Poesia Revoltada

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Poesia Revoltada

Carnaval brasileiro”: “Salve a morena/ a cor morena do Brasil fagueiro/ [...]/ salve a lourinha/ dos olhos verdes cor da nossa mata”, de Lamartine Babo. Cláudia Matos mostra como, nesse tipo de samba, as gradações hierárquicas entre etnias e classes sociais simplesmente desaparecem. Aqui, “morenas, louras e mulatas se equivalem em brilho e brasilidade” (Matos, 1982: 52). Esse samba, cuja interpretação do Brasil, ao que me parece, é ainda hoje sedutora, mostra apenas uma faceta do prisma social brasileiro. Por isso, Cláudia chama a atenção para o caráter perfeitamente monológico do texto, “tanto quanto um outro que se encarniçasse em apresentar o povo brasileiro como um eterno sofredor que só tivesse para si a fome, a ignorância, a miséria, a opressão” (Matos, 1982: 52). Cabe indagar se não seria o rap uma espécie de texto avesso ao apologético-nacionalista, e tão monológico quanto. Ao que me parece, em alguns momentos, o discurso rapper radicaliza-se a ponto de apresentar embaraçosos laços com o ponto de vista que pretendia refutar, nomeadamente o discurso propriamente racista e o da democracia racial. Vejamos o caso do rap “Declaração de guerra”. A composição imagina uma guerra em que os negros brasileiros finalmente fazem justiça depois de mais de três séculos de opressão: Acenda a vela à meia noite/ é o código da revolução/ os generais nem imaginam que os pretos estão do lado de cá (MV Bill: Declaração de guerra).

O rapper se mostra desencantado com promessas, sobretudo as do governo, que nunca se realizaram ao longo da história do Brasil: Chega de ouvir esse discurso social chega de ouvir o lenga-lenga racial.

Agora, sua intenção é formar o exército dos sem-terra, sem-fama, sem-grana, dos trombadinhas, mendigos e traficantes, para o qual convoca “as putas, pobres, padres, índios e bichas”, num


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