Linhas jurídicas ano iii, vol i, 2011

Page 1

LINHA

URÍDICA REVISTA DO CURSO DE DIREITO DA UNIFEV

ANO III, Vol. I –1 2011 ISSN 2176-6460


UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga

ANO III, Vol. I – 2011 ISSN 2176-6460

Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari

Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani

Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin

Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com

Sobre a Revista Linhas Jurídicas é um periódico online com periodicidade semestral de caráter técnico-científico, que busca a ampla integração ensino-pesquisaextensão. Destinado a produção acadêmica dos docentes e discentes do curso de Direito da UNIFEV, bem como do público acadêmico em geral, de cunho jurídico e áreas afins. 2


A APLICABILIDADE DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA ÀS MICROEMPRESAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO PAMPLONA, José Henrique – Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. MURARI, Marlon Marcelo – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A aplicabilidade do benefício da assistência judiciária gratuita para microempresas é um problema repleto de discussões e divergências doutrinárias. O objetivo da pesquisa é analisar a necessidade e a dificuldade vivenciadas pelas microempresas ao pleitear o referido benefício na Justiça do Trabalho. Busca também demonstrar que as microempresas podem e devem ser beneficiadas, pois não dispõem de grande poder aquisitivo para ingressar em um processo judicial. O entendimento contrário a esse traz por consequência a violação a princípios constitucionais que deixam de ser garantidos quando do indeferimento do pedido de Assistência Judiciária Gratuita.

Palavras-chave: Microempresas. Direito do trabalho. Justiça gratuita. 1


bibliográfica,

Introdução

jurisprudencial

e

doutrinária. O

tema

trabalho

é

a

discutido

neste

Aplicabilidade

1. A Microempresa e sua importância

do

para

Benefício da Assistência Judiciária Gratuita

às

Microempresas

o

desenvolvimento

da

sociedade

na

Justiça do Trabalho. O problema surge

quando

observamos

jurisprudências

dos

tribunais,

principalmente

dos

Tribunais

Regionais

Trabalho,

do

De acordo com a lei 9.841/99

as

em seu artigo segundo (Portal Tributário. 2009), “é microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil

que

individual que tiver receita bruta

divergem sobre a aplicação do

anual

referido benefício.

a

Por

verdadeira

tributária

benefício às microempresas.

trabalhador

“hipossuficiência”,

essa

na

As

também deve ser estendida às a

aplicação

benefício

da

do

microempresas

são

funcionamento e desenvolvimento econômico. Embora sejam constituídas

valor elevado, podendo suscita a

com o fim de obtenção de lucros (e

falência da microempresa.

alcance de resultados) as empresas

Para realizar este trabalho

exercem uma importante função

será utilizado o método histórico e

e

grandes

Essas garantias ajudam a manter o

do trabalho, em que as ações são de

dedutivo

às

e a opção pelo Simples Nacional.

financeiros, principalmente na justiça

raciocínio

aplicada

entre eles, a diminuição de impostos

elas são necessitadas de recursos

por

entidades

beneficiadas sob diversos aspectos,

assistência judiciária gratuita, pois

dogmático-jurídico

serem

sobrevivência do proprietário.

proteção

mediante

R$

menores e os lucros voltados para

sua

microempresas,

a

empresas, pois os rendimentos são

Embora a justiça do trabalho o

inferior

pequenas não suportam a carga

necessidade de aplicação deste

proteja

ou

244.000,00 por ano”.

O escopo deste trabalho é demonstrar

igual

meio

social já que só podem atingir “os

do

resultados” por meio de utilização de

pesquisa

mão de obra (que por sua vez acaba 2


atuando

como

um

importante

fornecedores,

empregados,

distribuidor de riquezas entre a

comunidade em geral e o Estado em

sociedade).

se tratando de tributos.

Sobre a função da empresa convém

analisar

o

seguinte

2. Assistência judiciária gratuita

ensinamento de Comparato: Função, em direito, é um

A

Assistência

Judiciária

poder de agir sobre a esfera jurídica

Gratuita é um benefício regido pela

alheia, no interesse de outrem,

Lei nº. 1.060/50, ela concede a

jamais em proveito do próprio titular.

isenção de custas processuais aos

Algumas vezes, interessados no

necessitados, ou seja, aos que não

exercício da função são pessoas

dispõem de recursos financeiros

indeterminadas e, portanto, não

para promover e garantir seus

legitimadas a exercer pretensões

direitos em processos judiciais que

pessoais e exclusivas contra o titular

legitimam na parte passiva.

do poder. É nessas hipóteses,

O artigo 5º inciso LXXIV, da

precisamente, que se deve falar em

Constituição Federal de 1.988[1],

função social ou coletiva. [...] Em se

garante o fornecimento do benefício

tratando de bens de produção, o

para quem não tem condições de

poder-dever do proprietário de dar à

arcar com as custas do processo por

coisa uma destinação compatível

insuficiência de recursos financeiros.

com o interesse da coletividade

Descreve

transmuda-se, quando tais bens são incorporados

a

uma

Pinto,

para

argumentar:

exploração

Conforme a Lei nº 1060/50,

empresarial, em poder-dever do

observamos que o benefício da

titular do

dirigir a

Assistência

Judiciária

empresa para a realização dos

abrangente

da

interesses coletivos. (1990.p.315).

Justiça, é devido “aos necessitados”.

controle de

Dessa forma conclui-se que a

Gratuita,

Gratuidade

da

Conforme conceito da mesma Lei,

microempresa é importante para o

são

desenvolvimento da sociedade não

situação econômica não lhes permita

só pelo fato da obtenção de lucro,

pagar as custas do processo e os

mas

também,

necessidades

por e

necessitados

advogado

cuja

atingir

as

honorários

interesses

de

prejuízo do sustento próprio e da 3

de

aqueles

sem


família [...] as normas não se

abrigam [...] Portanto, só podemos

interpretam

concluir

isoladamente,

em

estarmos

em

face

de

compartimentos estanques, mas sim

omissão lei processual trabalhista

pela

que,

harmonia

expressão

lógica

dentro

de

em

não

havendo

sistema

incompatibilidade, pode ser suprida

específico que integram ou do

pela regra processual civil, existente,

sistema

ordenamento

para o caso, na Lei nº 1.060/50[...]

jurídico [...] No caso, o amparo

Segue-se daí nossa sustentação de

financeiro ao miserável jurídico no

que o benefício da Gratuidade da

processo em geral decorre do alto

Justiça é extensível ao empregador,

interesse

na forma e nas condições do art. 1º

amplo

do

sua

do

social,

firmemente

aos

princípios

conectado constitucionais

da

garantia

da Lei nº. 1.060/50. (2009, p.309).

ao

acesso ao judiciário e do exercício

3. Princípios da constituição federal

da ampla defesa. Esse interesse

de

social

jurisprudências

socorre

igualmente

1988

e

conflitos

de

empregador e empregado que, num dissídio

individual,

estiver

A Constituição Federal de

desprovido de condição econômica

1988 surgiu para proteger ainda

para arrostar os encargos tributários

mais os direitos constitucionais e

do processo [...] Afigura-se por outro

fundamentais do cidadão. Com isso,

lado, que a referência a salário foi

incorporaram-se a seu texto alguns

um

princípios importantes e que serão

ato

falho

do

legislador

trabalhista, voltado como estava, ao

observados no trabalho em estudo.

elaborar a norma, com o resguardo do

empregado,

específico

de

sua

Os princípios constitucionais

destinatário

existem para garantir a harmonia

preocupação

entre

os

indivíduos

sociedade

não tenha sido assim, a omissão de

conflitos perante o judiciário. Essa

referência

não

apreciação não se refere apenas à

poderia traduzir o propósito de

lesão, mas também à ameaça a

excluí-lo do benefício, por que a

direito. (NUNES JÚNIOR; ARAUJO,

exclusão

2008, p.178).

empregador

violaria

constitucionais

que

garantias também

o 4

a

apreciação

uma

protetora [...] Mesmo, porém, que

ao

e

de

dos


A

Constituição

Federal

benefícios de acordo com suas

garante a todos o livre acesso ao

necessidades.

judiciário, não importando o grau ou

Encontra-se no princípio da

nível de poder aquisitivo. Por este

igualdade,

motivo foi criado o Princípio da

5º,

Inafastabilidade da Jurisdição, artigo

CF/1.988, o fundamento de que

5º, XXXV, CF de 1.988[2], que

todos são iguais perante a lei. Por

garante aos cidadãos, um meio legal

analogia é possível aplicar esse

de buscar os direitos e sanar os

princípio às relações de empregados

conflitos. Se não fosse assim, a

e microempresas na justiça do

criação de tal princípio não se

trabalho.

justificaria.

previsto

caput[3],

e

no

inciso

artigo LXXIV,

Corrobora esse entendimento

Entende-se

que

a

o seguinte julgado: –

Constituição busca sanar os conflitos

PROCESSUAL

e colocar a sociedade em um grau

JUDICIÁRIA – JUSTIÇA GRATUITA

de igualdade, que só deve ser

alcançado se o Estado oferecer

PARÁGRAFO ÚNICO) – As pessoas

recursos e der a todos o acesso aos

jurídicas

meios adequados para buscar a

podem

pretensão desejada.

assistência judiciária. (STJ – RESP

LEI

ASSISTÊNCIA

1.060/50

necessitadas ser

(ART.

2º,

também

beneficiárias

de

e

321997 – MG – 1ª T. – Rel. Min.

Araújo (2008, p. 179): “[...] quando a

Humberto Gomes de Barros – DJU

Constituição quer um fim fornece os

16.09.2002) [4]

Segundo

Nunes

Júnior

meios”.

A Lei nº. 1.060/50 que trata da

O Estado garante ainda a

Assistência Judiciária gratuita não se

prestação de assistência judiciária

refere à aplicabilidade do benefício

integral e gratuita aos indivíduos que

para as microempresas, mas, deixa

comprovarem

claro que pode ser aplicado aos

insuficiência

de

recursos. Para

necessitados haver

uma

justa

e

insuficientes

de

recursos.

discussão de direitos e deveres no

Diante disso, os tribunais

judiciário é necessário que as partes

cíveis e superiores têm entendido

concorram

que é possível a concessão do

com

os

mesmos

benefício da assistência judiciária 5


gratuita

para

pessoas

jurídicas,

plena consciência da decisão que

conforme jurisprudência abaixo: ASSISTÊNCIA

está tomando, para que não fira

JUDICIÁRIA

nenhum

GRATUITA. PESSOA JURÍDICA.

dos

princípios

constitucionais.

CONCESSÃO. A parte gozará dos

Se houver um erro na decisão

benefícios da assistência judiciária,

pela

mediante simples afirmação de que

princípios,

não está em condições de pagar as

acarretará muitos danos materiais

custas do processo e os honorários

que poderão atingir moralmente a

advocatícios,

pessoa

sem

prejuízo

do

sustento próprio. Por sua vez, o juiz,

inobservância

de

certos

consequentemente

dos

empresários

das

microempresas, causando danos.

se não tiver fundadas razões para

Conforme

foi

comentado,

indeferir o pedido, deverá julgá-lo de

existem divergências nos tribunais,

plano, no sentido do deferimento.

principalmente

Concessão,

pessoa

Regionais do Trabalho, com isso,

jurídica, em face do contexto social e

ocorre um desrespeito aos Princípios

das sérias repercussões, inclusive,

constitucionais

de subsistência familiar, por eventual

pertinente a Assistência Judiciária

impedimento

Gratuita.

Judiciário,

também,

do por

à

acesso razões

ao

nos

Tribunais

e

legislação

apenas

É neste ponto que se encontra

econômicas. Princípio constitucional

o problema discutido no presente

de livre acesso à Justiça. Aplicação

trabalho.

dos arts. 2º, parágrafo único, 4º, 5º e 6º,

da

Lei

1.060/50,

Como foi observado acima,

em

existem

decisões

a

favor

da

consonância com o art. 5º, XXXV, da

aplicação do benefício para as

Constituição

microempresas,

Federal.

Agravo

e

logo

abaixo

provido. (Agravo de Instrumento Nº

podemos apreciar outra parte da

70006161657, Quinta Câmara Cível,

jurisprudência

Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Benefício da Assistência Judiciária

Leo Lima, Julgado em 08/05/2003)

Gratuita

[5]

empregado, Quando se trata de princípios

dizendo

que

o

é

aplicável

ao

não

podendo

ser

estendido ao empregador. Deste

constitucionais, o aplicador do direito

modo,

deve tomar muito cuidado. Deve ter

hipossuficiente, sendo o empregado. 6

protegendo

somente

o


As decisões infringiram o princípio

JUSTIÇA GRATUITA.

da igualdade, inafastabilidade da

EMPREGADOR PESSOA

jurisdição e livre acesso ao judiciário,

JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE.

pois as microempresas também são pessoas jurídicas necessitadas e merecem

o

relacionadas

benefício. abaixo

jurisprudência aplicabilidade

Estão

Lei

1.060/50

preveem

a

algumas

concessão do benefício da justiça

a

gratuita apenas à pessoa natural,

em

não abrangendo como beneficiária a

contra do

O art. 790, § 3º, da CLT e a

benefício

estudo:

pessoa jurídica, ainda que esta declare

a

hipossuficiência

JUSTIÇA GRATUITA.

econômica. De qualquer forma, o

EMPREGADOR. ALCANCE.

benefício em questão não alcança o

APENAS CUSTAS PROCESSUAIS.

depósito recursal, que deve ser

AUSÊNCIA TOTAL DE PREPARO.

realizado nos estritos termos dos

DESERÇÃO. NÃO

parágrafos do art. 899 da CLT. (TRT

CONHECIMENTO.

da 12º Região – Proc. nº 007382007-055-012-01-07

O entendimento da maioria

Juiz.

Garibaldi T.P Ferreira) [7]

dos integrantes desta 3ª Turma é de que, conquanto seja possível a concessão dos benefícios da justiça

Considerações finais

gratuita ao empregador, seu alcance se restringe à isenção do pagamento das

custas

processuais,

Com este trabalho foi possível

não

concluir que as microempresas no

alcançando o depósito recursal, que

âmbito do direito do trabalho devem

se destina à garantia do Juízo para

ser beneficiadas com a Assistência

futura execução. Recurso ordinário

Judiciária Gratuita, visto que, são de

não conhecido. (TRT 9º Região –

extrema

Proc. nº 00642-2008-024-09-00-5-

desenvolvimento da sociedade, já

ACO-34088-2009 – 3ª. TURMA -

que por serem entidades pequenas

Relator: ALTINO PEDROZO DOS

não comportam uma ação trabalhista

SANTOS) [6].

7

importância

para

o


que muitas vezes é de alto valor

contra uma microempresa e ela não

econômico.

tiver

Deve

prevalecer

acesso

ao

benefício

da

a

assistência judiciária gratuita, a parte

necessidade em se manter um

mais prejudicada será a sociedade,

tratamento diferenciado para as

pois sofrerá diretamente os efeitos

microempresas,

da falência dessa pessoa jurídica.

aplicando

o

princípio da igualdade processual para

equilibrar

“empregado/

a

Portanto, o legislador e o

relação

judiciário não podem afastar este

empregador

benefício das microempresas, pois

(microempresas)”. Convém

estariam mencionar

que,

ferindo

princípios

e

garantias estabelecidos pela Carta

quando houver uma ação trabalhista

Magna.

8


Referências BRASIL. Vade Mecum Compacto. Lívia Céspedes (org.). Constituição Federal do Brasil de 1.988. São Paulo: Saraiva. 2009. COMPARATO. Fabio Konder. Estado, empresa e função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 85, n.732, 1996. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes; ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo trabalhista de conhecimento. 7. ed. São Paulo. LTr.2009. PORTAL TRIBUTÁRIO, Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, acesso em maio de 2009. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/legislacao/lei9841.htm. [1] Artigo 5º, inciso LXXIV, CF/1.988 – o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. [2] Artigo 5º, inciso XXXV, CF/1988 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. [3] Artigo 5º, caput, CF/1988 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos ternos seguinte: LXXIV – o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. [4] MINAS GERAIS. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, Relator: Humberto Gomes de Barros, Julgada em 16/09/2002. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=r esp+321997&b=ACOR, data da visita 29 de maio de 2010 [5] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70006161657, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 08/05/2003. Disponível em WWW.1.tjrs.jus.br/busca/?tb=júris data da visita 29 de maio de 2010. [6] PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário. Processo Nº 00642-2008-024-09-00-5, 3ª Turma, Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região-PR, Relator: Altino Pedrozo dos Santos, Julgada em 2009. Disponível em http://www.trt9.jus.br/, data da visita 29 de maio de 2010. [7] SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho. Processo Nº 007382007-055-012-01-07, Tribunal Regional do Trabalho da 12º Região-SC, Relator Juiz: Garibaldi T. P. Ferreira, Julgada em 17/11/2008. Disponível em 9


http://www3.trt12.gov.br/juris/scripts/juris.asp?cb_em=S&val=10&tex=justi%E7a +gratuita&cdjuiz=1068&dt1_dia=15&dt1_mes=11&dt1_ano=2006&dt2_dia=15& dt2_mes=11&dt2_ano=2010&ano_ac=&classe=&cla_esp=NAOESPECIFICAR &cdlocal_julg=0&cont=25&action=+Pesquisa+, data da visita 29 de maio de 2010

10


A IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO ESTRANGEIRO MARSON, Luís Ricardo - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO, Edgar Pagliarani – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A pesquisa tem seu foco na impossibilidade do estrangeiro perceber benefício de prestação continuada de que trata o artigo 20 da Lei nº 8.742/93 – LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). Os principais entraves encontrados nesta questão se referem à falta de previsão legal que ensejaria tal concessão, além de ofensas a princípios constitucionais. É essa a polêmica levantada e esclarecida no decorrer do presente trabalho. Para tanto, foi necessária a análise da legislação, sendo que, para se chegar às respostas foram utilizados os métodos de raciocínio dialético e o método dogmático jurídico e o tipo de pesquisa não empírica, mais precisamente a bibliográfica. Buscou-se por meio da pesquisa demonstrar que aos estrangeiros não naturalizados, residentes no País, não é assegurada a concessão do benefício de prestação continuada.

Palavras-chave: Benefício. Assistencial. Estrangeiro. Impossibilidade. 11


que não há previsão legal que

Introdução

permita a ocorrência de tal fato. de

Assim, uma interpretação extensiva

imediato, que não é objeto do

da legislação, feriria diretamente o

presente trabalho discorrer sobre a

interesse público.

Cumpre

concessão

esclarecer,

do

benefício

de 1. O conceito de assistência social

prestação continuada ao brasileiro naturalizado e domiciliado no Brasil,

Segundo Martinez (1992, p.

uma vez que conforme o §2º, do

83 apud MARTINS, 2008, p. 479):

artigo 12 da Constituição Federal de 1988: “A lei não poderá estabelecer

A Assistência Social é um

distinção entre brasileiros natos e

conjunto de atividades particulares e

naturalizados”.

estatais

Nesse

mesmo

direcionadas

para

o

sentido, também dispõe o Decreto nº

atendimento dos hipossuficientes,

1.744/95, em seu artigo 4º, que:

constituindo os bens oferecidos em

São também beneficiários os

pequenos benefícios em dinheiro,

idosos e as pessoas portadoras de

assistência à saúde fornecimento de

deficiência

alimentos

estrangeiros

e

outras

pequenas

no

prestações. Não só complementam

Brasil, desde que não amparados

os serviços da Previdência Social,

pelo sistema previdenciário do país

como a

amplia,

de origem.

natureza

da

naturalizados

e

domiciliados

em

clientela

razão

da

e

das

necessidades providas.

De maneira que, no caso do

A

brasileiro naturalizado e domiciliado

Lei

8.742/93,

no Brasil, é possível a concessão de

denominada de Lei Orgânica de

tal

Assistência Social – LOAS, institui

benefício,

pois

essa

em seu artigo 1º, que:

possibilidade expressa em nosso

A Assistência Social, direito

ordenamento jurídico. O presente artigo busca, na

do cidadão e dever do Estado, é

verdade, investigar a impossibilidade

Política de Seguridade Social não

de

de

contributiva, que provê os mínimos

prestação continuada ao estrangeiro

sociais, realizada através de um

(indivíduo não naturalizado), visto

conjunto integrado de ações de

concessão

do

benefício

iniciativa pública e da sociedade, 12


para garantir o atendimento às

nome de renda mensal vitalícia, pois

necessidades básicas.

o artigo 139 da Lei nº 8.213/91 assim

Desse modo, a Assistência

se expressou. E por fim, com o

Social é um dever do Estado e direito

advento da Lei nº 8.742/93, passou-

do cidadão, cuja principal finalidade

se a utilizar a denominação benefício

é

de prestação continuada.

prover

o

atendimento

das

necessidades

básicas

dos

Em seu artigo 20, a Lei

hipossuficientes,

por

da

Orgânica de Assistência Social –

benefícios

LOAS (Lei nº 8.742/93), garante o

concessão

de

assistenciais serviços,

ou

meio

até

mesmo,

independentemente

pagamento

de

benefício

de

de

prestação continuada de um salário

contribuições à Seguridade Social

mínimo mensal à pessoa portadora

(artigo 203 da Constituição Federal).

de deficiência e ao idoso com 65

Sendo este o ponto crucial que a

anos

diferencia da Previdência Social,

comprove efetivamente não possuir

pois nessa há a necessidade de se

meios de prover o próprio sustento e

verter contribuições para obtenção

nem de tê-lo provido por sua família.

de benefícios previdenciários. Entretanto,

como

de

De

idade

ou

maneira

mais,

que

que

são

bem

beneficiários desse direito, os idosos

ressalta Martins (2008, p. 480) “[...] a

(devendo comprovar que possuem

Assistência Social não é prestada

65 anos de idade ou mais, e que não

apenas pelas entidades estatais,

tenham condições de prover a

mas também por particulares, como

própria subsistência ou que esta não

as instituições de beneficência e de

seja provida por seus familiares) e os

assistência social”.

deficientes avaliados

2.

O

benefício

de

prestação

por

deverão regular

ser

perícia

realizada no âmbito administrativo

continuada

ou judicial, para que se averigue se as

Segundo

(que

elucida

Martins

mazelas

suportadas

os

incapacitam para o trabalho, além da

(2008, p. 491), o benefício em

questão da hipossuficiência).

questão, inicialmente, era chamado

Conforme explanam Aguiar e

de amparo previdenciário (Lei nº

Amaral (2009, p. 113):

6.179/74). Depois, lhe foi atribuído o 13


Para

aferição

da

No que concerne ao brasileiro

hipossuficiência, fixa a lei o patamar

naturalizado e domiciliado, não há

de renda per capita de ¼ de salário

óbices quanto à concessão do

mínimo por membro da família que

benefício de prestação continuada,

resida

teto,

pois segundo prevê o artigo 12, § 2º,

restringindo-se a unidade familiar ao

da Constituição Federal: “a não

rol dos dependentes previdenciários,

poderá estabelecer distinções entre

quais

sob

sejam:

o

mesmo

(a)

cônjuge;

(b)

brasileiros natos e naturalizados,

(c)

filho

não

salvo nos casos previstos nesta

emancipado, de qualquer condição,

Constituição”. O que é asseverado

menor de 21 (vinte e um) anos ou

pelo

inválido; (d) pais; (e) irmão não

1.744/95, que em seu artigo 4º,

emancipado, de qualquer condição,

estabelece

menor de 21 anos (vinte e um) anos

beneficiários os idosos e as pessoas

ou inválido.

portadoras

de

estrangeiros

naturalizados

companheiro;

Vale ressaltar ainda que, o

disposto

no

que:

Decreto “são

também

deficiência e

benefício em questão, pode ser pago

domiciliados no Brasil, desde que

a mais de um membro da família,

não

sendo que, neste caso, tal benefício

previdenciário do país de origem”.

amparados

pelo

sistema

será computado no cálculo para

Todavia, a grande polêmica

aferição da hipossuficiência, e que

se dá em relação aos estrangeiros

pode

haja

não-naturalizados, que como bem

mudança da situação que deu

esclarece Bastos (2000, p. 266-267):

origem à concessão do benefício ou

“[...] estrangeiro é todo aquele que

ainda se o beneficiário vier a óbito.

não é tido por nacional, em face de

Pelo fato do benefício de prestação

um determinado Estado”.

ser

suspenso

continuada

ser

caso

de

caráter

De

acordo

com

o artigo

intransferível, não gera qualquer

35, caput e parágrafo único da Lei nº

direito à pensão aos dependentes do

8.742/93:

beneficiário.

Cabe Administração

ao

órgão

Pública

da

Federal

2.1 A impossibilidade de concessão

responsável pela coordenação da

a estrangeiros

Política Nacional de Assistência Social operar os benefícios de 14


prestação continuada de que trata

disposto no inciso VI do art. 4o, é

esta lei, podendo, para tanto, contar

também beneficiário do Benefício de

com o concurso de outros órgãos do

Prestação

Governo Federal, na forma a ser

dada pelo Decreto nº 6.564, de

estabelecida em regulamento.

2008).

Parágrafo

único.

O

A

Continuada.

vertente

que

preza

concessão

definirá as formas de comprovação

prestação continuada ao estrangeiro

do direito ao benefício, as condições

evoca, em suas razões, o artigo

de

os

5º, caput da Constituição Federal,

procedimentos em casos de curatela

afirmando que a interpretação de tal

e

dispositivo constitucional, deve ser

suspensão,

tutela

e

o

órgão

de

feita

fiscalização, dentre outros aspectos.

possível, conforme demonstra o

Sendo que, o artigo 4º do Decreto

trecho de uma sentença proferida

1.744/95, no mesmo sentido o atual

nos autos de uma ação de benefício

Decreto nº 6.214/07, responsável

assistencial, a qual tramitara pela

por

de

Primeira Vara Cível da Comarca de

comprovação do direito ao benefício

Votuporanga, Estado de São Paulo,

de prestação continuada, em seu

o qual segue:

as

formas

artigo 7º, dispõe que o benefício não é

devido

a

estrangeiros,

brasileiro

mais

ampla

No que tange à alegação da

pois

autarquia ré de que a autora não faz

determina que: O

maneira

de

credenciamento, de pagamento e de

definir

da

benefício

a

regulamento de que trata o caput

sua

do

(Redação

jus ao benefício por se tratar de naturalizado,

estrangeira, tal não pode prosperar

domiciliado no Brasil, idoso ou com

dada

deficiência, observados os critérios

inconstitucionalidade. Ora, o fim

estabelecidos neste Regulamento,

último

que não perceba qualquer outro

previsto na Constituição Federal e

benefício no âmbito da Seguridade

regulado

Social ou de outro regime, nacional

amparar idosos e deficientes, cuja

ou

sorte e destino relegou à situação de

estrangeiro,

salvo

o

da

a

do

sua

benefício

pela

Lei

assistencial

8.742/93

é

assistência médica e no caso de

miserabilidade.

recebimento de pensão especial de

Federal, por sua vez, assegura aos

natureza indenizatória, observado o

estrangeiros residentes no país a 15

A

flagrante

Constituição


inviolabilidade do direito à vida, à

que

liberdade, à igualdade, à segurança

somente os direitos fundamentais.

e

Tanto é que o MM. Juiz que proferiu

à

propriedade,

condições

que

nas

mesmas

previstas

aos

são

concernentes

a

este,

a sentença, referida acima, assume

brasileiros. É verdade que tais

explicitamente

dispositivos

asseguram,

fundamentação. Havendo, portanto,

textualmente, os direitos sociais.

uma visível contradição, pois, se não

Contudo, se não asseguram também

há previsão legal, o benefício de

não afastam e nem tampouco os

prestação continuada não pode ser

restringem apenas aos brasileiros,

concedido ao estrangeiro.

não

de maneira que a interpretação do dispositivo

constitucional

isso

em

sua

De modo que, não se pode

que

confundir direitos fundamentais com

assegura a percepção do benefício

direitos sociais, embora existam

assistencial às pessoas que se

pontos em comum entre ambos,

encontrem em situação de risco

tratam-se de direitos absolutamente

social, deve ser feita da maneira

distintos.

mais ampla possível [1].

manifesta, corretamente, o acórdão,

Logo, torna-se crucial a leitura

do

qual

Nesse

fora

sentido

reproduzido

se

um

do referido dispositivo constitucional,

pequeno trecho importante, o qual

o qual dispõe que:

segue:

Todos são iguais perante a lei,

É importante, desde logo,

sem distinção de qualquer natureza,

esclarecer

garantindo-se aos brasileiros e aos

cidadania não se confundem com os

estrangeiros residentes no País a

direitos humanos, embora haja uma

inviolabilidade do direito à vida, à

zona comum entre eles. Dalmo

liberdade, à igualdade, à segurança

Dallari, por exemplo, em textos e

e

aulas, deixa claro esta diferenciação

à

propriedade,

nos

termos

seguintes.

que

os

direitos

da

quando analisa, em profundidade, a

Com o devido respeito, a tese

problemática dos direitos humanos

adversa não prospera, pois observa-

no mundo atual. Pode-se dizer, em

se a partir da leitura do próprio

suma, que os direitos da cidadania

dispositivo,

dizem respeito aos direitos públicos

assegurados

que

não

textualmente,

estão os

subjetivos

direitos sociais ao estrangeiro, visto

consagrados

por

um

determinado ordenamento jurídico, 16


concreto e específico. Já os direitos

termos seguintes: “O estrangeiro

humanos – expressão muito mais

residente no Brasil goza de todos os

abrangente – se referem à própria

direitos

pessoa humana como valor-fonte de

brasileiros,

todos os valores sociais (Miguel

Constituição

Reale). A discussão sobre os direitos

leis. (Renumerado pela Lei nº 6.964,

humanos (direito à vida, direito a não

de 09/12/81)”.

ser submetido à tortura, direito a não ser

escravizado,

direito

nos

aos

termos

da

e

das

Salienta-se ainda que, no que

uma

é pertinente especificamente ao

nacionalidade, etc.) se coloca, pois,

direito às prestações da Seguridade

num outro plano de análise teórica.

Social, elas sempre decorrerão da

No plano do global, do universal,

lei, ou seja, caso haja controvérsias

numa perspectiva jusnaturalista, e

referentes a esse ponto, a solução

não do positivo e tópico (“Cidadania:

deverá ser buscada na lei, porque a

Esboço de Evolução e Sentido da

relação

Expressão”

natureza pública, onde são sujeitos o

José

a

reconhecidos

Roberto

Fernandes Castilho).

jurídica

existente

é

de

Poder Público e seus destinatários.

Como se vê, para o exercício

Ademais, prevê o artigo 195

dos direitos inerentes à cidadania, é

da Constituição, em seu § 5º, que:

fundamental desfrutar do status de

“Nenhum benefício ou serviço da

nacional do Estado que confere tais

seguridade social poderá ser criado,

direitos.

majorado

Como a autora não possui tal

uma

somente

os

são

a

Logo não é possível admitir

[2].

estrangeiros

sem

total”.

igualdade não pode ser invocado [...]

assim,

estendido

correspondente fonte de custeio

status, tenho que o princípio da

Sendo

ou

interpretação

extensiva

do

aos

nosso ordenamento jurídico para

assegurados

que seja concedido o benefício de

direitos

previstos

prestação

continuada

ao

garantidos pela Constituição Federal

estrangeiro, visto que essa extensão

e pela lei. É neste sentido que se

fere diretamente o interesse público.

pronuncia o artigo 95, da Lei nº 6.815/80, a qual define a situação jurídica do estrangeiro, no Brasil, nos 17


Portanto, a solução plausível

Considerações finais

para tal problemática, seria a de que o

Conclui-se que é impossível a concessão

do

prestação

benefício

continuada

estrangeiro

postulasse

sua

nacionalização, nos termos do artigo

de

12,

a

inciso

II,

alínea

“b”

da

estrangeiros, ainda que residentes

Constituição Federal. Isso evitaria a

no Brasil, pois não se encontra

ocorrência de duplos benefícios, ou

previsão

seja, aqueles decorrentes da sua

legal

estrangeiros

de

ao

direito

dos

benefício

de

condição

de

estrangeiro

e

de

prestação continuada de que trata a

benefícios da Seguridade Social. A

Lei nº 8.742/93.

possibilidade

de

aquisição

da

Uma interpretação extensiva

nacionalidade atende perfeitamente

da nossa legislação fere diretamente

o princípio da dignidade humana e

o interesse público.

daria

direito

à

concessão

do

benefício de prestação continuada .

18


Referências AGUIAR, Carolina Botelho Moreira de Deus; AMARAL, Luciana Maria Oliveira do. Conteúdo e Alcance do artigo 34, parágrafo único, do estatuto do idoso: uma leitura sob a lente do princípio da isonomia. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. n 33. nov. dez. 2009. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. IGOR. Argentino tem direito a benefício assistencial no Brasil? 2009. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2010. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2008. XAVIER, Bruno Di Fini. O benefício de prestação continuada da assistência social. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2010. ______. Benefício de prestação continuada da assistência social: bpc-loas ao idoso e à pessoa com deficiência. Disponível em: Acesso em: 22 de maio de 2010. [1] VOTUPORANGA. Primeira Vara Cível. Direito Previdenciário. Sentença. Requerente: Salime Rachid. Requerido: Instituto Nacional do Seguro Social, Juiz Substituto Renato Soares de Melo Filho, Votuporanga, 21 de setembro de 2009. [2] BRASIL. Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Porto Alegre. Direito Previdenciário. Recurso Cível nº 2005.71.95.018268-2/RS. Recorrente: Margarita Haydee Perez Peraza de Gotembiewski. Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social. Relator: Juiz Alexandre Gonçalves Lippel. Porto Alegre, 29 de março de 2006. Publicado no DJE, 21 de março de 2006.

19


A PROVA NA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE AMARAL, Michele Duarte - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO O trabalho versará sobre a dificuldade de a autoridade policial produzir provas no crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, tendo em vista a exigência legal de prévia autorização do condutor para exame de dosagem alcoólica ou assopro no etilômetro. Na interpretação da Constituição Federal, do Código de Trânsito Brasileiro e do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992 (Pacto de São José de Costa Rica), serão demonstrados os conflitos. O método empregado é o não-empírico, dialético e comparativo, especialmente à sua aplicação.

Palavras-chave: Lei. Condutor. Embriaguez. Prova. Conflito.

20


história quando houve a invenção da

Introdução

agricultura. Aconteceu a partir de um A Lei 9.503/97, em seu artigo

processo de fermentação natural

306, imputava crime ao indivíduo

ocorrido há mais de 10.000 anos. A

que estivesse na condução de

partir desse momento o ser humano

veículo automotor sob a influência de

passou

álcool, gerando perigo de dano,

significados para a bebida.

a

atribuir

diferentes

quantidade

Em uma das passagens do

ingerida. Com o advento da lei

Antigo Testamento (Gênesis 9.1)

11.705/98 tornou se exigência para

Noé, após dilúvio plantou uva e fez o

configuração

vinho.

independente

da

de

crime,

a

Na

concentração igual ou superior de

Idade

Média

a

0,6 decigramas de álcool por litro de

comercialização de vinho e cerveja

sangue.

cresce e com isso se estabelece

O

legislador

regulamentação.

acabou

O

álcool

é

“protegendo” os autores deste tipo

consumido por políticos em seus

de crime, tendo em vista que para a

debates, os quais mais tarde vão

aferição

desencadear

da

quantia

de

álcool

na

Revolução

Francesa.

ingerida é necessária a coleta de sangue com prévia autorização do

No fim do século XVIII como o

condutor. Dessa maneira diante da

início da Revolução Industrial, o uso

recusa do averiguado, a autoridade

excessivo do álcool passa a ser visto

policial

de

como doença ou desordem. E em

produzir provas. Isto se deve ao fato

1967 o conceito alcoolismo foi

do Brasil ser signatário do Pacto de

classificado

São José de Costa Rica, o qual

Organização Mundial de Saúde.

fica

impossibilitada

como

doença

pela

protege o direito de não produzir 1.1 Crime de embriaguez ao volante

prova contra si mesmo.

A embriaguez ao volante é

1. Breve histórico sobre o álcool

uma das maiores causas de morte a bebida

no Brasil. A falta de consciência

alcoólica teve sua origem na pré-

agride sensivelmente aqueles que

Acredita-se

que

consumiram, quanto aqueles que 21


inocentemente

trafegavam

pela

influência

de

qualquer

outra

mesma via e também são vítimas

substância psicoativa que determine

desse ilícito.

dependência: (Redação dada pela

Na intenção de conter tal

Lei nº 11.705, de 2008).

abuso, o legislador editou, entre

A partir da nova redação dada

outras normas de trânsito, a Lei

ao artigo 306, a autoridade policial

9.503/97 que instituiu o Código de

passou a ter maiores dificuldades na

Trânsito Brasileiro, imputando crime

imputação do crime ao condutor,

àqueles que estivessem sob a

tendo em vista que a lei passou a

influência de álcool, a qual possuía

exigir concentração específica de

anteriormente a seguinte redação:

álcool no sangue. Isso se deve ao

Art. 306. Conduzir veículo

fato de que o averiguado não é

automotor, na via pública, sob a

obrigado a produzir prova contra si

influência de álcool ou substância de

mesmo (nemo tenetur se detegere),

efeitos análogos, expondo a dano

conforme o Pacto de São José de

potencial a incolumidade pública de

Costa Rica, em seu artigo 8º, do qual

outrem: (Lei nº. 9.503, de 1997,

o Brasil é signatário, e que foi

art.306)

promulgado pelo Decreto nº 678 de

Seguindo

as

regras

da

06 de novembro de 1992:

referida norma bastava que dirigisse

Art. 8. (...) direito de não ser

sob influência de álcool para que se

obrigado a depor contra si mesma,

configurasse crime e, as provas

nem declarar-se culpada. (Anexo ao

podiam ser feitas, na impossibilidade

Decreto nº. 678, de 1992, Art.8, §2º,

de exame de sangue, a partir de

alínea g)

exame clínico ou, na supressão

Destarte fica a autoridade

desta, por meio de testemunha. Com

a

chegada

da

prejudicada face à norma que a lei

manda fazer e o direito individual de

11.705/08 o artigo 306 passa a

não fazer. O elemento probatório se

vigorar com a seguinte redação:

torna inacessível diante da recusa do

Art. 306. Conduzir veículo

motorista em fornecer substância

automotor, na via pública, estando

hematoide para exame de dosagem

com concentração de álcool por litro

ou soprar em bafômetro.

de sangue igual ou superior a 6 (seis)

decigramas,

ou

sob

a 22


1.2 Perigo concreto e perigo abstrato

Diretamente quando a autoridade policial

O artigo 306 do Código de Trânsito

Brasileiro,

com

está

efetivamente

no

exercício de sua atividade funcional.

nova

Indiretamente

quando

a

redação dada pela Lei 11.705/2008,

comunicação se faz através de

exige como resultado da conduta o

qualquer do povo, pelos meios de

perigo

comunicação,

concreto

para

que

seja

pela

vítima,

por

tipificado como crime, ou seja, deve

requisição judicial ou do Ministério

estar sob a influência de álcool e

Público ou nos casos de flagrante

dirigindo

delito por outro funcionário público.

de

causando

forma

perigo

anormal, de

dano

Após a notícia do crime deve a

individualizado.

autoridade

A doutrina majoritária entende

policial

instaurar

o

inquérito policial para que o crime

que é exigência fundamental o

seja apurado.

cometimento das duas condutas

No crime previsto no artigo 306,

para adequação ao tipo penal.

do Código de Trânsito Brasileiro, não

Dessa maneira, não havendo

há outra maneira de apuração

a direção anormal, trata-se apenas

criminal

de infração administrativa, a qual

dosagem alcoólica, isto porque, a lei

tem como sanção suspensão do

expressamente

direito de dirigir e multa.

decigramas de álcool por litro de

Portanto seguindo a teoria

senão

pelo

exame

determina

de

0,6

sangue.

Constitucionalista do delito, trata-se

O

de crime de perigo concreto.

depoimento

testemunhas

ou

de

eventuais

exame

clínico,

realizado por médico legista, não 1. Provas no Processo Penal

podem mais figurar como um dos elementos probatórios, haja vista

A notícia do crime ou “notitia

que estes não são suficientes para

criminis”, ainda que sua ocorrência

determinar a quantidade de álcool no

esteja em estado de suspeita, chega

sangue do indivíduo.

ao

conhecimento

da

autoridade

Em

consonância

com

esse

policial de duas maneiras previstas

entendimento, o Superior Tribunal de

pela

processual:

Justiça julgou Habeas Corpus nº

indiretamente.

166.377 – SP, o qual ensejou no

legislação

diretamente

ou

23


trancamento da ação penal, haja

forma pré-estabelecida, a fim de

vista que o condutor foi submetido

garantir a transparência do trabalho

apenas ao teste clínico, considerado

investigativo.

no

caso

em

epígrafe

como

insuficiente.

Considerações finais 1.1 Exames periciais O O corpo de delito que se

equívoco

legislador ao

cometeu

especificar

a

configura pelo conjunto de vestígios

quantidade de álcool no sangue

deixados pelo crime, se transforma

necessária para que o indivíduo

em provas, entre outros métodos,

fosse enquadrado no artigo 306 do

pelo exame pericial. A dosagem

CTB, tendo em vista que é sabido

alcoólica é um exame pericial feito

por pesquisas cientificas na esfera

por meio de técnicas laboratoriais

da saúde que a quantidade mínima

que determinam com precisão a

de álcool reduz os reflexos e que,

quantidade de álcool presente no

este fato aliado à exigência de se

sangue do indivíduo.

tomar

A coleta do material deve ser

decisões

em

poucos

segundos para uma boa condução

feita por profissionais treinados,

veicular,

normalmente por funcionários do

incolumidade pública. A redação

Instituto Médico Legal, os quais

anterior atendia aos anseios e

condicionarão e transportarão de

deveria ter sido mantida.

24

expõe

ao

perigo

a


Referências BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988. BRASIL. Código de trânsito brasileiro. Brasília, DF: Senado. 1997. CISA. Centro de Informação sobre saúde e álcool. Disponível em <WWW.cisa.org.br>. Acesso em 02 de jun. de 2010. BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Dispõe sobre a promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09. nov. 1992. BRASIL. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Dispõe sobre alterações de dispositivos da lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, Poder Executivo, Brasília, DF, 20.06.2008. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v.1. MIRABETE, Julio Frabbrini. Processo Penal. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 166.377 – SP, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 08 de abril de 2010. GOMES, Luiz Flávio. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

25


A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO “PACTA SUNT SERVANDA” DIANTE DA NOVA TEORIA CONTRATUAL Prof. Me. Sc. CASSEB, Marcelo Casali. Advogado, Professor Licenciado do Curso de Direito da Unifev e Sócio-Gerente da Casseb e Caparroz Sociedade de Advogados

Com

o

dos

individualismo para a função social

Microssistemas Legais, em especial,

que os institutos privados devem

o Código de Defesa do Consumidor,

observar, procurando proteger e

passamos a conviver com textos

atingir

legais

obrigatória,

definidos, atinentes à dignidade da

regrando, muitas vezes, idênticas

pessoa humana e à redução das

relações

desigualdades culturais e materiais.

de

advento

cogência

jurídicas

de

forma

concomitante.

objetivos

sociais

bem

Na realidade, o legislador

Diante

desse

cenário,

despe-se

do

papel

de

simples

passaremos a discorrer sobre até

garante de uma ordem jurídica e

que

social

ponto,

direito,

nós operadores

podemos

marcada

pela

igualdade

a

formal (Conquistada na Revolução

estabilidade dos negócios jurídicos,

Francesa) cujos riscos e resultados

frente à nova teoria contratual.

eram

Antes

de

assegurar

do

passarmos

ao

atribuídos

à

liberdade

individual, para assumir um papel

estudo da problemática, vejamos o

intervencionista,

regime da codificação que reinava

consecução de finalidades sociais

até 2002 e o atual, fundado na Nova

previamente

Teoria Contratual.

tutelando, para tanto, a atividade

O

regime

da

Codificação

voltado

para

estabelecidas

a

e

negocial.

(vigorou até o século XIX) destinava-

Antes

de

avançarmos

se a proteger uma certa ordem

contexto

social, erguida sob a égide do

Contratual, onde prevalece uma

individualismo e tendo como pilares,

nova principiologia, destacando-se:

nas relações privadas, a autonomia

o regime de cláusulas gerais, a

da vontade e a propriedade privada.

interpretação

Contudo, tal ordem, a partir do século

XX,

deslocou-se

dessa

mais

Nova

no

Teoria

favorável,

a

inversão do ônus da prova diante da

do

verossimilhança do pedido ou da 26


hipossuficiência, a proteção da boa-

regras

fé objetiva e a função social do

específicas.

contrato,

faz-se

relações

jurídicas

necessário

Mas como assim? O Código

discorrer sobre a convivência dos

Civil foi revogado? A resposta é não.

microssistemas legais e o Código

Na realidade, os microssistemas

Civil, ambos em consonância com o

legais passam a conviver com o

ordenamento

ordenamento

constitucional

em

vigor.

jurídico

em

vigor

(Código Civil e outros) de forma que Senão vejamos: O regime da

Codificação

foi

de

as relações jurídicas são regradas,

fundamental

concomitantemente, Código

Código

importância num primeiro momento,

Civil,

especialmente quando o direito civil

Consumidor e, estes por sua vez,

brasileiro sequer dispunha de uma

devem

normatização própria.

Federal do Brasil.

respeito

de

pelo

à

Defesa

do

Constituição

Com o passar dos tempos,

A partir daí, especialmente

principalmente após o advento da

após a edição do novo Codex

Constituição Federal de 1988, vários

Civil (2002), passamos a contar com

direitos e garantias foram erigidos a

a sapiência de vários doutrinadores,

dogmas, especialmente no que se

entre eles o Professor Gustavo

refere à proteção do consumidor.

Tepedino(*), que identificam um

Diante dessa abertura e, ao

novo ramo do direito, qual seja, o

mesmo tempo, após tais princípios

direito civil-constitucional, o qual

serem alçados a direitos e garantias

reconhece e incorpora uma Nova

individuais e fundamentais, o regime

Teoria Contratual, tal como o fez o

da codificação passa a sofrer um

Código de Defesa do Consumidor.

revés, especialmente com a edição

Feitos tais esclarecimentos,

de legislações especiais, como: O

necessários a meu ver para o fiel

Código de Defesa do Consumidor, o

entendimento da temática proposta,

Estatuto

do

passaremos, a seguir, a discutir até

Adolescente, a Lei dos Planos de

que ponto prevalece ou não aquilo

Saúde e outros microssistemas, que

que foi tratado e acordado em um

em

negócio jurídico.

da

atenção

Criança

aos

e

princípios

constitucionais em vigor, passam a

Um dos princípios sagrados do Código Civil de 1916 – pacta sunt 27


servanda – deixa de ter eficácia

lugar aos princípios constitucionais

frente à nova sistemática do direito,

(direito civil-constitucional), sem se

calcada nos microssistemas legais,

descuidar

que

microssistemas, os quais regem as

por

sua

vez

incorporaram

garantias nos contratos, como as cláusulas função

gerais

social

da

do

boa-fé,

da

contrato,

da

da

análise

dos

relações jurídicas específicas. Aqui

gostaríamos

de

aprofundar o debate sobre uma

hipossuficiência em favor da parte

questão:

menos

relativização do princípio pacta sunt

favorecida

da

relação

Até

que

ponto

a

servanda compromete a segurança

contratual, entre outros. Estamos, desse modo, diante

jurídica dos negócios?

da relativização do princípio pacta

Um

exemplo

facilitará

a

sunt servanda? Então como fica a

análise da questão. Suponhamos

segurança dos negócios jurídicos?

que uma pessoa jurídica contrate

Num primeiro momento, se

um plano de saúde. Ocorre, que

nos ativéssemos somente ao regime

passados alguns anos, a operadora

da

como

de plano de saúde resolve pôr fim ao

resposta que não, ou seja, aquilo

negócio, utilizando-se, para tanto, de

que foi estabelecido em um negócio

cláusula resolutória expressa. Nessa

jurídico deveria ser cumprido, até

situação, aplicar-se-á o que foi

porque prevalecia o individualismo

pactuado no contrato, ou por se

sobre o aspecto social.

tratar de contrato de trato sucessivo,

Codificação,

teríamos

Entretanto, a nova sistemática é

outra,

fulcrada

intervencionismo,

que

através

da

citada,

equilibrar

jurídicas,

em

um

especialmente

absorvendo

principiologia,

a

nova

especialmente,

a

busca,

função social do contrato, entende

acima

que a conveniência é do contratante

relações

(pessoa jurídica) em manter-se ou

principiologia as

que

quando

não com o contrato?

envolver de um lado um consumidor

A nosso ver, em se tratando

e de outro um fornecedor, ambos

de relação jurídica, onde de um lado

iluminados

está um fornecedor (operadora de

sob

a

égide

do

microssistema do consumidor.

plano

de

saúde)

e

do

outro

do

(consumidor – pessoa jurídica), que

direito civil deve ater-se em primeiro

não pode se arvorar da alegada

A

atual

interpretação

28


hipossuficiência

ou

mesmo

Assim sendo, seria temerário,

fragilidade, há de prevalecer o que

para nós operadores do direito,

fora

defender de forma indiscriminada a

contratado,

respeitando-se,

assim, o pacta sunt servanda. Tal

ao

a Nova Teoria Contratual. O que não

contrário, é diferente em se tratando

podemos deixar de admitir é que o

de contratante pessoa natural, uma

direito civil foi passado a limpo, pois

vez

saiu de um regime codificado (onde

que

entendimento,

total relativização dos contratos, face

em

jurisprudência abusividade

tais se

casos inclina

do

a na

prevalecia

rompimento

o

contratado)

individualismo

para

um

regime

unilateral, fundado no argumento da

intervencionista (fundado na função

hipossuficiência e na fragilidade do

social do contrato), onde há vários

usuário/contratante. (Artigo 51, XI da

microssistemas regrando, de forma

Lei n.8078/90 - CDC)

concomitante, as relações jurídicas

Vejamos que a análise deve

específicas, iluminados pelo direito

se ater a cada caso concreto.

civil-constitucional.

Tivemos em 1999 uma verdadeira

Por

fim,

rogamos

aos

enxurrada de ações de revisão

julgadores que a aplicação dos

contratual,

regramentos

face

a

abrupta

Em muitos casos, houve ganho de

constitucional,

causa aos consumidores, sob a

desprezar a hodierna principiologia,

alegação da onerosidade excessiva.

fundada na Nova Teoria Contratual,

Contudo, em outros casos os bancos

que deve atentamente analisar cada

foram

que

caso, para que verdadeiramente não

comprovaram que os tomadores dos

coloquem em risco a segurança

empréstimos (na maioria contratos

jurídica dos contratos ultimados ao

de leasing) se beneficiaram pelas

seu tempo.

taxas de juros mais baixas, no momento da contratação.

29

sem,

visão

ser

precedida

posto

uma

deve

desvalorização da moeda nacional.

vitoriosos,

de

vigentes

civil-

contudo,


Referências TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ______. Problemas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. OLIVEIRA, James Eduardo. Código de defesa do consumidor: anotado e comentado. São Paulo: Atlas, 2004.

30


A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA E A FERTILIZAÇÃO POST MORTEM PELA ÓTICA DO DIREITO SUCESSÓRIO BRITO, Déborah Cristiane Domingues de - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. FACIONI, Fernando Alberto de Jesus Lisciotto - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. GALHARDI, Antonieta - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. NASCIMENTO, Emily Medeiros - Discente do 6º período do Curso de Direito da Unifev –Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A impossibilidade de reprodução humana ainda é considerado um tabu em nossa sociedade. Trata-se de uma problemática que tem sido muito discutida em diversas áreas de conhecimento. A infertilidade, além de ensejar muitas crises conjugais e preconceitos sociais motivou inúmeras discussões quanto às possibilidades de se resolvê-la. Com o desenvolvimento de pesquisas cada vez mais modernas, visando um aprofundamento do conhecimento científico tem-se buscado a solução para os problemas de infertilidade. O presente artigo visa estudar a questão da inseminação post mortem (pós morte), que trata-se da possibilidade de utilizar a fertilização in vitro de gametas da pessoa morta, que tenha deixado em vida, sêmen ou óvulo congelado para esta finalidade, mas que não chegou a utilizá-la. A questão primordial da inseminação post mortem referese aos efeitos sucessórios que esta nova vida vai trazer para o nosso ordenamento jurídico, não preparado para esta situação.

Palavras-chave: Reprodução Medicamente Assistida. Fecundação post mortem. Direito Sucessório. Necessidade de Regulamentação.

31


relações humanas é composta por

Introdução

diversos enigmas e fatores que apesar de serem compreendidos

Diante das relações jurídicas

isoladamente se interagem e se

criadas a partir do desenvolvimento

integram, tendo como uma de suas

de técnicas científicas que buscam solucionar

os

problemas

infertilidade

criou-se

uma

principais

de

A reprodução humana, além esplêndido

no que concerne à fecundação post

áreas

O objetivo deste trabalho é,

crises

da necessidade da regulamentação

interpretação

sistemática

conjugais

e

preconceitos

Como frisa Waldemar Naves

como

do Amaral: Os

e princípios gerais de direito. também

A

discussões.

subsídio os preceitos constitucionais

Far-se-á,

conhecimento.

sociais, motivou bastante essas

jurídica

partindo-se de uma interpretação utilizando

de

infertilidade além de ensejar muitas

pois, construir um raciocínio acerca

principiológica,

e

sido muito discutida nas diversas

esta nova realidade fática.

relação

natural

problemática que ultimamente tem

momento a regulamentação para

de

instinto

instrução mandamental divina[1], é

mortem, pois não há até o presente

tipo

à

procriação.

certa

instabilidade jurídica, principalmente

desse

consequências

números

do

Censo

apontam que a taxa de fecundidade

uma

brasileira

do

diminuiu

drasticamente

desde os anos 40 e 50, quando a

ordenamento jurídico, considerando

média de filhos por mulher era de

às disposições legais de Direito de

6,2. Em 1960 subiu para 6,3, com

Família e Sucessório, além da

quedas em 1970 para 5,8 e 4,4 em

interpretação comparada do Direito.

1980. Na década de 90 o número 1.

Da

reprodução

assistida:

passou para 2,9, chegando a 2,3 no

medicamente

conceito

ano

e

2000.

(2009,

p.

106-107).

Segundo dados da Organização

particularidades.

Mundial de Saúde, entre 8% a 15% dos casais têm algum problema de

A família enquanto célula

infertilidade durante sua vida fértil,

fundamental da sociedade e das

definida 32

como

a

ausência

de


gravidez após 12 meses de relações

sexual. Já a heteróloga ocorre

sexuais regulares, sem uso de

quando o espermatozoide ou óvulo

contracepção. (2009, p. 114)

utilizado provier de um doador

A reprodução medicamente

estranho ao casal. Esta é utilizada

assistida trata-se de um conjunto de

quando o casal não consegue colher

técnicas que buscam facilitar a

o seu próprio material para realizar a

fecundação,

fertilização.

implantando

artificialmente espermatozoides ou embriões humanos no

Na Idade Média tem-se os

aparelho

primeiros relatos de inseminação

reprodutor de mulheres receptoras.

artificial bem sucedida em humanos,

As técnicas de reprodução assistida

feita

se resumem, basicamente, em duas

Villeneuve.

modalidades:

primeira

experiências nesta área somente em

denominada inseminação artificial in

animais. Ressalta-se que em junho

vitro trata-se daquela em que o

de 1.978 nasceu a primeira criança

espermatozoide

de proveta, concebida através da

a

é

introduzido

pelo

médico

Arnaud

Antes

disto,

de

havia

fertilização in vitro.

através de uma sonda no aparelho reprodutor feminino. Já a segunda é

No Brasil, a tecnologia estava

a chamada fertilização in vitro, onde

disponível

ocorre a fecundação em laboratório,

contudo somente em 1.992, foi

sendo juntado o espermatozoide ao

elaborado pelo Conselho Federal de

óvulo em um tubo de proveta (razão

Medicina

da expressão bebê de proveta),

regulamentar

transplantando-se

o(s)

assistida. Em 11 de novembro

embrião (embriões) no útero da

daquele ano, foi editada a Resolução

futura mãe.

1.358/92,

depois

desde

os

uma

norma a

que

anos

80,

para

reprodução

estabelecia

os

A reprodução assistida pode

critérios a serem observados, dentre

ainda ser homóloga ou heteróloga,

eles, o limite máximo de quatro

considerando a origem dos gametas.

embriões a serem implantados na

É homóloga quando o material

fertilização artificial; a proibição da

genético

escolha

pertence

ao

casal

do

sexo

do

interessado e utilizada quando este

excepcionalmente

casal possui fertilidade, mas não

casos de doenças hereditárias; a

obtém a fecundação através do ato

obrigatoriedade do consentimento 33

permitida

bebê, nos


para

os

procedimentos

dos

Por se tratar de um assunto

pacientes e de doação de gametas,

muito delicado ainda não há muita

garantido

disseminação na matéria no direito

o

anonimato

dos

doadores; além da proibição da

comparado.

vinculação comercial ou lucrativa,

No direito alemão e sueco é

em caso de gestação de substituição

vedada a fertilização artificial post

(casos

mortem, sendo o direito francês

usualmente

conhecidos

como “barrigas de aluguel”).

também partidário dessa vedação, estabelecendo

2. Da fertilização post mortem

ainda

que

o

consentimento externado para os métodos de reprodução assistida,

A

fertilização

post

externado

mortem, ultimamente tem sido a

quando

questão

consentiu.

mais

polêmica

em

se

em

da

vida,

morte

é

ineficaz

daquele

que

tratando de reprodução humana

Já a Espanha também veda a

assistida, pois alguns casos vem

inseminação artificial após a morte

sendo expostos na mídia, e por tal

do titular do material biológico, mas

motivo,

uma

garante direitos ao nascituro, quando

verdadeira comoção social, pois

contiver declaração por escritura

aquele material genético deixado em

pública ou testamento. Na Inglaterra

vida por uma pessoa casada ou não,

é permitida a fecundação post

pode este material ser utilizado após

mortem,

sem

a sua morte?

exceto

se

vem

Este

trazendo

assunto

é

muito

efeito

sucessório,

houver

disposição

expressa em documento.

polêmico e gera consequências em vários ramos do direito, dentre eles o

3.

Princípios

fundamentais

à

Direito Constitucional, o Direito de

possibilidade de fertilização post

Família, o Direito Sucessório, além

mortem

do próprio direito de personalidade

3.1. Princípio da dignidade da

desta criança.

pessoa humana

2.1. A fertilização post mortem no

A

direito comparado

dignidade

da

pessoa

humana é fundamento da República Federativa do Brasil, conforme versa 34


a Constituição Federal em seu art.

estabelece que todas “as ações

1º, III e deve ser considerada em

relativas às crianças, levadas a

toda e qualquer relação humana e

efeito

jurídica. É um direito assegurado a

administrativas

todos, tendo como escopo a garantia

legislativos,

às pessoas do bem estar e do

primordialmente, o interesse maior

necessário para uma qualidade de

da criança”.

vida decente.

por

autoridades ou

devem

órgãos considerar,

Ficou, portanto, incorporado

Garante

finalísticamente

o

no nosso ordenamento jurídico, em

direito à vida, pois o homem sem

caráter definitivo, o princípio do

dignidade não tem gosto pela vida, é

melhor interesse da criança, que

como tivesse perdido sua vontade de

busca a solução de conflitos que

viver, seu valor. [2]

envolvam crianças.

Sendo

embriões

Não obstante a esse princípio,

pertencentes à mesma natureza de

em todas as relações jurídicas que

pessoas humanas que já nasceram,

envolva o interesse de crianças

não

deve-se

se

os

pode

destituí-los

da

observar

os

preceitos

dignidade, e quaisquer atitudes que

constitucionais

constantes

nos

venham atingir negativamente um

arts.

ser humano, ainda que não nascido,

Federal e a Lei 8.069 de 13 de Julho

mas que goza da mesma proteção

de 1.990 – Estatuto da Criança e do

dos que nasceram, consiste em

Adolescente (ECA), dispositivos que

manifesta lesão à Constituição.

preceituam os direitos fundamentais

5º e 227 da Constituição

da Criança e promovem a proteção 3.2. Princípio do melhor interesse da

devida a eles.

criança 3.3. Princípio da isonomia e a Foi

ratificada

no

Brasil,

igualdade entre filhos

através do Decreto 99.710/90 a Convenção

Internacional

dos

A igualdade é um princípio

Direitos da Criança, aprovada em 20

fundamental

de

norteador de todas as relações

Novembro

Assembleia

de

Geral

1.989 das

na

Nações

interpessoais,

Unidas. Em seu art. 3.1 a Convenção

texto 35

constitucional,

estabelecido

constitucional

em

pelo seu


preâmbulo, implicitamente no art. 3º,

discriminatórias relativas à filiação. O

IV, e também no art. 5º, caput sendo

Estatuto

que isonomia significa igualar as

Adolescente em seu art. 20 e o

pessoas

Código Civil (Lei 10.406 de 10 de

na

igualdade

e

desigualdade. [3]

da

Criança

e

do

Janeiro de 2.002), também aderiram

Assim, versa o princípio que

ao dispositivo.

quando da elaboração da norma, o

Assim, resta evidente que do

legislador deve considerar todas as

mesmo jeito que não se pode

diferenças existentes na sociedade,

diferenciar os filhos conjugais dos

devendo, contudo, assegurar todos

extraconjugais,

os direitos fundamentais da pessoa

diferenciar aqueles que nasceram

humana previstos na Constituição e

antes e aqueles que nasceram

também nas demais leis de nosso

depois da morte do genitor.

não

se

pode

ordenamento jurídico. Como Bresciani

observa Rigo,

Gabriella

ao

citar

4. Presunção da Paternidade

o

entendimento de Cristiane Beuren

A

possibilidade

de

fecundação post mortem decorre

Vasconscelos: O embrião é, pois – em virtude

das

modernas

técnicas

de

do princípio da igualdade, fundado

reprodução assistida, que permitem

no respeito à vida e à sua dignidade

a criopreservação de gametas ou

-, pessoa humana e, como tal,

pré-embriões

merece proteção de forma absoluta

utilização.

e

irrestrita

contra

para

eventual

qualquer

Nesse sentido, o Código Civil

desrespeito à sua identidade e

de 2002, acrescentou três incisos ao

integridade, incidindo sobre ele e

artigo 1.597, quais sejam:

oponível erga omnes o mandamento constitucional

da

(VASCONSCELOS,

Art.

igualdade. 2006,

concebidos

p.

de

na

Presumem-se constância

do

casamento os filhos:

116 apud RIGO). Além

1.597.

(...) versar

sobre

a

III - havidos por fecundação

isonomia, a Constituição em seu art.

artificial

227, § 6º, destaca a igualdade entre

falecido o marido;

os filhos, proibindo designações 36

homóloga,

mesmo

que


IV - havidos, a qualquer

criopreservados,

em

caso

de

tempo, quando se tratar de embriões

divórcio, doenças graves ou de

excedentários,

falecimento de um deles ou de

decorrentes

de

concepção artificial homóloga;

ambos, e quando desejam doá-los.”

V - havidos por inseminação

Do

mesmo

modo,

o

artificial heteróloga, desde que tenha

Enunciado nº 106 do Conselho de

prévia autorização do marido

Justiça Federal institui que “para que

Embora tenha havido uma

seja presumida a paternidade do

certa preocupação dos legisladores

marido falecido, será obrigatório que

em tutelar a inseminação, não se

a mulher, ao se submeter a uma das

tem dúvida que houve uma omissão,

técnicas de reprodução assistida

pois

nem

com o material genético do falecido,

reprodução

esteja na condição de viúva, sendo

não

autorização,

regulamentação

da

assistida post mortem, constatando-

obrigatório,

se

tema.

autorização escrita do marido para

Segundo o doutrinador Sílvio de

que se utilize seu material genético

Salvo Venosa, o Código Civil de

após sua morte.”

aqui

a

novidade

do

2002 se mostra omisso, pois “não autoriza

nem

regulamenta

ainda,

que

haja

Assim, evita-se que a viúva

a

utilize

indevidamente

o

sêmen,

reprodução assistida, mas apenas

como, por exemplo, em detrimento

constata lacunosamente a existência

de determinado herdeiro necessário.

da

dar

Todavia, mesmo existindo alguns

da

Enunciados neste sentido, não há

problemática

solução

e

ao

procura

aspecto

paternidade.” (2005, p. 256).

disposição dos efeitos sucessórios

A fim de delimitar a utilização

dessa reprodução, pois com a

das técnicas de reprodução artificial

possibilidade de a mulher utilizar o

após o falecimento do marido ou

sêmen do marido falecido, se o filho

companheiro,

o

que não era sequer concebido no

Medicina,

momento da abertura da sucessão,

através da Resolução nº 1.358/92,

como ele poderá herdar os bens do

que “os cônjuges ou companheiros

falecido. Mas em contrapartida ele

devem expressar sua vontade, por

também é herdeiro e não poderá ser

escrito, quanto ao destino que será

preterido.

Conselho

dado

estabelece

Federal

aos

de

pré-embriões 37


Não resta dúvida que trata-se

Civil,

que

assim

preceitua:

“legitimam-se a suceder as pessoas

de uma questão muito polêmica.

nascidas

ou

concebidas

no

momento da abertura da sucessão”.

5. Filiação e o Direito Sucessório

O legislador ao elaborar o Quanto à filiação, em relação

artigo

supra

mencionado,

não

à inseminação artificial post mortem,

cogitou

não há discussão, já que o material

aplicados à reprodução humana,

genético

do

apenas reproduziu o artigo 1.718 do

próprio casal interessado no projeto

Código Civil de 1916, não trazendo

parental;

no

previsão do futuro filho não ter

inciso III, do artigo 1.597 do Código

nascido ou sequer ter sido concebido

Civil de 2.002, a filiação da criança,

no

gerada, independente de quando

sucessão. Certamente em 1916 isto

ocorrer o nascimento – apesar da

era

omissão do texto legal.

pensado, mas em 2002 já se sabia

fornecido

sendo

provém

assegurado,

os

avanços

momento

algo

da

científicos

abertura

inconcebível,

da

sequer

No campo sucessório surgem

dos avanços da ciência quanto à

controvérsias em relação ao tema

possibilidades de inseminações post

abordado,

mortem.

questionando-se

a

capacidade sucessória da criança

Segundo o artigo 1.787 do

nascida no caso de inseminação

Código Civil, a transmissão da

póstuma, já que a criança será

herança se dá no exato instante da

concebida após a morte do pai.

morte,

Dada

a

regulamentação,

carência

legítimos

ou

os

herdeiros,

testamentários,

conflito

automaticamente, a propriedade e a

entre a determinação da presunção

posse dos bens que compõem o

de paternidade dos filhos concebidos

acervo

a qualquer tempo, e da norma que

tenham capacidade para suceder.

prevê que a abertura da sucessão se

Logo, não basta a simples invocação

dá com a morte, quando os direitos e

do direito legítimo ou testamentário,

deveres

é preciso ter legitimação sucessória.

são

ocorre

de

adquirindo

transmitidos

aos

hereditário,

a

que

herdeiros, os quais já devem estar

Sendo

nascidos ou concebidos, segundo o

sucessória é impedimento legal para

disposto no artigo 1.798 do Código

adir à herança. 38

assim,

desde

incapacidade


A aptidão para receber a

Uma

possível

solução

herança deixada pelo de cujus é a do

plausível para que este filho não

tempo da abertura da sucessão, ou

fique desamparado, diz respeito à

seja, no momento da morte, e, para

possibilidade de valer da ação de

apurá-la

observar

petição de herança, conforme o

determinados pressupostos que são:

artigo 1.824 do Código Civil, no

morte

herança;

prazo prescricional de 10 anos a

sobrevivência do sucessor; herdeiro

contar da abertura da sucessão,

pertencente

segundo o artigo 205 do Código

é

do

preciso

autor

à

da

espécie

humana;

herdeiro legítimo ou testamentário. A

questão

Essa hipótese garante direitos

controvertida acerca da fertilização

sucessórios, mas de certa forma

artificial homóloga post mortem trata-

obriga a viúva, caso essa queira que

se da capacidade sucessória da

o seu filho tenha direito à herança

criança concebida nesta técnica de

do de cujus, a se submeter à

reprodução

a

inseminação antes do prazo de 10

herança se transmite no instante da

(dez) anos a contar da morte do

morte do autor da herança.

marido ou companheiro. Mas se, por

Assim

grande

Civil.

assistida,

sendo,

exemplo,

o

nunca poderá herdar, pois não tem

falece

e

capacidade sucessória para tanto. A

esposa/companheira de 22 (vinte e

permissão

post

dois) anos e essa só quer ter filho

mortem gera insegurança jurídica

após os 35 (trinta e cinco) anos de

aos herdeiros existentes ao tempo

idade,

da sucessão que, poderão ter seu

inseminação post mortem se ele

direito a sucessão cerceado, em

deixou

virtude de eventual possibilidade de

nesse sentido, contudo essa criança

nascimento de outro herdeiro.

não

da

o

que

embrião

reprodução

No entanto, se é permitida a

tutelar

deixa

poderá

ela

fazer

manifestação

poderá

uma

a

expressa

pleitear

direitos

sucessórios, pois decorrido o prazo

inseminação póstuma no Brasil, eles devem

marido/companheiro

de dez anos da morte do pai.

possíveis

Contudo, o tema não se refere

consequências sucessórias, pois se

apenas à legislação ordinária, pois

assim não for, não se poderá mais

implica

aceitar a inseminação post mortem. 39

na

colisão

de

direitos


constitucionais

e

no

juízo

de

que

valoração.

permitem

a

solução

das

antinomias e omissões legais. Além disso, deve-se observar o melhor interesse da criança. Não se pode permitir que os direitos

Considerações Finais

sucessórios

destes

filhos

o

gerados post mortem, lhes sejam

progresso científico não pode ser

suprimidos simplesmente porque o

interrompido, haja vista a demanda

ordenamento jurídico não está apto

social

em

a validar todas as relações jurídicas,

detrimento da vida e saúde humana;

por não reconhecer a capacidade

necessário se faz regulamentar os

sucessória destes nascituros.

Conclui-se

e

o

assim

que,

aproveitamento

procedimentos

Mas o que não se pode

empregados,

permitir é que se lese a dignidade da

considerando os riscos envolvidos. Não

obstante

regulamentação

de

pessoa humana, violando os direitos

reprodução

dos nascituros a natureza de pessoa

à

da

falta

o

humana dos embriões, os tratando

falecimento daquele que se colheu o

como se coisas fossem, que nas

material biológico para utilização nas

relações jurídicas podem ficar à

técnicas

mercê da inércia do legislador, sem

medicamente

assistida

de

após

fecundação,

a

hermenêutica jurídica subsidia aos

sofrerem

qualquer

aplicadores

negativa

em

(e

também

aos

fundamentais.

criadores) da norma vários métodos

40

seus

implicação direitos


Referências AMARAL, Waldemar Naves do. PETRACCO, Álvaro. FREITAS, Vilmon de. História da reprodução humana no Brasil. Goiânia: Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Decreto nº 99.710 de 21 de Novembro de 1.990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1.990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. DIREITO NET, artigos. FAVILLA, Yargo Oliveira. Inseminação artificial no Código Civil de 2002. Analisa o instituto da inseminação no âmbito do novo Código Civil, não só como uma visão técnico-doutrinária, mas também no âmbito social e legal. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4652/Inseminacao-artificial-noCodigo-Civil-de-2002> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. FERREIRA, Fábio Alves. Vivendo sem respirar, morrendo sem chance de nascer. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. MARQUES, Alessandro Brandão. Questões polêmicas decorrentes da doação de gametas na inseminação artificial heteróloga. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 92, 3 out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. NAKAMURA, Milton. ALBANO, Aulus M. TROUNSON, Alan. WOOD, Carl. GIANAROLLI, Luca. CONTI, Ângelo. YAO, Chung Kin. Fertilização in vitro e microcirurgia tubária. São Paulo: Editora Roca, 1.984. RECANTO DAS LETRAS, UOL. PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Reprodução Assistida: Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem e o Direito Sucessório. Versa sobre os efeitos da Reprodução Assistida Homóloga no Direito Sucessório. Disponível em:

41


http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/879805> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. RIGO, Gabriela Bresciani. O Status de Filho Concebido Post Mortem Perante o Direito Sucessório na Legislação Vigente. Versa sobre a Fecundação post mortem e as consequências jurídicas. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/obras/monografias/3849-ostatus-de-filho-concebido-post-mortem-perante-o-direito-sucessorio-nalegislacao-vigente.html > Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia. São Paulo: Atlas, 2006. VIAJUS, artigos. Caggy, Milena. Inseminação artificial post mortem. Faz um estudo da inseminação artificial post mortem, e seus efeitos no mundo jurídico. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1712> Acesso em: 01 de Outubro de 2.010 às 23:00hs. VENOSA, Silvio Salvo, Direito civil: direito das sucessões. São Paulo: Atlas. 5. Ed. 2005. [1] Gênesis 1:28; 9:1 [2] Kant já dizia: “Cada coisa tem o seu valor; ser humano, porém tem dignidade”. [3] Rui Barbosa foi quem definiu mais perfeitamente o conceito da isonomia: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade[...] Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

42


DESINDICIAMENTO FIGUEIREDO, MARIA DIRCE BERTOLAIA DE - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Com o surgimento das cidades as pessoas passaram a viver em sociedade, ocasionando, assim, mais atritos, cobiça, desigualdade, tornando-se mais frequentes os delitos, sendo necessário o estabelecimento de penas aos crimes cometidos. O direito de punir (jus puniendi) surge para o Estado quando um indivíduo pratica um crime, e para exercer tal direito o Estado depende do devido processo legal, e este, por sua vez, depende de um mínimo de provas, ou seja, depende de elementos de materialidade e indícios de autoria. O Inquérito Policial é o instrumento realizado para reunir esse mínimo de provas, e após sua instauração existe inúmeras diligências a serem realizadas pela autoridade policial, entre elas, o indiciamento do averiguado, tornando-o oficialmente suspeito de ter cometido uma infração penal. Uma vez ausente qualquer fundamento para o formal indiciamento do suspeito, pode-se impetrar Habeas Corpus preventivo perante o órgão competente, porém, não sendo concedida a liminar restará consumado o prejuízo com o indiciamento do suspeito. Entretanto, em decorrência das consequências que geram na vida pessoal do indiciado requer-se um estudo mais abrangente, analisando, além da obrigatoriedade da autoridade policial em fazer tal procedimento, as formas possíveis de tornar tal ato não perene, que é o desindiciamento. Para a realização da pesquisa será empregado o método dialético com a análise de diversas posições doutrinárias sobre o tema, bem como também pesquisa de campo.

Palavras-chave: Desindiciamento. Inquérito policial. Formal indiciamento. 43


sociedade, segundo Tourinho Filho

Introdução

(2009),

cabendo

a

esta

a

O presente trabalho tem por

organização das pessoas para obter

objetivo analisar os efeitos do formal

fins comuns. Porém, para que haja a

indiciamento na vida pessoal dos

subsistência

suspeitos para se conhecer as

necessário um poder que restrinja as

consequências de um indiciamento

condutas humanas, senão cada um

prematuro, que os torna oficialmente

faria o que quisesse, invadindo,

acusados de terem cometido uma

assim, a esfera de liberdade do

infração

será

outro. Os Homens organizaram-se

desenvolvido em três etapas. Na

em Estado para visar à continuidade

primeira, analisa-se o conceito e a

da vida em sociedade, à defesa das

classificação dos delitos, isto é, os

liberdades individuais, ou seja, o

elementos utilizados para conceituá-

bem estar geral.

penal.

Ele

da

Quando

los e que o legislador empregou para

sociedade

conflitos

é

de

regulamentá-los. A segunda parte

interesses surge a lide, que é a

está relacionada com a formação do

pretensão

Inquérito

suas

subordinação de um interesse alheio

último,

ao interesse próprio. Para a solução

Policial

características.

e Por

à

exigência

de

de

do litígio de forma pacífica e justa é

procedimento do indiciamento e

necessário que ficasse a cargo de

como tal ato interfere na vida pessoal

um terceiro, que é o Estado.

examinaremos

as

formas

O Estado passa a tutelar os

do suspeito, infringindo o princípio da dignidade humana, para que, na

bens

conclusão,

melhor

normas penais, e sua violação

solução a ser aplicada, que é o

caracteriza ilícito penal ou infração

desindiciamento.

penal. Cabe ao Estado, por meio de

busque-se

a

seus

e

interesses

órgãos,

ao

através

ocorrer

das

uma

infração penal, que tome a iniciativa

1. Dos delitos

de prevenir e reprimir os atos que são lesivos aos interesses e bens

O Homem não consegue viver

tutelados.

sozinho, por isso, para a sua

Para a manutenção da ordem

sobrevivência, passa a viver em

pública cada ser humano cede uma 44


parcela de sua liberdade, e, reunindo

em um conjunto de diligências

todas as parcelas surge o direito de

realizadas pela polícia investigativa

punir, no entanto as penas impostas

para a apuração da infração penal e

além

serão

da sua autoria, destinando-se a

consideradas injustas. De acordo

servir de base para uma futura ação

com Beccaria (2004, p. 20): “[...]

penal, conforme preceitua o art. 12,

apenas as leis podem indicar as

do Código de Processo Penal, a fim

penas de cada delito e que o direito

de possibilitar que o titular da ação

de estabelecer leis penais não pode

penal, que será o Ministério Público

ser senão da pessoa do legislador,

ou o ofendido, possa ingressar em

que representa toda a sociedade

Juízo.

da

necessidade

ligada por um contrato social”.

Quando há um mínimo de

Assim, o legislador apenas pode

elementos a autoridade policial deve

fazer leis gerais, devendo todos

instaurar

obedecerem, não podendo o juiz

conforme o artigo 5º, § 3º, do Código

aplicar uma pena que não esteja

de Processo penal, sendo que a

estabelecida na lei.

reunião de tais elementos de provas

Há três tipos de delitos: os que

atentam

Inquérito

Policial,

só servem para a propositura da

à

ação penal, jamais para sustentar

destruição da sociedade; os que

uma condenação. Como as provas

afetam o cidadão, em sua existência,

não foram colhidas sob a égide do

seus bens e sua honra; e os que são

contraditório e da ampla defesa, o

atos

lei

juiz não pode fundamentar sentença

determina ou proíbe, tendo em mira

condenatória baseando-se somente

o bem público. Não pode ser

nelas, sendo a única exceção o

considerado como delito o que não

Tribunal do Júri. No caso de exames

se enquadra em tais classificações.

periciais o contraditório será diferido,

contrários

diretamente

o

ao

que

a

não existindo nulidade no Inquérito 2. O Inquérito Policial

Policial, pois se trata de peça meramente informativa.

O Inquérito Policial é um procedimento

Segundo preceitua o artigo

administrativo

20, do Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no

inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, que consiste

inquérito 45

o

sigilo

necessário

à


elucidação do fato ou exigido pelo

mediata, é quando a autoridade

interesse da sociedade”.

policial

Porém, o sigilo vigora para a

toma

conhecimento

da

infração penal por meio de um

autoridade judiciária, membros do

expediente

Ministério

advogado,

representação do ofendido ou seu

cabendo Mandado de Segurança

representante legal (notitia criminis),

contra a autoridade policial que

que é de cognição mediata.

Público

e

proibir o advogado de consultar

escrito;

Por

ou

observância

de

à

autos de Inquérito Policial, ou, até

obrigatoriedade do Inquérito Policial

mesmo Habeas Corpus (julgado

a autoridade policial está obrigada a

atual), pois há prejuízo da liberdade

atender à requisição, e não porque

do indiciado por cerceamento de

se trata de uma ordem, havendo

defesa.

quem entenda (minoritariamente),

O poder discricionário está presente

no

estando

a

Inquérito

que a requisição do magistrado fere

Policial,

o Princípio da Imparcialidade e o

discricionariedade

sistema acusatório.

relacionada com as diligências a

A prisão em flagrante é uma

serem realizadas pela autoridade

das

policial (artigo 14, do Código de

Policial,

Processo Penal), devendo, esta

criminis, de cognição coercitiva, e

autoridade, proceder as diligências

acontece

que entender necessárias para a

policial toma conhecimento do fato

obtenção de provas.

pela apresentação do suspeito preso

diversas

do

chamado

quando

Inquérito

de

a

notitia

autoridade

de

em flagrante, e, neste caso a peça

instauração do Inquérito Policial

inicial será o Auto de Prisão em

podendo ser: de Ofício (notitia

Flagrante. Há também a notícia

criminis),

oferecida por qualquer um do povo,

que

é

formas

características

de

cognição

chamada de delatio criminis.

imediata, é quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso

meio

diligências

investigatórias, para a oitiva do

iniciando-o

indiciado, no item V, do artigo 60, do

através de Portaria; de Requisição

CPP, consta que “o interrogatório do

de Juiz ou do Ministério Público

indiciado deve ser realizado, no que

(notitia criminis), que é de cognição

couber, nos moldes do interrogatório

rotineiras,

de

às

suas

atividades

por

Quanto

46


judicial”. Como o contraditório na

indiciadas sem a autorização prévia

fase policial não existe então não é

do Ministro Relator do Inquérito

necessário advogado nesta fase,

Policial.

sendo assegurado ao indiciado o

O

direito

ao

silêncio,

inclusive,

mentir

podendo,

durante

o

interrogatório.

procedimento

de

investigação

mediante

policial

possui roteiro

não

inquérito pré-

definido, as providências e rumos da

Na conclusão do Inquérito

investigação

ficam

a

cargo

Policial é feito, pela autoridade

discricionariedade

policial,

policial que a preside. No entanto, a

um

minucioso

acerca

das

desenvolvidas

relatório diligências

na

apuração

lei

da

entendeu

algumas

infração penal (art. 10, § 1º, CPP),

da

da

por

poucas

autoridade

bem

tipificar

medidas

pré-

processuais.

não existindo juízo de valor em tal

O ato de indiciamento, que

relatório, pois é o Ministério Público

também é chamado de indiciação,

quem fica incumbido de formar

não

a opinio delict.

pormenorizado

é

Processo 3. O indiciamento

expressamente pelo

Código

Penal,

de

porém,

foi

padronizado pela prática policial como uma das “formalidades de indiciamento”,

Indiciar é atribuir a autoria de

sendo

compostas

uma infração penal a uma pessoa,

pelo Despacho de Indiciação, Auto

para isto é necessário prova da

de Qualificação e Interrogatório,

materialidade e indícios de autoria.

Boletim

Existe o indiciamento direto, que é

Prontuário de Identificação Criminal.

quando o acusado está presente, e o

Quando a autoridade policial

de

Pregressa

constata

ele está ausente. Em regra, qualquer

infração penal e descobre o autor e

pessoa pode ser indiciada, exceto

partícipes

membros

necessariamente,

magistratura

e

existência

do

de

e

indiciamento indireto, que é quando

da

a

Vida

fato,

uma

deve,

indiciá-los.

O

membros do Ministério Público, bem

indiciamento é ato formal da Polícia

como as pessoas que possuem foro

Judiciária,

privilegiado

de

principal a conversão do status de

função, não podendo estas serem

sujeito passivo do “investigado” para

por

prerrogativa

47

que

tem

por

efeito


“indiciado”,

significando

maior

polícia

para

ser

formalmente

sujeição à investigação preliminar e

indiciado, por ser um dos suspeitos

insinuação da adoção de medidas

de ter infringido o artigo 16 da Lei de

pré-processuais invasivas, conforme

Imprensa. Alegou seu advogado, o

o caso. Um outro efeito, que também

Dr.

é de natureza prática, é o registro da

(FOLHAONLINE, 2003):

imputação nos assentos pessoais do

Adriano

[...]

Sales

o

Vanni

indiciamento

indiciado, nos termos do artigo 23,

representaria um constrangimento

do CPP.

desnecessário, uma vez que se trata

Referente à identificação do

de crime de pequeno potencial

acusado (item VIII, do artigo 6º, do

ofensivo, que não gera antecedente

CPP),

criminal para réu primário [...]

a

Constituição

Federal

autoriza a identificação criminal,

[...] o indiciamento marca

salvo quando o indiciado tiver sido

qualquer pessoa [...]

civilmente identificado. Entretanto o

No caso acima o Habeas

artigo 5º, LVIII, da Constituição

Corpus preventivo foi deferido, assim

Federal/1988, que é uma norma de

evitou que o apresentador fosse

conteúdo

permitindo,

indiciado antes de ser interrogado no

assim, que norma infraconstitucional

Inquérito Policial, tendo o Tribunal

trace as hipóteses de identificação

determinado à autoridade policial

criminal, mesmo sendo civilmente

que o ouvisse em Declarações e não

identificado

o indiciasse naquele momento.

10.054/00

limitado,

o vem

acusado.

A

lei

complementar a

Também pode-se requerer o

norma constitucional, trazendo um

trancamento do inquérito policial,

rol dos crimes que é obrigatória a

como é o caso do Declarante H.D.A,

realização da identificação criminal.

advogado, que impetrou Habeas

Para evitar que haja o formal

Corpus

para

indiciamento no Inquérito Policial

inquérito

policial

pode-se impetrar Habeas Corpus

indiciado (processo n. 318/2009 do

preventivo, sendo este raramente

5º Ofício Judicial de Votuporanga-

deferido. Como exemplo temos o

SP),

caso do apresentador de televisão

investigado, por ter cometido, em

Gugu Liberato, ocorrido em 2003, o

tese, o crime previsto no art. 171, do

qual foi intimado pelo delegado de

Código Penal (estelionato), e foi 48

no

qual

trancamento antes

estava

de

do ser

sendo


ouvido como declarante. A liminar foi

Considerações finais

deferida em 26/08/2009, no Habeas Corpus n. 990.09.204569-5, 2ª Câm.

Conclui-se pelo exposto que o

de Direito Criminal do TJSP, p.2/4,

indiciamento não é ato arbitrário e,

no qual foi ministro relator Ronaldo

para ser levado a efeito, a autoridade

César Moreira da Silva[1].

deve possuir indícios fortes da

Entretanto, na maioria das

ligação entre o indivíduo e a conduta

vezes o que acontece, como já dito,

penal, não podendo escolher entre

é o indeferimento da liminar, que é o

indiciar ou não, preenchidas as

que ocorreu no Inquérito Policial

condições exigidas por lei deve o

(processo n. 363/2009 do 5º Ofício

infrator ser indiciado.

Judicial de Votuporanga-SP), em

Entretanto, muitos inquéritos

que duas advogadas, K.A.B. e V.A.L,

que tiveram os suspeitos indiciados

foram acusadas, e indiciadas, por

foram posteriormente arquivados por

terem, em tese, cometido o crime do

falta de provas, nos termos do artigo

art. 293, V, do Código Penal. Após

18, do Código de Processo Penal, ou

procedidas as diligências policiais, o

seja, sequer houve denúncia e,

representante do Ministério Público,

como em casos de indiciamento,

Dr.

inexiste previsão legal expressa

Marcus

Vinícius

Seabra,

requereu o arquivamento nos termos

permitindo

do artigo 18, do CPP, alegando que:

registros pessoais do investigado,

“Ademais, para a configuração do

que contém seus nomes, suas

delito

características, os dados relativos à

é

imprescindível

caracterização subjetivo

tipo...

elemento

penal

retirada

dos

supostamente

praticada, informados aos Institutos

razoável crer que as causídicas em

de Identificação e Estatística, ou

questão não obraram com dolo no

repartições

episódio em tela...”. No presente

informações permanecerão em seus

caso

cadastros definitivamente, sem a

proferida

Portanto,

infração

sua

é

foi

do

do

a

a

sentença

determinando o arquivamento dos autos na forma

requerida

congêneres,

cujas

possibilidade de exclusão.

pelo

Embora

Parquet.

a

jurisprudência

majoritária entenda que o simples indiciamento do suspeito, realizado

49


no curso do inquérito policial, não

criminais e nela sempre constará

configura maus antecedentes, bem

que foi indiciado.

como não atenta contra o princípio

Todavia, para preservação do

da presunção de inocência, previsto

princípio

na

considerando

Constituição

Federal,

o

da

dignidade os

humana,

prejuízos

que

indiciamento é estigmatizante em

possam advir na esfera jurídica do

relação à pessoa investigada, pois,

indivíduo

muitas vezes por força de um

indiciamento prematuro, sob pena de

simples indiciamento realizado de

causar-lhe

abalo

forma

eternidade

das

prematura,

sem

qualquer

por

força

de

moral,

um

e

informações

a no

fundamentação, especialmente nos

sistema, a solução mais adequada é

casos em que posteriormente o

o desindiciamento, ou seja, nos

inquérito policial foi arquivado, a

casos em que o inquérito policial é

pessoa perde a credibilidade, a paz,

arquivado ou que o indiciado é

o emprego, bem como não consegue

absolvido ou cumpriu a pena na ação

este

tem

penal, que possa ser extinto os seus

apresentar certidão de antecedentes

dados pessoais nos órgãos em

devido

ao

fato

que

houve o registro do indiciamento.

50


Referências BECCARIA, Césare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Vade Mecum. Lei 10.054/00. Identificação criminal. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Vade Mecum. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2007. GUILHERME, Ricardo Eduardo. Indiciamento no inquérito policial. 08. Nov., 2005. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/2005/11/08/3288/. Acesso em 27/05/10. MARTINS FILHO, Mauro de Ávila. O instituto do indiciamento e as infrações de menor potencial ofensivo. 21.fev. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9519. Acesso em 27/05/10. MARRA, Lívia. Advogado evita indiciamento de Gugu antes de depoimento. Jus Navegandi. 24.set.2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em 27/05/10. OLIVEIRA, Rodrigo Barbosa de. Inquérito policial. 27/11/2008. Disponível em: <http://www.artigonal.com/direito-artigos/inquerito-policial-661508.html>. Acesso em 27/05/10. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. [1] Habeas Corpus n. 990.09.204569-5, 2ª Câm. de Direito Criminal do TJSP, p.2/4: [...] E, no caso sub examine, mostram-se inescondivelmente presente o fumus boni juris e o periculum in mora. Com efeito, os argumentos trazidos na impetração mostram-se plausíveis. O cheque fora emitido à guisa de pagamento de parcela futura de acordo judicial homologado. À primeira vista poder-se-á estar frente à fato penalmente atípico [...] De todo o modo, afigura razoável sustar-se o prosseguimento do Inquérito Policial. Bem por isso defiro a prestação jurisdicional buscada em caráter liminar e determino a sustação do andamento do inquérito policial até o julgamento deste remédio constitucional [...]

51


HERMENÊUTICA E FUNÇÃO JUDICIAL CRIADORA: DECISÓRIO À LUZ DA ANÁLISE DO DISCURSO

O

DISCURSO

"Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto." Dilthey

PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães. Docente do Curso de Direito da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A pesquisa bibliográfica trata da politicidade no discurso decisório (sentença) à luz da teoria da Análise do Discurso. Inicialmente discorre sobre a evolução das concepções hermenêuticas, desde a escola da exegese até as teorias atuais que sustentam o modelo da pós-modernidade. Ao avaliar as novas vertentes, que compõem o paradigma hermenêutico emergente, apresenta a intersecção entre elas e as teorias sobre o discurso (AD), disseminada após o giro linguístico. A partir de tal arcabouço, o artigo trata das causas e das consequências da discricionariedade judicial, enfocando os problemas da subjetividade e da ideologia na sentença (Nova Crítica do Direito). Afinal, ilustra a questão com a análise do discurso de acórdãos, evidenciando como a formação discursiva, a posição social e a visão política do magistrado intervêm de modo crucial na interpretação da lei, contribuindo tal fato para a heterogeneidade nos julgamentos.

Palavras-chave: Politicidade do Judiciário. Hermenêutica. Nova Crítica do Direito. 52

Análise

do

Discurso.


outras coisas. Isso sugere que não

Introdução

existe

Desde o início do século XX, com

a

chamada

a

“neutralidade”

interpretação,

reviravolta

pois

na jamais

linguística (linguistic turn), com o

poderemos

advento dos estudos em semiótica, o

diretamente, sem um filtro, sem um

fenômeno jurídico passou a ser

olhar contaminado ou condicionado,

estudado pelo viés textual, já que o

especialmente

direito

humanas e sociais.

realiza-se

por

meio

de

conhecer

as

coisas

nas

ciências

discursos, a saber: discurso das leis

Sempre

haverá

(discurso normativo); discurso dos

intermediação

requerimentos; discurso da doutrina

condicionamentos

(discurso científico) e discurso das

culturais

sentenças (discurso decisório).

interpretação da realidade e também

dos

valores,

linguístico-

no

momento

gramatical da linguagem, enquanto

a

ciência

a

compreensão

antecipa

tenta

conhecimento

da

dos

hermenêutica

signos,

hoje

dos

da

dos textos que nela circulam (e que

Para além da análise lógica e

geral

a

refletem).

Assim,

a

prénosso

realidade

e

da

também nossa relação com os

fluxo

textos, nessa categoria inseridos os

contextual, ou seja, no conjunto

textos da lei (discurso normativo),

linguístico-temporal de uma tradição

que nada mais são do que uma

social, cultural, econômica e política.

espécie de discurso humano.

compreender linguagem

o

dentro

acontecer de

um

Desse

Um termo e um texto (e também o

modo,

os

aportes

termo e o texto legais) só podem ser

teóricos da disciplina denominada

interpretados dentro de um contexto.

Análise

A expressão “reforma agrária”, por

relevantes para o estudo do direito,

exemplo,

pois

tem

um

significado

do

Discurso

são

introduziram

hoje

novas

(disfórico) para o proprietário e outro

perspectivas

(eufórico) para o sem-terra. Para o

investigações

hermenêuticas.

O

administrador (governo), que deve

jurista,

de

os

lidar com ela, e para o juiz, que deve

métodos de exegese tradicionais,

decidir sobre uma ocupação, ainda,

deve

poderá esse termo significar muitas

interpretação da lei, a formação

além

agora

teóricas

conhecer

admitir

que,

às

na

discursiva do juiz influenciará tanto 53


na

recepção

(condicionando

da

atribuição

interpretativas,

analisando

os

de

métodos hermenêuticos tradicionais,

sentidos) quanto na produção dos

as teses do paradigma hermenêutico

argumentos que fundamentam a

emergente e a teoria de Ronald

sentença.

Dworkin, para finalmente concluir

Tal

a

norma

formação

discursiva,

pela insuficiência de todas elas à luz

como veremos adiante, determina-

da teoria da Análise do Discurso.

se por fatores históricos, culturais e

Para exemplificar, analisará alguns

sociais e depende do ambiente

acórdãos

discursivo em que o juiz se formou.

ideológica se manifesta.

Desse

modo,

com

a

em

Por

que

meio

de

formação

pesquisa

denominada viragem linguística, o

bibliográfica,

caráter político-ideológico do texto

algumas

decisório começou a ser debatido.

hermenêutica

contemporânea:

Desde então, a interpretação da lei é

limites

da

vista

jurisdicional;

como

axiológica

uma e

emanação

argumentativa,

o

a

estudo

questões

criativos teto

relações

entre

analisará

centrais

da

prestação

hermenêutico; poder

socialmente atuante e contagiada

discricionariedade

por valores e vivências do juiz, que

decisório.

não julga de modo asséptico e frio,

a formação discursiva do juiz é

mas está sempre, ainda que não

condicionada pela posição histórica,

queira e não perceba, condicionado

social

a sua formação discursiva e por sua

também

visão política.

interpretação,

A proposta da pesquisa é,

discurso

demonstrar

e

como

cultural

e

condicionante

da

pretende-se

determinar que na complexa trama

pois, analisar a politicidade no

da

discurso

disseminam

decisório

Ao

no

e

(sentenças)

sentença

expressam-se os

e

(pre)conceitos,

descrevendo e avaliando as causas

crenças e utopias, não havendo

e os efeitos da discricionariedade na

possibilidade de sentença neutra.

função judicial à luz dos postulados da

Análise

do

Discurso

e

Partir-se-á da hipótese de

da

que, ao interpretar, a ideologia

hermenêutica jurídica tradicional.

influencia na atribuição de sentidos

Para tanto, o artigo apresenta

que o juiz dará aos termos da lei, não

uma síntese evolutiva das correntes

havendo possibilidade de sentença 54


isenta

de

politicidade

um instrumento ideológico amplo e

ou

persuasividade.

transformador,

Entende-se política

não

aqui

em

o

sua

termo

(possivelmente)

responsável pelo advento de novas

acepção

realidades e perspectivas sociais.

“partidária”, mas em seu sentido

Como contribuição, pretende-

primeiro, etimológico, como noção

se alimentar os debates sobre as

do que é a “cidade ideal”. Assim

novas formas hermenêuticas, à luz

sendo, a politicidade manifesta-se

das

sempre que o magistrado decide

especialmente

levando em conta o que considera

Discurso, subsidiando a reflexão

adequado para o advento de uma

interdisciplinar

dos

sociedade

comprometidos

com

perfeita,

em

que

teorias

da da

linguagem, Análise

do

exegetas busca

do

chamado “direito justo”.

prevaleça o bem comum, segundo sua interpretação pessoal. O problema surge quando se

1.

reconhece que o sentimento do justo

A

evolução

das

correntes

hermenêuticas

varia de acordo com o contexto de onde provém o magistrado. Isso cria

Lutar com palavras parece

potencialmente instabilidade jurídica

sem fruto. Não têm carne e sangue... Entretanto, luto. Palavra,

em razão de decisões díspares. Diante dessas contradições e

palavra (digo exasperado), se me

da lacuna doutrinária quanto ao tema

desafias, aceito o combate.

é que se organiza o presente estudo,

(Carlos Drummond de Andrade)

partindo da premissa de que o hermeneuta,

precisa

Uma das questões teóricas

questionar não só as possíveis

fundamentais que divide a doutrina

interpretações

mas,

jurídica atual refere-se aos limites

fundamentalmente, a legitimidade

hermenêuticos na atividade judicial.

das interpretações políticas da lei.

Em grossa síntese, ao longo do

Este

hoje,

da

a

tempo, verifica-se gradativamente a

sentença não apenas como uma

ruptura do paradigma da sentença

prestação jurisdicional dada à lide,

como

mas como um complexo fenômeno

dedutiva da lei (subsunção).

da

artigo

lei,

linguagem

investigará

humana, 55

resultado

da

aplicação


Inicialmente, a Revolução Francesa,

acordo com a tradição do direito e do

com a Escola da Exegese e sua

instituto em exame, qual a melhor

proposta

interpretação

dogmática

positivista,

para

a

norma?

afastou o discurso jurídico de seu

(argumento histórico – origo legis); d)

componente histórico, ideológico e

consideradas as condições vigentes

valorativo. Até o final do século XIX,

ao tempo da confecção da norma,

a aplicação da lei era vista pela

quais são seus possíveis objetivos?

doutrina como um silogismo no qual

(argumento

uma norma (premissa maior) era

legis); e) há, no ordenamento, outra

aplicada a um fato (caso concreto) e

norma que esclareça o significado

se

desta

chegava,

por

subsunção

em

histórico

estudo?

occasio

(argumento

dedutiva, a uma conclusão expressa

sistemático); f) qual a interpretação

pela sentença.

que

Com

a

esta

norma

em

consolidação

da

harmonia com o sistema jurídico?

histórico-evolutiva,

o

(argumento sistemático); g) qual o

automático dedutivo

vai

interesse protegido e o fim da

corrente modelo

mantém

sendo superado e o intérprete passa

norma?

(argumento

teleológico).

a considerar também os fins da lei e

Após essa verificação, satisfazendo

o impacto social da decisão. Para

a interpretação pretendida (de modo

tanto, deve responder a algumas

convergente) a todas as indagações,

indagações básicas antes de dar a

estaria o intérprete diante de um

exegese definitiva a uma norma.

sentido satisfatório para a norma.

Marques (2006), resumindo os

métodos

tradicionais, questões

hermenêuticos

assim

que

o

sintetiza exegeta

1.1

as

O

paradigma

hermenêutico

emergente

deve

formular para si mesmo antes de

O direito não é exato. Suas

definir o sentido de uma lei: a) neste

leis são feitas de palavras e não de

idioma, segundo as regras desta

símbolos (como a química) ou

língua, o que significa esse texto?

números (como a matemática). Não

(argumento

qual

lida com fatos, como a biologia, a

faz

física e a química, mas com a

sentido e satisfaz a lógica do

interpretação dos fatos (feita pelo

razoável? (argumento lógico); c) de

homem). Diante de um homicídio, o

interpretação

gramatical); desta

b)

norma

56


biólogo diria apenas “está morto”

ideia da permanência da ordem

(constatando o fato), mas o jurista

jurídica dominante.

interpretaria

o

fato

e

avaliaria

Segundo

Viana

(1999), o

das

instituições

segundo seus valores se a pena

funcionamento

deve ser de 6 ou de 20 anos, ou se o

contemporâneas está modificado e

réu deve ser absolvido por legítima

Judiciário, nessa nova ordem, não é

defesa,

uma

mais periférico na praxis republicana

agressão injusta, ou se estava em

e esse inusitado “protagonismo”

estado

por

político dos juízes tem causado

exemplo. O direito lida, pois, com

controvérsias entre princípios do

a vagueza da linguagem humana (o

direito e valores político-sociais.

que é agressão injusta? o que

Argumentam,

é

Constituição

por

ter

de

necessidade,

necessidade?)

flexibilidade

repelido

e

e

com

mutabilidade

a

ainda, Federal

que de

a

1988,

dos

especialmente com os comandos

valores. Sendo assim, o homem,

programáticos dos artigos 3º e 5º,

comunicando-se

outros

teria fundamentado a tese de que ao

indivíduos com a linguagem natural,

intérprete cabe dar à lei uma

sempre julga a realidade, pois toda

exegese construtiva e possivelmente

concepção, e também a jurídica,

inovadora, levando em conta os fins

decorre dos acervos de valores e

sociais e o bem comum. Tais

crenças pessoais.

dispositivos endossariam a atuação

com

Por essa razão, diante das diversas

do

juiz,

admitindo

de

interpretações revitalizadoras, desde

interpretação do texto legal surge o

que fundamentadas por argumentos

problema

razoáveis

judicial.

possibilidades

política

da Os

discricionariedade defensores

dela

e

teleologicamente

justificáveis.

consideram que os métodos de

Diante de tais ponderações, a

interpretação tradicionais não devem

cultura jurídica pós-moderna vem se

servir de argumento para bloquear a

refletindo

realização da justiça, criando o

hermenêutica

chamado teto hermenêutico, mas

transformador. Ao lado dos métodos

solucionar os conflitos de modo

tradicionais (gramatical, histórico,

criativo, ainda que isso arranhe a

lógico, sistemático) e dos modelos sociológico 57

diretamente

e

de

teleológico,

na modo

novas


tendências

consolidam-se

nos

ele,

o

intérprete

bastante

não encontra, mas dá ou atribui um

heterogêneo e estão agrupadas pela

sentido à norma a partir de suas

doutrina

denominação

experiências pessoais, culturais e

“paradigma

históricas. Por mais que as normas

tribunais

de

modo

com

genérica

a de

hermenêutico emergente”. Vale

ressaltar

sejam claras, é impossível haver que

as

uniformidade, já que o homem pode,

mudanças justificam-se diante da

segundo sua personalidade e seus

insuficiência

dos

métodos

valores,

tradicionais,

incapazes

de

conservadoras ou transformadoras

dar

eficácia ao numeroso rol de direitos

adotar

posturas

(e criativas) da lei.

surgidos no final do século XX.

Paralelamente,

correntes

novas

como a Escola da Livre Pesquisa e

concepções teóricas o foco da

Livre Formação do Direito de Geny

interpretação não mais recai sobre o

(o

texto da lei. Com isso, enfraquecem

admitem decisões judiciais que se

as

estendem não apenas “além” da lei,

Segundo

as

interpretações

objetivistas

denominado

mas também “contra” a lei.

(centradas na objetividade do texto), propostas por Betti, para quem a hermenêutica para

era

encontrar

“correta”,

o

a

uma

Em termos gerais, segundo

técnica

Soares (2010), no paradigma pós-

interpretação

“sentido

Alternativismo),

exato,

positivista,

vincula-se

hermenêutica

mais

a

fortemente

“o verdadeiro sentido do vocábulo

aos

legal”.

constitucionais erigidos em valores A

visão

dogmática,

que

princípios

fundamentais.

Desse modo,

subordinava o intérprete ao texto e

os standards passam a ter prioridade

supunha a existência de uma única

axiológica

interpretação legal, dita “objetiva”,

dispositivos

cede espaço para a hermenêutica

considerados, segundo Alexy (na

filosófica de Gadamer, segundo o

teoria

qual a interpretação é uma opção

Procedimental)

valorativa que depende de pré-

otimização do sistema jurídico. Com

compreensões

pré-

isso, aumenta a discricionariedade

juízos valorativos do juiz. Segundo

judicial, pois se uma lei confronta

e

58

sobre legais,

da

os

demais

pois

são

Argumentação mandados

de


com o conceito (noção pessoal) que

Vê-se, pois, que as ciências

o juiz tem de um princípio (comando

da persuasão são cada vez mais

geralmente aberto e polissêmico),

valorizadas no âmbito do direito. O

terá

processo argumentativo passa a ser

este

ampla

margem

para

argumentar.

visto não mais como algo respaldado

Em outra vertente teórica, no

em evidências, mas baseado em

modelo pós-positivista, passa-se a

juízos de valor, consensos, axiologia

valorizar a dimensão discursiva-

e argumentação. A interpretação da

comunicativa, reconhecendo-se que

lei deixa de ser dedutiva e passa a

o direito é uma manifestação da

ser dialética. Com isso a retórica,

linguagem humana. Hoje vigora a

antes

tese de que a linguagem funda e

estilística da linguagem jurídica,

constitui o mundo (e não apenas

ganha status de ciência primordial,

o

fundindo-se

exprime,

como

anteriormente). interpretação

se

Desse

modo,

a

atrelada

visceralmente

à

à

hermenêutica.

poderia

Na cristalização das novas

“correto,

perspectivas também atuaram as

escondido” no texto legal, mas sim

teses de Gadamer (ao esclarecer

“atribuirá”

performance

que a hermenêutica não é uma pura

criadora) um sentido para a lei,

técnica de interpretação, mas diz

salientando nesse ato as faculdades

respeito

psíquicas, os valores e os estados

acesso

interiores do intérprete por meio da

mundo),

linguagem. Não existe, por exemplo,

estudos sobre o funcionamento dos

um sentido “correto” para o termo

aparelhos ideológicos do Estado, os

“isonomia”. O juiz não “encontra” o

AIE), e Maingueneau (enfocando

sentido, mas “atribui” de acordo com

pragmaticamente

sua ideologia (valores, subjetividade,

como

crenças, sentimentos). É por essa

que, necessariamente, dissemina as

razão que um magistrado entende

ideologias da instituição de onde

que as cotas raciais na universidade

provém seu emissor).

“encontrar”

não

pensava

meramente

um

sentido

(numa

ferem a “isonomia”, enquanto outros

à

totalidade

de

sobre Althusser

o

(com

a

forma

nosso

seus

linguagem, de

ação

Vale ressaltar que, nesse

entendem que não.

estudo, o termo ideologia, que é

59


plurissignificativo,

será

entendido

ideológicos,

como:

interagem [...]

um

conjunto

lógico,

por

meio

sujeitos

historicamente

da

e

qual

grupos

condicionados.

de

Perelman esclarece que o domínio

representações (ideias e valores) e

jurídico é o espaço retórico da

de normas ou regras (de conduta)

dúvida, no qual prevalecem i) não a

que indicam e prescrevem aos

verdade e a certeza apodítica, mas a

membros da sociedade o que devem

verossimilhança; ii) não a lógica,

pensar e como devem pensar, o que

mas a razoabilidade; iii) não a

devem valorizar e como devem

demonstração

valorizar, o que devem sentir e como

capacidade

devem sentir, o que devem fazer e

pela

como devem fazer. Ela é, portanto,

descabimento

um

neutralidade

sistemático

e

coerente

corpo

explicativo

dedutiva,

mas

argumentativa,

qual,

seria

razão

um

total

falar-se ou

a

em

objetividade

(representações) e prático (normas,

discursiva. Para o filósofo belga, as

regras,

premissas

preceitos)

prescritivo,

de

normativo,

caráter

seriam

regulador,

no

discurso

“escolhas”

jurídico

do

emissor

cuja função é dar aos membros de

(condicionadas aos seus valores e

uma sociedade dividida em classes

intenções) e não “dados naturais”

uma explicação racional para as

como

diferenças

proposições

sociais,

políticas

e

em

outras

ciências.

jurídicas

As

seriam

culturais (CHAUÍ, 2008, p. 108-109).

retóricas, pois visariam convencer

[grifo nosso].

um auditório (os receptores da

A

Nova

Perelman

Retórica

também

de

mensagem jurídica). No mesmo

influenciou

sentido,

segundo

os

postulados

sobremaneira nas transformações

da Nova Retórica, pode-se deduzir

hermenêuticas.

que

Segundo

essa

discurso

destina-se

comando impositivo que faz lei entre

específicos (as partes, os juristas e o

as

um

povo) e deve o juiz empregar as

enunciador neutro para réus de

estratégias argumentativas capazes

postos sociais indefinidos, mas um

de

artefato

e

(convencimento) em tais receptores.

transformador, com raízes e frutos

A opinião pública conhecerá a

lançado

político

por

penetrante

60

causar

a

três

magistratura

teoria, a sentença não é um mero

partes,

a

da

auditórios

adesão

mental


decisão por meio da imprensa e, por

outra de ordem pragmática (isso se

isso, a decisão não pode chocar o

traduz

senso de equidade, pois deve ser

aceitáveis pelo meio), porque estaria

aceita

de acordo com o que parece justo e

democraticamente

e

não

na

busca

de

soluções

imposta. Segundo Perelman (2004,

razoável

p. 242) os juízes devem dizer o

circunstâncias específicas. Sendo

direito de acordo com a vontade da

assim, o juiz possuiria um poder

nação e não com a vontade do

criativo e complementar que lhe

legislador que as expressou, nem

permitirá adaptar a lei aos casos.

ao

juiz

naquelas

com sua vontade pessoal. Quando

Não se pode negar que as

existirem razões para acreditar que o

palavras (e também as palavras da

legislador atual não poderia partilhar

lei)

as opiniões do legislador antigo,

significados diversas (polissemia).

dadas

Ao interpretar, cada juiz estabelece

as

referentes

ao

alterações

sociais

assunto

tratado,

ensejam

determinado

atribuições

vínculo

de

com

a

poderá o julgador distanciar-se do

realidade. Desse modo, decidir é

texto original. Se uma conclusão

parafrasear o texto da lei. O juiz, ao

jurídica (sentença), decorrente de

aplicar a norma a um caso, pesquisa

um silogismo (cuja lei é a premissa

seu

maior e os fatos a premissa menor),

sentido de acordo com seus valores

for inaceitável, a lógica formal deve

pessoais.

ser substituída pela lógica jurídica,

significado,

adaptando

seu

O povo, a quem também a

cujo papel é demonstrar por meio da

decisão

se

destina,

dada

sua

argumentação a aceitabilidade das

obrigatória publicação, relaciona-se

premissas.

com a sentença de intrincadas

Em suma, a lógica jurídica

maneiras. A argumentação judicial

depende do modo como os juízes

remete (sutil ou explicitamente) a

concebem sua missão, e da ideia

outros tantos discursos valorativos

que tem do direito e de seu

circulantes no contexto, e pode

funcionamento na sociedade. O

impor, repetir, simular ou atacar

direito, então, obedeceria a duas

ideias. Nesse sentido é também

exigências.

um

sistemática

Uma (devendo

de ser

ordem

poder

cada

decisão coerente com as demais), e

artefato (trans)formador.

de Toda

sentença é um ato de governo 61


prestado ao cidadão. Busca não só exterminar

a

lide,

mas

Com a fundamentação, a

intervir

sentença deve atingir a aceitação

didaticamente sobre as crenças e

social da decisão de modo que os

ações sociais e prover a paz. Isso se

fins da lei sejam alcançados. Vale

constata

pela

ressaltar que em nada se confunde

repercussão estrondosa (na mídia e

tal permissão ou elasticidade com o

na sociedade) de algumas decisões,

partidarismo ou a parcialidade caso

especialmente dos tribunais, como

em que o juiz (cidadão-individual)

se viu em casos como uso de

estaria

células-tronco

para

pessoais às partes em litígio. Assim,

tratamentos, cotas raciais, aborto de

o foco da interpretação deslocar-se-

anencefálico, ortotanásia e, com

ia da objetividade do texto para a

mais

subjetividade do juiz e a aceitação da

claramente

embrionárias

nitidez,

nos

crimes

de

repercussão nacional. À

luz

argumentação,

da

teoria pois,

da

capacidade

o

magistrado

(cidadão-social),

calibrador das tensões de

interesses

persuasiva ao

do

fundamentar

a

decisão. Para a Lógica do Razoável,

seu

tempo, autorizado a julgar conforme

do

suas

operação

convicções

por

sentença estaria condicionada à

estaria,

magistrado

ligado

ideológicas,

jurista

mexicano

Sichés,

hermenêutica

a

deve

buscando o discurso que considere

compatibilizar-se com o direito justo,

razoável (e não apenas racional).

considerando

Trata-se

histórico-culturais

da

ampliação

da

as

especificidades de

cada

caso

ocorre,

concreto, em vista da singularidade

segundo Engisch (1988, p. 21 apud

que rege a vida humana. Tal vertente

SOARES, 2010, p. 116) quando a

teórica, propõe que a sentença é um

decisão última sobre o que é justo no

“sentir” (o juiz primeiro sente qual

caso

discricionariedade

concreto

responsabilidade “deferida

à

que

é de

confiada

à

seria a solução razoável para o caso

alguém,

é

e, só depois, procura na lei uma

concepção

(em

justificação

que

lhe

de

reforça

a

particular, à valoração) individual da

fundamento),

personalidade chamada a decidir em

politicidade da função judicial.

concreto”.

também

sirva

Ainda dentre as novas teorias, destacam-se 62

a

Tópica

de


Viehweg, segundo a qual o centro de

juridicamente como a opinião de um

gravidade do raciocínio jurídico não

homem político.

é

a

subsunção,

a

Tarufo (apud SILVEIRA) cita

invenção baseada em premissas

ainda outras teorias. A primeira,

razoáveis. Na doutrina nacional, os

denominada

estudos construtores do arcabouço

approach ("abordagem evolutiva"),

alternativista, dentre eles, Andrade e

afirma que os tribunais devem

Azevedo,

a

adaptar o conteúdo das leis às

dimensão política da função judicial

evoluções sociais e valores públicos.

e

São

debruçam-se

neutralidade

também

mas

da

sobre

jurisdição

alimentam

o

e

debate

evolutive

expoentes

Alexander

dessa

Aleinikoff

doutrina e

Guido

doutrinário sobre a politicidade do

Calabresi. O juiz deve suprir certos

discurso decisório.

defeitos intrínsecos do processo

Em

decorrência

inovações

dessas

legislativo: exclusão de minorias,

hoje

inércia e defasagem da lei. Outra

fala-se

em

hermenêutica

neoconstitucional

sentença

a

Dynamic

é

approach (abordagem dinâmica)

uma intervenção axiológica, com

é mais moderada. Seu principal

prioridade prática e caráter político).

expoente é Eskridge, para quem a lei

Tais aportes teóricos ampliaram os

deve ser interpretada à luz do

limites

ao

contexto social, político e legal

superarem o paradigma da lógica

existente no momento da aplicação

formal na decisão, dando maior

(e não no da promulgação). Assim,

espaço à argumentação razoável (e

se a lei é recente, deve o juiz

não mais racional) e ao “sentimento”

interpretá-la

no ato decisório.

entanto, se essa exegese contraria a

da

(a

teoria,

interpretação

textualmente.

No

Diante disso, atenuou-se a

intenção do legislador ou acarreta

separação entre os dizeres jurídico e

consequências irracionais, o juiz

político e surgiu um novo problema:

deve buscar solucionar o caso

diante dos casos mais complexos, o

concreto

juiz, agora, apoiado na teoria da

debates parlamentares, garantindo

argumentação, exprime na sentença

os valores públicos. Um terceiro

uma

grupo,

tese

que

se

impõe

com

os

a

pesquisa

critical

dos

legal

studies, entende que a justiça deve 63


ser individualizada e centrada mais

às

nos valores do indivíduo do que na

Elabora as chamadas proposições

estabilidade e na uniformidade das

científicas, ou seja, descreve a

decisões (porque a lei pode ser

norma em suas nuances, mas não

preconceituosa).

a

se desencastela, não desce à arena

uma situated decisionmaking (o juiz

social e não lida com as questões

deve decidir conforme uma opção

emergentes nem com os casos

de policy que corresponde à sua

difíceis, postos para a apreciação do

posição ideológica). Mas para isso, o

judiciário.

É

favorável

decisões

jurisprudenciais.

juiz deve assumir o ponto de vista

O magistrado, sem balizas

das minorias que buscam perante o

teóricas seguras, deve, de qualquer

Judiciário a proteção dos seus

modo,

direitos.

Finalmente

sociedade. Atuará, então, como

os originalists propõem uma teoria

político e como legislador, na falta de

arqueológica, pois se baseia na

um socorro científico. Em certos

reconstrução do original intentdos

casos, diante da vagueza, ou da

legisladores

(principalmente

ambiguidade da lei e da inoperância

dos Framers of the Constitution,

doutrinária, criará normas concretas

aqueles

para as partes por meio de atos de

que

Constituição),

promulgaram utilizando

como

dar

uma

repetirá

cultural da época da edição da

decisões,

norma.

jurisprudencial,

de

todas

à

vontade expressos na decisão ou

parâmetro a situação histórica e

Diante

resposta

essas

o

discurso criando onde,

de o

outras cânone

de

fato,

vertentes, o juiz vê-se em sérias

deveria haver a discussão científica.

dificuldades no momento de julgar os

Isso acarreta problemas. Diante da

casos complexos, principalmente os

omissão da ciência do direito, em

de matiz constitucional.

alguns casos, o juiz precisará definir “o que significa” a lei, determinando

Para complicar o problema, a doutrina, discurso da ciência do

comportamentos

direito,

como

valoração pessoal, produzindo um

deveria. Dedica-se, na maioria das

ato vinculante e, em certa medida,

vezes, à descrição da norma, dando

de dominação.

não

tem

atuado

conforme

sua

exemplos distantes da realidade

Portanto, é inegável que os

social e reverenciando, sem críticas,

magistrados agem politicamente e 64


isso, a princípio não é certo nem

vontade). Portanto o pensamento

errado. Mas, sem dúvida, este é um

jurídico (do juiz) é um pensamento

fato crucial a ser analisado pela

de essência e de efeitos políticos,

comunidade

ao

pois é prescritivo. Kelsen, nessa

manipular o discurso legislativo,

perspectiva, nos conduz a uma

tanto pode movimentar-se em razão

conclusão que emparelha com a

de uma visão de extrema esquerda,

tese dos decisionistas: o juiz não

de centro ou de extrema direita,

apenas interpreta e aplica, mas cria

conduzindo os destinos pessoais e

(e também despreza) as leis no

também coletivos, quando decide

momento

ações

mesmo

jurídica,

que

pois

envolvem

direitos

coletivos e difusos, por exemplo.

um

produto

significâncias,

orientado

e

nelas e

incoerências de acordo com sua

de

por

um

[...] na aplicação do direito por

ideologicamente

um órgão jurídico, a interpretação

estaria

simultaneamente,

identificar

pleno

emitido

homem/juiz

podendo

inconstitucionalidades

A sentença, nessa esteira, seria

exegético,

nos

visão.

inserida,

cognoscitiva

universos

operação

político, linguístico e jurídico.

(obtida

de

por

conhecimento)

uma do

direito a aplicar combina-se com um

Desse modo, a ação do

ato de vontade em que o órgão

magistrado ao sentenciar não é

aplicador do direito efetua uma

apenas expressão de uma razão

escolha

científica,

reveladas [...] ela cria o direito.

mas

um

ato

de

entre

as

possibilidades

interpretação que cria realidades, ato

(KELSEN, 2006, p. 394).

de vontade pela qual faz normas

E mais:

particularizadas, nesse ponto se

[...] pela via da interpretação

identificando com o legislador.

autêntica,

quer

dizer,

da

Isso não é novo. Desde

interpretação da norma pelo órgão

Kelsen, está fixado que Estado e

jurídico que a tem de aplicar, não

Direito são termos sinônimos. A

somente

interpretação que a ciência do direito

possibilidades

reveladas

faz da norma (ato descritivo) é

interpretação

cognoscitiva

diferente da interpretação dada pelo

mesma norma, como também se

o aplicador (que é um ato de

pode produzir uma norma que se 65

se

realiza

uma

das pela da


situe completamente fora da moldura

em consequência disso, é também

que a norma a aplicar representa

um difusor ideológico transformador

(ibidem).

da existência social.

Assim,

ao

articular

seus

O confronto entre classes não

valores na fundamentação de uma

se dá apenas na arena econômica,

sentença,

da

mas também mediante arsenais

juiz

discursivos. As relações de poder

por

argumentação,

meio

poderia

o

convencer a sociedade de que

perpassam

determinada interpretação da lei

institucionais

deva prevalecer por ser razoável.

sociedade, e o texto decisório, com

Objeto vivo que é, a decisão

seus

todos que

arrazoados

os

textos

circulam

na

supostamente

reflete as diferentes concepções do

neutros e objetivos também se inclui

justo,

nessa categoria. Como bem notou

com

a

participação

da

subjetividade do emissor e de sua

Warat

ideologia.

interpretação

Isso

é

inevitável

em

(1975),

os

métodos

encerrados

de

numa

qualquer formação textual. O próprio

decisão nada mais são do que o álibi

método teleológico explicita o caráter

retórico

político da interpretação quando

crenças que orientam a aplicação do

propõe que a exegese seja coerente

direito.

para

emergência

das

com os valores, consequências e os

Assim sendo, é claro que o

fins da norma, pois isso tudo

direito, ao ser interpretado, estampa

dependerá, em última análise, de

a linhagem política do exegeta, ou as

algum grau de subjetividade do juiz.

Cortes não reformariam as decisões

Ainda que isso desespere os

umas das outras, tendo em vista

racionalistas,

apegados

ao

mito

interpretarem,

todas

mesmas

não

salienta que a lei, norma geral, é

possível

subtrair

o

Wolkmer

as

positivista da cientificidade do direito, é

leis.

elas,

partidarismo de um homem sem

sempre

esvaziar-lhe a própria racionalidade.

Direito

O discurso, tal como se concebe

necessariamente pessoal. Quando o

hoje,

juiz indaga a consequência social da

é

determinada

uma por

prática

social

formação

de

impessoal,

(1994)

enquanto

aplicado

o

será

decisão, (o que deve fazer sempre,

valores hierarquizada, ligado ao

até

tempo e ao lugar de elaboração e,

constitucional) realiza uma reflexão 66

por

recomendação

legal

e


segundo

sua

experiência.

sentenciar,

Ao

eficácia e a legitimação jurídica e

o

social que a decisão possa atingir.

magistrado parafraseia a lei para

Vistas

as

correntes

mais

validar definições ideologicamente

influentes da hermenêutica atual,

comprometidas,

passaremos às críticas.

tendentes

a

convencer os receptores de que os

Uma das objeções impostas

juízos valorativos por ele postulados

às teses decisionistas é a de que, no

são aceitáveis. Tudo faz mediante o

Estado

uso retórico da linguagem, por meio

apenas o Governo e o Legislativo

da argumentação, ainda que isso

exercem função política. Justifica-se

seja

pelos

a exclusão do Judiciário pelo temor

acusadores da discricionariedade

de um Estado Totalitário, com a

judicial.

ditadura do judiciário, em que os

duramente

criticado

Não se pode negar que a

vivências

(e

formalmente,

juízes pudessem criar leis ou recusá-

sentença é o ponto de articulação de três

tripartido,

las.

habilidades)

Os que se opõe a esse

inseparáveis de seu emissor: a

argumento,

política, a jurídica e a linguística. Isso

(1999), esclarecem que a doutrina

dado o próprio caráter subjetivo da

revolucionária francesa, tendente a

linguagem natural, com a qual são

desqualificar a dimensão política da

tecidas as malhas do texto decisório.

aplicação do direito, exerceu notável

Não

obstante

entre

eles

Azevedo

essa

influência no Brasil, desde nossa

constatação, a interpretação assim

Constituição de 1824, cooperando

entendida

um

para cristalização do “argumento

extremo preocupante, quando a

separatista”, segundo o qual o poder

sentença passa a ser um ato

exercido

descontrolado,

de

democrático por não provir de pleitos

consequências sociais sinistras. Por

eleitorais. Por essa razão, os juízes

isso, é importante investigar os graus

não poderiam nem pensar, nem

de

reconfiguração

fundamentar decisões politicamente.

normativa cabíveis ao intérprete; a

Mas, ainda segundo o autor, uma

razoabilidade e a constitucionalidade

instituição

de seus argumentos e, finalmente, a

não apenas por sua gênese, mas

pode

desvio

chegar

arbitrário

e

a

e

pelo

Judiciário

reputa-se

não

é

democrática

também por exercer tal função (e 67


funcionamento do Poder Judiciário é

impossibilidade de tratar os conflitos

democraticamente

de

Portanto

os

influente).

juízes,

dadas

uma

sociedade

pluralista

e

as

complexa de modo homogêneo. Em

necessárias adaptações históricas,

alguns casos faz-se necessária a

não devem ser mais uma “boca” que

exegese e a aplicação da norma

pronuncia as palavras da lei, como

segundo critérios metajurídicos, com

entendia

aportes da economia, sociologia,

Montesquieu.

Os

que

defendem o poder discricionário judicial

afirmam,

ainda,

a

Nesse contexto de crise e de

Constituição confere poder político

transformações da hermenêutica,

ao

alinha-se

Judiciário,

expressamente

ao o

que

filosofia, biologia entre outros.

atribuir-lhe

doutrina

para

a

de

superação do modelo mecânico

constitucionalidade das leis e o

reprodutivo. Em resumo, na era pós-

poder de julgar a legalidade de atos

moderna, a interpretação torna-se

editados

Daí

mais relativa (não se concebem mais

nasceria a força política do judiciário

verdades absolutas ou eternas, mas

nas sociedades modernas.

temporárias,

pelo

controle

a

Executivo.

Os argumentos das duas

mutáveis

e

questionáveis). Todavia, essa nova

correntes são, em alguma medida,

concepção

sustentáveis, mas a solução para o

jurídico

impasse ainda está longe de surgir.

discricionariedade judicial e seus

O fato irrecusável é que está

trouxe

um

novo

ao

universo

abalo:

o

da

inúmeros efeitos negativos.

cada vez mais aparente nos tribunais a

permeabilidade

(ou

2. O problema da discricionariedade

vulnerabilidade?) da interpretação

nos hard cases e a Teoria da

legal

Integridade de Dworkin.

aos

tornando-se

valores o

caráter

humanos, político-

ideológico da sentença um objeto de

Ronald

estudo fundamental.

Dworkin

(2001),

discorrendo sobre o problema da

Embora na prática jurídica o

discricionariedade na integração da

modelo tradicional proposto por Betti

norma, defende a aplicação dos

ainda

princípios

resista,

priorizando

a

e

das

fontes

do

segurança jurídica como valor maior,

direito quando a lei for obscura ou

percebe-se hoje, na realidade, a

omissa. 68


Estes seriam obrigatórios e

Afirma, ainda, que a tese

vinculariam diretamente a decisão

hartiana dos casos difíceis fere o

do juiz. Com base nessa tese,

princípio da legalidade, pois, se não

Dworkin critica a teoria do arbítrio

há normas claras, nenhuma das

judicial defendida por Hart, para

partes possui direitos ou deveres.

quem, quando não há uma resposta

Assim, se o juiz estabelecer uma

clara

da

norma ex post facto na sentença,

linguagem,

estaria realizando uma aplicação

para

o

caso,

indeterminação

diante

da

deveria o juiz tomar a decisão que considerasse acordo

com

mais

razoável,

suas

retroativa do direito.

de

O modelo de decisão judicial

preferências

baseado

no

argumento

de

morais e políticas, já que o juiz não

princípios solucionaria a questão,

estaria

justificando o papel dos juízes no

vinculado

aos

princípios

socialmente adotados.

Estado Democrático de Direito, pois

Dworkin (2001) propõe que

as sentenças assim fundamentadas

nos casos difíceis (os hard cases),

não

localizados naquelas hipóteses em

discricionárias (porque os princípios

que o direito positivo não oferece

que as fundamentam já existem

solução,

previamente

prevaleça

a

teoria

do “Direito como Integridade”.

casos

no

nem

direito).

A

pois, limitada às fontes e aos

haveria

princípios do direito. Tal modelo

uma resposta adequada (e outras

busca reduzir a insegurança da

inadequadas)

decisão judicial, a qual deve estar

hartiana,

da

difíceis

retroativas

discricionariedade do juiz estaria,

Assim, sustenta que mesmo nos

seriam

e

que

a

teoria

discricionariedade

afinada

com

a

concepção

de

judicial, não poderia ser justificada

direito como integridade, ou seja,

num Estado democrático, uma vez

deve valorizar o ideal político da

que o exercício de poderes típicos do

integridade. Isso significa que a lei

legislativo pelos juízes desvirtuaria o

deve

princípio democrático da soberania

organismo coerente de princípios e

popular (pois esses não foram

que

eleitos, e, portanto não poderiam

ser equitativos, respeitando o devido

criar leis ao sentenciar).

processo

ser

os

aplicada

julgamentos

legal.

Isso

como

devam

afasta

a

discricionariedade ampla concebida 69


por Hart, restringindo o papel da

Como exemplo, podemos citar os

subjetividade

princípios da isonomia, da não

e

das

convicções

morais e políticas no julgamento.

discriminação, da proporcionalidade,

O julgador ideal deveria, em suma,

estabelecer

interpretações

convergentes

com

princípios

decisões

e

existentes

na

da dignidade da pessoa humana,

as

entre outros. Para cada intérprete

regras,

tais expressões terão um significado.

judiciais

Um julgado[1], por exemplo, já

e

absolveu um sujeito que praticava o

não basear-se em seus princípios de

jogo do bicho com base no princípio

conduta pessoal.

da isonomia (se as emissoras podem

Todavia

comunidade

de

explorar os jogos de azar em

Dworkin, embora pareça coerente,

programas de auditório, porque o

não resolve alguns dos problemas

cidadão

da hermenêutica atual.

Como pode a lei das contravenções

Na

a

solução

verdade,

não

poderia?).

as

penais ser aplicada para condenar

inovações apresentadas criaram um

um cidadão, se não é aplicada para

novo problema para o direito. A

o outro? Se o princípio supera a

interpretação puramente gramatical,

norma, não poderia o juiz entender

a subsunção automática do caso

que a expressão “isonomia” prevista

concreto à letra da lei, bem como o

na Constituição abarcaria o caso em

uso

análise e o autorizaria a descumprir

convergente

tradicionais,

como

todas

comum

dos o

métodos lógico,

o

a lei da contravenção?

histórico, o sistemático tornaram-se

Diante desses problemas, o

insuficientes no momento em que o

estudo interdisciplinar do direito e da

foco da exegese deixa de ser a lei e

linguagem, em especial da Análise

passa a incidir sobre os princípios.

do Discurso, torna-se ainda mais

Isso ocorre porque esses são

relevante.

comandos traduzidos em signos mais gerais e abertos do que a lei,

3. Perigos e inconsistências da

portanto, extremamente permeáveis

discricionariedade judicial: a Nova

à subjetividade e à ideologia do

Crítica do Direito de Streck.

intérprete

(dada a vagueza

da

linguagem humana).

Embora a questão do controle da discricionariedade judicial seja 70


ainda

insolúvel,

denominada Direito

a

Nova

Crítica

agrega

não do sentimento de um indivíduo

teoria do

isolado.

humana

Dando

atribuição de sentido aos termos

criticada

descrita

natural da tem

sido

desta seria indevida.

como

Essa teoria recente tateia uma

linguagem

solução,

duramente

completamente.

doutrinadores

embora

não

a

atinja

Sua

falha,

com

entendemos, reside na negação da

argumentos potentes. Streck (2008,

ideologia na decisão, o que vimos

p. 316), na teoria acima nomeada,

nesse artigo ser impossível. Todavia

salienta que o fato de o intérprete

a

“atribuir sentido” ao texto não pode

argumentos válidos que merecem

significar a possibilidade de ele

ser examinados.

“dizer

por

a

interpretação pessoal da lei ou a

o contraponto a esse estudo, a

fenômeno

modo,

argumentos

importantes ao debate.

discricionariedade

Desse

qualquer

coisa”

sobre

proposta

o

de

Streck

Decisões vontade

como se o texto legal e a norma

segundo Streck (2010, p. 85) de “um

aplicada

da

letal déficit democrático”. A teoria da

tivessem

argumentação, em moda hoje, não

existências separadas e autônomas.

resolve o problema hermenêutico

A Nova Crítica surge da fusão

apontado. Segundo essa corrente,

entre a filosofia hermenêutica, a

aquilo que pode ser justificado por

hermenêutica filosófica e a Teoria

meio de argumentos convincentes

Integrativa

será

interpretação

decorre dele)

de

Dworkin

vista

valido

intérprete

na

enunciado, agindo arbitrariamente,

(que

do

baseadas

tem

no

sofrem,

direito!

anteriormente. Defende que existe

indiretamente,

para o cidadão o direito fundamental

argumentação reforça a admissão

a

da discricionariedade judicial, pois se

uma

resposta

(decisão

a

teoria

Então, da

judicial) correta, entendida como

uma

sentença adequada à Constituição

fundamentação convincente, se for

(STRECK, 2010). A justiça não

retoricamente

poderia,

admissível, ainda que contrarie a lei

segundo

essa

tese,

depender da opinião pessoal dos

sentença

apresentar

eficaz,

será

ou a integridade do sistema!

juízes, pois o sentido sobre as leis

Ocorre que, segundo Streck,

decorre de uma intersubjetividade e

a 71

delegação

ao

juiz

de

uma


apreciação discricionária afrontaria

função

as

ressalva

conquistas

constitucionais

social

do

direito.

Essa

limitaria

democráticas. Mesmo diante das

significativamente

vaguezas e ambiguidades dos textos

hermenêutico

legais e no caso dos chamados hard

pretendem, ao julgar, ignorar, ir além

cases, deve haver um limite para a

ou ficar aquém do programa da

interpretação normativa e esse deve

Carta Magna.

ser dado pela ciência do direito

O

o

horizonte

daqueles

chamado

que

protagonismo

(doutrina) com a obediência aos

judicial enfraqueceria a doutrina

princípios

constitucionais.

nacional, já fragilizada por sua

relativismo

associado

à

O nova

própria

inoperância.

A

cultura

hermenêutica é criticado em razão

jurídica hoje, em grande parte, limita-

do perigo de que a hermenêutica

se a produzir resumos e manuais

jurídica

que

seja

absorvida

pelo

reproduzem,

comentam

e

decisionismo irracionalista e por

justificam as decisões dos tribunais,

inquisitorialidades, segundo o qual a

reverenciando

atribuição de sentidos resvalaria

produzidos pelo poder judiciário. Na

para o “vale tudo”.

verdade,

Os partidários da Nova Crítica

desastrosa

os

há de

sentidos

uma

inversão

papéis,

pois

à

não admitem que a decisão seja

doutrina incumbe a crítica vigilante

dada simplesmente “conforme a

às decisões judiciais e a produção

consciência

a

dos conceitos necessários para o

interpretação

esclarecimento da jurisprudência.

impulsionada pela ideologia judicial

Desse modo, a teoria do direito

descrita nesse estudo pode ser

contemporânea “asfixia a realidade”

desastrosa.

(STRECK,

do

“elasticidade”

da

Segundo críticos

da

juiz”,

pois

argumentam

os

2010)

com

uma

abordagem excessivamente teórica

discricionariedade

e subserviente.

judicial, só são admissíveis no

A Nova Crítica do Direito, que

regime democrático as exegeses

parte da Hermenêutica Filosófica,

que recepcionam integralmente os

entende que a significação não está

paradigmas constitucionais, vistos

nem na lei nem no juiz. Surge na

como

e

ação prática dos intérpretes, nasce

indissociável, cujo fim é reafirmar a

do caso e não da lei. Não há uma

um

projeto

conjunto

72


significação “em si”, geral, que

alcance dela; b) considera que os

sobreviva

situações

métodos

clássicos

concretas, do contexto e da história.

histórico,

sistemático,

A norma nasce “a partir” do texto

teleológico) são um caminho seguro

legal pela mão do intérprete, a partir

para “alcançar” os sentidos; c) acha

de uma determinada relação entre

possível descobrir a “vontade” da

sujeitos num tempo, num espaço

norma ou (pior); e) tenta encontrar o

num

espírito do legislador!

fora

das

marco

econômico.

É

social,

cultural,

nessa

realidade

Para

(gramatical, lógico

Streck

(2008)

e

a

concreta que se constitui o sentido

hermenêutica deve resguardar a

da lei, extraindo-se do texto legal a

“sintonia”

“norma”

materialidade

aplicável

subjetividade

(e

do

não

julgador,

na

da

norma da

com

a

Constituição,

nem

preservando a força de seu texto no

tampouco no significado “objetivo in

confronto com o mundo prático

abstrato” do discurso, coisa essa

(faticidade). A hermenêutica deve,

que, aliás, não existe).

pois, partir do caso concreto (e não

As amarras da hermenêutica

da

lei)

ao

realizar

uma

clássica, segundo Streck (2008,

“reconstrução”

do

direito

p.326) levam o interprete à ideia

obrigatoriamente coerente com o

errônea de que primeiro o juiz

projeto da lei maior.

conhece a lei, depois a interpreta, e,

A exegese eficaz não será,

finalmente, a aplica numa situação

portanto, segundo a Nova Crítica,

real. Na verdade, o magistrado

flexível nem totalmente livre, pois

sempre aplica primeiro a norma –

precisa

pois

constitucionalismo principiológico e

se

tem

predeterminada

uma oriunda

visão da

integrar-se

observar

dialeticamente

inevitável pré-compreensão do texto

orientações

legal.

contrário

A

Constituição

baixa (teto

aplicação

da

hermenêutico)

ao

doutrinárias.

surgiria

o

as Caso

perigo

da

ditadura do judiciário.

decorre de uma série desastrosa de

Todavia,

para

proposta

interpretar

um

precisaria ser crítica e racional (afinal

sentido unívoco (único) que está

a ciência do direito é ciência e deve,

“escondido” na norma ou descobrir o

portanto,

desvendar

73

ser

a

essa

erros, pois a doutrina: a) supõe que seja

funcione,

que

doutrina

problematizadora,


avaliativa e engajada). O intérprete

têm extinguido a pretensão punitiva.

deve orientar-se por uma filiação

Tal “violação” da lei penal tem

doutrinária, já que doutrina exprime

ocorrido por força da interpretação

o discurso da ciência do direto (e não

constitucionalista

valores

pessoais

juiz).

Tal

mencionada acima, já que o § 2º do

precisa

se

art. 9º da lei 10.684/03 extingue a

desencastelar e enfrentar os casos

punibilidade do sonegador que paga

difíceis (hard cases). Deve estar não

o prejuízo causado ao Estado. Em

apenas “de acordo”, mas em “defesa

razão da alta lesividade social desta

bélica” do Estado Democrático de

conduta, e à luz do princípio da

Direito.

a

isonomia, é justa a sentença que

interpretação à luz da Nova Crítica

admite igual tratamento ao autor de

do Direito não fica ao arbítrio da

furto,

subjetividade do juiz.

semelhante

doutrina,

do

principiológica

contudo,

Vê-se,

pois,

que

pois

este ao

prática

fato

cometido

pelo

Por outro lado, o hermeneuta

sonegador (crime sem violência

deve sim ser livre para interpretar a

contra o patrimônio) e bem menos

lei, quando precisar rejeitar aquelas

grave!

ditadas pelas “maiorias políticas

Todavia

para

eventuais” (STRECK, 2008), que

o establishment, é mais grave furtar

legislam

do que sonegar impostos! Nesse

temerárias,

em

circunstância afrontando

a

caso concreto, pela recusa da lei, há

programaticidade constitucional e

uma

aparente

subtraindo do povo as conquistas

interpretativa, mas na verdade, a

sociais.

interpretação

foi

flexibilidade

coerente,

Um exemplo de interpretação

sistemática e amarrada à lei maior,

judicial que “recusa” a lei vigente em

e, por isso, não se confunde com a

proveito de um princípio (nesse caso

subjetividade

o da isonomia) é a sentença que

discricionariedade

isenta de punibilidade o acusado de

analogia visualizada pelo juiz entre

furto que indeniza a vítima antes do

os casos de furto e o de sonegação

recebimento da denúncia. Embora o

foi

Código Penal, em seu artigo 16,

fundamentada na decisão. Nesse

determine apenas a redução da

caso, não se trata de atribuir ao

pena nesse caso, alguns tribunais

termo legal uma valorização pessoal, 74

ou

coerentemente

com

a

judicial.

A

descrita

e


mas

de

respeitar

constitucional,

a

pauta

O novo padrão hermenêutico

que

deve, pois, segundo Streck (2010)

ainda

desprezando a norma menor.

preservar a autonomia do direito,

Em suma, a hermenêutica,

garantindo

sua

segundo a Nova Crítica do Direito,

coerência

(evitando

não abre espaço para a relatividade

contraditórias);

das múltiplas respostas, para a

controle da interpretação (limitando a

arbitrariedade e para o decisionismo.

discricionariedade). O cidadão deve,

Afinal, qual seria o sentido da

pois, ter critérios claros para avaliar

hermenêutica se qualquer resposta

se a decisão judicial recebida foi

(aplicação) fosse possível? O que

adequada e constitucional. Tem

seria da exegese se se admitisse

direito a uma decisão e não a uma

que o direito é aquilo que o intérprete

escolha. O direito não admite que o

autorizado (poder judiciário) diz que

juiz “escolha” uma dentre várias

é?

soluções A vontade de quem “pode

o

sistema

próprio

direito?

desgovernado

decisões

estabelecer

possíveis,

e

pois

o

toda

escolha é discricionária.

dizer a aplicação” (o juiz), seria, então,

integridade

O que deve se manifestar

Esse

numa decisão não é a subjetividade,

geraria

mas a pré-compreensão do sentido

recursos infindáveis aos tribunais e

(que

decisões injustas. Portanto, toda

política e pelos princípios e não pela

sentença deve ser racionalmente

moralidade de cada julgador). As

justificada e fundamentada com

discussões éticas e morais dos

respaldo constitucional e apoio dos

problemas jurídicos que afligem a

vetores doutrinários.

sociedade devem ser realizadas na

diferente

de

Isso é bem admitir

é

dada

pela

comunidade

esfera pública (e não pessoal). Os

a

discricionariedade, ou a escolha de

consensos

“qualquer resposta”. Esses são os

apresentados

pressupostos. A partir deles se pode

científica

avaliar se uma decisão é adequada.

síntese das questões debatidas), e

Sempre

devem, pois, ser acatados pela

deve

ser

possível

à

sociedade distinguir boas e más

jurídicos

pela

à

devem

ser

comunidade

doutrina

(como

jurisprudência.

decisões.

Como

resultado

dessa

afirmação fixa-se a ideia de que o 75


texto da lei deveria ser levado mais a

Como vimos, a distinção entre

sério. O juiz poderia interpretar a lei,

o discurso político e o discurso

mas dentro de limites, não podendo

jurídico decisório atenuou-se e a

desprezá-la, simplesmente, porque

hermenêutica

tem visão política de direita ou de

ampliação do valor e do poder da

esquerda ou porque sua religião não

argumentação.

admite isso ou aquilo. A liberdade

discricionariedade crescente trouxe

decisória

novos problemas e surgiram novas

teoria,

valeria,

apenas

segundo dentro

horizonte

essa

de

teorias

para

Mas

pretendendo

a

a

controlá-

sentido

la. Todavia, os argumentos até aqui

constitucionalmente “possível”. Fora

apresentados são insuficientes para

daí, deveria ser combatida. Na

enfrentar a questão, já que não

dúvida o juiz deveria optar pela

encaram a sentença pelo viés da

interpretação que, do ponto de vista

linguagem,

da moral política, melhor refletisse

humano.

a

de

um

caminhou

estrutura

das

harmonizando-se

instituições

discurso

Streck (2007) denuncia a baixa aplicabilidade/efetividade da

(DWORKIN,

Constituição no Brasil. Tal sub-

1999). Desse modo, a decisão

aproveitamento do Texto Maior,

deveria estar comprometida com o

sentido

todo, de modo que o caso julgado

destinatários dos direito coletivos,

fosse colocado dentro da cadeia de

difusos

integridade do direito. Mesmo diante

desfavorecidos

dos princípios ditos abertos, existiria

deriva, segundo ele, dos déficits

uma pauta, uma solução projetada

interpretativos.

e

vigente

o

um

direito

histórico

com

como

pela comunidade política que se harmonizaria

com

a

com

e

mais

rigor

pelos

pelos

segmentos

da

população,

Entendemos que parte da

história

crise hermenêutica que vivenciamos

institucional do direito.

deve-se à negligência dos que a estudam em encarar a ideologia como

4.

Da

insuficiência

das

teorias

incontornável

no

discurso

decisório.

jurídicas para lidar com o discurso

Incumbe à doutrina elucidar o

decisório

caráter e a legitimidade das decisões jurídicas políticas, sendo necessário 76


definir melhor o papel dos juízes na

sem precisar ter razão! Ora, para

interpretação

convencer um auditório, basta ter

com

base

na

legitimação social, especialmente

habilidade

quando se reconhece que o direito

argumentos.

nem sempre coincide com a lei. É

decisão não é preciso estar certo,

consenso na atualidade jurídica que

apoiado na verdade, nem ter razão.

o

foi

Se a convicção do juiz é livre

da

(bastando ser “motivada”) juízes com

Constitucionalidade, mas não se

habilidades persuasivas poderiam

sabe ao certo o que é isso, nem

sentenciar como quisessem. Afinal o

como se faz na prática. É verdade

direito é o reino do verossímil e não

que os juristas precisam vigiar e

do verdadeiro!

Princípio

da

superado

Legalidade pelo

provocar a sociedade sempre que as decisões

ofendam

manipular

Para

motivar

os uma

Argumentariam os seguidores

princípios

de Dworkin que não é bem assim, já

constitucionais e que os juízes

que a decisão só pode ser dada

devem se pautar por eles. Porém

dentro

essa

não

constitucionais! Bonito, mas isso

coisa.

também nada esclarece. Qual o

tal

alcance, por exemplo, o princípio da

“fiscalização da ação judicial” não é

redução das desigualdades sociais?

simples.

Significa que o juiz deve dar ao

afirmação

esclarece

os

em

também

muita

Primeiramente

Não

evidentemente,

porque

a

se

pode,

parâmetros

a

negro uma possibilidade de inclusão

autonomia do judiciário, a qual

universitária, validando o sistema de

decorre

cotas,

mesmo

constranger

dos

da

permissão

em

detrimento

de

um

constitucional de decidir de acordo

candidato branco, cuja nota no

com a livre convicção motivada (e

vestibular foi maior, para impulsionar

isso nos lança para o mundo da

o equilíbrio social? Ou não? E uma

retórica)! Ora, toda e qualquer

decisão, nesse mesmo caso, que

convicção

impedisse o acesso ao negro à

pode

Schopenhauer,

ser

motivada.

analisando

os

universidade, considerando que a

poderes sensacionais da retórica,

política de cotas da instituição de

escreveu um livro lapidar, cujo título

ensino fere o princípio da isonomia?

ilustra

Estaria

magistralmente

o

problema: Como vencer um debate

certa?

Ou

errada?

Na

prática, hoje existem muitos conflitos 77


que,

em

alguma

embates

políticos

medida,

são à

para a democracia e também para

Judiciário,

que o oposto não ocorra, com a

como: i) os limites da liberdade de

proliferação de juízes formalistas,

imprensa diante do direito individual,

servos, míopes e sem coração.

apreciação

do

submetidos

não se torne um super (poder) vilão

Poder

da dignidade da pessoa humana e

Por

essa

a

razão,

associação

torna-se

do direito à privacidade; ii) os

crucial

entre

programas de ação afirmativa que

hermenêutica jurídica e a Análise do

visam equilibrar as relações sociais

Discurso,

disciplina

que

por meio da distribuição de cotas e o

fundamentará

as

aqui

princípio da igualdade; iii) o direito à

propostas.

reflexões

a

propriedade em confronto com o argumento

da

redução

das

5.

Análise

desigualdades sociais, entre outros

hermenêutica

temas em que a lei conflita com o

necessários

do

discurso

jurídica:

e

enlaces

ideário político entre outros. impasse

“O direito senhorial de atribuir

hermenêutico está longe de ser

nomes vai tão longe que se deveria

pacificado. Porém o caminho passa

conceber

necessariamente

linguagem como expressão de poder

Como

vimos,

o

pelo

estudo

a

origem

dominadores:

da

eles

própria

linguístico que encara a sentença

dos

dizem

como discurso.

“isso isso”, eles selam qualquer a

coisa e acontecimento com um sinal

ideologia nos acórdãos e sentenças,

fonético e, por meio disso, tomam

embora seja inconsciente para quem

posse dele”.

É

preciso

admitir

que

a propaga, é insuperável e tem

(Nietzsche)

definido destinos, dando tratamento desigual a direitos iguais, ferindo a

Segundo o linguista holandês

legalidade, a equidade e o devido

Van Dijk (2010), poucas pessoas

processo legal (e isso nos lança para

têm a liberdade para dizer e escrever

o mundo da análise do discurso).

o que querem, onde e quando

Isso

tudo

deve

ser

querem e para quem querem. A

delicadamente avaliado (eis aí uma

escola, os livros didáticos, a mídia,

tarefa sutil) a fim de que o judiciário

os governos, os grupos profissionais, 78


a igreja, entre outros controlam o

próprio

conhecimento,

causando,

discurso.

por vezes, um uso ilegítimo ou um

Desse modo, de acordo com

abuso de poder, informando os

os papéis sociais, realiza-se uma

cidadãos de acordo com interesses

doutrinação ideológica nos grupos e

dos grupos dominantes. Esse abuso

organizações,

do poder é chamado por Van Dijk

condicionando

a

de dominação.

aprendizagem e a percepção. As tendências podem manifestar-se de modo

difuso

sempre

mais especificamente no texto da

imperceptíveis para os envolvidos.

sentença, compreendemos que o

No

na

mesmo processo ocorre, pois esse

dela

também é um tipo de discurso

participam os autores de livros

humano. Soares assinala que a

didáticos, os editores, aqueles que

interpretação da lei é valorativa e

definem os parâmetros curriculares,

revela a convicção do hermeneuta

o Ministério da Educação e os

sobre o fato e sobre a norma.

professores,

que

estar

Portanto, o juiz revela seu conjunto

convencidos

de

livros

de valores quando explora uma

caso

e

da

educação,

são

No caso do discurso jurídico,

manipulação

por

exemplo,

devem que

os

didáticos indicados são bons. Esse

exemplo

regra ou princípio aplicável ao caso

pode

ser

concreto (2010).

multiplicado para os outros grupos e domínios

da

sociedade,

Cada norma positiva tem um

como

conjunto

de

interpretações

política, saúde, empresas, judiciário,

plausíveis de acordo com o uso

entre

linguístico dos termos e expressões

outras.

Além

disso,

as

restrições sociais como normas,

que

etiquetas e mesmo as leis exercem

aplicação

um controle das mentes e regulam o

sempre a definição de um significado

que pode ser dito, compreendido e

para um termo da lei, considerando

pensado.

todos

Van Dijk (2010) notou que os

formam

a

do

os

proposição.

direito

demais,

A

envolverá

igualmente

admissíveis.

membros de diferentes culturas e

A Análise do Discurso, teoria

estruturas sociais estão envolvidos

da linguagem em que se baseia esse

num

estudo, considera toda comunicação

processo

discursiva

de

compatível

reprodução com

seu

humana 79

um

ato

linguístico


visceralmente inscrito na totalidade

na década de 1980 pelos trabalhos

social. Sendo assim, a sentença,

de Eni Orlandi (UNICAMP).

como

ato

discursivo,

sofre

a

A AD compreende que toda

influência da ideologia do juiz e

emissão textual (discurso) envolve

reflete a visão de mundo deste (em

um sujeito ativo (quem fala ou

sua

escreve)

fundamentação).

Então,

a

determinado

pelas

decisão judicial, tanto no momento

categorias sociais a que pertence. É

em que o juiz interpreta a lei quanto

uma disciplina dialética que se

em sua justificação, no momento em

estrutura no vão entre a linguística e

que o juiz argumenta, jamais poderia

as ciências das formações sociais,

ser

pois

lidando com as lacunas dessas duas

humano

disciplinas. Questiona, na linguística,

palavras

sua alienação, pela negação da

considerada

nenhum

“neutra”,

discurso

concretizado

mediante

(signo verbal) é neutro.

historicidade, a qual, segundo a AD,

O sujeito (juiz) nunca é uma

sempre aparece de algum modo

folha em branco e não fala a partir do

inscrita

nada. A voz de comando contida na

ciências das formações sociais, a AD

sentença,

se insurge contra a noção de que

que

é

um

discurso

na

linguagem.

nas

performático (pois cria obrigações,

uma

sanções e direitos) expõe, ainda que

transparente

de modo contraditório em diferentes

segundo pensam os analistas do

julgados,

discurso, a neutralidade discursiva é

a

opinião

de

uma

linguagem

possa

(neutra),

ser que,

um mito.

Instituição, o Poder Judiciário e de um sujeito, o juiz, o qual ocupa e

No

âmbito

do

direito,

a

representa esse poder. Nesse caso,

AD pode ser pensada como eixo da

mais

reorientação de todo o estudo da

importante

se

torna

compreender o texto decisório à luz

hermenêutica,

das recentes teorias da linguagem,

novas reflexões e perspectivas.

entre elas a AD.

acrescentando-lhe

O

Os estudos da AD iniciaram-

hermeneuta,

tradicionalmente, é o jurista que

se na França, na década de 1960, a

busca

partir

Michel

interpretando seus termos. Já o

Pêcheux e foram trazidos para Brasil

analista do discurso busca não o

das

reflexões

de

sentido, 80

o

sentido

mas

o

de

uma

lei,

entendimento


dos processos de produção do

o contexto é: a) sócio-histórico; b)

sentido. Essa diferença é crucial.

ideológico; tais elementos estão ligados à forma da sociedade e de

Por meio da AD pode-se

suas Instituições.

concluir que as escolhas de quem “fala” a lei (legislativo) e de quem a

Uma Formação Discursiva é

“interpreta” (judiciário) não são livres,

aquilo que numa dada formação

mas

ideológica – ou seja, a partir de uma

histórica

e

socialmente

determinadas.

posição dada em uma conjuntura sócio-histórica concreta – determina

Na hermenêutica tradicional da

o que pode e deve ser dito pelos

interpretação da lei) o sentido é visto

sujeitos que dela provém. O sentido

como um conteúdo (a ser fixado). O

não existe em si, mas é determinado

objetivo

por

(teoria

da

compreensão

do

e

hermeneuta

é

posições

ideológicas

subconscientes e anteriores à fala.

estabelecer um sentido inequívoco para o termo, para a frase, para a lei.

Assim sendo, as palavras

Já a AD reconhece o equívoco como

mudam de sentido segundo as

necessário, inerente e constitutivo da

posições

linguagem humana.

empregam (posição de professor, de

Para a AD os sentidos de um

aluno,

daqueles

de

padre).

que

O

as

termo

texto ou palavra estão ligados a duas

“ocupação” ou “invasão” de terras

condições:

de

tem um sentido para o proprietário

produção, doravante denominada

da terra e outro, muito diferente, para

CP e b) Formações Discursivas, as

o sem–terra.

chamadas FD. Portanto nenhum

racial” tem um significado para o

discurso é totalmente inequívoco ou

branco que ocupa uma posição na

transparente, pois vem carregado

elite e para o negro que ocupa uma

dessas marcas.

posição na periferia social. O mesmo

a)

Condições

Condições de Produção (CP) compreendem

os

sujeitos

e

O termo “igualdade

se diga dos valores como dignidade,

a

propriedade,

entre

outros.

A

situação (contexto) de um discurso.

expressão “vida” significa para o

Em sentido estrito entende-se o

padre algo muito diferente do que

contexto imediato como a) quem

significa para o jurista e para o

fala, b) o que fala, c) para quem fala

biólogo, pois os discursos religiosos,

e d) de onde fala. Em sentido amplo

jurídicos e científicos, em que cada 81


um

deles

teve

discursiva

(FD)

sua

formação

engendrada,

O homem é condicionado

é

pelas relações sociais e coerções

totalmente diverso. Desse modo,

impostas pela sociedade. O poder de

cada qual atribuirá um sentido

escolha está ligado à voz aceita em

diferente ao termo “vida”.

razão da experiência de cada um em seu meio. Desse modo, somos

A formação ideológica é, pois, uma

influenciados pelo conjunto de vozes

social,

que formaram nossa ideologia e

conjunto de

iremos reproduzir isso com nossa

representações e ideias que não

própria voz. A sociedade classifica

existem dissociadas da linguagem.

os objetos de conhecimento de certa

O homem constrói seu discurso com

maneira e em razão da experiência,

a sua formação ideológica. Ela nos

atribui-lhes valores.

a

visão

de

mundo

determinada

de

classe

entendida como

impõe o que pensar, enquanto a

Calcada

no

materialismo

formação discursiva nos impõe o que

histórico, a AD concebe o discurso

fazer

como

(dizer).

Ambas

são

uma

manifestação,

relacionadas e inseparáveis para a

materialização

expressão do pensamento.

decorrente do modo de organização

No caso do discurso judicial o

da

uma

ideologia

dos modos de produção social.

assunto é bastante polêmico, até

(MUSSALIM, 2001, p. 110).

mesmo porque, segundo Mussalim

E mais:

(2001, p.110) o sujeito não tem

O contexto histórico-social,

consciência de que sua ideologia

então, o contexto de enunciação,

interfere na sua formação discursiva.

constitui parte do sentido de discurso

[...] o sujeito do discurso não poderia

e não apenas um apêndice que pode

ser considerado como aquele que

ou não ser considerado. Em outras

decide sobre os sentidos e as

palavras, pode-se dizer que, para a

possibilidades

do

AD, os sentidos são historicamente

próprio discurso, mas como aquele

construídos. (MUSSALIM, 2004, p.

que ocupa um lugar social e que a

123).

enunciativas

Assim, o sujeito não é livre

partir dele enuncia, sempre inserido lhe

para dizer o que quer, o que tem a

permite determinadas inserções e

dizer é determinado pelo lugar que

não outras. [grifo nosso]

ocupa

no

processo

histórico,

que

82

e

por

sua

formação


ideológica, constituindo a estrutura

A

ideologia

passa a

ser

de seu caráter, de sua imagem no

dominante em razão dos chamados

próprio processo discursivo.

aparelhos ideológicos:

A AD não estuda a língua,

A

ideologia

da

classe

nem a gramática, embora a língua e

dominante não se torna dominante

a gramática lhe interessem. Ela

por obra da graça divina, nem

estuda o discurso: a palavra em

mesmo pela virtude da simples

movimento, a prática de linguagem e

tomada de poder de Estado. É pela

entende esta como a mediação

instauração dos AIE, em que esta

necessária entre o homem e a

ideologia é realizada e se realiza,

realidade natural e social.

que

Explora a linguagem a partir

ela

se

torne

dominante.

(ALTHUSSER, 1980, p.118).

de um deslocamento, pois não

Qualquer instituição, desde a

trabalha com a língua enquanto

menor até a mais influente, contribui

sistema abstrato, homogêneo, mas

para a perpetuação da ideologia e

com

funciona como aparelho ideológico

a

língua

no

mundo,

compreendendo as maneiras de

(escola,

igreja,

administração,

significar, indagando a produção de

judiciário, sindicatos, mídia etc.).

sentidos enquanto parte da vida dos

O sujeito, para a AD, não é

homens em sociedade. Desse modo

pensado como o sujeito empírico (de

a AD interroga a linguagem pela

carne e osso), ou biológico (ser

ótica da historicidade.

natural), ou ainda gramatical; mas

Para o Materialismo Histórico,

como sujeito psicanalítico, clivado,

o homem faz história, mas essa não

dividido. Por clivado entende-se que

lhe é clara e transparente. A história

quem fala sempre exterioriza algo

é afetada pelo simbólico e se

que é produto de seu inconsciente,

organiza tendo como parâmetro as

algo

relações de poder e de sentidos e

inacessível à percepção. As marcas

não a cronologia: não é o tempo

deixadas pela Formação Discursiva

cronológico que organiza a história,

(FD) a que pertence o sujeito são

mas as relações de e com o poder (a

invisíveis a sua consciência (quem

política). (ORLANDI, 1990).

fala

que

não

está

num

percebe

patamar

que

está

condicionado, mas imagina que é

83


livre para pensar e falar do modo

fala. É na linguagem (e, no caso

como pensa e fala).

desse estudo, na linguagem da

Tais

marcas,

embora

sentença) que o inconsciente e a

indeléveis, não são notadas pelo

ideologia

sujeito. Desse modo, o proletário fala

materializam.

de

acordo

com

sua

se

concretizam

e

Formação

A AD não procura atravessar

Discursiva (FD). Do mesmo modo o

o texto para encontrar um sentido do

proprietário, o padre, o professor,

outro lado. Não pergunta o que o

etc.

O sujeito discursivo funciona

texto significa, mas como o texto

pelo inconsciente e pela ideologia. É

significa. Não considera o sentido

afetado pelo real da língua e pelo

como

real da história, sem ter controle

com o que a linguagem quer dizer,

sobre o modo como língua e história

mas investiga como a linguagem

o afetam.

funciona.

“conteúdo”,

não

trabalha

Para Pêcheux, é como se

Importa para o entendimento

houvesse uma ‘máquina discursiva’,

da AD um esclarecimento sobre a

um dispositivo capaz de determinar,

definição do termo ideologia, dotado

sempre numa relação com a história,

de diferentes significados ao longo

as possibilidades discursivas dos

da história. A palavra “ideologia”,

sujeitos inseridos em determinadas

desde 1810, passa a ser entendida

formações

como

sociais.

(MUSSALIM,

2001, p. 106). O

sujeito

sinônimo

da

atividade

científica que procurava analisar a moderno é

ao

faculdade de pensar. Napoleão lhe

mesmo tempo livre e submisso,

um

sentido

como por exemplo, pode-se citar o

considerando

sujeito jurídico, que é sujeito a

doutrina sem fundamento objetivo,

deveres e a direitos (subordinação

perigosa para a ordem estabelecida.

às leis). Usa a língua como efeito da

Marx e Engels criticavam os filósofos

materialidade histórica, mas o faz de

alemães pela sua visão “abstrata e

modo inconsciente.

ideológica”, por não relacionarem a

a

pejorativo,

ideologia

uma

O homem aprende a ver o

filosofia à realidade. Para eles, as

mundo pelo filtro dos discursos que

ideologias colocam os homens e

assimila e, na maior parte das vezes,

suas relações de cabeça para baixo.

reproduz esses discursos em sua

Para os marxistas, a ideologia é um 84


instrumento de dominação, porque a

onde provém. Desse modo o “sujeito

classe dominante faz com que suas

do discurso” já foi “sujeito a um

ideias passem a ser ideias de todos;

discurso”

é ilusão, inversão da realidade,

inconscientemente.

que

irá

reproduzir

mentiras que parecem verdades a

Pelo exposto, nota-se que o

serviço dos que detém o poder.

estudo da AD é importante para o

(ORLANDI, 1990).

Direito, que se constitui de discursos.

Para a Análise de Discurso,

Especialmente para a hermenêutica,

todavia, a ideologia não é mentira,

que busca sentidos no texto da lei, o

nem

conhecimento dessa disciplina é

ilusão,

nem

inversão

da

realidade. É o mecanismo que

fundamental,

produz evidências. Não é fruto de

mudanças radicais de concepção.

ideias, mas de práticas que se dão

As

por meio da linguagem. É efeito da

evidentes, pois ao interpretar a lei, o

relação necessária do sujeito com a

juiz atribui sentido às palavras em

língua e com a história. “O indivíduo

razão de sua Formação Discursiva e

é interpelado pela ideologia para que

não apenas em razão da aplicação

produza o dizer”. A evidência do

de

sentido é que faz com que uma

hermenêuticos como se concebia

palavra designe uma coisa; faz ver

adequado no passado.

como transparente aquilo que se constitui não

pela natureza

implicações

um

que

propõe

práticas

conjunto

de

são

métodos

A utilização convergente dos

do

métodos hermenêuticos (tais como o

objeto, mas pela remissão a uma

gramatical,

determinada

Formação

sistemático, histórico, sociológico),

Discursiva. Uma palavra significa

embora seja uma operação mental

algo em razão do local em que é dito.

necessária,

Socialismo, por exemplo, pode ter

determinar o sentido da lei, como

um significado para o socialista e

atestam

outro,

emanadas dos tribunais em casos

bem

diferente

para

o

capitalista.

as

lógico,

é

teleológico,

insuficiente

diferentes

para

decisões

análogos e em contextos iguais.

Nesse sentido, o indivíduo

A

operação

hermenêutica

nunca “diz” o que “quer”, mas o que

deve, pois ser entendida à luz das

“pode” em razão dessa influência

recentes teorias da linguagem para

sofrida pela formação discursiva de

que o direito possa evoluir também 85


com o impulso dado pelas ciências

que quase a totalidade (96,5 %) dos

afins.

magistrados atividade

exerceu

alguma

econômica

antes

de

6. Casos: AD aplicada à exegese

ingressar na carreira, o que sugere

dos termos “isonomia” e “racismo”

que não pertencem às classes mais

nos discurso dos tribunais

altas da sociedade. A conclusão mais relevante

O

ditado

popular

“cada

da pesquisa para esse estudo é a de

cabeça uma sentença”, como vimos,

que os magistrados têm perfil e

pode ser parcialmente explicado

formação plural, os mais velhos (a

pela AD. A formação discursiva de

maioria tem entre 31 e 50 anos) são

nossos magistrados interfere em

mais legalistas e mostraram-se mais

suas sentenças.

descontentes

com

as

ações

nesse

afirmativas. Os mais jovens (com até

ponto a origem dos magistrados, ou

30 anos) são minoria (5,4%). Os que

seja,

Deve-se

considerar

o

recrutamento.

contexto

de

têm menor tempo na magistratura

Sadek

(apud

apresentam-se mais sensíveis aos

OLIVEIRA, 2011, p. 65), apresenta

problemas

uma de pesquisa de 2005, realizada

preocupados

com 28,9% do total dos magistrados

transformação

brasileiros. O estudo traça um perfil

magistratura, conclui a pesquisa,

da magistratura brasileira e verifica

está

que a maioria dos juízes ainda é do

momento de transformação, o grupo

sexo masculino (72,9%), embora

de

venha aumentando o número de

heterogêneo,

com

mulheres. São, na maioria, formados

principalmente

em

em

direito

formação, região do país, sexo,

públicas, não são provenientes da

idade e tempo de ingresso na

elite econômica e social brasileira.

carreira.

faculdades

de

e

em

estão em

mais

atuar

na

social.

movimento.

magistrados

A

Nesse

é

muito diferenças

razão

da

Apenas 38,6% dos juízes têm pai

Outra conclusão importante

com ensino superior completo. E

(SADEK apud OLIVEIRA, 2011, p.

apenas

67)

mulheres

23,2% mães

são

filhos com

de

é

a

de

que

a

formação

jurídica recebida na universidade é

nível

violentamente

universitário. É interessante notar 86

determinante

da


formação ideológica levando cada

No

mesmo

sentido,

um

indivíduo a se inserir no contexto do

recurso do Rio Grande do Sul

pensamento

(Apelação

dominante

em

sua

instituição (legal thinking). Oliveira

(2008),

cita

contemporâneas,

2008.71.00.004810-3/RS), a relatora como

Marga Inge Barth Tessler afirma:

exemplo do que se afirma neste artigo,

Cível

A presente ação trata da

decisões de

Afirmativas da UFGRS, estabelecido

tribunais da Bahia, em matéria

mediante os termos da Resolução

referente à inclusão de negros pelo

sistema de cotas na universidade,

Universitário - CONSUN. Tenho

implantado

posicionamento contrário ao sistema

Federal

extraídas

legalidade do Sistema de Ações

pela da

Universidade

Bahia

(UFBA).

de

134/2007

cotas

da

do

forma

Conselho

como

foi

Candidatos brancos, preteridos pelo

implantado. Na oferta e seleção dos

sistema inclusivo, ingressaram na

candidatos devem ser observados

justiça, na mesma época, em busca

os artigos 5º, 37 e 206 da Cosntitui-

de uma decisão.

-ção Federal de 1988, com especial

Um

dos

ênfase, à legalidade, imparcialidade,

magistrados

assevera que:

moralidade, publicidade e eficiência.

o simples fato de alguém

A Universidade não tem autonomia

declarar-se pardo nem o torna pardo,

para criar um "direito de raça" para

nem muito menos necessitado do

seleção

privilégio de ingressar pelo sistema

afirmativas podem e devem ser

de cotas [...] A resolução da UFBA

promovidas pelo Estado, mas se, ao

apresenta-se ofensiva ao princípio

implementá-las, o Estado quebra os

da isonomia.” [grifo nosso].

princípios constitucionais regedores

de

alunos.

As

ações

Oliveira cita ainda:

da espécie, como aqui, a igualdade

O fato de alguém nascer

de acesso, sem distinções de raça,

negro ou pardo não pode servir

sexo,

como

obviamente

critério

de

ingresso

em

cor,

etc.,

necessita-se

de

interposição

instituições de ensino, por que o fator

legislativa. É o Parlamento que

cor nada tem a ver com o ensino

legitimamente obriga a todos. É o

público. (p.98)

princípio da dominação democrática, a quebra só pode ser feita pela lei, 87


emanada

do

Legislativo.

[grifo

sobre outras minorias (estrangeiros)

nosso].

no ocidente, o poder dos grupos

Tais

discursos

revelam

brancos ainda se manifesta no

nitidamente a formação ideológica

discurso,

de

primeiro

modificado. Apesar de as fontes

admite a diferença racial, mas não a

históricas documentarem o emprego

considera significativa e não a

secular a dofensa racial, ela é muitas

enfrenta, o segundo não enxerga o

vezes negada pelo branco. Com a

problema do racismo na sociedade

mudança das leis, o racismo verbal

(a cor nada tem a ver com ensino

diminui formalmente, e o tratamento

público)

embora

depreciativo direto diminuiu também,

“defenda” as políticas afirmativas,

mas mesmo a fala sobre a negação

entende que só o legislativo pode

do

resolver

consequências

seus emissores:

e

o

a

o

terceiro,

questão

(ênfase

na

porém

racismo

de

ou

modo

de

pode

suas

sinalizar

a

legalidade). Tal decisão é compatível

superioridade do falante e do grupo

com a formação jurídica que prioriza

branco, denunciando ao conflito na

o normativismo, visão essa ainda

comunicação interétnica. É comum

predominante no direito. Mostra-se a

que o discurso racista do branco

relatora muito mais preparada para

apresente-se

interpretar

tentativa

o

direito

do

que

a

de

velado

e

com

a

contrabalancear

o

realidade. Filiam-se os três julgados

preconceito com afirmações do tipo

à formação tradicional hegemônica,

“sou tolerante”, “não sou racista”,

enfocando as normas processuais

“não tenho nada contra eles” “há

supostamente aviltadas e tornam a

alguns deles (negros) realmente

questão

bons”. Tais contrastes evidenciam a

da

desigualdade

racial

competição entre os grupos (nós, os

invisível e alheia ao direito. Os textos decisórios podem

brancos e eles, os negros). Um

ser relacionados com os estudos de

recurso interessante na fala racista é

Análise

a

Crítica

do

Discurso,

empreendidos

por

Van

Dijk.

Analisando

fala

racista

dos

a

chamada

transferência,

uma

estratégia semântica que tenta a autoapresentação

positiva

do

brancos europeus, o linguista faz

emissor, mas insinua sutilmente o

descobertas

racismo

interessantes.

No

discurso sobre o negro e também 88

“Eu

não

me

importo


que eles façam tal coisa, mas outras

[...] fato irrecusável é que à figura do

pessoas podem se importar”.

negro

Ainda em seus estudos, o linguista

holandês

revela

associou-se,

imbricou-se

mesmo uma conotação de pobreza

uma

que

a

disparidade

acaba

por

estratégia do discurso dominante

encontrar dupla motivação: por ser

que notamos sutilmente no julgado

pobre

acima:

presumidamente injustiça

Uma estratégia de tal discurso dominante

é

definir

de

ou

forma

por

ser pobre

esta,

universidades,

negro, [...]

A

presente:

as

formadoras

das

persuasiva o status quo étnico como

elites, habitadas por imensa maioria

“natural”, “desejável”, “inevitável”, ou

branca [...] ver a disparidade atual e

até

mesmo

“democrático”,

por

aceitá-la

comodamente

é

uma

exemplo, através da negação da

atitude racista em sua raiz. [grifo

discriminação ou racismo, ou através

nosso].

da desracialização (de-racialising) da

desigualdade

através

E, no mesmo acórdão, citado

de

por Oliveira (p. 101):

redefinição em termos de classe, diferença

cultural

ou

É simplismo alegar que a Constituição

das

proíbe

consequências especiais (únicas e

discrimen fundado em raça ou em

temporárias) do status de imigrante

cor. O que, a partir da declaração

[negro]. (DIJK, 2010, p. 96).

dos direitos humanos, buscou-se

A seguir veremos acórdãos

proibir foi a intolerância em relação

sobre a mesma questão resultantes

às

de outro tipo de formação discursiva.

desfavorável a determinadas raças,

Tais

o

a sonegação de oportunidades a

racismo no Brasil, os problemas dele

determinadas etnias. Basta olhar em

decorrentes e consideram a questão

volta para perceber que o negro no

do ponto de vista histórico e social.

Brasil não desfruta de igualdade no

discursos

reconhecem

O Rel. Des. Fed. Carlos

diferenças,

o

tratamento

que tange ao desenvolvimento de

Eduardo Thompson Flores Lenz

suas

(Julg. 26/08/2008; DEJF 23/07/2009,

preenchimento

do TRF 4ª R.; AI 2008.04.00.013342-

poder. [...]

4; RS; Terceira Turma), entende

potencialidades

E

que:

ainda

dos

e

espaços

citando

ao de

Oliveira

(p.108), um terceiro magistrado, em 89


outro caso relacionado a cotas universitárias

para

Apenas à luz da AD e do

negros,

entendimento

sentencia:

das

formações

A

medida

Universidade

adotada implica

discursivas

determinaram

a

(que

atribuição

de

a

sentidos dada ao termo por cada um

discriminação de todas as demais

dos juízes) é que se pode lidar com

etnias [...] Não se trata, pois, de um

as

conjunto de medidas violadoras do

constitucionais, o que reafirma o

princípio da isonomia. As medidas,

perigoso

em

argumentativo do discurso decisório,

verdade,

não

pela

diferentes

demonstram

preocupação

de

é

a

tratar

diferentes

interpretações

traçado

principalmente

retórico-

considerando

a

desigualmente os que se encontram

identidade de contextos nos três

em

casos julgados.

situação

de

desigualdade,

propiciando - aí sim! - a isonomia no

Outro exemplo paradigmático

que toca ao direito de acesso ao

pode

ensino

proferida em 2003 pelo Supremo

superior

gratuito.

[grifo

nosso].

ser deduzido

da

decisão

Tribunal Federal, sobre a polêmica questão do discurso do ódio (hate

Como se nota, nestes últimos, magistrados

speech) no Habeas Corpus82.424

condicionantes

– [2] o denominado “caso Ellwanger”

históricas no desequilíbrio racial

–, julgado em 17 de setembro de

brasileiro, revela uma visão do direito

2003. O STF apreciou o pedido

mais conectada a realidade do que

de writ decorrente da condenação do

às normas e analisa estruturalmente

réu, escritor e sócio de uma editora

a questão da desigualdade com

por delito de discriminação contra os

maior sensibilidade.

judeus, consubstanciado em uma

a

postura

reconhece

A não

dos as

hermenêutica

encontraria

tradicional

subsídios

publicação

para

hostil

de

conteúdo

antissemita, distribuída e vendida ao

justificar tamanha disparidade na

público.

atribuição de sentidos ao termo

O julgamento confrontou os

“isonomia”. Cada julgador, ao decidir

limites da liberdade de expressão

de modo diferente, põe em questão

diante da intolerância racial, em vista

a equidade das sentenças e a

de seu potencial disseminador do

segurança jurídica.

ódio racial. Nesse sentido, o cerne 90


da

questão

está

no

fato

de

A

interpretação

do

termo

direitos

“racismo” à luz do entendimento do

fundamentais potentes: o direito à

Ministro Gilmar Mendes, considera

liberdade de expressão e o direito à

para

não-discriminação.

antissemitismo se caracteriza como

conflitarem

dois

Na ocasião, submeteu-se à

ao

alcance

“racismo”,

do

fins

lide

que

o

no contexto da lide, judeu é raça:

termo

[...]

pelo

enquanto

empregado

da

prática de racismo, ou seja, para ele,

análise do Tribunal uma questão relativa

os

racismo, fenômeno

social

e

constituinte no art. 5º, inciso XLII, da

histórico complexo, não pode ter o

Constituição

seu conceito jurídico delineado a

brasileira,

o

qual

partir do referencial “raça” [...]

prescreve que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. Assim,

E mais

a relevância da descoberta do

Assim não vejo como se

sentido

semântico

da

referida

atribuir

ao

texto

constitucional

expressão estava justamente no

significado diverso, isto é, o conceito

exame

da

jurídico de racismo não se divorcia

punibilidade da conduta antissemita

do conceito histórico, sociológico e

atribuída ao paciente. A polêmica

cultural

hermenêutica decorria do fato de

supostamente raciais, aqui incluído o

que, do ponto de vista estritamente

antissemitismo.

da

imprescritibilidade

assente

em

referências

histórico, era admissível por alguns

O Ministro Maurício Corrêa,

dos Ministros o caráter racista do

analisando o termo, a ele atribui

antissemitismo, razão pela qual o

outra interpretação. Indo além, do

delito seria imprescritível.

entendimento de Gilmar Mendes,

Todavia,

para

entende que a expressão “racismo”

outros

Ministros, apegados à formação

é

tradicional, considerando a partir da

estudos mais recentes referentes ao

perspectiva biológica, os judeus não

genoma,

constituem

estando,

chamadas “raças” distinguindo os

portanto, o crime praticado prescrito.

humanos. Segundo o Ministro, a

uma

Vejamos

raça,

as

equivocada,

não

pois,

segundos

existiriam

as

diferentes

genética baniu o conceito tradicional

atribuições de sentido dadas por três

de raça e que a divisão dos seres

deles no caso em apreço:

humanos em raças decorre de um 91


processo político-social, originado

qualquer sustentação antropológica

da intolerância dos homens.

[...] Não resta dúvida, portanto, que o

Na verdade, o que existe é uma

correlação

do

que

preceito do inciso XLII do art. 5º da

se

Constituição aplica-se à espécie,

convencionou chamar de raça e a

dado

geografia mundial, o que relaciona

defendem e divulgam ideias dessa

os homens de cor branca à Europa,

mesma

os de cor negra à África, e os de cor

deliberadamente, racistas, e em

amarela à Ásia. [...] Com efeito, a

consequência, estão sujeitos às

divisão de seres humanos em raças

sanções penais de que se valeram

decorre de um processo político-

os acórdãos impugnados.

social originado da intolerância dos homens.

Disso

todos

aqueles

natureza,

Em

sentido

que

são,

contrário,

o

empregando o método hermenêutico

preconceito racial. Não existindo

histórico, o relator Ministro Moreira

base científica para a divisão do

Alves

homem em raças, torna-se ainda

entendendo não ser possível a

mais

prática de racismo contra o povo

odiosa

resultou

que

qualquer

ação

discriminatória da espécie. Como

enuncia

sua

posição

judeu:

evidenciado cientificamente, todos

Considerado,

assim,

em

os homens que habitam o planeta

interpretação estrita, o crime de

[...] fazem parte de uma única raça,

racismo, a que se refere o art. 5º

que é a espécie humana, ou seja a

XLII, da Constituição, como delito de

“raça humana.

discriminação ou preconceito racial,

Por tudo o que já foi dito,

há de se enfrentar a questão que,

permito-me arrematar que racismo,

então de põe, e é a de se saber se

longe de basear-se no conceito

os judeus são, ou não, uma raça. E,

simplista

na

a esse respeito, impõe-se a resposta

verdade, reprovável comportamento

negativa, com base, inclusive, em

que decorre da convicção de que há

respeitáveis autores judeus [...] [grifo

hierarquia entre os grupos humanos

nosso]

[...]

em

científicas

de

raça,

virtude acerca

reflete,

das do

conquistas

[...] O elemento histórico –

genoma

que, como no caso, é importante na

humano, a subdivisão racial da

interpretação

espécie

quando ainda não há, no tempo

humana

não

encontra 92

da

Constituição,


para

a

foi decifrado, pois na verdade não

que,

por

continha um sentido oculto. O termo

circunstâncias novas, conduza a

legal não é, pois, um objeto posto ao

sentido diverso do que decorre dele

desvendamento do sujeito. Pelo

– converge para dar a “racismo” o

contrário, cada intérprete atribui e às

significado de preconceito ou de

vezes,

discriminação

peculiar incidente sobre a letra da lei

distância

bastante

interpretação

evolutiva

racial,

mais

especificamente contra a raça negra. E

adiante,

prossegue

de

o

inaugura

modo

um

sentido

discricionário

(ou

arbitrário?).

relator:

Constatada a subjetividade

Não sendo, pois, os judeus

judicial,

vê-se

que

a

solução

uma raça, não se pode qualificar o

proposta por Dworkin, (observância

crime por discriminação pelo qual foi

dos

condenado o ora paciente como

discricionariedade judicial), também

delito de racismo [...]. [grifo nosso].

não esclarece facilmente o problema

Pelo exposto, verifica-se que

da

princípios

no

hermenêutica

controle

atual,

da

pois,

os aportes teóricos da linguística,

conforme discorremos no capítulo

especialmente

vertente

destinado à AD, para “observar o

semiótica, com a pragmática e a

princípio” o intérprete tem de “dar” a

semântica, são essenciais para a

ele um sentido, e, nesse caso,

configuração das novas discussões

voltamos ao ponto de partida.

na

hermenêuticas.

Os argumentos de Streck,

Os Ministros, valendo-se cada um

deles

de

tem o poder de afastar o problema

três

da discricionariedade e da ideologia

atribuições de sentido diferentes

da sentença, pelos motivos jurídicos

para termo “racismo”. Cada emissor

e linguísticos já apresentados. No

vislumbrou um valor de sentido, de

momento em que o juiz avalia o caso

acordo com sua visão de mundo,

à luz do horizonte constitucional terá

conhecimentos,

de atribuir sentido aos termos da lei

métodos,

discursiva,

de

um

conjunto

embora bem elaborados, ainda não

chegaram

a

formação politicidade

e

maior, e, nesse caso, voltamos ao

subjetividade. Desse modo, o termo

ponto

“racismo”, posto à apreciação dos

ponderações

três

homogêneas. A própria formação

hermeneutas,

não 93

de

partida,

pois

não

poderão

suas ser


jurídica ministrada nas diferentes

de

universidades brasileiras

linguagem é sempre o produto de

é

uma

condicionante. Por outro lado, se o

discricionariedade,

pois

a

uma vivência subjetiva.

juiz ficasse eternamente vinculado à

O Poder Judiciário, desse

solução projetada pela comunidade

modo, por meio de um discurso

política, tal restrição comprometeria

denominado

a necessária evolução do direito.

inevitavelmente

Esse deve avançar, pois os valores

politicidade, pois o juiz não é e não

sociais, as tecnologias e as ciências

pode

mudam e, afinal, alguém precisa ser

neutralidade discursiva não existe e

o arauto da inovação, ser o primeiro

ainda que existisse, tal asseptismo

a romper com a tradição, ainda que

judicial seria uma manifestação de

isso afete a integridade do sistema.

apatia mental indesejada.

A

mudança

transformar institucionais,

é

necessária as

para

ser

sentença, algum

neutro,

Dada

estruturas

manifesta grau

porque

essa

que

discricionariedade

imperfeitas.

a

aporia,

reconhecemos

visivelmente

de

do

discurso

judicial é inevitável, já que decorre da vagueza própria da linguagem natural. Todavia, não constitui essa constatação

Conclusão

nenhum

tipo

de

exaltação ao arbítrio do juiz, pois os problemas

O teu rosto belo, ó

e

incoerências

palavra, esplende na curva da noite

decorrentes da discricionariedade

que toda me envolve. Tamanha

judicial são evidentes, como visto

paixão e nenhum pecúlio. Cerradas

nesse estudo pelas críticas de Dworkin e Streck.

as portas, a luta prossegue nas ruas do sono.

Enveredando pela área da

(Carlos Drummond de Andrade)

linguagem, evidenciamos como os postulados da AD perpassam a hermenêutica jurídica e propusemos

O direito, assim como toda ciência que depende da linguagem

a

desmistificação

natural para realizar-se, está e

sentenciador

sempre estará sujeito a algum grau

mensagem: os juízes são homens e seres 94

do

discurso

a

seguinte

com

político-sociais

e

assim


proferem seus discursos. Portanto,

orientação

tais textos devem ser estudados

universidades, do contexto social, ou

como

seja,

atos

de

linguagem.

recebida

nas

sempre

haverá

Compreendemos que o controle da

heterogeneidade na doutrina e aí

discricionariedade

mesmo reside a riqueza do direito.

judicial

dependerá do reconhecimento da

O estudo aqui apresentado

feição discursiva e ideológica da

não propõe, portanto, excluir a

sentença.

ideologia da sentença, já que isso

Dworkin acerta quando diz

seria impossível. Mas, ao apresentar

que os juízes deveriam aceitar as

as

restrições

discricionariedade

a

sua

subjetividade

tensões

decorrentes judicial

da e

as

decorrentes da necessária coerência

críticas a ela, pretende-se, na falta

do

foi

de uma solução simples e definitiva,

demonstrado, eles não podem fazer

iluminar o vértice interdisciplinar

isso, pois a ideologia se manifesta de

formado entre a Análise do Discurso

modo inconsciente e irrefutável no

e a hermenêutica do direito, para que

ato de interpretar e de sentenciar.

o intérprete reconheça, observe e se

direito,

mas,

como

torne

As decisões deveriam, sim,

consciente

da

força

dos

convergir com os objetivos políticos

condicionamentos

gerais (e não pessoais) traçados

psíquicos

pelos princípios e esclarecidos pela

desvelados, afinal, pelo que vimos,

doutrina,

qualquer processo de compreensão

que,

precisaria

ser

segundo mais

Streck,

envolve

engajada.

identificar os tais objetivos políticos o

sujeito

ideológicos

aqui

primeiramente

a

autocompreensão do intérprete.

Porém, foi comprovado que, ao

gerais

e

políticos,

Isso lhe instrumentará para

sentenciar

de

modo

mais

está assujeitado por sua formação

consistente, reconhecendo: a) as

discursiva e fará uma leitura do

consequências problemáticas das

mundo não como quer, mas como

decisões discricionárias, diante dos

pode,

pressupostos

em

razão

de

seu

olhar condicionado. Por outro lado,

Democrático

de

do

Estado

Direito

e

da

“engajamento”

segurança jurídica; b) (de outro lado)

doutrinário nunca será uniforme, pois

as mazelas do formalismo positivista

depende dos eixos de formação, da

(que só serve para resolver os casos

o

desejado

95


fáceis) e que vê na decisão um

dele mesmo (juiz) e da função social

silogismo estreito, no direito uma

do direito e do Estado, mas deve

ciência a-histórica e no juiz uma

reconhecer que cada sujeito emissor

máquina

está integrado no devir histórico e é

dedutiva

sem

e

sem

coração.

dramaticamente condicionado por

O ponto de convergência e de conciliação

das

apresentadas

sua posição social e pela formação

tensões

discursiva dela decorrente, e isso

na

inclui os juízes para o bem e para o

está

conscientização dos juristas acerca da

existência

no

Nesse sentido, o magistrado,

mais

assim como todo homem, é um ser

profundo das astúcias da linguagem,

político e, ao julgar, orienta-se por

daquilo que ela oculta em suas

seus

tramas, poderá dar novos rumos aos

a polis que considera ideal) e não há

debates sobre o tema, possibilitando

nenhuma medida mágica que possa

uma maior vigilância das decisões.

minar a discricionariedade.

discurso.

O

A

da

ideologia

mal.

conhecimento

coerência

primeiros

(busca

as

Porém, e isso é crucial, a

a

subjetividade decisória deve ser

integralidade, como propõe Dworkin,

discutida pela doutrina. O discurso

são,

da ciência do direito é também

sentenças

sem

pretensão,

entre

valores

(equidade)

dúvida, mas,

conhecimento

da

e

uma

justa

sem

o

Análise

do

um

e

as

ambiente

de

formação daqueles que cursam,

Discurso, a ideologia sobreviverá na penumbra

potente

estudam e vivem o direito. A

decisões

doutrina

é,

pois,

um

permanecerão como estão. Sendo

aparelho ideológico, burila mentes e

assim, propõe-se que as teorias do

altera as percepções da classe

discurso sejam compartilhadas com

jurídica,

os juristas nas universidades e nos

que ainda estão em formação.

debates acadêmicos.

especialmente

daqueles

De outro lado, as faculdades

A nova hermenêutica acerta

de

direito

exercem

fundamental

de um sujeito que se dá conta das

bacharel,

repercussões sociais de seus atos

discursivo mais penetrante e nítido

(decisões) e da própria função social

no desenho ideológico de seus

sendo

formação

papel

quando vê a interpretação como ato

96

na

um

o

do

ambiente


discentes. Prova disso é a conhecida

Por outro lado, os cursos de

segmentação doutrinária existente

Direito

no direito brasileiro, dividido em

importância

“escolas”

propedêuticas

e

Paulista e a do Rio Grande do Sul.

ampliando

reflexão

Isso se deve à formação oferecida

filosófica de modo intensivo nas

nos respectivos estados.

salas

divergentes,

como

a

Um juiz

precisam das

a

de

reavaliar

a

disciplinas humanísticas,

aula,

político-

apresentando

envolvido pela visão hermenêutica

conteúdos de feitio realístico e

de uma escola (e ambientado nesse

interdisciplinar.

contexto),

terá

ensinada na academia deve ser

para

crítica e seus postulados devem ser

engajar-se num espaço distinto, o

convergentes com os mais recentes

que

estudos de linguagem.

certamente

problemas

para

explica

julgar

e

parcialmente

a

heterogeneidade de decisões.

de

reporte

sempre

ao

estudo

da

suas

sociologia, que afinal é a ciência que

mazelas de modo mais ostensivo,

dará a base empírica e fática

dialético

necessária

e

e

hermenêutica

É preciso que o jurista se

Assim, se a doutrina tratar da discricionariedade

A

democrático,

estará

para

decidir

com

promovendo a transformação de

razoabilidade e segurança a partir da

ideias necessária, mas, para tanto,

observação científica da sociedade,

deve aproximar-se da realidade e

de seus clamores e urgências. É

abrir-se à interdisciplinaridade com

essa segurança que importa. Não se

as ciências da linguagem e com as

confunde segurança jurídica com

ciências políticas e sociais, pois são

imobilidade nas decisões. Por outro

estas que devem sinalizar (por meio

lado,

de

os

filosófico, pois a sociologia sem a

significados dos termos inquietantes

filosofia também é falha, dada a falta

do direito como, por exemplo, o que

de uma reflexão ética sobre os

é

dados encontrados nas pesquisas.

suas

“bem

pesquisas)

comum”, ou

para

“interesse

é

preciso

aprofundamento

social”. Isso deve ser definido por

Mais do que tudo isso, é

meio de debates e consensos da

fundamental que a formação do

comunidade científica do direito, e

jurista seja orientada não apenas

não por cada juiz, individual e

pelo ensino teórico reprodutivo, mas

aleatoriamente.

fundamentalmente 97

pelo


engajamento

do

pesquisas

e

estudante

em

evidentemente,

produção

de

distorções decisórias que temos

conhecimento novo (e não apenas em

monografias

as

visto nos tribunais.

e

As disparidades se explicam,

baseadas no método de compilação,

em parte, pois, lamentavelmente,

como

que

temos ainda no Brasil um déficit

universidade sustenta-se no tripé

enorme de pesquisas na linha crítica,

ensino-pesquisa – extensão.

ou seja, quase não temos pesquisas

temos

dogmáticas

atenuará

visto),

A universidade deve, pois,

realmente científicas em direito,

investir em formação científica e

embora o mercado editorial na área

estudos

zetética,

seja gigantesco. Mesmo com a

que questionem a lei e tragam

obrigatoriedade da monografia nos

propostas novas, que assumam a

cursos de direito, o que ocorre na

dianteira

realidade

de

na

natureza

ruptura

de

certos

é

o

predomínio

de

cânones ultrapassados. Tudo isso,

trabalhos de exegese normativa que

não

“beiram” e reverenciam o texto legal,

com

base

em

achismos,

subjetividade, ideologia pessoal ou

questionando

apenas

as

partidarismos políticos, o que nos

possibilidades de sua aplicação e

levaria de volta ao ponto de partida.

abrangência.

Os questionamentos à lei devem ser

Desse modo, muitas vezes, a

feitos a partir das conclusões de

formação sociológica e política dos

pesquisas científicas empíricas, nas

juristas é limitada pela falta de

quais

acesso aos dados interdisciplinares.

o

direito

confrontado

com

sociológica, econômica, com

realidade

criminológica,

estudos

a

a

sido

Por

antropológica,

interdisciplinares definam

tenha

e

isso

as

disparidades

são

maiores nos casos que envolvem

enfim,

direitos difusos, coletivos, problemas

consistentes,

raciais,

críticos

preconceitos em geral e dilemas

(in)viabilidade

que e

a

sexualidade,

humanos

de

enfim

natureza

(i)legitimidade social, política e ética

socioeconômica.

das normas. Essa formação mais

heterogeneidade ocorre por que as

científica e interdisciplinar projetar-

pesquisas jurídicas não mensuram

se-á na formação ideológica dos

os efeitos e os impactos das leis. É

juristas

escassa a pesquisa jurídica de

(e

dos

juízes)

e, 98

Tal


natureza empírica quantitativa, que

judiciário. É claro que a subjetividade

verifica o resultado prático das

nunca

normas, sua aplicabilidade e seu (in)

completamente, (e isso nem seria

sucesso.

interessante para a evolução do

desaparecerá

Os estudos jurídicos estão,

direito), mas se a universidade é um

pois, ainda muito distantes do que

importante aparelho ideológico (e é

deveriam ser. A pesquisa da lei deve

nela que a formação do jurista se

focar

sua

petrifica), a politicidade cultivada

o

nessa instância deve organizar-se

momento e as razões de sua

sobre pilares científicos confiáveis, à

criação, as pressões e conjunturas

luz de ensinamentos doutrinários

políticas que aturam em sua gênese.

racionais e testados em pesquisas

O ideal seria que a pesquisa jurídica,

sérias e desencasteladas.

principalmente

arqueologia,

investigando

além de questionar se determinada

As

lei pode ou não ser aplicada a

formadas

determinada situação, perguntasse

não subjetivamente. É lamentável

também:

foi

que, em muitas instituições, as

a

que

disciplinas que relacionam o direito

os

seus

com a sociedade, com a política,

impactos? Quem ganha e quem

com a economia e com o homem

perde com ela? E principalmente: Se

sejam

ela deve ou não permanecer no

períodos do curso.

feita?

Por

que

tal

Atendendo

interesses?

Quais

ordenamento.

Essas

lei

são

as

opiniões

devem

dialeticamente,

exauridas

Feitas

tais

nos

ser mas

primeiros

ponderações,

perguntas que faz um cientista da

pensamos que o juiz ideal depende

linha zetética, enfocando a lei não

de uma formação acadêmica mais

como dogma, mas como um objeto

ampla e engajada à vida real.

de investigação.

Então, interrogará as leis e a

Com maior acesso a dados científicos,

resultantes

si mesmo e será capaz de decifrar

desses

seu

próprio

universo

discursivo,

estudos, os juízes poderiam decidir e

identificando (e controlando) em

fundamentar

menos

suas sentenças as “vozes” que

aleatório, evitando a “roleta russa”

atuam, ou seja, as ideologias. Só

institucionalizada

que

a

assim reconhecerá que o provimento

sociedade

desacredita

o

judicial

de

e

modo

alarma

99

deve

ser

a

resultante


discursiva racional,

de

um

baseado

procedimento no

Vale lembrar, por fim, que a

diálogo

afinidade

científico interdisciplinar.

entre

linguística,

o

aqui

direito

e

a

brevemente

É claro que a decisão há de

anunciada, tende a se perpetuar,

ser coerente com o sistema jurídico

pois desde a Grécia antiga se

e com os sentidos protegidos pelo

comprova: a democracia só se

ordenamento jurídico e não uma

consolida onde a luta discursiva

“loteria” passional condicionada por

impera sobre a força. Somente pelo

seu gosto. Mas essa coerência ou

embate franco de ideias e pela

sistematicidade não significa de

abertura ao conhecimento que se

modo algum imobilidade ou apego

agita na arena textual das ideologias

insensato a decisões já superadas

é que se realizarão as metas

pelo evolver social.

constitucionais e a evolução desta ciência direito.

100

palavreada

denominada


Referências ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Tradução de Joaquim José de Moura Ramos. 3. ed. Martins Fontes, 1980. ______Montesquieu. A política e a história. Trad. Luz Cary e Luisa Costa. Lisboa: Presença, 1972. ANDRADE, Lédio Rosa. Introdução ao direito alternativo brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário e Política. São Paulo: EDUC, 1997. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. (Orgs). Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasilense, 2008. (Primeiros Passos). DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 513 p. Título original: Law’s Empire. ______. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568 p. Título original: Taking Rights Seriously. GOMES, Luís Flávio. A dimensão da magistratura: no estado constitucional e democrático do direito: independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e responsabilidade do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. JHERING, Rudolf. L’esprit du droit romain.Trad. de O. de Meulenaere. 3e. éd. ver. cor. Paris: Lib. A. Maresq, 1888. V.4. KELSEN, H. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MAINGUENEAU, Dominique. Análise do discurso. 2. ed. Campinas (SP): Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1993.

101


MARQUES, Alberto. Roteiro de hermenêutica: técnicas para interpretar o direito e construir argumentações jurídicas convincentes. Curitiba: Juruá, 2006. MUSSALIM, Fernanda, BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001. OLIVEIRA, Ilzver de Matos. O discurso do judiciário sobre as ações afirmativas para a população negra da Bahia. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. Dissertação de Mestrado, Salvador, 2008. Endereço eletrônico http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_busca/arquivo.php?codArquiv o=1317. Acesso em 12 de janeiro de 2011. ORLANDI, Eni .P. Análise de Discurso – Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2002. ______. Discurso e texto. Formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. ______. Análise de Discurso. In: Orlandi; Lagazzi-Rofrigues (org) Introdução às ciências da linguagem – Discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______. Lógica jurídica. Tradução de Virgínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portal. Inteiro teor. Acórdão 82422 HC.2003.http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=8 2424&classe=HC SICHES, Luiz Recaséns. Nueva filosofia de La interpretación del derecho. 3. ed. México. Porrúa, 1980. SILVEIRA, Maísa Cristina Dante da. Interpretação judicial da lei: noções gerais e peculiaridades do sistema norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 503, 22 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 6 fev. 2011. SOARES, Ricardo Maurício Freire Soares. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ______O que é isto - decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. v.1. (Coleção o que é isto).

102


VAN DJIK, Teun A. Discurso e poder. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010. VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. WARAT, Luis Alberto. Mitos e teorias da interpretação da lei. Porto Alegre: Síntese, 1979. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Poder. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. [1] Acórdão citado por Amilton Bueno de Carvalho (in Direito alternativo: teoria e prática. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003). [2] in http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=HC.SCLA .+E+82424.NUME.&base=baseAcordaos

103


O NÃO ANONIMATO PATERNO EM REPRODUÇÕES ASSISTIDAS HETERÓLOGAS SILVA Rico Nunes da, Diego – Discente do 10º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. GUERCHE FILHO, Antônio – Docente do curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO Esta pesquisa científica versa sobre o conflito de princípios, direitos e garantias fundamentais inerentes à reprodução assistida heteróloga humana, enfocando a questão do anonimato paterno. O sistema jurídico brasileiro não possui legislação específica que regule tal técnica reprodutiva, com isso, é de grande pertinência a discussão deste polêmico tema. Enquanto as tecnologias são dinâmicas e estão em constante transformação, o Direito é mais estático, sendo assim, dificilmente acompanha lado a lado as mudanças de nossas técnicas tecnológicas. De um lado existe o interesse do nascituro, que tem seu direito fundamental à informação lesado, afetando a dignidade, de outro lado há o direito do próprio doador, que tem sua identificação protegida pelos princípios do contrato, com base no direito individual à privacidade, intimidade e imagem. A questão tratada por este trabalho é como encontrar uma solução viável, de forma a equilibrar a balança da justiça. O artigo foi dividido em três capítulos, nos quais foram abordados aspectos históricos, características e conceitos básicos, fundamentos e embasamentos, métodos e maneiras de realizá-los, condições para

a

concretização

da

técnica,

limites

legais,

testemunhos

e

proporcionalização do tema. A tese é defendida mediante pesquisa bibliográfica e documental e apresenta ilustração com entrevistas diretas. O método de procedimento adotado é o dogmático-jurídico com estudo de caso, para apresentação coerente e concisa do tema.

Palavras-chave: Reprodução heteróloga. Direitos individuais. Anonimato. 104


Introdução

reprodução heteróloga, por outro lado também é deferida proteção ao

Esta pesquisa científica tem como

tema

o

direito

direito da criança de conhecer sua

ao

ascendência genética. Justamente

conhecimento da origem genética

por isso nos vimos com uma colisão

pelo gerado da reprodução assistida

de

heteróloga

realizada

problema é como solucionar e

por meio de inseminação artificial,

satisfazer um, sem causar prejuízo

com material genético de terceiro

ao outro.

(reprodução

princípios

e

interesses,

o

desconhecido), e a sua subsequente

Este trabalho foi feito para

problematização. Questiona-se até

buscar-se um ponto de equilíbrio

que ponto a origem biológica deve

entre

ser um segredo para o gerado da

fundamentais

reprodução assistida e quais os

material genético, e da pessoa

efeitos jurídicos da consideração ou

gerada pela técnica de reprodução.

não do vínculo afetivo ou até mesmo

Estão

genético.

constitucionais

A evolução das tecnologias

os

direitos

em

indivíduo,

dos

e

garantias

doadores

conflito

princípios

inerentes

como

do

o

direito

ao à

reprodutivas são tão rápidas quanto

informação, de se saber a respeito

a

da

de nossas origens, no caso, e o

sociedade, já o direito não. A

direito à intimidade, que prescreve

reprodução

ao doador total imunidade das

evolução

comportamental

heteróloga

assistida

humana

não

regulamentação

possui

específica

responsabilidades

em

a ter.

assim, carece de maiores pesquisas. direitos

e

qualquer vínculo que este poderia vir

nosso ordenamento jurídico, sendo

Os

paternas

Com o intuito de não fazer

fundamentais

uma pesquisa superficial, foram

servem de égide e base para o

interrogados um Padre pertencente

direito à intimidade dos doadores de

ao Conselho Legislativo da Austrália

gametas tanto quanto ao direito de

e

conhecimento da origem genética do

inseminação artificial humana, para

indivíduo.

que se faça possível uma aplicação

Se

por

um

lado

é

uma

pessoa

prática

de

defendido o direito ao anonimato do

e

doador na aplicação de técnica de

Ambos têm a mesma opinião, de que 105

idealização

gerada

também.


os doadores do material genético

apresentado de forma proporcional e

apenas

justa.

lesam

fundamentais

as

das

garantias

crianças

que

nascerão,

sustentando

a

defendida

por

pesquisa

esta

tese

1. Direitos e limitações

científica.

Os

bancos

de

material

Quando houver tal conflito

genético estão tão desenfreados a

entre dois ou mais direitos ou

procura de sêmen que é possível se

garantias fundamentais, o intérprete

fazer um registro de doação via

deverá utilizar-se do princípio da

internet! E se você estiver na cidade

concordância

da

sede da empresa em questão, eles

harmonização de forma a organizar

inclusive vão até sua casa colher o

e combinar os bens jurídicos em

material! Com qual ímpeto estariam

conflito, encontrando assim, uma

essas

eficaz solução.

Algumas

prática

ou

empresas

motivadas?

empresas

inclusive

O estudo a seguir foi dividido

possuem filiais em diversos países, e

em três capítulos, dentre os quais

ainda assim buscam atingir todo tipo

foram explanadas características e

de público, como por exemplo, a

conceitos

empresa

básicos

do

assunto,

aspectos históricos, fundamentos e

registrada

no

domínio http://www.hfea.gov.uk.

embasamentos, além de métodos e

Elas se valem da justificativa

maneiras de realizá-los, requisitos

de

para a efetividade da técnica, limites

identidade e o direito à privacidade

legais,

dos pais, assim como estimulam

testemunhos

pessoais

e

balanceamento do tema. A

problematização

que

protegem

o

direito

à

esses a doarem o máximo possível será

de material utilizável. Elas afirmam

abordada por meio de uma pesquisa

inclusive que limitam o número de

bibliográfica e empírica, fazendo uso

procedimentos de acordo com o

de entrevistas diretas. Será também

número de habitantes, de forma a

usado o método dogmático-jurídico

minimizar o máximo o risco de

de

relações sexuais entre irmãos, por

procedimento,

assim

como

estudo de caso, para que, desse modo,

o

assunto

possa

exemplo.

ser

Mas problema 106

com está

tudo apenas

isso,

o

sendo


camuflado e recebendo uma nova

É

fato

que

as

normas

face, de correto e justo, quando na

regulamentadoras da questão são

verdade, ofende direitos da criança

omissas quanto a alguns aspectos,

gerada. Como não considerar a

pois, claramente, nem autorizam

vontade do gerado ao se realizar um

nem regulamentam qualquer tipo de

contrato que o afetará diretamente?

reprodução assistida. Nesse sentido,

Restringir a quantidade de

Sílvio Venosa (2005) afirma que o

fertilizações heterólogas assistidas

código de 2002 não permite nem se

pela quantidade de habitantes em

pronuncia a respeito da reprodução

uma determinada área diminui o

assistida, de modo que só deixa uma

risco de que irmãos se relacionem

lacuna a respeito do problema, e

sexualmente, todavia é impossível

tenta dar uma solução analogamente

calcular o número certo de embriões

a respeito da paternidade, e diz

que realmente foram fecundados

também que toda esta problemática

com sucesso por cada mãe. Além

deve ter Lei específica, ou algo

disso, as pessoas não são imóveis,

semelhante que a regule.

podendo se locomover facilmente

Gama (2003) crê que deva

para outra área. Assim, tanto o pai

existir o anonimato, mas apenas

quanto os filhos podem deslocar-se

civil, de forma a serem fornecidos

aumentando

dados

o

risco

de

relacionamentos consanguíneos.

relativos

à

sua

história,

embasado em um prisma biológico,

Enquanto protegem o direito à

protegendo então a existência da

intimidade do pai, os contratos e a lei

pessoa

gerada

das

técnicas

restringem o direito à informação do

concepcionistas. Isto porque se deve

gerado. Todavia, considerando-se

resguardar o direito fundamental à

que a paternidade é hoje concebida

identidade, direito à intimidade e

como relação socioafetiva, para

direito à privacidade.

equacionar a questão, o doador deve

Belmiro Welter (2003), por

ser considerado apenas como a

outro lado, entende que não importa

identidade

concebido,

se a reprodução é assistida ou não,

simples e puramente, sem ter que

tanto no primeiro caso como no

arcar

nenhuma

segundo, as proles têm o direito de

responsabilidade que a paternidade

investigar, e inclusive de negar sua

produz.

paternidade

genética

com

107

biológica,

integrando


assim seus direitos de dignidade e

minha propensão para piadinhas de

também de cidadania. Caso o filho

mau gosto de minha mãe, assim

deseje, deveria ser quebrado o

como minha perspectiva feminista.

anonimato,

o

Mas uma grande parte de mim

gerado não participou do acordo

sempre foi um mistério. (CLARK,

entre a parte doadora e a receptora.

2006, p.1).

pois,

obviamente,

O 2. A parte lesionada

homem

tem

uma

necessidade primordial de conhecer suas origens e sua proveniência.

Katrina Clark é uma estudante em

um

programa

audiências

e

graduandos

especial

palestras na

Durante toda sua vida Katrina teve

de

problemas

para

socio-pscicológicos

simplesmente pelo fato de não saber

Universidade

quem era seu gerador.

Gallaudet. Ela deu um depoimento

Katrina,

indignada

com

a

em um jornal online chamado “The

forma com que foram lesionados

Washington Spot” a respeito de sua

seus direitos, exprimia:

experiência pessoal sobre o assunto.

Estou aqui para dizer que,

Ela é uma das várias pessoas

emocionalmente, muitos de nós não

geradas

através

método

estão aguentando. Nós não pedimos

reprodutivo de inseminação artificial

para nascer nesta situação, com

humana, cuja vida foi conturbada

estas limitações e confusões. É

simplesmente pelo fato de não saber

hipocrisia da parte dos pais e

quem

também médica, dizer que raízes

era

seu

do

pai.

Em

seu

depoimento, Katrina Clark (2006),

biológicas

não

importam

aos

conta sua história emocionante e dá

“produtos” dos “bancos de criação” e

várias provas do por que se deve

seus serviços, quando o desejo de

quebrar o anonimato.

uma relação biológica é justamente

Tenho 18 anos e na maior

e primeiramente o que traz clientes

parte da minha vida, eu não tive a

para os bancos. - E é exatamente

mínima ideia de minhas origens. Eu

isso! Não se justifica arrancarmos o

não sabia de onde vinha meu nariz,

direito à informação do gerado e

ou meu queixo, ou então meus

darmos limitações à suas garantias

interesses por culturas estrangeiras.

fundamentais a fim de preservar

Eu claramente herdei meus dentes e

apenas a identidade do doador, o 108


bem jurídico em questão é bem

saber de onde tinha vindo. Não

maior. (CLARK, 2006, p. 1).

importava não ter o amor de pai,

“Nós,

a

prole,

estamos

(claro, era relevante) mas não tanto

compreendendo qual direito nos foi

quanto não saber de suas origens.

tirado assim quando nascemos - o

O

Honorável

Revendo

direito de saber a identidade de

Gordon Moyes, eleito como o “padre

nossos pais” - dizia Katrina. Com que

do ano” da Austrália, membro do

razão

Conselho legislativo, do Conselho

se

priva

tal

garantia

fundamental? Nenhuma.

seletivo

de

Biodiversidade,

do

A fim de pesquisa, Clark

Conselho de Direitos coletivos, do

(2006), foi contatada e foram feitas

Conselho de Direito Processual e do

algumas perguntas com intuito de

Comitê de privilégios, manifestou-se

melhor

assunto.

com a mesma ideia defendida por

Durante a conversa, ela disse que

este trabalho ao publicar um projeto

sempre sonhou em ter um pai,

de

sempre quis ter uma pessoa que a

conhecimento das origens biológicas

protegesse e a amasse da forma que

de cada indivíduo.

explanação

do

só um pai o faz, mas, que como sua mãe

era

problema

solteira,

o

a

favor

do

direito

ao

Gordon Moyes (2007), diz

haveria

que:

assunto,

É um desejo fundamental do

entretanto, ela não tinha pai, não

ser humano querer saber mais sobre

tinha respostas, não tinha esperança

de onde viemos e quem são nossos

e não tinha ideia nem ao menos de

antepassados. No entanto, muitos

onde ela veio. Precisava dessas

adotados e filhos de inseminação

respostas.

artificial

Ainda

sobre

não

lei

sentimental,

Katrina

estão

sistematicamente

sendo negado

afirmou com veemência que sabia

conhecimento de suas origens. Isto

de todos os problemas a respeito do

não afeta apenas a necessidade

assunto, a possibilidade de um caso

inerente de identidade. Num mundo

romântico com um parente, seja ele

de medicina genética, se não se tem

pai ou irmão, o temor de não se

conhecimento da nossa herança

saber sobre doenças genéticas,

biológica, se é colocado em uma

mas, que pessoalmente, o que a

grave desvantagem, especialmente

incomodava mais era não poder

se a pessoa sofre indícios de doença 109


que poderá ocorrer mais tarde na

a

vida.

necessidade e um direito individual Em seu projeto de lei, afirma

identidade

biológica

é

uma

inerentes a cada um, pertinente

que será fornecido um amplo quadro

inclusive a saúde.

para a regulamentação dos aspectos sociais e éticos a respeito da

3. Direito ao não anonimato

tecnologia de reprodução assistida heteróloga. A Lei será orientada por

Ainda no tópico doação de

três principais princípios, reconhecer

gametas,

as obrigações já impostas aos

anonimato

fornecedores

receptores,

reprodução

da

tecnologia

assistida

pelas

de leis

atenta-se dos

para

o

doadores

e

sem

previsão

constitucional,

mas

existentes; reconhecer os direitos

jurisprudencialmente

dos indivíduos de ter o controle

Pode-se

ainda

sobre o uso do material genético, e

analogia

novamente

por último, reconhecer os interesses

9.434/97, de Doação de Órgãos, que

da criança e a importância do direito

impõe o anonimato entre doadores e

dela à informação.

receptores e aos princípios que a

O

Reverendo

legislador informações

pretende

e

garantido.

lançar à

mão

da

Lei

também

nortearam. O fundamento encontra-

adicionar

se na perturbação que poderia ser

importantes

em

causada à família ou à criança, caso

registro, como o nome do doador,

a identidade do pai biológico fosse

data de nascimento e educação,

questionada.

bem como informações médicas importantes.

Sendo

assim,

Foi

demonstrado

em

um

este

debate em Albanese, que, no início

projeto reforça os interesses da

das práticas, em alguns países, para

criança gerada através de tal método

impedir a identificação do doador,

inseminativo reprodutivo assistido

chegou-se ao absurdo de se misturar

heterólogo. Ele defende que a

sêmen de vários doadores, técnica

criança estará apta para defender

conhecida nos Estados Unidos da

suas vontades obviamente quando

América como Confused Artificial

tiver legitimidade para tal, neste

Insemination.

caso, aos 18 anos de idade. O padre

Atualmente, isto é infração

defende que ter o direito de conhecer

grave, reprovável e hoje vedada no 110


Brasil, onde se exige a manutenção

Apontam, ainda, a dificuldade que se

de um registro no qual, apesar de

criaria

garantido o anonimato, os doadores

investigação,

deverão ser identificáveis.

desaparecerem

A

celeuma

possibilidade

de

o

de

risco os

doadores

(exatamente o que ocorreu na

questão é grande, mas o Brasil e a

Suécia) e o aspecto negativo da

maioria dos países do mundo, segue

inexistência de vínculo afetivo entre

a orientação pela manutenção do

o doador e a criança, bem como a

anonimato, sob o enfoque do melhor

ausência de utilidade social. Não se

interesse

critério

concebe que sejam reclamados

nas

alimentos do pai ou mãe biológicos

consagrado

torno

a

da

da

em

com

criança, e

revelado

expressões “the best interest of the

que

child” do Direito norte-americano e

material genético em bancos ou

no

doaram

“kindeswohl”

do

Direito

Germânico. Na

seus

depositaram

gametas

responsabilidade Suécia,

permite

apenas

a

a

legislação

sem

a

social

da

maternidade ou paternidade.

de

Sendo assegurado a todos o

paternidade do doador. Nesse país,

acesso à informação previsto na

a

de

Carta Magna em seu artigo 5º inciso

identidade também se orientou pelo

XIV, alguns juristas sustentam que a

interesse da criança, apurado por

criança poderá averiguar que foi

meio de pesquisas realizadas com

gerada por método de reprodução

filhos adotivos nos Estados Unidos,

assistida com doação de material

no Canadá e na Grã-Bretanha, que

genético, não se excluindo os dados

mostraram

de

acessíveis sobre a identidade do

conhecer a filiação. Apesar das

doador. Apesar de que, tanto o

divergências, hoje se tem discutido

doador quanto a receptora tem

tal direito também no Reino Unido.

direito ao segredo, que tem por

opção

investigação

seu

pela

a

revelação

necessidade

Os partidários do anonimato -

finalidade

impedir

que

certas

a maioria dos juristas, cientistas e

manifestações de uma pessoa sejam

médicos

divulgadas

orientados

do

mundo por

-,

também

pesquisas

e

ou

conhecidas

por

outras, justificando-se a quebra para

complexos estudos, destacam que o

assegurar o acesso à informação.

anonimato é bem mais benéfico. 111


É evidente que o doador, ao

revelação

se propor doar seu material genético

paciente.

para

utilização

interesses

do

procriação

O bem jurídico em pauta é

artificial, não deseja ver revelada sua

mais precioso, e o sigilo se embasa

identidade.

a

na Constituição, mas põe em riscos

receptora também tem direito ao

direitos relativos ao nascituro. Neste

segredo, pois poderá temer que o

caso,

doador um dia possa ter curiosidade

personalidade

dos

doadores

e possa se aproximar da prole ou

receptores,

não

poderia

reclamá-la, com base na verdade

divulgado, mas e quanto ao embrião,

biológica.

e quanto ao nascituro? Um contrato

De

Questões

em

aos

igual

sorte,

de

dúvida

o

segredo

e

previamente

é

direito

assinado

de e ser

interfere

constante entre os médicos são as

diretamente nos direitos da criança

hipóteses

sua

que virá, sobrepondo-se a suas

violação. O Código de Ética fala em

vontades. Se fizermos uso do Direito

justa

Comparado

que

causa,

justificariam

dever

legal

e

e

do

princípio

autorização do paciente. O Código

Proporcionalidade

Penal limita a possibilidade lícita de

conclusão que a criança está sendo

divulgação à justa causa, na qual,

prejudicada, e enquanto os direitos

para

do doador estão resguardados, os

os

penalistas,

estariam

criança

será

estão

óbvia

da a

englobadas em outras hipóteses. De

da

claramente

qualquer modo, em não ocorrendo

danificados, não se dando opção

nenhuma hipótese de justa causa,

nenhuma a ela.

que deverá ser aferida em cada

A expectativa legal em torno

caso, o profissional deverá manter o

do sigilo é conturbada. De um lado,

sigilo, mesmo diante de solicitações

posicionam-se

de autoridades policiais ou judiciais.

anonimato

É certo que as autoridades, quando

identificação

requisitam

estão

Projetos de Lei nº 3.638/93 e

amparadas pelas leis processuais e

2.855/97, os quais referem que o

é dever do médico responder a tais

anonimato poderá ser quebrado em

solicitações. No entanto, deverá ser

situações

especiais

avaliado o caso concreto e a

somente

em

informações,

justificativa da solicitação limitada a 112

favoráveis

total

e

dos

ao

sigilo

na

doadores

os

e

previstas

decorrência

de


motivação

médica,

preservando

na mesma proporção com quem têm

sempre a identidade civil do doador.

entrado em uso pelo mundo. O

Por outro lado, ambos os

direito, por ser mais estático que as

projetos apresentam-se coerentes

tecnologias de hoje em dia, não

com as normas existentes, bem

acompanhou

como com os princípios invocados,

destreza. Por isso, muitos dos

ao contrário do Projeto de Lei nº

polêmicos assuntos ainda estão em

90/99,

o

aberto, cabendo ao nosso poder

anonimato como regra e repita os

judiciário fazer o melhor julgamento

cuidados para se evitar casamentos

e analisar caso a caso.

que,

embora

admita

consanguíneos e as possibilidades

tal

Quando

evolução

com

tratamos

de

da revelação da identidade genética

fertilização humana, há de se notar o

para um tratamento de doenças em

conflito entre direitos individuais e

razão de motivação médica, prevê o

garantias fundamentais inerentes a

direito à pessoa nascida a partir de

ambas as partes em jogo, o doador

gameta doado conhecer a identidade

e o futuro gerado.

civil do doador no momento em que

O argumento a favor do

completar sua maioridade civil ou se

doador

habilitar para o casamento.

intimidade, porém, ele tem o poder

Também

nesse

é

em

defesa

de

sua

projeto,

de escolha, doar ou não seu material

embasado no registro de gestações,

genético, já o gerado não. A prole

o estabelecimento médico não pode

fica restrita a algo contratado antes

permitir que uma mesma pessoa

dela

doadora produza mais de duas

sofrendo danos em seus direitos,

gestações de sexos diversos em

não podendo saber de suas origens,

uma área de no mínimo um milhão

saber sobre doenças genéticas, não

de habitantes.

podendo ter nenhuma formação

nascer,

e

acaba

assim,

relativa ou que possa indicar a identidade do doador. Fica

Conclusão

claro

que,

hoje,

na

balança da justiça o prato que mais As

técnicas

pesa é o do doador, tendo mais

reprodutivas

garantias e

heterólogas assistidas têm evoluído

poderes perante

o

gerado, todavia, para se zelar pelos 113


direitos dos futuros filhos ou filhas,

obrigações civis por parte do pai,

deve-se

como alimentícias por exemplo. É

quebrar

o

anonimato,

permitindo ao gerado a informação

uma

que ele quiser, sem importar em

apenas à informação.

114

questão

simples,

relativa


Referências CLARK, Katrina. My Father Was an Anonymous Sperm Donor. The Washington Post. 17/12/2006. Disponível em: . Acesso em: 2 de abril de 2010. ENGELHARDT JÚNIOR, Tristam. Fundamentos da bioética. Tradução: José Ceschin. São Paulo: Loyola, 1998. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. O estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. MOYES, Gordon. Assisted Reproductive Technology Bill 2007. Parliament. Disponível em: <http://www.gordonmoyes.com/2007/11/29/assistedreproductive-technology-bill-2007/>. Acesso em: 2 de abril de 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 6. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

115


ORTOTANÁSIA: DIREITO A MORTE DIGNA PIGNATARI, Ninive Daniela Guimarães – Docente do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga (orientadora). CORRÊA, Bárbara – Discente do 7° do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. LOPES, Naima - Discente do 7° período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A ortotanásia, cuja etimologia remete à expressão “morte no tempo certo”, assim como a eutanásia, é um tema que causa divergências na sociedade. Os conflitos se estabelecem, pois existem questões religiosas, jurídicas, éticas e médicas implicadas na questão. O estudo pretende, pois, por meio de pesquisa bibliográfica, analisar os argumentos jurídicos relacionados ao tema, a fim de propor sua regulamentação.

Palavras-chave: Ortotanásia. Dignidade humana. Crimes contra a vida. Ética médica. 116


De Deus e a morte não se tem

Introdução

contado senão histórias, e está é Este artigo tem o objetivo de

mais uma delas. (SARAMAGO,

analisar aspectos legais, morais e

2005, p. 146).

éticos relacionados à ortotanásia, questionando o direito de morrer

1. Do conceito de ortotanásia e sua

com dignidade à luz do ordenamento

atipicidade

jurídico

brasileiro.

A

pesquisa

bibliográfica será realizada com base

A partir da meia-noite de hoje

em obras que tratam da bioética em

se voltará a morrer tal como sucedia,

confronto

legislação

sem protestos notórios (...) ofereci

pertinente. Justifica-se a escolha do

uma pequena amostra do que para

tema em razão da polêmica e da

eles seria viver para sempre (...) a

atualidade da questão que tem

partir de agora toda a gente passará

dividido opiniões de estudiosos e

a ser prevenida por igual e terá um

especialistas das áreas médica e

prazo de uma semana para pôr em

jurídica.

dia o que ainda lhe resta na vida.

com

a

(SARAMAGO, 2005, p. 198)

Para a execução do trabalho,

José Saramago, em seu livro

primeiramente serão conceituadas “ortotanásia”

“As intermitências da morte” narra

“eutanásia” e “distanásia”, com o

uma situação em que a morte

exame da natureza jurídica e da

simplesmente deixou de acontecer

(a)tipicidade de cada uma delas.

em determinado país imaginário.

Depois

Todas as pessoas mantinham-se

as

expressões

serão

expostos

os

argumentos que apoiam a tese

vivas,

mesmo

favorável à ortotanásia, examinando

terminais. Formou-se, rapidamente,

a posição do Conselho de Ética

uma

Médica, do Ministério Público e

pessoas que, mesmo contra sua

também do Projeto que propõe a

própria

inclusão de um parágrafo (o 4º) ao

indefinidamente em um limbo entre a

artigo 121 do Código Penal.

vida

multidão

e

os

de

moribundos,

vontade,

a

morte.

pacientes

ficavam

O

país

fica

abarrotado de doentes. Depois de um tempo sem morte, o caos se instala e ela passa a ser chamada, 117


solicitada, esperada, desejada por

distanásia, considerada morte com

aqueles que a temiam.

sofrimento. (VIEIRA, 1999).

Desse modo, ávidos pelo

No primeiro momento, causa

descanso eterno, alguns moribundos

impacto

cruzam a fronteira para o país

suspensão

vizinho, de onde a morte não tinha se

procedimentos

retirado, enquanto outros tantos

pacientes terminais, mas o que se

tentam migrar para o país em que a

defende é a morte natural quando

vida eterna se tornou realidade. Essa

ela for inevitável e nada mais possa

fábula bem ilustra a dificuldade de o

ser feito para curar ou prolongar a

ser

humano

de

a

ideia

da

tratamentos

ou

médicos

em

com

sua

vida de modo digno. O que se

e,

por

propõe é possibilidade de morrer

conseguinte, de enfrentar questões

sem interferências inúteis causadora

como a ortotanásia.

de sofrimento desnecessário.

mortalidade

lidar

negativo

inevitável

Etimologicamente, ortotanásia

Muito se discute sobre o

significa morte correta “orto” certo,

direito

“thanatos” morte.

Ortotanásia é a

enfrentar também o tema do direito

morte no momento certo, sem que o

de morrer. Viver é um direito e não

paciente seja tratado artificialmente

uma obrigação a ser suportada com

tendo sua vida prolongada de forma

sofrimentos.

vegetativa.

à

vida,

Embora

O termo é utilizado para

doutrinária

mas

exista

acirrada,

é

preciso

polêmica entendemos

definir a morte sem interferência da

que a ortotanásia, se desejada pelo

ciência, a morte natural, permitindo

paciente, é conduta atípica, pois não

ao

o

se enquadra no tipo “matar alguém”

do

descrito no artigo 121 do Código

paciente

partir

prolongamento

sem

artificial

sofrimento. A doença evolui sem o

Penal.

emprego de métodos extraordinários

suprime tratamentos extraordinários

de

sendo

e inúteis não é causa de morte da

ministrados apenas medicamentos

pessoa, e sim a doença terminal. No

para dor e desconfortos decorrentes

caso da ortotanásia, o processo de

do estado clínico. A persistência

morte já se encontra instalado no

terapêutica

paciente

de

Diante

de

suporte

da

em

vida,

paciente

irrecuperável pode estar associada a 118

A

conduta

médica

modo dores

que

irrevogável. intensas,


intoleráveis e inúteis, se for desejo

merece análise e diferenciação é a

do paciente, o médico deve agir para

eutanásia. Segundo Vieira (1999)

amenizá-las e não para prolongar o

significa boa morte, ou seja, morte

sofrimento,

provocada

ainda

que

em

consequência disso antecipe-se o

por

sentimento

de

piedade à pessoa que sofre.

momento da morte do paciente. Na

Nesse caso, o sujeito que

ortotanásia, não se trata mais da

pratica

a

eutanásia

não

deixa

doença, que já não tem cura, mas da

simplesmente a morte acontecer,

dor. (VIEIRA, 1999).

mas age sobre ela, antecipando-a. A

A doutrina, todavia, se divide

eutanásia é a morte com motivação

e, majoritariamente, considera a

humanística, provocada em pessoa

prática da ortotanásia perigosa e

com

questionável,

da

incurável ou em estado terminal e

dificuldade quanto ao controle dos

movida pela compaixão ou piedade.

casos que serão submetidos a ela e

Se a doença for curável não se pode

também em razão da avaliação dos

falar em eutanásia, mas sim o

requisitos

homicídio tipificado no art. 121 do

em

razão

necessários

para

autorização. Além disso, para alguns

forte

sofrimento,

doença

Código Penal.

estudiosos a ortotanásia é uma

Não existe previsão legal para

espécie de homicídio, pois o direito a

a

vida é indisponível e o medido deve

sofrimentos imponderáveis, doença

lutar pela vida até o limite dos

incurável ou em estado terminal a

tratamentos existentes. Argumenta-

conduta

se também que, dada a evolução

classificada

rápida da medicina, sempre surgem

privilegiado, com diminuição de

novas possibilidades de tratamento,

pena do parágrafo 1º do artigo 121

sendo vedado ao médico, ao doente

do CP ou como auxílio ao suicídio,

ou a sua família decidir quem pode

desde que o paciente solicite ajuda

ou não se curar.

para morrer, disposto no art. 122 do

A discussão se acirra quando

eutanásia,

porém

piedosa como

diante

poderá

de

ser

homicídio

mesmo diploma legal ou ainda a

começamos a confrontar o conceito

conduta poderá ser atípica.

de ortotanásia com seus termos

Art. 121 (...)

vizinhos, dada a sutil diferença entre

§ 1º Se o agente comete o

as

expressões.

Um

termo

que

crime 119

impelido

por motivo

de


relevante valor social ou moral, ou

1.1 A polêmica legal

sob o domínio de violenta emoção, logo

em

seguida

a

injusta

No estado de São Paulo, a lei

provocação da vítima, ou juiz pode

10.241/1999,

reduzir a pena de um sexto a um

direitos de usuários do serviço de

terço. (grifos nossos)

saúde,

Art. 122 - Induzir ou instigar

que

assegura

terminais

o

regulamenta

aos

direito

enfermos

de

recusar

alguém a suicidar-se ou prestar-lhe

tratamentos

auxílio para que o faça:

extraordinários para tentar adiar a

Outro termo relacionado à ortotanásia

é

a

morte.

Na

dolorosos

época

essa

ou

lei

foi

distanásia,

sancionada pelo governador Mario

conceituada como o prolongamento

Covas que afirmou aceitá-la como

artificial do processo de morte e por

político e como paciente, já que nele

consequência prorroga também o

havia sido diagnosticado um câncer

sofrimento da pessoa. Nesse caso, a

de bexiga. Dois anos depois, ele

tentativa insana de recuperar o

utilizou-se

doente a todo custo, ao invés

prolongamento artificial da vida, por

permitir a morte natural, prolonga

não

sua agonia. Não visa prolongar a

(CAMATA..., 2011).

vida, mas sim o processo de morte

dela,

haver

O

ao

recusar

chance

tema

de

ganhou

grande

relevância

distanásia é praticada em inúmeras

Resolução 1.805/06, do Conselho

situações, geralmente em proveito

Federal de Medicina, prevendo “Na

da família, inconformada com a

fase

perda, e não em razão do desejo ou

graves e incuráveis é permitido ao

do bem estar do paciente que sofre.

médico

A distanásia, embora alargue o

procedimentos e tratamentos que

sofrimento de um ser humano em

prolonguem

agonia, que muitas vezes deseja

garantindo-lhes

morrer,

necessários para aliviar sintomas

socialmente

uma e

conduta lícita.

aceita

terminal

limitar

a

a

cura.

(DINIZ, 2001). Vale lembrar que a

é

com

o

de

edição

da

enfermidades

ou

vida

suspender

do

os

doente, cuidados

que levam ao sofrimento”.

(GOLDIM,

2011).

O texto da Resolução causou polêmica em sua interpretação e, com 120

isso,

o

Ministério

Público


ingressou

com

uma

ação

civil

José Linhares, que apenas previa a

pública, conseguindo na Justiça

discriminação da conduta. Este novo

Federal a suspensão da resolução.

projeto

Nessa ocasião, questionou-se a

expressa por parte do paciente,

competência do Conselho Federal

familiares ou representante legal

de Medicina em legislar a respeito de

para realização da conduta desde

matéria penal, que é exclusiva da

que uma junta médica especializada

União. Desse modo, a Resolução

analise o pedido.

perdeu sua eficácia, por meio de

O

menciona

projeto

a

autorização

é

um

grande

uma liminar. Mas, recentemente, a

progresso humano e social, pois a

Justiça Federal revogou a liminar

dignidade humana deve superar os

que

da

valores conservadores e moralistas.

ortotanásia, restabelecendo, desta

Se o paciente quer viver os últimos

forma, os efeitos da Resolução.

momentos em casa, no seio familiar,

(CARDOSO, 2011).

com cuidados paliativos para as

impedia

a

Também,

realização

nesse

de

dores, esse desejo deve ser aceito

um

novo

moral e legalmente, porque se prega

Médica,

pela

que a lei seja feita em benefício da

Resolução 1931/2009. Em vigência

sociedade, e a própria sociedade

desde o dia 13/4/10, tal documento

pede a regulamentação da conduta.

reitera e aconselha o procedimento

A

ortotanático ao paciente em fase

prioridade para análise da Comissão

terminal,

contraindicando

a

de Constituição e Justiça e, se

obsessão

terapêutica

e

aprovada, será votado em plenário.

tempo,

foi

elaborado

Código

de

Ética

meio

proposta

da

ortotanásia

é

apresentando as normas com os

Há também um anteprojeto do

limites

Código Penal, para que a prática

para

a

ortotanásia.

(CARDOSO, 2011).

deixe de ser considerada ilícita. O

A Comissão de Seguridade Social

e

Família

aprovou,

em

projeto

de

autoria

Gerson

Camata,

do

visa

senador implantar

dezembro de 2010, a proposta que

norma ao art. 121 acrescido do §4° o

prevê

da

seguinte dispositivo “não constitui

ortotanásia. O novo texto analisado

crime deixar de manter a vida de

pela Comissão é um substituto do

alguém

projeto de lei (6715/09) do deputado

previamente

a

regulamentação

121

por

meio

artificial,

atestado

por

se dois


médicos, a morte como iminente e

o próprio enfermo puder expressar

inevitável,

haja

livremente sua vontade de morrer,

consentimento do paciente, ou, em

pois entendemos que, se for de sua

sua impossibilidade, de cônjuge,

vontade prosseguir nos tratamentos,

companheiro,

ascendente,

esse é um direito assegurado a ele

descendente e irmão”. (CARDOSO,

pela Constituição, pelos princípios

2011).

da dignidade e da indisponibilidade

e

desde

que

O problema é que, segundo o

da vida.

projeto, quando o paciente não

Com

essa

restrição,

tal

puder ensejar seu desejo, o cônjuge,

proposta colabora para a construção

companheiro,

de um direito social à morte digna e

descendente

ascendente, ou

irmão

poderá

converge

com

os

ideais

permitir a prática de ortotanásia.

beneficência,

Todavia, discordamos do dispositivo

transparência e compaixão. Nos

com relação a esse ponto.

casos

Quando o paciente não puder opinar,

aumenta

em

muito

de

justiça,

de

doença

verdade,

incurável

e

terminal, deve o médico oferecer

a

todos

os

cuidados

paliativos

complexidade da questão, porque as

disponíveis sem empreender ações

pessoas citadas acima podem ter

diagnósticas e terapêuticas inúteis

interesses ocultos, por exemplo,

ou obstinadas levando sempre em

autorizar a ortotanásia para aliviar a

consideração a vontade expressa do

família, exausta ou que não quer

paciente ou, em sua impossibilidade,

mais gastar, ou pior, para que os

a de seu representante legal.

bens do doente venham logo ao seu

A ortotanásia, na resolução do

dispor. Nesse caso, o familiar não

Conselho Federal de Medicina, está

estaria autorizando a ortotanásia por

exposta como forma de cuidado e

compaixão, por humanização ou

humanização. A decisão, portanto,

pela vontade do próprio paciente,

deve ser do paciente que terá ampla

mas sim por interesses escusos ou

autonomia.

simplesmente para se livrar do

Mesmo assim, as opiniões

problema.

respeito

do

assunto

não

pacíficas.

A

doutrina

majoritária

ortotanásia só deva ser possível se,

ainda

considera

obedecidas às exigências médicas,

privilegiado a prática de ortotanásia

Defendemos que a prática da

122

são

homicídio


(art. 121, § 1° do CP). examinaremos

A seguir

algumas

Para os cristãos ortodoxos, é

das

possível

interromper

poupar

energia,

tratamentos

objeções apontadas pelos juristas e

para

tempo

e

pelos médicos.

recursos num esforço mal dirigido a evitar a morte: “Quando os sistemas

2.1 Ortotanásia e as doutrinas

principais do organismo debilitam-se

religiosas

e não existe perspectiva razoável de que possam ser restaurados, os

A vantagem da igreja é que,

cristãos ortodoxos podem permitir,

embora às vezes o não pareça, ao

com justiça, que sejam removidos os

gerir o que está no alto, governa o

aparelhos

que está em baixo.

extraordinários".

(SARAMAGO, 2005, p. 191). Analisando

a

mecânicos

O Senador afirma também

ortotanásia

que praticamente todas as igrejas

segundo a justificação apresentada

cristãs dos Estados Unidos rejeitam

pelo próprio autor do projeto de

a eutanásia ativa e aceitam a

reforma do Código Penal, Senador

ortotanásia.

Gerson Camata (PMDB - ES), os

informa Camata, que a eutanásia

ramos do judaísmo distinguem os

ativa gera o karma negativo tanto no

atos que aceleram a morte das

doente quanto no médico que a

ações que possam permitir que

pratica, todavia, deve-se permitir ao

ocorra a morte em paz.

doente a morte em paz, já que a vida

A religião proíbe toda classe de

homicídio,

interrupção

de

mas

admite

suportes

artificial

a

é

de

no

hinduísmo,

pouco

valor.

(BUARQUE, 2011).

que

O budismo, que também não

impeçam a morte do doente terminal.

aceita a eutanásia ativa, não exclui a

Segundo o autor do projeto, "há

intervenção médica para aliviar a

textos que proíbem tirar a vida do

dor,

muçulmano; porém, se o médico tem

administração de doses letais.

embora

impedindo

a

a certeza de que não pode restaurar-

Em relação à Igreja Católica,

se a vida, seria uma prática fútil

Camata apresenta um discurso de

manter o estado vegetativo do

1958, de Pio XII, segundo o qual,

paciente

embora exista uma obrigação de

por

meios

artificiais".

(EUTANÁSIA..., 2011).

conservar a vida e a saúde, "isso não 123


obriga habitualmente mais que o

renúncia a meios extraordinários ou

emprego

de

meios

desproporcionados não equivale ao

(segundo

as

circunstâncias

ordinários de

suicídio ou à eutanásia; exprime,

pessoas, de lugares, de época, de

antes, a aceitação da condição

cultura), ou seja, de meios que não

humana

imponham uma carga extraordinária

(BUARQUE, 2011)

defronte

à

morte.

para si mesmo ou para outro". Também a Declaração de 5 de maio

2.3 Obstáculos à garantia de um

de 1980, da Congregação para a

bem morrer.

Doutrina

da

eutanásia,

Fé, mas

condena

a

também

a

Qual

a

razão

de

dar

"obstinação terapêutica”, aceitando

seguimento a um tratamento se o

a ortotanásia - "É lícito interromper a

seu propósito, no caso a cura do

aplicação

enfermo, não irá acontecer? Vale a

de

desproporcionais

meios quando

os

pena

seguir

um

tratamento

resultados não correspondem aos

exaustivo, cujos efeitos colaterais

esforços aplicados" - e a legitimidade

são

de deixar morrer em paz: "É lícito

quimioterapia é um exemplo disso,

contentar-se com os meios normais

ela leva a pessoa a níveis críticos,

que a Medicina pode oferecer".

pois ao ser combatida a doença

Camata "Catecismo

da

cita,

o

que

a

doença?

A

destrói também o corpo do doente.

Católica",

Os sintomas causados pelo

aprovado pelo papa João Paulo II em

tratamento são vários, entre eles,

1982 e publicado pela Constituição

náuseas

Apostólica

infecções e queda de cabelo o que

Fidei

Igreja

ainda,

piores

depositum,

em

1992, segundo o qual "a interrupção de

procedimentos

e

vômitos,

diarreia,

afeta psicologicamente o paciente.

médicos

Vendo

de

perto

o

quão

onerosos, perigosos, extraordinários

doloroso é o procedimento pergunta-

ou desproporcionais aos resultados

se

esperados pode ser legítima". Ainda

prolongar esse calvário, mesmo

na encíclica Evangelium Vitae, de 25

sabendo que a morte é inevitável.

de março de 1995, o Papa João

Seria digno deixar o enfermo assistir

Paulo II afirma que se opõe ao

a deterioração de seu corpo sem

"excesso terapêutico" e que "a

poder decidir se é isso que ele 124

se

realmente

é

adequado


realmente quer, morrer sofrendo em

humana, não há o que se discutir.

uma cama de hospital ou se prefere

Atravancar

encerrar seus dias sem dor em sua

instituto

casa junto de seus familiares.

sociedade clama, por medo dos

Esquecemos o ensinamento

a

evolução

jurídico

de

pelo

qual

um a

obstáculos práticos que surgirão, é

clássico da função médica “curar às

um

vezes, aliviar muito frequentemente

Pensamentos como esse impedirão

e confortar sempre”. Nada mais

os

humano do que dar essa opção ao

necessários

paciente, lembrando apenas que a

ausência de recursos materiais e

morte

se

operacionais para efetivação dos

envergonhar é apenas um processo

direitos não pode desestimular o

natural pelo qual todos irão passar.

debates

não

é

motivo

Todavia,

de

erro

grave

de

aprimoramentos à

sobre

raciocínio.

benéficos

humanidade.

um

tema

e A

tão

inúmeros

importante, nem justificar a falta de

profissionais da área médica e

regulamentação definitiva, diante da

jurídica ainda resistem à ideia da

necessidade do reconhecimento da

ortotanásia. Dentre os argumentos

morte digna.

contra a implantação dela, alguns

Em oposição à prática da

demandam atenção. Nesse sentido

ortotanásia,

vale ressaltar a frase do Ministério

alguns juristas que, se a ortotanásia

Público na ação civil pública: “como

for autorizada no Brasil, as pessoas

garantir aos cidadãos brasileiros um

que não têm condições econômicas

bem

e

morrer,

se

ainda

não

argumentam,

dependem

ainda,

integralmente

do

conseguimos sequer garantir um

sistema de saúde público, ficarão

bem viver”. De fato, isso é verdade,

desprotegidas, porque existe o risco

mas o

problema, no

caso

da

de que a prática seja aplicada

sobre

a

demasiadamente, para solucionar o

operacionalização dela, ou seja,

problema da falta de leitos nos

sobre a fiscalização da legalidade da

hospitais.

ortotanásia,

prática,

que

recairá

envolve

diversos

Porém, dizer que a prática da

procedimentos.

ortotanásia não deva ser implantada

Entretanto, com relação à

por esse motivo no Brasil é uma

necessidade da legalização dela,

ingenuidade

considerando a dignidade da pessoa

desinformação total com relação aos 125

que

revela

a


problemas da saúde pública. A todo

outro tipo de mistanásia, recorrente

momento, nos hospitais públicos, a

nos

mistanásia (a morte antes da hora,

diariamente

ou “morte como um rato”, ou “morte

Emergências:

miserável”, por falta de assistência)

junto de seus familiares a espera de

já é aplicada, sem que haja qualquer

leitos e vagas nas UTIs lotadas e

regulamentação e muito menos a

morrem sem receber atendimento.

represália ou conscientização do

Enfim,

Poder Público.

mesmos

As pessoas pobres morrem diariamente

nos

jornais

corredores

e nas

comprovada Urgências

pacientes

muitas

e

sofrem

vezes,

profissionais

os que

discordam da ortotanásia, que é um

das

alívio

humano

para

vidas

emergências, na fila, esperando uma

totalmente inviáveis, nada fazem em

consulta ou um exame simples, no

defesa das vidas humanas valiosas

chão do pronto socorro, por falta de

que poderiam e deveriam ser salvas.

macas,

sem

medicamentos.

médicos, Muitas

sem

crianças

nascem na portaria dos hospitais,

Considerações finais

idosos morrem no mesmo local, sem nenhum tipo de cuidado.

Inevitavelmente a vida se

Muitos doentes nem chegam

acaba e é necessário que essa

a ser pacientes, pois não conseguem

passagem ocorra dignamente, com

ingressar efetivamente no sistema

cuidados

de atendimento médico, pois a

sofrimento possível.

necessários

e

menor

consulta demora mais que a doença.

Trata-se de permitir que cada

Outros tantos que conseguem ser

um escolha o modo como deve

pacientes

passar seus últimos dias.

não

conseguem

um

diagnóstico preciso a tempo, pois o aparelho quebrado,

para

o

exame

encostado,

Certo é que a saúde pública

está

necessita ser reformulada e vista

embalado.

com

mais humanidade, mas a

Muitos têm a sorte do diagnóstico

prática da ortotanásia, entendemos,

certo, mas a cirurgia ou o tratamento

em nada agravará esse lamentável

levam tempos. E dos que se operam

quadro,

a tempo, muitos não conseguem os

segundo as especificações da lei.

remédios necessários.

Há ainda 126

desde

que

praticada


Muito pelo contrário, trará para a

tão amplo que também assegura o

discussão social e jurídica o grave

direito à morte digna.

problema da saúde pública.

Regulamentando

a

Desse modo, se a prática de

ortotanásia o ser humano não será

ortotanásia realizar-se de acordo

mais usado como objeto, cobaia

com os procedimentos preconizados

para

e com as devidas cautelas previstas

tratamentos e medicamentos, a não

será um avanço para a sociedade.

ser que queira.

A

agência

Senado

e

pesquisa

de

doenças

a

Fazer com que uma pessoa

Secretária de Pesquisa e Opinião do

tenha sua vida mantida de modo

Senado (Sepop) promoveram uma

mecânico

enquete aos internautas no dia 1° de

equiparado a um meio de tortura

março de 2010, que teve 6.076

física e psicológica, tratamento que a

votos, perguntando se eram contra

Constituição proíbe expressamente

ou a favor a prática de ortotanásia,

em seu art. 5°, inciso III.

62,5% votaram a favor e 37,5%

e

artificial

Também

pode

no

ser

art.

contra. Isso mostra que a sociedade

5° caput protege-se o direito à

quer mudança, se nossas leis são

liberdade. Nesse caso, inclui-se

elaboradas

a

também a liberdade de escolher

necessidade da população, por que

morrer decentemente quando a vida

tanta hesitação em regulamentar a

não for mais digna.

de

acordo

com

prática? (ENQUETE..., 2011).

E certo dizer que, sobre os

Essa demora fere o princípio

mistérios da vida e da morte, a cada

da dignidade da pessoa humana

pessoa deve ser permitido conhecer

previsto na Constituição Federal em

e se determinar, pois temos o direito

seu art. 1°, inciso III, princípio este

à vida e não obrigação a ela.

127


Referências BUARQUE, C. Direitos humanos. http://www.direitoshumanos.etc.br/index.php?option=com_content&view=article &id=4488:camata-cita-manifestacoes-das-diferentes-religioes-sobre-aortotanasia&catid=45:direito-a-saude&Itemid=226 CAMATA ... <http://www.direito2.com.br/asen/2009/mar/26/camata-pede-queseu-projeto-sobre-ortotanasia-seja-discutido>. Agencia Senado. Acesso em 14/03/2011. CARDOSO, Juraciara Vieira. Ortotanásia: uma análise comparativa da legislação brasileira projetada e em vigor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2590, 4 ago. 2010. Disponível em: Acesso em: 7 mar. 2011. COMISSÃO... Endereço eletrônico: http://www.2camara.gov.br/ comissão-deseguridade-social. Acesso em 19/03/2011. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. ENQUETE. Senado. Endereço eletrônico <http://www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/enquetes.asp?ano=2010.> Acesso em 19/03/2011. EUTANÁSIA... Endereço eletrônico: http://www veja.abril.com.br/.../eutanasia/morte-pacientes-etica-religiaoortotanasia.shtml. Acesso em 19/03/2011. GOLDIM, José Roberto. Eutanásia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Texto atualizado em 22 de agosto de 2004. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm. Acesso em 19/03/2011 HOMICÍDIO...endereço eletrônico << http://www. jus.uol.com.br/revista/texto/2962/homicidio-eutanasico.>> Acesso em 19/03/2011. IGREJA...Endereço eletrônico: igreja-defendem-liberacao-ortotanasia-999083. shtml.> Acesso em 19/03/2011. LOPES, Adriana Dias. A ética da vida e da morte. Revista Veja, ano 43, Ed. 2162, 28 de abril de 2010. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/280410/etica-vida-morte-p-100.shtml>. Acesso em 16 de março de 2011; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 2003. SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 19-20.

128


SCHIAVO, Terri. Eutanásia ou ortotanásia? Correio Fraterno. ed 108. Disponível em: - acesso em 19/03/2011 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. WIKIPÉDIA. Endereço eletrônico Quimioterapia#Efeitos_Colaterais>. Acesso em 19/03/2011

129


PATERNIDADE PRESUMIDA Sousa, Ivan Oliveira de - Discente do 7º período do Curso de Direito da Unifev Centro Universitário de Votuporanga Brito, Deborah Cristiane Domingues de - Docente do Curso de Direito da Unifev - Centro Universitário de Votuporanga

RESUMO O objetivo deste estudo é propor uma reflexão do tema “Paternidade Presumida” à luz da lei n.º 12.004/09, lei esta que no nosso entender não trouxe nenhuma contribuição ao ordenamento jurídico uma vez que se trata somente de uma “legalização” do entendimento já sumulado do Superior Tribunal de Justiça. A nova lei estabelece a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético, popularmente conhecido como Exame de DNA. Entretanto, o juiz só pode determinar a presunção de paternidade, se esta for apreciada em conjunto com o contexto das provas, como elementos que comprovem a existência de um relacionamento entre a mãe da criança e o suposto pai.

Palavras-chave: Presunção de paternidade. Exame de DNA. Investigação de paternidade

130


sem a devida proteção, ou qualquer

Introdução

uso de métodos anticonceptivos. Vigora,

A Lei n.º 12.004/09, que

ainda,

em

nosso

acrescenta um artigo à Lei 8.560/92,

ordenamento a visão machista que a

foi promulgada com o intuito de gerar

culpa pela tal “gravidez indesejada”

a

é

chamada

“presunção

de

única,

e

exclusivamente,

da

paternidade” no caso da recusa do

mulher. Esquecem nossos nobres

suposto pai em submeter-se ao

legisladores que infelizmente a conta

exame de DNA. Infelizmente o

de tais atos será paga pela criança

advento

fruto desses encontros amorosos.

da

lei

não

tornou

a

presunção absoluta, uma vez que esta só poderá ser decretada pelo

1.

Evolução

histórica

do

juiz se for apreciada em conjunto

reconhecimento de paternidade

com o contexto probatório. Não se vislumbra a real

Do Brasil colônia até pouco

necessidade da referida lei, vez que

tempo depois da proclamação da

a mesma veio somente legalizar o

independência

entendimento

vigorou

sumulado,

desde

em

da

República,

nossas

terras

Ordenações

as

2004, pelo Superior Tribunal de

chamadas

Filipinas,

Justiça.

que regulavam, entre outros, os

De acordo com o texto legal

direitos e obrigações de ordem

se entende que de nada vale a

privada concernentes às pessoas,

palavra da mãe ao afirmar que

bens e suas relações. As

manteve relações sexuais com o

Ordenações

Filipinas

suposto pai. De modo tímido e

traziam regras nítidas de distinção

tacanho, o legislador não trouxe

entre filhos ilegítimos de nobres e

nenhuma contribuição à sociedade,

filhos ilegítimos de plebeus. A estes

não enxergando que as relações

eram, de certa forma, assegurado o

humanas mudaram, e que hoje em

direito

dia é comum os casais manterem

Ordenações não conferiam nenhum

relações

direito

sexuais

sem

nenhum

à

herança

hereditário

paterna.

aos

As

filhos

espúrios, assim considerados os

compromisso, e muitas das vezes

incestuosos, sacrilégios, 131

adulterinos mas

e

asseguravam


ampla investigação da paternidade

escritura pública. Mas segundo os

para fins alimentares.

estudiosos da época, tal instituto

Em 1824, é promulgado a

teve a pretensão de regulamentar a

Constituição do Império, que trazia

paternidade apenas para situações

em seu bojo a igualdade de todos

de impedimento matrimonial. Nesta

perante a lei. Mas os estudiosos da

época, os filhos adulterinos, ou

época entendiam que o preceito das

incestuosos não tinham direito a

Ordenações

herança.

Filipinas

não

fora

revogado por esta Constituição,

O Código Civil de 1916 proibia

perdurando a dúvida se o princípio

o reconhecimento da paternidade,

da igualdade alcançava o direito à

tanto na forma voluntária, como na

sucessão,

nítida

judicial, para filhos incestuosos e

distinção entre filhos de nobres e

adulterinos. Porém, permitia a ação

peões. Uma vez que os filhos dos

de

nobres, segundo as Ordenações

movida pelo filho ilegítimo contra o

Filipinas só podiam herdar quando

pai ou seus herdeiros. Permissão,

legitimados

essa, que não foi estendida aos

Desembargo

que

havia

pelo

Rei

ou

do

Paço

pelo

(Tribunal

criado no reinado de D. João II) Para dúvidas

acabar

foi

com

editada,

em

investigação

de

chamados

filhos

(incestuosos

ou

paternidade

espúrios adulterinos).

essas

Cabendo, as estes, somente o direito

2

de intentar ações de investigação de

de

setembro de 1847, a lei n.º 463 que

paternidade para fins de alimentos.

estendeu aos filhos dos nobres os

Já em 1977, foi dado o direito

mesmos direitos hereditários que as

a qualquer dos cônjuges, ainda na

Ordenações Filipinas conferiam aos

constância

filhos dos plebeus. Mas somente o

reconhecer o filho havido fora do

filho reconhecido pelo pai através de

matrimônio. Sendo exigido que esse

escritura pública ou testamento era

reconhecimento

contemplado

testamento cerrado. Permitindo a

com

o

direito

à

sucessão. Em

do

casamento,

fosse

feito

de

em

esse filho o direito à herança. 1890,

é

instituído

o

A Constituição Federal de

casamento civil, e com ele nasce a

1988 procurou corrigir as injustiças

paternidade natural, promovida pela

cometidas

confissão

determinando em seu artigo 227,

espontânea

ou

por 132

aos

filhos

ilegítimos,


parágrafo

6º,

a

proibição

quaisquer

de

A ação de investigação de

designações

paternidade

discriminatórias relativas à filiação.

visa

buscar

o

reconhecimento da filiação em face ao suposto pai que se recusa em

2. Reconhecendo a paternidade nos

fazê-lo. Diniz (2002, v.5, p.402)

dias atuais

esclarece que “nesta ação, bastante difícil é a questão das provas de

O Conceito de paternidade

filiação, porque as relações sexuais

encontra-se dividido entre a questão

são, na maior parte dos casos,

biológica, jurídica e a socioafetiva.

impossíveis

de

serem

comprovadas”.

Ser pai não significa apenas ter vínculos genéticos com a criança,

As provas aceitas pelo nosso

significa, antes de tudo, participar,

ordenamento jurídico, neste tipo de

criar, amparar, amar, educar. Ou,

ação são:

como diria uma famosa propaganda: “Não

basta

ser

pai,

tem

que

a)

a posse do estado de filho;

b)

a testemunhal;

A lei pressupõe como pai do

c)

o exame prosopográfico;

filho da mulher casada o seu marido.

d)

o exame de sangue;

Não admite nem mesmo que a

e)

o exame de DNA

participar”.

confissão de adultério, pela mulher, seja motivo para ilidir tal presunção.

Sendo

este

último

Mas dá o direito imprescritível ao

considerado o mais eficaz. Tanto

marido

esta

que, devido ao seu reconhecimento

paternidade. Tudo isto em nome da

no mundo científico, passou a ser

preservação da unidade familiar,

imposto como regra, e em caso de

considerada a base da sociedade.

recusa do suposto pai a submeter-se

de

contestar

O reconhecimento da filiação se

por

ato

a este exame, estará configurada a

declaratório,

paternidade presumida.

estabelecendo vínculo jurídico entre

O reconhecimento judicial ou

os pais e os filhos. Podendo esse

voluntário do filho havido fora do

ocorrer, ainda, por iniciativa do

casamento retroage até o dia do

próprio filho, através da ação de

nascimento

investigação de paternidade.

estabelecendo parentesco entre filho 133

da

criança,


e seus pais, concedendo o direito ao

advento

filho de assistência e alimentos, e

constatamos que o direito mais

equiparar, para efeitos sucessórios

simples, e também mais primordial,

os filhos de qualquer natureza.

dado

a

da

um

nossa

Constituição,

filho,

não

está

assegurado, que é o direito a ter o nome do seu pai anotado em seu registro civil.

Considerações finais

Falta o respeito à palavra da José (2001,

Aparecido

p.

34)

afirma

da

mulher, única pessoa presente no

Cruz

que:

momento

“A

em

que

o

ato

era

Brasil,

consumado. Deve-se privilegiar a

promulgada em 5 de outubro de

afirmação desta, e intimar o suposto

1988, corrige por inteiro as injustiças

pai a produzir provas robustas para

cometidas aos filhos ilegítimos de

derrubar a mesma. Deve-se, ainda,

toda ordem.

atentar que o maior interesse a ser

Constituição

Federal

Infelizmente expressa

pelo

do

a

nobre

protegido é o do filho, reconhecendo,

opinião jurista

e fazendo prevalecer, desta forma, o

se

encontra equivocada, uma vez que

instituto

com a promulgação da nova lei em

Constituição.

2009, vinte e um anos depois do

134

cravado

em

nossa


Referências CRUZ, José Aparecido da. Averiguação e investigação de paternidade no direito brasileiro: teoria, legislação, jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de |Família, 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 5.v. BRASIL. Lei nº 12.004, de 29 de julho de 2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 jul. 2009. Seção 1, p.3 MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. Comentário à Lei nº 463 de 2 de setembro de 1847 sobre sucessão dos filhos naturaes, e sua filiação. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1857.

135


REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE COM USO E POSSE DE ARMAS MATEUS, Aline Cristine - Discente do 8º período do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga. SAMPAIO FILHO, Walter Francisco - Coordenador do Curso de Direito da Unifev – Centro Universitário de Votuporanga.

RESUMO A criminalidade aumenta cada vez mais, e com isso as pessoas ficam presas em suas casas como se fossem os criminosos. Desta forma, se o cidadão estiver devidamente protegido, não será refém da criminalidade. Uma das hipóteses para se proteger é o direito de utilizar a arma como meio de defesa. Tornando-a acessível à sociedade, poderá contribuir para a sua própria segurança. O estudo foi desenvolvido pelo método dialético, por meio de pesquisas doutrinárias, tendo como método de procedimento o estatístico e comparativo, como também o método de pesquisa não-empírica.

Palavras-chave: Segurança. Direito. Defesa. Armas.

136


homicídios praticados por outros

Introdução

meios que não sejam a arma de fogo, os quais vêm aumentando

A presente pesquisa discute a

muito.

proibição da venda de armas à população honesta como forma de

Quando lançada a campanha

diminuir a criminalidade, apontando

do desarmamento, as autoridades

os

essa

mostraram que o Brasil possuía 17

política, pois enquanto a população

milhões de armas de fogo, ou seja,

aumenta, a violência cresce e a

associaram de maneira errada a

segurança pública diminui. Isso é

relação da criminalidade com arma

fruto de políticas públicas estrábicas,

de fogo.

resultados

inversos

a

que analisam o desenvolvimento

Assim, será discutido o uso da

somente sob a ótica estreita do

arma de fogo em benefício da defesa

populismo.

do indivíduo, tendo em vista a

Várias são as estatísticas

precariedade da segurança pública e

referentes ao uso e a posse de arma

a dificuldade de obtenção desse

de

meio de defesa.

fogo

no

país,

consideradas

porém

são

estimativas

extraoficiais,

principalmente

1. Cidadãos sem defesa e bandidos

a

armados

respeito do impacto das armas nas estatísticas de mortalidade, porém essas

pesquisas

confrontadas

com

não

são

Desde o início dos tempos as

crimes

não

armas estão presentes, haja vista que o homem da caverna utilizava

relacionados a armas de fogo. do

pedras afiadas como lanças para

o

caça e sua própria defesa. Com o

aumento do índice de criminalidade

tempo, as lanças de pedra, deram

se dá pelo uso de armas, e alegam

lugar às espadas, machados, e estes

também,

dos

deram lugar à pólvora descoberta

homicídios e crimes que levam a

pelos chineses. Além de ser um meio

morte são causados por armas.

de defesa criado há tantos anos

Contudo, esses pesquisadores se

atrás, é utilizado nos dias de hoje

esquecem

para fins militares, esportivos e

Os

defensores

desarmamento

afirmam

que

das

a

que

maioria

estatísticas

dos

defesa pessoal. 137


De acordo com o site da Veja,

Dos 23% das armas de fogo,

o Brasil possui 17 milhões de armas

grande parte delas são advindas do

de fogo, dessas 17 milhões, 49% são

tráfico ou foram desviadas do próprio

legais; 28% seriam armas ilegais de

Estado, ou seja, das mãos dos

uso informal e 23%, armas ilegais de

policiais e das Forças Armadas do

uso criminal.

país, tanto que há pouco tempo foi

Destaca ainda, que nas casas

noticiado

nos

jornais,

dos brasileiros, em 3,5% delas

desaparecimento

possui um tipo de arma de fogo, o

munições da Superintendência da

que é muito inferior em relação aos

Polícia Federal em São Paulo.

países

em

o

e

A idade mínima permitida

criminalidade é muito baixo. Um

para aquisição da arma de fogo é de

exemplo disso seria nos países

25 anos e, segundo Fazzolari os

como o Canadá, que nas casas o

índices de mortalidade demonstram

percentual é de 30%, a França com

que as mortes crescem no grupo

24,5% e a Suíça com 35%.

etário entre 20 a 24 anos, ou seja,

exemplo,

índice

armas

de

Outro

que

de

o

no

Rio

essas armas utilizadas por eles são

Grande do Sul, que é o estado

na maioria ilegais. (FAZZOLARI,

detentor do maior número de armas

2007, p. 50).

legais com 26,55 armas legais para

No referendo foram milhares

cada 100 mil habitantes, é o estado

de armas entregues ao exército,

com menor índice de criminalidade e

contudo essas armas recolhidas não

violência.

foram a dos bandidos, mas sim dos

Também no mesmo estado, o

cidadãos honestos. E com isso a

referendo foi contra o desarmamento

população

está

com

desarmada,

presa

80%

dos

votos.

desprotegida, por

cercas

De acordo com a Agência

elétricas, grades, alarmes em suas

Viva Brasil, no estado de Alagoas

próprias casas, enquanto o número

por exemplo, os homicídios em

de latrocínios, sequestros e roubos

Maceió no ano de 1999, apresentava

aumenta cada vez mais, mesmo

o uso de armas de fogo em apenas

após a entrega das armas.

23,4% dos homicídios e, em 2008,

A

polícia

em

virtude

da

aponta a taxa de uso de 96,6%.

precariedade de funcionários, não

(VIVA BRASIL, 2010).

consegue conter os crimes, pois não 138


consegue estar em todos os locais e

poucas

armas,

o

número

de

a todo o momento, bem como o

homicídios com armas de fogo é

atendimento nem sempre é imediato.

elevadíssimo; já na região com mais

Segundo o Deputado Alberto Fraga

armas, a violência e os homicídios

“A violência está aumentando pela

têm números bem menores.

falta de policiamento e pela certeza

Onde há proibição, há o

do marginal que, ao invadir uma

aumento da criminalidade. E essa

residência,

proibição está negando ao cidadão o

não

vai

encontrar

resistência”. (FRAGA, 2009, p. 38). No

Chile,

praticamente

a

direito de sua defesa.

legislação

desarmou

Quando se fala em direito de

a

ter e portar arma, o cidadão não está

população, proibindo o porte e

escolhendo entre ter a liberdade ou

exigindo renovação anual para a

a segurança, está escolhendo a

simples posse. Como resultado,

ambos.

depois do desastre ocasionado pelo

Segundo Marques, o cidadão

terremoto, o país foi tomado por

nos dias de hoje:

criminosos e saqueadores, e com

[...] virou literalmente um alvo

isso é inaceitável que a população

em determinados locais. Um alvo

não tenha como se defender, pois a

que tem que ser um maratonista,

polícia e o exército não conseguem

velocista, contorcionista, trapezista e

conter os ataques.

até mágico para se esquivar das

Segundo o editorial do jornal

balas perdidas. Um alvo que tem que

Washington

mais

optar por dar apoio aos traficantes de

armas nas mãos dos cidadãos

drogas sob pena de morte. Um alvo

honestos, reduzem a criminalidade.

no seu veículo ultrapassando os

E isto foi provado na liberação da

sinais de transito e recebendo multas

posse de armas em Washington e no

para

distrito de Columbia. (apud, TIRO

assaltado

CERTO, 2010, p. 46).

desarmado sem direito a defesa

“The

não

ser e

sequestrado morto.

Um

ou alvo

entre

a

própria contra o marginal sempre

Estados,

por

bem armado. Um alvo que tem que

conta de outra realidade, todavia,

contratar segurança particular. Um

isso está acontecendo internamente

alvo que ainda tem que agradecer ao

no Brasil, pois em uma região com

criminoso por apenas lhe levar seus

comparação

críticas

Times”,

entre

139


bens materiais. Um alvo esperando

do referendo garantindo o direito de

sempre que apareça algum policial

possuir arma, a lei específica para

para lhe salvar. (MARQUES, 2010).

recadastramento

A vontade popular em possuir

no

resultado

várias

barreiras para manter a legalidade.

arma de fogo para se defender foi demonstrada

impôs

O Estatuto do Desarmamento

do

fracassou, pois não impede que os

referendo, mas praticamente foi

criminosos tenham acesso às armas,

barrada,

enquanto

ou

pelo

menos

extremamente dificultada.

coloca

o

cidadão

desprotegido perante os criminosos,

E mesmo com o resultado

por dificultar a posse legal de armas.

positivo do referendo, a legítima

A

nossa

Lei

a

prevê

os

defesa está proibida em nosso país,

Constituição

desde o início do malfadado Estatuto

nossos direitos e deveres e, em seu

do Desarmamento, pois uma lei que

artigo 5°, garante a todos, sem

é contra armas também é contra o

distinção, a inviolabilidade do direito

direito à legítima defesa.

à vida, a liberdade, à igualdade, à

Segundo Lobato, sempre é

Federal,

Magna,

propriedade e à segurança.

melhor ter uma arma e nunca

Para obtenção de uma arma é

precisar usá-la do que precisar usar

necessário preencher os requisitos:

e não tê-la. (LOBATO, 1995, p. 13).

declarar a efetiva necessidade; ter no mínimo 25 anos; inexistência de

2. Dificuldade na obtenção das

antecedentes

armas

comprovados pela Justiça Federal, Estadual,

criminais

Militar

e

Eleitoral;

É da tradição dos povos a

comprovar

utilização de armas, principalmente

residência

certa;

para o governo, posto que as armas

capacidade

psicológica

já eram utilizadas no começo dos

psicológico); comprovar capacidade

tempos, engenhada com intuito de

técnica (curso de tiro), bem como

defesa e sobrevivência.

pagamento das taxas de registro e

O

governo

decidiu

então

sobre

a

questão

lícita

e

comprovar (teste

taxas dos profissionais. Atualmente “[...] há apenas

deixar nas mãos da população a decisão

ocupação

do

400 psicólogos cadastrados, em

desarmamento. Mesmo o resultado

todo o Brasil para realizar laudo 140


psicológico determinado pela lei,

Observe que se está tratando

sendo também pequeno o número

apenas da mera posse de arma de

de instrutores de tiro para avaliação

fogo em domicílio, e não do porte de

técnica”. (FAZZOLARI, 2007, p.50).

arma.

Um dos requisitos exigidos

Toda

essa

absurda

para obtenção da arma, previsto no

burocracia, jogará o cidadão honesto

artigo 4° da Lei 10826/2003, é a real

na

necessidade,

que

responder pelo crime de posse

consideram por real necessidade.

irregular de arma de fogo, com

Não

detenção de 1 a 3 anos e multa.

seria

porém

a

sobrevivência

o

necessidade numa

de

ilegalidade,

sujeitando-o

a

sociedade

Posto isto, apenas os quem

violenta? Não seria necessidade de

têm o alto poder aquisitivo, é que

possuir a arma que possa servir para

poderão arcar com os custos da

sua defesa?

renovação, e desta forma o cidadão

Ainda se não bastasse os

que não tiver condições, e não

gastos com o efetivo registro, o

conseguir

referido Estatuto exige a renovação

pretender

trienal

considerado como criminoso.

do

registro

da

arma,

renovar

sua

arma

mantê-la,

e

será

procedendo todos os exames e taxas, como disposto no inciso III, artigo 4° da mesma lei, dificultando

Considerações finais

ainda mais a obtenção da arma, posto que a pessoa que possui

Diante o exposto, a redução

condições financeiras tem outros

da criminalidade com o uso de

meios de defesa, como segurança

armas, poderá ser diminuída, tendo

particular,

de

em vista dados concretos em outros

monitoramento, etc. Já a menos

países em que o aumento de posse

favorecida

não

de armas leva a redução de crimes.

sequer

para

câmeras

tem

condições fazer

o

Como o governo não investe

recadastramento, tendo em vista o

na segurança da população, e por

valor absurdo, e desta forma, torna-

conta disto não se pode ter um

se acessível apenas para as classes

policial em cada lugar, poderá então

altas que já dispõem de seguranças particulares. 141


o cidad達o possuir uma arma para

de fogo, garantida legalmente, n達o

assim se defender.

pode o Estado, por meio de taxas

N達o obstante a possibilidade

absurdas

em se ter o uso e a posse de arma

ou

exig棚ncias

discrepantes, tolher tal direito.

142


Referências FAZZOLARI, Daniel. Considerações atuais sobre desarmamento. 100. ed. São Paulo: Revista Magnum, 2007. LOBATO, Sayão. Tiro de defesa. 1. ed. São Paulo: Fitipaldi, 1995. PRADO, Mônica; BENEVIDES, Laura. A vitoria do Não e seus desdobramentos. 94. ed. São Paulo: Revista Magnum, 2005. VEJA ON LINE. Armas de fogo no Brasil e seus efeitos. São Paulo: Abril S.A. Disponível em: . Acesso em: 08 de set. de 2010. AGÊNCIA VIVA BRASIL. Nordeste: poucas armas muita violência. Acesso em: 30 de out. de 2010. FRAGA, Alberto. Referendos são desrespeitados no Brasil. 11. ed. São Paulo: Revista Tiro Certo, 2009. VADEMECUM, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MARQUES, Archimedes Jose Melo. O desarmamento como instrumento ineficaz para conter a criminalidade. Acesso em: 26 jul. de 2010.

143


TORTURA NO INQUÉRITO POLICIAL E NA AÇÃO PENAL E SUAS CONSEQUENCIAS JURÍDICAS PIMENTEL, Jaime. Mestre em direito processual penal, professor de direito penal na UNIFEV, Delegado de Polícia aposentado. Advogado. PIMENTEL JÚNIOR, Jaime. Egresso da UNIFEV, Especialista em direito penal. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

RESUMO A submissão do indiciado a um inquérito policial e do acusado a um processo criminal inevitavelmente implica na realização de atos de polícia judiciária e de atos judiciais que muitas vezes causam constrangimento. Quando praticados dentro da legalidade o indivíduo a eles submetido está contribuindo e cumprindo com a sua participação no Estado Democrático de Direito. Todavia, quando a pratica dos atos de polícia judiciária ou judicial tangenciam a ilegalidade, dependendo do elemento subjetivo do agente que praticou a conduta pode ser responsabilizado civil, criminalmente com base da Lei de Tortura e administrativamente.

ABSTRACT The submission of the indicted to a police investigation and the charged to a criminal case inevitably involves carrying out acts of judiciary police and judicial acts that often cause embarrassment. When practiced within the law the person subjected to them is contributing and fulfilling with its participation in the Democratic State of Law. However, when the practice of acts of judiciary police or judicial are tangent to illegality, depending on the subjective element of the agent who committed the conduct may relate to the Torture Law and be liable civil, criminal and administratively.

Palavras-chave: Tortura. Sofrimento. Violência, Interrogatório. Keywords: Torture. Suffering. Violence. Questioning 144


inquiridos, investigados, despidos na

Introdução

presença de todos. O indivíduo, Tortura

é

o

suplício,

assim, é feito em pedaços”

o

O

tormento capaz de causar dor,

avanço

cientifico,

angústia, aflição, medo e stress, no

mormente da Medicina Legal e da

indivíduo a ela submetido. Pode ser

Criminalística

impingida

investigação

tanto

física

como

trouxe

para

criminal

a

significativa

métodos

contribuição não ostentando mais o

empregados são vários. A própria

entendimento do caráter absoluto da

submissão

confissão, perdeu ela há muito o

moralmente.

Os

do

indivíduo

a

um

inquérito policial ou a um processo

status

penal, dependendo de sua condição

Enganam-se aqueles que a veem

social, cultural ou religiosa, já é um

como

meio capaz de torturá-lo moral ou

investigação.

psicologicamente.

a

pensam, na verdade o que querem é

instauração de Inquérito Policial ou

buscar um atalho, um caminho mais

de Ação Penal, quando presente a

curto, uma resposta imediata já que

justa causa, tem amparo na lei não

muitas vezes a busca de vestígios e

constituindo conduta típica.

a coleta de materiais existentes

Obviamente,

de

o

no

A propósito da tortura que o

“rainha

das

provas".

coroamento Os

corpus

da

que

delicti

assim

e

o

processo causa são oportunas as

respectivo exame científico além de

observações tiradas de Carnelutti:

trabalhoso demanda muito tempo. O

“O homem, quando suspeito

art.

5º,

inciso

da

de um delito, é jogado às feras. A

Constituição

fera, a indomável e insaciável fera, é

que “ninguém será submetido a

a multidão. O artigo da Constituição,

tortura nem a tratamento desumano

que

a

ou degradante” e no inciso XLIII, do

é

mesmo

dispositivo,

equiparou

com

prática

da

aos

se

ilude

em

garantir

incolumidade

do

praticamente

inconciliável

aquele

que

outro

acusado,

sanciona

hediondos,

a

Federal,

III,

tortura

estabelece

considerando-a

a

crimes como

liberdade de imprensa. Logo surge o

crime inafiançável e insuscetível de

suspeito, o acusado, a sua família a

graça e anistia. Não existia tipificação para o

sua casa, o seu trabalho são

crime de tortura, somente quase dez 145


anos após advento da Carta Política

mental. Nas alíneas “a” e “b” requer

foi sancionada a lei nº. 9.455, de

dolo específico, ou seja, a conduta

07.04.1997, tipificando o crime de

busca uma finalidade: na alínea “a”,

tortura.

obtenção de informação, declaração

Antes da Lei 9.455/97 a

ou confissão da vítima ou de terceira

primeira lei que tipificou a tortura foi

pessoa e na alínea “b”, a violência ou

o

do

a grave ameaça torturadoras é para

Adolescente, lei n. 8.069, de 13 de

provocar no sujeito passivo uma

julho de 1990, no artigo 233. A lei nº.

ação ou uma omissão de natureza

9.455/97,

criminosa. O tipo penal em comento

Estatuto

da

no

Criança

art.

e

revogou

expressamente o art. 233 do ECA.

não

Apesar de revogado o artigo, não foi

especial do sujeito ativo, portanto,

abolido o crime previsto no Estatuto

trata-se de crime comum que pode

da Criança e do Adolescente, uma

ser cometido por qualquer pessoa.

vez que o fato nele previsto passou

requer

Nas

nenhuma

duas

qualidade

alíneas

em

a ser definido ou no inc. II do art. 1º

comento, não exige a lei para a

ou em seu § 1º, com aumento de

consumação do delito que o objetivo

pena de um sexto até um terço

visado pelo agente seja alcançado.

conforme preconiza o § 4º, inciso II.

Caso consiga seu intento ocorre o

A Constituição Federal ao dar

exaurimento do delito que deverá ser

tratamento severo à prática de

levado em consideração por ocasião

tortura está em plena sintonia com

da dosimetria da pena. Na alínea “c”,

os Tratados Internacionais de países

a tortura empregada não busca uma

humanistas.

finalidade, visa tão somente punir a

No inciso I, do art. 1º da Lei de

discriminação racial ou religiosa do

tortura temos como condutas típicas,

agente.

o constrangimento de alguém com

No inciso II, a lei requer do

emprego de violência ou grave

sujeito ativo qualidade especial. É

ameaça, causando-lhe sofrimento

preciso que o agente tenha a guarda,

físico e mental. Exige, portanto, o

poder ou autoridade sobre a vítima.

dispositivo,

que

além

do

Ao contrário do inciso I, a lei

constrangimento feito através de

exige que a violência ou a grave

violência ou grave ameaça que do

ameaça, cause intenso sofrimento

mesmo resulte sofrimento físico e

físico 146

ou

mental

e

deve

ser


empregada como forma de aplicar

tortura, ou em caso de notícia de sua

castigo

de

ocorrência tem o dever de apurar os

caráter preventivo, portanto, requer

fatos. Trata-se de conduta omissiva

do agente dolo específico.

que não admite a tentativa. A

pessoal

ou

medida

No § 1º, do inciso II, requer

propósito

desse

delito

comenta

qualidade especial tanto do sujeito

CAPEZ...” Importante notar que,

ativo como do sujeito passivo, trata-

havendo o dever legal de agir, se o

se de crime bi próprio, a lei visa

omitente tomar conhecimento da

proteger, nesse dispositivo, a pessoa

tortura antes de o crime ser praticado

presa ou sujeita a medida de

e deseja-la ou aceitar o risco de ela

segurança a sofrimento físico ou

se produzir, responderá pelo delito

mental, por intermédio da prática de

de tortura na qualidade de partícipe

ato não previsto em lei ou não

por omissão, de acordo com o art.

resultante de medida legal. Como

13, § 2º, “a”, do CP.

assevera CAPEZ ... “Mesmo o

Prevendo o crime de tortura

homem desfigurado pela prática do

apenas nas situações previstas no

crime e afastado do convívio com a

art. 1º, I e II, e § 1º, o legislador

sociedade, mediante o recolhimento

limitou-se àquelas situações em que

ao

sua

normalmente o poder de autoridade

integridade física e sua dignidade

do agente se exercita ilicitamente

preservadas”.

com o fim de constranger alguém a

cárcere,

merece

ter

No § 2º do mesmo inciso a lei

confissões e castigos a pessoas

prevê a punição daquele que se

sobre

omite em face dessas condutas,

vigilância. A condição pessoal tanto

quando tinha o dever de evitá-las ou

do sujeito ativo como do passivo e o

apura-las. É a chamada tortura

elemento

imprópria. A omissão nesse caso

importância para a tipificação dos

realça de tamanha relevância que o

delitos previstos na Lei de Tortura.

agente responde pelo resultado,

seu

poder,

subjetivo

guarda

é

de

ou

suma

Tortura praticada fora das

trata-se de crime omisso impróprio.

situações

previstas

no

art.

1º,

Mais uma vez a lei, exige do

incisos I e II, e § 1º pode configurar

agente uma qualidade especial, qual

outros delitos dependendo do dolo

seja, daquele que em razão de

do agente ao realizar a tortura e dos

função tem o dever de evitar a

elementos que compõem o fato. 147


O § 3º prevê resultado além

crime é cometido contra criança,

do dolo, nestes termos: Se resulta

gestante, portador de deficiência,

lesão corporal de natureza grave ou

adolescente

gravíssima, a pena é de reclusão de

(sessenta) anos ou se o crime é

quatro a dez anos; se resulta morte,

cometido mediante sequestro.

a reclusão é de oito a dezesseis anos.

Trata-se

de

previsão

da

ou

A

Lei

previsão

de

maior

não

de

descurou

efeitos

civis

60

da da

possibilidade de tortura dolosa com

condenação no crime de tortura,

resultado de lesão corporal de

estabelecendo, no § 5º, como efeitos

natureza grave ou gravíssima ou

civis da condenação a perda do

morte, atribuído ao agente a título de

cargo, função ou emprego público e

culpa.

crime

a interdição para o seu exercício pelo

dos

dobro do prazo da pena aplicada.

italianos, preterintencionale. A seu

Além desses efeitos, a condenação

respeito, é oportuna a lição de

criminal torna certa a obrigação de

NORONHA ... “Consequentemente,

reparar os danos materiais e morais

no crime preterdoloso, há dolo no

causados pelo crime (art. 91, inciso

antecedente

I, do Código Penal). Tratam-se, de

É

a

figura

preterdoloso,

culpa

no

delictum).

ou

no

(minus

do dizer

delictum)

conseqüente Há

culpa

e

(majus

porque

efeitos

automáticos,

sentença.

é

delicto

que

se

funda

sendo

necessário que o juiz os declare na

previsibilidade do efeito mais grave e nisso

não

a

responsabilidade do agente”

Na

será

ação

civil

discutido

ex

apenas

o quantum debeatur.

Obviamente, se existiu dolo

Em

sendo

o

agente

de homicídio a pena a ser imposta é

funcionário público responderá por

do homicídio qualificado previsto no

infração administrativa prevista no

art. 121, § 2º, III, do Código Penal,

respectivo

com pena de 12 (doze) a 30 (trinta)

regulamento disciplinar, caso seja

anos de reclusão, tornando-se fato

militar.

atípico para crime de tortura.

Em

O § 4º prevê aumento de pena

mandamento

estatuto

ou

em

obediência

ao

constitucional

de

de um sexto até um terço nas

criminalização do art. 5º XLII, o § 6º

seguintes situações: se o crime é

veda ao crime de tortura a prestação

cometido por agente público; se o

de fiança e a possibilidade da 148


extinção da punibilidade pela graça

contraposição àquele previsto para

ou anistia. A graça é forma de

os demais crimes previstos na Lei nº.

indulgência soberana concedida por

8.072,

decreto do Presidente da República.

plausível. A incoerência do legislador

Trata-se

acabou

de

indulto

individual

não

tinha

justificativa

provocando

acirrados

previsto dentre as atribuições do

debates judiciais em homenagem ao

Presidente da República no art. 84,

princípio da novatio legis in mellius,

inciso XII, da Constituição Federal, já

quando acusados ou condenados

a anistia se refere a fatos políticos e

por crimes hediondos buscaram nos

é

tribunais

concedida

pelo

Congresso

a

aplicação

da

nova

Nacional através de Lei, com sanção

mensagem legislativa culminando

do

República,

com a Súmula n. 698, do Supremo

consoante art. 48, inciso VIII, da

tribunal Federal estabelecendo que

Magna Carta.

não se estendia aos demais crimes

Presidente

Finalmente,

da

a

Lei

nº.

hediondos

a

admissibilidade

de

9.455/97, estabeleceu no § 7º, do art.

progressão do regime de execução

1º, a possibilidade de progressão de

de pena aplicada ao crime de

regime de cumprimento da pena

tortura. Atualmente, com o advento

uma vez que determinou regime

da Lei nº. 11.464, de 28.03.2007, a

fechado somente para início do

discrepância foi solucionada, uma

cumprimento da pena privativa de

vez que é possível a progressão de

liberdade. Considerando que o crime

regime, no caso dos condenados por

de tortura é equiparado aos crimes

crimes

hediondos por força do art. 5º, XLIII,

equiparados que dar-se-á após o

da CF, e do art. 2º, da Lei 8.072, de

cumprimento de 2/5 (dois quintos) da

25.07.1990, não se justificava a

pena, se o apenado for primário, e de

discrepância que havia entre o § 1º

3/5 (três quintos), se reincidente.

da Lei nº. 9.455 e o art. 2º, § 1º, da Lei

nº.

8.072,

que

previa

hediondos

Feitas

o

considerações

ou

essas sobre

a

eles

breves a

Lei

nº.

cumprimento da pena aplicada por

9.455/97, cumpre destacar alguns

crime

equiparado

métodos que lamentavelmente ainda

integralmente em regime fechado. O

são utilizados, por autoridades que

tratamento diverso, mais benéfico,

veem na confissão o coroamento da

dado ao responsável pela tortura, em

investigação

hediondo

ou

149

policial,

mormente


quando o fato criminoso provoca

confissão, em tom ameaçador, no

comoção no seio da sociedade e a

tocante às consequências de seu

imprensa cobra das autoridades uma

silêncio, importando-lhe com isso,

solução rápida.

sofrimento

O Código de Processo Penal,

mental,

poderá

se

presente o dolo, caracterizar a

com as alterações introduzidas pela

tipificação

Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de

previsto no artigo 1º, inciso I, alínea

2003, no artigo 186, assegura o

“a”, da lei especial, mesmo porque, o

direito do acusado de permanecer

tipo se contenta com o sofrimento

calado e não responder às perguntas

físico ou mental, não exigindo para

que lhe forem formuladas. Regra

sua

essa

sofrimento seja intenso como ocorre

aplicável

ao

interrogatório

policial por força do art. 6º, inciso V, do mesmo codex.

do

delito

consumação

de

tortura,

que

esse

no inciso II.

O artigo 187

Na fase policial, a oitiva do

estabelece divisão do interrogatório

indiciado, consoante determina o

em duas partes. Na primeira parte as

artigo 6º, inciso V, do Código de

perguntas são sobre a pessoa do

Processo Penal, deve ser feita, com

acusado e na segunda as perguntas

observância, no que for aplicável, do

são sobre os fatos.

disposto no Capítulo III, do Título VII,

Exercitando

o

acusado

o

do respectivo Livro, devendo o termo

direito de permanecer calado, nada

do interrogatório ser assinado por 2

mais pode ser feito pelo juiz ou pela

(duas) testemunhas que lhe tenham

autoridade policial em relação ao ato

ouvido a leitura. Portanto, nessa fase

processual do interrogatório a não

nenhuma “ameaça” ou “artimanha”

ser consignar que o acusado ou o

deve ser feita ao indiciado para

indiciado se reservou no direito de

“arrancar” dele a confissão.

permanecer calado. É sempre bom

Qualquer meio de tortura quer

lembrar que consoante o Parágrafo

seja física ou psicológica aplicada no

único do art. 186 o silêncio, que não

interrogatório torna o ato ilegal e

importará em confissão, não poderá

criminoso. Dentre eles podem ser

ser interpretado em prejuízo da

citados as ameaças sutis como de

defesa.

pedir a prisão preventiva caso não

Qualquer observação feita ao

confesse

acusado, com o intuito de obter sua

o

crime;

ameaça

ou

aplicação efetiva de torturas físicas 150


como

espancamentos,

superveniência

pau-de-

de

feriado

ou

arara, choques elétricos etc.; o

domingo”, regra mais razoável à

tempo de duração da audiência de

respeito

interrogatório

é

processuais vem prevista no artigo

prolongando

172 do Código de Processo Civil que

injustificadamente por várias horas e

estabelece que os atos processuais

em local que gera desconforto ao

devem ser praticados em dias úteis,

indigitado buscando, exclusivamente

no horário compreendido entre as 6

vencê-lo

(seis) e as 20 (vinte) horas.

muitas

interminável

pelo

vezes

cansaço,

com

o

propósito de obter sua confissão.

da

prática

dos

atos

Aos atos processuais penais,

Outros métodos condenáveis

dentre eles

o

interrogatório

do

de interrogar podem ainda ser

indiciado ou do réu, exceção feita

apontados: Interrogatório feito por

quando existe o periculum in mora,

mais de um policial. Condenável,

como por exemplo, no caso de

primeiro porque pode constranger o

prisão em flagrante delito uma vez

indiciado e em segundo lugar porque

que determina o artigo 304, que a

não existe amparo no Código de

autoridade interrogue o acusado,

Processo Penal que atribui no artigo

sobre a imputação que lhe é feita,

6º, esse dever somente à autoridade

lavrando-se o respectivo auto, com a

policial; interrogatório feito durante o

comunicação imediata ao juiz (art.

período noturno, com prejuízo ao

5.º, inciso LXII, da Constituição

sono causando esgotamento físico e

Federal), outro exemplo que pode

mental ao indiciado, com isso,

justificar o periculum in mora é o fato

resultando em tortura psicológica.

de existir alguma vítima em situação

Embora o art. 797, do Código

de perigo com a possibilidade de o

de processo Penal estabeleça que

indiciado fornecer no interrogatório o

“excetuadas

endereço

as

sessões

de

do

cativeiro,

julgamento, que não serão marcadas

proporcionando

para domingo ou dia feriado, os

liberação.

demais atos do processo poderão

flagrante delito o interrogatório e

ser praticados em período de férias,

demais oitivas podem ser feitos em

em

feriados.

seguida à apresentação do preso a

Todavia, os julgamentos iniciados

autoridade em qualquer dia e horário

em dia útil não se interromperão pela

o

domingos

e

dias

151

mesmo

sua

Portanto, em caso de

ocorrendo

quando


presente

o

periculum

in

único) e usando ele desse direito não

mora plenamente justificado.

justificam

artimanhas,

ciladas,

mentiras e muito menos a utilização da

prática

de

torturas

nos

interrogatórios policiais ou judiciais

Considerações finais

com o objetivo de conseguir sua Tendo

o

acusado

ou

o

confissão configurando prática de

indiciado o direito de permanecer

ilícito penal quando presentes as

calado e de não responder as

elementares dos tipos previsto na lei

perguntas que lhe forem formuladas

nº. 9.455/97, além de ilícito civil e

(art. 186, do CPP) e que o seu

administrativo em sendo o autor do

silêncio, não importará em confissão,

fato funcionário público.

não podendo ser interpretado em prejuízo da defesa (186, Parágrafo

152


REFERÊNCIAS MORAES, ALEXANDRE, Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. CAPEZ, FERNANDO, Legislação Penal Especial. 3.ed. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2004. CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antonio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995. NORONHA E. MAGALHÃES, Direito Penal. v. 1. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

153


UNIFEV Centro Universitário de Votuporanga

ANO III, Vol. I – 2011 ISSN 2176-6460

Conselho Editorial Prof. André Luiz Herrera Prof. Me. Douglas José Gianotti Prof. Me. Edgard Pagliarani Sampaio Prof. Paulo Eduardo de Mattos Stipp Prof. Me. Jaime Pimentel Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação do Curso de Direito da Unifev Prof. Me. Walter Francisco Sampaio Filho

Coordenação de Monografia e Extensão do Curso de Direito da Unifev Prof.ª Ma. Nínive Daniela Guimarães Pignatari

Equipe Editorial Discente Gustavo Gomes Furlani

Revisão Final Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin

Contato revistalinhasjuridicas@hotmail.com

Novo formato e design Prof.ª Ma. Andréia Garcia Martin Gustavo Gomes Furlani

154


LINHA

URÍDICA

155

ANO III, Vol. I – 2011 ISSN 2176-6460


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.