"Trópico da violência" TAG Curadoria - Outubro/2025

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TAG CURADORIA Trópico da violência

TAG — Experiências Literárias

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Publisher Rafaela Pechansky

Edição e textos Débora Sander

Colaboradoras Laura Viola e Sophia Maia

Designer Bruno Miguell Mesquita

Capa Violaine Cadinot

Revisores Antônio Augusto e Liziane Kugland

Impressão Impressos Portão

Olá, tagger

Já exaltamos muito por aqui o poder que a literatura tem de dar visibilidade a lugares e histórias das bordas do mundo. Mas, neste mês, trazemos ao clube um livro especialmente pertinente nesse sentido, ambientado em um território do qual, provavelmente, a maioria de nós jamais tinha ouvido falar, e que sintetiza alguns dos maiores dilemas sociais do nosso tempo. Indicado pela escritora francesa Karine Tuil, Trópico da violência é ambientado nas ilhas de Mayotte. Nesta pequena jóia que é o livro da autora mauriciana-francesa Nathacha Appanah, a sensação é de desembarcar em um espaço que realmente revela uma teia inédita de complexidades para o leitor.

Ainda que nesse ineditismo seja possível identificar problemas bem familiares para quem tem suas origens em um país colonial como o Brasil, há muitas particularidades em Mayotte: sua condição insular, a classificação de departamento francês ultramarino, a relação neocolonial com o país europeu, a proximidade do continente africano, a predominância da tradição islâmica, as tensões raciais e migratórias que essas circunstâncias disparam. Para além da virtude temática, este é um livro esteticamente primoroso, com cinco vozes narrativas marcantes e bem construídas, e que, mesmo tocando em questões tão difíceis com uma brutalidade quase indigesta, nos deixa vidrados, entre o choque da realidade e o fascínio que uma história bem contada é capaz de provocar.

Boa leitura!

Experiência do mês

Um espaço todo seu, para aproximar e celebrar a maior comunidade leitora do Brasil 04 06 08 12 15 19 22 24 26 29

Para inspirar o olhar e as ideias antes, durante e após a leitura

Por que ler este livro

Bons motivos para você abrir as primeiras páginas e não parar mais

A autoria

Um retrato caprichado de quem está por trás da história

O livro

O olhar do crítico literário Luiz Mauricio Azevedo para você caminhar pelo livro do mês

A curadoria

Conheça Karine Tuil, a escritora francesa que escolheu o livro que você vai ler

Dois dedos de prosa

De onde veio, do que fala, o que é o livro que você vai ler

Da mesma estante

Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês

Universo do livro

Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês

Leia. Conheça. Descubra.

José Lins do Rego e uma infância de perda e liberdade no engenho

Espaço da comunidade

Experiência do mês

Seu livro além do livro: para ouvir, guardar, expandir, crescer

Mimo

Para que exista literatura, são necessários, no mínimo, dois polos de diálogo: quem escreve e quem lê. E a TAG existe para incrementar esse diálogo, incentivando que mais gente leia e que mais gente boa possa apostar na escrita. O mimo do mês é fruto de uma parceria muito especial com o Prêmio Kindle de Literatura, um dos mais importantes do país, que fomenta a publicação de autores independentes. O ano do nirvana, de Walther Moreira Santos, foi o vencedor da 9ª edição da premiação, escolhido por João Silvério Trevisan, Cidinha da Silva e Andréa del Fuego, e publicado em primeira mão pela TAG.

Projeto gráfico

Nas memórias sonhadas de uma infância perdida súbita e definitivamente, Moïse encontra um refúgio de beleza e ternura que é quiçá capaz de salvá-lo da loucura diante da desumanização a que a realidade o submete. Essa atmosfera que beira o escape onírico do personagem foi a inspiração para a capa de Trópico da violência, desenvolvida pela designer francesa Violaine Cadinot.

Certos livros, como este, deixam a gente ao mesmo tempo sem palavras e precisando urgentemente conversar. Que tal começar esse movimento pós-leitura escutando nosso podcast? Lá tem sempre um convidado especial e alguns caminhos para abrir e absorver sentidos a partir do livro do mês.

A música está presente nas mais ternas memórias de Moïse, para onde ele viaja sempre que precisa de um lugar seguro. Na nossa playlist, você pode ter um gostinho de algumas melodias que embalam o território afetivo do protagonista de Trópico da violência.

Visite o app para saber mais sobre o livro e participar da comunidade.

“Ex-jornalista e brilhante romancista, Nathacha Appanah opta por uma narrativa polifônica, em que as vozes dos vivos e dos mortos incorporam Mayotte. O resultado é belíssimo — conciso e brutal.”

Le Monde

“Nathacha Appanah evoca a ilha de Mayotte e o destino duro e por vezes violento de cinco personagens que ela ancora em Gaza, uma favela. Uma obra potente, que lança um olhar crítico sobre dilemas humanos reais, contemporâneos e cruciais. Um relato e um testemunho engajado da escritora.”

Radio France

Marie, uma jovem enfermeira da metrópole, vai viver em Mayotte para seguir o homem que ama. Na ilha, acolhe um bebê abandonado e o chama de Moïse. Alguns anos depois, após a morte de Marie, Moïse, agora adolescente, começa a investigar suas origens e se vê confrontado com a violência, a miséria e a injustiça das ruas, no gueto conhecido como Gaza. romance contemporâneo e impactante, vencedor do Prix Femina Lycéens em 2016.

ISBN 978-65-85778-13-8

Por que ler este livro

Aviso de gatilho: violência física e sexual, abuso psicológico, morte de animais

Este romance polifônico revela a crua realidade de violência em um departamento ultramarino da França a leste da África. A paisagem paradisíaca de Mayotte contrasta com o fosso social, a precariedade e o desespero de imigrantes ilegais e adolescentes marginalizados em uma periferia que tem “o cheiro dos guetos do mundo” e leva o significativo apelido de Gaza. Com lucidez, sensibilidade e uma impressionante intimidade com a palavra, Nathacha Appanah consegue o milagre de se aproximar da brutalidade com as tintas de uma prosa delicada, fazendo ver a vulnerabilidade que resiste mesmo naqueles que foram embrutecidos pelo desamparo.

“Tive a sensação de estar em Mayotte, em uma
França ultramarina, mas também em todos os bairros periféricos ao redor do mundo, lugares marcados pela aspereza, pela nudez, por uma dureza que não se preocupa com aparências.”

Em entrevista exclusiva à TAG, a autora do mês, Nathacha Appanah, relembra o período em que viveu em Mayotte e a maneira como essa experiência fez surgir dentro dela as histórias contadas em Trópico da violência

Nascida em 1973, em Mahébourg, Nathacha Appanah passou os cinco primeiros anos de sua infância no norte das ilhas Maurício, em Piton. Publicou seus primeiros ensaios literários em um jornal local aos 17 anos e, alguns anos mais tarde, mudou-se para a França para concluir seus estudos em jornalismo e editoração. Sua ancestralidade indiana foi o tema do premiado romance de estreia Les rochers de Poudre d’Or [As rochas de Poudre d'Or, em tradução livre], publicado em 2003. Os familiares de Nathacha migraram do sul da Índia para as ilhas Maurício no final do século 19 como trabalhadores agrícolas, em uma condição de servidão por contrato conhecida como engagisme e comum no pós-abolição em territórios coloniais. Estima-se que esse modelo tenha movimentado cerca de três milhões de pessoas ao redor do mundo durante aquele século.

Seu segundo romance, Blue Bay Palace, narra uma trama contemporânea de paixão amorosa e trágica entre uma jovem indiana e um homem de outra casta. Foram outros três romances até chegar em Trópico da violência, lançado em 2016 na França, vencedor do prêmio Femina des lycéens. Depois, ainda publicou outros quatro, incluindo o recém-lançado La nuit au coeur, que entrelaça as histórias de três mulheres vítimas de violência doméstica. Nathacha Appanah foi reconhecida por numerosos prêmios literários e listada mais de uma vez para o Goncourt e o Renaudot. Em 2017, recebeu a medalha de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres do Ministério da Cultura francês. Sua obra se ancora na realidade cosmopolita dos territórios do oceano Índico, marcada por contradições econômicas e sociais de sociedades crioulas, para além das ilhas Maurício.

Em conversa com a TAG, Nathacha Appanah contou sobre as expectativas ingênuas que tinha sobre Mayotte antes de morar no local durante dois anos com a família. O período a fez deparar com a intensa complexidade daquele pequeno pedaço de terra, que despertava, a cada dia, uma combinação elaborada de ternura, beleza, imagens poéticas e, ao mesmo tempo, a síntese de todas as problemáticas sociais mais pungentes da atualidade: migração, ecologia, identidade e tensões raciais. Leia a seguir a entrevista completa.

©G.Garitan

Você nasceu nas ilhas Maurício, mas seu livro é ambientado em Mayotte. Em que circunstâncias você conheceu a ilha de Mayotte, e o que a instigou a escrever sobre esse lugar? Foi, como se costuma dizer, um acaso da vida. Vivíamos em Paris e, em 2008, meu marido foi transferido para Mayotte. Tínhamos acabado de ter um bebê e por isso decidimos nos mudar. Eu, que nasci em uma ilha, achava maravilhoso poder oferecer à minha filha uma infância insular. Muito rapidamente, percebi que esse território era extremamente complexo, que todos os atrativos e encantos de uma vida insular eram abalados pela pressão migratória, pela geopolítica, pelo número de crianças vivendo nas ruas. Mas, a princípio, eu não queria escrever sobre esse lugar. Achava que seria difícil demais para um projeto literário. No entanto, essa ilha continuou me perseguindo mesmo depois que voltei a Paris e, de certa forma, não tive escolha.

Trópico da violência é um romance polifônico, com vozes narrativas muito bem caracterizadas, inclusive de personagens já mortos. Por que você escolheu contar essa história a partir de múltiplos pontos de vista, e como foi o processo de construção dessas vozes? Alguma delas foi especialmente desafiadora de desenvolver?

Antes de se tornar o romance que foi publicado, este livro teve três versões. Primeiro, a história de uma enfermeira que se muda para a ilha e adota uma criança. Depois, a história de uma criança que fica sozinha após a morte de sua mãe adotiva. Por fim, o desenrolar de um dia na ilha, com vários protagonistas. Foi com essa última versão que retornei a Mayotte

em 2014. Eu estava em dúvida quanto à qualidade dessa versão — a considerava correta, mas faltava algo, e eu não sabia exatamente o quê. Um elemento de ambientação? De clima? Muito rapidamente, ao chegar na ilha, entendi que o que faltava era a multiplicidade de vozes, a complexidade, a nuance. Compreendi que não era uma única história que eu precisava contar, mas várias histórias, e que cada uma delas precisava existir com sua própria voz. Acredito que a voz mais difícil para mim foi a de Stéphane, no início.

Uma imagem muito forte evocada pelo seu livro é a do olho verde de Moïse, interpretado como um sinal de que ele seria filho do djinn. Que sentidos simbólicos você quis evocar com essa imagem?

Os habitantes de Mayotte e das Comores são religiosos e têm uma tradição oral muito forte. O djinn, esse gênio que pode ser bom ou mau, está presente na intimidade das famílias. Eu queria mostrar, ao mesmo tempo, a pertença e a estranheza de Moïse. Também a sua beleza particular. Ele é filho dessa ilha, mas também carrega consigo uma herança cultural, crenças ancestrais. Ele carrega tanto o peso de sua própria história quanto a origem das histórias dos outros.

Seu livro também mobiliza o sentido de identidade racial e nacional em um território que pertence à França, mas que é geograficamente próximo da África. A busca de Moïse por pertencer a um lugar, a uma família e a uma ancestralidade o aproxima de Bruce e de uma realidade muito dura. De que forma essa ambiguidade molda as identidades dos personagens do romance?

Essa é uma questão interessante, que se conecta à anterior. Para mim, Moïse e Bruce são como dois lados da mesma montanha. O acaso do nascimento e a infância de cada um os tornaram seres muito diferentes, no entanto. Um entendeu que a violência é uma forma de poder; o outro sabe que o amor que recebeu da mãe o tornou praticamente invulnerável. Um é francês de nascimento; o outro não tem identidade verdadeira, vive em questionamento constante. As relações de poder entre Bruce e Moïse se desenham como um combate permanente.

As descrições do bairro periférico de Mayotte, apelidado de Gaza, remetem muito às periferias de cidades brasileiras. De que forma você acredita que seu livro reflete desafios mais amplos enfrentados por sociedades pós-coloniais? Nesse sentido, que diálogos você gostaria de estabelecer com os leitores brasileiros?

Compreendi essa proximidade ao caminhar por Gaza. Tive a sensação de estar em Mayotte, em uma França ultramarina, mas também em todos aqueles bairros periféricos ao redor do mundo que parecem brotar da terra, lugares marcados pela aspereza, pela nudez, por uma dureza que não se preocupa com aparências. Não podemos falar de Mayotte como uma sociedade pós-colonial, já que ela tem o status de departamento francês. No entanto, ao viver ali, podemos nos perguntar a qualquer momento do dia: estou mesmo na França? As questões pós-coloniais — libertar-se de toda a dominação cultural, linguística, econômica e política, ao mesmo tempo que se é profundamente marcado por esses mesmos elementos — são evidentes. É um dilema permanente. Eu gostaria, se tiver essa sorte, de ouvir meus leitores brasileiros me contarem sobre seus próprios dilemas, suas lutas internas, suas montanhas de múltiplos lados. Porque, vejam, mesmo que Trópico da violência possa lembrar outros contextos, acredito que existe uma especificidade em cada povo, em cada país, e eu adoraria conhecer a dos leitores brasileiros.

Primeiro livro que li: Les malheurs de Sophie, Condessa de Ségur.

Livro que estou lendo: Meu nome é vermelho, Orhan Pamuk.

Livro que mudou minha vida: O estrangeiro, Albert Camus.

Livro que eu gostaria de ter escrito: Ah, há algumas dezenas! O que me vem à mente, imediatamente: The underground railway, Colson Whitehead.

O último livro que me fez chorar: Eu que nunca conheci os homens, Jacqueline Harpman.

Último livro que me fez rir: De quatro, Miranda July.

Livro que não consegui terminar: Unicamente por minha culpa, porque me demandou uma concentração sem precedentes. Espero terminá-lo neste verão: 2666, de Roberto Bolaño.

Uma senhora escritora

O crítico literário Luiz Mauricio Azevedo comenta o livro do mês entrelaçando as virtudes da narrativa de Nathacha Appanah a questões latentes do debate contemporâneo, refletindo sobre os caminhos de aproximação e os abismos entre literatura e realidade

No verão de 2016, a mauriciana-francesa Nathacha Appanah era um cult seller nas rodas de Williamsburg e, portanto, uma dessas autoras que apareciam em todas as listas de literatura contemporânea. Ela havia recém lançado Trópico da violência, pela prestigiosa editora Gallimard, e todos os meus amigos estadunidenses (na verdade, eu só tinha dois) se engalfinhavam em pedidos de urgência para os livreiros que poderiam importar um exemplar da obra. O enredo se assenta sobre a história de uma enfermeira que encontra um bebê abandonado e resolve adotá-lo. Nessa versão do mito, Moisés vive em Mayotte, um território de propriedade francesa próximo ao arquipélago das Comores. Com a morte da mãe, ele altera a direção do leme e segue na maior velocidade que pode, na direção do autoengano e das pulsões de morte. O que importa aqui não é tanto o que acontece, mas o significado social das coisas que acontecem quando encaradas por diferentes narradores que, à medida que falam, apagam aquilo que as vozes anteriores disseram, em uma alegoria precisa das tradições literárias ocidentais.

Faz muito tempo que não vou a Nova York. E receio que, na atual conjuntura, seja cada vez mais difícil encontrar livreiros francófilos e amigos fiéis. É possível, portanto, que a verdade estadunidense tenha mudado e os ideais que levaram a cultura francesa a confiar no futuro da América branca (a ponto de presenteá-la com uma estátua muito brega e muito linda, nessa ordem) sejam hoje invisíveis para nós. A despeito disso, a literatura de Appanah continua a falar mais sobre nós do que sobre os outros; e nesse exercício joga um cobertor molhado sobre o que precisamos controlar antes que nos destrua: o fogo fátuo da violência.

Em uma canção lançada em 19 de março de 2001, Kelly Jones, o compositor e vocalista da banda galesa Stereophonics, indaga, em forma de prece provocativa: “Senhor escritor, senhor escritor... por que o senhor não diz as coisas como elas realmente são, antes de ir para casa?”. A pergunta desencadeou mais um capítulo de uma velha história incontornável para quem escreve: existe algo mais fantasioso do que a pretensão de descrever o mundo tal como ele é? De lá para cá houve transformações profundas no modo como as sociedades contemporâneas entendem o que é realidade e, portanto, o que seria literatura. Escrever de forma realista tem sido cada vez mais difícil porque a realidade tal como ela é aceita pela maioria das pessoas é ela mesma um tema conflituoso.

Em um mundo no qual as fake news abandonaram a seara do simulacro e se tornaram o argumento principal daqueles que acreditam ser seu próprio ponto de vista o mais luminoso ponto dentre todas as vistas, fazer literatura é por vezes competir com as ficções incompletas de um mundo incapaz de lidar com suas próprias verdades. Nesse sentido, a boa literatura — não se engane, existe a boa literatura — vai depositar grande parte de suas fichas na disputa de um novo estatuto da fala, no qual o modo como se conta importa mais do que aquilo que é contado. Se Marie, Moïse, Bruce, Olivier e Stéphane — os soldados da guerra promovida por Nathacha Appanah em Trópico da violência — pudessem responder à pergunta de Jones (sobre o motivo dos escritores não dizerem as coisas como elas realmente são), eles diriam, sem qualquer vestígio de engano: “Porque não podem”.

Com uma dicção que mistura cosmopolitismo e enraizamento, e uma prosa que mistura engenho artesanal com domínio técnico narrativo comercial, Appanah é o exemplo do que uma boa autora é capaz quando compreende os limites da literatura em relação aos poderes da agência humana. O resultado aqui é uma obra feita da descrição rigorosa da raiva, dos maus sentimentos, da decepção, da corrosividade, do desespero, da destemperança e do sentimento de que o que quer que poderíamos ter sido — e que não fomos — nos assombrará para sempre, caso realizemos nossa fantasia de vida eterna. É como se Appanah colocasse em xeque a própria legitimidade do ato de contar histórias. Seus atos de fala são, na verdade, feitos cuja realização talvez só seja possível no universo restrito da imaginação individual. Pois bem, é justamente esse talvez que sustenta sua obra.

Ao apostar nele, Appanah entrega à leitora, ao leitor, uma espécie de cavalo de Troia: por fora, trata-se de uma obra decolonial que se debate contra as dificuldades e as limitações das grandes narrativas (afinal, o que importa, em um mundo de destruição e desertificação dos imaginários, o que fabulam aqueles que nem sequer tiveram o direito de pensar?); uma vez ligada, sua máquina de possibilidades estéticas se apresenta como aquilo que de fato é: uma declaração da falência de todos os discursos de razão, exceto os da ficção. Appanah ergue uma catedral feita de linguagem, sonho e bases teóricas movediças, fazendo das incertezas do mundo ficcional a única razão segura da pós-modernidade. Grande parte do que falta à maioria das produções literárias contemporâneas se encontra em boa quantidade em Trópico da violência: uma saudável desconfiança do poder elucidativo das palavras.

*Doutor em Teoria e História Literária, pela UNICAMP.

Autor de A manipulação das ostras (Ed. Zouk)

“Espero de um livro que ele me desestabilize um pouco, que me confronte com a realidade do mundo e que me ofereça uma musicalidade particular.”

A curadora do mês, Karine Tuil, fala à TAG sobre o título indicado ao clube e as marcas que essa história deixou nela anos depois da leitura, além de traçar paralelos entre sua escrita e a de Nathacha Appanah

Como você entrou em contato com Trópico da violência, e por que escolheu este título para indicar aos associados da TAG? Que aspectos mais te cativaram na narrativa de Nathacha Appanah? Nathacha Appanah é uma autora cujo trabalho admiro há muito tempo. Ela publicou Trópico da violência ao mesmo tempo que meu romance L’insouciance, o que criou uma cumplicidade muito amistosa entre nós. Desde as primeiras páginas, fiquei impressionada com o trabalho de Nathacha, pois ela entrelaça diversas vozes, em uma estrutura narrativa particularmente ousada e singular. Além disso, há nela uma harmonia entre forma e conteúdo, entre o estilo e o tema. O que também me cativou, para além dessa dimensão literária, foi a própria história — o retrato sem concessões de uma cidade entregue à violência e à miséria. Devo dizer que gosto de descobrir mundos que me são estranhos. Eu não sabia nada sobre Mayotte e tive a sensação de descobrir não apenas um lugar e uma língua, mas também um universo.

Este é um livro pesado, por vezes indigesto, mas também tem uma escrita muito marcante e hipnótica, que nos conecta à leitura mesmo nas passagens mais duras. Há algum personagem que tenha tornado essa leitura especialmente marcante para você?

Devo confessar que li este livro quando foi lançado; portanto, não lembro de todos os personagens. Mas o que o torna tão precioso para mim são justamente as sensações que ele desperta anos após a leitura — a marca que deixou em mim. Tive a sensação de estar lendo um grande livro, um texto habitado, assombrado por personagens muito vívidos e por vozes de uma impressionante precisão. Espero de um livro que ele me desestabilize um pouco, que me confronte com a realidade do mundo e que me ofereça uma musicalidade particular — o que Nathacha Appanah consegue fazer com talento.

Seu livro Coisas humanas, que foi enviado na TAG em 2023, também é narrado através de múltiplos pontos de vista e nos leva a pensar sobre a impossibilidade de alcançar uma “verdade final”. Você enxerga paralelos entre seu livro e Trópico da violência?

Eu optei pela forma indireta; Nathacha Appanah utiliza o “eu”, o que cria um fenômeno de identificação muito evidente para o leitor, mas também adiciona uma camada de complexidade, pois cada voz precisa ser reconhecível e não se parecer com as demais. Em ambos os casos, a multiplicidade de pontos de vista permite mostrar a complexidade das situações descritas, cultivar uma certa ambiguidade e lembrar, como dizia Nietzsche, que não há uma verdade, apenas perspectivas sobre a verdade. Além disso, penso que há outra semelhança entre nossos livros: nós questionamos, com as ferramentas da literatura, os mecanismos mais injustos ou disfuncionais da nossa sociedade. Sartre dizia que “revelar é transformar”. Essa também é a minha concepção da literatura.

A curadora do mês

Nome: Karine Tuil

Nascimento:

Paris, 03 de maio de 1972

Profissão:

Advogada e escritora

Duas ou três coisas sobre ela:

1 DO DIREITO À LITERATURA

Karine formou-se em

Direito na prestigiada Universidade Paris II, trabalhou como jurista e planejou uma tese de doutorado — que chegou a escrever, mas nunca defendeu, pois optou por se dedicar à literatura. Iniciou sua carreira na escrita no final dos anos 1990, quando um texto seu foi publicado pelo jornal Le Figaro.

2 MAIS DE DEZ LIVROS

A curadora do mês já publicou treze títulos, consolidando seu nome no cenário literário francês. Seus três primeiros livros (Pour le pire, Interdit e Du sexe féminin) exploram questões de identidade judaica, relações familiares, morte e criação, com inspiração declarada na obra de Philip Roth.

3 COISAS HUMANAS Vencedor do prêmio Goncourt des lyceéns, o único livro de Karine Tuil publicado no Brasil chegou por aqui pela TAG Curadoria em 2023, por indicação de Tatiana Salem Levy. Com uma escrita límpida e afiada, inspirado por um caso real de violação sexual ocorrido em Stanford, o livro foi adaptado ao cinema por Yvan Attal e teve atuações de Charlotte Gainsbourg e Pierre Arditi.

Quais outros livros ou autores você indicaria para quem gostar da leitura de Trópico da violência?

Eu recomendaria O adversário, de Emmanuel Carrère, inspirado no caso Romand, ou The red parts , de Maggie Nelson.

Como estão seus projetos literários? Está trabalhando em um novo livro?

Sim, estou trabalhando em um novo romance, mas não posso revelar muito, pois tenho a sensação de que o livro me escapa se falo sobre ele durante o processo de escrita. A escrita é um enigma, e duvidamos o tempo todo. Mas também estou trabalhando em uma nova coletânea de poemas. Gosto de sempre reservar um espaço para a poesia.

Como poeira no oceano

Um zoom in nas ilhas de Mayotte, departamento ultramarino francês que está na rota de um turbulento fluxo de migrantes que viajam em barcos precários, movidos pelo desejo de chegar à França

De cima e de longe, é verdade que aqui é só uma poeira mas essa poeira existe, ela é alguma coisa. Alguma coisa com seu avesso e seu lugar, seu sol e sua sombra, sua verdade e sua mentira. As vidas nesta terra valem tanto quanto todas as vidas em outras terras, não é? ”

Se você abrir um mapa e tentar encontrar Mayotte por conta própria, é provável que passe um bom tempo procurando. Na imensidão onde o oceano Índico encontra o canal de Moçambique, cerca de 300 quilômetros a noroeste de Madagascar e 500 quilômetros a leste da costa africana, o território pode facilmente passar despercebido, mas o livro deste mês nos provoca a sustentar e aprofundar nosso olhar sobre esse lugar. Composto pelas ilhas Chissioi, Petite-Terre e Grande-Terre — a própria ilha Mayotte, onde fica a capital Mamoudzou e a favela de Kaweni (apelidada de Gaza) —, é conhecido por suas paisagens paradisíacas com recifes de coral e uma lagoa de um azul hipnótico, que parecem em dissonância com a precariedade social e migratória. Com uma área menor do que capitais brasileiras como Porto Alegre e Curitiba, Mayotte soma cerca de 320 mil habitantes em dados oficiais, mas os números reais podem ser de 30% a 60% maiores em função do grande número de imigrantes sem documentação.

A POVOAÇÃO DAS ILHAS DO ÍNDICO

E A SITUAÇÃO ATUAL DE MAYOTTE

Os primeiros registros de povoação de Mayotte e do arquipélago das Comores datam de um milênio atrás, a partir das navegações árabes. Em 1843, teve início a exploração colonial francesa em Mayotte, com a anexação oficial em 1904. Na década de 1960, se intensificaram as agitações sociais em prol da independência dos territórios insulares do oceano Índico, e em 1975, as ilhas vizinhas de Grande Comore, Anjouan e Mohéli declararam independência. Mayotte, porém, optou por seguir vinculado à França. Desde 2011, o território é considerado um departamento ultramarino francês, teoricamente com o mesmo status que os departamentos da França continental. Mas o país europeu dispõe de diferentes categorias de cidadania, com vistos que restringem a permissão de residência e trabalho ao território.

Trópico da violência desvela a realidade atual de Mayotte, profundamente atravessada pela crise migratória e pela relação neocolonial com a França, através da perspectiva de cinco personagens. Segundo reportagem da BBC, centenas de migrantes morrem todos os anos tentando chegar à pequena ilha francesa, a maioria proveniente das ilhas vizinhas de Comores e Madagascar ou da Somália. Embora Mayotte seja o departamento mais pobre da França, cidadãos de localidades próximas ainda mais empobrecidas arriscam a travessia perigosa para buscar melhores condições de vida e trabalho sob o sistema de bem-estar social francês. Barqueiros informais, considerados contrabandistas de migrantes, costumam anunciar a viagem em grandes barcos turísticos, mas, na prática, utilizam pequenas e precárias embarcações de pesca, chamadas de kwassas kwassas.

Quem sobrevive à travessia frequentemente é deportado, mas quem consegue ficar se instala indefinidamente em casas feitas de chapas metálicas nas favelas de Mayotte, esperando por uma autorização de residência. E, entre as muitas deportações, acontece muito de crianças serem deixadas para trás por pais esperançosos de que poderão voltar por elas, ou de que elas teriam mais oportunidades em um território francês. Esse fenômeno, somado à baixa expectativa de vida, resulta em uma população com média de idade de 23 anos — em comparação com a média de 41 anos do território continental francês. Já a taxa de desemprego chega a 37% nas ilhas, contrastando com os 7,4% da França. São muitas disparidades: três em cada quatro pessoas em Mayotte vivem abaixo da taxa nacional de pobreza da França.

O mourengué é uma prática tradicional entre a luta e a dança, muito similar à capoeira brasileira. Comum nas ilhas do oceano Índico: Madagascar, Comores, inclusive Mayotte, e Reunião.

Da mesma estante

Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês, para quem quiser continuar no assunto

JUVENTUDES MARGINAIS

No Brasil, na Índia e nos Estados Unidos, três narrativas em que o desamparo social rouba cedo o horizonte dos personagens

CAPITÃES DA AREIA, Jorge Amado

Companhia das Letras, 283 pp.

Num dos romances mais impactantes e encantadores de Jorge Amado, conhecemos o dia a dia de meninos pobres que vivem num trapiche abandonado em Salvador. Um clássico que sustenta sua atualidade quase 90 anos depois de sua publicação, referência maior da literatura sobre a infância marginalizada.

EM BUSCA DE UM FINAL FELIZ, Katherine Boo

Novo Conceito, 288 pp.

Tradução de Maria Ângela Amorim de Paschoal

No cotidiano dos moradores de uma favela localizada à sombra do Aeroporto Internacional de Mumbai, na Índia, se revela a riqueza humana de um mosaico de personagens atravessados pela pobreza material extrema, em uma trama de denúncia social que dialoga também com a realidade brasileira.

ESTE LADO DE PROVIDENCE, Rachel M. Harper TAG, 400 pp.

Tradução de Lígia Azevedo

Filhos de uma mãe amorosa e dependente química, os protagonistas desse livro precisam amadurecer rápido demais e se veem sozinhos quando a mãe é presa por porte de drogas. Entre adaptações e rearranjos, a força das conexões humanas persiste como brotos selvagens que nascem nas frestas da brutalidade.

EX-COLÔNIAS FRANCESAS

Outras histórias ambientadas em territórios que tiveram sua formação atravessada pelas feridas do colonialismo francês

CLARA DA LUZ DO MAR, Edwidge Danticat

Todavia, 241 pp.

Tradução de Ana Ban

Órfã de mãe e criada pelo pai, uma menina desaparece no Haiti no dia de seu aniversário de sete anos. A busca por ela revela as dores, segredos, esperanças e a memória coletiva de uma comunidade marcada pela desigualdade brutal e pela pobreza.

CARTAS A

UMA NEGRA, Françoise Ega

Todavia, 256 pp.

Tradução de Vinícius Carneiro e Mathilde Moaty

Nesse livro, que conecta as histórias de privação e luta de mulheres negras das Antilhas francesas e do Brasil, a autora martinicana reúne cartas endereçadas a Carolina Maria de Jesus, denunciando a situação das trabalhadoras antilhanas na França.

A MAIS RECÔNDITA MEMÓRIA DOS HOMENS, Mohamed Mbougar Sarr Fósforo, 400 pp.

Tradução de Diogo Cardoso

Vencedor do prêmio Goncourt, esse romance acompanha um jovem escritor senegalês em busca de um autor desaparecido após uma acusação de plágio nos anos 1940. A trama percorre Senegal, França, Amsterdã e a Buenos Aires das irmãs Ocampo.

Universo do livro

Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês

CIDADE DE DEUS

filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund que retrata a perspectiva de um jovem negro que cresceu na favela que se tornou uma das mais violentas do Rio de Janeiro nos anos 1980.

PAÍS SEM CHAPÉU

livro de inspiração autobiográfica do haitiano Dany Laferrière, que retrata o retorno de um escritor a seu Haiti natal depois de duas décadas de exílio e os desafios de narrar esse reencontro.

PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO

filme de Héctor Babenco sobre um menino de dez anos que, depois de ser abandonado pelos pais, circula entre a vida nas ruas de São Paulo e em instituições de detenção, onde se aproxima ainda mais da criminalidade.

ADOLESCÊNCIA

aclamada minisssérie da Netflix que desvela as possíveis motivações de um adolescente de 13 anos suspeito de assassinar uma colega de escola, investigando a construção da masculinidade em comunidades virtuais com ideologias misóginas.

TIROS EM RUANDA

filme de Michael CatonJones ambientado durante o genocídio de 1994 em Ruanda. Um padre e um professor britânico ficam presos em uma escola e protegem refugiados tútsi depois que a ONU abandona o país, no impasse entre ficar ou abandonar o conflito.

CANGAÇO NOVO

série da Netflix em que um bancário volta ao sertão cearense onde nasceu e tor na-se o líder de uma gangue de assaltantes de banco, compondo uma trama que levanta questões de exclu são social, marginalidade e violência sistêmica.

ATLANTIQUE

filme de drama sobrenatural da diretora franco-senagalesa Mati Diop, ambientado em Dakar. A trama acompanha a busca por reparação social depois que um grupo de jovens trabalhadores desaparece no mar em uma perigosa travessia até a Europa.

LEIA. CONHEÇA.

DESCUBRA: José Lins do Rego

O fim precoce da infância é um tema transversal no livro de Nathacha Appanah. Há quase cem anos, na Paraíba, José Lins do Rego interseccionou o tema em narrativas de inspiração biográfica que retratam uma experiência precoce de perdas e liberdades no engenho de açúcar do avô, na Paraíba.

©Arquivo da ABL

José Lins do Rego

Nascimento

3 de junho de 1901, Pilar (PB)

Morte

12 de Setembro de 1957, Rio de Janeiro (RJ)

Considerado um dos grandes nomes da segunda geração do modernismo brasileiro e talvez o autor que melhor traduziu os dilemas de um Nordeste brasileiro em transformação, José Lins do Rego nasceu em um engenho de cana-de-açúcar da Paraíba e teve sua vida e obra profundamente marcadas por essa paisagem e pelos tipos e conflitos próprios daquele tempo e espaço.

Órfão de mãe desde criança, não teve o pai presente e foi criado por duas tias no engenho do avô, com quem tinha uma relação difícil. Tia Maria, sua figura materna, morreu cedo, e sua outra tia, Naninha, também partiu, ao se casar. Sua infância foi marcada por perdas e pela liberdade precoce entre outros meninos do engenho.

Aos nove anos, foi estudar em Itabaiana, e depois, em João Pessoa, onde escreveu seu primeiro artigo. Com 15, mudou-se para Recife e ingressou no Colégio Carneiro Leão, mais tarde entrando na faculdade de Direito. Lá, fez amizades importantes, como Gilberto Freyre.

Embora tenha se formado em Direito, nunca se interessou pela profissão. Ainda assim, exerceu o ofício: foi promotor em Minas e fiscal de bancos em Maceió, onde encontrou um ambiente cultural fértil e se aproximou de nomes como Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. A literatura era sua verdadeira paixão. Em 1932, lançou Menino de engenho, obra de estreia que o projetou no cenário nacional e que seria premiada e traduzida para vários idiomas. A partir daí, publicou quase anualmente, alcançando o auge com Fogo morto (1943), considerada sua obra-prima.

Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde colaborava regularmente com jornais e chegou a ter uma coluna em O Globo. Em 1955, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e tomou posse no ano seguinte. Seu legado permanece vivo na literatura brasileira, no futebol (como torcedor do Flamengo) e na cultura nordestina, homenageado pelo Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa.

De dia, porém, esperando os meus canários, amava a solidão. Era ela que deixava falar o que eu guardava por dentro — as minhas preocupações, os meus medos, os meus sonhos. O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos.

MENINO DE ENGENHO

O romance de estreia, de evidente inspiração autobiográfica, narra a vida em um engenho de açúcar através da experiência de um menino que vive o desamparo precoce e uma paradoxal liberdade no engenho do avô, um mundo novo que contrasta com a cidade e onde resistem fortes traços da escravidão.

FOGO MORTO

Livro que encerra a primeira fase da obra do autor, considerado a síntese do ciclo da cana-de-açúcar na literatura brasileira. Com domínio poético em sua prosa marcante, o autor retrata a decadência das engrenagens que sustentavam a economia dos engenhos.

PEDRA BONITA

Obra inaugural da segunda fase de Zé

Lins. O autor apresenta aqui o Nordeste da seca, onde o domínio dos cangaceiros dava seus primeiros passos. Com a excelência narrativa de sempre, o protagonista é uma criança deixada para trás durante a seca, que se vê entre a moral católica ensinada por seu tio, um padre, e o envolvimento do irmão mais velho no cangaço.

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OBRA-PRIMA

Espaço da comunidade

Madame TAG, sou do norte de Minas e comecei a estudar russo aos 50 anos. Sempre tive medo de aprender outro idioma, mas também curiosidade. Escolhi o russo porque admiro Tolstói e quero ler Guerra e paz no original. Também planejo visitar Moscou, mas me sinto insegura em falar, especialmente por já ter mais de 50. Algum conselho?

Cara leitora, admiradora de Tolstói,

É bonito ver que, às vezes, nossas maiores paixões não se voltam para pessoas que conhecemos, mas para figuras que nos atravessam profundamente — e me parece que é isso o que acontece entre você e Tolstói. O que você está vivendo é um encontro de paixões: pela literatura, pela curiosidade, pela coragem de se aventurar. E quando a paixão guia, o medo precisa aprender a andar ao lado, sem ditar o caminho. A própria palavra “paixão” vem do latim passio, que significa sofrimento, ato de suportar. Talvez o que hoje te inquieta seja exatamente isso: suportar o não saber. Mas veja só. Você nasceu em um lugar onde o russo não se ouve, não se fala, não se ensina com facilidade. Ainda assim, foi capaz de desejar o idioma, de começar a estudá-lo. Isso, minha cara, é um ato de bravura. Quanto à idade, saiba que ela não é um problema, mas a solução. Talvez, se mais jovem, não conseguisse sustentar um desejo tão genuíno como esse. A maturidade lhe deu ferramentas que antes não tinha: agora você já viveu o suficiente para saber o valor de um sonho e tem a força para ir em direção a ele. E como nos ensinou Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, às vezes a única coisa que a vida quer da gente é coragem.

Quer um conselho?

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Marie, uma jovem enfermeira da metrópole, vai viver em Mayotte para seguir o homem que ama. Na ilha, ela acolhe um bebê abandonado e o chama de Moïse. Alguns anos depois, após a morte de Marie, Moïse, agora adolescente, começa a investigar suas origens e se vê confrontado com a violência, a miséria e a injustiça das ruas, no gueto conhecido como Gaza.

Um romance contemporâneo e impactante, vencedor do Prix Femina des Lycéens em 2016.

As capas de livro frequentemente são verdadeiras obras de arte, não é mesmo? Recortando a página ao lado, você pode transformar este projeto gráfico em um item exclusivo, seja como elemento decorativo ou colecionável. O verso também é especial, com uma linda citação da obra.

ISBN 978-65-85778-13-8

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Lavo da minha língua as palavras que machucam, engulo toda a raiva, esfrego com meu corpo a beira desse amor para que ele seja de novo liso e aveludado.

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Publisher Rafaela Pechansky

Edição e textos Débora Sander

Colaboradoras Laura Viola e Sophia Maia

Designer Bruno Miguell Mesquita

Capa Violaine Cadinot

Revisores Antônio Augusto e Liziane Kugland

Impressão Impressos Portão

“Metade da humanidade não come; e a outra não dorme, com medo da que não come.”
– JOSUÉ DE CASTRO

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