Sound #24

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EDIÇÃO #20 | MAIO 2021 | GRATUITA EDIÇÃO #24 | SETEMBRO 2021 | GRATUITA

SOUND

DEBAIXO D’OLHO A CONTA VEENHO PALHETAS

ENTREVISTA FILIPE BIA KARLSSON MARIA

CONTA OSAMACACOS PALHETAS DO ÁRTICO


SOUNDSCOUT EDIÇÃO DE SETEMBRO

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Guimarães

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índice

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setembro 2021

sound #24

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Editorial

Poster Kings Of Convenience

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Os Macacos do Ártico

Board Festival MIL Lisboa

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Entrevista Bia Maria

Quiz Anos 90

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Nilufer Yanya

A Conta Palhetas

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editorial

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setembro 2021 Ficha técnica: Diretores:Filipe Carvalho, João Lemos e Pedro Carvalho Chefes de redação: Filipe Carvalho Redação: Filipe Carvalho, André Morais, Kenia Nunes, Miguel Rocha Social Media Manager: Inês Camacho Web development: João Lemos Designer gráfico: João Lemos, Luís Lopes Revisores: Matilde Secca Oliveira Agradecimentos: Beatriz Pequeno, Ivânia Pessoa, Bia Maria, Kenia Nunes, Luís Lopes, Miguel Rocha Créditos: Beatriz Pequeno, Ivânia Pessoa, Kings Of Convenience, Arctic Monkeys, Bia Maria, Nilüfer Yanya, James Blake, Mild High Club, The Felice Brothers Em todas as imagens reproduzidas pela revista e/ou respectivo site, foram respeitados os seus devidos diretos de autor e devidamente referenciados na ficha técnica. Desta forma, não pretendemos infligir quaisquer danos aos seus respectivos autores, colocando sempre em evidência a sua justa e respeitada utilização. A SOUNDSCOUT apenas as utiliza de forma livre e referenciada não obtendo quaisquer lucros pela sua utilização. Mail: soundscoutoficial@gmail.com Telemóvel: 935946600 Instagram: revistasound Facebook: Sound Scout Twitter: soundscout_pt

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Revista Sound regressa para a sua vigésima quarta edição, como sempre, cheia de conteúdos para os nossos leitores. Ivânia Pessoa, a artista que nos brinda com a sua arte gráfica, regressou para mais um mês, desta vez com o mais recente disco dos King Of Convenience, Peace or Love como tema. Todos os meses temos o prazer de entrevistar nomes da música nacional e internacional. Desta vez, foi a vez de estarmos à conversa com a Bia Maria, como sempre, por Zoom, onde a artista nos falou sobre a sua ainda curta e promissora carreira. O que se segue para os Macacos do Ártico? É a pergunta que se tem feito depois de se saber que os Arctic Monkeys, provavelmente estiveram a gravar o seu próximo disco nos últimos meses. Aqui, tentamos responder a essa questão que se impõe, sem compromisso de acertar. Sendo algo especial, o regresso aos concertos e à normalidade, a equipa da Sound dedicou um pequeno espaço para algumas das fotografias que a nossa colaboradora Beatriz Pequeno tirou ao longo dos três dias de duração do MIL, um festival lisboeta que celebrou o que mais gostamos, a música. Podem, também, encontrar mais uma edição do Quiz, desta vez com os anos 90 como tema. Mais uma vez, relembro para não se preocuparem com pontuação porque mesmo que falhem todas, nós não fazemos as contas. Nilüfer Yanya é cada vez um nome mais forte do mundo da música, aproveitamos para dar a ler aos nossos leitores um bocado da história da artista britânica. “A Conta Palhetas”, o guia prático para um músico com orçamento, regressa para mais uma edição, aquela que será a sua última. R.I.P A.C.P. Para terminar: esperamos que esta revista seja do agrado de todos vocês e, como sempre, não se esqueçam, se tiverem alguma dúvida ou até uma história que queiram partilhar connosco, não hesitem em contactar-nos. Por último, e não menos importante, tenham cuidado e vacinem-se. Bom mês e muita música!

Filipe Carvalho



O que se segue para os Macacos do Àrtico?

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O que se segue para os Macacos do Àrtico?

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O que se segue para os Macacos do Ártico? Terá sido por total coincidência – ou talvez não – que um mosteiro do século XVI em Suffolk, o Butley Priory, aí a duas horas de Londres, revelou que havia recebido os Arctic Monkeys durante os meses de junho e julho para a gravação daquele que será o seu sétimo trabalho de estúdio. O sucessor do polarizante Tranquility Base Hotel & Casino ainda não tem data de lançamento prevista, mas as pistas indicam que poderá estar mais próximo do que pensamos. Como é claro, havendo a possibilidade de novo disco dos Macacos do Ártico, o interrogamento dos fãs sobre como poderá soar este trabalho da banda inicia-se. E é natural que o haja, para qualquer artista. Acaba por ser um processo divertido. A única coisa que não nos podemos esquecer é que não podemos pedir nada aos artistas nem eles nos devem nada. A direção artística que escolhem deve partir apenas e só destes, mesmo que muitas vezes a indústria a tente manipular para seu proveito.

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A primeira pista para o que nos poderá trazer o sucessor de Tranquility Base Hotel & Casino parte diretamente do sítio escolhido para a gravação. Na notícia que dava conta de a gravação ter ocorrido, o mosteiro agradecia por se ter feito ouvir o contrabaixo, a bateria e o piano pela propriedade. Aqui está uma primeira indicação de que a banda constituída por Alex Turner, Jamie Cook, Nick O’Malley e Matt Helders poderá estar a apontar para prosseguir os desenvolvimentos sonoros apresentados em Tranquility Base Hotel & Casino. A segunda pista aponta exatamente nessa direção e parte da escolha de Butley Priory para a gravação destes instrumentos. Este mosteiro, à semelhança de outras igrejas, possui certas características que lhe confere uma excelente acústica para gravar instrumentos. As suas paredes em pedra permitem uma maior ressonância acústica e reflexão das ondas sonoras, dando um reverb natural aos instrumentos e vocais ali gravados. Em termos de sonoridade, isto aponta precisamente para o tipo de instrumentais espaçosos que se ouviam em Tranquility Base Hotel & Casino, criando uma sonoridade extremamente psicadélica, que reflete o conceito principal do álbum: um hotel de luxo localizado na lua que, se lermos nas entrelinhas, serve como o refúgio de Alex Turner no período pós-AM, 2013, que tornou os meninos de Sheffield numa das maiores bandas do mundo. Para muitos fãs, a possibilidade (alta) de que os Arctic Monkeys poderão manter e desenvolver a sonoridade influenciada pelo glam rock – principalmente por David Bowie – dos anos 70 é um sinal de perigo. No entanto, desafiamos os fãs, três anos depois do seu lançamento, a reouvir TBH&C e perceber que é um disco recheado de inúmeras qualidades. Liricamente, é o magnum opus de Turner até ao momento. Este extravasa todas as expectativas colocadas e consegue criar

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um pequeno universo associado ao álbum, aumentando-o mais com cada música. Em termos de composição, TBH&C é o disco mais complexo em comparação com os dois anteriores do grupo, desafiando até os próprios fãs a manterem-se comprometidos com cada pequeno detalhe (e há muitos) que vai surgindo ao longo do trabalho. Tranquility Base Hotel & Casino não foi o primeiro disco de Arctic Monkeys que teve uma receção polarizante. Com Humbug, terceiro disco do grupo, as reações foram semelhantes, e hoje o disco é tido como um dos melhores do grupo – talvez até o mais importante da sua discografia -, é o culminar da maturação entre Whatever You Say I Am, That’s What I’m Not e o disco produzido por Josh Homme. E o que se seguiu a Humbug foram dois discos que prosseguiram o desenvolvimento sonoro e dos temas desse trabalho. Porquê não esperar o mesmo do futuro pós-Tranquility Base? Até porque, e se os rumores sobre a presença do contrabaixo para gravação se confirmarem, é possível que o sucessor de Tranquility Base não seja apenas o desenvolvimento da sua estética, mas o redirecionar ligeiro da sua sonoridade para algo mais influenciado pelo jazz, género onde a presença deste instrumento é bem proeminente. E isso abre muitas portas. Quem sabe, até um disco de rock progressivo? Se calhar já estamos a ir longe demais no otimismo, mas com os Arctic Monkeys nunca se sabe. Se o sétimo álbum da banda prosseguir o desenvolvimento das fundações criadas por Tranquility Base Hotel & Casino, só podemos agradecer – sabemos que o disco vai envelhecer muito bem e que Alex Turner e companhia nos vão voltar a encantar. Esperemos que o façam já num futuro próximo.


O que se segue para os Macacos do Àrtico?

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entrevista bia maria

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Bia Maria No passado mês de agosto, a Revista SOUND teve o prazer de entrevistar Bia Maria, compositora natural de Ourém, que tem vindo a criar nome no mundo da música.


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Sound: Como surgiu a tua paixão pela música e quando é que decidiste que era isso que querias fazer na vida?

Bia Maria: É difícil perceber quando é que surgiu a minha paixão pela música, talvez quando comecei a tocar trompete com 10 anos, porque desde aí nunca parei e a música sempre esteve muito presente na minha vida. Na escola, quando era miúda, cantava muito, ou em casa com a minha mãe, com a minha avó, principalmente, sempre foi assim o modelo que tinha de inspiração, porque ela sempre cantou muito. Penso que por volta dos meus quinze anos talvez, quando se tem de decidir para que curso se vai, é que comecei a perceber que queria muito dar aulas, mas também adorava fazer música, então a maneira que encontrei ali de juntar as duas era dar aulas de música, seguir música. Acho que foi aí que percebi que se calhar era isso que queria fazer para sempre, se fosse possível. [risos]

S: Como tu referiste, começaste por estudar trompete, mas presumo que não toques tanto como antes... B: Não toco. [risos]

S: Como é que foi a tua transição para os outros instrumentos e também para a voz?

“(...) adorava escrever, e percebi que podia encontrar um meio-termo entre escrever as minhas coisas e cantá-las (...)”

Bia Maria

sessão fotográfica para a revista sound

B: Eu toquei trompete uns seis anos, e depois quando se entra para o conservatório surgem muitas coisas novas na música, a relação com outras pessoas, e penso que se começa a ganhar o gosto por descobrir outros mundos dentro da música, e então comecei a cantar no coro. Aprendi que era algo que também gostava de fazer. A parte de cantar as minhas canções, algo diferente, começou porque eu também escrevia, adorava escrever, e percebi que podia encontrar um meio-termo entre escrever as minhas coisas e cantá-las. Acho que foi assim, uma espécie de simbiose, ia explorando as duas coisas ao mesmo tempo. O problema é que não dá para estar a tocar trompete e a cantar ao mesmo tempo. É difícil. S: Não dá muito jeito.

B: Não dá, a única maneira que havia na escola e onde eu tinha mais acesso eram os pianos, porque havia um piano em quase todas as salas. Nós íamos estudar e como tínhamos um piano na sala permitia que houvesse montes de oportunidades para tocar. Comecei no piano como autodidata, tanto que depois acabei mesmo a tocar piano, queria aprender a tocar peças, e foi aí. A guitarra já veio mais no fim, como forma de compor.


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(sobre as canções de Mal Me Queres, Bem Te Quero) “(...) têm sempre um elo de ligação que acaba por ser a minha voz. Não sei se será isso que as pessoas percecionam, mas daqui foi o que tentei que acontecesse. Às vezes é difícil isso, teres canções muito diferentes e depois tentar uni-las, mas acabou por acontecer naturalmente.”

S: Na universidade estudaste música, depois começaste a gravar com a Chinfrim Discos, como é que surgiu esse convite? Eu sei que a Chinfrim foi criada por três amigos teus...

B: É uma história engraçada! Eu já conhecia o Guilherme de vista e houve uma altura, antes de começarem a Chinfrim, que eu tinha um conjunto de canções e pensei que as podia editar e lançar. Nem era tanto para ver no que dava, mas mais para me livrar delas, não fazia sentido andar a cantar para as paredes aqui em casa. A achar que não perdia nada, decidi falar com um amigo que está lá em Lisboa a estudar comigo, o Guilherme, só que na altura, quem acabou por vir falar comigo foi ele, porque com o Bernardo e o Rodrigo estava a criar a editora e já tinha ouvido algumas coisas minhas no Instagram e achavam que era uma boa maneira de começar. S: Nessa altura, gravaste o teu primeiro EP, Mal Me Queres, Bem Te Quero, que, como disseste, tem uma história. Parece-me uma história muito pessoal.

B: É sim, tem algum exagero, mas sim, é muito pessoal. É inspirada numa história verídica, portanto, acaba por estar muito diretamente ligada a mim.

S: Sim, também se repara naquele textinho que escreveste e deixaste no Bandcamp. É um EP muito eclético, com muitas influências. Como é que foi o processo criativo de escrita e depois de gravação? B: Pois... [risos]

S: Já foi há algum tempo... [risos]

B: Já faz algum tempo, sim, e estou sempre a passar por fases em que ouço muito um tipo de música. Agora ando a ouvir muito Fausto, mas se for preciso, daqui a dois meses ando só a ouvir samba, e isso acaba por se refletir muito na maneira como escrevo. Tenho sempre assim uma grande mixórdia de estilos, mas isso é algo que acontece naturalmente. Esse EP escrevi a tentar fugir das coisas que tinha para estudar na faculdade e às vezes tinha estilos muito diferentes de coisas para tocar. Acabou por surgir um conjunto de canções muito diferentes, mas ao mesmo tempo sinto que elas, de certa forma, têm sempre um elo de ligação que acaba por ser a minha voz. Não sei se será isso que as pessoas percecionam, mas daqui foi o que tentei que acontecesse. Às vezes é difícil isso, teres canções muito diferentes e depois tentar uni-las, mas acabou por acontecer naturalmente.


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S: Para mim, tudo parece como um livro. Tem os seus momentos, e cada um é diferente e continua a história mesmo assim. Aproveitando isso, queria saber o que é que influencia a tua escrita. Sei que o amor é um tema que está bem presente.

B: Acho que depende muito de fase para fase. O amor é algo muito presente, mas tudo o que causa impacto em mim influencia. Há uns tempos até estava a contar a uns amigos que realmente eu só consigo escrever sobre coisas que tenha experienciado, porque tudo o resto acaba por ser muito vazio. Tenho esta história bem estúpida: tenho um amigo que uma vez deixou um amendoim numa mala minha e disse que era para eu depois comer em casa, e eu disse-lhe “Eu não posso comer amendoins, sou intolerante...”, estávamos na brincadeira e ele disse “Pronto, agora vais para casa e já vais fazer uma música sobre isto”. Eu cheguei a casa e fiz uma música sobre aquilo. É este tipo de coisas, só consigo mesmo escrever sobre coisas, às vezes patéticas que acabaram de acontecer, que me digam alguma coisa. Nos álbuns, algo mais conceptual, acaba por ser isso mesmo, têm história.

Ter um conjunto de canções à toa, para mim, acaba por não funcionar, deixa de ter uma base, um objetivo, uma estética. Penso que funciona muito dessa forma. S: Sim, acho que tens razão, porque um álbum tem sempre de ter aquele conceito por detrás nem que seja mínimo. B: Claro, mesmo que as outras pessoas não percebam, para ti isso tem de estar claro.

S: As tuas capas têm sempre ilustrações muito interessantes. Sei que era a tua baterista que fazia... B: Sim a minha percussionista, a Daniela.

S: Como surgiu essa ideia de a convidar para fazer as capas? B: A Daniela é minha amiga há imenso tempo e na altura, quando ia lançar o primeiro EP, quis contar com ela para tocar - fazia todo o sentido -, ela tem uma sensibilidade muito especial que ia acrescentar muito à minha música. A Daniela desenha tanto que tem no IPad uma aplicação e vai fazendo os desenhos dela. Eu sempre vi a Daniela a pintar e a fazer coisas lindíssimas, e porque não?

“(...) era uma coisa que estava muito ligada a mim, às minhas raízes, à minha origem.”


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“(...) A minha avó sempre foi uma inspiração. Se canto, é muito por causa dela, ela sempre cantou muito (...)” S: Já agora…!

B: Exatamente, até porque ela conhece-me e era a pessoa perfeita para conseguir transmitir, com a capa e com os desenhos, tudo aquilo que eu também estava a sentir

S: No final do ano passado lançaste o Tradição que tem muitas influências e todos os poemas são provenientes da música tradicional portuguesa. Como surgiu esse projeto e a ideia de pegar nessa cultura, e que papel é que esse tipo de música tem na tua música?

B: A capa do Tradição era uma fotografia que eu tinha de um azulejo que tinha tirado aqui em Ourém, algures, quando tivemos um concerto. O André, meu guitarrista, também desenha muito bem, e houve uma vez que ele pegou na fotografia e pintou por cima e deixou aquilo no meu IPad. Um dia estava a olhar para aquilo e lembrei-me que poderia dar uma capa brutal e perguntei-me: “Mas do quê?”, claro, de música tradicional. Era espetacular fazer

um álbum de música tradicional e depois acabou por fazer tanto sentido, era uma coisa que estava muito ligada a mim, às minhas raízes, à minha origem. Depois porque acho que é uma música tão importante e às vezes tão desvalorizada... É a música identitária do nosso país, mais ninguém a tem. Na altura também estava a dar aulas e achei que tudo aquilo ia funcionar muito bem como material pedagógico para trabalhar com as crianças. Falei com o André, ele é fantástico na guitarra, e pensei em fazer um registo mais intimista, guitarra e voz. S: E também aproveitaste os excertos d’A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, não é?

B: Claro, sim, isso depois foi um trabalho espectacular do André, ele ainda conhecia melhor o projeto e começou logo a ver muitos vídeos e depois acabámos por construir todo aquele trabalho. S: Este ano lançaste o teu single “Amarílis”, como é que tem sido a receção?


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B: Tem sido boa, sim. A canção fala sobre um tema que nos é familiar a todos, os avós. Nós lançámos a quinze de julho, e esse mês tivemos concertos os fins de semana todos e tem sido uma correria, sinto que nem tenho tempo de absorver o impacto que a canção teve. Acho que ela anda por aí... As pessoas têm ouvido e de vez em quando mandam mensagem e dizem que encontraram a canção e que se identificam muito, que é muito bonita, que se emocionam. Penso que se causa esse impacto, é bom.

S: Como disseste, é uma canção sobre os avós. Conta-me um bocado essa história, como é que foi escrever essa canção? B: A minha avó sempre foi uma inspiração. Se canto, é muito por causa dela, ela sempre cantou, no coro e em todo o lado, e sempre a ouvi a cantar e a ser feliz a fazê-lo. Intrigava-me muito, por vezes havia coisas que podiam não estar a correr bem na vida dela, mas se ela cantava, era feliz, genuinamente feliz. Quando eu comecei a cantar percebi, havia toda uma envolvência e que isso realmente fazia parte de mim, fazia-me sentir bem, era algo que eu gostava de fazer. A canção surgiu porque a minha

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avó há uns anos começou a ficar mais limitada a andar, então houve uma altura em que ela estava sempre a cair, e cada fim de semana que eu vinha de Lisboa para casa, ela tinha uma história nova de uma queda. Estava sempre arranhada nas pernas, cheia de nódoas negras e volta e meia tinha de ir fazer curativos e levava pontos. Não sei como é que é possível uma pessoa cair tanto com a idade dela. Uma vez estava ao piano e escrevi que se ela cair, não se apressar, que eu tomo conta dela. Havia uma altura em que eu ficava com o coração nas mãos e pensava no que poderia acontecer se ela caísse outra vez. Ela sempre tomou conta de mim, eu era pequenina e passava muito tempo em casa dela. Também pensei que nós não temos de estar a escrever para as nossas pessoas só quando elas partem, às vezes precisamos de lhes agradecer, de lhes retribuir de alguma forma aquilo que fizeram por nós. E são os avós. S: E também são os nossos segundos pais, não é? B: E nunca dizem que não a nada. [risos]

S: Exato [risos]. Este ano tens feito alguns concertos, em junho e julho, foram meses preenchidos. Como correram? Como te sentiste neste regresso?


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“(...) estamos sempre em mudança e transformação e isso é muito importante, não temos de estar estáticos, fazer sempre a mesma coisa no mesmo sítio (...)”

B: Tendo em conta o ano passado, foi mesmo bom. Estamos a ter um Verão duro, tivemos no Norte três dias, depois voltamos passadas umas semanas, a Miranda do Douro. Tem sido mesmo muito bom. Mas no início, quando voltámos, sentia que ter estado parada tanto tempo e não estar em contacto com tanta gente fazia-me confusão, provocava-me ansiedade social. Parecia que não sabia lidar com as pessoas outra vez. Dizem-me sempre que estou à vontade e a falar bem, mas às vezes é como se estivesse completamente destreinada. E estava destreinada... Quase um ano sem tocar faz toda a diferença. Agora para o final já estávamos a entrar outra vez na cena. S: Pois, porque realmente um artista sente sempre aquela ansiedade de estar no palco que para cá pode não parecer, mas aí dentro está tenso... [risos] B: Sim, é mesmo. [risos]

S: Participaste, também, no álbum do Chinaskee, nos coros do Bochechas e não só, também tens a tua parte na “Edredom”. Como é que foi participar nesse projeto e qual é a tua opinião sobre o disco, visto que tens uma visão de dentro e de fora?

B: É engraçado, é algo que não tem nada a ver com o meu estilo, a minha zona de conforto é mesmo o rock. Já não sei quando conheci o Chinaskee, mas eu estava em Lisboa a estudar e ele também andava por lá, e então criou-se uma amizade, passávamos algum tempo juntos, e ele dizia que adorava ouvir-me cantar, não sei se é verdade ou não. [risos] Na altura, ele estava a preparar o disco e disse para eu ir cantar uma canção e fazer uns coros e que ia precisar de mim. Depois surgiu a pandemia e deve estar a fazer mais ou menos um ano que fui a Lisboa gravar com ele e que estive também com o Sambado, que produziu o disco. Foi uma experiência incrível, porque ao mesmo tempo que não é a minha zona de conforto, há a liberdade para eu criar e fazer a minha cena, sinto que nunca houve barreiras ou impedimentos para eu estar ali a cantar à minha maneira. Eu adoro o disco, está muito bem produzido, é mesmo rock [risos]. Fico feliz que esteja a correr bem, que ele também esteja com você. Tchau. S: E o teu disco, quando vamos poder ouvir? Este ano ainda?


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“(...) o álbum ainda vai demorar mais um pouco, talvez para finais de 2022(...)” B: Umas coisinhas, sim. O álbum era para sair ainda este ano, estivemos a prepará-lo em residência artística, mas entretanto acho que eu também fui sofrendo transformações e ficando diferente, então olho para as coisas de maneira diferente. Penso que não faz sentido estar a lançar algo com o qual já não me identifico. Teria de que o cantar ao vivo, de lhe dar voz, e acaba por não ter a mesma intenção… Então agora estou a pegar nas coisas outra vez e a trabalhá-las, reorganizá-las. Por isso penso que o álbum ainda vai demorar mais um pouco, talvez para finais de 2022. Mas, à partida, lá para novembro, espero, deve sair um EP que estive a gravar há uns meses atrás. Algo mais intimista, de piano e voz. S: Já agora, como é que a pandemia mudou a tua escrita em termos musicais e líricos?

B: Não penso ser capaz de avaliar isso agora, só daqui a uns anos é que vou olhar para trás, para as coisas que escrevi, e perceber. Se olhar para o conteúdo de 2019 e comparar com o que agora estou a escrever, é que já vejo mudança. Mudaram algumas coisas, claro, comecei a escrever mais na

guitarra. Para além disso, não sei se mudou muito, no máximo fui aprimorando as coisas e tive uma fase em que não escrevi muito, não conseguia escrever, algo como um bloqueio e eu aceitei. Só agora é que estou a voltar a treinar e a desbloquear isso. Nós estamos sempre em mudança e em transformação e isso é muito importante, não temos de estar estáticos, fazer sempre a mesma coisa no mesmo sítio. Também vamos ouvindo música diferente, conhecendo e trabalhando com pessoas diferentes… Tudo isso tem influência. Mas acho que a única coisa que vou tentando sempre fazer é ir aprimorando a escrita, se leio mais e conheço mais, também vou conseguindo transmitir isso nas minhas canções. Talvez tenha mais canções que não são uma história contada diretamente, continuo a ter muitas que são, mas comecei a explorar mais. Na verdade, quando comecei a escrever com quinze ou dezasseis anos, escrevia muito ao contrário de uma história, por vezes era tudo abstrato, mas com o tempo deixei esse processo de lado e comecei a escrever em modo de história, como se estivesse a contá-la. Agora voltei outra vez ao abstrato e às vezes até a tentar encontrar um equilíbrio entre a história e o abstrato, e gosto desse intermédio.


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S: Sinto que, como tu dizes, muita gente passou por isso, pelo creative block, na pandemia. Como conseguiste ultrapassá-lo, como foi começar a escrever outra vez?

B: Houve muita gente que durante a pandemia escreveu imenso, eu escrevi imenso quando voltei para casa, quando ainda estava a acabar a licenciatura, no primeiro confinamento. Escrevi porque estava a estudar ainda, era algo para tentar fugir ao estudo e acabava por surgir muita coisa. Mas a partir de setembro entrei mesmo numa fase de bloqueio, e acontecia também porque comecei a julgar-me demasiado, a ser muito crítica com as coisas em vez de deixar as canções fluírem. Era demasiado rígida, começou a não ser positivo porque bloqueava tudo. Entretanto, apercebi-me disso, e que tinha de deixar respirar as coisas e deixar que surgisse naturalmente. Não tens de estar sempre a escrever alguma coisa. Depois veio a primavera e começámos a sair de casa, começou tudo a ficar mais leve, começaram os concertos também e aos poucos comecei a escrever outra vez, poemas e prosas. Também fui sentindo motivação para escrever. Por vezes é fácil sentir que se tem de fazer canções porque as pessoas antes gostaram e agora também têm de gostar, e não têm. Se nós gostarmos, está tudo bem. Vai sempre haver alguém que goste, e ao bloquearmos o processo de escrita, nunca vamos chegar a lado nenhum. Bora escrever, é só isso que importa! S: Quase a terminar, eu costumo acabar sempre com a mesma pergunta: Quais são as tuas maiores influências. Eu sei do teu amor pela Cristina Branco, provavelmente ia ser a tua primeira escolha...

B: [risos] Bem, Cristina Branco... É mesmo. Mas também tenho influências ao nível de interpretação, de cantores, e depois ao nível da composição da escrita.

S: Sim, podem ser escritores, não precisam de ser músicos... B: Relativamente a cantores e intérpretes é a Cristina Branco, e nomes grandes, o António Zambujo. Há de haver mais, mas estas são as principais, já têm muita identidade na voz. Na escrita, sempre ouvi muito e me identifiquei com a Luísa Sobral. Também costumo ler muito Florbela Espanca e identifico-me bastante porque é uma escrita muito amargurada, sobre amor num nível desastroso, inspira-me muito.

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Nilufer Yanya

Nos últimos três anos, Nilüfer Yanya tem ganho um espaço de destaque na cena musical inglesa. Nasceu e cresceu em Londres, mas as suas raízes espalhamse pela Turquia, Irlanda e Barbados – esta mistura de culturas acabou por influenciar a sua produção musical, e já na escola primária Yanya começara a compor as suas próprias canções. A sua voz aveludada acompanhada da guitarra, fiel escudeira de todas as horas, tem vindo a seduzir públicos mundo fora, conquistando-lhe um lugar certeiro no pódio da cena do indie-rock britânico. Aprendeu a tocar guitarra aos 12 anos com o produtor musical e membro dos The Invisible, Dave Okumu que, ao longo da sua carreira, trabalhou com nomes como Amy Winehouse, Anna Calvi ou Jessie Ware. Inconscientemente (ou não), o estilo destas artistas acaba por transparecer nas produções de Yanya, seja pelo tom dreamy das suas canções ou mesmo pela estética dos videoclipes (que mereciam todo um artigo próprio, pela beleza e simplicidade), que acabam por invocar, através de cores berrantes e cenários DIY, a vibe indie-rock do início dos anos 2010. O seu primeiro single, “Waves”, foi lançado em 2014 no SoundCloud, onde já podemos ouvir aquilo que viria a ser a sua assinatura: a guitarra renhida que a acompanha já começava a brilhar por entre as frestas. Em “Waves”, Yanya parece evocar o eco dos The xx e a delicadeza de Tracy Chapman, apesar de já mostrar uma mestria instrumental imaculada e uma voz que passou a ser inconfundível. Em 2016, surgiu o primeiro EP, Small Crimes, seguido de Plant Feed no ano seguinte e, em 2019, lançou o seu primeiro longa-duração. Trata-se de Miss Universe, um álbum conceptual composto por 17 canções. Influências dos anos 1980 e 1990 transparecem, mas há uma ponte que se estabelece com os tempos atuais e uma aura profundamente futurista nas composições de Yanya. Em cinco momentos, acompanham-nos interlúdios satíricos: Ouvimos a sua voz robotizada,

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uma telefonista a fazer propaganda para uma distópica clínica de wellness. Ao longo das 17 canções, Nilüfer navega as inseguranças, a paranoia, a ansiedade e a vontade de se afirmar sem saber, porém, até onde e o que deve revelar. Em Miss Universe, Yanya esculpe o seu próprio mundo – é um mundo onde jazz-pop, trip-hop e grunge colidem, onde composições instintivas moldam desejos num fluxo de consciência repleto de preocupação, ansiedade e uma atitude pop-star! emotiva. Nilüfer Yanya sabe musicar perfeitamente uma espiral descendente, ao passo que consegue, imediatamente a seguir, criar músicas orelhudas, daquelas que damos por nós a cantarolar inconscientemente. Chegar à última canção de Miss Universe é como chegar ao final de uma odisseia, onde a fome é saciada pela sedução e o pânico é explícito, até eufórico. Confusão pode ser o grande tema por trás deste brilhante álbum, mas Miss Universe é tudo menos confuso. Nilüfer Yanya mostra que é dona de seu mundo, guiando-nos por caminhos traçados por ela e mais ninguém. Feeling Lucky?, o mais recente EP, redefine e mostra, novamente, esta mestria de Yanya em esculpir o seu próprio universo musical. Neste disco de três faixas, a artista envereda por um caminho rock’n’roll um pouco mais sórdido, igualmente lapidado. A indagação pela sorte que algures se perdeu é acentuada pela repetição (aqui em “If you ask me one more question / I’m about to crash”, que repetido à exaustão torna-se num mantra vertiginoso) e pela guitarra inconfundível que continua a embalar as letras preenchidas pela voz espaçosa de Yanya. Nilüfer Yanya nunca descaiu. Desde a sua estreia nas lides musicais, o seu progresso tem sido permanentemente ascendente. O magnum opus está por vir, mas o caminho que tem vindo a traçar mostra-nos que vamos continuar a ouvir falar de Yanya durante muito tempo. E que assim seja.


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A Conta Palhetas


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A Conta Palhetas: Guia prático para o músico com orçamento Tratamos setembro como o mês da culminação de material orçamentado! Encerramos “ACP” após seis edições, nas quais pudemos expor várias soluções a nível de guitarras, amplificadores e pedais, e trazemos como capítulo final – crème de la crème – a aplicação desse material aos géneros musicais mais relevantes! Com 1000€ no bolso e muita música na cabeça vamos aplicar o que aprendemos com tudo o que fizemos reviews. Recomendamos sem dúvida alguma:


A Conta Palhetas

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BOSS KATANA 100 MKII + SQUIER (BY FENDER) CLASSIC VIBE 50’S TELECASTER = PARAÍSO DO ROCK ALTERNATIVO

Calma, não vamos atirar pedras a ninguém. Este misto de equipamento é uma excelente combinação para o músico que procura experimentar diferentes sons no mundo do rock alternativo, indie rock, etc., estilos que não utilizam muito overdrive, mas que necessitam de ganho e diferentes tonalidades para modificar o sinal original. Excelente ponto de partida para o experimentalismo do rock! Graças ao Boss Katana e as suas préconfigurações (todas editáveis), é uma excelente escolha para pacientemente experimentar, experimentar, e voltar a experimentar tonalidades.

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MARSHALL ORIGIN 20C + EPIPHONE LES PAUL STANDARD = ROCK TODA A NOITE E BLUES ATÉ DE MADRUGADA!

Fãs de rock clássico, hard rock, electric blues, psicadélico... Nada temam! Com este setup estão servidos para riffs e solos até de madrugada. A saturação e volumes certos permitem aos roqueiros expandir o seu arsenal sonoro (com a adição de pedais, ainda mais territórios podem ser explorados) e alcançar a Meca do Rock. Uma combinação clássica para as tonalidades clássicas, uma escolha acertadíssima permitindo espaço para upgrade no futuro. Fãs de blues, têm aqui uma perfeita escolha graças à valvulação deste Marshall que apenas merece elogios. Juntem o famoso BOSS BD-2 BLUES DRIVER para a tonalidade extra no topo, momentos mais smooth ou momentos mais poderosos, e divirtam-se!


A Conta Palhetas

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EPIPHONE EJ-200SCE + FENDER ACOUSTIC 100 = ROCK ACÚSTICO E COUNTRY FORTE

Uma guitarra que fizemos questão de incluir na edição de abril. É volumosa, audível, vistosa, bem construída, configurável a nível de pickups, com uma projeção monstruosa... Porque não a utilizar em temas de rock transformados para acústico? Várias bandas de renome transformaram temas para acústico. Força nisso! Se a tua onda é mais country, cowboys... Bem, tens tudo aqui. A beleza exótica americana está presente na estética deste instrumento, junto de uma projeção esplêndida para acompanhar a voz de qualquer cantor e acompanhar o ritmo acelerado.

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SQUIER (BY FENDER) CLASSIC VIBE 50’S TELECASTER + MARSHALL ORIGIN 20C = COUNTRY ELETRIFICANTE

Para o guitarrista que pretende acompanhar a velocidade do ritmo e ainda preencher a sonoridade com leds intensos, esta é a opção certa! Tonalidade interessante para comandar a banda e extra no topo para solar, uma combinação de calma e agressividade certa num ponto de equilíbrio estranhamente familiar. Não recomendado para slow pickers! Adicionar ELECTRO-HARMONIX OCEANS 11 para o reverb perfeito.


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A Conta Palhetas

TAYLOR GS MINI + FENDER ACOUSTIC 100 = BLUES ACÚSTICO COM INTIMIDADE E FOLK PROTESTANTE

Sim, com esta combinação rebentamos o orçamento mas esta guitarra consegue cobrir tudo! Um blues acústico íntimo, ou mesmo uma canção folk, são meras opções para esta combinação. Para o músico que exige qualidade sonora, esta é uma opção acertada e direta, com algum espaço para moldar o som amplificado mas acima de tudo qualidade na exposição acústica artística.

R.I.P. A C P Assim damos como finalizada a nossa rubrica “A Conta-Palhetas” onde tentamos, acima de tudo, incentivar mais pessoas a pegarem em instrumentos e escolherem sem medo dos snobismos típicos, onde com uma pequena base de informação poderiam chegar longe e escapar das críticas excessivamente pesadas dos cavaleiros do purismo sonoro. Criamos um guia de músicos para músicos, simplificamos a simplificação e tentamos não furar a carteira a ninguém... Até um dia!



36 - Sound, Outubro 2019


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