A vertigem das listas: a oficina d’O evangelho segundo Jesus Cristo Sara Grünhagen*
Este trabalho se desenvolve em torno de uma cena central do romance O evangelho segundo Jesus Cristo (1991), de José Saramago: estando Deus, o Diabo e Jesus numa barca, tomamos conhecimento da História futura da religião prestes a ser criada, e isso pela boca daquele que seria o seu principal responsável. Os episódios, mártires e tormentos listados pela impopular personagem de Deus são numerosos e paradigmáticos do uso frequente que Saramago faz da enumeração, um artifício narrativo que remete a mais de uma tradição literária e que, como se buscará mostrar, é um dos meios utilizados pelo escritor português para revisitar várias histórias, com ou sem H maiúsculo. As abundantes e vertiginosas listas do Evangelho provocam ainda interrogações sobre a presença no texto de materiais que serviram de base para a criação ficcional: afinal, como já se perguntara Harold Bloom a propósito da cena da barca, de onde provêm todos aqueles dados, com tantos detalhes mórbidos? Além disso, por que há tantos mártires portugueses? A partir do estudo de alguns dos materiais preparatórios do Evangelho, o objetivo deste trabalho será mostrar, enfim, que o recurso da enumeração não só tem uma função crítica importante na narrativa como abre as portas da biblioteca que alimenta o romance, levando-nos para dentro da oficina do escritor. Palavras-chave: José Saramago. O evangelho segundo Jesus Cristo. Literatura. História.
* Sara Grünhagen é licenciada em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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