Presença Especial - 01/2016

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INFORMATIVO DO SINDICATO DOS PROFESSORES DE CAXIAS DO SUL

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contra gênero e, se não frearmos essa forma antidemocrática de pensar e agir, em breve teremos outras tentativas de cerceamento e proibição que nos afundarão em um absurdo ainda maior. Aquilo que neofundamentalistas muito ignorantes chamam de “ideologia de gênero” se inscreve nessa linha. Dito isso, penso que o feminismo é um processo, um devir, e que o nosso feminismo, o feminismo de cada uma que produz essa diversidade de feminismos, nunca está pronto. Do mesmo modo, o meu feminismo também não está pronto. Desde que comecei a me interessar por questões de gênero, primeiro pesquisando as mulheres na história da filosofia, percebi que a misoginia é um dado cultural que preside perversamente os textos dos filósofos, os textos literários, o texto bíblico. A misoginia faz parte de todas as teorias, das formas de pensar, formadas por homens a partir de seus interesses e do seu lugar de privilégio. A vida concreta, as instituições, o dia a dia, estão absolutamente estruturadas nessa base. O feminismo é a desconstrução disso tudo. A minha posição tem sido nesse sentido de praticar um feminismo dialógico, aberto a toda forma de alteridade, crítico, como não poderia deixar de ser e também desconstrutivo.

PRESENÇA: Por que você diz que feminismo é uma questão de solidariedade? MARCIA TIBURI: Para as mulheres que não foram diretamente violentadas ou oprimidas, pois indiretamente todas somos, o feminismo pode parecer inútil, algo que

não lhes concerne. Nesse sentido, a postura feminista só pode advir de uma questão de consciência. Da necessária solidariedade que mulheres que não se sentem oprimidas, pois de algum modo se empoderaram, ou – na mesma linha – se iludiram, tem com as demais mulheres oprimidas. No entanto, em um sentido mais profundo, o feminismo se sustenta como laço social entre singularidades marcadas pela condição feminina necessariamente subalterna e secundária em uma sociedade patriarcal. Esse laço é de solidariedade, advém da capacidade de ligar-se ao outro, de perceber que seu sofrimento particular produz vínculo. Mulheres em geral se iludem em sua cultura, tornam-se vítimas do machismo estrutural, da dominação

masculina sem saber. Feministas são aquelas pessoas que percebem que há algo de ideológico em ser hetero denominado como mulher e ter que corresponder a um papel ou estereótipo de gênero. Em palavras bem simples, feminista é a mulher que percebe que está envolvida em relações de poder como um objeto e precisa inverter esse jogo transformando-se em sujeito autônomo de sua própria condição.

PRESENÇA: Você costuma dizer que “Ninguém nasce machista, torna-se machista.” As instituições de ensino educam para o machismo? Quais seriam as alternativas a essa realidade? MARCIA TIBURI: Todas as instituições, do Estado à família, da igreja aos meios de comunicação, sustentam e reproduzem o machismo estrutural. A escola não é diferente. Mas poderia ser. O que se ensina e se experimenta na escola vai depender de um projeto pedagógico necessariamente marcado por ideologias. É verdade que estamos todos bastante engessados pela instituição escolar, mas é verdade também que é a instituição que precisa ser reestruturada em outras bases, não machistas. Isso é bem complicado, mas não impossível de se fazer. Talvez não haja vontade política. Talvez não haja inteligência política para isso. O machismo é uma opressão que se vale da ignorância. Desmontar o machismo estrutural implica mudar o rumo do ensino, trocar o ensino mercadoria (cara ou barata) por um ensino crítico, um ensino voltado à formação do sujeito autônimo, do cidadão democrático. Falar de gênero, de sexualidade, é fundamental nesse processo. A história das mulheres, a história da intersexualidade, filosofia e sociologia que discutam problemas epistemológicos, a questão da violência envolvendo gênero, que sejam capazes de mostrar o nexo entre gênero, sexualidade, raça e classe social, bem como questões relativas à idade e os preconceitos de plasticidade (as chamadas deficiências, bem como as formas estéticas que implicam medidas de peso) tudo isso colabora para um ensino mais democrático.

PRESENÇA: Por que existe esse tabu em relação às discussões de gênero na escola? MARCIA TIBURI: Os cidadãos co-


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