Poesia Revoltada

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Um senão: da legitimidade do rap

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Partido-alto, repente, rap Recentemente, no Brasil, pesquisadores do rap e mesmo alguns rappers, talvez acusando os golpes desferidos pelos nacionalistas culturais, têm feito um movimento no sentido de propor o parentesco do rap brasileiro com o samba ou o repente nordestino. Spensy Pimentel, por exemplo, afirmaria que: “As tradições orais africanas, que no Brasil ao longo da história se diluíram na miscigenação [...], na segregação americana permaneceram nesses 500 anos para desembocar no rap. Os griots, contadores de história que carregavam na memória toda a tradição das tribos africanas, preservaram suas técnicas em versos passados de pai para filho (como os romances medievais conhecidos ainda hoje no Nordeste, ou os repentistas, emboladores, cantadores e todas as outras categorias de poetas populares no Brasil)” [Pimentel: 1999]. Não se trata de um movimento muito simples. Apesar de os jogos verbais típicos da cultura negra estadunidense, como as dirty dozens, que pesquisadores como Shusterman afirmam estar na origem do rap, guardarem muitas semelhanças com, por exemplo, o repente do Nordeste brasileiro, que Câmara Cascudo define como “a resposta inesperada e feliz, aturdindo a improvisação do adversário” (Cascudo, 1984: 670) durante os desafios entabulados entre cantadores, há um problema não resolvido. O desafio – “disputa poética, cantada parte de improviso e parte decorada, entre os cantadores” – é um gênero que Cascudo situa como de origem portuguesa. Só haveria sinais de sua presença na África como resultado da influência árabe, cujo influxo é visível também na música dos cantadores sertanejos do Brasil (Cascudo, 1984: 287-88). Isso não impediu que o gênero se popularizasse entre negros escravos no Brasil, ali pela metade do século XIX. Alguns, aliás, fizeram muito sucesso. É o caso de Inácio da Catingueira. Orígenes Lessa, que realizou um estudo comparativo entre dois poetas negros da segunda metade do século XIX, ainda na época da escravidão (Luiz Gama e o mencionado Inácio), dizia que – para


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