Como agua do rio

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Como a

รกgua do rio

Sacolinha



Como a

รกgua do rio Sacolinha

Petrobras Cultural


Copyright © 2012 Ademiro Alves de Sousa (Sacolinha) curadoria Heloisa Buarque de HollandA consultoria Ecio Salles coordenação editorial Camilla Savoia projeto gráfico Flavia Castro COMO A ÁGUA DO RIO produção gráfica Sidnei Balbino revisão Camilla Savoia Fernanda Mello revisão tipográfica Camilla Savoia foto da capa O autor na Penitenciária Federal de Porto Velho - RO - 2010. Sacolinha na Penitenciária Feminina de Santana - SP - 2006. As duas fotografias fazem parte do arquivo pessoal do autor.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S127c Sacolinha, 1983Como a água do rio / Sacolinha. - Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012. 216 p.: il. color.; 19 cm. (Tramas urbanas) ISBN 978-85-7820-090-9 1. Sacolinha, 1983-. 2. Homens - Brasil - Biografia. 3. Leitura. 4. Incentivo à leitura. 5. Livros e leitura. I. Título. II. Série. 12-8725.

CDD: 920.71 CDU: 929-055.1

28.11.12 03.12.12

Todos os direitos reservados Aeroplano Editora e Consultoria Ltda.

Av. Ataulfo de Paiva, 658 / sala 401 Leblon — Rio de Janeiro — RJ CEP: 22.440-030 Tel: (21) 2529-6974 Telefax: (21) 2239-7399 aeroplano@aeroplanoeditora.com.br www.aeroplanoeditora.com.br

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A ideia de falar sobre cultura da periferia quase sempre esteve associada ao trabalho de avalizar, qualificar ou autorizar a produção cultural dos artistas que se encontram na periferia por critérios sociais, econômicos e culturais. Faz parte da percepção de que a cultura da periferia sempre existiu, mas não tinha oportunidade de ter sua voz. No entanto, nas últimas décadas, uma série de trabalhos vem mostrar que não se trata apenas de artistas procurando inserção cultural, mas de fenômenos orgânicos, profundamente conectados com experiências sociais específicas. Não raro, boa parte dessas histórias assume contornos biográficos de um sujeito ou de um grupo mobilizados em torno da sua periferia, das suas condições socioeconômicas e da afirmação cultural de suas comunidades. Essas mesmas periferias têm gerado soluções originais, criativas, sustentáveis e autônomas, como são exemplos a Cooperifa, o Tecnobrega, o Viva Favela e outros tantos casos que estão entre os títulos da primeira fase desta coleção. Viabilizado por meio do patrocínio da Petrobras, a continuidade do projeto Tramas Urbanas trata de procurar não apenas dar voz à periferia, mas investigar nessas experiências novas formas de responder a questões culturais, sociais e políticas emergentes. Afinal, como diz a curadora do projeto, “mais do que a internet, a periferia é a grande novidade do século XXI”.

Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A.


Na virada do século XX para o XXI, a nova cultura da periferia se impõe como um dos movimentos culturais de ponta no país, com feição própria, uma indisfarçável dicção proativa e, claro, projeto de transformação social. Esses são apenas alguns dos traços inovadores nas práticas que atualmente se desdobram no panorama da cultura popular brasileira, uma das vertentes mais fortes de nossa tradição cultural. Ainda que a produção cultural das periferias comece hoje a ser reconhecida como uma das tendências criativas mais importantes e, mesmo, politicamente inaugural, sua história ainda está para ser contada. É nesse sentido que a coleção Tramas Urbanas tem como objetivo maior dar a vez e a voz aos protagonistas desse novo capítulo da memória cultural brasileira. Tramas Urbanas é uma resposta editorial, política e afetiva ao direito da periferia de contar sua própria história.

Heloisa Buarque de Hollanda


Ao JosĂŠ de Souza Candido, um homem Ă­ntegro, honesto, militante das causas sociais e raciais, que acabou de nos deixar e foi pra junto de Zumbi.


SUMÁRIO PARTE I

01

12

Mudança de cidade

19

A descoberta do mundo vasto

23

De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

32

02 03 04

A escrita como exercício da cidadania

PARTE II

05 06 07 08

42 Novos empregos, novos desafios

73

O lançamento do primeiro livro

101

Palestras nas escolas e a formação de público leitor

131

Encontro de Saraus e os editais públicoS


PARTE III

09 10 11 12

158

O Círculo das Letras

173

Sacolinha vai parar

em Penitenciária Federal

190

A consolidação da Associação

Cultural Literatura no Brasil

195

Voos mais altos


PAR TE


I


01

COMO A ÁGUA DO RIO

Mudança de cidade

Meu nome é Ademiro Alves de Sousa. Nasci às sete e meia da manhã do dia 9 de agosto de 1983, na Casa de Saúde Dom Pedro II, em São Paulo. Filho de Maria Natalina Alves e de pai não declarado. Morei com a minha mãe até os 7 anos na Vila Carmosina, em Itaquera, zona leste de São Paulo. Depois, passei a morar com a minha avó materna, Geralda Alves de Sousa, na Cidade Líder, também em Itaquera. É que na casa da minha mãe eu passava o dia inteiro preso dentro de casa, sem poder sequer ficar na calçada. Morávamos em uma garagem transformada em casa, com um banheiro no lado de fora, no quintal. Éramos eu, minha mãe, meu padrasto e meus dois irmãos por parte de mãe. Minha maior alegria naqueles tempos era quando eu ficava na casa da minha avó. Lá eu podia brincar na rua à vontade. Adorava pipas, carrinho de rolimã, bolinha de gude, pião, 12


Casa onde o autor morou até os 7 anos - Vila Carmosina - Itaquera - SP. CRÉDITO: Arquivo pessoal


COMO A ÁGUA DO RIO

esconde-esconde e outras dezenas de brincadeiras. Mas era só minha mãe apontar na esquina para o meu pesadelo começar. Ela não era má. O problema mesmo era ter que ficar trancado em casa, assistindo à televisão, quieto, sem ao menos ter com quem conversar, já que meus irmãos ainda eram bebês. Eis então que, ao chegar à idade escolar, acabei sendo matriculado na Escola Estadual Luzia de Queiroz e Oliveira, na Cidade Líder, pois da casa da minha mãe até a escola mais próxima levava cerca de 40 minutos. Como ela trabalhava muito, não tinha condições de ficar indo comigo para a escola. Então, passei a morar definitivamente com a minha avó. Com 12 anos, já tinha o meu primeiro emprego. Por iniciativa minha e uma vontade sem tamanho de poder conquistar minhas coisas, encontrei uma ocupação entregando panfletos no farol. Os papéis eram de uma empresa de celulares e bipes. Os celulares ainda eram daqueles que tinham o tamanho de um tijolo. Trabalhava de segunda a sexta-feira, de oito às onze da manhã. Depois ia para casa, me arrumar para ir à escola, onde eu estudava no período da tarde. Quando chegava, às seis da noite, era jogar a mochila e sair para a rua. Aos sábados, domingos e feriados eu trabalhava de oito da manhã às cinco da tarde. Durante a semana eu ganhava cinco reais por dia, e nos fins de semana ou feriados eram dez. Com essa grana eu comprava minhas roupas, meus doces, jogava fliperama e ainda fazia uma economia. Eu não precisava trabalhar. Minha avó sempre fazia de tudo para não faltar comida e roupa para mim e as outras dez pessoas que moravam naquela casa. Além do emprego do meu avô e do meu tio José Maria, ela ainda trabalhava em casa de família. Minha mãe também ajudava todo mês com uma quantia em dinheiro. Desta forma, o básico nunca me faltou, então eu trabalhava mesmo porque queria ter minhas coisas, e para comer os doces e as esfirras da pizzaria que havia no bairro. 14


SACOLINHA, com 8 anos, junto aos seus tios Elias e Luciano. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL

O autor de camisa ESTAMPADA, com 13 anos, na rua da casa da avó em Itaquera - SP. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL


COMO A ÁGUA DO RIO

Tanto na casa da minha mãe como na da minha avó, a leitura vinha em último plano. O máximo que acontecia era um dos meus tios, o José Maria Alves, aos domingos, durante o café da manhã, abrir um jornal, o extinto Diário Popular, e ficar lá folheando durante horas. Mas isso não durou, porque ele acabou ficando desempregado e o primeiro corte de gastos foi o jornal. Outro tio, que hoje é padre, o Arlindo Teles Alves, tinha sido coordenador da sala de aula, onde estudava, durante alguns anos, e era muito amigo dos professores e dos diretores. Ele ganhava muitos livros. Às vezes, chegava em casa com uma caixa fechada, dessas que o governo envia para uso dos alunos, mas que, por não haver espaço, nem intenção, para a construção de uma biblioteca na escola, acabavam recebendo outro destino. Sei que os livros iam chegando, e eu nem aí. Só queria mesmo empinar pipa, jogar bolinha de gude e rodar pião. Não gostava de ler ou não me ensinaram a gostar. Lembro que o primeiro livro que fui obrigado a ler, e não li, tinha sido indicado pela professora de literatura, quando eu estava na quinta série. Ela passou o livro no início do bimestre e, ao fim dele, iria dar uma prova. O tempo passando, e nada de eu ler. Até que, num domingo que antecedia a prova, resolvi pegar no livro. Antes, porém, eu tinha perdido a pipa que estava empinando. Portanto, lá fui eu, naquela tarde quente, em que o céu azul era tomado pelas pipas e pelos pássaros que voavam ao ritmo do vento. Todos os meus amigos na rua se divertindo, e eu tendo que ir para casa fazer leitura. Imaginem o meu estado psicológico. Peguei o livro, observei a capa, vi a página de rosto, li a primeira página, passei para a página do meio, e... olhei para um lado e para o outro, pulei até a página final, li e fechei o livro, satisfeito. “Bom, dá pra tirar metade da nota”, pensei, sorrindo, e corri para a rua novamente. 16


cap.01 Mudança de cidade

No dia seguinte, a professora mal deu bom-dia e tome-lhe prova. Não consegui responder a nenhuma daquelas perguntas chatas. Cheguei à conclusão de que, quando se faz algo por obrigação, isso não rende e não se produz nada. Nunca havia acreditado que ler literatura poderia me dar tudo o que eu quisesse. Era uma atividade bucólica, sem sentido, e que não acrescentava nada à minha vida. Até os meus 18 anos. Ao embarcar nesta chatice, eu me senti maior, me emancipei. Tornei-me leitor por uma série de fatores. Em 1998, nos mudamos de Itaquera para Suzano, município da grande São Paulo, mas continuei trabalhando no mesmo lugar. Era cobrador de lotação. Costumo dizer que os culpados por eu me tornar leitor foram as duas instituições paulistas que mais atrasam os paulistanos: a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e a Polícia Militar do Estado de São Paulo. O motivo da mudança de cidade foi a demissão do meu avô, José Anésio Egídio, da empresa onde trabalhara por quinze anos. Minha avó aproveitou a oportunidade única e comprou um terreno em Suzano. Nessa época, minha mãe também conseguiu comprar um imóvel, em um terreno de ocupação, no distrito de Guaianases, zona leste, e estava morando por lá. Assim que enchemos a laje, nos mudamos para Suzano, sem janelas, portas nem portão. Usamos alguns madeirites para tapar os buracos e “caímos dentro”. Antes, em Itaquera, meu antigo patrão costumava me buscar na porta de casa. Agora, com a minha mudança para outra cidade, o conforto tinha ido por água abaixo. 17


COMO A ÁGUA DO RIO

A oferta de trabalho por ali era muito pequena. Então, continuei trabalhando no lotação. A diferença era que agora eu acordava às três da manhã, saía de casa às três e quarenta, e pedalava até a estação de trem, onde eu prendia a bicicleta no poste e embarcava no trem que partia às quatro da matina, sentido estação do Brás. No trem, ou você joga baralho, fofoca, fala de novela e futebol, ou cochila. Nada disso eu conseguia fazer. Depois de três anos nesta rotina, de 1998 a 2001, eu não aguentava mais. Foi então que aconteceu o primeiro fator que contribuiu para o meu mergulho na leitura.

A avó Geralda, seu tio Luciano, sua bisavó Maria, SACOLINHA e suas primas na casa semiconstruídA em suzano - SP. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL


02

A descoberta do mundo vasto

Poucas eram as pessoas que liam no trem, e quando liam normalmente eram revistas de fofocas e jornais. Logo, eu não tinha boas referências ali. Meu trabalho como cobrador de lotação ainda não era reconhecido formalmente. Em 2001, a Secretaria de Transportes de São Paulo, por interesse político e depois de vários acidentes trágicos, resolveu legalizar definitivamente o transporte alternativo na cidade. Com isso, os perueiros teriam, entre outras obrigações, que assinar a carteira de trabalho de seus cobradores. Eu não tinha esse documento. Organizei meus compromissos e, um dia, após o trabalho, fui até uma unidade do Poupa Tempo para tirar a carteira. No mesmo dia eu saí com o documento em mãos, mas minha identidade estava plastificada, e com a validade expirada, portanto acabou ficando no Poupa Tempo para que fosse feita uma segunda via. 19


COMO A ÁGUA DO RIO

Embarquei no trem de volta para casa e bateu aquele marasmo. As mesmas caras tristes, os mesmos assuntos, as mesmas estações, a mesma fala mecânica do maquinista. Eu precisava fazer alguma coisa para suportar aqueles sofridos cinquenta minutos até minha estação. Vi uma senhora com um passatempo de palavras cruzadas. Procurei na mochila algo para passar meu tempo também. A única coisa que encontrei para me distrair foi a carteira de trabalho. Como não tinha alternativa, comecei a folheá-la. Li os direitos e deveres dos empregados e dos empregadores, e, quando finalizava a leitura daquele livrinho, percebi que o trem já apitava para fechar as portas na estação de Suzano. Saltei desesperado na plataforma e fiquei perplexo como eu havia me distraído durante a leitura. Pensei: “Porra, esse negócio de leitura é muito bom pra passar o tempo!” Mal sabia eu que, dali a alguns minutos, iria descobrir que a leitura é muito mais que um passatempo. Lembro-me de que, nesse dia, estava chovendo muito quando eu saí para trabalhar, no horário habitual da madrugada. Deixei a bicicleta em casa e fui de ônibus até a estação. Agora, de volta, em plena tarde, às quatro horas, o sol predominava. Decidi ir para casa a pé, pois ônibus era luxo. Só mesmo em caso de urgência. O dinheiro que eu economizava com a bicicleta ou andando era transformado em arroz e feijão. Depois de vinte minutos de caminhada, fui abordado por dois policiais militares em uma viatura. Já chegaram me revistando e pedindo o documento. Lembrei que estava sem o RG, mas imediatamente me lembrei de que, durante a leitura da carteira de trabalho, havia um artigo que dizia que ela também valia como prova de identidade. Então saquei a danada, todo dono de mim. Os policiais fizeram cara de dúvida, e eu logo falei: 20


cap.02 A descoberta do mundo vasto

— Vocês pediram o documento, e aí está. — Queremos o RG, cidadão, tá de gozação pro nosso lado? — retrucou um deles. Aí, todo contente pela informação que eu tinha, enchi o peito e mandei a explicação: — Policial, meu RG está em processo de segunda via, e a primeira ficou no Poupa Tempo. Mas ando com a carteira de trabalho porque ela é uma prova de identidade, qualquer dúvida é só abrir e ler. Tem minha foto, minha assinatura, a filiação e outros dados. Os dois se entreolharam por alguns segundos. Depois, um foi até o rádio da viatura para consultar alguém, enquanto o outro ficou me fazendo dezenas de perguntas. Dali a algum tempo, me liberaram. Os dez minutos que faltavam até minha casa foram de pura alegria. Essa era uma época em que os policiais, sem motivo e na frente de qualquer pessoa, humilhavam o abordado dando tapas no rosto, chamando de drogado, perguntando onde era a boca e, em muitos casos, levavam a pessoa para um passeio sem volta ou com direito a muita pancada. Mas eu li e adquiri uma informação que me salvou do abuso daqueles PMs. E ainda tive coragem de encará-los e mostrar que eu não era qualquer um. — Puta que pariu... esse negócio de ler dá poder! — gritei sozinho, andando pela rua. E cheguei em casa decidido a me tornar um leitor. Fui direto ao meu tio, que tinha muitos livros embaixo da cama. Falei para ele que iria pegar os livros dele emprestados. Fiquei surpreso diante da negativa que ele me deu, dizendo que eu não gostava de ler, portanto o que eu queria com aqueles livros? 21


COMO A ÁGUA DO RIO

Cheguei a ir à biblioteca da cidade, mas fiquei desanimado com a lista de documentos que teria que levar para fazer a carteirinha e retirar os livros. Dias depois, fiquei diante de um vacilo do meu tio e peguei escondido um de seus livros. Tinha a intenção de devolvê-lo depois, mas fiquei tão empolgado com a leitura que, além de não devolver, ainda peguei outros. Chegou um momento, andando de trem, em que eu adorava os atrasos e a demora nas plataformas, pois assim tinha mais tempo para a leitura. Só tirava os olhos do livro para ver em que estação estava. E, quando a composição chegava em Itaquera ou em Suzano, me batia uma agonia. — Poxa vida, podia ter mais uma estação pra eu ler pelo menos mais uma página... E virei leitor de fato, lia não mais para passar o tempo e adquirir informação, mas por prazer e busca de conhecimento. E assim os livros foram sumindo das caixas embaixo da cama do meu tio. Quanto à carteira de trabalho, acabou que nem cheguei a ser registrado. Houve muitas queixas dos perueiros quanto às várias obrigações que teriam de cumprir, num curto prazo de tempo. Com isso, algumas delas foram sendo adiadas, e o registro dos cobradores foi a primeira.

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03

De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

Em um sábado do mês de fevereiro de 2002, cheguei em casa depois do trabalho e minha avó veio com a notícia de que minha mãe, Dona Natália, estava desesperada. — Menino, larga suas coisas aí e vai lá pra casa da sua mãe, que ela tá precisando de você. No dia anterior, meu padrasto tinha saído para trabalhar e não voltou. Minha mãe já tinha ido atrás de todas as informações possíveis, e em último recurso foi à delegacia. Após cinco horas de espera, quando disse que queria fazer um boletim de ocorrência sobre o desaparecimento do marido, uma policial soltou essa: — Senhora, tem que esperar até segunda-feira. É o prazo que a gente dá. E, diante da expressão de raiva e contestação de minha mãe, a policial finalizou virando as costas: — Pode ficar tranquila, que ele vai aparecer. Deve ter saído pra pular o carnaval.

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COMO A ÁGUA DO RIO

Cheguei em Guaianases eram quase nove horas da noite. No domingo, saímos à procura dele em alguns hospitais da zona leste. Durante a semana fizemos uma busca intensa em IMLs, delegacias e lugares por onde ele passou. Não conseguimos nada. Fiquei pensando no fato de uma pessoa desaparecer assim. Era como se o chão se abrisse e fechasse silenciosamente, engolindo a pessoa na calada da noite. Automaticamente, virei chefe da casa, pois, temendo ficar sozinha com os dois filhos mais novos, minha mãe vendeu sua casa e comprou um terreno em Suzano. A casa de Guaianases era em terreno de ocupação. Por isso o valor de venda foi muito baixo, e mal deu para pagar o novo terreno. Dona Natália tinha acabado de perder o emprego, vítima do famoso facão que demitia dezenas de funcionários de uma só vez. A empresa era do Grupo Sílvio Santos. Ela chegou a receber uma boa grana, mas, devido ao declive acentuado do terreno, o dinheiro foi todo gasto com ferragens para sustentar a estrutura da casa. Durante a construção minha mãe morava de aluguel, e eu ainda estava na casa da minha avó. E aconteceu que passei pelo mesmo calvário pelo qual já tinha passado quando fui morar em Suzano. Assim que enchemos a laje eu, minha mãe e meus irmãos fomos morar numa casa sem janelas, portas, nem portão, e dessa vez foi pior do que a primeira, pois também não tínhamos luz, nem água. Para isso acontecer, precisávamos construir mais duas lajes em cima, para alcançar o nível da rua, e a partir de então instalar o poste de luz e o espaço do relógio de água. Na verdade, dava para dar um jeito sem precisar de tanta casa construída, mas a burocracia e a verborragia de informação foram tantas que a gente resolveu pegar água e luz emprestadas do vizinho.

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cap.03 De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

Chegou o fim do ano de 2002 e eu estava com 19 anos de idade. Já havia me empolgado tanto com a leitura que resolvi incentivar meus amigos a ler também. O problema é que eles só queriam saber de baladas, futebol, boteco, e de ficar na porta da escola azarando as minas. Quando eu ia falar do livro que tinha terminado de ler, eles logo mudavam de assunto. E acabou que virei o chato da turma, era só eu aparecer que o grupo da esquina se desfazia. Então, comecei a investir nos parentes desses meus amigos. Emprestava livros para as tias, mães e avós que gostavam de ler Zíbia Gaspareto, Chico Xavier e as Julias, Biancas e Sabrinas das bancas de jornais. Para mim não importava o que eles estavam lendo, mas que estavam lendo. E adorava chegar na casa delas e tomar café com broa de milho, enquanto falávamos das nossas leituras. Tudo o que eu queria era gente para conversar sobre aquilo que eu gostava, e que a cada dia estava transformando a minha vida. Eu não sabia, mas estava nascendo ali um dos maiores projetos literários do estado de São Paulo. Houve um momento em que, na volta do trabalho pra casa, da estação de trem até minha rua, eu descia da bicicleta cerca de quinze vezes para emprestar um livro aqui e pegar outro ali. Uma verdadeira biblioteca ambulante. Eu chegava em casa, fazia o que tinha que fazer, e metia a cara nos livros, viajando para França, Rússia, Palestina, Portugal, China, Japão e vários outros países. Só voltava para o Brasil quando ia ao banheiro ou quando alguém me chamava. Eu me concentrava mesmo na leitura, pois a casa em que morávamos era de dois cômodos (cozinha e quarto). Meus dois irmãos, quando não estavam na rua, ficavam na cozinha. E minha mãe assistia à novela no quarto. Eu permanecia na cozinha, e me concentrava seriamente na leitura, disputando com o barulho dos meus irmãos e da televisão. 25


COMO A ÁGUA DO RIO

Então surgiu o problema do proprietário da casa ao lado, de onde os inquilinos emprestavam a luz e a água. Ele não iria mais permitir o empréstimo, sabe-se lá por quê. Acredito que para sentir o único poder que tinha em mãos: o de dizer não. Demos um jeito de conseguir água com outro vizinho, e não corremos atrás da energia elétrica. Para tomar banho, esquentávamos água no fogão, e a comida feita era consumida no mesmo dia, para não estragar. O único empecilho surgia na hora da leitura noturna. Eu lia à luz de velas, e minha mãe começou a pegar no meu pé dizendo que eu ia estragar minha visão daquele jeito. Mas o que eu podia fazer? Não queria parar de ler, a leitura estava me dando outra visão do mundo, eu me sentia mais confiante a cada dia, não baixava a cabeça para ninguém e não confundia humildade com humilhação. Mas, de tanto minha mãe insistir, resolvi dar um olé nela. Comprei uma lanterna. Quando escurecia e Dona Natália começava a pegar no meu pé, eu ia para o quarto, subia no beliche, me cobria e ligava a lanterna. Passava horas lendo. Às vezes davam três da manhã e eu ainda não tinha dormido. Ia trabalhar zonzo de sono e com a vista queimando.

Nesta mesma época eu já escrevia alguns textos, tanto que, no dia 1º de dezembro, promovi um debate na biblioteca Maria Eliza de Azevedo Cintra, no centro de Suzano, com o tema “Leitura na periferia e o rap como base”. Convidei para compor a mesa Alessandro Buzo, que tinha acabado de lançar seu primeiro livro O Trem — Baseado em Fatos Reais, Vado, MC do grupo Literários Rappers, e André Durap, que dava oficinas de hip-hop na Comunidade Kolping, do Jardim Revista. 26


cap.03 De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

Eu aponto esse dia como o lançamento oficial do Projeto Cultural Literatura no Brasil, que mais tarde passou a se chamar Associação Cultural Literatura no Brasil. Em 1998, quando estava na 8ª série, a professora de literatura passou na lousa um texto intitulado “Literatura no Brasil”. Seu conteúdo tratava de escritores dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Pensei comigo: os verdadeiros autores que fazem a literatura no Brasil são as pessoas que falam de mim, da favela, da tiazinha que levanta cedo, do batuque do candomblé etc. E fiquei com esse texto engasgado por quatro anos, quando tive a ideia de criar este projeto. Com relação a minha participação na literatura brasileira, considero que comecei a ler e escrever de fato após a leitura do livro Quarto de despejo — Diário de uma favelada, da Carolina Maria de Jesus. Li essa obra três vezes em menos de uma semana, e fiquei surpreso por descobrir que uma realidade vivida por mim e por meus amigos já tinha sido contada e repassada há mais de quarenta anos. E ainda me chamou a atenção perceber que Carolina, negra, semialfabetizada, catadora de lixo e favelada, produziu o que muitos acadêmicos, intelectuais e escritores haviam tentado produzir sem sucesso. Em seu diário, ela escreveu com a autenticidade de quem viveu todos os momentos. E sendo original chamou a atenção do mundo. — Quero ser igual à Carolina — disse pra mim mesmo após a terceira leitura. A partir desse momento, passei a ler os livros com mais calma, observando todos os aspectos possíveis: personagens, crises, conflitos, tempo e espaço. E passei a escrever seriamente. Por meio da Carolina, fui conhecendo outras referências. Ela figura no topo da lista, sem dúvida. A qualquer lugar que eu vá, falo dela. Mas no que diz respeito a preferências 27


COMO A ÁGUA DO RIO

e influências, tenho dois escritores fundamentais para minha escrita: o primeiro é José Lins do Rêgo, somente por sua obra Fogo morto. Após a leitura dela eu nunca mais fui o mesmo. O segundo é José Saramago, meu mestre. Acho ele ducaralho. Até hoje não conheci escritor melhor. Além de suas ideias, o que mais me chama a atenção é seu comunismo literário, onde não deixa nenhum José e nenhuma Maria passarem em branco. Um dos seus livros que mais me marcou foi A Caverna. Segue uma pequena resenha que fiz na época da leitura:

Resenha do livro A Caverna, de José Saramago – 25/03/2010 Acabo de finalizar a leitura de mais um livro do Saramago, A Caverna. Estou nele até agora, pasmo, com medo de mim mesmo e cheio de inquietações. Logo eu fui ter acesso a esse livro? Uma eterna criança com medo das contradições. Dane-se. Não sou eu quem sempre fala que devemos ler livros que estragam a gente? Então, A Caverna é um desses livros. Nele, Saramago recria o “Mito da Caverna”, de Platão, por meio da vida de uma família de oleiros, que somente depois de terem os produtos totalmente rejeitados é que se libertam de uma caverna, onde estão sentados num banco de pedra, olhando sombras projetadas na parede por uma fogueira atrás deles, e que eles pensam ser somente isso o mundo.

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O momento da leitura em que comecei a me sentir mal foi quando Cipriano Algor, um dos protagonistas, encontra, numa caverna debaixo de um shopping center, seis corpos humanos acorrentados em bancos de pedra. Então ele mesmo senta e começa a chorar. Não há nada mais triste, mais miseravelmente triste do que um velho a chorar, ainda mais numa situação como esta, em que depois de mais de sessenta anos ele descobre que foi enganado, sendo obrigado desde o berço a pensar assim, trabalhar assim, consumir assim e achar assim.


cap.03 De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

Penso que nunca sairei deste livro, e se sair não sairei ileso, pois estou desde ontem a procurar um lugar nesse mundo que não seja uma caverna. Acredito, inclusive, que a maior delas está em nossa cabeça.

Apesar de eu considerá-lo um mestre, não vanglorio com unanimidade todas as suas obras. Reproduzo abaixo uma resenha sobre o seu livro As Intermitências da Morte, que mesmo partindo de uma boa ideia, me decepcionou no final:

Resenha do livro As Intermitências da Morte, de José Saramago – 30/03/2010 Assim como a morte suspende suas atividades e para de matar, Saramago suspende seu comunismo e resolve falar de amor em As Intermitências da Morte. Depois de ter lido, quase em sequência, quatro livros do autor, me vi chateado ao terminar a leitura desta obra. Creio que, embalado pela leitura dos demais, estava muito empolgado e dei com a cara na parede. A ideia era boa, mas parece que Saramago foi derrubado por ela ao não desenvolver de forma gostosa, de um modo que a leitura fluísse sem problemas, como em nosso dia a dia, sabendo que não somos eternos e que em algum dia iremos morrer. No começo a leitura é boa, mas antes de chegar à metade fica cansativa demais, e as belas citações filosóficas que Saramago tem como marca, aqui tornam-se um saco. O enredo é chamativo: a morte resolve suspender suas atividades, e a partir do dia 1º de janeiro ninguém morre no país. Por consequência, aparecem centenas de problemas, entre eles alguns econômicos e sociais.

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COMO A ÁGUA DO RIO

De início, as pessoas acham aquilo uma benção: Que beleza! A eternidade. Ser imortal. Porém, os pontos negativos são superiores aos positivos. É aí que a morte consegue atingir seu objetivo: o de mostrar aos ingratos seres humanos que ela não é tão ruim quanto parece, e que sem ela estaríamos num caos permanente. É só imaginar que você vai completar 200 anos, todo enrugado, cheio de dores, sem enxergar, envergado, sem se mover, apenas osso, sendo rejeitado por parentes e até pelo asilo, e que mesmo com seu coração quase parando, você não morre. Pode ter certeza, a coisa que você mais vai querer é a morte. Depois que as pessoas entendem o recado, a morte volta a matar, mas com um diferencial: a partir de agora, as pessoas serão avisadas uma semana antes de sua morte, por meio de uma carta cor de violeta. Novo caos. A gente já morre de medo das contas que o carteiro traz; imagine então essas cartas chegando em nossas mãos? É disso que o livro trata. Para mim, além de me levar ao debate com alguns escritores da Associação Cultural Literatura no Brasil, ainda serviu para algo mais importante: perdi o medo da morte. Mas, por favor, que eu não morra agora, tenho muito que fazer, e já entendi que a morte, para o bom andamento do mundo, é muito importante. Por isso, dona morte (no livro ela gosta de seu nome no minúsculo), me poupe por enquanto. Sei que você é necessária. Neste livro, Saramago continua com seu ateísmo veemente e com suas ironias religiosas, mas o que me surpreendeu de fato foi que ele deixou de lado seu comunismo para dar espaço ao amor. Sabem o que acontece no final? 30


cap.03 De leitor a escritor ou Carolina Maria de Jesus

Simplesmente a humanização da personagem principal. Da metade do livro ao final, parece que o autor fecha as cortinas e só circulam no palco dois personagens: a morte e um músico que parece se recusar a morrer. A gélida e irreversível morte, para conseguir matar esse músico, se transforma em mulher, se apaixona, faz amor com ele e vira um ser humano. No dia seguinte, ninguém morre.

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04

COMO A ÁGUA DO RIO

A escrita como exercício da cidadania Sempre fui bom em redação. Escrevia histórias com muita facilidade na época da escola. Então, comecei a colocar no papel tudo aquilo que via no meu cotidiano, inclusive as cenas de injustiças sociais. Dessa forma eu me sentia vingado, pois estava num momento de inquietações e conflitos; o desaparecimento do meu padrasto, a chefia da casa e o emprego informal. Precisava fazer alguma coisa para extravasar; ou eu partia para o lado da pólvora (o crime), ou para o lado do açúcar (a cultura). Optei pelo açúcar, que às vezes é um pouco amargo. Então, todas as coisas que eu tinha para dizer eram colocadas no papel em forma de rap ou de texto literário, e eu não mais me sentia pequeno. A partir daí, surgiu uma dúvida: para quem eu estava escrevendo?

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cap.04 A escrita como exercício da cidadania

O meu público leitor era minha namorada, minha mãe, minha irmã e um ou outro amigo. Portanto, comecei a pensar numa estratégia de divulgação dos meus textos. Primeiro, tirei cópias e saí distribuindo em tudo quanto era espaço: ponto de ônibus, comércio, posto de saúde, banco de praça, casas, entre outros. Era engraçado, porque eu morria de vontade de saber o que as pessoas pensavam ou sentiam quando liam algum texto meu. Por isso, em alguns lugares, como nas praças e nos pontos de ônibus, eu deixava um texto no banco e ficava espiando de longe, esperando alguém chegar e pegar aquela folha cheia de ideias. Ficava muito decepcionado quando alguém lia e depois amassava e jogava fora. Imaginava que o que eu escrevia não era bom o suficiente para ser lido por outras pessoas. Mas logo me consolava pensando que não era bom para aquela pessoa, e que havia centenas de outras a quem o que eu escrevia serviria para alguma coisa. Depois, tive outra ideia: já conhecia e mantinha contato com diversos escritores, poetas da periferia e fanzineiros que tratavam de rap e literatura em seus trabalhos. Comecei a pegar algumas poesias, contos, crônicas, ideias e pensamentos dessas pessoas para juntar aos meus textos e divulgar não somente o meu trabalho, mas o deles também. O gasto com cópias não aumentou, pois numa folha cabiam às vezes até três textos. Criei, então, o Projeto Cultural Literatura no Brasil, com dois objetivos principais: incentivar a leitura e divulgar os escritores desconhecidos do grande público. A proposta de incentivar a leitura com textos e pensamentos de pessoas da periferia e do meio do rap surgiu justamente porque elas falavam de assuntos complexos, mas com linguagem simples. E, na maioria das vezes, o tema tratado sempre interessava ao público.

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Com relação ao rap, montei um grupo para fazer parte de uma posse chamada Família Banca Bar. O nome se deve ao fato de os pais dos integrantes serem donos de bares. E, como o sustento da casa deles vinha diretamente desse comércio, resolveram fazer a homenagem. Pertencia a essa posse, inicialmente, o grupo Literários Rappers, com três membros fundadores. Na sequência fui convidado a montar um grupo com o Kleber de Souza, o MC Papel, e fazer parte dessa banca. Logo pensei: “Se os caras são Literários Rappers, então o meu grupo será o Pronome Possessivo.” O nome tinha a ver com a literatura e, ao mesmo tempo, transmitia a ideia de posse. A palavra era nossa, iríamos dominar aquilo que sempre pertenceu à elite e a que nunca tivemos acesso. Um ano mais tarde, outro grupo veio fazer parte da nossa posse, e apareceu a dificuldade na escolha do nome. Então eu sugeri: — Pô, pode ser Predicado Nominal, tudo a ver com a posse. Foi aceito de imediato. Ninguém estava percebendo, nem mesmo eu, mas automaticamente eu estava conduzindo a posse cada dia mais ao caminho dos livros. E então fomos convidados a fazer um programa de rap na rádio comunitária Comunidade FM, frequência 103,5. Pegamos o melhor horário, sábado e domingo das duas às seis da tarde. No começo era a maior muvuca para coordenar o programa, tocar as músicas, mandar recado etc. A partir do segundo mês alguns arrumaram emprego ou trocaram de horário no trabalho. Sobramos eu e o MC Papel. Ele porque estava desempregado, e eu porque aos sábados trabalhava no lotação só até meio-dia. Chegava em casa uma e meia 34


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da tarde e, mal engolia o almoço, já corria para a rádio. Enquanto o Papel estava preocupado em tocar músicas para agradar os ouvintes, minha preocupação era passar mensagens através de poesias e frases lidas no intervalo entre uma música e outra. Até que chegou o momento em que o programa estava mais parecendo um sarau. O Papel entrou na onda, e alguns ouvintes ligavam para ler, ao vivo, algum texto literário.

MC Papel e SACOLINHA como locutores na rádio comunitária Comunidade FM. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL


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Ficamos na rádio por dois anos. Um dia, caiu um raio lá por perto e derrubou a antena, de 30 metros de altura. O dono não se empolgou em reerguê-la. Depois da rádio aconteceu minha saída da posse e a dissolução do Pronome Possessivo. Eu não estava sentindo seriedade na turma. Marcávamos ensaio e só dois ou três apareciam. Fechávamos algum show e nem todos iam. Quando vi que poucos estavam empolgados, acabei pulando fora e resolvi tocar outro barco. Obviamente, o da literatura. Também percebi que não estava conseguindo chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Não produzia nada para o rap, nem para a literatura. Foi a melhor escolha que fiz naqueles anos. Depois disso, estruturei o Projeto Cultural Literatura no Brasil, lancei meu primeiro livro e fui convidado para coordenar a pasta de literatura na Prefeitura de Suzano, por meio da Secretaria de Cultura. Isso tudo você verá a partir do ano de 2005, nos capítulos seguintes. Mas até que eu não cantava mal. Existe no Youtube um vídeo em que apareço cantando rap no palco do Ibirapuera. É só digitar “Poesia Sedução Sacolinha e Cákis” e você vai ver que eu não estou mentindo.

Em abril de 2003, com quase 20 anos, consegui um emprego com carteira assinada numa revistaria. O local era o mesmo do lotação: estação de metrô Corinthians Itaquera. Meu novo cargo era o de jornaleiro, com um salário de 385 reais, muito menos do que eu ganhava no emprego anterior, mas que compensava pelos benefícios e por não ser uma profissão perigosa, como a de cobrador de lotação. Além de jornais e revistas, eu também vendia cigarros, doces, filmes e livros. 36


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Depois que peguei as manhas, acabei fazendo o meu próprio sistema de consignação: eu levava para casa e lia os livros que chamavam minha atenção; se eu gostasse, pagava e deixava em minha biblioteca; se não, devolvia como se não tivesse saído da banca. Ali era um comércio muito bom para o dono da revistaria, que também mantinha uma banca do outro lado. O faturamento de cada uma era de cerca de cinco mil reais por dia. Esse era o valor bruto arrecadado, claro. Com isso ele pagava a consignação dos produtos, o aluguel do espaço e os funcionários. O que mais saía era cigarro. Para cada jornal ou revista que saía, eram cinco maços de cigarros vendidos. Coisa de louco mesmo. Depois de completar meus três meses de emprego, acabei ficando mais cara de pau. Consegui levar minha mãe para trabalhar comigo na revistaria, ganhando, a princípio, metade de um salário mínimo da época, mas era a melhor coisa que podia acontecer naquele momento. Lembro que, quando cheguei em casa e dei a notícia de que tinha conseguido um espaço para ela no serviço, vi seus olhos se encherem d’água de emoção. Imagine uma mulher que passou a vida toda trabalhando e, com 37 anos de idade, não conseguia emprego havia mais de três anos. E o pior é que minha irmã e meu irmão tinham 12 e 13 anos, respectivamente. Com essa idade, não conseguiam emprego nem para entregar panfletos. O nome da minha mãe é Maria Natalina Alves, mas todos a conhecem como a chamei no Capítulo 3: Dona Natália, negra, bonita e jovem, tanto que às vezes as pessoas acham que é minha esposa. Minha mãe logo mostrou seu valor e conseguiu se igualar com todos os funcionários no cargo e no salário. Acabou que viramos companheiros de trabalho. Entrávamos às cinco da manhã e saíamos às duas da tarde. A dupla que trabalhava 37


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no período da tarde e as outras duplas que ficavam na outra revistaria revezavam-se no caixa e nos serviços de encalhe e distribuição. Encalhe é juntar as revistas e os jornais que não venderam em determinado período, dar baixa e empacotar para o distribuidor retirar. Distribuição é o cadastro e a disponibilização dos produtos novos que chegam. Isso era tarefa diária. Ô serviço chato! Minha mãe se deu bem com o caixa, e eu era ligeiro no encalhe e na distribuição. Então combinamos de não nos revezarmos. Nos demos bem. Ela trabalhava tranquila, sem precisar se preocupar com aquele serviço chato e pesado, e eu fazia tudo até as oito da manhã, e dali por diante me dedicava à leitura dos livros e de algumas revistas, como a Caros Amigos e a Fórum. Essa também foi a época em que Dona Natália mais leu, pois além de lermos no trajeto de trem de Suzano até Itaquera, e vice-versa, ela também aproveitava o meu sistema de consignação e pegava uns livros. Minha única implicância era por conta dos livros que ela escolhia: coleção Júlia, Bianca ou Sabrina. Mas, depois de um tempo, aceitei que ela não gostasse dos mesmos livros que eu lia, e percebi que o importante estava sendo feito. Dona Natália estava lendo, ponto final. Em dezembro do mesmo ano, o proprietário da revistaria veio até o metrô Itaquera, em sua visita de rotina, mas trouxe consigo um homem todo vestido de social e com uma maleta em mãos. O gerente da revistaria veio também, e ficou tomando conta da banca enquanto nós e os funcionários do lado contrário nos reuníamos com o dono e o cara de social. Ele era representante de uma cooperativa que gerenciava funcionários para empresas. A ideia do nosso patrão era incluir todos nós em um sistema de cooperativa. Com isso, perderíamos todos os benefícios e receberíamos o salário via cooperativa. Fiquei muito PUTO! 38


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O patrão queria dar o golpe. Se eu soubesse que seria assim, nem teria saído do lotação. O dono ainda disse que aquilo seria a única saída para ele, que há meses vinha tendo um faturamento indigno. Se alguém quisesse sair, ele entenderia. Pagaria todos os direitos até aquele mês, mas, a partir do dia seguinte, quem continuasse seria em regime de cooperativa. Então, pensei rápido. Não podia chutar o pau da barraca assim, sem ter outro emprego em vista, apesar do meu antigo patrão no lotação ter dito que eu poderia voltar quando quisesse. Fiz ainda algumas perguntas que deixaram o representante da cooperativa e o patrão sem respostas, principalmente porque os meus olhos fulminavam os deles. Quando perguntaram quem iria continuar, fui o primeiro a levantar a mão, para a surpresa deles, já que achavam que eu seria o primeiro a sair. Porém, mal sabiam eles que eu tinha um plano. Depois de assinarmos a papelada, tornei-me outro funcionário. Menos dedicado, não fazia mais os serviços de office boy, e distribuía e encalhava de qualquer jeito. E a ação principal do plano: não pagava mais nenhum livro que eu levava. Tinha aquilo como uma indenização, era o meu fundo de garantia a longo prazo, pois leitura é igual a conhecimento, que é igual a possibilidades mil para o meu futuro. Tenho certeza até hoje de que só não virei um criminoso, homicida ou qualquer coisa fora da lei por conta dos livros que roubei, tanto do meu tio quanto da revistaria. Aliás, não roubei, desviei. Em setembro de 2004 eu, minha mãe e mais alguns funcionários saímos da revistaria. A cooperativa acabou fechando, pois estava mais para “coopergato”. 39


PAR TE


II


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Novos empregos, novos desafios

Passei os quatro últimos meses de 2004 desempregado. Isso porque eu quis. Havia feito uma entrevista para a função de repositor numa rede de supermercados da região do Alto Tietê. Fui o melhor na prova, na dinâmica de grupo e na entrevista. Quando me ligaram oferecendo a vaga, perguntei se haveria como trabalhar seis horas por dia, de segunda a sexta-feira. Diante da impossibilidade, eu simplesmente disse “não” para a vaga. No dia seguinte me ligaram novamente, insistindo. Quando perceberam que eu não ia, perguntaram, curiosos, o motivo. Respondi, todo confiante: — É que eu estou escrevendo meu primeiro livro, tô envolvido nuns eventos e projetos literários, e não teria mais que seis horas livres por dia para vocês. 42


cap.05 Novos empregos, novos desafios

Desejaram-me boa sorte. Dona Natália ficou sabendo desse fato através do Manwilha, novo parceiro no Projeto Cultural Literatura no Brasil e que participara da entrevista de emprego junto comigo. Minha mãe só me perguntou com a intenção de confirmar se tamanha negativa era verdade. Ela não falou nada, mas percebi claramente sua indignação. Era óbvio, pois todos em casa estavam desempregados. Mas eu sabia o que estava fazendo. Além disso, tinha algumas economias, que me salvaram do golpe da cooperativa e do patrão, já que ficamos sem o seguro-desemprego. No mais estava confeccionando as camisetas com a logomarca do Projeto Cultural Literatura no Brasil, e acreditava que com o dinheiro das vendas eu poderia continuar investindo nas cópias dos textos, na produção de novas camisetas, e ainda ganhar algum. O problema é que acabei dando de presente a primeira remessa de trinta camisetas. Na segunda, o dinheiro arrecadado mal deu para pagar as telas de silkscreen, as tintas e os rodos de estampar. É que muitos amigos ficaram de acertar depois, mas vários deles não pagaram até hoje.

Minha estreia no campo literário ocorreu ainda em 2004. Meu texto “Um dia comum” foi publicado em duas coletâneas. A primeira foi no livro Coletânea Artez – Volume 5, do poeta Marcelino de Pontes. A segunda foi na edição extra da revista Caros Amigos – Literatura Marginal ato 3, organizada pelo escritor Ferréz. Esta segunda publicação me ajudou a consolidar os contatos com os escritores brasileiros que estavam na mesma correria. Apesar disso, essa participação também fez com que muitos desses escritores me 43


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olhassem torto. Porque sempre falei que não faço literatura marginal, periférica, A ou Z. Creio que nós já temos rótulos demais: neguinho, baiano, favelado, pobre etc. Já pensou na confusão de um leitor numa livraria ou biblioteca procurando meus livros na estante? — Como será que o Sacolinha foi classificado aqui: literatura negra, marginal, periférica ou brasileira? O que eu escrevo é literatura, ponto. Por outro lado, não tenho nenhum problema quanto às designações que os leitores, críticos e pesquisadores me dão. Reconheço o papel importante desses coletivos literários, inclusive no incentivo à leitura nas periferias de todo o Brasil. Não sou contra os movimentos literários, só não classifico o que eu escrevo. A literatura está aí, e eu pretendo furar o bloqueio e ser reconhecido como um escritor; não quero inventar grupos ou nomes para me sentir dentro da coisa. Quero estar dentro do que sempre existiu, e a que nunca tivemos acesso. Participei da Caros Amigos – Literatura Marginal, assim como também participei da coleção Literatura Periférica da Global Editora, das publicações dos Cadernos Negros e de várias outras antologias. Inclusive, fui convidado pelo Glauco Mattoso para participar de uma coletânea com um texto sobre podolatria. Gosto de circular sobre diversos temas. É um desafio com o qual tenho conseguido lidar. Por exemplo, aqui em Suzano criei, dentro da Associação Cultural Literatura no Brasil, um projeto chamado “Comunidade do Conto”, no qual os participantes são desafiados a escrever sobre temas variados. Dois temas recentes que me fizeram passar horas na frente do computador foram ficção científica e conto policial. Foi difícil, mas consegui encará-los. Dando sequência a este tema, gostaria de falar sobre os saraus que estão sendo organizados. O boom de recitais que surgiu de alguns anos para cá está movimentando a cena da literatura feita na periferia. Além de muitos novos escritores aparecerem graças aos saraus, não dá pra negar que 44


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os escritores que já tinham livros publicados encontraram nestes eventos a oportunidade para divulgar suas publicações. Quase todos os escritores querem lançar seus livros na Cooperifa. Muitos grupos de teatro, coletivos literários, entidades, movimentos populares e artistas em geral fazem de lá um ponto de encontro e de distribuição de seus materiais e suas ideias. E outros saraus foram nascendo e chegaram com a mesma sintonia. Esse movimento de saraus nas periferias é, sem dúvida, muito importante para a sobrevivência da literatura marginal ou periférica. Só fico em dúvida quanto à sobrevivência dos próprios saraus. Porque, da mesma forma como apareceram, em um boom, esses saraus podem desaparecer, ou mesmo cair em mãos de pessoas mal-intencionadas. A bola da vez agora é o hip-hop; amanhã podem ser os saraus.

Em dezembro de 2004, com 21 anos, eu finalizava meu primeiro livro, o romance Graduado em Marginalidade. Apesar de tê-lo escrito em seis meses, foi um livro muito trabalhoso, e que depois revisei muitas vezes. Na época eu não tinha computador, então escrevi à mão. Uma amiga que trabalhava na Comunidade Kolping, do Jardim Revista, chamada Alessandra Félix, se dispôs a passar o romance para o computador. Em janeiro de 2005 o prefeito Marcelo Candido, do Partido dos Trabalhadores, assumiu o governo da cidade. A Alessandra foi convidada a fazer parte da equipe, e eu fui chamado para assumir seu lugar na Kolping como assistente administrativo do projeto Juventude Cidadã, que prestava atendimento aos adolescentes da Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) em medidas socioeducativas.

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No dia 17 de fevereiro fui convidado a fazer parte do quadro de funcionários da Secretaria de Cultura de Suzano. Como tinha acabado de assumir uma função em outro lugar, não me sentia à vontade para sair. Agradeci, mas recusei o convite. O segundo convite foi feito mais uma vez pelo secretário de Cultura, Walmir Pinto, que disse precisar de alguém da literatura para movimentar a cidade. Como eu já fazia isso na militância, ele disse que seria muito melhor fazer isso com uma estrutura à disposição, nesse caso, a máquina pública. Neguei novamente. Ele insistiu. Perguntei sobre a possibilidade de conciliar os dois empregos, pois não queria de forma alguma dar mancada na Comunidade Kolping. O secretário disse que iria analisar essa possibilidade. Aconteceu que na terceira vez eu recebi uma convocatória do prefeito Marcelo Candido, que me ligou dizendo: — Sacolinha, cê é doido rapaz? O que tem de gente querendo essa oportunidade... Não aceito essa negativa. Larga tudo o que você está fazendo e vem com a gente. Vamos precisar de você. O Marcelo foi o primeiro prefeito negro da cidade. Eu o conheci quando vim morar em Suzano, pois ele era do mesmo bairro que eu. Seus dois irmãos mais novos andavam de skate comigo. Quando fiquei sabendo do histórico de abandono da cidade, que ficou nas mãos de um mesmo grupo político da direita conservadora durante trinta anos, resolvi me envolver na campanha do Marcelo à prefeitura. A outra afinidade é que o pai dele, o deputado estadual José Candido, fundou o movimento negro na cidade, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Sociocultural Negro Sim, do qual fiz parte por seis anos e cheguei até a ser presidente em uma gestão.

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Conversei com a Majô Baldez, coordenadora do projeto na Kolping, e ela disse que entendia e que não iria me impedir de alçar voos mais altos. No dia 1º de março de 2005 eu me tornei funcionário público, como coordenador literário da Prefeitura de Suzano.

Embora esteja localizada no estado de São Paulo, a cidade de Suzano tem um contexto bem diferente da cidade de Sampa. Situada na região leste do estado, a 45 quilômetros da capital, Suzano é um dos 39 municípios que compõem a região metropolitana. O município obteve sua emancipação política em 8 de dezembro de 1948. A região abriga 563 indústrias, 5.274 empresas, além de centros comerciais nos distritos de Boa Vista, Centro e Palmeiras, e figura entre as vinte cidades com melhor arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Além de pertencer à região do Alto Tietê, com onze municípios, a cidade faz divisa com Itaquaquecetuba, Santo André, Mogi das Cruzes, Mauá, Ferraz de Vasconcelos, Poá, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires, e é banhada pela bacia hidrográfica do Alto Tietê. Tem acesso às rodovias Ayrton Senna, Índio Tibiriçá e Henrique Eroles. É composta por 219 bairros, numa extensão territorial de 205 quilômetros quadrados, e com população estimada em 270 mil habitantes. Apesar de todos esses dados, no ano de 2005 a cidade ainda estava no século XIX. Muitos bairros não tinham saneamento básico nem asfalto. O que dizer, então, da área cultural? As únicas manifestações existentes eram provocadas pelos artistas moradores de Suzano, ou seja, tínhamos muita coisa a fazer. 47


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Ao chegar à Secretaria de Cultura, eu não sabia por onde começar, e ao mesmo tempo achava que seria muito fácil desenvolver projetos. Acabei caindo do cavalo. Na rua, era difícil fazer as coisas sem estrutura, mas ao mesmo tempo era muito mais rápido. O problema é que, dentro da máquina pública, apesar da possibilidade de se ter tudo na mão, até atravessar toda a burocracia o gestor já desistiu do projeto. Cheguei à sala do secretário e recebi as boas-vindas. Depois ele me avisou que estavam em processo de adaptação, e que eu poderia começar fazendo um planejamento na minha área. Eu não queria virar um burocrata, não queria ficar sentado em frente ao computador, fechado em uma sala, atendendo aos artistas. O que eu queria mesmo era partir para as atividades, produzir um sarau, convidar escritores renomados, ajudar bibliotecas comunitárias, fazer um arrastão literário pelo centro da cidade, chamar grafiteiros para escrever poesias nos muros públicos do município e produzir cartazes e panfletos sobre todas essas atividades, colocar carro de som na rua divulgando, chamar a imprensa, fazer uma coletiva etc. — Calma, calma, Sacolinha — falou o secretário de Cultura, me chamando de volta à realidade. — Não é assim tão fácil. Aqui, é preciso cautela. Pra fazer tudo isso aí agora não dá, tem que abrir licitação para contratar gráfica, é necessário buscar parcerias, algumas coisas não são permitidas, precisamos estudar como funciona o orçamento, e por enquanto vamos só arrumar a casa. Imagine a minha frustração. Na rua, sem poder público, qualquer atividade que eu queria fazer eu fazia, ponto, bastava disposição. Lá dentro, para qualquer coisa era preciso um planejamento, aprovação do secretário, três orçamentos, escolher o valor menor, comprar por meio de licitação, que demorava no mínimo três meses, mais isso e aquilo... 48


cap.05 Novos empregos, novos desafios

Então, resolvi planejar primeiro as atividades que não demandariam verba. O sarau foi o primeiro da lista. Em maio do mesmo ano começou a ser realizado. Batizei de Pavio da Cultura, pois juntar escritores, poetas, músicos, cineastas, atores e bailarinos num mesmo lugar era uma espécie de bomba, que a qualquer momento explodiria. O “Cultura” era por conta do local onde era realizado, na Secretaria de Cultura. E também porque nenhuma atividade que eu realizava a partir de lá era minha, nem do Projeto Cultural Literatura no Brasil. Eram atividades da Prefeitura de Suzano, geridas por meio da Secretaria de Cultura. A inspiração para o sarau veio da Cooperifa, porém o modelo foi diferente. Realizamos o Pavio da Cultura todo segundo sábado do mês, das oito às dez da noite, e o espaço é aberto não só para a literatura. A ideia de organizar um sarau surgiu justamente graças ao baixo custo. Podíamos fazer um sarau em qualquer dia, hora e lugar. Bastava que tivéssemos pessoas envolvidas com cultura. Mais tarde, seriam inaugurados três centros culturais em bairros afastados do centro da cidade. Os primeiros projetos culturais que o secretário pediu que fossem realizados nesses centros culturais foram os saraus. Mas a implantação do Pavio da Cultura não foi tão fácil assim. A maior dificuldade era o público. Tínhamos que conquistar um público fiel, que não fosse composto simplesmente pelos próprios artistas a se apresentar. Essas duas conquistas eram necessárias porque, nos três primeiros saraus, tivemos um público rotativo, nos quais as pessoas que haviam ido à edição anterior não retornavam, e os que retornavam eram os que se apresentavam.

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Cordelista Francis Gomes se apresenta no Pavio da Cultura. CRÉDITO: Sacolinha


Público do 1º Pavio da Cultura. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL


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Não vou negar que os primeiros saraus foram lotados. Compareceram entre 70 e 100 pessoas em cada edição. Mas isso porque eu agendava um ônibus da Secretaria de Cultura para levar pessoas de escolas, ONGs e associações de moradores. Porém este ônibus foi fazer uma viagem a Minas Gerais, infelizmente quebrou na estrada, e quando voltou, guinchado, acabou sendo enviado ao pátio municipal, onde está até hoje. Portanto, tive que aprender a me virar. Houve saraus em que, por conta do público, eu sentia um frio na barriga, uma ansiedade. Às vezes já estava quase na hora de começar e só havia meia dúzia de pessoas, e todos artistas, que iriam se apresentar. Depois chegavam mais pessoas, a gente se alegrava e o sarau acendia o pavio. Nunca cancelamos uma edição por falta de público. Aliás, desde maio de 2005, quando implantei o sarau, faça chuva ou sol, feriado, fim ou começo de ano, sempre tem o Pavio da Cultura. O menor público que tivemos foi de 23 pessoas, e o maior de 176, quando lançamos o número 5 da revista Trajetória Literária, em dezembro de 2009. Hoje, o Pavio da Cultura é realizado em parceria com a Associação Cultural Literatura no Brasil, o que me ajuda muito, visto que antes eu fazia e pensava tudo sozinho, da realização ao registro. Nossa maior preocupação, nesse momento, não é mais a falta de público, isso já foi superado há bastante tempo. A questão agora diz respeito à continuidade do sarau. Apesar de ter sido implantado e, até hoje, coordenado por mim, este é um dos únicos do estado de São Paulo, senão o único, realizado por uma prefeitura. Afinal, sou funcionário público, mesmo que contratado por tempo determinado. Ou seja, esta é uma realização que parte de cima para baixo. É por isso que sempre falo aos membros da Associação Cultural Literatura no Brasil para investirmos no Sarau LiteraturaNossa, que foi concebido e realizado de baixo para cima. 52


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Por meio da associação, sempre realizamos o projeto “Sarau nas escolas”, onde visitamos uma escola por semana. Mas não tínhamos um sarau nosso, fixo, onde as pessoas podiam comparecer periodicamente e assistir à celebração literária. Depois que implantamos o Ponto de Cultura Círculo das Letras, criamos o Sarau LiteraturaNossa, que acontece toda terceira sexta-feira do mês, no Jardim Revista, em Suzano. O Pavio da Cultura, infelizmente, vai acabar, em algum momento, por conta das trocas de prefeitos e partidos. Quem sabe se o próximo secretário de Cultura vai manter o pavio aceso? Eu não sonho com isso, mesmo lutando para que não acabe. Segue um depoimento do poeta, escritor e coordelista Francis Gomes, presidente da Associação Cultural Literatura no Brasil em duas gestões e que ajudou na implantação do sarau:

Pavio da Cultura

O pavio da cultura não é apenas um recital de poesias e, a propósito, não foi criado com este objetivo. É uma atividade realizada todo segundo sábado de cada mês e que reúne várias vertentes culturais. É um sarau em que a música, a poesia, a dança e o teatro andam juntos com qualquer outro estilo de arte e literatura que queira compartilhar o palco do pavio e desfilar por esta passarela onde, cada um, a seu estilo, apresenta seu trabalho. É muito fácil falar de um projeto que deu certo. Durante sete anos este sarau tem revelado 53


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muitos escritores, poetas, atores e cantores. Sem falar na formação. No decorrer deste tempo, presenciei muitas coisas boas. É indescritível a emoção de alguém que lança seu primeiro verbo no palco: um treme, chora; outro sorri ao apresentar, publicamente, seu trabalho antes escondido numa gaveta. Uma vela acesa pela chama da literatura, um lampião em que o gás são as palavras, bomba caseira cujos artefatos são os acontecimentos da vida, a ponto de explodir estilhaços de verbos, para contaminar o mundo pela radiação das palavras. Isso é o pavio que estava apagado, até que surgiu um guerreiro, chamado Sacolinha, e o acendeu. Como um lavrador, preparou a terra, lançou algumas sementes e convidou amigos para sair de casa, da frente da televisão, e juntos semearem palavras no coração dos homens, em forma de poesia, música e literatura. A colheita foi maldita para quem não acreditava que daria certo, e sagrada para os que têm colhido frutos saborosos. Frutos que geram sementes, e têm feito muitas outras árvores nascerem. Porque o pavio é um grande celeiro de oportunidades. Perdi a conta de quantos novos escritores lançaram livros neste evento, que vai 54


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muito além de um simples recital de poesias. Lá comungam juntos homens e mulheres, jovens e crianças, sem distinção de cor, raça ou credo. Por isso ele tem atraído, além da mídia, pessoas de outros estados e países. Foi no pavio que me tornei escritor. Graças a ele, tornei-me conhecido como cordelista, lancei meu primeiro cordel, depois mais 17 folhetos, meu primeiro livro, e também recebi meu primeiro prêmio literário. Pavio da Cultura, o nome diz tudo. Fazemos, de todo segundo sábado do mês, um ano-novo antecipado, explodindo fogos de artifícios de palavras, não para enfeitar o céu, mas para fazer chover nos corações antes desertos e sedentos, transformando-os, assim, em terras férteis onde correm ribeiros e se formam mananciais literários. Este é um evento certo em Suzano. Chova ou faça sol, o pavio é aceso, iluminando os caminhos dos amantes da literatura como um farol guiando os marinheiros pelas rotas dos mares da vida. Francis Gomes, escritor, poeta e cordelista Autor do livro de poemas Ecos do Silêncio

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Primeira apresentação do músico Valdivino Sampaio no Pavio da Cultura. CRÉDITO: Arquivo pesSOAL

Ganhadores do 6º Concurso Literário de Suzano. CRÉDITO: Landy Freitas


cap.01 Os fazimentos que me fizeram

Dona Elizabete no Pavio da Cultura. CRÉDITO: Sacolinha

Apresentação de coral no Pavio da Cultura. CRÉDITO: Sacolinha


Pavio da Cultura no palco da cultura periférica na Virada Cultural 2011 - SP. CRÉDITO: Valter Passarinho

Luiz Ayrão no Pavio da Cultura. CRÉDITO: Cristina Ramos


cap.05 Novos empregos, novos desafios

Aconteceu de tudo um pouco no Pavio da Cultura: noivado, casamento, início de namoro, lançamento de livros e CDs, editor que descobriu bons escritores e pessoas que vieram da Argentina, Alemanha e Estados Unidos diretamente para conhecer o sarau, com o objetivo de utilizá-lo em suas pesquisas universitárias. Uma vez recebemos uma visita ilustre da área musical, que ia fazer uma apresentação na Festa das Orquídeas, em Suzano, mas antes resolveu conhecer o nosso sarau, muito falado na cidade e na região. Chegou de mansinho, acompanhado do diretor de eventos da prefeitura. Quando vi aquele cara todo de branco logo saquei de quem se tratava, e anunciei a sua participação: — Pessoal, agora uma apresentação surpresa. Vamos aplaudir com muito barulho um dos maiores compositores brasileiros: Luiz Ayrão! Quem ficou surpreso também foi o próprio Luiz Ayrão, que queria somente espiar o sarau. Mas não se fez de rogado. Subiu ao palco, me cumprimentou e cantou a música “Nossa Canção” de sua autoria, que é conhecida na voz de Roberto Carlos. Falando em música, temos duas: um jingle feito pelo Marcos Lima, deficiente visual e funcionário da Secretaria de Cultura. Foi feito especialmente para a edição de cinco anos do sarau. Pode ser ouvido no Youtube. A outra é um hino feito pelo Nelson Olavo, poeta e compositor, membro da Associação, e que pedala toda terça-feira de Itaquaquecetuba até Suzano para participar das nossas reuniões. Apesar de a música ter sido composta antes mesmo de o sarau existir, ela acabou se transformando em nosso hino graças ao conteúdo, que trata de calor humano, sentimentos e emoções.

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Fogo no Pavio (Marcos Lima) Fogo, fogo, fogo, fogo O pavio pega fogo (bis) O vento sopra Pra lá e pra cá O vento sopra Pra cá e pra lá O pavio pega fogo (bis) Onde tem brasa O fogo pega No pavio que fumega O vento sopra (bis) Em vocês Fogo de alegria Fogo natural Tem muita energia No Pavio Cultural Com vocês O vento sopra Tem muita alegria Tem muito astral No pavio cultural.

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cap.05 Novos empregos, novos desafios

Paz e Amor (Nelson Olavo) Eu senti transpirar O suor do seu corpo, Quando abracei, O seu corpo no meu Pensei que era só, Uma coisa impossível Mas só que não é, É uma coisa normal Você veja só, Que o sol traz calor A natureza criou, Toda terra e o amor O luar enclaresce, Toda noite escura E o vento que traz, Todo ar para nós (refrão)

Só, paz e amor, E amor, e amor, e amor Só paz e amor A saudade já traz Uma grande emoção, Quando tem união É tão triste querer, Essa separação, que já é contramão E só fica ruim, entre mim e você. (refrão) 61


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Surgiu uma edição extra do Pavio da Cultura. Alguns poetas queriam ler seus textos com temática erótica, mas eventualmente havia crianças na plateia. Chegou um momento em que eu não aguentava mais esses poetas me perguntando, antes de o sarau começar: — Sacolinha, lê essa minha poesia, vê se dá pra apresentar. Então, tive a ideia de fazer o Pavio Erótico. A primeira edição aconteceu no dia 25 de março de 2006. Esse sarau vinha com a mesma dinâmica do Pavio da Cultura, mas só entrava erotismo. Era proibido ler textos ou fazer qualquer tipo de apresentação que não tivesse a ver com a temática. Os poetas entraram em êxtase total, tanto que não queriam parar de ler. Eram duas poesias para cada um, ou, no caso de apresentação de dança, teatro e música, eram três minutos para cada apresentação. Muitos pediam para ler mais um texto ou voltar depois. Por se tratar de um evento extra que deu certo, e deixou aquele gosto de quero mais, resolvi realizá-lo trimestralmente. Os participantes do primeiro Pavio Erótico pediram um sarau mensal. Cheguei até a pensar nessa possibilidade, mas vendo que aquilo era uma empolgação de momento e que logo cairia no marasmo e na mesmice, decidi fazer esporadicamente. Nas edições seguintes eu chamei o setor de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis da Secretaria de Saúde do município, e fizemos uma parceria para que eles trouxessem preservativos e informações sobre estas doenças. Essa parceria acabou tomando grandes proporções, e chegamos a fazer o sarau no Teatro Municipal de Suzano, com lotação de 420 pessoas. Depois, trouxemos o grupo de diversidade Good Morning São Paulo, que tem entre seus integrantes pessoas com deficiência, gays, lésbicas, prostitutas e portadores do vírus HIV. 62


cap.05 Novos empregos, novos desafios

Acabamos por levar o Pavio Erótico a vários lugares do país e, em 2008, chegamos a ser premiados, juntamente com a grife Daspu, no VII Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e AIDS, em Florianópolis. Ganhamos também o Prêmio David Capistrano na 8ª Mostra de Experiências Exitosas dos Municípios de São Paulo, no qual participaram 382 cidades. Este é o maior prêmio da área de saúde do estado de São Paulo. A seguir vieram publicações sobre o nosso sarau, tanto em conceituadas revistas de medicina quanto em TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso). O Pavio Erótico então atingiu seu auge, mas, infelizmente, sendo reconhecido como um projeto de combate e prevenção às DST aliado a atividades culturais. Ou seja, a literatura acabou ficando em segundo plano. Como se isso não bastasse, aconteceu o que eu previra: os poetas foram caindo na mesmice, e acabou o estoque de entusiasmo. O último projeto de grande porte que realizei com o Pavio Erótico foi o 1º Concurso de Literatura Erótica do Estado de São Paulo, que culminou com a publicação de cinco mil exemplares do livro Amor Lúbrico – Textos para serem lidos na cama, também muito premiado na área da saúde, inclusive pelo SUS. O critério de seleção exigia que os textos (que podiam ser poesias, contos ou crônicas), além de tratar do tema “erotismo”, deveriam conter algo que chamasse a atenção do leitor para a prevenção. O livro foi lançado no dia 28 de junho de 2008, durante o sarau Pavio Erótico, e contou com a presença de 223 pessoas. Entre os autores do livro estavam 22 escritores de diversas localidades do estado. Foram 12 contos e dez poesias. Todas as publicações com distribuição gratuita que produzo na Secretaria de Cultura são enviadas para diversas bibliotecas públicas e comunitárias do Brasil e para departamentos de cultura de países de língua portuguesa com os quais tenho contato. Não fiz diferente com Amor Lúbrico. Imagine o que são cinco mil exemplares espalhados por aí, nas mãos 63


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e nos lugares certos, onde há leitores e pessoas ligadas às áreas de cultura e saúde. Até hoje recebo comentários e críticas sobre o livro e convites para falar sobre ele. Depois de junho de 2008 ainda fizemos mais sete edições do Pavio Erótico, e então estacionamos.

Implementei outros projetos durante minha presença na Secretaria, conforme entendia e aceitava o tempo da máquina pública. Criei e realizei, aos poucos, os projetos literários. Lancei o 1º Concurso Literário de Suzano, com temática livre. Lembro que convidei para a comissão julgadora os escritores e poetas Sérgio Vaz, Alessandro Buzo, Fernando Bonassi, Marco Pezão, Luiz Alberto Mendes e Ferréz. Era a primeira vez de todo mundo, inclusive a minha, na produção de um concurso. Deu tudo certo. Este primeiro teve inscrições abertas somente para o município. No segundo, abrimos o leque para as onze cidades do Alto Tietê. O terceiro teve inscrições abertas para todo o estado de São Paulo, e a partir da quarta edição abrimos para todo o território nacional. Em agosto de 2005 criei o projeto Trajetória Literária, que consiste na vinda de escritores nacionalmente conhecidos. De primeiro trouxe o escritor, dramaturgo e roteirista Fernando Bonassi; depois, vieram Luiz Alberto Mendes, Ignácio de Loyola Brandão, Moacyr Scliar, Ariano Suassuna, Marcelino Freire, Paulo Lins, Marcelo Rubens Paiva, Milton Hatoum, Fernando Gabeira, Alessandro Buzo, Sérgio Vaz, Ferréz, entre outros. No fim deste mesmo ano produzi a 1ª Semana Literária de Suzano, que teve, entre outras atividades, o lançamento da primeira edição da revista Trajetória Literária, com tiragem 64


cap.05 Novos empregos, novos desafios

de cinco mil exemplares e textos dos autores selecionados no concurso literário. Com esses projetos em andamento, estava se desenhando o planejamento anual da Coordenadoria Literária. Veja o que escreveria, seis anos mais tarde, um dos professores e filósofos mais importantes de Suzano:

Os avanços no campo da literatura mediados pelas ações da Coordenadoria Literária da Secretaria de Cultura

Moro em Suzano desde 1976. Nunca me afastei da cidade por mais de alguns meses, e por isso conheço aspectos desta cidade que me interessam mais, e outros que me interessam menos. A literatura me interessou desde que acordei para o mundo; acredito que isso foi em 1982: os signos ganhavam significado nas palavras e gestos de professora Ana, da primeira série da Escola (na época) Estadual Antonio Marques Figueira. A primeira biblioteca, o primeiro livro (um ilustrado da fauna da Mata Atlântica, dado por meu avô). Nesta época não existia uma biblioteca pública que me permitisse conhecer melhor esse mundo que se abria. A escola promoveu um concurso de redação. Pela primeira vez entendi que não era apenas leitor, mas também escritor. As redações foram escolhidas, a minha não estava entre elas, mas lembro de como minha mãe guardou essas linhas, e mesmo não sendo premiado na escola, o fui em casa. Mas na cidade não percebia 65


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nenhum movimento que me provocasse a escrita nem a leitura. Na ausência de uma biblioteca pública, procurei a banca de revista do Sr. Jardel, ao lado da Igreja Matriz de São Sebastião. Conheci os quadrinhos do Angeli, Glauco, Laerte e a revista Mad. Esses textos me ensinaram que o mundo não precisa ser apenas descrito, mas pode ser criticado, e que a ironia é o melhor caminho para isso. Minha mãe lecionava no bairro Palmeiras, periferia da cidade, na Escola Shogiro Segawa. Eu frequentava a escola com ela algumas vezes, e tive a oportunidade de conversar com os jovens para quem minha mãe dava aula. Eles não tinham acesso a bancas de jornal nem de revistas, e não percebiam na literatura algo de relevante. Quando criança, vi a construção do Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi. Acompanhei a sobreposição de tijolos e o nascimento da biblioteca pública Maria Eliza de Azevedo Cintra. Pela primeira vez teríamos um acervo de livros para consulta e fruição estética. Os livros estavam lá, cercados pelas mulheres que os deslocavam da prateleira até nossas mãos. Não tínhamos acesso direto ao acervo, apenas a um catálogo disposto em fichas organizadas de tal forma que aprendi a entendê-las. Nunca vi aquele espaço do centro cultural sendo usado para eventos públicos, havia sempre umas pessoas bem-vestidas lá dentro, bebendo e conversando animadamente, mas a porta estava fechada, por 66


cap.05 Novos empregos, novos desafios

isso eu tinha quase certeza de que aquele não era um evento que poderia ser para participação pública. Não percebia nenhum grupo de literatura organizado, nem eventos literários, mas a biblioteca estava lá, com as portas abertas. Em 2004 decidi, com alguns amigos, organizar um grupo de discussão sobre filosofia e literatura. Pedimos o espaço público para realizar esse encontro e divulgar às pessoas da cidade as nossas ações. O secretário de Cultura da época nunca estava no gabinete e, por isso, não respondeu a nossa requisição protocolada. No dia do encontro, não sabíamos para onde ir. Fomos acolhidos pela APAC (Associação Paulista de Artes Cênicas), na época coordenada pelo Sr. Walmir Pinto. Fizemos o encontro na sede dessa Associação e na mesma hora nos tornamos parceiros. Os encontros da Associação dos Professores de Filosofia passaram a acontecer na sede da APAC. Neste mesmo lugar, os grupos de literatura começaram a encontrar respaldo, acolhida, suporte. Lembro-me de que grupos como a Associação Cultural Literatura no Brasil e o Rastilho sempre tinham espaço livre pra produção e reflexão sobre literatura. Lá conheci o Sacolinha e a Lygia Canelas, dois grandes articuladores culturais da região. A literatura e outras artes perceberam que o espaço que se abria na cidade tinha outra proposta para a arte em geral e a literatura em específico: 67


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era necessário organizar as pessoas na cidade para uma outra proposta de produção cultural. Quando a diretoria da APAC assumiu a Secretaria de Cultura, essa proposta, que já havia começado, ganhou volume e forma. Nasceu a Coordenadoria Literária, Sacolinha assumiu a função de articulador literário, com a proposta de levar bibliotecas comunitárias aos bairros que antes não tinham nem banca de jornal e de promover os escritores da região. O avanço nessa área é palpável: várias bibliotecas públicas instaladas na periferia da cidade, em cada centro cultural fundado nos bairros houve o empenho em trazer as pessoas para a biblioteca e fomentar a produção e divulgação dos textos escritos no mesmo bairro, mediado por saraus populares. A presença da Coordenadoria Literária fez com que Suzano acordasse para o fenômeno das letras e aparecesse como uma referência para a literatura no Alto Tietê. Marco Aurélio Pinheiro Maida Membro fundador da A.CuRa (Associação Cultural Rastilho) e mestrando em Educação pela FEUSP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo)

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Capas das revistas organizadas por Sacolinha na Prefeitura de Suzano. CRÉDITO: Arquivo pessoal

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E aqui vai um breve texto do secretário de Cultura da cidade de Suzano, que está no cargo há duas gestões (oito anos) e chegou a ser indicado por várias autoridades para ser o sucessor do atual prefeito. Isso é o resultado de uma grande mudança na história cultural da cidade.

Suzano nunca mais será a mesma!

Dá até medo de pensar em como seria a literatura suzanense sem a Coordenadoria Literária. Isso quase aconteceu, diante das negativas do militante Sacolinha. Eu e o Marcelo Candido pensávamos em fazer uma verdadeira revolução cultural na cidade, contemplando todas as áreas. Mas isso só seria possível se tivéssemos à frente das pastas protagonistas que vão à luta, que vão a favelas e áreas de risco e que se preocupam com o fato de todos terem acesso a bens culturais. Confesso que cumprimos muito bem esse papel, tanto que hoje somos referência em todo o estado de São Paulo e fomos premiados até no exterior. A literatura teve papel importantíssimo nesse processo, inclusive não só fomentou a sexta arte como também incentivou a leitura e deu oportunidades a centenas de escritores. Cito como projetos relevantes o “Concurso Literário”, que leva o nome da cidade a todo o território nacional, homenageia autores renomados como Carolina Maria de Jesus e Moacyr Scliar e ainda revela 22 novos escritores a cada ano. 70


cap.05 Novos empregos, novos desafios

Outro projeto significativo é o “Trajetória Literária”, que, além de valorizar o escritor como um trabalhador das letras, ainda o coloca mais próximo de seu público leitor. Com esse projeto trouxemos, bimestralmente, desde 2005, nomes importantes para Suzano, como Marçal Aquino, Ignácio de Loyola Brandão, Marcelo Rubens Paiva e o impagável Ariano Suassuna. Pois é! Suzano nunca mais será a mesma cidade de antes deste caldeirão cultural. Nem mesmo se alguém quiser acabar com tudo o que construímos. Porque a mudança não foi somente material. O imaterial ficará para sempre nas mentes e nos corações das pessoas daqui. Walmir Pinto Secretário de Cultura de Suzano, ator e jornalista

Walmir Pinto, secretário de cultura, Brenda Candido, primeira dama, Marcelo Candido, prefeito de suzano, ariano suassuna e esposa, e SACOLINHA no projeto trajetória literária. Crédito: Marcos Cirillo

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Os escritores Guel Brasil, Mano Cákis, Francis Gomes, Nelson Olavo e Sacolinha com Marcelo rubens paiva, no projeto Trajetória Literária. Crédito: Arquivo pessoal

Reunião do secretário de cultura de Suzano com os escritores da cidade. Crédito: Marcos Cirillo


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O lançamento do primeiro livro

Ainda em 2005, meu primeiro livro foi publicado e eu pude me dizer escritor. Havia enviado cerca de trinta cópias do original de Graduado em Marginalidade para editoras. Cansei de receber cartas e e-mails padrões. Menos da metade me respondeu, e as respostas, apesar de usarem palavras diferentes, significavam sempre a mesma coisa. Reproduzo aqui três delas: 1ª carta São Paulo, 14 de fevereiro de 2005. Caro(a) escritor, Sacolinha Recebemos e analisamos a sua obra Graduado em Marginalidade. Você é um escritor de mão cheia e com certeza irá encontrar editora que se encaixe no seu perfil. Agradecemos o envio do original e a confiança em nossa editora. Desejamos boa sorte em sua procura. Atenciosamente, Equipe editorial 73


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2ª carta São Paulo, 02 de março de 2005. Caríssimo(a) escritor Ademiro Alves (Sacolinha). Muito nos honrou ter enviado a sua obra Graduado em Marginalidade para avaliação. O livro é de bom conteúdo e de qualidade na escrita. Infelizmente, já fechamos todo o cronograma de lançamentos do corrente ano. Dessa forma, não será possível a nossa parceria. Receba nossos votos de muita sorte no lançamento de sua obra. Cordialmente, Departamento responsável — Editora

3ª carta Rio de Janeiro, 18 de março de 2005. Saudações literárias, escritor(a) Sacolinha! Depois da leitura atenta do seu livro, estamos enviando esta carta. É necessário ressaltar a qualidade literária da sua obra. Porém, ela não se encaixa em nossa atividade editorial. Vale ressaltar ainda que a nossa editora é pequena e não teria estrutura suficiente para aguentar o sucesso dessa obra. Queríamos ajudá-lo, mas dessa vez não será possível. Boa sorte! Equipe editorial

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cap.06 O lançamento do primeiro livro

Percebam que os autores das cartas não tiveram sequer o trabalho de tirar o artigo que simboliza o feminino (a). Mas o maior absurdo foi o argumento da terceira carta, que dizia do sucesso estrondoso da obra, a ponto de a editora não ter estrutura para tal. Eu não caía nessas respostas, tanto que a partir da quinta carta resolvi arregaçar as mangas e juntar dinheiro para a publicação independente. E engraçado que, mesmo após três meses da publicação do livro, algumas editoras ainda enviavam respostas, sempre do mesmo jeito. Outras nem enviavam; creio que, de trinta editoras, só dezoito me responderam. O fato é que publiquei o livro. Pedi orçamento a várias editoras e escolhi o mais em conta. Juntei uma grana fazendo rifas, peguei meu salário de servidor público e mais oitocentos reais emprestados. Pronto. Consegui metade do valor total da tiragem, que era de cinco mil reais. Com dois mil e quinhentos reais na mão, eu já podia assinar contrato com a editora. O restante do pagamento seria feito trinta dias após a retirada dos livros. Eu pretendia conseguir esse dinheiro com a venda dos livros no lançamento. E, também, acreditava que poderia recuperar todo o dinheiro investido na primeira parcela. Engano meu. Eu estava muito empolgado, igual quando vamos comprar o primeiro carro: fica tão ansioso que não coloca os pés no chão. Marquei o lançamento para o dia 5 de agosto, quatro dias antes de completar 22 anos. O local escolhido foi o Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi, que fica bem no centro da cidade de Suzano. A editora terceirizada faria 500 convites preto e branco. Pedi para liberarem esses convites com vinte dias de antecedência. E foi feito. Para onde eu andava, os convites iam juntos. Ao encontrar com as pessoas, mal as cumprimentava e tome convoca75


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ção, porque ninguém era somente convidado. Para valorizar mais o convite e a pessoa, eu ainda dizia: — Com esse convite você tem direito a levar mais cinco acompanhantes. O pessoal ficava lisonjeado. Foi engraçado que, quando acabaram os convites, alguns me ligavam dizendo que iriam levar mais pessoas e precisavam de mais convites. E eu inventava outra: — Ó, acabaram os convites, mas você é camarada e não dá pra deixar de fora as pessoas que vêm com você. Vou deixar seu nome na lista e, quando você chegar, dá o convite e avisa que o restante dos acompanhantes entram na cota da lista. E os convidados iam se sentindo cada vez mais valorizados. Os livros ficaram prontos no dia 3 de agosto. Como o frete não estava incluso, tive que ir buscar. O local de retirada era em Pinheiros. Meu carro (um Fiat Prêmio, ano 1990) teve um problema no motor justamente nesse dia, e só pegava no tranco. Chamei um tio, o Erasmo Adriano, dois anos mais novo que eu, para ir junto e ajudar a empurrar o carro quando fosse preciso. Chegamos ao local às duas da tarde. Eu tinha três preocupações: o rodízio de veículos, que iria começar a partir das cinco da tarde, a chuva que ameaçava cair, e o carro pifar de vez. Essa última, então, nem se fala: só de lembrar já sinto o frio na barriga. Foram quinhentos livros, divididos em dez caixas. O porta-malas comportou oito, e as outras duas foram no banco de trás. Empurramos o carro até embicar na Cardeal Arco Verde, e de lá dei o primeiro tranco, que atendeu na hora. Apesar de o carro estar pesado à beça chegamos a Suzano sem nenhum problema. Como minha casa ficava em terreno em 76


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declive, bem acidentado, sofremos para descer aquelas dez caixas. Ao final desse dia, quando já estava em minha cama, percebi que toda a ansiedade tinha acabado. Não pensava nos problemas que poderiam acontecer no lançamento, não temia a segunda parcela da editora, não tinha mais o frio na barriga e parecia tudo normal. A sensação que tomou conta de mim naquela casa de dois cômodos, com quatro pessoas e dez caixas de livros, foi a de que o dever estava cumprido: a história que eu tinha como um nó na garganta estava escrita e publicada. Naquela noite, percebi o verdadeiro sentido da expressão “dormiu como um anjo”.

Chegou o grande momento. Para mim, a atração principal do dia era o lançamento. E parecia que o estado de São Paulo inteiro sabia disso. Os jornais de Suzano e região davam como destaque na página de cultura o lançamento do romance Graduado em Marginalidade, do escritor suzanense Ademiro Alves (Sacolinha). Nesse primeiro livro usei meu nome junto com o pseudônimo. O celular não parava de tocar, e quem eu encontrasse pela rua fazia algum comentário a respeito do lançamento. Foi então que comecei a sentir o peso da responsabilidade. O lançamento estava marcado para às oito da noite, mas às sete os convidados começaram a chegar, o que não deixou espaço para eu pensar em fracasso de público. Eu havia conseguido uma verba de patrocínio, que deu para recepcionar a todos com um coquetel modesto, com vinho, refrigerante, água, ponche, salgados e frutas. As caixas de som tocavam rap, MPB e samba. Espalhei alguns sofás de 77


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três lugares pelo hall de entrada. O pessoal chegava e já se sentia em casa. Contratei o Manwilha para ficar na mesa dos livros. Eu ficava no meio do pessoal, abraçando e cumprimentando todo mundo. Já estava me sentindo um convidado. Até que alguns, que já tinham comprado o livro, me cobraram autógrafo. Autografei os primeiros ali mesmo, em pé, no meio do saguão. Quando terminei, já se formava uma fila de gente querendo autógrafos, então fui até a mesa que tinha preparado para esse fim. Só parei às onze da noite. Tinha vindo tanta gente que eu até me confundia. Dias depois, encontrava algumas pessoas na rua que eu pensava que não tinham comparecido ao lançamento, e elas batiam o pé dizendo que estavam lá sim. Depois eu olhava na lista de presença e era verdade. Essa lista me ajudou a contabilizar as pessoas presentes, apesar de muitos que chegaram depois das nove não terem assinado porque havia acabado o espaço das cinco folhas onde eu tinha feito a lista. Mas aconteceu que, apesar de 250 pessoas terem ido ao lançamento, vendi apenas 48 livros. Muitos foram para dar os parabéns, e muitos também compraram fiado, apesar de ser dia de pagamento. E desses fiados, cerca de 22, só recebi nove. Então, se eu fosse contar com os que ficaram de pagar depois, foram vendidos 70 livros. Do valor total arrecadado nessa noite, mil e duzentos reais, paguei os garçons, as mulheres que preparam os pratos e o Manwilha. Tirei cento e cinquenta reais para inteirar com o dinheiro do patrocínio e pagar o coquetel. Sobraram oitocentos reais, que era exatamente o valor que eu tinha pegado emprestado para ajudar na primeira parcela dos livros. Dali a 27 dias eu teria de arcar com uma dívida de dois mil e quinhentos reais, e tinha em casa uma pilha de caixas de livros à espera de leitores. Foi então que me lembrei de Plínio Marcos. 78


Lançamento do PRIMEIRO livro do autor, GRADUADO EM MARGINALIDADE, na Cooperifa - SP. CRÉDITO: Érica Peçanha

Na semana seguinte, coloquei trinta livros na mochila e parti para o centro de São Paulo. Meus destinos: Avenida Paulista, Vila Madalena, Pinheiros, Centro Cultural São Paulo, Teatro Sérgio Cardoso, Pinacoteca do Estado e Museu da Língua Portuguesa. Esse último, só a partir da sua inauguração, em 2006. Comecei pela Avenida Paulista, onde pensava que venderia horrores. Horrores mesmo foi o que passei. O conto “Yakissoba”, do livro 85 letras e um disparo, nasceu lá. Quem leu sabe do que estou falando. Às vezes ia só com o dinheiro da passagem. Na bolsa, além dos livros, eu levava um kit de sobrevivência: frutas e bolachas. Costumava chegar às dez da noite e ficava até o horário de partida do primeiro metrô, que, dependendo da estação, era cinco da matina. 79


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Passava pelos bares, restaurantes e pizzarias, principalmente aqueles que tinham mesas pelas calçadas. Oferecia aos que tinham cara de mais ou menos. Nunca chegava naquela mesa onde as caras não eram boas. Morria de medo de gente barraqueira e sem educação. Para conseguir uma venda, eu tinha que passar por três fases. Primeiro, conseguir abordar as pessoas, mesmo as que estavam paradas ou nas mesas (e “conseguir abordar” significa fazer com que as pessoas não fossem dizendo “não” logo de cara, sem nem saber do que eu iria falar). Segundo, conseguir a atenção do abordado (às vezes eles atendiam, mas ficavam olhando o trânsito da Paulista, as pessoas passando, ou entretidas no celular). E terceiro, fazer com que a pessoa pegasse o livro (eu estendia a obra e eles ficavam olhando, com as mãos imóveis, achando que se pegassem teriam que comprar). Nessa última fase eu imitava o Plínio Marcos, dizendo que o livro não iria morder e que não pagava para ver. Se eu conseguisse atingir essas três etapas, a venda era quase certa. Ouvia tantos “nãos” que, quando a pessoa falava sim, eu quase que dizia: “A resposta certa é ‘não’, meu senhor.” Com o tempo, fui adquirindo experiências e mapeando os lugares nos quais saíam algumas vendas. Na Paulista, na Vila Madalena e em Pinheiros só havia leitores de rótulo de cerveja. No Centro Cultural São Paulo só estudantes sem grana e alguns guardas que ficavam me rodeando. Na Pinacoteca do Estado os guardas municipais também ficavam no pé, por isso ficava mais do outro lado, onde foi inaugurado o Museu da Língua Portuguesa. Lá, apesar dos policiais ferroviários, eu conseguia algumas vendas. E era sempre aos sábados pela manhã, onde fazia fila para a entrada. Às vezes, numa tacada só eu chegava a vender cinco livros. Era muito, compensando a época em que eu passava a madrugada na rua e não vendia um livro sequer. 80


cap.06 O lançamento do primeiro livro

Mas o local onde eu estourei a boa foi o Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista. Ali encontrei um público bom e um ótimo horário de trabalho. Ia só três vezes por semana, quinta, sexta e sábado, quando tinha peça em cartaz. Costumava chegar às sete e meia da noite, porque a fila começava a formar nesse horário. Discretamente, para não chamar a atenção da administração do teatro, eu ia oferecendo meu produto. Era difícil só até a primeira venda, depois deslanchava. Às vezes eram duas peças no mesmo horário, ou uma às oito e outra às nove. Então, trabalhava lá até as nove e depois ia embora. Houve dias em que ganhei convite para ver os espetáculos, ou porque o acompanhante não ia, ou porque era estreia e a entrada era promocional, e muita gente tinha convites sobrando. Acontecia de, numa sexta-feira, por exemplo, eu vender uns oito livros, depois entrar para assistir à peça e, por fim, em vez de voltar para Suzano, ir direto para Barueri, município da zona oeste de São Paulo, onde morava minha namorada. Nesses dias, até que era bom ser escritor. Mas passei por maus bocados ali também. Uma vez sofri por três dias, que inclusive começaram no Teatro Sérgio Cardoso. No último final de semana de janeiro de 2007, saí de casa na sexta-feira para só voltar domingo à noite. Meu roteiro: iria até o Teatro Sérgio Cardoso, depois pegaria o metrô para a estação Ana Rosa, chegaria à Sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), e de lá embarcaria em um ônibus até o Rio de Janeiro, onde participaria da 5ª Bienal de Arte, Ciência e Cultura da UNE, vendendo meus livros. Quando saí de casa fazia um calor insuportável. Como iria vender livros também no Rio de Janeiro, resolvi carregar, além dos dez livros que costumava levar na mochila, mais 40, e também 20 exemplares do segundo número da revista Trajetória Literária, que eu tinha lançado em dezembro de 2006, com participação de 20 autores. Ela seria distribuída gratuitamente para a imprensa, autoridades e para quem 81


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adquirisse meus livros. Nessa época eu já tinha lançado a primeira edição do meu livro de contos 85 letras e um disparo. Acabei não levando casaco, por conta do calor que fazia, dos pacotes que tinha que carregar, e também porque iria para uma cidade quente por natureza. Fiz um pacote com os livros e as revistas, e coloquei na bolsa os outros dez livros e minhas roupas. Peguei o ônibus no meu bairro e cheguei à estação de Suzano com o pacote já ameaçando estourar, de tanto que foi apertado no coletivo. Na plataforma, enquanto aguardava o trem, arrumava o pacote, que parecia pesar quinhentos quilos. Mais tarde ele pesaria uma tonelada. Após quatro baldeações de trem e metrô, cheguei à estação Consolação e caminhei 20 minutos até o Teatro Sérgio Cardoso. Cheguei à porta e deixei o pacote desabar no chão, já arrependido de carregar tantos livros. Depois de descansar e beber água, me animei pensando que poderia diminuir o peso conseguindo uma venda razoável na fila daquele dia. Pena que só havia um espetáculo em cartaz, e ainda assim daquelas peças globais, onde o público evita até olhar para a sua cara. Não vendi nada. Para diminuir um pouco o fardo, presenteei o pipoqueiro e as duas mulheres da bilheteria com uma revista cada um. Mas o que é um peido para quem já está cagado? Não senti diferença no peso. E o pior é que agora tinha que subir até a Avenida Paulista para pegar o metrô novamente. Pensei comigo: “Vou determinado.” E fui. Para me distrair e esquecer o peso, fui contando os passos. Em certo momento da subida, calculei que a quantidade de passos percorridos poderia ser equivalente à quantidade de livros que venderia naquele início de ano. Quando não deu mais, sentei num banco do ponto de ônibus e fiquei lá, a resfolegar. Acho que já estava delirando com aquela ideia de contabilizar os passos como livros vendidos. Queria mesmo era me livrar daquele fardo. Em certo momento, 82


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pensei em distribuir as revistas para todas as pessoas que estavam aguardando o ônibus. Mas me contive. Olhei ao redor, procurando uma barraca de lanches, mas só havia lojas. O dinheiro que eu tinha precisava durar até domingo, pagando passagem, hospedagem e alimentação. Não podia fazer exageros. Depois, pensei que seria impossível não vender pelo menos uns dez livros. Aí, corri para a padaria mais próxima e forrei o estômago. Como era na região da Paulista, gastei trinta reais. Se fosse na padaria do meu bairro, teria gasto dez. Segui para a sede da UNE. Encontrei muitos conhecidos e, enquanto aguardávamos o ônibus, conheci mais pessoas. O valor cobrado para cada um que iria embarcar era de 35 reais. Pensei que para mim compensaria muito, já que a passagem do ônibus leito, que saía da rodoviária do Tietê, custava o dobro. Mas, como sempre, os ditados têm razão: o barato sai caro. Cheguei à UNE oito da noite. A saída estava marcada para as dez. Quando deu esse horário, nem sinal dos ônibus, e, para completar, caiu o céu de tanta chuva. Todo mundo ali se espremendo para fugir da água, e um monte de bolsas, mochilas e malas disputando espaço. Depois da chuva veio o frio, e na sequência a fome. Os ônibus começaram a chegar a partir de meia-noite, mas só saíram depois de duas da manhã, e ainda assim com tumulto de mais de trezentos estudantes que se acotovelavam para entrar. Como eu estava me consolando pelo dia ruim, deixei todos embarcarem e só iria se sobrasse lugar. Não sofreria mais para continuar uma viagem que já tinha começado de forma desastrosa. Por sorte, ou talvez por azar, sobraram mais de vinte lugares no último ônibus. Se eu soubesse, teria aguardado até as cinco e embarcado de volta para casa no primeiro metrô. Esse ônibus tinha sido reservado para os dirigentes da UNE

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de São Paulo. Com exceção de mim e do motorista, todos ali tinham ligação com movimentos estudantis. Quando entramos na Dutra, comecei a sentir um cheiro de mato queimando. Olhei para traz e tava todo mundo acendendo baseado. Pensei comigo: “Puta que pariu, só me faltava essa!” Que nada, tinha mais. O motorista tentou abafar aquele cheiro ligando o ar frio do ar condicionado. E eu sem casaco. Nunca passei tanto frio em minha vida, e nunca fumei tanta maconha por tabela como naquele dia. Lembro de que chegamos ao destino por volta das oito da manhã e eu parecia uma pedra de gelo. Só mesmo o calor do Rio de Janeiro para me salvar, literalmente. Mas, antes de sair do ônibus, ainda rodamos por mais uma hora até encontrar o local onde ficaríamos acampados. Era uma universidade católica, bem próxima à Fundição Progresso, onde estava acontecendo a bienal. Na universidade, aguardamos mais duas horas para liberarem as salas onde ficaríamos. Acabou que fiquei no último andar, se não me engano o décimo. Entre cada andar havia dois lances de escada, e o elevador era pequeno, só cabiam cinco pessoas por vez. Eu, sem paciência, acabei usando as escadas várias vezes. Durante o dia, me juntei a uma turma conhecida de São Paulo e fomos para a praia de Copacabana. O evento só começaria às oito da noite, e eu não tinha pra quem vender os livros. Depois da praia, embarcamos num ônibus de volta para a universidade. Meu pensamento agora estava nas vendas. Tinha que vender muitos livros, primeiro para compensar todo o sofrimento, segundo para evitar o peso na volta para casa. O acampamento universitário estava uma bagunça danada.

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O encanamento do vestiário estava entupido, e os estudantes nem aí. Os cinco chuveiros do banheiro masculino jorravam água sem parar. A cada instante a fila aumentava, e a água que inundava o vestiário também. Quando chegou minha vez de tomar banho a água já batia na canela. Em três minutos me lavei e subi para o acampamento. Arrumei os livros na mochila e fui para a abertura da bienal. Fiquei o tempo todo na porta da Fundição Progresso. O maior número de pessoas estava concentrado do lado de fora. Em 20 minutos, vendi três livros. Cheguei a pensar que a vida de escritor não era tão ruim assim, mas logo depois o povo foi entrando e lá fora só ficaram eu e uns flanelinhas. Como do lado de dentro não podia vender livros, entrei com eles na mochila e pensei em vender na encolha, mas fiquei só na intenção. Quando deu meia-noite já estava com fome e cansado. Fui até a lanchonete e comprei um lanche. Depois, não encontrando nenhum conhecido, resolvi voltar para o acampamento. Como não tinha ganhado dinheiro, não daria para me hospedar num hotel, conforme havia previsto. Então, tinha que dar um jeito de me acomodar, já que não havia trazido colchonete. A sorte é que fiz amizade com um estudante que estava indo para um baile funk, e que me emprestou sua barraca com colchonete. Ele me contou que o sonho da vida dele era ir a uma balada dessas. Ele estava muito empolgado, tanto que, depois que acordei, tomei banho, me arrumei, e o cara ainda não tinha chegado. Saí da universidade às nove da manhã, deixando a barraca dele aos cuidados de um casal que dormiu na mesma sala. Acho que ele curtiu tanto o baile que deve estar lá até agora. Eu é que saí rapidinho. Não estava disposto a ficar até o fim da noite para voltar na mesma. Então me despedi do acampamento e saí com todos os meus pertences. Saquei meu celular e liguei para o Paulo Lins. Queria encontrá-lo em Santa Teresa para dar um rolê pelo morro, distribuindo umas revistas e uns livros para os moradores. Mas o Paulo estava em viagem 85


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fora do Brasil. Então subi até Santa Teresa sozinho, e quando eu encontrava crianças logo as presenteava com leitura. Assim, quando deu a hora do almoço, só tinha mais 10 livros em mãos. Desci para a Lapa, almocei num boteco e embarquei num ônibus em direção a rodoviária. Para mim, já tinha dado. Havia vivido um fim de semana à la Bukowsky, já era o suficiente. Naquele momento o que eu queria era tirar proveito literário escrevendo algum conto sobre a viagem.

Antes de publicar o meu segundo livro, 85 letras e um disparo, eu tinha passado por uma situação muito desconfortável por conta do meu primeiro romance. Um mês depois do lançamento, em setembro de 2005, comecei a receber ligações estranhas no meu celular. A voz dizia: — Aí neguin, pode parar de vender esses livros do caraio, senão a casa vai cair. Não dei muita atenção no início, mas depois as ligações começaram a se intensificar e ficaram mais agressivas. Na última, a voz me disse: — Você tem até esta tarde pra recolher os livros. Se insistir em continuar vendendo, você vai ter as duas mãos cortadas antes de morrer... Lembro que estava no ônibus, indo para a Secretaria de Cultura trabalhar, e todo mundo olhou pra mim, quando eu disse: — Caraio, estou sendo ameaçado de morte. Cheguei à Secretaria e peguei um carro emprestado para ir até a delegacia prestar queixa. E mesmo achando que poderia ser um trote, resolvi dar visibilidade para que todos soubessem que a minha vida corria perigo. Tinha um 86


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contato com um canal de televisão via internet e dei uma entrevista. Na sequência, o Marcos Cirillo que hoje é meu assessor de imprensa, fez uma pequena matéria e colocou na internet. Segue abaixo o texto:

Escritor Sacolinha é ameaçado de morte Ademiro Alves, o Sacolinha autor de Graduado em Marginalidade, tem recebido ameaças de morte

Desde o dia 12 de setembro, o escritor Ademiro Alves, mais conhecido como Sacolinha, vem recebendo ameaças de morte. O motivo, segundo ele, é o conteúdo publicado em seu livro, o romance Graduado em Marginalidade. O autor das ligações pede para Sacolinha retirar os livros das livrarias e parar de vendê-los. Na penúltima ligação recebida na sexta-feira, 16 de setembro, às 9h45, o anônimo disse para o escritor queimar todos os livros o mais rápido possível. Sacolinha não pretendia fazer B.O. (Boletim de Ocorrência), porém, na última ligação recebida, esta manhã, às 7h32, a ameaça foi forte: “Você tem até esta tarde pra recolher os livros, se insistir em continuar vendendo, você vai ter as duas mãos cortadas antes de morrer.” O escritor deu queixa esta manhã, e quando foi 87


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interrogado sobre quem poderia estar fazendo as ameaças, respondeu que só tinha uma certeza: “Cidadão comum não pode ser.” Logo na abertura do livro podemos ler: “As situações e os personagens desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.” “Já disse e vou dizer de novo: o livro não se refere a ninguém, tudo que está nele é fruto da minha imaginação, mas parece que existe mesmo um Lúcio Tavares”, falou Sacolinha em entrevista à TV Ponto 24. Ele ressalta que não irá recolher a obra das livrarias e que seu segundo livro, que já está sendo escrito, será publicado ano que vem, sem nenhum receio. “Se estão querendo voltar à época da ditadura, então vão ter que usar uma máquina do tempo. Sou um escritor, minha função é formar leitores, e não delatar pessoas que fedem a podridão.”

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Apesar de ainda acreditar que aquilo poderia ser um trote, resolvi me precaver. Tomei várias atitudes e mudei minha rotina quase integralmente. Duas semanas depois, com a ajuda de um amigo que mexia com uma rádio comunitária e um monte de parafernálias de comunicação, descobrimos de onde vinham as ligações. Era de uma base da polícia militar no município de Itaquaquecetuba, cidade vizinha a Suzano. Dois indivíduos fardados haviam dado ouvidos para um familiar de um deles, que leu o livro e disse que eu falava mal deles. Expliquei que o livro falava da corporação policial e não de um e de outro. Assim como também falava de criminosos e traficantes. Por fim, deixei um exemplar para cada um ler e tirar suas próprias conclusões. Não sei se leram. Nunca mais me ligaram. Para se contrapor a este acontecimento ruim, um ano mais tarde soube que um usuário de drogas que estava no fundo do poço, mas que procurava largar o vício, conseguiu reunir forças através da leitura de Graduado em Marginalidade e resolveu se levantar. Seu nome é Claudio Roberto da Silva, mais conhecido como Mano Cákis, hoje coordenador do Ponto de Cultura que implantei em meu bairro. Veja seu depoimento:

Leitura do Graduado em marginalidade

Meu nome é Claudio Roberto da Silva, assim fui registrado quando nasci. Hoje atendo também pelo pseudônimo literário de Mano Cákis. Não direi que escrevo desde pequeno, seja por lazer ou por incentivo que não houve, mas lembro que o papel e a caneta sempre estiveram próximos, testemunhando meus sentimentos.

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Tive infância com direito de ser criança, de poder brincar na terra e na rua, subir em árvores, acompanhado do dever de estudar e seguir um caminho que desse orgulho àqueles que me criaram. Tinha objetivos, sonhos de me formar e poder ajudar a família, mas na curiosidade adolescente me envolvi com drogas, e o progresso da destruição em minha vida começou sem que eu percebesse, o lento suicídio. Os sonhos se foram, a identidade ia se perdendo e os objetivos não mais se concretizavam. Sem perspectivas, o fio de esperança que me restava é que teria que transformar minha realidade, pois mesmo convivendo com a morte eu não estava preparado para morrer, nem sentia atração pelo crime. Os valores e as tradições herdados de meus pais falavam mais alto, e questionava porque o sistema classifica um adicto de marginal. Precisava de ajuda, e por não saber onde encontrar eu escrevia o que sentia como forma de desabafo, protesto, desespero. Escrevia e guardava. As poucas pessoas que liam meus textos me elogiavam, mas pela falta de autoestima eu não acreditava. Tomei a decisão de salvar minha vida quando me afastei da sociedade. O sistema já havia privado minha liberdade por causa das drogas, e lá dentro 90


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percebi que a vida criminosa não era pra mim. As influências que tinha para escrever eram roteiros de filmes com os quais me identificava e as pessoas a meu redor. Percebi a mim mesmo como coadjuvante de uma história de horror dirigida pelo sistema, na qual a morte não é fictícia e onde meu personagem teria um final trágico. Certa manhã, li no jornal da cidade a divulgação de um concurso literário de contos e poesias com inscrição gratuita, aberto a todo território nacional, coordenado pela Associação Cultural Literatura no Brasil em parceria com a prefeitura de Suzano. Decidi participar. Segui as complicadas instruções do regulamento e entreguei o envelope com meus textos e dados pessoais no local indicado. Passado algum tempo veio o resultado, e fui selecionado em sétimo lugar para sair na revista Trajetória Literária, que divulga novos escritores e poetas, e isso foi muito bom para mim. Não lia os clássicos, minha leitura era de rua, passei a fazer a leitura da minha, e quando me deparei com Graduado em Marginalidade a identificação foi total. Minha trajetória mudou a partir daquele momento. Encontrei ali o que precisava: um direcionamento. O livro trazia os conflitos humanos de um morador da periferia vivenciados 91


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pelo personagem Vander, outrora Burdão, com uma postura de resistência diante do sistema que pressiona alguns a entrar no crime, corrompendo e discriminando, e isso me trouxe identificação naquele momento, pois eram conflitos que eu vivia, em um cenário que eu habitava. Além da leitura do livro Graduado em Marginalidade, que contribuiu na transformação da minha realidade, pude também conhecer seu autor, o escritor Sacolinha. Desde então, passei a mostrar meus escritos, frequentar saraus e perceber que minha produção é arte, é literatura. Hoje contribuo com outros escritores que têm como arma a palavra, o verbo e a contestação, somados à força arrasadora da liberdade de expressão, escrevendo a verdade não em textos jornalísticos, mas poeticamente resgatando tradições e valores, para colher humanidade. Por meio da literatura, transformando outras realidades. Obrigado ao escritor Sacolinha. Salve Graduado em Marginalidade. Mano Cákis, escritor e poeta Autor do livro Não temos muito tempo 92


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Publiquei meu segundo livro em agosto de 2006, mesmo ano em que entrei na Universidade de Mogi das Cruzes para cursar Letras. O assunto “universidade” será pouco comentado aqui, por não ter me atraído tanto e por contribuir muito pouco com minha trajetória. Confesso que nem senti os três anos que passei por lá. Também não era o que eu esperava. Se soubesse, teria escolhido o curso de História. Apesar de não dar muita importância, me orgulho de não ter ficado em dependência em nenhuma matéria, fui passando de semestre a semestre como faca quente na manteiga. Havia sido assim também no 1º e no 2º grau da escola pública. Passei pelos onze anos sem repetir uma matéria, e olha que nessa época ainda não existia a aprovação automática. Quanto ao livro, a ideia inicial era fazer uma obra com os contos escritos entre 2003 e 2005. Mas não queria colocar muitos textos. No máximo quinze, para o livro ficar com poucas páginas e mais em conta. Eu estava embalado pela experiência adquirida como vendedor de livros na rua. Então, fazendo um livro com poucas páginas e mais barato, seria mais fácil de vender. Por outro lado, eu queria fazer uma obra com qualidade gráfica, não igual à primeira, para a qual a editora terceirizada fez um serviço inferior. Queria uma boa revisão, uma capa que chamasse a atenção, uma diagramação que de fato se parecesse com a de um livro e que, se possível, pudéssemos — eu e editora — trabalhar juntos na divulgação. Estava preparado para trilhar um extenso roteiro atrás de uma boa editora. Mas não foi necessário. Descobri aqui mesmo em minha cidade a editora Ilustra. Ela existia desde 2003, mas publicou seu primeiro livro no início de 2006. 93


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Conversei com eles sobre minha intenção. E eles disseram o que era possível de se fazer. A obra 85 letras e um disparo saiu em agosto, com tudo o que eu havia imaginado. Bela capa fosca, papel pólen daquele amarelinho, revisão de primeira e ótima diagramação. Só a parte financeira é que foi a mesma coisa de outras editoras, pois o dinheiro todo saiu do meu bolso. Fizemos mil exemplares, que saíram por sete mil reais. Ou seja, sete reais por livro. Isso significava que eu poderia vender cada exemplar a dez reais, diferente do primeiro, que eu vendia a quinze, já que o custo unitário havia sido dez reais.

Capa da primeira edição do livro de contos 85 letras e um disparo.

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CRÉDITO: Arquivo Pessoal


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O lançamento aconteceu no dia 8 de agosto de 2006, um ano após o lançamento do meu primeiro livro e um dia antes de eu completar 23 anos. Lembro me de que ainda consegui 700 reais de patrocinadores para fazer um coquetel com vinho, refrigerante, água, frutas e amendoins de todo tipo, que deu para as trezentas pessoas presentes. Tenho a filmagem desse lançamento em meus arquivos. Quando surgir a oportunidade vou editá-la em um documentário. A parceria com a editora Ilustra incluía ainda divulgação, distribuição nas principais livrarias e tentativa de venda para o governo. Mas, em janeiro de 2007, aconteceu um fato que fez com que a parceria entre editora e este livro, especificamente, acabasse. Eleilson Leite, da Ação Educativa, ONG articuladíssima em São Paulo, me ligou em dezembro de 2006 dizendo que tinha uma surpresa. Ele havia levado para a Global Editora uma proposta de publicação de cinco autores da periferia: Sacolinha, Sérgio Vaz, Alessandro Buzo, Dinha e Allan da Rosa. A ideia inicial era que a Global publicasse uma antologia com esses autores. Mas o seu Luiz, dono da editora, olhou aqueles nomes todos e falou ao Eleilson: — Pô, mas esses meninos são conhecidos. Por que não fazemos logo um livro de cada um? Foi então que o Eleilson ligou para os autores dando a novidade do ano-novo. Quando falou comigo, de imediato eu disse que estava dentro. Muitos autores da periferia dizem não querer entrar em uma editora comercial, porque preferem ser independentes. Esses mesmos autores querem incentivar a leitura, chegar às comunidades e virar referência para os moleques. Então não seria melhor entrar numa editora que vai ter estrutura para enviar sua obra para as livrarias, divulgá-la em feiras e bienais, e com isso fazer seu nome e te transformar em referência? Até porque, escritor não é livreiro. Quem deve vender livros é a livraria. 95


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Eu sempre disse que, na primeira oportunidade que tivesse, assinaria contrato. E foi o que eu fiz. No dia 5 de janeiro nos reunimos com o seu Luiz, da Global. Nós, os autores, estávamos um pouco cabreiros, achando que seriam colocadas um monte de regras que nos deixariam engessados com a editora. Eu olhava para o Sérgio Vaz e via aquela cara de marrudo, que me fazia rir à beça. Por minha vez, já cheguei de peito empinado, querendo mostrar que o maior interessado ali não era eu, mas sim a editora, e que tanto fazia se fechássemos contrato ou não. Alessandro Buzo, Dinha e Allan da Rosa fizeram um monte de perguntas quanto aos direitos autorais, valor de capa, se os livros chegariam à periferia etc. Seu Luiz é aquele cara de cabelo branco, cigarro na boca e todo bonachão. Disse que podíamos ficar tranquilos, que não iriam fazer nada sem o nosso consentimento e, devido a uma reclamação de nossa parte, ainda reduziu o tempo de contrato de sete para cinco anos. O Eleilson, nosso empresário-sonhador, deixou a gente livre para escolher qual livro cada um iria enviar, inédito ou não. Eu queria escolher o Graduado em Marginalidade, mas o Marcelino Freire havia me garantido que esse romance entraria na coleção LêProsa, da editora Ateliê Editorial. Então sentei com os editores da Ilustra e expliquei a situação. Pedi para que ignorássemos o contrato e fizéssemos uma negociação amigável. É que, mesmo eu tendo bancado todo o custo do livro, a editora tinha dedicado tempo e disposição para a obra, pois acreditava, e muito, no sucesso dela. Desfeito o contrato, peguei todos os exemplares que estavam em poder da editora. Agora tinha comigo cerca de 600 livros. A publicação dos autores pela Global editora estava prevista da seguinte maneira: em março, Colecionador de pedras, do Sérgio Vaz; em abril, Guerreira, de Alessandro Buzo; em maio, 85 letras e um disparo, de minha autoria; em junho, Vão, de Allan da Rosa; e em julho, De passagem mas não a passeio, de Dinha. 96


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Como meu livro estava programado para o mês de maio, eu tinha cerca de quatro meses para vender os 600 exemplares. Dividi esse total de livros por 122 dias. Precisava vender cinco exemplares por dia, contando sábados, domingos e feriados. É lógico que eu não iria conseguir, mas preferi acreditar que sim, afinal é por viver dessa forma que consigo conquistar muitas coisas. Pra ajudar nas vendas, reduzi o valor de quinze para 10 reais e, no primeiro mês, além das portas dos teatros, resolvi ir a tudo quanto fosse evento cultural. Já chegava com o livro na mão, oferecendo, tipo fim de feira mesmo. Aonde eu ia, os livros iam junto na mochila. Na faculdade, no trabalho e, sobretudo, nas palestras e oficinas que eu ministrava. O cronograma acabou atrasando, e meu livro, que era para maio, só seria lançado em novembro. Com esses quatro meses de atraso, acabei ganhando mais tempo para vender os livros. Quando chegou a edição feita pela Global eu tinha somente 30 livros da primeira edição, que doei para as bibliotecas comunitárias da região do Alto Tietê. O lançamento da segunda edição aconteceu no dia 26 de novembro, na livraria Nobel do Shopping Center 3, na Avenida Paulista. Em termos de público, esse não foi igual aos lançamentos que promovi em minha cidade, onde todo mundo ia, de favelado sem dinheiro a empresário da Gyotoku e da Suzano Papel e Celulose. Ao lançamento da Avenida Paulista foram cerca de 70 pessoas. Mas era gente que vinha de vários lugares, zonas sul, leste, oeste e norte, Vale do Paraíba, ABC e Alto Tietê. Lembro que meu tio, o padre Arlindo, saiu lá do Parque São Lucas de batina e tudo. Minha família veio quase completa, avô, avó, tios, tias, mãe, irmã e primos. O prefeito da cidade de Suzano, Marcelo Candido, também compareceu. Foi uma noite de muitas surpresas. 97


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Ah, é bom lembrar que uma semana antes eu tinha ido ao Programa do Jô, na Globo, e um mês antes eu havia sido matéria da revista Época. Esses dois veículos serviram para colocar em evidência aquilo que eu já vinha fazendo há tempos. Foi engraçado perceber que centenas de pessoas que já me conheciam só ficaram sabendo do meu trabalho de escritor e de incentivador da leitura depois que me viram na televisão. É muito ruim ser valorizado só a partir desse momento. Quantos artistas e líderes de bairros deixam de ser reconhecidos por não terem um espaço na mídia? Passados quatro anos, a coleção Literatura Periférica continua viva. O rapper GOG teve seu livro lançado por lá, e o Sérgio Vaz assinou um novo contrato para outro livro. Sei que estão em processo algumas negociações para lançar outros autores. Nós, publicados na primeira leva, estávamos bem empolgados por sair em uma editora com toda uma estrutura de distribuidoras e livrarias. Hoje, estamos bem mais tranquilos em relação às expectativas. De minha parte, acredito que meu livro se igualou às obras dos escritores nacionalmente conhecidos no sentido de tiragem e vendas. É raro hoje em dia, no Brasil, uma editora lançar cinco mil exemplares da primeira edição de um livro. O padrão está entre dois e três mil, e a vendagem, após a época do lançamento, é de cerca de 20 a 50 livros por mês. Sei muito bem que livro não é vendido como banana na feira, e que em muitos momentos eu vendo mais livros meus numa palestra do que uma livraria vende num mês. Mas essa é a realidade.

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cap.06 O lançamento do primeiro livro

Capa da SEGUNDA edição do livro de contos 85 letras e um disparo. CRÉDITO: Arquivo Pessoal

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Sacolinha no Programa do Jô, em 2007. CRÉDITO: Arquivo pessoal

O autor junto com seus amigos e familiares no lançamento da segunda edição de 85 letras e um disparo. CRÉDITO: Arquivo pessoal


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Palestras nas escolas e a formação de público leitor

O ano de 2008 marcou o início de um trabalho sério no incentivo à leitura e na busca por um público leitor de minhas obras. Sempre acreditei que os leitores de Jorge Amado eram dele, e os leitores de Clarice, Drummond, João Antônio, Plínio Marcos e Saramago eram somente de cada um deles, e ponto. Eu não teria esses leitores para mim. Então, resolvi conquistar meu público. Investi na ideia das palestras em escolas. Já tinha dois livros na rua e um monte de participações em antologias e coletâneas, mas não via ninguém chegando até mim para perguntar: — Pô, e aí, quando sai seu próximo livro? Tô louco pra ler. Então, resolvi investir pesado. Mapeei as escolas de Suzano e região e fiz um cronograma pelo qual visitaria três escolas por semana. Em cada unidade eu pretendia falar para cerca de duzentos alunos. Sabia que não seria tão proveitoso para todos, mas se trinta por cento absorvessem já estaria ótimo. 101


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A meta era visitar cem escolas em nove meses, o que daria cerca de vinte mil alunos. Como sempre, levei meus projetos muito a sério, não perdi tempo. Logo após o carnaval comecei a me articular. Como já tinha desenvolvido muitas atividades em escolas, sabia que não bastava chegar, bater na porta, entrar e falar com a molecada. Portanto, primeiro fiz contato com os profissionais que eu conhecia: diretores, professores, coordenadores pedagógicos e até inspetores. Quando me dei conta, já estava dando mais de três palestras por semana, e o legal é que muitas escolas estavam me chamando. Isso aconteceu porque alguns professores davam aula em mais de uma escola, e então pediam para eu ir à outra unidade. Além disso, vários docentes, que há tempos me procuravam para que eu desse uma palavra aos alunos, aproveitaram o projeto e me convidaram. Confesso que em muitas escolas eu era chamado mais por estar na mídia do que por conhecerem meus livros ou minha trajetória literária. Era aí que eu dava o bote. Chegava recitando poesia, tomando caminhos que eles nem imaginavam. Depois, contava a minha trajetória e impressionava. No fim, muitos vinham pedir autógrafo, abraçar, tirar foto, e o melhor de tudo, pegar meus contatos. Digo que era a melhor parte porque esses sim estavam interessados em meu trabalho. Pegar os contatos significava não só telefone e e-mail, mas meu blog, meus vídeos no Youtube, onde poderiam me encontrar para adquirir meus livros etc. Tinha escola em que o professor ou coordenador responsável circulava comigo pelos corredores e salas. Eu pensava que era para eu conhecer a unidade, mas depois fiquei sabendo que estavam querendo mostrar que tinham amizade com um cara que tinha ido ao Programa do Jô, ao Metrópolis, que tinha saído em revistas e jornais e mais um monte de coisas. Eles abriam a palestra assim: — Pessoal, como vocês já sabem, esse aqui é o Sacolinha, que já foi no Jô e vira e mexe está nos jornais. 102


cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Em nenhum momento falavam dos meus livros ou que eu era escritor. Por isso é que depois eu tinha que dar o bote, chamando-os para a realidade e para os meus escritos — afinal, eu estava lá para isso. Na maior parte das escolas eu acabava fazendo duas palestras, uma para os alunos e outra para os professores, pois sempre que acabava meu bate-papo com o primeiro grupo aparecia alguém dizendo que a escola havia preparado um coffee break para mim. Quando chegava à sala dos professores, de fato havia uma enorme mesa com comes e bebes me esperando, junto com vários professores. Como ainda era horário de aula, era inevitável eu não pensar numa coisa: será que ficou algum professor dando aula? Parecia que todos os docentes estavam ali. Todos me olhavam de cima a baixo, aguardando minha reação. Eu ficava sem graça. Até tentava fazer umas piadas para desviar a atenção. Aí tomava um café, comia um biscoito. Havia momentos em que eu precisava pedir licença para ir ao banheiro, pois eram tantos olhos na minha direção que eu não sabia o que fazer. Uma vez, quando voltava de uma dessas escapulidas no banheiro, ao chegar à porta da sala ouvi um professor comentando: — Eu preciso tirar uma foto com ele de qualquer jeito, se eu não tirar quem é que vai acreditar que eu conheci o Sacolinha, que já foi até no Jô. Era por essas e outras que eu procurava contar um pouco da minha carreira também para os professores, para não ficar só naquilo de eu ter ido à televisão e tal. Mas nem sempre era assim. Houve escolas em que ninguém me conhecia nem tinha ouvido falar de mim. Numa dessas, que fica no município de Poá, eu tinha fechado uma palestra por intermédio de um professor que deu aula ali. Ao chegar lá no dia e horário marcados, quase ninguém sabia da palestra. A pessoa que me recebeu foi tão indiferente 103


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que achei que estava na escola errada. Levaram-me a um pátio com trezentos alunos, sem microfone e sem água. Os alunos nem sabiam o que ia acontecer. Então, comecei agradecendo antecipadamente a atenção deles, o espaço da escola e a todos os professores. Disse ainda que eles eram privilegiados por estudarem num local onde a direção abria espaço para escritores, como eu, falarem de literatura, coisa que nem em escola particular existe. Nesse instante, ouvi alguns se queixando, porque não gostavam de literatura. Mas fingi não ouvir, e fui conquistando a todos com essas primeiras falas. Como não tinha microfone, eu caminhava entre eles, falando com desenvoltura e sem formalidades. No meio da palestra fiz uma performance recitando meu poema “Sedução”, uma homenagem às periferias:

Sedução

Tu que me violenta o coração Que acolhe as tristezas, decepções e felicidades Que continue aqui o vosso reino A noite quando vem, cai sorrateiramente Junção perfeita igualada a mistérios Eita lugarzinho cheio de surpresas O poste é drive-in E o muro do terreno baldio oculta os sussurros recitados pelo tesão A sua moda é clássica, obsoleta Não há dias determinados para as suas traquinagens Terra batida, concreto e asfalto A guia separa o tímido do indiscreto Chão pisoteado por pés que carregam angústias E a nossa segurança, hein? 104


cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

A nossa segurança é a pilha para o maléfico Bifurcações, esquinas e rotatórias Espaços que dão nome a este texto Você seduz povos e culturas Quero te possuir, mas a sua sensualidade é bruta De dia, reflete a ternura de pessoas ingênuas e sem pecados À noite, os ônibus descarregam corpos doloridos e rostos envelhecidos pelo cansaço Na madrugada, botecos vomitam mormaços de felicidades Bocas sem dentes, pés judiados e mãos ignorantes Barrigas crescem surtindo efeitos irreversíveis Sobrenomes multiplicados na rabeira de outras famílias Nicotina? É combustível, remédio para o nervosismo Cabeças infantis querem se sentir grandes Abraçam com os dedos a morte lenta A chuva, quando protagonista principal da cena Acalma o seu fogo Fogo que produz suor e lubrifica as suas entranhas Devido ao grande atrevimento e ousadia Você ganhou diversos pseudônimos Favela, subúrbio, gueto, periferia Mas sem dar ouvidos ao que dizem Estou totalmente possuído Embriagado com seu cálice de vinho sedutor Sou mais um dos seus fantoches Estou dominado feito boneco de ventríloquo... Pelas suas mãos calejadas de sedução.

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Ao terminar, ouvi gritos, assovios e muitas palmas. Aproveitando esse clima, perguntei se em algum momento da vida deles eles já tinham aplaudido uma poesia. Ficaram se olhando, como se estivessem refletindo. Aí, falei que aquilo era literatura, e que muitos de nós dizem não gostar daquilo que não conhecem. E que só não gostamos porque ninguém apresentou para a gente de uma forma interessante. E fiz uma comparação baseada na fala do Ariano Suassuna, quando eu o trouxe para Suzano. “Dizem que cachorro só gosta de osso. É mentira! Ele gosta de osso, sim, mas prefere o filé. Coloque os dois à disposição dele e verá em qual avança primeiro. Nós, seres humanos, somos a mesma coisa. Apresentam somente o que é osso pra gente que é da favela, da periferia, que somos negros, homossexuais, prostitutas e nordestinos. O filé fica para os que têm poder aquisitivo melhor ou que têm influência. Então, tudo o que é osso cai nas mãos dessas pessoas: educação ruim, saúde em calamidade, casas em áreas de risco, lazer de quinta categoria, música ruim, filme só hollywoodiano, e literatura, então, nem pensar. Percebam e reflitam que muitos de vocês, no início da minha fala, disseram não gostar de literatura, mas quando apresentei de forma diferente uma poesia, todos, absolutamente todos, aplaudiram. E sei que não foi por embalo ou generosidade, foi porque só conheciam a literatura engessada, dada aqui nesse lugar, que infelizmente só fala do arcadismo, dadaísmo e não traz nenhuma referência pra vocês ou mesmo que possa ser útil. Aplaudiram porque acabaram de conhecer uma literatura feita por um cara negro, que anda de calça larga e gingando, e é igual a vocês. Foi por isso que vocês aplaudiram.”

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cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Na sequência, abri para perguntas, e foi aí que a indiferença do corpo docente mudou da água para o vinho. Um dos alunos disse que me conhecia, que já tinha me visto na televisão. Outro aluno desconfiou, achando que o colega estava querendo aparecer, e perguntou em que lugar ele tinha me visto. Ao que o outro respondeu: — No Manos e Minas, da TV Cultura. Aí, falei sem pretensão que tinha ido em outros programas, como Provocações, Jô, Metrópolis etc., e que essas entrevistas podem ser vistas no Youtube buscando as palavras “Escritor Sacolinha”. Os alunos se empolgaram e fizeram várias perguntas. E o final foi igual ao das outras escolas: fotos clicadas de celulares, autógrafos, contatos e promessas de compras de livros. A única coisa que me surpreendeu foi o batalhão de professores que se formou para pegar autógrafo, me cumprimentar e perguntar como é ser entrevistado pelo Jô. Queria ter respondido assim: — Bom, ele faz as perguntas e o entrevistado responde. Mas, para evitar constrangimentos, acabei fazendo uma piada: — Acho que vocês deviam era perguntar ao Jô como é entrevistar o Sacolinha. Eles caíram na risada. Outra vez, a professora e escritora Maria Cristina Aro, moradora de Suzano e que dá aulas em Guaianases, me convidou para dar uma palestra na escola Euzébio Rocha Filho. Ela me disse que o bicho estava pegando nessa unidade, que os alunos não tinham perspectivas de futuro, não confiavam em ninguém e que professor nenhum parava ali. Ela queria que eu fosse lá e mostrasse que existe uma luz no fim do túnel. 107


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Eu disse que não era mágico para tentar reverter uma situação em estado avançado, criada pelo próprio Governo do Estado. Mas que iria pela militância literária e porque nunca negara convite para palestras. Quando cheguei à escola, de cara senti o clima. O diretor, em vez de me desejar boas-vindas, foi logo me pedindo desculpas pela situação que eu iria enfrentar com os alunos. A professora Maria Cristina não poderia me acompanhar, pois também dava aula em uma escola ao lado. Ela achou que algum funcionário da unidade me acompanharia, mas nem mesmo os dois professores das duas salas liberadas para a palestra quiseram saber de participar. Pouco mais de um mês antes eu tinha chamado o Mano Cákis para me acompanhar nas palestras e ir pegando as manhas de lidar com o público, já que mais tarde ele também faria as dele. Nesse dia ele estava comigo. A escola ficava em um terreno acidentado, de modo que foi construída em andares. A palestra aconteceu num auditório do subsolo. Chegamos antes dos alunos, arrumamos a mesa e ficamos aguardando. O lugar estava quente. Eu e o Cákis já estávamos achando que eu iria prestar um desserviço literário para aqueles adolescentes. Em certo momento, por conta da quantidade de grades, achei que estava na Fundação Casa, aguardando os internos chegarem para a aula do dia. De repente, ouvimos um barulho característico de escola vindo lá de cima, descendo as escadas, e aí começaram a entrar numa bagunça desenfreada. Como eu havia sido convidado por uma amiga, imaginei que ela tinha feito um bom trabalho explicando aos alunos o que seria aquela atividade. Mas, enquanto eles entravam, eu ouvia perguntas do tipo: — O que vai acontecer aqui? — Vai ter teatro? 108

— O que vão vender dessa vez?


cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

A algazarra era total. Percebi que teria de surpreendê-los para conseguir atenção. Subi para a plateia e sentei em meio aos alunos. O Cákis fez uma fala de abertura conforme combinamos, mas quase ninguém o ouviu. Quando ele deu a deixa, comecei a recitar o poema “A noite te convida”, de minha autoria:

A noite te convida

África mãe, Brasil filho O leite do mundo habitou as suas tetas Mamilos perfeitos acalentados de açoite Seu ventre sempre foi livre Gerando toda a história desse universo mal-agradecido Se ser mãe é dádiva de Deus Então a África é o berçário onde Ele nasceu Suas crianças, dotadas de grande picardia Lançaram ao mundo variadas culturas A noite recente traz o eco da trilha sonora daquele tempo Tambores confeccionados pelas mãos arquitetas do mundo Metralhadoras, fuzis e armas químicas Deitarão no seu colo para dividir o espaço com as rosas vermelhas E os amores não correspondidos se contentarão ao seu lado Corações sujos que me lembram as pedras Hipérbole da herança maldita, que umedece e goteja em pequenos ventres Multiplicando, assim, a desgraça e malvivida vida 109


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Vida que alimenta a feijoada, vida que swinga o carnaval Vidas de mãos feridas que tocam os instrumentos... Umbanda, candomblé Tragam-me a garrafa com o líquido da cultura nordestina Vou me embriagar desse sincretismo puro e natural Noite! Termo abstrato que absorve o sentimento africano África mãe, África pai, África Sinônimo de negro Ovaciona o seu hino de raiz E que a recitação voe até a audição desses espíritos maléficos Âmago sem cultura África! Sou larápio de cena Que cutuca a sua bonança, com palavras egocêntricas Venha mãe, dance comigo o batuque atual Porque nas nossas festas noturnas, a sua entrada é franca Então ginga, o batuque atual E que cada gesto teu, tenha um pedaço de desdém Venha, mãe, pois a noite te convida pra dançar.

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cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Comecei ali mesmo, sentado, de cabeça baixa e sem microfone. Depois fui levantando e andando por entre as cadeiras. Alguns riam, outros comentavam cada verso tirando sarro, e uns poucos prestavam atenção. Ao terminar o poema fui aplaudido por todos, mas após as palmas eles retomaram a bagunça e não queriam parar mais. Pedia calma e atenção, e eles nem aí. Eu me sentia um professor querendo iniciar a aula em meio a uma algazarra sem fim. Então, tive uma ideia salvadora. Deus dá um dom e algumas coisinhas a mais para a gente se virar na vida. Peguei o microfone e comecei a fazer um beat box meio capenga. Um a um, todos os 80 alunos, da primeira à última fileira, começaram a prestar atenção e ficaram admirados com o bumbo e a caixa que saíam no microfone. Sem perder tempo, fiz uma cara de mau, engrossei a voz e falei: “Na moral, aqui quem tá falando não é nenhum moleque. Eu sou vocês, mas só estou aqui porque resolvi encarar a realidade e dizer não ao que nos oferecem. Se não tivesse tomado essa atitude terminaria igual muitos de vocês irão terminar. Não vim aqui pra vender curso de informática e nem de inglês. Vim aqui pra dar um testemunho, um depoimento de alguém que foi salvo pela literatura, se não fosse ela eu estaria a sete palmos abaixo de terra.” O silêncio era total. O Cákis sorria por dentro, e o inspetor que estava na porta ao lado de fora ficou pasmo com aquela disciplina dos alunos. A palestra durou uma hora e meia. Foram 30 minutos de fala, uns 20 minutos interpretando uma poesia em conjunto e mais 40 minutos de perguntas dos alunos. Depois ainda teve sessão de autógrafos nos marcadores de página que o Cákis distribuiu.

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PALESTRA NA ESCOLA ESTADUAL EUSÉBIO ROCHA FILHO - GUAIANASES - SP. CRÉDITO: Mano Cákis

PALESTRA NA ESCOLA ESTADUAL BARTOLOMEI - SUZANO - SP. CRÉDITO: Landy Freitas


Palestra NO Colégio Magister - SP. CRÉDITO: Landy Freitas

PALESTRA NA ESCOLA ESTADUAL ANTONIO BRASÍLIO - SUZANO - SP. CRÉDITO: Landy Freitas


Palestra para os alunos da rede municipal de Passo Fundo - RS. CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL



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Uma situação semelhante ocorreu na escola Joviano Satler, no Jardim Colorado, em Suzano. Eu e o Francis Gomes, escritor, poeta e cordelista, fomos convidados para recitar poesia no Festival de Cultura que acontece nessa unidade todos os anos. Quando a gente chegou, estava rolando a apresentação de uma banda de rock. Disseram que nós seríamos os próximos a subir ao palco. Olhei para o Francis e ele entendeu de imediato. Um monte de jovens e adolescentes curtindo rock e logo depois entra poesia. Ia ser um fracasso total. Chamei ele de lado e combinamos de cada um sair de um canto. Quando eu terminasse a minha poesia, ele entrava com a dele. E assim iria, até que no fim ele terminaria com um cordel. A banda encerrou e o público ficou pedindo “mais um”. Para a gente seria melhor se a coordenação do festival tivesse deixado os caras mais um pouco, porém o apresentador falou que não dava, porque iria ter apresentação de poesia. Isso quebrou nossas pernas. Até quem gosta de poesia ficaria puto de ter que parar um show para ouvir poesia. O cara nos anunciou, sob os protestos da plateia: — Com vocês, Sacolinha e Francis Gomes. Pensei: “Caralho, com essa apresentação vão achar que somos uma dupla de forró.” Retomei a concentração e fui recitando a poesia “Células de uma canção”.

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cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Células de uma canção

Eis aqui, a pedra no sapato, bem no meio da palmilha do engravatado, tô sabendo que pego firme, mas motivo sempre tive no país falta emprego, luz, água, aquela que quando chove sem pedir licença invade as casas na minha escrivaninha, que é a mesa da cozinha eu escrevo, escrevo sobre o mendigo que usa a calçada como colchão sobre o moleque de rua que por causa de um saco tem várias alucinações cachorro de madame vive melhor que eu nascer no berço da miséria não é só um problema meu é triste saber que a vida é frágil de ser vivida apenas um disparo, bum, já era, a alma está despedida em meu computador, que é a caneta haja tinta pra escrever da inocência de quem chupa chupeta não sou Nostradamus, não sei o futuro mas o que esperar desse nosso mundo? Pra mim tem três drogas liberadas no meio da população, 117


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o dinheiro, o aparelho televisor e a falta de informação com o controle remoto você pensa que domina a TV tá enganado é ela que domina você ouvindo essa bomba de palavras o que você me considera um cabeça pensante ou cientista da favela Casa dos Artistas é ibope outra vez artistas somos nós que sobrevivemos com um salário mínimo por mês a minha inspiração é outra não é a quadrada Quarto de despejo – Diário de uma favelada talvez desse signo saia uma solução significado e significante das células de uma canção. Durante a apresentação subi numa cadeira, pulei, ginguei, fiz gestos enérgicos e andei em meio ao público. Parecia um pastor em êxtase no palco da igreja. Quando terminei e o público começava a aplaudir, entrou o Francis recitando sua poesia intitulada “Meu Brasil”.

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cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Meu Brasil (Francis Gomes)

Sou um cidadão comum Como muitos, infeliz! Também não sou um poeta O pessoal é que diz Mas por viver revoltado Com o peito machucado Vou falar do meu país Nunca vi país tão rico Quanto a pátria brasileira Faz pena muitos políticos Só sabem fazer besteira Por isso nosso lugar Quem vive a trabalhar É cachorro sem coleira Meu Brasil, eu te pergunto: De todo meu coração Sobre esta tua lei Chamada constituição, Que só dá direito aos ricos Como se não existisse Pobre em tua nação Estes teus representantes São pessoas muito rudes Ouvem, mas não entendem Minhas palavras são mudas Por isso que teu progresso 119


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Está sempre em regresso É sempre o mesmo e não muda Meu Brasil porque será? Que você é deste jeito Tudo existe de bom Só os ricos têm direito A um tratamento nobre, Enquanto trata teus pobres Sem carinho, sem respeito. Meu Brasil, vê se acorda! Enfrenta a realidade Os pobres também precisam Viver com felicidade Vê se muda e transforma, Tuas leis em uma norma Que sirva a comunidade Desperta pátria criança De céu azul como anil Acorda pequeno jovem De coração varonil Mostra que é guerreiro Vem defender seus direitos Nas ruas do meu Brasil Esquece que você é, Uma pessoa gentil Vem mostrar para o mundo A tua face hostil 120


cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

Vem proclamar a verdade Desmascarar os covardes Políticos do meu Brasil Meu Brasil peço desculpa; Por falar de ti ruim Sei que você não tem culpa De tudo que fazem a mim Mas os teus representantes Teus políticos ignorantes Fazem-me pensar assim. Nessa hora, já havíamos conquistado todo o público, dava para ver a cara de contemplação deles, a sensação do dever cumprido da pessoa que nos convidou, e os inúmeros celulares em direção à gente filmando nossas poesias. Depois, recitei a poesia “Qual a pauta do futuro?”.

Qual a pauta do futuro?

Ontem escrevi; escrevi sobre pipa, bolinha de gude, pique-esconde, histórias em quadrinhos, minha mãe me dando bronca e minha avó me levando pra passear. Escrevi sobre futebol, skate, capoeira, carrinhos de rolimã, desenhos do picapau... Escrevi a infância. Hoje estou escrevendo; escrevendo sobre catástrofe familiar, falta de educação e comida; gravidez precoce, violência, político que rouba enquanto a senhora cata latinha... Escrevo sobre alguns problemas da atualidade. 121


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Amanhã vou escrever; escrever sobre a falência da sociedade, gente comendo gente, mulheres assaltando os bancos e sobre a revolta do meio ambiente. Irei escrever sobre a falta de água enquanto os Estados Unidos invadem o Brasil em busca do conteúdo do pré-sal... Escreverei o inferno. Será que meus netos irão escrever sobre a natureza? No mesmo ritmo veio o Francis, com seu cordel, para a gente terminar em alto astral. Como sempre, o povo riu muito das aventuras nordestinas narradas em literatura popular. Nossa apresentação foi uma das melhores. O público só não levantou para aplaudir de pé porque todos já estavam de pé. E acreditem, pediram “mais um”. Então fizemos nosso tradicional pot-pourri literário, onde cada um recita dois ou mais poemas pequenos. Por fim, acabamos fazendo mais sucesso que a banda de rock.

Finalizei o ano de 2008 tendo quase alcançado a meta. Visitei 107 escolas, e em média falei com 150 alunos por unidade. Se não errei em minhas anotações, cheguei a atingir um público de 16 mil pessoas. Foi cansativo demais, porém muito recompensador. Hoje, sinto o resultado de toda essa maratona. Não parei com esse projeto, só desacelerei. Pretendo continuar por muitos anos ainda, até porque, mesmo com todos os problemas da educação em nosso país, acredito que a escola é o único lugar onde encontramos centenas de adolescentes ainda em processo de formação de opinião e de caráter. Se você desenvolve um trabalho cultural ou social e pretende 122


cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

disseminá-lo, então corra para as escolas, porque ainda dá tempo de colocar alguma coisa na cabeça deles.

Foi nesse ano também que eu, mesmo não sendo dois, pude desenvolver dezenas de projetos ao mesmo tempo. Estava com 25 anos. Fui convidado pela Secretaria de Agricultura do município para pensar num projeto de incentivo à leitura para os cidadãos que almoçavam no restaurante popular da cidade, um projeto do governo federal em parceria com a prefeitura de Suzano, que oferece almoço pelo preço de um real. O convite foi feito porque muitos idosos e moradores de rua começavam a chegar à porta do restaurante por volta das nove horas da manhã. Os portões só abriam a partir das onze. Nesse intervalo eles não faziam nada, a não ser conversar. O Edgar Willians, um dos diretores da Secretaria de Agricultura, foi quem me fez a provocação. Convoquei os soldados da associação e, duas semanas depois, lançamos no restaurante o projeto “Apetite Literário”. Montamos uma biblioteca no espaço e estimulamos uma troca, na qual os frequentadores traziam um livro que tinham em casa e trocavam por outro. Para os que não possuíam livros, como os moradores de rua e os catadores, a gente facilitava o empréstimo. A dinâmica do empréstimo funcionava também durante a espera para o almoço. Eles pegavam os livros e ficavam com eles na fila, alguns lendo, outros folheando e vendo as figuras. Prestei serviço voluntário neste projeto durante três meses. Chegamos a ser premiados com o troféu Josué de Castro de Combate à Fome, e o projeto Apetite Literário representou um grande diferencial por tentar combater a fome de cultura, já que a gente não quer só comida. Hoje, passados três anos, apesar de tímido, o projeto ainda existe.

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"Apetite literário", projeto de incentivo à leitura dentro do Restaurante Popular de Suzano - SP. CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL



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Esse ano de 2008 foi realmente um momento de muitas atividades. Não bastasse conciliar meu trabalho na Coordenadoria Literária com o projeto no restaurante e a maratona de palestras nas escolas, eu estava em meu último ano da faculdade, fazendo campanha para a reeleição do Marcelo Candido, e havia acabado de assumir a administração do Centro Cultural Boa Vista, localizado em Suzano, no bairro de mesmo nome. A prefeitura havia construído três centros culturais fora da área central, e como não havia pessoas aptas para a função e nem previsão de concurso público, alguns funcionários tiveram que ir para os novos espaços. Esses centros culturais inaugurados nos bairros faziam parte do plano de descentralização das atividades culturais. Como não podíamos contar com verba para a realização de projetos nesse primeiro ano do centro cultural, acabei inventando algumas atividades que não precisavam diretamente de dinheiro. Gostaria de citar uma ação muito importante que criei no Centro Cultural Boa Vista e que, infelizmente, não é mais realizada. No final de 2010 fui convidado a dar uma contribuição na coordenação do Pavilhão da Cultura Afro-Brasileira Zumbi dos Palmares, outro espaço criado pela prefeitura de Suzano na área de promoção da igualdade racial. Com essa nova tarefa, acabei saindo do centro cultural, e a pessoa que ficou em meu lugar não conseguiu dar continuidade ao “Fogueira, Literatura e Pipoca”. O prédio que abrigava o centro cultural era usado também pelo CRAS (Centro de Referência e Assistência Social), da Secretaria de Promoção Social. Durante o dia, a movimentação maior era no CRAS, o povo chegava a fazer filas para o atendimento. Aquilo me incomodava. Como transformar pessoas em busca de assistência social (cesta básica, bolsa família, moradia, psicólogo etc.) em cidadãos à procura de livros, debates, cinema e outras atividades culturais?

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cap.07 Palestras nas escolas e a formação de público leitor

A reflexão foi longe. Ciente da complexidade, resolvi começar uma mobilização. Entre várias atividades, a que fez mais sucesso, além das aulas de balé, foi uma que ocorria no período noturno. Em frente ao centro cultural havia uma praça onde o mato crescia rapidamente. Por esse motivo, nem os idosos que costumavam jogar xadrez por lá estavam usando aquele espaço. O bairro Boa Vista, por ficar num local alto, com uma área de proteção ambiental pertencente à várzea do rio Tietê, tem muita proliferação de pernilongos. E não somente à noite, durante o dia todo. Pensando em algo que pudesse unir o útil ao agradável, criei o projeto “Fogueira, Literatura e Pipoca”. Primeiro, consegui junto à Secretaria de Obras a poda das árvores e a capinação do mato da praça. De brinde, ainda consegui com a mesma secretaria dois caminhões de pedriscos para espalhar no chão de terra. Tenho um amigo chamado Denivaldo Araújo, que é poeta, escritor e pensador. (Uma vez navegamos no rio Tietê com uma embarcação feita de garrafas PET que ele mesmo fabricara.) Ele ficou empolgadíssimo com a ideia do projeto. Tanto que, no dia da primeira edição, combinamos de ir juntos procurar madeira para a fogueira. Eu tinha até agendado uma caminhonete da prefeitura. Mas, quando cheguei ao centro cultural, por volta de meio-dia, me surpreendi com a montanha de madeiras e troncos de árvores na praça. O cara não resistiu e tinha ido logo cedo com um carrinho de mão buscar o alimento do fogo. Fui até um mercado bem próximo e consegui um patrocínio mensal de pipoca e óleo. Quando deu sete da noite, acendemos a fogueira e iniciamos o caloroso projeto. Cada mês havia um tema ligado à literatura. Eu convidava uma ou duas pessoas que pudessem provocar a discussão. A conversa ocorria de sete às oito, e na sequência fazíamos 127


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um sarau, que durava até as dez, oficialmente — porque ninguém queria ir para casa. Às vezes, fechávamos o centro cultural e quando íamos embora ainda havia pessoas em volta da fogueira. Discutimos muitos temas ali, recitamos centenas de poesias e contamos diversas histórias. Também havia música, e algumas vezes aconteceram apresentações de cultura popular, como jongo e maracatu. Não usávamos microfone, pois nas fogueiras que fiz na minha adolescência não havia nada de tecnologia, era só a molecada, a fogueira, a batata doce e umas histórias. Eu tinha só aquilo e era muito feliz. Nessa atividade, além da pipoca tínhamos café e chá, e vez ou outra assávamos milho ou mandioca. Eita, só de lembrar já fico com saudades. Realizamos 26 edições do projeto e contamos com um público expressivo a cada mês. Mas, acreditem, esse era um projeto em que não cabia muita gente, pois quanto mais pessoas, maior a roda, e menos se ouvia e se prestava a atenção. Chegamos a ter que fazer duas rodas, uma dentro da outra, para que todos tivessem participação. A cada edição eu notava a presença de algumas pessoas que estavam frequentando o CRAS diariamente. Pensava comigo que, aos poucos, se a gente quiser, transforma o mundo. No mais, a praça estava sendo ocupada e os pernilongos estavam sendo expulsos pelo fogo. Ah, mais uma coisa: a visão era linda lá de cima. Víamos todo o centro de Suzano e as cidades de Poá, Itaquaquecetuba e Guarulhos.

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PavilhĂŁo da Cultura Afro-Brasileira Zumbi dos Palmares onde o autor contribui atualmente. CrĂŠdito: Sacolinha

Centro Cultural Boa Vista, onde o autor coordenou as atividades durante os anos de 2008 e 2009. CrĂŠdito: Sacolinha


O poeta Denivaldo Araújo e a embarcação de garrafas pet, onde ele e o autor navegaram no Rio TIETÊ. Crédito: Sacolinha


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Encontro de saraus e os editais públicos

Em janeiro de 2009, completando seis anos de namoro, me casei com a fanzineira e historiadora Landy Freitas. Ela morava em Barueri, Grande São Paulo. Ficávamos distantes duas horas e meia de trem ou uma hora e 15 minutos de carro. Só nos víamos duas vezes por mês. Nós nos conhecemos em agosto de 2002, num show do GOG, dentro do Rap in Festa, projeto do Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) que acontece anualmente em São Matheus, zona leste. Em julho do ano seguinte começamos a namorar. Hoje temos uma filha de 2 anos, a Alanda, que é a primeira dos cinco filhos que queremos ter. Além desses dois acontecimentos marcantes (o casamento e o nascimento da minha filha), outros momentos que ocorreram em 2009 contribuíram bastante para o meu amadurecimento e para enriquecer minha trajetória. Resolvi fazer a segunda edição do romance Graduado em Marginalidade. Não podia chegar às palestras e oficinas que sempre alguém perguntava se eu tinha algum exemplar sobrando. Eu também percebi que o romance não tinha recebido a atenção merecida porque eu tinha feito somente 131


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500 exemplares, o que mal deu para trabalhar. Gosto de ter em mãos pelo menos 1.000 exemplares. Assim, posso doar para algumas bibliotecas e enviar para críticos, cineastas e jornalistas. Graduado em Marginalidade mexeu com a emoção de muita gente. Além das ameaças de morte e da volta por cima do Mano Cákis, muitos professores trabalharam com a obra em sala de aula. Vários deles, inclusive, indicaram o livro para compra via Governo do Estado. Mas a aquisição não ocorreu porque não havia exemplares no mercado. O professor Marco Maida, filósofo, chegou a trabalhar com este romance nas suas aulas na rede SESI, em Suzano. O livro fez tanto sucesso entre os alunos que chamou a atenção dos pais. Um deles, evangélico, leu a obra e não gostou de uma cena. Entrou na escola furioso, fazendo um barraco dos infernos, que até seu próprio filho sentiu vergonha. Como resultado, o livro acabou fazendo ainda mais sucesso entre os alunos, que liam às escondidas, já que o romance foi proibido nas unidades do SESI. Depois disso, o Maida até parou de dar aulas lá. Eu sempre pergunto se ele foi dispensado da rede por causa do ocorrido com o livro, mas ele diz que não, que resolveu sair por conta própria. No entanto, desconfio dessa resposta. Diante de todos esses acontecimentos, Graduado em Marginalidade merecia uma nova edição. A coleção LêProsa, da editora Ateliê Editorial, deu uma estacionada por falta de verba. Como não tinha dado certo a publicação por meio do projeto do Marcelino Freire e não havia nenhuma editora em vista, decidi novamente bancar por conta própria essa nova edição. Mas, assim como o 85 letras e um disparo, eu também queria fazer uma edição de qualidade e, se possível, em uma editora que ajudasse na distribuição e na divulgação. Procurei a Ilustra, mas ela acabou se endividando e fechara suas portas. Achei uma editora no Rio de Janeiro que, a princípio, parecia suprir todas as minhas necessida132


cap.08 Encontro de Saraus e os editais públicos

des. Pedi que colocassem no contrato que promoveriam um lançamento no Rio de Janeiro, com ou sem a minha presença. Constava também uma cláusula que a editora produziria cinco mil marcadores de páginas por conta dela. Assinamos contrato e iniciamos a produção. O livro ficou bonito, mas a parceria não foi tão boa quanto eu imaginava. Os editores cumpriram mal o contrato e discutimos várias vezes. Depois, um deles ainda me ofendeu por e-mail. O pior é que nunca nos vimos pessoalmente, fizemos tudo por telefone, internet e correio. Foram 1.000 livros, e cada parte ficou com 500 exemplares. Marquei o lançamento em São Paulo, novamente na Avenida Paulista. Mas, desta vez, na Casa das Rosas. Acabei fazendo dois eventos em um. Promovi junto com o lançamento um encontro de saraus que contou com 13 coletivos literários. É provável que este tenha sido o primeiro encontro de saraus de São Paulo. Pelo menos desde o ano de 2003, quando comecei a me envolver com os diversos saraus, até 2009, não tive notícias de nenhum encontro deste tipo. Minha intenção era lotar a Casa das Rosas. Por isso, consegui três apoios que patrocinaram 4 mil convites; entre esses apoios estava a Imprensa Oficial. Outro apoio veio do ABC Paulista. O único problema é que eu teria que buscar os convites. E, no dia em que fui a São Bernardo do Campo, programara para o período da noite um debate no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi. Pensei em ir de manhã, mas não consegui liberação da Secretaria de Cultura. Saí às duas da tarde, e gastaria uma hora de ida e outra de volta. Mesmo com atraso eu chegaria a Suzano por volta das cinco. Em São Bernardo seria apenas um bate e volta. Era pegar o pacote e zap. Na ida, tudo ocorreu conforme o previsto. As rodovias Índio Tibiriçá e Anchieta estavam transitáveis. Pensei em acelerar na volta, para não pegar o horário de pico. Mas, depois 133


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de retirar a encomenda, entrei no carro e dei a partida. O carro não ligou. Tentei outras vezes e só escutava aquele barulho de esperança. Já que estava em uma rua íngreme, resolvi dar um tranco. O carro pegou e eu saí a toda velocidade. Só que, no primeiro farol, ele morreu. Dei outro tranco e fui embora, rezando para não ficar na mão. Porém, quando estava na alça de acesso da Anchieta, o carro quebrou de vez. Fui rebocado pela empresa concessionária da rodovia até o primeiro acostamento. Depois, tive que me virar. Acabei gastando 500 reais com o guincho e com duas peças do alternador, e cheguei a Suzano às oito e meia da noite. O debate já havia começado. Por sorte, liguei para o Ivo Reseck, diretor cultural na secretaria, e pedi para ele ir segurando a bronca enquanto eu não chegava. Nesse dia vivi novamente o ditado “O barato sai caro”. Melhor não tivesse pegado um patrocinador de longe. O lançamento ocorreu no dia 25 de novembro, das sete às dez da noite. Convidei 13 saraus, que era o que dava para apresentar dentro de três horas, ainda assim cada um com tempo de 15 minutos. Os coletivos convidados foram: Sarau Gambiarra (Poá), Sarau Projecab (Itaim Paulista), Sarau Arte e Poesia (Carapicuíba), Poesia na Brasa (Vila Brasilândia), Sarau Griots (Itaim Paulista), Sarau Camarilha (Santana), Sarau do Núcleo Educafro Clarice Lispector (Guarulhos), Sarau do Binho (Campo Limpo), Elo da Corrente (Pirituba), Récita Maloqueirista (Centro), Pavio da Cultura (Suzano), ZAP — Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (Centro) e Sarau da Casa (Centro). Não compareceram os saraus Gambiarra, Projecab, Núcleo Educafro e o Sarau do Binho. Por ser numa quarta-feira, não pude contar com o sarau da Cooperifa, que é realizado neste mesmo dia, toda semana na zona sul.

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Aconteceu o que eu previa. Apesar de todos ali saberem do lançamento da segunda edição e de eu ter vendido alguns livros, o encontro de saraus tirou a atenção do lançamento. O público chegava, me cumprimentava, poucos olhavam o livro e todos corriam para os saraus.


cap.08 Encontro de Saraus e os editais públicos

Bom, tirando este problema, o resto foi mil grau. Interação total de todos os coletivos, troca de contatos e experiências, e cada grupo apresentando a dinâmica do seu sarau. No final da noite, antes de o sarau Pavio da Cultura se apresentar, o Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas na época, falou no microfone que aquela casa nunca estivera tão lotada. E era verdade. Eu gostei pra caramba, e creio que todos os que estiveram por lá também curtiram a grande noite.

Capa da segunda edição do livro Graduado em marginalidade. Crédito: ARQUIVO PESSOAL


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Nesse mesmo ano tive duas gratas surpresas. Havia me inscrito em vários editais literários voltados a pessoas físicas. Não estava confiante de que iria ser selecionado em todos, mas escolhi seis ou sete e fiquei pensando que, com tanta inscrição, eu poderia ganhar pelo menos um. Mas fui selecionado em dois, e era a primeira vez que tinha me inscrito neles. Em agosto recebi um e-mail da Funarte (Fundação Nacional de Artes), que é ligada ao Ministério da Cultura. Neste e-mail eu era parabenizado pela seleção na Bolsa Funarte de Criação Literária. Isso significava que eu receberia uma bolsa para escrever um romance. Só para escrever, não precisava publicar. Fiquei mais surpreso ainda em saber que, da região Sudeste, 700 escritores se inscreveram e somente dois foram selecionados, eu e um de Minas Gerais. Não cabia em mim de tanta alegria. Como se não bastasse essa seleção, faltando dois dias para acabar o ano eu estava dirigindo na Rodovia Castelo Branco, em direção a Barueri, quando meu celular tocou. Era o Gregório Bacic, da produção do programa Provocações, da TV Cultura. Atendi pronto para pedir que me ligasse em 20 minutos. Mas ele estava com um papo estranho, então resolvi parar no acostamento. — Sacolinha, eu quero saber se você está bem, meu caro. — Tô sim Gregório, muito bem. — Bom, então você vai ficar melhor ainda. — Por quê? — Estou ligando pra dar uma boa notícia. — Qual é? — Você acessou o site da Secretaria de Estado da Cultura, hoje? — Não. 136


cap.08 Encontro de Saraus e os editais públicos

— Pois é, meu caro, você foi selecionado no ProAC. — É mesmo, Gregório? — Sim, acabaram de publicar. Vai lá pra ver. O ProAC (Programa de Ação Cultural) é um edital de fomento da Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo. A sigla anterior era PAC, mas por conta da confusão com o PAC do Governo Federal resolveram mudar. Nunca tinha acabado um ano tão feliz assim, sabendo que no ano seguinte já teria trabalho para fazer. Os livros inscritos nesses editais não estavam prontos, afinal, são programas que selecionam livros em fase de produção. Para a Bolsa Funarte inscrevi o romance infantojuvenil Peripécias de Minha Infância. E, para o ProAC, o romance Estação Terminal. Terminei a obra infantojuvenil em dezembro de 2009. É uma história narrada em primeira pessoa, baseada na minha infância na Cidade Líder, em Itaquera. Faz uma crítica aos tempos modernos, que por conta da violência e da tecnologia acabam tirando a molecada da rua para ter uma felicidade artificial no computador, na televisão e no videogame. O romance para o ProAC eu terminei aos 45 do segundo tempo. A previsão para o lançamento era agosto de 2010, então eu tinha que entregar os originais à editora em maio. E foi o que fiz. Dessa vez fechei contrato com a editora Nankin, que fica em São Paulo. O enredo para a história do livro Estação Terminal estava engasgado desde a época em que saí do Metrô Itaquera. Eu queria contar duas histórias, a do meu ex-patrão, homem de coragem, de muita virtude, e que sofreu desde o dia em que nasceu, sem ter tempo nem de dar um sorriso. 137


COMO A ÁGUA DO RIO

E a outra era a trajetória do Metrô Corinthians Itaquera, desde a inauguração em 1988 até o ano de 2006, quando completou os 18 anos. Acabei unindo as duas histórias. Eu não tinha a obrigação de lançar o Peripécias de Minha Infância, pois a bolsa era somente para escrever o livro. Mas pensei bem e resolvi usar metade do dinheiro para a publicação. A produção dos livros foi de vento em popa. E eu havia feito uma estratégia de divulgação e de lançamento que daria inveja a qualquer marqueteiro. Entrei em contato com os setores de comunicação da Secretaria de Estado da Cultura e da Funarte para propor a otimização dos materiais de divulgação dos livros. Depois de vários telefonemas, e-mails e articulações, consegui autorização de ambas as partes. Era tudo de que precisava. Desde o começo do ano que eu planejava lançar os dois livros de uma só vez. Assim, eu evitaria ter que fazer duas vezes as mesmas coisas. Então, reuní os materiais de divulgação e fiz praticamente o dobro de cada peça. Foram dois outdoors, três busdoors, 5.000 convites, 300 cartazes, 10.000 marcadores de página e 250 camisetas.

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Busdoor com os livros do autor. Crédito: ARQUIVO PESSOAL

Outdoor - Lançamento duplo. Crédito: ARQUIVO PESSOAL

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Aproveito para comentar que, antes mesmo de traçar esse plano, eu já tinha formado uma equipe para ajudar na minha assessoria. Essas pessoas até hoje me acompanham: Marcos Cirillo, para assessoria de imprensa, Mano Cákis, para assessoria em palestras, oficinas e lançamentos, Edmilson Santana, fotógrafo, e Landy Freitas e Cristina Ramos, para assessoria geral. E, para fechar o pacote de otimização, marquei uma caravana com 40 lançamentos pelo estado de São Paulo. A seguir, o release do lançamento duplo e a lista de espaços visitados:

Sacolinha lança livros em dose dupla! (Por Marcos Cirillo — da assessoria do autor)

Após os sucessos de Graduado em Marginalidade e 85 letras e um disparo, o premiado escritor Ademiro Alves, o Sacolinha (27 anos), está de volta com duas grandes obras, Estação Terminal e Peripécias de Minha Infância. Os lançamentos serão realizados simultaneamente, no dia 12 de agosto, às 20h, no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi (Rua Benjamin Constant, 682, Centro – Suzano - SP). Nestes últimos anos, o jovem escritor foi entrevistado por Jô Soares, Antônio Abujamra, programas Manos e Minas, Metrópolis, Folha de São Paulo, revista Época, entre outros. Contou também, em seus livros anteriores, com prefácios de Ignácio de Loyola Brandão e Moacyr Scliar. 140


cap.08 Encontro de Saraus e os editais públicos

Agora, Sacolinha retoma dois projetos ao mesmo tempo: lançar o segundo romance e o primeiro livro infantojuvenil. O romance Estação Terminal narra os 18 anos mais agitados do bairro de Itaquera, periferia da zona leste de São Paulo, quando lá chegou o terminal do Metrô, um benefício moderno para o transporte de massas. No entanto, longe de atingir os confins da cidade, a população contava com outros meios de transporte como ônibus, peruas e vans. Iniciativas particulares que passaram a gerar tensões, disputas, conflitos e contradições. Já Peripécias de Minha Infância é uma mágica história das vivências e experiências do personagem Artur, de família pobre, criativo e viciado em felicidade. Este livro é o primeiro do autor destinado ao público infantojuvenil, especialmente àquele que se agrada com a leitura de movimentadas aventuras. Não são, contudo, aventuras dos monstros televisivos tão em moda hoje em dia. A obra é magnificamente ilustrada pelo artista plástico Betto (Roberto de Lima Dorta), proporcionando ainda mais prazer na leitura. No lançamento os livros estarão à venda a preços populares, e ainda haverá camisetas com a capa 141


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estampada para quem adquirir as obras. Estes livros foram premiados e selecionados através dos editais da Funarte (Fundação Nacional de Artes), do Ministério da Cultura, e do ProAC (Programa de Ação Cultural), da Secretaria de Estado da Cultura. Após o lançamento oficial, no dia 12, o autor seguirá fazendo uma caravana de lançamentos pelo estado de São Paulo. Ambos os livros foram editados pela Nankin Editoral.

Lançamento oficial: Dia 12 de agosto de 2010, às 20h Local: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi Rua Benjamin Constant, 682 – Centro – Suzano – SP Preço dos livros: Estação Terminal – R$ 15,00 (Grátis 1 camiseta do livro) Peripécias de Minha Infância – R$ 20,00 (Grátis 1 camiseta do livro)

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Caravana de lançamentos

Agosto 14/8 — 20h: Pavio da Cultura — Suzano 16/8 — 8h: E.E. Fernanda Maria Oliveira Cintra — Itaquaquecetuba 16/8 — 19h: E.E. Camargo Filho — Poá 17/8 — 10h: Centro Cultural de Cotia — Cotia 17/8 — 19h: Bienal do Livro — São Paulo 18/8 — 21h: Cooperifa — Piraporinha 20/8 — 8h: E.E. Eusébio Rocha Filho — Guaianases 20/8 — 11h: EMEF CDHU — Guaianases 21/8 — 14h: Loja Suburbano Convicto — Bela Vista 21/8 — 18h: Sarau dos Umbigos — Itaim Paulista 23/8 — 8h: Letras de Luz — Suzano 25/8 — 17h: Livraria Alpharrábio — Santo André 26/8 — 19h: Sarau do Rap — Ação Educativa — SP 27/8 — 19h: E.E. Oswaldo de Oliveira Lima — Suzano 28/8 — 16h: Tenda Literária — Vila Cisper 28/8 — 18h: Sarau dos Mesquiteiros — Ermelino Matarazzo 29/8 — 17h: Récita Maloqueirista — Consolação 29/8 — 20h: Sarau Encontro de Utopias — Consolação 30/8 — 9h: Associação de Moradores do Jardim Rincão — Arujá 30/8 — 20h: Centro Educacional Adamastor — Guarulhos 143


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Setembro 01/9 — 14h: E.E. Luzia de Queiroz e Oliveira — Itaquera 02/9 — 20h: Sarau Elo da Corrente — Pirituba 03/9 — 21h: Ponto final das lotações — Terminal Corinthians Itaquera 06/9 — 21h: Sarau do Binho — Campo Limpo 09/9 — 20h: Sarau ZAP — Pompeia 10/9 — 19h30: Sarau na Mário de Andrade — SP 12/9 — 17h: Sarau da Ademar — Cidade Ademar 16/9 — 10h: EMEF Amália Maria de Jesus — Suzano 16/9 — 19h: Pavilhão Zumbi dos Palmares — Suzano 17/9 — 19h30: Sarau LiteraturaNossa — Suzano 18/9 — 14h: O Autor na Praça — Pinheiros 18/9 — 20h: Sarau da Brasa — Vila Brasilândia 22/9 — 20h: Universidade de Mogi das Cruzes — Mogi das Cruzes 25/9 — 20h: Sarau Palmarino — Embu das Artes 26/9 — 18h30: Sarau de Arte e Poesia — Carapicuíba 27/9 — 9h: E.E. Marisa Ladino Filho — Ferraz de Vasconcelos 27/9 — 19h: E.E. Rodrigues Xavier da Silva — Santa Isabel 28/9 — 8h: E.E. Priscila Pezzuol Machado Fernandes — Guararema 28/9 — 14h: E.E. Armando Sales de Oliveira — Biritiba Mirim 28/9 — 19h: E.E. David Aquino — Salesópolis 144


Capas do terceiro e quarto livros do autor Peripécias de minha infância e Estação Terminal. CRÉdito: Arquivo pessoal

SACOLINHA com seus tios, avô e primos no lançamento do terceiro e quarto livros. CRÉdito: Edmilson Santana


A esposa Landy Freitas e a filha Alanda Alves de Freitas no lançamento do terceiro e quarto livros. CRÉDITO: Edmilson SantanA

SACOLINHA e sua mãe Maria Natalina Alves no lançamento do terceiro e quarto livros.

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CRÉDITO: Edmilson SantanA


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No fim dessa caravana postei em meu blog um texto de agradecimento a todos que colaboraram para o sucesso da empreitada:

Fim da Caravana

Pois é. Deu tudo certo! Me propus a fazer algo inédito aqui no Brasil: lançar dois livros de uma só vez, e ainda percorrer o estado de São Paulo com uma caravana de lançamentos que passou por 40 espaços culturais e educacionais. De quebra, ainda levando uma turma comigo para me assessorar, trocar contatos e conhecer novos saraus. Para embarcar nesse projeto eu precisava de quatro coisas fundamentais: contatos, um carro, gasolina e coragem. Essa última era a principal. E é a que eu mais tinha – inclusive, ela vinha junto com a minha total disposição. Tracei o plano e caí na estrada. Fui do Alto Tietê ao ABC, passei pelas zonas leste, oeste, norte e sul. Visitei saraus em bares, escolas, livrarias, sebos, centros culturais, institutos, casas de cultura, associações, bienais, oficinas de leitura, praças públicas, galpões teatrais, bibliotecas e quadras poliesportivas. Meu carro nunca rodou tanto como nesses meses de agosto e setembro. 147


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Foram dezenas de rodovias, marginais, Rodoanel e centenas de avenidas. No total foram percorridos 2.800 quilômetros. Tudo isso para alcançar quatro objetivos: 1- Promover os livros; 2- Mostrar que não é impossível ser selecionado em editais públicos; 3- Rever amigos dos saraus e conhecer os saraus que eu ainda não conhecia; 4- Divulgar o Pavio da Cultura – Sarau de Suzano.

Consegui cumprir as metas. Isso ainda em ano eleitoral, com filha pequena, acúmulo de funções na Secretaria de Cultura, administrando duas pastas e com oito projetos em andamento – um deles a implantação do ponto de cultura "Círculo das Letras" no bairro onde eu moro. Não falo isso para me gabar, somente para justificar minha falta de tempo para com os outros eventos, projetos e atividades. Por esse motivo, inclusive, não consegui dar mais atenção às postagens com imagens dos saraus que compuseram a caravana. Só colocava as fotos e uma rápida descrição de local, dia e horário. Tanta coisa aconteceu que não tive tempo de falar aqui. Mas são histórias para eu postar aos poucos. 148


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Agradeço imensamente a todos os espaços que acolheram a caravana e a todos da minha equipe de assessoria. Todos vocês, saraus e equipe, foram fundamentais para o sucesso deste projeto. A promoção dos livros continua, e as vendas também. A partir de agora inicio uma caravana de doações para as bibliotecas públicas, privadas e comunitárias do estado de São Paulo. Depois, o Francis e eu voltaremos com o projeto Livro na Porta, visitando as escolas estaduais da região do Alto Tietê. E ano que vem os livros Estação Terminal e Peripécias de Minha Infância estarão concorrendo aos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura. Acho que vou chamar essa fase de Caravana das Premiações. Bom, as brincadeiras mostram o quanto estou satisfeito. Fiquei satisfeito também em perceber que consegui influenciar escritores e coletivos dos saraus a saírem por aí, circulando com suas produções, escoando a sua arte. E o que me deixou muito surpreso foi ver o número de leitores que tenho fora de Suzano. Não fazia ideia. Minha visita a esses 40 espaços mostrou que sou muito mais lido do que imaginava. Era chegar nos lugares e as pessoas me cumprimentando com a maior camaradagem, e eu, como todo cara popular 149


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e cara de pau, fingia conhecer, retribuía o carinho. Logo percebia que eram leitores do Graduado em Marginalidade, do 85 letras e um disparo e dos contos e poesias que publico em antologias. Foi bom mesmo eu ter saído de rolê pelo meu estado. Superou minhas expectativas e, de quebra, renovei minhas energias. Obrigado aos que adquiriram as obras e com isso contribuíram para o financiamento da caravana, como a gasolina do carro e a alimentação. Saudações literárias!

Durante a caravana era comum ouvir a galera do sarau comentando que eu era muito audacioso, lançando dois livros de uma só vez e ainda percorrendo o estado para fazer dezenas de lançamentos. Legal é que, depois dessa minha audácia, muitos escritores resolveram fazer o mesmo. Inclusive, no ano seguinte, quando vi a lista de inscritos no ProAC pude ver como cresceu a quantidade de escritores da periferia concorrendo ao edital. Não estou dizendo que fui o pioneiro em fazer 40 lançamentos em dois meses, nem por ter ganhado dois editais públicos. Estou falando que sei da minha contribuição.

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No mais, gostaria de ressaltar o retorno que tive até agora das leituras feitas desses dois livros. O Peripécias de Minha Infância deu origem ao curta-metragem O menino e o livro das oficinas de cinema Tela Brasil, e em 2012 virou peça de teatro de bonecos para o público infantil, através do grupo suzanense Laboratório de Manipulação. Três coletivos de teatro se interessaram pela produção, mas só um trouxe uma proposta concreta. Estação Terminal está fazendo muito sucesso nas quatro penitenciárias de segurança máxima e em meio aos perueiros da zona leste. Corre à boca miúda que o livro tem ajudado a desvendar alguns crimes. Mal sabem eles que o romance é ficção, e que a única realidade ali são os acontecimentos que serviram de pano de fundo para a fabulação da história. Queria ressaltar neste romance a participação do catador de latinhas Bem-te-vi, que depois do Gago é o personagem mais original do livro. Apesar de assoviar o tempo todo, é ele quem dá o tom do romance, prestem atenção a ele, pois tem muito a dizer. Ambos os livros foram avaliados como “Ótimo” pelo Guia da Folha de São Paulo. Mas ainda é cedo para se fazer um balanço geral. Mantenho muitas expectativas, mesmo porque foram feitos 2.000 exemplares do Estação Terminal e 1.500 do Peripécias de Minha Infância, mas só estão nas mãos dos leitores 60% da tiragem dos dois. Em meados de 2012, os outros 40% começarão a circular.

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Caravana de Lançamentos - Cooperifa - SP. crédito: Landy Freitas

Caravana de Lançamentos - GOG e Nelson Maka na loja Suburbano Convicto- SP. crédito: Marilda Borges


Caravana de Lançamentos - Sarau Rap- SP. crédito: Cristina Ramos

Caravana de Lançamentos - Tenda Literária- SP. crédito: Landy Freitas


Caravana de Lançamentos - Sarau Elo da Corrente- SP. crédito: Landy Freitas

Caravana de Lançamentos - Equipe de assessoria no sarau Récita Maloqueirista- SP. crédito: SACOLINHA


Caravana de Lançamentos - Sarau da Brasa- SP. crédito: Landy Freitas

Caravana de Lançamentos - Sarau do Binho- SP. crédito: Mano Cákis


PAR TE


III


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O Círculo das Letras Conforme disse anteriormente, a entidade que fundei chamava-se Projeto Cultural Literatura no Brasil. Ela ficou com esse nome até o seu registro oficial, em abril de 2007, quase cinco anos após o lançamento. Resolvi registrá-la pensando na profissionalização. Tudo o que precisava ser feito nesse sentido era escrever um estatuto, uma ata e cadastrar um CNPJ. Minha relutância se devia ao fato de que muitas entidades com poderes, deveres, cláusulas e artigos não davam muito certo. Era briga o tempo todo, disputa de poderes, um querendo puxar o tapete, outro fazendo politicagem e alguns usando a entidade como trampolim. Sem contar que o nosso povo é muito desconfiado com essas coisas de presidente, tesoureiro, secretário e conselho fiscal. Quando vi que não dava mais para adiar juntei toda a turma interessada e fizemos a papelada. Avisei a todos que aquilo de separar os membros em funções era somente coisa do estatuto. Ninguém é mais ou menos que ninguém e todo mundo vai se ferrar ou ganhar nome junto. Assim é, desde a fundação. E o legal é que ninguém veio viciado de outra associação ou movimento. Rotulo como viciado aquele membro que chega querendo montar chapa para concorrer a cargos diretivos, que pede para consultar o estatuto a todo momento, que fala uma língua estatutária com cláusulas,

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artigos e fica emperrando o andamento das coisas falando em processo democrático. Quando você vê a fundo, esse tipo de pessoa só tem papo, produzir que é bom, nada. Da época da fundação oficial da entidade sobramos eu, o Francis Gomes e a Elizabete da Silva. Depois vieram o Nelson Olavo, o Mano Cákis, o Paulo Odair, a Andréia de Almeida, o Renato da Silva, a Landy Freitas, a Cristina Ramos, a Débora Garcia e a Alexandra Justino. A influência de José Saramago faz com que eu cite as pessoas que fizeram parte da associação, e espero não esquecer nenhum José e nenhuma Maria. São eles: Valéria Gíggia, Mano Willian, Rejane Barros, Paulo Pereira, Guel Brasil, Marcelino Guerreiro, Jady Rodrigues, Maria Cristina Aro, Edilene de Barros, Silvia Seny, Jorge Nascimento, Márcio Sam, Rener Silva, Renan Silva, Eduardo Gerônimo, Almir Ribeiro, Dayane Morais, Peterson Gonçalves, Aldigênio Ferreira, José Sandoval, Roberto Cavenatti, José Lopes, Lúcia Almeida, Luiz Henrique Silva, Luiz Wanderley, Joscileide Santana, Maria Varjão, Sandra Gonçalves, Maria Aureliana, Marta Medeiros e Edson Luiz dos Santos. Feita a papelada, começamos a correr atrás de patrocinadores para os nossos projetos. Mas sem essa de ter isso como foco para desenvolver as atividades. Conheci muitas entidades e prefeituras que faziam muita coisa sem nada, e que quando tinham verba para fazer, emperravam. A primeira parceria nesse sentido foi com a Petrobras, na realização do 4º Concurso Literário de Suzano. A prefeitura da cidade repassou a tarefa de organizar o concurso para as nossas mãos, e por intermédio da Secretaria de Cultura conseguimos uma reunião no setor de cultura da empresa para apresentar a proposta. Como o valor era muito pequeno diante dos montantes que eles patrocinavam, resolveram fechar a parceria sem nenhum empecilho.

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A gente não entendia nada dessas coisas de planilha e prestação de contas. Só sabíamos colocar a mão na massa e fazer a tarefa muito bem-feita. Apanhamos bastante, mas aprendemos muito. E, apesar dos pequenos deslizes, não cometemos nenhum erro grave com as nossas parcerias com a Petrobras e com as que vieram depois: Ação Educativa, Itaú Social, Prefeitura de Suzano, Associação Basílio da Gama, Suzano Papel e Celulose e Ministério da Cultura. No início de 2010 a Associação Cultural Literatura no Brasil concorreu ao edital de pontos de cultura do Ministério da Cultura. Selecionaram nove pontos na cidade de Suzano, e fomos um dos contemplados. Como sempre sobrou pra mim, acabei sendo o responsável por criar e inscrever o projeto. Essa tarefa, apesar de chata, nem foi tão difícil. O que me causou mais transtorno e quase me fez desistir foi a documentação exigida. Muita papelada e muitas taxas. O contador que o diga. Batizei o projeto de Círculo das Letras, pois consistia na circulação das atividades do ponto de cultura por 26 bairros que ficam do lado de cá da ponte do rio Tietê, e que nós aqui de Suzano chamamos de Rio Abaixo. A sede ficaria no meu bairro, Jardim Revista. O que eu fiz foi colocar no papel em forma de projeto aquilo que eu já fazia há dez anos, com ou sem patrocínio, como pessoa física ou jurídica. Abaixo, um resumo do projeto:

APRESENTAÇÃO O projeto Círculo das Letras atua na imagem que o título propõe: um infinito círculo, preocupado em desenvolver uma formação continuada de pensamento e crítica na cidade de Suzano. É um projeto de pensamento literário que cruza as fronteiras de outras linguagens, outros caminhos da criação e da comunicação livre. O foco de atuação é a literatura, aliada a ferramentas audiovisuais, cênicas, per160


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formáticas, artes visuais e outras. A iniciativa tem o objetivo de desenvolver a formação do olhar crítico de artistas, criadores e da população, e, para isso, criar, através da temática literária contemporânea, intervenções urbanas aliadas a ferramentas audiovisuais (CD de literatura e videoliteratura) e impressos (livros, revistas e fanzine). As ações desenvolvidas permeiam: • Produção de impressos, livros, revistas, fanzines, cordéis, entre outros. • A literatura e suas ramificações, inclusive tradições da oralidade. • Atividades formativas em literatura, pensamento, estéticas e outras linguagens como cinema, teatro etc. • Atividades performáticas e eventos culturais: intervenções urbanas, saraus, feiras, exposições etc. E, para alcançar esses objetivos, teremos as seguintes ações, com a preocupação de não agredir o meio ambiente e de atingir a todas as pessoas e classes sociais, bem como as questões de gênero e raça, tanto seus protagonistas quanto seus espectadores: • Feira de livros permanente e itinerante • Videoliteratura • Trocando Ideias • Fanzine • Sarau nas escolas • Revista • Livro (Antologia Literária)

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• CD de Literatura • Concurso Nacional de Literatura • Feira de Troca de Livros e Gibis • Projeto de incentivo às bibliotecas comunitárias • Grupo de estudos aberto • Oficinas de produção de textos

Resumo das ações Feira de livros permanente e itinerante Uma pequena feira com mesas contendo livros à venda por preços populares, que terá local fixo e percorrerá alguns bairros da cidade e eventos. Essa feira já existe, com o nome de “Arte na Rua”, porém bem menor do que o proposto aqui, e é realizada atualmente em parceria com a Associação dos Artistas Plásticos e a Prefeitura de Suzano.

Videoliteratura Experiência audiovisual com escritores e poetas interpretando ou recitando seus próprios textos. Realização no segundo ano do projeto.

Trocando Ideias Roda de conversa uma vez ao mês onde se discutirá um livro e um autor. Realização nos três anos do projeto.

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Fanzine Produção de uma revista artesanal, feita de papel reciclado, contendo textos literários, informações de eventos culturais e de utilidade pública. Realização bimestral durante os três anos do projeto.

Sarau nas escolas Visita semanal da Associação Cultural Literatura no Brasil a uma escola municipal ou estadual da cidade de Suzano, para desenvolver um sarau com recitais de poesia, cordéis, repente, música, exibição de filmes, entre outros. O sarau se dará com a apresentação dos escritores da associação e do público presente que tiver algo a mostrar. Realização durante os três anos do projeto.

Revista Publicação de uma revista que reunirá todas as informações e ações do projeto durante três anos, junto com os textos literários produzidos nas oficinas e/ou apresentados nos saraus. A publicação será feita no último ano do projeto.

Livro (Antologia Literária) Publicação de uma antologia literária com textos dos integrantes da associação, dos participantes dos saraus e das oficinas e de escritores convidados. Cada autor terá uma cota de livros que poderá vender, obtendo dessa forma uma fonte de renda. Assim como os autores participantes do livro, a associação ficará com uma cota de livros em maior quantidade, para também comercializar e complementar a renda da entidade. Os espaços de venda serão as feiras itinerantes e permanentes. Esta publicação será feita no segundo e no último ano do projeto.

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CD de Literatura Produção de um CD com 25 poetas e escritores recitando seus textos, sem o auxílio de arranjos musicais, contendo somente voz e texto. Essa produção será feita em parceria com a Prefeitura de Suzano, utilizando o Estúdio Público Musical para a gravação. Realização no primeiro ano do projeto.

Concurso Nacional de Literatura Realização anual de um concurso literário nacional, com publicação e premiação em dinheiro, em parceria com a Prefeitura de Suzano, nos mesmos moldes que realizamos em anos anteriores. (ver anexo). Buscar patrocínio.

Feira de Troca de Livros e Gibis Espaço de convivência e encontro de artistas, sobretudo os adeptos às letras, onde permite-se a troca de publicações de diversos gêneros. Realização mensal durante os três anos do projeto.

Projeto de incentivo às bibliotecas comunitárias Campanha de incentivo às bibliotecas comunitárias existentes na cidade de Suzano, por meio de arrecadação e doação de livros, saraus, palestras, debates e oficinas nos espaços dessas bibliotecas.

Grupo de estudos aberto Momento de estudo dos membros da Associação Cultural Literatura no Brasil e aberto à comunidade, onde uma vez ao mês nos reuniremos para discutir determinado assunto, com suporte de materiais culturais e filosóficos em televisão, áudio, ou através de palestra ou apresentação teatral. 164


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Oficinas de produção de textos Série de oficinas literárias ministradas pelos membros capacitados, na sede da associação. Por fim, todas estas ações estão à disposição de um projeto amplo de literatura.

Como surgiu a iniciativa de inscrever o projeto? Por dois fatores: primeiro, porque a maioria das ações listadas acima já é realizada pela associação; segundo, porque esta mesma entidade é composta por membros que vivem, pensam e produzem literatura, tanto na escrita como na leitura, e com isso produzem conhecimento. O projeto defende ainda a manifestação popular, entendendo-a no caráter histórico e na identidade cultural presentes. As ações a serem realizadas não servirão apenas como elementos de formação, mas também de fomento às atividades culturais e, por consequência, abriremos acesso a bens culturais. Esses são os fatores relevantes deste projeto.

LOCALIZAÇÃO Jd. Revista Região 1— Boa Vista (Rio abaixo) Bairros: Jd. Graziela, Jd. Santa Inês, Jd. São Bernardino, Jd. São José, Veraneio Joruá, Cidade Boa Vista, Cidade Miguel Badra Alto, Cidade Miguel Badra Baixo, Jd. Carmem, Jd. Fernandes, Jd. Francisco Cardoso, Sesc, Chácara Méa, Chácara Meu Sossego, Chácara Recreio Sertãozinho, Jd. Alterópolis, Jd. Carla, Jd. Dona Benta, Jd. Europa, Jd. Gardênia Azul, Jd. Margareth, Jd. Revista, Jd. Varan, Vl. Beatriz, Vl. Célia, Vl. Laura. 165


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A lista dos nove pontos aprovados saiu em maio. Cada entidade selecionada receberia 60 mil reais por ano durante três anos. Aproveitando a nossa alegria e a disposição do pessoal da associação, propus em uma de nossas reuniões que a gente montasse uma comissão organizadora do ponto de cultura, pois havia muita gente na entidade, mas os que pensavam ou colocavam a mão na massa por conta própria eram poucos. A maioria aguardava a deliberação do líder, papel que há anos está em minhas mãos e do qual tento me livrar. Acredito que outras pessoas devem assumir este papel, caso contrário não teremos quadros formados lá na frente e, quando faltar um líder, quem assumirá? Nessa reunião falei sobre a comissão e de por que precisávamos de uma. No fim, montamos um grupo de sete pessoas, as mesmas que na maioria das vezes acumulavam funções: eu, Débora Garcia, Francis Gomes, Cristina Ramos, Dona Elizabete, Landy Freitas e Cákis. Os três últimos trabalhariam diretamente no ponto, afinal, estavam liberados para isso. Fizemos nossa primeira reunião de planejamento e discutimos a implantação do projeto. Depois, ficamos esperando a grana cair para dar continuidade ao plano de trabalho. Enquanto isso, pesquisávamos no bairro onde moro um espaço para abrigar nossa sede. Ficamos um mês pegando e devolvendo chaves nas imobiliárias. Parecia que nenhum imóvel se encaixava com o que procurávamos. Havia dois açougues no centro comercial do Jardim Revista. Os dois viviam em pé de guerra na conquista dos clientes. Então um deles não aguentou a disputa e faliu. O dono do imóvel resolveu reformar e alugar. Antes mesmo de terminar a reforma, Landy conversou com a mulher do proprietário, com a intenção de alugar. O problema é que estavam chovendo interessados, querendo o espaço para transformar em igreja ou em boteco. 166


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O dono até queria alugar pra gente, mas estava desconfiado e não entendia que queríamos montar um espaço cultural ali. Ele só falava em dinheiro, e não acreditava que a gente alugaria o espaço e não ganharia nada, comercialmente falando. Estávamos quase fechando o aluguel do imóvel, e nada de a grana vir. Em uma segunda-feira de agosto, acordei disposto a pressionar o proprietário e o secretário de Cultura da cidade, pois através de um contato com o Célio Turino, secretário da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, este fez com que a verba, antes de ser repassada às entidades, passasse pelo setor jurídico da prefeitura de Suzano. Na quarta-feira reuní, no imóvel em reforma, todo o pessoal da associação, o dono, o secretário, o diretor de cultura e o diretor do Patrimônio Histórico de Suzano. Havia mais de 30 pessoas reunidas lá. Quando o proprietário viu um monte de autoridades presentes, sentiu firmeza no negócio. E o secretário de Cultura, junto com os demais, percebeu que a Associação Cultural Literatura no Brasil estava a toda com a implantação do ponto e resolveu cobrar com mais agilidade a liberação da verba. Mesmo antes de recebermos, assinamos contrato e alugamos o imóvel. Pagamos três meses com grana de mensalidade e rateio entre os associados. A verba só chegou até nós em novembro, e apenas em dezembro pudemos movimentá-la. De imediato implantamos no espaço a biblioteca comunitária “Carolina Maria de Jesus”, além de levar para lá todas as atividades que realizávamos em outros lugares: Trocando Ideias, grupo de estudos aberto, Feira de Troca de Livros e Gibis, oficinas de produção de textos, confecção de fanzine, concurso literário, produção de revista, CD de literatura e o videoliteratura.

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Apesar de estarmos com as portas abertas ao público desde setembro de 2010, fizemos a inauguração do Ponto de Cultura “Círculo das Letras” em fevereiro de 2011. Nesse dia contamos com a presença do secretário de Cultura da cidade, Walmir Pinto, e do deputado estadual José de Souza Candido, parlamentar negro e ex-morador do bairro. Neste sarau também lançamos o CD de Literatura I, com 17 membros da associação interpretando seus próprios textos ao microfone. Em minha fala, relembrei os momentos em que ficava com uma bicicleta e uma bolsa cheia de livros, passando de casa em casa. Mas que, a partir daquele momento, os moradores daquele e de outros bairros vizinhos tinham uma biblioteca à disposição deles. E que uma biblioteca não é somente um espaço com estantes e livros. É um lugar com pessoas, sentimentos, calor humano, viagens, cheiro... É um mundo vasto. Quem está numa biblioteca tem o mundo em suas mãos. E o mundo agora estava ali no Jardim Revista. Orgulho-me de fazer parte desta história.

Francis Gomes, deputado José Candido, secretário Walmir Pinto e o autor na inauguração do PonTO de Cultura Círculo das Letras em Suzano - SP. Crédito: Landy Freitas

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Landy Freitas, esposa do autor, na apresentação do Sarau LiteraturaNossa. Crédito: SACOLINHA

Visão da rua do Ponto de Cultura Círculo das Letras. Crédito: SACOLINHA

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Estamos dando conta de tudo o que foi proposto, inclusive criamos até mais projetos. Gostaria de falar de três deles: Trocando Ideias, Conte sua história e Comunidade do conto. O Trocando Ideias surgiu no fim de 2006, porque eu sempre ouvia membros da associação falando que escreveram isso, que fizeram uma poesia assim, mas nunca ouvia ninguém falando que leu isso ou aquilo. Vez ou outra, via alguém com um livro, mas este era usado como depósito de papéis, pentes, identidade e, por vezes, até como rascunho. Isso quando não era usado como desodorante, ficando apenas embaixo do braço. Como sempre acreditei que só escreve bem que lê bastante, matutei uns dias um plano para que os escritores da associação criassem de fato o hábito da leitura. Até porque, como explicar uma associação de literatos que não leem? Foi em uma de minhas viagens para o Rio Grande do Sul que fiquei sabendo do prefeito da cidade de Candelária, que, assim que assumiu a cadeira, determinou que todos os funcionários de cargos em comissão lessem um livro por mês e enviassem o relatório para o seu gabinete, "pois ele não queria gente burra trabalhando ao seu lado". Com o perdão da palavra, achei essa ideia do caralho. E foi aí que inventei o projeto Trocando Ideias. É claro que aqui ninguém seria obrigado, e eu nunca acreditei que a obrigação faz leitores. O nosso projeto acontece de fevereiro a novembro, toda última terça-feira do mês. É um livro por vez, intercalando entre prosa e poesia, e a gente seleciona as obras por meio de votação no mês de janeiro. Nós escolhemos um facilitador para cada livro, que tem a função de fazer a leitura e uma pesquisa mais aprofundada, com enfoque no tempo, no espaço e na construção dos personagens, além de estudar um pouco a vida do autor. Desde a implantação até agora, só trabalhamos com obras de língua portuguesa. É o que eu sempre digo, antes de lermos outros autores precisamos saber o que é produzido em nossa 170


cap.09 O Círculo das Letras

língua, pelo menos com os principais autores. Já pensou o pessoal da associação especialista em Shakespeare, mas sem saber nada da escrita de Jorge Amado, Graciliano Ramos ou de Mia Couto e Pepetela? Já o projeto Conte sua história surgiu de uma ideia coletiva dos membros. A princípio, seria um momento em que cada um contaria suas habilidades, como as adquiriu e o que poderia ensinar para os outros. Depois, com o tempo, percebemos que o que estávamos fazendo era contar a nossa história de vida e em que momento ela se encontrou com a literatura. Quase todos os que contaram a sua história choraram, riram, desabafaram e até mesmo falaram de fatos trancados a sete chaves, o que deixou muitos aliviados. Pode parecer estranho, mas a gente passa a respeitar mais as pessoas depois que conhece a fundo a trajetória delas. Este projeto acontece uma vez ao mês e é aberto a qualquer cidadão que também queira contar sua trajetória, principalmente os que estão de certa forma ligados às artes em geral. Temos aprendido muito, e nós, os escritores, temos aproveitado muitas histórias. O terceiro projeto, Comunidade do conto, foi criado em janeiro de 2011, baseado na experiência do Clube do conto, lá da Paraíba, onde reside a escritora Maria Valéria Rezende. Lá eles reúnem-se todos os sábados para ler os contos produzidos sobre um tema sugerido anteriormente. O fato é que nós da associação fomos tão abduzidos pela militância literária que deixamos de fazer aquilo que nos levara para o lugar onde estávamos: a escrita. Então, coloquei a ideia em nosso planejamento e implantamos a Comunidade do conto, que se reúne toda primeira quarta-feira do mês. Os associados logo se apropriaram do projeto e, com isso, criamos uma ferramenta de dupla utilidade: que nos obriga a escrever diariamente e que se transformou em um espaço para os moradores do bairro e adjacências discutirem sua produção.

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A Comunidade do conto vai além, pois nos ajuda a ouvir e a nos fazer ouvidos, nos ensina a humildade e a busca constante pela qualidade como seres humanos. Tudo isso porque neste projeto não existe escritor profissional, bom ou ruim. O que existe são cidadãos comuns que, religiosamente, se encontram para discutir literatura sem querer mostrar arrogância e experiência, afinal estamos em constante processo de aprendizagem. Os encontros acontecem em nossa sede e são abertos a qualquer pessoa, escritor ou não. No Ponto de Cultura “Círculo das Letras” todos os projetos têm a sua importância, mas esses três estão cumprindo muito bem seus papéis. Já estamos em funcionamento há um ano e cinco meses. Neste momento aguardamos a verba do segundo ano, que está atrasada.

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Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

Numa manhã de outubro de 2010, o telefone de casa toca logo cedo, umas seis da manhã. Atendi com a boca cheia de creme dental. — Alô! — Sacolinha? — Sim. — Porra cara, que aconteceu, você fugiu ou algum advogado pediu habeas corpus? — Ahn? — Tá aqui no jornal, caralho, tá todo mundo comentando. A voz do outro lado era de um leitor meu, José Maria Teixeira, um senhor de 48 anos de idade na época, muito trabalhador, e que diz ser meu fã número 1. Nesse dia ele estava tomando um pingado na padaria da estação de trem de Suzano, junto com seus amigos, que logo iam embarcar no trem. Como de costume, eles saíam da 173


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padaria e ficavam na banca de jornal ao lado, lendo as manchetes enquanto bebiam seu café. Num dos jornais estava escrito:

Escritor Sacolinha vai para Penitenciária de Segurança Máxima Como eles costumavam ler só o título da reportagem, resultou na ligação. Se ele tivesse lido a frase da chamada, com certeza teria entendido. Ela dizia: “Autor é contratado pela Unesco para a promoção da leitura nos presídios federais.” Falando nisso, segue na íntegra a matéria que circulou pelos jornais da região:

Escritor Sacolinha vai para Penitenciária de Segurança Máxima Autor é contratado pela Unesco para a promoção da leitura nos presídios federais

O escritor Sacolinha esteve em Brasília nesse domingo, 17/10, onde se reuniu com as autoridades dos Ministérios de Cultura, Educação, Desenvolvimento Agrário, Justiça e com os representantes da Unesco aqui no Brasil. Ao final da reunião foi firmado um contrato, onde o autor desenvolverá um projeto de incentivo à leitura junto com a escritora Maria Valéria Rezende e que atingirá, além 174


cap.10 Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

dos próprios internos, os agentes penitenciários e os professores dos quatro presídios mantidos pelo Ministério da Justiça. Sacolinha já trabalhou com a leitura nos presídios de São Paulo. Entre os anos de 2006 e 2008 ele promoveu projetos nas Penitenciárias Femininas de Santana e do Tatuapé, no Presídio Semiaberto de São Miguel Paulista, e em 10 instituições da Fundação Casa, antiga Febem. O projeto começa no próximo mês e a sua primeira fase termina em dezembro, quando Sacolinha se reunirá novamente com as autoridades para a avaliação dos dois primeiros meses. Nesse tempo, Sacolinha e sua parceira de trabalho, Valéria Rezende, terão visitado os presídios de Porto Velho em Rondônia, Catanduvas no Paraná, Mossoró em Rio Grande do Norte e Campo Grande no Mato Grosso do Sul. Mais informações no blog do autor: www.sacolagraduado.blogspot.com

Era a primeira vez que faria esse trabalho em penitenciárias federais; aliás, eu e a Valéria seríamos os primeiros a desenvolver um projeto de leitura nesses lugares. Nós não nos conhecíamos. O que aconteceu foi que o Timothy Ireland, professor na Faculdade Federal da Paraíba e re175


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presentante da Unesco no Brasil, estava com este projeto em mente há muito tempo. Em 2009 ele retomou a esperança e acabou fazendo alguns contatos. Mas foi em 2010 que ele conseguiu convencer o Ministério da Justiça, articular algumas autoridades e reunir vários ministérios. Ele tinha em mente convidar a escritora paraibana Maria Valéria Rezende, de 70 anos, para que ela realizasse as oficinas com os internos. Mas ela disse que não toparia essa tarefa sozinha, mesmo com disposição e muita bagagem. Ela queria alguém mais jovem e diferente dela, para convencer os internos da importância da leitura. Então resolveu pesquisar na internet. Ela chegou até mim graças às entrevistas que dei na televisão e que foram postadas no Youtube. Segundo ela, quando viu aquele rapaz negro, escritor, dinâmico e entusiasta da leitura, pensou: “Esse é o cara!” Ela me enviou um e-mail falando do projeto. Eu aceitei na hora. Dois dias depois, o Timothy me ligou para explicar melhor o projeto. Apesar de seu sotaque de gringo, entendi toda a proposta perfeitamente. Ele falou da contratação e do pró-labore. Eu, todo empolgado, disse que o mais interessante naquele momento era colocar o projeto em prática, que o dinheiro seria secundário. Eu estava animado com a experiência de trabalhar com o incentivo à leitura com presos de segurança máxima. Não via a hora. Foi marcada uma reunião em Brasília, no dia 17 de outubro. Fomos eu, a Valéria, o Timothy e alguns representantes do Ministério da Justiça. Estava lá também uma agente federal da Penitenciária de Porto Velho, a primeira que receberia as oficinas. Discutimos o projeto, e eu e a Valéria tiramos muitas dúvidas com relação ao funcionamento das penitenciárias. Tivemos duas surpresas: a primeira era a de que podíamos 176


cap.10 Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

ficar à vontade para trabalhar com os internos. Ninguém ia censurar nem monitorar a gente. Isso nos surpreendeu, porque tanto eu como a Valéria já tínhamos trabalhado em presídios estaduais e até nas Fundações Casa. Nesses lugares não se podia fazer nada, e era uma burocracia que chateava e fazia qualquer um desistir. Então, chegamos à reunião prontos para brigar e fazer exigências. Percebemos que não seria necessário. A segunda surpresa foi com relação aos internos. Eles já eram leitores, e inclusive liam mais do que a gente. Enquanto eu e a Valéria aqui fora líamos em média um livro por semana, eles lá dentro liam dez. Eles têm direito a receber cinco livros, entre romances, contos, poesias e biografias, e cinco revistas e livros técnicos por semana. Quando o livro tem poucas páginas eles reclamam, pois não dá nem para a metade do dia. O fato é que eles ficam reclusos 22 horas por dia. Só saem por duas horas, para o banho de sol. Todo esse tempo na cela é dividido entre sono, musculação e leitura. Eles leem cerca de oito horas por dia, e alguns chegam a passar doze horas na leitura. Eu e a Valéria ficamos com uma tremenda inveja, e ao mesmo tempo nos perguntando: — O que vamos fazer lá, então? O fato é que o projeto é mais amplo. Os internos leem, mas fazem isso desordenadamente e somente para passar o tempo. A ideia era fazer com que usassem a leitura como algo transformador. Já os agentes federais não leem. Então, além de auxiliar os internos e incentivar os agentes, outro objetivo era estruturar uma biblioteca em cada penitenciária e sensibilizar a comunidade ao redor. Tínhamos que correr. Precisávamos fazer todas as penitenciárias em apenas dois meses, novembro e dezembro. En177


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tão, marcamos as datas das intervenções em cada unidade e partimos para o ataque. Após a primeira visita postei o texto a seguir em meu blog:

Leitura nas prisões

E fizemos a primeira penitenciária! Eu e a escritora Valéria Rezende estivemos em Porto Velho, Rondônia, para desenvolver diversas oficinas de leitura e literatura, tanto para os internos quanto para os agentes. Esse trabalho faz parte do projeto "Uma janela para o mundo – Leitura nas prisões", realizado pela Unesco – Onu, em parceria com os Ministérios de Justiça, Cultura, Educação e Desenvolvimento Agrário. Nesse ano ainda iremos visitar as Penitenciárias de Catanduvas, no Paraná, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e Mossoró, no Rio Grande do Norte. A experiência da primeira etapa foi bem produtiva para nós, para os mediadores e, creio, para os internos e para os agentes federais. Só não tivemos tempo de dar uma volta pela cidade, pois durante os três dias em que estivemos por lá passamos praticamente o tempo todo dentro da penitenciária. Entrávamos às oito da manhã e só saíamos às sete da noite. O calor, para mim, era insuportável; lá dentro, então, nem se fala. E para ajudar, o horário de lá é duas horas menos que em Sampa. Tava com a 178


cap.10 Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

rotina totalmente descontrolada. Imagina então eu lá dentro, sem celular e sem relógio? Eu me sentia um deles, mas, claro, a agonia nem se comparava, pois sabia que a qualquer hora, se eu quisesse, poderia sair. Uma coisa que me chamou bastante atenção é que os funcionários efetivos (policiais, assistentes sociais, médicos e pedagogos) são todos concursados e de fora do estado de Rondônia. Todos deixaram casa, amigos e familiares para trás para trabalhar dentro de uma penitenciária na zona rural, privados de tudo aquilo que os cercou por anos e anos. Eles não conseguem fazer amizades, porque, como agentes do sistema penitenciário federal, têm que tomar cuidado e também por outro motivo: Rondônia faz fronteira com um país que, segundo pesquisas, é o maior exportador de maconha e cocaína. Por isso em Porto Velho os moradores são muito reservados. Logo, os agentes do sistema estão privados de novas amizades. A pergunta que me inquieta é: quem ali dentro são os verdadeiros internos? Acho que tenho uma resposta para essa questão. 179


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A segunda unidade a ser visitada era a de Catanduvas, no Paraná. E a data coincidiu com as transferências dos traficantes do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, quando estava ocorrendo a intervenção do Exército. Eu e a Valéria chegamos ao aeroporto Afonso Pena, no Paraná, e ficamos uns dez minutos aguardando algum carro nos pegar. Como o clima estava estranho por conta dessas transferências, entramos num táxi e fomos para o hotel, no centro da cidade. Quando entrei no quarto e liguei a televisão, o terrorismo midiático dominava tudo. Em um dos canais estava passando aquela imagem do helicóptero sobrevoando o Complexo do Alemão e embaixo um monte de traficantes correndo. Na sequência, informaram que haviam capturado vinte traficantes, e que doze deles iriam direto para a Penitenciária Federal de Catanduvas. Praticamente o país inteiro estava acompanhando as informações repassadas pela televisão. Logo pensei que, com todas aquelas transferências e tumulto de informações, o Ministério da Justiça e, principalmente, a Penitenciária de Catanduvas, estavam pouco se lixando para as oficinas de leitura. Liguei para o quarto da Valéria e ela também estava com o mesmo pensamento. De qualquer forma, levantaríamos cedo no dia seguinte e ficaríamos aguardando os agentes da reabilitação virem nos buscar. Tudo acabou dando certo. Como sempre, metade daquilo que passou na TV no dia anterior eram informações fabricadas por jornalistas vorazes por audiência. Informaram-me que tudo o que é feito pelo Departamento Penitenciário Nacional é feito sob sigilo absoluto. Nem mesmo os agentes federais que escoltam os presos sabiam ao certo o roteiro. Ficaram sabendo somente na hora da operação. Desta forma, nem todos aqueles traficantes foram para Catanduvas. 180


cap.10 Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

E mesmo os destinados para lá foram dentro de uma missão tranquila. Quando chegamos à penitenciária, nem parecia que estavam recebendo presos perigosos e que estavam na mídia, tamanha a tranquilidade de todos os profissionais: agentes, reabilitação, diretor, médicos, psicólogos e terapeutas. Fizemos as oficinas tranquilamente. Não fosse a gente perguntar sobre as transferências, acharíamos que elas não estavam sendo feitas. O projeto atendeu a todas as unidades federais ainda em 2010. A ideia inicial era mesmo colocar a bola em campo para, depois, quem entrasse na Presidência da República ou no Ministério da Justiça não deixar a proposta ir para o cemitério de projetos. Falo isso porque essa era época de eleição à presidência. Nessa primeira fase as oficinas para os internos foram de interpretação de texto literário, e para os agentes e outros profissionais da penitenciária ministramos oficinas de leitura e de sensibilização literária, já que muitos ali acreditam que o preso não deve ter benefício nenhum, enquanto outros achavam que, antes de chegar às mãos dos internos, o livro tem que passar por uma peneira. Na segunda fase do projeto, que teve início em novembro de 2011, fizemos mais uma rodada de oficinas, só que desta vez mais focadas na continuidade do projeto e em sua dimensão. Sugerimos a criação de um concurso literário de preso para preso e de agente para agente, já que muitos deles escrevem; alguns até estão com livros prontos. Como premiação aos internos, sugerimos alguns dias de remissão da pena. Quanto à premiação do agente, pedimos para que sugerissem um bom prêmio. Estamos aguardando as sugestões.

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Falando em remissão de pena, vale ressaltar um projeto importantíssimo do Ministério da Justiça. Os internos têm a remissão através de livros lidos e resenhados. As obras são selecionadas pelos juízes de cada região, o que penso que não é o ideal, mas só o fato de esse projeto existir já é um passo muito importante, não somente pelos dias a menos que o indivíduo vai ficar preso, mas também pelo fato da importância de cada livro lido, afinal, acredito que mesmo nós, aqui fora, quando lemos um livro recebemos a nossa remissão. Veja, por exemplo, a minha história. Nasci pronto para ter uma relação de conflito com a justiça e receber o apoio da Unesco na garantia dos meus direitos. Graças aos livros, aconteceu o contrário. Não estou do lado de lá das grades. Uma vez, um adolescente da Fundação Casa, durante uma das palestras que fiz lá, disse que esse negócio de livros era coisa de filhinho de papai. Disse a ele que não, e que se eu fosse um bandido de verdade seria antes um bom leitor, caso contrário seria igual a ele, sonhando castelo e vivendo barraco. Na Federal são poucos, bem poucos os internos que não leem, e esses, na maioria, só não praticam a leitura por serem analfabetos. Mas frequentam as aulas como se fosse uma religião, com a intenção de começar a ler o mais cedo possível e com isso diminuir o sofrimento ali dentro.

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Numa dessas oficinas, em Mossoró, havia um interno negro, de óculos, magro e com lábios bem vermelhos, que fazia perguntas o tempo todo. Sempre pedindo licença e respeitando muito a gente. Uma fala dele me chamou muito a atenção. Disse que os livros da biblioteca eram poucos (cerca de sete mil), e que os clássicos mais importantes da literatura não estavam ali. Aí, aguçou minha curiosidade quando disse que pediu para seus irmãos comprarem dois mil livros e doarem para a penitenciária. Na saída, eu e a Valéria comentamos que esse não era um interno como os demais, além de inteligente era literariamente solidário e não economizava quando o assunto era livro. O agente que nos acompanhava, surpreso, perguntou:


cap.10 Sacolinha vai parar em Penitenciária Federal

— Ué, vocês não sabem quem é ele? É o Luiz Fernando. A fisionomia de Fernandinho Beira-Mar estava totalmente diferente da que vemos na televisão ou na internet. Não tinha barba, estava com o rosto magro e a aparência calma, pacífica. Quem o vê hoje não diz que é o Beira-Mar. Falei isso para mostrar aos adolescentes infratores, que se espelham no Beira-Mar, que se querem mesmo ser bandidos é preciso ler, caso contrário serão somente noias ou ladrões de varal. Deixo claro que não estou incentivando ninguém a virar criminoso, estou incentivando que leiam e, lendo, possivelmente vão mudar de ideia. E, se não mudarem, ao menos usarão menos as armas e mais a cabeça. Vejam o assalto ao Banco Central de Fortaleza, sem tiro, sem sangue e sem tragédia.

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OS ESCRITORES NELSON OLAVO, MANO CÁKIS E SACOLINHA com os adolescentes da Fundação Casa de FeRraz de vasconcelos - sp. Crédito: Arquivo pessoal

Sacolinha na Penitenciária Feminina de Santana - sp.

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Crédito: Arquivo pessoal


Maria Valéria Rezende e o autor em uma escola estadual do entorno da Penitenciária Federal de CATANDUVAS - pr - 2010. Crédito: Arquivo pessoal

O autor em reunião em Brasília sobre o projeto nas penitenciárias federais - 2010. Crédito: Arquivo pessoal


O autor na PenitenciĂĄria Federal de Porto Velho - RO - 2010. CrĂŠdito: Arquivo pessoal



Maria Valéria Rezende e o autor na Penitenciária Federal de Mossoró - RN - 2010. Crédito: Arquivo pessoal



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A consolidação da Associação Cultural Literatura no Brasil Creio que estamos no caminho para fazer com que a Associação Cultural Literatura no Brasil caminhe com suas próprias pernas, sem precisar de muito esforço nem de correr atrás de todo mundo. Quando isso acontecer, é sinal que o projeto está consolidado. Penso a todo momento que as pessoas não precisam se apaixonar pelos livros ou virarem escritores. Precisam ler, e lendo se tornarão mais donas de si e se emanciparão. É esse o papel que busco para a nossa entidade, o de convencer o cidadão a acordar para a vida. Veja o caso da Elizabete da Silva Costa, nossa querida Dona Bete. Ela vivia para cima e para baixo em hospitais e farmácias e era catadora de ferro velho. Não tinha perspectiva nenhuma, e sua única razão de viver era criar os três filhos. Depois que se envolveu com a associação e se transformou em leitora, são raras as vezes em que visita uma unidade básica de saúde. Voltou para a escola e concluiu o ensino médio. Nesse primeiro ano do ponto de cultura ela trabalhou no espaço como articuladora

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cap.11 A consolidação da Associação Cultural Literatura no Brasil

cultural, e com isso não precisou mais sair catando ferro velho por aí. E mais, hoje tem muita vontade de viver e acabou virando escritora. Participou de todas as publicações da entidade, em livros, revistas e CDs de literatura. Leia a poesia que ela fez em agradecimento a associação:

Bom dia, bom dia mesmo Que sejam os seus dias O que representa pra mim A Associação Cultural Literatura no Brasil Conhecimento, liberdade de expressão, Sem credo religioso, cor, raça ou sexo Companheirismo é estar entre as pessoas comuns ou autoridades Sinto fazer parte desse universo O maior inimigo está dentro de nós mesmos Quando a gente se ama tem liberdade de agir Com mais prazer e felicidade Meu maior sonho era estudar, ter um diploma Com 50 anos de idade entrei na escola Digamos que foi muito difícil no começo Na escola ou em casa Concluir os estudos e receber o certificado era a meta Vários anos depois consegui Com a formatura nem lembrei das dificuldades 191


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Como gostava de ler Sempre estava na biblioteca Pegando livros emprestados Sempre participava das oficinas Um dia entrou na sala um jovem Convidando para participar de um sarau Assim começou meu amor e paixão Pela Associação Cultural Literatura no Brasil Antes estava sempre doente Agora aumentou meu interesse pela vida Sinto-me feliz de estar com todos os associados Formamos uma linda família (Elizabete da Silva Costa)

É disso que estou falando. Antes, eu escrevia para extravasar; hoje escrevo para mudar vidas. Pela vida da nossa Elizabete e pela vida do Mano Cákis, vejo que estou cumprindo meu objetivo. Ademais, é importante ressaltar que a associação nasceu de forma diferente de muitas outras, que são implantadas para serem parecidas com a Academia Brasileira de Letras. Querem arrotar regras e implantar normas. Eu digo que isso a ABL já faz muito bem. O povo precisa de associações literárias iguais a associações de amigos de bairro, que vêm lutar por melhorias para o local, para os moradores de lá. E por que não uma entidade literária lutando por saraus, bibliotecas públicas e comunitárias e pela divulgação dos escritores anônimos? Quanto à nossa importância, a antropóloga Érica Peçanha, que estudou minha trajetória, tem algo a dizer: 192


cap.11 A consolidação da Associação Cultural Literatura no Brasil

Para além do chá, da etiqueta e da tradição Quando comecei a pesquisar a produção literária das periferias de São Paulo, chamava-me a atenção o esforço de alguns escritores para ir além da construção de uma estética singular. Os muitos projetos de estímulo à produção e fruição cultural que despontaram no rastro das obras demonstravam, desde o início, que características e experiências pessoais não conformam apenas a literatura de um autor, elas são determinantes também para o tipo de atuação que irão desenvolver. Assim, não me parece exagerado afirmar que a criatividade, a perspicácia e a ambição de um jovem escritor moldaram a Associação Cultural Literatura no Brasil. Associações e academias literárias visam, de modo geral, cultivar a língua nacional e preservar padrões de escrita canônicos. E costumam nascer do estímulo estatal ou da dedicação de artistas já estabelecidos e preocupados em criar instâncias de consagração para si e seus pares. Mas a Associação Cultural Literatura no Brasil surgiu e tem seguido na contramão de outras iniciativas semelhantes. Inicialmente sob a forma de projeto cultural, a Literatura no Brasil voltou-se para a divulgação de textos e escritores ainda anônimos. Com uma equipe formada por um homem só, sem patrocínios e completamente distante dos moldes burocráticos e organizativos daquilo que se entende como um “projeto” cultural ou social, é possível que tenha sido assim nomeado porque se confundia com o próprio “projeto” profissional de seu idealizador: difundir a literatura, formar novos leitores, popularizar obras e carreiras de autores contemporâneos. A Literatura no Brasil nascia, então, para desviar o foco de escritores consagrados, já absorvidos pelo mercado editorial e por outras instituições legitimadoras, e voltou sua luz para novos literatos, muitos deles oriundos das margens sociais e econômicas. Da falta de recursos materiais e humanos, e contrariando expectativas dos mais calejados nos 193


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circuitos de produção e circulação cultural, fez-se a aposta em estratégias pouco usuais de intervenção: a entrega de textos a transeuntes em vias públicas, o envio de escritos literários pelo correio, o programa de literatura numa rádio comunitária e o fanzine, até que o investimento na internet se mostrasse o veículo mais poderoso e eficaz. Como uma associação cultural poucos anos depois de sua criação, e com o reforço de outros escritores interessados em ir além de publicar e fazer circular seus livros, os objetivos iniciais foram expandidos para beneficiar um público amplo, com dezenas de saraus, concursos literários e eventos culturais variados promovidos já nesta primeira década de atuação. Mais do que isso, destaca-se o investimento no espírito colaborativo e na formação dos próprios associados, com a organização de encontros regulares para troca de experiências de vida, produção e crítica dos textos autorais, intercâmbio com autores renomados, estudo de obras clássicas e mesmo de editais de financiamento cultural. Creio que ainda há muito o que esperar desta Associação, que se notabiliza também por movimentar os bairros pobres e municípios fora do eixo paulistano. Mas já se pode festejar os princípios que tem estruturado seus primeiros anos de atuação: o amor pela literatura, a desidealização da figura do escritor, e o empenho para que a memória do país não apague as obras e trajetórias literárias daqueles que não serão imortalizados em encontros regados a chá, etiqueta e tradição. Érica Peçanha, doutora em Antropologia pela USP e pesquisadora da produção cultural da periferia. Autora de Vozes Marginais na Literatura, livro que aborda a emergência da literatura marginal-periférica, com destaque para as trajetórias do escritor Sacolinha e do projeto cultural Literatura no Brasil.

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12 Voos mais altos Montar um espaço cultural em meu bairro não me deixa satisfeito. Fico apenas aliviado. Aliviado porque antes de tentar mudar o país, tenho que mudar a minha comunidade. Caso contrário, eu seria somente mais um demagogo. Minhas asas são pequenas, mas crescem a cada conquista, e com isso vou conseguindo cobrir os buracos deixados por quem tinha o poder de tapá-los ou de pelo menos não provocá-los. É como diz muito bem o Robinson Padial, criador do Sarau do Binho: “Uma andorinha só não faz verão, mas pode acordar o bando todo.” A partir de minha história, percebi que posso fazer algo muito maior com a literatura; o contrário do que se eu tivesse ido para o crime. Agora sou mais seguro de mim, dono de minhas atitudes e dos meus atos. E, toda vez que eu estou em algum local público e abro um livro, me sinto o todo-poderoso, como se tivesse o bem mais precioso do mundo — e tenho. Sou quem sou graças aos livros. Se não fossem eles, estaria sete palmos abaixo da terra. Ou com a bunda fazendo buraco no sofá. 195


COMO A ÁGUA DO RIO

Sou como a água do rio, que nunca é a mesma e que se renova a todo instante. A cada livro lido eu me renovo, e as pessoas que estão ao meu redor também. Acredito no livro como agente transformador do ser humano. Hoje procuro mostrar a muitas pessoas o que um livro pode fazer pela vida de alguém. Eles salvaram a minha e continuam salvando. A literatura também salva. Este é o meu testemunho.

Poesia e nomes dos livros grafitados na frente da casa do autor. Crédito: SACOLINHA


Sacolinha no Programa Provocações, em 2008. TÍTULO DO CAPÍTULO crédito: Jair Bertolucci

Capa do quinto livro do autor, Manteiga de Cacau. crédito: ARQUIVO PESSOAL

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FAMÍLIA DO AUTOR, EM MARÇO DE 2012. CRÉDITO: ARQUIVO PESSOAL



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Ademiro Alves de Sousa (São Paulo — SP, 1983).

Sacolinha, nome artístico de Ademiro Alves de Sousa. Graduado em Letras pela Universidade de Mogi das Cruzes.

TRAJETÓRIA 2002 Março: Começa a pegar gosto pela leitura. Junho: Começa a escrever. Dezembro: Cria o Projeto Cultural Literatura no Brasil.

2003 Setembro: É premiado no 2º Concurso ARTEZ, com o conto urbano “Um dia comum”.

2004 Abril: Começa a escrever seu primeiro livro. Maio: Participa da revista Caros Amigos edição especial, ato III. Outubro: Participa da coletânea ARTEZ vol. V; Meireles Editorial. Novembro: Termina a produção do seu primeiro livro. 200


cap.12 Voos mais altos

Dezembro: Assume a presidência do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Sociocultural Negro Sim. Escreve o conto “Pacífico Homem Bomba”, que foi adaptado para o teatro. Participa da antologia No limite da palavra; Editora Scortecci. Participa da antologia poética O Rastilho da Pólvora, do Projeto Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia).

2005 Janeiro: É convidado para assumir a Coordenadoria Literária na Secretaria Municipal de Cultura de Suzano, SP. Março: Assume oficialmente a Coordenadoria Literária em seu município. Abril: Seu estilo literário começa a ser estudado em universidades: USP - Universidade de São Paulo. UMC - Universidade de Mogi das Cruzes. Anhembi Morumbi - SP Universidade Metodista - SP Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Maio: Cria o sarau Pavio da Cultura. Agosto: Lança oficialmente seu primeiro livro. O romance contemporâneo Graduado em Marginalidade, em Suzano, SP, pela Editora Scortecci. Lança Graduado em Marginalidade em Cambuí, Minas Gerais. Setembro: Escreve o posfácio do livro O Trem – Contestando a Versão Oficial, do escritor Alessandro Buzo. 201


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Outubro: Começa a vender livros nas noites de São Paulo. Inicia a produção do seu segundo livro, 85 Letras e um Disparo. Novembro: Produz o videodocumentário do Projeto Cultural Literatura no Brasil. Dezembro: Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária, que reúne 20 escritores inéditos e é resultado do 1º Concurso Literário de Suzano. Participa do livro Cadernos Negros vol. 28 — Contos Afro-Brasileiros. Recebe o 1º Prêmio Cooperifa. Funda oficialmente a Associação Cultural Literatura no Brasil, antes com o nome de Projeto Cultural Literatura no Brasil. Traz para a cidade de Suzano os escritores Moacir Sclyar, Ignácio de Loyola Brandão e Fernando Bonassi.

2006 Fevereiro: Ingressa no curso de Letras da Universidade de Mogi das Cruzes. Março: Finaliza a produção do seu segundo livro, 85 Letras e um Disparo. Abril: Começa a produzir o seu terceiro livro, o romance Estação Terminal. Escreve o conto “Devaneio” para a Revista Palmares — Cultura Afro-Brasileira, no 2, da Fundação Cultural Palmares, do Governo Federal. Maio: Inicia um projeto com uma série de palestras em escolas públicas e presídios, com o objetivo de incentivo à leitura. Agosto: Lança sua segunda obra, 85 Letras e um Disparo, um livro de contos, pela Editora Ilustra, em Suzano, SP. 202


cap.12 Voos mais altos

Setembro: É jurado da Seleção Cadernos Negros, vol. 29. Novembro: Recebe dois prêmios literários na Universidade Mogi das Cruzes. Dezembro: Novamente em parceria com a Prefeitura de Suzano lança a revista Trajetória Literária II – Contos selecionados, projeto que reúne 10 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, também fez o trabalho de revisão. Participa da antologia Cadernos Negros vol. 29 — Poemas Afro-Brasileiros. Recebe o 2º Prêmio Cooperifa. É jurado do 1º Concurso Literário de Contos e Poesias da Febem, atual Fundação Casa.

2007 Fevereiro: Cria, dentro da Associação Cultural Literatura no Brasil, o projeto Sarau nas escolas, que percorre diversas escolas ao longo do ano. Abril: Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a antologia Novos Talentos da Literatura Brasileira, que reúne 20 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, também fez o trabalho de revisão. Setembro: Escreve o prefácio do livro Noite Adentro, de Robson Canto. Lança oficialmente o I Concurso de Literatura Erótica da Região do Alto Tietê. Outubro: Concede entrevista ao Programa do Jô, da Rede Globo de Televisão. Seus projetos literários, junto com sua escrita, são tema de trabalhos dos alunos de jornalismo da Faculdade Mackenzie, SP. 203


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Novembro: Lança a segunda edição do livro 85 Letras e um Disparo, pela Global Editora. Inicia a escrita do romance infantojuvenil Peripécias de Minha Infância. Dá entrevista para as seguintes rádios: CBN — Programa Revista CBN Band News Rádio Globo Rádio ABC Rádio Metropolitana

Seus livros são tema de teses das faculdades: UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) PUC — Campinas University of Utrecht — Faculty of Social Sciences — Holanda Dezembro: Em parceria com a ONG Ação Educativa, lança a antologia Literatura no Brasil, que contém poesias e contos dos membros da Associação Cultural Literatura no Brasil. Aqui, além da organização geral, também escreveu a apresentação e dois textos para compor a obra. Participa da antologia Cadernos Negros vol. 30 – Contos Afro-Brasileiros. Recebe o 3º Prêmio Cooperifa.

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2008 Janeiro: Ministra oficina de incentivo à leitura para 120 professores da rede pública de Suzano. Fevereiro: Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária III, que reúne 20 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, também fez o trabalho de revisão e assinou o prefácio. Março: Participa do seminário Cadernos Negros — Três décadas, um momento histórico do movimento negro de São Paulo. Abril: Em novo momento histórico, leva à cidade de Suzano o maior nome da cultura popular brasileira, Ariano Suassuna. Participa da revista GRAP – Grafite e Poesia, com o poema “Sedução”. É convidado pela Prefeitura Municipal de Guarulhos para ministrar a oficina Literatura e Técnicas de Redação na Biblioteca Monteiro Lobato. Maio: Participa da revista Catarse, publicada pelo grupo de teatro Neura. A poesia “A noite te convida” e o conto “Os prazeres de Sara”, ambos de sua autoria, são publicados na antologia Cadernos Negros – Três décadas, publicação que reúne 30 anos da Literatura Afro-Brasileira. Junho: Participa ativamente do VII Congresso DST/Aids, em Florianópolis, apresentando o projeto Pavio Erótico como um instrumento cultural de combate às DST. Lança, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Suzano, o livro Amor Lúbrico – Textos para serem lidos na cama, que reúne 22 autores de todo o Estado de São Paulo. Julho: Em uma iniciativa de descentralização da cultura no município de Suzano, o prefeito Marcelo Candido cria três novos centros culturais. O escritor Sacolinha é convidado para assumir a coordenação do Centro Cultural Boa Vista. 205


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Ministra oficina de incentivo à leitura para 90 professores da rede pública de Suzano. Agosto: Concede entrevista para o programa Manos e Minas, da TV Cultura, e para a revista Vida Simples. Visita a cidade de Passo Fundo, RS, onde ministra palestras e seminários sobre seu livro 85 Letras e um Disparo em escolas, universidades e unidades do Sesc. Setembro: Cria em Suzano o projeto Fogueira, Literatura e Pipoca, mais uma iniciativa de incentivo à leitura, ao debate e ao fazer literário. Dezembro: Participa da antologia Cadernos Negros vol. 31 – Poemas Afro-Brasileiros. Recebe o 4º Prêmio Cooperifa. Participa da revista Não Funciona nº 18. Produz o videodocumentário Literatura no Brasil — vol. II. Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária IV, que reúne 22 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, assinou o prefácio. Conclui o Curso de Letras na Universidade de Mogi das Cruzes — SP.

2009 Janeiro: Escreve o romance ecológico “O Homem que não mexia com a natureza”. Concede entrevista para o programa Provocações, da TV Cultura. Concede entrevista para o jornal Diário de São Paulo. Concede entrevista para a rádio DS FM, de Suzano, SP.

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Casa-se com Irlandia Freitas dos Santos, com quem mantinha um relacionamento desde 2003.


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Ministra oficina de incentivo à leitura para 50 professores da rede pública de Suzano. Fevereiro: Cria o projeto Varal Literário, que divulga escritores e poetas de Suzano. Abril: Leva a Suzano o escritor e roteirista Paulo Lins. Lança o 5º Concurso Literário de Suzano, aberto a todo o Brasil. Julho: Concede entrevista e é matéria de capa do jornal Boletim do Kaos. Nasce Alanda Alves de Freitas, sua primeira filha. Ministra oficina literária no Sesc Consolação, SP. Agosto: Ministra oficina literária na Casa das Rosas, SP. Outubro: O livro Peripécias de Minha Infância, de sua autoria, é selecionado, entre 2 mil projetos, pela Bolsa Funarte de Criação Literária. A Fundação Nacional de Artes é um órgão do Ministério da Cultura, Governo Federal. Com essa bolsa o autor se dedica integralmente à produção do livro durante seis meses. Novembro: Lança a 2ª edição do romance Graduado em Marginalidade, pela editora carioca Confraria do Vento. Dezembro: Participa da antologia Cadernos Negros vol. 32 – Contos Afro-Brasileiros. Produz o videoliteratura com oito integrantes da Associação Cultural Literatura no Brasil, interpretando seus próprios textos. Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária V, que reúne 22 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, assinou o prefácio. O livro Estação Terminal é selecionado pelo ProAC (Programa de Ação Cultural), da Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado de São Paulo para produção e publicação. 207


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2010 Janeiro: Conclui a escrita de Peripécias de Minha Infância. Deixa o Centro Cultural Boa Vista para assumir a coordenação do Pavilhão da Cultura Afro-Brasileira — Zumbi dos Palmares, espaço cultural focado na temática racial. Fevereiro: Em parceria com o escritor e cordelista Francis Gomes cria o projeto Livro na Porta, que visita as escolas estaduais da região do Alto Tietê expondo livros à venda de autores regionais. Abril: Leva à cidade de Suzano os escritores Milton Hatoum, Zuenir Ventura, Chacal e João Carlos Marinho. Lança o 6º Concurso Literário de Suzano — Edição Carolina Maria de Jesus, aberto a todo o Brasil. Implanta o Ponto de Cultura Círculo das Letras, um centro cultural na periferia do Jardim Revista, em Suzano, voltado para a literatura. Maio: Finaliza a produção do romance Estação Terminal. Julho: Inicia a produção do projeto de áudio CD de Literatura. Agosto: O romance Graduado em Marginalidade é adotado pela rede de ensino Sesi/Suzano para leitura obrigatória. Faz lançamento duplo dos livros: Estação Terminal (romance) e Peripécias de Minha Infância (infantojuvenil), e percorre todo o estado de São Paulo com o projeto Caravana de Lançamentos, visitando cerca de 40 saraus. Outubro: É convidado pela Unesco e pelos Ministérios da Justiça, Cultura, Educação e Desenvolvimento Agrário para desenvolver o projeto "Uma janela para o mundo", de incentivo à leitura para agentes e internos no Sistema Penitenciário Federal. Novembro: Inicia o projeto "Uma janela para o mundo", em parceria com a escritora paraibana Maria Valéria Rezende. 208


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Dezembro: Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária VI, que reúne 22 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, assinou o prefácio.

2011 Fevereiro: Organiza e lança o CD de Literatura, projeto de áudio e vídeo no qual 17 escritores da Associação Cultural Literatura no Brasil interpretam seus próprios textos, sem o auxílio de arranjos musicais, usando somente a voz e a entonação. Cria o projeto Comunidade do Conto, que incentiva a produção literária através de encontros mensais temáticos. Março: Participa da antologia Je Suis Favela, publicada na França, com participação de nove autores brasileiros. Setembro: O livro de contos Manteiga de Cacau é selecionado pelo ProAC (Programa de Ação Cultural), da Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, para produção e publicação em maio de 2012. Novembro: É contratado pelo Governo do Estado de São Paulo para ministrar oficinas de criação literária nos municípios paulistas, por meio do projeto Viagem Literária. Dezembro: Lança, em parceria com a Prefeitura de Suzano, a revista Trajetória Literária VII que reúne 22 escritores inéditos. Aqui, além da organização geral, assinou o prefácio. Participa da antologia Cadernos Negros vol. 34 – Contos Afro-Brasileiros.

2012 Janeiro: Organiza e lança o CD de Literatura II, desta vez com 24 escritores, selecionados nas edições de agosto, setembro e outubro do sarau Pavio da Cultura. Organiza e lança a antologia Comunidade do Conto, com seis autores.

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Sacolinha é agitador cultural. Faz palestras, desenvolve eventos de literatura e ministra oficinas literárias e de incentivo à leitura.

PUBLICAÇÕES

Obra individual: - Graduado em Marginalidade. São Paulo: Scortecci Editora, 2005, 1ª edição. - 85 Letras e um Disparo. São Paulo: Editora Ilustra, 2006, 1ª edição. - 85 Letras e um Disparo. São Paulo; Global Editora, 2007, 2ª edição. - Graduado em Marginalidade. Rio Janeiro: Confraria do Vento Editora, 2009, 2ª edição. - Peripécias de Minha Infância. São Paulo: Editora Nankin, 2010, 1ª edição. - Estação Terminal. São Paulo: Editora Nankin, 2010, 1ª edição. - Manteiga de Cacau. São Paulo: Editora Ilustra, 2012, 1ª edição.

Traduções: - Je Suis Favela, antologia francesa com contos de nove autores brasileiros (Contos traduzidos: “Yakissoba”, “O aluno que só queria cabular uma aula”, “Degradação”). - Os contos "Devaneio", "Sulfato Ferroso" e "85 letras e um disparo" foram traduzidos para o espanhol e integrama revista NO-Retornable, publicada em 2012, com textos de autores da chamada literatura periférica.

Participação em antologias: - No Limite da Palavra. São Paulo: Scortecci Editora, 2004. 210


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- Artez - Antologia Literária e Artística (vol. V). São Paulo: Meireles Editorial, 2004. - Rastilho de Pólvora - Antologia Poética do Sarau da Cooperifa. São Paulo: ed. dos autores, 2005. - Cadernos Negros volumes 28, 29, 30, 31 e 32 - Contos e Poemas Afro-brasileiros (org. Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa). São Paulo: Quilombhoje, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. - Antologia Novos Talentos da Literatura Brasileira. (org. Ademiro Alves — Sacolinha). São Paulo: Prefeitura Municipal de Suzano, 2007. - Antologia Literatura no Brasil. São Paulo: Editora Ilustra, 2007. - Antologia Amor Lúbrico – Textos para serem lidos na cama. (org. Ademiro Alves — Sacolinha). São Paulo: Prefeitura Municipal de Suzano, 2008. - Cadernos Negros – Três décadas. (org. Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa). São Paulo: Quilombhoje: Seppir, 2008. - Racismo: São Paulo fala – cartas selecionadas da campanha cultural 120 anos de abolição. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 2008. - Antologia Sarau Afro-mix (org. Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa). São Paulo: Quilombhoje, 2009.

Prefaciou os seguintes livros: - O Trem – Contestando a Versão Oficial, de Alessandro Buzo. São Paulo: Editora Edicon, 2005. - Noite adentro, de Robson Canto. São Paulo: Edições Toró, 2007. - Ecos do Silêncio, de Francis Gomes. São Paulo: All Print Editora, 2011. - Rastros de Palavras, de Hugo Paz. São Paulo: Editora Linear B, 2011. - Memórias de Onã, de Marco Maida. São Paulo: Edição do autor, 2011. - Não temos muito tempo, de Mano Cákis. São Paulo: Edição do autor, 2011. 211


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Participou das seguintes revistas: - Revista Caros Amigos Literatura Marginal — ato III. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2004. - Revista Trajetória Literária números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, e 8. (org. Ademiro Alves — Sacolinha). São Paulo: Prefeitura Municipal de Suzano, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012. - Revista Palmares II – Cultura Afro-brasileira. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. - Revista GRAP — Grafite e Poesia. São Paulo: Editora Unika, 2007. - Revista Catarse. São Paulo: Editora Teatro da Neura, 2008. - Revista Saúde e Sociedade. São Paulo: USP, 2009.

Teatro: - Pacífico Homem Bomba. - Peripécias de Minha Infância.

Áudio e Vídeo: - Videodocumentário do Projeto Cultural Literatura no Brasil. - Videodocumentário Literatura no Brasil II. - Videoliteratura/Projeto Experimental (poemas, contos e cordel). - Videodocumentário Pavio da Cultura 5 anos. - CD de Literatura I e II. PRÊMIOS - III Mostra de Talentos — Escola Oswaldo de Artes - Universidade Mogi das Cruzes — Melhor interpretação e Melhor poesia - Prêmio Cooperifa 1, 2, 3 e 4 - Prêmio Davi Capistrano — Cidade de Bauru 212

- Prêmio Netinho — Militância Cultural


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ENTREVISTAS

Rádio - CBN — Programa Revista CBN - Band News - Rádio Globo - Rádio ABC - Rádio Metropolitana - Rádio DS FM - Rádio Unesp FM

TV - TV Diário (junho — 2007) - Metrópolis — TV Cultura (agosto — 2007) - Programa do Jô — Rede Globo de Televisão (outubro — 2007) - ALLTV — TV pela internet (novembro — 2007) - Programa Manos & Minas — TV Cultura (agosto — 2008) - UPFTV — TV da Universidade de Passo Fundo — RS (agosto — 2008) - TV USP — Programa Quarto Mundo — (novembro — 2008) - Programa Provocações — TV Cultura (janeiro — 2009) - Sala em Debate — Canal Futura (outubro — 2009) - JUSTV — TV pela internet (setembro 2010) - Bom Dia Amazônia — Sucursal Rede Globo (novembro — 2010)

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Revistas - Época - Vida Simples - Rap Brasil - Da Rua - Da Hora (revista do jornal Agora São Paulo)

Jornais - Folha de S. Paulo - Jornal da Tarde - Estado de São Paulo - Diário de São Paulo - Agora São Paulo - Diário de Suzano - Diário de Mogi - Mogi News - Diário do Alto Tietê - Jornal Sete - Boletim do Kaos - Folha Metropolitana

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LUGARES DE VIDA E VIAGEM - São Paulo - Rio de Janeiro - Minas Gerais - Rio Grande do Sul - Ceará - Brasília - Rondônia - Paraná - Rio Grande do Norte - Mato Grosso do Sul

E-mail: sacolagraduado@gmail.com Blog: www.sacolagraduado.blogspot.com 215


Este livro foi composto em DIN. O papel utilizado para a capa foi o Cart達o Supremo Alta-Alvura 250g/m2. Para o miolo foi utilizado o Lux Cream 90 g/m2. Impresso pela Walprint para a Aeroplano Editora em janeiro de 2013.



O cobrador de lotação fez-se leitor assíduo. A leitura da obra de Carolina de Jesus acendeu nele o desejo de ser escritor. O apelido que recebeu em uma aventura profissional foi transformado em pseudônimo e ganhou vida em páginas impressas e virtuais, reportagens da TV e do rádio. Batizado Sacolinha pelo mercado de trabalho informal, Ademiro Alves tornou-se artífice das palavras e ativista da cultura, emprestando inventividade, determinação e talentos individuais a muitos projetos coletivos. Um autor que fez da articulação uma palavra-chave em seu vocabulário e uma marca da sua trajetória. Entre leituras à luz de velas e experiências de gestão cultural, em pouco menos de três décadas de vida já lançou cinco livros de ficção e agora publica sua autobiografia. Em tempos de glamorização de jovens, negros e pobres que contrariam estereótipos, a narrativa de Sacolinha se distingue por não apelar para a vitimização. Nada na história aqui registrada é linear, gradual ou previsível. Um convite ao percurso por um rio de águas correntes e sempre abundantes.

Érica Peçanha Antropóloga e pesquisadora da produção cultural da periferia

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