Preia-Mar 1 | Revista da Escola Secundária de Estarreja

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maior grau de criatividade e inovação são instituídos por equipas multidisciplinares onde os diferentes contributos se entrelaçam e se surpreendem mutuamente, numa lógica colaborativa em busca das melhores soluções e ideias. O currículo é construído simultaneamente pelas opções obtidas na eficácia da articulação das equipas pedagógicas e pela adesão dos alunos aos desafios sucessivamente equacionados. Como refere Carette5, a pedagogia por objectivos tem as suas raízes no espaço do comportamentalismo (behaviorismo), segundo o qual a observação de comportamentos permite conectar estímulos e respostas. A abordagem por competências terá, no entanto, a influência do construtivismo, no sentido em que se considera que o desenvolvimento da aprendizagem resulta da interacção entre o indivíduo e o meio. A idealização ou a concepção pedagógica de uma competência implicará uma acção ou conjunto de acções articuladas perante uma oportunidade de desempenho à qual o aluno deverá aderir, perseguindo um fim e da qual resultará uma aprendizagem e a consolidação de experiência. Cremos que, na maioria das actividades lectivas, convergem simultaneamente abordagens por objectivos e por competências, ainda que, por vezes, inconscientemente. A escola plural e de múltiplas correntes pedagógicas instalou-se firmemente nas salas de aula e, mesmo que possamos manifestar preferência por uma em detrimento de outras, estános vedado o privilégio da ignorância quanto aos paradigmas que as sustentam. O impacto no sistema educativo e o efeito no sucesso escolar ou profissional dos alunos não é imune às opções tomadas no momento de planificar uma aula ou uma unidade. Convenhamos que a escola opta e pondera as consequências quando investe mais ou menos tempo na preparação dos alunos para os exames, ainda que no mercado de trabalho e na vida futura poucos ou nenhuns exames voltem a enfrentar. Mas os exames desempenham um papel fulcral de verificação da equidade da actividade da escola e, por isso, são uma espada de Dâmocles, incontornáveis prenúncios dos sucessos e insucessos, mais na vida académica que no ambiente laboral. As competências avaliadas

Cremos que, maioria das actividades lectivas, convergem simultaneamente abordagens por objectivos e por competências, ainda que, por vezes, inconscientemente(...) e, mesmo que possamos manifestar preferência por uma em detrimento de outras, estános vedado o privilégio da ignorância quanto aos paradigmas que as sustentam. nos exames e testes são escassas e, na maioria das vezes, simples solicitações de tarefas, com atenuado grau de complexidade. A transferabilidade das competências colide com o enunciado acima referido: as competências são de construções pessoais, inerentes ao indivíduo, manifestando-se diferentemente, dado que as experiências e motivações de cada um condicionam as respostas e as soluções mobilizadas. O padrão de comportamento, a sua regularidade e complexidade, pode eventualmente permitir inferir um juízo de valor sobre a atitude do aluno. Mais do que isso, é possível a observação de comportamentos, transpostos para grelhas de registo, quantificáveis, qualificáveis e por fim classificáveis. No entanto, notamos aqui uma colagem ao positivismo: pressupõe-se que os processos sociais são redutíveis às acções e relações entre os indivíduos, subestimando os contextos; falha-se na apreciação sobre a existência no mundo objectivo de factos sociais que são apenas um produto social e histórico da consciência humana; ignora-se o papel do observador na concepção da realidade e consequentemente falha-se por ignorar o efeito das condições sociais; representa-se o observado como existindo objectiva e independentemente do seu ambiente e história que produziu essas mesmas condições. Em suma, esta representação social permite perpetuar as diferenças culturais e económicas em vez de as repelir. Em nenhum momento como na hora e no modo de avaliar atitudes se percebem as afinidades ideológicas, conscientes ou inconscientes. A lógica do universalismo instala-se para excluir a diferença. Parafraseando Enzensberger6, o universalismo revela-se uma armadilha moral por abrir um abismo entre intenção e realidade e cair na hipocrisia objectiva. Dificilmente um conceito, ou uma abordagem pedagógica, na redacção da sua fundamentação ou enquadramento, por si só e de forma isolada, trará consequências visíveis e perceptíveis para todos, de forma integrada. Na realidade, a percepção de desalento instala-se junto dos profissionais da educação quando, na sequência de ondas e modas, procuram generosamente transpor directivas e normativos delineados nos gabinetes administrativos centrais ou partindo de investigações e estudos realizados nos centros de investigação universitários. Além do mais, transforma-se numa aventura inútil, porventura inglória, a vontade de viabilidade quando se impõem generalizações a partir de projectos-piloto que obtiveram sucesso num ou noutro caso, em função de especificidades contextuais e motivações intransmissíveis. Imagine-se um princípio activo desenvolvido ou isolado num qualquer laboratório farmacêutico, eficaz no tratamento de um eventual paciente e compulsivamente universalizado como arquétipo da cura da referida enfermidade, menosprezando as contra-indicações, as reacções adversas, alergias e outras especificidades dos putativos organismos, convertendo a bem intencionada cura numa mais que provável aniquilação. Os estudos de caso têm destas incongruências, paradoxos. E estes são apenas mais alguns dos motivos para os reincidentes casos de insucesso no sistema educativo, ou, pelo menos, da desgastante consciência de ineficácia sentida pelos professores. Em síntese, continuamos a ter que lidar conflituosamente com a proclamada cultura da autonomia.

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