Fanzine - Semper Fidelis #13 - Cartão do Adepto, Cartão de Gueto!

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DO CONCEITO DE FESTA DOS ANOS 80 À "GUETIZAÇÃO”! CARTÃO ADEPTO, SEGREGAÇÃO! A apresentação do novo modelo para os Grupos de adeptos organizados “cartão do adepto” está na ordem do dia. Para a Torcida Verde, abordar este tema sem fazer uma retrospectiva histórica da conjuntura do “movimento dos grupos de adeptos organizados” em Portugal, torna-se demasiado redutor. Porque o “Cartão do Adepto” não surgiu do nada. O nosso antagonismo em relação ao modelo “Cartão do Adepto” é sobretudo uma questão de identidade. Este nosso posicionamento não adere a quaisquer ondas ou modas efémeras, redutoras e artificiais. A Torcida Verde hoje como ontem não alinha nas modas que alimentam o “manadismo militante” A nossa luta pela afirmação dos adeptos como parceiros de pleno direito do fenómeno sócio desportivo, é uma luta com memória... não nasceu agora. Combatemos a infâme generalização que rotula a generalidade dos grupos de adeptos no campo da delinquência há demasiado tempo, para atirarmos as todas as responsabilidades para aqueles que cozinharam o modelo do “cartão do adepto” no recato dos seus gabinetes, desprezando a realidade vivida pelos adeptos . O modelo do CA teve o precioso contributo daqueles que contribuiram para a imagem estigmatizada do “movimento dos adeptos organizados”/ claques como um antro de delinquência. Para isso contribuiram os sucessivos episódios que causaram alarme social na opinião pública. 2

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TOMAR POSIÇÃO, A CORAGEM...

”A CORAGEM DE SER DIFERENTE...”


TRAGÉDIA GREGA

MADE IN PORTUGAL - À PORTUGUESA! Ousar fazer uma viagem desde os anos 80 até à actualidade, com a legitimidade de quem percorreu quase quatro décadas de acção é tão desafiante como fundamental para percepcionar as causas e eventuais consequências do modelo “Cartão do adepto”. Importa tentar explicitar como este longo caminho levou os adeptos organizados até uma espécie de “tragédia Grega à Portuguesa “onde as opções dos Ultras e pseudo ultras se parecem resumir a “escolher” entre uma série de “males menores”. Importa tentar perceber como foi possivel chegarmos até a este confinamento compulsivo que o modelo do “Cartão do Adepto” quer impor aos adeptos organizados, enjaulando-nos em “Guettos”, interditando menores de 16 anos a aceder a um sector onde a impera o espirito segregaçionista e um clamoroso conçeito de “Bunker”, enclausurando-nos no melhor espirito belicista. A Torcida Verde esteve na vanguarda na luta pelo enquadramento legal do fenòmeno dos Grupos de adeptos organizados, o que nos exige uma tomada de posição em relação à imposição arbitrária do modelo “cartão do adepto”. Importa sublinhar que nos anos 80, o advento da “claques” foi muito bem recebido pelos vários sectores da sociedade, uma vez que este novo fenómeno trouxe uma lufada de ar fresco nos estádios de futebol, com o apoio organizado que oferecia um colorido e um ambiente festivo até então inexistente. Como foi possivel, volvidas quase quatro décadas, as ruas terem-se transformado numa extenção das batalhas campais que já não ocorrem nos estádios? Algo absolutamente impensável nos anos 80. Como seriam inaceitáveis nos anos 80, a normalização do roubo de faixas, bandeiras e demais materiais ultras dos rivais como troféus, de “ciladas”, “esperas à porta das escolas, porta de casa, ou do trabalho”, destruição de Grafittis, murais como forma de afirmação territorial. Torna-se evidente que tais acções são um ritual de afirmação e de “ascenção social”, sob rigorosa avaliação dos “capos” dentro de um grupo onde se trocam as cores dos clubes por camuflados, roupas indeferênciadas de reputadas marcas de “Streetwear”. A acção principal desses grupos vive um trepidante ciclo vicioso “vendetta em vendetta”. Quando metidos em embrulhos, safam-se os “socialmente relevantes” nem que para isso tenham que os advogados safos pelos papás tenham de fazer acordos de bastidores com os seus colegas da tribo rival. Os “outros” que se desenrasquem. Esta descrição, pareçe um retrato do submundo das ruas de “Brooklin”, nunca de grupos de adeptos de apoio a um clube nascidos nos anos 80. Crescente falta de cultura civíca e desportiva, excessiva futebolização dos clubes, o advento do desporto negócio, onde as crianças pagam avultadas mensalidades para praticar desporto, são novas realidades onde emerge um novo paradigma que celebra o culto do consumo imediatista. Neste contexto pululam os militantes consumistas, voyeurs do novo milénio, fieis do admirável mundo virtual. São os “Guerreiros do teclado” recusando a visão enquadrada, vegetam numa visão tão quadrada como o visor do seu monitor onde se “normaliza o discurso do ódio”, com uma atitude maniqueista, redutora que os leva de forma imperceptivel a racionalizar o que seria “irracional”, inconcebivel nos tais anos 80. Como explicar este manadismo militante é o desafio que nos propomos com esta intrépida publicação. torcidaverde.pt

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ANOS 80, A INFANTILIZAÇÃO DAS CLAQUES Na Torcida Verde, desde cedo nos inconformámos com a infantalização do fenómeno das claques que desde esses anos 80, estigmatizava os grupos de adeptos como inconscientes, imaturos, irresponsáveis, o que facilmente os colocava no campo da boçalização e da imbecildade, esgotando-se a sua acção no incessante apoio vocal e no colorido e animação aos estádios. Neste conceito redutor, os adeptos das claques são aqueles sempre disponiveis, com uma paixão e entrega incondicionais onde é fácil confundir o "amor ao clube" com a reverência aos dirigentes todos poderosos.

UMA BANDEIRA DA TORCIDA VERDE NO RELVADO DA LUZ O espiríto de festa dominava a acção das “claques” dos anos 80. As rivalidades, ainda que assumissem uma centralidade inquestionável, em circunstância alguma poderiam ser “argumento” para os adeptos se envolvessem em confrontos fisícos. A eterna rivalidade com os vizinhos da 2ª circular, sempre presente nos adeptos leoninos, havia sido mitigada com a tácita aliança derivada da conquista dos titulos de 80 e 82, com os adeptos dos 2 rivais de lisboa a “festejarem” a conquista do campeonato para os verdes e brancos e a taça para os seus rivais. Nesses tempos o rival estava no norte. Ainda que na Torcida Verde nunca tenhamos vivido esses tempos, a verdade é que nos primeiros anos, os nossos elementos eram na sua esmagadora maioria estudantes liceaís, socializando com seus colegas e amigos do clube rival e da claque rival. Esses, eram os anos do primeiro “boom das claques organizadas”. Anos sem escoltas policiais, onde imperava o entusiasmo, o fanatismo limitado por um superior sentido de respeito. As picardias esgotavam-se nas bocas, quando muito nos canticos “provocatórios”. Foi neste contexto que numa deslocação à Luz na última jornada do campeonato 1985/86 no final do jogo uma bandeira da Torcida Verde irrompe pelo relvado do eterno rival, assim como diversos adeptos que envolveram os futebolistas leoninos. Um episódio que resultara de uma aposta entre membros da Torcida Verde e de outros adeptos rivais. Acabaram por se encontrar no relvado. Na altura ninguém sentiu tal iniciativa como uma “provocação” ou numa invasão ao “território inimigo”. Foi uma acção espontânea que resultou do ambiente festivo que prevalecia. 4

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COM A SELECÇÃO NO JAMOR,CLAQUES RIVAIS LADO A LADO Este espirito inicial era transversal a nivel nacional. Basta para isso evocar jogos da selecção nacional no Jamor onde estavam lado a lado grupos dos principais clubes rivais, com a presença da Torcida Verde desde a primeira hora.

ANADIA 1988 SUPERTAÇA HÓQUEI COM FC PORTO, AUTOCARROS PARQUEADOS Em 1988, na deslocação à Anadia para a final da Taça de Portugal com FC Porto, vivemos um outro episódio revelador do ambiente que dominava a maioria das “claques”. Numa altura em que não existia qualquer acompanhamento policial, nem quaisquer medidas securitárias especiais, mal tinhamos saído do autocarro, irrompe um autocarro com adeptos portistas que foi parqueado precisamente ao lado do nosso! Com os episódios da meia final da Taça de 1986 ainda presentes na nossa memória, os primeiros de onde resultaram os primeiros graves confrontos, tendo como “alvo” os adeptos leoninos; a surpresa pela chegada do autocarro azul e branco causou natural ansiedade.

Para contextualizar esses eram tempos da febre da correspondência entre os membros das claques que trocavam materiais com outros adeptos europeus e nacionais. Ainda que rivais, a troca de materiais entre adeptos estava disseminada. É então que, informalmente se encontram e se conhecem adeptos da Torcida Verde e de um novo grupo portista “SD”, que trocavam materiais entre si. Nessa jornada percebemos que o episódio da meia final de 1986, não tivera como protagonistas os membros do “SD”, nem das claques azuis e brancas; resultara do ambiente crispado que durante anos e anos “envenenara” a generalidade dos adeptos, fruto das guerras entre os dirigentes. torcidaverde.pt

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DE RIVAiS A INIMIGOS A “infantilização” das claques, foi desde sempre, muito conviniente para os dirigentes mas também para os “claquistas” que dessa forma se desresponsabilizavam mutúamente, sempre que se deparavam com “incómodos” episódios mediáticos. Dirigentes e os acólitos “claquistas” viviam num implicito equilibrio no qual os dirigentes tinham ascendente sobre as claques, através dos apoios que lhes facultavam. Com o crescimento das claques, surgiriam os “inevitáveis” desacatos; episódios invariávelmente justificados com a “informalidade e heterogeneídade” dos adeptos claquistas. As claques, cedo se aperceberam que o mediatismo desses “episódios” lhes ofereciam maior base de recrutamento e mais poder junto dos dirigentes cada vez mais envolvidos nas suas guerras de estimação, para os quais eram preciosas “tropas de choque”. As rivalidades desde sempre alimentaram a competitividade entre os clubes, contribuindo para o seu crescimento e a sua relevância social; com a eclosão das guerras entre os dirigentes e a afirmação das claques como “guardas pretorianas” destes; passou-se para um outro nivel onde os rivais passam a ser inimigos - extracto de um text o assinado pela Torcida Verde, editado em 1992 numa publicação sobre a violência nos estádios.

NÃO UMA CLAQUE Na Torcida Verde, nunca nos identificámos com o conceito de “claque”, demasiado redutor, demasiado associado a uma mentalidade “caciquista “ na qual prevaleçe uma reverência canina dos “seguidores” em relação ao cacique. Neste caso, dos membros da claque em relação ao presidente do clube e seus acólitos, onde prevaleçe uma gritante confusão entre o amor ao clube como colectividade e a reverência para com a figura presidencial e a “nomenklatura” que o rodeia.

NADOS E CRIADOS FORA DO “ESTABLISHMENT” Mas também, porque na verdade, nascemos fora do "establishment" que rodeava a "nomenklatura" do SCP. A Torcida Verde nasceu do Sporting, clube do Povo, muito longe dos bastidores e dos corredores de Alvalade e sem qualquer acesso ao tal "establishment" dirigente. A descoberta do fascinante "movimento Ultras"


no final dos anos 80, levou-nos à descoberta de um novo mundo, o qual completava a nossa identidade clubista, centrada numa incontida vontade de participar na construção do SCP. Para isso, foram necessários anos de presença constante nas diversas modalidades de um clube que se afirmava como a maior potência desportiva nacional. A afirmação da Torcida Verde fez-se no terreno, nos jogos; nunca nos bastidores que nos estavam vedados. A indomável disponibilidade da Torcida Verde para participar na vida do clube, começou por contagiar seccionistas e naturalmente outros militantes da causa verde e branca. Importa sublinhar que esses, eram os tempos em que os seccionistas trabalhavam em regime de voluntariado. E muitos outros dirigentes e colaboradores, em regime de "pró bono".

PINTURA EJA E MUSEU DO SCP É neste sentido que podem ser entendidas as participações da Torcida Verde na vida do SCP. Em 1988 no projecto da primeira biblioteca do SCP , da implementação em 1991/93 do protocolo entre o SCP e o “Projecto Vida Mais” que mobilizaram mais de 5000 jovens do distrito e Lisboa, da pintura das bancadas do EJA em 1991 ou da edificação do museu do clube em 1994/95.


“MAIS QUE UMA CLAQUE DA BOLA” Na carta que enviámos para os dirigentes do Sporting, para apresentação da iniciativa com o “Projecto Vida Mais, idealizada pela Torcida Verde: “A vida do SCP, clube de utilidade pública, não se esgota nos 90 minutos de um jogo de futebol; assim como a acção da Torcida Verde não se limita a mobilizar adeptos para apoiar as várias equipes do nosso Clube. Somos mais que uma claque da bola. A iniciativa que propomos implementar no terreno, sob a bandeira do SCP, pretende intervir junto da comunidade juvenil do vasto distrito de Lisboa. Desta forma, a Torcida Verde estará a participar na expanção do ideal leonino e das suas responsabilidades sociais. O relacionamento formal com os dirigentes do clube, aconteceu em Maio de 1988, com a oficialização da Torcida Verde, entáo como Nucleo do SCP. Depressa sentimos o peso de um relacionamento exigente, pejado de obstáculos o que pode ser explicado pela dimensão e complexidade do mesmo. A nossa vontade de intervir na vida do clube era dificultada também pela tal “infatilização” que estigmatizava as “claques”, algo que contagiava a generalidade do dirigentes. Os sucessivos obstáculos que foram surgindo ao longo da iniciativa com o “projecto vida mais”, incentivaram-nos a conquistar autonomia perante os dirigentes do clube, o que seria conseguido com aquisição de “personalidade jurídica “ em 1994.

“A GRANDEZA DO SPORTING DESPREZA A VIOLÊNCIA” Estas iniciativas no campo sócio desportivo, tinham o condão de nos fazer demarcar do ambiente belicista que galopava por entre as claques. Em 1994, ousámos intervir num tema “maldito”; a violência organizada. “A grandeza do Sporting despreza a violência” foi o tema de uma conferência em forma de manifesto, onde desafiámos os dirigentes do SCP a participar. Uma iniciativa que não terá sido “bem digerida” na ordem dominante para a qual falar de “violência”, mais que um incómodo, era um tabú. 8

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NÃO CONTROLAMOS O ESPAÇO NEM BANCADAS” Na década de 90 com a eclosão dos primeiros episódios, que causaram furor mediático, pelos desacatos entre “claques”, na Torcida Verde percebemos que emergia nos principais protagonistas a “Teoria da Desesresponsabilização”, com a qual nunca pactuámos. Nesse contexto, não participámos numa iniciativa em Lisboa que tinha como slogan. “Não controlamos espaço nem bancadas”, uma iniciativa que já na altura nos parecia uma deslavada tentativa de “branquear” sucessivos episódios de violência premeditada, desvalorizando-os, sacudindo “água do capote”. O tempo viria a desmontar uma iniciativa tão mediática como frágil como os futuros confrontos a assumirem uma escala nunca vista, até então. A nossa leitura do “movimento Ultras italiano” apontava-nos outro caminho. O “auto-controlo interno” como único meio para impedir a proliferação dos desacatos, assim como as infiltrações exteriores ligadas a grupos extremistas.

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A acção de grupos fundadores do movimento Ultras italiano mostrava-nos esse caminho onde existiam valores que viviam com as rivalidades. O respeito, a dignidade e a coerência entre os Grupos impunham, implicitamente os limites para o escalar dessa rivalidades. Grupos como os Ultras Titto da Sampdoria, os CUCS e os Fedayn da AS Roma, a Fossa dei Leoni do AC Milão, dos CUCB e os Fedayn do Napoles, da Fossa dei Grifoni do Genova, os Boys Parma, BNA Atalanta, Curva nord Brescia, os Ultras Granata do Torino, BGB do Modena e os CAV da Fiorentina eram para nós, alguns dos baluartes do movimento e as nossa referências. Se adoptassem a “mentalidade Tuga” as cidades italianas seriam transformadas em palcos de infindáveis batalhas campais. Aliás, a dissolução dos pricipais grupos fundadores do movimento Ultras ao longo dos anos 90 e depois no novo milénio contribuiu para o seu afundamento.


PRIMEIRA ESCOLTA À LUZ 1993 Em 1993, o clima belicista nas claques tugas reflecte o ambiente entre os dirigentes “desportivos”. A fuga de Futre para o eterno rival, na semana da deslocação à Luz, potenciou o antagonismo entre os adeptos rivais, para gaúdio dos fundamentalistas que operavam nas claques que dessa forma tinham “combustível” para divulgar o discurso do ódio. Desde o ano de 1992, os midía denunciavam infiltrações extremistas nas claques, causando o primeiro “alarme social” no país. Neste quadro, a deslocação à Luz colocou as autoridades em “alerta”. Foi organizada a primeira escolta realizada em Portugal. Na RTP, a Torcida Verde

procurava desanuviar o ambiente; “Os adeptos, ainda que rivais têm mais preocupações em comum que os deveriam juntar como os horários dos jogos, as quais deveriam reduzir as ancestrais rivalidades ao que são. Rivalidades. Quem esteve mal neste episódio foi o futebolista que voltou com a palavra atrás. Se o Sporting lhe pagasse mais, teria vindo para Alvalade. Só de pensar que estava eufórico com o regresso dele ao SCP e depois roeu a corda, não dá para nos sentirmos traidos, mas para nos sentirmos ridículos por termos acreditado naquela personagem”.

PENSAM QUE SOMOS TÓTÓS POR NÃO ANDARMOS À PORRADA A crescente degeneração do ambiente no meio “claquista” alimentou os midía, ávidos de perscutarem os bastidores. Em 1993, o suplemento de um jornal desportivo foi dedicado ao tema das “claques”. O foco estava centrado nas infiltrações racistas e xenófobas. Para além de nos termos demarcado liminarmente desses grupos, completamente exógenos à nossa acção e contrários à nossa identidade e do nosso Clube, o jornalista escolheu para titulo: “ Pensam que somos Tótós por não andarmos à Porrada”. Um titulo que resumia a mensagem que transparecia da nossa acção, mas também da “mentalidade” dominante na “nova ordem”. Em maio de 1994, ocorrem nas Antas episódios de assinalável violência, os quais tiveram um enorme impacto mediático. Desses episódios resultaram feridos entre membros da Torcida Verde.

No final da época, a final da Taça de Portugal no Jamor colocava frente a frente SCP e o FCP. Conscientes de que, uma vez mais esse embate poderia ser instrumentalizado para o tal “discurso do ódio”, decidimos assumir nossas responsabilidades como agentes de dissuasão desses ambiente belicista. Dessa forma, desenvolvemos uma acção simbólica para desanuviar a conflitualidade, ofereçendo mihares de chocolates aos adeptos dos dois clubes. “Não iremos permitir que em nome da barbaridade de que fomos alvo nas Antas, possa ser manipulada para aumentar essa barbaridade num ciclo vicioso que nunca irá parar. Temos a certeza que a generalidade dos adeptos do Porto não se revêm no que aconteceu nessa 4ª feira de Maio”. Nos midia a iniciativa foi apresentada “Chocolates em vez de sangue”. torcidaverde.pt

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No final da década de 80, a descoberta do movimento Ultras italiano foi um ponto de viragem. Até então, pode dizer-se que viviamos numa realidade que fundamentava a inevatibilidade da visão “claquista” do grupos organizados na tal relação “caciquista” como correias de transmissão dos dirigentes dos clubes. Uma acção limitada a uma acção redutora e limitada com a qual nunca nos conformámos. A descoberta do movimento Ultras apresentou-nos uma realidade coma qual nos identificámos, sobretudo pelos seus valores fundadores. A forte ligação com a comunidade local onde operavam muitos grupos Ultras, tinha um efeito mobilizador dos adeptos. A ligação com a comunidade social é uma caractristica do movimento Ultras, impelindo-os a um forte sentido participativo e interventivo. A identidade do clube e da comunidade local fundiam-se. Valores como a insubmissão, a autonomia, o inconformismo, a solidariedade, a espontaneidade, a criatividade, a agressividade, para além de “um fortíssimo apoio às cores do clube”, muitas vezes no campo da “irracionalidade” estão presentes desde o inicio do movimento Ultras no final dos anos 60. Nos conturbados anos desse final de década, marcados por uma fortíssima contestação juvenil que irrompeu por toda a europa, os primeiros grupos Ultras são o reflexo de uma sociedade em mudança. São os anos do “Maio de 68”. Em Itália, o movimento Ultras fundador “vive” a realidade dos Centros Sociais, então lugares de agregação juvenil onde convergiam jovens que reflectiam as tendências e preocupações de então. Essa forte ligação entre os “Centro Sociais” e os grupos Ultras iriam permaneçer durante décadas, mantendo a matriz identitária do movimento . Foram os exemplos de Milão com o mitico “Centro Social Leoncavallo” e o eterno Grupo Ultras do AC.Milan “Fossa Dei Leoni” mas também na Curva Sud de Roma, Modena, Bologna, Pescara, Terni, Perugia, Livorno, Pisa, Torino entre outras tantas regiões. Mapa dos Centros sociais em Ítalia

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FdL e BERLUSCONI

Em plena década de 90, eclode um episódio emblemático. Numa eliminatória da principal competição europeia de clubes, o AC.Milan recebeu em San Siro o Austria de Wien. Da curva sul uma tocha aterrou junto à área do guarda redes visitante que se contorçeu por largos minutos no relvado, levando a interrupção do jogo. Os dirigentes milanistas temeram a “mão pesada “ da UEFA. Foi então que o proprietário do AC.Milan Silvio Berlusconi declarou “Os adeptos do AC.Milan nada tiveram a vêr com o incidente”, lançando o dedo acusatório para “os delinquentes do Centro Social Leoncavallo” Estas declarações causaram uma onda de revolta no grupo guia da Curva Sul “Fossa dei Leoni”, o qual mantinha estreita relação com o Centro Social desde os seus primeiros anos. “ Silvío, se estás a acusar os militantes do “Leoncavallo” estás a acusar-nos a todos nós!”podia lêr-se no comunicado da FdL que anunciou acções de protesto, de resto acompanhadas pelos restantes grupos da Curva Sul. Um episódio que aconteçeu no periodo de apogeu do AC.Milan como dominador do futebol italiano e europeu, no qual Berlusconi era tão só, o “todo poderoso” em Milão. Um episódio revelador da genuina mentalidade Ultras. Solidariedade, integridade, a coerência, a luta constante contra o preconceito, contra a tentativa de encontrar

bodes expiatórios, mas sobretudo, assumir as consequências da acção e sublinhe-se, desenvolver a autonomia perante os dirigentes. Perante o poder instituido. “Máxima Autonomia perante dirigentes. Só dessa forma, um verdadeiro grupo Ultras pode conquistar a plena liberdade para defender a sua identidade, como vanguarda dos valores do Clube”. Estes são os valores da genuina e autêntica “mentalidade Ultras” que em Portugal nunca passou de um “slogan”, uma “imagem de marca”, artificial como qualquer moda, tornado um episódio destes numa fábula. O modelo Ultras centrou-se na forte ligação às forças vivas da comunidade local. Nesse sentido, a original identidade ultras estava aberta à participação popular e reflectia a sua heterogeneidade. A Curva era um espaço aberto, inclusivo, reflectia a realidade sócio juvenil emergente.

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O Ã H L I 1M S A R T UL Num extenso artigo a revista “Supertifo” revela “A curva é um imenso laboratório das tendências juvenis na sociedade italiana”, anunciando que “Estimam-se existirem mais de 1 milhão de Ultras, disseminados por toda Itália em milhares de Grupos Ultras”. Os intrinsecos valores do movimento Ultras, foram sendo colocados à prova com as inevitáveis contradições do mundo do futebol. Em Roma, eclode um episódio que viria a marcar o movimento Ultras, ainda no inicio dos anos 80.

CASO MANFREDONIA

O PRINCIPIO DO FIM DOS JOGADORES BANDEIRA A mudança do antigo capitão da Lazio, Manfredonia, para a AS Roma causou ondas de choque. Dentro dos CUCS Roma, grupo bandeira da Curva Sul (Commando Ultra Curva Sud) a “Velha Guarda” considerou tal transferência uma afronta perante a identidade Ultras. “Manfredonia irá vestir as nossas cores por dinheiro. Enquanto estiver na Roma, queremos dizer que não aceitamos um mercenário envolvido na combinação de resultados (escandalo das apostas desportivas que envolveu Manfredonia)”. Foi assim que nasceu na Curva Sul a faixa “GAM” - Grupo Anti manfredonia, vizinha a uma outra nova faixa “Vecchio CUCS” “Como podemos aceitar no nosso amado Clube, aquele que há uns meses atrás tanto hostilizámos. Tal hostilidade era profundamente sentida. Um estado de alma de quem não esqueçe as ofensas 14 torcidaverde.pt

que nos dirigiu”. “É-nos impossivel “engolir” esta tranferência. Não nos exijam que passemos a idolaterar alguém que ontem era um alvo, a bandeira do nosso rival”. Quando o futebolista, terminou a ligação à A.S. Roma, a faixa foi retirada da Sul, acompanhada de um eloquente comunicado reafirmando sua posição. Um mitico episódio, revelador de uma mentalidade intrépida, assumidamente “exagerada”...mas autêntica e genuína! Uma mentalidade alimentada por sentimentos que o futebol negócio mitigou com o discurso do “fim do amor à camisola”, o crescente poder dos “agentes jogadores”, as transferencias pornográficas e a transformação do futebol num “espetaculo televisivo”. Em Portugal esta mentalidade nunca “pegou”...porque tal era contra a onda dominante da massa adepta. Sempre foi mais cómodo e lucrativo entrar na onda idolátra. Vulgarizaram-se episódios em que jogadores de clubes rivais, ontem ódiados, passaram a ser “amados”...em nome do “momento”.


UMA TRANSFERTA MITÍCA DA FDL 25000 EM BARCELONA A conquista do mundial de 1982 pela selecção Italiana, causou uma euforia por toda a península transalpina, o que se reflectiu no crescimento exponêncial do movimento Ultras que ganha dimensão massiva. Exemplar a deslocação de 80000 adeptos milanistas a Barcelona na final da Taça dos campeões Europeus, dos quais cerca de 25000 foram mobilizados pela” Fossa dei Leoni”, no ano de 1986. Esta massificação continuaria ao longo da década de 80, com novas consequências no rumo do movimento Ultras que absorveu novas tendências e hábitos emergentes numa sociedade notóriamente consumista.

ANOS 90 QUEDA DOS VALORES Os anos 90, trariam mudanças geracionais mas também geopolíticas, provocadas pela queda do “Muro de Berlim”, a ascenção de movimentos segregacionistas como a “LigaNord” na Lombardia, de grupos pan-nacionalistas; acompanhando de resto uma tendência europeia. Esta nova realidade, potênciou a agressividade, património indiscutivel do movimento Ultras, para um outro patamar com o escalar dos confrontos.

“ULTRAS COMO BANDOS DE TERRORISTAS” Em 2004 a morte do adepto Gabrielle Sandri no rescaldo de confrontos numa bomba de combustivel, após disparos de um policial foi revelador de quão afastado estava o moribundo movimento Ultras da comunidade. Um inquérito de opinião divulgado, apenas alguns dias da morte do malogrado adepto indicava que uma percentagem enorme dos Italianos consideravam os “Ultras como bandos de terroristas”.

FUTEBOL NEGÓCIO, TIFO NEGÓCIO!

A Curva aberta, agregativa, unificadora dos adeptos foi tomada pela “Curva Bunker” e pelo infâme “Tifo Business” que gere a acção dos grupos como um negócio. Esta militarização dos grupos afasta-os da comunidade onde estão inseridos. O que era festa, agregação transforma-se “numa guerrilha urbana”. A degradação do ambiente, aconteçeu ainda nos anos 90 com a dissolução de grupos emblemáticos, alguns dos quais fundadores do movimento. torcidaverde.pt

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FOSSA DEI LEONI FORTITUDO

QUANDO OS ULTRAS REERGUEM O CLUBE! A resistência do genuino movimento Ultras é agora interpretada por intrépidos militantes que continuam na luta pela identidade e autênticidade dos valores de sempre. A saga do Grupo Ultras do clube de basquetebol Fortitudo Bologna, Fossa dei Leoni, o qual conseguiu reerguer um clube “extinto” pelas autoridades na sequência de processos de falência é uma prova de vida inspiradora, para todos os apaixonados do movimento. Uma luta travada pelos Ultras da FdL no novo milénio, onde estiveram presentes os valores ultras. A mobilização da comunidade, pelos Ultras da Fossa, numa longa luta pela recuperação da Fortitudo é um dos episódios mais poderosos de força, resistência e militância.

EM MILÃO COM FDL E BRN!

CONFERÊNCIA COM PRESENÇA DE VÁRIOS GRUPOS ULTRAS! No dia 10 de Junho de 2012, a casa Baraonda (centro social na preferia de Milão) organizou uma confrência com vários representantes de grupos ultras, com objectivo de debater ideias e falar sobre o futuro do “movimento ultras”. A Torcida Verde foi um dos grupos convidados assim como os fundadores da Fossa dei Leoni e a Brigate Rossoneri do Milão, que partilharam connosco as suas incríveis histórias, as suas posições e as suas lutas durante as suas três decadas de actividade. No evento participaram também a Fossa dei Leoni do Fortitudo de Bolonha, Os Green Brigage do Celtic, Herri Norte do Athletic Bilbão. Uma jornada inesquecivel para os nossos militantes. 16 torcidaverde.pt


50 ANOS DO MOVIMENTO ULTRAS

“O MAIOR MOVIMENTO JUVENIL DEPOIS II GUERRA MUNDIAL” Em 2018, a Torcida Verde apresentou um mega tifo de evocação dos 50 anos do movimento Ultras. Numa mega bandeira podia lêr-se: “Unione, Liberi, Tradizione, Rispetto, Autonomi, Solidali” Noutra estavam os simbolos de dezenas de Grupos Ultras que edificaram o “movimento Ultras” alguns dos quais seus fundadores. Na história desses grupos está também a inspiração para muitas das acções da Torcida Verde. Desgraçadamente, o “movimento Ultras” chegou a Portugal no inicio da fase de declínio dos seus valores, substituidos pelo tifo business, pelo impacto mediático dos confrontos, pelo voyeurismo e o “culto do momento” imposta por uma sociedade cada vez mais consumista e individualista que impossibilitaram episódios como os de Roma com a transferência de manfredonia da Lazio ou o “clash” entre a FdL Milão com Berlusconi por causa do caso com o Centro Social Leoncavallo. A mistura do “culto do momento” com o “Voyeurismo” esqueçem valores como a solidariedade, a amizade, a coerência em detrimento do egoismo, do individualismo ...do consumismo! torcidaverde.pt

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ROQUETTISMO, A UM PASSO DA CLANDESTINIDADE A mudança de paradigma com o projecto roquette, em Maio de 1995 também teve impacto directo no diálogo com a “Nova Ordem” que se instalou em Alvalade: Um diálogo que passou a ser praticamente inexistente até ao inicio do novo milénio. Neste logo periodo sentimos na pele, a ausência de um relacionamento formal com os dirigentes de então, o que se reflectiu na nossa acção numa espécie de regresso ao passado. Um periodo em que vivemos num regime de semi-clandestinidade. Por outro lado, o ambiente belicista que tornava a acção das claques demasiado redutora causa os primeiros episódios de alarme social. Jamor 1996, terá sido o mais dramático e o mais mediático. Antes desse episódio já haviamos intervido jun-

QUANDO A REALIDADE NOS IMPELE A AGIR O alarme social causado pelo episódio de 18 Maio 1996 acelerou uma catadupa de audiências na AR .Foi nessa conjuntura que no inicio do verão de 1996 teve lugar uma inédita iniciativa pública sobre a “questão das claques” na sala do senada da AR, na qual a Torcida Verde participou, dando sequência às primeiras audiências com os diferentes grupos parlamentares. Nessa iniciativa, tivemos oportunidade de fazer uma retrospectiva da assinalável mudança que o ambiente nas claques havia sofrido, desafiando os presentes a aprofundar as causas da morte do adepto Rui Mendes no mês Maio. “Quando a Torcida Verde nasceu em 1984, era impensável podermos estar na AR a participar numa infâme discussão sobre claques, desporto e morte. A banalização de sucessivos incidentes, 18 torcidaverde.pt

quantos deles alimentados pelas guerras entre dirigentes podem explicar como chegámos até aqui. A escala dos confrontos “normalizaram-se” no seio dos adeptos e na comunicação social. As audiências que solicitámos, antes desta tragédia, tinham fundadas preocupações, como demonstrou a morte de Rui Mendes. Como afirmámos nas audiências que precederam esta iniciativa .... “Quando a realidade nos impele a agir, não podemos ficar de braços cruzados “Foi por isso que procurámos as instituições. É por isso que estamos aqui hoje!” A partir desse momento, as nossas intervenções nunca pararam, e em 1998 é publicado o primeiro diploma legal sobre o tema das “claques”. A denominação “claques” presente no vocábulário institucional, foi um termo que a Torcida Verde fez questão de se demarcar junto das instituições, lutando para que a denominação “Claques” não constasse em qualquer futuro enquadramento legal. Também na nossa fanzine, insistimos na demarcação do termo “claques”. “Não somos claques - Somos Ultras!” Ao mesmo tempo na Torcida Verde, intensificámos nossas acções sócio desportivas que culminaram com a assinatura do histórico protocolo com a CML - pelouro do desporto.


CONTEXTO INTERNACIONAL FAN-PROJEKT - BIELEFELD

A nivel internacional, viviamos o acentuado declinio dos valores do mitico movimento ultras italiano.Por outro lado, no final dos anos 90 descobrimos o movimento ultras alemão. Essa descoberta, levounos a conheçer uma nova realidade: os “Fan Projekts” O complexo processo de reunificação alemã teve um considerável impacto na sociedade germânica. Também nos estádios. Nas curvas, os grupos foram confrontados com “velhos fantasmas” que haviam conduzido o povo alemão à “ Apocalipse” da II Guerra mundial, a qual causou cerca de 80 milhões de vitímas. O ressurgimento de antigos fantasmas extremistas nos estádios fez soar as campainhas. As forças vivas da sociedade germânica, estavam conscientes de que nos momentos de grande insegurança social e económica surgem as crises identitárias, ressurg indo antigos ressentimentos, explorando “lugares comuns” e com eles os “bodes expiatórios”, convinientemente culpados de todos os males, catalizando dessa forma a revolta e as frustrações das populações em ódios irracionais. “Sabemos como as multidões podem ser manipuladas pelo discurso

do ódio, sobretudo se estiverem desorientadas, revoltadas. Sabemos onde pode levar esse ódio. Esses ódios podem levar aos crematórios de Aushewitz ou Treblinka!” Extracto de uma publicação sobre os insultos racistas ao futebolista africano...As instuições em conjunto com a sociedade civil juntaram forças e implementaram um inovador projecto multidisciplinar que teria um impacto directo nas curvas. O conceito “ FanProjekt” agregou em cada estado federal ,em cada comunidade representantes dos diversos “grupos de Fans” , dos diversos Clubes, escolas, antrópologos, autarquias, sociólogos, forças de segurança e demais forças sociais. O objectivo passou por integrar o “movimento dos fans” na sociedade civil, através da participação activa num modelo onde assumiriam responsabilidades mas também capacidade de intervenção. Este modelo dos “Fan Projekts” teve um impacto directo, também nos dirigentes dos clubes, com função: Levando-os a assumir suas responsabilidades, não os deixando escapulir por entre o limbo da indefinição. “O futebol é um desporto de paixões. Sabemos

como as paixões se podem revelar irracionais pela componente emocional. A paixão pelo futebol não é um crime. Nossos filhos, nossos operários, nossos médicos têm paixão pelo futebol. Isso não faz deles criminosos. Também não podemos deixar que, em nome dessa paixão, possam adoptar-se ideologias criminosas. Sabemos que existem “Forças extremistas” prontas a manipular essa paixão, transformando-a em ódio. Teremos de estar atentos e ofereçer aos adeptos as ferramentas para não se deixarem manipular. Isso não acontecerá se os deixarmos sózinhos” - Extracto de uma publicação alemã sobre o nascimento dos “Fan Projekts”. torcidaverde.pt

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Desta forma não os deixavam sózinhos perante as infiltrações extremistas. Foi um caminho dificil, mas os resultados falam por si. Os “Fan Projekts” disseminaram-se por toda a Alemanha. Os Ultras alemães conquistaram grandes vitórias como parceiros de pleno direito no fenómeno desportivo germânico. Volvidas mais de duas décadas, a força do movimento ultras alemão está patente nas lutas e conquistas em questões como o preço bilhetes, horários jogos ou da regra dos 50+1 sobre a propriedade dos seus clubes.

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ALTERNATIF ULTRAS

REPORTAGEM REVISTA ALEMÃ! A reportagem que a revista alemã,”Match Life” especializada no tema do movimento ultras,dedicou à Torcida Verde apresentava o sugestivo titulo “ Alternatif Ultras” . Nessa reportagem, estavam descritas as diversas acções desenvolvidas, dentro e fora do clube, nomeadamente com a sociedade civil, destacando o carácter interventivo e o alcançe social das iniciativas. Tal como acontecia com muitos dos grupos Ultras germânicos. O aprofundamento do fenómeno dos “Fan Projekts” com o qual tivemos contactos directos, motivou-nos a apresentar este modelo junto das instituições. Neste particular, destaque para a acção do núcleo da Alemanha da Torcida Verde, então sediado em Dortmund. Foi-nos possivel participar em acções com “Fan Projekts”, nomeadamente numa relevante iniciativa sócio deportiva em Bielefield, dando continuidade aos primeiros contactos com os Ultras do Leverkusen por ocasião de uma eliminatória da Liga dos Campeões em 1998. Esta experiência com os “Fan Projekts” impeliu-nos a presentar o modelo alemão no CNVD - Conselho nacional contra a Violência no desporto, criado em 1998, do tal decreto lei que tinha, a Torcida Verde, como único grupo integrante. Também apresentámos o “modelo Fan Projekt” junto de outras instituições como um excelente exemplo para enquadrar os Grupos de adeptos.

CARTÃO DO ADEPTO, IMPOSSÍVEL NA ALEMANHA

“OS GUETOS DE NOVO?”

Quando na Alemanha conheceram o modelo do "Cartão do Adepto", recebemos o incentivo de diversos Ultras participantes na mitica iniciativa mundial"Football Belongs To The People"."Impensável tal coisa na Alemanha. Essa aberração jamaís passaria pela cabeça dos polítcos ou dirigentes. Neste país passámos por duas guerras mundiais e um regime genócida baseado num sistema contorcionário, totalmente repressivo. Fazer da Curva um Gueto? Depois dos Guetos dos anos 40, vão permitir a criação de Guetos dentro dos estádios? Os alemães jamais aceitariam tal coisa. Ficámos com o país destruido. Aqui a abordagem foi outra. Foi pela participação, pela integração"

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ENTRE 4 AGOSTO 1998 E 11 MAIO 2004 Sublinhamos que entre 1998 e maio de 2004, a Torcida Verde foi o único grupo enquadrado na insípida e ineficaz lei sobre esta temática, publicada em 1998, o que não deixa de ser irónico, uma vez que no que diz respeito ao relacionamento com os dirigentes do clube, esse era uma miragem.

DAR A CARA , ONTEM COMO HOJE! A Torcida Verde, em circunstância alguma deixou de assumir suas responsabilidades. Ao contrário, sempre considerámos ser esse o caminho para a credibilização do movimento organizado dos adeptos. Da mesma forma nunca nos escondemos de intervir nos temas “incómodos”, fossem eles o racismo, a xenófobia, a violência organizada, o futebol negócio, o tifo negócio, os agentes jogadores, os A “INDIGNAÇÃO” DOS CARTILHEIROS! comissionistas, os agiotas e os bankgesters que asÉ pois com um misto de escárnio e desprezo que assaltaram o futebol e os clubes, etc etc etc. sistimos a intervenções dos cartilheiros avençados pelos “Donos da Bola”, quais virgens ofendidas a rasgar as vestes, exalando “indignação” perante o tema das claques, argumentando na defesa fundamentalista do modelo do “Cartão do Adepto” como solução para todos os males do universo. Os mesmos cartilheiros que, ao longo das últimas décadas manifestaram a sua “indignação” com um ensurdecedor silêncio!


Neste longo periodo, destaque para o episódio com o director executivo da LPFP Cunha Leal, onde ficou patente o total desprezo dos “donos da bola” em relação ao movimento dos grupos de adeptos e uma gritante ignorância e indiferência em relação ao tal decreto lei de 1988 e às responsabilidades da LPFP nela contempladas.No seguimento do impacto mediático no rescaldo de confrontos entre claques, o então director executivo da Liga, num programa televisivo, confrontado com a inoperância da LPFP perante um decreto lei onde estavam descritos os seus deveres; declarou não terem os tais registos de “claques” que a lei contemplava, sacudindo a água do capote, afirmando que “ A Liga não recebeu qualquer registo de alguma claque”. A reacção publica da Torcida Verde com o comprovativo dos requisitos previstos na lei foi o primeiro “clash” com a Liga! Assumimos a nossa intervenção pioneira e solitária para a necessidade de um “enquadramento legal” decorrente desta nossa vivência no terreno. Esta vivência, longe dos dirigentes, dos bastidores aumentava nossa convicção na importância do tal “enquadramento legal” capaz de nos dar voz, para falar com eles de igual para igual, como parceiros de pleno direito.

De igual para

igual...

PETIÇÃO 2003 Em 2003, idealizámos a primeira petição publica para apresentar na AR sobre esses temas. Uma iniciativa idealizada pela Torcida Verde que contou com a intervenção do mundo do associativismo,através da FPCCR, que desde a primeira hora pretendeu dinamizar adeptos de todas as cores. A Torcida Verde, procurou a dinamização de outros grupos para uma iniciativa que pretendia denúnciar as ameaças que se pendiam sobre o futebol popular, reinvindicando os direitos dos adeptos

e do desporto popular. Na época 2002/03, de transição para o novo Estádio, o esteitar de relações com diversos Grupos de adeptos que, de todo o pais, visitaram o EJA, possibilitado pela disponibilidade da Torcida Verde em estabeleçer contactos para aquisição de ingressos mais baratos para esses grupos, impeliu-nos a sensibiliza-los para participação na I petição organizada até então.


EM RENNES, A CONVITE DO CONSELHO DA EUROPA

apresentava uma dimensão que ultrapassava a dinâmica dos clubes, ganhando uma relevância comunitária.

A acção da Torcida Verde, pelo enquadramento dos Grupos de adeptos como parceiros de pleno direito da realidade sócio desportiva, ultrapassou fronteiras. Do Conselho da Europa veio o convite para participação num colóquio sobre o tema na cidade Francesa de Rennes. Um momento de grande afirmação da Torcida Verde Nessa conferência internacional retemos um conceito fundamental.

“O AUTO CONTROLE INTERNO” “O autocontrolo interno nos grupos de adeptos é a resposta para as manipulações exógenas, nomeadamente de grupos extremistas que tentam potênciar a força social do futebol junto dos adeptos ”Na conferência de Rennes, uma outra proposta “O relacionamento com os Grupos de adeptos com “rosto” deve ser desenvolvido, estabelecendo e solidificando pontes de diálogo. Esses grupos estão nos bairros, nas escolas, na comunidade e reflectem as transformações muitas vezes imperceptiveis. O desafio será interagir com esses grupos visíveis em contraste com outros grupos mais informais e sem rosto”. Na Torcida Verde, percebemos como a acção dos adeptos pode ser condicionada pelo fenómeno do “Arrastamento Grupal”, no qual o “adepto” suspende, por vezes imperceptivelmente, a sua individualidade, sua consciência e por vezes sua cidadania civíca, em nome de uma “irracionalidade incontrolável”. Nessa catárse grupal, o grupo pode adquirir o conceito de “tribo”. Conclusão a retirar, mais que qualquer lei, a resposta estará sempre no “autocontrole interno”, nos factores de coesão grupal, nas motivações prevalentes. Uma conclusão que seria negligênciada no contexto nacional.

À boleia do Euro 2004 A realização do uro 2004 em Portugal foi um forte argumento para as instituições, avançarem para uma nova dimensão legislativa. Por outro lado, as duas décadas de experiência no que diz respeito às relações entre “claques e clubes”, demostrava que de há muito, este tema 24 torcidaverde.pt

QUANDO A CRIATURA ENGOLE O CRIADOR Não poucas vezes, os próprios dirigentes desportivos sentiam na pele a fábula do "criador engolido pela criatura". Foi neste contexto que surge a "lei de Maio 2004".

CONFERÊNCIA PRESS, OS ALERTAS MADRUGADORES, NA VANGUARDA No verão de 2003, após a divulgação pública do projecto lei que iria resultar na lei de maio de 2004, a Torcida Verde realizou uma Conferência de imprensa na qual deixou pertinentes alertas que o tempo viria a validar. Uma intervenção atempada, da nossa exclusiva iniciativa e uma vez mais solitária.



HORÁRIOS DOS JOGOS E O IMPACTO DO F As intervenções da Torcida Verde na AR também visaram o assalto dos interesses que capturaram o futebol e os clubes, provocando impacto directo na acção dos "Grupos de Adeptos Organizados". Apresentámos como exemplo os horários dos jogos e os elevados preços dos bilhetes. "Quais os adeptos capazes de participar, sistemáticamente nas deslocações da equipa do seu clube que terminam no final da noite, em localidades a 300 kms de distância de sua casa? Quantos Trabalhadores ou estudantes conseguem acompanhar seus clubes nestas condições?" "Quantos adeptos têm capacidade monetária para pagar os elevados bilhetes bilhetes para além do transporte?" Esta realidade, condiciona a presença da generalidade dos adeptos presentes nos estádios, emergindo uma nova identidade de adeptos que de forma in-

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condicional estão com os de adeptos, coexistem dif nicas que adquirem uma i seu clube e o futebol. Os dirigentes, conscien condicional desses adepto de kms, percebem o seu vendo uma relação me tempo tem revelado trata tunista, uma vez que os "d qualquer preocupação ou tivações prevalentes e dom essa é a presença de tais ap as hostes no apoio à equip Ao contrário, na Alem de grande próximidade e ligação e os grupos Ultras cepciona as dinâmicas em


S, PREÇO DOS BILHETES FUTEBOL NEGÓCIO!

s seu clube. Nesse universo ferentes origens sociais, etintrinseca forma de viver o

ntes da disponibilidade inos para palmilhar milhares u valor utilitário, desenvoleramente instrumental. O ar-se de uma relação opordonos da bola", não revelam u especial interesse nas mominantes. O que lhes interapaniguados para mobilizar pe. manha existe uma relação entre o clube, via Oficial de s. Dessa forma o clube perm tempo real.

Esta é a realidade que desde os anos 90 afecta a acção dos GOA em Portugal que neste sentido vão ficando mais fechados sobre si próprios, desligados da generalidade dos adeptos com todas as consequências que daí advêm. Ainda nos anos 90, surgiram as primeiras intervenções da Torcida Verde sobre os horários dos jogos e o preço dos bilhetes. Porque, sempre nos tocou na pele. Desde essa altura as intervenções foram incessantes, algo que causou a azia dos donos da bola e o desdém/a incompreensão de outros "claquistas", talvez porque seriam temas longe das suas preocupações. Também os agentes jogadores, os fundos investimento , as apostas deportivas, a corrupção são temas presentes, na intervenção da Torcida Verde, há mais de duas décadas.

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LEI MAIO 2004

ESPERANÇAS E DEBACLE Na Torcida Verde, como expectativas principais em relação á Lei de Maio 2004, estavam a possibilidade de sermos parceiros de pleno direito dos agentes desportivos, falando com eles de igual para igual. A Torcida Verde era o único grupo que cumpria todos os requisitos que a lei de 2004 exigia, ainda antes da sua promulugação em "Diário da República", pelo que nunca fomos coagidos pelos dirigentes do SCP ou quaiquer outras instituições. Na realidade existia a insipida lei de 4 gosto de 1998 que tinha a Torcida Verde como o solitário grupo . Particularidade que nos causou etiquetas junto da ancestral visão cacique/claquista, então reínante. A nova lei, compeliu que muitas claques fossem obrigadas, a contragosto, a transformar-se em "grupos de adeptos". Dessa contrariedade, nasceram as tais etiquetas, como se tal exigência resultasse da acção...da Torcida Verde. Noutro plano também acreditámos que o novo enquadramento legal e o inerente protocolo com o SCP, pudesse finalmente possibilitar a construção de um relacionamento com o clube, baseado em critérios objectivos e formais que colocassem os Grupos de adeptos do clube num plano de maior equidade. Ainda nos anos 90 temas como o preço dos bilhetes, horários dos jogos, os agentes jogadores foram sendo temas presentes na acção da Torcida Verde. A "institucionalização" do movimento conferia-nos o potêncial interventivo e renvidicativo perante o assalto dos tentáculos do futebol negócio.

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Tal "institucionalização", exigiu de forma automática a assumpção de deveres. Na prática, almejávamos adquirir a tal "voz" que os Ultras alemães logram conquistar com a participação nos "Fan Projekts" . O que se revelaria numa útopia. Uma lei condenada à partida. A inacção institucional e o "factor clubite" contribuiram para a erosão de uma lei que na realidade, nunca chegou a sair do papel. Objectivamente, grupos de adeptos recusaram integrar-se no novo enquadramento legal. Uma opção legitima. Um direito que lhes assiste. Num outro nivel, outros adeptos rejeitaram tal enquadramento, por não pretenderem assumir quaisquer responsabilidades, conscientes de que poderiam continuar a fruir da relação com os "seus dirigentes", sempre de forma informal,"invisivel". O Sistema, por inacção torna-se cúmplice desta espécie de culto. "Uma conviniente vávula de escape do Sistema" Antrópologos explicam que esta permissividade que sanciona a existência de grupos pseudo clandestinos funciona como uma "conveniente válvula de escape "do Sistema"- São grupos clandestinos que as autoridades conheçem e interagem. Basta perceber como são feitas as escoltas a essas claques "A inexistência de qualquer vinculo formal na relação entre os grupos de adeptos e os clubes significava a existência de um frágil vinculo informal em que prevalecia a opacidade que levou inevitavelmentea a relações de gritante promuiscuidade entre os envolvidos.


NA PELE

AMEAÇA PARA INTERESSES INSTALADOS

Objectivamente, podemos afirmar que na Torcida Verde, sentimos na pele, durante as primeiras duas décadas de vivência, o peso de uma relação onde a arbitrariedade e a subjectividade eram A lei de 2004 mostrou-se, desde o ínicio, ineficaz peros "critérios" prevalentes, de onde resultaram ante os sucessivos episódios de incumprimento, que teepisódios de revoltante subalternização da nossa ria um efeito “bola de neve” junto de outros grupos que acção. haviam integrado, o primeiro enquadramento legal e que, neste contexto se sentem “ultrajados” situação agravada COMO PARCEIROS DE quando se tratam de grupos de clubes rivais. A existência de qualquer enquadramento legal, foi PLENO DIREITO DE IGUAL desde o ínicio entendido como uma “ameaça” aos interesses comodamente instalados nas relações prómiscuas PARA IGUAL. entre “donos da Bola” e seus apaniguados que pululavam Neste contexto, a luta pelo enquadramento legal nos meio “claquista”. “Para quê aderir a uma lei que exigia deveres, quando foi uma luta iniciada ainda em 1994 com a conquista da Torcida Verde de "personalidade juridica". continuava a ser possível fruir de benesses sem quaisquer Uma conquista que decorreu da nossa exclusiva compromissos? “ Ao mesmo tempo, os donos da bola sempre se mostradecisão, claramente em contraciclo com a ordem dominante, onde reinava a cumplicidade com diri- vam avessos à formalização de quaisquer vínculos com os apaniguados claquistas. Navegavam na informalidade de gentes e seus acólitos. Se percorriamos milhares e milhares kms com relacionamentos que não “deixavam rasto”, tornando-se legitimidade para defendermos a nossa identidade invisíveis no caso de se revelarem incómodas. “Estar na lei” passa então a ser uma “fragilidade” por como adeptos, sentiamos ter a legitimidade para intervir nos temas que nos diziam respeito. Como serem vistos como “legais”, dentro da lei, do sistema. Situação agravada com a realidade de terem obrigações, parceiros de pleno direito. Um aspecto da maior relevância, numa con- punições ao passo que os “ mediaticos fora da lei” ficam juntura em que os clubes/SADs sofriam o assalto impunes. Ao contrário, os Grupos “fora da lei”, respaldade interesses que o tempo viria a revelar; nomea- dos numa relação “invisível” com os dirigentes de seus damente com crescente protagonismo dos agentes clubes que se vai afirmando de forma crescente na exacta jogadores, operadores televisivos, fundos de inves- porproção da absoluta ineficácia da aplicação da lei 2004; timento e outros empórios financeiros, formando criam uma “imagem de marca” sedutora. Vendem uma um infâme cartel de interesses que capturariam o imagem de “rebeldia”. São os “ilegais”, ainda que com uma relação de gritante próximidade com os dirigentes bem futebol e os clubes. patente nos estádios de norte a sul. torcidaverde.pt

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DIVISIONISMO LEGAIS, ILEGAIS, EQUANTO ISSO...

Desta forma cresce uma fractura entre "legais" e "ilegais", algo muito conveniente para aqueles que se movimentam nas franjas dos Grupos de adeptos, sempre prontos para potênciar o velho discurso das antinomias, no que resultou a proliferação dos desacatos.

PIROTÉCNIA! A lei de Maio 2004 era omissa no que diz respeito ao uso de pirotecnia, que causou as primeiras contradições com uma evidente disparidade na actuação das autoridades em relação aos GOA que estavam ao abrigo dessa lei e os demais. Se os primeiros viviam num controle apertado das autoridades, o que decorria do próprio enquadramento legal, os outros pareciam gozar de uma maior margem de acção. Esse terá sido um dos primeiros factores para o descalabro da pifícalei de 2004. A Torcida Verde, interviu nesse campo junto das instituições. Como resultado, a primeira alteração contemplava o uso controlado de pirótecnia pelos GOA. Uma conquista da Torcida Verde que logrou combater os acontecimentos de 18 maio 1996 que reduziam o uso de material pirótecnico a "very Lights". Desmontar essa realidade foi uma tarefa "vitoriosa" que potênciava o uso de potes de fumos. 30 torcidaverde.pt

Infelizmente essa seria uma vã esperança. A visão tecnocrática na aplicação desse alçapão para a utilização de potes de fumos, impunha enormes obstáculos. Enquanto isso, informalmente o uso de pirótecnia era um "sucesso" de norte a sul do país. Não são raras as épocas em que os clubes pagam mais 500 mil euros derivados de multas da Liga e da FPF. Mediáticos confrontos causaram novo "alarme social". De novo o sistema agiu, reactivamente. Nova alteração legislativa e criminalização do uso de quaisquer artefactos pirótecnicos. Apesar desse revés, a Torcida Verde continua a lutar pela legalização responsável e coordenada dos potes de fumos. Por outro lado consideramos que o uso de pirótecnia no actual contexto de proibição, apenas serve para alimentar os cofres da Liga e da FPF, penalizando o nosso Clube.



MIL DEFEITOS APENAS UMA CARA! Desde a década de 90, a Torcida Verde tem “tomado posição” em relação aos diversos temas que interagem com a nossa acção. Em 2001, no site da Torcidaverde.pt, publicámos o menú “Temas tabú”. Mais tarde o menú é actualizado com o titulo “Posições Oficais” onde intervimos sobre questões colaterais, mas que considerámos de grande relevância. Podemos dizer que, também no que diz respeito ao “enquadramento legal”, antecipámos as raízes de um fenómeno que “estava escondido à vista de todos”. A questão do “enquadramento legal” que os legisladores formalizaram, surge como consequência directa dos sucessivos episódios que causaram “alarme social”, tendo um inusitado mediatismo. As tomadas de posição da Torcida Verde, nunca foram bem digeridas pela ordem instituida. Iniciativas como “A grandeza do Sporting despreza a violência”, a ida a Rennes intervir na temática dos adeptos organizados ou a participação na iniciativa da mitíca “Fossa dei Leoni”, grupo fundador em 1968, do movimento Ultras; para além de dezenas de outras intervenções “fora da caixa”. Nem pela classe dirigente, nem pelos ideólogos da

dominante mentalidade “claquista” que convivia de mãos dadas com os “donos da bola” e debaixo das saias deles. Dessa cúmpliçe relação simbiótica afirmou-se a impunidade. O facto da Torcida Verde, ter-se mantido muito distante da ordem dominante, teve reflexos directos na imagem que tentaram passar . Dos inúmeros episódios em que nos distanciámos do modismo dominante, esteve o uso da cruz céltica, simbolo adoptado pelo emergente movimento europeu xenófobo, racista, de ideologia pan-nacionalista. Esse foi um símbolo importado de outros grupos europeus com ligações a movimentos extremistas. O mediatismo dos episódios desses grupos no continente europeu, foram alertas que os especialistas denunciaram. Na alemanha a abordagem governamental aconteçeu pela via da integração do “movimento ultras” com a criação dos “Fan Projekts” e das “Embassi Fans”. Em Portugal, o alarmismo redundou, muitos anos volvidos numa lei, feita à boleia do Euro 2004 .


TEMPESTADE PERFEITA O facto da Torcida Verde ser o único grupo que cumpria todos os requisitos que a lei de 2004 exigia, ainda antes da sua publicação em “Diário da República” foi uma particularidade que nos causou etiquetas junto da ancestral visão cacique/claquista, então reínante. A nova lei, compeliu que muitas claques fossem obrigadas, pelos dirigentes a transformar-se em “grupos de adeptos”, algo que a ancestral mentalidade claquista, atribui como resultasse da acção...da Torcida Verde. Por outro lado, a denominação da lei de maio de 2004 “Prevenção e Combate à violência associada à xenófobia e ao racismo no desporto”, colocava o foco nessa temática que tinha como grandes protagonistas esses grupos extremistas com um notório ascendente em diversas claques. O facto da Torcida Verde, ao longo dos anos, ter implementadpo diversas iniciativas sócio desportivas com comunidades dos PALOP, assim como no campo do associativismo termos participado em acções de prevenção da xenófobia e do racismo; terá sido a tempestade perfeita para quem ao longo dos anos nunca tenha aceite o nosso “caminho alternativo”. Para esses génios, a denominação da lei onde constava a prevenção à xenofobia e ao racismo teria sido por influência... da Torcida Verde! Agradeçemos a deferência, mas qualquer humanoíde com mais que um neurónio percebe que a existência da lei, assim como a sua denominação, decorreu dos inúmeros episódios que colocaram o tema do racismo e da xenófobia na ordem do dia, pelo alarme social provocado por tais grupos , especializados em manipular a paixão clubista com o ancestral discurso do ódio boçal e acéfalo. Neste ambiente esquisófrenico, onde prevaleçe

o discurso maniqueísta, a Torcida Verde apresentava-se “fora da caixa” por ter uma acção alternativa, que jamais se encondeu no calculismo da “não opinião” ou do conformismo de “ir na onda”, de gerir “o momento”. Nem tão pouco, destilando ódios sob o corajoso anónimato de falsos perfis, evergando modernas máscaras sob as quais escondem uma “identidade”... sem identidade! “Mil defeitos, apenas uma cara!”. As nossas posições em relação ao tema, agora tão na moda “Cartão do adepto” têm reminiscências ainda nos anos 90. Convictos que o futebol é sobretudo uma festa, não um festim belicista. Por isso nunca usámos màscaras ou nos escondemos de posições que temos reafirmando de forma reiterada. “Delinquentes” para a opinião Pública, “Traidores” para a horda dominante! Estamos conscientes dos efeitos da máxima da propaganda “Uma mentira dita mil vezes, passa a verdade”. Ainda assim temos seguido em frente. Exteriorizámos este nosso estado de alma em plena AR.” Para a generalidade dos midía e da opinião pública somos delinquentes. Para a Horda dominante que exala o discurso “feios, porcos e maus” somos traidores, vendidos , otários”.

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ENTRE O MODELO ALEMAO O KAOS SUL AMERICANO E A REALIDADE GREGA Sem rodeios temos a convicção que exitem dois caminhos. A lei da selva que impera na América do Sul, sendo a Grécia, o exemplo europeu mais próximo. Um

TERRITORIALIDADE, DIVISIONISMO E DISCURSO DO ÓDIO

Em Portugal, diversos factores têm impossibilitado que os diferentes Grupos de deptos consigam defender direitos comuns. Para além do factor “territorialidade”, intrinseco do fenómeno, acresce a clubite e as rivalidades que toldam a racionalidade. As coisas agravam-se quando “outros valores” falam mais alto. Ao longo de mais de três décadas, a Torcida Verde tem sido interviniente activo da realidade, nunca deixando de tomar posição, também na elementar questão na premência da defesa comum dos direitos dos adeptos por todos os Grupos. Na conjuntura do “movimento das claques”, ainda nos anos 80 realizou-se o primeiro “Congresso das Claques” que contou com a presença ...de um ministro Importa referir que nos anos 80, as “claques” foram muito bem recebidas pelos midia, adeptos e dirigentes. Nos jogos da seleção estavam juntas claques dos vários clubes. Eram os tempos em que o policiamento era invisivel, indiferênciado dos demais adeptos. As escoltas eram uma miragem impensável. 34 torcidaverde.pt

“modelo” que conduziu ao “ Cartão do Adepto”, com a implacável intervenção governamental que enfiou todos no mesmo saco da generalização.

Nos anos 90, as claques sofreram o impacto das guerras entre clubes, transformando-se algumas delas em “guardas pretorianas” dos dirigentes, como denúnciámos numa publicação ...em 1992. Nesta fase da “militarização das claques”, algumas delas tiveram que buscar “reforços” fora do circulo normal de recrutamento, algo muito conviniente para a infiltrações de grupos extremistas ou de outros grupos focados em encontrar nas claques, mercados para expandir seu business. A formação da claque “Ultras Portugal” no inicio dos anos 90, formada com objectivo de apoiar a seleção nacional, e á qual aderimos, revelaria os conflitos entretanto latentes no mundo das claques dos anos 90 com a formação de alianças e contra alianças. As tentativas para realização de congressos nacionais de claques eram um campo de batalha que eclodiria no projecto inicial “Ultras Portugal” e o faria implodir. Este âmbiente belicista, proporcionou a difusão do discurso do ódio que passsa para o primeiro plano. Neste particular, assinalável o contributo de publicações que proliferaram ao longo da década de 90 para a disseminação de uma mentalidade militarista onde se exasperavam a territorialidade, a supremacia, a dominação, a subjugação, a dominação, a exclusão e a intolerância. Emergiu, então um novo modelo com velhos instintos, no qual a Torcida Verde jamaís aderiu, recusando que em nome da paixão clubista pudesse-


mos ser manipulados. Parafraseando o sócio do SCP número 31 118;

”O ÒDIO NÃO NASCE COM NINGÚEM, APRENDE-SE A ODIAR” . A PETIÇÃO DE 2003 VISAVA A ACÇÃO UNITÁRIA DOS GOA NA DEFESA DOS DIREITOS AEPTOS Por outro lado, o tema da defesa dos direitos adeptos continuou bem presente na nossa acção.

OS FICHEIROS CAMERAS VIGILÂNCIA Na lei de Maio 2004, cumpria aos GOA a entrega dos “malfadados” ficheiros dos membros, tornando-se num “cavalo de batalha” dos detractores dessa lei que o tempo viria a desmontar. O tema dos ficheiros é uma falsa questão quando os clubes passaram a exigir a aquisição de lugares anuais e da inscrição como associados a grande parte dos membros dos GOA. Na mesma onda, está a securização dos estádios que após a realização do Euro 2004 sofreu um incremento com a sofisticação das câmeras de vigilância e sequente actualização desde aí. Cavalgar esta onda, torna-se grotesco quado vivemos numa sociedade que Orsan Wells retratou na obra “1984”, antecipando o fenómeno “Big Brother” numa tendência de resto cada vez mais global. Basta para isso, acompanhar as notícias que denúnciam “escandalos” de vigilâncias massivas. A frequência dessas ocorrências vulgariza o tema normalizando a intrusão “invisível” no quotidiano dos “ciber-cidadãos”

PANDEMIA OBLIGE A pandemia evidênciou a “fragilidade” da argumentação que diaboliza a entrega dos tais dados pessoais. Com a reabertura dos estádios em Portugal, assistiu-se a uma corrida pelo acesso aos ingressos que exigiram a entrega dos dados pessoais dos espectadores para além das restantes restrições impostas pela DGS. Desta forma, caiu por tera tal “argumentação” com a entrega voluntária desses “malditos dados pessoais”.



MIÚDOS DE 16 ANOS OS GUETOS!

As duas questões mais inaceitáveis no modelo do CA prendem-se com a criação da curva gueto, de acesso condicionado pela aquisição de um cartão de identificação e a interdição da entrada de adeptos até aos 16 anos. A criação de um cartão de identidade especial para os elementos dos GOA para serem monotorizados no acesso ao sector Gueto é algo que consideramos ter uma terrifica analogia com os Guetos da europa dos anos 40 sob o dominio da suástica. “Obrigarem-nos a usar o cartão do adepto para entrar numa “zona Especial”, remete-nos para os Guetos de Varsóvia, Lodz, Lublin entre os milhares que existiam na europa central e oriental nos anos da suástica. Neste caso, em vez de nos obrigarem a usar a “Cruz de David”, obrigam-nos a usar o tal Cartão “- Extracto da intervenção da Torcida Verde na AR, reafirmado o que haviamos declarado na SEDJ. Para além disso, será a formalização do “enjaulamento” forçado dos adeptos organizado. Se recordarmos a meditiazação que as “gaiolas” reservadas aos visitantes tiveram, provocando a “indignação” geral, e em especial nos dirigentes; como aceitar a intitucionalização dos Guetos nos estádios?! Este modelo do CA à “Portuguesa” conseguiu ir muito além da “Tessera del Tifoso” em Itália, na Turquia ou Polónia onde nunca ousaram criar Gaiolas/Jaulas para os Ultras com esse cartão de identidade...em TODOS os jogos! A discriminação dos adeptos até aos 16 anos, formaliza a estigmatização sobre os Grupos de adeptos nos quais se considera, os jovens até

aos 16 anos, estarem em risco, deixando pairar a suspeição de promoverem fenómenos nefastos, quiçá no campo da criminalidade. Nos anos 80, na fundação da Torcida Verde fundação foi composta por uma grande percentagem de jovens que com este novo modelo, seriam interditos. Enquanto isso, o sistema, não actua perante a mercantilização da exploração de crianças no subterrâneo mundo do “Show business”, do entretenimento ou do futebol negócio, muitos dos quais acabam nas mãos de redes do tráfico internacional, caso não tenham sucesso no futebol.”Existem miúdos com 7 anos com empresários”- Palavras de Aurélio Pereira em 2019. A não intervenção da FPF e da LPFP decorre da evidente da subserviência em relação aos dirigentes dos clubes que os elegem.

PAULINHO

E O CARTÃO DO ADEPTO... Quando nos anos 80, descobrimos Paulo Jorge Gama, então com 15 anos caso existisse o tal modelo do CA, o popular "Paulinho roupeiro" do SCP, homenageado pela UEFA em 2002 jamaís existiria. Seria o anónimo Paulo Jorge Gama...

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O MODELO

O nosso antagonismo perante o modelo “Cartão do Adepto” decorre da nossa experiência no terreno e também nos largos anos de intervenções, sempre por nossa livre e soberna iniciativa, junto dos orgãos de soberania e instituições. Consideramos que o modelo do CA representa o inconfesso falhanço do Sistema na integração dos GOA no fenómeno sócio desportivo, mostrando-se incapaz de desenvolver mecanismos capazes de definir um conjunto de direitos e responsabilidades assumidos pelos clubes organizadores dos jogos, os GOA e as instituições. Consideramos que o modelo CA enferma de uma ideologia segregativa e não inclusiva, ao contrário do que aconteçe a nivel europeu. O CA é um modelo que contempla um rol de exigências aos GOA, impostas de forma unilateral, impositiva sem ter em conta as especificidades do fenómeno dos GOA. Este modelo manifesta a sua face autocrática ao excluir os GOA dos recintos desportivos que se mostrem inconformados com a interdição de jovens até aos 16 anos, pela criação de Zonas fechadas fisicamente dos demais adeptos (tipo Gueto) ou a criação de um cartão de identidade para aceder aos ingressos que exigem a aquisição de uma aplicação especifica para telemóvel. Esse será um convite para que os grupos passem a ter uma acção clandestina, afastando-se das instituições. A criação do enquadramento legal de 2004 tinha como objectivo fundamental, chamar os Grupos de adeptos a assumir responsabilidades como parceiros de pleno direito 38 torcidaverde.pt

Passados quase duas décadas, o novo modelo CA parece ter como objectivo a desagregação desses grupos, ao coloca-los fora da lei, caso não aceitem imposições contrárias à sua identidade, previstas no CA. E porquê? Porque o sistema falhou de forma clamorosa nas suas competências. “Solução” do sistema? Criar uma bolha de confinamento onde enfia todos os adeptos pandémicos, porque tem uma corajosa incapacidade em aplacar o fundo desta problemática. De facto torna-se muito mais cómodo enfiar todos os adeptos de todos os GOA dentro do mesmo saco(neste caso Gueto) perante a incapacidade em responsabilizar os actores principais das acções que têm provocado o “alarme social” que leva o sistema a reagir. Desta actuação reactiva,sempre atrás dos acontecimentos em contraciclo com as boas práticas europeias nesta matéria, emerge uma gritante hipocrisia opara além de uma inconfessa incompetência. A Torcida Verde sempre cumpriu, escrupulosamente as exigências contempladas em todos os enquadramentos legais sobre as “claques”. Desde 1998, ano do primeiro decreto lei que se revelaria num paradigma de todos os outros que se lhe seguiriam pelo seu incumprimento. Formalmente, desde 1998, a Torcida Verde tem apresentado propostas construtivas junto dos orgãos de soberania para o enquadramento de um fenómeno complexo, com suas contradições e problemáticas. Nunca nos conformámos com a inevitabilidade da marginalização dos GOA, no limite tidos como


meros sujeitos passivos; nem tão pouco nos acomodámos a uma postura pseudo “radical” do bota abaixo, do quanto pior melhor. Ao longo desse tempo, queriamos acreditar que esse nosso sentido de cidadania activa, com propostas construtivas poderia revelar-se consequente junto dos nossos interluctores institucionais, nomeadamente levando nossas considerações para uma reflexão aprofundada e fundamentada. Concentrando-nos no tema “ Cartão do adepto”, logo no ano de 2018, participámos pela enésima vez, numa audiência parlamentar, desta vez na Comissão Desporto, Ciência, Educação e Cultura. Evocamos essa audiência porque decorreu num contexto particularmente dificil, tal o antagonismo da opinião pública e publicada contra as “claques”. Inconformados com o “massacre mediático” que enfiou todos os Grupos no insustentável campo da delinquência, a abordagem da Torcida Verde, interviu sobre a questão de fundo, a exemplo do que haviamos feito desde há mais de uma década. OS DIRIGENTES DOS

CLUBES

Reafirmámos que o principal caminho seria a responsabilização efectiva dos dirigentes/presidentes das SADs. A posição sobre a responsabilização dos dirigentes é objecto da nossa intervenção há mais de uma década. Em 2011, um diário desportivo deu espaço a uma intervenção da Torcida Verde numa instituição “ Para resolver o problema da violência, há que ter a coragem para cortar a cabeça da serpente “ , a qual denunciámos serem os dirigentes. Mais tarde, o mesmo jornal fez uma extensa reportagem, com o foco na identidade Ultras e desenvolvendo aquela contudente afirmação que se referia

..à tal responsabilização dos dirigentes desportivos. Na altura, essa reportagem seria mal digerida ... por dirigentes do nosso clube, quando na verdade tais declarações teriam outros destinatários. Até porque, o nosso clube tinha um protocolo com os GOA. Mais tarde perceberiamos o porquê da azia... Na audiência de 2018, renovámos os mesmos argumentos das anteriores Comissões Parlamentares, sublinhando que o fundo da questão estava nos dirigentes que promoviam, uma relação invisível com grupos, escapando dessa forma a quaisquer responsabilizações, originando um efeito “bola de neve” junto do universo do fenómeno, tornando qualquer enquadramento legal uma farsa. Nos mídia, as claques surgem como “tropas de choque” dos dirigentes nas disputas dentro e fora dos seus clubes. A nossa fundamentação, apontava objectivamente para a classe dirigente, com os orgãos de cupúla do futebol na frente, FPF e LPFP, assim como a generalidade dos dirigentes desportivos com raras e honrosas excepcçoes. Fosse por cumplicidade, por inacção ou por omissão. Essa realidade, decorre do nubloso mundo subterraneo dos bastidores do futebol e das relações promiscùas entre os dirigentes dos clubes, para os

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quais os adeptos são meros clientes e as claques “idiotas úteis” sempre disponíveis para palmilhar kms e kms , em horários “impossíveis”, pagando bilhetes a preços pornográficos. Nesse mundo, desfilam também uma nova legião de comunicadores, sempre prontos a destilar o discurso do ódio, quais correias de transmissão dos “donos da bola”, exacerbando os ânimos dos adeptos e abstraindo-se ainda e sempre de quaisquer responsabilidades, escudados na estafada “defesa do clube”. Também a nossa intervenção tem passado, a denúncia desse discurso do ódio que na actualidade aparece cada vez mais “profissionalizado”. Levámos este tema às comissões na AR, na SEDJ e na ERC! Seria expectável que, na ausência de intervenção dos dirigentes dos clubes sobre a problemática dos GOA, fossem os dirigentes da FPF, da LPFP, a tomar posição sobre o tema. Mas também de outras Federações, dos treinadores, arbirtros ou atletas... Como de resto, a Torcida Verde o faz. Esta inacção generalizada, leva a que este seja um tema tabú, sendo “discutido” no espaço mediático apenas quando aconteçem episódios que provocam “alarme social”. O que torna a “discussão” invariávelmente artificial, avessa a desenvolver e aprofundar as origens. A não intervenção da FPF e da LPFP decorre da evidente da subserviência em relação aos dirigentes dos clubes que os elegem.

MÁFIA REFORMÁVEL? Nessa histórica audiência de 2018, lançámos uma contudente interrogação aos membros da comissão “Acham que a mafia é reformável?” Sem nos determos, continuámos “ Esperar a reforma dos orgãos do futebol será como esperar a reforma da mafia, da N`Dhengreta ou da cosa nostra que tem na Omertá o seu código de honra , como os donos da bola têm nos seus jogos de bastidores. Esperar a intervenção deles neste tema é uma útopia tão grande como acabar com a fome. Por isso o caminho será a intervenção do estado, responsabilidado-os criminalmente. Ser dirigente de clubes de utilidade pública com grande implantação, é também uma responsabilidade social. O que acontece é que a responsabilidade esgota-se no pagamento de multas que são assumidas ...pelas SAD! A responsabilidade pessoal, material e criminal não existe. Sem essa responsabilização que terá de ser pessoal nada feito. Será como curar um cancro com uma aspirina.” 40 torcidaverde.pt

Exortámos, uma vez mais os parlamentares “Não tenham medo dos presidentes dos clubes”. Irónicamente, acrescentámos “Percebemos que seja dificil responsabiliza-los, quando convivem com eles nos camarotes dos estádios, nas viagens para vêr a selecção ou em recepções na Assembleia da República.” “E se o presidente não for com a nossa cara? Numa outra audiência na AR na Comissão desporto, Ciência e Juventude”, no verão de 2019 insistimos no tema da responsabilização dos dirigentes dos clubes, mas também denunciámos que as primeiras alterações da lei de Maio 2004, poucos anos depois da sua promolugação, colocaram os GOA, ainda mais na dependência dos dirigentes e sua nomenklatura. De entre outros exemplos, apresentámos, o facto das responsabilidade da entrega dos ficheiros ter passado para o clube/Sad, assim como o facto da lei apenas considerar “legais” os Grupos Organizados” reconhecidos pelos dirigentes.” Concluimos, com a interogação “Cumprimos os requisitos da lei desde 1998, nunca nos envolvemos em.... E se um presidente do Clube não for com a nossa cara?” Um GOA que sempre tenha cumprido os requisitos da lei pode vêr-se na eminência de sofrer as consequências dos dirigentes inviabilizarem um relacionamento sadio .


A DISCUSSÃO PÚBLICA DO RESULTADO PREVISTO: ALTERAÇÃO DA LEI MISTURADA COM BEBIDAS ALCOÓLICAS

Em 2019, a Torcida Verde foi convidada para particpar na “discussão pública” que teve lugar na AR, sobremais uma alteração da lei . O formato proposto para a tal “discussão pública” deixou-nos atónitos. Tratava-se de uma iniciativa com um tempo limitado de discussão, sobrecarregado com a inclusão de um outro “relevante” tema: “A venda de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos” Alertámos a Comissão Paralamentar responsável pela iniciativa, da nossa incredulidade acerca da inclusão desse “relevante” tema, completamente marginal em relação a um tema tão complexo como a alteração da lei sobre os GOA.

Fomos esclarecidos que a Comissão havia recebido um pedido de audiência para abordar o tema da venda de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos e que por razões de agendamento , incluiriam os dois temas na mesma sessão, com tempos separados. Argumentámos que o agendamento desses dois temas para o mesmo periodo (parte da tarde) pela mesma Comissão iria retirar tempo para a tal “discussão pública” da alteração da Lei sobre os GOA . Na verdade, a intervenção de cada interviniente sobre o tema estaria limitada a pouquissimos minutos. Sugerimos, um outro modelo de agendamento da tal “discussão pública” onde esse fosse o ùnico tema, o que poderia alargar os tempos de intervenção.Não foi possivel concretizar esta nossa proposta. Neste contexto, informámos a Comissão da nossa indisponibilidade para participar na iniciativa. Tal seria legitimar uma iniciativa pifía, cujo resultado final parecia definido. A Comissão conhecia as propostas da Torcida Verde, registadas nas várias audiências anteriores, pelo que os nossos contributos estavam disseminados nas diversas audiências anteriores. Nesse sentito não participámos naquela espécie de branquaeamento que resultaria no CA.

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2020, CARTÃO VIP/ILUSTRE

CAMROTES, DONOS DA BOLA, PRESIDENTES RESPONSABILIZAÇÃO... Na audiência na AR de Outubro de 2020, fundamentámos pedagógicamente a nossa posição antagónica em relação ao novo modelo do “Cartão do Adepto”, reiterando o foco sobre a responsabilização dos dirigentes desportivos, de novo ausente no novo “enquadramento legal”, concluindo que, uma vez mais esta foi uma “intervenção reactiva” do sistema perante os episódios de alarme social, lançando a questão da aferição de responsabilidades no caso da conjuntura se agravar. Sublinhámos o carácter segregacionista deste novo modelo, em relação aos demais adeptos, ilustrando a mitificação da máxima” A lei é igual para todos”. Lembrámos que, ao longo dos anos, “ilustres adeptos” têm benifíciado de um regime de gritante excepcionalidade, enquanto frequentadores dos camarotes e restantes “lugares especiais”, pelo que implicitamente, tais VIPS sempre benificiaram de um “invisível livre acesso” a lugares onde sempre puderam usar garfos e facas nos seus repastos, puderem consumir bebidas alcoolicas e demais substâncias , uma vez que não são sujeitos a quaisquer revistas como os adeptos da plebe, onde as crianças são impedidas de entrar com embalagens de leite com chocolate ou sandes. Nsses lugares Vips podem arremessar garrafas para outros adeptos situados nas bancadas inferiores, episódio a que assistimos, gozando de uma impunidade avassaladora. Deixámos o desafio aos parlamentares a introdução de um “Cartão VIP/ILUSTRES” para enquadrar esses adeptos tão especiais. Por coincidência esses são os lugares frequentados pela classe politica, empresarial, industrial, tantas vezes a convite ...dos tais dirigentes desportivos. No final da sessão deixámos um exemplar de uma proposta para o tal cartão de “VIP/ ILUSTRES”.

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CRIMINALIZAÇÃO DONOS DA BOLA

UM REPTO “DECRETEM O FIM DAS CLAQUES”

No dia 21 Janeiro 2021, na “Comissão de direitos Constitucionais, Liberdades e Garantias “da AR, o antigo secretário de Estado Emídio Guerreiro, perante o evidente agravamento desta conjuntura, reconheceu a viabilidade da proposta da Torcida Verde sobre a responsabilização dos dirigentes, dando como exemplo o que aconteçe com os CEO no mundo empresarial. Uma intervenção que ocorreu, volvida mais de uma década do que haviamos proposto precisamente no mesmo local.

Reiterámos nossas propostas, expondo que o modelo CA objectiva “Mudar para continuar tudo na mesma” e que o novo modelo do CA ter o potêncial para agravar os fenómenos que a lei prevê combater, deixando um desabafo “Com estas imposições seria mais correcto decretarem o final das “Claques”. Seria mais coerente”

AURÉLIO PEREIRA Nessa audiência, expusémos a arbitriaridade da interdição aos menores de 16 anos no sector Gueto que o modelo do CA exige, e ao mesmo tempo o “silêncio ensurdecedor” perante a mercantilização que se abate sobre crianças de 7 anos, como denunciara Aurélio Pereira.Apresentámos ainda o recente episódio “Dário Essugo”, o qual foi objecto de sucessivas pressões de empresários com a idade de 14 e 15 anos, tendo sido “escondido” pelo SCP como única forma de evitar um assédio predador.

RESPONSABILIZAÇÃO DIRIGENTES, BILHÉTICA PARA O ESTADO, BILHETES NOMINAIS. O caminho seria a Responsabilização pessoal dos dirigentes, a coragem do estado assumir a bilhética, a introdução dos bilhetes nominais para todos os adeptos de todas as bancadas e não apenas aos adeptos dos GOA, para além do “Observatório dos episódios de violência associados ao fenómeno desportivo em todos os eventos desportivos em interacção com as Autoridades de Segurança, Universidades, Politécnicos e outras instituições escolares que poderiam elaborar um trabalho estatistico, sociológico e antropológico”.

COMISSÃO PARLAMENTAR

JUNHO 2021 Depois de inúmeras, regressariamos à AR no dia 1 de Junho como tema a infamante cilada que nos surpreendeu no dia 3 Maio 2021. Nessa ocasião decidimos não personalizar o episódio do ínicio de Maio, optando focar-nos na questão de fundo. E, uma vez mais denúnciámos o irrespirável ambiente inflamado pelo discurso do ódio que domina o “mundo do futebol negócio” tendo como protagonistas os dirigentes dos clubes/Sads, assim como em determinados programas pseudo desportivos e finalmente nos seus apaniguádos que nos estádios e agora com maior incidência nas ruas de norte a sul do país.

Propusémos também, a criação de uma alargada Comissão Parlamentar sobre esta temática. Dessa forma, poderia aprofundar-se a evolução deste fenómeno desde os anos 80. Apresentámos como exemplo as Comissões parlamentares sobre o “crash na banca”, disponibilizando-nos para participarmos nessa iniciativa. Fundamentámos estas nossas propostas, pela crescente preponderância que a acção dos GOA têm causado na sociedade Portuguesa, como revelam as inúmeras intervenções legislativas.

CARTÃO DO ADEPTO MADE IN FPF!

Quando posteriormente, nesse mesmo mês de Junho de 2021, tomámos conhecimento de que o modelo “Cartão do Adepto” fora uma proposta apresentada pela FPF a uma Comissão Parlamentar, sentimo-nos ULTRAjados. Para além das palavras de circunstância dos parlamentares, sobre o “papel civíco das intervenções da Torcida Verde”, em termos concretos as nossas considerações revelaram-se inconsequentes. Não escondemos o desencanto vivido quando torcidaverde.pt

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tomámos conhecimento do protagonismo decisivo dos “donos da Bola” na elaboração do “CA”. Neste caso, via FPF. Basta evocar a nossa intervenção na audiência de 2018 quando lançámos “Acreditam que a máfia é reformável?...Os organismos que dominam o futebol em Portugal são tão reformáveis como a máfia” Não nos basta o lamento conformista da “impossibilidade” de mudar as coisas. Queremos continuar a acreditar que, temos o dever de cidadania de intervir junto das instituições que são o nosso reflexo. Gostemos ou não. Inevitávelmente fazemos parte do sistema, deste circo mediático que tenta manipular nossas paixões. Termos essa consciência será o primeiro passo para não nos deixarmos manipular. O futebol é um desporto popular, os clubes são o motor . Os adeptos o maior património. Na denúncia está a nossa capacidade interventiva e o nosso dever de responsabilizar as instituições. Por muito revoltados, descrentes, indignados que nos sintamos.

O PERIGOSO CAMINHO DA GENERALIZAÇÃO O caminho mais fácil seria enfiar todos as instituições, os parlamentares, os politicos no mesmo saco da generalização. Isso seria o caminho que o sistema faz connosco, estigmatizando-nos a todos como delinquentes. A mesma onda modista dos “ACAB´S” Assumir responsabilidades, para conquistar direitos. Depois, podemos e devemos exigir responsabilidades ás instituições, politicos, parlamentares, policias mas também requisitar a intervenção/ participação dos sociólogos, psicósociologos, antrópologos num fenómeno demasiado enclausurado. A “intervenção” da FPF na criação do infame modelo do CA evidência como “funciona o nosso sistema”. Perante isto, sentimos um misto de revolta, impotência e inconformismo. Não sentimos ter sido uma perca de tempo.

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A HISTÓRIA NOS JULGARÁ! As inúmeras audiências da Torcida Verde, antes e depois de 2004, estão gravadas, são públicas poderão ser consultadas em https://canal.parlamento.pt. Ficarão para memória futura! O modelo "Cartão do Adepto" foi decalcado de outros falhados e abandonados em Italia, Turquia e Polónia. Um modelo que aposta na segregação entre adeptos, na estigmatização dos Grupos Organizados, confinados num espaço tipo Gueto. Como os Guetos dos anos 40 na Europa.Os estádios em Portugal serão os novos Guetos da Europa em 2021. Dessa forma, assegura-se a "higienização" dos restantes sectores do estádio, cada vez mais um espaço projectado para espectadores de teatro ou cinema. Os Guetos destinados aos GOAS serão espécie de bizarra atração, onde estará concentrada a ralé dos adeptos, devidamente separados dos adeptos clientes do futebol moderno. Do futebol negócio.

“MAIS VALE DECRETAREM A EXTINÇÃO DOS GOA!” Como afirmámos noutra audiência na AR, já em 2021 seria mais coerente, decretarem formalmente a extinção dos GOA, uma vez que o modelo do CA é contrário ao espirito que esteve na sua criação com a lei de maio de 2004. Pior que isso, é atentatório à identidade Ultras!


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COMO A MODERNA SOLUÇÃO FINAL PARA A QUESTÃO ...DAS CLAQUES! O modelo do CA foi promolgado em Junho 2020. Muito antes disso, em Fevereiro de 2019 tivemos uma primeita audiência na Secretaria de Estado do Desporto e Juventude” que teria uma 2ª ronda na qual denúnciámos o caracter segregativo, descriminatório e estigmatizante desse modelo. Ao conhecermos a extenção das medidas previstas no CA, a nossa indignação levou-nos à inevitável comparação com os Guetos nazis dos anos 40. Em plena Assembleia da República na Comissão do Desporto Ciência e Cultura, reiterámos nossa indignação, fazendo a analogia com os Guetos da Europa nos anos 40, o que causou “reboliço” entre os parlamentares.Tivemos ocasião para esclareçer que com tal analogia não fora nosso objectivo, minimizar o incomparável sofrimento dos habitantes dos Guetos, mas evidênciar que volvidos 70 anos, se faça uma lei onde esteja presente o mesmo espirito segregacionista. Regressariamos ao Parlamento, insistindo na analogia como forma de expressar nossa indignação. No final de uma dessas audiências, perante a desvalorização dos nossos argumentos, tidos como” exagerados” e “excessivos” afirmámos ser esse o nosso estado de espirito e que o modelo do CA era como a “Solução Final para a questão Judaíca” implementada pelos nazis. Como a “Solução Final para a questão das Claques”. Esta é uma exterminação sem verter uma gota de sangue. Mas não deixava de ser uma exterminação , centrada no mesmo modelo segregacionista. No exterminio do holocausto, também colaboravam activamente milhares e milhares de tecnocratas e burocratas que nunca dispararam um tiro , mas sem os quais seria impossivel edificar aquela gigantesca máquina logistica. Esses milhares de burocratas jamais questionaram a infâme natureza dessa máquina que selaram o destino de 6 ou 7 milhões de humanos.

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OS MORDOMOS DO UNIVERSO INTEIRO!

SOBRE A CENSURA

MUDAR PARA CONTINUAR TUDO NA MESMA

A insubstituivel função dos grupos ultras como vanguarda da identidade como adeptos e sobretudo dos seus clubes, tem sido secundarizada. Na Torcida Verde jamais abdicámos de intervir na defesa da nossa identidade, tendo como resposta, a censura dos “donos da bola” de diversas coreografias.Também a este nivel, o modelo do CA é omisso, deixando nas mãos dos “organizadores do jogo” o livre arbitrio de poderem interditar a entrada de faixas sobre temas como o preço dos bilhetes, horário dos jogos, agentes dos jogadores, fundos de investimentos, apostas desportivas, vendas dos clubes e demais tentáculos do futebol moderno. Apesar das nossas denúncias de interdições na entrada de faixas sobre esses temas na SEDJ como na AR e na Provedoria de Justiça...o novo modelo do CA , não baliza nem regulamenta a possibilidade de entrada dessas intervenções deixando nas mãos dos “donos da bola” essas autorizações. “Actualmente, a histórica manifestação dos estudantes de Coimbra que na final do Jamor em 1969, abalaram o regime de Marcello Caetano com faixas de contestação seriam interditas!”

A questão do CA é antes de tudo uma questão de principio, um imperativo da nossa identidade que os decisores, os tecnocratas desprezam. Hoje, volvidos 70 anos, percebemos que tantos decisores, tantos tecnocratas trabalhariam para a engrenagem que levou milhões de humanos para os campos de exterminio. Seriam zelosos cumpridores das “ordens superiores”, como os “mordomos do universo inteiro”, parafraseando o poeta; O fenómeno é exactamente o mesmo.

Sobre o novo modelo “Cartão do adepto” assistimos a um silêncio cúmplice dos “donos da bola”, confiantes que uma vez mais irão passear entre os “pingos da chuva”, mantendo-se intocáveis ao melhor estilo dos filmes da máfia. Continuando a ter nos seus acólitos, seus pretorianos, suas tropas de choque, quais fantoches. Como afirmámos no dia 1 junho na AR “ mudar para continuar tudo namesma”

SOCIEDADE INCLUSIVA... O espirito segregacionista, manifesta-se também na interdição aos menores de 16 anos, pela exigência de aquisição de uma aplicação para compra dos bilhetes via telemovel, excluindo todos os não portadores desses equipamentos; ridicularizando o discurso que proclama vivermos numa “sociedade inclusiva”. Enquanto isso, o “sistema” sanciona que crianças tenham agentes . Também aqui, um gritante silêncio das instituições de protecção de menores, legitimando a “vox populi” que afirma que o mundo do futebol “é um estado dentro do estado” Mas também, da sociedade civil e das forças vivas da comunidade não registamos quaisquer reacções de indignação perante o “Cartão do adepto”.

FOSSO ENTRE A SOCIEDADE CIVIL E OS GOA Uma realidade que mostra que existe um muro (in)visivel entre os grupos de apoio e a restante sociedade, contaminada com os preconceitos e estigmas enraízados ao longo das últimas décadas.

Ciclo vicioso, ciclo viciado

O sistema justifica o infâme modelo “Cartão do Adepto” com os sucessivos episódios causadores de “alarme social” que o “legitimam”. Um infâme ciclo vicioso, mas também um ciclo viciado pela cúmplicidade e hipocrisia dos diversos intervinientes. Para além do espirito segregacionista, acreditamos que o modelo do CA visa um outro objectivo, ainda mais cínico. Será uma forma do sistema tentar enquadrar compulsivamente grupos informais de adeptos que nunca aceitaram integrar-se em qualquer “enquadramento legal”. Para isso, o sistema intervém sobre a generalitorcidaverde.pt

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dade dos GOA na vã tentativa de “entalar” os que não aceitam qualquer enquadramento formal. O Sistema está consciente que não será dessa forma que irá enquadrar os grupos “informais”. Mais está consciente que o “Cartão do Adepto” poderá contribuir para reforçar o movimento dos “adeptos informais”, agora com uma maior base de recrutamento nos adeptos avessos às medidas contracionárias do “novo modelo” Mas como os antropólogos explicam, o Sistema necessita de uma vávula de escape para que frajas da sociedade possam extravazar suas frustrações e ansiedades! Numa implicita confissão do total falhanço institucional, patente em sucessivos episódios que tornaram o enquadramento legal dos GOA numa farsa; o CA pretende implementar um modelo completamente antagonista da identidade do genuino movimento ultras. Nesta conjuntura os Grupos organizados terão de capacidade para assumir suas contradições e suas responsabilidades de forma objectiva e sem tabús?! As propostas da Torcida Verde junto das instituições visaram o enquadramento dos grupos Ultras . Dessa forma poderiam ganhar “voz”, autonomia e capacidade de intervenção,afastando-se da imagem redutora e preconceituosa com que a “opinião publica” coloca os GOA:no campo da delinquência. Centrados na experiência dos “Fan Projekts”, a qual apresentámos como proposta nas várias instâncias, deparámo-nos com uma gritante insensibilidade ,com honrosas excepcções. No dia 1 Junho 2021, participámos na derradeira audiência na AR, na qual exortámos os parlamentares da Comissão desporto Ciência e Cultura a fazerem uma reflexão sobre o que aconteçeu desde a década de 80 até 2021. “Nos anos 80 não existiam cameras de vigilância nos estádios,escoltas policiais, nem qualquer enquadramento legal. O que aconteçeu entretanto?” “ O que aconteçeu entretanto para vermos inter-

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ditas de entrar nos estádios, faixas a defender o futebol popular,os valores do jornalismo desportivo,direitos dos adeptos como horários decentes, preços bilhetes económicos. As faixas que os estudantes de Coimbra apresentaram na final do Jamor em 1969, hoje seriam interditas” “O futebol e os clubes foram capturados, queremos acreditar que as instituições como último baluarte dos cidadãos possam assegurar nossos direitos e continuar a lutar pela nossa identidade” Questionámos também, a quem assacar responsabilidades no caso do CA contribuir para o agravamento da conjuntura. Reiterámos que o modelo CA está focado no que aconteçe nos estádios quando o que a realidade dos números diz que as ocorrências aconteçem fora dos estádios. Os numeros divulgados,em julho de 2021 pela APCV assim o dizem.


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A GRANDE AMEAÇA SOMOS NÓS Nos diversos contactos institucionais que a Torcida Verde participou nas últimas três décadas, temos aconsciência de quão incómodas foram as nossas propostas. Um dos ilustres interluctores, visivelmente exasperado com nossas propostas, em tom irónico chegou a afirmar “Não podem querer que se faça uma lei só para a Torcida Verde” Perante a nossa estupfação, acrescentou “Se fosse por voçês nem seria necessária qualquer policia nos estádios..” Para além dos discursos politicamente correctos da generalidade dos nossos interluctores, alguns dos quais genuinos; deparámo-nos com outras “tiradas” inesqueciveis. “Voçês querem nacionalizar o futebol!”, a propósito das nossa intervenções que convidavam o estado a “assumir suas responsabilidades”. Perante o assalto do futebol negócio de onde resultaram as recentes falências de clubes como o Belenenses, o D. Aves, o V.Setúbal. No passado, o Boavista, Beira-Mar, Sp.Farense, E.Amadora, U.Leiria, Salgueiros, Felgueiras, entre tantos outros. Na audiência de 2018 na AR, por exemplo é perceptivel a nossa intervenção nesta relevante matéria, tendo com resposta “Este tema está fora do âmbito da audiência”.

BILHÉTICA Também na questão da bilhética, a Torcida Verde tem uma longa intervenção. Quer através das primeiras audiências como nas publicações, uma delas reproduzida num dossier relativo a essa temática no inicio de 1993, expusémos, sem tibiezas a natureza das relações entre os dirigentes e as “claques” e como estas se tornaram num “clube dentro de clube”. A natureza das relações expressa na disponibilização de transportes e no acesso a bilhetes. Perante a inacção institucional, que a lei de Maio 2004 previa, propusémos na primeira década do novo milénio a efectiva responsabilização dos dirigentes, como uma alteração á referida lei, em sede de AR .

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CANDONGA, F.P.F, BASTA! Numa final da Taça de Portugal , em pleno Jamor, apresentámos uma contudente intervenção com a frase ”CANDONGA, F.P.F, BASTA!” expondo o tráfico de bilhetes com os bilhetes federativos para essa final, retirando-os do circulo normal de aquisição pelos adeptos.


JJ COM 200 BILHETES Em 2018, na final da taça com o Desportivo das Aves, mais de uma década volvida, nova corrida aos bilhetes. Nos midía surgiu a noticia que ao treinador Jorge Jesus foram disponibilizados 200 bilhetes, via FPF! O agravamento conjuntural, levou-nos a nova proposta no ano de 2011 que passava pela criminalização pessoal dos presidentes dos Clubes/Sads. Em 2018, abordámos especificamente o tema da bilhéticana AR, dando como exemplo o modelo dos “bilhetes Nominais”, proposta que reiterámos. Confrontados com o novo modelo CA, propusémos, como alternativa que o estado considerasse a possibilidade de emitir os bilhetes para todos os sectores do estádio com o modelo dos “bilhetes nominais”.

INTERNACIONAL ULTRAS EUROPEIA, SENADO ITALIANO... COMO A TORCIDA VERDE Sucessivas intervenções, protagonizadas pela Torcida Verde Junto das instituições ao longo das últimas três décadas pela credibilização dos grupos de adeptos, mas também pela defesa do desporto popular e do futebol em particular, alvo de um brutal assalto do cartel de negócios que o assaltou/ capturou. Estas intervenções foram sendo desvalorizadas e mesmo depreciadas pela ordem “claquista” dominante.

....SE NÓS ASSUMIMOS RESPONSABILIDADES

Mas também, ouvimos a ladaínha da “nacionalização do futebol” no que diz respeito á passagem da bilhética para a responsabilidade do estado. A nossa fundamentação decorre da nossa vivência no terreno: Se o estado considerou a necessidade de produzir sucessivos enquadramentos legais, invariávelmente após ocorrerem episódios de elevado “alarme social”. O último dos quais o modelo CA tão centrado na bilhética com a criação de uma aplicação especial para os adeptos dos novos guetos. Se o estado cria unidades policiais especificas, se o estado cria a figura do OLA, se o Estado disponibilizada forças de intervenção para o acompanhamento dos adeptos Se o Estado criou a figura do “Jogo de alto risco”.

POR A RAPOSA A GUARDAR O GALINHEIRO

Nesta conjuntura, será exagerado considerar a questão da bilhética, implicita no modelo do CA, uma questão central? E será exagerado considerar que os “organizadores do jogo”, facilmente poderão manipular a emissão dos bilhetes, uma vez que têm acesso exclusivo aos torniquetes por via informática. ”São os Drs, que irão estar nos torniquetes” foi a questão que colocámos a diversos dos nossos interluctores. No seguimento desta nossa antiga proposta, soaram as campaínhas de alerta em vários sectores, bastando para isso lêr as reacções fundamentalistas useiras e veseiras. De novo, a Torcida Verde foi “incómoda” para os interesses instalados. torcidaverde.pt

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FOOTBALL BELONGS TO THE PEOPLE A idealização, pela Torcida Verde em conjunto com a FPCCR, da primeira petição para a AR em 2003 (pelos direitos adeptos, da defesa do futebol popular) não teve a aderência da generalidade dos “movimento claquista” em Portugal, para além da “clubite”, também estava instalado o “estigma” sobre este rumo alternativo. Um rumo inspirado no modelo alemão que durante às últimas duas décadas teve resultados visíveis pela conquista de direitos para os adeptos inéditos no resto do mundo. A galopante captura do polvo do futebol business, tornou evidente a erosão e a degradação do movimento Ultras europeu. A terrível pandemia que no inicio de 2020 atingiu a humanidade, teve um impacto directo no futebol moderno e em especial na acção dos adeptos. Quando os cientistas denunciaram que a disseminação da pandemia na Lombardia italiana , na Inglaterra e em Espanha por via dos jogos da Champions Atalanta-Valência e Liverpool-Atlético Madrid colocaram a UEFA e os interesses televisivos como alvos do movimento Ultras europeu que respondeu massivamente contra a reabertura dos estádios com medidas restritivas. “Impensável reabrir as curvas, impondo o distânciamento social,o uso de máscaras, medição de temperatura, corredores de segurança. Também inconcebivél reabrir a uma percentagem de adeptos, incentivando a lutas fraticidas entre adeptos. O futebol, com esta pandemia pareçe caminhar rápidamente para se transformar, exclusivamente, num espectáculo televisivo!”. Em 2020 e 2021 foram organizadas diversa iniciativas, participadas por centenas de grupos europeus em que participámos, algumas delas junto da União Europeia. Em Julho de 2020, a Torcida Verde participou e implementou a iniciativa “Football Belongs To The People” que agregou cerca de 150 grupos dos 4 continentes que reafirmaram o carácter popular do futebol. Na Itália, pátria do “movimento Ultras”, após décadas de costas voltadas com as autoridades, emerge uma nova etapa com o desenvolvimento de fortes intervenções junto das instituições da República transalpina. VIDEO https://www.facebook.com/torcidaverde/videos/1171767893209356 52 torcidaverde.pt


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UMA BATALHA QUIXOTESCA...” Acreditamos que muitos acreditem que todas estas batalhas da Torcida Verde tivessem resultado numa “mão cheia de nada”. Como um nosso interluctor afirmou despudoradamente sobre as nossas intervenções “É uma batalha quixotesca, inglória...” Temos a consciência do situacionismo que domina o nosso país, como denunciava o eterno Eça de Queirós ainda no século 19. No que diz respeito a este anacrónico modelo do “cartão do adepto” sabemos que é um aliado da desertificação dos estádios, uma aliado das operadoras de Pay TV, um triunfo para o cartel de negócios que visa transformar os adeptos dos estádios e pavilhões em meros clientes como espectadores de teatro, ópera ou cinema!

O DIVISIONISMO VAI IMPERAR... Nesta conjuntura, de profundo antagonismo entre os GOA, mais preocupados com a sua “territorialidade” que na defesa da identidade dos adeptos como vanguarda da própria cultura e tradição dos seus clubes; existem as nefastas condições para afastar ainda mais os grupos de adeptos. A aderência ao modelo do CA de uma franja dos GOAS poderá radicalizar o antagonismo e os fenómenos que levaram ao actual estado de coisas. Situação que em nada irá contribuir para o combate consequente deste infâme modelo. A luta contra o CA deverá respeitar, ainda e sempre a identidade de cada Grupo, sob pena de continuarmos na senda maniqueísta do manadismo militante!

AR, 7 Outubro 2021 No dia 7 de Outubro 2021, numa sessão da Assembleia da República, o tema do “cartão do adepto” motivou um episódio grotesco. A interpelação de um parlamentar sobre o tema do CA, ao responsável máximo do poder executivo , mereceu deste uma reacção de aparente desconhecimento em relação à portaria 159/ 2020. “Não estou em condições de responder, vou inteirar-me da situação do Cartão do adepto” A franqueza daquele alto responsável institucional reconhecendo desconhecer o CA, foi algo totalmente inédito no campo da retórica parlamentar. Será difícil de acreditar que, caso fosse interpelado por qualquer outro assunto tido como mediaticamente relevante, o referido responsável insti54 torcidaverde.pt

tucional, confessasse tamanha ignorância. Porque se tal acontecesse seria vilipendiado por todos os lados. Dito isto, teremos de admitir que o tema do CA, será um tema irrelevante. De uma irrelevancia transversal, uma vez que a reacção das forças vivas da sociedade civil foi inexistente. Assim se poderá explicar este inusitado episódio. Será exagerado concluir que o tema dos direitos dos adeptos é um “não assunto”? Como adeptos, vamos esperar que a realidade nos desminta, após a promessa do supra referido alto responsável institucional junto dos ideólogos da portaria 159/ 2021.

A CEREJA EM CIMA DO BOLO

O fosso que existe entre os ideólogos da portaria 159/ 2020 e a realidade está patente na própria emissão do cartão do adepto. A simples emissão do CA, ilustra o total desfazamento da realidade . A emissão do titular do CA n° 101 é disso exemplo .O referido titular do CA 101 tem acesso aos sectores/gueto dos 3 eternos rivais do desporto nacional! Isto porque no preenchimento do formulário para aquisição do CA, cada adepto poderá indicar 3 clubes para aceder aos sectores/Guetos. Os funcionários que emitiram o CA, limitam-se a cumprir o disposto na Portaria 159/ 2020. Um exemplo cabal de insensibilidade que se torna grotesca. Algo que a Torcida Verde alertou, junto dos ideólogos do modelo do CA, torna-se numa realidade.


https://www.record.pt/multimedia/videos/detalhe/torcida-verde-mostra-primeiro-video-de-projeto-mundial https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-bwin/boavista/detalhe/boavista-critica-cartaodo-adepto-e-devolve-bilhetes-para-a-luz https://www.ojogo.pt/futebol/noticias/governo-escreve-a-liga-e-aperta-clubes-quanto-as-zonas-para-o-cartao-do-adepto--14075588.html https://www.ojogo.pt/futebol/1a-liga/noticias/alertam-para-possivel-dispersao-de-adeptos-do-fcporto-nao-e-preciso-ser-se-visionario-14103995.html https://tempodejogo.pt/opiniao/adepto-o-cidadao-incomum/ https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-bwin/boavista/detalhe/boavista-critica-cartaodo-adepto-e-devolve-bilhetes-para-a-luz https://www.publico.pt/2021/08/22/desporto/noticia/cartao-adepto-universo-dominado-portistas-1974840 https://www.rtp.pt/noticias/desporto/cartao-do-adepto-ideia-pode-ser-revista-para-evitar-afastamento-do-publico_v1355499 https://rematedigital.pt/2021/08/05/leixoes-anuncia-publicamente-a-sua-oposicao-ao-cartao-doadepto/ https://www.abola.pt/nnh/2021-09-02/vitoria-de-guimaraes-cartao-do-adepto-e-uma-medida-com-maleficios-para-o-futebol/903522 https://tribunaexpresso.pt/futebol-nacional/2021-08-14-Cartao-do-Adepto.-Os-clubes-estaocontra-os-adeptos-criticam-as-bancadas-nao-enchem.-Quem-apoia-a-nova-obrigacao-no-futebolem-Portugal--62507f97 https://hugogil.pt/pacos-de-ferreira-atira-se-ao-cartao-do-adepto/ https://maisfutebol.iol.pt/pacos-ferreira/leixoes/cartao-do-adepto-pacos-quis-alugar-bancada-e-jaha-um-clube-interessado https://maisfutebol.iol.pt/pacos-ferreira/liga/cartao-de-adepto-pacos-aluga-bancada-por-falta-deuso https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/costa-desafiado-a-revogar-cartao-do-adepto-diz-que-se-vai-inteirar-da-realidade



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