Preia-Mar 1 | Revista da Escola Secundária de Estarreja

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Professores, alunos, factos e documentos que, em 1965-1966, marcaram a abertura e o primeiro ano lectivo da Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar.

Espelho da proa As publicações escolares congregam as vozes dos principais “tripulantes” de uma escola: alunos e professores. Assim se define o espírito que os anima, o mar em que navegam e os rumos educativos que encetam.

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Obras Vivas

Revista da Escola Secundária de Estarreja | 2009/2010 | número 1


ficha técnica

Preia-Mar. Revista da Escola Secundária de Estarreja. Edição e propriedade: Escola Secundária de Estarreja Rua Dr. Jaime Ferreira da Silva | 3860-256 Estarreja Tel.: 234 841 704 | Fax: 234 849 625 e-mail: admin@esestarreja.net | www.esestarreja.net Coordenação: Teresa Bagão Corpo Editorial: Teresa Bagão, Rosa Mendonça, Rosa Domingues Concepção Gráfica: Mário Xavier Rocha Colaboradores: Professores: Alice Saúde, Ana Margarida Santos, Anabela Amorim, Anabela Viegas, Cecília Bento, Clara Pinheiro, Daniel Silva, Dorinda Rebelo, Elisabete Gonçalves, Emídio Ferro, Goretti Capela, Graciete Oliveira, Jorge Ventura, Liliana Ventura, Manuela Azevedo, Maria de Jesus Oliveira e Silva, Maria do Carmo Castro, Maria do Rosário Grilo, Marília Teixeira, Paulo Pacheco, Rosa Mendonça, Rosa Domingues, Rosário Santos, Rui Mateus, Rui Rufino, Teresa Amaral, Teresa Bagão; Ilda Regalado (Escola Secundária Júlio Dinis, Ovar), José Manuel Gonçalves (Escola E.B 2,3 de Dairas, Vale de Cambra), Maria Florbela da Silva Pinho (docente aposentada). Alunos: Ana Raquel Andrade, Ana Raquel Meira, André Rodrigues, Catarina Dias, Catarina Sardão, Cláudia Alves, Daniela Silva, Eduardo Oliveira, Filipa Baptista, Filipa Pereira, Flávia Alves, Inês Ribeiro, Jorge Moutela, José Carlos Oliveira e Silva, Maria Inês Santos, Marta Frade, Marta Guimarães, Paula Soares, Rui Teixeira, Sara Pinto, Sofia Baptista, Susana Valente; alunas do 11.º L, alunos do 8.º A, alunos do 8.º D. Outros profissionais: Fátima Alçada (SPO), Isabel Santos (CNO – Antuã), Isabel Estrela (Serviços Administrativos). Outros colaboradores: António Augusto Silva, António Silva, João Alegria, Luís Alves, Mara Madaleno, Ernesto Inácio (fotografias e documentos), Paula Vilas Boas (fotografia), Sofia de Almeida Silva (fotografia). Estendemos o nosso agradecimento a: Isalina Inácio e Isabel Estrela (Serviços Administrativos da ESE), João Matos (proprietário do jornal O Concelho de Estarreja), Arlete Lucena e Vale, Artur Tavares, Vera Albuquerque (docentes da ESE) e António Augusto Loureiro e Santos. Fotografia da capa: Mário Xavier Rocha Periodicidade: anual

As opiniões expressas nesta publicação são da responsabilidade dos autores dos artigos ou das pessoas entrevistadas. Reservados todos os direitos. Toda a colaboração deve inscrever-se nas normas fornecidas pela equipa redactorial da revista, disponíveis no sítio da Escola Secundária de Estarreja.


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RODA-DE-PROA ALA-ARRIBA! ESPELHO DA PROA A história das publicações escolares do Liceu de Aveiro, durante o Estado Novo O nascimento do Fanzine Raid Jornal O Moscardo OBRAS-VIVAS Quisemos a escola em Estarreja Memórias de 1965 Viagem ANCORADOUROS Das 15 às 16: uma hora de programa/15 programas As representações dos alunos sobre o ensino e aprendizagem da História “Queres um planeta limpo?” - Uma possível estratégia de trabalho experimental em sala de aula CANDEIO Partilhas Projecto DOLCETA - Sensibilização e formação de cidadãos na sociedade de consumo “Para irmos mais adiante”: valter hugo mãe, sobre leitura, livros e muito mais valter hugo mãe - “para vos engordar a alma” ou a escrita como consciencialização MARESIA O encantamento da natureza Sobrevivência Imagens que passais pela retina... DUAS ÁGUAS Preparar rumos de sucesso

índice

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65 LOTA Uma escola para todos RVCC - Nível Secundário: um olhar sobre um percurso 69 DERIVA LITORAL Clube da protecção civil Empreendedorismo na ESE - projecto de futuro! Tempo de Dar Voz à Poesia “Cidadãos praticantes” Construir uma educação de qualidade 76 PEGADAS NA AREIA Jaime Vilar 79 TRIPULAÇÃO Minha, a escola Vamos conversar! O lado “humano” do consumo A escola: visão de um pai Ir à escola e não ir (história de uma menina triste) Os jovens e o consumo do álcool Perspectivas sobre o andebol na ESE A minha caminhada ESE - Escola, sempre educação! Uma estranha e boa confusão Percursos de sucesso 92 TRESMALHO Equamat SuperTmatik No museu Custódio Prato D. Ximenes Belo na Escola Secundária de Estarreja A caminho do futuro No 3.º Fórum Nacional de Saúde ESE na final do Rali Solar 09/10 Leonardo da Vinci, proposta para o futuro.


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peça reforçada de madeira maciça ou aço, conforme a estrutura e construção do navio, apoiada na extremidade da quilha, fechando a ossada e dando forma à proa; dispõe-se no sentido aproximadamente vertical, mais projectada na altura do convés principal, para proteger a proa das vagas

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Inicio a redacção deste pequeno texto de abertura da presente edição da revista Preia-Mar, agradecendo à equipa que dinamizou e trabalhou para a concretização deste projecto de enorme importância para a comunidade escolar. Desde há muito que se vem assistindo a uma mudança de arquétipo nas acções dinamizadas pela escola, bem como na definição e/ou redefinição de políticas educativas, todas consubstanciadas no princípio da escola ao serviço da comunidade, dos cidadãos, procurando qualificar os portugueses para a sociedade do conhecimento, garantindo-se assim a participação de todos no desenvolvimento social, económico e cultural do País. As mudanças a que todos vimos assistindo nas relações estabelecidas numa sociedade globalizada determinam a urgência das organizações procederem também a alterações que concorram para a consecução da satisfação dos interesses dos cidadãos. A edição da Preia-Mar determinou a existência de uma coligação entre todos, do aprofundamento da comunicação existente, da necessidade de desenvolver a capacitação de cada um, da definição de uma visão estruturante, pelo que, não obstante o agradecimento aos colegas dinamizadores da revista, quero manifestar um sentimento de celebração pelo trabalho realizado. Muito Obrigado! Jorge Ventura Director

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expressão poveira que se pronuncia à uma, quando os pescadores empregam o melhor das suas forças para fazer deslizar o barco sobre os paus até à praia, na manobra de pôr a embarcação em terra

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Aproveitámos a abundância da maré. Atrevemo-nos a iniciar um trabalho de divulgação e de preservação da cultura escolar representada numa instituição que, há 45 anos, mantém um rumo coerente, perseverante e determinado, assente na pluralidade de vozes, de saberes e de vontades: a Escola Secundária de Estarreja. Com a edição da Preia-Mar, pretende-se consubstanciar o (re)encontro com pessoas e com documentos que permitam recuperar a memória da nossa escola e conhecer aspectos fundamentais do seu percurso até ao presente. E porque este nosso presente será também, inevitavelmente, parte dessa construção contínua da memória, a revista pretende contribuir para consolidá-lo e efectivar a sua projecção, através das palavras e das imagens que enformam o pensamento e a sensibilidade de todos quantos contribuem ou participam na sua vida. Esta é uma escola que pensa e que se pensa, que projecta, que toma a iniciativa, que continua a reflectir, não obstante ventos e marés que persistem em abalar o sistema educativo. A pluralidade que caracteriza a Escola Secundária de Estarreja, a sua ampla dimensão, a firme e enriquecedora relação com a comunidade em que está implantada, justificam as opções relativas às secções – que pretendemos abrangentes – em que se organiza a Preia-Mar. O tema de destaque desta edição centra-se nas publicações escolares: do liceu de Aveiro, durante o Estado Novo, e da nossa própria escola, em anos mais recentes. O título e a designação das secções assumem-se como tributo à natural afeição das gentes de Estarreja à ria e ao mar que, durante séculos, lhes deram sustento, e que, juntamente com o labor da terra, constituem a matriz do seu presente e do seu futuro. Neste número inaugural, navegámos tranquilamente, sempre com terra à vista. De facto, contámos com uma tripulação experiente – os muitos colaboradores transformados em marinheiros! Agora que a Preia-Mar está pronta a ser lida, não podemos deixar de reiterar o agradecimento pelo entusiasmo com que a ideia foi sendo recebida, ao longo destes meses. Ainda há pouco se concluiu a derradeira manobra para pôr esta embarcação em terra firme, mas o barco já está com vontade de partir outra vez, aproveitando a maré favorável e enfrentando, destemidamente, a agitação das correntes. A Equipa, Teresa Bagão, Rosa Mendonça, Rosa Domingues, Mário Xavier.

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superfície delimitada por arestas, que arremata a proa das embarcações; a coberta da casa da proa na barca (a qual corresponde ao espaço entre o primeiro banco da proa e a proa)

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A HISTÓRIA DAS PUBLICAÇÕES ESCOLARES DO LICEU DE AVEIRO DURANTE O ESTADO NOVO Maria de Jesus Sousa de Oliveira e Silva Docente de História

Introdução

são produto de um liceu com notáveis tradições e forte implantação na época.

quanto à distribuição das publicações recolhidas. Abstraindo das lacunas que O estudo que serve de base ao presente existem, assinala-se a tendência cres1 artigo centra-se no período corresponPublicações escolares portuguecente de publicações entre os finais do dente ao Estado Novo, ou, se quisermos sas (Ensino Secundário) – Séculos século XIX até à década de 20 do séser mais rigorosos, também da Ditadura XIX e XX culo XX, naturalmente graças ao impulso Militar (1926-1932, ano em que Salazar dado à instrução no período imediato à toma posse como chefe do Governo) e A análise da História em publicações instauração do regime republicano6. A do Estado Novo, desde a sua consoliescolares ao longo do Estado Novo impartir de inícios da década de 30, pelo dação (década de 30), até aos anos de plicou um levantamento tão exaustivo contrário, assiste-se a significativa quecrise e de luta desesperada pela sobrequanto possível dos respectivos títulos bra no número de publicações então vivência política (década de 70). no período em questão. Justifica-se, saídas, devendo-se tal circunstância à Uma das questões a tentar situação interna da queda da perceber é a relação assumi- A repressão do professorado atinge República, com o golpe de 28 da entre a ideologia do Estado o ponto culminante com a publicação de Maio de 1926 e à repressão Novo e a História, nomeadasubsequente, acentuada com da lei de 1936, que impõe ao funciomente, no âmbito do ensino o reforço da Censura a partir nalismo público a assinatura de “uma e, em particular, do Ensino de 19337 . É então que se asdeclaração de repúdio do Comunismo Secundário. A visão diacrónisinala uma evidente troca da ca pretendida pressupõe a e de outras ideias ‘subversivas’” . “defensiva pela ofensiva”8, em análise de publicações com Claro que tal clima se reflecte negatitermos de afirmação do recontinuidade e colaborações vamente no empenhamento da classe gime nas várias frentes e, em9 de tendências diversas, mas particular, na área do ensino . em actividades paralelas – a dinamizainterligadas no tempo e no A repressão do professorado espaço. Depois de um levan- ção de publicações respeitantes à sua atinge o ponto culminante com tamento geral de publicações área de actividade, por exemplo. a publicação da lei de 1936, escolares portuguesas de enque impõe ao funcionalismo sino secundário (1857-1988), público a assinatura de “uma optou-se por considerar três revistas do assim, a recolha sistemática tanto do declaração de repúdio do Comunismo Liceu de Aveiro – Labor (1926-1973), Catálogo das Publicações Periódicas e de outras ideias ‘subversivas’”10. Claro Farol (1957-1970), o Anuário (a partir de da Universidade de Coimbra, como de que tal clima se reflecte negativamente 1926, até ao último ano da sua publiobras de autores especializados ou que, no empenhamento da classe em accação, em 1962). Tal escolha afigura-se pertencendo à área do jornalismo, se tividades paralelas – a dinamização de válida por cumprir os requisitos prévios: preocuparam com o registo de publicapublicações respeitantes à sua área de continuidade em termos de publicação, ções regionais, onde surgem também actividade, por exemplo. Junte-se a isto 3 colaboração variada, representatividade revistas escolares . uma situação europeia de repressão e de correntes de opinião da época com O “Gráfico das publicações escolares de instabilidade, prenunciando já a Se4 todos os condicionalismos impostos portuguesas - 1857/1988” , elaborado gunda Guerra. É também a época da pela Censura instituída em 1926, reforcom base em intervalos decenais, a parGuerra Civil Espanhola, bem como da 2 5 çada a partir de 1933 . Note-se, para tir dos dados do “Índice Cronológico” afirmação de diversas ditaduras euroalém disso, que as revistas escolhidas permite-nos fazer uma leitura rápida peias, com consequências negativas

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assinaláveis11. Com o após-guerra e uma certa abertura decorrente das pressões externas intensifica-se a produção de revistas escolares, assistindo-se na década de 60, e apesar de um certo reforço da vigilância governamental provocada pelo estalar da Guerra Colonial, a uma receptividade em determinados sectores do ensino a novas correntes pedagógicas: é a fase dos ministérios da Educação de Leite Pinto e de Galvão Teles, com o início da Telescola e a entrada dos meios audiovisuais no ensino. A multiplicação de publicações escolares ao longo dos anos 60 e 70 será o reflexo de uma natural efervescência num sector tão sensível e permeável como o do ensino. Decisivo neste contexto será, com Marcello Caetano e a “Primavera” então prometida, a entrada de Veiga Simão como Ministro da Educação (1970-74)12, fase de decisivo impulso no sector do ensino, acentuado no período posterior ao 25 de Abril 13. Pela falta de informação sistemática, tornou-se impossível detectar as médias de duração das diversas publicações. Quanto à sua distribuição geográfica,

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que podemos analisar com base no “Índice geográfico (Portugal Continental…)” 14 e independentemente de uma análise que poderia realizar-se em consonância com a respectiva data de publicação, verifica-se que no período considerado (1857-1988) as publicações recenseadas dizem respeito ao continente, zonas insulares e coloniais – Angola, Moçambique, Índia Portuguesa, Macau… As cidades de Lisboa, Porto e Coimbra ocupam naturalmente os três primeiros lugares quanto ao número de publicações escolares, dado ser também nelas que, até muito recentemente, se concentravam os estabelecimentos de ensino. Curioso é verificar que as publicações de Angola/Luanda se iniciaram na década de 50 (8 em 15), o que demonstra uma dinamização escolar nesse período imediatamente anterior à Guerra Colonial. Necessário se tornaria ponderar acerca das verdadeiras incidências do facto no sector escolar angolano. De zonas escolares coloniais como Guiné, Timor, Cabo Verde, São Tomé, não há notícia – pelo menos, não encontrámos sinal de qualquer publicação

Defende-se, simultaneam de progresso” e o “desejo tianos de ordem, progress


mente, a transmissão de conhecimentos na “ânsia o de aperfeiçoar”, afinal, os pontos de vista comso, ética altruísta da solidariedade humana.

escolar nas fontes consultadas, o que significa a pouca importância dada a tais territórios quanto a investimento cultural. Portanto, procedeu-se à escolha de três revistas do Liceu de Aveiro15, publicadas em épocas diferentes, de tempos de existência mais ou menos longos, cada uma delas com o seu espaço muito próprio. Se, em princípio, desejamos encarar a revista “como lugar de afirmação de um grupo”16, tomando a palavra “grupo” em sentido muito lato, encontraremos em cada uma das três não só gerações diferenciadas, como também intenções perfeitamente claras e distintas, ainda que dentro de uma mesma área de actuação. Será como uma “travessia” pelos fragmentos da memória, tentando descodificar “estigmas” da nossa própria identidade, que as analisaremos, procurando “o entrançado labirinto das suas miragens, que se incorporam numa certa memória colectiva e aí permanecem latentes”17. As revistas do Liceu de Aveiro (1926-1973) Origem, evolução e enquadramento de Labor, Farol e Anuário

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LABOR A Labor apresenta um manancial significativo de artigos de interesse e, independentemente de breves hiatos, possui uma longevidade que diríamos quase de excepção no género. Em Janeiro de 1926 publica-se o seu primeiro número, em plena transição da República para a Ditadura Militar. Terão surgido, nesse mesmo ano, pelo menos, outras quatro publicações escolares18; nenhuma, no entanto, com as características assumidas por aquela revista do Liceu de Aveiro. Efectivamente, qualquer das quatro publicações mencionadas provém de associações estudantis de tendência republicana19, ou puramente associativa20. Afirmando-se como “Revista trimestral de educação e extensão cultural”21, logo no primeiro número a Direcção da Labor (José Tavares e Álvaro Sampaio) sublinha que, como “revista liceal”, “não é a primeira entre nós”, não possuindo no entanto “antes de si outra com o mesmo carácter”22. Nesse mesmo artigo preambular, formulam-se declarações de intenção. Ainda que reconhecendo as insuficiências então patentes no ensino secundário, acentua-se o “grande exagero, quando não ignorância e má fé, nas apreciações” daqueles que então

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Note-se, para além disso, que as revistas escolhidas são produto de um liceu com notáveis tradições e forte implantação na época. o criticavam. Põe-se, no entanto, em causa o ensino secundário tradicional, em que se não cuidava da educação do estudante: qualquer disciplina era “mero pretexto para inconcebíveis exercícios de memória”, com a presença do “fero magister a tomar a lição”, vendo “se ao aluno escapava alguma das palavras do texto marcado”. Defende-se, e na sequência das propostas que desde cedo foram lançadas por pensadores liberais como Alexandre Herculano ou Almeida Garrett, uma formação integral23. O que se sublinha negativamente é o ensino de tipo livresco, memorizado, distante do mundo real, improdutivo, como se vinha afirmando desde o séc. XIX. As intenções de Luís da Silva Mouzinho de Albuquer-

que (1823) e de Dias Pegado (1835), depois concretizadas pela reforma de Passos Manuel (1836)24 com a criação dos liceus, são claras tentativas reformadoras de um tal estado de coisas. As propostas da Labor tendem, portanto, para a defesa do aperfeiçoamento e actualização do ensino liceal, no âmbito de uma “educação mais perfeita e harmoniosa”, com vista à formação de alunos portadores de uma “cultura geral” realizada com o ministrar “do bom ensino” por professores que aplicarão “sãos e racionais preceitos pedagógicos e didácticos modernos”25. Tais métodos serão mostrados pelos professores “aos pais dos seus alunos e mesmo a estranhos”. O professor deverá publicitar “o que ensina e como ensina”: caberia à Labor cumprir este conjunto de objectivos. Uma segunda intenção é a de ser um “meio de extensão de cultura”, princípio este baseado na visão optimista dos benefícios de uma instrução generalizada26. Sublinhemos, portanto, a dupla intenção traçada – “com um afinco e fé inabaláveis transmitimos conhecimentos e moldamos caracteres”27. Defende-se, simultaneamente, a transmissão de conhecimentos na “ânsia de progresso” e o “desejo de aperfeiçoar”, afinal, os pon-


tos de vista comtianos de ordem, progresso, ética altruísta da solidariedade humana, referidos por Sérgio Campos Matos28. Em resumo, afirma-se por um lado uma tendência que julgamos conciliatória de duas doutrinas pedagógicas em confronto ao longo do séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX – os pontos de vista clássicos, tendentes à valorização da faceta formativa (“o desejo de aperfeiçoar”) do ensino em geral e do secundário em particular e, por outro lado, os pontos de vista positivistas de raíz spenceriana e comtiana, segundo os quais mais do que formar, se apelava para a necessidade de instruir29. No primeiro quartel do séc. XX, o debate relativamente às finalidades do ensino persiste. Metodologia, conteúdos, objectivos serão pontos quentes que envolvem sucessivos pensadores nessa polémica. O transmitir de conhecimentos e o moldar de caracteres aparentemente opostos afirmam-se na prática irreconciliáveis. Em autores da época com intenções conciliadoras, como por exemplo Adolfo Coelho, o ensino deveria, pelo contrário, produzir seres preparados para a vida, mas também sensibilizados para os problemas da humanidade – daí a superação da pura e simples “utilidade prática” do ensino, avaliado agora em função da sua real “potência formativa”30. A Labor reflecte esta situação em alguns dos seus artigos, afirmando permanentemente a sua natureza neutra e imparcial, com “independência de juízos e de opiniões”31, declarando ter procurado “sempre singrar com a máxima (…) dignidade, no fito da cultura”32: “Escrevemos sempre com a nossa mão, alheios a partidos, a corrilhos, a personalismos, isto é, na mais ampla independência”33. “Um consciente e denodado defensor da dignidade e dos interesses da classe, como nenhum outro em Portugal”, “um foco de divulgação de cultura psicológica, como novidades metodológicas... e de cultura geral”34, a Labor nasce de uma “reunião” de professores do Liceu

de Aveiro 35, tornando-se depois propriedade de um grupo, com José Tavares como fundador e director. A Labor publicar-se-á regularmente, com intermitências curtas, que darão origem a séries diferentes (quatro, ao todo). Assim, em sinopse: . Série I (6 anos) – 1926 a 1931 – n.º 1 ao n.º 36 (38 números); direcção de José Tavares e Álvaro Sampaio; . Série II (9 anos) – 1932 a 1940 – n.º 39 ao n.º 110 (72 números); direcção de José Tavares e Álvaro Sampaio; . Série III (21 anos) – 1951 a 1971 – n.º 111 ao n.º 294 (184 números); e . Série IV (3 anos) – 1971 a 1973 – n.º 295 ao n.º 312 (18 números); direcção de José Tavares e José Augusto Teixeira (1951-Junho 1972); direcção apenas de José Tavares (Outubro 1972-Junho

1973). Teve sempre uma ampla divulgação em termos não só de liceus nacionais, como também coloniais (Angola, Moçambique, Macau) e ainda a nível de estrangeiro (E. U. A., Inglaterra, Bélgica, Brasil)36. Nas informações fornecidas pela própria revista, por exemplo no último número37, são referidos os professores seus representantes nos diferentes liceus (em número de 54) e colégios de ensino particular (em número de 13). Quanto aos ritmos de publicação, bem como ao número de assinantes, possuímos informações pormenorizadas até 1936, no já citado relatório elaborado pelo professor que então administrava a revista, Armando Coimbra38. Verificámos, com estranheza, a ausência total

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de arquivos da Labor, tanto em arquivos públicos (Arquivo Distrital de Aveiro), como até no próprio Liceu (actual Escola Secundária de José Estêvão). A Família de José Tavares também nada sabia sobre o assunto. Em diferentes circunstâncias surgem referências à importância da Labor, no que diz respeito à organização de cinco Congressos Pedagógicos do Ensino Liceal, nas décadas de 20 e 30 39. FAROL Farol foi uma revista de duração muito mais curta, nascida graças a outro tipo de iniciativas e obedecendo a intenções substancialmente diferentes. Irregular, subtitulando-se “Publicação dos Centros de Actividades Circum-Escolares – Liceu Nacional de Aveiro”40, na nota “de Abertura”, afirmando-se como um “jornal sem pretensões, modesto e simples”, editado sob autorização do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, justifica o nome pelo seu desejo de “espargir fachos de luz sobre a população escolar que quer servir”. Sendo uma publicação da Mocidade Portuguesa, elaborada pela camada estudantil e a ela dirigida, desejando “ajudar os nossos alunos a antever o sentido nobre da vida”, apresenta óbvias conotações de natureza política, que se reflectirão no tipo de conteúdos dos artigos. Situacionista, ou melhor, fiel defensora do regime, virá a ser um veículo de propaganda sistemática, de apoio firme da integridade colonial face à eminente guerra de África. Parece-nos mesmo que, a partir de 60, a intenção quase exclusiva desta publicação será a de desenvolver uma campanha organizada de defesa da política do governo português em África, através da mobilização simultânea da camada jovem do Liceu, em artigos que directa ou indirectamente apelam à defesa da “integridade nacional”.

ANUÁRIO O Anuário do Liceu de Aveiro, elaborado sob a orientação do reitor, seria, tal como outras publicações congéneres, um relatório anual do Liceu, dirigido à entidade governamental de quem o estabelecimento de ensino dependia (Director-Geral do Ensino Secundário, posteriormente, Director-Geral do Ensino Liceal, do Ministério da Educação Nacional)41. No entanto, este relatório do Liceu de Aveiro apresenta um interesse muito para além do de mero cadastro de informações relacionadas com a gestão e funcionamento do Liceu, sendo um repositório de actos comemorativos nos quais o Liceu tomava parte ou que fomentava (discursos, sessões solenes, centenários, …). Trata-se, pois, de uma publicação que pode ser analisada em consonância com a Labor e o Farol, facultando-nos a possibilidade de acesso ao “clima” vivido, aos valores defendidos, em sintonia com o pulsar das diferentes situações, enfim, mais um espelho da época no sector do ensino. A partir do n.º 1, correspondente ao ano lectivo de 1895/96, o Anuário publica-se com regularidade, salvo em alguns períodos excepcionais como, por exemplo, nos anos de 1934/41, devido a “falta de verba” resultante do “agravamento do custo do papel e dos trabalhos de composição e impressão motivados pela guerra”42. Segue-se uma síntese relativamente aos diferentes anos lectivos de publicação: . de 1926/ 27 a 1930/ 31, com o Reitor José Tavares; . de 1931/ 32 a 1933/ 34, com o Reitor João Joaquim Pires; . em 1934/ 35, 1951/ 52 (já no novo edifício) e 1955/ 56, com o Reitor José Tavares; . em 1956/ 57 e 1961/ 62, com o Reitor Orlando de Oliveira (que manter-se-ia no cargo até 1974). O último número corresponde ao ano

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lectivo de 1961/62, sob a direcção do Reitor Orlando de Oliveira. Procurando motivos para a suspensão do Anuário, foi-nos sugerida e existência de dificuldades financeiras decorrentes de uma certa retracção imposta pelas despesas da Guerra Colonial. O Liceu de Aveiro foi a sede das três revistas. Fundado 15 anos depois do decreto de 1836, mediante o qual Passos Manuel procedeu à criação dos liceus, surge “ao abrigo do artigo 46.º do decreto de 20 de Setembro de 1844 (Costa Cabral)”43, tendo funcionado inicialmente no Paço Episcopal. Mudou-se um ano depois (1852) para uma casa alugada na Rua de Sta. Catarina, passando em 1856 a ocupar parte do Convento de Sto. António44. Em 1860, o Liceu instala-se no edifício da então Praça da República, que verdadeiramente foi construído para essa finalidade no sítio das ruínas da Albergaria de S. Brás, mediante requerimento de José Estêvão, em sessão parlamentar de 16 de Junho de 185345. É a actual Escola Secundária Homem Cristo. O edifício foi construído com material retirado das muralhas da cidade, entretanto destruídas46. Sofreu urna primeira ampliação em 1907, no governo de João Franco47. Em 1916 elevado a Liceu Nacional Central48, foi aumentado três anos depois por falta de espaço, dada a tendência para o crescimento de frequência dos liceus (período da reforma de Alfredo Magalhães). Chamado Liceu Central Vasco da Gama por decreto de 6 de Janeiro de 1919 49, passa a Liceu de José Estêvão, “velha aspiração do Conselho Escolar e da cidade”50, a partir do ano de 1927, por iniciativa do Reitor José Tavares. O edifício actual onde funciona a Escola Secundária de José Estêvão foi concluído e inaugurado em 1952, como parte da resolução “na província” dos “problemas mais graves”51, na concretização dos objectivos preconizados em 1836 por Passos Manuel.


Notas: 1 - O presente artigo constitui uma versão abreviada e adaptada de uma parte da sua dissertação de mestrado em História Contemporânea de Portugal, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 2 - Sobre o assunto, ver Maria Filomena Mónica, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa, Presença, 1978, p. 178 e s.; Clara Rocha, Revistas Literárias do Séc. XX, Coimbra, Gráfica Maia Douro, 1985, p. 141 e s. 3 - Subsídio para um catálogo de publicações escolares portuguesas (Ensino Secundário) - sécs. XIX e XX, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1992 (dactilografado), p. 131-132. 4 - Idem, p. 169. 5 - Idem, p. 170-171. 6 - Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, cap. XVIII, p. 651 e s. 7 - É com o Ministro da lnstrução Cordeiro Ramos que, desde 1930, se impõem as “medidas duras, repressivas, no ensino liceal” (Rómulo de Carvalho, op. cit., p. 741). 8 - Maria Filomena Mónica, op. cit., p. 180. 9 - Rómulo de Carvalho, op. cit., p. 751 e s. 10 - Maria Filomena Mónica, op. cit., p. 180. 11 - Rómulo de Carvalho, op. cit., p. 75. 12 - Idem, p. 807 e s.; A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, 2.ª ed., voI. III, Lisboa, Palas Editores, 1981, p. 406 e s. 13 - Existem cerca de oitocentos jornais escolares em Portugal com publicação regular”, In Público, n.º 797, 10 de Maio de 1992, p. 7. 14 - Subsídio para um catálogo de publicações escolares portuguesas (Ensino Secundário) - sécs. XIX e XX, p.172-175. 15 - Ibidem, revistas números 75, 203, 237. 16 - Clara Rocha, Revistas Literárias do Séc. XX, p. 33. 17 - Cecília Barreira, “As revistas em Portugal”, In Jornal das Letras, n.º 91, 1984, p. 25. 18 - Subsídio para um catálogo..., revistas números 11, 110, 266, 270. 19 - Ibidem, revista n.º 11: Acção Republicana: quinzenário de estudantes. 20 - Ibidem, revista n.º 266: Minerva: orgão académico. 21 - Confere o subtítulo, Labor, n.º 1, Jan. 1926, p. 3. 22 - Labor, n.º 1, Jan. 1926, p. 4. 23 - Vasco Pulido Valente, O Estado Liberal e o Ensino. Os Liceus Portugueses (1834-1930), Lisboa, Gis, 1973, p. 13. 24 - Luís de Albuquerque, “Ensino liceal”. Dicionário de História de Portugal, vol. II, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1965, p. 45-48; Vasco Pulido Valente, op. cit., p. 16 e s. 25 - Labor, n.º 1, Jan. 1926, p.4. 26 - Sérgio Campos Matos, História, Mitologia, Imaginário Nacional. A História no Curso dos Liceus (1895-1939), Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 19. 27 - Idem. Desta sublinhada intenção de aperfeiçoamento, de trabalho sério dos professores, nasceu o nome Labor, dado por um amigo do Director José Tavares - Cf. Labor, n.º 75, Outubro de 1936, p. 119-120. 28 - Sérgio Campos Matos, op. cit, p. 20. 29 - Sobre o debate relativamente a esta duplicidade, ver Maria Filomena Mónica, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, p. 145-149; Vasco Pulido Valente, O Estado Liberal e o Ensino. Os Liceus Portugueses (1834-1930), p. 89 e s. 30 - Vasco Pulido Valente, op. cit, cap. I, p. 7-29. 31 - Labor, n.º 111, Março 1951, p. 4. 32 - Labor, n.º 229, Abril 1964, p. 558. 33 - Labor, n.º 213, Junho 1962, p. 505. 34 - José Tavares, “Palavras preliminares”, Falcão Machado (org.), Índices da Labor, Aveiro, Lusitânia, 1974, p. 3. 35 - Armando Coimbra, “A Labor e a sua actividade”, Labor, n.º 75, Outubro de 1936, p. 119. 36 - Ibidem, p. 125. 37 - Labor, n.º 312, Junho 1973 (contra-capa). 38 - Armando Coimbra, op. cit, p. 123 e s. 39 - Idem, p. 126. 40 - Farol, n.º 1,1957-58; n.º 32, 1969-70. 41 - José Tavares, em Liceu Nacional de Aveiro – 1951. Livro Comemorativo do 1.º Centenário, Aveiro, 1951, Separata da Labor, n.º 115, Out. 1951, p. 40 –, assinala a “publicação sistemática dos anuários-relatórios do reitor” do Liceu de Aveiro, o que “mereceu do Ministério da lnstrução uma portaria de louvor, extensiva aos professores (12 de Outubro de 1927)”. 42 - Anuário do Liceu Nacional de Aveiro, 1934-35 a 1940-41, p. 3. 43 - José Tavares (org.), Liceu Nacional de Aveiro – 1951. Livro Comemorativo do 1.º Centenário, p. 4. 44- Idem, p. 9; “O Liceu de Aveiro”, Labor, n.º 1, Janeiro de 1926, p. 62; “Curiosidades de Aveiro”, Farol, n.º 13, 1963-64, p. 27. 45 - José Tavares (org.), op. cit, p. 9 e s. 46 - Marques Gomes, Subsídios para a História de Aveiro, apud José Tavares (org.) op. cit, p. 11. Ver Vasco Pulido Valente, op. cit., p. 157. 47 - Vasco Pulido Valente, op. cit, p. 157. 48 - Pela Lei n.º 462, 24 de Setembro de 1915 (Colecção oficial de legislação portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1915, p. 322) 49 - “O Liceu de Aveiro”, Labor, n.º 1, Jan. 1926, p. 63. 50 - José Tavares (org.), op. cit, p. 39. 51 - Vasco Pulido Valente, op. cit, p. 159.

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O NASCIMENTO DO FANZINE RAID Rui Mateus

Docente de Biologia e Geologia

No início do Ano Lectivo de 2001, andávamos por cá entretidos na escola com as planificações, quando no início da tarde (hora de Lisboa) de uma terça-feira, dia onze, aviões pilotados por muçulmanos radicais se espetaram contra as torres do Word Trade Center em Nova Iorque. Protegidos da realidade do mundo pelo edifício civilizacional que os nossos ascendentes construíram, muitas vezes ocupados em “causas fracturantes”, tornamo-nos uns cromos, uns idiotas que pensam que o conforto em que vivemos nasceu por geração espontânea ou como brinde da farinha Amparo, tão natural e seguro como a tranquila sucessão dos dias e das noites, acreditando termo-nos evadido para sempre do mundo real. Quando, após uma semana, as aulas começaram, o pó da destruição do World Trade Center ainda não tinha pousado, já a Internet era inundada pelas alegações alucinadas das teorias da conspiração. Como professores de turmas do 12.º Ano à altura, interessava-nos saber a opinião e a análise dos alunos sobre os factos. E nada! Para aquelas classes, era como se tivessem assistido a um filme com efeitos especiais. Preocupados? Não. Porque deveriam estar? Um filme é um filme e de qualquer maneira a acção ocorreu lá fora… longe… na estranja. Não estávamos de novo orgulhosamente sós mas, de qualquer maneira, havia um oceano de permeio… e etc. Estou a ser injusto. Alguns alunos tinham algo para dizer sobre o assunto. Tinham opiniões mais ou menos decalcadas a partir das teorias da conspiração da Net que descambavam em argumentos ao alcance de qualquer analfabruto: ser antiamericano, seja quais forem as circunstâncias. E foi neste caldo de crendice, charlatanice, irracionalidade, má-fé, de inelutável tendência para o misticismo e

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para a facilidade com que se descamba para o absurdo, que o RAID nasceu. Do esforço de três professores – Amália Rodrigues, Elsa Machado, Eulália Gomes e Rui Mateus – que tentaram mostrar que, para além dos mitos tenebrosos sobre os EUA, a mais maléfica incarnação do mal, há todo um conjunto de aspectos culturais, de que os alunos gostam e que devem aprender a valorizar. Desde os Nirvana ao Super-Homem, desde o Magic The Gathering ao Cinema, desde a Conquista do Espaço aos computa-

dores, desde a investigação científica à literatura, … Achávamos e achamos que, por muito que os alunos saibam de Matemática, por muitas aulas laboratoriais que tenham, por muitos besouros que saibam classificar, se a Escola não lhes “oferecer” cultura, arte e filosofia, tornar-se-ão pessoas incompletas e gerações fáceis para todos os pregadores de serviço, e serão facilmente formatados em visões paranóicas e maniqueístas da História. Cada edição do RAID partia de um con-


Os autores do RAID embarcaram na loucura socializante de acreditarem que bastaria uma boa ideia, boa vontade e uma nova publicação na escola, para que toda a comunidade escolar aderisse com entusiasmo.

junto de ideias articuladas resultantes de reuniões informais dos quatro professores envolvidos. Um filme, um livro, uma banda desenhada, numa espécie de cross-over, que foram, em toda a linha, políticas, mas evitando sempre o fast food ideológico e as frustrações sulfúricas, desadequadas ao meio e ao estilo. Com parcos meios e um orçamento discreto, o RAID saía uma vez por período com cerca de 16 páginas. Os autores do RAID embarcaram na loucura socializante de acreditarem que bastaria uma boa ideia, boa vontade e uma nova publicação na escola, para que toda a comunidade escolar aderisse com entusiasmo. Esta necessidade de acreditar parece pois ser universal. Se não é na Virgem, é no Professor Chibanga, no Engenheiro, no Santo Obama, no Dr. Salazar,

no Tio Adolfo, no Karl Marx, ou… no êxito do RAID. Saído o tiro pela culatra, restou aos autores encherem o cartão de milhas entre o polivalente, os blocos e outros anexos da escola, quase obrigando os alunos, docentes e discentes na compra do fanzine, numa proverbial falta de sentido do ridículo. Poderão pensar: “o produto estava desajustado ao meio”. É verdade. Estava completamente desajustado. Mas era essa a intenção. Na verdade, o RAID era até pós-modernista, coisa que estava (e está) na moda nalguns salões políticos onde se consome caviar. Pós-modernista… e culturalmente relativista, por exemplo, com os costumes dos índios Jacarandá. De facto, não só nos estávamos nas tintas para eles, como nem sequer sei se existem ou, se existem, se se governam à pancada

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espelho da proa

(...) por muito que os alunos saibam de Matemática, por muitas aulas laboratoriais que tenham, por muitos besouros que saibam classificar, se a Escola não lhes “oferecer” cultura, arte e filosofia, tornarse-ão pessoas incompletas e gerações fáceis para todos os pregadores de serviço (...)

ou aos beijos na boca. O RAID assumia, valorizava e festejava a superioridade da Civilização Ocidental. A participação dos alunos foi discreta mas corajosa. Nomeadamente nos eventos que organizávamos aos Sábados à tarde na Escola. Entre esses eventos, estiveram duas edições de um torneio, quase profissional, do jogo Magic The Gathering, que incluía lanche para os alunos e muito boa disposição. De realçar que tudo isto foi feito fora de horas do nosso horário… bons samaritanos hã?!... Realizámos também um concurso de short-stories de Ficção Científica com prémio (um livro de ficção científica) para o aluno cujo conto fosse

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classificado como o melhor. Fizemos entrevistas a alunos que se destacavam, e houve participação tenebrosa em notícias do Fantástico e do Sobrenatural, colectadas por alunos dedicados às coisas de outro mundo. O grafismo do RAID foi concebido e feito pelos professores Rui Mateus e Amália Rodrigues, enquanto a professora Elsa Machado se ocupava da secção do cinema. Nunca o RAID pretendeu ser o insecticida que mataria O Moscardo, o jornal oficial à altura da Escola Secundária de Estarreja. Pretendeu ser sempre um contraponto provocador mas complementar dele. Passou-nos até pela ideia

de o RAID poder incluir-se como um caderno interior d’ O Moscardo. Mas como tudo o que é bom, o fanzine também teve um fim após o sexto número. Pelo imenso tempo dispendido na sua criação e, por consequência, pelos inúmeros episódios que perdemos da Floribela… acordámos no ponto final do RAID.


JORNAL O MOSCARDO Teresa Amaral Docente de Filosofia

Clara Pinheiro Docente de Português

O jornal O Moscardo, da Escola Secundária de Estarreja, teve a sua primeira edição no segundo período de 1998/1999. Foi uma proposta do Clube dos Direitos Humanos (coordenado pelo Departamento de Ciências Humanas), acolhida com entusiasmo pela Comissão Executiva Instaladora. Assim, o jornal enquadrou-se no âmbito das actividades do clube, enquanto meio informativo, formativo e apelativo, congregador dos objectivos do clube e das suas actividades. Neste contexto, pode dizer-se que o princípio norteador do jornal foi a causa dos Direitos Humanos, como aliás o editorial do seu primeiro número assumia e explicitava. Quanto aos objectivos, também foram definidos claramente no editorial: mudar atitudes quanto ao modo como se olha para a questão dos Direitos Humanos: 1. “sensibilizando, denunciando e apelando; 2. promovendo uma educação claramente consciente e informada por valores; 3. lançando os alicerces de uma escola viva promotora da tríade Liberdade/ Responsabilidade/ Solidariedade; 4. fazendo do jornal um espaço de comunicação aberta, lugar de diálogo e convívio que espelhe a diferença e faça dela potencialidade para produzir inova-

O Moscardo ouviu alunos e professores falarem do que pensavam num subtil confronto de valores e num expressivo jogo de contrastes, donde trespassavam colagens emotivas próprias de alguém a quem o tema não era indiferente. ção; 5. lutando contra o marasmo, a apatia e a indiferença; 6. dando asas à criatividade e à imaginação, descobrindo valores escondidos; 7. dando voz a verdades ocultas que importa não esquecer.” Dado que o público-alvo era fundamentalmente constituído por alunos do ensino secundário (embora se dirigisse, naturalmente, a toda a comunidade escolar e ao meio envolvente), que se encontravam na idade da constituição concreta da cidadania, o papel d’ O Moscardo parecia pertinente e perfeitamente enquadrado nos objectivos do ensino

secundário. O papel da escola também é formar alunos críticos, intervenientes, solidários e responsáveis. Como professores, estávamos em lugar privilegiado de contacto com os jovens que, à nossa volta, procuravam entrar no universo adulto. Situados entre um mundo que desaparecia e um mundo que ainda não chegara, tornou-se fácil esquematizar em qualquer quadro os traços de jovens coesos na diversidade, estimulantes nas ideias que possuíam, perspicazes na forma como olhavam à sua volta. O Moscardo ouviu alunos e professores falarem do que pensavam num subtil confronto de valores e num expressivo jogo de contrastes donde trespassavam

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espelho da proa

(...) o princípio norteador do jornal foi a causa dos Direitos Humanos, como aliás o editorial do seu primeiro número assumia e explicitava.

colagens emotivas próprias de alguém a quem o tema não era indiferente. Por detrás dos rostos em mudança dos jovens estava a capacidade de ver com olhos de crítica, a vontade de mudar, a força e a coragem para o fazer. Foi essa juventude que procurámos descobrir e preservar nos desafios que possuía e nos sonhos que transportava, foi essa a tarefa do jornal. O espírito humanista, ético e universalista do jornal pareceu-nos totalmente apropriado para a criação de uma geração mais coesa e mais altruísta. Não pensámos que, se um jornal escolar “agarrar” uma causa, se torna mais restrito e redutor – quando essa causa era, claro, a causa da defesa de todos na sua singularidade e pluralismo, muito pelo contrário. Isto deu ao jornal e aos

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seus conteúdos um horizonte de sentido, uma matriz e um fio condutor. O nome do jornal, não sendo à primeira leitura esteticamente atraente nem sequer uma originalidade, resultou da escolha consensual de um alargado grupo de alunos. A razão de ser desse nome foi, naturalmente, o estilo crítico e interpelativo que o jornal assumiu à imagem daquele que pela primeira vez teve esse cognome – o filósofo Sócrates. Pareceu-nos interessante que, porque nem todos conheciam Sócrates ou não associariam o nome do filósofo ao jornal, existisse logo na primeira edição um artigo de uma aluna do 11.º ano a explicar e fundamentar o facto. Tal como Sócrates, o jornal estava sempre disposto a denunciar e a insurgir-se contra

as injustiças e o mau uso da razão e capacidades humanas. Apesar de “picar” o próximo, este não tinha, ao contrário do que se possa crer, intenção de o atormentar. Estava apenas consciente de que umas boas “picadelas e zumbidos” faziam bem à saúde e ajudavam a viver em sociedade. A periodicidade de O Moscardo, não tendo datas muito rígidas (daí só aparecer ano e número em cada edição), era de três números por ano lectivo, o que se coadunava com a organização do ano escolar e não sobrecarregava alunos e professores. Responsáveis por esta tarefa foram, desde o início, os coordenadores do Clube dos Direitos Humanos. No entanto, o jornal revelou uma colaboração bastante alargada de alu-


nos dos diversos níveis de ensino e de vários professores, que só não participaram mais para dar prioridade aos alunos, estimulando-os e apoiando-os. Para que o trabalho de amadores não fosse feito de demasiado amadorismo, o jornal teve a colaboração fundamental da área de informática, que se encarregou da “montagem” e do “grafismo”. Quanto à estrutura do jornal, tinha normalmente 12 páginas – o que para um jornal escolar não nos parecia nem pouco, nem maçudo – sendo a primeira e a última a cores, tornando-o mais atraente e motivante. Com o passar dos tempos, fomos modernizando o formato para o tornar mais original e cativante. Todas as páginas tinham ilustrações, tornando mais leve e fluida a leitura e, nos artigos de opinião, os alunos “davam a cara” para mostrar que as tomadas de posição deviam ter rosto e nome e que cada um devia assumir as suas convicções, responsabilizando-se por elas. Era uma atitude pedagógica para os leitores. Os títulos dos diferentes espaços fugiam à vulgaridade, eram sugestivos, criativos e suficientemente abrangentes, pela sua diversidade, ordenando as mensagens de acordo com o seu teor, permitindo, assim, ao leitor não se dispersar nem se confundir na sequência dos diferentes artigos. A organização dos artigos fazia-se dentro de temas ou colunas que procuravam despertar o entusiasmo pela leitura e organizar de forma clara e rigorosa o conteúdo do jornal: • “Planar Sobre a Vida” apresentava reflexões e informação; • “Picadelas Vitaminadas” agrupava artigos com olhar crítico e irónico que eram o antídoto contra o adormecimento das consciências; • “Voar para um futuro melhor” perspectivava caminhos para o futuro; • “Voos criativos” privilegiava a invenção genuína e o prazer de escrever; • “O Pódio do Moscardo” reservava o seu espaço a alunos com mérito e talento em diferentes actividades; • “O Sofá do Moscardo” sugeria o exercício lúdico da leitura; • “O Moscardo noticia a Escola” informava e divulgava o que se fazia e acontecia na comunidade escolar; • “O Moscardo Lúdico” incitava ao sonho, ao riso e à fantasia.

O Moscardo pretendeu dar uma imagem séria, mas jovial, empenhada, não instrumentalizada, plural mas não dispersa, crítica mas não inconsequente e, o mais importante, não era “asséptico” mas defendia uma causa, a mais justa e universal das causas lugar a outras novas ou simplesmente mudaram de título, tudo em prol dos nossos leitores. Analisando mais atentamente o aspecto formal, o facto de haver muita publicidade a firmas, empresas, casas comerciais e instituições justificava-se pela necessidade de sobrevivência do próprio jornal, ou melhor, essa publicidade era paga e servia para custear a impressão do jornal na gráfica porque a escola, essa nunca tinha dinheiro! Apesar de nos parecer que o mundo pragmático da publicidade e do marketing não se coadunava bem com a função educativa, também não nos parecia ilegítimo, visto tudo estar clarificado e explícito. O balanço que agora se pode fazer é que foi muito positivo, desde sempre. O empenho demonstrado pelos alunos no projecto de O Moscardo, bem como

a receptividade entusiasticamente elogiada, quer pela comunidade educativa, quer por entidades exteriores à escola, nomeadamente o extinto CAE de Aveiro, a DREC e os sindicatos de professores, foram positivos e estimularam a continuidade e o aperfeiçoamento do trabalho até então realizado. O contínuo apoio dos patrocinadores, mesmo em tempos mais difíceis, foi sinónimo do seu agrado em relação ao projecto. O Moscardo pretendeu dar uma imagem séria, mas jovial, empenhada, não instrumentalizada, plural mas não dispersa, crítica mas não inconsequente e, o mais importante, não era “asséptico” mas defendia uma causa, a mais justa e universal das causas: a da dignidade humana. E no momento em que essa causa foi “posta em causa”, o jornal findou. No momento em que deixou de haver colaboração franca e tempo nos horários

Novos tempos e novos públicos trouxeram mudanças, algumas rubricas deram

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espelho da proa

dos colaboradores para que pudesse continuar a existir um jornal com alma, ele acabou. Era “bonito” ver o jornal sair, mas muitos se foram esquecendo do trabalho de “bastidores”, tão digno e necessário como escrever qualquer artigo. Ao fazerem-se promessas que se não cumpriram, o jornal perdeu a sua motivação. Ao dizer-se que deve trabalhar-se por “carolice”, a alma do jornal perdeu-se porque deixou de haver respeito pelos intervenientes no processo. Num tempo em que os particularismos continuam a engendrar novas ameaças de intolerância, de xenofobia, de ruptura e de guerra, seria preciso repensar a Educação e a tarefa da Escola para que a pressa e a burocracia não engolissem um projecto como O Moscardo. Se a Escola não deve ser apenas o lugar privilegiado para a transmissão de conteúdos curriculares, mas deve tornar-se um lugar de eleição para a abertura do espírito humano aos valores da justiça e da responsabilidade contidos na ideia de liberdade, O Moscardo servia esta causa, com erros, sem dúvida, mas com humildade, perseverança e boa vontade. Aqui prestamos um tributo a esse serviço!

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O papel da escola também é formar alunos críticos, intervenientes, solidários e responsáveis.


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parte imersa do casco da embarcação situada abaixo do plano de flutuação do navio na situação de deslocamento em plena carga; vivos do navio


QUISEMOS A ESCOLA EM ESTARREJA Estávamos na década de 60 e nas páginas d’ O Jornal de Estarreja concedia-se especial importância – sempre com destaque de primeira página – àquela que passou a ser uma questão urgente: a abertura de uma escola pública de ensino técnico na vila de Estarreja, sentida como necessária para facultar a cada vez mais jovens estarrejenses a prossecução de estudos na sua própria terra, sobretudo com uma vertente profissional e técnica. Liceus, escolas industriais e comerciais concentravam-se em Ovar e em Aveiro, pontuando a vila e seus arredores unicamente as escolas do ensino primário e o ensino liceal particular. Aos editores e a alguns colaboradores d’ O Jornal de Estarreja não é alheia a importância de uma escola de ensino técnico1 para o progresso do seu concelho (“carecemos, cada vez mais, de técnicos, como matéria prima indispensável para essa valorização [industrial do nosso país]”2), sendo esta mencionada pela primeira vez na edição de 10 de Setembro de 1962 e pela terceira vez numa carta ao director do jornal, publicada a 25 de Junho de 1963, cujo

Data de 7 de Agosto de 1965 o despacho do Ministro da Educação Nacional, Galvão Telles, para a criação da Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar. registo é marcado pelo evidente tom de desafio e de provocação, pela defesa de interesses regionais, apresentando a abertura desse estabelecimento de ensino como uma causa, um “esboçado movimento” que urge defender. Ainda neste ano, o tema é defendido acaloradamente nas páginas do periódico em seis momentos diferentes, que visam tornar mais acesa a campanha “por uma escola técnica em Estarreja”, iniciativa local que vai agitando as opiniões e se justifica porque a vila “é hoje sede de indùs-

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1- O Jornal de Estarreja, 25 de Maio de 1965, pág. 1

trias de relevante importância, quando este concelho e comarca totalizam uma população de mais de três dezenas de milhares de habitantes, muitos dos quais se vêem impedidos de dar a seus filhos instrução além da primária” 3. Em breve, o apelo far-se-ia ouvir. Em 1964, com o empenho pessoal do presidente da autarquia, Dr. Fernando Elísio Pinto Gomes, o desejo de muitos estarrejenses começa a adquirir contornos mais nítidos. É o próprio presidente que se desloca a Lisboa, para comunicar ofi-

cialmente esse pedido, o qual em seis meses obtém resposta favorável4. Em Maio de 1965, temos já informação mais precisa acerca do projecto (imagem 1), enquanto que, no mês seguinte, sabemos que, “após projecto apresentado pela Junta de Construções do Ensino Técnico e Secundário”, começavam “os trabalhos de adaptação da antiga Casa da Fontinha”, levados a efeito pelo Município, em “regime de administração directa”; a inauguração da Secção com o 1.º Ciclo estava prevista para o ano lec-


obras viva

2 - O Jornal de Estarreja, 25 de Maio de 1966, pág. 1

tivo seguinte 5; contudo, seria antecipada. Data de 7 de Agosto de 1965 o despacho do Ministro da Educação Nacional, Galvão Telles, para a criação da Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar. Nesta escola, era director o Dr. José Amador. Para a Secção de Estarreja foi nomeado como director o Dr. Edgar Leovigildo Rodrigues (professor da Escola Técnica de Viseu). Em Dezembro desse ano, anunciava-se, finalmente, que “a Escola Industrial de Estarreja está em funcionamento” (imagem 5). As precárias condições materiais destacadas pelo jornalista nesse artigo merecem a resposta do director José Amador, no número seguinte: “O mobiliário não faltaria se a secção abrisse, sómente, para o próximo ano lectivo 1966/ 67, como estava previsto. A Direcção-Geral tinha um ano à frente para fazer o apetrechamento necessário (…)” 6; na continuação da transcrição deste ofício, surge novo comentário do jornalista, que esclarece: “Descrevia-se apenas a situação de carência em que funciona a Escola,

acrescentando-se, logo em seguida, sabermos que a Comissão de Reapetrechamento das Escolas Superiores e Secundárias, DESDE SETEMBRO, «tem feito encomendas de todo o material necessário, a vários fabricantes, os quais, porèm, ainda não executaram os pedidos.» Esta a razão apontada, e única verdadeira”7. Eventualmente, o assunto deve ter mobilizado alguma opinião pública, se bem que o jornal apenas o retome cinco meses depois, em Maio de 1966 (imagem 2). Entretanto, o periódico anuncia o início do segundo ano de actividade da Secção de Estarreja, não sem antes nomear o corpo docente em exercício no ano que então chegava ao fim. Para além do director, Dr. Edgar Leovigildo Rodrigues, que assegurara Matemática e Ciências Geográfico-Naturais, deram aulas Maria José Arandas de Araújo (Língua e História Pátria), Miguel Henriques de Sousa Barbosa (Matemática e Ciências Geográfico-Naturais), Maria Florbela Rodrigues da Silva (Desenho e Ciências Geográfico-Naturais), Fernando Martins da Silva (Mestre de Trabalhos Manuais), Padre João Mónica da Rocha (Religião e Moral), Augusta do Céu Calado (Canto Coral)8 e Dora Laranjeira Maia (Trabalhos Manuais), contando na secretaria com a funcionária D. Eulália Carneiro Silva9 e com o encarregado Sr. Luís Gonzaga

(...) a abertura de uma escola pública de ensino técnico na vila de Estarreja, era sentida como necessária para facultar a cada vez mais jovens estarrejenses a prossecução de estudos na sua própria terra (...)

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3- O Jornal de Estarreja, 10 de Setembro de 1966, pรกg. 3

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4 - O Jornal de Estarreja, 10 de Outubro de 1966, pรกg. 1

5 - O Jornal de Estarreja, 10 de Dezembro de 1965, pรกg. 1


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Valente de Sousa. Destacam-se, ainda, algumas actividades de complemento curricular: “esteve patente ao público a exposição de Trabalhos Manuais dos alunos, de que foi professor o sr. Fernando Martins da Silva, que foi também o instrutor do Centro n.º 4, ala 2, da Mocidade Portuguesa, em ambas as actividades com assinalado relevo. Durante o ano, os alunos mantiveram os seguintes jornais de turma: 1.ª turma, «Andorinhas»; 2.ª turma, «Malmequer»; 3.ª turma, «A Borboleta»; 4.ª turma, «Moliceiro»; 5.ª turma, «O Pacóvio»; e 6.ª turma, «O Papagaio».” 10 No que diz respeito aos alunos que inauguraram a escola em 1965/ 66, reconhecemos, também, que fazem parte da “história, que há-de vir a ser feita, para elucidação dos vindouros, do primeiro estabelecimento de ensino secundário oficial [isto é, público] criado nesta vila e seu concelho”11, pelo que destacamos a notícia publicada no número de 10 de Setembro (imagem 3). Nos três anos seguintes, o jornal estarrejense não continuaria a manter o interesse por este estabelecimento de ensino, como vivamente demonstrara antes, datando da edição de 10 de Outubro de 1966 o último alerta aos leitores, e à população, para as circunstâncias relativas ao funcionamento do segundo ano lectivo (imagem 4). Não obstante, a leitura das notícias e dos artigos de opinião dedicados a esta “causa” nos anos de 1963 a 1966 permite-nos compreender a importância que a escola pública de ensino técnico assumiu para um núcleo de cidadãos empenhados na sua abertura, bem como traçar o percurso inicial da Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar, de que é herdeira a nossa Escola Secundária de Estarreja.

notas

1 - De acordo com o Decreto n.º 37 029, de 25 de Agosto de 1948, no que diz respeito ao “Estatuto do Ensino Profissional, Industrial e Comercial”, Parte I, Capítulo I, o Art. 2.º permite esclarecer a classificação: “a) Escolas técnicas elementares, destinadas a ministrar exclusivamente o ensino das matérias do ciclo preparatório; b) Escolas industriais, destinadas a ministrar, associado ou não ao ciclo preparatório, o ensino de todos ou de alguns dos seguintes cursos industriais: complementares de aprendizagem, de formação profissional, de aperfeiçoamento e de mestrança (…); c) Escolas comerciais, destinadas a ministrar, associado ou não ao ciclo preparatório, o ensino de todos ou de alguns dos seguintes cursos comerciais: complementares de aprendizagem, de formação profissional e de aperfeiçoamento, ou ainda o curso especial de habilitação para o ingresso nos institutos comerciais; d) Escolas industriais e comerciais, destinadas a ministrar o ensino mencionado nas duas alíneas anteriores.” Cf. Manuel Alambre dos Santos (1964). Ensino Técnico Profissional. Legislação Coordenada e Anotada. 2.ª edição, revista e actualizada. Lisboa: Tipografia da União Gráfica, p. 40. 2 - O Jornal de Estarreja, ano 77.º, n.º 3141, 25 de Maio de 1963, p. 1. (assinado “X”). As reproduções que fazemos deste periódico foram cedidas pela Biblioteca Pública Municipal do Porto, onde efectuámos a consulta da colecção completa (relativa aos anos 60) e de todos os exemplares aqui indicados. 3 - Ibidem. 4 - O entusiasmo não poderia deixar de contagiar as páginas do jornal, que noticia o mérito do empenho e dos esforços do Presidente da Câmara. Também o jornal O Concelho de Estarreja, de Pardilhó, disponibiliza esta informação aos leitores, não poupando elogios ao autarca (Cf. Ano LXIII, números 3158 e 3180, 15 de Fevereiro e 18 de Julho de 1964). A consulta da colecção foi gentilmente possibilitada pelo Sr. João Mota, actual proprietário do jornal. 5 - O Jornal de Estarreja, ano 79.º, n.º 3190, 10 de Junho de 1965, p. 1. 6 - Idem, ano 79.º, n.º 3203, 25 de Dezembro de 1965, p. 1. 7 - Ibidem, p. 6. 8 - Idem, ano 80.º, n.º 3219, 25 de Agosto de 1966, p. 1. 9 - Os dois últimos nomes foram-nos gentilmente facultados pela Sr.ª Professora Florbela Pinho, que nos alertou para a sua ausência nas páginas d’ O Jornal de Estarreja. 10 - O Jornal de Estarreja, ano 80.º, n.º 3219, 25 de Agosto de 1966, p. 2. 11 - Idem, n.º 3220, 10 de Setembro de 1966, p. 3.

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MEMÓRIAS DE 1965 Marta Guimarães e Filipa Pereira

Alunas do 11.º ano do Curso Profissional de Animador Sociocultural

Nos idos anos sessenta, em 1965/1966, a D. Isabel Estrela, chefe dos serviços administrativos da Escola Secundária de Estarreja, prosseguia os seus estudos na então Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar. Foi, portanto, uma das primeiras alunas a estudar nesta instituição. E, para conhecermos melhor esse ano inaugural, decidimos entrevistá-la. Agradecemos-lhe pela sua disponibilidade e por ter aceite este desafio à memória, na certeza de que, numa outra oportunidade, muito mais teremos a relembrar e a aprender com a sua longa relação com a nossa escola. D. Isabel, que idade tinha naquele ano lectivo? Tinha 12 anos. Que ano e que curso frequentava? Era o 1.º ano do ciclo preparatório e não tinha escolha porque era o início do ciclo, quando terminava o 2.º ciclo os alunos escolhiam ou liceu ou técnico. No meu caso quando acabei o 1.º ciclo escolhi, o técnico.

andavam de gravata ou camisola de gola alta, e nós não podíamos usar calças na escola, só saia. Nesse ano lectivo, as raparigas a frequentarem a escola eram em número elevado? Existiam mais rapazes que raparigas? Neste ano, acho que era mais ou menos metade–metade, embora talvez mais raparigas, isto no início da vida da escola.

As raparigas tinham algum contacto com os rapazes ao longo do ano, uma vez que eram turmas disEm que consistia o curso de Formação Feminina? tintas? Este curso era para meninas, além de termos Não. Havia o as disciplinas habituais, também aprendíamos Neste ano de 1965/66, na disciplina recreio dos raeconomia doméstica (como gerir os vencimen- de Desenho, no início do ano lectivo, pazes e o retos, cozinhar, tratar das tarefas domésticas, creio das raparientre outras coisas), noções de higiene, cuidar colocávamos as folhas no chão e de gas, havia o de bebés, costura. Aprendíamos a ser mães, joelhos desenhávamos, pois quando toque dos ramulheres, tudo!, além de uma profissão! Como e o toque começou a escola ainda não existiam pazes aprendíamos costura, todos os anos fazíamos das raparigas, um enxoval para bebé e oferecíamos a uma ou mesas nós não nos duas famílias carenciadas, na nossa festa de juntávamos nos Natal. corredores. Havia sempre alguém a vigiar para não Mas, para além desse curso, certamente existiriam mais. Quais? existirem misturas, se algum rapaz era Existia, como já disse, o de Formação Feminina e também o de Comércio e Electroapanhado a espreitar, já “apanhava”! mecânico. D. Isabel, nos tempos que corEscolheu o de Formação Feminina. Poderá dizer-nos qual a razão da sua rem, as escolas têm muito boas escolha? condições físicas. Antigamente, Na altura do 1.º ciclo, não havia escolha, toda a gente que queria seguir em frente como era o edifício escolar? era obrigada a fazer o 1.º e 2.º ano do Ciclo Preparatório. Quando tive que escolher, Era um edifício antigo, um solar que foi não podia escolher liceu, porque em Estarreja só havia liceu no ensino privado, havia aproveitado. Neste ano de 1965/66, na depois esta escola industrial. Liceu público só existia em Aveiro ou Ovar. disciplina de Desenho, no início do ano lectivo, colocávamos as folhas no chão Naquela altura, qual era a escolaridade obrigatória? e de joelhos desenhávamos, pois quanEra a 4.ª classe. Naquela altura, existiam muito poucas pessoas a concluir a escolarido começou a escola ainda não existiam dade obrigatória. mesas. Ainda tinha lá cavalariças e nós brincávamos aí, ainda me lembro com Recorda-se do elenco disciplinar? saudade. Sim, existia a História e Língua Pátria, Ciências Geográfico-Naturais, Matemática, Desenho, Trabalhos Manuais, Religião e Moral, Educação Física, Canto Coral, bem Onde se localizava o edifício? como actividades da Mocidade Portuguesa (esta disciplina não era avaliada) e comOnde é agora a Cerciesta, o actual portamento, que não era uma disciplina mas era classificada (avaliação qualitativa) e portão que lá está ainda é o da nossa fazia parte do elenco de avaliação. antiga escola, porque a outra parte ardeu, num grande incêndio que houve. E quais as suas disciplinas preferidas? As minhas preferidas eram Língua Pátria, Desenho e Ciências Geográfico-Naturais. Os professores eram predominantemente do sexo masculino ou Usavam uniforme, certamente. feminino? Éramos obrigadas a andar com uma bata branca, as meninas; os rapazes não, ou Eu acho que eram predominantemente

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do sexo feminino, porque para nós, meninas, eram mais professoras e para os meninos eram mais professores. Como eram as relações entre alunos e professores? Eram muito boas, de respeito mútuo, eram diferentes de agora, existia um pouco mais de distância entre os alunos e o professor. Nós sabíamos que o professor era quem sabia e quem mandava, fazíamos tudo o que ele dizia. Existia muito respeito mas, ao mesmo tempo, uma grande cumplicidade entre o aluno e o professor. Como a nossa escola era pequenina, com poucos alunos, permitia-nos muitas coisas! Por exemplo, fazíamos uma festa de Natal organizada por nós e pelos professores para a comunidade e fazíamos passeios de lancha na Béstida. Recorda-se da figura do Director? Era uma pessoa que me marcou bastante, era um senhor de idade, já “velhotinho”, com cabelo grisalho. Lembro-me perfeitamente, tinha uma unha muito grande e, quando havia castigo, puxava-nos as orelhas com essa unha! Ele levava-nos para casa para nos ajudar a estudar. Havia muita afectividade entre nós! Era uma pessoa muito nossa amiga. Os castigos e as penas eram aplicados pelo Director? Recorda-se de algum episódio? Sim, eram aplicados pelo Director. Olhem, um a que, por exemplo, achei muita piada foi que um dia estávamos a ir para a aula de Canto Coral e uma colega nossa, que era muito arrebitada, viu a professora e disse “oh, lá vamos nós para o canto do curral!” A professora ouviu e levou-a ao Director e ficou uma semana em casa. Outro castigo: se víssemos lixo no chão, éramos obrigadas a apanhá-lo, se não íamos ao director. Para finalizar, D. Isabel, nestes 44 anos, quais Existia muito resas mudanças que lhe peito mas, ao mesmo parecem mais signifi- tempo, uma grande cativas no ensino, sejam positivas ou nega- cumplicidade entre o tivas? aluno e o professor. Já vivi muitas alterações no sistema educativo. Antigamente, existia muita componente prática, embora agora se esteja a aproximar muito, com os cursos profissionais, mas mesmo assim nunca vai ser a mesma coisa. Antigamente, éramos mais dedicados e tínhamos mais vontade de aprender, tínhamos mais noção de que íamos para a vida activa. Agora existem mais escolhas de curso, o que pode ser bom mas, ao mesmo tempo, mau, pois torna-se complicado optar, numa idade em que ainda não sabem bem o que querem fazer. Não existiam as tentações do café, dos jogos, do computador. Em relação ao comportamento, hoje em dia é aflitivo, isto hoje é horrível, porque é muito excessivo. No meu tempo, o simples facto de os rapazes olharem para as raparigas já era visto como um mau comportamento, tudo era mau. Mas, nem oito, nem oitenta. Estamos numa altura muito permissiva, devia haver um bocadinho mais de respeito.

Delina Arrojado e Isabel Dias (1971)

No regresso de uma visita de estudo - Praia de Mira, Maio de 1971: (da esq. para a dir.) Delina Arrojado, Clementina Pereira, Isabel Dias e Lucinda Romano

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(em cima) Bordado de S. Miguel - disciplina de Desenho e Trabalhos Oficinais (Lavores) (em baixo) Bordados de vĂĄrias regiĂľes do paĂ­s - disciplina de Trabalhos Oficinais (Lavores)

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Maria Florbela Rodrigues da Silva Pinho

Docente aposentada. Foi professora na Secção de Estarreja da Escola Industrial de Ovar

Neste pequeno extracto do poema “Viagem”, de Miguel Torga, penso estar reflectida a filosofia de vida que foi dos meus Pais, cuja ausência sinto tanto. Assim, terminado que foi o meu curso na Escola do Magistério Primário Particular de Aveiro, disse realmente adeus ao “cais” que era a minha família e a minha casa. A viagem teve início em mil novecentos e sessenta e dois e terminou trinta e cinco anos depois. Nos anos escolares de 1962/63, 1963/64 e 1964/65, no distrito de Viana do Castelo, passei pelos seguintes locais: Antas, Rubiães, Paredes de Coura; Pica, Merufe, Monção; e Vermil, Ardegão, Ponte de Lima. Não pensemos que se tratava de sítios privilegiados. Não! A energia eléctrica era por ali um bem desconhecido, era necessário ir buscar a água à fonte e os transportes não chegavam lá. Havia que percorrer quilómetros a pé… Mas o problema dos índices de natalidade não se punha. Na mesma escola, ou em escolas próximas, havia sempre várias professoras, quase sempre recém-formadas. Residíamos sempre na mesma casa e supríamos a falta de conforto com alegria, solidariedade e a estima das populações locais, gente boa e simples. Éramos felizes. Em Agosto de 1965 fui nomeada professora do Quadro de Agregados do Distrito Escolar de Aveiro. Exactamente no ano em que abriu a NOSSA ESCOLA! Tive conhecimento de que faltavam elementos para completar o seu corpo docente, candidatei-me com prévio conhecimento da Direcção Escolar de Aveiro e fiquei colocada. Foram-me distribuídas as seguintes turmas: 1.ª, 2.ª, (da 3.ª, não me recordo…), 4.ª e 5.ª, leccionando numas a disciplina de Desenho e noutras a de Ciências Geográfico-Naturais. Em 1966/67 estive na escola primária de Sobreira, Agadão, Águeda. Em 1967 passei ao Quadro Geral, e fui para Arouca. Em 1970 fui colocada, ao abrigo da Lei dos Cônjuges, na escola da Póvoa, Beduido, Estarreja, onde permaneci até ao fim da minha carreira em Julho de 1997. “O que importa é partir,/ Não é chegar”, diz o poeta já citado, no mesmo poema. Eu parti e cheguei, apesar de todos os ventos e marés. E qual velho marinheiro, revejo agora calmamente as viagens que fazem parte do meu “álbum de recordações”.

“(Só nos é concedida Esta vida que temos, E é nela que é preciso Procurar O velho Paraíso Que perdemos). Prestes, larguei a vela E disse adeus ao cais…”

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VIAGEM

(em cima) Em Aveiro, conclusão do curso, em Junho de 1962. (no meio e em baixo) Secção de Estarreja, 1965/ 66 (fotografias tiradas pelo aluno Victor Lisboa)

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ÁLBUM DE MEMÓRIAS

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1 - Alunos 3 - Alunos tinha, pintu (imagens 1 lação Coor preia-mar 34


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do curso de Electromecânica (1965) 2 - Primeira edição de cartão de identificação de estudante (1965) do curso 1965-1967, em uniforme da Mocidade Portuguesa 4 - Escola Industrial Estarreja - Casa da Fonura sobre azulejo de Joaquim Pereira 5 - Escola Industrial de Estarreja - parte traseira da Casa da Fontinha 1 a 5 cedidas por Ernesto Inácio) 6 a 9 - Manuel Alambre dos Santos, Ensino Técnico Profissional. Legisrdenada e Anotada. 2.ª edição revista e actualizada. 1964. 35 preia-mar


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lugar próprio e com bom fundo para um navio fundear em condições de segurança

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DAS 15 ÀS 16: UMA HORA DE PROGRAMA / 15 PROGRAMAS Goretti Capela Docente de EVT

O programa PARCERIAS foi um projecto criado para ser desenvolvido ao longo do Ano Lectivo 2009/ 2010, pelas áreas da educação e da prática da acção social, no âmbito da relação Escola/ Meio. Os alunos do 12.º F, do curso profissional de Acção Social, e a sua professora da Área de Integração e de Projecto Tecnológico, Goretti Capela, com a colaboração de outros elementos da Escola Secundária de Estarreja, os professores Teresa Bagão, Rosa Mendonça, Amândio Lopes, Rosa Almeida, a Psicóloga Dra. Fátima Alçada, e também de vários convidados, assumiram a responsabilidade de implementar este projecto e, uma vez aceite pelas Direcções das Entidades Parceiras, planificaram, desenvolveram e dinamizaram um conjunto de actividades, devidamente calendarizadas, em prol do apoio e animação das crianças, dos idosos e de pessoas portadoras de deficiências, integradas em duas instituições locais, o Lar da Santa Casa da Misericórdia de Estarreja e a CERCIESTA, e no Clube Juvenil “Big Clube”, para cooperação recíproca. Ao longo dos quinze programas desenvolvidos, foi extraordinário verificar a satisfação sentida pelos públicos-alvo, o interesse em participarem nas actividades e a manifestação declarada de quererem voltar a receber os nossos alunos em breve. A adesão e o envolvimento dos alunos também foram uma evidência. Com efeito, após a formação de grupos de trabalho, consultaram bibliografia específica, efectuaram pesquisas orientadas por objectivos bem definidos, utilizaram equipamentos e instrumentos necessários à recolha de informação e à aquisição desses conhecimentos e competências de forma articulada com a realização dos produtos, desenvolveram a sua criatividade na construção de jogos, de materiais, de objectos tridimensionais diversos, programas de informação e filmes em suporte vídeo e DVD. Destacam-se, ainda, o dinamismo mobilizado para essas horas de trabalho em parceria, bem como a atenção com

que ouviram e seguiram as indicações dos seus professores ao longo da planificação e execução desses programas de intervenção, de forma a esclarecer situações e problemas. Os alunos aplicaram os conteúdos adquiridos à realidade natural sociocultural, abordando e avaliando problemas. Responderam à necessidade de desenvolvimento de uma metodologia personalizada de aprendizagem e de trabalho, alicerçada na capacidade de iniciativa, dinamismo e cooperação. Por outro lado, trabalharam a capacidade de comunicação oral e escrita e desenvolveram o recurso às novas tecnologias

actividades (planificadas e preparadas em contexto de aula) de acordo com os temas seguintes: “Viagem ao Mundo I - Europa e Ásia”, “Música dos Homens I – música popular portuguesa”, “Quem canta seus males espanta/ Canções de Natal”, “Contador de Histórias”, “Viagem ao Mundo II”, “A cor dá vida”, “Intemporal - dar e receber”, “Música dos Homens II – Fado Curvo”, “Respirar é viver”, “Dia-a-dia com os Anjos”, “Ao ar livre”, “Viagem ao Mundo III”, “Música dos Homens III – música clássica”, “Ao ar livre – lugar dos afectos”, e, por último, “Todos da mesma matéria”. Foi, efectivamente, um trabalho muito enriquecedor para todos, pois através de actividades conjuntas os intervenientes redescobrem-se, pelas suas prestações percebem capacidades ainda “vivas”. É absolutamente fascinante observar, por exemplo, uma criança enlevada porque aceitou a proposta de emitir sons para o seu grupo de amigos, a título de presente ou prémio, ou um idoso que se supõe limitadíssimo na mobilidade e, de repente, descobre forças para defender um personagem-actor, “o ardina”, citando Fernando Pessoa para os seus pares… Ou, ainda, um portador de deficiência que, ao esquecer os sentidos que não tem, responde mesmo com disfunções, dando uma informação que advém das suas percepções sensoriais (que é preciso activar).

(...) a apoiar se aprende, se cuida (...) se ama, se educa. E o inverso é também verdadeiro. Por isso, está à vista o êxito desta “Escola Aberta” ao serviço da sociedade e do meio. de forma clara e rigorosa, nos diversos contextos. Com o desenvolvimento desta actividade, compreenderam, ainda, a importância da responsabilidade no trabalho com públicos distintos e o significado do exercício da cidadania activa e consciente, quer como profissionais, quer em regime de voluntariado. Os programas desenvolviam-se geralmente de quinze em quinze dias, exibindo uma diversidade de temas de índole cultural, recreativa, de prevenção da doença e promoção da saúde, através da mostra de vídeos, do esclarecimento e informação em forma de palestra, da proposta de jogos e ateliês, de sessões práticas de orientação para desenvolvimento pessoal e tomada de consciência, etc. Assim, os alunos e docentes envolvidos no projecto estiveram ao serviço de cerca de 50 idosos, de 15 crianças e adolescentes, e de 20 portadores de deficiência, orientando as diversas

Aprender, educar, ensinar, criar, produzir, conduzir… são acções que ilustram a existência de quem vive e pretende encontrar a informação, o saber, a capacidade, o poder, o direito à dignidade e a uma vida feliz. Mas, nos extremos, … a falta acontece. Haja mais um cuidador! Quando a população envelhece, as crianças e os idosos já não são contemporâneos como outrora. Há o amargo de boca que toda a família sente, porque os pais produzem, os filhos vão ao infantário, à escola, e ainda à piscina, à dança, ao teatro, à música, ao futebol, prendem-se ao computador, e os avós

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integram centros de dia e lares. Contudo, em vinte e quatro horas, o dia escasseia ou foge, com ele o tempo comum de dedicação e amor, de disponibilidade para o carinho e o afecto na família. E justificamo-nos. Está difícil, diz-se, tudo está mau. E as famílias desmembram-se ao serviço de outros lares. Foi desta visão que nasceu o Projecto PARCERIAS. É que a apoiar se aprende, se cuida, se acarinha, se ama, se educa. E o inverso é também verdadeiro. Por isso, está à vista o êxito desta “Escola aberta” ao serviço da sociedade e do meio. Cor, ritmo, dinamismo e alegria comungam com atitudes de respeito, de carinho, de afecto e admiração, onde valores cívicos, ética e cidadania assumem o primeiro lugar. Assim, o programa PARCERIAS leva da Escola tudo o que sabe e recolhe das Instituições tudo o que aprendeu, trazendo, portanto, muito mais do que tudo o que levou. Mas deixa muito também, porque sensatez, generosidade e conhecimento são domínios (que integram competências de tipo sócio-afectivo) que se pretendem complementares no perfil do Técnico de Acção Social. Quando os públicos-alvo afirmam “venham em breve outra vez!”, nós sentimos mais as “falhas” que tivemos no sentido de as deixar de ter. A gratidão por eles expressa é de tal forma incondicional que ganhávamos vontade de superar rapidamente as dificuldades para que o programa seguinte decorresse melhor, pois eles merecem, pensamos e dize-mos entre nós. Assim surge, de forma natural e consequente, a aprendizagem de conteúdos e a capacidade,

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em consciência, de os aplicar de forma procedimental e atitudinal. Concluindo, isto é, não concluindo!, porque um programa como este PARCERIAS não se pretende conclusivo, mas constante no estudo e na acção, no investimento e na colaboração. Assim, apenas permite uma avaliação formativa em permanência, avaliação que até à data é verdadeiramente satisfatória no que concerne ao processo ensino/ aprendizagem e de nível bom como modelo de capacidade, organização e correspondência por parte dos agentes das Instituições Parceiras e seus públicos.

O programa PARCERIAS leva da Escola tudo o que sabe e recolhe das Instituições tudo o que aprendeu.


AS REPRESENTAÇÕES DOS ALUNOS SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA: UM ESTUDO COM ALUNOS DO 9.º E 12.º ANOS DE ESCOLARIDADE Paulo Pacheco

“A forma como se vêem as pessoas que intervêm na escola depende dos óculos que se têm.” Conceição Alves Pinto

Docente de História

1. Introdução As últimas reformas levadas a cabo no sistema Educativo Português têm provocado mudanças nos currículos, nos processos de avaliação dos alunos, dos professores e dos auxiliares de acção educativa. Estas alterações fizeram “jorrar” por todo o sistema educativo inúmera quantidade de informação e de legislação, que, no seu conjunto, tem causado instabilidade em todos os “actores” envolvidos, que, cremos, poderá ser desafiadora obrigando-nos a reflectir sobre as nossas teorias e práticas pedagógicas. Na qualidade de professor de História, tenho-me questionado se, de alguma forma, o ensino desta disciplina tem acompanhado as mudanças acima referidas. Alguns dados estatísticos denunciam a sua crescente desvalorização, visível já numa diminuição do número de alunos inscritos nos ensinos ssecundário. Neste nível de ensino, a frequência da disciplina de História A é obrigatória apenas no Agrupamento das Ciências Sociais e Humanas, fazendo parte do seu currículo a que os alunos aderiram livremente. Assim, a partir do final do 9.º Ano de escolaridade, a maioria dos alunos deixa de ter contacto com a disciplina. Perante o exposto, tive vontade de investigar as representações dos alunos do 9.º e do 12.º Ano (História A) sobre a História e o seu ensino. Este estudo reflectiu-se numa dissertação de mestrado, onde procurei algumas conclusões que cartografassem, de algum modo, não apenas as práticas reais de aprendizagem que eles vivenciaram, mas também as que foram mais relevantes para a compreensão da História. Procurei também inferir algumas implicações e orientações para os professores

aquando do desenho e implementação dos seus trajectos didácticos. O estudo principal foi desenvolvido na nossa escola. Com este estudo, procuraram-se respostas a três questões investigativas, que serão mencionadas no ponto 3 deste breve artigo.1

História A. O questionário continha uma série de perguntas necessárias à caracterização da amostra (alunos e seus encarregados de educação), elementos que contribuíram para a redacção da sua caracterização2. As dimensões que definiram o objecto principal – ideias que os alunos do 9.º e do 12.º Anos de escolaridade têm sobre o ensino e a aprendizagem da História – são as seguintes: - Finalidades do ensino da História; - Um bom professor de História; - O que fazemos na aula de História.

catorze finalidades elaboradas de acordo com o explanado nas propostas dos programas oficiais da disciplina, em vigor para o Ensino Básico (3.º ciclo) e para o Ensino Secundário. A listagem apresentada foi a seguinte: 1. Identifica e valoriza nomes de agentes históricos/ acontecimentos importantes. 2. Promove a compreensão de actos, maneiras de pensar e agir e acontecimentos que ocorreram no passado no país e no mundo. 3. Promove a compreensão de actos, maneiras de pensar e agir e acontecimentos que ocorrem hoje (presente) no país e no mundo. 4. Promove a compreensão das manifestações estéticas e culturais do passado e do presente. 5. Sensibiliza para a preservação do património. 6. Contribui para a educação de um futuro cidadão activo e participativo. 7. Promove a aceitação de práticas e culturas diferentes. 8. Fomenta atitudes e opiniões críticas e de reflexão sobre realidades históricas. 9. Reforça a identidade nacional. 10. Incentiva a abertura de espírito e adaptação à mudança. 11. Desenvolve atitudes de autonomia pessoal. 12. Localiza no espaço e no tempo acontecimentos e processos. 13. Promove diferentes formas de comunicação escrita, oral e outras. 14. Promove a compreensão sobre os modos como se constrói a História enquanto disciplina científica.

2.1 As finalidades do ensino da História Para cartografar as ideias dos alunos quanto às finalidades do ensino da História, foi proposta uma listagem de

Os alunos pronunciaram-se individualmente acerca de cada uma das finalidades anteriormente referidas, tendo resultado da sua análise vários quadros/ tabelas, esgrimindo os resultados obti-

2. O Estudo Para a consecução do estudo, elaborou-se um questionário, que foi dado a responder a todos os alunos que frequentavam o 9.º Ano (100) e o 12.º Ano (34), da área de Ciências Sociais e Humanas e que por isso tinham a disciplina de

É este tipo de professor colaborativo e facilitador que se pode adaptar a novos processos de construção do seu conhecimento que o mundo e os jovens de hoje exigem.

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dos. Acerca das finalidades da História, foram 16 os quadros obtidos. Na pergunta 3.2 do questionário, pedia-se aos alunos que esgrimissem os argumentos da atribuição de maior ou menor importância às finalidades. No fundo, apresentavam aí as razões da sua escolha. 2.2 Um bom professor de História é… A quarta dimensão do questionário tinha como objectivo mapear as ideias dos alunos sobre um perfil “ideal” de um professor de História. A 1.ª pergunta apresentava uma lista de 13 características comportamentais desse professor (CP) e nela se pedia que os alunos dessem a sua opinião acerca de cada uma das características, que a seguir se transcrevem: 1. O professor que se limita a expor a informação histórica. 2. O professor que valoriza o manual escolar como material de estudo. 3. O professor que ensina os modos como a História se constrói. 4. O professor que se preocupa com as competências de leitura e escrita dos alunos. 5. O professor que tem em atenção as personalidades dos alunos. 6. O professor que pede e valoriza os conhecimentos anteriores dos alunos, sejam eles históricos ou de outras disciplinas. 7. O professor que usa vários tipos de fontes (escritas, visuais, filmes, canções, etc.) para que os alunos compreendam a História. 8. O professor que promove nos alunos o desenvolvimento de competências de crítica (leitura, escrita e oral). 9. O professor que se preocupa com a avaliação. 10. O professor que se preocupa apenas em cumprir o que foi planeado. 11. O professor que adapta os seus planos às intervenções, sugestões e interesses dos alunos. 12. O professor que se preocupa em saber e resolver as dúvidas dos alunos. 13. Outras. Quais?

Tal como aquando da análise da dimensão das Finalidades da História, também nesta os alunos se pronunciaram relativamente a cada uma das CP, cujos resultados se apresentaram individualmente, coisa que não faremos aqui. Relativamente às razões das escolhas das características de um bom professor de História (CP), estas foram organizadas pelas seguintes categorias: 1. Professor mero transmissor; 2. Professor que desenvolve e promove

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(...) construir o seu saber e ao seu ritmo, rejeitando, por isso, qualquer posição mais directiva e/ ou de mera transmissão do conhecimento. competências transversais; 3. Professor aberto e flexível; 4. Professor burocrático.

Verificámos que as suas opções recaíam no tipo de professor 3: Aberto e flexível. Poderemos incluir este tipo de professor, na acepção dos investigadores Bruner (1986) e de Donaldson (1978), num tipo de aprendizagem construtivista, que requer uma negociação e recriação colaborativa e constante, já não apenas confinadas ao espaço da sala de aula, mas a outros espaços cujo acesso é possibilitado pelas novas janelas das novas tecnologias. É este tipo de professor colaborativo e facilitador que se pode adaptar a novos processos de construção do seu conhecimento que o mundo e os jovens de hoje exigem. Peter Woods clarifica este perfil: «Num ambiente destes o professor assume-se como facilitador, como alguém que está consciente das mudanças repentinas no modo de pensar dos alunos e os encoraja a confiarem nas suas aptidões. Isto requer adaptação, flexibilidade e experimentação. Significa também uma certa autonomia para o professor – domínio das várias formas pedagógicas e culturais do conhecimento, controlo dos processos educacionais e liberdade para organizar e negociar».3 2.3 O que fazemos na aula de História… A dimensão final que foi contemplada neste estudo traduziu-se na seguinte expressão – O que fazemos na aula de História, tendo sido colocadas várias hipóteses de actividades pedagógicas (AP). Pediu-se, então, aos alunos que da lista por nós apresentada referissem as actividades que mais faziam na sala de aula, através do uso de uma escala de três níveis: “Muitas vezes”; “Às vezes” e “Nunca”, de modo a que elas pudessem espelhar as rotinas reais escolares. A listagem das actividades pedagógicas (AP) por nós apresentada foi a seguinte: AP1 - Exploramos o manual oralmente AP2 - Exploramos documentos escritos oralmente AP3 - Exploramos documentos visuais e sonoros, como por exemplo, fotografias, bandas desenhadas, caricaturas, músicas, filmes, etc. AP4 - Exploramos oralmente mapas, gráficos, barras cronológicas, esquemas, etc. AP5 - Construímos mapas, gráficos, barras cronológicas AP6 - Escrevemos sínteses da aprendizagem em texto e/ou em esquemas AP7 - Resolvemos sozinhos e por escrito fichas de trabalho AP8 - Resolvemos em grupo e por escrito fichas de trabalho AP9 - Desenvolvemos pequenos projectos em pares/ pequenos grupos AP10 - Trabalhamos com o computador e outras técnicas informáticas (pesquisa, discussão e escrita de trabalhos) AP11 - Participamos em discussões e debates sobre os temas e assuntos estudados AP12 - Preparamos e fazemos visitas de estudo AP13 - Comemoramos datas festivas, temas e personalidades estudadas, com recurso a dramatizações e outras actividades AP14 - Reflectimos sobre o que aprendemos AP15 - Participamos na nossa avaliação e na dos nossos colegas


Outras - Quais? Os resultados obtidos sobre esta dimensão evidenciam práticas pedagógicas diversificadas nas aulas. Mais uma vez, não se colocam aqui os resultados obtidos4, apontando apenas para as principais conclusões tiradas, a apresentar já de seguida nas considerações finais. 3. Considerações do estudo 3.1 As perguntas de investigação A 1.ª questão por nós colocada foi a seguinte: “Quais as ideias que os alunos expressam quanto à especificidade do saber histórico que construíram ao longo do percurso escolar?” Tendo em conta as catorze finalidades da História por nós apresentadas e ao ser-lhes atribuído pelos alunos o grau de importância situado no intervalo de “Menos Importante” a “Muito Importante”, as respostas foram colocadas maioritariamente na opção “Importante”, seguida por outras valorizações de “Bastante Importante” e “Muito Importante”. Por vezes, algumas finalidades obtêm dos alunos valorizações que as colocam próximas de duas escalas, nomeadamente, no caso da conjugação de “Importante” e “Bastante Importante” (ver Quadros 7, 8 e 13 do texto original), como no caso das seguintes, que foram as eleitas pelos alunos do 9.º Ano: F7 - Promoção da aceitação de práticas e culturas diferentes; F8 - Fomento de atitudes e opiniões críticas e de reflexão sobre realidades históricas; F13 - Promoção de diferentes formas de comunicação escrita, oral e outras. Esta mesma aproximação ocorreu com os alunos do 12.º Ano, que apresentaram resultados semelhantes nesses intervalos da escala (ver Quadros 10 e 13 do texto original). Estas atribuições podem levar-nos a pensar que os alunos têm um poder de abstracção razoável, ao ponto de se conseguirem pronunciar sobre a História enquanto ciência e do seu grau de importância/ impacto em vários outros domínios das suas vidas pessoais e sociais. Esta inferência pode ser sustentada se nos ativermos aos argumentos justificativos apresentados pelos alunos aquando da atribuição máxima de importância: defesa do nacionalismo/ patriotismo; preservação e defesa do património; reconhecimento das diferenças entre passado e presente; relação entre passado e presente; desenvolvimento do espírito crítico; respeito, partilha, aceitação de culturas diferentes (valores); exercício de cidadania activa, participativa e crítica; valorização curricular; afirmação do individualismo crítico; contribuição para o aumento da cultura; importância do conhecimento de factos históricos para a tomada de decisões futuras; reconhecimento da importância de agentes/ acontecimentos nos processos de mudança; reconhecimento das implicações das dimensões do espaço/ tempo; conhecer os factos mais importantes da História nacional/ internacional. Esta forma de pensar a História enquanto disciplina, pelos alunos da nossa amostra, parece aproximar-se das conclusões apresentadas por Isabel Barca e Marília Gago, quando afirmam que os alunos vão dando sentido aos «materiais» e os «conceitos históricos são compreendidos» quando os sujeitos os relacionam, mais uma vez, com os conhecimentos e conceitos entretanto construídos à volta das realidades que os envolve5. Os alunos da nossa amostra evidenciam que também eles são influenciados pelas realidades que os envolvem expressas em ideias tácitas6 que foram construindo enquanto estudantes e cidadãos, e pelos conhecimentos históricos prévios, e que ambos condicionam a sua forma de encarar a disciplina de História, as outras discipilinas e até a instituição Escola. O nosso estudo revela, ainda, o reconhecimento da importância dada pelos nossos alunos à História na sua formação como futuros cidadãos mais activos e participativos, promovendo-lhes, entre outras capacidades, o exercício de cidadania. A 2.ª questão investigativa por nós apresentada foi a seguinte: “Quais as ideias que os alunos têm sobre o ensino e aprendizagem da História que foram construídas ao longo do seu percurso escolar?” Para obter respostas a esta pergunta, confrontámos os alunos, primeiramente, com uma lista de características (CP) que deviam enformar um bom professor de História (Questão 4.1). Considerando cada CP (são os Quadros 18 a 29 do texto original),

era pedido que escolhessem as que consideravam ser as mais importantes (Questão 4.2) (Quadros 30 e 31 do texto original). Face às várias CP (Características do Professor), os alunos expressaram a sua concordância /discordância (“Sim” ou “Não”). Os nossos respondentes inclinaram-se maioritariamente para o “Não” apenas relativamente à CP1 “O professor que se limita a expor a informação histórica”. Relativamente a todas as outras CP, tanto os alunos do 9.º Ano como os do 12.º responderam sempre com “Sim”, variando apenas as percentagens das suas respostas. Após a análise das 1.ª e 2.ª escolhas dos alunos das CP da sua preferência, concluímos que os alunos preferem um professor “aberto e flexível”, já que as suas escolhas recaíram sobre as seguintes características: CP7 - O professor que usa vários tipos de fontes (escritas, visuais, filmes, canções, etc.) para que os alunos compreendam a História; CP12 - O professor que se preocupa em saber e resolver as dúvidas dos alunos. Desta escolha, poder-se-á inferir que os alunos aderem preferencialmente a professores/ aulas sustentados(as) pelo paradigma construtivista da História. Os alunos denotam uma vontade de terem professores mais disponíveis para lhes facultarem as “armas” que lhes permitam traçar o seu próprio caminho, construir o seu saber e ao seu ritmo, rejeitando, por isso, qualquer posição mais directiva e/ ou de mera transmissão do conhecimento. Preferem um professor “tutor”, capaz de lhes resolver as dúvidas, sempre com uma postura “informal”, associada a algum humor, e se possível recorrendo a uma variada gama de recursos que suscitem o seu interesse e incrementem o seu empenho. Para tal será necessário que as práticas docentes mudem nesse sentido, que como Cruz e Melo indicam, deve fazer «Recurso a um saber-fazer através de actividades práticas, próximas do ofício do historiador, que proporcionam o desenvolvimento progressivo de competências, capacidades, levando o próprio aluno a tomar consciência das possibilidades destes métodos.»7 De seguida, pronunciaram-se sobre as AP “que os alunos mais fazem na sala de aula” (Questão 5.1) e as “que os alunos mais e menos gostam de fazer na

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sala de aula” (Questões 5.2 e 5.3). (ver Quadros 47 e 48 do texto original). Relativamente às quinze AP apresentadas, os alunos responderam, quanto à sua frequência de ocorrência no quotidiano das aulas de História, escolhendo “Muitas vezes”, “Às vezes” ou “Nunca”. Os resultados denotam a grande diversidade de AP levada a cabo no contexto escolar e no quotidiano das aulas de História. A convergência verificada nas respostas dos alunos do 9.º Ano relativamente às AP “Nunca” feitas (AP7, 8, 13 e 15) poderá ter a ver com o corpo docente estável nesta escola, levando-os a não porem em prática estas AP no seu dia-a-dia. A referência às AP, que “Nunca” foram levadas a cabo nas aulas de História dos alunos do 12.º Ano (AP4, 5, 9 e 14) faz-nos tecer alguns comentários. Relativamente à AP4 - “Exploramos oralmente mapas, gráficos, barras cronológicas”, parece-nos estranho os alunos dizerem não serem exploradas, uma vez que são actividades a que o ensino da História recorre sempre e de forma transversal no Ensino Básico e Secundário; o mesmo se poderá dizer quanto à AP5 - “Construímos mapas, gráficos, barras cronológicas”, já que a competência está presente nas orientações do Ensino Básico e no “módulo zero” do 10.º Ano de escolaridade/ História A. Quanto à AP9 - “Desenvolvemos pequenos projectos em pares/ pequenos grupos” e à AP14 - “Reflectimos sobre o que aprendemos”, a sua não ocorrência poderá ter a ver com opções didáctico-pedagógicas ligadas ora à realização de exames nacionais (12.º Ano), ora à ausência de tempos lectivos suficientes que permitam desenvolvê-las com o tempo que os professores pensam ser adequado e necessário, e que põem em causa o famoso argumento do “cumprimento dos conteúdos programáticos”. Elas são, contudo, apontadas nas orientações oficiais como essenciais. Parece, pois, pertinente o que Maria do Céu Melo defende: «O desenvolvimento da consciência metacognitiva continua ausente das preocupações sistemáticas de muitos professores, o que se deve em parte às concepções práticas que crêem que os alunos são incapazes de expressar as suas ideias e opiniões sobre os modos como aprendem, como os professores ensinam, etc.»8

As opiniões manifestadas pelos nossos

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alunos, quer através das suas respostas, quer através dos diferentes argumentos por eles sustentados para justificarem as suas escolhas, parecem provar que aqueles são capazes de emitir juízos de valor sobre o ensino e a aprendizagem da disciplina, bem como sobre os seus professores. Ao serem questionados sobre as AP que mais gostam de fazer, a sua 1.ª opção (Quadro 47 do texto original) recai sobre a AP3 - “Exploramos documentos visuais e sonoros, como, por exemplo, fotografias, banda desenhada, caricaturas, músicas, filmes, etc.” (9.º Ano – 33%; 12.º Ano – 38,2%). Como 2.ª opção (V. Quadro 48 do texto original), a AP mais escolhida recai mais uma vez na AP3 pelos alunos do 9.º Ano com 14%, em ex-aequo com a AP12 - “Preparamos e fazemos visitas de estudo”. Já a escolha dos alunos do 12.º Ano recai sobre a AP11: “Participamos em discussões e debates sobre os temas e assuntos estudados”, reunindo 23,5% das respostas. Os argumentos dos alunos que justificavam as escolhas destas AP (Quadro 49 do texto original) foram os seguintes: - A natureza lúdica vs interesse; facilitação da aprendizagem; - O desenvolvimento do conhecimento dos diferentes períodos históricos; - O desenvolvimento do espírito crítico; - O desenvolvimento da expressão oral; - O estabelecimento da relação entre passado e presente; - O reconhecimento da diversidade cultural/ patrimonial; - A possibilidade de reconstruir a História; - O confronto de diferentes pontos de vista; - O desenvolvimento da cooperação dentro de um grupo. Relativamente às AP de que os alunos menos gostam (Quadros 50 e 51 do texto original), a sua 1.ª opção recai, no caso dos alunos do 9.º Ano, sobre a AP1 - “Exploramos o manual oralmente” e AP7 - “Resolvemos sozinhos e por escrito fichas de trabalho”, com 19% das respostas. Já os alunos do 12.º Ano gostam menos da AP5 - “Construímos mapas, gráficos, barras cronológicas”, reunindo 26,5% das respostas. Como 2.ª opção do que menos gostam, os alunos do 9.º Ano voltam a escolher a AP7, com 20%, e os alunos do 12.º Ano a AP2 - “Exploramos documentos escritos oralmente” e a AP15 - “Participamos na nossa avaliação e na dos nossos

colegas”, ambas reunindo 14,7% das respostas. Os argumentos apresentados pelos alunos para estas escolhas (Quadro 52 do texto original) foram principalmente os seguintes: - Não fomentam aprendizagens; - Favorecem a apatia/ desmotivação; - Desviam a atenção; - Não fomentam aprendizagens cooperativas (professores/ alunos); - Motivam a rejeição da prática da escrita; - Desnecessárias, pouco relevantes, provocam discussões… A comparação entre as AP de que mais gostam e as de que menos gostam pode revelar que os alunos gostam de actividades dinâmicas e interactivas, e gostam de ter contacto ‘próximo e mais real’ com os cenários onde a História ‘ocorreu’, daí a referência às visitas de estudo (AP12). Outras razões podem ser invocadas para a escolha de AP de que os alunos menos gostam em detrimento de outras de que gostam mais. No que diz respeito ao Ensino Secundário, é de valorizar a realização de exames nacionais, que exerce uma pressão significativa sobre os professores e sobre os alunos para o cumprimento dos programas, que são extensos, facto que pode colidir com uma prática de aprendizagem mais construtivista. No Ensino Básico/ 3.º ciclo, a extensão dos programas é também um dos cons-trangimentos. O facto de a maioria dos alunos poder não voltar a ter a disciplina (ou não continuar mesmo os seus estudos) após a conclusão do 9.º Ano exerce o mesmo tipo de pressão acima referido quanto ao cumprimento do programa que os professores pensam poder cumprir se a sua prática docente e a dos seus discentes forem modeladas, respectivamente, por um discurso monológico e pelo recurso à memória do conhecimento aprendido. Os professores têm de continuar o seu caminho, com o esforço necessário para fomentar o gosto dos alunos pela História e pela sua aprendizagem sustentada no trabalho com fontes, necessário à construção de um quadro histórico coerente e não apenas caracterizado por um somatório de datas e factos. Por último, a nossa 3.ª questão investigativa foi a seguinte: “Será que as ideias expressas pelos alunos do 9.º Ano de escolaridade são diversas das dos alu-


nos do 12.º Ano?” Se nos centrarmos nas respostas dadas sobre as Finalidades da História (Questão 3.1), podemos verificar que são mais frequentes as comunalidades do que as divergências entre os alunos do 9.º Ano e os do 12.º. Se atendermos às características de um bom professor de História (CP) (Quadros 18 a 31 do texto original), as opções de resposta para cada uma das CP é exactamente igual, convergindo para o “Não” na CP1 - “O professor que se limita a expor a informação histórica” e na CP10 - “O professor que se preocupa apenas em cumprir o que foi planeado”, e para o “Sim” para as restantes CP (2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12). Apontam no seu conjunto para a defesa de um professor “Aberto e flexível”, coerente com uma perspectiva construtivista do ensino da História, professor definido em parte pelas seguintes características, que congregam as preferências dos alunos: CP7 - O professor que usa vários tipos de fontes (escritas, visuais, filmes, canções, etc.) para que os alunos compreendam a História; CP12 - O professor que se preocupa em saber e resolver as dúvidas dos alunos. É este professor que dá mais oportunidade aos discentes de construírem o seu próprio saber, utilizando actividades mais diversificadas e aberto às diferentes intervenções dos alunos, as quais são sempre bem recebidas. Se nos focalizarmos nas actividades pedagógicas (AP) que os alunos mais fazem na sala de aula (ocorrência), verificamos algumas escolhas divergentes e outras convergentes entre as respostas dos alunos do 9.º Ano e as dos do 12.º. Os argumentos utilizados para escolherem estas opções, após a sua categorização empírica (Quadro 49 do texto original), são os seguintes: Natureza lúdica vs Interesse; Facilita/ Favorece a aprendizagem; Favorece o conhecimento dos diferentes períodos históricos; Desen-

volve o espírito crítico dos alunos/ confronto de diferentes pontos de vista; Favorece o desenvolvimento da expressão oral; Relação Passado/ Presente; Diversidade cultural/ patrimonial; Reconstruir a História; Desenvolve a cooperação no grupo; Fomenta a participação dos alunos. De seguida, se atendermos às AP de que menos gostam, encontramos reincidências tanto no 9.º Ano (AP7 - “Resolvemos sozinhos e por escrito fichas de trabalho”), como no 12.º Ano (AP2, 10, 11 e 15), respectivamente, “Exploramos documentos escritos oralmente”, “Trabalhamos com o computador e outras técnicas informáticas (pesquisa, discussão e escrita de trabalhos)”, “Participamos em discussões e debates sobre os temas e assuntos estudados” e “Participamos na nossa avaliação e na dos nossos colegas”. Poderemos concluir que, em função dos resultados recolhidos, os argumentos sustentados pelos nossos alunos (Quadro 52 do texto original) foram os seguintes: Não fomenta/ Não favorece as aprendizagens; Favorece a apatia/ desmotivação; Desvia a atenção; Não fomenta as aprendizagens cooperativas (professor/ aluno); Rejeição da prática de escrita; Desnecessário, pouco relevante; Falta de competências gráficas; Não favorece os resultados; Sentido de justiça/ Injustiça/ julgamento. Para sustentar as nossas conclusões, e atendendo às idades dos alunos envolvidos no nosso estudo, poder-se-á dizer que eles mostram uma certa consciência do que é a História enquanto disciplina e como ela deve ser leccionada e aprendida. Podemos pois adoptar como nossas as palavras de C. K. Barton, quando afirma: «A maioria dos estudantes do secundário com quem falei na Irlanda do Norte (…) consideravam que a História aprendida na escola ajudaria a analisar criticamente a opinião aceite na sua comunidade e a completar as suas próprias ideias so-

Os alunos denotam uma vontade de terem professores mais disponíveis para lhes facultarem as “armas” que lhes permitam traçar o seu próprio caminho.

bre o passado (…) cada uma destas crianças sugeriu que aprender História tem uma finalidade social, ou mesmo política.»9 A História que se continua a ensinar em Portugal, tendo em conta presentes, as mudanças que têm ocorrido na sociedade global/ nacional, e particularmente no Sistema Educativo Português, será oportuno e urgente que se procedam a alterações nos currículos da disciplina de História. Urge, segundo Maria do Céu Melo, ser necessário contemplar na formação de professores de História «A abordagem construtivista do ensino e da aprendizagem [que] passou a considerar que aprender é a capacidade de “construir” uma representação social da realidade, e simultaneamente responder aos desafios nascidos no encontro com novos fenómenos e situações.» 10 3.2 Limitações e outras hipóteses de estudo A nossa investigação adoptou o formato de um estudo de caso, daí que não possamos generalizar para outros contextos escolares nacionais/ locais. Seria interessante alargar a dimensão da nossa amostra cobrindo uma maior diversidade em termos geográficos e culturais, considerando critérios de selecção que legitimassem (almejassem) uma representação do todo nacional escolar. Desejamos enfatizar também que, embora procurássemos no nosso estudo contemplar todos os aspectos alusivos à disciplina de História (As finalidades; As características de um bom professor da disciplina (CP) e as Actividades Pedagógicas (AP) desencadeadas no espaço da sala de aula), alguns destes aspectos não são exclusivos da nossa disciplina mas transversais a outras disciplinas e/ou áreas disciplinares. Cremos que seria interessante que um futuro estudo cobrisse outras disciplinas. Aliás, este foi um desafio proposto por um dos nossos respondentes (Aluno 79), que, ao concluir o preenchimento do questionário, deixou registada esta sua opinião. A observação deste aluno é uma chamada de atenção, a par de muitas outras observações e justificações pedidas aos nossos respondentes sobre alguns itens (3.2, 4.2, 5.2 e 5.3), que falam da necessidade dos professores “olharem para dentro de si”, partindo dos múltiplos “olhares” dos seus alunos, e praticarem de uma forma

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mais sistemática uma reflexão sobre as suas/ nossas práticas docentes, necessárias para a existência de mudanças que correspondam às verdadeiras necessidades e dificuldades dos seus /nossos alunos. No que à História e à sua aprendizagem diz respeito, vários autores afirmam «ser de relevância na aprendizagem da História que os alunos estejam atentos aos seus próprios olhares e aos olhares dos outros sobre o mundo e sobre os muitos outros mundos possíveis»11. Para tal, será necessário desenvolver e fazer desenvolver nos nossos alunos estratégias de aprendizagem, tão diversificadas quanto possível, de modo a facultar-lhes a construção de «múltiplos olhares» acerca das diferentes realidades históricas e não só, e sobre o mundo que os rodeia. É neste sentido também, e decorrente do nosso estudo, que gostaríamos de salientar a necessidade de atribuir aos nossos alunos um papel de protagonistas no processo de aprendizagem em constante co-construção, ultrapassando aquilo que Maria do Céu Melo refere como prática do passado: «No que diz respeito ao contexto educativo, o aluno era considerado como um recipiente passivo, cuja principal actividade era, bem ou mal, armazenar o conhecimento escolar fornecido pelos professores. As actividades de ensino e aprendizagem eram avaliadas nos seus produtos, focalizando quase exclusivamente a capacidade de reproduzir esse conhecimento.» 12

Se o nosso estudo apontou alguns aspectos das representações dos alunos sobre o ensino e a aprendizagem da História no contexto temporal específico onde o Ensino Básico obrigatório é de nove anos de escolaridade, fará todo o sentido voltar a efectuar-se um outro quando o Sistema de Ensino estiver alargado aos doze anos, altura em que, eventualmente, a disciplina de História estará alargada a outro(s) cenário(s), não só de anos de escolaridade, mas também de novos currículos cobrindo outras temáticas históricas não apenas centradas na História de Portugal e da Europa, como até aqui. Fará, pois, sentido que esse estudo atenda às mudanças que entretanto venham a ocorrer, tanto no sistema educativo, no âmbito restrito da disciplina de História (ensino e aprendizagem), como reflexo das alterações que venham a ocorrer em todo o devir social, cultural e até político. O nosso estudo, cremos e esperamos, pôs em evidência que a História contribui para a formação de cidadãos mais activos e participativos, não apenas nas actividades pedagógicas desenvolvidas dentro dos espaços das salas de aula, mas também em todos os espaços públicos onde sejam requeridas ou até exigidas não só a sua participação como a constante tomada de decisões, já que os nossos respondentes parecem reconhecê-la como um instrumento importante na sua formação enquanto cidadãos. As interrogações à volta do ensino e da aprendizagem da História são cada vez mais pertinentes.

Cabe aos professores de História terem um papel primordial, propiciando as situações de aprendizagem adequadas, de modo a que alunos possam efectuar as construções do (seu) Tempo e Espaço.

Cabe aos professores de História terem um papel primordial, propiciando as situações de aprendizagem adequadas, de modo a que alunos possam efectuar as construções do (seu) Tempo e Espaço. A tarefa não é fácil, já que são múltiplos os desafios que aos docentes de História se colocam. Do passado recebemos o desafio do alargamento do Ensino Básico obrigatório do 6.º para o 9.º Ano de escolaridade. Do futuro próximo virá a obrigatoriedade de frequência escolar até ao 12.º Ano, situação prevista e já apontada pela União Europeia e pelos nossos governantes, e que cobrirá já os alunos que ingressarão no 7.º Ano do ensino básico no ano lectivo de 2009/2010, e que se efectivará no ano lectivo de 2012/13 13 . Essa realidade colocará mais do que nunca em evidência o que José M. Esteve já referia aquando do alargamento para os nove anos de escolaridade: «Escolarizar cem por cento das crianças de um país implica pôr na escola cem por cento das crianças com dificuldade, cem por cento das crianças agressivas, cem por cento das crianças conflituosas, em suma, cem por cento de todos os problemas sociais pendentes, que se convertem assim em problemas escolares (…) Os professores não estão preparados para fazer face a esta nova realidade e, por isso, não é de estranhar o sentimento de desânimo que experimentam quando não conseguem interessar as crianças que, na maior parte dos casos, necessitam de uma atenção especial.» 14 Em 2012/2013, estarão os professores preparados para esta nova realidade? Os professores de História? Os currículos e os programas? À primeira vista, parece-nos que estas realidades terão de ser, entre outras, seriamente equacionadas e adaptadas a essa realidade que em breve será posta em prática. Teremos plateias cada vez mais heterogéneas, com alunos de proveniências geográficas distintas, que farão (e já fazem) da Escola um “melting pot”, de culturas diversificadas e geradoras de possíveis conflitos. Haverá que equacionar estas novas realidades sociológicas que têm vindo a ser construídas, por vezes silenciosas, outras timidamente audíveis, em Portugal e noutros países europeus, devido aos movimentos migratórios, que nas últimas décadas se têm dirigido para a Europa Ocidental. Portugal deixou de ser um país (só) de emigrantes, tornando-se também num país de acolhimento já não apenas de indivíduos provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa e antigas colónias (P.A.L.O.P.), mas provenientes de outros países tão diversos como a China ou Índia, ou países da Europa de Leste.

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3.3 Os desafios… Este trabalho de investigação apresenta resultados que nos deverão fazer pensar e equacionar práticas e discurso diferentes dos que eventualmente temos tido até agora. Comungamos do alerta de A. Fernandes, de que é «Urgente fazer um esforço de adaptação da escola a uma realidade dinâmica em que todos os seus agentes são chamados a participar de uma forma sistemática e responsável, fora e dentro da sala de aula, inclusive a de História. Esta tem de ser vista


com um espaço essencialmente para a formação de uma opinião pública historicamente educada, aberta e tolerante, com base numa sólida argumentação.» 15

Ao reflectir sobre o futuro da disciplina de História, Maria do Céu Melo toma como suas as palavras de White, que são o seu compromisso não apenas pedagógico, mas também moral, social e político: «Precisamos de uma História que nos eduque para a descontinuidade de um modo como nunca se fez, pois a descontinuidade, a ruptura e o caos são nosso destino» 16. Ora, este papel da História só poderá ser tornado ‘real’ se valorizar a aquisição e o desenvolvimento de competências históricas pelos alunos em vez de um exercício de um mero discurso monológico do professor que espera a sua reprodução. Atendendo à conjuntura de mudança que se vive e viverá, com o mais que provável alargamento do ensino obrigatório até ao 12.º Ano, as nossas preocupações convergem com o pensamento de Olga Magalhães, que defende a necessidade de uma «renovação [que não assuma] os traços de uma “fuga para a frente”, desordenada e, portanto, inconsequente». Os problemas que se colocam à disciplina, segundo a mesma autora, centram-se mais ao «nível da tomada de decisão sobre o que leccionar, tendo em conta variáveis tão diversas como a duração do ano lectivo, a carga horária atribuída à disciplina ou, mais delicado ainda, a faixa etária e as vivências específicas dos alunos a quem se dirige um determinado programa» 17. Segundo os investigadores da Educação Histórica, e atendendo aos novos paradigmas sociais e educacionais, as estratégias de ensino e de aprendizagem devem passar pelo paradigma construtivista. Por fim, basta sublinhar as ideias mestras desta abordagem nova de ensinar e aprender História: - Olhar o aluno como o construtor do seu próprio saber, valorizando como condição primeira o desenvolvimento da sua autonomia e a sua capacidade de reflexão sobre a construção desse saber. Precisamos, pois, como afirmaram os nossos respondentes, de professores “abertos e flexíveis”, que - Embarquem com eles no desafio de compreender o passado, o presente e se comprometam com o futuro.

Na minha qualidade de professor, a minha preocupação futura centrar-se-á na criação de diálogos com os meus alunos e colegas, esperando criar novos olhares e práticas, concorrendo todos para a mudança de percursos que o mundo no seu constante devir nos coloca como desafios, percursos que poderão exigir ritmos de passos diversos, mas onde, esperamos, ninguém se perca.

Notas: 1 - O presente artigo constitui uma versão abreviada da dissertação de mestrado do autor em Gestão Curricular, Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa/ Departamento de Ciências da Educação, da Universidade de Aveiro. Um exemplar da dissertação está disponível para consulta na biblioteca da Escola Secundária de Estarreja, bem como no sítio <http://bibliotecaes3.blogspot.com>. 2- Pode ler-se no capítulo 2 do texto integral, que se encontra na Biblioteca Escolar. 3 - Peter Woods (1991), “Aspectos sociais da criatividade do professor”. In António Nóvoa (org.), Profissão Professor, Colecção Ciências da Educação, Porto Editora, p. 129. 4 - Ver no texto original o ponto 3.3 - Capítulo 3. Ao longo deste artigo, remetemos para este texto integral a leitura dos quadros mencionados. 5 - Isabel Barca e Marília Gago (2001), “Aprender a pensar em História: um estudo com alunos do 6.º Ano de escolaridade”, CEEP, Universidade do Minho. In Revista Portuguesa de Educação, 14 (1), pp. 214, 239-261. 6 - Maria do Céu Melo (2004), “Supervisão do ensino da História: natureza e objectos”. In Isabel Barca (org.), Para uma Educação Histórica de Qualidade, Actas das III Jornadas Internacionais de Educação Histórica, Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho. 7 - Isabel Cruz e Maria do Céu Melo (2004), “Diálogos entre Portugueses e Brasileiros, e entre Portugueses e Africanos” In José Manuel Lopes e Maria do Céu Melo (org.), Narrativas Históricas e Ficcionais - Recepção e Produção para Professores e Alunos – Actas do 1.º Encontro sobre Narrativas Históricas e Ficcionais, Centro de Investigação em Educação (CIED), Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, p. 183. 8 - Maria do Céu Melo (2009), Relatório da disciplina “Supervisão Pedagógica em Ensino de História e Ciências Sociais”, Concurso para Professora Associada/ Grupo Disciplinar de Metodologias da Educação, Departamento de Metodologias da Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho. (Não publicado. Acesso restrito). 9 - C. Keith Barton (2004), “Qual a utilidade da História para as crianças? Contributos do ensino da História para a cidadania”. In Isabel Barca (org.), op. cit., p. 13. 10 - Maria do Céu Melo (2009), op. cit., p. 113. 11 - Maria do Céu Melo (2008) (org.), As Imagens na Aula de História: Diálogos e Silêncios. Mangualde: Edições Pedagogo. p. 58. 12 - Ibidem, p. 33. 13 - Lei n.º 85/2009 de 27 de Agosto. 14 - José M. Esteve (1991), “Mudanças sociais e função docente”. In António Nóvoa (org.), Vidas de Professores, Colecção Ciências da Educação, n.º 4, Porto Editora, p. 121. 15 - Adriano Fernandes (2002), O Olhar dos Alunos e dos Professores sobre a História e o seu Ensino, Tese de Mestrado, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, p. 215. 16 - Maria do Céu Melo (2009), op. cit., p. 60. 17 - Olga Magalhães (2002), Concepções de História e de Ensino de História: Um Estudo no Alentejo, Edições Colibri e CIDEHUS-EU, pp. 48 e 57.

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“QUERES UM PLANETA LIMPO?” – UMA POSSÍVEL ESTRATÉGIA DE TRABALHO EXPERIMENTAL EM SALA DE AULA Anabela Viegas Docente de Físico-Química

Introdução Diversas abordagens têm sido tomadas em consideração para garantir que a humanidade viva num planeta limpo e que, também esta, progrida no sentido de promover nos vindouros aptidões que impeçam, a médio e a longo prazo, alterações climáticas. Também é reconhecido internacionalmente que o que se ensina é influenciado pelo modo como se ensina1. Neste sentido, em contexto de sala de aula de Ciências Físico-Químicas, particularmente com alunos do 7.º ano de escolaridade, partiu-se de um contexto que lhes é familiar e promoveu-se o desenvolvimento de competências quer associadas ao trabalho experimental, quer de âmbito mais alargado. Metodologia Após a organização de grupos de trabalho, os alunos foram confrontados com a seguinte questão: “Será benéfico do ponto de vista ambiental continuar a utilizar veículos que utilizam gasolina ou gasóleo como combustível?” Tiveram oportunidade de pensar um pouco, de discutir com os colegas do grupo e de registar a opinião do mesmo, sendo posteriormente comunicada à turma, por meio do porta-voz. Após a exploração das respostas, a professora introduziu na discussão do assunto o termo «pilha de combustível» e perguntou se os alunos já tinham ouvido falar do mesmo. Referiu alguns aspectos: que se trata de uma pilha parecida com as que conhecem, mas que é alimentada exteriormente (geralmente por gases que podem ser o hidrogénio e o oxigénio ou, por exemplo, o metano e o oxigénio); que foi inventada pelo inglês Sir William Grove, em 18392; que a sua utilização é uma possível alternativa à de motores dos veículos e que tem vantagens do ponto de vista ambiental, uma vez que se for utilizada uma PEM (proton exchange membrane fuel cell, ou seja,

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pilha de combustível de membrana trolhoria de cuidados associados à escrita, cadora de protões) não se libertará para o desenvolvimento da autonomia e de a atmosfera dióxido de carbono, mas competências de trabalho em grupo. sim água. Evidentemente que um maior tempo de Também referiu que a pilha de comrepouso do composto conduziria à obbustível é um possível dispositivo para tenção de um bom nutriente para fertiliaproveitar o gás libertado pela comzar os solos. postagem3. O simples facto de os alunos recoPosteriormente, cada grupo construiu nhecerem, a partir de uma semana de o seu «compostor», seguindo as inspousio, o “pfuu”, as alterações de cor truções da professora e reconhecendo e o odor nauseabundo foi interessante a importância da “reutilização” de matecomo ponto de partida para outras disriais. Os materiais utilizados consistiam cussões... numa garrafa de 1,5 L de plástico vazia, papel indicador universal, colher, balança, termómetro, esguicho com água, terra, cascas de fruta e restos de vegetais crus (figura 1). Alguns «compostores» foram tapados e foram para o escuro, outros foram colocados abertos no escuro, outros abertos ao ar e exposição solar, e ainda os havia que foram tapados (estando expostos à luz do Sol) (figuras 2 e 3). Depois, procedeu semanalmente, durante aproximadamente um mês, ao registo de observações, de temperatura e de pH (figuras 4 e 5). Após a exploração do trabalho experimental, os alunos Figura 1 – Pesagem da matéria orgânica tiveram oportunidade de verificar a comunicação do trabalho desenvolvido, em painel na «Feira da Juventude». Considerações finais A promoção de registos de observações experimentais continuados do «compostor», disponibilizando cinco minutos para o efeito em cada aula, durante cerca de um mês, permitiu que os alunos (em grupo) percepcionassem transformações químicas, detectassem o tipo de material existente (mistura heterogénea), a par de terem desenvolvido a capacidade de observação e de perceberem melhor como se mede. Também permitiu a me-

Notas: 1 - Wynne Harlen (2009). “Teaching and learning science for a better future”, School Science Review, 90 (333), p. 33-41. 2 - J. Orselli e J. Chanaron (2002). “Sciences et société dossier – A qui profite le spectacle?”, La Recherche, 357, p. 70-73. 3 - Anabela O. Viegas (2004). Pilha de combustível: uma perspectiva educacional. Dissertação apresentada na Universidade do Minho para obtenção do grau de Mestre em Física – Ensino.


Figura 2 – À esquerda, «compostor» fechado exposto à luz solar. À direita, «compostor» aberto exposto à luz solar

Figura 3 – «Compostores» no escuro

Figura 5 – Medição do pH Figura 4 – Medição da temperatura

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fonte luminosa, independente da sua fonte de energia, que serve para atrair o peixe durante a noite a fim de facilitar a sua captura (a luz forte perturba o peixe na ĂĄgua, de tal maneira que ele se deixa apanhar Ă mĂŁo ou fisgar)

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PARTILHAS Sabendo nós viver numa sociedade aprendente, onde somos, necessariamente, dominados quando não somos capazes de entender, interpretar, organizar, reflectir e inter-relacionar, impõe-se a exigência de (re)aprender a aprender. Ao professor, enquanto organizador do meio social da aprendizagem, cabe a (in)grata missão de fazer funcionar a aprendizagem como principal factor de emancipação. Assim, para que o saber, enquanto condição da Humanidade, seja factor efectivo de inclusão e liberdade, exige-se, muitas vezes, que se “invente tempo” por entre os afazeres para se (re)pensar os significados e modos de (re)educar, tarefa maior da existência humana. É esse propósito que tem vindo a reunir os professores da Escola Secundária de Estarreja, em alguns fins de tarde de quarta-feira, numa ambiência de generosa partilha de experiências, competências e, sobretudo, inquietações. Conscientes de que o conhecimento não é um reflexo do real, mas, antes, uma interpretação e leitura do mesmo, assumiu-se que apenas existem verdades dependentes dos diferentes quadros paradigmáticos em que são produzidos e, por isso, se confrontou diferentes modos possíveis de dizer o real, numa conquista intersubjectiva. Para, de um modo plural, ilustrar as temáticas perspectivadas, transcrevemos as “súmulas” generosamente elaboradas para o efeito pelos professores dinamizadores das diferentes sessões. Rosa Mendonça Docente de Filosofia

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA NUMA PERSPECTIVA CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE (CTS): DIVULGAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁCTICOS IMPLEMENTADOS NA ESCOLA Dorinda Rebelo

Docente de Biologia e Geologia

Cada vez mais faz menos sentido pensar no conhecimento científico fora do contexto da sociedade e do desenvolvimento tecnológico actual. A educação científica não pode alhear-se das mudanças ocorridas ao nível da ciência. Trata-se de preconizar modificações e novas orientações no sentido de melhor poder dar resposta às novas necessidades da sociedade. A forma como a sociedade usa a tecnologia na actualidade exige que a escola, e não só, promova o reencontro das construções e dos conceitos entre a tecnologia, a ciência e a sociedade. A presença da perspectiva CTS no ensino das ciências surge, assim, como um elemento capaz de estabelecer a conexão entre a ciência escolar e o mundo real. Vários estudos têm mostrado que o tratamento adequado de situações que enfatizem aspectos de interacção CTS não só melhora a motivação e as atitudes dos alunos face à aprendizagem das ciências, como também contribui para reduzir concepções erradas e incompletas

e favorecer os processos de conexão dos conhecimentos escolares com a realidade social onde se inserem1. Esta perspectiva de ensino solicita o desenvolvimento de estratégias que partam de contextos reais e que permitam responder a controvérsias locais, regionais, ou mesmo à escala global, bem como

dizagem em que a realidade surja com estatuto de centralidade. Foi este quadro de referência que orientou a concepção e a construção de materiais didácticos para a unidade curricular Património Genético, do programa de Biologia, do 12.º ano3. Para contextualizar o processo de ensino e aprendizagem, foi seleccionada uma notícia publicada num jornal diário relacionada com a investigação biomédica relativa à doença Machado-Joseph. A exploração deste contexto pelos alunos partiu da questão problema: De que modo os conhecimentos de genética podem ser utilizados para melhorar a qualidade de vida das pessoas com a doença Machado-Joseph?, a partir da qual foram levantadas e sistematizadas várias subquestões, de âmbito progressivamente mais restrito e, por isso, vistas como mais simples pelos alunos. Para dar resposta às questões formuladas, foram definidos percursos

Cada vez mais faz menos sentido pensar no conhecimento científico fora do contexto da sociedade e do desenvolvimento tecnológico actual. a debates éticos e culturais, levando o cidadão a construir competências que lhe permitam exercer a cidadania de forma participada e fundamentada2. Este tipo de abordagem exige uma adequada selecção e organização de conteúdos, de modo a criar um contexto de apre-n-

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de apren-dizagem diversificados, sem perder de vista os conteúdos de natureza conceptual, procedimental e atitudinal definidos no programa da disciplina. Foram propostas actividades diversificadas4, tais como: actividades de pesquisa, organização e síntese de informação; exercícios de papel e lápis; trabalho laboratorial. Na realização destas actividades, privilegiou-se a utilização das TIC como recurso didáctico, tendo em conta as suas potencialidades no processo de ensino e de aprendizagem, nomeadamente, por permitirem recolher informação diversificada de uma forma mais rápida e flexível (quando orientada), permitirem uma comunicação mais eficaz, favorecerem o desenvolvimento de competências ao nível da interpretação e comunicação, bem como, o desenvolvimento de atitudes positivas face aos conteúdos de ciências. Procurou-se, também, introduzir elementos da História da Ciência, por se considerar que é um importante recurso para uma abordagem externalista e contextualizada da ciência. Esta abordagem permitiu colocar os alunos nas situações problemáticas em que estiveram envolvidos os cientistas no passado (Mendel e Morgan), relevando o caminho por eles percorrido, nomeadamente, as dificuldades sentidas e como foram superadas. Por outro lado, proporcionou oportunidade para os alunos se consciencializarem da natureza do conhecimento científico (não definitivo, questionável e em constante evolução), questionarem a sua objectividade e compreenderem o papel que a comunidade científica assume na legitimação do conhecimento. Com o trabalho laboratorial não se pretendeu reproduzir trabalhos realizados por cientistas, mas sim desenvolver competências de trabalho científico, nomeadamente, a formulação de questões e hipóteses capazes de orientar a selecção de procedimentos simples e a interpretação de dados. Os materiais didácticos foram implementados em turmas do 12.º ano, do curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias, da Escola Secundária de Estarreja, nos anos lectivos 2008/2009 e 2009/2010.

AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS Emídio Ferro

Docente de Biologia e Geologia

Abordar o tema da “avaliação de competências” confronta-nos, desde logo, com um vasto e complexo conjunto de questões em torno do próprio conceito de “competência”. Vejamos algumas dessas questões: O conceito é entendido do mesmo modo por todos e, eventualmente, será desejável que assim seja? Que amplitude tem o conceito quando nos retiramos do campo da formação profissional para a educação generalista? Como integrar a aprendizagem nuclear, disciplinar, na lógica complexa da resolução de problemas ou na abordagem da metodologia de trabalho de projecto? De que paradigma estará mais próximo o desenvolvimento e a avaliação competencial? A noção de competência insere-se num paradigma da avaliação por objectivos, pressupondo que, ao definirmos objectivos, estejamos, inerentemente, a definir as competências e vice-versa? Qual o papel das equipas multidisciplinares e da articulação entre profissionais da educação para o desenvolvimento de competências junto dos alunos? São as competências potencialmente transferíveis? Podem os desempenhos ser esmiuçados até à sua formulação mais simplificada e ainda assim serem avaliados enquanto competência ou meramente enquanto tarefas? Que amplitude possui um profissional de educação

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para a avaliação das atitudes e comportamentos? Até que ponto, finalmente, não estaremos a desperdiçar tempo com conceitos e abordagens que, feito o devido balanço, pouco ou nenhum impacto trazem para o sistema de ensino e para o efectivo sucesso escolar e profissional dos alunos? O carácter polissémico do termo dificulta uma enunciação unânime. Ainda assim, podemos arriscar desenhar uma definição que considere o reportório de habilidades, capacidades, conhecimentos, aptidões e saberes que o indivíduo selecciona e mobiliza perante uma sucessão de situações concretas ou problemas com alguma complexidade e variabilidade, resolvendo-os com eficácia e eficiência, favorecendo a integração do sujeito nos múltiplos contextos experienciais da sua existência (social, profissional, político, etc.).

Este conceito evoca várias perspectivas cujo fio condutor é a experiência reiterada e consolidada. Assim se compreendem os obstáculos sentidos na transposição do conceito do universo empresarial para o espaço escolar, particularmente no que concerne ao enquadramento nas disciplinas nucleares tradicionais, as quais se vêem constrangidas pela sua atomicidade e singularidade. A observação de um desempenho competencial pressupõe a transversalidade, complexidade e multidisciplinaridade dos saberes mobilizados, os quais, na ausência de uma efectiva articulação de abordagens, se limita a tratar de tarefas singulares. Quando nos referimos à complexidade, não fazemos qualquer alusão ao nível de dificuldade. A familiaridade e genuína exequibilidade da abordagem por competências, o seu desenvolvimento e avaliação, são bem visíveis nas disciplinas próprias da formação profissionalizante. Os locais de trabalho com

A forma como a sociedade usa a tecnologia na actualidade exige que a escola, e não só, promova o reencontro das construções e dos conceitos entre a tecnologia, a ciência e a sociedade.


maior grau de criatividade e inovação são instituídos por equipas multidisciplinares onde os diferentes contributos se entrelaçam e se surpreendem mutuamente, numa lógica colaborativa em busca das melhores soluções e ideias. O currículo é construído simultaneamente pelas opções obtidas na eficácia da articulação das equipas pedagógicas e pela adesão dos alunos aos desafios sucessivamente equacionados. Como refere Carette5, a pedagogia por objectivos tem as suas raízes no espaço do comportamentalismo (behaviorismo), segundo o qual a observação de comportamentos permite conectar estímulos e respostas. A abordagem por competências terá, no entanto, a influência do construtivismo, no sentido em que se considera que o desenvolvimento da aprendizagem resulta da interacção entre o indivíduo e o meio. A idealização ou a concepção pedagógica de uma competência implicará uma acção ou conjunto de acções articuladas perante uma oportunidade de desempenho à qual o aluno deverá aderir, perseguindo um fim e da qual resultará uma aprendizagem e a consolidação de experiência. Cremos que, na maioria das actividades lectivas, convergem simultaneamente abordagens por objectivos e por competências, ainda que, por vezes, inconscientemente. A escola plural e de múltiplas correntes pedagógicas instalou-se firmemente nas salas de aula e, mesmo que possamos manifestar preferência por uma em detrimento de outras, estános vedado o privilégio da ignorância quanto aos paradigmas que as sustentam. O impacto no sistema educativo e o efeito no sucesso escolar ou profissional dos alunos não é imune às opções tomadas no momento de planificar uma aula ou uma unidade. Convenhamos que a escola opta e pondera as consequências quando investe mais ou menos tempo na preparação dos alunos para os exames, ainda que no mercado de trabalho e na vida futura poucos ou nenhuns exames voltem a enfrentar. Mas os exames desempenham um papel fulcral de verificação da equidade da actividade da escola e, por isso, são uma espada de Dâmocles, incontornáveis prenúncios dos sucessos e insucessos, mais na vida académica que no ambiente laboral. As competências avaliadas

Cremos que, maioria das actividades lectivas, convergem simultaneamente abordagens por objectivos e por competências, ainda que, por vezes, inconscientemente(...) e, mesmo que possamos manifestar preferência por uma em detrimento de outras, estános vedado o privilégio da ignorância quanto aos paradigmas que as sustentam. nos exames e testes são escassas e, na maioria das vezes, simples solicitações de tarefas, com atenuado grau de complexidade. A transferabilidade das competências colide com o enunciado acima referido: as competências são de construções pessoais, inerentes ao indivíduo, manifestando-se diferentemente, dado que as experiências e motivações de cada um condicionam as respostas e as soluções mobilizadas. O padrão de comportamento, a sua regularidade e complexidade, pode eventualmente permitir inferir um juízo de valor sobre a atitude do aluno. Mais do que isso, é possível a observação de comportamentos, transpostos para grelhas de registo, quantificáveis, qualificáveis e por fim classificáveis. No entanto, notamos aqui uma colagem ao positivismo: pressupõe-se que os processos sociais são redutíveis às acções e relações entre os indivíduos, subestimando os contextos; falha-se na apreciação sobre a existência no mundo objectivo de factos sociais que são apenas um produto social e histórico da consciência humana; ignora-se o papel do observador na concepção da realidade e consequentemente falha-se por ignorar o efeito das condições sociais; representa-se o observado como existindo objectiva e independentemente do seu ambiente e história que produziu essas mesmas condições. Em suma, esta representação social permite perpetuar as diferenças culturais e económicas em vez de as repelir. Em nenhum momento como na hora e no modo de avaliar atitudes se percebem as afinidades ideológicas, conscientes ou inconscientes. A lógica do universalismo instala-se para excluir a diferença. Parafraseando Enzensberger6, o universalismo revela-se uma armadilha moral por abrir um abismo entre intenção e realidade e cair na hipocrisia objectiva. Dificilmente um conceito, ou uma abordagem pedagógica, na redacção da sua fundamentação ou enquadramento, por si só e de forma isolada, trará consequências visíveis e perceptíveis para todos, de forma integrada. Na realidade, a percepção de desalento instala-se junto dos profissionais da educação quando, na sequência de ondas e modas, procuram generosamente transpor directivas e normativos delineados nos gabinetes administrativos centrais ou partindo de investigações e estudos realizados nos centros de investigação universitários. Além do mais, transforma-se numa aventura inútil, porventura inglória, a vontade de viabilidade quando se impõem generalizações a partir de projectos-piloto que obtiveram sucesso num ou noutro caso, em função de especificidades contextuais e motivações intransmissíveis. Imagine-se um princípio activo desenvolvido ou isolado num qualquer laboratório farmacêutico, eficaz no tratamento de um eventual paciente e compulsivamente universalizado como arquétipo da cura da referida enfermidade, menosprezando as contra-indicações, as reacções adversas, alergias e outras especificidades dos putativos organismos, convertendo a bem intencionada cura numa mais que provável aniquilação. Os estudos de caso têm destas incongruências, paradoxos. E estes são apenas mais alguns dos motivos para os reincidentes casos de insucesso no sistema educativo, ou, pelo menos, da desgastante consciência de ineficácia sentida pelos professores. Em síntese, continuamos a ter que lidar conflituosamente com a proclamada cultura da autonomia.

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O PROJECTO FILOSÓFICO DE JOSÉ RÉGIO: DA SUBJECTIVIDADE DA CIÊNCIA À OBJECTIVIDADE DA METAFÍSICA Rui Rufino

Docente de Filosofia

Com esta palestra pretendeu demonstrar-se, a partir de uma interpretação filosófica da obra de José Régio, a equivalência de todos os saberes, uma vez que tudo se reduz, em última análise, a crenças, pelo que a ciência deve ter consciência da sua subjectividade e a religião e a metafísica podem ser o lugar da verdade essencial ao indivíduo, a chave de reencontro com um sentido de vida, muitas vezes esquecido e disperso pelo quotidiano terreno, regulamentado, uniformizado. Esta vertente metafísica mantém-se permanentemente aberta, sempre a caminho, a partir de uma certa espontaneidade, mas também de uma reflexão apurada de ideias e conceitos em busca de soluções, que se sabe não passarem de meras hipóteses, o que acontece não só com a Arte e com a Filosofia, como também com a Ciência. Quando se fala de subjectividade da ciência não se quer menorizar a ciência, apenas lembrar a impossibilidade desta alcançar a verdade total; quando se menciona um carácter objectivo da metafísica não se pretende estabelecer uma nova dogmática, mas apenas salientar a manutenção de um espaço em branco, uma zona de sombra, que o ser humano individual exige com urgência e ansiedade preencher e que se prende com a busca de uma redenção que exige o encontro com o Absoluto. Adoptando uma teoria do conhecimento fundamentada na crença, o mundo interior ao sujeito constitui-se como um domínio real, digno de crédito, pelo que nunca poderá ser desvalorizado perante as conclusões da ciência, fruto de um trabalho na exterioridade e na superfície. Deste modo, estética e a religião, enquanto vivenciadas pelo mais íntimo do indivíduo constituem-se como saberes com verdadeiro estatuto gnoseológico, uma vez que “tudo são crenças” e, nessa medida, não tem sentido distinguir objectividade de subjectividade. Embora a expressão artística represente a construção de um mundo de sentido para o sujeito criador, isto não basta a José Régio. A arte pode constituir uma redenção para o Ser Humano (Nietzsche), mas a inquietação e o deses-

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(...) tudo se reduz, em última análise, a crenças, pelo que a ciência deve ter consciência da sua subjectividade e a religião e a metafísica podem ser o lugar da verdade essencial ao indivíduo, a chave de reencontro com um sentido de vida (...) pero vividos por José Régio não se aquietam com a simples contemplação estética. Urge ultrapassar o absurdo e a ameaça do nada da morte e, para este caso, a arte será ainda uma ilusão na busca de salvação. Será a partir da doutrina do cristianismo, que não se confunde com a ortodoxia da instituição Igreja, que José Régio encontra um sentido de plenitude capaz de tranquilizar a sua ansiedade pela vida (contra a morte) e pelo ser (em vez do nada). A sua filosofia sobre a redenção, exposta sobretudo na Confissão dum Homem Religioso, para lá de toda a fantasmagoria associada ao cristianismo, com os seu santos, anjos e demónios, exige apenas uma Condição, uma Verdade, um Absoluto – que este Ser que vence o nada signifique a persistência da Consciência, é por esta que se pode assegurar a sobrevivência do Indivíduo, ideia central da redenção cristã, e a única que serve para pôr fim ao absurdo. Uma ideia de redenção sustentada no cosmos ou no todo social, até pode ser a única realidade que reste depois da dor e do sofrimento, mas se é só isso, de nada vale, pois não salva a única coisa que há para salvar: o ser humano individual, concreto, que nasce e morre e que, enquanto vive, luta contra a natureza e a inevitabilidade.

Notas: 1 - Ríos, E. Y Solbes, J. (2007), “Las relaciones CTSA en la enseñanza de la tecnología y las ciencias: una propuesta con resultados”. in Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 6(1)1, 32-55. 2 - Santos, E. (2005). “Cidadania, conhecimento, ciência e educação CTS. Rumo a «novas» dimensões epistemológicas”. in Revista CTS, 6 (2), 137-157. 3 - Ministério da Educação (2004). Programa de Biologia, 12.º ano. <http://www.min-edu.pt> 4 - Rebelo, D.; Mendes, A. & Soares, R. (2009). “O ensino da Biologia numa perspectiva CTS: um exemplo para a abordagem da unidade curricular – Património genético”. in Actas do XIII Encontro Nacional de Educação em Ciências, 264-271. 5 - Carette, V. (2010). “Article thematique: quelques reflexions autour des epreuves d’evaluation developpees dans le cadre de l’approche par competences”, in Bulletin de l’ADMEE 2010/01, 5-19. 6 - Enzensberger, H.M. (1998). Perspectivas da Guerra Civil, Madrid: Anagrama.


PROJECTO DOLCETA - SENSIBILIZAÇÃO E FORMAÇÃO DE CIDADÃOS NA SOCIEDADE DE CONSUMO Maria do Rosário Grilo e José Manuel Gonçalves Docentes de Geografia. Elementos da Equipa Dolceta em Portugal.

O termo DOLCETA é o acrónimo de “Development of Online Consumer Education Tools for Adults”, constituindo uma ferramenta que fomenta a formação e o ensino online dos cidadãos enquanto consumidores. Este projecto tem o apoio da Comissão Europeia, sendo os 27 países membros da UE parceiros neste projecto. O projecto DOLCETA constitui uma ferramenta interactiva para informação, aconselhamento e formação dos consumidores, estando disponível via internet. O sítio aí presente proporciona à população em geral, enquanto consumidora, as competências necessárias para comparar os diferentes produtos e serviços disponíveis no mercado, para aconselhar a tomada de decisão sobre as compras, e um conjunto de mecanismos que visam orientar os consumidores para defesa dos direitos que lhes assistem. As informações jurídicas e práticas são adaptadas às características nacionais de cada país. O sítio do DOLCETA não se destina a proporcionar informações muito aprofundadas sobre as diferentes questões relacionadas com os direitos dos consumidores. Centra-se sobretudo nas perguntas mais frequentes e nas situações mais problemáticas vividas pelos consumidores no seu dia-a-dia. As respostas a estas questões do quotidiano são de carácter prático e jurídico. Por outro lado, as explicações mais teóricas são acompanhadas por exercícios e exemplos, de modo a ajudar a uma melhor compreensão das informações lá presentes. A página de entrada do DOLCETA sugere ainda ligações a outros sítios relevantes para quem pretenda aprofundar os conhecimentos sobre um tema específico, ou para quem se debata com uma determinada situação específica. Os formadores e professores podem utilizar o sítio DOLCETA na internet como ferramenta pedagógica. Para além da sensibilização, informação e formação dos cidadãos enquanto consumidores, o projecto DOLCETA apresenta-se, igualmente, como um importante instrumento na formação do indivíduo no seu percurso de cidadania, desde as faixas etárias mais jovens até à idade adulta. Como tal, o projecto contempla uma área especialmente vocacionada para professores e formadores dos diferentes graus e níveis de ensino. No entanto, esta plataforma online permite que todo o cidadão que se pretenda informado e pró-activo tenha disponível informação que possibilite uma aprendizagem autónoma para os consumidores. A informação disponível presentemente encontra-se organizada em diferentes módulos, respectivamente, Direitos dos Consumidores, Serviços Financeiros, Segurança dos Produtos, Consumo Sustentável, Serviços de Interesse Geral.

O que tem o DOLCETA de único ou diferente? 1) Ao contrário da maior parte dos portais de aconselhamento aos consumidores, dá preferência à aprendizagem interactiva (sob a forma de testes de pergunta/resposta, por exemplo) em vez da transmissão passiva de informações. 2) Ao contrário dos portais (nacionais) existentes destinados aos consumidores, proporciona um ponto de entrada único para todos os países/línguas e o mesmo conteúdo (embora localizado) para todos os países/línguas. 3) É a única ferramenta em linha, englobando 27 Estados-Membros, que procura pôr à disposição dos educadores conteúdos didácticos relacionados com os consumidores (por exemplo, planos de aulas e ferramentas pedagógicas) a utilizar na sala de aula. Existem, actualmente, 8 módulos para os 27 Estados-Membros sobre os temas: direitos gerais dos consumidores (contratos, rotulagem, vendas à distância, publicidade, resolução de litígios), serviços financeiros (orçamento familiar, crédito ao consumo, crédito hipotecário, poupança e investimento) e segurança dos produtos, consumo sustentável e serviços de interesse geral. Em meados de 2010, será introduzido um módulo sobre literacia financeira. Os professores que já utilizam esta ferramenta pediram que fosse acrescentado um módulo sobre segurança dos alimentos e saúde. Assim, a Comissão Europeia tenciona, igualmente, desenvolver um módulo sobre segurança dos alimentos e um módulo sobre saúde e direitos dos doentes, a partir de meados de 2010. Entretanto, a equipa promoveu já uma acção de sensibilização aqui na escola, no dia 28 de Maio: “Plataforma DOLCETA: instrumento para uma cidadania esclarecida”. Orientada por José Manuel Pereira e pela Prof. Dr.ª Maria Clara Magalhães, contou com a dinamização de Rosário Grilo.

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“PARA IRMOS MAIS ADIANTE”: VALTER HUGO MÃE, SOBRE LEITURA, LIVROS E MUITO MAIS Teresa Bagão Docente de Português

A promoção da Semana da Leitura justificou a presença na nossa escola, no dia 8 de Março de 2010, do escritor valter hugo mãe, que aceitou o nosso convite para falar a uma plateia de alunos e de professores. Aliás, deveria corrigir: a presença de valter hugo mãe justificar-se-ia em qualquer momento do ano lectivo, porque todos os dias são bons dias para conversar sobre livros, sobre a leitura, a escrita e as artes, enfim, sobre a forma como estas devem fazer parte integrante da nossa vida. Foi com profunda atenção e justificado interesse que ouvimos o escritor. Pela segunda vez em discurso directo nesta escola, desvendou-nos um pouco mais desse percurso pelo humano que a literatura possibilita, pois ler bons autores “é como ler um atlas do ser humano” (referindo-se valter hugo mãe, concretamente, a Vergílio Ferreira, José Saramago, entre outros). Considera que “os livros são longos processos de meditação” e, ao lê-los, “temos a oportunidade de pensar com alguém”, sendo igualmente importante constatar que, “ao fim de um livro – de um bom livro -, a pessoa que fomos mudou”. O nosso convidado recordou-nos como, em relação a outras manifestações artísticas ou a distintas formas de comunicação, “o livro tem uma vantagem: adapta-se ao nosso ritmo, é uma espécie de conversa generosa, permite-nos um exercício de reflexão muito mais profundo”. Como o dia 8 de Março assinala, no

calendário, o Dia Internacional da Mulher – a qual não está em “vias de extinção”, mas, pelo contrário, em processo de constante afirmação –, pedimos ao escritor que nos falasse sobre Elas. Na preparação da actividade, com efeito, fizemos questão de destacar a emergência e a recorrência das figuras femininas na sua obra poética e em prosa, através da selecção de muitas passagens que o ilustram, escritas no quadro da sala onde estávamos (pelos alunos do 12.º E), e através da recolha de poemas e de páginas em prosa para leitura expressiva ao longo da sessão (na voz da Diana Pinho, Hilda Gusman, Inês Ribeiro, Flávia Alves, Maria Inês Santos e do Eduardo Oliveira, dessa turma). Se valter hugo mãe considera que “vale a pena escrever acerca das pessoas que existem e tal qual são”, “as pessoas que encontram nos meus livros são as mais conhecidas”; portanto, o leitor irá depararse com jovens raparigas adolescentes (inclusivamente, que o poeta conheceu), empregadas, mulheres-a-dias, mães, viúvas, mulheres que estão a descobrir o amor ou que já descobriram o amor, mulheres incompreendidas e compreendidas, abusadas e abusadoras. Mesmo sabendo que “todos nós fomos criados, em termos gerais, ao pé de uma mulher”, valter hugo mãe diz-nos que, ainda assim, na sociedade actual, “parece que há uma incapacidade de ultrapassar este machismo”. Por conseguinte, orientou o nosso raciocínio no

Para o escritor, não só a literatura mas também outras formas de expressão artística desempenham um papel fundamental na desconstrução do preconceito e na sua efectiva anulação: “a arte serve para nós irmos mais adiante, para pensarmos mais e melhor, para pensarmos aquilo que somos”.

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sentido da desconstrução de algumas visões associadas à cultura juvenil, que persistem em objectificar a figura feminina e adornar com a violência da força bruta as figuras masculinas. “Em termos de razoabilidade, a nossa conduta não pode prejudicar os outros”, pelo que “enquanto sociedade, devíamos caminhar para nos opormos a isso”. Para o escritor, não só a literatura mas também outras formas de expressão artística desempenham um papel fundamental na desconstrução do preconceito e na sua efectiva anulação: “a arte serve para nós irmos mais adiante, para pensarmos mais e melhor, para pensarmos aquilo que somos”. Outro tema da nossa conversa relacionou-se com o processo de criação literária. Talvez alguns alunos não estivessem à espera de ouvir dizer que “a inspiração é trabalho, a inspiração é um processo contínuo – escrever é transpiração, é trabalho, sossego, raciocínio”. Deste modo, creio terem acrescentado mais um exemplo concreto que, inesperada mas pertinentemente, os confronta com a necessidade de trabalho e de empenho para alcançar o reconhecimento e o sucesso. Tal como valter hugo mãe, ao afirmar que “os meus livros escolhem temas para eu saber mais”, também nós ficamos com a garantia de encontrar na leitura da sua poesia, das suas crónicas, dos seus romances, momentos de permanente e fundamental enriquecimento e (re)descoberta do humano.

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VALTER HUGO MÃE – “PARA VOS ENGORDAR A ESCRITA COMO CONSCIENCIALIZAÇÃO Teresa Bagão Docente de Português

A poesia e a prosa de valter hugo mãe poética e, juntamente com pornografia surgem inesperadamente ao leitor atento erudita (2007), salienta, de forma inucomo um «grito claro», não obstante a sitada, cativante e mesmo comovente, «matéria escura» de que tantas vezes se as suas relações pessoais (família, colealimenta, em relação ao qual ficar indifegas, amigos, ou menos amigos…), evirente se torna em evidente impossibilidenciando também uma contundente e dade. mordaz atenção à sociedade portugueConcentrando a sua sa contematenção na palavra (…) porânea. De poética, o escritor facto, como o inicia-se com os títu- de notas dissonantes próprio afirma los silencioso corpo num grito de loucura em pornografia de fuga (1996) e o sol de toda a matéria escura erudita: pôs-se calmo sem me «não sei se enacordar (1997), a que sufocada e contraída tre os itens do/ se refere com a con- nasce o grito claro. meu orgulho tenção frequentemente se pode contar reservada às primícias António Ramos Rosa (1960). Viagem através a escrita, este/ de uma Nebulosa. vício que me é literárias: «Uns muito antigos, que graças tão natural, de a Deus ninguém coincomodar o/ nhece» (quando lhes chegam às mãos, futuro com a minha presença». garantiu-nos que os desfaz!). PosteriorAinda em 2007, o livro de poemas brumente, publica entorno a casa sobre a no é publicado em edição única em Escabeça (1999), egon schiele auto-retrato panha (pela Littera Libros). O seu trabalde dupla encarnação (1999 – distinho poético, frequentemente indisponível guido com o Prémio de Poesia Almeida porque esgotado, está de novo ao alGarrett, da Associação de Jornalistas e cance dos leitores na antologia intitulada Homens de Letras do Porto), estou esfolclore íntimo, entretanto publicada em condido na cor amarga do fim da tarde duas editoras. No ano seguinte, é lan(2000), três minutos antes de a maré çada na feira do livro de Brasília (evento encher (2000; 2.ª edição em 2004), a em que esteve presente) a antologia cobrição das filhas (2001), útero (2003) mil e setenta e um poemas (edição da e o resto da minha alegria seguido de Thesaurus), que reúne uma selecção a remoção das almas (2003). A criaefectuada pelo próprio autor e que inção poética é, muitas vezes, entendida tegra poemas inéditos, nos quais se incomo espaço de questionamento e de cluem os “mil poemas sobre brasília”. Os reflexão que possibilita um conhecimenleitores não devem esquecer ainda os to de si e do mundo, que o eu lírico promuitos poemas dispersos que podem cura alcançar, confessando mesmo: «e ser lidos no blog <www.casadeosso. compreendo que não paro de escrever/ blogspot.com>. poemas onde existo demais». Por outro lado, a atenção que valter hugo Em 2004, valter hugo mãe estreia-se na mãe dá a inúmeros poetas portugueses prosa de ficção com o romance o nosso contemporâneos fica patente nas oito reino (publicado na colecção Lusograantologias que organizou, prefaciou e fias, da Temas & Debates), considerado cujos poemas seleccionou. pela crítica do jornal Diário de Notícias É também em 2007 que o escritor recomo o melhor romance português etoma o seu gosto por contar histórias, ditado nesse ano. De seguida, retoma a com o romance o remorso de baltazar poesia: com o livro de maldições (2006 serapião, ao qual foi atribuído o con- com chancela da sua própria editora, ceituado Prémio José Saramago 2007. a Objecto Cardíaco) optará pela prosa Em Julho de 2008, pudemos ler o ter-

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ceiro romance, o apocalipse dos trabalhadores. O autor esclarece, em várias entrevistas, que «a primeira coisa que me levou a imaginar esta história foi essa necessidade que eu senti de repudiar a xenofobia». Por outro lado, tratando-se de protagonistas femininas, duas mulheres-a-dias que desdobram o seu quotidiano em Bragança, afirma que «enterneço-me mais com a perdição das mulheres do que com a dos homens. As mulheres sobrevivem muito mais, lutam muito mais, resistem muito mais. Mas se tiverem de morrer fazem-no sem tanta hesitação. Isso fascina-me, seduz-me e enternece-me». Mais recentemente, foi dado à estampa o romance a máquina de fazer espanhóis, apresentado em Lisboa por António Lobo Antunes. Desta feita, o escritor efectua uma acutilante e perturbadora incursão no universo de um octogenário, o Senhor António Silva, que acaba de entrar num lar para a terceira idade; no romance, encontramos os «bons fascistas» (somos «filhos de alguém que, em algum momento, deixou passar o regime»), as memórias de um casal feliz, idosos institucionalizados enfrentando as mazelas físicas do envelhecimento e recriando um espaço de inesperadas amizades e inimizades. valter hugo mãe não deixa de sublinhar que, nos seus romances, «não me interessa ir ao encontro do meu quotidiano. escrevo para saber aquilo a que não tive acesso ainda. é uma consciencialização. os meus livros nunca são simples histórias lúdicas. há uma componente social, até ideológica, que se intromete no que é escrito.» O autor concebe com magistral precisão as suas personagens de ficção, presenças inesperadas no universo literário português, cujas vivências e histórias arrebatam o leitor desde a primeira página, prendendo-nos na armadilha de uma leitura que não conseguimos interromper. Será esta uma das razões que o leva a dizer que «o meu amor pelos romances é um amor que eu sinto que é extremamente correspondido». No âmbito do texto dramático, a estreia


A ALMA” OU A Exposição “o rosto de gregor samsa, naïve e nítido” (2006) “The astroboy”

efectivou-se com a peça os filhos do esfolador, inspirada no conto de Camilo Castelo Branco “O cego de Landim”. Foi encenada pelo grupo Jangada Teatro, de Lousada, e teve estreia nacional na Casa das Artes de Famalicão, com a presença da então Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, no dia 30 de Novembro de 2007. Seguiu-se a peça cratera, as crianças com segredos, encenada pelo Teatro Bruto e representada no Porto em Janeiro de 2010. Em Maio, estreou a morte dos tolos, de novo pelo Jangada Teatro. «Para o cinema, estou a ultimar o manuscrito de um filme que se chamará Bicicleta, e que será produzido pela Filmes Liberdade. É um projecto maravilhoso que abrirá ao mundo o famoso Bairro do Aleixo, no Porto, agora que está prestes a ser deitado abaixo». Na abrangente produção literária de valter hugo mãe, inclui-se ainda a literatura infanto-juvenil, a saber, o longo poema São Salvador do Mundo, ilustrado por Rui Effe, que resultou de um desafio proposto pela Delegação Regional da Cultura, e os títulos da «Colecção Abrir os Olhos – Histórias de Valter Hugo Mãe», A verdadeira história dos pássaros e A história do homem calado, com ilustrações-colagem da sua autoria, aos quais dará continuidade sob diferente chancela. O apreço do autor pela música fica patente no trabalho que tem desenvolvido como letrista de canções de alguns músicos e bandas portuguesas, como é o caso de Paulo Praça («Disco de Cabeceira»), Mundo Cão (vejam na net a faixa «Ordena que te ame») ou Governo. Num registo musical diferente, em 2002, o compositor Fernando Lapa musicou «oito poemas breves de valter hugo mãe», peça encomendada pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, que a interpretou em Serralves, no Porto. Esclarece Fernando Lapa que «esta peça tem uma ambição simples: deixar respirar os poemas breves e sugestivos do poeta. Eles são uma espécie de diário de sensações e emoções, onde o sol, a praia, o corpo ou a morte ad-

quirem uma posição central. (…) A forma geral da peça é, em consequência, muito simples. Cada poema é um lugar único». Em 2005, valter hugo mãe concebeu o libreto para a ópera de Eduardo Luís Patriarca «As Quatro Portas do Céu», ópera infantil solicitada pela Câmara Municipal de Gondomar, que conta a história das estações do ano, baseada no livro homónimo de Rosa de Lobato Faria. Para além da sua extensa, versátil e exigente produção literária, aqui apresentada necessariamente de forma sintética, valter hugo mãe tem vindo a desafiar outras formas de expressão artística, confirmando-se a sua multifacetada personalidade criativa. Na verdade, tem dado uma permanente atenção às artes plásticas, ao desenho e à música, como também se torna evidente pela leitura do blog. Nesse sentido, dá voz às suas percepções do mundo (interior e exterior) através do desenho: em Novembro-Dezembro de 2006, esteve patente a exposição «o rosto de gregor samsa, naïve e nítido», na Galeria Símbolo, no Porto. Continua em preparação uma segunda exposição sobre o tema «mulheres nuas», na livraria Centésima Página, em Braga. A ligação do autor às artes plásticas fica ainda marcada pela cuidada selecção das ilustrações das capas dos seus livros e pelos textos que tem redigido para diversos catálogos de pintores portugueses contemporâneos. Por outro lado, a paixão pela música levou-o a desafiar os seus dotes vocais, pelo que se estreou como vocalista na sessão «Facínoras» (nas «Quintas de Leitura, café-teatro do Teatro do Campo Alegre», no Porto) com textos da sua autoria. Daí, surge o projecto da formação da banda «Cabesssa Lacrau». Entretanto, pudemos ouvi-lo no projecto Governo, já com CD editado e download gratuito na net, do qual destacaria a música «Meio bicho e fogo» (encontra-se facilmente online). Ao longo dos anos, o escritor tem vindo a marcar presença em inúmeras comunidades de leitores e, se bem que a sua seja uma agenda cada vez mais preenchida, disponibiliza sempre tempo para aceder aos convites de amigos ou de instituições para muitos eventos culturais e também para ir a escolas do ensino básico e secundário, ou mesmo a colóquios em universidades, dinamizando conversas com alunos, com estudantes e com professores. Este artigo não ficaria concluído sem uma breve referência biográfica. valter hugo mãe nasceu em Saurimo (Angola), a 25 de Setembro de 1971. Poucos anos depois, os pais vêm para Portugal e é em Paços de Ferreira que decorre a sua infância. Em 1980, a família muda-se para Vila do Conde, cidade onde vive desde então, mais precisamente nas Caxinas, em convívio quotidiano com o ambiente da faina marítima, com homens e mulheres do mar. Embora se tenha licenciado em Direito, conseguiu «salvar-[se] do mundo áspero do direito», e é em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea que faz a sua pós-graduação. Esteve ligado profissionalmente ao Centro de Estudos Regianos, em Vila do Conde (1999-2001). Na área da literatura portuguesa, adquiriu uma vasta experiência como editor na Quasi Edições (1999-2004), projecto de que foi co-fundador, e na sua brevíssima Objecto Cardíaco, que o ocupou entre Fevereiro e Julho de 2007, mas «não obstante a publicidade conseguida no arranque do projecto, outras coisas se impuseram e a vontade de seguir deixou de existir. importou-me voltar a ser apenas escritor, ocupar-me com o meu ofício de escrita e assistir aos outros como leitor e já não como agente do mercado». Esta breve nota fica devidamente completa com a sua autobiografia, um dos mais belos e comoventes textos em prosa escritos pelo autor. É essa que proponho que leiam (encontra-se apenas disponível no site pessoal). Ficam aqui, então, o convite e o desafio para conhecer e continuar a seguir a pluralidade de caminhos de valter hugo mãe.

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1. poeira de água salgada arrastada pelo vento na direcção da praia; cheiro que exala da vasa do mar; por extensão, o cheiro que vem do mar; 2. barulho do mar, marulhada

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O ENCANTAMENTO DA NATUREZA Textos colectivos, elaborados na aula de Estudo Acompanhado de Língua Portuguesa, a propósito da leitura do prefácio do texto dramático À Beira do Lago dos Encantos, de Maria Alberta Meneres Era uma vez um Ele chamado Adão e uma Ela chamada Eva. Viviam num planeta distante chamado Terra. Nesse planeta conheceram o João que era um menino com um sorriso tão, mas tão belo que fazia as estrelas brilhar ainda mais. Os seres da Terra eram dotados de cinco sentidos: o tacto para acariciar, o olfacto para cheirar a Natureza, a visão para ver o arco-íris e os sorrisos das pessoas, o paladar que servia para saborear o suculento sabor dos alimentos e a audição que permitia ouvir todas as manhãs as lindas melodias que os pássaros cantavam. Nesse planeta havia muitos lugares desconhecidos e belos que nunca ninguém vira. Lá, os Invernos eram brancos e rigorosos e os Verões eram quentes e repletos de felicidade. Era um planeta onde todos tinham sonhos: sonhavam com fadas que os tranquilizavam e duendes que lhes mostravam a felicidade. Todos, sem excepção, naquele planeta amavam a Natureza incondicionalmente. Um dia, encontraram o Lago dos Encantos que era uma ilusão para todas as crianças, jovens, adultos e até para os mais velhos. Durante meses e meses olharam nessa direcção, saboreando os frutos da época. Numa transparência de luz, observavam os peixes que se confundiam com o fundo do lago imenso. As crianças falavam e brincavam com o silêncio, enquanto alguns iam banhar-se nele por proporcionar grandes momentos de prazer ou simplesmente o admiravam nas margens rodeadas por pomares onde cresciam árvores frondosas de frutos grandes e carnudos. Mas um dia toda aquela felicidade acabou, quando João trouxe do seu planeta uns objectos estranhos que permitiam às crianças comunicar à distância. Desta maneira, ocuparam as longas e monótonas tardes a jogar e enviar mensagens, isolando-se cada vez mais uns dos outros. Contudo, à medida que o seu fascínio ia aumentando, a Natureza, desprezada, perdia as suas cores, os frutos apodreciam pelo chão, as flores murchavam desalentadas, os pássaros deixaram de cantar, as águas do lago, hesitantes, pararam. Toda a Natureza

desfaleceu rapidamente. E o tempo foi-se esgotando dolorosa e lentamente até que inesperadamente, as fadas, aquelas com que as crianças tinham sonhos infantis, apareceram como que por magia: tinham visto os seres humanos e a Natureza a afastarem-se cada vez mais e, temendo que o caminho fosse irreversível, decidiram agir. Com os seus poderes fizeram desaparecer aqueles artifícios humanos que tão desgraçadamente tinham entretido as crianças durante algum tempo e estas, de repente sem nada para fazer, olharam chocadas para a Natureza à sua volta, entreolhando-se. Impotentes, choraram, deram as mãos, numa tentativa vã de procurarem ajuda. E, instintivamente, Adão, Eva e as demais crianças aproximaram-se do Lago, passearam nas suas margens secas e gretadas, acariciaram os troncos das árvores precocemente envelhecidas, cheiraram os aromas que os frutos tristemente exalavam do chão, ouviram o silêncio de ausência dos pássaros, tentaram humedecer os seus lábios ressequidos… enfim, perceberam a agonia que tomara conta do mundo à sua volta. Então, as suas lágrimas regaram o solo árido e infértil, fazendo germinar a última e escondida semente da terra; a amizade que voltara a uni-los fertilizou-a e, maravilhosamente, o chão cobriu-se de um macio e verdejante tapete. Os jovens voltaram, deste modo, a deliciar-se pelo que os rodeava, percebendo que só através da Natureza a felicidade e o equilíbrio se conseguem alcançar. Alunos do 8.º A

em busca de si mesmo, e juntos iniciaram uma viagem de descoberta: de si mesmos, dos outros e do mundo que os rodeava. Juntos, aprenderam com a fada a desfrutar as maravilhas da Natureza que os cinco sentidos lhes proporcionavam: a saborear os lírios do campo, a ouvir o belo trinar dos pássaros, a provar os deliciosos frutos das árvores, a acariciar o macio pêlo dos coelhos e a ver o colorido pôr-do-sol. E assim se reconciliaram com a Natureza. Quando a fada se apercebeu da aliança estabelecida, concedeu-lhes as asas, com elas os jovens puderam voar para além do horizonte e alcançar a plenitude. Alunos do 8.º D

Era uma vez um planeta desconhecido onde vivia uma fada sábia e dotada dos cinco sentidos. Ela harmonizava os elementos: o vento obedecia-lhe, o rio corria alegremente ao seu lado, o fogo crepitava suavemente ao som da sua voz e a terra florescia à sua passagem. Essa fada tinha uma amiga – Eva – cujo sonho era ganhar asas impalpáveis e transparentes para desvendar todos os segredos do planeta. Um dia, Eva conheceu Adão, um jovem

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SOBREVIVÊNCIA A perda de alguém arrasta consigo um vazio, e a dor trespassa todo o corpo, manifestando-se como um vento gelado que impede a simples respiração e intensifica-se à medida que a consciência assimila cada lembrança. Como que só, assolado pela solidão, instala-se então o desespero, e tudo se enquadra numa só realidade, sem fazer qualquer tipo de sentido, deixando-me nostalgicamente indiferente no meio do vazio que agora preenche tudo. Rodeiam-me seres animados, sem qualquer tipo de presença espiritual ou proximidade. A vontade de reter o esforço e pedir uma mão fustiga a minha mente com profundos golpes de humanismo, que me deixam numa alienação constante. Quantos os que têm sem desejar e vivem sem sonhar, dando com boas mãos, a meus olhos, havendo uma perfeita conciliação de intenções. Já se sente o alastrar aos outros da dor que me persegue e percorre as pedras que fazem o meu caminho. Que fome é esta que sinto? Que ansiedade por aquilo que sei que me destrói, mas que amo. A ilusão da necessidade é algo extraordinariamente complexo. Não consigo tornar-me táctil aos outros. Vejo sombras, as quais ouço gemer, e que se aproximam da loucura, afastando-se de qualquer objectivo. As evasões são constantes, o presente já não me é familiar. Há gestos que tornam uma vida repleta de dissabores, talvez a falta deles proporcione o dissabor de não viver. Neste momento apenas queria sentir a tua pele, sentir-te perto. Inesperadamente, surge o pretendido, que destrói um pouco mais da minha insignificante sobrevivência. Sente-se agora o desenrolar de uma história presente, feita de laços cruzados, aos quais apenas assemelho imagens paralelas. História de inocentes sem fome nem esperança. André Rodrigues 12.º C

IMAGENS QUE PASSAIS PELA RETINA… O tempo passa ao calor do ferro de engomar O tédio é constante E nada deixa vislumbrar Verde esperança não reside em mim Até o cabelo reflecte o desânimo A falta de movimento desalento Sustento-me do canto da ave Também preso e enclausurado Não me sinto mulher nesta vida, Em que me encontro perdida! Sara Pinto, 12.º E

Numa paleta de cores Vejo-te só no meio da multidão. Quem és tu? Pareces um ser longínquo Envolto numa girândola em movimento Dança que dança nessa imensidão De sonhos ainda em crescimento. Quem és tu? De tantas formas e tons Pensas sempre com o coração. No teu espaço não estás Envolta nessa solidão. Quem és tu? Figura em crescimento Só numa criança Não há desconhecimento. És tu que eu conheço Na memória da minha infância Boneca, companhia do eterno momento Confidente de eternos segredos.

Eduardo Viana “Revolta das bonecas”, 1916 (óleo s. tela)

Inês Ribeiro, 12.º E

Jogos mentais Olhar sereno e atento Sobre peças descontroladas Mau humor e desalento Talvez marcando passadas. Poderia ser um simples jogo Que fizesse pensar Quem sabe Desenvolver a Arte de Amar Jogo silencioso Amor cauteloso

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José de Almada Negreiros “A engomadeira”, 1933 (óleo sobre tela)

Antologia

Abel Manta “Jogo de damas”, 1927 (óleo sobre tela)


E, em ti, quais as palavras que despertam estas imagens que se fixam na retina? Desafiamos-te a escreveres um poema para a próxima edição da Preia-Mar.

quem sabe, quem sabe Um pouco manhoso Falsidade e mentira Uma relação perdida Nem sabem… porquê? Assim se passa a vida. Eduardo Oliveira, 12.º E

A escadaria da vida Subo a escadaria da vida Como se de um trampolim se tratasse Ora estou no topo Ora rodopio até cá baixo

(esq. em cima) José de Almada Negreiros, “Ao espelho”, 1928 (aguada sobre papel) (esq. em baixo) Paula Rego, “Flying children”, 1992 (gravura a água-forte a cores e aguatinta) (direita) Henrique Pousão, “Muro e escadas (III)”, 1882 (óleo sobre madeira)

A minha vida sempre foi feita do [inconstante Que muda em breves instantes Nunca sei o que posso esperar Amanhã, irei sorrir ou chorar? Mas subo e continuo a subir E sinceramente não penso em desistir Afinal, que seria da escadaria da vida Sem alguém capaz de dar início à [subida? Maria Inês Santos, 12.º E

Maria Helena Vieira da Silva “A nous la Liberté II”, 1934 (guache sobre cartão)

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preia-mar 62 altura de água entre a superfície e o fundo

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PREPARAR RUMOS DE SUCESSO Fátima Alçada

Psicóloga. Responsável pelos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) da Escola Secundária de Estarreja.

Na vida há que fazer escolhas. Algumas delas são difíceis mas fundamentais. A escolha do curso ou da profissão é decerto uma das mais importantes e dela depende o rumo da vida. Com a proximidade do final do 9.º ano, os alunos têm de traçar um caminho a seguir. Este ano de escolaridade assume-se como primeira altura em que o jovem tem realmente que decidir qual a área predominante de estudos. Exige, portanto, preparação e maturidade. Porém, o sistema educativo português confronta cedo demais os jovens com essa difícil tarefa. Não é fácil aos 14 ou 15 anos chamar a si tal responsabilidade, pelo que é natural e frequente existirem indecisões, angústias e receios. A orientação escolar e profissional é um processo educativo que tem como finalidade ajudar os jovens no processo de tomada de decisão quanto ao seu percurso escolar e profissional, permitindo o melhor conhecimento de si. Desta forma, os Serviços de Psicologia e Orientação, através dos programas de OEP, possibilitam ao jovem conhecer e compreender, entre outros aspectos, os seus valores, capacidades, interesses, metas e objectivos de vida, bem como as alternativas que o ensino e o mercado de trabalho oferecem. Neste âmbito, os alunos realizam provas de orientação vocacional, que os ajudam a esclarecer dúvidas e a tomar uma decisão mais madura e consciente. Estas provas, também denominadas de testes psicotécnicos, irão recolher dois tipos de informação essenciais: os interesses e as aptidões. Os interesses dizem respeito às áreas pelas quais o jovem demonstra maior motivação e gosto e também ao que projecta que possa vir a ser a sua realização profissional, enquanto as aptidões estão relacionadas com as suas reais capacidades nas diferentes áreas. Existem, depois, uma série factores que são analisados com o aluno, como, por exemplo, uma possível discrepância entre os interesses e as aptidões, as expectativas do aluno, os desejos mais ou menos explícitos dos pais que podem gerar ambivalências no jovem, a falta de informação relativamente aos cursos e a relação destes com o mercado de trabalho, a consciência de que é difícil

Os Serviços de Psicologia e Orientação, através dos programas de OEP, possibilitam ao jovem conhecer e compreender, entre outros aspectos, os seus valores, capacidades, interesses, metas e objectivos de vida, bem como as alternativas que o ensino e o mercado de trabalho oferecem. perceber o que gostará de fazer daqui a uns anos, entre outros aspectos. No trabalho desenvolvido é sempre solicitado o envolvimento dos pais/encarregados de educação, que terão um papel importantíssimo, escutando e dialogando com os jovens sobre os seus sonhos, fantasias e projectos para o futuro, conversando acerca de diferentes oportunidades de formação oferecidas pelo sistema educativo, estimulando/ apoiando os jovens na realização de actividades que permitam conhecer as alternativas de formação fornecidas pelo nosso sistema educativo e o mundo das profissões. É importante frisar que esta escolha pode ser determinante, contudo, não é estática e não se pretende criar um determinismo à volta da mesma. Actualmente, o sistema educativo permite que o aluno, ainda que tenha optado por um determinado curso/área de estudos, possa mudar de projecto ao longo do ensino secundário e candidatar-se a um curso superior inicialmente não previsto e não directamente relacionado com a formação concretizada. Para isso, basta realizar exames que, muitas vezes, não estão contemplados no seu currículo. Assim, na perspectiva do prosseguimento de estudos, o sistema actual prevê, sempre, a oportunidade de mudança. Mas, atenção! Será sempre um processo remediativo com os prejuízos que lhe são inerentes, designadamente uma (possível) preparação deficitária para efeitos de realização dos exames

de ingresso. Os alunos do ensino secundário, mais especificamente os do 12.º ano que pretendam prosseguir estudos, vêem-se, de novo, confrontados com a necessidade de preparar a escolha do curso. Se no 9.º ano essa opção compreendia uma área de estudo, sendo mais gene-ralista, agora já é específica e reveladora daquilo que será o futuro profissional do jovem. Para além das dificuldades inerentes ao processo de decisão que já foram apontadas, aqui são acrescentadas dúvidas de outro tipo, relacionadas com as médias e requisitos de entrada nas universidades. Com o intuito de esclarecer essas questões e de alertar para os passos a dar nesta tomada de decisão, os Serviços de Psicologia e Orientação realizam sessões de esclarecimento a todos os alunos do 12.º ano. É fundamental que os alunos conheçam os cursos, as condições de ingresso e as universidades em que são leccionados. O site <www.dges.mctes.pt> permite, facilmente, aceder à informação necessária e os jovens podem partilhá-la com a família. Assim, é possível conhecer a alternativas de prosseguimento de estudos para além do ensino secundário, isto é, os Cursos de Especialização Tecnológica (CET) e cursos do ensino superior público e privado. Sobre cada curso, é fundamental conhecer os planos curriculares,os programas das disciplinas e as saídas profissionais. Nem sempre o nome do curso diz tudo.

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No trabalho desenvolvido é sempre solicitado o envolvimento dos pais/ encarregados de educação, que terão um papel importantíssimo, escutando e dialogando com os jovens sobre os seus sonhos, fantasias e projectos para o futuro

É igualmente importante conhecer quais as opções a que, em função dos exames a realizar, se pode concorrer. Muito enriquecedor será falar com pessoas que estejam ou tenham frequentado esses cursos. Não menos importante será obter informação sobre a universidade, alojamento, cantinas, transportes. A questão das saídas profissionais é outro dos aspectos preocupantes e a ter em conta, pelo que será útil contactar pessoas que estejam nessa área profissional e que possam explicar as possibilidades de trabalho para esses cursos, sejam os pais, amigos, técnicos ou pessoas conhecidas. Para além do que ficou referido, não esquecer algumas dicas fundamentais: descobrir novos cursos; ter várias hipóteses em aberto (ter presente que as classificações podem não ser suficientes para entrar no curso desejado); fazer uma lista dos cursos e universidades e ordenar as opções por preferência. E, para finalizar, percebam que este é um tipo de trabalho que requer tempo, o tempo necessário para amadurecer as escolhas. A obtenção do sucesso num determinado curso requer que exista, para além de um investimento intelectual, um investimento afectivo e emocional que funcione como “alavanca” no desejo de aprender. As “paixões” pelas áreas de estudo são fundamentais e marcam a diferença pela positiva, tanto no que diz respeito ao percurso escolar como em relação às carreiras profissionais. Não esqueçam que gostar do que se faz é a “chave” para o êxito que, por sua vez, conduz à concretização de carreiras de sucesso. Será, ainda, fundamental ter sempre presente os cinco princípios da construção da carreira (de acordo com o “Sistema integrado e sequencial de competências para a construção da carreira (vida/trabalho)” – Canadá, 2005 – www.blueprint4life.ca): . Conhece-te e acredita em ti; . Foca-te na viagem e não no destino; . Não estás sozinho. Identifica os teus aliados; . A mudança é constante e traz consigo novas oportunidades; . Aprender é para toda a vida e aprende-se ao longo da vida.

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lot

1. local onde se processa a primeira venda do pescado fresco; 2. no Furadouro: conjunto de rapichĂŠis de peixe que, tirado do saco da rede, era espalhado na areia, em forma circular


UMA ESCOLA PARA TODOS Graciete Oliveira

Docente de Biologia e Geologia

Em Agosto de 1996, presidido por Rui Vidal, o então Conselho Directivo da Escola Secundária de Estarreja, percebendo a necessidade de diversificar as ofertas formativas, especialmente, para alunos que, em turmas de ensino básico regular, manifestavam desmotivação e desinteresse, potenciadores de abandono escolar mas que, por outro lado, facilmente se interessavam por áreas mais práticas em que o “saber fazer” fosse o motor da aprendizagem, decidiu integrar o diminuto grupo de escolas que avançou para a criação de turmas de “9.º+1”. Em tempo recorde e quando a maioria dos professores já se encontrava em férias, reuniu uma equipa disposta a organizar uma candidatura pedagógica inovadora, partindo, apenas, de um esboço de desenho curricular mas conseguindo, desde logo, envolver quer o tecido empresarial da região quer outras instituições formativas já com alguma experiência neste campo, como foi, por exemplo, o IEFP. Durante alguns anos, a escola formou Electricistas de Instalações e Serralheiros Mecânicos que, na generalidade dos casos, encontravam emprego nas instituições que os acolhiam durante os estágios. Muitos foram, então, os eventos em que estes alunos participaram, tendo a oportunidade de mostrar os seus trabalhos. Recordemos, apenas a título de exemplo, a “I Feira Internacional de Educação e Formação”, que decorreu em Lisboa, em 1997 e o Fórum “Escola, Diversidade e Currículo”, em 1998, no Europarque Santa Maria da Feira, onde para além da exposição dos trabalhos de alunos dos Cursos de natureza profissionalizante, que mereceram sempre entusiásticos elogios por parte dos responsáveis da tutela e dos empresários presentes, apresentámos uma comunicação sobre a experiência que, neste âmbito, já havíamos acumulado e que motivou outras escolas a desenvolverem cursos semelhantes. Entretanto, outras ofertas formativas começaram a ser-nos propostas. Continuando a ESE a apostar, fortemente, na diversificação formativa, que

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A formação profissional obriga a que áreas do domínio sociocultural tenham uma predominância tão acentuada como as dos domínios técnico-científicos. A Escola tem, por isso, responsabilidades acrescidas quando o seu principal objectivo é dar a melhor resposta educativa a TODOS. desse resposta à diversidade de interesses e necessidades de uma população cada vez mais heterogénea, cursos destinados a alunos entre os 15 e os 18 anos, que manifestavam dificuldade em concluir o ensino básico e em risco de abandono escolar, começaram a ser desenhados por equipas que, sempre que possível, integravam professores do quadro da escola que garantiam a continuidade pedagógica e potenciavam o trabalho transdisciplinar. As equipas dos Órgãos de Gestão desta Escola foram, entretanto, mudando. No entanto, a aposta na diversidade de oferta formativa continuava a ser a opção que se mostrava mais adequada e conducente à concretização das linhas gerais do Projecto Educativo da ESE. Surgiram, por isso, novas ofertas: os Cursos Profissionalizantes de Acompanhantes de Crianças, de Electromecânica, de Mecânica Auto, de Electricidade e Electrotecnia, etc. Estes eram cursos de curta duração, destinados a alunos que, tendo completado o ensino básico, pretendiam aprender uma profissão que lhes facilitasse a entrada qualificada no mundo do trabalho. Estes cursos, onde o sucesso educativo era evidente, geriam-se por regras bem definidas, que alunos, encarregados de educação e equipas educativas cumpriam com rigor. Era, afinal, o incontestável cumprimento dos Contratos de Formação e o intenso trabalho, sempre que possível transdisciplinar, realizado por equipas pedagógicas estáveis e preocupadas em conciliar as necessidades dos alunos e das empresas, que garantia a credibilidade da formação aqui ministrada, junto das entidades empregadoras. Os vários protocolos de cooperação,

então estabelecidos com estas entidades, obrigavam a Escola a realizar um trabalho estruturado e de qualidade e aproximavam as empresas que, assim, reconheciam as competências desenvolvidas e, por isso, com facilidade, aceitavam os estágios profissionais e, muitas vezes, garantiam emprego imediato aos recém-formados. A Escola teve, também, a possibilidade de estabelecer parcerias com entidades culturais da região, como o ACTO e o BCN, que muito contribuíram para a formação em áreas específicas para as quais a Escola não possuía formadores. Foi fruto destas parcerias que trabalhos como 00:13:13 (uma pequena peça de teatro sobre a problemática da SIDA e da discriminação), bem como o Jogo Educativo “SIDA”, foram premiados pela Direcção Regional de Saúde de Aveiro, em 2006, tendo sido várias vezes apresentados, quer na Escola quer em várias localidades do Distrito. A formação diversificada, ajustada, por um lado, às necessidades dos alunos mas garantindo, por outro lado, à qualidade que o tecido empresarial exigia, foi sempre a aposta da Escola Secundária de Estarreja. A formação profissional obriga a que áreas do domínio sociocultural tenham uma predominância tão acentuada como as dos domínios técnico-científicos. A Escola tem, por isso, responsabilidades acrescidas quando o seu principal objectivo é dar a melhor resposta educativa a TODOS.


Isabel Santos

Profissional RVC no Centro de Novas Oportunidades do Antuã

O processo RVCC - NS pressupõe que um candidato possua capacidade reflexiva, analisando todas as aprendizagens adquiridas ao longo da sua vida; segundo as palavras do nosso candidato, é necessário ter “Espírito aberto”. Com este artigo, pretende-se demonstrar como se desenrola um processo de Reconhecimento Validação e Certificação de Competências - Nível Secundário (RVCC- NS). Ao percorrer cada uma das diferentes fases iremos recorrer ao testemunho do candidato António Santos, que concluiu o seu processo recentemente. Este processo visa o reconhecimento das competências adquiridas ao longo da vida em diferentes contextos: formal, não formal e informal. Para que um candidato possa ingressar neste percurso, terá que preencher determinados requisitos: possuir o 9.º ano de escolaridade, ter mais de 23 anos ou, no caso de ter mais de 18 anos e menos 23 anos, deve ter 3 anos de experiência profissional comprovada através de descontos para a Segurança Social. Deverá possuir conhecimentos de informática. É fundamental que apresente um percurso de vida rico para permitir a demonstração das suas competências. António Santos referiu que se inscreveu no Centro de Novas Oportunidades do Antuã, pois para ele o facto de não possuir um curso superior torna-se numa lacuna a nível profissional; entende que, tendo em conta o tempo que demoraria, seria extremamente difícil terminar o 12.º ano pelos moldes tradicionais O processo RVCC - NS pressupõe que um candidato possua capacidade reflexiva, analisando todas as aprendizagens adquiridas ao longo da sua vida, segundo as palavras do nosso candidato é necessário ter “Espírito aberto”. António Santos pensava que este processo era mais rápido e mais fácil, acrescenta que não é um processo tão simples quanto parece, é exigente con-

trariamente ao que veicula na opinião pública. Achou-o externamente benéfico, uma vez que através dos trabalhos solicitados conseguiu rever o passado. Explicou que a pessoa se vai reencontrando e que por vezes não tem noção do que já foi construindo ao longo da sua vida; assim, este processo permite perceber e quantificar as competências que se alcançaram. As áreas de competência deste processo são: “Cidadania e Profissionalidade” (área transversal), “Sociedade, Tecnologia e Ciência” e “Cultura, Língua e Comunicação”, que são intituladas de áreas Gémeas. Estas áreas de competência dividem-se em Núcleos Geradores, sendo cada um deles analisado em diferentes contextos (privado, profissional, institucional e global), que, progressivamente, vão alargando o seu domínio de actuação. Do cruzamento entre os vários núcleos geradores e os contextos surgem os diferentes temas que compõem cada área de competência, que poderão ser trabalhados pelo candidato de forma a evidenciar as suas competências. A realização do processo é feita inicialmente através de sessões colectivas em que são explicitadas as directrizes do processo, bem como os trabalhos a realizar. Assim que o candidato começa a apresentar trabalhos, e tendo em conta que cada um apresenta um perfil único, passa a ser acompanhado individualmente. Esse acompanhamento é feito por um profissional de Reconhecimento e Validação de Competências (RVC) e pelos formadores que irão certificar as competências. António Santos refere que, ao iniciar o processo RVCC, tentou rentabilizar o

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RVCC - NÍVEL SECUNDÁRIO: UM OLHAR SOBRE UM PERCURSO

tempo. Recomendaria aos candidatos a realização de um trabalho que espelhe o seu conhecimento e a sua experiência nas várias áreas da sua vida. No seu caso, abordou o contexto profissional, mas refere que também poderia falar da sua experiência associativa, assim como alguns candidatos também o poderão fazer, caso possuam essa experiência. Considera que o facto de ter um profissional que orienta os trabalhos ajuda a direccionar para o caminho certo e a estabelecer objectivos e metas. Para a certificação do 12.º ano, é necessário demonstrar competências numa língua estrangeira, tanto a nível escrito como a nível oral; para António Santos, este foi o trabalho mais difícil, uma vez que é a área onde se pratica menos e por essa razão sentiu que não esteve ao mesmo nível dos outros trabalhos realizados. Quando o candidato tiver demonstrado todas as suas competências e desenvolvido o seu Portefólio Reflexivo de Aprendizagens (PRA), será submetido a um júri de certificação, onde apresentará uma súmula do trabalho que desenvolveu ao longo deste processo. António Santos refere que, apesar de estar habilitado e ter experiência na realização de comunicações, os dois primeiros minutos da sua prestação foram os mais difíceis, mas passado esse tempo acabou por conseguir fazer uma boa apresentação, tendo contribuído para tal a exigência dos trabalhos e o facto de saber que só seria sujeito a júri quando estivesse preparado. No final do júri, o candidato poderá vir a ter o reconhecimento social das suas competências convertidas ao nível do 12.º ano de escolaridade. Ao ter conhecimento de que estava certificado a este nível, António Santos confessa que sentiu uma grande satisfação, uma vez que foi a concretização de mais uma etapa rumo aos seus projectos futuros. Após a conclusão deste processo, os candidatos manifestam interesse em continuar os seus estudos, quer através de ingresso em cursos de formação profissional, como em cursos de especialização tecnológica (CET) ou no ensino superior. O candidato em apreço pre-

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tende ingressar na faculdade, muito provavelmente na área da Gestão Florestal, uma vez que é a área profissional que desenvolve. Ao ser convidado a fazer uma retrospectiva do todo o processo, contou que sentiu dificuldades em falar na primeira pessoa. A falta de tempo foi a sua principal condicionante, uma vez que é um processo que requer disponibilidade para corresponder às exigências dos trabalhos solicitados. Diz também que, se não fosse o RVCC, não teria publicado o livro Verdes são os Campos, que contém uma recolha de textos/comunicações que realizou e que, propositadamente para o processo, contextualizou na actualidade. Para além de considerar este processo extremamente enriquecedor, este possibilita a realização de uma retrospectiva do percurso de vida. Considera que o facto de ter um bom arquivo pessoal facilitou a realização do processo, pois 90% do material, do qual mostrou evidências, era material que tinha, e foi recuperar o restante. Assim, aconselha que a primeira etapa de um candidato é tentar juntar “as peças” para depois ver o caminho em que vai desenvolver o seu processo. Defende que “Saber é poder”, deixando uma mensagem para aqueles que estão/ irão certificar as suas competências, dizendo que não se deve estagnar, sendo este processo uma oportunidade para completarem o 12.º ano, permitindo a preparação para os desafios que surgem a nível pessoal e profissional, levando a que a pessoa seja mais exigente consigo mesma.

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Defende que “Saber é poder” (...), sendo este processo uma oportunidade para completarem o 12.º ano, permitindo a preparação para os desafios que surgem a nível pessoal e profissional, levando a que a pessoa seja mais exigente consigo mesma.


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deixar-se levar pela corrente ou vento


CLUBE DA PROTECÇÃO CIVIL Rosário Santos

Docente de Economia e Contabilidade. É coordenadora do Projecto “Clube da Protecção Civil”.

O Clube da Protecção Civil inscreve-se no programa de sensibilização pública do SNBPC (Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil), tendo sido criado em colaboração com várias entidades, designadamente a Câmara Municipal de Estarreja, Corporação de Bombeiros Voluntários de Estarreja, Guarda Nacional Republicana, CDOS de Aveiro (Comando Distrital de Operações de Socorro), PACOPAR e Centro de Saúde de Estarreja, tomando como prioritária a educação para a Segurança e prevenção de riscos como elemento fundamental na construção de uma cultura de segurança, ao desenvolver competências no âmbito da mudança de comportamentos e interiorização de conceitos que possibilitem aos jovens a adopção de atitudes de auto e heteroprotecção. Os objectivos e missão do Clube enquadram-se não só nos pressupostos legais em vigor, como no Projecto do Clube, numa perspectiva de prossecução de um trabalho de qualidade e rigor, em prol da segurança e protecção de toda a comunidade. Missão: Todos por uma Cultura de Segurança e muitos por uma Escola cada vez mais ao serviço de e para todos. O processo de desenvolvimento pessoal e de aprendizagem é sempre interactivo, daí que o projecto deste Clube esteja a possibilitar a construção de uma nova prática educativa que tem procurado construir novos saberes, fazendo apelo às seguintes dinâmicas: à participação dos jovens numa metodologia participativa com entusiasmo e disponibilidade; à criatividade; ao sentido de responsabilidade; à capacidade de trabalho em grupo; a um espírito de “aventura”, de enfrentar riscos mas em segurança; à flexibilidade; à interdisciplinaridade; à pluridimensionalidade dos problemas; à dinâmica teoria-prática; à capacidade de pesquisar, etc. Palestras, exposições, mostra de meios

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e acções de sensibilização foram algumas das iniciativas que decorreram na III Semana da Protecção Civil – Estarreja, de 23 a 26 de Março de 2010. Todas estas iniciativas se desenrolaram com a participação activa dos alunos pertencentes não só ao Clube da Protecção Civil da Escola Secundária de Estarreja (8.º X, 8.º Y e 11.º L), bem como de outras turmas da mesma escola que, em colaboração com os representantes das entidades envolvidas, assumiram o papel de verdadeiros agentes promotores das normas de segurança que devem pautar a conduta dos cidadãos. Na sequência de várias actividades desenvolvidas no seio deste clube, foram elaborados autocolantes, separadores para livros e folhetos, que os alunos ofereceram a todos os presentes no dia da sessão de abertura da III da Semana da Protecção Civil. É neste contexto que se insere o Clube da Protecção Civil, espaço dinâmico de construção de saberes, com novas responsabilidades sociais, onde os alunos podem compreender o significado, os efeitos e as vantagens de uma cultura de segurança nas suas histórias de vida.


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EMPREENDEDORISMO NA ESE, PROJECTO DE FUTURO! Rosário Santos e Marília Teixeira

Docentes de Economia e Contabilidade, responsáveis pelo Núcleo de Empreendedorismo da escola.

No âmbito da III Semana da Juventude e Formação Profissional, decorreu na tarde do dia 25 de Março, no Polivalente da Escola Secundária de Estarreja, um workshop temático subordinado ao tema “Empreendedorismo”, dinamizado pelo Dr. Frederico Dinis. A palestra foi importante e esclarecedora e veio ao encontro das expectativas dos alunos e professores acompanhantes em saber algo mais sobre o tema. Transformar um conceito inovador num projecto empresarial de sucesso foi o mote dado: uma boa ideia, que ainda poucos exploraram, pode ser um ingrediente de peso para construir um negócio de sucesso. Foi, inquestionavelmente, uma palestra bem conseguida, com objectivos bem definidos e muito bem apresentada, que mereceu rasgados elogios de todos os presentes. O debate final foi revelador da receptividade dos alunos, patente na pertinência das questões colocadas. A repetir! Assim, a promoção do espírito empreendedor nos alunos afigura-se como indispensável na educação dos nossos jovens, contribuindo, de forma inequívoca, para a valorização de uma nova cultura de inovação no âmbito de projectos e iniciativas, que integrem valores em torno das dimensões da ética, da cidadania e da responsabilidade social, com vista a fomentar as transformações necessárias para atingir uma sociedade mais justa para todos. Tornar-se empreendedor é, realmente, o desafio de ser responsável pelo próprio futuro e pelo futuro da comunidade em que se vive. Nota: Para estas e outras informações, sugere-se a consulta do sítio <http//:eusouempreendedor.wordpress.com>

Dr. Frederico Dinis em pleno uso da palavra

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TEMPO DE DAR VOZ À POESIA Ilda Regalado

Docente. Autora-Coordenadora do concurso.

Teresa Bagão Docente de Português

“São como um cristal, as palavras. (…) Quem as escuta? Quem as recolhe, assim cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?” Eugénio de Andrade

Em 1996, decidimos ir à procura dessas palavras de «cristal», propondo a quem as mantém vivas nas «suas conchas puras» que as recolhesse das folhas de cadernos, talvez guardadas numa gaveta ou nas pastas da escola. Que não ficassem esquecidas... A ideia surgiu e as instituições solicitadas apoiaram-na. Assim se deu forma ao concurso literário Dar Voz à Poesia, a partir da ideia original de Ilda Regalado, docente na Escola Secundária Júlio Dinis, em Ovar. O concurso imediatamente se tornou parte integrante das actividades anualmente dinamizadas pela Câmara Municipal de Ovar (Divisão da Cultura, Biblioteca e Património Histórico), tendo sempre contado com o apoio incondicional desta instituição. Também a colaboração da Escola Secundária de Estarreja tem sido permanente. O concurso literário Dar Voz à Poesia destina-se a seleccionar, premiar e divulgar textos poéticos originais da autoria de elementos directamente vinculados a escolas do 1.º ano ao 12.º ano e a instituições de ensino superior, deste modo abrangendo alunos, estudantes universitários, docentes, pessoal auxiliar e administrativo, membros das Associações de Pais/ Encarregados de Educação. A promoção do livro, da leitura e da escrita reflecte-se no teor dos prémios, sempre constituídos por livros. O júri para selecção dos melhores trabalhos é composto por docentes representantes dos vários níveis de ensino, contando ainda com a colaboração de seis professores universitários; actualmente inclui também um poeta como convidado especial. Com o passar dos anos, sentiu-se a necessidade de introduzir alterações ao regulamento, devido à intenção de contemplar um maior e mais diversificado número de concorrentes, alargando-se a participação a um nível internacional (cidadãos de países de Língua Oficial Portuguesa e emigrantes de nacionalidade portuguesa). Entretanto, procurou-se intensificar a valorização do ensino e da aprendizagem da Língua Portuguesa no mundo, ao integrar como participantes estes estudantes da nossa língua. O mérito deste concurso tem-se revelado de edição para edição, através do envolvimento das comunidades escolares nesta actividade artística e lúdica, bem como da motivação para a prática da escrita expressiva e criativa. Outros objectivos inerentes são a promoção do gosto pela leitura e pelos livros, o incentivo ao aparecimento de novos valores no campo da poesia, dando-se a conhecer a produção poética dos elementos das comunidades escolares. Além disso, é uma actividade que permite perspectivar a produção do texto poético como actividade acessível a todos, passível de ser reconhecida e valorizada. Anualmente, a cerimónia de entrega dos prémios transforma-se num momento fundamental de (re)encontro com muitos pequenos e grandes autores. Por iniciativa da autora-coordenadora, o concurso chegou, entretanto, ao conhecimento do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura, que imediatamente reiteraram o mérito da iniciativa, passando a apoiá-la institucionalmente.

A promoção do livro, da leitura e da escrita reflecte-se no teor dos prémios, sempre constituídos por livros.

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A Câmara Municipal de Ovar edita trienalmente a colectânea Dar Voz à Poesia, que, até ao momento, já reuniu em quatro volumes os melhores trabalhos a concurso ao longo de doze edições. As ilustrações de cada volume são da autoria de conceituados artistas plásticos e ilustradores ovarenses: Emerenciano, João Caetano, Sara Alves e Rui Paes. A professora Ilda Regalado pressente que, «na magia da palavra à deriva, sombra de uma sombra, o poeta escuta o silêncio, viaja num tempo sem tempo, e como num sonho de um sonho a sua fabulação criativa é a alquimia capaz de ordenar o caos misterioso da sua imaginação, de catapultar para a luz fragmentos dispersos de emoções mais ou menos difusas, que a mente, tal como as marés, ora traz à praia, ora arrasta consigo…» Desde 1996, temos o privilégio de divulgar e de partilhar a magia dessas palavras que viajam até nós.


Actividade de voluntariado na Biblioteca Sonora do Porto, desenvolvida no âmbito da disciplina de Português (12.º ano, Turma E) Teria lugar na pausa lectiva da Páscoa. Por ser perto, podíamos ir de comboio, conviver, conversar, andar um bocadinho a pé. Além disso, era barato. A nossa voz seria o bem mais precioso e… sem preço. Objectivos da actividade? Muitos! Valorizar a importância do voluntariado; promover o espírito de solidariedade, a autonomia e a responsabilidade, contribuindo para o fundo documental do catálogo da Biblioteca Sonora (BS) do Porto; conhecer os serviços da BS e as necessidades dos deficientes visuais, na área do audiolivro; contribuir para a integração da pessoa com deficiência ou com outro tipo de incapacidade; incentivar futuras candidaturas para voluntariado na BS ou em outras instituições; desenvolver e aperfeiçoar a competência de leitura em voz alta e os elementos prosódicos envolvidos (ortoépia, dicção, fluência, ritmo, expressividade); enriquecer o conhecimento de textos de escritores portugueses/lusófonos contemporâneos. E todos estes objectivos se cumpriram. Alunas voluntárias? Inês Brás Ribeiro, Maria Inês Mateus Petiz dos Santos, Flávia Alexandra Martins Alves, Hilda Cristina Centeno Gusman, Sara Raquel Mendes Pinto. Turma E, 12.º ano, Curso de Humanidades. Professora responsável, Teresa Bagão. Esta experiência, muito enriquecedora, excedeu as expectativas que tinha em participar e em conhecer a Biblioteca Sonora. Chegando lá, as pessoas responsáveis receberam-nos com uma enorme simpatia. Depois de conhecermos o local onde trabalham, quais os públicos que procuram este serviço e que objectivos esta Biblioteca cumpre, fiquei ainda com mais entusiasmo em participar neste grandioso centro de gravação, que serve todas as pessoas que infelizmente não podem ler. De seguida, deram-nos a conhecer onde iríamos gravar e quais os segredos para uma boa gravação (calma, ler pausadamente, parar sempre que necessário). Eu fui a primeira aluna a ler, gravando uma parte do livro O Rapaz de Bronze. Ia bastante nervosa, com medo de falhar e de dar muito trabalho aos téc-

nicos que trabalharam connosco, pois, sempre que nos enganávamos, eles tinham de se dirigir ao computador e voltar atrás com a gravação, definindo o melhor ponto onde reiniciar a leitura. No final da minha parte, senti-me realizada, tinha cumprido a minha missão, sentia uma grande felicidade, porque sabia que alguém, por meio de uma gravação, iria ouvir-me e eu estava a contribuir para que essa pessoa ouvisse a história. Por ter gostado tanto da primeira experiência, queria repetir no dia seguinte, sendo o livro proposto O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago, para ler e gravar. No dia seguinte, quando chegámos à BS, fui logo para a cabine. Adorei mesmo!, tinha gostado mais do que na primeira vez, por ler um livro inteirinho, o que fez com que me envolvesse mais no processo de gravação; sentia a calma e a alegria que a história me tinha transmitido. Recordo esta actividade com alegria. Fico com vontade de lá voltar e de dar um pouco mais de mim, da minha voz, a outros. Espero que mais pessoas se voluntariem, pois é uma experiência única na vida. Flávia Alves Nestas férias da Páscoa, participei numa experiência que me levou até ao mundo dos sons, completamente nova e ao mesmo tempo enriquecedora. Tudo começou ainda em tempo de aulas, quando a professora de Português, Teresa Bagão, propôs à turma que dispensássemos apenas dois dias das nossas férias para nos deslocarmos ao Porto. A actividade tinha como objectivo gravarmos as nossas vozes com a leitura de alguns contos, na Biblioteca Sonora do Porto, para que, mais tarde, pudessem ser ouvidos por pessoas invisuais ou com outro tipo de incapacitação. Inicialmente, não me senti muito interessada, dado que tinha consciência de que não gostava de ouvir a minha voz. Todavia, após ter falado com os meus pais, estes mostraram-me o quanto poderia ser inovador e motivador para novas iniciativas de voluntariado. O conto que tive de preparar foi o primeiro de A Árvore, de Sophia de Mello Brey-

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“CIDADÃOS PRATICANTES”

ner Andresen. Antes de as gravações começarem, as pessoas responsáveis tiveram o cuidado de nos explicar como tudo funcionava, como por exemplo, o botão onde podíamos carregar quando nos enganássemos. Quando chegou a minha vez, sentia-me um pouco nervosa mas, ao mesmo tempo, ansiosa por entrar na cabine e falar para um microfone. Já ouvira todo o tipo de comentários das minhas colegas que tinham gravado, tais como: “correu bem”, “é horrível”, “estou cheia de calor”. No entanto, tentei abstrair-me de tudo e concentrar-me apenas na minha leitura. No final, senti-me contente por ter superado um desafio e por não ter desgostado tanto de ouvir a minha voz. No segundo dia, a nossa ida foi da parte da tarde, houve a oportunidade de podermos ler um segundo conto, o que não estava programado, visto que as nossas expectativas apontavam para uma leitura mais demorada e, por isso, que um só conto ocupasse os dois dias. Mas, de bom grado e entusiasmadas, lemos uma segunda vez um excerto maior, o que requereu uma maior concentração da nossa parte, dado que o tempo na cabine seria mais prolongado. A Lenda do Santo Bebedor foi o texto do qual tive de ler os três primeiros capítulos. A introdução ficou a cargo da professora, dado que apresentava muitas palavras em alemão. Entretanto, tivemos oportunidade de vislumbrar o registo da sua voz, muito pausado e a um volume muito suave que se mantinha praticamente sempre ao mesmo nível, sem grandes oscilações. Isto, ao contrário de nós, que nos mantínhamos quase sempre nos níveis de volume mais elevados. Tenho ainda a acrescentar que fomos muito bem acolhidas e recebidas, por responsáveis muito simpáticos, disponíveis a todo o momento e sempre prontos a ajudar. Travámos, também, conhecimento com profissionais já com longos anos de experiência de gravação e que nos falaram um pouco das suas vivências. Desta actividade, só consigo retirar momentos positivos e também divertidos, para mais tarde recordar. Sara Pinto

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CONSTRUIR UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE João Alegria

Vereador da Educação da Câmara Municipal de Estarreja.

Ao começar estas linhas para a Preia-Mar quero, em primeiro lugar, dar os parabéns a toda a equipa responsável pelo Projecto. Criar e manter uma Revista que quer ser o espelho da vida de uma comunidade, heterogénea e cada vez mais alargada, é sempre um grande desafio que gera responsabilidade. A convicção e a vontade com que o corpo editorial me apresentou o Projecto são garantias que tal desafio é para continuar. Naturalmente, que todos nós, dentro e fora da Escola, temos a obrigação de colaborar, reforçando o espírito de equipa e de partilha, sobretudo de coisas boas que existem à nossa volta. A Escola Secundária de Estarreja é hoje uma das maiores Instituições do nosso Concelho, com um papel único na vida de tanta gente, sobretudo das gerações mais novas, ajudando na preparação do seu futuro. Tamanha responsabilidade que deve, ainda que em diferentes níveis, ser assumida por todos. O grau de envolvimento com o meio onde está inserida tem tido um desenvolvimento sustentado, o que permite trabalhar para objectivos comuns, de ter uma Escola sempre melhor, que forma cidadãos com mais e melhores competências, que os ajudem a construir percursos de vida que lhes garantam a realização pessoal e profissional. A Câmara Municipal de Estarreja tem-se envolvido nesse esforço, participando, desde logo, nos órgãos de administração e gestão, onde está representada no Conselho Geral. Ao mesmo tempo colabora e estreita parcerias na prossecução de melhores respostas à comunidade escolar e educativa. A oferta educativa, hoje mais atenta às necessidades do mercado de trabalho - desde os cursos profissionais aos cursos de especialização tecnológica (CET) -, é um dos aspectos estratégicos para uma melhor educação, que é para o Município um factor fundamental no desenvolvimento do Concelho. A Autarquia tem vindo a promover e a desenvolver um programa municipal de educação, dinamizando um conjunto de actividades de complemento curricular em diversas áreas e para diferentes destinatários. Ao nível da educação pré-escolar, a Au-

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tarquia tem em acção, desde há vários anos, a componente de apoio à família, que se traduz no prolongamento de horários e no fornecimento das refeições às crianças. No 1.º Ciclo há também um vasto programa que, articuladamente com a componente curricular, é proposto às Escolas e assumido por estas: Actividades de Enriquecimento Curricular (ensino do Inglês, da Música, da Actividade Física e Desportiva e Art&Ciência); Programa Escola d´Artes (Música, Teatro e Dança); Educação Ambiental (reciclagem, compostagem, protecção da floresta, ….); Educação para a Ciência, etc. Para os outros ciclos, a Câmara Municipal em parceria com as Escolas concretiza também um conjunto de projectos, dos quais se destacam: - a Feira da Juventude e da Formação Profissional, em parceria com a Escola Secundária de Estarreja e que já vai na sua 3.ª edição consecutiva; - o Programa de Respostas Integradas, envolvendo todas as escolas, trabalhando a prevenção das toxicodependências e a assumpção de comportamentos de vida saudável; - a Semana da Cultura Científica, que tem como referência a figura do Professor Doutor Egas Moniz, Prémio Nobel da

Medicina em 1949, natural da Freguesia de Avanca; - a Rede de Bibliotecas do Município de Estarreja, envolvendo a Biblioteca Municipal e as Bibliotecas Escolares, que desenvolvem actividades e disponibiliza um Catálogo Colectivo; - a parceria com os Clubes das Escolas: Eco-Escolas, Floresta, Protecção Civil e Empreendedorismo. Para além destas actividades partilhadas e com o objectivo de termos uma Educação de qualidade e com melhores resultados, vemos o envolvimento das Escolas – concretamente da Escola Secundária – em parcerias formais, visando construir uma melhor qualidade de vida na nossa terra. A participação em fóruns de acção alargados como sejam a Rede Social de Estarreja, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, o PACOPAR (Painel Consultivo Comunitário do Programa de Actuação Responsável) demonstram que a responsabilidade social é activamente assumida. A partilha dos recursos e das vontades tem sido uma boa prática cada vez mais utilizada. É disso exemplo o acolhimento de estudantes em estágios curriculares dos cursos profissionais e pós-secundário. A parceria com o Cen-


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tro de Novas Oportunidades, juntamente com outras entidades, reflecte o trabalho conjunto para a melhoria das qualificações escolares e profissionais. O Município de Estarreja dispõe de um conjunto de equipamentos que estão ao serviço da comunidade e que são crescentemente usufruídos pelas pessoas. O Cine-Teatro de Estarreja, reaberto em 2004, é hoje uma marca de qualidade na oferta cultural da região. A Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca, e a Casa-Museu Solheiro Madureira (junto à Escola Secundária) são dois bons exemplos de belos, valiosos e diversificados espólios de arte crescentemente visitados. A Biblioteca Municipal de Estarreja é um espaço muito agradável da fruição do conhecimento e da cultura. O Projecto BIORIA - agora com o Centro de Interpretação Ambiental em Salreu -é o exemplo do rico património natural, reabilitando a ligação entre o homem e a Natureza, de que dá gosto usufruir e que, nomeadamente, as Escolas vão incorporando nas suas actividades. É nesta colaboração estreita, partilhando valores comuns e transmitindo conhecimentos que se ganham competências e se formam melhores cidadãos. Assim, cumprimos a nossa missão.

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preia-mar 76 marca que os pĂŠs deixam no solo ao pisar; sinal, vestĂ­gio, pista

pegadas na arei


JAIME VILAR António Augusto Silva

Investigador de História local e regional

Jaime Vilar não chegou a ser Professor do Ensino Secundário Público em Estarreja. No entanto todo o seu trajecto no antigo Colégio Egas Moniz faz dele figura incontornável quando se fala de Ensino em Estarreja no século XX. Natural da Freguesia do Bunheiro, saiu da Escola Primária aos 9 anos com destino aos Seminários da Congregação do Espírito Santo, fazendo jus à fama da sua terra Natal ser “mãe” de muitos padres. Aos 15 anos completa o 5.º ano e é enviado pela Ordem para a nova casa de Vila Nova de Ourém, para fazer tempo até ter idade para entrar no noviciado em Espanha. Começa aqui a sua experiência de formador, pois, dado o seu elevado conhecimento, lecciona os alunos dos 1.º e 2.º anos, enquanto toma conhecimento profundo com autores clássicos latinos, como Horácio, Ovídio, Tácito e tantos outros. Em 1945 parte para o noviciado em Teruel, e pouco depois inicia o curso de Latim, Filosofia, Grego, Psicologia Racional e Experimental e História da Filosofia. Em Dezembro de 1948 adoece gravemente e regressa a Portugal para tratamento no Sanatório no Monte da Virgem, do qual sai curado em Abril de 1952. Este longo período de convalescença obriga-o a deixar os Estudos Religiosos e começa a dar aulas de Português e História Universal no Externato S. João de Brito, na Murtosa. Tinha então 25 anos, e era preciso ganhar a vida. Em 1958 – recém-casado – é convidado pelo Dr. Augusto César Ramos, seu cunhado e proprietário do Colégio Egas Moniz, para ingressar nesta importante casa de ensino de Estarreja, onde vai permanecer 20 anos. Começa no antigo Edifício da Praça – hoje Biblioteca Municipal – e passa para a nova casa – depois Escola Padre Donaciano de Abreu Freire. Aí é Professor de Português, História da Literatura Portuguesa, Latim, Grego, Filosofia e História. Para além de grande pedagogo, é de realçar a dimensão humana a que não ficaram indiferentes todos os seus alunos, que anos mais tarde lhe viriam a prestar justa

homenagem. Era o tempo de menos alunos, turmas mais pequenas e mistas, que permitiam um melhor relacionamento entre o professor e o aluno. Não admira que, em 1990, ele escreva no extinto Voz Regionalista o que pensa sobre a educação: “Vinte e sete anos contínuos de acção escolar, ensinando e aprendendo no contactar assíduo com educandos no caminho da adolescência, saídos de todas as encruzilhadas sociais, são experiência que penetra até à medula dos ossos e aviva os contornos da própria formação. A chamada formação profis-

palavras. Ouvem-se sempre os mesmos vocábulos, com prejuízo de milhares de outros que figuram no dicionário como «monos» que, num futuro próximo transitarão para o rol dos termos arcaicos, obsoletos, «impróprios para consumo». E daí? O depauperamento de uma língua, a mais rica do mundo que, mais tarde ou mais cedo, tornada arremedo de si mesma, cederá o seu lugar no espaço geográfico onde séculos de expansão e de presença lusíada a semearam e fizeram frutificar.” Por esta altura, dá o último passo na carreira de Professor. São dele estas palavras, que reflectem alguma amargura pelas alterações da tutela sobre a colocação de professores, que o obrigaram a deixar a carreira docente, que amava:

Para além de grande pedagogo, é de realçar a dimensão humana a que não ficaram indiferentes todos os seus alunos, que anos mais tarde lhe viriam a prestar justa homenagem. sional, em conceitos actuais, responsabiliza os operários do ensino pela observância de princípios universais e pela aplicação de métodos sempre a actualizar que visem a valorização total do educando e a definição da sua personalidade. A nobreza e eficácia da missão reside em atingir aquele objectivo”. Profundo conhecedor da Língua Portuguesa, foi seu acérrimo defensor quer nas aulas, quer mesmo depois de terminada a sua vida académica. d’ O Jornal de Estarreja de 10/7/1978, vai aqui um pequeno excerto elucidativo do seu pensamento: “O pior, no entanto, é a perspectiva de grave crise que ameaça a língua pátria. É certo que a língua evolui. Não é estática, é dinâmica. Acompanha o Homem em todas as situações históricas. Mas é certo também que a evolução é lenta e sugeita a leis. Ora, verificamos que a actual fúria de falar não respeita tais leis. Criam-se palavras novas sem sentido e sem necessidade. Altera-se impunemente o valor morfológico e sintético das

“… até que em 1978 os computadores do Ministério da Educação e Cultura me despacharam para a Escola Secundária de Arouca. Apesar das diligências que esta Escola e de Estarreja fizeram para a minha transferência tudo resultou inútil. Sem vocação para cigano nómada, desisti do Ensino. A Câmara Municipal da Murtosa, por acção do seu Presidente abriu-me uma porta nos Serviços Municipalizados de Habitação, onde estive 10 anos (01/04/1980 – 31/12/1989) materialmente muito prejudicado (o Ensino dava-me muitíssimo mais) mas livre das arbitrariedades das colocações… Mas não livre das saudades do tempo que vivi no Ensino nem das amarguras que pintaram de branco os cabelos e que, somadas as recordações do percurso agreste que Deus me traçou, são o lastro que continuo a carregar para os descarregar ao porto da sepultura quando o Dador da vida determinar.” Regressa assim à Terra da Marinha, ou Marinhoa, como tanto gostava de a identificar, e integra os quadros da Câmara Municipal da Murtosa. É agora tempo de partilhar com a comunidade o seu conhecimento, a sua sabedoria, sobre os mais variados as-

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pegadas na arei

Aos microfones da Rádio Moliceiro de Pardilhó e depois da Voz da Ria de Estarreja, foram também inúmeros os programas semanais em que deliciou a audiência.

suntos. Nos jornais de Estarreja e Murtosa publica muitas dezenas (centenas) de artigos. Aos microfones da Rádio Moliceiro de Pardilhó e depois da Voz da Ria de Estarreja, foram também inúmeros os programas semanais em que deliciou a audiência. Nos jornais e nas rádios abordou a cultura, a música, as letras, a política, a sociedade, a religião, a história e os costumes das nossas gentes. É o tempo da palavra, como depois vai deixar escrito num texto do jornal O Concelho de Estarreja de 20/ 03/ 1982:

“A palavra é a roupagem exterior e o veículo simbólico da ideia. A ideia é um acto puro do intelecto e como ele simples, incorpóreo. Pela palavra se realiza a linguagem humana. Produto social e instrumento de comunicação, a linguagem despoja o pensamento do individual, do autístico, isto é, do afectivo, que é o mais subjectivo em nós. O conceito é o que há comunicável e racional no pensamento.” Para a posteridade – e sem contar com os textos da imprensa e rádios locais publicou 3 obras: Barco Moliceiro, que futuro, em que regista a história do barco mais identificado com a Ria de Aveiro; Histórias por Contar, uma colectânea de pequenos contos e histórias muitas vezes pessoais ou da nossa região; Ruy do Vouga, biografia de um poeta menos conhecido da vila da Murtosa, mas com larga obra publicada. Deste tempo final – e já na Biblioteca Municipal da Murtosa - , recolheu ainda muita informação de outros murtoseiros ilustres, sobre costumes e factos da terra da beira ria e um segundo volume de contos autobiográficos que a doença, e posterior falecimento, impediu de trazer a público. Deixou-nos, com muita saudade, a 16 de Fevereiro de 1999.

O professor Jaime Vilar, respectivamente, no jantar de homenagem dos antigos alunos e no seu escritório.

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tripulaçã

conjunto de pessoas que guarnece e trabalha numa embarcação; pessoal de bordo


Minha, a escola Anabela Amorim

Docente de Português e Francês

Começou em casa, chegaram os livros, os cadernos, os lápis, a borracha e uma lousa. Todo o material cheirava a novo, o livro tinha o a-e-i-o-u nas primeiras páginas, o “o” de ovos e o “u” de uvas, o “a”, talvez de avião. O meu pai também me comprou a minha primeira pasta e os cadernos tinham duas linhas, mas haviam, pelo menos, um que tinha folhas pautadas, quadriculadas e de desenho. A escola era um colégio, o Colégio D. Maria II, e tinha quatro salas de aula para as quatro classes da primária, além do gabinete da directora, a D. Elsa que era casada com um tenente na reserva que, ao sábado, dava ginástica aos alunos. Havia também a D. Sara, irmã da D. Elsa que gritava muito, aplicava reguadas e leccionava a 4.ª classe, enquanto a primeira era a professora da 3.ª. Já não me lembro como se chamava a minha primeira professora, sei que era nova e boazinha. A sala tinha mesas e cadeiras pequenas e alguns quadros nas paredes. Na minha escola, havia um quadro de honra logo à entrada, no vestíbulo. Também me recordo do meu exame da 2.ª classe, porque a minha irmã resolveu que eu devia ir com caracóis e me obrigou a dormir com papelotes. Passei. Mais tarde, no final da 3.ª classe, fomos fazer o exame (eu e os outros da minha aula) a uma escola oficial e estreei um vestido que a minha mãe me fez. Passei. Na 4.ª classe, já não tive a D. Sara que, entretanto, se aposentara, mas uma outra, boa professora, mas um bocadito patega, acabada de chegar de Portugal. Claro que estávamos em Portugal, mas não era bem, bem Portugal, não era o “puto”, era Angola, era Luanda. Ainda fiz o exame de admissão ao liceu em Luanda, mas tive outra escola em Lisboa, onde comecei o 1.º Ano do liceu. Era o Liceu D. Filipa de Lencastre, para lá chegar (era um anexo), tive de aprender a apanhar um autocarro e a andar a pé até Alvalade. Complicado, numa Lisboa estranha e escura, num

Outono chuvoso e frio em que morreu o meu pai. Voltámos a Luanda e o meu liceu passou a ser o D. Guiomar de Lencastre, em instalações provisórias e, depois, no 3.º Ano, inaugurámos o Liceu Nacional, liceu do regime, com a sua traça similar a tantos outros espalhados por todo o país. Nesse liceu, a certa altura, havia um pelicano no pátio interior que era alimentado com peixe fresco e desapareceu, um dia ou uma noite, nunca soube, tal como aparecera. Também a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na Praça dos Leões, foi minha escola, com velhas salas e anfiteatros escuros e frios, superpovoadas, pois começava a democratização do

na Fontinha, caracterizada pela sineta que nos chamava para o trabalho, pelo cheiro a mofo, a sujo e a pó. Espinho viu-me durante quatro anos, lá em cima, ao cimo da Rua 19, fizesse frio ou calor, ou chuva, ou vento, depois do café à saída do comboio.Escola-tipo dos anos 70/ 80, em blocos, com corredores exteriores, uma escola a sério, a Manuel Laranjeira, como, posteriormente, a José Estêvão, em Aveiro, onde tive pela primeira vez assento no conselho pedagógico e o meu primeiro cargo. Sala de professores vetusta, controlada senhorialmente por dois professores mais antigos, nas suas cátedras estrategicamente localizadas. Estarreja vê-me regressar, neste edifício agora degradado e, na altura, novo, a estrear… A escola da normalidade, tão normal, tão certinha que havia festas marcadas ano após ano no calendário, sem Plano de Actividades e sem faltas – a sardinhada, no Verão, o almoço de Natal com troca de presentes – havia também a sopa no bar, o convívio amical, o estacionamento amplo. Estranha e rapidamente, a escola que era nova tornou-se velha e muito mais complicada, o que, aliás, é normal, pois com a idade também as pessoas se tornam mais difíceis. Agora a escola é tão estranha e tão impessoal que, muitas vezes, se torna intragável, quase que se cola à imagem estereotipada que temos do sistema de ensino em Portugal e as festas já não têm castiçais, nem enfeites criados pelos alunos da Mecânica e da Química, contudo e paradoxalmente, tornou-se quase excelente, persegue a excelência, aspira à excelência. Excelente, excelente, é e será, enquanto existir o parque que faz dela a mais bonita do distrito de Aveiro, talvez a mais bonita de Portugal. O majestoso plátano da entrada, belíssimo em qualquer época do ano, vestido ou nu, com ou sem adereços naturais, é seu ex-libris. Disseram-me, há pouco,

Estarreja vê-me regressar, neste edifício agora degradado e, na altura, novo, a estrear(…) Estranha e rapidamente, a escola que era nova tornou-se velha e muito mais complicada, o que, aliás, é normal, pois com a idade também as pessoas se tornam mais difíceis.

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ensino. Passei ainda por Campo Alegre, num belo parque, arejado edifício, rapidamente degradado. A Annick Perron regia a cadeira de Francês I e dizia sempre “Tout se dégrade”. Nos pavilhões do antigo ciclo, Escola Preparatória de Estarreja, gelados ou quentíssimos, consoante a estação do ano, havia vinte e poucos professores e o Presidente do Conselho Directivo levava os alunos mal-educados e mal comportados ao seu gabinete… Floriam rosas por todo o lado e era um local aprazível, apesar das más instalações, onde se trabalhava por gosto e onde aprendi a gostar de café sem açúcar. Também a Secundária de Estarreja foi escola e minha, em dois edifícios e viagens pedestres de um para o outro,


tripulaçã que vai abaixo… Tenho passado toda a minha vida na escola. Estranho desenrolar dos anos em que os anos nunca começam em Janeiro e terminam em Dezembro, mas se iniciam em Setembro e acabam em Junho. Quando o calendário for acertado, da memória da escola restará uma amálgama de sensações, de épocas, de idades, de rostos, tudo se tornará passado. Contudo, essa memória nunca será apagada e estará sempre nitidamente presente: uma escola e uma vida, ou a vida na escola, ou a escola e a vida, e não me digam que há a escola e o resto, ou será que é só o resto e depois a escola, ou será que tudo é a vida? Estarreja, 20 de Abril de 2010

O majestoso plátano da entrada, belíssimo em qualquer época do ano, vestido ou nu, com ou sem adereços naturais, é seu ex-libris. Disseram-me, há pouco, que vai abaixo…

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Vamos conversar!

O lado “humano

Manuela Azevedo

Elisabete Gonçalves

Conversar. Adoro conversar! Seja sobre o tempo, sobre as minhas preocupações, sobre uma notícia que li ou ouvi... Também gosto de ouvir. O monólogo não partilha experiências, não aconselha e não tem novidades. Não seria uma conversa se quem escuta ficasse calado. Aliás, a melhor maneira de acabar uma conversa é não responder, depressa se dá a perceber que não interessa conversar. Como está de conversa hoje? Sim, quero perguntar-lhe se hoje já conversou com alguém. Se já demonstrou disponibilidade para o diálogo. Diariamente, dentro do carro, pergunto ao meu filho o que fez na escola. - Coisas. - é a sua resposta. - Coisas, que coisas? - replico. - Ora, o que o professor mandou… Ao jantar, quando nada o faz esperar, sai a conversa: - Sabes, mãe, as cobras põem ovos… E não voam. Rimos a imaginar as cobras levitando aos esses. Onde são os ninhos das cobras? Não nos faltam meios para comunicar, usamos e abusamos deles. Não imaginamos a nossa vida sem meios de comunicação, encontramos tempo para ver televisão, para comunicar por correio electrónico e por telemóvel. Mas será que conversamos? Falaremos realmente do que nos interessa, partilhamos as nossas preocupações, damo-nos a conhecer? Estar com o outro, ser capaz de falar olhos nos olhos, sentados, disponíveis, quando foi a última vez que o fizemos? Podemos comunicar diariamente com muitas pessoas, viver com elas até, mas não mostrar disponibilidade para conversar. Será importante para mim conversar? Até que ponto isso me fará bem? Não necessito de partilhar o que sei e o que sinto com os outros? Estou realmente disponível para o diálogo? Que oportunidades crio para que isso possa ocorrer? “Agora não”. “Hoje não posso”. “Não tenho tempo”. “Por favor, já expliquei que quero ouvir as notícias”. - Mas, mãe, eu só queria perguntar do que gostaste mais do dia de hoje…

A sociedade do consumo está associada à sociedade do descartável, em que se recriam ou inventam vontades e/ou necessidades a toda a hora, onde o consumo deixou de ser apenas um mero acto de consumir para passar a ser também um acto social, que confere determinado estatuto às pessoas, traduzindo-se num consumo indiscriminado, irracional e compulsivo pois valoriza-se o “ter” em detrimento do “ser”. É neste cenário que nasce a ideia de responsabilidade dos consumidores e se apela para uma urgente mudança de comportamentos. Porque mais do que sensibilizar e informar, é preciso aprendermos a mudar, agora! É necessário intervir no âmbito da educação, formar activamente as novas gerações, mudar os comportamentos de forma radical, adoptar atitudes de consumerismo que funcionem como um antídoto contra os venenos lançados pelo consumismo. O planeta em que vivemos é um só, a exploração dos seus recursos supera de forma preocupante a capacidade de regeneração dos mesmos, serão precisos num futuro próximo vários planetas Terra para conseguir suprir essas necessidades insaciáveis de exploração, não podemos ficar indiferentes. Está na hora de agirmos em sintonia e de fazermos toda a diferença antes que seja tarde demais através de um consumo responsável, que inclui a ideia de sustentabilidade social e ambiental com base em critérios éticos. Para sermos agentes dessa mudança é preciso alterar os nossos padrões de consumo, isto é, consumir de forma diferente, ter mais e melhor informação sobre os produtos, os seus custos sociais e os seus impactos ambientais. Só alterando o nosso conceito de consumo e pondo-o em prática, todos os dias, em todas as áreas das nossas vidas, podemos dar um passo na direcção certa e alcançarmos o trilho para atingir uma mudança global de comportamentos. Isto só será possível se pensarmos globalmente, mas agirmos localmente. É verdade que a sensibilização e adopção de hábitos de consumo responsável não se conseguem de uma dia para o outro, é um longo trabalho que deve estar alicerçado com a exequibilidade de políticas que fomentem o desenvolvi-

Docente de Biologia e Geologia

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Docente de Economia e Contabilidade


mento sustentável. É um labutar complexo que começa pela mudança de mentalidades e por uma articulação a vários níveis entre diversas entidades: sociedade civil, forças políticas e as diversas organizações públicas e privadas. Neste contexto, com o propósito de sensibilizar e estimular a reflexão e o debate em torno dos problemas e desafios colocados pelo consumo na sociedade actual, realizou-se, na Escola Secundária de Estarreja, no dia 15 de Março de 2010, uma actividade intitulada “Pegadas do Consumo”, dinamizada pelos alunos do curso profissional de Marketing e do curso profissional de Gestão que pretendeu desenvolver o espírito crítico e interventivo dos alunos em temas ligados ao consumo dotando-os de competências que lhes permitam realizar consumos responsáveis.

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o” do consumo

(cima) Alunas vestidas de Ecoponto (meio) Puzzle com matérias recicladas (baixo) Alunas preparadas para a dramatização

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A Escola: visão de um pai Luís Alves

Representante dos Pais/ Encarregados de Educação da turma C do 8.º ano (ESE)

A evolução do conhecimento e o consequente desenvolvimento tecnológico são hoje aspectos extraordinários que temos a felicidade de contemplar. Deixamos de ler um jornal ou uma revista de determinada especialidade e rapidamente ficamos desfazados em relação ao que existe e àquilo que conhecemos. É, pois, cada vez mais necessário fazer um esforço no sentido de não sermos ultrapassados pelos acontecimentos. A Escola, tal qual se nos apresenta, tem dificuldades em acompanhar esta evolução, parece lenta e até muitas vezes conservadora na adopção de novas metodologias de ensino, nos programas a leccionar, bem como nas metodologias de avaliação. No passado, não muito longínquo, o conhecimento parecia eterno. Um dos exemplos mais interessantes é o dos manuais escolares que se mantinham inalterados ano após ano e a função da escola era a transmissão de saber/ conhecimento, reduzindo ou mesmo reprimindo o sentido crítico dos alunos, desvalorizando o desenvolvimento de competências para além do que era leccionado nas disciplinas curriculares. É, no entanto, interessante que sejamos ainda hoje confrontados com uma geração de pais que acusa a escola de não cumprir o seu objectivo e ouvirmos com muita frequência que os alunos sabem cada vez menos. De um modo geral, acusam a escola de falhar naquilo que consideram ser o seu principal objectivo: ensinar. Que os alunos não podem dar erros de ortografia, que devem saber a tabuada, que convém que saibam quem foi o primeiro rei de Portugal, estamos de acordo, mas será que estamos a dar a importância devida àquilo que é verdadeiramente fundamental nos dias de hoje? Como pai de três filhos em idade escolar, tenho acompanhado com alguma atenção o papel que a escola e, muito especialmente, os professores acabam por ter no processo de aprendizagem/ desenvolvimento dos alunos. De um modo geral, vou “avaliando”, com os dados de que disponho, a escola e os professores. Hoje, o que se pede à escola é muito mais que a transmissão de saber, é pro-

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porcinar ao aluno as condições para adquirir competências básicas e conhecimentos nos diversos domínios do saber, mas é também promover a criatividade, ensinar a comunicar, incentivar o respeito pelo ambiente, e posicionar-nos perante valores, tais como os direitos humanos e a democracia e, de um modo geral, ensinar os alunos a exercerem plenamente os seus direitos e deveres de cidadania. A escola é e deve ser para todos; contudo, nem todos se encaixam naquilo que a escola tem para oferecer e naquilo que ela exige, por isso, deparamo-nos frequentemente com alunos que ficam retidos ano após ano até que, em muitos casos, atingem o limite de idade e abandonam a escola. A redução do abandono escolar é, pois, um dos grandes objectivos das Direcções escolares; no entanto, a escola pouco ou nada tem feito para que isso aconteça. Continua, predominantemente, organizada por forma a que a progressão do aluno dependa do aproveitamento a um determinado conjunto de disciplinas e dentro de cada disciplina terá que adquirir os conhecimentos mínimos. Era assim no passado e é assim, em grande medida, hoje. Neste aspecto, não mudou o necessário para responder ao propósito de

e a progressão dos alunos fosse menos dependente da sapiência e mais da vivência e dos valores. O Sucesso da escola está muito dependente do corpo docente e, felizmente, há alguns professores que são capazes de promover a criatividade dos alunos e reconhecer neles capacidades para além do que demonstram nos testes escritos, nos trabalhos de casa e nos exercícios feitos nas aulas. Há muitos professores com os quais nunca falei, no contudo, tenho, de um modo geral, uma opinião muito positiva do seu trabalho e até alguma admiração pelo modo como exercem a sua profissão. Quando abro o caderno diário de uma determinada disciplina e, para além do sumário, encontro esquemas, notas e muitas vezes matéria não incluída nos manuais escolares, fico com uma opinião positiva do professor. Vejo, com frequência, testes corrigidos, em que para além da sinalética usada para distinguir o que está certo, errado ou incompleto, o professor deixa notas ao aluno, também muito úteis aos pais, tais como: “Distraído!”, “Fizemos um exercício semelhante na última aula!”, “Falta simplificar!”,“Podias fazer melhor!”, “Tens capacidade para mais!”, etc. Nota-se aqui o interesse que o professor tem

Hoje, o que se pede à escola é muito mais que a transmissão de saber, é proporcionar ao aluno as condições para adquirir competências básicas e conhecimentos nos diversos domínios do saber, mas é também promover a criatividade, ensinar a comunicar, incentivar o respeito pelo ambiente, e posicionar-nos perante valores. integração a que deve obedecer. Embora a escola possua já ofertas alternativas – CEF e PIAF – que procuram ir de encontro à singularidade dos alunos, ainda se corre o risco de cairmos na lógica do funil, onde todos têm de entrar mas de onde só alguns saem. Seria pois desejável que, nestes casos, a avaliação

pela evolução do aluno, bem como o conhecimento das suas capacidades. Claro que avaliar o professor só por estes aspectos pode parecer redutor; no entanto, nós, pais, acabamos por perceber que há professores com vocação, outros para quem dar aulas mais não é senão um meio para obter um salário no


tripulaçã final do mês, e outros ainda para quem ser professor é, de facto, um trabalho fácil (não há trabalhos para casa nem testes escritos e, logicamente, o nível de aproveitamento é de 100%, com notas elevadas!). Basta folhear o carderno diário dos nossos filhos e facilmente nos apercebemos de que há disciplinas em que este só tem os sumários e outros nem isso. Há disciplinas para as quais compramos livros que nunca ou quase nunca foram utilizados. Curiosamente são, nalguns casos, disciplinas com tempos lectivos superiores a outras que me parecem bem mais necessárias. No que aos professores diz respeito, há um que nos chama mais a atenção, o Director de Turma. Confesso que desconheço a totalidade das funções e responsabilidades que estão associadas a este cargo; porém, tenho a percepção de que estas responsabilidades são exercidas com pouca ou nenhuma consonância com o significado do termo “director” e com o exercício da sua autoridade. São, em muitos casos, o repositório da informação vinda de cada professor/disciplina e os interlocutores dos encarregados de educação na escola. É pouco. Ao Director de Turma deveria ser atribuída mais autoridade sobre os restantes professores da turma, bem como sobre os alunos, para dignificação do seu cargo.

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Ir à escola e não ir (história de uma menina triste) Maria Florbela Pinho Docente aposentada

Aí pela primeira década do século XX nasceu em Salreu, aqui tão perto, uma criança do sexo feminino, a quem vou chamar “Maria”. Era filha de pais solteiros e de famílias muito pobres. O autor dos seus dias não queria assumir, mas a mãe dele resolveu o caso com uma valente bofetada. Tratou-lhe depois da papelada e obrigou-o a dar o “nó”. Antes o não tivesse feito… Pouco depois do casamento, anunciou-se a vinda de uma nova criança. O que fez então o “dedicado progenitor”? Pois tratou de vender a pequena Maria por mil escudos a um casal de lavradores mais ou menos abastados e sem filhos. Mais uma vez, a mãe dele e avó da menina entrou nesta história. Conseguiu reunir os mil escudos e foi resgatar a neta, levou-a para sua casa e criou-a até aos sete anos, sem abundâncias mas com imenso carinho. Quando Maria chegou à idade, matriculou-a na Escola, comprou-lhe uma saquinha de serapilheira, a “cartilha maternal”, uma lousa e um ponteiro. E começou então um curtíssimo período de grande felicidade para a menina, seguido da maior provação de toda a sua vida. Algum tempo depois de iniciar a escola, aprendidas já as primeiras letritas, eis que um dia ali surgiu o “zeloso pai”. Desta vez actuou de forma definitiva. Disse ao que vinha: queria levá-la para sua casa, pois era preciso “ela ir trabalhar para ajudar a criar os irmãos” e, além disso, “as meninas não precisavam de aprender a ler”. Nem os pedidos da professora, nem as suas lágrimas fundidas com as da criança, o conseguiram demover. Dias depois, de tairocas nos pés e tábua de massa à cabeça, Maria começou a sua actividade profissional. Era servente de pedreiro… Maria morreu aos oitenta e sete anos com essa nódoa no coração, que nunca se desvaneceu. Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência. Isto não é uma estória para fazer chorar as pedras da calçada. É necessário e urgente que todos tiremos deste relato as pertinentes lições. Há ainda tantas “Marias” espalhadas pelo mundo, que não aproveitarem alguns dos nossos jovens as oportunidades que hoje lhes são dadas é, quanto a mim, uma ofensa àqueles e àquelas que não as tiveram ou não as têm. Estarreja, 5 de Maio de 2010

Os jovens e o consumo do álcool Ana Raquel Meira

11.º D, Curso Científico-Humanístico

Com base num estudo efectuado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu a distinção entre alcoolismo como doença e alcoólico como doente. O alcoolismo define-se como sendo uma doença de carácter progressivo, incurável e quase sempre fatal, classifica-se este flagelo em dois tipos: o alcoolismo agudo, típica embriaguez, trata-se da ingestão única de grandes quantidades de álcool num curto espaço de tempo; e o alcoolismo crónico, que é quando ingerimos com frequência bebidas alcoólicas, ao longo do dia e em várias doses. O consumo desta droga anestésica e hipnótica passou a ser elemento essencial, articulador e dinamizador nas relações sociais dos adolescentes. Mas nestes existe a ideia de que consumir bebidas alcoólicas traz prestígio, poder, sedução, afirmação pessoal, alegria, bem-estar e sensações fortes. O perfil do adolescente consumidor caracteriza-se por ser um indivíduo ansioso, vulnerável ao stress, com baixa auto-estima e fracas expectativas face ao álcool. No nosso país, num estudo efectuado na população jovem (15-24 anos), verifica-se que o consumo de álcool é maior aos finsde-semana e que a bebida alcoólica escolhida pelos jovens é a cerveja; cerca de 500 mil jovens consomem-na aproximadamente três vezes por semana. Estando os jovens num processo de desenvolvimento bio-psico-social, o consumo de álcool pode afectar profundamente o adolescente, com repercussões físicas e sociais para toda a vida. Tais como, por exemplo, um adolescente que consome álcool pensa que no dia seguinte estará bem, mas engana-se porque o cérebro leva mais de uma semana a recuperar, isto significa que nos dias seguintes o adolescente irá ter dificuldades em memorizar e compreender conceitos. Posto isto, é importante salientar que o consumo do álcool tem consequências permanentes para o resto da vida. Acidentes de viação e laborais, violência familiar, suicídio e homicídio, e destruição de células cerebrais são alguns dos muitos exemplos existentes.

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Gosto muito de praticar desporto, em particular andebol. Além de atleta do Estarreja Andebol Clube, pertenci à equipa de andebol, em Desporto Escolar, nesta escola durante três épocas (2006/2007, 2007/2008 e 2008/2009). No ano lectivo anterior (época 2008/2009), o último da minha participação, a equipa foi ultrapassando diversas etapas, como já vem sendo hábito, até vencer a final dos Campeonatos Nacionais em Setúbal, tendo-se apurado para os Jogos FISEC, nos quais não teve oportunidade de participar devido à inexistência de equipas masculinas de outros países. Para a escola, isto parece não ter grande valor mas para a equipa foi muito gratificante, principalmente ao nível desportivo, mas também a um nível social, pois em todos os Campeonatos de Desporto Escolar, em que a equipa estava presente, todos se divertiam muito e existia bastante convívio (nomeadamente com equipas femininas, ah! ah!). Em nome de todos os meus colegas, agradeço ao Professor José Eduardo e a todos os Professores que nos ajudaram nesta vitória. A equipa campeã nacional 2008/09 era constituída pelos seguintes elementos: André Rego, Jorge Moutela, Renato Guimarães, Rui Teixeira, Vítor Valente, João Almeida, Paulo Tavares, Tiago Vieira, Miguel Seara, Ricardo Tavares, João Ferreira e Diogo Bastos. No que diz respeito ao histórico da equipa, desde o ano em que entrei, aqui ficam registados os momentos de glória: . 2006/2007, Campeões Regionais em Viseu e o 3.º Lugar nos Campeonatos, nos Nacionais em Braga; . 2007/2008, Campeões Regionais em Leiria e Vice-Campeões nos Campeonatos Nacionais em Évora; . 2008/2009, Campeões Regionais em Coimbra e Campeões Nacionais em Setúbal. Rui Teixeira, 12.º B Recentemente, em 2009, a modalidade de andebol destacou-se na Escola Secundária de Estarreja, pois a equipa de Desporto Escolar conquistou mais um campeonato nacional. Este feito, que acontecera em 1990 com o profes-

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Perspectivas sobre o andebol na ESE

24 de Maio de 2009, Setúbal - Campeonatos Nacionais de Desporto Escolar Da esquerda para a direita: (fila de trás) Professor José Eduardo, Jorge Moutela, Paulo Tavares, Eduardo Oliveira (árbitro), Vitor Valente, João Almeida, Tiago Vieira, André Rêgo e Sandro Gomes (árbitro) (fila da frente) Miguel Mendonça, Ricardo Tavares, João Ferreira, Renato Guimarães, Rui Teixeira (no chão) – troféu de campeões nacionais

sor João Filipe, também em 2005 com o professor Luís Pedro, ficou associado, mais recentemente, em 2009, ao professor José Eduardo. A equipa liderada pelo professor José Eduardo, que curiosamente nunca tinha estado ligado ao andebol, assegurou o 3.º Campeonato Nacional em Setúbal. Conseguindo um empate nos últimos segundos de jogo, frente ao Colégio Universal, a ESE deixou tudo em aberto para o título, que foi decidido pela diferença de golos marcados e sofridos, pois estas duas equipas favoritas venceram as equipas da Escola Dom Fuas Roupinho e a Escola Secundária do Algarve. Esta chegada ao pódio foi fruto de uma grande união de grupo e também de uma compreensão e disponibilidade da parte dos clubes, disponibilizando os seus atletas. Jorge Moutela, 11.º Ano

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A minha caminhada Catarina Dias 7.º F

Quando tinha três anos, deparei-me pela primeira vez com um cenário diferente daquele a que estava habituada. Apesar de não me recordar desta experiência, acho que foi um dos grandes passos da minha vida, que irá influenciar bastante o meu futuro. Passado alguns anos, dei mais um passo desta longa caminhada, entrei para o 1.º ano de escolaridade. Os três anos que se seguiram foram muito enriquecedores para a minha aprendizagem, visto que aprendi a comunicar doutra forma, aprendi a escrever, a raciocinar, aprendi na relacionar-se e a agir de forma correcta com aqueles que me rodeiam. Depois, entrei para o ensino básico. Nesta época, reinava dentro de mim uma enorme curiosidade e entusiasmo. Porém, sentia a responsabilidade a crescer dentro de mim. Estava a tornar-me adolescente, portanto, comecei a deixar de lado as bonecas e outros aspectos relevantes. Passei a dar bastante importância às novas tecnologias, uma vez que estas permitem o contacto praticamente instantâneo com os meus melhores amigos. Presentemente, encontro-me no 7.º ano de escolaridade e frequento esta magnífica escola. Considero-a bastante melhor do que a anterior, pois dá-me acesso àquilo que mais prezo, os novos amigos. Este é o local ideal para fazer novas amizades e até conhecer mais pessoas. Além desta vertente social, estudo e aprofundo os meus conhecimentos anteriores. Actualmente, olho para o meu passado orgulhosa e para o meu futuro de forma ambiciosa e sonhadora. Em todo o nosso período escolar, devemos aproveitar todos os momentos únicos da nossa infância/ adolescência. Todavia, é necessário realizar um balanço dos anos passados e estabelecer objectivos para o futuro.

ESE – Escola, sempre educação Filipa Baptista e Sofia Baptista 7.º D

As alunas Filipa e Sofia Baptista

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Mais um ano lectivo começou. Os primeiros dias, primeiras semanas ou até os primeiros meses numa nova escola são sempre um pouco complicados. Não sabemos onde se localizam alguns espaços da escola, somos obrigados a conhecer novas pessoas, colegas, professores, funcionários e, como todos sabemos, existe uma fase de adaptação e nem todos reagem bem à mudança. Ao falar de adaptação, não nos podemos esquecer as pessoas que mais nos ajudam. Os nossos pais sempre presentes e atentos, os amigos com quem gostamos de partilhar os bons e maus momentos e de conversar sobre tudo sem complexos, os directores de turma que, com a sua paciência e serenidade, nos esclarecem dúvidas e nos ajudam a conhecer os nossos colegas e, inclusivamente, a nós mesmos. Depois, há os novos professores. Todos pensávamos e receávamos que, ao vir para uma escola maior, os professores seriam muito mais exigentes e distantes, mas felizmente os nossos professores deixam-nos à vontade, como se já estivéssemos nesta escola há um longo período de tempo, e isso conforta-nos. Ficámos um pouco tristes ao saber que em breve se realizarão obras na escola (será colocada abaixo). Embora precise de uma reforma por estar um pouco velhinha, foi nesta escola onde se realizaram as nossas primeiras aulas do 7.º ano e ficamos um pouco com o coração partido. Levaremos esta escola para sempre no coração, através da profissão que escolhermos para o futuro. Adoramos esta escola, não por obrigação, mas sim porque é a NOSSA escola, a segunda que nos acolhe nestes momentos importantes do nosso crescimento.


Alunas do 7.º F Quando entrei para a Escola Secundária de Estarreja, posso dizer que não senti grande diferença, pois gostei da turma e dos professores. Há já algum tempo que sentia entusiasmo por vir a frequentar a Escola Secundária. A minha entrada aqui ajudou-me a crescer. Os professores são mais exigentes, no bom sentido, porque assim aprendemos mais e melhor. No primeiro dia de aulas, senti-me ligeiramente ansiosa e preocupada ao mesmo tempo, porque não sabia onde ficavam os blocos, as salas, o bufete e a papelaria, mas hoje sinto-me perfeitamente à vontade. Senti grande ansiedade e curiosidade em saber em que consistiam as novas disciplinas, como por exemplo, Espanhol, Físico-Química, Arte em Movimento e Educação Tecnológica. Gosto bastante da escola e do ambiente. Espero que continue a ter a mesma opinião até ao 12.º ano. Marta Frade Quando entrei pela primeira vez na escola, senti-me um pouco desamparada, pois a escola era muito grande e tinha muitas pessoas. Felizmente, passada uma semana, já me tinha habituado à turma e à escola. (…) Ao princípio, eu tinha receio de não decorar o horário ou de me enganar nas salas. Afinal, foram só precisos alguns dias para conseguir. Quanto aos colegas mais velhos, o meu medo era baseado em histórias que me tinham contado sobre agressões ou atitudes de “gozo” e até agora isso não aconteceu. Agora, o ano lectivo está a acabar e já me habituei às disciplinas e até já tenho novos amigos. Ana Raquel Andrade Era o meu primeiro dia de aulas na Secundária de Estarreja, ao sair do autocarro comecei a ficar nervosa. Ia para uma nova escola, com novas pessoas, esperava fazer muitos amigos… Ao entrar na escola, uma sensação estranha percorria-me o corpo, parecia que toda a gente olhava para nós. No início, sentia-me perdida, a escola não me era familiar, as pessoas também não. O meu receio não eram os alunos mais velhos, era, sim, o facto de a escola ser nova para mim e o número de disciplinas

aumentar! Quando os meus amigos che-garam, finalmente senti-me à vontade. Os primeiros intervalos serviram para fazer uma “missão de reconhecimento” à escola,ficar a conhecer todos os lugares e ver quem se sentava no polivalente. Finalmente, já me sentia mais à vontade. A quantidade enorme de professores e de disciplinas já me começava a baralhar; era preciso decorar os nomes dos professores, o material necessário… Nos dias seguinte, já estava bem mais à vontade, apesar de ainda ter uma certa vergonha de me mo-vimentar pela escola. Quando entrei, tinha uma vontade enorme de fazer novos amigos, especialmente mais velhos, pois assim sabia que se precisasse de alguma coisa teria quem me ajudasse. Aos poucos e poucos, conheci mais pessoas. Os meus novos amigos ajudaram-me muito a ambientar. Com estas novas amizades, senti-me em casa, a nova escola já não era um “bicho-de-sete-cabeças”. O convívio na ESE é excelente e eu adoro esta escola! Cláudia Alves

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Uma estranha e boa confusão

Quando entrei para a Escola Secundária de Estarreja, no dia 14 de Setembro, estava ansiosa e ao mesmo tempo assustada, porque era uma escola completamente diferente, com pessoas mais ve-lhas e professores novos. Comecei a ter disciplinas diferentes, mais trabalhos de casa e muitos testes. Na minha antiga escola, as matérias das disciplinas eram muito mais fáceis que agora e não requeriam tanto estudo. Ao princípio, perdia-me com facilidade e não conseguia encontrar as salas, mas agora é tudo muito mais fácil. Uma das razões que me ajudou a adaptar-me mais depressa à nova escola foi o apoio dos meus amigos e novos colegas, pois também eles sentiam as mesmas dificuldades e conseguimos superá-las ajudando-nos mutuamente. Carolina Sardão

Alunas e alunos do 7.º F

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PERCURSOS DE SUCESSO O meu nome é Mara Madaleno e tenho 28 anos. Vou falar-vos sucintamente do meu percurso de vida, desde a entrada na Escola Secundária de Estarreja até ao presente momento. Em 1996, quando entrei para a Escola Secundária de Estarreja, tinha 14 anos e entrei no curso tecnológico de Serviços Comerciais, do 3.º agrupamento (Economia), pois a minha intenção, quando cheguei ao 10.º ano, era terminar o secundário e começar a trabalhar. Na altura, estes cursos tecnológicos davamnos a possibilidade de ter um estágio profissional, e isso é muito importante em termos curriculares. Não era bem por vontade de não continuar os estudos e tirar um curso superior, mas as dificuldades financeiras dos meus pais levaram-me a seguir este caminho. Na altura, tínhamos a opção de escolher Matemática ou Métodos. Acabei por escolher Matemática, pois, além de gostar de números, algo me dizia que ainda haveria de ser útil… Quando cheguei ao 12.º ano (no ano lectivo de 1998/1999), tinha de fazer uma opção: realizar os exames nacionais. E depois? Tal como tinha dito anteriormente, os meus pais nunca foram ricos, por isso, eu estaria disposta a abdicar do percurso académico; não lhes seria possível suportar as despesas relacionadas com alojamento, alimentação e propinas, se eu fosse para longe. Quando o meu director de turma do 12.º ano, o professor Amadeu Santos (a quem eu muito agradeço a minha situação actual), soube que, apesar das boas notas que eu estava a tirar, não iria para a Universidade, decidiu sentar-se comigo e fazer-me ver tudo aquilo que eu poderia perder. Aconselhou-me a tentar entrar em Economia em Aveiro, pois assim poderia ir e vir todos os dias a casa e, para além disso, falou-me das Bolsas de Estudo que a própria Universidade disponibiliza aos alunos. Na realidade, a minha vontade era mesmo continuar, mas esta conversa de encorajamento que ele teve comigo deu-me o impulso necessário e conduziu-me à situação em que hoje me encontro. Desta forma, realizei as específicas de Economia e Matemática, concorri a Economia em 1.º lugar e a Ensino de Matemática em 2.º, mas ambas em Aveiro. No momento em que concorri, o senhor que nos estava a atender

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Aqui estou no meu gabinete na Universidade de Aveiro, onde preparo todas as minhas aulas e realizo o meu trabalho de investigação, para a tese e outros.

ainda tentou dar-me outra folha de inscrição para eu colocar a Faculdade de Economia do Porto como primeira tentativa, devido à minha média final do secundário, mas o meu objectivo era somente minimizar o fardo que a minha mãe teria de suportar com os meus estudos. Assim, ou entrava em Aveiro ou não ia. Estava a realizar o meu estágio profissional na CIRES, S.A. em Estarreja, no dia em que saíram os resultados das colocações. É claro que, com a minha média final, era difícil não entrar! Tudo o que acabei de contar explica como foi importante para mim a minha passagem pela ESE e tudo o que isso representou no meu futuro. Para além do mais, esses três anos foram os melhores anos da minha vida, quer em termos de amizades, aprendizagem ou até mesmo em divertimento, pois diverti-me e aprendi muito em simultâneo. Quando entrei na universidade, as licenciaturas ainda eram de 4 anos (entrei em 1999/2000 e terminei em 2002/2003), nos quais me esforcei para que nunca deixasse nenhuma cadeira para trás, o que cumpri, e acreditem que dá imenso tempo para fazermos tudo: estudar, sair à noite, rir, chorar, aprender, conviver e viver! Também consegui a bolsa de estudo, que não era muito, mas permitia-me pelo menos pagar as propinas e ainda sobrava para o passe mensal dos comboios. Quando terminei a minha licenciatura em Economia, convidaram-me para trabalhar como monitora no ano lectivo de 2003/2004, na Universidade de Aveiro, no Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), que é uma espécie de assistente dos profes-

sores Doutorados, mas acabamos por dar as aulas que supostamente seriam eles a dar. Como eu queria ir mais além no meu percurso académico e como a média final de 17 valores me permitia entrar no Doutoramento directamente, concorri às bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e fui para a Universidade Nova de Lisboa em 2004, onde entrei no programa de Doutoramento em Economia. Fiz toda a parte lectiva do primeiro ano (e acreditem que é dura) e no ano seguinte abriram o Doutoramento em Finanças, para o qual concorri e entrei, tendo no final realizado os exames de especialidade. Durante o 3.º ano, tinha de arranjar um orientador e começar a minha tese. Como as coisas não começaram a correr como eu desejava, decidi voltar para Aveiro e começar a minha tese aí. Fui falar com o meu actual orientador e, em Outubro de 2007, comecei a fazê-la e a trabalhar como monitora novamente. Em 2008, comecei também a leccionar como professora assistente, quando surgiu essa oportunidade. Actualmente, encontro-me a finalizar a minha tese de Doutoramento em Derivados no Mercado de Electricidade, ou seja, apreçamento e cobertura de risco com contratos de futuros e opções , e a leccionar como Assistente Convidada cadeiras de Finanças e Economia no DEGEI, na Universidade de Aveiro. A profissão de docente do ensino superior obriga não só a dar as aulas como também a realizar trabalho de investigação, e é isso que eu espero continuar a fazer por largos e bons anos. Mara Madaleno


Chamo-me António Silva, tenho 42 anos, trabalho em Oliveira de Azeméis na Lactogal, sou actualmente operador de sala de controlo. No meu caso, obter o 9.º ano e, posteriormente, o 12.º ano em Fevereiro de 2008, teve grande impacto na minha vida, especialmente em dois níveis, pessoal e profissional. Como muitos da minha geração, abandonei a escola após concluir o 2.º ano de ciclo preparatório, na altura em 1982. Tal como hoje, vivíamos num tempo de crise e isso obrigou-me a ir trabalhar e ajudar nas despesas. Desde então, sempre esperei por uma oportunidade de retomar os estudos e aumentar o meu nível de habilitações. Há alguns anos que observava a revolução trazida pelas novas tecnologias e sentia-me ultrapassado por não saber trabalhar com o computador e muito menos fazer uso da internet, pelo que esse foi, desde logo, o meu objectivo quando tive conhecimento do programa das Novas Oportunidades, em 2006. Inscrevi-me nesse mesmo ano e obtive o 9.º ano com sucesso alguns meses depois, fazendo logo a inscrição para obter a equivalência ao 12.º ano, por pensar que esse nível de habilitações seria essencial para o meu progresso profissional. Em Fevereiro de 2008, para minha surpresa, acabei por ser o primeiro candidato do CNO do Antuã a concluir o 12.º ano. Meses depois, a empresa onde trabalho acabou por convidar-me para uma nova função devido ao meu empenho e qualificações (até então estava na área de enchimento de produtos ultrapasteurizados e pasteurizados). A progressão na empresa esteve sempre ligada à antiguidade e à experiência que ia adquirindo, mas, nesta última vez, para além do perfil, era necessário trabalhar essencialmente com computadores, o que foi mais fácil devido à preparação recebida no CNO. Actualmente, a minha função na empresa é mais abrangente, sou responsável por um prédio de 5 pisos, onde sozinho, na sala de controlo, monitorizo todo o processo de evaporação e secagem de leite e soro. Ao olhar para trás, recordo uma frase de outra cultura que espelha o significado da minha passagem pelo CNO e que é a seguinte: ”se o teu filho te pedir um peixe nunca lho dês, dá-lhe uma cana

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Aprender compensa, sempre

No meu local de trabalho, na sala de controlo.

para pescá-lo”. Retomar o hábito de estudar em ambiente escolar deu-me as ferramentas necessárias para o meu desenvolvimento pessoal, sobretudo no que diz respeito às novas tecnologias; hoje uso o computador sem receios e a internet para as mais diversas situações, para isso foi muito importante assistir às sessões de acompanhamento que cobriram algumas lacunas, como, por exemplo, as TIC. Recordo-me ainda dos trabalhos de pesquisa no 12.º ano, envolvendo as energias renováveis, marcando-me ao ponto de, mais tarde, me levar a fazer grandes mudanças nos meus hábitos de consumo, na implementação de equipamentos de aproveitamento solar e obras na minha habitação, visando a sua eficiência energética. Hoje, ainda me sinto agradecido por ter tido o acompanhamento por parte de profissionais e formadores competentes, empenhados, dedicados, e por ter sentido o seu apoio ao longo das sessões. As Novas Oportunidades possibilitaram a obtenção de equivalência ao 12.º ano pela análise do meu passado, na obtenção de conhecimento nas mais diversas experiências ao longo da minha vida, sendo avaliado na realização dos trabalhos apresentados, contrariamente ao ensino tradicional, que avalia o nível de aprendizagem nas mais diversas disciplinas. Olhar para as Novas Oportunidades como um meio fácil de obter o 9.º ou 12.º ano e com isso poder vir a ganhar muito dinheiro poderá ser enganador, mas, por outro lado, obtê-los com a perspectiva de melhorar os nossos conhecimentos, o nosso desenvolvimento pessoal e com isso contar com a pos-

sibilidade de aproveitar oportunidades que, de outra forma, estariam vedadas, poderá ser mais razoável, tendo sido isto mesmo que aconteceu comigo. Recomendo vivamente a todos quantos tenham a vontade de aumentar as suas habilitações que o façam e que, tal como eu, possam confirmar esta grande verdade: aprender compensa, sempre.

António Silva

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1. rede de três panos, um interior de maior altura e de malha miúda, e dois exteriores chamados alvitanas de malha bastante mais aberta e de menor altura, de modo que o peixe que vai à rede leva o miúdo até formar como que uma bolsa; os peixes enredam-se no pano de rede interior após terem atravessado os panos exteriores; serve para o cerco do peixe em arrasto ou como rede de espera; 2. é dos aparelhos mais comuns de toda a costa ocidental portuguesa; 3. também conhecido por rede de albitanas

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Ana Margarida Santos Docente de Matemática

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EquaMat

No dia 28 de Abril, um grupo de alunos corajosos do 7.º ano e do 9.º ano tomou o “businho” e rumou em direcção à Universidade de Aveiro, para participar nas diabólicas competições Matemáticas: o EquaMat. Nestas competições, enfrentaram terríveis adversários de funções e equacões com fracções, mas sempre com muito empenho e determinação e, acima de tudo, com uma alegria contagiante. Os nossos adversários, num total de 9 mil alunos, também eram muito fortes, mas os nossos guerreiros não se deixaram intimidar. Depois desta tarefa difícil, houve ainda vontade e força para participar em todas as actividades lúdicas que rodeavam o campo de batalha. Para o ano há mais… e estes alunos e outros mais já se comprometeram para no próximo ano voltar com mais treino e experiência!

SuperTmatik Alice Saúde e Maria do Carmo Castro Docentes de Matemática

O IV Campeonato SuperTmatik Cálculo Mental é uma iniciativa ao nível da educação matemática, com uma grande adesão por parte da comunidade escolar. Em a-penas quatro anos, as participações de alunos evoluíram das 12000 na 1.ª edição (2006/2007) para as 120000 no presente ano lectivo, com 1370 escolas a participar. Destinada a alunos dos três ciclos do Ensino Básico, a competição baseia-se na utilização do jogo SuperTmatik Cálculo Mental, um material didáctico que alia a estimulação mental ao divertimento, uma das estratégia pedagógicas de eleição para gerar motivação adicional e assim contribuir para a superação das tradicionais barreiras que os alunos sentem relativamente à disciplina de Matemática, com grande destaque para o cálculo mental. A nossa escola esteve representada pelo Gonçalo Noutel Bezerra, aluno do 7.º C, que participa pela segunda vez no Campeonato Final do SuperTmatik Cálculo Mental (a sua primeira presença nesta final foi no ano lectivo de 2007/2008, frequentava então o 5.º ano, tendo conseguido o 1.º lugar a nível nacional). Neste ano lectivo, a Grande Final realizou-se no Centro Cultural de Cascais, no dia 24 de Maio, tendo o Gonçalo conseguido obter o 2.º lugar. Para esta actividade, o aluno contou com a colaboração da sua professora de Matemática, Maria do Carmo Castro, que o acompanhou nesta etapa final.

ESE na final do Rali Solar 09/10 Cecília Bento

Docente de Físico-Química

No passado dia 15 de Maio, teve lugar no Museu da Electricidade, em Lisboa, a final do Rali Solar 2009/2010, competição organizada pelo projecto Ciência Viva. Neste concurso, que visa promover o interesse pela ciência junto dos alunos do ensino básico e secundário, participaram 186 escolas de todo o país, em três modalidades: Supersol, Criassol e Girassol. A nossa escola esteve, pela primeira vez, representada nesta competição, através da equipa “bioESE”, formada por alunas da turma B do 12.º ano, que participou na modalidade Girassol. As alunas escolhidas para representar a turma, Bárbara Costeira, Raquel Costeira e Sílvia Oliveira, apresentaram um projecto desenvolvido ao longo do 2.º período no âmbito da disciplina de Química, sob a orientação da professora Cecília Bento, que incidiu na produção de biodiesel a partir de óleos alimentares usados. Este projecto valeu à equipa o 3.º lugar na classificação.

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No museu Custódio Prato José Carlos Oliveira e Silva 11.º K

No dia 8 de Janeiro de 2010, os alunos das turmas G, K, M, N e O do 11.º ano realizaram uma visita de estudo ao Museu Custódio Prato no Bunheiro (Murtosa), no âmbito da disciplina de Área de Integração, com a finalidade de identificar “Marcas da Identidade Regional”. Neste Museu, foi inaugurada numa primeira fase, a 19 de Maio de 1996, a casa (habitação), e numa segunda fase, a 30 de Abril de 2000, toda a área envolvente a esta, ou seja, o quinteiro, pátio e currais. O rancho folclórico “Os Camponeses da Beira Ria”, após alguns anos de recolha e preservação dos usos e costumes daquela região, pretendia adquirir um espaço que permitisse perpetuar as tradições e as memórias dos antepassados. Então, como o Sr. Custódio José da Silva Sousa tinha deixado a sua casa entregue à Igreja do Bunheiro, surgiu a ideia de a revitalizar, embora necessitasse de obras, pois a habitação encontrava-se em ruínas. A restauração do Museu iniciou-se em 1991, tendo 23 salas de exposição, onde se recriam profissões e actividades já desaparecidas no tempo, bem como uma série de objectos ligados à etnografia da região, preservando deste modo algumas tradições, usos e costumes. O Museu está bem estruturado, pois em cada sala dá para se perceber o dia-a-dia e o posto de trabalho dos trabalhadores da época retratada. Cada sala contém vários objectos pertencentes a cada profissão, em que os alunos podiam tocar para perceberem o esforço de muitas das profissões, que hoje em dia é feito por máquinas e nem se imagina o esforço físico que antigamente era necessário para se obter o mesmo fim. Pudemos ainda ver algumas ferramentas que eram usadas, com ajuda de animais, na agricultura.

A caminho do futuro Daniela Silva, Paula Soares e Susana Valente 11.º L

“A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.” Peter Drucker

No âmbito do Núcleo de Empreendedorismo da Escola Secundaria de Estarreja, “Educação em Empreendedorismo”, a turma L do 11.º ano, do Curso Profissional de Técnico de Gestão, participou numa formação dada pela Dr.ª Andreia Rocha, da Incubadora de Empresas de Estarreja. O projecto, de autoria de duas professoras desta turma, permitiu levar a cabo em parceria com a Câmara Municipal de Estarreja esta formação, que só teve aspectos positivos. Falar de empreendedorismo é falar de ideias, de criatividade e de acção. Neste contexto, foi-nos proposto um desafio: criar um negócio inovador com viabilidade económica para o nosso concelho. Desafio agarrado! Avançámos e apresentámos as nossas ideias-projectos de negócios inovadores. Claro que uns mais arrojados que outros, mas todos eles com características únicas que conferem uma posição geradora de vantagem competitiva, no confronto pela concorrência neste nosso concelho de Estarreja. Demos o primeiro passo, motivados, e podemos dizer que estamos a descobrir novas perspectivas de futuro.

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Daniel Silva e Liliana Ventura Docentes de EMRC

No dia 1 de Março de 2010, D. Ximenes Belo deslocou-se à Escola Secundária de Estarreja, para falar com os alunos do 7.º ano de escolaridade, no âmbito da disciplina de EMRC e da prática do Estágio Supervisionado dessa disciplina. No decorrer da conversa, de uma forma clara e singela, proferiu algumas palavras sobre a Paz, cativando todos os alunos, professores e demais assistentes. A Paz, para o bispo timorense, não passa só pela ausência do barulho das armas, mas também pela “paz ecológica”, a boa relação com o meio envolvente e a boa relação entre colegas. No dizer de D. Ximenes Belo, “a Paz connosco próprios (…), com os outros (…) e com o meio ambiente”. Realçou o facto de ser tão grave a existência de guerra provinda dos tiros de armas como as “guerras” que diariamente existem entre os adolescentes. Os alunos tiveram a oportunidade de questionar D. Ximenes Belo sobre algumas curiosidades do prémio Nobel da Paz ou sobre a(s) sensação(ões) que teve ao encontrar-se com Bill Clinton e Nelson Mandela. Com muita paciência e serenidade, respondeu aos alunos, tornando a manhã dessa segunda-feira mais rica para todos. Para finalizar as actividades, cada turma foi convidada a pintar um vaso com motivos sobre o tema, onde foi plantada uma oliveira como símbolo da Paz. Os alunos participaram ainda no jogo “Dizer a paz”.

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D. Ximenes Belo na Escola Secundária de Estarreja

No decorrer da conversa, de uma forma clara e singela, proferiu algumas palavras sobre a Paz, cativando todos os alunos, professores e demais assistentes.

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No 3.º Fórum Nacional de Saúde Alunas do 11.º L

Nos dias 8 e 9 de Março, realizou-se, no Centro de Congressos de Lisboa, o 3.º Fórum Nacional de Saúde, que incluiu várias actividades, das quais salientamos a sessão intitulada “Jovens – -Estratégias para um futuro com saúde”, realizada no dia 8, à tarde. Nessa sessão, foram apresentados posters elucidativos de trabalhos no âmbito da Educação para a Saúde, de várias escolas do país, com os seguintes temas: nutrição, exercício físico, álcool e consumo de substâncias, acidentes, sexualidade. A nossa escola esteve presente no evento, com o poster “A Dança Espanta”, o qual foi apresentado, com alegria e entusiasmo, por duas alunas da nossa turma, a Helena Raquel e a Susana Valente. A elaboração do poster surgiu na sequência de uma actividade por nós desenvolvida, no dia 24 de Fevereiro deste ano, e que consistiu numa aula de dança, destinada aos utentes do Centro de Saúde de Estarreja. Esta permitiu-nos estar em contacto com idosos fantásticos, com quem, mutuamente, partilhámos experiências de vida. Foi uma experiência enriquecedora e uma tarde inesquecível, onde se misturaram o calor, a alegria e a diversão. Poster criado pelas alunas da turma, para o evento

Leonardo da Vinci, proposta para o futuro Paulo Santos Docente de Inglês

O Programa Sectorial Leonardo da Vinci é um programa da União Europeu que atende às necessidades de ensino e aprendizagem de várias escolas ao nível da formação profissional. Nesse sentido, a Escola Secundária de Estarreja candidatou-se ao projecto de mobilidade Leonardo da Vinci 2010, que permite a diversos alunos dos cursos de Gestão e Animação Sociocultural a possibilidade de realizarem estágios profissionais no estrangeiro. É com prazer que se informa que a nossa candidatura foi aprovada, tendo sido avaliada por dois peritos externos à Agência Nacional PROALV, e obteve uma classificação média de 95 pontos, a que corresponde uma subvenção de € 60.897,00 para 19 participantes. Para além dos objectivos definidos no Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida, o programa Leonardo da Vinci apresenta os seguintes objectivos específicos: • Apoiar os participantes na aquisição e utilização de conhecimentos, competências e qualificações, de forma a facilitar o seu desenvolvimento pessoal, a empregabilidade e a participação no mercado de trabalho europeu; • Apoiar a melhoria da qualidade e da inovação dos sistemas, instituições e práticas de educação e formação profissionais; • Aumentar o atractivo da educação e da formação profissional, bem como facilitar a mobilidade dos alunos que terminam a sua formação. Neste contexto, foi fortemente encorajado o recurso ao Programa Leonardo da Vinci e aos Projectos de Mobilidade. Ao centrar-se na preparação, objectivos, conteúdos, acompanhamento e validação de competências adquiridas durante o estágio, a nossa escola garante uma aquisição real e direccionada de novos conhecimentos.

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Etim.: prea (lat. plena, fem. do adj. plenus, a, um ‘pleno, cheio’) + mar (lat. maris,e ‘mar’)

s.f. nível máximo da maré; o maior nível atingido pelas águas, no fim da enchente; maré-cheia; maré alta

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