todavia, para se zelar pelos 113
direitos dos futuros filhos ou filhas,
obrigações civis por parte do pai,
deve-se
como alimentícias por exemplo. É
quebrar
o
anonimato,
permitindo ao gerado a informação
uma
que ele quiser, sem importar em
apenas à informação.
114
questão
simples,
relativa
Referências CLARK, Katrina. My Father Was an Anonymous Sperm Donor. The Washington Post. 17/12/2006. Disponível em: . Acesso em: 2 de abril de 2010. ENGELHARDT JÚNIOR, Tristam. Fundamentos da bioética. Tradução: José Ceschin. São Paulo: Loyola, 1998. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. O estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. MOYES, Gordon. Assisted Reproductive Technology Bill 2007. Parliament. Disponível em: <http://www.gordonmoyes.com/2007/11/29/assistedreproductive-technology-bill-2007/>. Acesso em: 2 de abril de 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 6. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
115
ORTOTANÁSIA: DIREITO A MORTE DIGNA PIGNATARI, Ninive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga (orientadora). CORRÊA, Bárbara – Discente do 7° do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. LOPES, Naima - Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A ortotanásia, cuja etimologia remete à expressão “morte no tempo certo”, assim como a eutanásia, é um tema que causa divergências na sociedade. Os conflitos se estabelecem, pois existem questões religiosas, jurídicas, éticas e médicas implicadas na questão. O estudo pretende, pois, por meio de pesquisa bibliográfica, analisar os argumentos jurídicos relacionados ao tema, a fim de propor sua regulamentação.
Palavras-chave: Ortotanásia. Dignidade humana. Crimes contra a vida. Ética médica. 116
De Deus e a morte não se tem
Introdução
contado senão histórias, e está é Este artigo tem o objetivo de
mais uma delas. (SARAMAGO,
analisar aspectos legais, morais e
2005, p. 146).
éticos relacionados à ortotanásia, questionando o direito de morrer
1. Do conceito de ortotanásia e sua
com dignidade à luz do ordenamento
atipicidade
jurídico
brasileiro.
A
pesquisa
bibliográfica será realizada com base
A partir da meia-noite de hoje
em obras que tratam da bioética em
se voltará a morrer tal como sucedia,
confronto
legislação
sem protestos notórios (...) ofereci
pertinente. Justifica-se a escolha do
uma pequena amostra do que para
tema em razão da polêmica e da
eles seria viver para sempre (...) a
atualidade da questão que tem
partir de agora toda a gente passará
dividido opiniões de estudiosos e
a ser prevenida por igual e terá um
especialistas das áreas médica e
prazo de uma semana para pôr em
jurídica.
dia o que ainda lhe resta na vida.
com
a
(SARAMAGO, 2005, p. 198)
Para a execução do trabalho,
José Saramago, em seu livro
primeiramente serão conceituadas “ortotanásia”
“As intermitências da morte” narra
“eutanásia” e “distanásia”, com o
uma situação em que a morte
exame da natureza jurídica e da
simplesmente deixou de acontecer
(a)tipicidade de cada uma delas.
em determinado país imaginário.
Depois
Todas as pessoas mantinham-se
as
expressões
serão
expostos
os
argumentos que apoiam a tese
vivas,
mesmo
favorável à ortotanásia, examinando
terminais. Formou-se, rapidamente,
a posição do Conselho de Ética
uma
Médica, do Ministério Público e
pessoas que, mesmo contra sua
também do Projeto que propõe a
própria
inclusão de um parágrafo (o 4º) ao
indefinidamente em um limbo entre a
artigo 121 do Código Penal.
vida
multidão
e
os
de
moribundos,
vontade,
a
morte.
pacientes
ficavam
O
país
fica
abarrotado de doentes. Depois de um tempo sem morte, o caos se instala e ela passa a ser chamada, 117
solicitada, esperada, desejada por
distanásia, considerada morte com
aqueles que a temiam.
sofrimento. (VIEIRA, 1999).
Desse modo, ávidos pelo
No primeiro momento, causa
descanso eterno, alguns moribundos
impacto
cruzam a fronteira para o país
suspensão
vizinho, de onde a morte não tinha se
procedimentos
retirado, enquanto outros tantos
pacientes terminais, mas o que se
tentam migrar para o país em que a
defende é a morte natural quando
vida eterna se tornou realidade. Essa
ela for inevitável e nada mais possa
fábula bem ilustra a dificuldade de o
ser feito para curar ou prolongar a
ser
humano
de
a
ideia
da
tratamentos
ou
médicos
em
com
sua
vida de modo digno. O que se
e,
por
propõe é possibilidade de morrer
conseguinte, de enfrentar questões
sem interferências inúteis causadora
como a ortotanásia.
de sofrimento desnecessário.
mortalidade
lidar
negativo
inevitável
Etimologicamente, ortotanásia
Muito se discute sobre o
significa morte correta “orto” certo,
direito
“thanatos” morte.
Ortotanásia é a
enfrentar também o tema do direito
morte no momento certo, sem que o
de morrer. Viver é um direito e não
paciente seja tratado artificialmente
uma obrigação a ser suportada com
tendo sua vida prolongada de forma
sofrimentos.
vegetativa.
à
vida,
Embora
O termo é utilizado para
doutrinária
mas
exista
acirrada,
é
preciso
polêmica entendemos
definir a morte sem interferência da
que a ortotanásia, se desejada pelo
ciência, a morte natural, permitindo
paciente, é conduta atípica, pois não
ao
o
se enquadra no tipo “matar alguém”
do
descrito no artigo 121 do Código
paciente
partir
prolongamento
sem
artificial
sofrimento. A doença evolui sem o
Penal.
emprego de métodos extraordinários
suprime tratamentos extraordinários
de
sendo
e inúteis não é causa de morte da
ministrados apenas medicamentos
pessoa, e sim a doença terminal. No
para dor e desconfortos decorrentes
caso da ortotanásia, o processo de
do estado clínico. A persistência
morte já se encontra instalado no
terapêutica
paciente
de
Diante
de
suporte
da
em
vida,
paciente
irrecuperável pode estar associada a 118
A
conduta
médica
modo dores
que
irrevogável. intensas,
intoleráveis e inúteis, se for desejo
merece análise e diferenciação é a
do paciente, o médico deve agir para
eutanásia. Segundo Vieira (1999)
amenizá-las e não para prolongar o
significa boa morte, ou seja, morte
sofrimento,
provocada
ainda
que
em
consequência disso antecipe-se o
por
sentimento
de
piedade à pessoa que sofre.
momento da morte do paciente. Na
Nesse caso, o sujeito que
ortotanásia, não se trata mais da
pratica
a
eutanásia
não
deixa
doença, que já não tem cura, mas da
simplesmente a morte acontecer,
dor. (VIEIRA, 1999).
mas age sobre ela, antecipando-a. A
A doutrina, todavia, se divide
eutanásia é a morte com motivação
e, majoritariamente, considera a
humanística, provocada em pessoa
prática da ortotanásia perigosa e
com
questionável,
da
incurável ou em estado terminal e
dificuldade quanto ao controle dos
movida pela compaixão ou piedade.
casos que serão submetidos a ela e
Se a doença for curável não se pode
também em razão da avaliação dos
falar em eutanásia, mas sim o
requisitos
homicídio tipificado no art. 121 do
em
razão
necessários
para
autorização. Além disso, para alguns
forte
sofrimento,
doença
Código Penal.
estudiosos a ortotanásia é uma
Não existe previsão legal para
espécie de homicídio, pois o direito a
a
vida é indisponível e o medido deve
sofrimentos imponderáveis, doença
lutar pela vida até o limite dos
incurável ou em estado terminal a
tratamentos existentes. Argumenta-
conduta
se também que, dada a evolução
classificada
rápida da medicina, sempre surgem
privilegiado, com diminuição de
novas possibilidades de tratamento,
pena do parágrafo 1º do artigo 121
sendo vedado ao médico, ao doente
do CP ou como auxílio ao suicídio,
ou a sua família decidir quem pode
desde que o paciente solicite ajuda
ou não se curar.
para morrer, disposto no art. 122 do
A discussão se acirra quando
eutanásia,
porém
piedosa como
diante
poderá
de
ser
homicídio
mesmo diploma legal ou ainda a
começamos a confrontar o conceito
conduta poderá ser atípica.
de ortotanásia com seus termos
Art. 121 (...)
vizinhos, dada a sutil diferença entre
§ 1º Se o agente comete o
as
expressões.
Um
termo
que
crime 119
impelido
por motivo
de
relevante valor social ou moral, ou
1.1 A polêmica legal
sob o domínio de violenta emoção, logo
em
seguida
a
injusta
No estado de São Paulo, a lei
provocação da vítima, ou juiz pode
10.241/1999,
reduzir a pena de um sexto a um
direitos de usuários do serviço de
terço. (grifos nossos)
saúde,
Art. 122 - Induzir ou instigar
que
assegura
terminais
o
regulamenta
aos
direito
enfermos
de
recusar
alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
tratamentos
auxílio para que o faça:
extraordinários para tentar adiar a
Outro termo relacionado à ortotanásia
é
a
morte.
Na
dolorosos
época
essa
ou
lei
foi
distanásia,
sancionada pelo governador Mario
conceituada como o prolongamento
Covas que afirmou aceitá-la como
artificial do processo de morte e por
político e como paciente, já que nele
consequência prorroga também o
havia sido diagnosticado um câncer
sofrimento da pessoa. Nesse caso, a
de bexiga. Dois anos depois, ele
tentativa insana de recuperar o
utilizou-se
doente a todo custo, ao invés
prolongamento artificial da vida, por
permitir a morte natural, prolonga
não
sua agonia. Não visa prolongar a
(CAMATA..., 2011).
vida, mas sim o processo de morte
dela,
haver
O
ao
recusar
chance
tema
de
ganhou
grande
relevância
distanásia é praticada em inúmeras
Resolução 1.805/06, do Conselho
situações, geralmente em proveito
Federal de Medicina, prevendo “Na
da família, inconformada com a
fase
perda, e não em razão do desejo ou
graves e incuráveis é permitido ao
do bem estar do paciente que sofre.
médico
A distanásia, embora alargue o
procedimentos e tratamentos que
sofrimento de um ser humano em
prolonguem
agonia, que muitas vezes deseja
garantindo-lhes
morrer,
necessários para aliviar sintomas
socialmente
uma e
conduta lícita.
aceita
terminal
limitar
a
a
cura.
(DINIZ, 2001). Vale lembrar que a
é
com
o
de
edição
da
enfermidades
ou
vida
suspender
do
os
doente, cuidados
que levam ao sofrimento”.
(GOLDIM,
2011).
O texto da Resolução causou polêmica em sua interpretação e, com 120
isso,
o
Ministério
Público
ingressou
com
uma
ação
civil
José Linhares, que apenas previa a
pública, conseguindo na Justiça
discriminação da conduta. Este novo
Federal a suspensão da resolução.
projeto
Nessa ocasião, questionou-se a
expressa por parte do paciente,
competência do Conselho Federal
familiares ou representante legal
de Medicina em legislar a respeito de
para realização da conduta desde
matéria penal, que é exclusiva da
que uma junta médica especializada
União. Desse modo, a Resolução
analise o pedido.
perdeu sua eficácia, por meio de
O
menciona
projeto
a
autorização
é
um
grande
uma liminar. Mas, recentemente, a
progresso humano e social, pois a
Justiça Federal revogou a liminar
dignidade humana deve superar os
que
da
valores conservadores e moralistas.
ortotanásia, restabelecendo, desta
Se o paciente quer viver os últimos
forma, os efeitos da Resolução.
momentos em casa, no seio familiar,
(CARDOSO, 2011).
com cuidados paliativos para as
impedia
a
Também,
realização
nesse
de
dores, esse desejo deve ser aceito
um
novo
moral e legalmente, porque se prega
Médica,
pela
que a lei seja feita em benefício da
Resolução 1931/2009. Em vigência
sociedade, e a própria sociedade
desde o dia 13/4/10, tal documento
pede a regulamentação da conduta.
reitera e aconselha o procedimento
A
ortotanático ao paciente em fase
prioridade para análise da Comissão
terminal,
contraindicando
a
de Constituição e Justiça e, se
obsessão
terapêutica
e
aprovada, será votado em plenário.
tempo,
foi
elaborado
Código
de
Ética
meio
proposta
da
ortotanásia
é
apresentando as normas com os
Há também um anteprojeto do
limites
Código Penal, para que a prática
para
a
ortotanásia.
(CARDOSO, 2011).
deixe de ser considerada ilícita. O
A Comissão de Seguridade Social
e
Família
aprovou,
em
projeto
de
autoria
Gerson
Camata,
do
visa
senador implantar
dezembro de 2010, a proposta que
norma ao art. 121 acrescido do §4° o
prevê
da
seguinte dispositivo “não constitui
ortotanásia. O novo texto analisado
crime deixar de manter a vida de
pela Comissão é um substituto do
alguém
projeto de lei (6715/09) do deputado
previamente
a
regulamentação
121
por
meio
artificial,
atestado
por
se dois
médicos, a morte como iminente e
o próprio enfermo puder expressar
inevitável,
haja
livremente sua vontade de morrer,
consentimento do paciente, ou, em
pois entendemos que, se for de sua
sua impossibilidade, de cônjuge,
vontade prosseguir nos tratamentos,
companheiro,
ascendente,
esse é um direito assegurado a ele
descendente e irmão”. (CARDOSO,
pela Constituição, pelos princípios
2011).
da dignidade e da indisponibilidade
e
desde
que
O problema é que, segundo o
da vida.
projeto, quando o paciente não
Com
essa
restrição,
tal
puder ensejar seu desejo, o cônjuge,
proposta colabora para a construção
companheiro,
de um direito social à morte digna e
descendente
ascendente, ou
irmão
poderá
converge
com
os
ideais
permitir a prática de ortotanásia.
beneficência,
Todavia, discordamos do dispositivo
transparência e compaixão. Nos
com relação a esse ponto.
casos
Quando o paciente não puder opinar,
aumenta
em
muito
de
justiça,
de
doença
verdade,
incurável
e
terminal, deve o médico oferecer
a
todos
os
cuidados
paliativos
complexidade da questão, porque as
disponíveis sem empreender ações
pessoas citadas acima podem ter
diagnósticas e terapêuticas inúteis
interesses ocultos, por exemplo,
ou obstinadas levando sempre em
autorizar a ortotanásia para aliviar a
consideração a vontade expressa do
família, exausta ou que não quer
paciente ou, em sua impossibilidade,
mais gastar, ou pior, para que os
a de seu representante legal.
bens do doente venham logo ao seu
A ortotanásia, na resolução do
dispor. Nesse caso, o familiar não
Conselho Federal de Medicina, está
estaria autorizando a ortotanásia por
exposta como forma de cuidado e
compaixão, por humanização ou
humanização. A decisão, portanto,
pela vontade do próprio paciente,
deve ser do paciente que terá ampla
mas sim por interesses escusos ou
autonomia.
simplesmente para se livrar do
Mesmo assim, as opiniões
problema.
respeito
do
assunto
não
pacíficas.
A
doutrina
majoritária
ortotanásia só deva ser possível se,
ainda
considera
obedecidas às exigências médicas,
privilegiado a prática de ortotanásia
Defendemos que a prática da
122
são
homicídio
(art. 121, § 1° do CP). examinaremos
A seguir
algumas
Para os cristãos ortodoxos, é
das
possível
interromper
poupar
energia,
tratamentos
objeções apontadas pelos juristas e
para
tempo
e
pelos médicos.
recursos num esforço mal dirigido a evitar a morte: “Quando os sistemas
2.1 Ortotanásia e as doutrinas
principais do organismo debilitam-se
religiosas
e não existe perspectiva razoável de que possam ser restaurados, os
A vantagem da igreja é que,
cristãos ortodoxos podem permitir,
embora às vezes o não pareça, ao
com justiça, que sejam removidos os
gerir o que está no alto, governa o
aparelhos
que está em baixo.
extraordinários".
(SARAMAGO, 2005, p. 191). Analisando
a
mecânicos
O Senador afirma também
ortotanásia
que praticamente todas as igrejas
segundo a justificação apresentada
cristãs dos Estados Unidos rejeitam
pelo próprio autor do projeto de
a eutanásia ativa e aceitam a
reforma do Código Penal, Senador
ortotanásia.
Gerson Camata (PMDB - ES), os
informa Camata, que a eutanásia
ramos do judaísmo distinguem os
ativa gera o karma negativo tanto no
atos que aceleram a morte das
doente quanto no médico que a
ações que possam permitir que
pratica, todavia, deve-se permitir ao
ocorra a morte em paz.
doente a morte em paz, já que a vida
A religião proíbe toda classe de
homicídio,
interrupção
de
mas
admite
suportes
artificial
a
é
Já
de
no
hinduísmo,
pouco
valor.
(BUARQUE, 2011).
que
O budismo, que também não
impeçam a morte do doente terminal.
aceita a eutanásia ativa, não exclui a
Segundo o autor do projeto, "há
intervenção médica para aliviar a
textos que proíbem tirar a vida do
dor,
muçulmano; porém, se o médico tem
administração de doses letais.
embora
impedindo
a
a certeza de que não pode restaurar-
Em relação à Igreja Católica,
se a vida, seria uma prática fútil
Camata apresenta um discurso de
manter o estado vegetativo do
1958, de Pio XII, segundo o qual,
paciente
embora exista uma obrigação de
por
meios
artificiais".
(EUTANÁSIA..., 2011).
conservar a vida e a saúde, "isso não 123
obriga habitualmente mais que o
renúncia a meios extraordinários ou
emprego
de
meios
desproporcionados não equivale ao
(segundo
as
circunstâncias
ordinários de
suicídio ou à eutanásia; exprime,
pessoas, de lugares, de época, de
antes, a aceitação da condição
cultura), ou seja, de meios que não
humana
imponham uma carga extraordinária
(BUARQUE, 2011)
defronte
à
morte.
para si mesmo ou para outro". Também a Declaração de 5 de maio
2.3 Obstáculos à garantia de um
de 1980, da Congregação para a
bem morrer.
Doutrina
da
eutanásia,
Fé, mas
condena
a
também
a
Qual
a
razão
de
dar
"obstinação terapêutica”, aceitando
seguimento a um tratamento se o
a ortotanásia - "É lícito interromper a
seu propósito, no caso a cura do
aplicação
enfermo, não irá acontecer? Vale a
de
desproporcionais
meios quando
os
pena
seguir
um
tratamento
resultados não correspondem aos
exaustivo, cujos efeitos colaterais
esforços aplicados" - e a legitimidade
são
de deixar morrer em paz: "É lícito
quimioterapia é um exemplo disso,
contentar-se com os meios normais
ela leva a pessoa a níveis críticos,
que a Medicina pode oferecer".
pois ao ser combatida a doença
Camata "Catecismo
da
cita,
o
que
a
doença?
A
destrói também o corpo do doente.
Católica",
Os sintomas causados pelo
aprovado pelo papa João Paulo II em
tratamento são vários, entre eles,
1982 e publicado pela Constituição
náuseas
Apostólica
infecções e queda de cabelo o que
Fidei
Igreja
ainda,
piores
depositum,
em
1992, segundo o qual "a interrupção de
procedimentos
e
vômitos,
diarreia,
afeta psicologicamente o paciente.
médicos
Vendo
de
perto
o
quão
onerosos, perigosos, extraordinários
doloroso é o procedimento pergunta-
ou desproporcionais aos resultados
se
esperados pode ser legítima". Ainda
prolongar esse calvário, mesmo
na encíclica Evangelium Vitae, de 25
sabendo que a morte é inevitável.
de março de 1995, o Papa João
Seria digno deixar o enfermo assistir
Paulo II afirma que se opõe ao
a deterioração de seu corpo sem
"excesso terapêutico" e que "a
poder decidir se é isso que ele 124
se
realmente
é
adequado
realmente quer, morrer sofrendo em
humana, não há o que se discutir.
uma cama de hospital ou se prefere
Atravancar
encerrar seus dias sem dor em sua
instituto
casa junto de seus familiares.
sociedade clama, por medo dos
Esquecemos o ensinamento
a
evolução
jurídico
de
pelo
qual
um a
obstáculos práticos que surgirão, é
clássico da função médica “curar às
um
vezes, aliviar muito frequentemente
Pensamentos como esse impedirão
e confortar sempre”. Nada mais
os
humano do que dar essa opção ao
necessários
paciente, lembrando apenas que a
ausência de recursos materiais e
morte
se
operacionais para efetivação dos
envergonhar é apenas um processo
direitos não pode desestimular o
natural pelo qual todos irão passar.
debates
não
é
motivo
Todavia,
de
erro
grave
de
aprimoramentos à
sobre
raciocínio.
benéficos
humanidade.
um
tema
e A
tão
inúmeros
importante, nem justificar a falta de
profissionais da área médica e
regulamentação definitiva, diante da
jurídica ainda resistem à ideia da
necessidade do reconhecimento da
ortotanásia. Dentre os argumentos
morte digna.
contra a implantação dela, alguns
Em oposição à prática da
demandam atenção. Nesse sentido
ortotanásia,
vale ressaltar a frase do Ministério
alguns juristas que, se a ortotanásia
Público na ação civil pública: “como
for autorizada no Brasil, as pessoas
garantir aos cidadãos brasileiros um
que não têm condições econômicas
bem
e
morrer,
se
ainda
não
argumentam,
dependem
ainda,
integralmente
do
conseguimos sequer garantir um
sistema de saúde público, ficarão
bem viver”. De fato, isso é verdade,
desprotegidas, porque existe o risco
mas o
problema, no
caso
da
de que a prática seja aplicada
sobre
a
demasiadamente, para solucionar o
operacionalização dela, ou seja,
problema da falta de leitos nos
sobre a fiscalização da legalidade da
hospitais.
ortotanásia,
prática,
que
recairá
envolve
diversos
Porém, dizer que a prática da
procedimentos.
ortotanásia não deva ser implantada
Entretanto, com relação à
por esse motivo no Brasil é uma
necessidade da legalização dela,
ingenuidade
considerando a dignidade da pessoa
desinformação total com relação aos 125
que
revela
a
problemas da saúde pública. A todo
outro tipo de mistanásia, recorrente
momento, nos hospitais públicos, a
nos
mistanásia (a morte antes da hora,
diariamente
ou “morte como um rato”, ou “morte
Emergências:
miserável”, por falta de assistência)
junto de seus familiares a espera de
já é aplicada, sem que haja qualquer
leitos e vagas nas UTIs lotadas e
regulamentação e muito menos a
morrem sem receber atendimento.
represália ou conscientização do
Enfim,
Poder Público.
mesmos
As pessoas pobres morrem diariamente
nos
jornais
corredores
e nas
comprovada Urgências
pacientes
muitas
e
sofrem
vezes,
profissionais
os que
discordam da ortotanásia, que é um
das
alívio
humano
para
vidas
já
emergências, na fila, esperando uma
totalmente inviáveis, nada fazem em
consulta ou um exame simples, no
defesa das vidas humanas valiosas
chão do pronto socorro, por falta de
que poderiam e deveriam ser salvas.
macas,
sem
medicamentos.
médicos, Muitas
sem
crianças
nascem na portaria dos hospitais,
Considerações finais
idosos morrem no mesmo local, sem nenhum tipo de cuidado.
Inevitavelmente a vida se
Muitos doentes nem chegam
acaba e é necessário que essa
a ser pacientes, pois não conseguem
passagem ocorra dignamente, com
ingressar efetivamente no sistema
cuidados
de atendimento médico, pois a
sofrimento possível.
necessários
e
menor
consulta demora mais que a doença.
Trata-se de permitir que cada
Outros tantos que conseguem ser
um escolha o modo como deve
pacientes
passar seus últimos dias.
não
conseguem
um
diagnóstico preciso a tempo, pois o aparelho quebrado,
para
o
exame
encostado,
Certo é que a saúde pública
está
necessita ser reformulada e vista
embalado.
com
mais humanidade, mas a
Muitos têm a sorte do diagnóstico
prática da ortotanásia, entendemos,
certo, mas a cirurgia ou o tratamento
em nada agravará esse lamentável
levam tempos. E dos que se operam
quadro,
a tempo, muitos não conseguem os
segundo as especificações da lei.
remédios necessários.
Há ainda 126
desde
que
praticada
Muito pelo contrário, trará para a
tão amplo que também assegura o
discussão social e jurídica o grave
direito à morte digna.
problema da saúde pública.
Regulamentando
a
Desse modo, se a prática de
ortotanásia o ser humano não será
ortotanásia realizar-se de acordo
mais usado como objeto, cobaia
com os procedimentos preconizados
para
e com as devidas cautelas previstas
tratamentos e medicamentos, a não
será um avanço para a sociedade.
ser que queira.
A
agência
Senado
e
pesquisa
de
doenças
a
Fazer com que uma pessoa
Secretária de Pesquisa e Opinião do
tenha sua vida mantida de modo
Senado (Sepop) promoveram uma
mecânico
enquete aos internautas no dia 1° de
equiparado a um meio de tortura
março de 2010, que teve 6.076
física e psicológica, tratamento que a
votos, perguntando se eram contra
Constituição proíbe expressamente
ou a favor a prática de ortotanásia,
em seu art. 5°, inciso III.
62,5% votaram a favor e 37,5%
e
artificial
Também
pode
no
ser
art.
contra. Isso mostra que a sociedade
5° caput protege-se o direito à
quer mudança, se nossas leis são
liberdade. Nesse caso, inclui-se
elaboradas
a
também a liberdade de escolher
necessidade da população, por que
morrer decentemente quando a vida
tanta hesitação em regulamentar a
não for mais digna.
de
acordo
com
prática? (ENQUETE..., 2011).
E certo dizer que, sobre os
Essa demora fere o princípio
mistérios da vida e da morte, a cada
da dignidade da pessoa humana
pessoa deve ser permitido conhecer
previsto na Constituição Federal em
e se determinar, pois temos o direito
seu art. 1°, inciso III, princípio este
à vida e não obrigação a ela.
127
Referências BUARQUE, C. Direitos humanos. http://www.direitoshumanos.etc.br/index.php?option=com_content&view=article &id=4488:camata-cita-manifestacoes-das-diferentes-religioes-sobre-aortotanasia&catid=45:direito-a-saude&Itemid=226 CAMATA ... <http://www.direito2.com.br/asen/2009/mar/26/camata-pede-queseu-projeto-sobre-ortotanasia-seja-discutido>. Agencia Senado. Acesso em 14/03/2011. CARDOSO, Juraciara Vieira. Ortotanásia: uma análise comparativa da legislação brasileira projetada e em vigor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2590, 4 ago. 2010. Disponível em: Acesso em: 7 mar. 2011. COMISSÃO... Endereço eletrônico: http://www.2camara.gov.br/ comissão-deseguridade-social. Acesso em 19/03/2011. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. ENQUETE. Senado. Endereço eletrônico <http://www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/enquetes.asp?ano=2010.> Acesso em 19/03/2011. EUTANÁSIA... Endereço eletrônico: http://www veja.abril.com.br/.../eutanasia/morte-pacientes-etica-religiaoortotanasia.shtml. Acesso em 19/03/2011. GOLDIM, José Roberto. Eutanásia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Texto atualizado em 22 de agosto de 2004. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm. Acesso em 19/03/2011 HOMICÍDIO...endereço eletrônico << http://www. jus.uol.com.br/revista/texto/2962/homicidio-eutanasico.>> Acesso em 19/03/2011. IGREJA...Endereço eletrônico: igreja-defendem-liberacao-ortotanasia-999083. shtml.> Acesso em 19/03/2011. LOPES, Adriana Dias. A ética da vida e da morte. Revista Veja, ano 43, Ed. 2162, 28 de abril de 2010. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/280410/etica-vida-morte-p-100.shtml>. Acesso em 16 de março de 2011; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 2003. SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 19-20.
128
SCHIAVO, Terri. Eutanásia ou ortotanásia? Correio Fraterno. ed 108. Disponível em: - acesso em 19/03/2011 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. WIKIPÉDIA. Endereço eletrônico Quimioterapia#Efeitos_Colaterais>. Acesso em 19/03/2011
129
PATERNIDADE PRESUMIDA Sousa, Ivan Oliveira de - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga Brito, Deborah Cristiane Domingues de - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga
RESUMO O objetivo deste estudo é propor uma reflexão do tema “Paternidade Presumida” à luz da lei n.º 12.004/09, lei esta que no nosso entender não trouxe nenhuma contribuição ao ordenamento jurídico uma vez que se trata somente de uma “legalização” do entendimento já sumulado do Superior Tribunal de Justiça. A nova lei estabelece a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético, popularmente conhecido como Exame de DNA. Entretanto, o juiz só pode determinar a presunção de paternidade, se esta for apreciada em conjunto com o contexto das provas, como elementos que comprovem a existência de um relacionamento entre a mãe da criança e o suposto pai.
Palavras-chave: Presunção de paternidade. Exame de DNA. Investigação de paternidade
130
sem a devida proteção, ou qualquer
Introdução
uso de métodos anticonceptivos. Vigora,
A Lei n.º 12.004/09, que
ainda,
em
nosso
acrescenta um artigo à Lei 8.560/92,
ordenamento a visão machista que a
foi promulgada com o intuito de gerar
culpa pela tal “gravidez indesejada”
a
é
chamada
“presunção
de
única,
e
exclusivamente,
da
paternidade” no caso da recusa do
mulher. Esquecem nossos nobres
suposto pai em submeter-se ao
legisladores que infelizmente a conta
exame de DNA. Infelizmente o
de tais atos será paga pela criança
advento
fruto desses encontros amorosos.
da
lei
não
tornou
a
presunção absoluta, uma vez que esta só poderá ser decretada pelo
1.
Evolução
histórica
do
juiz se for apreciada em conjunto
reconhecimento de paternidade
com o contexto probatório. Não se vislumbra a real
Do Brasil colônia até pouco
necessidade da referida lei, vez que
tempo depois da proclamação da
a mesma veio somente legalizar o
independência
entendimento
vigorou
sumulado,
desde
em
da
República,
nossas
terras
Ordenações
as
2004, pelo Superior Tribunal de
chamadas
Filipinas,
Justiça.
que regulavam, entre outros, os
De acordo com o texto legal
direitos e obrigações de ordem
se entende que de nada vale a
privada concernentes às pessoas,
palavra da mãe ao afirmar que
bens e suas relações. As
manteve relações sexuais com o
Ordenações
Filipinas
suposto pai. De modo tímido e
traziam regras nítidas de distinção
tacanho, o legislador não trouxe
entre filhos ilegítimos de nobres e
nenhuma contribuição à sociedade,
filhos ilegítimos de plebeus. A estes
não enxergando que as relações
eram, de certa forma, assegurado o
humanas mudaram, e que hoje em
direito
dia é comum os casais manterem
Ordenações não conferiam nenhum
relações
direito
sexuais
sem
nenhum
à
herança
hereditário
paterna.
aos
As
filhos
espúrios, assim considerados os
compromisso, e muitas das vezes
incestuosos, sacrilégios, 131
adulterinos mas
e
asseguravam
ampla investigação da paternidade
escritura pública. Mas segundo os
para fins alimentares.
estudiosos da época, tal instituto
Em 1824, é promulgado a
teve a pretensão de regulamentar a
Constituição do Império, que trazia
paternidade apenas para situações
em seu bojo a igualdade de todos
de impedimento matrimonial. Nesta
perante a lei. Mas os estudiosos da
época, os filhos adulterinos, ou
época entendiam que o preceito das
incestuosos não tinham direito a
Ordenações
herança.
Filipinas
não
fora
revogado por esta Constituição,
O Código Civil de 1916 proibia
perdurando a dúvida se o princípio
o reconhecimento da paternidade,
da igualdade alcançava o direito à
tanto na forma voluntária, como na
sucessão,
nítida
judicial, para filhos incestuosos e
distinção entre filhos de nobres e
adulterinos. Porém, permitia a ação
peões. Uma vez que os filhos dos
de
nobres, segundo as Ordenações
movida pelo filho ilegítimo contra o
Filipinas só podiam herdar quando
pai ou seus herdeiros. Permissão,
legitimados
essa, que não foi estendida aos
já
Desembargo
que
havia
pelo
Rei
ou
do
Paço
pelo
(Tribunal
criado no reinado de D. João II) Para dúvidas
acabar
foi
com
editada,
em
investigação
de
chamados
filhos
(incestuosos
ou
paternidade
espúrios adulterinos).
essas
Cabendo, as estes, somente o direito
2
de intentar ações de investigação de
de
setembro de 1847, a lei n.º 463 que
paternidade para fins de alimentos.
estendeu aos filhos dos nobres os
Já em 1977, foi dado o direito
mesmos direitos hereditários que as
a qualquer dos cônjuges, ainda na
Ordenações Filipinas conferiam aos
constância
filhos dos plebeus. Mas somente o
reconhecer o filho havido fora do
filho reconhecido pelo pai através de
matrimônio. Sendo exigido que esse
escritura pública ou testamento era
reconhecimento
contemplado
testamento cerrado. Permitindo a
com
o
direito
à
sucessão. Em
do
casamento,
fosse
feito
de
em
esse filho o direito à herança. 1890,
é
instituído
o
A Constituição Federal de
casamento civil, e com ele nasce a
1988 procurou corrigir as injustiças
paternidade natural, promovida pela
cometidas
confissão
determinando em seu artigo 227,
espontânea
ou
por 132
aos
filhos
ilegítimos,
parágrafo
6º,
a
proibição
quaisquer
de
A ação de investigação de
designações
paternidade
discriminatórias relativas à filiação.
visa
buscar
o
reconhecimento da filiação em face ao suposto pai que se recusa em
2. Reconhecendo a paternidade nos
fazê-lo. Diniz (2002, v.5, p.402)
dias atuais
esclarece que “nesta ação, bastante difícil é a questão das provas de
O Conceito de paternidade
filiação, porque as relações sexuais
encontra-se dividido entre a questão
são, na maior parte dos casos,
biológica, jurídica e a socioafetiva.
impossíveis
de
serem
comprovadas”.
Ser pai não significa apenas ter vínculos genéticos com a criança,
As provas aceitas pelo nosso
significa, antes de tudo, participar,
ordenamento jurídico, neste tipo de
criar, amparar, amar, educar. Ou,
ação são:
como diria uma famosa propaganda: “Não
basta
ser
pai,
tem
que
a)
a posse do estado de filho;
b)
a testemunhal;
A lei pressupõe como pai do
c)
o exame prosopográfico;
filho da mulher casada o seu marido.
d)
o exame de sangue;
Não admite nem mesmo que a
e)
o exame de DNA
participar”.
confissão de adultério, pela mulher, seja motivo para ilidir tal presunção.
Sendo
este
último
Mas dá o direito imprescritível ao
considerado o mais eficaz. Tanto
marido
esta
que, devido ao seu reconhecimento
paternidade. Tudo isto em nome da
no mundo científico, passou a ser
preservação da unidade familiar,
imposto como regra, e em caso de
considerada a base da sociedade.
recusa do suposto pai a submeter-se
de
contestar
O reconhecimento da filiação se
dá
por
ato
a este exame, estará configurada a
declaratório,
paternidade presumida.
estabelecendo vínculo jurídico entre
O reconhecimento judicial ou
os pais e os filhos. Podendo esse
voluntário do filho havido fora do
ocorrer, ainda, por iniciativa do
casamento retroage até o dia do
próprio filho, através da ação de
nascimento
investigação de paternidade.
estabelecendo parentesco entre filho 133
da
criança,
e seus pais, concedendo o direito ao
advento
filho de assistência e alimentos, e
constatamos que o direito mais
equiparar, para efeitos sucessórios
simples, e também mais primordial,
os filhos de qualquer natureza.
dado
a
da
um
nossa
Constituição,
filho,
não
está
assegurado, que é o direito a ter o nome do seu pai anotado em seu registro civil.
Considerações finais
Falta o respeito à palavra da José (2001,
Aparecido
p.
34)
afirma
da
mulher, única pessoa presente no
Cruz
que:
momento
“A
em
que
o
ato
era
Brasil,
consumado. Deve-se privilegiar a
promulgada em 5 de outubro de
afirmação desta, e intimar o suposto
1988, corrige por inteiro as injustiças
pai a produzir provas robustas para
cometidas aos filhos ilegítimos de
derrubar a mesma. Deve-se, ainda,
toda ordem.
atentar que o maior interesse a ser
Constituição
Federal
Infelizmente expressa
pelo
do
a
nobre
protegido é o do filho, reconhecendo,
opinião jurista
e fazendo prevalecer, desta forma, o
se
encontra equivocada, uma vez que
instituto
com a promulgação da nova lei em
Constituição.
2009, vinte e um anos depois do
134
cravado
em
nossa
Referências CRUZ, José Aparecido da. Averiguação e investigação de paternidade no direito brasileiro: teoria, legislação, jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de |Família, 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 5.v. BRASIL. Lei nº 12.004, de 29 de julho de 2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 jul. 2009. Seção 1, p.3 MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. Comentário à Lei nº 463 de 2 de setembro de 1847 sobre sucessão dos filhos naturaes, e sua filiação. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1857.
135
REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE COM USO E POSSE DE ARMAS MATEUS, Aline Cristine - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Coordenador do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.
RESUMO A criminalidade aumenta cada vez mais, e com isso as pessoas ficam presas em suas casas como se fossem os criminosos. Desta forma, se o cidadão estiver devidamente protegido, não será refém da criminalidade. Uma das hipóteses para se proteger é o direito de utilizar a arma como meio de defesa. Tornando-a acessível à sociedade, poderá contribuir para a sua própria segurança. O estudo foi desenvolvido pelo método dialético, por meio de pesquisas doutrinárias, tendo como método de procedimento o estatístico e comparativo, como também o método de pesquisa não-empírica.
Palavras-chave: Segurança. Direito. Defesa. Armas.
136
homicídios praticados por outros
Introdução
meios que não sejam a arma de fogo, os quais vêm aumentando
A presente pesquisa discute a
muito.
proibição da venda de armas à população honesta como forma de
Quando lançada a campanha
diminuir a criminalidade, apontando
do desarmamento, as autoridades
os
essa
mostraram que o Brasil possuía 17
política, pois enquanto a população
milhões de armas de fogo, ou seja,
aumenta, a violência cresce e a
associaram de maneira errada a
segurança pública diminui. Isso é
relação da criminalidade com arma
fruto de políticas públicas estrábicas,
de fogo.
resultados
inversos
a
que analisam o desenvolvimento
Assim, será discutido o uso da
somente sob a ótica estreita do
arma de fogo em benefício da defesa
populismo.
do indivíduo, tendo em vista a
Várias são as estatísticas
precariedade da segurança pública e
referentes ao uso e a posse de arma
a dificuldade de obtenção desse
de
meio de defesa.
fogo
no
país,
consideradas
porém
são
estimativas
extraoficiais,
principalmente
1. Cidadãos sem defesa e bandidos
a
armados
respeito do impacto das armas nas estatísticas de mortalidade, porém essas
pesquisas
confrontadas
com
não
são
Desde o início dos tempos as
crimes
não
armas estão presentes, haja vista que o homem da caverna utilizava
relacionados a armas de fogo. do
pedras afiadas como lanças para
o
caça e sua própria defesa. Com o
aumento do índice de criminalidade
tempo, as lanças de pedra, deram
se dá pelo uso de armas, e alegam
lugar às espadas, machados, e estes
também,
dos
deram lugar à pólvora descoberta
homicídios e crimes que levam a
pelos chineses. Além de ser um meio
morte são causados por armas.
de defesa criado há tantos anos
Contudo, esses pesquisadores se
atrás, é utilizado nos dias de hoje
esquecem
para fins militares, esportivos e
Os
defensores
desarmamento
afirmam
que
das
a
que
maioria
estatísticas
dos
defesa pessoal. 137
De acordo com o site da Veja,
Dos 23% das armas de fogo,
o Brasil possui 17 milhões de armas
grande parte delas são advindas do
de fogo, dessas 17 milhões, 49% são
tráfico ou foram desviadas do próprio
legais; 28% seriam armas ilegais de
Estado, ou seja, das mãos dos
uso informal e 23%, armas ilegais de
policiais e das Forças Armadas do
uso criminal.
país, tanto que há pouco tempo foi
Destaca ainda, que nas casas
noticiado
nos
jornais,
dos brasileiros, em 3,5% delas
desaparecimento
possui um tipo de arma de fogo, o
munições da Superintendência da
que é muito inferior em relação aos
Polícia Federal em São Paulo.
países
em
o
e
A idade mínima permitida
criminalidade é muito baixo. Um
para aquisição da arma de fogo é de
exemplo disso seria nos países
25 anos e, segundo Fazzolari os
como o Canadá, que nas casas o
índices de mortalidade demonstram
percentual é de 30%, a França com
que as mortes crescem no grupo
24,5% e a Suíça com 35%.
etário entre 20 a 24 anos, ou seja,
exemplo,
índice
armas
de
Outro
que
de
o
no
Rio
essas armas utilizadas por eles são
Grande do Sul, que é o estado
na maioria ilegais. (FAZZOLARI,
detentor do maior número de armas
2007, p. 50).
legais com 26,55 armas legais para
No referendo foram milhares
cada 100 mil habitantes, é o estado
de armas entregues ao exército,
com menor índice de criminalidade e
contudo essas armas recolhidas não
violência.
foram a dos bandidos, mas sim dos
Também no mesmo estado, o
cidadãos honestos. E com isso a
referendo foi contra o desarmamento
população
está
com
desarmada,
presa
80%
dos
votos.
desprotegida, por
cercas
De acordo com a Agência
elétricas, grades, alarmes em suas
Viva Brasil, no estado de Alagoas
próprias casas, enquanto o número
por exemplo, os homicídios em
de latrocínios, sequestros e roubos
Maceió no ano de 1999, apresentava
aumenta cada vez mais, mesmo
o uso de armas de fogo em apenas
após a entrega das armas.
23,4% dos homicídios e, em 2008,
A
polícia
em
virtude
da
aponta a taxa de uso de 96,6%.
precariedade de funcionários, não
(VIVA BRASIL, 2010).
consegue conter os crimes, pois não 138
consegue estar em todos os locais e
poucas
armas,
o
número
de
a todo o momento, bem como o
homicídios com armas de fogo é
atendimento nem sempre é imediato.
elevadíssimo; já na região com mais
Segundo o Deputado Alberto Fraga
armas, a violência e os homicídios
“A violência está aumentando pela
têm números bem menores.
falta de policiamento e pela certeza
Onde há proibição, há o
do marginal que, ao invadir uma
aumento da criminalidade. E essa
residência,
proibição está negando ao cidadão o
não
vai
encontrar
resistência”. (FRAGA, 2009, p. 38). No
Chile,
praticamente
a
direito de sua defesa.
legislação
desarmou
Quando se fala em direito de
a
ter e portar arma, o cidadão não está
população, proibindo o porte e
escolhendo entre ter a liberdade ou
exigindo renovação anual para a
a segurança, está escolhendo a
simples posse. Como resultado,
ambos.
depois do desastre ocasionado pelo
Segundo Marques, o cidadão
terremoto, o país foi tomado por
nos dias de hoje:
criminosos e saqueadores, e com
[...] virou literalmente um alvo
isso é inaceitável que a população
em determinados locais. Um alvo
não tenha como se defender, pois a
que tem que ser um maratonista,
polícia e o exército não conseguem
velocista, contorcionista, trapezista e
conter os ataques.
até mágico para se esquivar das
Segundo o editorial do jornal
balas perdidas. Um alvo que tem que
Washington
mais
optar por dar apoio aos traficantes de
armas nas mãos dos cidadãos
drogas sob pena de morte. Um alvo
honestos, reduzem a criminalidade.
no seu veículo ultrapassando os
E isto foi provado na liberação da
sinais de transito e recebendo multas
posse de armas em Washington e no
para
distrito de Columbia. (apud, TIRO
assaltado
CERTO, 2010, p. 46).
desarmado sem direito a defesa
“The
Há
não
ser e
sequestrado morto.
Um
ou alvo
entre
a
própria contra o marginal sempre
Estados,
por
bem armado. Um alvo que tem que
conta de outra realidade, todavia,
contratar segurança particular. Um
isso está acontecendo internamente
alvo que ainda tem que agradecer ao
no Brasil, pois em uma região com
criminoso por apenas lhe levar seus
comparação
críticas
Times”,
entre
139
bens materiais. Um alvo esperando
do referendo garantindo o direito de
sempre que apareça algum policial
possuir arma, a lei específica para
para lhe salvar. (MARQUES, 2010).
recadastramento
A vontade popular em possuir
no
resultado
várias
barreiras para manter a legalidade.
arma de fogo para se defender foi demonstrada
impôs
O Estatuto do Desarmamento
do
fracassou, pois não impede que os
referendo, mas praticamente foi
criminosos tenham acesso às armas,
barrada,
enquanto
ou
pelo
menos
extremamente dificultada.
coloca
o
cidadão
desprotegido perante os criminosos,
E mesmo com o resultado
por dificultar a posse legal de armas.
positivo do referendo, a legítima
A
nossa
Lei
a
prevê
os
defesa está proibida em nosso país,
Constituição
desde o início do malfadado Estatuto
nossos direitos e deveres e, em seu
do Desarmamento, pois uma lei que
artigo 5°, garante a todos, sem
é contra armas também é contra o
distinção, a inviolabilidade do direito
direito à legítima defesa.
à vida, a liberdade, à igualdade, à
Segundo Lobato, sempre é
Federal,
Magna,
propriedade e à segurança.
melhor ter uma arma e nunca
Para obtenção de uma arma é
precisar usá-la do que precisar usar
necessário preencher os requisitos:
e não tê-la. (LOBATO, 1995, p. 13).
declarar a efetiva necessidade; ter no mínimo 25 anos; inexistência de
2. Dificuldade na obtenção das
antecedentes
armas
comprovados pela Justiça Federal, Estadual,
criminais
Militar
e
Eleitoral;
É da tradição dos povos a
comprovar
utilização de armas, principalmente
residência
certa;
para o governo, posto que as armas
capacidade
psicológica
já eram utilizadas no começo dos
psicológico); comprovar capacidade
tempos, engenhada com intuito de
técnica (curso de tiro), bem como
defesa e sobrevivência.
pagamento das taxas de registro e
O
governo
decidiu
então
sobre
a
questão
lícita
e
comprovar (teste
taxas dos profissionais. Atualmente “[...] há apenas
deixar nas mãos da população a decisão
ocupação
do
400 psicólogos cadastrados, em
desarmamento. Mesmo o resultado
todo o Brasil para realizar laudo 140
psicológico determinado pela lei,
Observe que se está tratando
sendo também pequeno o número
apenas da mera posse de arma de
de instrutores de tiro para avaliação
fogo em domicílio, e não do porte de
técnica”. (FAZZOLARI, 2007, p.50).
arma.
Um dos requisitos exigidos
Toda
essa
absurda
para obtenção da arma, previsto no
burocracia, jogará o cidadão honesto
artigo 4° da Lei 10826/2003, é a real
na
necessidade,
que
responder pelo crime de posse
consideram por real necessidade.
irregular de arma de fogo, com
Não
detenção de 1 a 3 anos e multa.
seria
porém
a
sobrevivência
o
necessidade numa
de
ilegalidade,
sujeitando-o
a
sociedade
Posto isto, apenas os quem
violenta? Não seria necessidade de
têm o alto poder aquisitivo, é que
possuir a arma que possa servir para
poderão arcar com os custos da
sua defesa?
renovação, e desta forma o cidadão
Ainda se não bastasse os
que não tiver condições, e não
gastos com o efetivo registro, o
conseguir
referido Estatuto exige a renovação
pretender
trienal
considerado como criminoso.
do
registro
da
arma,
renovar
sua
arma
mantê-la,
e
será
procedendo todos os exames e taxas, como disposto no inciso III, artigo 4° da mesma lei, dificultando
Considerações finais
ainda mais a obtenção da arma, posto que a pessoa que possui
Diante o exposto, a redução
condições financeiras tem outros
da criminalidade com o uso de
meios de defesa, como segurança
armas, poderá ser diminuída, tendo
particular,
de
em vista dados concretos em outros
monitoramento, etc. Já a menos
países em que o aumento de posse
favorecida
não
de armas leva a redução de crimes.
sequer
para
câmeras
tem
condições fazer
o
Como o governo não investe
recadastramento, tendo em vista o
na segurança da população, e por
valor absurdo, e desta forma, torna-
conta disto não se pode ter um
se acessível apenas para as classes
policial em cada lugar, poderá então
altas que já dispõem de seguranças particulares. 141
o cidad達o possuir uma arma para
de fogo, garantida legalmente, n達o
assim se defender.
pode o Estado, por meio de taxas
N達o obstante a possibilidade
absurdas
em se ter o uso e a posse de arma
ou
exig棚ncias
discrepantes, tolher tal direito.
142
Referências FAZZOLARI, Daniel. Considerações atuais sobre desarmamento. 100. ed. São Paulo: Revista Magnum, 2007. LOBATO, Sayão. Tiro de defesa. 1. ed. São Paulo: Fitipaldi, 1995. PRADO, Mônica; BENEVIDES, Laura. A vitoria do Não e seus desdobramentos. 94. ed. São Paulo: Revista Magnum, 2005. VEJA ON LINE. Armas de fogo no Brasil e seus efeitos. São Paulo: Abril S.A. Disponível em: . Acesso em: 08 de set. de 2010. AGÊNCIA VIVA BRASIL. Nordeste: poucas armas muita violência. Acesso em: 30 de out. de 2010. FRAGA, Alberto. Referendos são desrespeitados no Brasil. 11. ed. São Paulo: Revista Tiro Certo, 2009. VADEMECUM, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MARQUES, Archimedes Jose Melo. O desarmamento como instrumento ineficaz para conter a criminalidade. Acesso em: 26 jul. de 2010.
143
TORTURA NO INQUÉRITO POLICIAL E NA AÇÃO PENAL E SUAS CONSEQUENCIAS JURÍDICAS PIMENTEL, Jaime. Mestre em direito processual penal, professor de direito penal na UNIFEV, Delegado de Polícia aposentado. Advogado. PIMENTEL JÚNIOR, Jaime. Egresso da UNIFEV, Especialista em direito penal. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.
RESUMO A submissão do indiciado a um inquérito policial e do acusado a um processo criminal inevitavelmente implica na realização de atos de polícia judiciária e de atos judiciais que muitas vezes causam constrangimento. Quando praticados dentro da legalidade o indivíduo a eles submetido está contribuindo e cumprindo com a sua participação no Estado Democrático de Direito. Todavia, quando a pratica dos atos de polícia judiciária ou judicial tangenciam a ilegalidade, dependendo do elemento subjetivo do agente que praticou a conduta pode ser responsabilizado civil, criminalmente com base da Lei de Tortura e administrativamente.
ABSTRACT The submission of the indicted to a police investigation and the charged to a criminal case inevitably involves carrying out acts of judiciary police and judicial acts that often cause embarrassment. When practiced within the law the person subjected to them is contributing and fulfilling with its participation in the Democratic State of Law. However, when the practice of acts of judiciary police or judicial are tangent to illegality, depending on the subjective element of the agent who committed the conduct may relate to the Torture Law and be liable civil, criminal and administratively.
Palavras-chave: Tortura. Sofrimento. Violência, Interrogatório. Keywords: Torture. Suffering. Violence. Questioning 144
inquiridos, investigados, despidos na
Introdução
presença de todos. O indivíduo, Tortura
é
o
suplício,
assim, é feito em pedaços”
o
O
tormento capaz de causar dor,
avanço
cientifico,
angústia, aflição, medo e stress, no
mormente da Medicina Legal e da
indivíduo a ela submetido. Pode ser
Criminalística
impingida
investigação
tanto
física
como
trouxe
para
criminal
a
significativa
métodos
contribuição não ostentando mais o
empregados são vários. A própria
entendimento do caráter absoluto da
submissão
confissão, perdeu ela há muito o
moralmente.
Os
do
indivíduo
a
um
inquérito policial ou a um processo
status
penal, dependendo de sua condição
Enganam-se aqueles que a veem
social, cultural ou religiosa, já é um
como
meio capaz de torturá-lo moral ou
investigação.
psicologicamente.
a
pensam, na verdade o que querem é
instauração de Inquérito Policial ou
buscar um atalho, um caminho mais
de Ação Penal, quando presente a
curto, uma resposta imediata já que
justa causa, tem amparo na lei não
muitas vezes a busca de vestígios e
constituindo conduta típica.
a coleta de materiais existentes
Obviamente,
de
o
no
A propósito da tortura que o
“rainha
das
provas".
coroamento Os
corpus
da
que
delicti
assim
e
o
processo causa são oportunas as
respectivo exame científico além de
observações tiradas de Carnelutti:
trabalhoso demanda muito tempo. O
“O homem, quando suspeito
art.
5º,
inciso
da
de um delito, é jogado às feras. A
Constituição
fera, a indomável e insaciável fera, é
que “ninguém será submetido a
a multidão. O artigo da Constituição,
tortura nem a tratamento desumano
que
a
ou degradante” e no inciso XLIII, do
é
mesmo
dispositivo,
equiparou
com
prática
da
aos
se
ilude
em
garantir
incolumidade
do
praticamente
inconciliável
aquele
que
outro
acusado,
sanciona
hediondos,
a
Federal,
III,
tortura
estabelece
considerando-a
a
crimes como
liberdade de imprensa. Logo surge o
crime inafiançável e insuscetível de
suspeito, o acusado, a sua família a
graça e anistia. Não existia tipificação para o
sua casa, o seu trabalho são
crime de tortura, somente quase dez 145
anos após advento da Carta Política
mental. Nas alíneas “a” e “b” requer
foi sancionada a lei nº. 9.455, de
dolo específico, ou seja, a conduta
07.04.1997, tipificando o crime de
busca uma finalidade: na alínea “a”,
tortura.
obtenção de informação, declaração
Antes da Lei 9.455/97 a
ou confissão da vítima ou de terceira
primeira lei que tipificou a tortura foi
pessoa e na alínea “b”, a violência ou
o
do
a grave ameaça torturadoras é para
Adolescente, lei n. 8.069, de 13 de
provocar no sujeito passivo uma
julho de 1990, no artigo 233. A lei nº.
ação ou uma omissão de natureza
9.455/97,
criminosa. O tipo penal em comento
Estatuto
da
no
Criança
art.
4º
e
revogou
expressamente o art. 233 do ECA.
não
Apesar de revogado o artigo, não foi
especial do sujeito ativo, portanto,
abolido o crime previsto no Estatuto
trata-se de crime comum que pode
da Criança e do Adolescente, uma
ser cometido por qualquer pessoa.
vez que o fato nele previsto passou
requer
Nas
nenhuma
duas
qualidade
alíneas
em
a ser definido ou no inc. II do art. 1º
comento, não exige a lei para a
ou em seu § 1º, com aumento de
consumação do delito que o objetivo
pena de um sexto até um terço
visado pelo agente seja alcançado.
conforme preconiza o § 4º, inciso II.
Caso consiga seu intento ocorre o
A Constituição Federal ao dar
exaurimento do delito que deverá ser
tratamento severo à prática de
levado em consideração por ocasião
tortura está em plena sintonia com
da dosimetria da pena. Na alínea “c”,
os Tratados Internacionais de países
a tortura empregada não busca uma
humanistas.
finalidade, visa tão somente punir a
No inciso I, do art. 1º da Lei de
discriminação racial ou religiosa do
tortura temos como condutas típicas,
agente.
o constrangimento de alguém com
No inciso II, a lei requer do
emprego de violência ou grave
sujeito ativo qualidade especial. É
ameaça, causando-lhe sofrimento
preciso que o agente tenha a guarda,
físico e mental. Exige, portanto, o
poder ou autoridade sobre a vítima.
dispositivo,
que
além
do
Ao contrário do inciso I, a lei
constrangimento feito através de
exige que a violência ou a grave
violência ou grave ameaça que do
ameaça, cause intenso sofrimento
mesmo resulte sofrimento físico e
físico 146
ou
mental
e
deve
ser
empregada como forma de aplicar
tortura, ou em caso de notícia de sua
castigo
de
ocorrência tem o dever de apurar os
caráter preventivo, portanto, requer
fatos. Trata-se de conduta omissiva
do agente dolo específico.
que não admite a tentativa. A
pessoal
ou
medida
No § 1º, do inciso II, requer
propósito
desse
delito
comenta
qualidade especial tanto do sujeito
CAPEZ...” Importante notar que,
ativo como do sujeito passivo, trata-
havendo o dever legal de agir, se o
se de crime bi próprio, a lei visa
omitente tomar conhecimento da
proteger, nesse dispositivo, a pessoa
tortura antes de o crime ser praticado
presa ou sujeita a medida de
e deseja-la ou aceitar o risco de ela
segurança a sofrimento físico ou
se produzir, responderá pelo delito
mental, por intermédio da prática de
de tortura na qualidade de partícipe
ato não previsto em lei ou não
por omissão, de acordo com o art.
resultante de medida legal. Como
13, § 2º, “a”, do CP.
assevera CAPEZ ... “Mesmo o
Prevendo o crime de tortura
homem desfigurado pela prática do
apenas nas situações previstas no
crime e afastado do convívio com a
art. 1º, I e II, e § 1º, o legislador
sociedade, mediante o recolhimento
limitou-se àquelas situações em que
ao
sua
normalmente o poder de autoridade
integridade física e sua dignidade
do agente se exercita ilicitamente
preservadas”.
com o fim de constranger alguém a
cárcere,
merece
ter
No § 2º do mesmo inciso a lei
confissões e castigos a pessoas
prevê a punição daquele que se
sobre
omite em face dessas condutas,
vigilância. A condição pessoal tanto
quando tinha o dever de evitá-las ou
do sujeito ativo como do passivo e o
apura-las. É a chamada tortura
elemento
imprópria. A omissão nesse caso
importância para a tipificação dos
realça de tamanha relevância que o
delitos previstos na Lei de Tortura.
agente responde pelo resultado,
seu
poder,
subjetivo
guarda
é
de
ou
suma
Tortura praticada fora das
trata-se de crime omisso impróprio.
situações
previstas
no
art.
1º,
Mais uma vez a lei, exige do
incisos I e II, e § 1º pode configurar
agente uma qualidade especial, qual
outros delitos dependendo do dolo
seja, daquele que em razão de
do agente ao realizar a tortura e dos
função tem o dever de evitar a
elementos que compõem o fato. 147
O § 3º prevê resultado além
crime é cometido contra criança,
do dolo, nestes termos: Se resulta
gestante, portador de deficiência,
lesão corporal de natureza grave ou
adolescente
gravíssima, a pena é de reclusão de
(sessenta) anos ou se o crime é
quatro a dez anos; se resulta morte,
cometido mediante sequestro.
a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Trata-se
de
previsão
da
ou
A
Lei
previsão
de
maior
não
de
descurou
efeitos
civis
60
da da
possibilidade de tortura dolosa com
condenação no crime de tortura,
resultado de lesão corporal de
estabelecendo, no § 5º, como efeitos
natureza grave ou gravíssima ou
civis da condenação a perda do
morte, atribuído ao agente a título de
cargo, função ou emprego público e
culpa.
crime
a interdição para o seu exercício pelo
dos
dobro do prazo da pena aplicada.
italianos, preterintencionale. A seu
Além desses efeitos, a condenação
respeito, é oportuna a lição de
criminal torna certa a obrigação de
NORONHA ... “Consequentemente,
reparar os danos materiais e morais
no crime preterdoloso, há dolo no
causados pelo crime (art. 91, inciso
antecedente
I, do Código Penal). Tratam-se, de
É
a
figura
preterdoloso,
culpa
no
delictum).
ou
no
(minus
do dizer
delictum)
conseqüente Há
culpa
e
(majus
porque
efeitos
há
automáticos,
sentença.
é
delicto
que
se
funda
sendo
necessário que o juiz os declare na
previsibilidade do efeito mais grave e nisso
não
a
responsabilidade do agente”
Na
será
ação
civil
discutido
ex
apenas
o quantum debeatur.
Obviamente, se existiu dolo
Em
sendo
o
agente
de homicídio a pena a ser imposta é
funcionário público responderá por
do homicídio qualificado previsto no
infração administrativa prevista no
art. 121, § 2º, III, do Código Penal,
respectivo
com pena de 12 (doze) a 30 (trinta)
regulamento disciplinar, caso seja
anos de reclusão, tornando-se fato
militar.
atípico para crime de tortura.
Em
O § 4º prevê aumento de pena
mandamento
estatuto
ou
em
obediência
ao
constitucional
de
de um sexto até um terço nas
criminalização do art. 5º XLII, o § 6º
seguintes situações: se o crime é
veda ao crime de tortura a prestação
cometido por agente público; se o
de fiança e a possibilidade da 148
extinção da punibilidade pela graça
contraposição àquele previsto para
ou anistia. A graça é forma de
os demais crimes previstos na Lei nº.
indulgência soberana concedida por
8.072,
decreto do Presidente da República.
plausível. A incoerência do legislador
Trata-se
acabou
de
indulto
individual
não
tinha
justificativa
provocando
acirrados
previsto dentre as atribuições do
debates judiciais em homenagem ao
Presidente da República no art. 84,
princípio da novatio legis in mellius,
inciso XII, da Constituição Federal, já
quando acusados ou condenados
a anistia se refere a fatos políticos e
por crimes hediondos buscaram nos
é
tribunais
concedida
pelo
Congresso
a
aplicação
da
nova
Nacional através de Lei, com sanção
mensagem legislativa culminando
do
República,
com a Súmula n. 698, do Supremo
consoante art. 48, inciso VIII, da
tribunal Federal estabelecendo que
Magna Carta.
não se estendia aos demais crimes
Presidente
Finalmente,
da
a
Lei
nº.
hediondos
a
admissibilidade
de
9.455/97, estabeleceu no § 7º, do art.
progressão do regime de execução
1º, a possibilidade de progressão de
de pena aplicada ao crime de
regime de cumprimento da pena
tortura. Atualmente, com o advento
uma vez que determinou regime
da Lei nº. 11.464, de 28.03.2007, a
fechado somente para início do
discrepância foi solucionada, uma
cumprimento da pena privativa de
vez que é possível a progressão de
liberdade. Considerando que o crime
regime, no caso dos condenados por
de tortura é equiparado aos crimes
crimes
hediondos por força do art. 5º, XLIII,
equiparados que dar-se-á após o
da CF, e do art. 2º, da Lei 8.072, de
cumprimento de 2/5 (dois quintos) da
25.07.1990, não se justificava a
pena, se o apenado for primário, e de
discrepância que havia entre o § 1º
3/5 (três quintos), se reincidente.
da Lei nº. 9.455 e o art. 2º, § 1º, da Lei
nº.
8.072,
que
previa
hediondos
Feitas
o
considerações
ou
essas sobre
a
eles
breves a
Lei
nº.
cumprimento da pena aplicada por
9.455/97, cumpre destacar alguns
crime
equiparado
métodos que lamentavelmente ainda
integralmente em regime fechado. O
são utilizados, por autoridades que
tratamento diverso, mais benéfico,
veem na confissão o coroamento da
dado ao responsável pela tortura, em
investigação
hediondo
ou
149
policial,
mormente
quando o fato criminoso provoca
confissão, em tom ameaçador, no
comoção no seio da sociedade e a
tocante às consequências de seu
imprensa cobra das autoridades uma
silêncio, importando-lhe com isso,
solução rápida.
sofrimento
O Código de Processo Penal,
mental,
poderá
se
presente o dolo, caracterizar a
com as alterações introduzidas pela
tipificação
Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de
previsto no artigo 1º, inciso I, alínea
2003, no artigo 186, assegura o
“a”, da lei especial, mesmo porque, o
direito do acusado de permanecer
tipo se contenta com o sofrimento
calado e não responder às perguntas
físico ou mental, não exigindo para
que lhe forem formuladas. Regra
sua
essa
sofrimento seja intenso como ocorre
aplicável
ao
interrogatório
policial por força do art. 6º, inciso V, do mesmo codex.
do
delito
consumação
de
tortura,
que
esse
no inciso II.
O artigo 187
Na fase policial, a oitiva do
estabelece divisão do interrogatório
indiciado, consoante determina o
em duas partes. Na primeira parte as
artigo 6º, inciso V, do Código de
perguntas são sobre a pessoa do
Processo Penal, deve ser feita, com
acusado e na segunda as perguntas
observância, no que for aplicável, do
são sobre os fatos.
disposto no Capítulo III, do Título VII,
Exercitando
o
acusado
o
do respectivo Livro, devendo o termo
direito de permanecer calado, nada
do interrogatório ser assinado por 2
mais pode ser feito pelo juiz ou pela
(duas) testemunhas que lhe tenham
autoridade policial em relação ao ato
ouvido a leitura. Portanto, nessa fase
processual do interrogatório a não
nenhuma “ameaça” ou “artimanha”
ser consignar que o acusado ou o
deve ser feita ao indiciado para
indiciado se reservou no direito de
“arrancar” dele a confissão.
permanecer calado. É sempre bom
Qualquer meio de tortura quer
lembrar que consoante o Parágrafo
seja física ou psicológica aplicada no
único do art. 186 o silêncio, que não
interrogatório torna o ato ilegal e
importará em confissão, não poderá
criminoso. Dentre eles podem ser
ser interpretado em prejuízo da
citados as ameaças sutis como de
defesa.
pedir a prisão preventiva caso não
Qualquer observação feita ao
confesse
acusado, com o intuito de obter sua
o
crime;
ameaça
ou
aplicação efetiva de torturas físicas 150
como
espancamentos,
superveniência
pau-de-
de
feriado
ou
arara, choques elétricos etc.; o
domingo”, regra mais razoável à
tempo de duração da audiência de
respeito
interrogatório
é
processuais vem prevista no artigo
prolongando
172 do Código de Processo Civil que
injustificadamente por várias horas e
estabelece que os atos processuais
em local que gera desconforto ao
devem ser praticados em dias úteis,
indigitado buscando, exclusivamente
no horário compreendido entre as 6
vencê-lo
(seis) e as 20 (vinte) horas.
muitas
interminável
pelo
vezes
cansaço,
com
o
propósito de obter sua confissão.
da
prática
dos
atos
Aos atos processuais penais,
Outros métodos condenáveis
dentre eles
o
interrogatório
do
de interrogar podem ainda ser
indiciado ou do réu, exceção feita
apontados: Interrogatório feito por
quando existe o periculum in mora,
mais de um policial. Condenável,
como por exemplo, no caso de
primeiro porque pode constranger o
prisão em flagrante delito uma vez
indiciado e em segundo lugar porque
que determina o artigo 304, que a
não existe amparo no Código de
autoridade interrogue o acusado,
Processo Penal que atribui no artigo
sobre a imputação que lhe é feita,
6º, esse dever somente à autoridade
lavrando-se o respectivo auto, com a
policial; interrogatório feito durante o
comunicação imediata ao juiz (art.
período noturno, com prejuízo ao
5.º, inciso LXII, da Constituição
sono causando esgotamento físico e
Federal), outro exemplo que pode
mental ao indiciado, com isso,
justificar o periculum in mora é o fato
resultando em tortura psicológica.
de existir alguma vítima em situação
Embora o art. 797, do Código
de perigo com a possibilidade de o
de processo Penal estabeleça que
indiciado fornecer no interrogatório o
“excetuadas
endereço
as
sessões
de
do
cativeiro,
julgamento, que não serão marcadas
proporcionando
para domingo ou dia feriado, os
liberação.
demais atos do processo poderão
flagrante delito o interrogatório e
ser praticados em período de férias,
demais oitivas podem ser feitos em
em
feriados.
seguida à apresentação do preso a
Todavia, os julgamentos iniciados
autoridade em qualquer dia e horário
em dia útil não se interromperão pela
o
domingos
e
dias
151
mesmo
sua
Portanto, em caso de
ocorrendo
quando
presente
o
periculum
in
único) e usando ele desse direito não
mora plenamente justificado.
justificam
artimanhas,
ciladas,
mentiras e muito menos a utilização da
prática
de
torturas
nos
interrogatórios policiais ou judiciais
Considerações finais
com o objetivo de conseguir sua Tendo
o
acusado
ou
o
confissão configurando prática de
indiciado o direito de permanecer
ilícito penal quando presentes as
calado e de não responder as
elementares dos tipos previsto na lei
perguntas que lhe forem formuladas
nº. 9.455/97, além de ilícito civil e
(art. 186, do CPP) e que o seu
administrativo em sendo o autor do
silêncio, não importará em confissão,
fato funcionário público.
não podendo ser interpretado em prejuízo da defesa (186, Parágrafo
152
REFERÊNCIAS MORAES, ALEXANDRE, Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. CAPEZ, FERNANDO, Legislação Penal Especial. 3.ed. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2004. CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antonio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995. NORONHA E. MAGALHÃES, Direito Penal. v. 1. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
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UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga
ANO III, Vol. I – 2011 ISSN 2176-6460
Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho
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Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani
Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin
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154
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155
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