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Publicação da Fraternidade de Aliança Toca de Assis - Fevereiro de 2014

Vida Consagrada

Imenso dom de deus ao mundo

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ÍNDICE

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FORMAÇÃO

CORAÇÃO DA TOCA

ARTIGO ESPECIAL

OLHO NA RUA

Fraternidade de Aliança Toca de Assis CNPJ: 02019254/0001-87 www.tocadeassis.org.br Escritório São José Rua Amador Bueno, 45, Vila Industrial Campinas/SP. CEP: 13035-030 assessoriadecomunicacao@tocadeassis.org.br Fone: (19) 3886-7086 SAV- Serviço de Animação Vocavional vocacionalsc@fpss.org.br sav.nacional@filhasdapobreza.org.br Revista Toca de Assis Publicação mensal e interna da Fraternidade Presidente Interino: Ir. Maria dos Anjos do Mistério da Cruz Departamento Comunicação Ir. Belém, Ir. Maria Clara, Josefa Martins da Rocha, Leonardo de Souza. Editor chefe: Ir. Belém Projeto gráfico: Gabriela Saldanha. Diagramação: Leonardo de Souza. Jornalista Responsável: Josefa Martins da Rocha - MTb 771 Impressão e tiragem: 10.000 exemplares Colaboradores nesta edição: Dom Rafael Llano Cifuentes; Dionei Alves; Reginéa Muniz; Ir. Lourenço; Irmão Belém; Ir. Romero; Ir. Francisco da Pobreza; Ir. Maria Clara do Amor Misericordioso de Deus; Ir. Mateus da Pobreza de Jesus Crucificado. Josefa Martins da Rocha; Leonardo de Souza.

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EDITORIAL

rezado amigo (a) leitor, Paz e Bem! Neste mês de fevereiro, no qual comemoramos o dia da Vida Consagrada, a Revista Toca de Assis traz para você um aprofundamento maior sobre este grande dom de Deus ao mundo em ARTIGO ESPECIAL e FORMAÇÃO. Na coluna MÃE DA IGREJA, conheça um pouco mais sobre a aparição de Nossa Senhora em Lourdes. Inaugurando um novo quadro na Revista Toca de Assis, o DE OLHO NA RUA apresenta a realidade atual de nossos irmãos moradores de rua, através da narração de fatos concretos. Em CORAÇÃO DA TOCA, a missão dos Filhos da Pobreza na cidade de Curitiba. No artigo TOCA PARA A IGREJA, Dom Rafael Llano Cifuentes fala sobre a Fraternidade Toca de Assis. Na matéria TOCA EM AÇÃO, o trabalho de nossos leigos nas cidades onde não existe casa dos Filhos e Filhas da Pobreza. Neste mês, conheça a missão de Pouso Alegre. E para concluir, a belíssima história vivenciada pelo Irmão Francisco em DIÁRIO DO PEREGRINO. Boa leitura e que Deus o abençoe!

Equipe: Central São José

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A concha que transborda o Amor de Deus

TOCA PARA A IGREJA

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onheço muito bem o Instituto das Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento. Tive contato com as Irmãs e algumas noviças quando era Bispo da Diocese de Nova Friburgo. A partir de março de 2010, sendo já Bispo Emérito, comecei a visitar mensalmente o Noviciado do Sacramento de Amor, perto de Maricá, no Rio de Janeiro. Também participei do primeiro Capítulo Geral. Poderia referir-me amplamente sobre muitas das suas características e virtudes, mas para não me alongar muito destacaria a sua pobreza e simplicidade que se torna visível também no hábito que usam, além do acentuado amor ao Santíssimo Sacramento. Numa sociedade consumista, que admira a opulência e a ostentação, a sua marcante pobreza representa um testemunho inigualável do espírito evangélico. A cultura contemporânea necessita de um impacto ostensivo do desprendimento que se vive na Toca de Assis e do trabalho que fazem no cuidado fraterno dos pobres de rua. É encantador como os recolhem e os atendem em casas específicas, montadas com grande esforço, para atendê-los com a maior dignidade. Não poupam sacrifícios. Penso que este testemunho deveria estar presente em todas as grandes cidades do Brasil. Sonho com a sua presença em cidades como Nova York, Paris, Roma, Londres, Madri, Moscou, Pequim, Tóquio... Ao mesmo tempo conseguem coadunar a sua missão social com um intenso espírito contemplativo. Todas as Irmãs dedicam muito tempo à adoração do Santíssimo Sacramento. Vivem o espírito de Marta e Maria ao mesmo tempo, realizando o desejo de S. Bernardo de ser não apenas canal que comunica o bom espírito, mas concha que transborda amor de Deus para santificar os outros. Este espírito torna-se mais evidente nas irmãs do Sacramento do Amor que se dedicam exclusivamente à adoração do Santíssimo Sacramento. Peço a Deus, através da intercessão da Virgem Santíssima, que lhas conceda muitas vocações santas, abnegadas e alegres. Elas irradiarão neste mundo que valoriza de uma forma predominante o dinheiro, o status e o êxito, a liberdade jubilosa do “poverello” de Assis.

Dom Rafael Llano Cifuentes Bispo Emérito da Diocese de Nova Friburgo/RJ

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MÃE DA IGREJA

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ntre as aparições de Nossa Senhora que a Igreja considera como autênticas está a de

Lourdes. Era 11 de Fevereiro de 1858 quando Maria Bernardete Soubirous, uma jovem humilde e analfabeta, que estava apanhando lenha, viu a Senhora vestida de branco lhe chamando do alto de uma gruta, com uma faixa azul na cintura e uma rosa de ouro em cada pé, da cor do rosário que trazia, como narra Bernadete mesmo. Enquanto a Virgem Santíssima passava as contas do Rosário, brotava no coração de Bernadete o desejo de rezar também, como que um primeiro apelo que Nossa Senhora fazia: rezai o Rosário. Na terceira aparição a Virgem pergunta a Bernadete algo que também se refere a nós, um convite que ela já fez tantas vezes, mas que parece nos custar muito: “quereis voltar aqui outras vezes?” Bernadete diz que sim! Mas e nós? Que respondemos ante ao apelo da Santíssima Mãe de Deus? Naquele lugar, a gruta de Massabielle, a Virgem Maria pedia que os sacerdotes construíssem uma Capela. Essa sempre foi a Missão Magna de Nossa Senhora, trazer Cristo Jesus, a Salvação aos homens, e nos levar a Ele. De fato, é Ela a Capela do Santíssimo, o primeiro Ostensório do Senhor, Aquela que sempre nos leva a Deus. Aquele lugar vai ser um local para os homens de todo o mundo encontrarem- se com Deus. No dia 25 de Fevereiro daquele ano, a Virgem mandou que Bernadete cavasse o chão e brotou uma fonte de água pura. Naquele lugar os homens são lavados de seus pecados, purificados de suas enfer4

midades e elevam a Deus a ação de graças pelos inúmeros benefícios dispensados ali. Cada um de nós, filhos de Nossa Senhora, devemos obedecer também ao chamado de construirmos um lugar, em nós mesmos, onde a Santíssima Virgem recline Seu Filho, faça-o ser adorado e amado. Nas Capelas onde formos, quando avistarmos o Santíssimo Sacramento, vamos recordar que Nossa Senhora também está ali e nos ensina a adorar e lembrar de que o nosso coração deve ser um tabernáculo. Na décima sexta aparição, a Santíssima Virgem revelou que Ela é a Imaculada Conceição. A menina Bernadete conta que, enquanto Nossa Senhora falava isso a ela, erguia os olhos e os braços para o céu. Essa expressão “Sou a Imaculada Conceição”, tanto como o “Ave Cheia de Graça”, significa que em Nossa Senhora não existe nenhum resquício de pecado ou mancha. Ela é toda bela, toda formosa. Nossa Senhora confirmava o dogma que quatro anos antes, em 1854, o Papa Pio IX declarava. Nossa vida deve apontar para Deus com nossa caridade com os pobres e necessitados, tão insistente nos lábios da mensagem de Lourdes. Nossas orações e atos como os olhos e os braços de Maria na gruta, devem apontar ao Céu em ação de graças contínuas. A presteza de Nossa Senhora que manda fazer uma Capela, que manda abrir a Fonte de Água pura para curar os doentes e atender à necessidade dos pobres, traz para toda a Família Toca de Assis a beleza dos pilares do nosso Carisma, a adoração perpétua ao Santíssimo Sacramento e o amor aos pobres aban-

donados. E faz-nos entender que também nós somos enviados ao serviço de Cristo nos pobres. Busquemos, então, nós, estarmos sempre mais perto de Nossa Senhora. Vamos cansar o Demônio e todo o mal repetindo, incansavelmente, como se fosse uma única vez, com os Anjos: Ave Maria Cheia de Graça.

Irmão Francisco da Cruz irmaofranciscodacruz@fpss.org.br

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Dia da Vida

FORMAÇÃO

Consagrada C

om a celebração anual da Festa da Apresentação do Senhor, a Santa Igreja Católica celebra, de modo muito especial, o Dia da Vida Consagrada. No espírito da Sagrada Liturgia da Igreja, oferecemos a você, caro amigo leitor, o trecho da Homilia de Bento XVI, em 02/02/2012, aprofundando e esclarecendo a íntima relação da Apresentação do Senhor com a Vida Consagrada:

“No dia em que a Igreja faz memória da Apresentação de Jesus no templo, celebra-se o Dia da Vida Consagrada. Com efeito, o episódio evangélico ao qual nos referimos constitui um ícone significativo da doação da própria vida por parte de quantos foram chamados a representar na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus, casto, pobre e obediente, o Consagrado do Pai. Portanto, na festividade deste dia nós celebramos o mistério da consagração: consagração de Cristo, consagração de Maria, consagração de todos aqueles que se põem no seguimento de Jesus por amor do Reino de Deus. Segundo a intuição do Beato João Paulo II, que a celebrou pela primeira vez em 1997, no Dia dedicado à vida consagrada propõe-se algumas finalidades particulares. Quer responder, antes de tudo, à exigência de louvar e dar graças ao Senhor pelo dom desta condição de vida, que pertence à santidade da Igreja. A cada pessoa consagrada é dedicada, hoje, a oração de toda a Comunidade, que dá graças a Deus Pai, doador de todo o bem, pela dádiva desta vocação e com fé volta a invocá-lo. Além disso, em tal ocasião tenciona-se valorizar cada vez mais o testemunho daqueles que escolheram seguir Cristo mediante a prática dos conselhos evangélicos, com a promoção do conhecimento e a estima da vida consagrada no interior do Povo de Deus. Finalmente, o Dia da Vida Consagrada deseja ser, sobretudo para vós, queridos irmãos e irmãs que abraçastes esta condição na Igreja, uma preciosa ocasião para renovar os propósitos e reavivar os sentimentos que inspiraram e inspiram a doação de vós mesmos ao Senhor. É isto que queremos fazer hoje, este é o compromisso que sois chamados a realizar todos os dias da vossa vida”.

Trecho da homilia de Bento XVI 2 de Fevereiro de 2012 Fevereiro/2014 Revista TOCA de assis fevereiro 2014.indd 5

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CORAÇÃO DA TOCA

Missão Curitiba/PR

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missão da Toca de Assis em Curitiba é coordenada pelos Filhos da Pobreza do Santíssimo Sacramento, que administram a Casa São José. São 10 religiosos - cinco Consagrados e cinco Postulantes. Ali é feito o acolhimento de pessoas em situação de rua, o trabalho de pastoral de rua diurna e noturna, cenáculos, adoração e formação para os leigos e catequese com os acolhidos, atualmente, 20. Onze pessoas já foram ressocializadas. A ação da Toca de Assis, sem sombra de dúvida, é fruto e consequência de vidas enamoradas por Jesus Cristo, presente na Eucaristia e no pobre. Cada consagrado tem sua história peculiar da experiência do amor de Deus e de como Esse Amor se concretiza no cotidiano da vida. Dessa vez, vamos conhecer o Irmão Lourenço Maria do Santo Sacrifício do Altar, Guardião da Casa São José, 42 anos, na Toca desde 2001 e consagrado desde 2004. Esteve 6

nas missões: Barretos (SP), Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, Fortaleza, Juazeiro do Norte (CE), Montes Claros (MG), Belo Horizonte, Vitória, Vinhedo (SP), Ribeirão Preto (SP), Campinas e, atualmente, Curitiba. Também trabalhou na missão específica da Pastoral dos Leigos. Irmão Lourenço conta que, há 14 anos, quando, pela primeira vez, foi à Canção Nova para participar de um acampamento para jovens, teve seu primeiro contato com a Toca de Assis. Procurou saber qual a casa fraterna mais próxima de sua cidade natal, Atibaia (SP). Diz que se identificou com a simplicidade e alegria dos toqueiros e, também, pelo amor com que adoravam o Santíssimo Sacramento e cuidavam dos pobres. Segundo ele, quando participou de um encontro de jovens em Atibaia, teve um encontro com o amor de Deus e a partir dai começou sua conversão. A primeira forte experiência com o Santíssimo Sacramento foi num Cerco de Jericó,

em sua Paróquia, São Sebastião, quando convidado pelo pároco a fazer uma hora de adoração durante a madrugada. Ele narra: “Em uma dessas adorações ao Santíssimo Sacramento, como que uma luz, saía do ostensório irradiava muito forte naquela Capela. Ouvi uma voz que vinha do Santíssimo ao meu coração e me disse para deixar tudo para segui-lo. Então, fiquei muito emocionado porque percebia que era um chamado do Senhor”. Sobre o outro aspecto fundamental da vocação à Toca, Irmão Lourenço diz: “Os pobres são os prediletos de Deus, são aquelas pessoas menos favorecidas, que necessitam de uma atenção especial, principalmente, de ouvir e serem ouvidas, por causa das suas necessidades. Pessoas, muitas vezes, esquecidas pela sociedade e são humanas, filhos e filhas de Deus. Também, na pessoa do pobre consigo descobrir melhor

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minha vocação, vivendo das coisas simples e esperando sempre a ação divina, Sua Providência, nas minhas necessidades. Sendo assim, consigo viver melhor minha fé, minha esperança, minha caridade, vivendo desapegado das coisas materiais. Vejo no pobre a pessoa de Nosso Senhor que sempre me pede algo a fazer pelo meu próximo”. A vida de Dionei Alves, um dos acolhidos da Casa São José, em Curitiba, ilustra o papel espiritual e social que a Toca de Assis desempenha na Igreja e no mundo. Dionei diz: “Definir o que a Toca significa na minha vida é um sentimento tão complexo que não consigo traduzilo em outra coisa se não nessas três palavras: Amor, fé e prosperidade”. Ele conta que a Toca o tem levado a fazer a descoberta de si mesmo: “Estou descobrindo o meu lado religioso, de homem bom, que tem amor ao próximo, que também é possuidor de sentimentos, enfim, tenho me descoberto um novo homem”. Ele diz ainda: “Os Irmãos da Toca expressam uma humildade e um tratamento de amor que nos fazem enxergar que a vida dá muitas oportunidades e é preciso ter anseio por alcançá-las, que somos capazes de prosperar e para isso necessitamos acreditar em nós mesmos”. Dionei afirma que, a partir de agora, quer viver sem deixar de estar na presença de Deus e de ter sua companhia a cada passo na vida. Explica que o Guardião da casa fraterna é como o alicerce de uma construção. “É ele quem sustenta as responsabilidades da casa, quem nos dá oportunidade de uma mudança de vida, de sermos respeitados. Ele nos permite uma liberdade que nos faz crescer em dignidade e responsabilidade, colocando-nos responsáveis pelo nosso próprio processo de reinserção social”, conclui.

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ARTIGO ESPECIAL

“Cada consagrado(a) é chamado a viver sua afetividade na amizade e gratuidade, por meio da doação de si mesmo a Deus e aos necessitados.” Revista TOCA de assis fevereiro 2014.indd 8

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A VIDA CONSAGRADA NA IGREJA A

“Apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rom 12,1)

vida consagrada é um imenso DOM de Deus ao mundo. Seu Fundador e inaugurador é o próprio Jesus Cristo. Foi Ele quem assumiu para si esse modo de viver e foi Ele quem propôs a muitos dentre os seus discípulos esse modo de vida (Cf. Mc 1, 16-20). Assim, desde Cristo, através de todos os séculos até os dias de hoje, floresceu na Igreja uma variedade de expressões de consagração para a vivência radical do Evangelho, por meio dos votos ou conselhos evangélicos. “Desde os primeiros séculos da Igreja, houve homens e mulheres que se sentiram chamados a imitar a condição de servo abraçada pelo Verbo encarnado, e O seguiram, vivendo de um modo específico e radical, na profissão monástica, as exigências derivadas da participação batismal no mistério pascal da sua morte e ressurreição” (Vita Consecrata 6). Dentre muitas outras características, as pessoas consagradas são: homens e mulheres que renunciam ao casamento para consagrar-se a Deus e serem como Cristo em tudo. São chamados e viver dedicados às coisas do Senhor (1Cor 7,7s, 32), radicados nas promessas do batismo, em contínua oração, em castidade, sozinhos ou em grupo, a serviço dos pobres e da Igreja, comprometidos com a evangelização e salvação do mundo. Longe de ter uma vida estéril ou infértil, as pessoas de vida consagrada renunciam ao matrimônio para tornarem-se protagonistas nas obras de caridade e misericórdia da Igreja, assumindo assim, como filhos seus, os pobres, doentes e abandonados pela sociedade. Na vivência de seu carisma institucional ou, em alguns casos, seu carisma particular, cada consagrado (a) é chamado a viver sua afetividade na amizade e gratuidade, por meio da doação de si mesmo a Deus e aos necessitados. “A Vida religiosa, enquanto consagração da pessoa toda, manifesta na Igreja o maravilhoso matrimônio estabelecido por Deus, sinal do mundo vindouro. Assim, o religioso consuma a doação total de si mesmo como sacrifício oferecido a Deus, pelo qual a sua existência toda se torna culto contínuo a Deus na caridade” (Can. 607). Tendo em comum a consagração batismal, as pessoas consagradas não pertencem essencialmente à Constituição Hierárquica da Igreja (Pontificado, episcopado, sacerdócio) e, sim, à sua dimensão carismática e missionária. Como afirmou o Concilio Vaticano II: “A vida consagrada não constitui um estado intermediário entre o clerical e o laical, mas de ambos são chamados alguns fiéis por Deus para desfrutar desse dom para a missão salvífica da Igreja” (LG 43,2). Portanto, esse estado embora não pertença à estrutura hierárquica da Igreja, está contudo firmemente relacionado à sua vida e santidade (LG 44,4). Deste modo, dócil à ação do Espírito Santo, na diversidade de seus carismas e formas de consagração, a vida consagrada vem reproduzindo, ao longo dos séculos, nos mais diversos contextos históricos e culturais, o modo de viver, amar e servir de Cristo.

Irmão Mateus, FPSS irmaomatteus@fpss.org.br

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QUALIDADE VIDA TOCA EM DE AÇÃO

Alegria e “mão na massa”

A partir desta edição, Toca de Assis apresenta de uma maneira nova breves testemunhos de leigos comprometidos com o carisma e sua missão na Igreja. Inicialmente, convidamos você a conhecer Reginéa Muniz, coordenadora da Associação Pastoral de Rua de Pouso Alegre – MG.

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m meio à vida de família com seu marido e seus três filhos, a mineira do Espírito Santo de Dourado lidera cerca de 40 voluntários e outros benfeitores num belíssimo trabalho com pobres abandonados de rua. Todas as noites, frias ou não, os pobres de rua podem contar com a amorosa companhia desse fervoroso grupo que entrega alimentação e cobertores, com o DIFERENCIAL CRISTÃO que é o AMOR a cada um deles. O trabalho nasceu após uma experiência com a Toca de Assis, e, sendo assim, a Equipe da Revista foi até lá, em um dia de atendimento na sede da Pastoral de rua, para conhecer melhor esse maravilhoso movimento. Logo cedo, 06h da manhã, Reginéa Muniz chega, trazendo em seu carro enormes sacos de pão, fresquinho e, com sua espontaneidade, convida-nos ao trabalho, “Ô Irmão, ajuda a pegar os pães aqui, no carro!” Assim começa o dia de atendimento com a preparação do café, enquanto outros voluntários vão preparando o espaço, organizando os banheiros para a higiene, a barbearia, a rouparia... “O pobre para mim é O PRÓPRIO JESUS CRISTO... Sempre me senti tocada quando via os mendigos pelas ruas e tinha vontade de fazer alguma coisa por eles.” lembra Reginéa. Com o olhar atento a quase todas as necessidades, ela parece até estar em todos os lugares ao mesmo tempo, isso contando vários voluntários e cerca de 45 pessoas em situação de rua que estavam ali para se beneficiar daquele espaço reservado a eles. Não somente ela, mas todos os que ali trabalham, misturam-se com os pobres, como uma grande família, rodeada de amor e acolhimento. No olhar dos irmãos moradores de rua atendidos, nota-se a gratidão com seu sotaquezinho mineiro quando expressam: “Ainda existe gente boa no mundo como as ‘madinhas’!”, forma carinhosa de se referirem às voluntárias. “Depois que a Toca de Assis passou por aqui, nós, os voluntários, resolvemos fazer a festa de Natal para os nossos irmãos de rua. A experiência foi tão boa que não paramos mais, passamos a cuidar deles como uma rotina em nossas vidas e acabamos fundando a associação”, diz Reginéa Muniz. O Serviço cadastra todos os moradores de rua que os procuram, e oferece a eles, na sede, toda terça feira, café da manhã, banho, roupa limpa e evangelização. “Servimos refeições todas as noites nos lugares onde eles se abrigam. Uma vez por mês fazemos, aos sábados, um almoço com 10

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Foto:Thiago Pessoa Nobre

a presença dos irmãos da Toca de Assis, ocasião em que fazem a barba e o cabelo. Dia forte de evangelização”, conta. Para conseguir manter o trabalho, além das doações de benfeitores, a missão se sustenta de um grande bazar mensal que realizam na sede. “É uma luta muito grande conseguir voluntários para o bazar”, desabafa Muniz. Mas, uma coisa é perceptível em todos os envolvidos nesse trabalho: uma satisfação clara e evidente de leigos que vivem ardorosamente sua missão na Igreja e no mundo. Pessoas que possuem família, ocupações pessoais e rotina de trabalho semanal, porém, nada disso é empecilho para que se comprometam com o serviço dos pobres e atividades como a abordagem noturna nas ruas. “O que mais me realiza é vê-los limpinhos, depois do banho, alimentando-se felizes e à vontade com a autoestima de volta”. Ela, ainda, testemunhou um caso especial: “No primeiro Natal que realizamos, uma moradora de rua chamada Graziela disse que era a primeira vez que ela comia uva sem ser do lixo. Isso nos marcou muito e. desde então, sempre fazemos para eles um lindo natal com muita comida boa, presentes, frutas e sorvetes. Nosso natal é sempre muito santo e abençoado.” Estatísticas do Morador de Rua em Pouso Alegre Pouso Alegre é uma das cidades que mais crescem, em população, no estado de MG. Segundo a estimativa do IBGE, em 2013,Pouso Alegre é o 2º município mais populoso da região sul-mineira, com 140.223 habitantes. O Programa Municipal de Cadastramento dos Moradores de Rua de Pouso Alegre, no primeiro semestre de 2013, traçou o perfil da população de rua: * 1/3 são de Pouso Alegre; * 2/3 são migrantes das cidades da região e do interior de São Paulo; * 83 % homens, com idade entre 30 e 40 anos; * 80% admitem serem usuários de drogas e 40 % fazem uso regular de álcool; * Mais de 50 % com laços familiares rompidos. Fevereiro/2014 Revista TOCA de assis fevereiro 2014.indd 11

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DE OLHO NA RUA

“A Paixão de Cristo continua sobre a face da terra”(Papa Pio XII)

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Fraternidade Toca de Assis tem como um dos pilares de seu carisma o amor ao pobre abandonado de rua. Esse amor abrange todos os que vivem nas calçadas, marquises e encruzilhadas do nosso país e fora dele. Independente de nossa presença atuante em algumas localidades, ouvir e ver o sofrimento de nossos irmãos sempre faz soar em nosso coração de “toqueiro” aquele grito de Cristo na Cruz: “Tenho sede!” (Jo 19, 30). Na realidade, esse clamor na Cruz é para toda a Igreja e ela deve ter Jesus Cristo como centro de sua missão, Ele, o Deus encarnado, que assumiu o sofrimento humano e se

identificou com todos os que vivem em aflição nesta Terra. O cristão deve ter em si os mesmos sentimentos do Senhor, que o inspira a agir e ser fermento em meio a este mundo que tem sede e fome de Deus. Mas, onde está Jesus Cristo? Onde temos escutado esse grito? Onde Cristo está clamando? Será que O temos ouvido? Basta que prestemos atenção à nossa volta, nas ruas ou na mídia atual, para podermos reconhecer Sua Paixão, que está bem próxima a nós. Há pouco menos de seis meses, por exemplo, notícias como o assassinato de quarenta pessoas em situação de rua, na cidade de Goiânia/

Belo Horizonte/MG

Nos últimos dois anos, o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH) registrou 100 homicídios de moradores de rua em Belo Horizonte, sendo que 30 ocorreram em 2011, 52 em 2012 e 18 em 2013. Lamentavelmente, na madrugada do dia 12 de junho de 2013, mais uma pessoa foi vítima de tentativa de homicídio na área da Igreja da Boa Viagem. Manifestamos nosso repúdio às violações dos direitos humanos da população em situação de rua de Belo Horizonte e conclamamos a sociedade para protestar e requerer ações urgentes e efetivas para combater todas as formas de violência em todo o Brasil. Contato: centronddh@gmail.com Fonte: Revista O trecheiro, junho 2013.

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GO, compuseram o quadro de uma série de atos violentos perpetrados. Violência que também se manifesta através de expressões discriminatórias como “moradores de rua devem ser dados como ração para peixes”. Essas e muitas outras notícias chegam, tantas vezes, de forma comum, e nós, como pessoas anestesiadas pela mídia, somos indiferentes. O cristão católico deve aprender a ver a Paixão de nosso Deus nesses fatos que não são isolados. Infelizmente, em nossas capitais, multiplicam-se pequenas ações que caracterizam uma verdadeira “limpeza social” para com aqueles que não se enquadram nos parâmetros de nossa sociedade. Certa vez, ouvi de um advogado, envolvido em causas de direitos humanos, um ponto de vista interessante: “quando se vê um pobre em situação deplorável, diz-se que ele está em situação irregular naquela sociedade, mas acredito que seja o contrário, é a sociedade que está irregular em relação a ele...” Afinal, é essa mesma sociedade que deve assegurar, proteger e promover o bem comum de todos os cidadãos. Entretanto, o que ouvimos por aí nas expressões como “limpar” e “higienizar” em relação às pessoas em situação de rua são termos e ações muito mais utilizados... Não se trata da defesa da permanência dessas pessoas nas ruas, mas garantir ações que sejam minimamente humanizadoras, “Pois, a doutrina social da Igreja comporta também um dever de denuncia” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja n. 81).

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Goiânia/GO

A grande Goiânia já registrou 40 mortes de pessoas em situação de rua. A sequência de crimes começou no dia 12 de agosto do ano passado, quando um jovem de 22 anos foi morto com três tiros, na esquina da Avenida Independência com a Rua 68, no Centro. Usuário de drogas, ele teria sido morto por um soldado da Polícia Militar, que acabou preso. O último caso foi registrado na rodoviária de Hidrolândia, cidade da região metropolitana. Um homem, com idade estimada em 60 anos, foi morto a tijoladas. O crime aconteceu na noite de 19 de outubro. O suspeito, que também vivia em situação de rua, foi preso. Fonte: http://g1.globo.com

São Paulo/SP

Os crimes relativos às pessoas em situação de rua continuam sem solução e seus autores impunes. Em São Paulo, os processos referentes ao Massacre da Sé foram arquivados por falta de provas. Para a Dra. Michael Nolan, advogada que acompanha esses processo, novas provas são fundamentais para a retomada do andamento dos trabalhos. No caso da Maria Bachinha, o processo está à espera do juiz Alberto Anderson Filho, da 1º Vara do Júri de São Paulo para marcar uma data. “O nosso esforço vai ser ouvir as testemunhas desse processo e quem sabe conseguirmos novas provas”, disse Michael. Enquanto isto, os crimes contra a população de rua continuam. Um dos últimos foi Edivan da Lima Silva, 48 anos, carroceiro, que teve 70% do corpo queimado na quinta-feira, dia 1 de agosto, enquanto dormia em uma rua do Guará (DF) e morreu no dia seguinte, no Hospital da Asa Norte. Fonte: Revista O Trecheiro, agosto de 2013.

Irmão Romero, FPSS irmaoromero@fpss.org.br

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DIÁRIO DO PEREGRINO

Venezuela-Caracas

Saí da cidade de Barcelona, na Venezuela, às 09h. Peguei a estrada, já bem tarde do que normalmente faço. Costumo sair cedo, para aproveitar a parte da manha para rezar. Mas, parece que no momento em que menos esperamos, mais Deus faz! E assim aconteceu. Enquanto vou caminhando, vou rezando o santo rosário, e pedindo o auxilio de Nossa Senhora, para que me conduza em segurança. Depois, um mecânico parou para me levar em seu caminhão. Depois de uns 280 km, cheguei ao terminal Barreiras, que fica ha 2 horas de Caracas. Já era quase noite, e decidi pedir carona para a cidade. Estava com receio de chegar muito tarde, pois não conhecia nada naquela cidade. Mas, parecia que, naquele momento, bateu nas pessoas a “hora do desprezo”. Quando chegava alguém, aproximava-me para conversar e pedir carona. Literalmente, eu era ignorado, como se não fosse ninguém. Estas pessoas não chegavam nem a balançar a cabeça, em um gesto de resposta negativa ao meu pedido. Simplesmente, passavam por mim! Isso aconteceu umas três vezes. Fiquei tão impressionado com aquelas atitudes, que meu coração ficou perturbado por tamanha frieza. A tristeza entrou em meu coração e sentei um pouco, em um banquinho de cimento, que tinha ali perto, para rezar em silencio, e não deixar a tentação do desanimo tomar conta de mim. Fiquei ali um pouco e, de repente, apareceu um menininho de nome Jonás, devia ter uns nove anos. Era descendente de indianos. Acercou-se a mim, e me disse: -Irmão qual o seu nome? -Irmão Francisco. Respondi. -O que está fazendo aqui? Perguntou-me: -Estou peregrinando. Passando por muitos lugares: rezando, evangelizando, caminhando pelas estradas, pedindo carona... E muitas outras coisas. -E por quem o senhor faz tudo isto? -Tudo isso faço por Deus. -Irmão, o senhor deve esta com fome e sede, não está? Eu estava com fome e sede, mas pensei em não deixa-lo preocupado. Então respondi: -Não. Eu Já comi. Está tudo bem. Então, ele fez sinal com a mão para que eu não saísse dali, e saiu não sei para onde. Depois de um momento, ele volta com uma garrafa de suco de maracujá, e corre para o outro lado. Depois de uns minutos, volta com uma comida típica da Venezuela, chamada Arepa. Jonás ficou ao meu lado, e conversava comigo de forma muito amigável. Olhando para ele, não deixava de pensar no meu santo anjo da guarda. Sua caridade por mim me constrangia. Segurava-me para não chorar na sua presença. Uma mulher se aproximou, e Jonás apresentou-me. Era sua Mãe. Eu lhe disse que Deus a tinha dado um presente tão belo, um filho de um coração muito bom. Disse-lhe ainda que ele havia me dado de comer e beber e se preocupava comigo. Ela sorriu, e apenas disse que era seu filho mais novo. Jonás ficou ao meu lado até eu conseguir uma carona, já quase às 19h. Despedi-me dele com um forte abraço e disse: “Mui gracias por todo mi hermano y Dios bendiga”. Entrei no ônibus e meu coração se encheu de louvor e gratidão a Deus, por ter enviado aquele “anjinho” para me consolar num momento de tanto desanimo. Jonás, naquele momento foi um “Arcanjo Rafael” (Cura de Deus) em minha vida, em minha missão.

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