Testemunhos da Maré, de Eliana Sousa Silva

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cap.02 Encontros com o poder do tráfico na Maré: o “desenrolo”

gem na Maré. Disse, nesse caso, que pouco importava de onde eu vinha. Expliquei que qualquer uma das favelas da Maré passava pelos mesmos problemas e que trabalhávamos na instituição para os moradores em geral, sem distinção de localidade. Quanto ao outro diretor que ele gostaria de encontrar, informei quem era e o que fazia. Comentei sobre a declaração do jornal, que, na realidade, ele estava dando uma interpretação equivocada às palavras do referido diretor, pois não havia qualquer tipo de problema como ele havia mencionado. Nessa hora, ele se irritou e xingou ao falar o nome do diretor. Com relação aos orçamentos dos projetos em desenvolvimento pela instituição, falei que se soubesse que queria prestação de contas de nosso trabalho, teria trazido o conjunto de documentos que comprovavam a utilização dos recursos recebidos. Disse ainda que estava admirada de ele ter tido acesso a documentos que diziam respeito à parceria de uma instituição da sociedade civil com um órgão do Estado. Falei sem parar, já que ele perguntava e eu dava imediatamente as respostas. Ele me perguntou quais eram os valores previstos para alguns dos projetos que estávamos desenvolvendo. E eu respondia exatamente os valores correspondentes a cada um deles. Expliquei ainda porque promovíamos cada uma daquelas iniciativas. Falei dos projetos de educação que desenvolvíamos na Maré.

Em certo momento, quando o tema era educação, ele me interrompeu e disse: “A senhora pensa que estou nessa vida porque quero. Não, eu estou nessa porque não tive oportunidade de estudar”. Respondi: “Nosso trabalho é para que crianças e adolescentes da Maré não tenham de entrar numa vida errada, porque não tiveram oportunidade”. Ele, mais uma vez, foi 47


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