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Espaço Cícero Dias é arte, história e cidadania
from Sefaz 130 anos
by Keops Ferraz
José do Rego Maciel, no térreo da Secretaria. O evento contou com a presença de Cícero Dias, autoridades e, conforme relata o ex-secretário, ele fez questão de deixar uma placa comemorativa registrando que a intervenção realizada naquele lugar se tratava de uma restauração. E, assim, a iniciativa ficaria marcada para que outros não destruíssem o patrimônio, como havia sido feito. Everardo Maciel conta que Cícero Dias foi muitas vezes à Secretaria da Fazenda. Quando estava no Recife, gostava de acompanhar o trabalho. Transmitiu sua emoção e deu dicas importantes aos técnicos, em meio àquela mobilização para recuperar os murais. Impressão que consta em documentos históricos e que refletem o sentimento do pintor: “Para mim, o resultado da restauração dos meus murais é uma emoção a mais. Quanto mais vejo restaurar-se o que pintei no passado, a minha emoção aumenta” - celebrou o artista. O trabalho de restauração não foi fácil. Resultou, inclusive, em um convênio com a Universidade do México, país que tem tradição na arte em murais. Também foi feita uma parceria entre a Secretaria da Fazenda e a Secretaria do Turismo do Estado, através do Museu do Estado, que, naquele momento, era atrelado à pasta. O Museu dispunha de uma equipe especializada para realizar a missão, de acordo com registro do escritor Manoel Correia de Andrade. O secretário Luiz Otávio Cavalcanti, que sucedeu Everardo Maciel e ficou no cargo de 1983 a 1986 (na primeira das duas passagens como titular da Secretaria), foi igualmente zeloso com o patrimônio cultural que a Secretaria abriga. Ele seguiu trabalhando pela recuperação e preservação dos murais. Luiz Otávio conta que disponibilizou tudo o que era possível (recursos e apoio técnico especializado) para que o trabalho fosse feito da melhor forma, obtendo os melhores resultados. Também confiou a Caio de Souza Leão a sequência do projeto, tendo ele correspondido com grande empenho e dedicação. Sensível ao valor da obra, Luiz Otávio é pragmático. Garante que, se pudesse resumir em uma frase essa questão de Cícero, diria que a coisa mais valiosa que existe na Secretaria da Fazenda não são “os dinheiros do ICMS”. São os painéis de Cícero Dias. O saldo do trabalho iniciado em 1980 foi o de seis murais restaurados, dois perdidos - porque paredes foram destruídas - e um mural altamente danificado, a ponto de não ser mais passível de recuperação. É justamente o mural intitulado A Mulher Deitada, que embelezava o sétimo andar. De acordo com documentos, restaram apenas fragmentos. Somente 5% da pintura original. “Os abstratos procuram sua referência geográfica. Eu procurei a minha fase abstrata, o meu chão, a paisagem que guardava em minha memória ou aquela que olhava quando pintava. As lembranças de todas as minhas coisas que me prendem ao passado e a minha terra”.
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Murais, pintados em 1948, refletem memórias do famoso artista pernambucano em sua terra natal. Fotos: Daniela Nader Entre os murais que ressurgiram das camadas de tinta estão A Praia Vista do Mar e O Mar Visto da Praia, que podem ser contemplados no térreo do edifício-sede da Sefaz-PE. Já O Engenho de Cana-de-Açúcar encontra-se logo na entrada do prédio, também no térreo. O Canavial está no primeiro andar. E os outros dois belos murais estão no nono andar, no espaço do auditório, de onde Cícero Dias tinha ampla vista do rio e das pontes da cidade. Cenário que o inspirou na execução da obra.
eSPAÇO cULTUrAL No catálogo da exposição comemorativa dos 60 anos dos murais, cujo evento foi realizado pela Sefaz-PE em parceria com a Fundação Gilberto Freyre, entre 18 de maio e 28 de agosto de 2009, reproduções de documentos históricos resgatam o sentimento de Cícero Dias em relação à fase que vivia quando presenteou a Secretaria com os painéis: “Os abstratos procuram sua referência geográfica. Eu procurei a minha fase abstrata, a referência de minhas raízes, o meu chão, a paisagem que guardava em minha memória ou aquela que olhava quando pintava. As lembranças de todas as minhas coisas que me prendem ao passado e à minha terra”. O catálogo também é ilustrado por uma transcrição da carta de Cícero Dias enviada, em 4 de agosto de 1948, ao então governador do Estado, Barbosa Lima Sobrinho, por ocasião da inauguração de uma exposição do artista na Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife. No documento, um trecho especial da mensagem: “Ofereço ao povo do meu Estado os trabalhos murais executados na Secretaria da Fazenda, onde procurei transmitir as emoções puras e simples dos motivos caracteristicamente regionais, no simbolismo, o mais abstrato, da cor e forma da minha arte”. Os murais passaram por outros momentos de restauração, como em 1989, na gestão da secretária Tânia Bacelar. De acordo com o catálogo da exposição, também ocorreram intervenções em 2002 e 2004, a última tendo como foco principal um dos painéis do nono andar. E foi assim - como mais um marco das comemorações dos murais e por ocasião da exposição - que surgiu, em 2009, o Espaço Cultural Cícero Dias (ECCD/ Sefaz-PE). O local, no térreo e no primeiro andar da Secretaria, promove a difusão da memória fazendária e exposições que retratam a história da instituição por meio do seu acervo histórico e artístico, e pela Unidade de Documentação e Biblioteca. O ECCD também abriga os eventos da Educação Fiscal, tendo como público


professores e estudantes do Programa de Educação Fiscal, universitários, servidores e turistas. A Secretaria da Fazenda foi incluída, também em 2009, no Circuito Cultural e Turístico Cícero Dias, que passa pela Praça do Arsenal, pelo primeiro ateliê do artista (na Avenida Martins de Barros), pela Casa da Cultura. E, por fim, chega à Praça do Marco Zero, onde no piso está desenhada a Rosa dos Ventos, inspirada no famoso painel do artista Eu vi o mundo... Ele começava no Recife. Por conta da pandemia da Covid-19, que surpreendeu o mundo em 2020, impondo o “novo normal”, visitas e atividades voltadas para conhecimento histórico, cultural e à estimulação da Educação Fiscal foram suspensas, bem como o acesso à exposição permanente de mobiliário e equipamentos antigos. O Espaço Cultural Cícero Dias chega a 2021 em fase de reestruturação. A partir das diretrizes da gestão comandada pelo secretário Décio Padilha, de transformação do espaço da Sefaz-PE, que continuará com a exposição dos painéis e a história de Cícero Dias. O projeto prevê a inclusão de novas ferramentas tecnológicas. A interatividade, com recursos multimídia, em ambiente híbrido, é um dos elementos que serão introduzidos no local para fazer a diferença e unir passado, presente e futuro de forma criativa, dinâmica e mais atraente. A intenção é deixar o lugar cada vez mais conectado com o público. Uma das novidades será um memorial fazendário, que contará a evolução da Secretaria, com seus principais marcos a partir de uma linha de tempo. Também será dado destaque ao hall dos secretários, ao Programa de Educação Fiscal e, como não poderia deixar de ser, às obras de Cícero Dias. A modernização garante, portanto, o acesso ainda mais amplo da sociedade a esse Espaço múltiplo, único, e que é um patrimônio de todos. A intenção é transmitir história e fazer com que as pessoas entendam na prática, em um ambiente impregnado pela arte, a importância da Sefaz-PE para o desenvolvimento do estado e da sociedade.
Biblioteca cinquentenária entra na era da interatividade
O dia 3 de abril de 1970 registrou uma rotina atípica na Secretaria da Fazenda de Pernambuco. Naquela sexta-feira, um evento inédito movimentou andares e corredores do imponente edifício-sede, na Rua do Imperador. Havia chegado a tão aguardada data que marcava a inauguração da Biblioteca, com 1.200 títulos, que agregou também a Unidade de Documentação e Biblioteca (UNDB). Ao longo dos anos, o espaço se tornou uma referência afetiva para os servidores. Um reduto de encontros, trocas de ideias e conhecimentos. Mas, sobretudo, uma importante fonte da história da instituição. A solenidade foi muito prestigiada, como mostram os registros do livro Secretaria da Fazenda: Um Século de História, de Manuel Correia de Andrade. O então secretário da Fazenda e anfitrião, Oswaldo Coelho, recebeu o governador do Estado, Nilo Coelho, e o ministro do Tribunal de Contas da União e ex-governador Etelvino Lins de Albuquerque, além de outras autoridades, personalidades, servidores e advogados. Manuel Correia registra, ainda, duas figuras emblemáticas na história da Biblioteca. Uma masculina, outra feminina. Ele é o Dr. Luiz Romero Patury Accioly, procurador fiscal do Estado. Ao observar a grande quantidade de livros sobre Direito Tributário e legislações afins, que sempre precisava consultar e se acumulava em seu gabinete, ele sugeriu ao secretário disponibilizar o importante acervo ao público. O que foi acatado. A figura feminina é Dolores Garcia Farrapeira, primeira chefe do setor e que comandou um time de profissionais específico para o novo serviço. Em Secretaria da Fazenda: Um Século de História, o autor chama a atenção, ainda, para outro marco importante. A Biblioteca foi o primeiro setor da Sefaz-PE a fazer uma contratação numerosa de mulheres. As bibliotecárias tinham vários papéis importantes: faziam pesquisas, coordenavam todos os procedimentos técnicos necessários ao funcionamento pleno das atividades, catalogavam edições seriadas, cuidavam dos protocolos de empréstimos dos exemplares e de todo o processo de organização e preservação do acervo. Instalado no primeiro andar do edifício-sede da Secretaria da Fazenda, o espaço disponibiliza um acervo sobre Direito Tributário, Direito Constitucional, Finanças, Estatística. Temas relacionados às atividades da SefazPE. Conta também com um material que trata da Educação Fiscal, tema prioritário na instituição. Tal acervo reúne edições de antigas revistas editadas pelos próprios fazendários, como a Fisco & Finanças, que circulou no

Biblioteca foi inaugurada em 1970 com 1.200 livros Foto: Reprodução do Acervo da Sefaz- PE período de janeiro de 1980 a abril/junho de 1984, bem como trabalhos técnicos e científicos produzidos por seus servidores. Em 2019, a Biblioteca diversificou o seu acervo e enveredou para o setor de arte e cultura. Passou a dialogar ainda mais com o Espaço Cultural Cícero Dias. Naquele ano, foi iniciada uma busca por livros, revistas, catálogos e documentos, inclusive vislumbrando a área da museologia. E o apoio chegou de muitas frentes, a exemplo do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE), Museu de Arte de São Paulo (MASP) e da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Foi um grande avanço, levando-se em consideração que a Secretaria da Fazenda resguarda os primeiros murais abstratos na América Latina, produzidos pelo pintor pernambucano Cícero Dias (1907-2003). A Biblioteca também é um ponto de apoio para quem quer receber orientações das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para realização de trabalhos, fazer registro de livros, publicações e material audiovisual.
reeSTrUTUrAÇÃO cOM TOQUe DiGiTAL Passados mais de 50 anos do evento da inauguração, a relevância da Biblioteca promete ser ainda maior, graças a uma ampla reestruturação, prevista para ser finalizada em 2022. O projeto reúne memória, modernidade e tecnologia. Tudo planejado e pensado nos mínimos detalhes para deixar o vasto material mais acessível, atraente e à disposição da sociedade. O trabalho, deflagrado em 2021, durante a gestão do secretário Décio Padilha, consiste em realizar um levantamento completo do acervo, com seleção de conteúdo, digitalização, catalogação de livros, imagens, vídeos institucionais, documentos históricos e seriados (como o Diário Oficial). A reestruturação foi contemplada com recursos do Profisco II. O programa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) também engloba intervenções importantes no Espaço Cultural Cícero Dias, ao qual está integrada a Biblioteca, e em ações voltadas para a Educação Fiscal. A Biblioteca é, simbolicamente, um forte elo entre a sociedade e a instituição. Um laço que tende a se estreitar ainda mais através da modernização pela qual estão sendo submetidos o acervo e o Espaço Cultural Cícero Dias, levando em conta os novos elementos de interatividade. Trata-se, indiscutivelmente, de um patrimônio do Estado e dos cidadãos.